Análise Aplicada do Comportamento (ABA) 1 Cíntia Guilhardi (Gradual, USP) Claudia Romano (Gradual, PUC-SP) Leila Bagaiolo (Gradual, USP) O presente texto pretende demonstrar como a Análise Aplicada do Comportamento pode contribuir, de forma teórica e prática, para a inclusão escolar de crianças diagnosticadas com Autismo. Para tanto, inicialmente apresentaremos a visão skinneriana de educação, e logo em seguida, discutiremos como essa visão permeia o Modelo de Inclusão escolar da Gradual. Destacaremos como a Intervenção Comportamental Individualizada participa desse modelo e contribui para uma inclusão efetiva. Também enfatizaremos qual o papel do analista do comportamento em cada passo do planejamento da inclusão e as parcerias que precisam ser estabelecidas para garantir um trabalho completo. Ao final, questionamos o termo inclusão dentro desse modelo prático e dessa abordagem teórica. O objeto de estudo da Análise do Comportamento O Behaviorismo Radical, tal como proposto por Skinner, marcou a Psicologia a partir de meados da década de 30. Os conceitos e metodologias de estudo postulados por Skinner são pesquisados e discutidos até os dias de hoje, dentre eles estão: condicionamento operante, a filosofia do sujeito único, a taxa de resposta como variável dependente, a freqüência acumulada de respostas 2 etc. Propôs que o estudo do comportamento se transformasse numa Psicologia científica, com controle e experimentação de variáveis, constituindo a Análise Experimental do Comportamento. A nova abordagem experimental desenvolvida por Skinner, para se estudar o comportamento, foi apresentada no seu livro O Comportamento dos Organismos, publicado em 1938. Skinner apresentou o comportamento como seu objeto de estudo, entendendo-o como produto da história da espécie (filogenética), da história individual (ontogenética) e da história cultural. Salientou, ainda, que, para entendermos sobre o comportamento humano devemos olhar o papel exercido pelo ambiente 3 (que teve sua 1 Capítulo 21 (pág. 278-296) do Livro “Transtorno do Espectro do Autismo” organizado por José Salomão Schwartzman e Ceres Alves de Araújo (2011) – Editora MEMNON. 2 Esses conceitos serão definidos ao longo do texto. 3 Ambiente, para Skinner se refere a todo o mundo físico, que pode ocorrer dentro (eventos internos) ou fora da pele (eventos externos) de cada indivíduo, incluindo, neste último, os eventos sociais.
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Análise Aplicada do Comportamento (ABA) Cíntia Guilhardi ... · da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova metodologia de estudo científico para o comportamento
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Análise Aplicada do Comportamento (ABA)1
Cíntia Guilhardi (Gradual, USP)
Claudia Romano (Gradual, PUC-SP)
Leila Bagaiolo (Gradual, USP)
O presente texto pretende demonstrar como a Análise Aplicada do
Comportamento pode contribuir, de forma teórica e prática, para a inclusão escolar de
crianças diagnosticadas com Autismo. Para tanto, inicialmente apresentaremos a visão
skinneriana de educação, e logo em seguida, discutiremos como essa visão permeia o
Modelo de Inclusão escolar da Gradual. Destacaremos como a Intervenção
Comportamental Individualizada participa desse modelo e contribui para uma inclusão
efetiva. Também enfatizaremos qual o papel do analista do comportamento em cada
passo do planejamento da inclusão e as parcerias que precisam ser estabelecidas para
garantir um trabalho completo. Ao final, questionamos o termo inclusão dentro desse
modelo prático e dessa abordagem teórica.
O objeto de estudo da Análise do Comportamento
O Behaviorismo Radical, tal como proposto por Skinner, marcou a Psicologia a
partir de meados da década de 30. Os conceitos e metodologias de estudo postulados
por Skinner são pesquisados e discutidos até os dias de hoje, dentre eles estão:
condicionamento operante, a filosofia do sujeito único, a taxa de resposta como variável
dependente, a freqüência acumulada de respostas2 etc. Propôs que o estudo do
comportamento se transformasse numa Psicologia científica, com controle e
experimentação de variáveis, constituindo a Análise Experimental do Comportamento.
A nova abordagem experimental desenvolvida por Skinner, para se estudar o
comportamento, foi apresentada no seu livro O Comportamento dos Organismos,
publicado em 1938. Skinner apresentou o comportamento como seu objeto de estudo,
entendendo-o como produto da história da espécie (filogenética), da história individual
(ontogenética) e da história cultural. Salientou, ainda, que, para entendermos sobre o
comportamento humano devemos olhar o papel exercido pelo ambiente3 (que teve sua
1 Capítulo 21 (pág. 278-296) do Livro “Transtorno do Espectro do Autismo” organizado por José
Salomão Schwartzman e Ceres Alves de Araújo (2011) – Editora MEMNON. 2 Esses conceitos serão definidos ao longo do texto. 3 Ambiente, para Skinner se refere a todo o mundo físico, que pode ocorrer dentro (eventos internos) ou
fora da pele (eventos externos) de cada indivíduo, incluindo, neste último, os eventos sociais.
primeira grande contribuição na evolução e seleção das espécies) na história de cada
indivíduo (Skiner 2000/19534).
A fim de fazer uma análise do comportamento científica, Skinner definiu o
comportamento (unidade de análise) como a relação entre eventos antecedentes,
conseqüentes e as próprias ações dos indivíduos (no linguajar técnico, ações devem ser
denominadas de respostas). O comportamento, assim definido, foi denominado de
comportamento operante5; operante no sentido de que a resposta do indivíduo opera no
ambiente e este, por sua vez, retroage sobre as mesmas respostas. No comportamento
operante, a ênfase é dada às conseqüências ambientais do comportamento, que podem
alterar a probabilidade futura de ocorrência do mesmo.
A partir da definição acima descrita, nos últimos sessenta anos, a Análise do
Comportamento, através de muitas pesquisas, tem ensinado muito sobre como o
ambiente influencia o comportamento em muitas questões de nossa sociedade. Vamos
detalhar os efeitos dos conceitos e metodologias, daí derivados, na Educação e, em
última análise, no trabalho educacional de indivíduos diagnosticados dentro do espectro
do Autismo.
A visão de Educação na Análise do Comportamento
Nos anos 50, Skinner anunciou a necessidade de se aplicar e estender os
princípios da Análise Experimental do Comportamento na sociedade, ou seja, aplicar os
dados e conceitos provindos das pesquisas de laboratório na resolução de problemas
sociais. Esse campo de atuação denominou-se Análise Aplicada do Comportamento
(ABA), anunciando que os avanços dessa ciência também poderiam contribuir com
reflexões sobre esta questão, bem como contribuir com uma verdadeira Tecnologia de
Educação: “A Análise Experimental do Comportamento é também relevante para a
educação” (Skinner, 19726/1968, p.31).
Uma das principais reflexões derivadas da Análise do Comportamento para a
educação é que esta precisa ser analisada tanto como uma instituição social (levando-se
em conta os determinantes culturais), quanto devem ser considerados todos os
comportamentos das pessoas envolvidas no sistema educacional e as variáveis de
4 A primeira data citada é referente à edição consultada e a segunda data refere-se à primeira publicação. 5 Skinner referendou este tipo de comportamento para diferenciá-lo do comportamento estudado até então
pelos fisiologistas que era o comportamento reflexo.
controle desses comportamentos (determinantes ontogenéticos). Dentro da análise
cultural de educação analisa-se a mesma como uma das agências reguladoras do
funcionamento social e que, como tal, planeja e manipula variáveis particulares que
afetam o comportamento de ensinar e de aprender em um grupo, ou seja, os
comportamentos de EDUCAR E SER EDUCADO:
“Compete explicitamente à instituição educacional a tarefa de garantir ao aluno
uma formação que lhe propicie o acesso aos conhecimentos socialmente acumulados e
a aquisição dos comportamentos de autogoverno, capacitando-o a atuar sob novas
contingências e a agir com sucesso em relação ao mundo, em um tempo futuro”
(Zanotto, 2004, p. 36).
Quanto à análise ontogenética temos que, se o objeto de estudo da Análise do
Comportamento é o “comportamento”, nos interessa entender o comportamento de
pessoas neste contexto, da agência educacional em específico (tanto de quem está
aprendendo, quanto de quem está ensinando), e como estes eventos ocorrem, ou seja,
quais as variáveis que determinam o comportamento de pessoas no contexto
educacional.
Tanto esta análise cultural quanto ontogenética de educação, aqui exposta, contrapõe
uma visão de educação que deposita nos personagens deste cenário (os representantes
do corpo docente e do corpo discente) a única responsabilidade do sucesso ou fracasso
do processo educacional. Portanto, as características inerentes e intrínsecas que
interferem de forma positiva ou negativa no processo de ensinar e aprender, não podem
ser motivo de culpabilização dos personagens desse cenário.
A Análise do Comportamento busca analisar, com profissionais apoiados por uma
metodologia sistemática, científica e pautada no sujeito único, como manipular
variáveis nos níveis ontogenético e cultural que auxiliem na CONSTRUÇÃO de um
processo educacional em que cada indivíduo possa aprender a despeito de quaisquer
idiossincrasias (características pessoais). Destacamos algumas definições que Skinner
elaborou sobre a Educação em alguns dos seus livros:
Em Ciência e Comportamento Humano, temos que: “A educação é o
estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para
outros em algum tempo futuro.” (Skinner, 2000/1953, p. 437). Os comportamentos
relacionados aos conteúdos acadêmicos, aos valores de convivência social e de
identidade (tanto individual quanto social) modelados pela escola só terão
continuidade/valor se prepararem os indivíduos para as contingências fora dela.
Em 1972, em Tecnologia do ensino temos que:
“O ensino é um arranjo de contingências sob as quais o aluno aprende. Ensinar é o
ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais rapidamente do que
quem não é... (Tudo o que hoje se ensina deve ter sido aprendido, pelo menos uma
vez, por alguém que não foi ensinado, mas graças à educação já não é preciso
esperar por estes eventos raros)” (Skinner, 1972/1968, p. 4).
A educação complementa o ensino “acidental”, aquele que não é programado e
que pode acontecer a todo o momento em que interagimos com o ambiente. A educação
se baseia em criar comportamentos novos no repertório das pessoas e isso implica em
planejamento. Para atingir esse conceito do que é educar, os analistas do
comportamento consideram que existe um formato, um método de como ensinar,
intitulado por Skinner como Instrução Programada.
O método de ensino da Análise do Comportamento - Instrução Programada:
Abaixo resumimos o que o analista do comportamento toma como referência na
tarefa de planejar o ensino de forma coerente com os princípios teóricos que tem sobre
comportamento e sobre educação:
1) Planejar que o aprender seja mantido por conseqüências que reforçam esse
comportamento positivamente: Reforçar positivamente um comportamento
significa conseqüenciar o comportamento de modo que se aumente a
probabilidade do mesmo ocorrer no futuro, por agregar um valor ao
comportamento em questão7 (Skinner, 2000/1953, p. 72). O efeito de reforçar
positivamente o aprender contrapõe-se às contingências de ensino comumente
observadas nas escolas: o ensino por fuga-esquiva. Nesse caso, as conseqüências
que o aprender produzem são reforços (uma vez que o comportamento de
aprender continua ocorrendo), mas, neste caso, reforços negativos. Negativos no
sentido de que o aluno se comporta para eliminar uma condição aversiva; o
7 Todos os comportamentos (com exceção dos comportamentos reflexos), de todos os indivíduos, são
emitidos porque produzem conseqüências ambientais reforçadoras (e por isso exercem uma função no
ambiente), que retroagem em suas ações, a despeito do grau de consciência que temos (ou não) das
conseqüências que mantêm nosso comportamento.
aluno faz para não levar bronca, para não tirar notas baixas, para se livrar de
uma determinada tarefa.
2) Apenas reforçando o aprender positivamente, poderemos tornar a
aprendizagem o próprio benefício per si (reforçamento natural8), mesmo
que no início e durante a intermediação do processo de ensinar/aprender o
reforçamento seja arbitrário (elogios, pontos, notas, etc.).
3) Disponibilizar ao aluno feedback imediato, de modo que a consequenciação
(reforço positivo) disponibilizado ao aluno ocorra imediatamente após a emissão
do comportamento de aluno (por exemplo, disponibilizar um feedback ao aluno,
em relação ao seu desempenho, logo após ter terminado um problema de
álgebra). Este princípio básico da Instrução Programada serve como suporte para
manter o interesse do aluno reforçando contingentemente seu desempenho.
Segundo Keller (1983/1979), durante o aprendizado através da Instrução
Programada, “o aluno passa pelo programa na sua própria velocidade,
respondendo abertamente a cada item, com confirmação ou correção imediata
de tudo o que faz” (p.180).
4) Comparar cada aluno com ele mesmo: A filosofia do sujeito único, provinda
da Análise Experimental do Comportamento, permitiu que uma nova
metodologia de estudo científico para o comportamento (entendido como a
estímulos antecedentes, resposta e estímulos conseqüentes) fosse construída.
Segundo essa metodologia, a taxa de respostas (ou qualquer outra dimensão da
resposta como intensidade, duração, variabilidade) passou a ser estudada como
variável dependente e os estímulos antecedentes e conseqüentes passaram as ser
estudados como variáveis independentes (aquelas manipulados pelo
experimentador). Assim sendo, o sujeito é usado como seu próprio controle; as
mudanças comportamentais que ocorrem (depois da manipulação de variáveis)
devem ser comparadas com os padrões comportamentais previamente
observados para aquele sujeito. A filosofia do sujeito único contrapõe-se ao
modelo de estudo das ciências naturais que compara grupo de sujeitos entre si.
No âmbito escolar, ao analisar o comportamento do aluno, o desempenho do
mesmo deve ser comparado sempre com ele mesmo. O comportamento do aluno
8 Entende-se por reforçamento natural o efeito de aprender por aprender; aprender pelos efeitos que isso
produz no aluno (“saber mais” e/ou utilizar o que foi aprendido em suas vivências cotidianas, de modo a
melhorar a qualidade de suas relações na sociedade).
deve ser observado e analisado levando-se em conta a sua história de
aprendizagem específica e individual nas contingências de aprendizagem
planejadas pela instituição de ensino. Assim, o parâmetro do desempenho do
aluno não deve ser comparado com o grupo, mas com ele mesmo.
5) Orientar e auxiliar o aluno a compor suas respostas passando por todos os
passos (pré-requisitos) necessários para compor um comportamento
complexo. Antes de avançar ele precisa ser apresentado para aquele ponto até
compreender tudo sobre ele (exigência de domínio pleno de pré-requisitos):
“Qualquer coisa a ser aprendida tem seus pré-requisitos – todas as outras
coisas que o aluno tem que saber primeiro. Um programa de ensino efetivo
garantirá que antes de ter que aprender algo, o aluno já terá aprendido tudo o
mais que ele tem que saber” (Sidman, 1995, p. 291).
6) Apresentar os conteúdos em uma ordem de complexidade crescente,
preocupando-se em manter o comportamento adquirido a cada estágio
novo: “É papel do professor arranjar o material em uma seqüência de passos
relacionados, cada passo sucessivo utilizando o que já foi aprendido. Resulta
daí que os alunos que realmente têm os pré-requisitos para cada passo
caminharão sem quaisquer erros” (Sidman, 1995, p. 291).
7) Expor o aluno ao material para o qual ele está preparado. Logo, o material
deve ser adequado para a aprendizagem daquele aluno particular; para tanto,
todo o material utilizado para ensinar, de forma geral, deveria sofrer uma
adaptação tanto quanto necessária para aumentar as chances de compreensão do
aluno em cada pré-requisito e/ou conteúdo a ser abordado. Utilizações de
procedimentos como hierarquia de dicas e fragmentação de tarefas9 podem surtir
efeitos positivos na aprendizagem.
8) Além de planejar o ensino, é importante monitorar o desempenho do aluno
constantemente, de modo a avaliar se os procedimentos escolhidos estão
auxiliando o aluno a progredir ou se o professor deve planejar outra forma de
ensinar e avaliar.
9) Programar uma aprendizagem sem erros. Todos os oito passos acima
levariam ao planejamento do ensino que minimizaria o erro. É preciso reforçar
positivamente apenas o acerto; logo, quanto mais acertos são produzidos, mais
9 Procedimentos que serão detalhados adiante.
condições são criadas para que o comportamento do aluno aumente em
freqüência e intensidade (ou seja, aumento o valor reforçador do estudar).
“Aprendizagem sem erros é uma área de pesquisa grande e ativa e ainda há
muito por ser descoberto sobre suas possibilidades e limitações. Sua relevância
aqui é seu potencial para remover os últimos vestígios de coerção do processo
educacional .... Um efeito colateral positivo indiscutivelmente seria um
abrandamento do problema dos desistentes; alunos bem-sucedidos raramente
fogem da escola. Um segundo efeito colateral positivo seria uma mudança de
ênfase das escolas na ´disciplina´ para uma ênfase renovada na educação”
(Sidman, 1995, p. 292).
A Instrução Programada, tal como especificada nos nove tópicos acima, é um
método altamente beneficiado com a conjugação a uma tecnologia especial; para tanto,
Skinner idealizou que essa metodologia fosse aplicada aos alunos, em momentos pré-
programados compatíveis com as dinâmicas tanto individuais quanto de grupo, em
“máquinas de ensinar” (Skinner, 1972/1968). Esses equipamentos hoje são
representados pelos computadores, que têm sido utilizados em escala crescente em
vários países. Essa tecnologia aliada a um corpo docente, preparado para esse uso e para
os debates/questionamentos e aprendizagem em grupo (tanto em ambiente planejado
como no ambiente natural), tem as seguintes vantagens:
1) É possível ter um acompanhamento mais fidedigno da aprendizagem do aluno
(registro mais eficaz enquanto o aluno está trabalhando neste ambiente de
tecnologia, já que o computador pode registrar as respostas imediatamente e com
pequenas margens de erros).
2) O feedback pode ser programado para ser liberado contingente ao
comportamentos-alvo de cada aluno, individualmente; assim, em muitos
momentos importantes de aquisição de repertórios com conteúdos específicos, o
aluno não precisa esperar para receber seu feedback junto com a classe inteira,
formada por indivíduos com ritmos e necessidades diferentes.
”Mesmo em uma classe pequena, o professor geralmente sabe que está indo
muito devagar para alguns alunos e muito depressa para outro. Aqueles que
poderiam ir mais depressa sofrem, e aqueles que deveriam ir mais devagar
são mal ensinados e desnecessariamente castigados pelas críticas e
insucessos” (Skinner, 1972/1968, p. 29).
3) Juntamente com outros recursos/materiais didáticos (como livros, filmes,
revistas, etc) o computador agrega interatividade.
4) Não abre mão do (a) professor(a):
“A professora tem uma tarefa mais importante do que a de dizer certo
ou errado... Os recursos só virão melhorar estas relações insubstituíveis... Se
os progressos conseguidos recentemente no controle do comportamento
podem dar à criança uma genuína competência na leitura, na escrita, na
ortografia e na aritmética, então a professora pode começar a funcionar, não
no lugar de uma máquina barata, mas através dos contatos intelectuais,
culturais e emocionais daquele tipo todo especial que testemunham a sua
natureza de ser humano.” (Skinner, 1972/1968, p. 25).
Até este ponto foi discutida teoricamente a visão da educação na perspectiva
skinneriana, tanto num nível ontogenético quanto cultural. Cabe, então, apresentar ao
leitor como o analista do comportamento intervêm nas contingências educacionais de
modo a possibilitar o ensino de habilidades educacionais para indivíduos com Autismo
e, em última análise, possibilitar a Inclusão Escolar.
Entendendo as dificuldades do Autismo:
O diagnóstico de Autismo não será aqui detalhado, pois ele está sendo amplamente
discutido nos demais capítulos desse livro pelos devidos especialistas. Porém, é
relevante destacar uma dificuldade, intrínseca ao diagnóstico do autismo, que interfere
diretamente nas contingências de ensino que serão explicitadas a seguir.
Uma vez que comportamento operante é mantido por variáveis ambientais
(estímulos antecedentes e conseqüentes) é preciso olhar para essa unidade de análise no
trabalho com a população com diagnóstico de Autismo. Dentro do escopo teórico que
orienta este trabalho, considera-se que as conseqüências ou estímulos reforçadores do
comportamento podem ser de três tipos, conforme descrito por Skinner (2000/1953):
- Reforçadores Primários: Funcionam para toda a espécie, garantindo a
sobrevivência da mesma. (Ex: itens comestíveis, de forma geral);
- Reforçadores Condicionados: Estímulos do ambiente adquirem função reforçadora
quando pareados10 com os reforçadores primários, ou seja, são todos aqueles estímulos
ambientais como objetos (ex: mamadeira, brinquedos, decoração do ambiente físico),
estímulos sonoros (voz dos familiares, propriedades sonoras da língua materna,
músicas, etc), estimulações sensoriais (carinhos, movimentos com o próprio corpo,
10 Entende-se por estímulos pareados aqueles estímulos que aparecem simultaneamente no ambiente ou
muito próximos.
posição do corpo) que aparecem junto com os reforços primários; a figura materna
(podendo ser representada por outra pessoa que não a própria mãe exatamente, tanto em
função complementar como substitutiva) que em todo o momento realiza todos os
cuidados com o bebê, desde os primeiros momentos de vida, adquire um forte valor
condicionado por estar pareada com todos os cuidados que garantem a sobrevivência.
- Reforçadores Generalizados: São estímulos que, por sua vez, foram pareados com
muitos outros reforçadores secundários; pode-se dizer que a atenção social e o afeto são
dois potenciais reforçadores generalizados para a espécie humana.
Assim sendo, os reforçadores condicionados e os generalizados são, com freqüência,
produtos de contingências naturais: poder-se-ia dizer que desde o nosso nascimento
somos expostos a uma história de ampliação de reforçadores (num linguajar comum,
poderíamos dizer somo expostos a uma história de ampliação de interesses e motivação)
tão particular e tão importante para o nosso desenvolvimento, em nossa sociedade.
Em se tratando de nossas crianças autistas, poderíamos dizer que as mesmas têm
uma tendência a não ser tão sensíveis a essa história de pareamento ou de ampliação de
reforçadores em suas vidas. Em outras palavras, por mais que elogios, carinhos,
brinquedos apareçam junto com os reforçadores primários na história das crianças
autistas, muitos estímulos do ambiente não se tornam estímulos reforçadores para as
mesmas. Tal insensibilidade11 acarreta, necessariamente, em padrões comportamentais
restritos, bem como seus interesses se tornam restritos. Para reverter essa dificuldade tão
importante, ela deve ser planejada uma intervenção comportamental com crianças
autistas (dentro dos limites e possibilidades individuais de cada criança, obviamente).
O Modelo de Inclusão da Gradual12: como analisar e planejar a inclusão escolar de
alunos autistas
Utilizar os princípios e metodologias da Instrução Programada na educação em geral
(indivíduos com desenvolvimento típico) é, sem dúvida, uma tarefa difícil. Em se
tratando de um aluno com diagnóstico de autismo, essa missão é mais desafiadora. O
analista do comportamento, além de planejar as conseqüências imediatas ao
comportamento desse aluno, tem que identificar quais conseqüências cumprirão o efeito
de reforçar o aprender dele. Isso porque, provavelmente, os reforços secundários e
11 Tal insensibilidade pode ocorre de forma diferenciada para cada criança com diagnóstico de autismo. 12 Gradual é um Grupo de Intervenção Comportamental, do qual as autoras participam.
generalizados (elogios e atenção disponibilizados no ambiente escolar), não funcionarão
como conseqüências reforçadoras para ele.
Vamos pensar num exemplo prático: uma sala de aula com crianças em idade pré-
escolar (3 anos, por exemplo), que são instruídas pela professora a desenhar, utilizando-
se, para tanto, giz e papel. Imaginemos agora, nessa sala de aula, uma criança
diagnosticada com autismo, que, idealmente, deveria seguir as mesmas instruções das
demais crianças. Como poderíamos analisar tal comportamento e que procedimentos
deveríamos propor a fim de aumentar as possibilidades do aluno se engajar nesta
atividade?
Antes de propor qualquer intervenção, temos que avaliar o repertório
comportamental desse aluno: quais são os possíveis reforçadores ou objetos de interesse
dessa criança? Essa criança segue instruções simples, quais? Essa criança senta-se à
mesa espontaneamente? Como essa criança se comunica (gestos, sons, utiliza o adulto
como ferramenta)? Que habilidades pré-requisito estão consistentes em seu repertório
(contato visual, imitações motoras, identificação de objetos funcionais)? Essa criança
tem controle dos esfíncteres bem estabelecido?
Para responder às questões acima descritas, contamos, principalmente, com
dados provindos de técnicas comportamentais de observação e registro do
comportamento da criança em diferentes situações. Observamos essa criança: em
determinados momentos da rotina doméstica, na escola (e/ou outros ambientes
freqüentados por ela), e em ambientes passíveis de controle de variáveis (geralmente
ocorrem em sessões realizadas no consultório), propícios para testar-se diretamente
como a criança se comporta perante instruções e estímulos e ou passíveis de utilização
de testes comportamentais padronizados (ABLA – Avaliação de Habilidades Básicas de
Aprendizagem, desenvolvido por Kerr, Meyerson e Flora, 1977; ABBLS – Avaliação
de Habilidades Básicas de Aprendizagem, desenvolvida por Partington e Sundberg,
1998 etc).
Com os dados e registros provindos da avaliação dos repertórios da criança,
identificam-se os comportamentos-alvo da intervenção; tanto aqueles comportamentos
que estão em excesso em seu repertório ou comportamentos disruptivos (já que
prejudicam a interação da criança com o ambiente social e dificultam a aprendizagem
de novos comportamentos), quanto àqueles comportamentos que queremos maximizar
verbais e aqueles observados em atividades de vida diária).
Voltaremos ao exemplo hipotético13 da nossa criança diagnosticada com
autismo. Suponhamos que ela tenha sido avaliada e que nessa avaliação observamos que
a criança:
Comportamentos da área social:
A criança, quando não direcionada por um adulto, escolhe
espontaneamente assistir à televisão (desenho);
A criança brinca apenas com legos, encaixando-os uns sobre os outros,
sempre os empilhando numa determinada seqüência de cores;
A criança passou 50% do período observado em atividades auto-
estimulatórias (estralar dedos e olhar as mãos), sendo que em 30% desse
tempo o comportamento auto-estimulatório ocorreu em momentos de
transição de atividades na escola e em casa.
Em situações típicas de demanda, ou seja, quando a criança era
direcionada para um ambiente estruturado de maneira a solicitar
respostas específicas da criança (como sentar-se à mesa e diante de um
livro apontar para uma figura frente à instrução “cadê o avião?”) a
mesma emitia comportamentos de fuga-esquiva, tais como empurrava a
mesa, chorava e jogava-se ao chão. Esses comportamentos foram
observados na sala de avaliação e na sala de aula da escola.
Comportamentos Verbais:
A criança não pede por alimentos, nem por atividades; ela mesma dá
conta de pegar e fazer o que quer, sem a intermediação de terceiros.
A criança emite muitos sons, reconhecíveis como sons da língua
portuguesa. Notou-se um aumento significativo de sons durante o banho.
Comportamentos pré-acadêmicos/pré-requisito:
Estabelece contato visual (orientação social) quando chamada por um
adulto familiar, se não engajada numa atividade reforçadora ou auto-
estimulatória;
Não partilha atenção com objetos e adultos concomitantemente e não
monitora a atenção do adulto em relação ao objeto (atenção
compartilhada);
13 Fala-se em exemplo hipotético, pois não estamos retratando a história de uma criança em especial; mas
ilustra uma realidade comumente observada nas crianças que atendemos na Gradual.
Não identifica cores, mas identifica alguns objetos familiares (ou seja,
sabe pegar um copo no armário diante a instrução “pegue o copo”);
Segue instruções simples, que envolvem atividades da rotina, tais como
“leve o prato a pia”, “apague a luz”, “mande um beijo”.
Imita de maneira generalizada movimentos apresentados pelo seu
personagem de TV preferido, bem como movimentos apresentados por
um adulto.
Voltamos então a nossa questão inicial: como poderemos ajudar essa criança,
com o repertório comportamental acima descrito a sentar-se numa mesa, na sala de aula,
e pintar? O analista do comportamento pode ajudar de duas maneiras: 1) planejando
contingências de aprendizagem num ambiente individualizado e protegido (intervenção
comportamental individualizada em consultório) e 2) planejando o manejo de
contingências no ambiente natural (inclusão na escola).
Planejando contingências de aprendizagem num ambiente individualizado e protegido:
- O que ensinar:
A partir dos dados provindos dessa avaliação comportamental, precisamos,
agora, delinear o que ensinar (currículo comportamental) e como (procedimentos) para
nossa criança do exemplo acima. Considerando que o comportamento de sentar-se à
mesa e de desenhar é um comportamento complexo, precisamos analisá-lo em unidades
comportamentais mais simples (fragmentação da tarefa). Feito isso, analisaremos quais
pré-requisitos deverão ser desenvolvidos no repertório dessa criança. Essa análise pode
ser visualizada no quadro abaixo. A coluna da direita, nos apresenta os comportamentos
do âmbito pré-acadêmico que seriam trabalhados no currículo da criança aqui
exemplificada.
Tabela 1. Habilidades pré-acadêmicas ou pré-requisitos a ser desenvolvido numa
criança diagnosticada com autismo a partir dos dados provindos da avaliação
comportamental.
Fragmentação do comportamento
de sentar-se à mesa e pintar em
unidades comportamentais mais
simples.
Comportamentos já
desenvolvidos no
repertório da criança
Comportamentos a serem
maximizados no repertório da
criança exemplificada
anteriormente
Contato Visual Sim, pelo menos com Contato visual de maneira
adultos familiares. generalizada.
Contato ocular com estímulos do
ambiente (papel, giz)
Sim, parcialmente. Ampliar os reforçadores da
criança (ou os estímulos para os
quais ela se atenta).
Imitação motora Sim, de maneira
generalizada.
__
Seguimento de Instruções (ficar sob
controle de estímulos auditivos)
Sim, para atividades da
rotina doméstica.
Seguir instruções de maneira
generalizada.
Sentar-se à mesa Não, a criança foge se
situações como esta.
Sentar-se à mesa
Habilidades Motoras Fina (pegar
giz e desenhar)
Comportamento não
avaliado, pois a criança
não sentou-se à mesa.
Habilidades Motoras Fina
Obviamente outros comportamentos entrariam nesse currículo, como o brincar e
comportamentos verbais (como pedidos, nomeação, repetição de sons etc), a fim de
garantir um desenvolvimento comportamental pleno da criança e a minimização dos
comportamentos disruptivos. Mas não explicitamos essas outras habilidades aqui
porque queremos focar as habilidades diretamente ligadas ao pré-acadêmico e
acadêmico.
- Como ensinar:
O currículo comportamental, que é desenvolvido pelo analista do
comportamento, é composto por programas. Cada programa, que também é
desenvolvido pelo analista do comportamento, descreve o procedimento de ensino a ser
executado a fim de maximizar um comportamento-alvo específico. O seguimento ou a
aplicação do programa com os indivíduos autistas pode ser executado por um aplicador
especialmente treinado para tanto.
Tanto o currículo, quanto cada programa do mesmo, são individualizados e
específicos para cada criança, sempre respeitando as peculiaridades de seu repertório
comportamental.
Cada programa, além de descrever o procedimento de ensino que o aplicador
deve aplicar, requer uma tecnologia de registro específico. O registro garante o controle
do aplicador sob o que está acontecendo com a criança. O registro do desempenho da
criança ao longo do tempo permite observar as mudanças no mesmo ao longo das
sessões e analisar se o procedimento de ensino está sendo efetivo (comparação do
indivíduo com ele mesmo). Além disso, o registro permite que diferentes aplicadores14
acompanhem o desempenho do indivíduo em questão, dando continuidade aos
procedimentos das intervenções anteriores.
Para o ensino de cada programa utilizamos procedimentos testados e
referendados pela abordagem comportamental. Discorreremos sobre alguns deles:
O primeiro procedimento, que embasa toda a prática comportamental descrita
neste capítulo, é o reforçamento. Por exemplo, se queremos aumentar o contato visual
de uma criança (como a acima descrita) podemos disponibilizar, após a emissão de cada
contato visual da criança, um evento supostamente reforçador a mesma (no nosso caso,
hipotetizamos que o acesso ao desenho da televisão pode funcionar como um estímulo
reforçador). Se em circunstâncias posteriores for observado um aumento na freqüência
do contato visual, pode-se dizer que esse comportamento de estabelecer o contato visual
está sendo reforçado e que a conseqüência usada (o DVD) está desempenhando a
função de estímulo reforçador para aquela resposta da criança. Skinner (1953/1994)
explicita melhor essa idéia:
“A única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para
um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto.
Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos
um evento a ela contingente e observamos qualquer mudança na
freqüência. Se houver mudança, classificamos o evento como reforçador
para o organismo sob as condições existentes...”. (Skinner, 1994, p. 81)
Um segundo procedimento, comumente utilizado na intervenção
comportamental, é o procedimento de pareamento de estímulos. Esse procedimento
visa ampliar o número e a qualidade dos estímulos reforçadores do indivíduo15. Na
prática, ele consiste em parear estímulos ambientais que já funcionam como estímulos
reforçadores para o indivíduo com estímulos novos, que ainda são “irrelevantes” para o
mesmo. Por exemplo, suponhamos que nossa criança tenha maximizado seu contato
visual após ter sido reforçada com a apresentação do desenho da televisão. Assim
sendo, cada vez que disponibilizarmos o desenho como reforçador, apresentaremos,
14 Nota-se aqui que a intervenção comportamental é realizada por mais de um aplicador (pelo menos
idealmente). Conforme discutiremos adiante, isso já é uma programação da generalização. 15 Conforme discutido anteriormente, este procedimento é de extrema importância no tratamento de
crianças autistas que apresentaram uma baixa sensibilidade na história de pareamento de reforçadores.
concomitantemente outros estímulos, tais como elogios, brinquedos etc. Este é o
procedimento de pareamento de estímulos.
Um terceiro procedimento a ser citado é o da modelagem, que consiste em
reforçar pequenas respostas que se aproximam topograficamente (ou em sua forma) da
resposta desejada (Catania, 1999). Por exemplo, conforme já descrito, a nossa criança
diagnosticada com autismo não emite pedidos, como por exemplo o uso da palavra
“dá”. Se formos esperar que a criança emita o “dá”, em sua forma final, para, então,
disponibilizar uma possível conseqüência reforçadora, poderemos esperar por muito
tempo. Em função dessa “espera”, podemos ir reforçando “tentativas” ou aproximações
da resposta “dá”. Podemos reforçar apenas a emissão do som “a”, de forma que os sons
emitidos pela criança fiquem cada vez mais próximos de “dá”.
Podemos ainda utilizar o procedimento de tentativa discreta. Esse