FACULDADE SUDOESTE PAULISTA Instituição Chaddad de Ensino S/C Ltda. PSICOLOGIA BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA ANÁLISE SIMBÓLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA PERSPECTIVA JUNGUIANA AVARÉ-SP 2013
FACULDADE SUDOESTE PAULISTA
Instituio Chaddad de Ensino S/C Ltda.
PSICOLOGIA
BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA
ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA
PERSPECTIVA JUNGUIANA
AVAR-SP
2013
BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA
ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA
PERSPECTIVA JUNGUIANA
Monografia apresentada ao curso de
Psicologia, da Faculdade Sudoeste Paulista
como requisito parcial para obteno do ttulo
bacharel em Psicologia.
Orientadora: Prof. Dra. Mrcia Gagliardi
AVAR-SP
2013
FACULDADE SUDOESTE PAULISTA FSP PSICOLOGIA
FOLHA DE APROVAO DE MONOGRAFIA
TTULO: ANLISE SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR NUMA PERSPECTIVA JUNGUIANA
AUTOR: BRUNO RICARDO PEREIRA ALMEIDA
ORIENTADORA: PROF. DRA. MRCIA GAGLIARDI
________________________________________
Prof Dra. Mrcia Gagliardi
DATA DA APROVAO: _____/_____/______
NOTA FINAL: __________________
DEDICATRIA
A todos os fs de God of War
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo aos meus pais e a minha irm pelo apoio, confiana e
credibilidade depositados. Graas a vocs pude concluir esta etapa de minha vida.
Agradeo especialmente a minha namorada Keroline que foi a base para a construo
desta monografia. Por sua dedicao e compreenso ao entender meus anseios, minhas horas
dedicadas a este trabalho e por sempre me apoiar e me motivar a escrever, o meu obrigado.
Aos meus professores que ajudaram a expandir meus conhecimentos sobre a
Psicologia principalmente minha orientadora Prof. Dra. Mrcia Gagliardi, pois quando
ingressei na faculdade tive o fascnio de assistir suas aulas sobre o mestre Carl Gustav Jung e
me apaixonar pela teoria.
Aos professores: Rubens Pereira por sua demonstrao de fora, luta e prazer por ser
docente; Edson Laino por suas conversas que motivaram a escrever sobre o tema; Tatiane
Barbosa por suas dicas e sugestes na elaborao do projeto desse trabalho; David Polonio
pela credibilidade depositada em mim para apresentao na semana acadmica; Jurandyr por
seus feedbacks e dicas para apresentao; e todos que se dedicaram a compartilhar seus
ensinamentos.
Ao meu supervisor de estgio individual Joo Roberto Franco por suas inmeras dicas
e sugestes para os atendimentos, sempre pontuando o quo complexo ser psiclogo e ao
mesmo tempo me incentivando ser um.
Aos meus pacientes dos estgios individual e grupal, com os quais aprendi muito.
Aos meus colegas de estgio e de classe que foram de extrema importncia para
motivao tanto do curso quanto da monografia.
Aos meus amigos que foram fundamentais para meu crescimento tanto pessoal como
intelectual por nossas inmeras conversas filosficas: Bruno Candiotta e Felipe de Souza.
Aos meus amigos que jogam videogame e me motivaram a escrever sobre o tema:
Max Pereira, Victor Almeida, Giovane Freitas, Augusto Csar, Volney Morais e Tiago
Prestes.
Aos meus amigos de infncia com os quais passei muitas horas e foram
compartilhadas jogando videogame: Rodrigo Oliveira, Rodrigo Bryan, Danilo Lima, Renato,
Edson, Jos Nelo, Jlio Csar, Marcos Paulo, Tiago, Neto Barros.
EPGRAFE
So os jogos que nos do algo para nos ocuparmos quando no h nada a ser feito. Por
isso, costumamos cham-los de passatempos e os consideramos um frvolo tapa-buracos em
nossas vidas. Mas eles so muito mais do que isso. So sinais do futuro. E cultiv-los com
seriedade agora ser, talvez, nossa nica salvao.
Bernard Suits (apud MCGONIGAL, 2012)
RESUMO
A presente monografia fez um estudo da histria do God of War com base na Psicologia
Analtica e como norteadora da histria, a jornada do heri ou monomito. Pretendeu-se
investigar se o jogador de videogame se identifica com o arqutipo do heri. Para analisar o
jogo, baseou-se no livro que deu origem ao God of War escrito por Robert Vardeman e
Matthew Stover. O objetivo deste trabalho foi investigar, por meio da Psicologia Analtica, os
contedos inconscientes tornando-se conscientes, em forma de smbolos, dos personagens
atravs da jornada do heri de Campbell (1997), Vogler (2006) e Levy (2008). E como
objetivo especfico a anlise dos contedos arquetpicos atravs do mtodo de amplificao.
apresentada a leitura simblica de God of War e a relao do arqutipo do heri com a
individuao no videogame. Foi possvel concluir que o jogador pode se identificar com o
arqutipo do heri enquanto joga atravs do mtodo de amplificao, trazendo conscincia
smbolos que emergem do inconsciente.
Palavras-chave: Mitologia grega, Psicologia Analtica, God of War, Videogames, Monomito,
Arqutipos.
ABSTRACT
This monograph is a study of the history of the God of War based on analytical psychology
and history as a guide the hero's journey or monomyth. Aims at investigating whether the
video game player identifies with the hero archetype. To analyze the game, based on the book
that gave birth to the God of War written by Matthew Stover and Robert Vardeman . The aim
of this study was to investigate by means of Analytical Psychology unconscious contents
becoming conscious in the form of symbols, characters through the hero's journey of
Campbell (1997), Vogler (2006) and Levy (2008). And as a specific objective analysis of
archetypal contents through the amplification method. It presented a symbolic reading of God
of War and the relationship of the hero archetype in the game with individuation. It was
concluded that the player can identify with the archetype of the hero while playing through
amplification method, bringing to consciousness the unconscious symbols emerged.
Keywords: Greek mythology, Analytical Psychology, God of War, Video Games, Monomyth,
Archetypes.
LISTA DE QUADROS
Quadro
1. Resumo dos trs autores........................................................................................................24
2. Estrutura da jornada do heri de Kratos - God of War.........................................................25
SUMRIO
1. INTRODUO .................................................................................................................. 12
2. DO JOGO AO LIVRO GOD OF WAR ............................................................................. 15
3. DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................... 17
3.1 Psicologia Analtica .......................................................................................................... 17
3.2 A jornada do heri ............................................................................................................ 21
3.3 Mitologia Grega ................................................................................................................ 26
4. LEITURA SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR ................................................... 28
5. ARQUTIPO DO HERI E INDIVIDUAO ............................................................. 39
6. CONCLUSO ..................................................................................................................... 42
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 44
12
1. INTRODUO
A movimentao financeira da indstria dos videogames superior do cinema.
Sendo a terceira maior no mundo, perdendo apenas para a indstria blica e automobilstica.
(SANTAELLA; FEITOZA, 2009). Nos ltimos anos os videogames tem sido objeto de
estudo acadmico e tem crescido em diversas reas do conhecimento.
Escolhemos o jogo God of War pela temtica mitolgica para responder o
problema de pesquisa: O jogador o prprio heri do jogo? Por se tratar de uma questo
metodolgica de transcrever o jogo optou-se por utilizar o livro para ter um material mais
fidedigno e literrio da histria God of War ao invs do prprio jogo.
Assim mudamos o problema de pesquisa para: O leitor prprio heri do livro?
Pretende-se analisar a histria tendo como abordagem norteadora a Psicologia Analtica para
a compreenso dos elementos que aparecem no mesmo.
A aplicao da Psicologia Analtica pesquisa cientfica abre possibilidades de
atuao profissional, que vo alm da prtica clnica, e constitui um desafio da
prtica junguiana a ser enfrentado. A perspectiva simblica arquetpica como forma
de compreenso da realidade nos habilita a investigar os fenmenos nos contextos
individual e coletivo. (PENNA, 2004, p.71)
Cita-se Jung (2011), o qual concebe que todos os homens, primitivos ou
modernos, compartilham de um conhecimento arquetpico universal sendo um deles a
mitologia. Segundo Hollis (1997) o mito a dramatizao de valores conscientes e
inconscientes de um grupo ou indivduos (p. 16).
Para esse autor, ler mitos uma forma de psicoterapia1 pessoal e cultural, uma vez
que, ao faz-lo, colocamo-nos em contato com as experincias bsicas da vida por meio de
imagens, que so vivenciadas de forma significativa, embora se situem alm da compreenso
intelectual, ou seja, caminhamos para a individuao.
Nas palavras de Jung (1975) Uso a palavra individuao para designar um
processo atravs do qual um ser torna-se um individuum psicolgico, isto , uma unidade
autnoma e indivisvel, uma totalidade. (p. 355).
O objetivo deste trabalho investigar por meio da Psicologia Analtica os
contedos inconscientes tornando-se conscientes, em forma de smbolos, dos personagens do
livro baseado no jogo God of War atravs do monomito ou jornada do heri de Campbell
1 Do grego psyche, alma e therapeuein, escutar.
13
(1997), Vogler (2006) e Levy (2008). Tendo como objetivos especficos: Leitura simblica
dos contedos arquetpicos atravs do mtodo de amplificao. Para Jung (2011) "A maioria
dos dados requer certa amplificao, isto , um esclarecimento, uma generalizao e uma
aproximao de um conceito mais ou menos geral." (p.245). E para Ulson a amplificao
um termo utilizado por Jung para designar o trabalho de encontrar outras imagens de
significados semelhantes, a fim de aprofundar e ampliar seu contedo simblico. (1988, p.
75).
Neste trabalho utilizou-se de uma pesquisa qualitativa, que segundo Dezin e
Lincoln (apud PENNA, 2007, p.80):
[...] implica uma nfase em processos e significados que no so rigorosamente
examinados ou medidos (se medidos), em termos de quantidade, intensidade ou
frequncia. Pesquisadores qualitativos enfatizam a relao ntima entre o
pesquisador e o que estudado, e os limites situacionais da investigao. Eles
buscam respostas para questes que enfatizam como a experincia criada e
significada.
E Penna (2007, p.129) esclarece e cita que: [...] a dinmica do processo de
pesquisa bastante complexa e seu desenvolvimento est sujeito a constantes revises e
reformulaes em funo das ponderaes e descobertas feitas pelo pesquisador durante todo
o processo..
Na metodologia foi utilizada uma pesquisa qualitativa focada em tericos da
psicologia analtica e estudiosos de mitologia tais como: Jung (1974, 1975, 1981, 1987,
2008), Brando (1976, 1987), Alvarenga (1999, 2005, 2010), Franz (1985, 1990, 2003), entre
outros.
As bases de dados consultadas foram o Google acadmico, Scielo, Portal BVS e
foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: mitologia grega, videogames, games, jogos
eletrnicos, psicologia junguiana, arqutipo e anlise simblica. Foram selecionados com
combinao de no mnimo trs palavras-chaves, 45 documentos do ano de 2002 at 2012. No
critrio de seleo prevaleceram os documentos que tivessem consonncia com o tema e
objetivos nas questes de conceitos tericos e metodologia, resultando em duas dissertaes
de mestrado e duas monografias.
Foi encontrado apenas um artigo que faz referencia a Jung e videogame intitulado
Os arqutipos e os Jogos de Vdeo Game (LEVY, 2008). Neste artigo foi realizado uma
anlise geral dos arqutipos e videogames, sendo importante fonte norteadora para anlise de
nosso trabalho.
14
O primeiro captulo traz uma breve histria dos videogames apresentando o
surgimento do videogame, do Playstation e a franquia do jogo God of War. Por fim o
resumo do livro God of War.
No segundo captulo uma reviso dos principais conceitos da Psicologia Analtica
utilizadas no decorrer do trabalho. Seguida de uma reviso bibliogrfica sobre mitologia grega
explicando os principais conceitos e motivos para ter sido estudada. Por ltimo, a jornada do
heri estudada por Joseph Campbell.
No terceiro captulo apresentada a leitura simblica do livro God of War atravs
da Psicologia Analtica, analisando de forma simblica, utilizando-se da tcnica de
amplificao.
O quarto captulo correlaciona o leitor de God of War com o arqutipo do heri
atravs da jornada do heri.
O presente trabalho espera contribuir para as futuras pesquisas de psicologia e em
videogames.
15
2. DO JOGO AO LIVRO GOD OF WAR
Na presente monografia, pretende-se fazer a anlise simblica junguiana da
histria do livro do jogo de videogame2 God of War. Antes de falar sobre o livro God of War
importante definir o conceito de game e investigar a histria dos videogames, especialmente
a histria da empresa Sony criadora do console3 Playstation.
Entretanto, embora o termo videogame se refira mais propriamente aos jogos
exclusivos para consoles dedicados, acoplados a um monitor de vdeo, ele acabou
por se firmar para designar genericamente quaisquer jogos desse tipo. Isso se deu
porque todos eles tiveram a mesma origem: os jogos eletrnicos, um
desenvolvimento comum e tambm porque utilizam o computador para produzir e
processar em estruturas digitas. De todo modo, a expresso em portugus, mais
apropriada e genrica para todos esses jogos seria jogos eletrnicos, mas
amplamente chamados de games (SANTAELLA; FEITOZA, 2009, p. 10)
Games se refere aos jogos construdos para suportes tecnolgicos eletrnicos ou
computacionais. Os games so divididos em trs tipos de acordo com o suporte utilizado:
jogos para consoles, que so construdos para consoles especficos de videogames, com a
visualizao de monitores de televiso, como Playstation; jogos de computador, que so
desenvolvidos para microcomputadores pessoais, conectados em rede ou no; jogos para
arcade ou fliperama, so mquinas grandes integradas (console-monitor) em lugares pblicos
(SANTAELLA; FEITOZA, 2009).
Segundo Lima (2008), em 1958, no Laboratrio Nacional de Brookhaven, foi
possvel realizar o primeiro esboo de um videogame, feito por um osciloscpio4 ligado a um
computador analgico, criando-se o primeiro jogo, conhecido como Tennis for Two. Em
1966, Ralph Baer recebeu a incumbncia de criar a melhor televiso de todo o mundo. A
partir dessa proposta, imaginava-se uma televiso que fosse interativa, com jogos inclusos,
mas a ideia no passou dessa fase. Anos mais tarde, em 1971, a Magnavox compra o projeto
de Ralp Baer e comea a desenvolver o Odyssey, primeiro videogame para ser conectado
televiso.
O God of War foi criado para o console Playstation, avanaremos no tempo em
que surge a marca:
2 Videogame: so jogos digitais que receberam essa denominao por se tratar de jogos visualizados por meio de
um dispositivo de varredura, como monitores ou TV. 3 Console: Aparelho eletrnico que executa os jogos eletrnicos.
4 Osciloscpio: Aparelho de funcionamento parecido com o de um monitor de televiso, usado no estudo das
oscilaes eltricas e de fenmenos que nelas se possam transformar, registrados, nesse caso, em uma tela
fluorescente por meio da varredura dos feixes de eltrons e cujas representaes grficas variam com o tempo,
gerando assim o movimento da imagem observada.
16
A quinta gerao [...] quem mais se destacou no mercado foi o PLAYSTATION da
empresa Sony Corporation, aps ter separado da Nintendo por causa de um contrato
mal sucedido, comeou a produzir seus prprios consoles com um novo tipo de
tecnologia, os jogos no eram gravados em cartuchos, mas em CD, dando incio a
uma nova utilidade para o console, o PLAYSTATION era capaz de funcionar como
um aparelho de som, tocar CD's de msica atravs da televiso. A Sony entrou na
competio porque encontrou um nicho no mercado que no estava bem preenchido,
o de consumidores adultos. (PAYO, 2008, pg. 15)
O jogo God of War foi lanado para o console Playstation 2:
PLAYSTATION 2 (PS2) da Sony, lanado no ano 2000, veio no embalo do
antecessor, se tornou o videogame mais vendido no mundo no dia 26/10/2007, o
PS2 ultrapassou a marca de 120 milhes de unidades vendidas desde o lanamento.
(PLAYSTATION 2, apud PAYO, 2008 pg. 15).
A escolha do God of War5 foi feita pela quantidade de representao mtica e
tambm pelo nmero de vendas do mesmo, nossa pesquisa feita pelo site VGChartz.com
(2013)6 informava que franquia j vendeu mais de 20 milhes de cpias pelo mundo, sendo os
seguintes jogos por ordem cronolgica: God of War (Playstation 2, 2005), God of War:
Chains of Olympus (PSP e Playstation 3, 2006) God of War: Betrayal (Celular, 2007), God of
War II (Playstation 2 e 3, 2007), God of War III (Playstation 3, 2010), God of War: Ghost of
Sparta (PSP e Playstation 3, 2010) e God of War: Ascension (PlayStation 3, 2013). O jogo
do gnero Hack and slash (ao-aventura) e single-player (jogo eletrnico para um jogador).
Baseamos no livro que deu origem ao God of War escrito por Robert Vardeman e
Matthew Stover, da Editora Leya, lanado em 2012 para analisar os contedos simblicos.
Nele contada a histria do guerreiro mtico Kratos, um servo dos deuses do Olimpo, com a
promessa de ser transformado em um guerreiro perfeito por Ares (Deus da Guerra). Kratos
enganado por Ares e mata acidentalmente a sua famlia e segue amaldioado pela morte de
seus entes queridos. Decidido a no servir mais a Ares, Kratos atormentado pela lembrana
de seus atos e procura os outros deuses para fazer um trato e servi-los por dez anos. Ao final
desse acordo, o guerreiro procura por Atena, que o livrar dos tormentos e o perdoar por
todos os seus atos, mas com uma condio, que ele mate Ares. Kratos aceita a tarefa lutando
com vrios monstros e superando diversos obstculos e desafios. Kratos consegue achar a
Caixa de Pandora e destruir o deus Ares, e se torna o novo deus da guerra.
5 Desenvolvida pela Santa Monica Studio e publicada em 2005 pela Sony Computer Entertainment.
6 http://www.vgchartz.com/gamedb/?name=god+of+war acesso 10 mar 2013
http://www.vgchartz.com/gamedb/?name=god+of+war
17
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Psicologia Analtica
O referencial terico deste trabalho a Psicologia Analtica, definida como um:
[...] conjunto de conhecimentos (teoria) que procura investigar e explicar a estrutura e o
funcionamento da psique e uma categoria de psicoterapia (prtica) formulada inicialmente
pelo psiquiatra e psiclogo suo Carl Gustav Jung. (RAMOS, 2002, pg. 111).
Segundo Silveira (1981) e Stein (2006) Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de
1875, em Kesswil, concluiu o curso de medicina na Universidade de Basilia, na sua em
1900 e finaliza sua especializao em psiquiatra em 1905 no Hospital Psiquitrico Burgholzli.
Neste Hospital Jung era assistente do psiquiatra Eugen Bleuler (1857-1939)
conhecido por ser o idealizador do termo esquizofrenia. Bleuler promoveu Jung como seu
substituto e chefe do departamento ambulatorial (STEVENS, 2012).
Em 1907, Jung estabelece contato com Sigmund Freud. Algum tempo depois
Freud nomeia Jung para ser o primeiro presidente da Associao Psicanaltica Internacional.
Porm, em 1912, Jung rompe com Freud e passa por um perodo de crise que chamou de
confronto com o inconsciente. No ano de 1913, Jung nomeia o seu trabalho de Psicologia
Analtica (YABUSHITA, 2012).
Jung morreu aos 86 anos de idade, em sua casa s margens do lago de Zurique,
deixando uma vasta obra com importantes contribuies para o entendimento e compreenso
da alma humana (ibidem, 2012, p. 14).
Segundo Jung (2008) a mente humana possui traos dos estgios anteriores de sua
evoluo, os contedos inconscientes exercem na psique uma forte influncia. Pode-se ignorar
a sua existncia, mas, inconscientemente, reagimos a eles, assim como fazemos as formas
simblicas por meio das quais se expressam. E quanto mais detalhadamente estuda as
historias do simbolismo e seu papel na vida de diferentes culturas, mais damos conta de que
h um sentido de recriao de smbolos.
O inconsciente a poro da psique situada fora do conhecimento consciente,
esses contedos so formados por memrias recalcadas e por material que nunca foram
conscientes, como pensamentos, imagens e emoes (STEVENS, 2006). Sendo dividido em
inconsciente coletivo e inconsciente pessoal:
O inconsciente coletivo uma parte da psique que pode distinguir-se de um
inconsciente pessoal pelo fato de que no deve sua existncia experincia pessoal,
18
no sendo, portanto, uma aquisio pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal
constitudo essencialmente de contedos que j foram conscientes e, no entanto,
desapareceram na conscincia por terem sido esquecidos ou reprimidos, os
contedos do inconsciente coletivo nunca estiveram na conscincia e portanto no
foram adquiridos individualmente, mas devem sua existncia apenas
hereditariedade. [...] O conceito de arqutipo, que constitui um correlato
indispensvel da ideia do inconsciente coletivo, indica a existncia de determinadas
formas na psique, que esto presentes em todo o tempo e em todo o lugar. (JUNG,
2011, p.53).
Jung define arqutipo como: contedos do inconsciente coletivo [...] (2011, pg.
12). Kast (2010), Jacobi, (1995) e Silveira (1981) entendem arqutipo como sistemas
psquicos neuronais, adquiridos filogeneticamente. A etimologia da palavra arque significa
inicio, origem, causa e principio, representa tambm a posio de um lder, ou seja, de uma
espcie dominante, e tipo significa batida e que produzido por ela, isto , forma bsica ou
estrutura primaria. O arqutipo exige sempre interpretao nova, pois est em constante
transformao, mas atenta que no se deve ter iluso que um arqutipo possa ser explicado,
porque a melhor tentativa de explic-lo, apenas uma traduo para outra metfora.
Outro conceito importante a ser destacado o de complexo. Hall (1998, p.18)
explica que cada complexo um grupo de imagens relacionadas entre si, formadas em torno
de um ncleo central de significado que, em sua essncia, arquetpico.
Para Jacob (1995) cada complexo portador de significado, quando est fora do
alcance da vontade do consciente, ele inconsciente. [...] podem manifestar todos os graus
de autonomia (p.19).
Young-Eisendrath e Dawson (2002) explicam que Jung foi o pai da teoria dos
complexos, atravs de um experimento chamado teste de associao de palavras, em que as
pessoas respondiam ao ser apresentada uma palavra de estmulo, Jung percebeu que
determinadas distraes eram inconscientes e a pessoa no conseguia associar. Essas
distraes eram chamadas de complexos de ideia de tom emocional ou simplesmente
complexos (p.79). Isto :
Por meio do Teste de Associao de Palavras, Jung havia demonstrado que os
complexos, que ligam as razes pessoais e arquetpicas das representaes mentais,
eram "carregados de afeto", ou seja, eram veculos para as muitas variedades de
experincias emocionais que informavam a vida psicolgica do indivduo (p143).
Portanto ao verificarmos que a matriz do complexo o arqutipo, importante
destacar:
19
Embora todos os arqutipos possam ser considerados como sistemas dinmicos
autnomos que podem ser relativamente independentes do restante da personalidade,
alguns arqutipos evoluram tanto que merecem ser tratados como sistemas
separados dentro da personalidade. Eles so a persona, a anima e o animus e a
sombra (CAMPBELL; HALL; LINDZEY, 2000, p. 90).
Conforme Jung (1975) e Hall (1998), a persona derivada da palavra grega para
mscara, que comporta implicaes quanto s mscaras cmicas e trgicas do teatro grego
clssico. um sistema de adaptao para se comunicar com o mundo, sua funo de
relacionamento com o mundo coletivo exterior. Ou seja:
Qualquer cultura fornece muitos papis sociais reconhecidos: pai, me, marido,
esposa, mdico, sacerdote advogado, etc. Estes papis envolvem modos geralmente
esperados e aceitveis de funcionamento numa cultura, incluindo at com
frequncia, certos estilos de vesturio e de comportamento. O ego em
desenvolvimento escolhe vrios papis, integrando-os mais ou menos na identidade
do ego dominante (HALL, 1998, p. 23-34).
Entretanto o arqutipo de sombra tambm tratado como sistema separado da
personalidade: Na psicologia junguiana compreendemos por sombra aqueles aspectos de
nossa personalidade que no esto de acordo com a nossa autoimagem um pouco idealizada.
(KAST, 2010, p. 123). Isto :
A parte inferior da personalidade. Soma de todos os elementos psquicos pessoais e
coletivos que, incompatveis com a forma de vida conscientemente escolhida, no
foram vividos e se unem ao inconsciente, formando uma personalidade parcial,
relativamente autnoma, com tendncias opostas as do consciente. A sombra se
comporta de maneira compensatria em relao a conscincia. Sua ao pode se
tanto positiva como negativa. [...] A sombra personifica o que o individuo recusa
conhecer ou admitir e que, no entanto, sempre se impe a ele, direta ou
indiretamente., tais como traos inferiores do carter ou outras tendncias
incompatveis (JUNG, 1975, p. 357).
Jung (1975) define o arqutipo de anima como representao do feminino no
homem e animus como representao do masculino na mulher.
Segundo Hall (1998), as imagens anmicas de anima e animus tem funo de
ampliar a conscincia, pois, [...] estimula o ego e o impele para modos de ser que ainda no
foram integrados. (p.22).
20
importante destacar as divergncias de Jung e Freud: Jung amplia o conceito
de libido, que passa a ser uma energia psquica geral e no apenas de carter sexual, como
Freud a conceitua (SERBENA, 2013, p. 76). Stevens (2012) diferencia o simbolismo entre
Freud e Jung, sendo que para o primeiro o smbolo seria uma representao figurativa de uma
ideia, conflito ou algo inconsciente, ou seja, disfarava o verdadeiro significado da ideia que
representa. J para Jung os smbolos eram entidades vivas que lutam para expressar algo
previamente desconhecido, isto , ideias intuitivas que no momento da criao no poderia ser
formulada de maneira melhor.
Para Jung (1974), o smbolo tem a funo de equilbrio da psique como um todo,
sendo criativo, pois pode conter um fundamento que unifica os opostos.
Em termos da dinmica da psique, o smbolo, e por consequncia os processos
simblicos relacionados ao mito, possibilitam a circulao de energia psquica
atravs do meio externo, do consciente e do inconsciente atuando em um dinamismo
integrador, estabelecendo conexes entre foras psquicas e objetos opostos e
antagnicos. Deste modo, ele opera como uma funo transcendente, pois por seu
intermdio ocorre uma transcendncia ou superao destas oposies e conflitos
pela transformao dos seus contedos e da energia psquica que estava retida neles
(SERBENA, 2013, p. 81).
Franz (1990) e Silveira (1981) descrevem os tipos psicolgicos de Jung. Os dois
tipos de atitude: extroverso e introverso so distinguidas atravs do movimento da libido
(energia psquica) em relao ao objeto. Segundo Stevens (2012) o extrovertido est
orientado principalmente para os eventos do mundo exterior, o introvertido preocupa-se
basicamente com o mundo interior (p.101).
Segundo Jung (2008) alm das atitudes extroverso e introverso, existem quatro
tipos funcionais: A sensao (isto , a percepo sensorial) nos diz que alguma coisa existe;
o pensamento mostra-nos o que esta coisa; o sentimento revela se ela agradvel ou no; e a
intuio nos dir de onde vem e para onde vai (p.74, grifo do autor).
21
3.2 A jornada do heri
Campbell reconhecido por seu profundo estudo dos mitos da humanidade,
diferenciando-se dos outros pesquisadores por evidenciar os elementos comuns que revelam a
unidade entre eles, mostrando, dessa forma, a importncia do inconsciente coletivo (LEVY,
2008, p. 2).
O heri um estruturante de conscincia, sendo uma emergncia contnua na vida
do ser humano e assim, uma necessidade da psique. O heri tem uma meta, seu
movimento paradoxal: extroverter, introverter, adquirir e incorporar, avanar e
recuar, promovendo transformaes; [...] serve de veculo ao processo de
individuao. Heri e faanha se fundem, gerando um nome prprio, traduo de
sua natureza essencial (ALVARENGA apud SOUZA, 2009. p. 22).
Para Jung (2008), o mito do heri o mais conhecido em todo o mundo,
encontrado em diversas mitologias, variando em seus detalhes, mas estruturalmente muito
semelhantes. Para Neumann:
[...] o heri o precursor arquetpico da humanidade em geral. O seu destino o
modelo que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi na verdade, com
atrasos e intervalos, mas o suficiente para que os estgios do mito heroico faam
parte dos constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivduo
(NEUMANN, 1990, p. 107).
Campbell (1997) esquematiza a jornada do heri:
A primeira tarefa do heri consiste em retirar-se da cena mundana dos efeitos
secundrios e iniciar uma jornada pelas regies causais da psique, onde residem
efetivamente as dificuldades, para torn-las claras, erradic-las em favor de si
mesmo (isto , combater os demnios infantis de sua cultura local) e penetrar no
domnio da experincia e da assimilao direta e sem distores, daquilo que C. G.
Jung denominou imagens arquetpicas (CAMPBELL, 1997, p. 27).
Depois de realizar a primeira tarefa, o heri deve retornar ao nosso meio,
transfigurado e ensinar a lio de vida renovada que aprendeu (ibidem, p. 28).
Por isso Campbell (1997) demonstra que cada heri adquire a face de sua cultura
especfica, mas sua jornada sempre a mesma e cclica, vivendo sempre o mesmo mito,
conceituando-o de monomito.
22
O percurso padro da aventura mitolgica do heri uma magnificao da
frmula representada nos rituais de passagem: separao-iniciao-retorno que podem ser
considerados a unidade nuclear do monomito (ibidem, p. 36).
Composto por dezenove elementos o ciclo da jornada do heri e separados em trs
estruturas, assim se configura: A primeira estrutura a partida ou separao composta pelo
Mundo Cotidiano, Chamado Aventura, Recusa do Chamado, Ajuda Sobrenatural, Travessia
do Primeiro Limiar, Barriga da Baleia. A segunda estrutura chamada de descida, iniciao
ou penetrao. Composta pela Estrada de Provas, Encontro com a Deusa, A Mulher como
Tentao, Sintonia com o Pai, Aptese, e A Grande Conquista. A terceira e ltima estrutura
chamada de Retorno composta pela Recusa do Retorno, Voo Mgico, Resgate de Dentro,
Travessia do Limiar, Retorno, Senhor de Dois Mundos e Liberdade de Viver.
Campbell (1997) resume a jornada do heri da seguinte forma:
O heri mitolgico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, atrado, levado ou
se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presena
sombria que guarda a passagem. O heri pode derrotar essa fora, assim como pode
fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o
irmo, batalha com o drago; oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser
morto pelo oponente e descer morto (desmembramento, crucifixo). Alm do limiar,
ento, o heri inicia uma jornada por um mundo de foras desconhecidas e, no
obstante, estranhamente ntimas, algumas das quais o ameaam fortemente (provas),
ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mgica (auxiliares). Quando chega ao
nadir da jornada mitolgica, o heri passa pela suprema provao e obtm sua
recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela unio sexual com a deusa-me
(casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o
pai), pela sua prpria divinizao (apoteose) ou, mais uma vez se as foras se
tiverem mantido hostis a ele - , pelo roubo, por parte do heri, da bno que ele foi
buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de uma expanso
da conscincia e, por conseguinte, do ser (iluminao, transfigurao, libertao). O
trabalho final o do retorno. Se as foras abenoaram o heri, ele agora retorna sob
sua proteo (emissrio); se no for esse o caso, ele empreende uma fuga e
perseguido (fuga de transformao, fuga de obstculos). No limiar de retorno, as
foras transcendentais devem ficar para trs; o heri reemerge do reino do terror
(retorno, ressurreio). A bno que ele traz consigo restaura o mundo (elixir). (p.
241-242)
J Vogler (2006) faz um ajuste do monomito de Campbell e cria uma estrutura
para roteiristas americanos propondo uma nova tcnica de roteiro, observando desenhos
animados dos estdios de Walt Disney criou:
Ato I Partida: O Mundo Comum, Chamado Aventura, Recusa do Chamado,
Encontro com o Mentor, Travessia do Primeiro Limiar.
23
Ato II Descida: Testes, Aliados, Inimigos; Aproximao da Caverna Oculta;
Provao Suprema, Recompensa.
Ato III Retorno: Caminho de Volta, Ressurreio, Retorno com o Elixir.
Portanto, a linha da histria do monomito fica assim exemplificada: O heri sai de
seu ambiente familiar e seguro para se aventurar num mundo estranho e hostil - feito, por
exemplo, de labirintos, cidades estranhas, outras dimenses, entre outros. Enfrenta um
conflito de vida ou morte com um antagonista poderoso; a certa altura, parece que ele no
poder escapar destruio, mas o heri acaba por triunfar (LEVY, 2008).
Nos videogames o primeiro ato mais longo, porque o jogador precisa conhecer
os comandos do jogo, aprender e criar um vnculo com o personagem antes do aparecimento
do problema que requer soluo.
No segundo ato apresenta os obstculos para o jogador, compreende que existe
uma srie de barreiras e nveis que o jogador precisa superar, gerando ento a estrutura da
tenso dramtica na histria.
A autora diferencia o jogo do cinema, pois no jogo no h limite de tempo, o
jogador pode andar para onde quiser e gerando assim uma iluso de liberdade.
Quando chega o terceiro ato, isto , o final do jogo, tem um significado para o
jogador.
Vogler (apud LEVY, 2008) seleciona seis personagens arquetpicos e suas
funes no roteiro ou jogo. Sendo o primeiro o arqutipo do heri, cuja funo dramtica
buscar a identificao do jogador e buscar a prpria superao do eu. O segundo seria do
Vilo e tem a funo de desafiar o heri e ser o contedo de sombra. Mentor, sendo o terceiro
arqutipo, tem como funo ensinar e pode representar o Si-mesmo. Quarto sendo o
Guardio, que testar o heri e representa os complexos. O aliado como funo de trazer a
integrao de anima, e por fim, o arqutipo de Trickster7 como funo de rever o status quo e
funo psicolgica transcendente.
Sendo assim, Levy (2008) apresenta um quadro com o resumo das estruturas da
jornada do heri:
7 O Trickster um personagem neutro que gosta de fazer travessuras, mas tambm pode causar danos severos
atravs de suas brincadeiras. Estas podem impedir o Heri de progredir ao longo de sua jornada. Estes
personagens podem ser ajudantes do Heri ou at mesmo um personagem Vilo. Este arqutipo carrega em si o
desejo de mudana da realidade. A sua funo acordar o Heri para a realidade, denunciando a hipocrisia e as
incoerncias. (LEVY, 2008, p.16)
24
Quadro 1 - Resumo dos trs autores
Jornada do Escritor O Heri de Mil Faces As Tarefas do Heri no Jogo
Ato I Partida, separao
1. O Mundo Comum Mundo Cotidiano O heri apresentado em seu dia-a-
dia.
2. Chamado Aventura
Chamado Aventura A rotina do heri quebrada por
algo inesperado, inslito ou
incomum. (surge o oponente
frustrao)
3. Recusa do
Chamado
Recusa do Chamado Heri no quer se envolver.
4. Encontro com o Mentor
Ajuda Sobrenatural O mentor pode ser tanto algum
mais experiente, como uma
situao que o force a tomar uma
deciso.
5. Travessia do Primeiro Limiar
Travessia do Primeiro Limiar
e
Barriga da Baleia
Heri decide ingressar num novo
mundo. Sua deciso pode ser
motivada por vrios fatores, entre
eles algo que o obrigue, mesmo que
no seja essa a sua opo.
Ato II
Descida, iniciao, penetrao.
6. Testes, Aliados, Inimigos.
Estrada de Provas No mundo especial fora do
ambiente normal do heri em que
passar por testes, receber ajuda
(esperada ou inesperada) de aliados
e ter que enfrentar os inimigos.
7. Aproximao da Caverna Oculta
Encontro com a Deusa
A Mulher como Tentao
Sintonia com o Pai
O heri se aproxima do objetivo de
sua misso, mas o nvel de tenso
aumenta e tudo fica indefinido
Inicio da confrontao.
8. Provao Suprema
Aptese Auge da crise continua a
confrontao.
9. Recompensa
A Grande Conquista Passada a provao mxima, o
heri conquista a recompensa.
Ato III Retorno
10. Caminho de Volta Recusa do Retorno
Vo Mgico
Aps ter conseguido seu objetivo,
ele retorna ao mundo anterior.
11. Ressurreio Resgate de Dentro
Travessia do Limiar
Retorno
Senhor de Dois Mundos
O heri pode ter que enfrentar uma
trama secundria no totalmente
resolvida anteriormente.
12. Retorno com o Elixir Liberdade de Viver O heri volta ao seu mundo, mas
transformado j no mais o
mesmo.
Fonte: LEVY (2008, p.5-7)
No quadro a seguir apresentamos a estrutura do livro God of War na jornada do heri,
resumindo das tarefas do heri Kratos:
25
Quadro 2 - Estrutura da jornada do heri de Kratos - God of War.
As Tarefas do Heri no Jogo (LEVY,
2008)
As Tarefas do Heri no Jogo God of War
O heri apresentado em seu dia-a-dia. Kratos, um guerreiro espartano, que tem a esposa e uma filha.
A rotina do heri quebrada por algo
inesperado, inslito ou incomum. (surge
o oponente frustrao)
Kratos e seu exrcito esto perdendo uma batalha.
Heri no quer se envolver.
Ao verificar que no consegue vencer pede ajuda a Ares. Ares
aceita e faz vencer a guerra com a lmina do caos. Kratos ento
vira servo de Ares e faz destruir tudo que aparecer em sua frente.
At que Kratos possudo pela fora e poder, acaba matando sua
prpria filha e esposa, deseja ento a vingana pela morte de sua
famlia.
O mentor pode ser tanto algum mais
experiente, como uma situao que o
force a tomar uma deciso.
Atena guia Kratos para encontrar a Caixa de Pandora (nico
objeto capaz de derrotar um deus).
Heri decide ingressar num novo
mundo. Sua deciso pode ser motivada
por vrios fatores, entre eles algo que o
obrigue, mesmo que no seja essa a sua
opo.
Kratos aceita a proposta de Atena que livrar seus pecados se ele
matar Ares.
No mundo especial fora do ambiente
normal do heri em que passar por
testes, receber ajuda (esperada ou
inesperada) de aliados e ter que
enfrentar os inimigos.
Kratos luta com a Hidra, e com ajuda de Poseidon vence a
batalha. Atena diz para achar a Orculo dentro da cidade de
Atenas. Kratos encontra a deusa Afrodite, e ela auxilia. Depois
encontra com Zeus que lhe entrega poder de controlar raios. Aps
enfrentar Minotauros e Ciclopes e soldados de Ares, Kratos
finalmente chega ao Templo do Orculo.
O heri se aproxima do objetivo de sua
misso, mas o nvel de tenso aumenta e
tudo fica indefinido Inicio da
confrontao.
O Orculo guia Kratos para caminhar em direo ao deserto.
Kratos passa trs dias escalando a montanha at chegar no gigante
Cronos, que acima dele est o templo em que se encontra a caixa
de pandora. Mata diversos monstros para encontrar a caixa de
pandora. Porm, quando est levando a caixa para fora do templo,
l de Atenas, os olhos atentos de Ares percebem o plano de
Kratos. Ares arremessa uma estaca de pedra de Atenas e acerta
em cheio Kratos no alto da montanha acima de Cronos, enquanto
Kratos agoniza com a estaca perfurada em seu peito, as Harpias
em ordem de Ares roubam a Caixa.
Auge da crise continua a confrontao. Kratos vai parar no Trtaro, mas consegue agarra na perna de um
homem e sobe at chegar onde no tinha mais onde subir, e o
coveiro puxa Kratos com uma corda.
Passada a provao mxima, o heri
conquista a recompensa.
Kratos vai ao encontro com Ares. Usa seus poderes de controlar
os raios dado por Zeus e atinge a corrente que amarra a Caixa,
fazendo-a cair na beira do mar.
Aps ter conseguido seu objetivo, ele
retorna ao mundo anterior.
Caixa de Pandora aberta, a energia que flui dela faz Kratos se
tornar to gigante quanto Ares. Ares no se assusta, pois mesmo
Kratos sendo de seu tamanho ele ainda era apenas um mortal.
O heri pode ter que enfrentar uma
trama secundria no totalmente
resolvida anteriormente.
Os dois iniciam um combate final, porm quando Ares ferido e
percebe que a vitria no ser to fcil, pretende destruir Kratos
de outra forma - psicologicamente. Ares transporta Kratos para o
momento em que ele iria entrar no templo, onde sua mulher e
filha se escondiam do ataque que ele mesmo criara. Neste
momento, Kratos tem que defender sua mulher e filha dos outros
Kratos que surgem para mat-las.
O heri volta ao seu mundo, mas
transformado j no mais o mesmo.
Kratos se torna o deus da guerra.
26
3.3 Mitologia Grega
O termo grego mythos significa palavra, enredo, fala e tem relao com o conceito
de expresso. Mas expresso do qu? O que o mito expressa , em ltima analise, a
percepo que o humano tem das coisas, ou seja, a imposio de estruturas
dramticas ao fluxo e ao caos da natureza. muito possvel que a natureza no tenha
significado intrnseco; que simplesmente seja. Mas os humanos contm um processo
psquico de natureza estruturante, como parte de sua constituio essencial, e
aplicam-na ao caos. Ao coloc-lo em ordem, estabelece-se um relacionamento
significativo com o mundo. Com sua substncia simblica, rtmica e metafrica, o
mito cria uma ponte entre o desconhecido e o conhecedor, e ajuda o ser humano a
colocar-se em alguma espcie de relao de significado com o mistrio (HOLLIS,
1997, p. 11).
Citiva (1973) explica que a palavra mitologia vem do grego mythos que significa
fbula8, e logos, tratado.
Alvarenga (2010) entende que o mito uma forma de explicar o mundo e o homem.
Todas as culturas e civilizaes tm os seus mitos que falam da criao e estruturao do
universo, da formao das sociedades, de como o mundo foi criado e os homens foram
forjados de virtudes, males e pecados apareceram e se instauraram no mundo. Esse modo
no lgico de entender as coisas traduzido pelo mito como uma forma primordial de
explicar a realidade de ser e estar no mundo (p.41).
Campbell (1997) observava que as mitologias tradicionais cumprem quatro funes. A
primeira harmonizar a conscincia com as precondies de sua prpria existncia mediante
uma das trs formas de participao: exteriorizando, interiorizando ou efetuando uma
correo. A segunda funo interpretativa, apresentando uma imagem consistente da ordem
do universo. A terceira funo dar validade e respaldo a uma ordem moral especfica, a
ordem da sociedade da qual surgiu essa mitologia. E a quarta e ltima conduzir o individuo
a vrios estgios e crises da vida, ajudando-o a compreender o desdobramento da vida com
integridade.
Portanto Gusdorf (apud BRANDO, 1986, p.34) acredita que [...] a conscincia
mtica, embora reprimida, no est morta. O interesse pelo passado constitui-se aqui na
preocupao com o atual.
Brando (1986) salienta, nesta tentativa de conceituar o mito, que o mesmo no tem a
conotao usual de fbula, lenda, inveno, fico, mas a acepo que lhe atribuam e ainda
8 O conceito de fbula no nos deve induzir a crer que o mito seja uma fico caprichosa da imaginao. Dentro
da narrativa mtica esconde-se um aspecto, um ncleo, que encerra uma verdade (CITIVA, 1973, p. 3).
27
atribuem as sociedades arcaicas e culturas primitivas, onde mito o relato de um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a interveno de entes sobrenaturais.
Para Mircea Eliade (apud BRANDO, 1986, p. 36), Mito , pois, a narrativa de uma
criao: conta-nos de que modo algo, que no era, comeou a ser.
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essncia efetivamente
uma representao coletiva, que chegou at ns atravs de vrias geraes. E, na
medida em que pretende explicar o mundo e o homem, isto , a complexidade do
real, o mito no pode ser lgico: ao revs, ilgico e irracional. Abre-se como uma
janela a todos os ventos; presta-se a todas as interpretaes. Decifrar o mito , pois,
decifrar-se (BRANDO, 1986, p.36).
Os smbolos da mitologia no so fabricados; no podem ser ordenados, inventados
ou permanentemente suprimidos. Esses smbolos so produes espontneas da psique e cada
um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte (CAMPBELL, 1997, p. 15-16).
28
4. LEITURA SIMBLICA DO LIVRO GOD OF WAR
A leitura simblica do jogo God of War foi feita do livro que deu origem ao jogo. O
personagem principal um guerreiro espartano chamado Kratos. Na mitologia grega no
existe esse personagem, porm existe Cratos que segundo Brando (1986, p.271) Palante
uniu-se a Estge e nasceram Zelos (Cime), Nique (Vitria), Bia (Fora) e Cratos (Poder).
Assim, podemos dizer que Kratos um heri com o poder.
Ele j foi chamado de Fantasma de Esparta. Ele j foi chamado de Punho de Ares e
de Campeo de Atena. Ele foi chamado de guerreiro. Um assassino. Um Monstro.
(VARDEMAN, STOVER, 2012, p.7)
No incio do livro, Kratos est atrs de uma embarcao, porm ao chegar perto do
navio, aparece a cabea da Hidra9, que destri o barco de Kratos, a tripulao inteira morre e
o guerreiro espartano tem que lutar com as Harpias10
que o atacam enquanto tenta chegar
prximo ao navio. Sobre esses elementos que aparecem necessrio explicar o simbolismo:
As Harpias segundo Brando (1986, p.237) Simbolizam as paixes desregradas; as
torturas obsedantes, carreadas pelos desejos e o remorso que se segue satisfao das
mesmas.
A Hidra, segundo Paul Diel (apud BRANDO, 1986), simboliza os vcios mltiplos,
tanto sob forma de aspirao imaginativamente exaltada como de ambio banalmente ativa.
Vivendo no pntano, a Hidra mais especificamente caracterizada como smbolo dos vcios
banais. Enquanto o monstro vive, enquanto a vaidade no dominada, as cabeas,
configurao dos vcios, renascem, mesmo que, por uma vitria passageira, se consiga cortar
uma ou outra.
Esses monstros se referem ao vcio de Kratos de ser sanguinrio e por ter prazer em
matar para preencher a perda e culpa por ter mata-lo a esposa e a filha.
Segundo Alvarenga (2010), Poseidon o senhor das guas subterrneas e dos mares.
um deus apaixonado, fertilizador, intenso, intempestivo, irado e ciumento. Contm em seu
reino criaturas monstruosas, assim como toda a exuberncia da vida aqutica. o soberano do
grande inconsciente.
9 HIDRA, em grego Hdra, da mesma raiz que dwr (hdor), gua. O snscrito tem udra-, "animal aqutico", o
alemo, Otter, "vbora, lontra" (BRANDO, 1986, p. 244). 10
HARPIA, em grego Arpuia (Hrpyia). [...] As Harpias significam, pois, literalmente, "as arrebatadoras". [...]
Eram monstros horrveis: tinham o rosto de mulher velha, corpo de abutre, garras aduncas, seios pendentes.
Pousavam nas iguarias dos banquetes e espalhavam um cheiro to infecto, que ningum mais podia comer
(BRANDO, 1986, p. 236).
29
Uma pessoa regida por esse arqutipo ter a imensa tarefa de experimentar em si
emoes intensas, profundas e confusionantes. No entanto, a possibilidade de conteno e o
uso criativo dessas emoes tambm fazem parte do mesmo arqutipo (ALVARENGA,
2010, p.104).
Em vrias dessas histrias a fraqueza inicial do heri contrabalanada pelo
aparecimento de poderosas figuras tutelares ou guardies que lhe permitem
realizar as tarefas sobre-humanas que lhe seriam impossveis de executar sozinho.
[...] Essas personagens divinas so na verdade, representaes simblicas da psique
total, entidade maior e mais ampla que supre o ego da fora que lhe falta. Sua funo
especfica lembra que atribuio essencial do mito heroico desenvolver no
individuo a conscincia do ego o conhecimento de suas prprias foras e fraquezas
de maneira a deix-lo preparado para as difceis tarefas que a vida lhe h de impor
(JUNG, 2008, p.144).
Simbolicamente, Poseidon faz com que Kratos entre em contato com suas emoes
que estavam bloqueadas e reprimidas. Poseidon entrega a Kratos um fragmento de seu poder
olmpico para auxili-lo a matar a criatura, chamada de Clera de Poseidon, dizendo:
Voc sabe como minha raiva faz com que a terra trema, e minha fria gera
tempestades em que nenhum navio pode sobreviver. Passe pelo arco onde v a
imagem de meu rosto, e eu vou lhe conceder um poder alm de qualquer voc j
conheceu, voc vai comandar um fragmento de minha clera (VARDEMAN,
STOVER, 2012, p.52).
Amplificando a anlise, o nmero trs simblico, na medida em que apresentado
nos trs soldados de Ares, que atacam Kratos e as trs cabeas de Hidra que ele precisa matar.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.899): O trs um nmero fundamental
universalmente. Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmo ou no
homem. Podendo remeter a memria de Kratos sobre sua famlia constituda por trs
membros: ele, a esposa e a filha.
Como Kratos mata sua famlia por estar possudo pela fora e destruio que Ares o
escravizou, podemos remeter ao mito de Hrcules. Civita (1973) diz que Hrcules possudo
por um sbito furor enviado por Hera, o heri mata a mulher e seus filhos. Quando volta a si
mesmo do ataque de fria, depara com o ato consumado (p.260). A trajetria de Kratos e
Hrcules passa por um tema em comum, a vingana e purificao para se livrar do remorso o
que atormenta.
Nos doze trabalhos de Hrcules possvel perceber que existe peculiaridade com a
jornada de Kratos, como por exemplo, o segundo trabalho de Hrcules que matar Hidra.
30
Hrcules seria o representante idealizado da fora combativa: o smbolo da vitria (e
da dificuldade da vitria) da alma humana sobre as suas fraquezas (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2008 p.486).
Kratos, ao enfrentar Hidra, v o capito do navio sendo engolido por ela, porm o
capito se agarra no anel de cartilagem de Hidra. Kratos estica os braos para baixo e o
capito chora ao agradecer Kratos, mas Kratos diz - Eu no voltei por voc (p.63), e apenas
pega a chave de ouro pendurada no pescoo do capito e o deixa cair dentro do estomago de
Hidra.
Esse lado desumano de Kratos nos remete ao lado sombrio do Self ou Si-mesmo que,
segundo Jung (2008, p. 287) [...] representa um grande perigo, porque ele a maior fora da
psique. [...] Um sintoma caracterstico desse estado a perda do senso de humor e dos
contatos humanos.
Fadiman (2002) explica que no primeiro estgio do processo de individuao, pode
ocorrer um perigo com a identificao da persona. Quando algum se identifica com a
persona, incapaz de aceitar erros ou fraquezas, ou seja, se identifica de uma forma que tende
a reprimir caractersticas que no se ajustam em si mesmo e projeta no outro sua identidade.
A identificao de Kratos, com sua persona de guerreiro espartano, acaba fazendo com
que veja apenas um modo de agir: lutando agressivamente com todos ao seu redor.
Os pensamentos de ter matado sua esposa e sua filha perturbam novamente Kratos e
clama por Atena. Sendo ela a personificao de sua anima, Atena deusa da fecundidade
minoica, da vitria e sabedoria. [...] simboliza mais que tudo, a criao psquica, a sntese por
reflexo, a inteligncia socializada (ALVARENGA, 2010, p. 284).
Ainda segunda a mesma autora:
A deusa cumpre seu processo de individuao pelo encontro como masculino
espiritualizado e aps integrar seus complexos sombrios. Faz uma busca reflexiva de
si para consigo mesma, via logos, podendo ento, realizar a coniunctio com a
sabedoria profunda do masculino e sua conscincia feminina. (p. 292)
Segundo Franz (1985) s os heris que tem a anima a seu lado que tem possibilidade
de sobreviver, pois nos momentos decisivos a anima que empreende a ao.
Kratos clama por Atena dizendo que j serviu os deuses e gostaria de ser livrado de
seu remorso. Atena pede pacincia e diz: Complete essa tarefa final e o passado que o
consome ser esquecido. Tenha f, Kratos. Os deuses no esquecem aqueles que vm ao seu
auxlio (VARDEMAN, STOVER, 2012, p.78).
31
importante descrever sobre o vilo Ares. Segundo Alvarenga (2010) Ares o deus
que representa caractersticas pouco valorizadas na mitologia grega, pois seus atributos esto
relacionados a agressividade, impulsividade e fora fsica.
Brando (apud Alvarenga, 2010, p.163) sugere a hiptese de Ares no ser um deus,
mas to-somente um demnio popular infiltrado na epopeia, sendo, por isso, desprezado pelas
outras divindades.
Segundo Meunier (1994, p. 63) Ares s se sentia bem em pleno massacre, do qual
fazia nascer todos os horrores. Dotado de cega coragem e de furioso vigor, precipitava-se aos
combates fazendo barulho e soltando gritos terrveis. Amando a luta em si mesma, pela
alegria feroz de destruir, seu entusiasmo no conhecia nem amigos, nem inimigos, e seu furor
no obedecia seno a brutalidade de seu instinto destruidor. Semeava morte por todos os
lugares que passava.
De acordo com Hall (2003) a sombra uma parte inconsciente da personalidade
caracterizada por traos e atitudes, negativos ou positivos, que o Ego consciente tende a
ignorar ou a rejeitar (p.219).
Ares personificao da sombra de Kratos, por isso ele o vilo central e Kratos
deseja vingana, isto , Ares remete ao contedo reprimido, negligenciado e hostil que Kratos
no aceita como sendo de si mesmo.
Conforme Hall e Nordby (2000), a sombra um arqutipo importante e valioso,
porque tem a capacidade de reter e afirmar ideias ou imagens que podem vir ser vantajosas
para o indivduo (p.41).
Kratos desce at a parte inferior do barco para verificar o que teria naquela porta, ao
abrir viu trs meninas to adorveis quanto quaisquer outras que ele j vira (VARDEMAN,
STOVER, 2012, p.74).
Quando abriu a porta ele havia liberado um feitio que faz aparecer mortos-vivos e
violentamente matam as trs mulheres. Kratos mata todos os mortos-vivos e repara que havia
outro quarto e usa sua habilidade Clera de Poseidon para abrir a porta. Kratos se espanta ao
ver duas mulheres seminuas e belas.
[...] portas sem chave lembra a velha representao egpcia do mundo subterrneo,
um smbolo bem conhecido do inconsciente e de suas desconhecidas possibilidades.
Mostra tambm que estamos abertos a outras influencias no lado da sombra do
nosso inconsciente, e como elementos bizarros e estranhos podem ali penetrar
(JUNG, 2008, p. 225).
32
Mesmo depois de beber vinho e dormir com duas mulheres gmeas chamadas Lora e
Zora. Kratos amaldioou os deuses em seu corao. Se ao menos ele pudesse ser como os
outros homens e perder-se inteiramente nos prazeres da carne (VARDEMAN, STOVER,
2012, p.83).
Atena diz a Zeus que Ares estava soberano em sua cidade (Atenas), Zeus decretou que
nenhum deus deveria enfrentar outro. Sendo assim, Ares s podia ser derrotado por mos
mortais, ou seja: Kratos. Kratos ento v a possibilidade de vingar de Ares, Atena pede para
que ele v at sua cidade e que procure pelo Orculo de Atenas que informaria como derrotar
Ares. Kratos abandona os mares onde a Hidra apodrecia, e parte em destino a cidade de
Atenas.
Chegando a cidade encontra com a legio de soldados de Ares e percebe um monstro
trs vezes maior que Kratos. O Ciclope11
simbolizando fora primitiva ou regressiva
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.238). O ciclope tenta matar Kratos, mas Kratos
consegue cravar as espadas na cavidade ocular do ciclope.
Em busca do Orculo, Kratos mata vrios inimigos que esto no caminho, e encontra
com um velho que diz a direo para encontrar o Orculo, mas ao correr em direo para
parte oriental da Acrpole tem que enfrentar com alguns Minotauros12
podendo simbolizar o
combate espiritual contra o recalque (ibidem, p.611).
Em relao a esses monstros podemos analisar os complexos negativos de Kratos, que
precisam ser dissolvidos e integrados a conscincia, remetendo ao seu ato de matar a prpria
famlia.
Chegando avenida que levava a Acrpole, Kratos se depara com uma estrada cheia
de centauros e destri todos que tentavam bloquear seu caminho. Depois de lutar com
inmeros mortos-vivos legionrios de Ares, encontra a deusa Afrodite e ela diz: Saudaes
espartano. Eu gostaria de oferecer-lhe os meus agradecimentos pelo resgate dos meus
discpulos. [...] Zora e Lora me falaram de seus talentos (VARDEMAN, STOVER, 2012,
p.133). Kratos percebe que as gmeas so filhas de Afrodite. Quando Kratos foi falar,
Afrodite silencia com seu dedo os lbios de Kratos e pede para realizar a tarefa de matar a
Rainha das Grgonas13
Medusa.
11
CICLOPE, em grego Kklwy (Kklops), "olho redondo", pois os Ciclopes eram concebidos como seres
monstruosos com um olho s no meio da fronte. Demnios das tempestades, seu olho nico representa o
relmpago [...] (BRANDO, 1986, p.204) 12
Mino-tauro significa o touro de Minos. (BRANDO,1987, p. 160) 13
GRGONA significa impetuoso, terrvel, apavorante. (BRANDO,1987, p. 238)
33
Para Alvarenga (2010), Afrodite uma deusa que veio para amar e espalhar seus
encantos e beleza. Deusa da vida, do amor e fecundidade. A caracterstica da deusa do amor
se assemelha, com a atitude humana, de captar o mundo pela sensao extrovertida e avaliar
pelo sentimento introvertido (p. 194).
Kratos derrota a Medusa e traz a cabea dela para Afrodite, ganhando a nova
habilidade de petrificar seus oponentes.
A medusa simbolizaria o principio desses impulsos: espiritual e evolutivo, mas
pervertido em estagnao vaidosa. S se pode combater a culpabilidade originada da
exaltao vaidosa dos desejos com um esforo no sentido de realizar a justa medida, a
harmonia (CHEVALIER; GHEERBRANT, p.476).
A morte da medusa remete ao ato sanguinrio de Kratos ter matado sua famlia. Nesse
sentido, a medusa seria mais um obstculo, isto , mais uma provao de estar disposto a
reconhecer o seu erro. Para Paul Diel (apud ibidem, p.476) a medusa simboliza a imagem do
eu, que petrifica de horror ao invs de esclarecer na medida justa.
Depois de uma longa caminhada at chegar ao Orculo, matando inimigos com a nova
habilidade, surge uma nvoa e encontra com o Orculo que diz: No tema, Kratos. Eu sou o
Orculo de Atenas, estou aqui para ajud-lo a derrotar Ares. Reveladas nas minhas
adivinhaes esto segredos desconhecidos at mesmo dos deuses. Encontre meu templo a
leste e vou mostra-lhe como matar um deus (VARDEMAN, STOVER, 2012, p.158).
Ares destri grande parte da cidade, pisando em atenienses, soldados, e tudo que
tivesse na frente. Kratos lutando contra mortos-vivos percebe uma mulher e uma criana no
meio da batalha e tenta salv-las, mas so mortas por seus inimigos.
Kratos continua sua luta com uma dzia de Minotauros, seguidos por seus ciclopes e
meia centena de legionrios mortos-vivos, e atrs deles havia muito mais (ibidem, p.162).
Kratos pede sabedoria a Zeus enquanto luta e Zeus decide falar com Kratos:
- Kratos voc fica mais forte conforme sua jornada continua. Mas, se quer ter sucesso
em sua busca, voc precisar de minha ajuda. [...] Eu trago a voc o poder do maior de todos
os deuses, o Pai do Olimpo. Eu lhe concedo o poder de Zeus (ibidem, p. 177).
Zeus soberano olmpico, emerge como divino permeado pela sabedoria, sua
competncia expressa sua capacidade de conquistar, seduzir, mas no se deixando enganar.
(ALVARENGA, 2010)
Kratos ento utiliza o raio para conseguir matar seus inimigos e chegar at o Orculo.
Ao conversar com o Orculo que ir contar o segredo de como matar um deus, capturado
por uma Harpia e Kratos agora tem que resgatar o Orculo.
34
Ao sair do templo Kratos encontra com um coveiro cavando e pergunta por que ele
cava apenas uma cova, e ele responde: -Voc, meu filho. [...] Tudo ser revelado no
momento certo. E quando tudo parecer estar perdido, Kratos, eu vou estar l para ajudar
(VARDEMAN, STOVER, 2012, p. 198).
O coveiro diz a Kratos que as Harpias ficam nas alturas e Kratos segue para resgatar o
Orculo. Depois de o resgatar conversam, at que o Orculo invade a mente de Kratos e
pergunta por que Atena enviaria algum como ele. Kratos sente vontade de quebrar o pescoo
do Orculo, mas ele viu que o Orculo no tinha medo dele. E explica a Kratos que somente
com a Caixa de Pandora ser possvel matar Ares e diz a localizao da mesma.
Ao abrir os portes, Kratos comea a buscar seu novo objetivo, a Caixa de Pandora.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.681):
Pandora simboliza a origem dos males da humanidade: eles vm atravs da mulher,
segundo esse mito, e esta foi modelada sob as ordens de Zeus como um castigo pela
desobedincia de Prometeu, que tinha roubado o fogo do cu para dar aos homens.
Segundo a lenda de Pandora, o homem recebeu os benefcios do fogo, contra a
vontade dos deuses, e os malefcios da mulher, contra a sua vontade. A mulher o
preo do fogo. No h lugar para se reter mais que os smbolos includos na lenda:
ela mostra a ambivalncia do fogo, que deu a humanidade um imenso poder, mas
que pode voltar-se para desgraa bem com para sua felicidade, dependendo de o
desejo dos homens ser bom ou perverso. E frequentemente a mulher que desvia o
fogo no sentido da desgraa. O fogo simboliza tambm o amor, que todo ser humano
deseja, mesmo que sofra em funo dele. O homem que arrebatou o fogo dos
deuses, suportara a queimadura pelo fogo de seu desejo. Pandora simboliza o fogo
dos desejos que causam a desgraa dos homens.
Kratos faz o trajeto amaldioando os deuses, Atena diz para seguir o som das sereias e
que ele encontrar o templo. Os pesadelos de Kratos quebram o feitio e fazem com que ele
consiga derrotar todas elas.
As sereias14
[...] esboam as pulses escuras e primitivas do homem. Elas simbolizam
a autodestruio do desejo [...] (ibidem, p.814)
Kratos observa Cronos15
e com um salto poderoso ele alcana a corrente e escala a
montanha durante trs dias chegando ao topo com as mos sangrando e doloridas. Ao chegar
ao topo encontra com um soldado e diz que foi o primeiro a entrar no templo e por isso virou
14
Monstros do mar, com cabea e tronco de mulher, e o resto do corpo igual a de um peixe. Elas seduziam os
navegadores pela beleza de seus rosto e pela melodia de seus canto para em seguida, arrast-los para o mar e
devor-los.(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.814) 15
CRONO, em grego Krnos, sem etimologia certa at o momento. Por um simples jogo de palavras, por uma
espcie de homonmia forada, Crono foi identificado muitas vezes com o Tempo personificado, j que, em
grego Khrnos o tempo. Se, na realidade, Krnos, Crono, nada tem a ver etimologicamente com Khrnos, o
Tempo, semanticamente a identificao, de certa forma, vlida: Crono devora, ao mesmo tempo que
gera.(BRANDO, 1986, p. 198)
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um morto-vivo como punio por sua presuno. rtemis d uma nova habilidade a Kratos:
Muito depende de sua habilidade. Voc aprendeu a usar as Lminas do Caos bem, mas elas
sozinhas no vo lev-lo at o fim de sua jornada Eu ofereo-lhe a lmina que eu mesma
utilizei para matar um Tit. Tome e use este dom para completar a sua busca (VARDEMAN,
STOVER, 2012, p.238).
Kratos com a lmina fria de rtemis derrota diversos inimigos, porm suas
lembranas em relao ao seu passado so intensas e sua memria estava tomando conta dele.
Por fim, encontra o tridente de Poseidon e agradece Zeus e Atena pelo presente.
Com o tridente Kratos poderia ser nadador e seus pulmes estavam adaptados a
respirar na gua.
Niades divindades das guas claras, das fontes e das nascentes (BRANDO, 1986,
p. 215) guiam Kratos e pedem para que remova a Caixa de Pandora e assim poderiam ser
livres. E diz para Kratos ir sala no templo de Hades.
As Niades geram e criam grandes heris. Vivem nas cavernas, nas grutas, lugares
midos, [...] Alm do mais, grutas e cavernas so locais prprios para iniciao, em que se
morre, para se renascer para uma vida nova (ibidem, p.215).
Kratos chega ao templo e derrota algumas criaturas de Hades, andando atravs do
tnel encontra com um gigante, Minotauro. Com uma armadura de ao, depois de muita luta,
derrota o Minotauro e encontra com um templo em que esperava encontrar a Caixa de
Pandora e tem memria de sua matana novamente, agora, porm, discutindo com Ares
imaginrio. Esse Ares fantasmagrico era um inimigo que ele nunca poderia derrotar at que
ele conquistasse a si mesmo (VARDEMAN; STOVER, 2012, p. 322).
Kratos por fim, chega ao ultimo desafio para chegar at a Caixa de Pandora, e
encontra com o arquiteto que construiu todas as armadilhas para chegar at a Caixa de
Pandora. Diz que para prosseguir, Kratos teria que achar um homem para sacrificar, Kratos
pensa e decide sacrificar o prprio arquiteto para conseguir a caixa de pandora. E finalmente
estava l a Caixa de Pandora.
Ao carregar a Caixa de Pandora, Ares percebe que Kratos est com a caixa e
arremessa uma estaca de pedra de Atenas acertando Kratos no alto da montanha acima de
Cronos. Enquanto Kratos agoniza com a estaca perfurada em seu peito, Kratos morre e as
Harpias em ordem de Ares roubam a Caixa de Pandora.
Kratos vai parar no Trtaro que segundo Brando (1987, p. 186) [...] o local mais
profundo da terra.. Na simbologia, entretanto, o subterrneo o local das ricas jazidas, o
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lugar das metamorfoses, das passagens da morte vida, da germinao (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2008, p.505).
Na descida ao Trtaro, Kratos tem morte simblica. Nesse sentido, ela tem um valor
psicolgico: ela liberta das foras negativas e regressivas, ela desmaterializa e libera as forcas
de ascenso do espirito (ibidem, p.621).
do ponto de vista da morte que a anlise explora o fracasso, tendo sido criada
como instrumento eletivo da psique na explorao do fracasso como soma de foras
que se opem vida, isto , para indagar de Tanatos e de seus dominantes
arqutipos correlatos, onde a vida est bloqueada, derrotada, falida e fracassada
(HILLMAN, 1981, p.120).
Se h uma ao que faa de algum um verdadeiro heri, no sentido mais construtivo
justamente a descida em direo ao inslito reino das trevas e da morte. [...] pode nos
transformar de maneira to fundamental como nenhuma outra experincia (MULLER, 1992,
p.41).
Kratos agarra a perna de um homem, que se segura em uma plataforma. Kratos sobe
no corpo do homem. Esse homem era o capito do navio que Kratos deixou Hidra engolir.
Assustado grita ao ver novamente Kratos o deixa cair e segue para tentar escapar do Trtaro.
Ele sobe diversas plataformas e passa por vrios desafios, at chegar ao fim sem ter mais
nenhuma plataforma para subir.
A morte simblica, como rito de passagem, propicia transformaes traduzidas
como flutuaes do estado da conscincia, que talvez se somem e, num determinado
momento, essas flutuaes tornam-se to poderosas que impelem a psique a uma
instabilidade que promove a instaurao de uma dimenso nova de conscincia.
Podemos entender que a anteviso e a prpria vivencia de morte constitui-se como
veculo de integrao simblica dos mais poderosos (ALVARENGA, 2005, p.104).
Para Muller (1992) se o heri aceita essa morte, significa que tambm est dizendo
sim ao Si-mesmo. Quando questiona sobre suas concepes exageradas e sentimentos de
inferioridade e de culpa, o Heri adquire um novo ponto de vista que possibilita tornar-se uma
instncia criativa. Ou seja:
Evidencia-se ento que o temido caminho para baixo significa, na verdade, do ponto
de vista do Eu, uma "descida" e uma morte, mas, ao mesmo tempo, tambm um
caminho para cima. A descida proporciona uma elevao, ou seja, um
aprofundamento da vida; o sofrimento da conscincia do Eu leva redeno do Si-
mesmo, e o mergulho na esfera da morte plena, a um renascimento (MULLER,
1992, p.43).
37
Ento um bloco de pedra preso por uma corda desce. Ele sobe na corda e acaba saindo
na cova onde o homem velho estava cavando, na frente no templo do Orculo.
O templo e a cidade estavam sendo destrudos por Ares, que percebe a presena de
Kratos se surpreendendo de ter sado do Trtaro, e pergunta zombando a Zeus se ele seria a
nica arma que o pai do Olimpo conseguiu para derrot-lo. Atena pede para Zeus ajudar mais
uma vez Kratos e usa seus poderes atingindo a corrente que amarra a Caixa, fazendo-a cair na
beira do mar.
Sobre a Caixa de Pandora Alvarenga (2010) diz:
Tem permanecido como o smbolo de tudo aquilo que no se deve abrir. [...] Essa
caixa, no fundo da qual s a esperana permanece, o inconsciente com todas as
suas possibilidades inesperadas, excessivas, destrutivas ou positivas, mas sempre
irracionais quando deixadas entregues a si mesma (p.164).
A Caixa de Pandora aberta e a energia que flui dela faz Kratos se tornar to gigante
quanto Ares. A batalha comea, porm quando Ares ferido e percebe que a vitria no ser
to fcil, pretende destruir Kratos de outra forma, utilizando seus pesadelos sobre a esposa e a
filha. Ares faz Kratos ter alucinaes no momento em que ele iria entrar no templo, onde sua
mulher e filha se escondiam do ataque. Kratos tem que defender sua mulher e filha dos outros
Kratos (imaginrios, criados por Ares) que surgem para mat-las.
Podemos dizer que primeiro Kratos tem que ter conscincia do seu contedo de
sombra, do inconsciente pessoal, para somente ento conseguir lutar com Ares, a
personificao da sombra coletiva.
Aps derrotar todos os outros Kratos, ele volta batalha contra Ares. Os deuses
mandam um ltimo presente para Kratos, lminas dos deuses e ele observa que h uma espada
de pedra nas mos de uma esttua, ele a pega e mata Ares. Aps matar Ares, Kratos pede a
Atena que livre sua mente das vises. Mas Atena responde:
-Prometemos que seus pecados seriam perdoados, e assim ser. Mas ns nunca
prometemos apagar seus pecados. Nenhum homem, nenhum deus, jamais poderia esquecer os
atos terrveis que voc cometeu (VARDEMAN; STOVER, 2012, p.377).
A individuao, no entanto, significa precisamente a realizao melhor e mais
completa das qualidades coletivas do ser humano; a considerao adequada e no o
esquecimento das peculiaridades individuais, o fator determinante de um melhor
rendimento social (JUNG, 1987, p. 49).
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Kratos compreende que sua nica sada a morte. Porm "[...] a conscincia s pode
existir atravs do permanente reconhecimento e respeito do inconsciente: toda vida tem que
passar por muitas mortes" (JUNG, 2011, p.102).
Sobe at a montanha mais alta de toda a Grcia, o Monte Olimpo, o simbolismo da
montanha mltiplo: prende-se altura e ao centro. Na medida em que ela alta, vertical,
elevada, prxima do cu, ela participa do simbolismo da transcendncia (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2008, p.616) e se joga l de cima caindo no mar, smbolo da dinmica da
vida. Tudo sai do mar e tudo retorna a ele; lugar dos nascimentos, das transformaes e dos
renascimentos (ibidem, p.621).
Mas antes que ele morresse, os deuses do Olimpo o salvam e o levam para o alto da
montanha novamente e afirmam que ningum que tinha feito tantas coisas boas como Kratos
poderia morrer daquela forma, e como a vaga de deus da guerra estava livre, transformaram
Kratos no novo deus da guerra.
Quando seguimos o caminho da individuao, quando vivemos nossa vida, preciso
tambm aceitar o erro, sem o qual a vida no ser completa: nada nos garante em
nenhum instante que no possamos cair em erro ou em perigo mortal. Pensamos
talvez que haja um caminho seguro; ora, esse seria o caminho dos mortos. Ento,
nada mais acontece e em caso algum ocorre o que exato. Quem segue o caminho
seguro est como que morto (JUNG, 1975, p.337).
Atena lhe d suas Lminas de Atena aps Kratos ter perdido a Lminas do Caos na
luta contra Ares. As duas espadas (Lmina do Caos) que Kratos carregava a principio fundida
em seu corpo por Ares, representava conforme Chevalier e Gheerbrant (2008) o aspecto
destruidor do lado negativo, passando agora para o aspecto de construtor, pois estabelece e
mantm a paz e a justia. Kratos se torna o novo deus da guerra.
O simbolismo do Self alm de ser representado pelos deuses que guiam Kratos em sua
jornada tambm na histria presentado pelo nmero trs. Em diversas situaes o nmero
trs (as trs cabeas da Hidra, os trs mortos-vivos que aparecem, os trs dias escalando nas
costas de Cronos, as trs deusas que o guiam, entre outros.). Se apresenta O trs [...] um
nmero perfeito [...], a expresso da totalidade, da concluso: nada lhe pode ser acrescentado
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p.899).
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5. ARQUTIPO DO HERI E INDIVIDUAO
Segundo Winckel (1985), o Si mesmo ou Self a finalidade ideal da anlise junguiana,
resultando da harmonia entre consciente e inconsciente, por isso, no pode ser atingido sem
uma tomada de conscincia, isto , sem um conhecimento real dos contedos inconscientes.
Isso supe um longo trabalho interior, durante o qual se verificaro vrias
unificaes por integrao, isto , por aceitao consciente e viva das inmeras
oposies que constituem nosso ser. Essas integraes sucessivas nos conduzem aos
poucos ao si mesmo, fim e novo ponto de partida. Porque, chegando a unidade em
ns, tornamo-nos capazes de entrar em contato com a unidade csmica e assim
podemos chegar ao limar do espiritual. O si mesmo , de alguma forma, o arqutipo
da unidade primordial (p. 35-36).
Nesse sentido o leitor a constelao ativa do complexo do heri que comanda o
espetculo da vida, causando fascnio no coletivo tanto quanto no pessoal, trazendo a
possibilidade de transformao do todo, pessoal e coletivo (ALVARENGA, 1999, p. 50).
Isto :
[...] nos mitos e nos contos de fadas, o personagem principal somos ns mesmos e os
demais personagens so nossos arqutipos. Estes descrevem simbolicamente a nossa
histria interna, o nosso processo de individuao. Por se tratarem de temas comuns
humanidade, tais como: a luta entre o bem e o mal, as origens, a morte, etc.,
incluem o homem em sua dimenso universal, coletiva e do sentido a sua existncia
pessoal (RAYNSFORD, apud GUIMARES, 2010, p. 11).
O heri simboliza a unio das foras celestes e terrestres. Jung identifica o heri com o
poder do esprito. A primeira vitria do heri a que ele conquista sobre si mesmo
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008).
Podemos estudar o heri enquanto:
[...] uma figura arquetpica, a qual rene os atributos necessrios para superar de
forma excepcional um problema de dimenso pica. Essa figura varia consoante a
poca e marcado por uma projeo ambgua, representando, por um lado, a
condio humana na sua complexidade psicolgica, social e tica, e, por outro lado,
transcende essa condio, representando facetas e virtudes (como f, coragem e
determinao) que o homem no consegue, mas que gostaria de atingir (GOMES;
ANDRADE, 2009 p.145).
As imagens simblicas so verdadeiros transformadores de energia psquica porque
uma imagem simblica evoca a totalidade do arqutipo que ela reflete (YOUNG-
EISENDRATH; DAWSON, 2002, p. 82). Nesse caso ao arqutipo do heri:
40
Uma vez que toda experincia individual tem um ncleo arquetpico, as questes de
histria pessoal e padres arquetpicos esto sempre entrelaadas, muitas vezes
precisando primeiro serem separadas para depois serem novamente vinculadas. Jung
imaginou todo o processo como paralelo ao antigo tema mtico de iniciao do
heri-sol que morre, atravessa o submundo e depois ressuscitado. Embora esse
modelo de conscincia mostre considervel "tendenciosidade de gnero", o mito
expressa diversos temas fundamentais que se confirmam: nascimento e morte como
um processo psicolgico, o poder curativo da introverso criativa, a luta com a
libido de carga regressiva, e a descida atravs da psique pessoal at os mananciais de
energia psquica, a psique objetiva (p.76).
Aquele que, em qualquer idade ou condio, est preparado para dar ateno e
responder a este impulso espiritual e fundamentalmente humano, est preparado para o
processo de individuao (YOUNG-EISENDRATH; DAWSON, 2002, p. 112).
De acordo com Henderson (apud GUIMARES, 2010, p.134), a figura do heri o
meio simblico pelo qual o ego vence a inrcia do inconsciente, liberando o homem do desejo
regressivo. Isto :
Podemos notar que a aventura do heri nada mais do que o processo de
individuao, conceito central da teoria junguiana e que representa a prpria
finalidade da vida; um processo de profundo autoconhecimento, no qual nos
confrontamos com velhos medos e contedos que desconhecemos de ns prprios.
Ao nos entregarmos a esse caminho nada racional, Jung considera que a vida
parecer ser conduzida por uma sabedoria maior a qual denominou Self (Si -
mesmo), o centro de cada um de ns. Individuar-se significa fazer o ego (a
conscincia da superfcie) ir ao encontro desse centro. Representa separar-se da
massa; do turbilho inconsciente e adquirir autonomia; tornando-se, assim, uma
totalidade psicolgica, sem divises internas, atingindo a personalidade total e a
realizao pessoal (GOMES; ANDRADE, 2009, p. 145).
Hollis (1997) diz que a jornada do heri interna, sendo necessria para a
transformao e a constituio de uma experincia de morte e renascimento. Quem a pessoa
foi, como era seu mundo consciente, no existe mais. Tudo foi transformado (p.75).
Segundo o mesmo autor:
O motivo essencial e recorrente da busca do heri implica em uma viagem, da
inconscincia at a conscientizao, das tenebrosas profundezas at as altitudes
luminosas, da dependncia autossuficincia. Essa fora, essa energia configuradora
(que o que constitui o arqutipo), busca destronar a dominao imposta pelo caos,
as doces sedues da inconscincia, e atingir uma diferenciao ainda mais elevada
(HOLLIS, 1997, p. 77).
Como o jogo em anlise est relacionado temtica da mitologia grega, podemos
dizer que:
41
A busca do heri ou da herona e o seu encontro com antagonistas mitolgicos pode
ser resumido, em linguagem psicolgica, como o encontro do ego com os elementos
formais tpicos e sempre recorrentes da psique. Para a pessoa que trabalha com o
inconsciente, surgem os problemas de adaptao inicial aos mundos exterior e
interior (tipos psicolgicos); o grupo coletivo continente (a persona); o conflito com
a parte reprimida ou inaceitvel da personalidade da pessoa (a sombra); a
necessidade de estabelecer um relacionamento com os elementos contra-sexuais
secundrios da psique masculinos (anima) ou femininos (animus); e, finalmente,
o encontro com o ncleo suprapessoal da personalidade total e do significado da
vida da pessoa (o Self) (WHITMONT, 1995, p.122).
Segundo Salles (1990), a individuao o caminho dos heris, o caminho dos
rebeldes. E heri aquele que viola as proibies, [...] aquele que encontra uma via, uma
soluo (p. 47).
Para Franz O heri uma figura-modelo um ideal, um fator de direo ou ainda
uma imagem criada pelo inconsciente a fim de superar certas dificuldades incomuns (2003,
p. 122).
Segundo a mesma autora o heri-smbolo possui uma certeza de que a coisa tem que
ser feita, mesmo que todos ou ele mesmo morra. Existe no heri uma vocao de obedincia e
uma suprema autoridade interior. Ou seja, o heri personifica o Self, o homem uno, a
personalidade unificada com toda a sua fora.
O heri o precursor arquetpico da humanidade em geral. O seu destino o modelo
que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi na verdade, com atrasos
e intervalos, mas o suficiente para que os estgios do mito herico faam parte dos
constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivduo (NEUMANN,
apud LEVY, 2008, p.12).
42
6. CONCLUSO
Atravs desta pesquisa produzimos um dilogo entre Psicologia Analtica e a
Literatura, por meio da leitura simblica de base analtica do livro baseado no jogo God of
War. Analisaram-se os contedos que aparecem na histria objetivando investigar a
identificao do leitor com o heri da mesma e atravs desta anlise poder compreender os
contedos inconscientes que emergem quando da prtica da leitura no leitor.
Observamos que atravs da jornada do heri (monomito) foi possvel identificar a
estrutura da histria e destacar que os videogames podem ser analisados de uma forma
cientfica e profunda como objeto de pesquisas acadmicas. Podem ser analisados da mesma
forma outras histrias de videogames populares tais como: The Legend of Zelda, Fable, Final
Fantasy e Assassin's Creed. Esses jogos tm um padro comum com o monomito em que a
principio o heri no se envolve com a temtica proposta pelo jogo, e no desenvolvimento do
mesmo, mobilizados por contedos inconscientes, acabam aceitando o chamado e iniciam a
jornada arquetpica.
Percebemos tambm que o modelo de heri apresentado em God of War diferente
dos modelos padres, pois mostra um heri cruel, sanguinrio e vingativo. Podemos inferir
que esses contedos mobilizados esto relacionados sombra do leitor, que ao ler acaba
vivenciando o arqutipo do heri e projetando sua sombra no personagem.
O desenvolvimento humano visto pelo olhar da Psicologia Analtica um continuum
de vivncias rumo individuao, o que significa a transformao de potencialidades latentes
em manifestas.
A histria de God of War esclarece o conceito junguiano quando atravs do heri
Kratos que, tendo cometido um grande erro em sua vida, tinha que completar sua jornada
(monomito), enfrentando monstros (complexos), batalhas (integrao de contedos),
conquistando aliados (personificao de anima/animus), desenvolvendo novas habilidades,
tendo que morrer para renascer e se tornar um novo Kratos.
Podemos comparar o heri do jogo de videogame com aquilo que vivenciamos em
nossas vidas, porque as vivncias possuem uma matriz comum. Aquilo que Jung denominou
de arqutipos.
Nossa mitologia atual aquela que encontramos nos filmes e seriados, na leitura de
livros e no jogo de videogames. Projetamos nossos contedos internos na histria e nos
identificamos com vrios heris, cada qual nos sensibilizando quando um contedo interno
estabelece com o heri, uma ponte.
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Um dado interessante sobre God of War que na fonte da letra o, est o smbolo
mega () e a traduo do jogo para a lngua portuguesa Deus da Guerra, significando num
primeiro momento a unilateralidade do fim, mas, para que exista o fim necessrio o
principio, isto , a iniciao do leitor com o livro. Ao iniciar God of War, esse ato simboliza a