Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP Relações étnico-raciais: Educação, território e cultura São Paulo, 23 a 25 de abril de 2012
Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP
Relações étnico-raciais:
Educação, território e cultura
São Paulo, 23 a 25 de abril de 2012
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Organizadoras do Encontro
Fúlvia Rosemberg
Organizadora dos Anais
Fúlvia Rosemberg
Digitação
Marcia Caxeta
Capa
A partir do cartaz original da Seleção Brasil 2009 do Programa Internacional de Bolsas de Pós-
Graduação da Fundação Ford de autoria de Paulo Malta (Editora 34).
Elaboração da Ficha Catalográfica
Biblioteca Ana Maria Poppovic
E46a ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
(12:2012, 23-25 abr.: São Paulo)
Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsista IFP: Relações
étnico-raciais: educação, território e cultura: resumos.
Organizadora Fúlvia Rosemberg. – São Paulo: Fundação
Carlos Chagas. Programa Internacional de Bolsas de Pós-
Graduação da Fundação Ford, 2012.
147 p.
1.Relações raciais. 2. Educação. 3. Cultura.
I. ROSEMBERG, Fúlvia, Org. II. Título.
ISSN 2177-6261 CDU: 323.118
3
Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP
Relações étnico-raciais:
Educação, território e cultura
São Paulo
23 a 25 de abril 2012
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Sumário
: Apresentação ...................................................................................................................... 6
: Agenda ................................................................................................................................ 11
: Ana Lúcia da Silva Sena – Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso
do Sul – uma experiência brasileira ...................................................................................... 15
: Claudiane de Menezes Ramos - Yané purakisaua kupixaua upé: manejo
agroecológico dos índios Baré no Alto Rio Negro (AM) e os impactos das
mudanças climáticas............................................................................................................ 19
: Daniel Antonio Gomes Cruz - Os agenciamentos e as ressemantizações:
as subjetividades e territorialidades de “jovens quilombolas”
em meio urbano.................................................................................................................... 24
: Ecivaldo de Souza Matos – A relação entre a proposta pedagógica e a
usabilidade técnica de um ambiente virtual de aprendizagem.............................................. 29
: Eduardo Antonio Estevam Santos – Luiz Gama: um poeta diaspórico na
contracultura.......................................................................................................................... 34
: Egnaldo Rocha da Silva – Morosidade e conflito na regularização
das terras quilombolas........................................................................................................... 37
: Elias Souza dos Santos – As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola
Normal de Aracaju no período de 1934 a 1971.................................................................... 43
: Elisabete de Oliveira Costa Santos – Planejamento e gestão social de políticas
públicas para o desenvolvimento de territórios rurais.......................................................... 48
: Flávio José dos Passos – O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em
um bairro negro.................................................................................................................... 53
: Genilson Rosa Severino Nolasco – Rowahtuze Sinã: um estudo sobre a
“pedagogia” Akwẽ e sua relação com a escola indígena ....................................................... 60
: Jacqueline da Silva Costa – Negros na universidade: o contexto do Programa
de Ação Afirmativa da – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso................ 67
: João Maciel de Araújo – Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os
marceneiros de Xapuri.......................................................................................................... 72
: José Antonio Marçal – Políticas afirmativas para negros no ensino superior:
aposta no humano como fator de transformação social........................................................ 78
: Júlia de Cássia Miguel Vieira – Educação em saúde com abordagem
transcultural: o padrão alimentar do idoso indígena............................................................. 84
5
: Jurandir de Almeida Araújo – O protagonismo do Movimento Negro Baiano
pós-78 no campo da educação.............................................................................................. 90
: Lucineide Magalhães de Matos – Índios Online: uma análise da relação entre o
acesso às tecnologias de comunicação, e a cidadania no Brasil........................................... 95
: Márcia Nascimento – Línguas indígenas no contexto da educação escolar
indígena no Brasil................................................................................................................. 99
: Maria Albenize Farias Macher - Territorialidade quilombola no estado do Pará .......... 104
: Maria Priscila dos Santos de Jesus – Educação e relações étnicos-raciais: um olhar
sobre a educação de jovens e adultos no Bairro da Rua Nova............... ............................ 108
: Mario Ney Rodrigues Salvador – Os índios Terena e a agroindústria no Mato
Grosso do Sul: a relação capital-trabalho e a questão indígena atual ................................. 112
: Raimunda Regina Ferreira Barros – Os conflitos possessórios rurais no sul e
sudeste do Pará e a função social da posse: uma análise da atuação do judiciário............ 118
: Reinaldo José de Oliveira – A cidade de São Paulo no século XX:
observações sobre segregação e território............................................................. ........ 123
: Rosilene Fonseca Pereira – Criança indígena: transmissão de conhecimento ................ 128
: Silvio Sérgio Ferreira Pinheiro – Palafitas serão apartamentos: concepções,
mecanismos e limites da participação popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade,
em São Luís (estado do Maranhão) .................................................................................. 136
: Suely Noronha de Oliveira – Diretrizes curriculares para a educação escolar
quilombola: ocaso da Bahia e o contexto nacional ....................................................... 141
6
Apresentação
Fúlvia Rosemberg1
É com satisfação que apresentamos ao público os Anais do IX Encontro Brasileiro de
Bolsistas do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (IFP). Os
encontros de bolsistas do IFP ocorreram anualmente desde 2003, e tratam de temas candentes das
agendas acadêmica e social do país. A cada encontro, colocamos em circulação e debate novas
produções a partir de pesquisas acadêmicas, terminadas ou em andamento, de bolsistas e ex-bolsistas
brasileiros do IFP.
A realização de encontros brasileiros de bolsistas do IFP traduz a atenção da Equipe da
Fundação Carlos Chagas, responsável pelo Programa no Brasil, com a consolidação de redes sociais
entre bolsistas e egressos do IFP, bem como sua articulação com outras redes e a sociedade mais
abrangente. Assim, temos planejado e executado atividades que fortalecem as relações entre bolsistas
e ex-bolsistas, pois, como a duração da bolsa é de no máximo três anos e os bolsistas estão dispersos
geograficamente, a criação e o fortalecimento de vínculos inter e intrageracionais devem ser
incentivados. É com esse intuito que realizamos os encontros anuais entre bolsistas e ex-bolsistas
com a apresentação e discussão de seus trabalhos.
Assim como nos anos anteriores, o IX Encontro perseguiu três objetivos: seu primeiro
objetivo foi fortalecer os vínculos entre as diferentes gerações de bolsistas do IFP, visando à
consolidação da rede de intercâmbio. O segundo objetivo foi o aperfeiçoamento acadêmico, via
elaboração e apresentação de comunicações e pôsteres, reflexão e crítica sobre os trabalhos a partir
das avaliações de debatedores e público. E o terceiro, procuramos também um intercâmbio de
bolsistas do IFP e donatários brasileiros da Fundação Ford.
A cada ano escolhemos um tema aglutinador dos trabalhos: o do I Encontro foi Ação
afirmativa; no II, tratamos do tema Terra e território; no III, dos Direitos sociais, educação,
participação e mobilização; o IV focalizou Práticas culturais, comunicação e linguagens; o V
versou sobre Educação e diversidade; o VI sobre Família, gênero e sexualidade; o VII Relações
étnico-raciais no Brasil: o aporte de jovens pesquisadores(as); o VIII focalizou Pesquisas sobre
educação brasileira: desigualdade e diversidade e o IX focalizou Relações étnico-raciais: educação,
território e cultura.
Em nossos encontros, seguimos de perto as formalidades de eventos acadêmicos: todas as
comunicações são avaliadas por uma comissão científica composta por especialistas no tema. Para
1 Professora de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora da Fundação Carlos
Chagas onde coordena, no Brasil, o Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford.
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este IX Encontro, por focalizar Relações étnico-raciais: educação, território e cultura, a
coordenação acadêmica dos trabalhos ficou sob minha responsabilidade e dos debatedores das
mesas: além de minha avaliação prévia, comunicações e pôsteres foram avaliados pelos debatedores:
professores Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, Luís Donizete Benzi Grupioni, Rafael Sanzio Araújo
dos Anjos, Maura Pardini Bicudo Véras e Nirlene Nepomuceno. Para a publicação destes Anais,
efetuamos outra revisão nos textos.
O encontro foi organizado em cinco mesas: procuramos reunir, em cada mesa, as
comunicações com maior afinidade temática ou de enfoque. Algumas mesas foram coordenadas por
ex-bolsistas, que também atuaram como debatedores..
A realização dos encontros se integra às diretrizes que têm norteado a implementação do
Programa IFP no Brasil, como veremos a seguir.
O Programa IFP no Brasil
Uma particularidade da implementação do Programa IFP no Brasil foi a de se identificar,
desde seu lançamento, como um programa de ação afirmativa, na medida em que seu público-alvo
são pessoas sub-representadas na pós-graduação.
Outra particularidade da implementação do Programa IFP no Brasil foi a de respeitar a
cultura que orienta as práticas locais de fomento à pesquisa e à pós-graduação, adequando-a às regras
internacionais que regem o Programa IFP e às estratégias pertinentes a programas de ação afirmativa.
Tais particularidades geraram as linhas mestras de formatação do programa IFP, descritas a seguir.
Grupos-alvo
O Programa IFP no Brasil ofereceu, a cada ano, aproximadamente, 40 bolsas de mestrado
(até 24 meses) e doutorado (até 36 meses), preferencialmente para negros e indígenas, nascidos nas
regiões norte, nordeste e centro-oeste e que provêm de famílias que tiveram poucas oportunidades
econômicas e educacionais. Tais segmentos sociais são os que apresentam os piores indicadores de
acesso à pós-graduação (fonte: Censo 2010).
Difusão
Como todo programa de ação afirmativa, a difusão do Programa IFP no Brasil foi proativa,
visando atingir os grupos-alvo por diferentes estratégias: recursos visuais, lançamentos
descentralizados, divulgação em mídia especializada, parcerias com instituições sociais e
acadêmicas.
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Inscrição na seleção
No início do segundo trimestre civil de cada ano, foram abertas, durante um período de três
meses, inscrições para a seleção anual. Os documentos solicitados para postular uma candidatura ao
programa, e que incluem, entre outros, um formulário para candidatura e a apresentação de um pré-
projeto de pesquisa, procuram coletar informações sobre: atributos adscritos, visando caracterizar o
pertencimento do candidato aos grupos-alvo; potencial/mérito acadêmico, liderança e compromisso
social. A última seleção do Programa IFP no Brasil ocorreu em 2009, tendo sido exclusivamente
para mestrado.
Seleção
A seleção ocorreu em duas fases: na primeira fase selecionaram-se os 200 candidatos que, em
decorrência dos atributos adscritos, teriam a menor probabilidade de terminar o ensino superior.
Eram escolhidos, a seguir, os candidatos com melhor potencial/desempenho acadêmico, de
liderança e de compromisso social com o apoio de assessores ad hoc (que avaliaram o pré-projeto) e
de uma comissão de seleção brasileira, renovada periodicamente.2 A pertinência das práticas
delineadas e adotadas para divulgação e seleção pode ser comprovada na configuração do perfil de
candidatos e bolsistas brasileiros, ao longo dessas seleções e em consonância estrita com os grupos-
alvo (Tabela 1).
Porém, um programa de ação afirmativa não se resume à adoção de procedimentos
específicos de divulgação e seleção. O acompanhamento de bolsistas e ex-bolsistas constitui pedra de
toque de sua implementação.
2 A última Comissão de Seleção foi composta pelos seguintes professores: Kabengele Munanga (USP), Loussia Penha
Musse Félix (UnB), Luiz Alberto Oliveira Gonçalves (UFMG), Maria das Dores de Oliveira (UFAL), Raimundo Nonato
Pereira da Silva (UFAM), Valter Roberto Silvério (UFSCar), Vania Fonseca (Univ. Tiradentes) e Zélia Amador de Deus
(UFPA).
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Tabela 1
Perfil de candidatos e bolsistas por seleção (em %)
Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford – Brasil
Seleção
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Atributos Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Candi-
datos
Bolsis
tas
Sexo
feminino 67 55 68 52 67 50 68 47 72 53 69 48 70 44 67 54
masculino 33 45 32 48 33 50 32 53 28 47 31 52 30 56 33 46
Nível
doutorado 24 26 26 24 22 26 18 25 23 25 22 25 23 20 - -
mestrado 76 74 74 76 78 74 82 75 77 75 78 75 77 80 100 100
Raça
branca 38 9 34 7 26 0 24 0 20 0 18 8 22 11 20 12
negra/ indígena
62 91 65 93 73 100 75 100 79 100 82 92 78 89 80 98
Região de
residência
N/NE/CO 51 57 52 62 52 69 57 60 56 55 59 60 57 69 53 65
S/SE 49 43 47 38 46 30 43 40 43 45 40 40 43 31 47 35
Total 1506 42 931 42 1212 46 1219 40 955 40 949 40 1025 45 925 48
Fonte: FCC – Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford. Arquivos (2012).
Acompanhamento
O acompanhamento é adequado às três etapas da trajetória do bolsista no programa: pré-
acadêmica, acadêmica e pós-bolsa. A etapa pré-acadêmica (duração máxima de um ano) destina-se à
preparação do bolsista para o processo de seleção em programas de pós-graduação, no Brasil ou no
exterior. Apesar de não oferecer verba para manutenção individual, o acompanhamento pré-
acadêmico disponibiliza recursos financeiros, apoio logístico e de orientação para que o bolsista
participe, com sucesso, de até quatro processos de seleção na pós-graduação: viagens, estadia,
inscrição, cursos de línguas e informática, orientação pré-acadêmica, entre outros.
Na etapa acadêmica, o bolsista recebe apoio financeiro, logístico e retaguarda de orientação
para que prossiga, com dedicação exclusiva e sucesso, no tempo requerido, sua formação pós-
graduada: manutenção, custeio acadêmico, recursos para livros, computador e formação
complementar ao cursus acadêmico são alguns dos apoios oferecidos.
No conjunto das seleções, a quase totalidade dos bolsistas selecionados ingressou em
programas de pós-graduação brasileiros credenciados pela CAPES ou estrangeiros de escol;
registramos poucas perdas por desistência, reprovação acadêmica ou descumprimento de regras
10
contratuais. Além disso, o tempo médio para titulação no mestrado de bolsistas IFP tem sido
excepcional: média 27,1 meses mestrado e 44,2 no doutorado.
A notar, ainda, uma particularidade do Programa IFP no Brasil: a grande maioria de nossos
bolsistas permanece no país. Dentre os bolsistas brasileiros que optam por curso no exterior, a
maioria se dirige a universidades portuguesas, especialmente a Universidade de Coimbra. Além das
boas oportunidades oferecidas pela pós-graduação brasileira, o desconhecimento de idioma
estrangeiro parece, pois, constituir empecilho para a saída do Brasil.
O pós-bolsa foi a última etapa na trajetória de bolsista do IFP a ser implantada. Na medida em
que o Programa IFP objetiva, em última instância, a formação de líderes comprometidos com a
constituição de um mundo mais justo, igualitário e solidário, a formação pós-graduada é entendida
como uma das ferramentas para o fortalecimento de novas lideranças.3
Assim, a organização dos encontros anuais, de seus anais e das coletâneas temáticas4
contendo textos de bolsistas egressos do IFP constituem, para a equipe da Fundação Carlos Chagas,
uma atividade essencial, e não um apêndice na formatação de um programa de ação afirmativa na
pós-graduação. Em primeiro lugar, porque a preparação de comunicações e de artigos significa uma
complementação na formação dos bolsistas, nem sempre assumida pelos programas de pós-
graduação. Preparar comunicações e artigos submetê-los ao crivo dos pares, acatar críticas
pertinentes, aprimorar os argumentos são competências indispensáveis não apenas a acadêmicos,
mas também a ativistas.
Além disso, a publicação de coletâneas e de encontros temáticos (acompanhados de Anais
como este) permite a circulação de uma bibliografia nova, produzida por pesquisadores emergentes,
oriundos dos segmentos sociais com menos acesso à autoria acadêmica.
Daí nossa satisfação na publicação destes Anais sobre Pesquisas sobre educação brasileira:
desigualdade e diversidade, cujos autores são bolsistas atuais e egressos do programa IFP.
3 São consideradas atividades do pós-bolsa a participação de ex-bolsistas, que já defenderam suas teses ou dissertações,
nos encontros anuais, bem como nas coletâneas temáticas. 4 Foram publicadas até o momento, as seguintes coletâneas: Educação – Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Regina
Pahim Pinto, Contexto, 2007; Mobilização, participação e direitos – Evelina Dagnino e Regina Pahim Pinto, Contexto,
2007; Estudos indígenas: comparações, interpretações e políticas – Renato Athias e Regina Pahim Pinto, Contexto,
2008; Mulheres e desigualdades de gênero – Marília Pinto de Carvalho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2008; Ambiente
complexo, propostas e perspectivas socioambientais – Paulo Moutinho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2009; Acesso
aos direitos sociais: infância, saúde, educação, trabalho – Paulo Sérgio Pinheiro e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2010;
Relações raciais no Brasil: pesquisas contemporâneas – Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto e Fúlvia
Rosemberg, Contexto, 2011; Terra, território e sustentabilidade – Rafael Sanzio, Fúlvia Rosemberg e Luís Antônio
Francisco de Souza, Contexto, 2011.
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IX Encontro Brasileiro de Bolsistas do Programa Internacional de Bolsas de
Pós-Graduação da Fundação Ford
Relações étnico-raciais: Educação, território e cultura
23 a 25 de abril de 2012 Fundação Carlos Chagas – Av. Prof. Francisco Morato, 1565
Jd. Guedala – São Paulo – SP – (11) 3722-4404
Agenda
1º Dia – 23/4/2012 (2
ª feira)
9h às 9h30 – Abertura
Mesa 1. Educação
Coordenação: Paulo Baltazar
Debatedor: Luís Donizete Benzi Grupioni
9h30 – Genilson Rosa Severino Nolasco
9h50 – Rosilene Fonseca Pereira
10h10 – Marcia Nascimento
10h30 – Café
11h – Júlia de Cássia Miguel Vieira
11h20 – Debates
12h30 – Almoço
Mesa 2. Educação
Coordenação: Silma Maria Augusto
Debatedor: Luiz Alberto Oliveira Gonçalves
14h – José Antonio Marçal
14h20 – Ana Lúcia da Silva Sena
14h40 – Jacqueline da Silva Costa
15h – Jurandir de Almeida Araújo
15h20 – Suely Noronha de Oliveira
16h – Café
16h30 – Maria Priscila dos Santos de Jesus
16h50 – Debates
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2º Dia – 24/4/2012 (3ª feira)
Mesa 3. Território
Coordenação: Alexandro Rodrigues Ribeiro
Debatedor: Rafael Sanzio Araújo dos Anjos
9h – Mario Ney Rodrigues Salvador
9h20 – Claudiane de Menezes Ramos
9h40 – Egnaldo Rocha da Silva
10h – Café
10h30 – Maria Albenize Farias Malcher
10h50 – Daniel Antonio Gomes Cruz
11h10 – João Maciel de Araújo
11h30 – Elisabeth de Oliveira Costa Santos
12h – Debate
13h – Almoço
14h30 – Conferência
Mesa 4. Território
Coordenação: Nilzélia Maria da Silva Oliveira
Debatedora: Maura Pardini Bicudo Véras
15h30 – Flávio José dos Passos
15h50 – Café
16h30 – Silvio Sergio Ferreira Pinheiro
16h50 – Reinaldo José de Oliveira
17h10 – Raimunda Regina Ferreira Barros
17h30 – Debates
3º Dia – 25/4/2012 (4ª feira)
Mesa 5. Cultura
Coordenação: Ivonete da Silva Lopes
Debatedora: Nirlene Nepomuceno
9h – Eduardo Antonio Estevam Santos
9h20 – Ecivaldo de Souza Matos
9h40 – Elias Souza dos Santos
10h – Lucineide Magalhães de Matos
10h20 – Debates
11h – Café
11h30 – ABRAPPS
12h30 – Almoço
14h – Depoimentos de egressos(as) do IFP
15h20 às 16h30 – Encerramento (Café)
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Comunicações
: Ana Lúcia da Silva Sena – Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso
do Sul – uma experiência brasileira ...................................................................................... 15
: Claudiane de Menezes Ramos - Yané purakisaua kupixaua upé: manejo
agroecológico dos índios Baré no Alto Rio Negro (AM) e os impactos das
mudanças climáticas............................................................................................................ 19
: Daniel Antonio Gomes Cruz - Os agenciamentos e as ressemantizações:
as subjetividades e territorialidades de “jovens quilombolas”
em meio urbano.................................................................................................................... 24
: Ecivaldo de Souza Matos – A relação entre a proposta pedagógica e a
usabilidade técnica de um ambiente virtual de aprendizagem.............................................. 29
: Eduardo Antonio Estevam Santos – Luiz Gama: um poeta diaspórico na
contracultura.......................................................................................................................... 34
: Egnaldo Rocha da Silva – Morosidade e conflito na regularização
das terras quilombolas........................................................................................................... 37
: Elias Souza dos Santos – As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola
Normal de Aracaju no período de 1934 a 1971.................................................................... 43
: Elisabete de Oliveira Costa Santos – Planejamento e gestão social de políticas
públicas para o desenvolvimento de territórios rurais.......................................................... 48
: Flávio José dos Passos – O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em
um bairro negro.................................................................................................................... 53
: Genilson Rosa Severino Nolasco – Rowahtuze Sinã: um estudo sobre a
“pedagogia” Akwẽ e sua relação com a escola indígena ....................................................... 60
: Jacqueline da Silva Costa – Negros na universidade: o contexto do Programa
de Ação Afirmativa da – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso................ 67
: João Maciel de Araújo – Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os
marceneiros de Xapuri.......................................................................................................... 72
: José Antonio Marçal – Políticas afirmativas para negros no ensino superior:
aposta no humano como fator de transformação social........................................................ 78
: Júlia de Cássia Miguel Vieira – Educação em saúde com abordagem
transcultural: o padrão alimentar do idoso indígena............................................................. 84
: Jurandir de Almeida Araújo – O protagonismo do Movimento Negro Baiano
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pós-78 no campo da educação.............................................................................................. 90
: Lucineide Magalhães de Matos – Índios Online: uma análise da relação entre o
acesso às tecnologias de comunicação, e a cidadania no Brasil........................................... 95
: Márcia Nascimento – Línguas indígenas no contexto da educação escolar
indígena no Brasil................................................................................................................. 99
: Maria Albenize Farias Macher - Territorialidade quilombola no estado do Pará .......... 104
: Maria Priscila dos Santos de Jesus – Educação e relações étnicos-raciais: um olhar
sobre a educação de jovens e adultos no Bairro da Rua Nova............... ............................ 108
: Mario Ney Rodrigues Salvador – Os índios Terena e a agroindústria no Mato
Grosso do Sul: a relação capital-trabalho e a questão indígena atual ................................. 112
: Raimunda Regina Ferreira Barros – Os conflitos possessórios rurais no sul e
sudeste do Pará e a função social da posse: uma análise da atuação do judiciário............ 118
: Reinaldo José de Oliveira – A cidade de São Paulo no século XX:
observações sobre segregação e território..................................................................... 123
: Rosilene Fonseca Pereira – Criança indígena: transmissão de conhecimento ................ 128
: Silvio Sérgio Ferreira Pinheiro – Palafitas serão apartamentos: concepções,
mecanismos e limites da participação popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade,
em São Luís (estado do Maranhão) .................................................................................. 136
: Suely Noronha de Oliveira – Diretrizes curriculares para a educação escolar
quilombola: ocaso da Bahia e o contexto nacional ....................................................... 141
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Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso do Sul – uma experiência
brasileira Ex-bolsista: Ana Lúcia da Silva Sena (M)
Orientadora: Teresinha Bernardo
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais
Palavras-chave: Gênero, raça, ação afirmativa, representação política, desigualdades
Email: [email protected]
Introdução
Esta comunicação baseia-se em minha dissertação de mestrado, intitulada “Gênero, raça e
ação afirmativa no Mato Grosso do Sul – Uma experiência brasileira”, que analisou a participação,
inserção e representatividade das mulheres no processo político do Estado de Mato Grosso do Sul,
considerando a implementação da Lei Federal n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, que instituiu
reserva mínima de 30% e máxima de 70% das vagas das candidaturas dos partidos políticos para
cada sexo em todos os pleitos eleitorais. O período abrangido situa-se entre 1996 – ano da última
eleição antes da promulgação da lei – e 2008 data da última eleição antes do início da pesquisa.
Para melhor compreensão do quadro político do estado, vale mencionar, brevemente, o
processo histórico e político do estado e como se constituíram as forças oligárquicas e hegemônicas
que ainda hoje ali detêm o poder. A formação social, política e econômica do Mato Grosso do Sul
remete à guerra do Brasil contra o Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, episódio que aponta para
o surgimento da população negra local. De acordo com o historiador Campestrine (apud LEÃO,
2005), o governo imperial enviou milhares de negros para lutar na guerra sob a promessa de que,
quando retornassem, receberiam suas cartas de alforria, promessa que não foi cumprida.
Não há exagero em afirmar que a hierarquia racial de velhos tempos permanece praticamente
intacta no estado, e que esta se constitui nas relações sociais como um dado de superioridade baseado
na diferença da cor da pele, com um grupo racial sobrepondo-se a outro de forma perversa. Como
explica Costa (2003) em relação à população negra brasileira, “a violência racista do branco é
exercida, antes de qualquer coisa, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro”
(p. 137).
Assim, optou-se, na abordagem, por entrelaçar as categorias de gênero e raça, de forma a
dimensionar se a diversidade étnico-racial existente na sociedade se reproduzia no universo político e
o quanto o processo de hierarquização racial, associado à percepção da branquitude, pesa na vida das
mulheres negras atuantes ou envolvidas na política. Nesse sentido, os conceitos de gênero, raça e
ação afirmativa foram fundamentais para compreender como essas categorias operam e em que
16
momento elas se entrelaçam e se constituem barreiras para o avanço da representação das mulheres
negras na política.
Objetivo
Este trabalho procurou compreender o motivo pelo qual não houve avanço da
representatividade das mulheres na ocupação dos cargos públicos eletivos no Mato Grosso do Sul,
mesmo vigorando, oficialmente, uma ação afirmativa favorável às mulheres na política. Análise de
dados coletados junto ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul indicou que entre um
período eleitoral e o subsequente as mulheres sofreram um declínio de 7,96% em relação aos homens
na concorrência pelo mesmo cargo.
Justificativa
O estado do Mato Grosso do Sul é considerado pioneiro na implementação de ações
afirmativas, tanto em relação à questão de gênero quanto à de raça, tendo adotado cotas para negros
em algumas áreas do serviço público como meio de reduzir desigualdades históricas. Entende-se cota
como a utilização de reservas de vagas em diversos setores da sociedade, especialmente em
universidades e órgãos públicos, como medida compensatória para grupos historicamente excluídos
de processos e serviços essenciais de uma sociedade em razão de suas diferenças; neste caso, a cor da
pele.
Com base nessa realidade de hierarquização racial associada ao privilégio da branquitude,
construção social que tornou o branco padrão de referência da espécie humana, optou-se por adotar,
no estudo, o entrelaçamento das categorias de gênero e raça. Partiu-se da hipótese de que as
categorias gênero e raça se sobrepõem, causando prejuízos mais acentuados às mulheres negras que
pleiteiam ocupar cargos públicos eletivos nas cidades onde vivem. O recorte racial foi crucial para
evidenciar que os efeitos perversos do “racismo à brasileira” são um importante componente a ser
considerado neste processo de inserção, no tocante ao envolvimento das mulheres negras na política.
É relevante levantar discussões sobre as desigualdades raciais existentes no contexto das
desigualdades de gênero por percebê-las atreladas às mazelas sociais que acometem profundamente
as mulheres negras.
Referencial teórico ou conceitual
Meu trabalho dialogou com vários autores e autoras, dentre os quais Heleieth Saffiot, Maria
Aparecida S. Bento e Kabengele Munanga, que ajudam a compreender os perversos processos de
desigualdades existentes na sociedade brasileira, sobretudo os que mais prejudicam as mulheres.
17
Saffioti diz que “o par da diferença é a identidade” (2004, p. 37), ou seja, é fundamental preservar a
diferença sem perder a identidade, tanto nas relações de gênero quanto nas relações raciais e étnicas.
Emprego gênero como uma construção social do sujeito masculino ou feminino, e recorro a
Scott (1989) para analisar o conceito a partir de uma perspectiva central e constitutivo das relações
sociais baseadas nas diferenças entre os sexos e como primeira forma de manifestação de poder.
Levanto discussões não apenas sobre a diferença de gênero, mas também de raça, para apontar o
entrelaçamento entre ambas no cotidiano das mulheres e compreender como tal processo interfere
nas relações sociais entre homens e mulheres e, sobretudo, entre as próprias mulheres.
Entendo que gênero e raça se sobrepõem nas relações sociais, oprimindo, em especial, as
mulheres negras, a ponto de impedi-las de usufruírem, na mesma proporção, dos avanços
conquistados pela luta dos movimentos feministas ao longo de décadas. Essa diferença, no tocante à
questão racial, é fruto de uma política do branqueamento, que reforça o sentimento de branquitude
internalizado e arraigado na população branca brasileira, segundo estudos de Bento e Carone (2001,
p. 70), contribuindo para a cristalização e permanência de um status quo que acaba por atingir
indistintamente todas as mulheres, pois o opressor em comum é o homem branco, europeizado e
detentor do poder político e financeiro.
Métodos e procedimentos
A pesquisa lançou mão de diferentes métodos, tais como entrevistas presenciais e por meios
eletrônicos, gravadas com o devido consentimento dos entrevistados, e pesquisa bibliográfica. Foram
entrevistados dois dirigentes partidários e três prefeitas de municípios do interior do estado, que se
autodeclaram brancos e brancas; duas vereadoras, sendo uma branca e outra negra; quatro candidatas
que não chegaram a ser eleitas, sendo que, destas, três se declaram negras e uma, branca; e uma
deputada estadual autodeclarada branca.
Todos os participantes das entrevistas representavam diferentes correntes políticas e
partidárias e foram escolhidos ou por seu perfil de militância social e partidária, ou simplesmente por
ocuparem cargos de direção ou, no caso das mulheres, por terem sido eleitas para um cargo público
de maior destaque.
Os dados estatísticos empregados no estudo foram coletados junto ao Tribunal Regional
Eleitoral de Mato Grosso do Sul.
Considerações finais
Ao compreender o processo e o contexto histórico da luta do feminismo no Brasil, percebe-se
a invisibilidade a que foram relegadas as mulheres negras, cujas histórias de vida deram-se de forma
18
distinta das mulheres brancas. A hierarquia racial mantém-se, ainda hoje, embora de forma não tão
explícita, como um divisor de águas entre os dois grupos. Intencionalmente, agregou-se à discussão
sobre a diferença de gênero a diferença de raça, com o intuito de mostrar que ambas estão
entrelaçadas no cotidiano das mulheres e que é preciso compreender como tal processo interfere nas
relações sociais, não apenas entre homens e mulheres, mas também entre as próprias mulheres.
Gênero e raça sobrepõem-se nas relações sociais, resultando em opressão, em especial para as
mulheres negras, a ponto de impedi-las de usufruírem, na mesma proporção que as brancas, dos
avanços conquistados pelos movimentos feministas ao longo das últimas décadas.
Nesse sentido, ações afirmativas baseadas somente em gênero mostram-se deficientes em
vários aspectos, pois, além de não garantirem rupturas no ciclo de domínio dos homens, no campo
político, de certo modo, privilegiam as mulheres brancas em detrimento das negras e indígenas.
Minha pesquisa apontou ainda outros fatores impeditivos ao êxito das mulheres na política, entre os
quais a falta de comprometimento daqueles que se mantêm no poder em se empenhar na superação
das desigualdades de gênero e raça. Observou-se, também, que os partidos políticos não diferem
entre si no trato das questões raciais e de gênero.
Referências bibliográficas
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alterações introduzidas pela Lei n. 9.840, de 28 de setembro de 1999 e Lei n. 10.408, de 10 de
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WARE, V. (org.). Branquidade: identidade e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
19
Yané purakisaua kupixaua upé: manejo agroecológico dos índios Baré no Alto Rio
Negro (AM) e os impactos das mudanças climáticas
Bolsista: Claudiane de Menezes Ramos (M)
Orientador: Luiz Antônio Cabello Norder
Instituição: Universidade Federal de São Carlos – Programa de Pós-Graduação em
Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Palavras-chave: Agroecologia, mudanças climáticas, Baré
Email: [email protected]
Apresentação
Este estudo aborda a realidade dos índios Baré na comunidade indígena Tabocal dos Pereira e
terra indígena Marabianas/Cué-cué, no estado do Amazonas. Seu principal foco se volta para o
manejo agroecológico praticado pelos agricultores indígenas no interior da floresta e os principais
impactos das mudanças climáticas por eles percebidos na pesca, caça, coleta, agricultura, rio, clima
(temperatura e chuva). A ameaça das mudanças climáticas na agricultura causa grandes
preocupações, uma vez que os fatores ambientais são indispensáveis para o cultivo agrícola
(ALTERI, 2004).
A região do Alto Rio Negro é pluriétnica: aí habitam 23 povos indígenas que falam 19 línguas
distintas. Apesar dessa diversidade, compartilham o mesmo sistema de produção de alimentos. A
agricultura praticada pelos povos indígenas do Alto Rio Negro é de subsistência, que também pode
ser identificada como agroecológica, isto é, socialmente justa, economicamente viável, saudável e
ecologicamente correta. Essa agricultura faz parte da história desses povos e é repassada,
tradicionalmente, aos filhos.
Há uma relação harmoniosa entre o agricultor indígena e a rica diversidade de plantas
cultivadas na região. Os indígenas possuem uma visão holística da natureza, pela qual os fatores
ambientais, sociais e econômicos estão intimamente interligados. Segundo Emperaire (2001), as
regiões do Alto e Médio Rio Negro são consideradas um centro de diversificação das espécies. Ali
encontramos, aproximadamente, 99 espécies de plantas comestíveis – sendo 38 espécies anuais –, 51
árvores frutíferas e 10 espécies de palmeiras (KATZ & EMPERAIRE, 2008); as espécies de
mandioca são as mais cultivadas e é base de toda a alimentação indígena da região. De acordo com
Andrello e colaboradores (2001), as populações tradicionais contribuem para a diversidade das
espécies, do ecossistema e da genética, visto que desenvolveram uma relação de integração com a
natureza, ou seja, manejam o meio ambiente sem causar impactos negativos.
20
Objetivo geral
A dissertação de mestrado tem por objetivo geral avaliar como as variações do clima são
percebidas pelos índios Baré da comunidade indígena Tabocal dos Pereira, no Alto Rio Negro, e
avaliar seu impacto na produção agrícola e na organização social e política dessa comunidade.
Objetivos específicos
Identificar e descrever as características básicas e as transformações históricas da produção
agrícola e a cultura tradicional dos índios Baré no Alto Rio Negro;
identificar, analisar e interpretar a percepção, a forma de descrição e os fenômenos apontados
pelos moradores da comunidade Tabocal sobre as mudanças climáticas;
analisar a forma como as comunidades associam as mudanças climáticas aos problemas recentes
na agricultura;
analisar as estratégias agroecológicas, produtivas e sociais de adaptação e coexistência com as
mudanças climáticas da forma como são percebidas pelas comunidades.
Justificativa
Esta pesquisa é necessária para superar os desafios socioeconômicos e ambientais associados
ao maior problema ambiental do nosso tempo: as mudanças climáticas. Atualmente, os ecossistemas
do Alto Rio Negro passam por visíveis alterações climáticas. Existem fatores que evidenciam essas
transformações, como a elevação da temperatura do ar e da água, modificações nos períodos de
estiagens e cheias, chuvas. Isso vem prejudicando, intensamente, a prática Yané purakisaua
kupixaua upé (em língua indígena Nheengatu ou tupi moderno), isto é, a agricultura do tipo
tradicional, de subsistência. Tal agricultura caracteriza-se por utilizar técnicas de plantios que não
agridem o meio ambiente, usando mão de obra basicamente familiar, sem utilizar nenhuma
tecnologia ocidental e realizada com base no conhecimento tradicional. Portanto, podemos chamá-la
de agroecológica.
Os sistemas agrícolas com base agroecológica são biodiversos, resilientes, eficientes
energeticamente, socialmente justos e constituem a base de uma estratégia energética e produtiva
fortemente vinculada à soberania alimentar (ALTIERI, 2004). No entanto, existem claros indicadores
ecológicos que evidenciam as mudanças climáticas na região, como por exemplo, secas e enchentes
em excesso; espécies agrícolas mortas em decorrência da altas temperaturas; diminuição na
21
disponibilidade de peixes; modificação na fenologia5 das plantas etc. Os agravos ambientais também
afetam a saúde dos indígenas: na época de chuvas intensas aumentam os casos de malária.
Referencial teórico
A relação entre o clima e a produção agrícola no Brasil vem sendo alvo de pesquisa há muito
tempo. Um conjunto de ferramentas vem sendo utilizado para apoiar o governo brasileiro no
planejamento e controle, por parte do Estado, racionalizando o uso de recursos públicos e
estimulando a aplicação adequada da tecnologia na redução dos riscos e perdas e elevação da
produtividade (NAPOLEÃO, 2008).
A agricultura é uma atividade altamente dependente de fatores climáticos, como temperatura,
pluviosidade, umidade do solo e radiação solar. A mudança climática pode afetar a produção agrícola
de várias formas: a frequência e a severidade de eventos extremos, pelo aumento da produção devido
ao efeito fertilizador de carbono por meio de maiores concentrações de CO2 atmosférico; pela
alteração da intensidade de colheita devido a uma mudança no número de graus-dia de crescimento;
ou então modificando a ocorrência e a severidade de pragas e doenças (EMBRAPA, 2010).
Segundo o Relatório “Estado do Mundo” (2011), a agroecologia é uma das ferramentas que
pode ser utilizada para combater e amenizar as mudanças climáticas. Diante disso, este trabalho
pretende aprofundar o conhecimento científico sobre os impactos das mudanças climáticas nas
práticas agrícolas e na vida cotidiana e sociopolítica das comunidades indígenas do Alto Rio Negro,
estado do Amazonas, e, a partir disso, refletir sobre o papel das políticas públicas e da agroecologia
nesse contexto específico.
Metodologia
A pesquisa proposta na dissertação é de tipo qualitativa com enfoque etnográfico, descritivo e
interpretativo. Segundo Silva (2010), a pesquisa com enfoque etnográfico surgiu no cenário da
Antropologia, com a finalidade de “compreender as relações socioculturais, os comportamentos,
ritos, técnicas, saberes e práticas das sociedades”, até então desconhecidos e que se adaptaram a
problemas comuns da atualidade.6
A escolha dessa metodologia se baseou no tipo de pesquisa, considerando o fato de a
pesquisadora/autora pertencer ao grupo indígena estudado e ser falante da língua Nheengatu ou Tupi
5 Fenômenos periódicos das plantas, como brotação, floração etc.
6 A etnografia também é conhecida como pesquisa social, observação participante, pesquisa interpretativa, pesquisa
analítica, pesquisa hermenêutica (MATOS, 2001).
22
Moderno. Isso foi indispensável para realizar as entrevistas e as discussões em grupos, fazendo
sentir-me mais segura e deixando o(a) agricultor(a) indígena mais à vontade.
O ingresso para realizar pesquisa na terra indígena Marabitanas/Cué-cué foi autorizado pelo
ofício n. 229, de 28 de novembro de 2011, processo n. 015678/11 da Funai (Fundação Nacional do
Índio), estando de acordo com a portaria n. 177 que dispõe sobre o respeito aos povos indígenas, a
proteção de seu patrimônio material e imaterial relacionados à imagem, criações artísticas e culturais.
Em dezembro de 2011, viajei para o local. Chegando à comunidade, iniciei as explicações
sobre o propósito da pesquisa e comecei a coleta de dados. Foi um grande desafio ser pesquisadora
do meu grupo/etnia, da minha própria cultura. Ao entrevistar pessoas com as quais convivi a maior
parte de minha vida, corria o risco de não dar relevo a aspectos que, por conhecê-los há muito,
poderiam não parecer relevantes, contrariamente ao que poderia ser considerado por pesquisador(a)
de fora da comunidade. Então tive que aprender a observar e coletar dados como um sujeito estranho.
Contudo, foi produtivo dispor de conhecimento dessa realidade.
No campo, as famílias me auxiliaram muito, mostrando as práticas agrícolas. Nós vivemos
uma estreita relação. Pude conviver na casa do Senhor Antônio Barbosa7 enquanto o trabalho de
campo perdurou.
Resultados esperados
Com a presente pesquisa esperamos contribuir para o conhecimento científico e a inovação
agroecológica no país, identificando os principais impactos das mudanças climáticas na vida desse
povo indígena. Além disso, espera-se que esta pesquisa possa servir de subsídio para futuros projetos
de ação nestas regiões e, principalmente, colaborar com o desenvolvimento da comunidade indígena
envolvida no projeto.
Referências bibliográficas
ALTIERI. M.A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2004.
ANDRELLO, G. L.; DIEGUES, A. C.; NUNES, M. Populações tradicionais e biodiversidade na
Amazônia: levantamento bibliográfico georreferenciado. In: CAPOBIANCO, J. P. R. (org.).
Biodiversidade na Amazônia brasileira. São Paulo: Editora Estação Liberdade/Instituto
Socioambiental, 2001, v.1, p. 205-24.
7 Indígena pertencente à etnia Baré.
23
EMBRAPA, Mudanças climáticas e a agricultura. Jaguariúna: CNPMA - Centro Nacional de
Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental, 2010. Disponível em: <
http://cnpma.embrapa.br/unidade>. Acesso em: 05/10/2010.
EMPERAIRE, L. Elementos e discussão sobre a conservação da agrobiodiversidade: o exemplo da
mandioca (Manihot esculenta Crantz) na Amazônia brasileira. In: CAPOBIANCO, J. P. R. (org.).
Biodiversidade na Amazônia brasileira: São Paulo: Estação Liberdade/Instituto Socioambiental,
2001, v.1, p. 225-34.
ESTADO DO MUNDO 2011. Disponível em:
<http://www.akatu.org.br/Content/Akatu/Arquivos/file/Publicacoes/EstadodoMundo2011_portugues
.pdf> Acesso em: 29 jun 2012.
KATZ, E.; EMPERAIRE, L. Agrobiodiversity of food plants in the Middle Rio Negro, an
agricultural an culinary heritage? [Apres. ao 11th
International Congress of Ethnobiology Biocultural
Heritage, Community-led Conservation rights and local Livelihoods, Cusco, June 25th
30th
2008].
MATOS, C. L. G. de. A abordagem etnográfica na investigação científica. UERJ, 2001. Disponível
em: <http// www.ines.org.br>. Acesso em 05 de março de 2012.
NAPOLEÃO, B. A. (Presidente EPAMIG). Efeitos das mudanças climáticas na agricultura.
EPAMIG: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais. Informe Agropecuário, v. 29, n. 226
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SILVA, M. O. L. da. Etnografia e pesquisa qualitativa: apontamentos sobre um
caminho metodológico de investigação. UFPI, 2010. Disponível em:
<http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.1/GT_01_15.pdf>.
Acesso em: 10 /02/2012.
24
Os agenciamentos e as ressemantizações: as subjetividades e territorialidades de
“jovens quilombolas” em meio urbano.
Bolsista: Daniel Antonio Gomes Cruz (M)
Orientador: Julio Tavares
Instituição: Universidade Federal Fluminense –- Programa de Pós-graduação em
Antropologia (PPGA)
Palavras-chave: jovens, quilombolas, subjetividades, agenciamentos.
Email: [email protected]
Introdução
Por meio desta proposta de pesquisa, situada no interior da perspectiva antropológica,
pretende-se analisar as “múltiplas posições de sujeito” (BUTLER, 2003) tomadas por jovens de
comunidades quilombolas no contexto urbano da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Entende-
se tais posicionamentos pessoais e coletivos como uma construção social, política, relacional,
múltipla e não-fixa, produzida nas relações de fronteira e nas conexões parciais e nos encontros entre
o eu e o outro (BARTH, 1998). Além disso, considera-se que o processo de subjetivação não se dá
de modo individual, e sim na negociação e interação entre os agentes, agências e as classificações
sociais historicamente disponíveis. Tendo em vista minha área de formação em Ciências Sociais, é
necessário ressaltar que não irei tratar de subjetividades individuais, mas de processos coletivos, ou
melhor, dos agenciamentos coletivos de subjetivação (DELEUZE, 1995).
Dessa forma, a questão central a conduzir esta pesquisa é: de que modo os jovens, que até
então eram identificados como “negros favelados” e que agora passam a ser vistos também como
“quilombolas”, articulam estas identidades ligadas, em termos de representações sociais correntes,
respectivamente ao “moderno” e ao “tradicional”? Esta indagação suscitou outros
questionamentos, tais como: a) Dentro destas múltiplas formas positivas de se identificar (negro,
favelado e quilombola), em que situações e espaços esses jovens acionam uma ou outra dessas
categorias? b) O trânsito desses jovens entre expressões artístico-culturais tradicionais e locais, tal
como o samba e o congado, as religiões de matriz africana e expressões modernas globais como o
hip hop, mais especificamente o rap, produziriam hibridações e apropriações entre as mesmas?
Haveria alguma tensão, conflito ou impasses nesse fluxo? c) Como esse duplo pertencimento é
tematizado dentro da produção simbólica desses jovens?
Essas são algumas das indagações a que meu trabalho, acompanhando de perto esses sujeitos,
se propõe a responder.
25
Objetivos
A partir de uma pesquisa etnográfica junto aos jovens de duas comunidades de Belo
Horizonte, pretende-se investigar como e em que medida o trânsito de jovens entre diversos espaços
de produção simbólica da cidade e o uso de categorias sociais de identificação ligados à participação
da “modernidade” e à ideia de “tradição” promovem articulações entre representações do “passado”
e do “presente” e de que maneira essas pertenças são tematizadas na produção artísitico-expressiva
desses jovens. Para isso, objetivamos acompanhar um processo de ressemantização dos
pertencimentos a partir do surgimento da categoria de “jovens quilombolas” em um contexto urbano,
levantando os impactos dessa nova identificação; mapear os múltiplos espaços de construção e
positivação das subjetividades de jovens negros ligados à ideia de “modernidade” e a de “retorno às
tradições” no que tange à participação e expressão artístico-musical; e identificar os momentos em
que esses sujeitos decidem acionar a identidade quilombola e as motivações levantadas na interação
com outros jovens em diferentes espaços da cidade.
Justificativa
Os quilombolas vêm recebendo atenção crescente do poder público e organizando
movimentos sociais com grande repercussão nacional. Há uma extensa produção bibliográfica que
ajudou essas coletividades a encaminharem seus pleitos e a conquistarem do governo programas
especiais de Políticas Públicas. A participação dos antropólogos tem sido fundamental neste debate
e, tal como defende Arruti, sua agência dos mesmos não pode ser subestimada no processo de
visibilidade e ressemantização das comunidades quilombolas (ARRUTI, 2006).
No entanto, percebo haver uma lacuna na produção do conhecimento a respeito das
consequências do reconhecimento como quilombola em termos de uma reconfiguração da dimensão
intersubjetiva, em especialmente na relação com os habitantes do entorno. Principalmente sobre a
realidade dos quilombos urbanos, esta lacuna é ainda mais visível, já que a maioria dos estudos
etnográficos sobre quilombos tem se concentrado no meio rural.
Além disso, ao longo da minha trajetória de envolvimento com a temática quilombola,
percebi que a maioria dos estudos sobre tais populações tem atentado para a luta pela manutenção do
território e, deste modo, elegido a comunidade ou as organizações políticas do movimento
quilombola como a unidades de análise. Há poucos estudos que focam, mais especificamente, o
impacto do entrecruzamento da identidade quilombola com outras identidades de parcelas desta
população como a juventude, por exemplo. Dentre os poucos trabalhos a que tive acesso e que
promovem tal cruzamento, destacam-se o livro da geógrafa Lourdes Carril (2006) e uma dissertação
de mestrado em Educação de Bastos (2009). Contudo, alguns autores também têm constatado a
26
pouca produção acadêmica sobre as especificidades da condição juvenil dos negros, principalmente
no que diz respeito ao entendimento desses jovens como sujeitos socioculturais e não como
“problemas sociais” (CARRANO, 2002; DAYRELL, 2005).
Acredito que o trabalho proposto tenha, além de uma contribuição à minha área de saber
específica, uma relevância social, uma vez que conhecer a realidade dos sujeitos é uma premissa
básica para a constituição de políticas públicas eficientes. Ainda que tenha seu escopo bem definido
como pesquisa acadêmica, este trabalho pode ser base para se pensar sobre as especificidades do
jovem quilombola em relação a outras condições juvenis como sujeito de direitos no âmbito do
acesso a bens culturais e ao lazer sem também correr o risco do exoticismo. Como jovem negro
originado da periferia urbana, envolvido nas lutas pelos direitos da juventude e pelos direitos das
populações quilombolas, assumo também a escolha desta temática, bem como a ênfase na relação
com as musicalidades de matriz africana a partir de seu caráter pessoal, afetivo e político.
Referencial teórico ou conceitual
De acordo com o Arruti e Almeida (1996, 2002), o processo de formação dessas novas
etnicidades no Brasil contemporâneo tem se dado a partir da ressemantização, a qual implica uma
revisão da memória coletiva desses grupos, sua re-historicização, atualização e atribuição de novos
significados às identidades que a estas comunidades eram atribuídas.
A respeito da ideia de “tradicional”, deve-se ainda considerar que ela é vista como resultado
de um processo social de negociação de versões legítimas de uma ou mais histórias, sem que esta
busque na continuidade histórica o critério de legitimidade da identidade reivindicada no presente.
Para uma discussão aprofundada sobre esta interlocução entre a Antropologia e a História me baseio,
entre outros, nos estudos de Sahlins (2003), principalmente em sua discussão argumentação sobre o
conceito de estruturas da conjuntura e indigenização da modernidade. Especificamente sobre o
contexto de surgimento de novas etnicidades no Brasil tomo como ponto de partida os estudos de
Pacheco de Oliveira (1998); Arruti (1997, 2006) e Almeida (1996, 2002).
Assim, a afirmação da tradição não é uma recusa à modernidade, mas sim a marcação de
possibilidades de inserção na modernidade a partir de projetos alternativos ao modelo imposto pela
modernidade ocidental em suas bases coloniais (SANTOS, 2006). Levando em conta que a pertença
étnico-racial é expressa coletiva e subjetivamente e que não se dá de modo uníssono entre todos os
integrantes de uma comunidade, a proposta desta pesquisa é perceber essas variações a partir das
diferenças geracionais, concentrando-se na parcela juvenil desta comunidade.
27
Metodologia e procedimentos
No intuito de construir colaborativamente um saber antropológico com os/as jovens
quilombolas é que se pretende trabalhar com a concepção polissêmica do termo “tradução”, tanto no
nível metodológico e epistemológico quanto no nível intersubjetivo e afetivo envoltos no processo de
construção do conhecimento etnográfico. A proposta é que, para além de meros “informantes”, tais
jovens se apropriem da pesquisa tornando-se seus interlocutores. Deste modo, para colocar a termo a
“tradução” serão acionados os seguintes passos e instrumentos metodológicos:
a) Análise de documentos históricos dos Relatórios Antropológicos de Caracterização Histórica,
Econômica e Sócio-cultural das comunidades selecionadas.
b) A observação participante nas comunidades escolhidas com registro em diário de campo. Nesta
ocasião serão feitas entrevistas em forma de conversas informais principalmente com os jovens da
comunidade para seleção dos interlocutores da segunda etapa da pesquisa.
c) A segunda etapa da pesquisa consistirá em um mapeamento, através da observação participante
com uso de diário de campo e registro audiovisual, das redes sociais de alguns dos jovens
quilombolas por seus espaços de produção e participação artístico-cultural e de sociabilidade na
música, formulando traçados entre cidade envolvente e a comunidade. Nesta etapa serão feitas,
também, entrevistas individuais com os sujeitos acompanhados.
Nos resultados, transcreverei as entrevistas em profundidade, registradas com auxílio de
gravador e o diário de campo confrontando-as com os outros registros documentais e audiovisuais.
Do cruzamento destes dados serão selecionadas as categorias de análise as quais darão base ao
argumento desenvolvido no texto etnográfico.
Devido à facilidade de inserção no campo, o trabalho empírico será na cidade de Belo
Horizonte, especificamente em uma das comunidades já reconhecidas como quilombolas e que estão
atualmente em processo de titulação de suas terras, a saber, a Comunidade de Mangueiras e a
Comunidade dos Luízes, cujos relatórios antropológicos (NUQ, 2008) foram elaborados pela equipe
do NUQ – Núcleo de Estudos Sobre Populações Quilombolas e Tradicionais/UFMG. Trata-se de
dois quilombos urbanos, bastante integrados à rotina e ao estilo de vida e trabalho dos bairros à sua
volta.
Tendo em vista estes desafios, já que a pesquisa inicia neste momento sua fase empírica,
gostaria de concluir dizendo que o proposto é na medida do possível produzir uma etnografia que
contribua tanto para o campo dos estudos sobre quilombos e sobre juventude como também para a
produção de políticas públicas menos normativas e mais condizentes com o que os quilombolas
estejam pautando como pontos essenciais de sua resistência sem a imposição de normatividades.
28
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SANTOS , B. S. A Gramática do Tempo: Para uma Nova Cultura Política, São Paulo: Cortez
Editora, 2006.
29
A relação entre a proposta pedagógica e a usabilidade técnica de um ambiente
virtual de aprendizagem Ex-bolsista: Ecivaldo de Souza Matos (D)
Orientadora: Stela Conceição Bertholo Piconez
Instituição: Universidade de São Paulo – Programa de Pós-Graduação em Educação
Palavras-chave: usabilidade, proposta pedagógica, ambiente virtual de aprendizagem.
Email: [email protected]
Introdução
Que aspectos de Interação Humano-Computador (IHC) influenciam um processo de ensino-
aprendizagem adequado? Do que depende esta interação: da proposta pedagógica, do recurso
tecnológico ou da articulação entre ambos? A usabilidade técnica de um recurso tecnológico pode
intervir no alcance dos objetivos pedagógicos? Qual o papel do ambiente virtual nesta avaliação?
Quais impactos pedagógicos podem ser observados se a usabilidade técnica na utilização de
ferramenta do tipo fórum em um ambiente virtual de aprendizagem for avaliada sob o ponto de vista
dos agentes de interação (estudantes e/ou professores)?
São essas as perguntas que norteiam minha tese de doutorado em andamento.
Objetivo
Esta pesquisa tem como objetivo descrever e compreender a relação humano-computador em
seu movimento dialético entre os objetivos didático-pedagógicos e a usabilidade técnica percebida
por meio do recurso fórum em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) utilizado durante um
curso de pós-graduação.
A usabilidade técnica é uma característica referente à qualidade de softwares interativos,
baseando-se na facilidade de uso dos recursos por meio das interfaces com usuários.
Justificativa
Alguns estudos defendem a ideia de que para potencializar os benefícios da tecnologia, e
conseguir tirar o seu máximo proveito no âmbito da educação, é necessário incorporar uma cultura
da informática ao fazer profissional e à prática pedagógica. Almeida (2007) defende que a
incorporação de uma tecnologia aos processos educacionais deve considerar a compreensão da forma
como essa tecnologia é constituída, de suas potencialidades e limitações nas formas de interação e de
significação. Isto requer que tanto professores como estudantes se apropriem do domínio da
tecnologia.
Nesse contexto, Piconez e Nakashima (2011) reafirmam a importância de se distinguir entre
as abordagens e restrições de uma tecnologia, aquilo que é inerente à tecnologia e aquilo que é
30
imposto externamente pelo usuário. Portanto, é essencial que professores e equipe de produção
tenham consciência (ou saibam) que o uso criativo de tecnologias envolve produção de
conhecimentos, os quais podem reverter no aprimoramento das próprias tecnologias.
Tais considerações reforçam as razões pelas quais os recursos tecnológicos devem ser
construídos em uma integração dialética entre sua habilidade técnica e habilidade pedagógica. Essa
integração deve estar sempre atenta à consistência educacional do contexto onde o ambiente
educacional a ser utilizado se beneficia com suportes digitais.
Essas tendências suscitam investigações com a finalidade de propor soluções para os
impactos que essas tecnologias estão causando e aos prováveis impactos que ainda virão a causar. Na
educação mediada pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, focalizando os recursos
tecnológicos como mecanismo de promoção da interação entre os indivíduos, busca-se compreender
como se dá a relação entre a usabilidade proposta didático-pedagógica e a usabilidade técnica desses
recursos. Estaria a usabilidade a serviço da proposta didático-pedagógica?
Referencial teórico
Neste trabalho adotou-se uma perspectiva dialética entre teoria e prática, pela qual o campo
teórico emerge dos dados da prática. Isto é: diante de um universo teórico na confluência entre
teorias de interação humano-computador e abordagens educacionais, primeiro coletam-se dados,
para, então, identificar-se qual(is) teoria(s) seria(m) epistemologicamente mais adequada(s) para
responder às questões de pesquisa colocadas.
Sendo assim, no presente estágio da pesquisa, as suas análises têm se fundamentado na
Engenharia Cognitiva e na Análise de Conversação, tendo como principais categorias de análise: a
“usabilidade técnica percebida”, a “autonomia” e a “interação”. A primeira no campo da Ciência da
Computação, a segunda no campo da Educação e a terceira em ambos.
A Engenharia Cognitiva, baseada na Psicologia Cognitiva (Teoria da Atividade), oferece
apoios teórico-metodológicos para compreender como os indivíduos atingem seus objetivos de
interação por meio de tarefas cognitivas (NORMAN; & DRAPER, 1986). A Análise de Conversação
descreve como um diálogo é organizado por seus participantes a cada momento, analisando a
natureza situada das interações, cujo controle está fortemente relacionado à distribuição de turnos de
fala e focalização do tema da conversa (SCHEGLOFF, 1972).
Metodologia
Por se tratar de uma pesquisa de natureza qualitativa, a compreensão do fenômeno de
interação e consequente análise da usabilidade técnica foram estudadas em função das inter-relações
31
que surgiram do próprio contexto educacional no qual a tecnologia e os sujeitos estavam inseridos.
Foram buscados dados que permitissem compreender possibilidades e desafios de articulação entre
os conhecimentos didático-pedagógicos (interação humana) e de usabilidade técnica (computador).
Esta pesquisa foi dividida em três macro-etapas: pesquisa exploratória com imersão no
contexto em busca de visão geral sobre o problema, identificando teorias utilizadas em estudos
similares, além de novas fontes de dados; investigação focalizada com coleta de dados sistematizada;
análise final à luz da teorização desenvolvida ao decorrer da pesquisa.
A fase exploratória, que se apoiou na revisão de estudos anteriores, consistiu em imersão no
contexto em busca de três objetivos: construir uma visão geral do problema; identificar os sujeitos de
pesquisa; ampliar o conhecimento sobre as fontes de dados. Após a fase exploratória, os dados foram
coletados utilizando três procedimentos: observação-participante, questionários, grupo focal com
registro de áudio.
O ambiente de investigação foi a disciplina presencial do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade de São Paulo (USP) intitulada “EDM5053 - Ambientes de Aprendizagem
Cooperativa Apoiados em Tecnologias da Internet: Novos Desafios, Novas Competências”. Durante
todo o segundo semestre letivo de 2010, o pesquisador participou do ambiente de pesquisa,
interagindo presencialmente com os sujeitos (15 estudantes e um docente). Para isso, acompanhou
todo o transcorrer da disciplina, observando os participantes direta ou indiretamente (por meio de
registros no Moodle)8 durante as discussões propostas pela temática da disciplina.
Foram elaborados um questionário de fluência digital (QFD) e um questionário de avaliação
de usabilidade técnica (QUT). O QFD buscou reconhecer a fluência digital de cada participante.
Aplicado no primeiro dia de aula, o objetivo deste questionário não foi mensurar conhecimentos,
tampouco classificar os sujeitos. Buscou-se, tão somente, dispor de subsídios para análise mais
contextualizada das respostas ao QUT, a partir da análise dos perfis e do reconhecimento de alguns
conhecimentos prévios dos sujeitos sobre o uso da tecnologia.
Por sua vez, o QUT teve o objetivo de capturar dados que contribuíssem para a compreensão
da usabilidade técnica do fórum segundo a percepção dos estudantes. Este questionário,
disponibilizado on-line no AVA, foi confeccionado apoiando-se em modelos de avaliação de
usabilidade em contexto e em questionários disponíveis na literatura da área, como o ISONORM,
bem como em heurísticas e diretrizes de usabilidade internacionalmente aceitas.
8 Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) é um ambiente virtual de aprendizagem, ou seja,
um software de apoio à aprendizagem, construído sob o paradigma open-source (código aberto/software livre) –
http://moodle.org.
32
O grupo focal foi realizado ao final do curso, no último dia de aula, orientado por um
conjunto de questões sobre usabilidade técnica e pedagógica. Foram discutidos os objetivos do curso
e do uso de recursos de aprendizagem da web, mais precisamente sobre a usabilidade técnica e
pedagógica do fórum do Moodle.
No que diz respeito aos cuidados éticos, foi solicitado consentimento a todos os sujeitos para
participação na pesquisa. O pedido de consentimento seguiu regras específicas da Comissão de Ética
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, tendo sido produzido um documento nos
moldes estipulados pela referida comissão, o qual todos os informantes assinaram. O “Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido” continha informações sobre a natureza da pesquisa, seus
objetivos, o local de realização, o pesquisador, professora-orientadora, contatos e outros
esclarecimentos sobre o caráter voluntário da participação e sigilo da identidade. Outro recurso
utilizado foi a adoção de nomes fictícios nos relatórios, de modo que se mantivesse o anonimato dos
respondentes.
Resultados preliminares
A capacidade de percepção da usabilidade técnica pelos estudantes trouxe indicadores de
caminhos interpretativos para além da simples verificação da capacidade de interação da plataforma
tecnológica. Para isso, a seleção de um dos recursos da plataforma utilizado nas aulas do curso de
pós-graduação, o fórum, tornou-se elemento central da avaliação de Interação Humano-Computador
(IHC).
O quadro teórico-interpretativo articulou dimensões teóricas (categorias tecnológicas – IHC)
e práticas (categorias da educação – interação, autonomia e colaboração), em um movimento
dialético, que fundamenta as análises dos dados coletados. Até o momento presentemente foram
analisados os dados referentes às observações in loco e as interações nos fóruns realizados. Até agora
foi possível concluir que, segundo a percepção dos sujeitos que utilizam o AVA, a usabilidade
técnica é fundamental para a implementação de uma proposta didático-pedagógica adequada, como
também para o alcance dos objetivos pedagógicos, todavia, não é suficiente. É necessário, pois, uma
articulação entre os aspectos tecnológicos e pedagógicos para que ocorra a interação (colaboração e
cooperação) com promoção da autonomia pedagógica.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, M. E. B. A construção compartilhada de significados em projetos de educação a
distância. In: VALENTE, J. A.; ALMEIDA, M. E. B. (orgs.). Formação de educadores a distância e
integração de mídias. São Paulo: Avercamp, 2007, pp. 21-33.
33
PICONEZ, S. C. B.; NAKASHIMA, R. H. R. Equipes de produção de materiais digitais de
aprendizagem e os critérios de usabilidade técnica e pedagógica: um diálogo necessário. In:
BARROS, D. M. V. et al. (orgs.). Educação e tecnologias: reflexão, inovação e práticas. Lisboa:
[s.n.], 2011, pp. 365-403.
NORMAN, D. A.; DRAPER, S. W. (Eds.). User centered system design: new perspectives on
human-computer interaction. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1986.
SCHEGLOFF, E. "Sequencing in conversational openings". In: GUMPERZ, J. J.; HYMES, D. H.
(eds.). Directions in sociolinguistics: the ethnography of communication. New York: Academic
Press, 1972, pp. 346-380.
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Luiz Gama: um poeta diaspórico na contracultura da modernidade
Ex-bolsista: Eduardo Antonio Estevam Santos (D)
Orientadora: Heloisa de Faria Cruz
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-
graduação em História Social
Palavras-chave: Modernidade paulistana, hibridez, diáspora.
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Apresentação
Diáspora e modernidade9 são conceitos simétricos e contraditórios. Suas conexões e
interculturalidades tiveram como ponto de partida a escravidão, “a única conexão essencial entre os
negros e os europeus” (HEGEL apud GILROY, 2001, p. 101), o que nos possibilita entender as
simetrias e assimetrias entre o fenômeno da diáspora e da modernidade. A modernidade, na
percepção de estudiosos pós-coloniais, resultou de um processo relacional10
entre a América, a
África e a Europa, promovendo, a um só tempo, a aproximação entre diferentes grupos étnicos, mas
rejeitando o resultado desses contatos humanos, a hibridez, enquanto como valor positivo no
processo de afirmação dos estados nacionais. Assim, não é possível entender o projeto modernista
sem articulá-lo ao movimento diaspórico de grupos e povos, gerador de trocas culturais
incomensuráveis. É justamente no centro dessas ambiguidades que situamos a prática poética e
intelectual do abolicionista, advogado e jornalista negro Luiz Gama. Propomos discuti-las a partir do
seu lugar cultural, pondo em destaque narrativas críticas à modernidade paulistana. Identificamos, na
poética e ação política de Gama, uma intervenção social que procurava responder à complexidade da
modernização da cidade de São Paulo.
Mulato esfolado / Que diz-se fidalgo / Porque tem de galgo / O longo focinho
Não perde a catinga / De cheiro fallace [sic] / Ainda que passe / Por brazeo cadinho
Eu sei que pretecio / De Angola oriundo / Alegre, jocundo / Nos meus vou cortando
É que não tolero / Falsários parentes / Ferrarem-me os dentes / Por brancos passando.11
.
Trovas Burlescas de Getulino, publicado em 1859, foi o primeiro e único trabalho literário
deste intelectual diaspórico, que retratou o universo da vida social e política da cidade de São Paulo,
9 Nesta comunicação, modernismo e modernidade serão entendidos como aspectos de um mesmo fenômeno.
10 Posição interpretativa dos estudos pós-coloniais, em que questiona a subalternidade e a passividade do outro (na
qualidade de espaço geopolítico) na produção da modernidade e do capitalismo. A categoria Colonialidade e
Decolonialidade são centrais nas análises destes processos históricos para estes autores latino-americanos: Edgardo
Lander, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Walter D. Mignolo, Aníbal Quijano, entre outros. In: LANDER, Edgardo
(org.). A colonialidade do saber - eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur,
CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, setembro 2005. 11
Neste poema, intitulado Pacotilha, os versos apresentam um tom crítico e demonstra suas posições a respeito das
relações raciais (a palavra cadinho no texto poético significa a mistura de negros e brancos).
In: FERREIRA, L. Fonseca (org.). Primeiras trovas burlescas e outros poemas – Luiz Gama. São Paulo: Martins Fontes,
2000. Coleção poetas do Brasil, p. 74.
35
assim como da conjuntura política imperial nacional, por meio de discursos, alegorias, comicidades e
imagens que traduzem sua estratégia política de desconcertar a ideia geral em voga na segunda
metade do século XIX de que as misturas de raças poderiam degenerar a civilização brasileira. Sua
prática profissional (jornalística) e política de alinhamento à sua produção poética, visando um
projeto político republicano e multirracial, longe de mera projeção utópica,12
, produziu efeitos
políticos, ainda que em condições desfavoráveis de poder.
Objetivos
Este texto objetiva analisar a modernidade a partir da diferença cultural, tomando por base a
produção cultural de Luiz Gama, rediscutindo sua produção intelectual sob a ótica dos estudos pós-
coloniais.
Justificativa
Desde as últimas décadas do século XX, os estudos pós-coloniais têm rediscutido o conceito
de cultura, essencializado e recusado em sua condição híbrida pelo discurso colonial. A recusa da
alteridade no processo formativo da nação brasileira ou sua aceitação estereotipada impossibilitou o
reconhecimento do papel social e da capacidade cognitiva de sujeitos negros. Para além do Brasil,
Olaudah Equiano13
e Frederick Douglass14
são exemplos de reconhecimento aceitação tardia de suas
relevâncias na produção do conhecimento científico em seus contextos. Esses e outros intelectuais
diaspóricos, vivendo a experiência de deslocamentos compulsórios, traduziram as culturas
vivenciadas. Nesse sentido, a diáspora moderna pode ser definida pelas “conjunturas históricas
pessoais e estruturais” (HALL, 2003, p. 409).
O reconhecimento social e intelectual de Luiz Gama vai além de sua historicização, sendo
crucial o entendimento da diferença cultural em que o mesmo está caracterizado e as temporalidades
que lhe são inerentes. A produção cultural de Luiz Gama é, em si, uma política da diferença cultural
em meio a uma sociedade imperial marcadamente hierarquizada e hegemonicamente eurocêntrica em
seus valores e ideias.
Suas posições sobre a identidade negra contribuem para afirmar a diversidade étnica
brasileira e apontam a diferença cultural como caminho de possibilidades na construção de um
estado republicano democrático. Por trás da defesa irrevogável da liberdade do cativo, estava a
12
Para Faoro (2001, p. 515), os anseios, as vontades de Luiz Gama para transformar a sociedade em uma “democracia”
racial eram mera “projeção utópica”. FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
São Paulo: Globo, 2001, p. 515. 13
Equiano foi marinheiro e ativista político em defesa da abolição da escravidão. Nasceu na Nigéria na metade do século
XVIII, tendo sido raptado ainda criança e embarcado como escravo para a travessia do atlântico. 14
Frederick Douglass, afro-americano (EUA), nasceu em 1818 e faleceu em 1895, foi abolicionista, estadista e escritor.
36
defesa da cultura negra, de suas práticas, de suas experiências traduzidas do mundo africano no
Brasil. Gama, ao satirizar as relações raciais e o comportamento humano por meio de versos e
discursar veementemente em favor da abolição, teorizava na contramão dos postulados e teses
científicas vigentes à época. Ao incitar os negros a se reconhecerem como tal, mostrava acreditar na
identidade como construção (ou reconstrução) e não como algo fixo.
Referencial teórico ou conceitual
Trabalho com os conceitos “entre-lugar” e “diferença cultural”, cunhados pelo teórico pós-
colonial Homi Bhabha (1988, p19). Entendo que a produção cultural de Luiz Gama situa-se num
espaço diaspórico, lugar de contradições incomensuráveis, o qual produziu “figuras complexas de
diferença e identidade”.
Metodologia e procedimentos
Sirvo-me de fontes como jornais, fotos, gravuras, revistas, correspondências, dados
estatísticos e bibliografia. O conjunto deste material revela o perfil político, social, literário,
intelectual e pessoal de Luiz Gama.
Referências bibliográaficas
AZEVEDO, E. Orfeu de Carapinha – a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999.
GILROY, P. Entre campos – nações, culturas e o fascínio da raça. Trad. de Célia Maria Marinho de
Azevedo et ali. – São Paulo: AnnaBlume, 2007.
___________. ______. O Atlântico Negro – modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34;
Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
HALL, S. Da Diáspora – identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG,
2003, p. 409.
MENUCCI, S. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1937.
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Morosidade e conflito na regularização das terras quilombolas
Bolsista: Egnaldo Rocha da Silva (M)
Orientadora: Maria do Rosário Cunha Peixoto
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos
Pós-graduação em História Social
Palavras-chave: Terras quilombolas, tradição, titulação
Email: [email protected]
Nesse texto, aponto algumas questões e problemáticas referentes às terras ocupadas pelas
comunidades remanescentes quilombolas; a primeira diz respeito ao panorama atual da demarcação e
titulação dos territórios quilombolas e, os desafios e dificuldades que envolvem tais processos. A
segunda versa sobre as formas tradicionais de ocupação e relacionamento com a terra, tendo como
lócus a comunidade de Lagoa Santa, onde venho desenvolvendo a pesquisa intitulada: “Comunidade
negra rural de Lagoa Santa: memória e construção da identidade quilombola (1950-2011)” [título
provisório]. A comunidade negra rural de Lagoa Santa,16
reconhecida como remanescente
quilombola17
pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2005, se localizada no município de
Ituberá-BA, distante 12 km da sede; o município conta com mais quatro comunidades remanescentes
quilombolas: Brejo Grande, Ingazeira, São João de Santa Bárbara e Cágados.
A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 68 do Ato das Disposições Transitórias,
preconiza que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”
(BRASIL, 2012, p. 200). Contudo, esse artigo não sinalizava como seria feita a identificação,
reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, nem a cargo de qual órgão ou
instituição ficaria essa responsabilidade. Em 2003, foi promulgado o Decreto n. 4.887/03, que
“regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art.
68 do ADCT” (BRASIL, 2003). É este decreto que determina o critério da “auto-atribuição” da
16
O território originalmente ocupado pela comunidade sofreu duas invasões, a primeira na década de 1950 e a segunda
no final da década de 1960, que resultou na expropriação de parte de suas terras (SILVA, 2011). 17
Aqui adotamos a definição de comunidade remanescente quilombola conforme apontado por Arruti (2006), Almeida
(2002), Gusmão (1995), O’Dwyer (2002), Rios; Mattos (2005), ou seja, comunidades formadas no pré ou pós-abolição,
por escravos, ex-escravos e seus descendentes, que possuem características socioculturais e étnico-raciais que evidenciam
uma ancestralidade negra, que possuem uma trajetória própria de luta pelo acesso e permanência na terra; tais
comunidades se formaram a partir de diferentes processos, que compreendem a compra de nesgas de terras (ANJOS,
2006); doações feitas por antigos senhores de escravos (GUSMÃO, 1992); brechas camponesas (REIS; SILVA, 1989)
e/ou terras devolutas, ocupadas por famílias negras após a abolição. É válido destacar que em todos esses casos, o acesso
à terra não é regulado por nenhuma categoria formal de propriedade, mas sim pelo próprio grupo através do chamado
“direito costumeiro”, que segundo Neusa Maria M. de Gusmão “diz respeito ao conjunto de regras estabelecidas pela
prática social entre sujeitos e por eles reconhecidas como legítimas, sem ter por contrapartida o reconhecimento legal e
jurídico” (1992, p. 117).
38
própria comunidade para caracterizar-se como remanescente quilombola, e estabeleceu que ficasse a
cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a responsabilidade de
identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular as terras quilombolas. É valido lembrar que o
art. 68 do ADCT, bem como o Decreto n. 4.887/03 que veio regulamentá-lo, estão respaldados por
tratados e acordos internacionais, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho.18
Mesmo regulamentado por leis e convenções internacionais, o processo de regularização das
terras quilombolas é preocupante, tendo em vista a lentidão com que vem acontecendo. Levando em
consideração o ritmo atual de titulação dos territórios pelo INCRA –, que de 1995 a 2011 regularizou
a situação fundiária de 121 comunidades,19
ou seja, 121 áreas tituladas em 16 anos –, serão
necessários mais 143 anos para regularizar os territórios das 1.088 comunidades com processo aberto
junto às superintendências regionais do INCRA. Já para as 1.820 comunidades certificadas pela
FCP20
até o momento, serão necessários 240 anos. Todavia, se pensarmos nas mais de 3.524 áreas
identificadas e ainda não certificadas pela FCP até o ano de 2002, serão necessários 456 anos. Sendo
que o ano de 2011 apresentou o pior desempenho desde 1995, tendo efetuado a regularização de
apenas um território, sendo este o da comunidade de São Miguel, localizada no município de
Maracaju-MS.
A lentidão no processo de titulação dos territórios quilombolas se deve por conta da falta de
pessoal técnico (como antropólogos) junto ao INCRA e da escassez de recursos financeiros
destinados a esse fim, levando em consideração a expressiva quantidade de comunidades
identificadas e certificadas, ou seja, pouco recurso para muita demanda, o que revelando o
descompromisso histórico do Estado brasileiro e das instituições a ele vinculadas com a questão do
negro no país. Os recursos destinados ao Programa Brasil Quilombola, por exemplo, apresentaram
uma execução orçamentária menor que a média geral: dos R$ 101,4 milhões previstos para as ações
do programa no período 2004 a 2007 (primeiros anos de sua vigência), apenas 32,3% (R$ 32,84
18
BRASIL. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulga a Convenção n. 169 da Organização Internacional do
Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 02 mar. 2010. 19
Órgão responsável pela identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. As
informações referentes aos títulos expedidos às comunidades quilombolas e comunidades com processos abertos nas
diretorias regionais do INCRA foram extraídas dos relatórios disponíveis em:
<http://www.INCRA.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas>. Acesso em: 25 fev. 2012. 20
Fonte: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=88>. Acesso em: 11 mar. 2012.
39
milhões) foram realmente utilizados.21
Ficam então os quilombolas à espera de que o seus direitos
extrapolem as convenções escritas nas leis, e que realmente eles aflorem para seu desfrute.
Lagoa Santa e a não aceitação da titulação coletiva de seu território
Conforme aponta Gusmão, a “terra de preto”, constitui-se como um espaço “físico e social
marcado por formas de organização próprias, investido de uma história particular e ideologizada, um
território, como território, a terra torna-se um ente vivo que reage ante a conduta humana e, investe-
se de um universo simbólico particular e próprio” (GUSMÃO, 1995, p. 16). Nesse sentido, a terra
para os membros dessas comunidades não é mercadoria, não se vende nem troca, é patrimônio, quase
uma extensão do corpo.
Atualmente, a comunidade de Lagoa Santa luta pela demarcação e titulação de seu território,
como pontuou o senhor Marcio Raimundo, assessor técnico e político do Conselho Interterritorial
das Comunidades Quilombolas do Baixo Sul e Litoral Sul da Bahia: “[...] na verdade, a nossa
bandeira, o nosso grito de guerra é demarcação e titulação das terras quilombolas, dos territórios
quilombolas”.22
Contudo, o título é de caráter coletivo, expedido em nome da associação que
legalmente representa a comunidade quilombola – no caso de Lagoa Santa, a Associação Renascer.
Conforme previsto no art. 17 do Decreto 4.887/03 e no art. 24 da Instrução Normativa do INCRA nº.
57, de 20 de outubro de 2009, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988,
indica que: “[...] o Presidente do INCRA realizará a titulação mediante a outorga de título coletivo e
pró-indiviso à comunidade, em nome de sua associação legalmente constituída” (BRASIL, 2009).
Sem que a comunidade aceite essas prerrogativas, a abertura do processo da elaboração do Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) fica inviabilizada, sem a demarcação e titulação,
pois, esse relatório é peça indispensável para iniciar o processo.
Em agosto de 2011, sob a alegação de acelerar os procedimentos para titulação das terras
quilombolas, o INCRA lançou um edital licitatório para contratação de empresas, fundações e,
organizações não-governamentais, para elaborar relatórios antropológicos de 158 territórios
21
“O Governo orça mas não gasta. Territórios negros: informativo de apoio às Comunidades Negras e Quilombolas”.
KOINONIA. Ano 7, n. 30 jul./ago, 2007. Disponível em: <http://www.koinonia.org.br/tn/35_TN30+enc.pdf>. Acesso
em: 17 julho. 2011. 22
Entrevista concedida ao autor, em 13 de julho de 2011.
40
quilombolas em dezesseis estados.23
Dentre os relatórios contratados estão os das comunidades de
Lagoa Santa e Ingazeira, localizadas na cidade de Ituberá-BA,24
cuja previsão é dar início aos
trabalhos em março de 2012. No entanto, o INCRA, durante o segundo semestre do ano de 2011, fez
algumas visitas a Lagoa Santa e a Ingazeira. Nessas visitas foi explicada às comunidades como se
dão os trabalhos para demarcação e titulação dos territórios e, consequentemente, da titulação
coletiva. E é justamente a esse aspecto que as comunidades são resistentes. Segundo o presidente da
associação da comunidade de Lagoa Santa, André Carlos Conceição dos Santos, 24 anos, acredita
que “acredito que isso pode ter algum entrave, até porque é um título que será coletivo, na medida
em que as pessoas já têm o seu espaço, então isso pode dificultar essa questão”.25
Na comunidade de Lagoa Santa, a modalidade de apossamento da terra caracteriza-se e está
apoiada em bases tradicionais na unidade familiar, ou seja, é entendido como privado, não sendo
reconhecida pelo grupo a modalidade que é entendida por coletiva, que se manifesta através do uso
comum da terra de determinado território (BENATTI, 2010). O que a comunidade entende e realiza
em suas práticas cotidianas, são ações coletivas, como adjuntes e outras práticas socioculturais
solidárias realizadas em espaço comunitário, como a Casa de Farinha, por exemplo, englobando-se ai
os recursos naturais, como rios, lagoas, estradas e caminhos, onde se desenvolve o usufruto coletivo.
A situação revela-se complexa, principalmente porque o diálogo com o INCRA, a fim de
discutir o início do processo de elaboração do RTID, já começou. A comunidade de Ingazeira,
vizinha à comunidade de Lagoa Santa, por exemplo, não aceitou a proposta de titulação coletiva.
Após quatro reuniões com representantes do INCRA para esclarecimentos sobre o processo e como
seria expedido o título definitivo, a comunidade rejeitou a proposta e o início dos trabalhos foi
adiado por tempo indeterminado. Segundo Jonas da Conceição, liderança da comunidade, no
primeiro contato com o INCRA, a comunidade não se manifestou, já na segunda reunião, alguns
questionamentos foram levantados por alguns membros da comunidade na busca de compreender
melhor como “ia se dar o processo, que algumas pessoas não tinham entendido”.26
O INCRA voltou
a informar como seria o processo e que o título de domínio definitivo do território, depois de
concluídos os trabalhos, seria emitido em nome da associação que legalmente representa a
23
INCRA. Licitação assegura regularização fundiária de 158 territórios quilombolas. Disponível em:
<http://www.INCRA.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/549-INCRA-abre-licitacao-para-produzir-
relatorios-antropologicos-de-158-territorios-quilombolas>. Ver Edital do Pregão Eletrônico para Registro de Preço n.
15/2011 em: <http://www.INCRA.gov.br/images/arquivos/edital_publicado_17082011.pdf>. Acesso em: 31 agosto
2011. 24
Conforme consta da Ata de Realização do Pregão Eletrônico. Disponível em: <
http://www.cpisp.org.br/acoes/upload/arquivos/Resultado%20Pregao%20Eletronico%20INCRA.pdf>. Acesso em: 05
março 2012. Essas comunidades deram início ao processo administrativo para regularização de seus territórios junto ao
INCRA em 2008. 25
Entrevista concedida ao autor, em 11 de janeiro de 2012. 26
Entrevista concedida ao autor, em 11 de janeiro de 2012.
41
comunidade, “e deixou pra gente decidir na comunidade, porque quem podia decidir se queria ou não
era a gente da comunidade”.
Na quarta e última reunião entre a comunidade da Ingazeira e o INCRA, que aconteceu em
novembro de 2011, ficou decidido que a comunidade não aceitaria a titulação coletiva do território.
Para Jonas, o problema concentra-se “no fato de ser Título Coletivo, porque a comunidade não
aceitará nunca”. E conclui afirmando que “ninguém é coletivo, ninguém tem nada coletivo aqui”.
Tanto Lagoa Santa quanto Ingazeira aceitam a demarcação de seus territórios, lutam por isso,
conforme sinalizou Marcio Raimundo, porém, desde que o título seja expedido em caráter individual,
e que cada membro que compõe a comunidade receba o seu.
Essas questões revelam a forma de apropriação e relacionamento com a terra, fruto de uma
construção histórica e social. A experiência adquirida na luta pela defesa e permanência na terra,
resultado das invasões sofridas tanto pela comunidade de Lagoa Santa (SILVA, 2011) bem como
pela comunidade de Ingazeira (SILVA, 2010), corroboram com tal resistência. Esses homens e
mulheres hesitam diante da possibilidade de “perderem ou abrirem mão” do direito sobre o chão em
que suas raízes estão fincadas, mesmo que seja para a associação que os representam.
Referências bibliográficas
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BRASIL. Instrução Normativa n.º 57, de 20 de outubro de 2009. In: INCRA: Legislação Referente à
Política Pública de Regularização de Territórios Quilombolas. Disponível em:
<http://www.INCRA.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas>. Acesso em: 12 de fev. de
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42
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http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v06n03/v06n03_15.pdf>. Acesso em: 04 abr. de 2010.
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(Especialização em Direito Notarial e Registral) – Faculdade Arthur Tomas. Londrina, 2010.
43
As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola Normal de Aracaju no
período de 1934 a 1971 Ex-bolsista: Elias Souza dos Santos (M)
Orientadora: Cynthia Pereira de Sousa
Instituição: Universidade de São Paulo –- Programa de Pós-Graduação em Educação
Palavras-chave: Canto Orfeônico, disciplinas escolares, Escola Normal de Aracaju
Email: [email protected]
Introdução
O presente texto apresenta os resultados da minha pesquisa para a dissertação de mestrado,
defendida em junho de 2010. Para tanto, realizo uma síntese histórica da educação musical escolar
no Brasil (1934-1971), na modalidade do Canto Orfeônico.
O projeto de instituição da disciplina Canto Orfeônico no currículo da escola brasileira foi
idealizado pelo maestro Villa-Lobos. A obrigatoriedade do ensino dessa disciplina no currículo da
escola secundária se deu em 1931, durante o governo Getúlio Vargas (Decreto n.º 19.941/1931 da
Reforma Francisco Campos). A partir de 1934, a obrigatoriedade do ensino do Canto Orfeônico
estendeu-se ao ensino primário e técnico (Decreto n.º 24.794/1934). Os objetivos da disciplina eram:
desenvolver o bom gosto artístico; assimilar e compreender a responsabilidade cívica; modificar a
atitude desinteressada e depreciativa a respeito da música; incutir a noção de responsabilidade social,
por meio das atividades coletivas. Nesse contexto, a matéria escolar foi privilegiada por um forte
apoio do governo provisório (1930 -1937) e ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945). As práticas do
Canto Orfeônico foram materializadas por uma série de ações do governo federal, saber: publicação
de leis, decretos, programas de ensino, manuais escolares e pedagógicos; criação da
Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), em 1932, e do Conservatório Nacional
de Canto Orfeônico, em 1942. Essas instituições funcionaram na cidade do Rio de Janeiro e foram
responsáveis pela organização do ensino da disciplina em todo o território brasileiro e, também, pela
formação do professor especialista em Canto Orfeônico (HORTA, 1994).
Antes da Revolução de 1930, a educação musical escolar estava presente no currículo da escola
com a disciplina Música e era ministrada pelo músico professor, profissional de formação
conservatorial que, normalmente, atuava como maestro, concertista ou músico de bandas e
orquestras. Esse tipo de profissional não estava preparado para lecionar o Canto Orfeônico, uma vez
que, para ensinar os conteúdos do programa de ensino da disciplina era necessário ao professor ter
domínio das disciplinas pedagógicas: Didática, Psicologia e Filosofia. Diante dessa realidade, o
Estado criou o Curso de Especialização de Música e Canto Orfeônico. O objetivo era formar um
profissional com habilidades pedagógicas –- professor músico – que atendesse à nova configuração
do ensino da música em sala de aula. Esse profissional, depois de formado, estaria apto para lecionar
44
o Canto Orfeônico na escola, em conformidade com a nova metodologia de ensino da educação
musical daquele contexto. Com isso, a presença do músico professor na sala de aula passou a ser
dispensável, pois a música passou a ser transmitida pedagogicamente, conforme os níveis de ensino
da escola (JARDIM, 2008).
As práticas da disciplina Canto Orfeônico aconteceram também fora da escola – praças
públicas, teatros e campo de futebol – com apresentações dos Orfeões Escolares. A ideia era criar
uma consciência nacional e “elevar” o nível cultural do povo brasileiro através da valorização das
canções patrióticas – “Hino da Independência”, “Hino à Bandeira”, “Hino Nacional”, folclóricas e
populares (GILIOLI, 2003).
A palavra orfeão tem sua origem no mitológico Orfeu, deus da música e da poesia. Foi
utilizada pela primeira vez pelo pedagogo francês Bocqueville-Wilhem, coordenador do ensino de
canto nas escolas de Paris, em homenagem a Orfeu. Segundo Arruda, o músico “adotou o termo
l’Orpheon para designar os coros de alunos de todas as escolas, que se reuniam para, de quando em
quando, realizar audições” (ARRUDA, 1960, p. 112).
No século XIX, a música já estava presente no currículo das escolas de vários países da Europa
e era praticada tanto pelos Orfeões Escolares quanto pelos Orfeões das associações orfeônicas. Essas
instituições foram responsáveis pela organização de vários encontros de orfeões realizados nos países
desse continente, durante os séculos XIX e XX (ARRUDA, 1960).
No Brasil, a disciplina Canto Orfeônico e a instituição dos Orfeões Escolares apareceram,
primeiramente, nas escolas de São Paulo, a partir da segunda década da Primeira República. Os
mentores dessa iniciativa foram os maestros João Gomes Junior e Fabiano Lozano. Mas, a difusão da
disciplina em todo o território nacional aconteceu em 1931, por intermédio do maestro Villa-Lobos
(ALMEIDA, [194?]).
Em Sergipe, a disciplina Canto Orfeônico foi inserida no currículo da Escola Normal de
Aracaju em 1934, e a partir de 1936, o estado criou o primeiro curso de aperfeiçoamentos para
formar o professor especialista em Canto Orfeônico; a teoria musical, as canções cívicas, patrióticas,
folclóricas e populares fizeram parte do programa de ensino; criou-se o primeiro Orfeão da Escola
Normal de Aracaju; registraram-se as primeiras apresentações orfeônicas; o sentimento patriótico
manifestou-se através dnas seguintes comemorações: Ssemana da Pátria, do Dia da Bandeira,
Proclamação da República, Dia da árvore, Dia da criança, dentre outras (DANTAS, 2004).
Objetivo
O objetivo central dessa pesquisa é examinar as práticas da disciplina Canto Orfeônico no
ensino secundário da Escola Normal de Aracaju, no período de 1934 a 1971. Para tanto, buscamos
45
compreender as diferentes configurações assumidas pelo ensino de tal disciplina durante esse marco
temporal. Essa pesquisa se justifica pelo fato de não existir nenhum trabalho na pós-graduação da
Universidade Federal de Sergipe que contemple o tema. Daí sua importância para a História da
Música, para a História da Educação de Sergipe, pois servirá de referência para as futuras pesquisas.
Referencial teórico
Trata-se de uma pesquisa histórica respaldada no norteamento teórico-metodológico da
História Cultural e da História da Educação. Nossa análise respalda-se em Le Goff (1984) e Chartier
(1990). O primeiro define o documento como um monumento e o segundo trabalha com o conceito
de representação e apropriação.
No que concerne às práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola Normal de Aracaju,
buscamos apoio nos autores que se debruçaram no estudo da história das disciplinas escolares e na
história do currículo. Autores como Chervel (1990), Goodson (2001), Julia (2001), Bittencourt
(2003) sublinham que a escola é um ambiente repleto de práticas culturais e, por esse motivo,
procura inculcar, modelar, disciplinar e normatizar os comportamentos, tanto dos docentes quanto
dos discentes. Contudo, alguns desses pesquisadores afirmam, também, que, no interior da escola,
existe uma cultura escolar autônoma que não é tão passiva nem condicionada quanto imaginamos.
Essa cultura escolar é capaz de criar identidades próprias e mecanismos que resistem às influências
externas.
Com base nessa abordagem teórica, nossa análise se debruçou em três aspectos da história das
disciplinas escolares: a gênese, os objetivos e a funcionalidade da disciplina Canto Orfeônico.
Metodologia e procedimentos
Além das fontes referenciais, nos apropriamos de um corpus documental diversificado: leis,
decretos, portarias, ofícios, jornais, manuais didáticos e pedagógicos, livros de ponto dos docentes,
livros de registro das provas, diários de classe, caderno de ex-normalista, partituras (fonte escrita),
entrevistas de ex-professores e ex-normalistas (fonte oral) da Escola Normal de Aracaju, além de
algumas imagens que ilustram os capítulos da dissertação. Acresce que, no que concerne às
transcrições das entrevistas e imagens cedidas, tomamos todos os cuidados éticos possíveis.
Resultados
O período de 1934 a 1945 é marcado pelo ápice das práticas da disciplina Canto Orfeônico,
na Escola Normal de Aracaju. Durante todo esse tempo, o governo se esforçou para que a disciplina
pudesse ser inaugurada e mantida no currículo dessa instituição. Criou-se o curso de
46
aperfeiçoamentos para formar o professor especialista em Canto Orfeônico; as aulas tinham duração
de 45 minutos e eram ministradas duas vezes por semana em todas as séries do curso ginasial; a
teoria musical, as canções cívicas, patrióticas e folclóricas formavam o programa da disciplina;
criou-se o primeiro Orfeão da Escola Normal de Aracaju; houve apresentações orfeônicas de grandes
proporções; criou-se o Instituto de Música e Canto Orfeônico de Sergipe (IMCOSE), responsável
pela formação de professores especialistas em Canto Orfeônico. Registraram-se algumas viagens de
docentes de Aracaju, com o propósito de realizarem o Curso de Pedagogia da Música e do Canto
Orfeônico no Distrito Federal. Ressaltamos ainda que, nesse contexto, o Canto Orfeônico serviu
como um veículo de propaganda do governo do Estado Novo.
Entre 1946 e 1955, mesmo com a queda do regime do Estado Novo, a disciplina Canto
Orfeônico continuou presente no currículo da escola. Entretanto, perdeu o apoio que recebera do
governo durante o período de 1934 a 1946; o IMCOSE continuava formando professores
especialistas em Pedagogia do Canto Orfeônico; nessa década, registram-se algumas viagens de
professores à cidade do Rio de Janeiro, com o propósito de frequentarem o curso de Pedagogia da
Música e do Canto Orfeônico no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Mas, a partir da
segunda metade da década de 1950, com base nos documentos normativos e nas fontes orais, a
disciplina entrou em declínio; no livro de ponto dos docentes, a disciplina Canto Orfeônico foi
substituída pelo Canto e era ministrada somente uma vez por semana. Houve um esvaziamento
visível dos conteúdos que se resumiram ao ensino das canções patrióticas e folclóricas. O período de
1961 a 1971 é caracterizado pela exclusão da disciplina Canto Orfeônico do currículo do curso
ginasial (Lei n. 4.024/1961). Contudo, no diário de classe desse mesmo nível de ensino, a disciplina
continuava presente no currículo com a denominação de Canto.
Ao examinar as práticas da disciplina Canto Orfeônico no currículo da Escola Normal de
Aracaju, constatamos que, durante o período de 1934 a 1971, o nome da disciplina e os conteúdos
transmitidos sofreram constantes inflexões.
A análise dos documentos oficiais (governo federal), dos documentos normativos (Escola
Normal) e dos depoimentos (fontes orais) denotou contradições, ou seja, nem sempre as
determinações dos documentos oficiais (currículo pré-ativo) se efetivaram na prática cotidiana da
sala de aula (currículo ativo). De um modo geral, no período de 1934 a 1971, a história da disciplina
Canto Orfeônico em Sergipe revelou continuidades, rupturas e contradições. O ensino funcionou?
Sim, funcionou durante quatro décadas, cumpriu seus objetivos, incutiu uma representação patriótica
e nacionalista no imaginário social de muitas gerações de escolares. Por causa disso, a música está
voltando para o currículo da escola básica, conforme determinação da Lei n. 11.769/2008 (PENNA,
2010).
47
Referências bibliográficas
ALMEIDA, J. M. Aulas de canto orfeônico para as quatro séries do curso ginasial. São Paulo:
Nacional. [s.a.].
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GOODSON, I. F. O currículo em mudança: estudos na construção social do currículo. Trad. de J. Á.
de Lima. Porto/ PT. Editora Porto, 2001.
HORTA, J. S. B. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil
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PPGE/ Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo, 2008 (Tese de
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LE GOFF, J. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. Vol.1. Memória-História. Lisboa:
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PENNA, M. Música (s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2010.
48
Planejamento e gestão social de políticas públicas para o desenvolvimento de
territórios rurais
Bolsista: Elisabete de Oliveira Costa Santos (M)
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Programa de Pós-Graduação
em Planejamento e Desenvolvimento Territorial
Orientadora: Márcia Santana de Alencar
Palavras-chave: Planejamento, gestão territorial, participação social.
Email: [email protected]
Introdução
Quando se analisa a trajetória de ocupação do espaço e as estratégias adotadas para o
desenvolvimento das regiões brasileiras, observa-se que seu histórico foi marcado pela implantação
de grandes projetos voltados para a industrialização dessas regiões. Essa condição permitiu
significativas mudanças nas estruturas produtivas de algumas regiões, que tiveram impactos
positivos na participação do produto interno bruto (PIB) nacional. Porém, o modelo e as estratégias
adotadas contribuíram para a formação de uma sociedade com altos índices de desigualdades
regionais.
Políticas e programas foram implementados visando combater as desigualdades existentes nas
regiões, sobretudo na região nordeste. Porém, foram pensados e conduzidos a partir de uma visão
unilateral, sem considerar a participação da sociedade local nas fases de planejamento, execução e
controle social dessas políticas e programas (CASTRO, 1994).
A partir de 2003, o Brasil vivencia um novo ciclo, com foco no planejamento e execução de
políticas de desenvolvimento territorial. Para dinamizar as ações, foi criada a Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
cuja finalidade principal é desenvolver ações que promovam o desenvolvimento de territórios rurais
no Brasil.
O território rural Velho Chico, no Estado da Bahia, local desta pesquisa está entre os 164
territórios rurais organizados no Brasil na última década. Neles estão sendo implementados um
modelo “descentralizado” de gestão, aberto a parcerias, que envolve a participação do poder público
e da sociedade civil, considerado um espaço de referência para discussão, proposição e articulação
das políticas públicas.
49
A concepção de desenvolvimento que vem sendo discutida no território é apresentada como
estratégia capaz de promover o protagonismo dos atores sociais e construir um novo formato,
visando o desenvolvimento pautado na sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental.
Apesar dos avanços em alguns aspectos, há uma crítica por parte de determinados setores,
consideram insuficientes as ações e os resultados com vista ao controle social proporcionados por
essa política. Questiona sua efetividade no sentido de refletir-se e contribuir, de fato, para com a
ruptura de um modelo considerado conservador, bem como se possibilitaria a construção de um novo
formato para o desenvolvimento participativo, integrado e inclusivo.
Objetivos
Com base nessas divergências, esta pesquisa se propõe a investigar: quais avanços e
limitações apresenta o atual modelo de planejamento e gestão da política de desenvolvimento que
está sendo implementado no território Velho Chico? A pesquisa levanta a seguinte hipótese: o
modelo de política territorial que está sendo implementado está contribuindo para qualificar e
ampliar a participação dos atores locais na prática do planejamento coletivo, porém, não tem
apresentado esses mesmos resultados no campo do controle social das políticas públicas executadas
no território.
Este objetivo geral foi traduzido em quatro objetivos específicos, a saber:
50
identificar as políticas públicas que foram implementadas no território no período de 2003 a
2010;
analisar as estratégias que adotadas para a implementação dessa nova política de
desenvolvimento territorial;
avaliar o nível de participação dos atores locais na proposição, gestão e controle social das
políticas de desenvolvimento no território;
compreender como está ocorrendo o processo de desconstrução do modelo considerado
conservador, responsável pelo aprofundamento das desigualdades regionais.
Justificativa
A utilização do território rural como base para o planejamento e gestão das políticas públicas,
pressupõe a inclusão de organizações da sociedade civil com participação efetiva. Para que isso
ocorra, é necessário o desenvolvimento de pesquisas apresentam novos elementos que possam
contribuir com a melhoria da qualidade da participação dos atores sociais, em todas as fases das
políticas públicas de desenvolvimento, em nível municipal, regional e nacional.
Nesse sentido, justifica-se esta pesquisa pela importância da investigação sobre a forma de
como está sendo qual desenvolvida essa política é desenvolvida. Além disso, esta pesquisa
apresentará subsídios que poderão contribuir para o desencadeamento de um processo participativo e
descentralizador, seja no campo da formulação, seja na execução ou, ainda, controle social das
políticas públicas destinadas a promover o desenvolvimento com sustentabilidade e,
consequentemente, diminuir as desigualdades existentes no território.
Referencial teórico
Como referencial para sustentar a argumentação deste trabalho será utilizada a abordagem
territorial e de desenvolvimento rural defendida por Sabourin (2002). Para esse autor, a ideia central
da abordagem territorial do desenvolvimento é a preocupação pela integração e pela coordenação
entre as atividades, os recursos e os atores, em oposição a enfoques setoriais ou corporativistas que
separam o urbano do rural e o agrícola do industrial, a universidade do ensino básico, a pesquisa da
extensão.
De fato, constata-se que o desenvolvimento é resultado de modelos de políticas adotadas em
um dado espaço geográfico e temporal, com realização de atividades produtivas. Conforme Sen
(2010, p. 77)
51
os fins e os meios do desenvolvimento exigem que as perspectivas de liberdade sejam
colocadas no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente
envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como
beneficiárias dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento.
O autor relaciona a ampliação de práticas democráticas ao processo de desenvolvimento. Na
gestão social dos territórios rurais, o controle social busca o equilíbrio dinâmico entre o Estado, a
sociedade civil e o mercado, estabelecendo o controle de um sobre os outros (BRASIL/MDA/SDT,
2010).
Perico e Ribeiro (2005), apoiados na concepção de territorialidade e revalorização do espaço
rural, caracterizam o espaço físico compreendido entre cidades e campos por critérios
multidimensionais, tais como: o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as
instituições, e uma população composta por grupos sociais relativamente distintos. Tais grupos se
relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, nos quais podem-se distinguir
um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. Tal concepção
oferece possibilidades de resposta a muitas das falências mostradas por outros modelos de
desenvolvimento rural nas últimas décadas.
Nesse sentido, o território, tido como espaço social, produzido e delimitado por
representações peculiares, pode ser potencializado como um instrumento, uma estratégia de
desenvolvimento social, cultural, econômico e ambiental.
Metodologia
Será realizada pesquisa de abordagem qualitativa de caráter descritivo. A coleta de dados será
feita através de pesquisa bibliográfica e documental, como fonte básica de informações sobre o tema.
Serão feitas observações a partir dos eventos realizados pelo Fórum Territorial do Velho Chico, para
melhor compreender o processo de mobilização, participação, planejamento, execução e
monitoramento das ações territoriais.
Para aprofundamento e complementação das informações referentes ao problema a ser
investigado, será elaborado um roteiro de entrevistas. A amostra das pessoas a serem entrevistadas
deverá contemplar representantes da sociedade civil e do poder público que atuam diretamente na
efetivação da política territorial.
Cuidados éticos
No decorrer deste trabalho de pesquisa, serão observados e mantidos o cuidado e compromisso
com a utilização dos dados e informações levantadas em cada fase e categoria do estudo. Serão
52
priorizadas as informações provenientes de fontes oficiais ou registradas de acordo normas vigentes
no país.
Para o acesso às informações e imagens, será solicitada com antecedência a autorização dos
titulares, da mesma forma para citações e publicações.
Será firmado um compromisso com as pessoas e organizações envolvidas no trabalho, no
sentido de realizar a devolução da pesquisa, antes mesmo da sua publicação.
Pontos relevantes para discussão
Apesar da implantação de uma estrutura de gestão compartilhada, que possibilita a integração
de todos os segmentos governamentais e não governamentais que atuam no território, nota-se que
persiste uma dificuldade para agregação de segmentos importantes capazes de promover o processo
de desenvolvimento participativo visando a sustentabilidade.
Além disso, percebe-se que a estrutura implantada para a gestão das políticas territoriais,
proporcionou significativo avanço nas questões relacionadas à mobilização da sociedade para o
planejamento e a construção de agendas. No entanto, consideram-se insuficientes as ações e os
resultados proporcionados relacionados ao controle social.
Referências bibliográficas
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planejamento territorial. Documentos de Apoio 02/2ª. ed. Brasília: 2010.
CASTRO, I. E. de. Visibilidade da região e do regionalismo: a escala brasileira em que estão. In:
LENA, L.; CARLEIAL, L. M. da F.; NABUCO, M. R. (orgs.). Integração, região e regionalismo.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
PERICO, R. E.; RIBEIRO, M. P. Ruralidade, territorialidade e desenvolvimento sustentável. Brasil:
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SABOURIN, E. Desenvolvimento rural e abordagem territorial. In: SABOURIN, E.; TEIXEIRA, O.
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SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo
Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
53
O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em um bairro negro
Ex-bolsista: Flávio José dos Passos (M)
Orientadora: Josildeth Gomes Consorte
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais
Palavras-chave: Territorialidade negra, matriarcalidade e ancestralidade.
Email: [email protected]
“Entregues à sua própria sorte, os africanos e seus descendentes
vêm, desde então (a abolição), construindo a sua história, a
despeito de tudo quanto lhes foi e continua sendo negado, nos
espaços que lhes foi possível ocupar”.
Josildeth G. Consorte (1991)
Apresentação
A territorialidade se constrói a partir de um processo subjetivo de consciência de participação
por parte das pessoas que habitam o território. A territorialização é um fenômeno que remete à
memória como reconhecimento de uma origem, ao estabelecimento de delimitações, nas quais o
passado se articula com o presente e o futuro. A territorialidade negra vem carregada de dimensões
afetivas, políticas, de memória e identidade.
Dentro dos processos de urbanização e segregação urbanos,
os territórios negros são aqueles espaços urbanos habitados por maior parcela de população
afrodescendente e que se conformam histórica e socialmente a partir dos processos de
imposição de desigualdades sociais à população negra e do desenvolvimento das culturas de
base africana. A dinâmica sociocultural é determinada pela cultura de base, revelando-se no
espaço geográfico como base dos processos de construção das relações historico-ssociais e
das identidades das populações. (CUNHA, 2001 apud RAMOS, 2010, p. 5).
Constituiu-se como contexto central de pesquisa de campo do mestrado em Ciências Sociais,
na PUC-SP, o “Beco de Dôla”. Surgido a partir de algumas famílias extensas ligadas a Dona Zefa,
Vó Dôla, Dona Tuzinha, Dona Duca e Vó Marcela, matriarcas ainda presentes na memória coletiva
do bairro, o “Beco de Dôla”, como é conhecido, encontra-se no coração da Rua das Pedrinhas, a
menos de um quilômetro do centro de Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia. O aspecto mais
relevante presente captado nas narrativas das trajetórias de vida que remetem à ocupação da Rua das
Pedrinhas é a prevalência do protagonismo feminino. Mulheres negras que buscaram garantir um
espaço de terra para cuidar de seus filhos, como nos relatos de Nilza, filha de Dona Duca:
[...] Naquele tempo era difícil, o que elas faziam para criar os filhos. Vender água na rua.
Levava as latas d’água. Botava num cantinho com os filhos mais pequenos e ali colocava e ia
vender água nas ruas. Ali um dava uma coisa outra dava outra. Ia arrancar pedra, quebrar
54
pedra. Aqui, por isso chama Pedrinhas. Porque tu chegava aqui, só via mulher sentada, ó,
tudo quebrando pedra. Era quebrar pedra e só via monte de pedra.
Ou, como nos relatos das netas e bisnetas de Vó Dôla, tida com uma das primeiras a
ocuparem a região da Serra do Periperi, que passa a ser denominada de Pedrinhas:
Fez muita coisa assim por Conquista, minha avó. Uma velha, negra [...] batalhadeira. [...]
Minha avó trabalhava em várias coisas, praticamente em tudo. [...] Sim, trabalhava fora, sim.
Trocava água. Lavava roupa... [completa a irmã, Jaíra]. Lavava roupa de ganho. Pegava café.
Então ela fez de tudo... Quebrava pedra... [completa uma das sobrinhas, Jaine]... torrava
farinha... Quebrava pedra aqui mesmo do lado aqui. [...] Não tinha pedreira, não. Nós juntava
todo mundo e ia buscar. E depois reunia todo mundo e ia quebrar pra vender... antigamente,
há muitos anos atrás.
Além da memória das grandes mães, no Beco pulsa a memória coletiva de homens e
mulheres que protagonizaram antigas batucadas e macumba nos carnavais de rua, quando a maioria
das agremiações estava intrinsecamente ligada às religiões de matrizes africanas, especialmente
barracões de umbanda (caboclo) e candomblé (angola).
Pensar o espaço e como o negro se relacionou com ele para se autoafirmar é pensar a relação
encontrada, por exemplo, na realidade que sustenta a família negra extensa de Vó Dôla e Dona Zita.
Assim, se na Rua das Pedrinhas a memória coletiva carrega significados e sentidos da presença negra
em Vitória da Conquista, o Beco de (Vó) Dôla se configura como um espaço de exceção dentro do
próprio bairro negro.
O Beco de Dôla só existe por conta da sociabilidade estabelecida nele pelo grupo da família
dos descendentes das matriarcas e fundadoras do bairro. O barracão de Mãe Fátima, extensão da casa
de Vó Zita, é o espaço de preservação da religião de candomblé angola; e a casa da Grande Mãe, da
iabá do barracão, espaço de encontro, acolhida, suporte, união e trocas simbólicas da liderança
exercida pelas mulheres mais velhas e compartilhada pelas de meia-idade, tendo a figura de Vó Zita
como eixo estruturador dessa dinâmica.
55
Figura 1 - Beco de Dôla no dia do aniversário de Betão (filho de Vó Zita)
Fonte: Arquivo da pesquisa.
A pesquisa
Minha pesquisa nasceu com o propósito de pensar a memória dos antigos carnavais
conquistenses como espaços de afirmação de uma identidade negra forjada nos barracões de
candomblé da periferia de Vitória da Conquista. A partir de uma entrevista com Dona Dita, senti a
necessidade de repensar minha trajetória de pesquisa. Lembrando-se da participação das
comunidades nos antigos carnavais, ela me disse: “a gente trabalhava o ano inteiro. O ano inteiro a
gente ia juntando um dinheirinho pra poder ir para o carnaval. A gente mesmo fazia as fantasias, os
vestidos. Era muito bonito. A gente fazia isso e ia lá pra baixo desfilar. Pra quê? Pra mostrar que a
gente é bonito”.
Vislumbrei, na fala de Dona Dita, a comunidade buscando uma afirmação de sua identidade,
de sua diferença, de seu direito de existir. O novo desafio que se apresentava para o meu trabalho
seria o de pensar como se articulam essa identidade negra reinventada cotidianamente, a memória
ancestral e o espaço na qual elas são forjadas em resposta às investidas do racismo. Havia algo
naquela frase que dizia de um passado, mas, principalmente, um presente, de um território-
comunidade, o Beco de (Vó) Dôla. Era preciso repensar os pressupostos e estratégias de uma
pesquisa etnográfica sobre uma extensa família negra.
56
O Beco de Dôla, mais que as Pedrinhas, conjuga uma história ancestral que se preserva, se
atualiza na dinâmica da casa de Vó Zita e no Bbarracão de Mãe Fátima. Pois, segundo Gusmão
(1994),
A terra ancestral envolve uma história que por sua vez [...] configura uma territorialidade não
apenas física, mas que redefine o cosmo numa relação de tempo/espaço diversa da do
sistema dominante. Neste caso a terra não é apenas território comum, é sinônimo do conjunto
de relações vividas; é trabalho concreto e é trabalho de uma memória que se fabrica
conjunturalmente. É, ainda, experiência pessoal e coletiva, relação cotidiana, resistência e
organização. É, antes de tudo, confronto fundante da lógica de reprodução social como grupo
particular e de identidade própria. (GUSMÃO, 1994, p. 6).
E esses elementos constitutivos de uma territorialidade negra, interdependentes e articulados
a outras três dimensões antropológicas estão presentes na família de Dona Zita: a “força simbólica
circulante” (MAUSS apud HITA, 2002, p. 2), a cultura ancestral e a matrifocalidade. Uma
alimentando a outra. Há um legado ancestral cuidado, preservado e transmitido pelas mulheres mais
velhas da casa, desde Vó Quelé (mãe de Vó Dôla) e Vó Dôla, até hoje com Dona Elza, Mãe Fátima e
Dona Zita, suas filhas e filhos, numa família de 150 integrantes.
Dona Arcanja nos oferece a melhor definição do Beco de Dôla. Perguntada sobre algumas
falas acerca da má fama do Beco nas Pedrinhas, ela diz:
Eu não acho justo, não. Agora esse negócio de Beco de Dôla é porque Dôla batia candomblé,
e bem. E começou assim, o povo foi falando “vou no candomblé de Dôla, é o candomblé de
Dôla”. E ficou. E foi fazendo casa, foi rudiando. E ficou essa passagem aí e botaram o nome
no Beco de Dôla. E ela morreu e ficou o nome. Ficou o nome dela no Beco. E não existe
assim, nome de rua fulano, nome de rua Ferraz, ele já não existe mais, ele que fundou a rua,
ele já morreu. (...) E Dôla era uma pessoa muito boa. Para mim não tem pessoa ruim no
mundo.
O sagrado, através das práticas religiosas e de um universo religioso presente no cotidiano,
ganha a dimensão de uma territorialidade como resistência. Segundo Gusmão (1994), “território
sacralizado pela posse física e mítica e, ao mesmo tempo, reafirma-se o mundo indiviso entre vivos e
mortos, entre passado e presente” (GUSMÃO, 1994, p. 9). Na qualidade de realidade indivisa entre o
físico e o espiritual, o território consegue imprimir uma força no grupo como constituinte de um
“espaço/tempo particular, diferente do tempo cronológico que lhes altera a vida” (GUSMÃO, 1994,
p. 9); diferente da realidade dura do bairro negro (Pedrinhas) que a sociedade tenta massacrar com
estereótipos e diversas formas racismo e violência institucionalizada.
Assim, o barracão figura como sendo a maior presença física/mítica do Beco. O barracão na
qualidade de legado maior daquela que “batia candomblé. E bem”. Hita (2002, p. 3) refere-se a esta
realidade, como uma “força simbólica circulante”, da qual todos participam, “um bem coletivo e um
57
legado do qual a descendência tem a responsabilidade de reproduzir e manter (e como o Dom de
Mauss, circula)” (HITA, 2002, p. 3).
Marcadamente organizadas e de forte densidade simbólica e coesão grupal, as festas do
barracão acontecem, em média, seis vezes ao ano e são o ponto de convergência profunda do grupo,
à medida que cimentam e articulam seus principais aspectos, a saber, a organização familiar, a
convivência, a ocupação territorial e a valorização da cultura e a manutenção da tradição através do
candomblé angola, religião de matrizes indígeno-africanas, em tudo tendo como referência central as
mães, mulheres mais velhas.
A família, o povo de Dôla, se constitui em torno da memória da origem das Pedrinhas, mas,
principalmente, das marcas religiosas e culturais que identificam um legado de ascendência africana
e indígena fincada no território. Um território negro que diz respeito especialmente à forma como as
mulheres se relacionam com a terra, a sociedade ao redor e as ancestralidades. Há, principalmente,
uma história de solidariedade entre as mulheres, seja nas Pedrinhas, seja no Beco. Há um
entrelaçamento da vida familiar e coletiva num contexto de permanência na terra protagonizado por
mulheres. Segundo Gusmão (1994, p. 8), “mulher e terra são aqui elementos centrais de uma saga
que foi construída em oposição aos nexos do sistema, envolve concepções e práticas sociais e
simbólicas específicas”.
A vida da família passa pela voz e pelo silêncio das grandes mães da casa, do barracão de
candomblé e das mais velhas. Essa “força simbólica circulante”
que é desigualmente distribuída por estas matriarcas entre seus descendentes, disputada por
eles nas suas relações cotidianas e negociada com as respectivas matriarcas, ainda em vida,
mediante o sentido dado às suas trajetórias e pelas interações estabelecidas com elas, se
aproximando ou afastando das suas expectativas, ganhando ou perdendo o direito à parte
maior ou menor do seu legado. (HITA, 2002, p. 3)
Bauman (2010, p. 15) refere-se a essa dimensão como “círculo aconchegante”, expressão
cunhada para traduzir uma realidade humana cada dia mais rara e separada “de um mundo de
amargos desentendimentos, violenta competição, trocas e conchavos” (BAUMAN, 2003, p. 16).
Nesta lógica social do “círculo aconchegante”, há outra forma de se relacionar que não pelo cálculo
frio, e no qual não precisam provar nada e podem, “o que quer que tenham feito, esperar simpatia e
ajuda” (BAUMAN, 2010, p. 16).
Vó Zita, no Beco, em frente à casa, vendo o movimento da família, numa tarde de final da
festa do seu “cariru” anual para Cosme, referiu-se aos evangélicos que vão à sua porta chamá-la para
participar da igreja: “eles vêm aqui, bate palma e me chama pra eu ir lá na igreja deles. Eu digo que
vou, eles ficam assustados. Aí eu digo: eu vou lá, mas depois vocês têm que vir aqui também. Mas,
não é?!”. E dá risada.
58
A “distinção” do grupo é nítida. Quem pertence e quem não pertence à família, à casa, ao
grupo, ao barracão, ao Beco. A comunicação entre os “da família” é densa e alcança tudo. E pela
linguagem fica nítido mais uma vez quem é de fora. Há uma “autossuficiência” com relação a todos
os grupos que tendem a se impor na comunidade. Fica fácil entender o porquê as crianças da família
não participam das aulas de capoeira e judô que são oferecidas no salão da igreja católica, no mesmo
quarteirão, além da questão financeira, por não terem o suficiente para a mensalidade simbólica
cobrada pela instrutora que é da Rua das Pedrinhas.
Considerações finais
Dentro dessa perspectiva, a característica fundamental da família e da casa de Dona Zita é a
força da solidariedade. Uma solidariedade que é a única forma de sustentação e manutenção da vida
naquele contexto de desemprego, grande número de crianças e adolescentes, grande número de
rapazes e jovens mães sem trabalhar. O tempo todo, a semana inteira, o dia inteiro, a casa de Dona
Zita é uma movimentação, um entra e sai, um leva e traz, não no sentido da fofoca, mas no sentido
mesmo dos punhadinhos, dos trocados, da quirela, da resenha, da coisa pouca que será partilhada na
próxima refeição, na ajuda a alguma necessidade de alguém da família ou visitante.
Bauman (2002) chama a atenção para o fenômeno das identidades neste mundo globalizado,
quando as comunidades começam a entrar em colapso pela aceleração dos processos de privatização
e individualização da vida. Enquanto a comunidade não tem a necessidade de se apresentar, de
aparecer e falar de si, a identidade se pauta pela diferença, pela singularidade que acabam por dividir
e separar, gerando fronteiras em um mundo globalizado.
A “identidade” ganhou grande destaque na pesquisa por conseguir articular-se na memória
individual, nas histórias de vida das matriarcas do “povo de Dôla”, com a memória do grupo e do
próprio bairro. Dialogando com o pensamento de Halbwachs, ao elaborar a noção de “quadros
sociais da memória”, Candau (2011) diz que “é um tecido memorial coletivo que vai alimentar o
sentimento de identidade. Quando esse ato de memória, que é a totalização existencial, dispõe de
balizas sólidas, aparecem as memórias organizadoras, poderosas, fortes, por vezes monolíticas, que
vão reforçar a crença de uma origem ou uma história comum ao grupo” (CANDAU, 2011, p. 77).
Hoje, a comunidade – família extensa do grupo doméstico conhecido como “povo de Dôola”
ou “povo de Zita” – tem três grandes alicerces: a casa de Dona Zita, o barracão de candomblé e a
passagem que liga duas importantes vias do bairro, o Beco de Dôla. Todos esses elementos
constitutivos de uma territorialidade negra estão interdependentes e articulados a outras três
dimensões antropológicas presentes na família de Dona Zita: a “Força simbólica circulante”
(MAUSS apud HITA, 2002, p. 3), a cultura ancestral e a matrifocalidade. Uma alimentando a outra.
59
A territorialidade negra se manifesta, não no físico do espaço de uma passagem denominada
de Beco, mas, primeiramente, na corporeidade negra dos “filhos da casa”. Corporeidade sustentada
na memória da matriarca, da Grande Mãe, Vó Dôla, fonte da liderança das suas filhas e netas
empenhadas na construção um povo forte, mobilizadoras de ressignificações de suas raízes
ancestrais, agenciadoras de performances que expressem seu pertencimento e identidade, dentro e
fora do Beco.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2010.
CANDAU, J. Memória e Iidentidade. Trad. Maria Letícia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.
CONSORTE, J. G. A questão do negro: velhos e novos desafios. Revista São Paulo em Perspectiva,.
vol. 5, n. 1. SEADE. São Paulo, 1991. Disponível em: <www.seade.gov.br/
produtos/spp/v05n01/v05n01_12.pdf>. Acesso em: 22 maio 2010.
GUSMÃO, N. M. M. Terra de mulheres. Identidade e gênero em um bairro rural negro. Revista de
História.n. 129-131, São Paulo, 1994. Página
HITA, M. G. Mãe-Vó-Bi: chefe de familia família em arranjo matrifocal negro. XIII Encontro da
Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, de 4
a 8 de novembro de 2002.
RAMOS, M. E. R. Contextos de construção da territorialidade negra em áreas urbanas. Revista
África e Africanidades., n. 9, ano 3, maio de 2010. Disponível em: <www.africae
africanidades.com/.../Contextos_construcao_territorialidade_negra.pdf>.
Acesso em: 19 jan. 2011.
60
Rowahtuze Sinã27
: um estudo sobre a “pedagogia” Akwẽ e sua relação com a
escola indígena Ex-bolsista: Genilson Rosa Severino Nolasco (M)
Orientador: Fernando José Pereira Florêncio
Instituição: Universidade de Coimbra – Programa de Mestrado em Antropologia
Social e Cultural: Conflitualidade e Mediação Cultural no Mundo Contemporâneo
Palavras-chave: Ensino-aprendizagem Akwẽ-Xerente, corpo, escola indígena
Email: [email protected]
Introdução
Até 1988, a escola em áreas indígenas era implementada oficialmente pelo Eestado como um
recurso que poderia eliminar as diferenças, despojar os povos indígenas de suas línguas, de suas
culturas, de suas religiões, de suas tradições, de seus saberes, incluindo, entre esses saberes, os
métodos próprios de ensino-aprendizagem (FREIRE, 2004).
Com a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, ficou estabelecido que os
povos indígenas têm direito ao território, a suas organizações sociais e usos e costumes (art. 231).
Desde então, a política nacional para a educação escolar indígena – fundamentando-se nos arts. 210,
215 e 231 da referida Constituição – passou a adotar os princípios da interculturalidade, da
diferenciação, da especificidade, do bilinguismo e do uso de processos próprios de ensino-
aprendizagem dos povos indígenas.
Na prática, porém, a realidade das escolas indígenas destoa dos princípios constitucionais e
demais normativas.28
. Ainda são poucas as escolas em áreas indígenas, no Brasil, que atendem aos
princípios da diferenciação, especificidade, interculturalidade e da utilização de processos próprios
de ensino-aprendizagem que valorizem conhecimentos e práticas tradicionais dos povos indígenas
(FUNAI, 2006).
No estado do Tocantins, a situação não parece divergir da situação nacional. A educação
escolar indígena, em funcionamento desde 1991, foi regulamentada apenas em 1998 aela Lei
Estadual nº 1.038, de 22 de dezembro daquele ano, que criou o Programa para Educação Escolar
Indígena que, também, regulamentou o Sistema Estadual de Educação. O referido Programa
estabelece que a escola indígena deve ter como princípios básicos: a recuperação da memória
histórica dos povos indígenas territorializados no estado, a reafirmação de suas identidades étnicas e
o estudo e a valorização de suas línguas maternas (Timbira, Ynã e Akwẽ). O Programa estabelece,
ainda, que o estado deve proporcionar a formação continuada de professores indígenas, fornecer-lhes
27
Escola Sinã. 28
LDBEN, 1996; Resolução CEB 03/99; Plano Nacional de Educação 2001; Parecer CNE - 14/99.
61
materiais didáticos que atendam aos princípios da diferenciação, da especificidade e da
interculturalidade e que lhes seja possibilitada a criação de currículos escolares que levem em
consideração os processos próprios de ensino-aprendizagem indígenas.
No entanto, em uma rápida observação nas escolas nos territórios indígenas, no estado do
Tocantins, percebe-se que a realidade destoa desses princípios normativos, como é o caso das escolas
indígenas instaladas nas aldeias Akwẽ-Xerente. Segundo o Plano Estadual de Educação (Seduc,
2006) do estado do Tocantins, havia 37 escolas instaladas em suas aldeias em 2005, atendendo a 875
alunos Akwẽ-Xerente.
Os indígenas Akwẽ-Xerente são classificados linguisticamente segundo o tronco linguístico
Macro-Jê, família Jê e língua Akwẽ. Seu território está totalmente localizado no município de
Tocantínia, no estado do Tocantins. A população Akwẽ-Xerente encontra-se distribuída em
aproximadamente 55 aldeias, somando, segundo censo realizado em 2006 pela Fundação Nacional
de Saúde (Funasa), 2.569 pessoas.
Objetivos
A dissertação buscou compreender o processo próprio de ensino-aprendizagem Akwẽ-
Xerente e analisar a sua relação com o processo de escolarização, tomando como referência a Escola
Indígena Sinã e o contexto sociocultural da aldeia Rio Sono. Para tanto, procurou apreender:
o que caracteriza uma ação educativa para os Akwẽ-Xerente;
quais são os princípios do processo próprio de ensino-aprendizagem Akwẽ-Xerente;
qual o diálogo entre a educação propriamente Akwẽ-Xerente e a escola indígena;
qual a representação que os Akwẽ-Xerente fazem da escola.
Justificativa
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito ao uso de processos próprios
de ensino-aprendizagem se tornou um dos grandes desafios às políticas voltadas para a educação
escolar indígena no país. Num universo de aproximadamente 180 línguas e mais de duzentos povos
indígenas, supõe-se a presença de variadas formas de sociabilidades e de transmissões de
conhecimentos, cujos processos são ainda pouco conhecidos. Há muito a se perguntar.
Alguns estudos antropológicos (MELO, 2008; COLLET, 2010) têm mostrado variadas
formas de educação propriamente indígenas e que conflitam com os métodos adotados nas escolas
indígenas, destacando a necessidade de que o processo de escolarização dos povos indígenas
considere essas maneiras singulares de educação, para que se possam abrir espaço à construção de
uma educação específica e diferenciada.
62
Referencial teórico
Ao perceber que as concepções desses indígenas sobre o corpo e a pessoa poderiam informar
a educação propriamente Akwẽ-Xerente, optou-se por utilizar as contribuições de alguns trabalhos
que apontam para a centralidade do corpo nas cosmologias dos povos indígenas, como mostraram
vários estudiosos descrevendo diferentes povos.29
No entanto, consideramos que Seeger, DaMatta e
Viveiros de Castro (1979) propuseram, de forma mais abrangente, que se compreenderia as
cosmologias ameríndias a partir da noção de corpo e pessoa.
A partir desta noção de corpo, Viveiros de Castro (2002) desenvolveu o conceito do
“perspectivismo” para caracterizar um dos aspectos das cosmologias ameríndias. Segundo ele, em
vez de um relativismo cultural, há, nas cosmologias ameríndias, uma visão multinaturalista do
mundo. Isto é, a cultura ou o sujeito seria a forma do universal e a natureza ou o objeto, a forma do
particular. Somos todos gente, mas com perspectivas diferentes de acordo com as especificidades dos
corpos. Cada um desses sujeitos se vê como humano, vendo os demais como não humanos, como
espécies de animais ou de espíritos. Desta noção é possível compreender os inúmeros processos de
construção social do corpo para moldá-lo à possibilidade de ter a perspectiva humana (HEURICH,
2007).
Na pesquisa, os conhecimentos sobre educação escolar indígena foram aprofundados pelo
estudo da legislação, bem como de textos dos principais autores que dela tratam no âmbito territorial
do Brasil (por exemplo, FREIRE, 2004; GRUPIONI, 2004; SILVA E AZEVEDO, 1995) ou de
povos específicos, como o de Célia Collert (2010), que analisa como os indígenas Bakairi concebem
a escola em suas aldeias. Além desses, foram usados outros textos, como o de Maria Elisa Ladeira
(2005), que faz uma reflexão sobre a ideia etnocêntrica de privilegiar a escrita como única forma de
transmissão de conhecimento.
Metodologia
Inicialmente, realizou-se um levantamento bibliográfico da literatura de fundamentação
teórica, contemplando os campos da Antropologia, da Sociologia e da Educação que convergem para
a compreensão dessa problemática. Aliado a esse estudo bibliográfico, realizou-se trabalho de
campo, desenvolvido em dois momentos no ano de 2009 (durante o mês de outubro; e entre os meses
de novembro e dezembro daquele ano).
29
Carneiro da Cunha (1978, 1979), os Krahô; Seeger (1980), os Suyá; Viveiros de Castro (1979), os Yawalapiti; Cohn
(2000), os Kayapó-Xicrin.
63
Como estratégia para realizar o trabalho de campo e a coleta de informações, utilizou-se a
técnica da observação participante,30
, entrevistas semi-estruturadas, mas considerando-as “conversas
com um objetivo” (BURGESS, 1997), o que permitiu aos informantes desenvolver suas repostas fora
de um formato estruturado. Os diálogos foram registrados com auxílio de um gravador digital,
simultaneamente, nos cadernos de campo.
A pesquisa foi desenvolvida com autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos
Akwẽ-Xerente, tendo em vista que ela integra o rol de ações do projeto de pesquisa “Os efeitos da
Educação Escolar para os Povos Indígenas no Tocantins”,31
, aprovado em 2009 pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Funai, e que para sua
realização tem o consentimento dos povos indígenas envolvidos, entre eles os Akwẽ-Xerente.
Resultados
No desenvolvimento do trabalho percebeu-se que as concepções desses indígenas sobre o
corpo e a pessoa informam a educação propriamente Akwẽ-Xerente, em seu objetivo de fabricar e de
socializar a pessoa, sendo um processo compartilhado por uma rede de relações que envolvem não
apenas o núcleo familiar, mas também outros atores sociais da aldeia e os próprios aprendizes.
Da ótica do perspectivismo, o nascimento não garante a humanidade da criança, porque a
humanidade seria um modo de ser e de agir ou uma capacidade de atuar como humano. Ao nascer, o
corpo da criança é considerado frágil, genérico, suscetível à transformação, sujeito às ações dos
espíritos, dos outros seres presentes no cosmos. Portanto, trata-se de um corpo que necessita de
cuidados, ao mesmo tempo em que é transformado para aceder à perspectiva humana.
O corpo não é dado, ele é fabricado continuamente (SEEGER et al., 1979; VIVEIROS DE
CASTRO, 2002), desde a concepção. Isto ocorre por meio de um processo gradual que marca as
fases da vida, o gênero, o parentesco e as prerrogativas nas quais seu meio sociocultural se
fundamenta, consolidando uma educação marcada no corpo. Esse processo de fabricação do corpo se
articula com as faculdades necessárias para o aprendizado, com a intenção de concretizar a
socialização e humanização da pessoa.
30
Robert G. Burgess (1997) sugere que o mundo social não é objetivo, envolve significados subjetivos e experiências que
são construídas pelos participantes nas situações sociais, e os significados que os participantes atribuem às situações
sociais podem ser acessados por meio da observação participante. A observação participante pode ser conceituada como
o “processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e de prazo relativamente longo com uma
associação humana na sua situação natural com o propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo”
(MAY, 2001, p. 177). 31
Esse projeto ainda está em desenvolvimento e é coordenado pelo Dr. Odair Giraldin, professor adjunto da Fundação
Universidade Federal do Tocantins.
64
Ao começar a andar e a desenvolver a fala, a criança passará a ter certa autonomia para se
engajar no mundo por meio de suas experimentações e, assim, se desenvolve uma educação
caracterizada pelo encontro de ações humanas e pelo protagonismo do aprendiz. Essa fase é
fundamentada pelo exemplo, pela observação, pelo ouvir, pelo silêncio, pelo repetir, pela oralidade,
pela autonomia do aprendiz e pela aprendizagem de uma atitude respeitosa em relação ao que se
aprende, a quem ensina e aos outros seres do cosmos, entre eles os espíritos. A criança deve aprender
através da participação em momentos formalizados ou informais, introjetando conhecimentos e
comportamentos relativos a valores, crenças, postura corporal e organização social (COLLET, 2010).
A partir das observações realizadas, percebeu-se que a escola tem privilegiado, como método
de ensino-aprendizagem, a escrita e a leitura, sobretudo em língua portuguesa, usando livros,
ocorrendo em espaço fixado, dispondo de um tempo estabelecido para a duração das aulas, para a
introdução de conteúdos e que determina, entre outras coisas, o momento no qual o aluno irá aceder
a uma nova fase. Esse método se sobrepõe à educação propriamente Akwẽ, que privilegia o
protagonismo do aprendiz e sua liberdade para circular nos vários contextos da vida cotidiana na
aldeia, onde faria suas experimentações e desenvolveria sua aprendizagem. Nesse processo, o ensino
e a aprendizagem ocorrem como o resultado do encontro entre ações humanas e não por meio da
escrita e da leitura, dos livros, das avaliações e de espaço e tempo fixados.
Pontos relevantes para discussão
A “pedagogia” Akwẽ-Xerente e as escolas em suas aldeias transmitem conhecimentos, mas
por noções de tempo, espaços e processos próprios. Na escola, os atos de ver e de repetir, por
exemplo, são acionados, mas para o ensino e a aprendizagem pela escrita e leitura. Os alunos
reproduzem, constantemente, os desenhos e os textos escritos no quadro e nos livros ou, a partir de
suas representações do mundo e do seu povo, elaboram textos e desenhos que são fixados no papel.
Enquanto isso, na aldeia Rio Sono, a senhora Rosalina Kubadi reserva várias horas do dia
para trabalhar em sua residência com fibras de buriti. Suas hábeis mãos dão forma a cofos, bolsas,
esteiras. Na varanda de sua casa, o senhor Valdir Srênomri e dona Helena Asakredi trabalham quase
todos os dias com fibras de buriti e tucum. Seus trabalhos dão formas a patros, cofos, esteiras,
pulseiras e colares. Ali o senhor Valdir relembra e conta narrativas sobre seus antepassados.
Ambos são exemplos de espaços onde o que se diz e o que se faz se constroem como sentido,
espaços privilegiados para a aprendizagem e o ensino, mas que são desconsiderados no processo de
escolarização desses indígenas. Espaços físicos e simbólicos que revelam também a necessidade de
se repensar o currículo escolar, o tempo e o espaço escolar e de se valorizarem as experiências
indígenas nos seus processos de escolarização. Para tanto, é imprescindível repensar, também, o uso
65
da escrita e da leitura como único método de ensino-aprendizagem e criar momentos/espaços, dentro
e fora da escola, para que a oralidade, um dos elementos fundamentais no processo de ensino-
aprendizagem dos povos indígenas, seja privilegiada na prática escolar.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.
Brasília: Senado Federal, 1989.
________. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, 1998.
________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação
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Negros na universidade: o contexto do Programa de Ação Afirmativa da –
UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso
Bolsista: Jacqueline da Silva Costa (D)
Orientadora: Maria Inês Rauter Mancuso
Instituição: UFSCar - Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Palavras-chave: Negro, desigualdades educacionais, ação afirmativa
Email: [email protected]
Introdução
Este trabalho insere-se em pesquisa de doutoramento que ora desenvolvo sobre estudantes
cotistas na Universidade do Estado de Mato Grosso, particularmente nos campi de Cáceres e Sinop.
Trata-se de trabalho qualitativo e quantitativo, por meio do qual busco acompanhar o impacto da
política de ação afirmativa no cotidiano acadêmico dos cotistas dos dois campi. Segundo Chaves
(2000, pp. 17) o município de Cáceres tem um histórico de presença de escravos a partir de sua
fundação, em 1778, como atestam os quilombos e comunidades tradicionais remanescentes. Em
2010 tinha 87.942 habitantes, com 29,7% de brancos; 8,4% de pretos; 60,3% de pardos e 1,6% de
declarados indígenas.
Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), com 41 anos de existência, originou-se de
um núcleo de colonização, atraindo migrantes da região Sul do país, principalmente do Paraná
(VIEIRA, 2003, p. 3). Os 113.099 habitantes assim se distribuem: 48,6% brancos; 6,2% pretos;
43,9% pardos e 1,3% indígena. Os dois municípios apresentam não apenas diferenças históricas
significativas, mas também quanto às condições socioeconômicas. Os indicadores sociais apontam
desigualdade de renda, de escolaridade, de esperança de vida e de mortalidade infantil entre brancos
e negros, desigualdade esta mais evidente em Cáceres.
Portanto, perceber como essas diferenças interferem nas relações no interior da universidade, e
daí no desempenho dos alunos cotistas, é fundamental para acompanhar o desempenho do programa
de ação afirmativa implementado pela UNEMAT. Tomo por análise dados de ingressantes, de
acordo com o sexo e por curso, e o de formados e desistentes, segundo o sexo e o curso.
Objetivos:
Por meio de análise comparativa entre os campi de Cáceres e Sinop, a partir de dados sobre
os cursos e o sexo dos estudantes, busco identificar dificuldades encontradas pelos alunos cotistas no
decorrer da formação, privilegiando as diferenças de gênero no ingresso a esses cursos. O trabalho
visa também caracterizar os diversos cursos segundo indicadores de sucesso e de dificuldades na
realização do curso, especificando por sexo.
68
Justificativa e referencial teórico
No debate sobre relações racializadas no Brasil sobressaem estudos sobre a desigualdade
educacional e sobre o contexto da escola. Rosemberg (1998), com base em estudo realizado por Lia
Rosenberg (1981) na região metropolitana de São Paulo que aponta uma forte presença de crianças
pobres em escolas que não dispõem de melhores recursos questiona a diferença entre a escola
frequentada pelo aluno branco e pelo negro. Evidenciou-se que “alunos carentes estudam em escolas
onde a jornada é mais curta, o número de turnos é maior, a rotatividade de professores é mais
frequente, as possibilidades de sucesso, enfim, são menores” (ROSENBERG, apud, ROSEMBERG,
1998, p. 81).
Situação semelhante se observa em escolas de outras regiões, nas quais vigoram uma ideologia
da impotência, isto é, “o professor percebe os seus alunos como não educáveis, expectativa que
acaba se confirmando” (DIAS, 1979; HASENBALG, 1987; PINTO, 1993 apud ROSEMBERG,
1998, p. 27). Hasenbalg e Valle Silva (2002) constatam a influência da origem social no desempenho
escolar, acesso e permanência na escola. Estudantes oriundos de famílias menos abastadas não
possuem instrumentos que possibilitam troca qualificada de conhecimentos. Henriques (2001, p.26),
analisando dados da PNAD (1999), verificou que a diferença de 2,3 anos de estudo entre negros e
brancos permanece a mesma ao longo das gerações, apesar do avanço significativo no acesso à
escola de brancos e negros ao longo do século XX.
Com a implementação de cotas raciais no ensino superior uma questão se impõe: o
desempenho dos alunos negros na universidade tenderá a ser tão perversamente marcado pelas
relações sociais como acontece no ensino fundamental e médio? Dessa forma, o conhecimento
acerca da situação acadêmica dos alunos cotistas justifica-se pela necessidade de se apurar como vem
se dando essa relação na universidade e o peso dela na decisão dos alunos cotistas em dar, ou não,
continuidade ao curso.
Metodologia e procedimentos
O primeiro passo foi a caracterização de Cáceres e Sinop, feita a partir de dados levantados
junto ao IBGE (Censo de 2010), relativos ao número e características da população (cor da pele,
renda e taxa de analfabetismo) e à Fundação João Pinheiro (indicadores que compõem o índice de
desenvolvimento humano), além de pesquisa bibliográfica. Dados sobre a situação acadêmica de
alunos e ex-alunos cotistas, compreendendo o período entre o segundo semestre de 2005 e o
primeiro semestre de 2011 foram obtidos junto às Secretarias Acadêmicas e nos anuários estatísticos
da Universidade, disponíveis on-line. Em Cáceres, os cursos existentes são: Agronomia, Biologia,
69
Ciências Contábeis, Computação, Direito, Educação Física, Enfermagem, Geografia, História,
Letras, Matemática e Pedagogia. Em Sinop, são: Administração, Biologia32
, Ciências Contábeis,
Economia, Engenharia Civil, Letras, Matemática e Pedagogia.
Alguns resultados
1- Ingressante segundo sexo e por curso
Em Cáceres, de 2005/2 a 2011/1 ingressaram 1.292 alunos pelo sistema de cotas, dos quais
38% eram homens e 62% mulheres. Dos doze cursos, os que tiveram maior frequência de ingresso
foram: Direito, Pedagogia, Biologia, Enfermagem, Geografia, Educação Física, Letras, História e
Ciências Contábeis. Em Matemática, Computação e Agronomia a frequência foi inferior a 100. Do
ponto de vista da razão de masculinidade33
, os cursos que apresentam maior razão são: Direito,
Matemática, Computação, Agronomia, Educação Física e História. Os demais têm menor presença
masculina, com destaque para Enfermagem e Pedagogia.
Em Sinop, ingressaram 569 alunos cotistas, dos quais 40,4% eram homens e 59,6%,
mulheres. Dos sete cursos de Sinop, Administração e Pedagogia tiveram maior frequência de
ingresso. Em Matemática, Computação, Letras, Engenharia Civil e Agronomia a frequência foi
inferior a 100. Do ponto de vista da razão de masculinidade, Engenharia Civil e Administração
tiveram maior razão, enquanto os demais contam com menor presença de homens, com destaque
para Pedagogia.
2- Formados e desistentes, segundo sexo e por curso
Em Cáceres, de 2005/2 a 2011/1 formaram-se 153 ingressos pelo sistema de cotas, dos quais
28% homens e 72% mulheres. Do total de ingressantes em condições de estarem formados, 33%
concluíram, sendo 37% das ingressantes mulheres e 26% de homens. Entre as mulheres, em Direito,
Pedagogia e Enfermagem, a proporção de formadas esteve acima de 37%, que é a tendência geral.
Entre os homens, a proporção superou a tendência geral, de 26%, em Ciências Contábeis, Educação
Física, Agronomia e Direito. Homens e mulheres mostram assim trajetórias distintas do ponto de
vista de sucesso: o único curso em comum é Direito.
Em Sinop formaram-se 55 alunos oriundos do sistema de cotas, sendo 20% homens e 80%
mulheres. Do total de ingressos em condições de estarem formados, 23% completaram o curso,
sendo 32% mulheres e 12% homens. Entre as mulheres, em Pedagogia, Ciências Contábeis e
32
O curso de Biologia foi excluído por ser um curso novo e ter poucos ingressantes. 33
Razão de masculinidade: número de homens por mulher. O mesmo número de homens e mulheres, portanto, terá uma
razão igual a 1. Acima de 1, o número de homens supera o de mulheres; abaixo de 1, é inferior.
70
Administração a proporção de formadas ultrapassou os 32% de tendência geral. Entre os homens, a
proporção superou a tendência geral de 12% em Pedagogia, Letras, Economia e Matemática,
evidenciando trajetórias distintas do ponto de vista de sucesso entre os dois sexos.
Em Cáceres, dos 1.292 ingressantes, 17,5% desistiram. Os homens apresentaram nível de
desistência (23%) maior do que as mulheres (14%). Acima da tendência geral de desistência entre os
homens estão os cursos de Matemática, Letras, História, Biologia e Computação. Já entre as
mulheres, Computação, Letras, Matemática, Agronomia, Biologia e Ciências Contábeis. Matemática,
Computação, Letras e Biologia são áreas de dificuldade comuns a homens e mulheres. Em Sinop,
dos 569 ingressantes, 31,4% desistiram. O nível de desistência entre os homens (35,8%) também foi
maior do que o das mulheres (29%). Acima da tendência geral de desistência entre os homens estão
Matemática, Economia, Pedagogia e Letras. Entre as mulheres, Economia, Matemática e Letras.
Esses três cursos são áreas de dificuldade comuns a homens e mulheres.
Pontos relevantes para a discussão
Devido à falta de dados não foi possível comparar a situação dos cotistas com os não cotistas.
O número de formados, extraídos dos anuários estatísticos, apenas permite observar os cursos de
maior dificuldade, indicados pela baixa frequência. Nos últimos seis anos, Computação, Ciências
Contábeis, Agronomia e Matemática tiveram os mais baixos números de formandos em Cáceres,
enquanto em Sinop a posição coube a Economia, Matemática e Letras. Entre os estudantes cotistas
de Cáceres em geral, Matemática e Computação são os cursos com mais alta desistência, enquanto
Agronomia e Ciências Contábeis o são para as mulheres. Em Sinop, Matemática, Economia e Letras
são os de maior desistência entre homens e mulheres cotistas, ao passo que Pedagogia o é para as
mulheres. Esses cursos são, portanto, de comum dificuldade entre cotistas e o total de alunos.
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72
Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os marceneiros de Xapuri Bolsista: João Maciel de Araújo (M)
Orientador: Silvio Simione da Silva
Instituição: Universidade Federal do Acre – Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional
Palavras-chave: Manejo florestal, desenvolvimento sustentável, marceneiro.
Email: [email protected]
Introdução
No âmbito das políticas públicas, é relativamente novo o debate sobre a contribuição das
“populações tradicionais” da Amazônia brasileira para o desenvolvimento socioeconômico da região.
Historicamente, grupos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e extrativistas ficaram à
margem do debate e foram negligenciados por grandes projetos (BECKER, 2004; MARTINS, 2009).
Porém, alguns eventos locais de natureza social, política e econômica, somados a outros
eventos de mesma natureza nos planos nacional e internacional, aos poucos apontam para uma
alteração desse estado de coisas e as populações tradicionais tendem a se inserirem no debate
(ALMEIDA, 2004; LITTLE, 2002).
Objetivos
Esta pesquisa tem por objetivo específico investigar a situação atual do setor marceneiro de
Xapuri, buscando evidenciar as implicações do manejo florestal comunitário a esta atividade que, há
anos, contribui para geração de emprego e renda.
Esta pesquisa soma-se ao objetivo de problematizar a iniciativa de manejo florestal
sustentável para produção de madeira, através da análise de uma política pública concebida sob os
pressupostos da discursiva do desenvolvimento sustentável, notadamente inspirada em princípios de
regulação do uso dos recursos naturais e que vem sendo implementada pelo governo do Eestado do
Acre em comunidades extrativistas da região do Vale do Acre.
A reflexão crítica pretendida pelo estudo deve lançar luz sobre outros atores sociais que não
somente os gestores públicos e outros grupos até então envolvidos na proposta de manejo florestal,
depurando a busca da coerência desta política como uma medida que justifique um discurso de que
está sendo criado um novo paradigma, que concebe o desenvolvimento como a combinação entre
eficiência econômica, prudência ecológica e justiça social.
73
Justificativa
Nos anos de 1980, Xapuri constituiu um dos principais focos de resistência ao avanço da
pecuária na Amazônia, inicialmente através da organização sindical dos seringueiros e,
posteriormente, dessa organização em aliança com o movimento socioambiental internacional. A
resistência dos seringueiros do Acre, notadamente liderados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Xapuri, articulado com outros movimentos de populações extrativistas da Amazônia, ganhou
projeção internacional e conquistou o reconhecimento de direitos sobre seus territórios por parte do
governo brasileiro. Este último, entre outraos, institui os projetos de assentamento e reservas
extrativistas, áreas de floresta destinadas ao uso pelos seringueiros (LITLLE, 2002; BECKER, 2004).
Em Xapuri localizam-se os Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAE) Chico Mendes e
Equador e parte da Reserva Extrativista Chico Mendes.
Na passagem da década de 1980 para 1990, Xapuri encontrou-se profundamente
modificada do ponto de vista social, econômico e político. No pequeno núcleo urbano, que teve sua
origem baseada no sistema extrativista, formaram-se novos bairros constituídos de ex-seringueiros e
agricultores sem- terra que, em grande medida, reproduzem-se pelo trabalho na agricultura, nas
fazendas pecuaristas e nas atividades ligadas à extração de madeira.34
O apoio internacional, no financiamento de projetos executados pelas cooperativas
organizadas pelo movimento seringueiro para o beneficiamento da produção extrativista, projetou,
politicamente, esse segmento em âmbito local através da geração de emprego e renda no início dos
anos de 1990.
Em 1996, em parte ajudado pelo desempenho dos empreendimentos cooperativos, foi
eleito prefeito de Xapuri uma liderança do movimento seringueiro, pelo Partido dos Trabalhadores,
permanecendo no cargo até o final de 2004. A partir de então, Xapuri tornou-se um local
emblemático do desenvolvimento sustentável no estado do Acre.
Referencial teórico e conceitual
Daniel J. Zarin (2005) considera que as áreas habitadas por populações tradicionais são, a
rigor, florestas manejadas, visto que, para sua sobrevivência, essas populações utilizam os recursos
florestais. Contudo, a racionalidade que impulsiona tal manejo apresenta-se em outro nível, não
necessariamente subordinada aos fundamentos da atividade econômica capitalista. Porém, nesta
pesquisa, manejo florestal será tratado como o manejo de floresta nativa para a exploração seletiva
34
Edna Castro (2008) identifica o sistema extrativista como uma das vertentes do estabelecimento das cidades na
Amazônia.
74
de espécies madeireiras, o que não deve ser confundido com a produção de madeira e produtos
florestais não-madeireiros. Adicionalmente, a expressão manejo florestal sustentável parte do
princípio de que ocorre equidade quanto à importância dos componentes ecológicos, econômicos,
políticos e sociais.
Para Putz (2005), é elementar não confundir manejo florestal sustentável (MFS) com técnicas
de exploração de impacto reduzido (EIR), tampouco com o objetivo de garantir exploração
madeireira de rendimento sustentável (EMRS). Para esse autor, “não há como provar que uma
floresta é manejada sustentavelmente, mas o MFS deve ser sempre um objetivo pelo qual aqueles
que manejam florestas devem empenhar-se quando usam técnicas de EIR e outros tratamentos
silviculturais para obter uma EMRS e outros objetivos do manejo florestal” (PUTZ, 2005, p. 39).
No campo das políticas públicas, no entanto, o manejo florestal sugere um instrumento de
desenvolvimento sustentável capaz de conciliar objetivos de natureza socioeconômica e técnico-
científica. Segundo Souza (2002 p. 68), “as políticas públicas, diferentemente do imediatismo que
caracteriza a análise econômica privada, possuem obrigatoriamente o componente intertemporal no
seu instrumental de análise, pois objetivam alcançar o bem-estar social a curto, médio e longo
prazo”.
De início, o termo “sustentabilidade” admite a existência de limites e uma dimensão
temporal. Assim nos explica André Lopes Souza (2002, p. 73): “o uso sustentável de determinado
recurso florestal pressupõe que esse recurso possa ser produzido indefinidamente, mas dentro de
determinados limites que garantam a sua reprodução no tempo”.
No caso do Acre, além de serem apresentados como alternativas para incremento da renda
das famílias diretamente envolvidas, a partir de uma nova perspectiva produtiva, esses
empreendimentos comunitários de Plano de Manejo Florestal Sustentável têm servido de referência
para o setor, no que tange à atuação dos governos, do empresariado local e, sobretudo, visam à
sensibilização de outras comunidades agroextrativistas para adesão à proposta.
Resultados: as marcenarias e os marceneiros de Xapuri
A pesquisa adotou, como principais procedimentos na coleta de dados, análise de
documentos, conversas abertas com populares em geral e entrevistas com gestores públicos, e com
trabalhadores e proprietários de sete das oito marcenarias do município, o que correspondeu a
entrevistar onze pessoas. Com base nas informações obtidas junto aos entrevistados, conclui-se que
as marcenarias empregavam cerca de 37 marceneiros, predominantemente naturais de Xapuri e, em
sua maioria, provenientes de área rural.
75
A maioria dos marceneiros, em atividade há mais de doze anos, destaca a obtenção da
matéria-prima como principal problema para o setor. Priorizando as espécies Cedro, Cerejeira e
Marfim, eles afirmam que compram madeira retirada, transportada e pré-beneficiada de maneira
ilegal. Para alguns, este fato extrapolou a esfera do constrangimento e transformou-se em autuação e
multas emitidas pelos órgãos ambientais de controle da atividade madeireira e marceneira.
Ironicamente, em Xapuri, onde se encontra uma das experiências pioneiras em planos de manejo
comunitário, os trabalhadores das marcenarias pouco conhecem dessa iniciativa.
Apesar de alguns marceneiros destacarem períodos de escassez de madeira, a atividade não
cessou. Em função da crescente demanda do mercado local, os marceneiros, outros trabalhadores e
produtores rurais que dispõem de madeira nativa (inclusive os moradores de unidades de
conservação) partilham o risco de prejuízo financeiro e sanções administrativas e criminais. Estima-
se que o consumo mensal não ultrapasse os 60m³ adquiridos a um preço em torno de R$ 450,00/m³
que, dependendo das peças produzidas, atinge uma renda bruta de R$ 1.400,00.35
.
A maioria das marcenarias opera com máquinas e equipamentos básicos para o setor, o que é
considerado pelos trabalhadores suficiente para os cortes e acabamentos que efetuam. Muitas
máquinas são de fabricação antiga e a manutenção se dá quando ocorrem avarias. Na grande maioria
das marcenarias, o fluxo de caixa e registros financeiros é feito de maneira improvisada e amadora,
pelos próprios trabalhadores.
Os marceneiros entrevistados, ao justificarem sua permanência nesse trabalho, manifestam,
como é habitual nas sociedades ocidentais, supervalorização do trabalho em relação a outras formas
de atividade e que envolve não só as recompensas extrínsecas, como o dinheiro e os bens dele
derivados, mas também recompensas intrínsecas, relativas à satisfação, prazer ou liberdade (GRINT,
1998).
Pontos para a discussão
Os marceneiros de Xapuri fazem parte de um grupo mais amplo composto por milhões de
pessoas nascidas na Amazônia a partir da década de 1960 que:
foram “duplamente” expropriadas pelo capital internacional com a deliberada cumplicidade do
Estado brasileiro;
35
Para se chegar a esta renda, tomou-se como referência a fabricação de conjuntos compostos de uma mesa de 2,15m x
0,8m acompanhada de dois bancos, pois trata-se de uma tarefa intermediária no que se refere a exigência no uso de
matéria-prima, trabalho e insumos. Porém, num exemplo extremo, com o mesmo volume de madeira, a renda bruta pode
ser elevada quando da fabricação de esquadrias ou camas. E, no outro extremo, também pode ser reduzida quando
utilizada na fabricação de guarda-roupas, por exemplo, tidos como muito dispendiosos de insumos e principalmente mão-
de-obra.
76
têm negado o direito de usufruir dos benefícios dos recursos naturais, a princípio garantidos
através dpela criação de UCs e outros territórios para populações tradicionais.
Consideramos que o manejo florestal madeireiro, tal como vem sendo praticado em
Assentamentos Extrativistas de Xapuri (com a produção destinada ao mercado externo):
contraria a justiça social, ao mesmo tempo em que lança na ilegalidade uma parcela dos
trabalhadores urbanos;
não tem respondido positivamente ao quesito econômico, visto a persistência dos indicadores do
município.
De nosso ponto de vista, o discurso do desenvolvimento sustentável:
está comportando práticas que agem na direção oposta ao que propugna, pois mantém as relações
de produção – relações sociais e econômicas (prioridade de exportação) –inalteradas;
tem criado uma falsa ideia de inclusão social através da super-promoção da imagem das
populações tradicionais que se mantiveram na floresta e de uma suposta autonomia dessas sobre
seus territórios e recursos naturais.
Com referência à comunidade do manejo comunitário, observamos que:
a participação de grupos político-partidários, técnicos, empresários monopolistas e instituições
financeiras engendra uma disputa com os interesses dos comunitários extrativistas;
as comunidades de trabalhadores pobres do núcleo urbano são negligenciadas;
enfim, É NECESSÁRIO AMPLIAR A COMUNIDADE DO COMUNITÁRIO.
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Políticas afirmativas para negros no ensino superior: aposta no humano como
fator de transformação social
Ex-bolsista: José Antonio Marçal (M)
Instituição: Universidade Federal do Paraná/Programa de Pós-graduação em
Educação
Orientador: Paulo Vinicius B. da Silva
Palavras-chave: Racismo; políticas afirmativas, intelectuais negros(as)
Email: [email protected]
Introdução
O presente texto pretende explorar um aspecto da dissertação que defendi no programa de
pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), intitulada Política de ação
afirmativa na Universidade Federal do Paraná e a formação de intelectuais negros (as). A proposta
é traçar, em linhas gerais, um panorama histórico-cultural brasileiro, a fim de ressaltar a necessidade
das políticas afirmativas36
para negros/(as) no ensino superior público como instrumento,
potencialmente, capaz de produzir uma intelectualidade comprometida com a transformação social a
partir do grupo social negro.
Considerando a polêmica em torno da implementação de políticas afirmativas para negros no
ensino superior público, estabeleceu-se o pressuposto de que políticas afirmativas não são
implementadas num vácuo histórico-cultural. Assim, entre os principais objetivos estão: 1) refletir
sobre as especificidades históricas das relações raciais na sociedade brasileira e o “lugar social”
ocupado pelos negros nesse contexto; e 2) problematizar as implicações desse processo histórico-
cultural na implementação de políticas públicas de cunho emancipatório para o grupo social negro. A
opção metodológica para o desenvolvimento da discussão foi a abordagem histórico-dialética
proposta por Antonio Gramsci (1891-1937).
Justificativa
Apesar dos indicadores situarem os negros (pretos e pardos) nas piores posições sociais, uma
forte reação contra políticas afirmativas se evidenciou no contexto brasileiro a partir de 2003. Tal
reação sugere a persistência de resíduos ideológicos racistas (branqueamento e mito da democracia
racial) arraigadas no “imaginário coletivo” brasileiro (BRASIL, 2004). Imaginário, esse, estruturado
36
Por políticas afirmativas, compreendemos um “conjunto de ações políticas dirigidas à correção de
desigualdades raciais e sociais, orientadas para a oferta de tratamento diferenciado com vistas a
corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e
discriminatória” (BRASIL, 2004, p. 12).
79
historicamente a partir de uma hierarquia racial que estabelece a crença na superioridade de brancos
e inferioridade de negros e indígenas (BRASIL, 2004, p. 14) e que opera na distribuição de
privilégios econômicos, sociais, culturais e simbólicos. Esta lógica é, desde sempre, desvantajosa ao
grupo social negro, pois o “lugar social” do negro é o da inferioridade (SOUZA, 1983). Nesse
sentido é que o racismo no Brasil ganha características de uma cultura que molda o comportamento
de pessoas e instituições sociais.
Essa compreensão do contexto histórico-cultural brasileiro coloca, a nosso ver, duas questões
no que diz respeito ao enfrentamento das desigualdades raciais: uma de dimensão socioeconômica e
outra de dimensão sociocultural. Um recuo ao período compreendido entre a abolição da escravidão
e a década de 1930 ajuda a entender esse processo histórico.
De um lado, precisamos entender como a classe trabalhadora no contexto brasileiro foi
estratificada racialmente. Como salienta Hall (2003), raça e classe, em alguns contextos específicos,
não podem ser colocadas em posições extremadas. O papel da imigração europeia e da política de
preferência racial branca na constituição do mercado de trabalho no início do século XX ajuda a
explicar a imobilidade socioeconômica da população negra. Para Michael G. Hanchard (2001, p. 51),
a “raça teve uma clara dimensão material: estruturou as alternativas e as possibilidades de vida dos
afro-brasileiros e dos imigrantes italianos, assim como as diferenças e desigualdades profissionais no
seio da classe proletária”, provocando consequências inter-geracionais (FERNANDES, 2008;
HASENBALG, 2005; HANCHARD, 2001; TELLES, 2003).
De outro lado, o processo de construção da identidade nacional a partir da negação da
identidade negra, procedimento intenso na primeira metade século XX (MUNANGA, 2008), cujas
consequências afetam negativamente os negros ainda hoje. A partir de um “duplo vínculo”
(CARVALHO, 2006), os negros integraram o discurso histórico nacional brasileiro na condição de
iguais, mas ao mesmo tempo, inferiores, ou seja, paralisados socialmente. A dificuldade em
compreender essa lógica por parte de muitos brancos e negros acaba por transferir a estes a
responsabilidade pelo próprio fracasso social e o “desejo” de embranquecer, como meio de “fuga” da
“condição inferiorizante” (SOUZA, 1983; MUNANGA, 2008). Nesse quadro de alienação, a
identidade e consciência negras só podem ser conquistadas politicamente (SOUZA, 1983).
A consequência desse processo histórico-cultural para os negros como grupo social foi uma
sociedade impermeável à ascensão social, na qual o grupo social negro permanece sub-representado
em postos de comandos e decisões, enquanto aparece sobrerepresentado nas piores condições sociais
(ocupações degradantes e mal remuneradas, localizações geográficas mais carentes, população
80
carcerária, etc.).37
. Este quadro de subalternização resultou também na ausência de uma significativa
intelectualidade negra capaz de impulsionar o desenvolvimento sociocultural do grupo social negro.
Referencial teórico ou conceitual
A necessidade de uma intelectualidade para o desenvolvimento de grupos sociais estagnados
foi teorizada em diferentes contextos, por exemplo, por Antonio Gramsci (2006a) no europeu e
Amílcar Cabral (1980) no africano e diáspora africana. Esses autores ressaltam a necessidade de
articular o conhecimento científico e o engajamento político num processo de desenvolvimento
sociocultural dos segmentos populacionais estagnados.
Gramsci ao discutir a relação entre os intelectuais e as massas populares parece sugerir que a
quantidade e qualidade dos estratos dos intelectuais está diretamente ligada a um processo de
desenvolvimento do próprio segmento populacional representado por eles. Assim, quanto maior o
nível cultural do grupo social mais se amplia o estrato dos intelectuais especializados. Segundo esse
autor, “[...] todo progresso para uma nova ‘amplitude’ e complexidade do estrato dos intelectuais está
ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva a níveis superiores de cultura e
amplia simultaneamente o seu círculo de influência [...]” (GRAMSCI, 2006a, pp. 104-5).
De acordo com esta formulação, um grupo social subalterno para alcançar sua autonomia
(própria visão de mundo e modo de vida) precisa criar também os seus próprios intelectuais
orgânicos, cuja função social é contribuir para desenvolver no interior desse uma “autoconsciência
crítica” por meio do envolvimento teórico e prático nos problemas que afetam o grupo social.
Contudo, o processo de criação dos intelectuais orgânicos pelo grupo social subalterno requer
investimentos (GRAMSCI, 2006b), pois precisa articular o conhecimento técnico do mundo
moderno com uma formação humanista, além da elaboração crítica da própria historicidade
(GRAMSCI, 2006a).
Para os negros, a criação de intelectuais orgânicos, no contexto da “situação colonial” da
diáspora africana, exige também um “retorno às raízes” (reencontro com a cultura e com o povo) que
inicia com a percepção de marginalizado no mundo branco (CABRAL, 1980). A formação de
intelectuais negros implica, segundo esta teoria, três movimentos: primeiro, a tentativa de
assimilação do mundo branco; segundo, a tomada de consciência de sua marginalização no mundo
branco e recordação de sua cultura; terceiro, o “retorno” à sua cultura e povo e o engajamento na luta
37
Sobre esta questão, Florestan Fernandes, no estudo A integração do negro na sociedade de classes (1964), descreveu
os problemas sociais do “meio negro” decorrentes desse impedimento (FERNANDES, 2008, pp. 161-268) e também faz
referência à “acefalização” das “massas negras” decorrente da manipulação pela elite dominante do mito da democracia
racial (FERNANDES, 2008, p. 321).
81
de emancipação (CABRAL, 1980; MUNANGA, 2009).38
. Para Cabral, é na identificação dos
intelectuais com a luta do povo que se processa uma “marcha forçada da sociedade no caminho do
progresso cultural” (CABRAL, 1980, p. 89).
Metodologia e procedimentos
Tomando a política afirmativa implementada para negros na UFPR como locus de estudo,
estabelecemos como principal método de coleta de informação a entrevista qualitativa/naturalista
(STAKE, 1983; POUPART, 2008). Segundo Poupart (2008), os entrevistados são vistos como
informantes-chaves, pois constituem-se “um meio eficaz” para obter informações “sobre as
estruturas e o funcionamento de um grupo, uma instituição [...]” (POUPART, 2008, p. 222).
Utilizamos também a análise documental e a observação direta para entender o funcionamento da
política de cotas no contexto acadêmico da Universidade.
O contato com os entrevistados se deu através da dinâmica “bola de neve”. Entrevistamos dez
(10) alunos cotistas raciais de vários cursos compreendendo os critérios de concorrência e de
prestígio social da seguinte forma: maior concorrência (Medicina, Direito, Psicologia, Engenharia
Civil e Nutrição) e menor concorrência (Ciências Sociais e Pedagogia) ingressantes nos anos 2005 e
2006, dos quais quatro identificaram-se como “negros”, dois como “preto/negro”, dois como
“pretos” e dois como “pardos”.
Resultados
A análise das informações coletadas ocorreu em dois eixos: um mais circunstancial e outro
mais histórico. Os informantes evidenciaram, com alguma variação, desvantagens em quatro
mediações consideradas importantes para a formação intelectual, basicamente: econômica; social;
cultural; e simbólica. Porém, tomando as trajetórias dos estudantes, foi possível perceber o impacto
positivo de uma distinção interna a partir do Programa Brasil Afro-atitude. Esse programa, que
funcionou em 2005 e 2006, foi tão importante que um jornal noticiou uma manchete nos seguintes
termos: “Afro-Atitude é ‘panela’ de cotistas para melhorar autoestima” (SILVA, 2008). De acordo
com os relatos, o Afro-atitude foi um momento de “convivência com os iguais”, “com professores”,
“contato com intelectuais negros”, “capacitação para o enfrentamento do racismo” entre outras
coisas.
Em outros termos, pode-se dizer que para os estudantes entrevistados, o Programa Afro-
atitude foi um espaço de sociabilidade que permitiu, ao mesmo tempo, a construção e a articulação
38
Esta teoria foi desenvolvida também por Frantz Fanon no livro Os condenados da terra (pp. 184-5). Sobre o problema
dos intelectuais negros no Brasil (ver MUNANGA, 1990).
82
de uma identidade acadêmica crítica e de uma identidade negra positiva. A partir de 2007, com o
término do programa, duas tendências se verificaram na trajetória dos estudantes: uma emancipatória
(alunos “filiados” a professores pesquisadores das relações raciais ou simpatizantes da causa negra) e
outra mais assimilacionista dos padrões acadêmicos tradicionais (alunos “não -filiados”).
Essa interpretação sugeriu-nos pensar a necessidade de uma práxis educativa que tenha como
perspectiva um processo de superação de dialética que resulte na formação intelectual de estudantes
negros. O processo de formação de intelectuais negros parece pressupor, em algum momento de suas
trajetórias, uma política que permita a construção de duas identidades: acadêmica crítica e negra
positiva.
Algumas considerações finais
Os pontos ressaltados acima e as evidências obtidas a partir do estudo sobre o programa de
política afirmativa da UFPR permitem colocar o seguinte questionamento: como o grupo social
negro poderá, efetivamente, enfrentar os seus problemas sociais? Aqui a criação de uma
intelectualidade negra comprometida com o desenvolvimento social e cultural das camadas mais
populares do grupo social negro parece apontar um caminho interessante. Sendo assim, quais os
desafios estão colocados atualmente para a criação dessa intelectualidade? Parece-me que a resposta
para esse questionamento está na implementação das próprias políticas afirmativas para negros nas
universidades brasileiras.
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84
Educação em saúde com abordagem transcultural: o padrão alimentar do idoso
indígena
Bolsista: Júlia de Cássia Miguel Vieira (M)
Orientadora: Márcia Carréra Campos Leal
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco – Programa de Pós- Graduação em
Enfermagem
Palavras-chave: Idoso, população indígena, enfermagem transcultural.
Email: [email protected]
Introdução
O envelhecimento populacional é considerado um fenômeno mundial. No Brasil, de acordo
com estimativas, o crescimento acentuado da população de idosos ocorrerá até o ano de 2025,
seguindo as características particulares de nosso desenvolvimento (BRASIL, 2001).
A partir de dados recentes coletados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística,), estima-se que a população com 60 anos e mais duplicará entre 2000 e 2020 (de 13,9
para 28,3 milhões), o mesmo ocorrendo entre 2020 e 2050 (de 28,3 para 60 milhões).
É necessário assinalar, porém, que os idosos se diferenciam entre si, por sua história de vida
ou seu nível de independência funcional, entre outros. Nesse sentido, suas necessidades de saúde
também variam, não apenas conforme o processo de envelhecimento, mas também da realidade
sócio-cultural em que vivem (MARUCCI, 2000).
As mesmas particularidades devem ser notadas quando nos referimos à alimentação. Isto é,
com o processo de envelhecimento, sendo normal e fisiológico, surgem alterações no organismo, que
podem modificar as necessidades nutricionais, agravando-se pelo surgimento de doenças,
interferências medicamentosas, problemas sociais e psicológicos (MARUCCI, 2000).
Este estudo, realizado no campo da Enfermagem, utilizará como embasamento a Teoria
Transcultural de Leininger. Segundo Oriá, Ximenes e Alves (2005), é importante que o enfermeiro
reconheça o significado do cuidado cultural, isto é, os métodos de cuidado peculiares da cada cultura,
bem como os fatores culturais, pois isso influencia no cuidado ao indivíduo.
Para Souza, Zagonel e Maftum (2007), a teoria transcultural valoriza a importância que os
fatores culturais exercem no ser humano, destacando que o idoso, se for cuidado de forma
incongruente seus padrões e crenças, poderá apresentar sinais de conflito cultural, frustração, estresse
e preocupações de ordem moral e ética.
Para se alcançar o cuidado cultural, o processo de educar em saúde se torna a ferramenta
fundamental para a implementação e adequação dos cuidados de enfermagem, sendo importante que
os profissionais, no âmbito da educação em saúde, valorizem o modo de viver individual e coletivo
85
das pessoas, respeitando seus pontos de vista e seu modo de viver e preservar a saúde, bem como os
aspectos simbólicos de seu convívio (ALVIM; MOREIRA, 2007).
Objetivos
Este projeto tem como objetivo geral analisar o padrão alimentar do idoso indígena internado
na Casa de Saúde do Índio (Casai) de Manaus.
Os objetivos específicos da pesquisa são:
identificar o perfil alimentar do idoso indígena participante do estudo;
caracterizar a amostra segundo variáveis associadas;
verificar a existência de associação entre perfil alimentar e as variáveis investigadas;
apresentar cartilha ilustrativa sobre hábitos alimentares dos idosos;
apresentar estratégias de educação em saúde nos moldes da Teoria Transcultural de Leininger.
Justificativa
Segundo Coimbra Jr. e Santos (2001), ainda se sabe muito pouco sobre o perfil nutricional do
indígena brasileiro. Isto reforça a necessidade de investigar o padrão alimentar e nutricional do idoso
indígena, bem como suas interferências na recuperação de sua saúde. Para tanto, a utilização de uma
abordagem transcultural poderá fornecer subsídios que auxiliem a enfermagem na prestação da
assistência e na adequação dos processos de educação em saúde para a referida população.
Partindo desse pressuposto, a Casai se apresenta como um cenário onde a enfermagem, além
de reconhecer as particularidades dos pacientes, ao mesmo tempo pode utilizar os conhecimentos
adquiridos na melhoria dos cuidados prestados em um ciclo constante de educar e cuidar.
De acordo com Turrini (2000), a equipe de enfermagem, através de suas ações práticas,
mantém uma importante aproximação com o paciente submetido a cuidados em instituições de
saúde. Portanto, este estudo, além de fornecer novos conhecimentos no âmbito da saúde e nutrição,
auxiliará o enfermeiro no reconhecimento das especificidades da população indígena, contribuindo
com o cuidado cultural para a melhoria da assistência e práticas de educação em saúde que garantam
a autonomia, independência e a melhoria da qualidade de vida do idoso indígena.
Referencial teórico
A partir dos anos 1970 realizaram-se vastos e minuciosos estudos sobre as condições de
alimentação e nutrição da população brasileira, porém não ocorreram estudos semelhantes para os
indígenas. Atualmente, o problema alimentar e nutricional é um assunto fundamental nas discussões
86
do setor indígena, com amplo aparecimento nos círculos da mídia (COIMBRA JR.; SANTOS,
2001).
Entretanto, apesar da falta de levantamentos mais abarcantes, ocorreu nos últimos anos um
acentuado aumento no número de investigações sobre as questões nutricionais dos povos indígenas
no país (COIMBRA JR.; SANTOS, 2001).
Em relação aos idosos indígenas, os dados são ainda mais escassos, já que a maioria dos
estudos tem retratado o perfil alimentar e nutricional de crianças, que apresentaram e ainda
apresentam agravantes considerados riscos para a saúde, principalmente quando comparados a
indicadores no âmbito nacional (HAMMERSCHMIDT; ZAGONEL; LENARDT, 2007).
No âmbito do cuidado gerontológico, é necessária a interação com o idoso, visando a
compreensão e conhecimento sobre a sua maneira de viver, inclusive de seus familiares e/ou
indivíduos envolvidos no processo. Este direcionamento para a prática gerontológica baseada na
multiplicidade dos princípios culturais, defendendo-os como as muitas dimensões da vivência do
idoso, incluindo o seu meio de convívio, viabiliza um melhor desenvolvimento do cuidar,
subsidiando de forma mais adequada o cuidado em enfermagem gerontológica (SOUZA;
ZAGONEL; MAFTUM, 2007).
Neste contexto, destaca-se a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural
(TDUCC) de Madeleine Leininger, que criou o termo “enfermagem transcultural”, considerada
diferente da antropologia médica e demais disciplinas, por estar enfocada em culturas diversas no
cuidado cultural (ORIÁ; XIMENES; ALVES, 2007).
Com base nestsa teoria, a enfermagem pode desempenhar suas atividades profissionais e
adaptá-las ao contexto em que vivem os idosos indígenas, auxiliando-os a expor seus anseios e
aflições, compartilhando os fatores que podem contribuir para as alterações negativas em seu padrão
alimentar e nutricional e, adotar estratégias que promovam o seu bem-estar.
Portanto, reconhecer as bases culturais do idoso indígena, em particular no aspecto alimentar,
torna-se importante para o enfermeiro desenvolver as práticas de educação em saúde voltadas à
realidade do paciente.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo do tipo transversal, com abordagem quantitativa. Os estudos
descritivos apresentam como objetivo a informação a respeito da distribuição de um evento na
população, em termos quantitativos (PEREIRA, 2008). Os estudos quantitativos são caracterizados
por um delineamento da realidade, ao mesmo tempo em que descreve, registra, analisa e interpreta
processos ou fenômenos da natureza (ROUQUAYROL E FILHO, 2003).
87
O estudo será realizado na Casai, localizada na cidade de Manaus, Estado do Amazonas. A
população de referência será composta de todos os idosos (60 anos e mais), de ambos os sexos,
internados durante a coleta de dados, correspondente ao período de 90 dias.
Os dados serão coletados através da análise dos prontuários e por meio de entrevistas
individuais. Será efetuado através de roteiro semi-estruturado, com questões abertas e fechadas e
organizadas por assunto a ser abordado.
Após a coleta, será organizado um banco de dados e realizada análise quantitativa das
informações, mediante processo sistematizado de base estatística, utilizando o programa Statistical
Package for Social Sciences (SPSS) versão 17.0.
Para análise e discussão dos resultados será utilizada como embasamento a Teoria do Cuidado
Cultural de Leininger, seguindo o modelo Sunrise (variáveis demográficas, fatores tecnológicos,
religiosos e filosóficos, de companheirismo e sociais, culturais e modos de vida, políticos e legais e
econômicos).
Aspectos éticos: riscos e benefícios
O projeto de pesquisa seguirá a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL,
1996) sobre aspectos éticos em pesquisa com seres humanos. Foi submetido à apreciação do Comitê
de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Já foi solicitada e concedida Carta de Anuência da Chefia da Casa de Saúde do
Índio (Casai) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Manaus. Aos participantes da pesquisa
será entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para solicitar sua anuência e explicar
a pesquisa, seus benefícios e riscos e a possibilidade de desistência conforme decisão do participante.
A coleta de dados iniciará somente após parecer/autorização do CEP/CCS/UFPE.
Resultados esperados
Com este projeto, espera-se conhecer o padrão alimentar e nutricional da referida população, a
compreensão sobre os fatores que podem alterar o padrão alimentar, apresentar uma nova fonte de
pesquisa no âmbito da nutrição pública indígena, elaborar e apresentar cartilha como auxílio ao
enfermeiro para implementação de políticas públicas indígenas e subsidiar práticas de educação em
saúde baseadas na enfermagem transcultural proposta por Leininger.
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O protagonismo do Movimento Negro Baiano pós-78 no campo da educação
Bolsista: Jurandir de Almeida Araújo (M)
Orientadora: Delcele Mascarenhas Queiroz
Instituição: Universidade do Estado da Bahia – Programa de Pós-Graduação em
Educação e Contemporaneidade
Palavras-chave: Movimento Negro, educação multicultural, práticas Eeducacionais
Email: [email protected]
Introdução
As diversas e diferentes organizações que compõem o Movimento Negro brasileiro, ao longo
das últimas décadas – mesmo com todas as dificuldades – têm conseguido dar visibilidade tanto às
suas demandas à sociedade brasileira quanto à sua atuação na elaboração de políticas afirmativas de
inclusão, reparação e respeito à diversidade em todas as áreas sociais, principalmente, na
educacional.
Segundo Silva (2002, p. 140), uma das maiores contribuições do Movimento Negro brasileiro
para o desenvolvimento social do povo negro é “sua luta constante pela conquista da educação”. A
autora pondera que essa luta deu-se “inicialmente como meio de integração à sociedade existente, e
depois denunciando a instituição educacional como reprodutora de uma educação eurocêntrica,
excludente e desarticuladora da identidade étnico-racial e da autoestima” do povo negro. Ainda
assinala que as entidades negras, através de seus militantes, têm sido responsáveis por inserir nas
escolas uma educação paralela e pluricultural.
O pensamento de Silva é corroborado por Lima (2004, p. 29), para quem “além da denúncia
do racismo e das desigualdades raciais perpetuadas historicamente nos sistemas de ensino, o
Movimento Negro tem elaborado propostas pedagógicas e de intervenção, em contraposição a um
cotidiano singular e etnocêntrico nos espaços educacionais”. Nesse sentido, como afirma Gomes
(2011, p. 134), “a ação do movimento negro brasileiro por meio das suas diversas entidades tem sido
marcada por uma perspectiva educacional aguçada, explicitada nas suas diversas ações, projetos e
propostas”.
No estado da Bahia, diferentes organizações negras, surgidas a partir da década de 1970, vêm
desenvolvendo atividades sociais, culturais e educacionais que visam a valorização do negro e da sua
cultura, a exemplo dos blocos afro Ilê Aiyê, Olodum, Muzenza, Araketo e Malê de Balê, entre
outros; das religiões de matrizes africanas; ONGs; e instituições públicas, caso do Centro de Estudos
Afro-Oriental – CEAO/UFBA, com atividades direcionadas à afirmação dos estudos afro-brasileiros
e de uma educação que contemple os interesses e necessidades desse grupo.
91
A indagação que conduz minha proposta de pesquisa é: quais os caminhos e estratégias
utilizados pelo Movimento Negro baiano pós-78 frente ao Estado e, em particular, ao sistema
escolar, no sentido da construção de uma educação multicultural na Bahia? Essa questão está
respaldada na suposição de que as diferentes organizações sociais que compõem o Movimento Negro
baiano foram o eixo norteador das políticas públicas afirmativas adotadas pelo governo e as
precursoras de projetos e ações que visam o fortalecimento da autoestima dos negros e da sua cultura
e a sua inclusão no sistema educacional.
Objetivos
Esta pesquisa, ainda em fase inicial, tem como objetivo analisar a atuação do Movimento
Negro baiano pós-78 no campo da educação, desde a inclusão da disciplina Introdução aos Estudos
Africanos nos currículos escolares do ensino fundamental e médio até a implantação de cotas nas
universidades públicas baianas, visando à construção de uma educação multicultural no estado.
Propõe-se realizar um levantamento, identificação e análise das propostas formuladas pelo
movimento, bem como os obstáculos encontrados no decorrer do processo.
Justificativa e abordagem teórico-conceitual
O fato de a Bahia ser o estado com o maior percentual de negros – e Salvador a cidade mais
negra do país – não impede que as nossas relações étnico-raciais sejam tensas e não torna nosso
ambiente educacional um espaço onde os diferentes grupos étnico-culturais sejam respeitados nas
suas singularidades. A esse respeito, Queiroz (1999, p. 202) afirma que:
A importância da população negra para o estado da Bahia não se refere apenas ao seu
peso demográfico, mas deve-se, sobretudo, à relevante contribuição dos africanos e seus
descendentes para a formação da sociedade brasileira, na preservação dos valores da
cultura africana e na luta política contra a discriminação e o preconceito. No entanto, as
condições de vida da população negra são descritas pelos mais baixos indicadores sociais.
Vale ainda lembrar que o Brasil é o país com a segunda maior população negra do mundo,
superado apenas pela Nigéria, e que a região Nordeste, onde se situa a Bahia, é a que registra a maior
proporção de negros em sua população no país. Para além desses fatores, a pertinência desta pesquisa
respalda-se, ainda, nas recomendações resultantes do “Seminário de Estudos: O Pensamento Negro
em Educação no Brasil – Expressões do Movimento Negro”, 39
, realizado no período de 5 a 9 de
junho de 1995, na cidade de São Carlos, em São Paulo, no qual foram apontados alguns pontos-
39
Ver SILVA, Petronilha Gonçalves; BARBOSA, Lucia Maria de A. (Orgs.). O pensamento negro em educação no
Brasil: expressões do movimento negro. São Carlos: UFSCar, 1997.
92
chave para se entender e debater o pensamento negro em educação (SILVA; BARBOSA, 1997).
Dentre esses pontos está a necessidade de se ampliar e intensificar as investigações junto à
comunidade negra brasileira.
As pesquisas nesta área ainda estão em fase embrionária, porém os resultados têm sido
significativos tanto no campo acadêmico quanto no social e político. Estudiosos, tais como: Cruz
(2008), Cardoso (2005), Domingues (2007), Gomes (2011), Gonçalves e Silva (2000), Lima (2004),
Santos (2007), Silva (2002), entre outros, têm evidenciado em seus estudos a importância dos
movimentos sociais, notadamente o Movimento Negro, na luta em prol de uma educação
multicultural no país e, também, na denúncia à condição marginal em que o negro se encontra na
sociedade brasileira, desde o período colonial. Desta forma, têm contribuído significativamente para
a discussão, assim como, para compreensão e busca de alternativas a tal situação.
Todavia, como observa Pereira (2008, p. 51), “é necessária uma ampla pesquisa que levante,
entre os remanescentes desta juventude militante da década de 70, as histórias e peculiaridades da
retomada ou do advento do Movimento Negro nas diversas regiões”. Complementando a expressão
de Pereira, Nascimento (2008, p. 174) afirma que “o registro histórico desse processo de ação e
crescimento do Movimento Negro, e de seu impacto sobre a sociedade brasileira, permanece como
tarefa urgente de pesquisa”. Ou seja, faz-se urgente estudos e pesquisas que tragam à baila e
coloquem em evidência a pluralidade de organizações e sujeitos que compõem o Movimento Negro
brasileiro.
Movimento este que não se restringe ao campo da reivindicação política, assim como, a grupos
ou entidades, pois, como afirma Santos (2009, p. 234), “os movimentos negros são constituídos por
organizações de diferentes tipos, escopos, colorações político-ideológicas, objetivos programáticos e
condições de ação junto ao Estado e à sociedade”. Ressalvando que as pesquisas nesta área devem ir
além de conhecer e constatar a relevância social e política deste movimento, deve contribuir para a
transformação social, para mudanças de posturas e concepções estereotipadas sobre o negro e seu
movimento, bem como, para criar espaços em que os grupos subjugados possam se expressar.
Para Silva (2010, p. 160):
Conceituar as entidades negras, que se articulam para constituir-se em movimento, que
definem objetivos e estratégias de ação, que logram ocupar territórios interditados, expandir
sua cultura e contar sua própria história, paralela à história oficial, pode constituir-se em uma
tarefa complexa.
Tarefa complexa é verdade, mas nada que um olhar e uma escuta sensível não consigam
identificar e trazer à luz da verdade, pois, como afirma Siqueira (2002, p. 82), “a situação de ser
negro, na sociedade brasileira, não é uma dor, não é uma paixão ideológica, mas uma realidade para
93
ser estudada e com um novo olhar que não seja circunscrito aos paradigmas das civilizações
ocidentais, que se consideram as únicas referências”.
Assim, acreditamos que esta pesquisa poderá contribuir para a ampliação do debate em torno
da democratização da educação, de modo amplo, e da população negra em particular.
Metodologia e procedimentos
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, e tem como procedimentos para a sua
realização: análise documental (projetos desenvolvidos, documentos oficiais, entre outras formas de
registros); levantamento bibliográfico (teses, dissertações, livros, artigos de periódicos e materiais
disponibilizados na internet); e entrevistas semiestruturadas (com militantes que atuam na área da
educação multicultural e aliados do movimento negro na construção e efetivação dessa educação).
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95
Índios Online: uma análise da relação entre o acesso às tecnologias de
comunicação, e a cidadania no Brasil Bolsista Lucineide Magalhães de Matos (M)
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Roxo da Silva
Instituição: Universidade Federal Fluminense/Programa de Pós-Graduação em
Comunicação.
Palavras-chave: Internet; cidadania; povos indígenas.
Email: [email protected]
Apresentação
O projeto de dissertação tem por objetivo avaliar políticas de fomento à comunicações
provenientes das iniciativas pública e privada, refletindo suas implicações sobre a cidadania indígena
no Brasil, e ponderando como as novas tecnologias potencializam práticas de representação para
minorias. Para tanto, avalia o caso da Rede Índios Online e os circuitos de patrocínios mobilizados
por estes para a manutenção do site www.indiosonline.net. Visamos problematizar até que ponto tais
políticas de fomento influenciam o processo de constituição da cidadania dos povos indígenas.
De forma mais específica, propõe-se interpretar que tipo de mediação a Organização Não
Governamental (ONG) Thydêwá exerce na articulação entre os grupos indígenas e instituições
públicas e privadas que contribuem para a manutenção do site, entre as quais, o Ministério da Cultura
e suas subparcerias (Ministério da Comunicação – Programa GESAC –, e Ministério do Trabalho e
Renda) e o Instituto OI Futuro. Nossa hipótese é de que tais políticas atuam como reguladoras da
cidadania indígena ao provocarem ajustamentos desses povos para o estabelecimento de parcerias.
Neste texto discutimos a relação entre comunicação e a representação política de minorias.
Daí tomarmos como objeto de estudo as parcerias estabelecidas entre a Rede Índios Online e
instituições públicas e privadas para a promoção da comunicação indígena através do site
www.indiosonline.net. Em consequência disso, procuramos examinar como essa relação afeta a
cidadania indígena pensando a partir da seguinte questão: até que ponto essas políticas de fomento
não ressuscitam o mito da dádiva, na qual determinados grupos sociais ofertam direitos a outros em
troca de sua subordinação política?
Partimos do pressuposto de que o espaço cibernético se tornou um lugar de articulação e
sociabilidade de minorias. Inseridos neste contexto, os povos indígenas passaram a utilizar a internet
para tonificar e articular suas demandas. Mas no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), o
acesso desses grupos à rede passou a ser mediado por ONGs, subsidiado pelo Estado e por empresas
privadas. Isso projeta uma discussão significativa sobre as políticas de comunicação envolvendo a
representação e a autonomia dos grupos indígenas na construção de suas demandas. Daí a
96
importância de entendermos melhor de que forma essa política de subsídios e fomentos interfere na
autonomia da comunicação do site e da Rede Índios Online, bem como os modelos de cidadania
embutidos nelas.
É preciso lembrar que o governo do PT ao mesmo tempo em que ampliou a oferta de
subsídios a grupos específicos, firmou sua identidade preconizando a autonomia dos agentes sociais
na elaboração de suas políticas de comunicação com o fim de ampliar a representação política deles.
Enfatizamos, assim, o aumento na oferta de subsídios através dos Pontos de Cultura, e a consequente
promoção da informatização de grupos culturais específicos (BARBALHO, 2007). Isto põe em voga
a questão da cidadania, da visibilidade de “minorias” (negros, homossexuais, mulheres, índios etc.) e
de sua autonomia. Nas políticas de fomento do governo petista ao cinema, por exemplo, tais
patrocínios geraram intenso debate sobre o caráter da intervenção do Estado na produção cultural,
mas em relação aos fomentos às minorias há um silêncio sobre a possibilidade de influência. Assim,
o projeto procura elevar essa discussão, e apreender de que forma a intermediação de uma ONG nas
políticas de subsídios e fomentos atravessam as políticas atuais de comunicação envolvendo uma
minoria específica, e intervêm, em maior ou menor grau, na autonomia dos seus modos de vida.
Destacamos desde já que considerar a cidadania de grupos específicos, a exemplo os povos
indígenas, é pensar em termos pertença e participação (KYMLICKA, 1998). Consideramos também
a cidadania um construto social (VALE, 2008) e status reivindicado por minorias historicamente
veladas e privadas de acesso a direitos já garantidos pelo Estado. Nesta direção, a problematização
das experiências de mídia como potencializadora da democracia e cidadania põe em relevo, também,
a questão dos patrocínios oferecidos por agências públicas e privadas (COLEMAN e BLUMLER,
2009) e a possibilidade da institucionalização das lutas sociais no Brasil (GOHN, 2000 e 2010) o que
sugere um aspecto regulatório embutido nestas políticas. O sentido regulador que destacamos se
refere à concessão de direitos sem a participação ativa do cidadão através do que Cortina (2005)
identifica como “cidadania legal”, ou seja uma espécie de doação de direitos (civis, políticos e
sociais) ao cidadão pelo estado-providência sem que se considere as especificidades de grupos
específicos. O que propomos é pensar como a concessão de patrocínios para o acesso às mídias
digitais contribui para a ampliação da cidadania indígena em termos de participação, articulação de
redes (MELUCCI, 1994 e 2001; SCHERER–WARREN, 2005; RECUERO, 2010) e reconhecimento
identitário.
Metodologia
Para desenvolver tal investigação baseamo-nos em: (a) definição da política institucional de
cada parceiro da Rede por meio da análise prévia de editais, e descrição de cada programa, projetos,
97
estatutos e acordos de parcerias. São consideradas fontes para este fim, os portais do Ministério da
Comunicação, do Ministério da Cultura, do Instituto OI Futuro, da ONG Thydêwá e da Rede Índios
Online, que disponibilizam editais (atuais e antigos), estatutos e acordos de parcerias em seus sites,
materiais esses já coletados, e em fase de análise; e (b) entrevistas semiestruturadas com um
representante de cada instituição, dos quais estamos aguardando disponibilidade para agendamento.
Neste contexto, entende-se a importância do respeito à opinião de cada agente, e considera esta parte
elementar para o entendimento do problema aqui apresentado. Considera ainda as diferenças
socioculturais que envolvem tal pesquisa e o contexto de disputa, e problemas socioculturais que
abrangem esta temática.
Resultados preliminares
Num primeiro olhar, a Rede Índios Online demonstra um esforço em consolidar um lugar de
fala, através do site, tendo como tática a apropriação de recursos públicos e privados para sua
concretização. Tais parcerias geram respaldo, e conduzem a mais financiamentos por meio do
acúmulo de capital adquirido neste processo. A partir disso, seria então o site um campo de debates,
e articulações de grupos vinculados à luta pela cidadania indígena e, ao mesmo tempo, espaço que
tenta se legitimar como agente de representação. No que se refere às políticas de fomento, é possível
apreender um tecido de hierarquias nesta relação, e que alude ao seguinte contíguo: Estado, rede
privada, ONG Thydêwá e Rede Índios Online, conjunção essa que conduz à observação de um
aspecto regulatório, ainda presente, em torno da cidadania indígena. Nota-se também a presença de
uma lógica da dádiva baseada em trocas e negociações. Por fim, destacamos o fortalecimento de
redes de articulação fomentadas pela aquisição e acesso de minorias às tecnologias de comunicação
que não se limitam apenas ao acesso, mas articulam suas demandas através de adoção de meios
diferenciados como as mídias digitais.
Referências bibliográficas
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VALE, T.C. S.C. Cidadania regulada: uma exploração crítica do conceito. 6º Encontro da ABCP.
Campinas: Unicamp, 2008.
99
Línguas indígenas no contexto da educação escolar indígena no Brasil Bolsista: Márcia Nascimento (M)
Orientador: Marcus Maia
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em
Linguística
Palavras-chave: Línguas indígenas, educação, kaingang
Email: [email protected]
Introdução
Esta pesquisa tem como objetivo principal descrever e analisar algumas partículas e processos
gramaticais da língua Kaingang, argumentando que essas estruturas compõemonham a categoria
semântica conhecida como mediativo ou evidencial. Os marcadores evidenciais codificam
gramaticalmente o conhecimento do falante sobre a fonte da informação veiculada. Nesse sentido,
constitui um fenômeno de interface entre a gramática e o discurso. De modo mais simplificado,
Aikhenvald (2003) considera a evidencialidade como uma categoria gramatical que se refere à fonte
da informação transmitida. Podemos ver nas traduções das sentenças a seguir, as diferentes noções
que as partículas exprimem na enunciação de um mesmo fato. Na sentença (1) a partícula ne indica
que o fato não foi testemunhado pelo falante, ao contraário nda sentença (2), onde a partícula mỹr
indica que o fato foi testemunhado pelo falante.
(1) Kanónh ne tỹ no mranh
Kanónh EVID ind.s flecha quebrar
‘(diz que) Kanónh quebrou a flecha’
(2) Kanónh tỹ no mranh mỹr.
Kanónh ind.s flecha quebrar EVID
‘kanónh quebrou a flecha (eu vi)’
Esta análise aborda a Eevidencialidade no Kaingang, mostrando que pode ser articulada em
termos de três valores fundamentais: a reportagem de fatos, a expressão da inferência e, a expressão
da atitude emocional em relação aos fatos enunciados. Esses fenômenos estão sendosão analisados
em narrativas de diversos tipos coletados coletadas junto ao grupo envolvido os Kaingang e
também em textos produzidos nas escolas em língua kaingang. Um esboço preliminar já realizado
conta com cinco tipos de marcadores, entre eles um marcador epistêmico.
O Kaingang é um povo de língua Jê (Tronco Macro-Jê), junto e com o Xokleng formam o
conjunto restrito das línguas e culturas Jê do Sul. A língua possui cinco dialetos. Atualmente a
100
população é de quase 30 mil pessoas. Estsa população habita 32 Terras Indígenas espalhadas pelos
estados da região sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e parte do estado de São
Paulo.
A presente pesquisa está sendoé realizada junto aos Kaingang da Terra Indígena Nonoai, no
norte do estado do Rio Grande do Sul.
Dentro de uma abordagem mais formal, propusemos-nos, também, a iniciar um trabalho de
análise do ponto de vista do Processamento da Linguagem (especialidade da Psicolinguística),
utilizando procedimentos experimentais para capturar os processos de compreensão na leitura e na
oralidade de estruturas contendo partículas evidenciais.
O objetivo central das teorias de processamento de frases é o de identificar os procedimentos
psicologicamente reais que colocamos em jogo uso ao produzir e compreender palavras e frases. A
metodologia adotada na pesquisa inclui procedimentos cronométricos aplicados através por meio de
tarefas experimentais desenvolvidas na plataforma Psyscope para computador Apple Macintosh
(leitura auto-monitorada, decisão lexical, julgamento imediato de compatibilidade/gramaticalidade,
priming).
Os instrumentos utilizados na pesquisa são os testes de leitura e audição automonitorada,
utilizados no Laboratório de Psicolinguística Experimental da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - LAPEX (UFRJ/CNPq). Já dispomos de um experimento realizado em fase de análise.
Além disso, pretendemos, também, estudar esses recursos de tradição oral quando trazidos
para a escrita da língua. Nosso objetivo é verificar se esses recursos estão sendo ou se podem ser
transferidos para a escrita na produção da diversidade textual que se tem praticado nas escolas
indígenas. Buscaremos identificar as funções dessas partículas avaliando seus possíveis efeitos sobre
os leitores.
Justificativa
Este trabalho visa contribuir para o desenvolvimento sólido de uma tradição escrita nas
sociedades indígenas, trazendo reflexões sobre as riquezas e especificidades das línguas, o que,
muitas vezes, o processo de escrita não consegue contemplar. Que importância deve-se dar ao uso
dos marcadores evidenciais na elaboração de um texto, num momento em que a memória oral tende
a perder espaço para o registro escrito da história do povo Kaingang, por exemplo? São questões
como essas que o nosso estudo pretende provocar junto aos professores.
Neste Nesse contexto de interesses, pensamos que este trabalho tem por finalidade não apenas
desenvolver o conhecimento científico sobre aspectos gramaticais da língua kaingang, mas, também,
levar em conta os interesses da etnia em relação a sua língua. Particularmente, gostaria de salientar
101
aqui o meu compromisso, como indígena e falante nativa desta língua, no papel primordial que
temos de salvaguardar a nossa língua através de sua transmissão entre as gerações.
Todos os procedimentos metodológicos serão explicitados para os participantes e realizados
com seu pleno conhecimento. Os resultados serão divulgados e tornados públicos, podendo vir a
subsidiar a elaboração de materiais pedagógicos que valorizem a língua e seu ensino, com vistas a
sua preservação e revitalização. Issto se conecta com a perspectiva de que uma educação escolar
indígena de qualidade sempre foi pauta da reivindicação dos povos indígenas, já que a escola, até
então, é vista como o principal instrumento de revitalização cultural e linguística delesos indígenas.
Diversidade linguística e a Eeducação Eescolar Iindígena
Tem-se percebido que a preservação da diversidade linguística vem ganhando, atualmente,
uma importância indiscutível. A ameaça à diversidade linguística é comparada, por muitos
especialistas, à perda da diversidade biológica em termos de relevância. Sem dúvida, a extinção de
qualquer língua reduz nosso mundo em medida equivalente ao que acontece com a extinção de
qualquer espécie animal (KRAUSS, 1992).
Nota-se um consenso entre os linguiístas de que hoje cerca de 6 mil línguas naturais estão
sendosão faladas em todo o mundo. Em estudos publicados pela UNESCO (2001), estima-se que
quase a metade dessas 6 mil línguas estaria condenada a desaparecer num futuro bem próximo. Pelas
estimativas, a cada semana uma língua é extinta no mundo.
No Brasil vivem hoje cerca de 216 povos indígenas falantes de 180 línguas diferentes
(RODRIGUES, 1993). Com esses dados, o Brasil está entre os dez países com maior diversidade
linguística e cultural do mundo.
No entanto, as perspectivas futuras para estas 180 línguas não são nada otimistas. Segundo
Franchetto (2004), pelo baixo número de falantes, todas elas são consideradas línguas minoritárias,
em perigo de extinção. Apesar de não ser um problema recente, podemos dizer que não se tem
conhecimento de nenhum tipo de trabalho concreto no sentido de uma Ppolítica, ou mesmo
programas para revitalizar essas línguas, tidas como seriamente comprometidas.
Quando se fala em revitalização linguística e cultural, logo nos remetemos à idéeia de
educação escolar, ou escola. As políticas linguísticas e culturais ainda não conseguiram sair do
contexto escolar. São raras e isoladas as iniciativas das próprias comunidades e organizações
indígenas que têm tentado ampliar essas políticas para além do contexto escolar. Como podemos
perceber nas afirmações de Monserrat (2006):
102
O que há de comum em todo o discurso oficial no plano federal e também, em grande medida,
no discurso das entidades e organizações indígenas e não indígenas, é que a discussão sobre as
línguas indígenas fica circunscrita nao âmbito da educação escolar. (MONSERRAT, 2006, p.:
136).
Mas este esse não é o grande problema, pois no modelo de educação escolar que temos
construído e garantido através de longos processos de reivindicação, as nossas línguas estariam bem
amparadas. O problema é que esta essa educação escolar indígena tão conhecida e falada ainda
continua no papel. Voltando a citar Monserrat, “o Estado brasileiro não tem realmente um apolítica
lingüuística específica para as sociedades indígenas. Ele tem, sim, no nível do discurso, uma política
de educação escolar indígena, qualificada como “‘bilíngue, intercultural, específica e diferenciada’”
(...)” (MONSERRAT, 2006, p.: 137).
A falta de comprometimento do Estado com a Eeducação Eescolar Iindígena e, da mesma
forma, com a diversidade linguística, tem se revelado também nas avaliações do ensino, chamado de
censo escolar, realizado pelo MEC (Ministério da Educação) e pelas secretarias estaduais de
educação. A educação escolar indígena tem apresentado um nível de qualidade muito baixo.
É claro que não podemos esquecer das importantes exceções, quando se consegue realizar
experiências e obter grandes resultados. São essas experiências que me fazem acreditar que, quando
estsa Eeducação Eescolar da teoria estiver realmente acontecendo nas escolas de nossas
comunidades, já teremos dado um passo importante a favor das línguas indígenas.
Diante dessa carência em que se vê a educação escolar, e também a necessidade de
profissionais que possam estar orientemando as comunidades junto aos profissionais indígenas em
relação à revitalização e fortalecimento linguístico e cultural, talvez um ponto importante a se pensar
seja essa relação de pesquisador e comunidade pesquisada. Isto é, pode-se mudar essa relação no
sentido deo deixar de prevalecer apenas os interesses científicos, e propugnar que sejam levados em
conta, também, os interesses do grupo de uma forma mais real no que se refere à preservação de sua
língua e cultura.
Em relação ao andamento da pesquisa, temos, até o momento, uma descrição preliminar da
categoria de evidencialidade no Kaingang. Contamos também de um corpus constituído do relato de
narrativas (audiovisuais). E estamos realizando experimentos para capturar os processos de
compreensão na leitura e na oralidade de estruturas contendo partículas evidenciais.
103
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espaço e o futuro das línguas indígenas. In: VEIGA, Juracilda; SALANOVA, Andrés. (orgs.).
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Funai/Dedoc e ALB, 2001.
RODRIGUES, A. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. Delta 9, p.83-103, 1993.
WURM, S. A. (ed.) (2001). Atlas of the World’s Languages in Danger of Disappearing. 2.ed. Paris:
Edições UNESCO, 2001.
104
Territorialidade quilombola no estado do Pará.
Ex-bolsista: Maria Albenize Farias Malcher (M)
Orientador: João Santos Nahum
Instituição: Universidade Federal do Pará –- Programa de Pós-Graduação em
Geografia
Palavras-chave: Território, identidade, quilombo.
Email: [email protected]
Apresentação
A identidade territorial quilombola está relacionada diretamente à configuração territorial e se
apresenta, nesse momento, como parte essencial na elaboração de uma dimensão política estratégica,
com interferência direta na construção dos remanescentes de quilombos como sujeitos políticos. A
luta pela permanência na terra se constitui no campo político e organizacional, por meio do qual a
comunidade quilombola elabora suas estratégias de afirmação de uma identidade política
(O’DWYER, 2002).
Nos municípios do estado do Pará, é crescente o número de comunidades autodeclaradas
quilombolas, com altas significativas, sobretudo, nos anos de 2005, 2006 e 2009. Mapeamento feito
por Anjos (2009) quantificou 414 comunidades quilombolas no estado, sendo 103 reconhecidas, 95
tituladas e 216 identificadas, inseridas no âmbito do Programa Brasil Quilombola-PQB (2005), que
envolve ministérios, secretaárias e órgãos governamentais responsáveis diretos por ações de saúde,
educação, desenvolvimento sustentável, geração de trabalho e renda, cultura, esporte e lazer e
habitação, além de titulação e diagnóstico sóocio-econômico dos territórios quilombolas.
A terra para os quilombolas é recurso social, meio de sobrevivência e de reprodução da vida.
O território é também a multiplicidade de condição simbólica e material que ao longo do tempo tem
assegurado o sentimento de pertencimento a um lugar e a um grupo, mas o processo de
reconhecimento, demarcação e titulação de suas terras tem apresentado inúmeras implicações e
revelado contradições inerentes ao desenvolvimento econômico e territorial do país.
Objetivos
Nosso objetivo principal visou compreender os elementos da territorialidade quilombola no
estado do Pará, em particular das comunidades de São Judas e do Cravo, tomando como ponto de
partida a luta pela permanência na terra (regularização na categoria coletiva), as práticas sóocio-
espaciais e seus modos de vida. Levamos em conta o processo de autoidentificação, certificação e
titulação dos territórios quilombolas no nordeste paraense, bem como a emergência da mobilização
das comunidades quilombolas a partir da leitura dos artigos 68, 215 e 216 da Constituição Federal de
105
1988 e as discussões em torno da aplicabilidade do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias-ADCT.
Justificativa
Os territórios das comunidades negras rurais têm origem nos quilombos ou mocambos
formados, sobretudo, pelos escravizados que se rebelavam contra a (ou se livravam da) escravidão,
seja na forma de fugas, compra de terras pelos próprios escravizados, doação de terra por terceiros,
ou mesmo de terras conquistadas pelos negros na prestação de serviço de guerra, lutando contra
insurreições ao lado de tropas oficiais do governo brasileiro. Entendemos território quilombola como
sendo uma associação entre os povos remanescentes de quilombos, mediados por um modo de vida e
as relações de pertencimento à terra. Nesse sentido, a terra não é concebida tão somente para
produzir, força produtiva e meio de produção.
As atividades na terra têm o propósito de culto, cultivo e cultura, tal como nos lembra
Alfredo Bosi no seu Dialética da Ccolonização (1992). O cultivo da terra não está dissociado de um
culto à terra, ambos pertencentes à cultura e modo de vida do lugar. Portanto, não há um
estranhamento, uma relação de dominação do homem sobre a terra, vigorando, ao contrário, uma
relação de completude; ao cultivar a terra, o ser negro cultiva a si mesmo, o que dá sentido à máxima
de Eliseé Reclus (1985), quando nos lembra que o ser humano é a natureza tomando consciência de
si.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, fomos conduzidos a pensar essa dinâmica
territorial, que se apresenta de forma complexa, sobre o uso do território. A emergência da identidade
quilombola faz vir à tona elementos que marcam o sentido de pertencimento à terra-território.
Acreditamos que este sentimento desencadeia o processo de construção da territorialidade
quilombola que, de certa forma, se fundamenta nas lutas pela permanência na terra, no trabalho de
roça, nas relações de parentesco e vizinhança e na religiosidade. Entendemos que esta pesquisa é
uma importante contribuição à análise do modo de vida dessas comunidades.
Referencial teórico ou conceitual
No campo de estudos da identidade territorial podemos compreender novos processos de
construção da identidade. No caso da identidade quilombola, essa construção dá-se através dopelo
sentimento de pertencimento ao território em que vivem. A identidade quilombola esta está pautada
na formação do território, que expressa as relações que o grupo estabelece com a área que ocupa, usa
e controla, identificando-se com uma porção específica de seu ambiente biofísico. Dessa forma,
território, segundo Little (2002, p. 3), é “um produto histórico de processos sociais e políticos”. A
106
construção da territorialidade quilombola é o fator fundante de uma identidade coletiva,
constituindo-se mudança paradigmática, pois a luta pelo direito ao território parte da necessidade de
legitimar a comunidade com base em seus próprios parâmetros de sociabilidade, segundo as normas
de produção e reprodução do grupo.
A estreita relação do grupo com a terra representa uma relação social bastante complexa,
estruturada na concepção de terra como território, na qual a identificação com a terra confunde-se
com a luta pela permanência nela. A identidade étnica dos remanescentes de quilombos, segundo
Acevedo e Castro (1998, p. 161), é recriada pela memória das lutas de seus antepassados, “marca de
uma conjuntura histórica e forma primeira do seu processo de construção social e de diferenciação
face aperante os outros, que estruturou de forma complexa, as resistências à dominação no presente
século”.
Na luta pelo reconhecimento, adotam-se estratégias de legitimação através da
autoidentificação como quilombola. Segue critérios de autoatribuição, com trajetória própria,
relações territoriais específicas e presunção de ancestralidade negra relacionada à resistência à
histórica opressão sofrida. Tal entendimento é fruto de uma ampla discussão técnica, construída com
base em conhecimentos científico, antropológico e sociológico, assegurado pelo Decreto nº. 4.887/03
em seu art. 2º. Configura-se reinvenção de elementos étnico-culturais que conduzem a vida e dão
sentido de pertencimento ao lugar. Dessa forma, a terra, na condição de território étnico, tem
assegurado, ao longo do tempo, o sentimento de pertença e de identidade a um lugar e a um grupo.
Nesse contexto, as comunidades quilombolas passam a se organizar politicamente em forma
de associações, buscando ressignificar uma ancestralidade por meio da afirmação de uma identidade
territorial. Tais “identidades”, embora de caráter simbólico, são do domínio da luta política para
afirmar a diferença do grupo e garantir a continuidade de seus modos de vida.
Metodologia e procedimentos
Interpretamos geograficamente a realidade dos quilombolas na sociedade paraense, tendo
como ponto de partida a luta pelo reconhecimento de seus territórios. O desenvolvimento de uma
relação de confiança entre pesquisadora e a localidade geográfica pesquisada, sobretudo com seus
moradores, demandou um longo período, estabelecida a partir de contatos anteriores. Isso fez-se
necessário uma vez que a coleta de dados por meio de observações e anotações e de entrevistas
abertas e semi-estruturadas tiveram como foco compreender as formas de viver e reproduzir a
existência do grupo.
107
Pontos relevantes para discussão
A territorialidade das comunidades quilombolas no estado do Pará está embasada na noção de
reinvenção do ser quilombola, que, por sua vez, apresenta-se para além da área e das formas
espaciais, com seus conflitos, dissociações e singularidades. Imprime-se nestes territórios uma nova
temporalidade, marcada por transformações e permanências sociais, políticas e territoriais, revelando
realidades distintas e, ao mesmo tempo, semelhantes, presentes nas duas comunidades aqui
analisadas. O modo de vida dessas comunidades, caracterizado por processos de resistência e
diferenciação e forjado na identidade territorial quilombola, é dotado de uma dinâmica que nos
impulsiona a enveredar neste campo de pesquisa. A relevância de adentrar este universo está
justamente no fato de ainda existirem poucos estudos relacionados à temática.
Referências bibliográficas
ACEVEDO, R.; e CASTRO, E. Negros do trombeta guardiões de matas e rios. Belém: Ed. Cejup,
1998.
RECLUS. E. O homem e a Natureza adquirindo consciência de si própria. In: Élisée Reclus.
ANDRADE, M. C. (org.), São Paulo: Editora Ática, 1985.
ANJOS, R. S. A. Quilombos – geografia africana – cartografia étnica – territórios tradicionais.
Brasília: Mapas Editora & Consultoria, 2009.
BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1992.
BRASIL. Programa Brasil Quilombola. Brasília: SEPPIR, 2005.
BRASIL._____. Decreto Presidencial 4.887/2003, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da
União, Edição Númeron. 227, de 21/11/2003.
_____. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1992.
LITTLE, P. E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil. Por uma antropologia da
territorialidade. Antropologia, 2002. Disponível em: <http://www.unb.br/ics/Serie322empdf.pdf>.
Acesso em: 04/06/ jun. 2008.
O’DWYER, E. C. (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Brasília:
ABA/PALMARES, 2002. Disponível em: <http:// www.palmares.gov.br/>. Acesso em: 04/06/jun.
2008.
RECLUS, E. O homem é a natureza adquirindo consciência de si próprio. In: ANDRADE, M. C.
(org.). Élisée Rreclus. São Paulo: Ática, 1985.
108
Educação e relações étnico-raciais: um olhar sobre a educação de jovens e
adultos no Bairro da Rua Nova
Bolsista: Maria Priscila dos Santos de Jesus (M).
Orientadora: Delcele Mascarenhas Queiroz
Instituição: Universidade do Estado da Bahia – Programa de Pós-Graduação em
Educação e Contemporaneidade.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais, EJA, afoxé Pomba de Malê
Email: [email protected]
ÓKU ABÒ40
Rua Nova
Introdução
Rua Nova é reconhecido como um dos bairros de maior população negra da cidade de Feira de
Santana, no estado da Bahia. A presença e expressão afrodescendente é visível no bairro: além da
composição étnica dos habitantes, a existência de inúmeros terreiros de candomblé, a quantidade
significativa de blocos afros, afoxés e escolas de samba dão à localidade uma posição de destaque na
cidade. A própria mídia feirense já retratou diversas vezes o Bairro da Rua Nova como sendo o
grande foco de resistência da cultura negra em Feira de Santana.
O afoxé Pomba de Malê é um bloco afro cultural que existe há 27 anos e que ao longo deste
desse período, mesmo enfrentando dificuldades de várias espécies, tem conseguido resistir. Sua
proposta política, seguindo a trajetória de muitos blocos afros, é de valorizar a cultura negra
enquanto como elemento formador de identidade. Sua especificidade está na atenção voltada para a
realidade racial do bairro da Rua Nova.
O Pomba, como é popularmente conhecido, sempre promoveu no bairro eventos que
buscassem resgatar e valorizar essas heranças ancestrais. A “menina dos olhos” do afoxé é o Projeto
Atiba41
– em língua Iorubá significa conhecimento –, que trabalha com educação não- formal de
jovens e adultos, buscando incentivar a conclusão do ensino fundamental e médio por aqueles/as que
não tiveram oportunidade de concluir os estudos no tempo regular. O Projeto também se propõe a
trazer para os alunos reflexões sobre cidadania, diversidade cultural e identidade negra. Iniciativas
como essa são de extrema importância no processo de visibilização social e revelam o grau de
organização e intervenção dessas organizações em suas comunidades.
40
Termo de origem linguística Bantu que significa “Sejam bem-vindos”. 41
Projeto que trabalha com a preparação de Jovens e Adultos para conclusão do ensino fundamental e médio, objeto de
estudo desta autora no ano de 2008 como conclusão do curso de graduação.
109
Objetivos
A pesquisa tem por propósito investigar possíveis interferências do afoxé Pomba de Malê nas
experiências escolares referentes à educação de jovens e adultos no bairro da Rua Nova e identificar,
dentro da práxis pedagógica desenvolvida na escola, elementos que contextualizem a realidade
cultural apresentada pelo bairro. Pretende-se comparar as experiências desenvolvidas no âmbito do
Projeto Atiba e da Escola Ernestina Carneiro.
Justificativa
Trabalhar a temática racial, relacionada à educação, em uma sociedade que se nega a discutir
o racismo como um problema social e, muitas vezes, utiliza-se do discurso da “democracia racial”
para escamotear práticas discriminatórias que acentuam desigualdades, constitui verdadeiro desafio a
ser enfrentado. A esse respeito, Silva (2004, p. 41) já chamara a atenção.
[...] Elimina-se o problema não o encarando de frente. Essa política de avestruz foi e
continua sendo eficaz no sentido de manter a maioria negra onde está, sempre esteve: à
margem da cidadania. [...].
Diante dessa realidade, torna-se crucial que sujeitos e organizações sociais que buscam
colaborar para o resgate e reconstrução da história da população negra, mereçam ter seu trabalho
levado ao conhecimento público, de forma que este possa servir como referência a novas práticas
educativas.
Nos últimos anos, o Afoxé Pomba de Malê vem despertando o interesse investigativo de
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, como a História, a Comunicação Social e, em
especial, a Educação. O fator preponderante nessa demanda é a ambiência afro-brasileira presente no
bairro.
Imbuída de interesse acadêmico, mas movida também por laços sentimentais, – já que desde a
infância tenho uma aproximação com o bairro e com o próprio Aafoxé –, no ano de 2007 dediquei-
me ao estudo da constituição e importância dessa organização afro. Na investigação procurei levantar
quais as possíveis contribuições do afoxé no processo de construção afirmativa da identidade negra
de alunos e professores do Projeto Atiba.
Entretanto, dos trabalhos desenvolvidos até aqui sobre o afoxé ou sobre o próprio bairro,
nenhum buscou mensurar o impacto ou rastrear a influência da ação pedagógica do afoxé Pomba de
Malê nos currículos de educação formal das escolas regulares do bairro. Tal inquietação nasceu em
mim a partir da conclusão de minha pesquisa de graduação, quando identifiquei, nas falas dos alunos
do Projeto Atiba (jovens e adultos negros e negras), o quanto o afoxé Pomba de Malê contribuíra
110
positivamente em suas experiências como homens e mulheres negros/as e nas suas relações com a
própria comunidade.
Entendendo que existe, na contemporaneidade, um intenso debate sobre a escola, bem como
expectativas de que práticas pedagógicas estejam organizadas de forma a contemplar o contexto
territorial onde se inserem. Por isso, indagamos: o que se pode observar, nestse sentido, na educação
de jovens e adultos em escolas localizadas no Bairro da Rua Nova, notoriamente conhecido como
terreno de atuação política e identitária do afoxé Pomba de Malê? Há evidências de possíveis
influências do afoxé Pomba de Malê na práxis desenvolvida nessas escolas, particularmente na
escola Ernestina Carneiro? As práticas pedagógicas que organizam a Eeducação de Jjovens e
Aadultos dão conta de contemplar o contexto territorial onde se inserem?
Essas e outras questões vêm servindo de guia para o percurso da minha pesquisa.
Referencial teórico
Quando nos debruçamos a pesquisar sobre as relações étnico-raciais na educação,
encontramos uma série de autores e concepções com formulações variadas sobre o tema. As/os
principais autoras/es que têm nos amparado teoricamente nesste processo de elaboração do projeto
de pesquisa, são reconhecidos publicamente por seu gabarito para ao tratar questões como
Identidade, Raça, Racismo, Etnia, Desigualdades, Educação formal e não-formal, EJA e Relações
Étnico-raciais. Dialogamos com Kabengele Munanga, Nilma Lino Gomes, Carlos Moore, Eliane
Cavalleiro, Antonio Sergio Guimarães, Delcele Queiroz, Ana Célia Silva, Maria da Glória Gohn,
Paulo Freire, entre outros.
Ao revisitarmos a história da fundação dos afoxés e blocos afros na Bahia, nos depararemos
com iniciativas que tinham como principal foco a valorização cultural num viés artístico, a exemplo
dos blocos de índios (apaches, comanches, entre outros). Com o surgimento do bloco Afro Ilê Aiyê,
em 1974, um novo marco é estabelecido no carnaval de Salvador, com o foco passando a ser a
denúncia contra o racismo, sob influência do movimento Black Power, dos Estados Unidos, e por um
sentido de busca da valorização da cultura africana e afro-brasileira
Propondo uma nova postura para o carnaval da Bahia cuja característica principal era a
exaltação do jeito negro de ser, sedimenta um trabalho político-cultural cujas ações se
caracterizam como luta contra o racismo e a discriminação, conjugando vontades, interesses,
apropriação de espaços, postura de resistência, consciência e valorização do ser negro.
(GUIMARÃES, 2001, p. 35).
Ao longo dos anos, o Ilê Aiyê gradualmente se assumiu não só como bloco carnavalesco,
mas, principalmente, como movimento político e educativo. Fundaram um espaço cultural chamado
de Senzala do Barro Preto, localizado no bairro da Liberdade/Curuzu, em Salvador, no qual
111
oferecem cursos profissionalizantes em diversas áreas, além da escola de ensino regular Mãe Hilda
Jitolú, batizada em homenagem à sua fundadora e matriarca do Ilê Aiyê.
A história do Ilê Aiyê é referência para o surgimento de outros blocos afros e afoxés, que,
assim como ele, passam a atentar para questões políticas e educativas em suas expressões, caso do
afoxé Pomba de Malê em Feira de Santana.
Metodologia e Pprocedimentos
O presente trabalho é um estudo de caso. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com bases
metodológicas de inspiração etnográficas. “[...] A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra,
através do trabalho intensivo de campo” (LÜDKE; MARLI, 1986, p. 21). Os procedimentos
adotados para coleta dos dados serão a observação, escuta, grupos focais, entrevistas semi-
estruturadas e análise documental.
A pesquisa será desenvolvida na cidade de Feira de Santana (Bahia) em dois espaços
educativos distintos: uma escola pública estadual de ensino regular (Colégio Ernestina Carneiro) e o
Projeto Atiba, localizadas localizados no bairro da Rua Nova, na “periferia” da referida cidade.
Pretende-se trabalhar com dois grupos de 8 oito pessoas cada, sendo um composto por alunos do
Projeto Atiba e o outro por alunos da escola pública. A escolha desses sujeitos será permeada por
critérios como gênero, raça e orientação religiosa. Para as entrevistas semiestruturadas
selecionaremos apenas professores/as e coordenadores/as das duas instituições.
Referências bibliográficas
GUIMARÃES, E. L. A ação educativa do Ilê Aiyê: reafirmação de compromissos, restabelecimento
de princípios. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal da Bahia – FACED. Salvador, 2001.
GOMES, N. L. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In:
MUNANGA, K. (org.). Superando o racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
LUDKE, M.; e ANDRÈ, M. Pesquisa em Eeducação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU,
1986.
SILVA, A. C. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: EDUFBA, 2004.
112
Os índios Terena e a agroindústria no Mato Grosso do Sul: a relação capital-
trabalho e a questão indígena atual
Ex-bolsista: Mario Ney Rodrigues Salvador
Orientador: Andrey Cordeiro Ferreira
Instituição: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Programa de Pós-
Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Palavras chave: Agroindústria canavieira, relações de trabalho, índios Terena
Email: [email protected]
Introdução
Minha dissertação versa sobre o avanço da lavoura da cana e a mão de obra indígena no
estado de Mato Grosso do Sul. Seu enfoque principal é o estudo das relações de trabalho assalariadas
entre índios e agroindústria e as implicações dessa relação no interior das Reservas Indígenas Terena
do município de Miranda, no estado do Mato Grosso do Sul (MS).
Mesmo com o histórico visivelmente sólido de dominação do capitalismo sobre populações
nativas, partimos do ponto de que não se tratava de uma simples relação de trabalho (como se
construiu com os camponeses, por exemplo), mas de uma relação interétnica de trabalho.
Compreendemos que as relações interétnicas de trabalho pressupõem que condições específicas nas
relações de trabalho afetam o grupo pelo fato de se ter uma determinada identidade étnica. O que
tentamos mostrar é que a etnicidade (a condição étnica ou o pertencimento a um grupo étnico) é um
elemento específico que afeta diretamente o trabalho feito pelos índios e, consequentemente, a
inserção deles nas relações de trabalho. Isso fez toda diferença na hora de visualizar o contexto das
Reservas Indígenas Terena atuais.
Portanto, as relações de trabalho na agroindústria careciam ser problematizadas de maneira
que não nos ficasse a imagem “naturalizada” do desenvolvimento capitalista que altera, modifica e
absorve formas particulares de vida, mas que está revestido pelo componente étnico que
complexifica toda essa relação.
Justificativa
A análise que propomos a partir das relações de trabalho (questão econômica) busca evitar,
por um lado, o romantismo preservacionista e, por outro, o pessimismo da aculturação/assimilação
frequentemente presente em narrativas antropológicas, seja no discurso social ou nas agências
indigenistas. A análise apoiada nesse tipo de discurso coloca em risco o tratamento adequado das
questões indígenas que afloraram nos últimos anos e, além disso, pode gerar uma visão pessimista
113
que vê qualquer tipo de abertura econômica externa como um elemento de desagregação e de relação
destrutiva.
Nosso trabalho se justifica por se referir à questão indígena, especialmente sobre as Reservas
Terena, a partir de um aspecto específico (das relações de trabalho), sob uma ótica específica (a ótica
Terena), para problematizar e buscar compreender uma questão social atual. Mais do que enfatizar a
importância de “ser indígena” para um olhar diferenciado, é ressaltar que o fato de eu “ser indígena”
permite colocar a devida importância aos problemas da sociedade Terena. O “olhar interno” está
marcado e é diferenciado neste aspecto, e não do ponto de vista da interpretação. Isto é, na
interpretação um pesquisador externo pode interpretar tão bem, ou melhor, quanto alguém de dentro.
O elemento-chave é o tipo de abordagem que se faz da questão social.
O fato de entrarmos no debate científico das questões indígenas permitiu dizer, ainda, que
atravessamos um novo momento na história, pois alguns elementos retornam para discussão, como é
o caso do regime tutelar e a ideia de incapacidade indígena que ainda persiste no discurso social.
Nesse sentido, não somente nos afastamos dessas ideias, como nos aproximamos de outra construção
teórica mais recente, que menciona a ascendência de um protagonismo étnico do povo Terena
(FERREIRA, 2007). Tal protagonismo vem ocorrendo não somente na busca da participação na
gestão institucional, mas também na participação reflexiva acerca de nós mesmos.
Metodologia
Antes de ir a campo, fizemos um levantamento dos principais estudos já realizados sobre os
Terena e sobre a agroindústria.42
A etnografia foi um mecanismo essencial no campo. Se, por um
lado, Malinowiski defende a ideia do maior tempo possível de contato com o grupo étnico
pesquisado para uma construção analítica fiel, por outro, por pertencer e conviver com o grupo
Terena, nem nos cabe discutir a ideia de uma etnografia não baseada no tempo de convivência com
os indígenas, mas no tipo de relevância dado aos problemas sociais (KUPER, 1978). O
conhecimento científico foi agregado, justamente, na construção dos diálogos, quando foi necessário
conduzi-los de maneira que as informações de nosso interesse fossem alcançadas, e não
simplesmente fazer deles um encontro informal.
Empenhamo-nos em acrescentar alguns elementos dos debates construídos, tanto no campo
científico quanto do senso comum, acerca do nosso objeto: teses e livros sobre a agroindústria, sobre
42
Vale destacar a obra de Cardoso de Oliveira (1968) que contribuiu para termos uma noção das relações e do modo de
vida dos Terena em meados do século XX; a obra de Carvalho (1979) contribuiu para debatermos as relações econômicas
do grupo; e o trabalho sistemático de Ferreira (2007) que proporcionou uma visualização mais completa e atual dos
Terena em suas interações com seu contexto externo. Sobre a agroindústria destacamos Neves (1981), Andrade (1994) e
Lopes (1976).
114
a cana-de-açúcar, sobre as populações indígenas e sobre as relações de trabalho. Em relação às fontes
primárias, consultamos especialmente: o Ministério Público do Trabalho (MPT), que se dedica à
regulação das relações de trabalho, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela
assistência aos índios; e os dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que acompanha os
índios na área da saúde. Isso foi fundamental para observar como o Estado se relaciona com a
sociedade indígena e de que forma essa rede interfere no seu cotidiano.
Além disso, buscamos dialogar com três grupos de trabalhadores em especial: 1) os indígenas
mais idosos – que chamaremos de “memórias vivas” –, principalmente com aqueles que exerceram
algum tipo de trabalho assalariado fora das Reservas, em especial nas primeiras usinas do Mato
Grosso do Sul; 2) aqueles que vivenciaram os períodos antes e após o reconhecimento dos direitos
sociais do trabalho, ou seja, antes e depois de 1999, ano em que passou a vigorar o “Pacto
Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena”; 3) e os trabalhadores que
ingressaram na usina no período em que os direitos sociais já eram reconhecidos, ou seja, após 1999.
Referencial teórico
Em termos teóricos, o conjunto do trabalho trouxe como principais discussões: o conceito de
campo e a etnicidade nas relações capitalistas. Referimo-nos ao campo como local onde acontecem
as relações sociais, sendo as relações de trabalho dos Terena um tipo de relação social nesse campo.
Sob esse ponto de vista, o conceito de campo com o qual o conjunto da obra e dos fatos permitiu
dialogar foi o de Turner (1971), que o considera “o ambiente principal de interação dos atores”. O
campo onde as relações de trabalho Terena acontecem atualmente é constituído, principalmente,
pelos seguintes atores: fazendas e unidades produtivas rurais em geral, agroindústria, órgãos do
Estado (Funai, Funasa, Prefeitura, Estado Federado etc.), empresas urbanas e as unidades familiares
urbanas, e as unidades produtivas indígenas (a família com sua respectiva produção). Esse campo,
além de ser um espaço político – de disputa de poder e de disputa entre facções, como foi colocado
por Ferreira (2007) –, é um espaço de relações de trabalho formado por múltiplas atividades
econômicas hierarquizadas de maneiras diferentes em cada período. E o fato de ser um campo de
relações de trabalho onde os atores interagem e onde cada atividade tem sua relevância, se
transforma num elemento-chave para entender como se configura todo o contexto sócio-
organizacional Terena em diferentes momentos históricos.
Resultados
Até por volta de 1890, o sul de Mato Grosso era uma área praticamente controlada pelos
índios. Após 1890, depois da Guerra do Paraguai, introduz-se um novo contexto (surgem as
fazendas, o coronelismo, a repressão, a escravidão e o “cativeiro”). Já no início do século XX, após a
115
criação das Reservas, as fazendas se transformaram no primeiro ator importante com o qual os índios
estabeleceram uma relação de interdependência direta. Nesse período começou a declinar a
importância das atividades da economia doméstica, dando espaço aos trabalhos assalariados. A partir
de 1950, a usina aparece como o segundo ator importante nas relações de trabalho indígena. O século
XX foi significativo para a intensificação do contato interétnico Terena-purutuye, permeado
basicamente pela troca e venda dos produtos indígenas no mercado local, pela compra de
mercadorias e pelas relações de trabalho assalariado. Esses três últimos elementos permitiram ao
grupo Terena alcançar um alto grau de integração econômica regional (CARDOSO DE OLIVEIRA,
1968), nível muito desejado pela política de “civilização” indígena do Estado brasileiro. Todavia, ao
contrário de outros casos das Américas (como a relação dos Maias com a sociedade ladina na
Guatemala, que se apoiou no comércio de grande quantidade de produtos agrícolas), a relação
socioeconômica dos Terena com a sociedade não indígena apoiou-se na relação de trabalho
assalariado, na venda da força de trabalho, o que implica imediatamente uma relação desequilibrada,
de dominação/subordinação.
Após uma breve historiografia da consolidação do Estado na região de Mato Grosso e das
relações de trabalho dos Terena, enfatizamos a dinâmica das relações de trabalho assalariado
firmadas entre os indígenas Terena e as “usinas”43
, priorizando o período que se estende de 1980,
quando efetivamente a mão de obra Terena é aplicada na usina, até o ano de 1999, quando se inicia
uma nova fase nas relações de trabalho entre ambos. Esse período de quase 20 anos é marcado pela
precariedade das condições de trabalho e por um relativo “abandono” por parte dos órgãos estatais
(especialmente a Funai) responsáveis pela “proteção” dos índios, deixando-os à mercê da
“exploração” pelos capitalistas. A atuação dos indígenas como trabalhadores rurais assalariados nas
usinas foi determinante para fortalecer a “integração” da sociedade Terena na economia regional e
nacional. No entanto, essa interação remodelou o cotidiano das aldeias, impondo novas formas de
organização social, como já vinha ocorrendo com os trabalhos nas fazendas, principalmente na
realocação da mão de obra indígena. O ambiente em que ocorre essa relação assalariada forma um
campo específico que denominamos de campo das relações de trabalho agroindustriais.
A principal contribuição deste texto foi mostrar como se deu o processo de transformação
do campo das relações de trabalho indígena e como as relações anteriores (com as fazendas e o
Posto da Funai) serviram de base para a construção do campo das relações de trabalho
agroindustriais (surgimento da usina como segundo ator principal das relações de trabalho
indígena). A emergência das usinas no campo das relações de trabalho indígena implica a
43
Atualmente o termo moderno do empreendimento que processa a cana-de-açúcar é agroindústria. Usina é o termo
comum utilizado pelos indígenas para se referirem a elas.
116
transformação do padrão de relações de trabalho e de (re)valorização do trabalho assalariado por
parte dos indígenas. Isso porque o campo das relações de trabalho agroindustriais não mais
representa as atividades do Posto, da fazenda ou a “changa”, que são precárias e eventuais, muitas
vezes, mas significa o “serviço” regular.
Posteriormente, enfatizaremos o período que compreende o ano de 1999 a 2011. Esse período
marca uma nova fase nas relações de trabalho entre índios e usinas, pois entra em vigor o “Pacto
Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena”, implantado pelo Ministério
Público do Trabalho e firmado com as demais instituições do circuito das relações de trabalho
indígenas, especialmente com seus empregadores. O “Pacto” modificou, ainda que de forma lenta,
mas gradativa, a natureza das relações de trabalho que vigoravam por cerca de duas décadas,
trazendo como elementos principais o reconhecimento dos direitos sociais constitucionais do
trabalho e a exigência de tratamento diferenciado ao trabalhador indígena nas suas contratações. Não
somente o Pacto é responsável pelas mudanças, mas também o mercado consumidor, que se colocou
cada vez mais exigente e próprio fiscalizador do processo holístico de produção, demandando
políticas de reparos aos impactos sociais e ambientais. Este período é marcado, ainda, por uma fase
de crescimento significativo do setor canavieiro, impulsionado por diversos outros acontecimentos
nacionais e internacionais.
O principal ponto que podemos resgatar desse momento são as mudanças nos aspectos
“sociais” do trabalho, como o próprio nome do Pacto sugere. A não interferência do Pacto na esfera
“econômica”, principalmente para obtenção de melhores salários, remonta à questão social que
enfatizamos no início, de desigualdade e subalternidade econômica. A interferência nos aspectos
sociais (CTPS, FGTS, INSS, alimentação e alojamento, manutenção do vínculo com a Reserva, entre
outros) por um lado representa um avanço nas políticas voltadas para as relações de trabalho, mas,
por outro, uma forma também de o Estado compartilhar da “exploração”, ou seja, existe uma
“regularização da exploração” através da concessão de alguns benefícios sem que se altere o
resultado do ganho financeiro.
Além das motivações de atendimento das necessidades imediatas que atravessaram o
contexto das relações de trabalho, de amenizar as condições de precariedade e atender os desejos de
consumo, dois elementos aparecem como motivações que fazem o “serviço” fundamental: lealdade
perante o grupo doméstico e o desejo de sociabilidade. Os depoimentos coletados apontam dois
aspectos que podemos destacar da lealdade entre os membros do grupo: casamento e pai doente. Este
último representa um componente a mais da dimensão “patrifocal” da organização Terena
(FERREIRA, 2007), o destaque dado ao homem mais velho considerado fundador do grupo e ao ato
de construir um grupo doméstico.
117
O “aniquilamento do sistema social indígena” (FERREIRA, 2007) conduziu os Terena ao
campo das relações de trabalho tendo, no início, como principais atores a fazenda e o Posto, e mais
tarde a Usina Santo Antônio. O elemento étnico passa a ser visto como importante a partir do
momento em que se consegue ter o domínio político e econômico do grupo. Ou seja, o colonizador
estava convicto de que, diante das prioridades de sobrevivência, tendo seu sistema econômico
arrasado e o ambiente ofertando trabalho, haveria o consentimento dos indígenas à subordinação ao
trabalho assalariado transferindo todo o conhecimento tradicional para o campo das relações de
trabalho. E a manutenção desse desequilíbrio seria a garantia permanente de mão de obra.
Referências bibliográficas
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impacto ecológico e social. São Paulo: Unesp, 1994.
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Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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produtores agrícolas ao capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
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www.funasa.gov.br
www.unica.com.br
www.biosul.com.br
www.prt24.gov.br
www.portal.mte.gov.br
www.agricultura.gov.br
118
Os conflitos possessórios rurais no sul e sudeste do Pará e a função social da
posse: uma análise da atuação do judiciário Bolsista: Raimunda Regina Ferreira Barros (M)
Orientador: Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Programa de Pós-Graduação
em Direito
Palavras-chave: Conflitos possessórios, imóvel rural, poder judiciário
Email: [email protected]
Introdução
O campo brasileiro é marcado pela concentração da terra nas mãos de uma minoria e pela
violência contra os camponeses.44
Esta é a realidade desde os primeiros anos da invasão colonial no
século XVI e que perdura até os dias atuais. O “desenvolvimento nacional” fez crescer a exclusão, a
violência e o número de famílias sem-terra na Amazônia brasileira, em especial no sul e sudeste do
Estado do Pará, regiões que atualmente se constituem importantes fronteiras da expansão econômica
do país.
Os conflitos pelo domínio de territórios se avolumam e trabalhadores rurais sem-terra
disputam espaço com o grande capital monocultor e latifundiário. Os trabalhadores sem terra se
organizam em instituições de classes, a exemplo dos sindicatos e do MST (Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra) e formam um campesinato de fronteira. O Poder Judiciário passou a ser
instado a responder as ações possessórias ajuizadas por fazendeiros, fazendo emergir um conflito de
natureza jurídica atinente à interpretação que o judiciário deve adotar nas demandas possessórias que
versam sobre imóveis rurais envolvendo fazendeiros e movimentos sociais camponeses.45
Não é mais possível uma interpretação civil-patrimonialista do direito que defenda a
propriedade sem observância das normas constitucionais que consagram o direito de propriedade e
de posse, limitando-os ao cumprimento de sua função social. Esta é a tendência jurídica moderna
expressa nas novas Constituições da América Latina e que também foi adotada pela Constituição
Federal brasileira de 1988. É uma interpretação que, se levada a cabo pelo Poder Judiciário,
conduzirá a práticas mais voltadas à garantia dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores
rurais e, consequentemente, à redução dos conflitos agrários comuns nas regiões em comento.
44
Ver Violência e grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará. Dissertação de mestrado de
Girolamo Domenico Treccani pela Universidade Federal do Pará, 2001; A identidade do posseiro: elementos de
caracterização social trabalhados pelo movimento sindical do sudeste do Pará. Dissertação de mestrado de Gutemberg
Armando Diniz Guerra pela Universidade Federal do Pará/NAEA/PLADES, 1991; Conflitos de terra nas áreas
beneficiadas pela Estrada de Ferro Carajás nos sudeste do Pará. Trabalho de conclusão de curso de bacharelado e
licenciatura plena em geografia de Roberta Maria Batista de Figueiredo, pela Universidade Federal do Pará, 1995; e
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 45
Sobre o processo de criação da Justiça Agrária Especializada no estado do Pará ver Cadernos de Conflitos no Campo
Brasil referentes aos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, publicações da CPT Nacional pela Expressão Popular, São Paulo.
119
Objetivo geral
A dissertação se propõe a investigar se as decisões proferidas pelas Varas Agrárias de
Redenção e Marabá, bem como aquelas emanadas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará em grau
de recurso, nas ações possessórias que versam sobre imóveis rurais são alicerçadas na Constituição
Federal brasileira ou somente na Lei Civil.
Objetivos específicos
A dissertação é orientada por três objetivos específicos:
1. identificar o contexto social em que se dão os conflitos pela posse da terra nas regiões sul e
sudeste do estado do Pará;
2. analisar a evolução histórica dos direitos civil e constitucional brasileiros no que se refere à
proteção da posse e da propriedade rural e estabelecer seus conteúdos conceituais;
3. identificar ações possessórias que versam sobre imóveis rurais em curso nas Varas Agrárias de
Redenção e Marabá e no Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), e verificar se, nas
decisões proferidas nestas ações, são levados em conta os preceitos constitucionais atinentes ao
cumprimento função social da propriedade e da posse, assim como produtividade do imóvel.
Metodologia
A pesquisa a ser realizada terá por método de abordagem o indutivo, uma vez que se partirá
de situações concretas e particulares, quais sejam: as decisões tomadas pelas Varas Agrárias de
Redenção e Marabá e aquelas emanadas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, todas em
apreciação de pleitos possessórios sobre imóveis rurais, para se chegar a uma conclusão sobre quais
são os parâmetros legais utilizados pelo judiciário nas regiões citadas no trato das questões agrárias.
Assim, se procederá à exploração, análise e sistematização de informações a partir de um
fenômeno delimitado para se chegar a conclusões gerais. Tal delimitação tem contornos geográficos,
temporais, de conteúdo e matéria, a saber: i) geograficamente a pesquisa abrangerá as regiões sul e
sudeste paraense, vinculando-se por delimitação de competência às Varas Agrárias de Marabá e
Redenção e aos recursos interpostos no TJPA, originários destas Varas Especializadas; ii) o marco
temporal da investigação compreenderá as demandas possessórias coletivas por terra surgidas a partir
da criação da Justiça Agrária Especializada no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará no
ano de 2001; iii) o conteúdo investigado restringe-se à matéria agrária nos conflitos fundiários
coletivos por terra, verificando-se a efetividade dos direitos fundamentais dos camponeses frente ao
120
direito de propriedade e posse dos proprietários rurais sob a ótica da constitucionalização do direito
privado.
Assim, se terá o seguinte ordenamento no atinente às técnicas de pesquisa: i) pesquisa
bibliográfica envolvendo estudos doutrinários, sociológicos, históricos, filosóficos etc. relacionados
com o objeto de estudo, bem como de legislação, jurisprudências, revistas e periódicos jurídicos,
artigos e outras obras úteis e necessárias ao aprofundamento do tema da pesquisa; ii) pesquisa
documental – pela qual serão pesquisados os autos possessórios físicos e eletrônicos nas Varas
Agrárias de Marabá e Redenção e também os recursos, nos formatos físico e eletrônico, em trâmite
do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que versem sobre os conflitos possessórios rurais nas
regiões sul e sudeste deste estado.
Justificativa
Nota-se que as regiões sul e sudeste do Pará há tempos vêm despertando o interesse de
pesquisadores. Tem se dado de forma bastante contundente no espaço acadêmico das principais
instituições de ensino superior do norte e também de outras regiões do Brasil e até do exterior.
Percebe-se, entretanto, que os estudos têm se dirigido especialmente à análise de questões
concernentes aos conflitos agrários e à violência deles decorrente, às formas de organização social e
a temas atinentes à sustentabilidade ambiental. Muito embora as origens das reflexões nas pesquisas
já realizadas ocorram a partir dos conflitos fundiários, pouco se referem aos direitos fundamentais
dos trabalhadores rurais.46
Os estudos jurídicos existentes não focalizam o contexto agrário
conflituoso do ponto de vista da atuação do poder judiciário em suas soluções.
Destarte, a pesquisa postula sua relevância ao pretender a análise científica das
transformações havidas na legislação civil e constitucional e como tais transformações têm sido
aplicadas na prática pelo judiciário paraense quando da solução de conflitos possessórios rurais no
sul e sudeste do Pará.
De outra banda, percebe-se que, na prática, muitos direitos dos trabalhadores rurais são
violados porque os profissionais que exercem cargos públicos como juízes, promotores de justiça,
delegados de polícia etc. têm uma atuação pouco comprometida com direitos fundamentais dos
46
Idem nota 1; e, ver também: Impactos do crédito produtivo nas noções locais de sustentabilidade em agroecossistemas
familiares no território sudeste do Pará. Tese de doutorado de Luis Mauro Santos Silva pela Universidade Federal de
Pelotas/RS, 2008; A construção da representação dos trabalhadores rurais no sudeste paraense. Tese de doutorado de
William Santos de Assis pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/RJ, 2007; A assessoria técnica, social e
ambiental à Reforma Agrária (ATES): a Copserviços no sudeste do Pará. Dissertação de mestrado de Jaime Rodrigo da
Silva Miranda pela universidade Federal de Viçosa/MG, 2008; e Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma
agrária no Brasil, organizado por Miguel Carter - Assistant Professor School of International Service American
University Washington, DC, 2009.
121
camponeses. Sem se descartarem outras causas, isso pode ser reflexo da formação do ensino superior
que tais profissionais tiveram. Por essa razão, acredita-se ser necessário investir numa produção
científica que possa contribuir para a reversão deste modo de pensar o ensino superior, de maneira a
modificar a postura conservadora-patrimonialista dos operadores do direito. É uma mudança que
passa pela produção de conhecimento escrito e pela formação dos estudantes de direito na graduação.
Desta feita, a pesquisa também visa, além conhecer a realidade a ser estudada, qualificar a
pesquisadora para contribuir no processo de formação acadêmica nas regiões sob análise.
Referencial teórico ou conceitual
O Código Civil brasileiro, formulado a partir do Código Napoleônico, reflete o
individualismo, sendo o estatuto que rege a relações interindividuais dos particulares dentro do
ordenamento jurídico. Prevalecia na origem desse ramo do Direito o liberalismo econômico em que
era nula a interferência estatal nas relações privadas e, por consequência, no direito de propriedade.
No decurso da evolução histórica e legislativa, as Constituições passam a abarcar temas antes
exclusivos do Código Civil, como a função social da propriedade e a organização da família. No
sistema legal brasileiro esta concepção se acentuou, definitivamente, a partir da Constituição de
1988, já não sendo mais admissível a aplicação pura e simples do princípio da autonomia privada
desvinculada dos fins a que ela se destina.
Importantes pensadores do Direito (tais como, FACHIN 2006, MARÉS 2003, TEPEDINO
2003, dentre outros) têm imprimido uma visão dinâmica ao direito privado, encontrando-se
absolutamente ultrapassada a concepção estática e atemporal do direito civil. Nessa conjuntura, o
Código Civil brasileiro, embora permaneça com sua estrutura profundamente enraizada no Código
de Napoleão, já sofreu diversas mudanças e adequações de modo a se coadunar com as exigências
constitucionais, do que não pode mais prescindir. Essa mudança hermenêutica reflete-se em obras de
autores modernos como Gustavo Tepedino (2003, p. XV) quando afirma:
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, debruça-se a doutrina na tarefa de construção
de novos modelos interpretativos. Abandona-se deliberadamente o discurso hostil dos que,
justamente, entreviam a incompatibilidade axiológica entre o texto codificado e a ordem pública
constitucional. Afinal, o momento é de construção interpretativa e é preciso retirar do elemento
normativo todas as suas potencialidades, compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição da
República.
Também se destacam pelo aporte teórico a embasar a pesquisa realizada, dentre outras, as
seguintes obras: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres, obra organizada por Juvelino
José Strozake; Estatuto jurídico do patrimônio mínimo; Comentários ao Código Civil: parte
especial, direito das coisas; Estas duas últimas de autoria de Luiz Edson Fachin.
122
Cita-se ainda a necessidade de aprofundamento teórico dos pilares em que se funda a
legislação agrária brasileira desde a Lei de Terra de 1850 até o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504 de
1964), sem deixar também de mencionar a importância de se fazer um paralelo entre o direito de
propriedade instituído no Código Civil Brasileiro e a abordagem dada pela Constituição Federal de
1988 a este direito, residindo aqui o foco principal da pesquisa que se pretende realizar.
Por fim, tendo em vista o viés dos direitos e garantias fundamentais presentes no tema
proposto, imprescindível é um estudo dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos
humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais.
Neste momento a pesquisa encontra-se na fase de pesquisa bibliográfica e produção do
primeiro capítulo da dissertação.
Pontos relevantes para discussão
A aplicabilidade do instituto da função social da propriedade também nas demandas possessórias;
a efetividade das Varas Agrárias sem um segundo grau também especializado.
Referências bibliográficas
FACHIN, L. E. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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2002. In: TEPEDINO, G. (org.) A parte geral do Código Civil: estudos na perspectiva civil-
constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003, p. XV\XXXIII.
123
A cidade de São Paulo no século XX: observações sobre segregação e território
Ex-bolsista: Reinaldo José de Oliveira (D)
Orientadora: Maura Pardini Bicudo Véras
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais,
Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford –
Turma 2005
Palavras-chave: Segregação; território; raça
Email: [email protected]
Introdução
Trago no presente texto algumas interpretações da minha pesquisa de doutorado, referente às
cartografias da população negra na metrópole paulistana, desde as primeiras décadas do século
passado, em especial, as quatro uúltimas décadas do século XX.
Na cidade de São Paulo a população negra se insere como protagonista da produção social do
espaço. Por intermédio do trabalho e dos valores africano e afro-brasileiro, negros/negras
protagonizaram a construção de cada pedaço da cidade: inúmeras funções na área de transporte de
pessoas, alimentos e outras necessidades; a edificação de igrejas, habitações, prédios públicos e
particulares, a abertura e calçamento de ruas, avenidas e praças e todo o trabalho do sistema
ferroviário; os componentes sociais e culturais, por exemplo, a Irmandade Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos, os cordões e escolas de samba, os terreiros de umbanda e candomblé, os
quilombos rurais e urbanos e os movimentos e associações, em geral., oO protagonismo foi e
continua sendo fundamental para escrever a história da população negra na cidade de São Paulo. Em
particular, através da memória afro-brasileira e das referências sociais e culturais, a população negra
deixou inscrito no chão da capital paulistana elementos do processo civilizatório.
Objetivos
A história da população negra em solo paulistano deve ser compreendida, além da
territorialidade, também como espaço de desigualdades e segregação. A segregação da população
negra acontece por que ela é negra ou por que ela é pobre? São algumas destsas questões que eu
procurei responder em meu trabalho de doutorado e neste texto.
Justificativa
No decorrer do século XX, a trajetória da população negra em solo paulistano foi, e continua
124
sendo, marcada pelos movimentos de territorialidade, desterritorialização e reterritorialização. Em
etapas importantes da expansão urbana industrial, estsa população se viu obrigada a seguir em
direção às áreas mais pobres, carentes de infra-estrutura urbana e de equipamentos de consumo
coletivo.
Referencial Tteórico
Para desenvolver os conceitos/questões sobre segregação e território, investiguei a literatura
clássica da sociologia urbana, os estudos sociológicos e antropológicos sobre relações raciais e as
obras que fazem a intersecção entre espaço e raça.
A literatura sobre segregação compreende abordagens que focalizam, em geral, a luta entre as
classes sociais em torno do espaço e do ambiente construído (CASTELLS, 1983; LOJKINE, 1997;
VÉRAS, 2000), que se dinamizam em cidades pequenas, médias e grandes, em regiões
metropolitanas, nas metrópoles e, em especial, nas cidades globais.
No cenário histórico e contemporâneo, a população negra, apesar de não ter sido legalmente
discriminada, foi “natural” e informalmente segregada, frente às nas condições de ordem econômica,
social e racial, foi deixada à margem dos principais espaços de desenvolvimento urbano, e, diante
dos fixos e fluxos da sociedade urbana industrial, continua seguindo o percurso em direção aos
territórios da pobreza (FERNANDES, 1977; ROLNIK, 1997; COSTA, 2007 ).
A respeito do território, Véras (2003) o considera interdisciplinar; ele é geográfico, histórico,
sociológico, psicológico, político, cultural e simbólico..
Na história das territorialidades negras da capital paulistana, particularmente nas últimas
décadas do século XIX e início do XX, os espaços negros eram classificados como territórios de
exclusão e, marginalidade. No entanto, foram destes lugares que sobressaíram negros e negras para
compor a força de trabalho e todas as funções possíveis para a transformação da urbe paulistana.
Metodologia
Para a realização da pesquisa, organizei quatro etapas que compõem os aspectos
teórico/metodológico: a primeira, trata-se da literatura acadêmica sobre a cidade e o urbano e os
estudos e pesquisas sobre relações raciais em interface às questões espaciais; a segunda, realizei são
entrevistas semi-estruturadas realizadas com homens e mulheres negras, da faixa etária dos 24 anos
até 80 anos de idade, moradores dos distritos da Brasilândia, Cidade Tiradentes e Jardim Ângela, que
conforme o censo do IBGE 2000, correspondiam a à participação de 38% , 50% e 51% de população
negra, respectivamente, acima da média da cidade que era de 30% na época; a terceira, organizei são
125
as informações quantitativas (censos do IBGE, 1980, 1991 e 2000) que organizei para compor o
quadro socioeconômico, tendo em vista, interpretar as desigualdades sociais em interface às
desigualdades raciais; por último, por intermédio do trabalho quantitativo, desenvolvi o
geoprocessamento das informações para a formatação de cartografias, a fim de analisar e interpretar
os percursos da população negra.
Alguns resultados
Conforme os mapas 1 e 2 a seguir, a cartografia contemporânea da população negra está
conectada às inúmeras transformações socioespaciais, econômicas e políticas da urbe paulistana,
referente ao contexto do século XX: de 1889-1930, trata-se dos primeiros anos da pós-abolição, a
concentração negra situada nos cortiços e porões dos bairros da Sé, Sul da Sé, Liberdade, Baixada do
Glicério, Bexiga (atual Bela Visa), Barra Funda, posteriormente, durante a grande expansão da
cidade de 1930-1970, a ida às primeiras periferias, como a Casa Verde, Bairro do Limão, Tucuruvi,
Vila Matilde, Vila Formosa, Santo Amaro e, mais recentemente, durante a substituição do trabalho
industrial para a prestação de serviço, de 1970-2000, a ocupação das extremidades de São Paulo, em
direção aos distritos/bairros de Brasilândia, Perus, Jardim Ângela, Capão Redondo, Jardim São Luiz,
Cidade Tiradentes, José Bonifácio, Itaim Paulista, entre outros (ROLNIK, 1997; OLIVEIRA, 2008).
Segundo Oliveira (2008) para melhor entendimento do contexto da população negra em São
Paulo, é preciso observar e interpretar as cartografias das desigualdades socioespaciais em interface
às desigualdades raciais e de gênero. Homens e mulheres negrasnegros, segundo dados do IBGE
2000, recebem os menores rendimentos que homens e mulheres brancas brancos e, em particular, nas
áreas mais ricas (quadrante sudoeste) em direção aos extremos a renda tende a diminuir.
Na capital paulistana, a renda média dos trabalhadores é de R$ 1.031,85 no contexto geral da
força de trabalho. O rendimento diferencia-se., primeiro, oOs homens brancos recebem, em média,
R$ 1.919,20, e os negros R$ 690,54. As mulheres, R$ 1.092,23, para as brancas e R$ 425,47, para as
negras. Calculando a média entre homens e mulheres, brancos e negros, os trabalhadores brancos
recebem, em média, R$ 1.505,50, e os trabalhadores negros R$ 557,50.
As desigualdades de renda refletem um lugar importante no desenvolvimento humano, que se
concretiza no cotidiano de milhões de trabalhadores, homens e mulheres, brancos e negros. Trata-se
da educação e da mobilidade que pode proporcionar, principalmente para os jovens que vivem nas
periferias. A população negra não só amarga só os menores rendimentos socioeconômicos. Na área
da educação, por exemplo, é sobrerepresentada com os menores percentuais de tempo médio de
escolaridade, sem contar na qualidade da educação pública que é oferecida aos negros e pobres.
126
Mapa 1. Distribuição Negra em São Paulo Mapa 2. Distribuição Negra em São Paulo (concentração acima de 30% até 51%) (concentração abaixo de 15%)
Fonte dos dados: Censo do IBGE, 2000.
Nos distritos investigados e na periferia como um todo, a taxa de homicídio durante os anos
de 1991 até 2005, era (e continua até hoje) e é uma das maiores da cidade. Atualmente, a taxa de
homicídio nas periferias deixou de crescer, houve diminuição; porém, não foi o Estado o principal
ator no quadro das transformações. O poder público participou de forma paliativa (União, Estado e
Município) quanto da promoção de políticas públicas em saúde, educação, habitação e saneamento.
O ator responsável pela diminuição dos extermínios e homicídios vem sendo a territorialidade social
negra., fFoi o que eu pude constatar nos distritos investigados e nos diálogos estabelecidos com os
interlocutores.
Considerações finais
A segregação da população negra é resultado das desigualdades de classe social e das
desigualdades raciais. Os dois fenômenos estão interligados, a resolução só se efetivará com a
integral eliminação das desigualdades sociais e raciais.
Portanto, no decorrer do século XX, na principal metrópole do país, da América Latina e da
economia global, negros e negras, formalmente e informalmente, amargaram os impactos do racismo
em todos os espaços da cidade de São Paulo.
Atualmente, em pleno século XXI, a população negra vem protagonizando transformações
importantes, haja vista a política de ação afirmativa: a política de cotas para negros, pobres e
127
indígenas nas universidades públicas; a implementação da lei 10.639/2003 que estabelece a
obrigatoriedade do ensino da históoria e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e
particulares; o reconhecimento e titulação dos territórios de quilombos; e, recentemente, a aprovação
do Estatuto da Igualdade Racial.
Ao contrário das políticas que marcaram o século XX, a proposição de políticas universais
aliadas às políticas territoriais e, portanto, focais, são um caminho viável para a eliminação da
segregação e das desigualdades?
No momento, as respostas estão em construção. Mas há um vislumbre claro de que a força
dos territórios no século XX foi determinante para os avanços que até então obtivemos. Em nossa
atualidade ela é, e parece continuar sendo, fundamental para a construção de territórios de cidadania
no século XXI.
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Paulo: Studio Nobel, 2000.
_________________________. _____. Desigualdade e exclusão social em São Paulo. Cadernos
Metrópole, número 1. São Paulo: Educ, 2003, p.73-91.
128
Criança indígena: transmissão de conhecimento Bolsista: Rosilene Fonseca Pereira (M)
Orientadora: Deise Lucy Oliveira Montardo
Instituição: Universidade Federal do Amazonas- Programa de pós-graduação em
Antropologia Social
Palavras-chave: Criança, conhecimento, indígena
Email: [email protected]
Introdução
As formas de transmissão de conhecimentos na infância indígena é um tema pouco explorado
na região do Alto Rio Negro. Conhecer a circulação desses saberes é importante para
compreendermos, entre outros aspectos, a importância que as relações de parentesco têm para esses
grupos étnicos.
Estudos sobre criança indígena são relativamente recentes. Poucos estudos foram feitos pelos
pesquisadores etnógrafos ou historiadores. Os diários dos viajantes dos séculos XVIII e XIX
focalizaram, principalmente e em poucas páginas, registros relacionados à prática de sacrifício de
bebês gêmeos ou portadores de deficiência (SILVA; NUNES, 2002, p.241).
Cohn (2005,p.9) em seu livro Antropologia da Criança nos aponta algumas abordagens de
estudo com crianças e diz que [...] não podemos falar de crianças indígenas sem entender como esse
povo pensa o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam na sociedade .O mesmo vale
para crianças nas escolas de uma metrópole.
Cada povo indígena tem uma forma de compreender o explicar o mundo e sua vivência e
quando se estuda a si mesmo, aflora quem somos, o que fazemos, como vivemos e o que pensamos.
O Alto Rio Negro é uma região com diversos grupos étnicos marcada por um processo de resistência
e de amplo investimento do Estado Nacional na escolarização infantil na forma de escolas e
internatos, instalados no início do século XX.
Na região do Alto Rio Negro, podemos mencionar a pesquisa realizada pelo CIMI-
Norte/I/AMARN/UNICEF, intitulada “Direitos e jeitos de ser criança: um olhar sobre a infância
indígena no rio Uaupés/Am”.As autoras se referem a diversidade étnica do Alto Rio Negro, dando
ênfase na criança “Tukano”. O referido estudo apresenta dados de colaboradores Dessano e Tariano.
Tais evidências sugerem que no Alto Rio Negro há uma circulação de saberes, que não são
mencionados nas literaturas. Também aponta um confronto entre os “saberes tradicionais” diante do
“processo escolar”, quando as crianças passam a morar nos “centros urbanos”, onde crescerão em
meio a outros valores e aprenderão a colocar em segundo plano os saberes úteis para a vida cotidiana
129
nas comunidades, como as práticas agrícolas, estigmatizadas como atividades para quem não é
escolarizado. Essa questão foi vivenciada por mim recentemente, junto a uma família que observei
em São Gabriel da Cachoeira, na qual as crianças acompanham os pais, mas os “jovens” já não
frequentam a “roça” por se considerarem “estudados47
”.
Os estudos acima mencionados abrem pontos reflexivos, tais como a singularidade da
transmissão de conhecimento e entendimento do conceito criança em determinada sociedade
indígena; conflitos enfrentados por crianças indígenas nos centros escolares urbanos no qual
diferentes pontos de vista pedagógicos norteiam essas relações socioculturais.
Minha pesquisa de mestrado, atualmente em curso, se propõe a suprir essa carência ao estudar
a transmissão de conhecimentos entre povos indígenas habitando o Alto Rio Negro.
Apesar de lidar com a diversidade dos 23 povos indígenas do Alto Rio Negro, o povo
Waíkhana terá um foco maior por conta de meu pertencimento a este povo indígena, o qual tomo
como ponto de partida, em seguida a relação materna. No decorrer do trabalho pretendo evidenciar a
riquíssima área cultural desses povos.
O povo indígena Waíkhana, pertencente à família linguística Tucano, se situa e ocupa a Terra
Indígena Alto Rio Negro I, Médio Rio Negro I e II, situada no estado do Amazonas, no Alto Rio
Negro. De acordo com o Instituto Sócio Ambiental (ISA) o povo indígena Waíkhana é composto por
cerca de 1300 pessoas do lado brasileiro e 400 na Colômbia, (CALBAZAR;RICARDO, 2006)
Diferentemente de outras realidades indígenas, a área em estudo é caracterizada pelo
casamento exogâmico no qual tradicionalmente pares preferenciais para uma Waikhon48
e um
Waikhen49
seriam Dessano, Tukano, Tariano, entre outros. Chagas (2005, p.26) assim explica as
relações matrimoniais:
no tempo de “ Bahsali We50
” o rapaz era submisso à vontade dos progenitores.
Chegada a hora de desposar o filho, os pais tinham que pensar na futura esposa que
seria de outro grupo étnico. Supõe-se que o pretendido seria um “Waíkhana”e sua
mãe do grupo “Dessano”. A pretendida esposa seria uma “Dessana”, filha do irmão
da mãe; caso não tivesse, seria pensada a filha da irmã da mãe casada com Tukano ,
se não desse certo era pensada a filha da irmã paterna, casada com um Tariano. Os
casamentos com Arapaço, Wanana e Tuyuka eram interditados por serem
considerados irmãos dos “Waíkhana”, por conta da semelhança linguística.
A explicação de Chagas demonstra a construção das alianças matrimoniais, questão bastante
enfatizada pelos meus bisavós. Caso não dessem certo os arranjos dos pares matrimoniais,
instalavam-se outras formas de resolver os impasses. Essa forma de arranjo perdurou até a chegada
47
A escola presupõe que quem estuda não deve mais ajudar os pais na roça 48
Waikhon mulher do povo Waíkhana 49
Waikhen homem do povo Waíkhana 50
Casa tradicional do Waíkhana, denominada pelos missionários de “maloca”
130
dos missionários. “Novos arranjos51
” foram construídos na tentativa de não romper com as alianças
matrimoniais tradicionais, como o casamento entre Waikhanã e Arapasso, caso de meus pais,
matrimônio não permitido tradicionalmente por serem considerados irmãos, conforme mencionado
por Chagas e confirmado por meu pai.
No início, pretendia fazer um estudo especificamente sobre as crianças Waíkhana conforme a
disciplina teórica sugerem, mas não há como isolar a criança Waíkhana de todo esse contexto social
de parentesco e dos saberes que a cercam.
Diante desse aspecto, é necessário evidenciar a circulação da transmissão de conhecimentos
dos grupos envolvidos tais como: Arapasso, Baré, Dessano,Tukano e Tuyuca. Isso significa que os
saberes entre os grupos indígenas exogâmicos do Alto Rio Negro são compartilhados, com alguns
pontos comuns e outros divergentes, tanto na forma de transmissão ou a quem e quando transmitir.
As crianças Waíkhanas, desde o nascimento, recebem todos os cuidados necessários para que
cresçam saudáveis e bonitas. Elas são cercadas de uma relação parental de avós, avôs, tias, tios,
primas, irmãos e irmãs. Todos os parentes contribuem para a formação e o bem-estar das crianças.
Os conhecimentos transmitidos são múltiplos: a criação do Waikhanã, a relação de
parentesco, os contos, as narrativas de benzimento, a relação com os seres da natureza, os cuidados
para a criação dos utensílios domésticos e de caça e pesca. Além desses, podemos citar as atividades
do cotidiano familiar, entre as quais cuidar da casa, preparar alimentos, varrer o quintal, buscar
lenha. Apesar de a atividade agrícola ser uma atividade feminina, nos primeiros anos de vida,
independentemente do sexo, todas as crianças são levadas pela mãe para a roça. Os homens são
responsáveis pela derrubada e queimada, as mulheres por selecionar sementes e plantas para o
cultivo com o objetivo de manter uma boa alimentação em casa.
Atualmente, com a implantação dos programas de educação infantil, as crianças indígenas
passam a frequentar mais cedo os bancos escolares. Tal situação é bastante problematizada pela
geração mais velha, pois as crianças passam a ir para a atividade agrícola somente no período de
férias ou nos finais de semana para colher frutos ou fazer curtas atividades com os pais ou parentes.
Objetivo
Este trabalho se destina a estudar o universo da criança Waíkhana, a partir das concepções
nativas e pela análise de diferentes contextos, sobretudo das formas de transmissão de conhecimento
no cotidiano. Pretendemos estudar como ela aprende, quem ensina, em que momento, em que local.
51
Os novos arranjos não eram aceitos por todos os mais velhos.Quando o irmão de minha mãe (Arapasso), pediu a mão
da tia I.V(Waíkhana), meu avô J.V (Waíkhana), não permitiu, sendo que meu avô atendeu o pedido de um “Tukano”,
com que ela vive nos dias atuais.
131
A realização desta pesquisa está relacionada ao processo ocorrido nos últimos anos referente
à revitalização das práticas dos conhecimentos tradicionais, motivada pela discussão sobre educação
indígena, inquietação da geração mais velha. Dentre elas destaca-se a intensa discussão sobre
postulados legais da sociedade nacional como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) a
“exploração de trabalho infantil”_questão tida como contraditória pelas populações tradicionais na
Amazônia, sobretudo pelos povos indígenas. Esta pesquisa visa, então, gerar reflexão sobre o
entendimento que os Waíkhanas têm sobre suas formas próprias de ensino, contribuindo, assim, para
pensar em ações de apoio junto às comunidades indígenas.
Metodologia
O presente estudo está sendo conduzido com procedimentos da Antropologia por intermédio
do método etnográfico, observação participante, anotações e diário de campo. Também com uma
parte de um acervo pessoal de gravações com meu “avô52
” e um diário pessoal elaborado na
passagem de minha infância à puberdade.
Concentro-me na análise das formas de transmissão de conhecimento concebidas e
praticadas para crianças indígenas. A pesquisa está sendo desenvolvida junto a minha família e
parentes indígenas residentes no perímetro urbano dos municípios de São Gabriel da Cachoeira e
Santa Isabel do Rio Negro.
Está sendo feito um levantamento dos grupos étnicos e da relação de parentesco dos
colaboradores envolvidos. Foi feito contato prévio com as lideranças indígenas.
Os colaboradores, residentes no perímetro urbano, são oriundos, em sua maioria, de
comunidades das diferentes calhas de rios do Alto Rio Negro e pertencem a diferentes etnias
indígenas, entre as quais Piratapuya, Arapasso, Baré, Tukano, Tariano,Tuyuka.
Parte dos dados deste trabalho são memórias das infâncias vividas por três gerações e da rede
de parentesco dos Waíkhanas. Além do cotidiano de famílias do perímetro urbano de São Gabriel da
Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, que nos ajudam a compreender a complexidade e
importância da circulação de saberes de parentesco e dos cuidados com a criança construídos na rede
parental.
Como o material coletado ainda está em processo de sistematização, neste texto apresento a
parte do estudo sobre a primeira fase da criança. Por enquanto, utilizo o tempo passado por conta da
forma como foi feita a narrativa pelos colaboradores da pesquisa, mas, na medida em que os dados
forem sistematizados e analisados, a escrita será revisada.
52
Avô materno do povo Arapasso.
132
Com base na regulamentação de matrimônio Waíkhana, o casamento com mulher do mesmo
grupo era considerado incesto, os filhos poderiam nascer anormais53
.
Atualmente, na região estudada, grande parte dos casamentos exogâmicos não têm ocorrido
conforme as regras preestabelecidas historicamente pelos Waíkhana, em vista de diversos fatores
sucedidos ao longo do tempo, tais como estabelecimento de regras missionárias e migrações. Um
exemplo é minha própria família, assim constituída: sou uma Waíkhana, meu pai Waíkhana, minha
mãe Arapasso, minhas avós Tukano, meus avôs são Arapasso e Waíkhana.
De acordo com os Waíkhana, o processo de transmissão de conhecimento ocorre desde a
concepção do novo ser. Assim, também de acordo com os Waíkhana, a mãe grávida era
acompanhada pelo benzimento54
_ é uma ação sagrada, considerada importante para a proteção do
novo ser, ainda indefeso e desconhecedor dos lugares, dos alimentos, dos sonhos, dos seres
existentes na terra. Durante essa fase, os cuidados com a mãe e o pai eram redobrados, pois ambos
eram considerados responsáveis55
pelo novo ser. E todos os cuidados eram necessários para que a
criança viesse muito bem protegida. Qualquer descumprimento dos pais com relação às regras
recomendadas pelos velhos e os “médicos tradicionais56
”, conhecidos na literatura pelo termo “pajé”,
acarretaria problemas no seu desenvolvimento e no processo final de maturação do bebê.
Se o bebê nascesse com ocorrências adversas, consideravam um pré-anúncio de desastre,
mortes e doenças para todo o grupo e alegavam que regras foram desobedecidas pelos pais da criança
em momento anterior à concepção ou durante a gravidez. Dentre essas regras, estavam algumas
proibições, tais como ingerir bananas gêmeas, sovinar breu57
e beiju de umari58
.
Essas proibições faziam parte do respeito que se tinha pela criança em formação, para
interpretação sugerida por Codonho e Tassinari (2003, p. 5) em estudo entre os indígenas Galibi-
Marworno. Para aqueles autores, os cuidados e tabus alimentares são forma de reconhecimento do
bebê como sujeito e autor de seu próprio nascimento, cabendo aos pais cuidados especiais para a
produção do corpo de forma adequada.
Quando acontecia de nascer uma criança com problemas, logo eram tomadas decisões, às
vezes com o consentimento dos pais ou só das mulheres.59
Em seguida, eram imunizadas. As
53
Refere-se a defeito genético. 54
Benzimento ritual rege a vida de um Waíkhana, antes do nascimento, depois do nascimento, na passagen ao mundo
adulto e quando morre. O benzimento também é presente em outros povos indígenas do Alto Rio Negro, sendo que cada
povo narra de acordo com conhecimento de seus grupos étnicos, com semelhanças ou diferenças. 55
Responsáveis pela formação do novo ser (a criança). 56
Recorro ao referido termo para aproximar a explicação de algumas especialidades no campo dos principais
“Cuidadores da Saúde”, conforme a narração de meu pai Waíkhana. 57
Resina de defumação para espantar os maus espíritos. 58
Beju de umari( andira spinulosa) é uma espécie de pizza feita de goma e polpa de semente de umari. 59
As vezes os partos eram restritos somente às mulheres.
133
decisões eram a forma de minimizar desavenças entre o grupo e os seres sobrenaturais provenientes
da natureza, porque tudo tinha Avós60
, eles entendiam que, na medida em que os Waikhanã em seus
primórdios receberam os ensinamentos no momento da criação no Lago de Leite, tinham que
cumprir as práticas e deveres preestabelecidos. 61
O bom parto também estava intrinsecamente ligado à observância das várias práticas e
deveres recebidos desde a criação dos Waikhanã, tanto da mulher como do homem. Tais práticas se
referiam, por exemplo, a acordar cedo, tomar banho antes do início das atividades domésticas,
obedecer aos mais velhos, fazer atividades ligeiras, não ingerir determinados alimentos sem o
benzimento. Era proibido sentar na porta da Casa Comunal. A quebra de regras ocasionaria problema
no parto, pois o bebê, ao saber que sua mãe ou pai não cumpriram as regras, não pouparia sua mãe na
hora da passagem ao mundo humano. Num tom de chamada de atenção e sorriso irônico, o bebê
diria: “você não fazia as coisas ligeiro, agora eu vou sai bem devagar”; “você não obedecia seus pais,
agora eu vou ficar mais um pouquinho”. Dependendo da situação, os “cuidadores da saúde” eram
acionados.
Nessas circunstâncias o “Yaí-ho62
” era chamado para ajudar o bebê a poupar as dores de sua
mãe.
Dependendo do sexo do bebê o “pajé ” entrava num diálogo convencendo até a
porta da saída. Se fosse menina, ele no seu imaginário fazia miniatura de objetos
femininos, peneira, atura, tipiti e numa linha imaginária atraia o bebê para fora; se
fosse homem ele fazia miniatura de objetos masculinos como caniço, remo, canoa e
o atraia para fora.63
Na hora da parição, caso um bebê nascesse com mancha avermelhada semelhante ao beiju de
umari, a mãe recebia orientação para utilizar remédio no decorrer do crescimento do bebê, porque
uma mancha herdada pela desobediência dos pais era considerada “penosa” e implicaria no arranjo
matrimonial. Conforme mencionei anteriormente, toda e qualquer decisão com relação às
adversidades era imunizada pelo benzimento que garantia amenizar a retaliação das Avós. Assim que
60
Avós seriam espécies de Deuses, donos das coisas, dos alimentos, das árvores, dos animais etc. 61
Lago de Leite refere-se à Baia de Guanabara, local onde se iniciou a formação dos Povos do Rio Negro, entre eles os
Waíkhana. 62
Especialista em “benzimento para lidar com ‘seres da água’ ,’seres do ar’ ‘ seres da terra’ de forma que fazia a cura de
determinados tipos de ‘doença’. Outros apenas identificavam e encaminhavam para os kõmu” especialista de
benzimentos específicos ou conhecedor de ervas medicinais. 63
Trecho de benzimento de meu bisavô na hora de um parto difícil.
134
a criança Waíkhana nascia, logo era feito o ritual de “ hedipona bahseyé”64
quando recebia o nome
de acordo com sua linhagem.65
Tanto a mãe como o pai do recém-nascido ficavam de resguardo. A mãe recebia cuidados
especiais e o pai era proibido de fazer qualquer trabalho, tais como carregar peso, cavar minhoca
para pescar, cortar árvore e outros. Qualquer esforço físico do pai prejudicaria o bebê, podendo levá-
lo à morte, porque se entende que o corpo do bebê é ligado tanto na mãe como no pai e há
preocupação com o bem-estar da criança.
Logo nos primeiros anos de vida, a criança Waíkhana fica aos cuidados de sua mãe. A mãe
Arapasso66
ao levar o pequeno Waíkhana à roça, sinalizava com um pequeno nó nos galhos e cipós a
uma certa distância, do início do caminho até a roça. Tal procedimento era realizado para que o bebê
não se perdesse e soubesse retornar, pois se a mãe não fizesse isso, ele(a) perderia seu espírito e isso
poderia causar muito choro e o levaria à morte. E, assim a criança recebe todos os cuidados até
quando ela aprende a trabalhar.
Percebe-se que a criança é um ser que, desde a sua concepção, tem pensamentos próprios.
Mas os bebês dependem inteiramente do cuidado dos mais velhos (OLIVEIRA, 2005, p.35), sendo
que essa dependência faz parte do desenvolvimento da transmissão dos conhecimentos de seu grupo,
e está alicerçado no seio cosmológico do grupo exogâmico no qual está inserido.
Como afirmado, as formas de transmissão de conhecimentos e saberes dos Waíkhana
envolvem diversos saberes provenientes de outros povos do Alto Rio Negro, em decorrência do
casamento exogâmico: Arapasso, Baré, Dessano, Tukano e Tuyuka. Alguns conhecimentos são
compartilhados entre os quais o “hedipona bahseyé”67
.Através do nome é que se protege o
indivíduo. Por toda a sua vida, seu nome de benzimento é que será solicitado quando estiver
enfermo. De acordo com minha mãe, “N. F. Arapasso”, “hedipona” também ajuda a segurar a alma
para que não se desprenda do corpo, mas quando percebe-se que está sendo “penoso”, consulta-se
todos os membros da família para “desfazer “ o “hedipona” . E assim ele vai embora. No caso de
meu “Avô J.F. Arapasso” assim foi feito.
Também se pode fazer “hedipona” para um indivíduo que não tem apetite, para que possa
ingerir alimentos.
Em suma, aqui foram relatados alguns aspectos de minha dissertação que se encontra, neste
momento, na fase de preparação para qualificação.
64
Termo usado por Chagas Waíkhana (2005, p. 32) e confirmado por meu pai , significa “benzimento do coração” ato
importantíssimo para a criança e bem _estar de um(a) indígena Waíkhana. 65
Irmãos maiores, irmãos menores etc. 66
No casamento exogâmico, a mãe sempre será de outro grupo étnico 67
Benzimento do nome é dado assim que o bebê nasce, sem o nome não é possível fazer o benzimento do coração.
135
Referências bibliográficas
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Negro: uma introdução à diversidade cultural e ambiental do noroeste da Amazônia brasileira.3 ed
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COHN, C. Antropologia da criança. São Paulo: Jorge Zahar. 2000.
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Mari/Fapesp/Global, 2002.
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WEBER, T. S. da D. H. R. ; CARVALHO, D. das M.; LIMA, F. Z,(orgs) Direitos e jeitos de ser
criança: um olhar sobre a infância indígena no rio Uaupés/AM. Disponível em:
<http://www.abmp.org.br/textos/37.htm> Acesso em: 8 out. 2010.
136
Palafiftas serão apartamentos: concepções, mecanismos e limites da participação
popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade, em São Luís (estado do Maranhão).
Bolsista: Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro (M)
Orientador: Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-/SP
Palavras-chave: Estado/cidade; democracia e participação popular.
Email: [email protected]
Introdução
Esta pesquisa se propõe a discutir como se deu a participação popular no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) no bairro da Liberdade em parceria entre o Governo Federal e o
Governo Estadual do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado das Cidades e Secretaria de Estado
da Igualdade Racial.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançando em janeiro de 2007 pelo governo
brasileiro na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, traduz-se em um conjunto de investimentos
organizado em logística (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias), energia (geração,
transmissão de energia elétrica, petróleo e gás natural e combustíveis renováveis) e infraestrutura
social e urbana (saneamento, habitação, transporte urbano, Programa Luz para Todos e recursos
hídricos).
Em São Luís, um dos investimentos mais conhecidos do PAC foi o Projeto Rio Anil, lançado
em agosto de 2008, no durante o governo de Jackson Lago (PDT/MA), com o objetivo de construir
habitações mais adequadas para a população ribeirinha e quilombola que ali reside em condições
precárias. Visando beneficiar cerca de 250 mil pessoas, o projeto prevê atender, diretamente, as
pessoas que moram à margem esquerda do Rio Anil, na faixa que atravessa 15 quinze bairros, os
quais que deverão ser beneficiados.
O PAC Rio Anil - – no bairro da Liberdade, na cidade de São Luís.
A escolha do bairro Liberdade, onde está sendo executado o PAC Rio Anil –, habitação deu-se
em função de ser um local que, embora situado próximo ao centro comercial e histórico de São Luís,
caracteriza-se pela concentração de uma população de baixa renda, oriunda, em parte, de
remanescentes de quilombos (ALMEIDA, 2006), principalmente do município de Alcântara. Neste
bairro, um número significativo de pessoas mora em palafitas sobre o mangue. O PAC Rio Anil
consiste na substituição das palafitas por apartamentos, agora construídos em terra firme, mantendo
os moradores no próprio bairro onde residem.
137
Situa-se no centro da cidade de São Luís, ao lado do segundo maior sistema de televisão do
estado, – a TV Difusora –, de propriedade da família do então ministro de Minas e Energia, o
Senador Edson Lobão.
Em face das mudanças provocadas pela alteração não somente do padrão de moradia das
populações, mas também pela forma de como se deu o processo de implementação do PAC, foram
elaboradas as perguntas de pesquisa: como se deu a participação dos beneficiários dos apartamentos
do PAC – Rio Anil? Em que momento ocorreu? Em que medida essa obra contribuiu para envolver
os moradores do bairro da Liberdade no projeto? Ou seja, esta pesquisa visa saber qual a participação
da comunidade e da sociedade civil e/ou do movimento de luta pela moradia, do Conselho da Cidade
no projeto PAC. Pode-se apontar como hipótese que a execução do projeto foi da gestão do governo
para a comunidade, portanto, de cima para baixo.
As questões formuladas para a pesquisa ganham relevo quando são situadas no contexto
político do Maranhão, estado brasileiro apoderado pelos Sarney, cujo poder configura, conforme a
pesquisadora Maria de Fátima da Costa Gonçalves (2008, p. 74), uma dinastia de José Sarney com
seus filhos sociais, políticos e biológicos, modelo de exercício de poder pouco fértil para a
participação da população.
O Maranhão, localizado na região nordeste, é o 16º estado mais rico estado do Brasil pelo seu
PIB (Produto Interno Bruto), mas um dos últimos em IDH-M (Índice de Desenvolvimento
Humano): 0,647. Ao longo de mais de quatro décadas, o estado vem sendo governado por uma
oligarquia, que concentra poder político e econômico, liderada pelo então presidente do Senado da
República Brasileira, José Sarney Costa, “o senador José Sarney”, com prática de gestão
patrimonialista.
O Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado
sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm
mantendo a região em uma situação de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os
últimos sessenta anos de vida política no Maranhão foram marcados por duas
dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações
patrimonialistas, e a de José Sarney – filho político do vitorinismo, mais tarde
rompido com sua origem –, que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.
Justificativa
Esta pesquisa procurará articular reflexos elaboradas no âmbito dos estudos sobre a cidade, o
urbano – como os de Castells (1980), Lefebvre (2001), Milton Santos (2000), Véras (2000) Mike
138
Davis (2006), Maricato (2009), e aqueles desenvolvidos no âmbito dos estudos sobre participação e
democracia – Marx (1852), Dahal (1972), Patman (1992) Saes (1993), Demo (1998), Dagnino
(2004), Avritzer (2010) e outros. Desta perspectiva, as categorias de análise privilegiadas serão:
moradia, cidade, participação popular, democracia e Estado.
De Milton Santos (2000) destacamos sua assertiva de que as mudanças para enfrentar o
processo de globalização, chamado por ele de globolitarismo (um espécie de globalização
autoritária), virá de um movimento de baixo para cima, do local para o global, e nascerá na cidade,
portanto, do urbano, pois é aonde a política acontece com maior plenitude. Perspectiva equivalente
foi sustentada por Lefebvre (2001, p. 117), quando afirma: “o direito à moradia deve ser concebido e
formulado como o direito à vida urbana, transformada e renovada, portanto entendido como um
direito à participação na produção da cidade”.
Além disso, na pesquisa adotarei o conceito de participação política conforme Bobbio (2007,
p. 888): “a expressão participação política é geralmente usada para designar uma variada série de
atividades: o ato do voto, a militância num partido político, a participação em manifestações, a
contribuição para uma certa agremiação política, a discussão de acontecimentos políticos, a
participação num comício ou numa reunião de seção.... por além [...]”. Percebe-se, pois, que, para
Bobbio, a expressão reflete praxes, orientações e processos típicos das democracias ocidentais. Istso
nos leva a explicitar que o modelo de democracia de que se está falando é o caso da democracia
liberal burguesa.
Na concepção de Dagnino (2002), Boaventura Santos (2009) e Avritzer (2010), a Constituição
Federal Brasileira de 1988 (CF 1988) e o Orçamento Participativo, em Porto Alegre, são exemplos
concretos de incorporação de novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na institucionalidade
emergente, abrindo espaço para a prática da democracia participativa.
A literatura sobre o tema da participação popular no Brasil contemporâneo é, pois, concorde
no sentido de que o processo constituinte dos anos 1980 conheceu e fortaleceu intenso impulso de
participação popular. Porém, quando se faz uma leitura atenta, a CF 1988 mostra contradições, pois,
ao mesmo tempo em que regula, por meio do artigo 142, o direito de intervir para “manutenção da
ordem”, também regula o direito da participação democrática no seu artigo 14, inciso III, e no artigo
61, § 2.º, a garantia da iniciativa popular como processos legislativos.68
. Além desse momento, a
década de 1990 é apontada como aquela que avançou nas experiências de participação, tendo
inaugurado encontros entre a sociedade civil e o Estado (DAGNINO, 2002, p. 13). Uma dessas
68
O Estatuto da Cidade (2001) também explicita a importância da gestão democrática, por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, em atendimento ao interesse social
(Cap. I do Estatuto da Cidade, Diretrizes I, II e III).
139
experiências de destaque foi a do orçamento participativo de Porto Alegre. Boaventura de Sousa
Santos (2009, p. 463), em texto sobre o orçamento participativo na cidade de Porto Alegre iniciativa,
caracteriza “a cidade como de grande tradição democrática, uma sociedade civil forte e organizada”.
Para ele, a ditadura militar deparou-se com uma resistência política feroz no Rio Grande do Sul,
especialmente em Porto Alegre. Talvez seja essa trajetória que se busca para as demais cidades
brasileiras.
Conforme aponta Telles (1998, p. 247), “no que se refere especificamente aos movimentos
populares, ao contrário do otimismo dos primeiros tempos em que muitos viram neles uma promessa
de futuro, hoje não são poucos os que apontam seus limites [...]”. Todavia, para Lefebvre (2001), “se
a classe operária se cala, se não age, quer espontaneamente, quer através da mediação de seus
representantes institucionais, a segregação continuará com resultados em círculo vicioso [...]”.
É neste contexto de reflexões e debates que nossa proposta de estudar o processo de
participação popular em estado que ostenta configuração de poder “dinástica” ganha relevância.
Metodologia
Para realizar os dados primários serão extraídos de uma amostra aleatória do universo
dos moradores beneficiados com apartamentos, aos quais serão aplicados
questionários com perguntas abertas e fechadas. Outros segmentos igualmente
contatados serão as lideranças locais e técnicos envolvidos no projeto, com os quais
também serão realizadas entrevistas, seguindo roteiro semi-estruturado. Os dados
secundários serão obtidos a partir da análise de documentos oficiais, cadastro e
bibliografia pertinente ao tema.
Importa dizer, ainda, que o trabalho de campo representará momento ímpar, quando também
serão buscados espaços para manifestação dos sujeitos sociais.
Referências bibliográficas
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141
Diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola: o caso da Bahia e o
contexto nacional
Bolsista: Suely Noronha de Oliveira (M)
Orientadora: Alícia Bonamino / Co-orientador: José Maurício Arruti
Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) –
Programa de Pós-Ggraduação em Educação
Palavras-chave: Quilombos; educação; diretrizes curriculares.
Email: [email protected]
Apresentação
A temática do estudo a que me proponho a realizar remete à questão da educação escolar
quilombola,69
, mais precisamente à emergência desta categoria enquantocomo política pública de
Estado. Meu interesse pela discussão sobre a então chamada educação escolar quilombola surgiu a
partir da minha experiência de estudo e de trabalho com o tema da educação do campo; esta, no
plano normativo, junto à educação escolar indígena, abriu ‘“brechas”’ para a discussão de políticas
públicas com ênfase na diferença, no sistema educacional brasileiro.
Esta pesquisa, ainda em andamento, volta-se para a constituição da categoria educação
escolar quilombola, desde o processo de elaboração das diretrizes curriculares para educação
escolar quilombola no estado da Bahia. O projeto situa-se no campo da educação, em diálogo com
a antropologia, e se propõe a refletir sobre a inserção dessa nova modalidade de educação – a
educação escolar quilombola – no cenário das políticas públicas de educação no Brasil, visando
compreender esta nova categoria desde os sujeitos envolvidos, sobretudo as lideranças
quilombolas.
Entre a compreensão da categoria nativa e as demandas produzidas pelas organizações
quilombolas nos momentos de consulta das audiências públicas e a inserção destas na legislação
existe um enorme campo de negociação, sínteses, cortes e silenciamentos que se faz importante
acompanhar.
Justificativa e problema
Em pouco menos de uma década, o governo brasileiro – gestão do governo Lula –,
particularmente no tocante à educação (Ministério da Educação - MEC), propôs-se a fazer o
debate político da temática da diversidade em seus programas e ações. As políticas de ações
69
“A educação escolar quilombola foi conceituada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, 2010) afirma: é
desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à
especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios
constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira”, Resolução n. 7 de
2010 do CNE.
142
afirmativas conquistaram visibilidade no espaço político-governamental e, com base nesses
princípios, foram sancionadas algumas leis, dentre elas a Lei n. 10.639/2003, que torna obrigatório
o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do país. Esta, junto a
outras ações e circunstâncias, possibilitou a ampliação do debate público sobre educação em
comunidades quilombolas.
As comunidades quilombolas exigiram do Estado uma política específica de educação e
foram desafiadas por este a pensar e sistematizar o que vem sendo chamado de educação
quilombola. A relevância deste estudo está em oferecer uma análise do processo de formulação da
política na Bahia e suas conexões com a política nacional de educação escolar quilombola. Esta
possibilitará a continuidade da reflexão sobre políticas de educação diferenciada ou das chamadas
políticas da diversidade.
Neste sentido, questiona-se: o que é uma política de educação diferenciada e quais os
mecanismos de mediação que operam naem sua construção? Como e em que medida ela responde às
demandas e às experiências prévias do seu público-alvo?
Toma-se aqui a noção de ‘“mediação”’ para designar não só os “‘agentes e agências”’, mas
também o “‘espaço prático-discursivo”’ por meio dos quais os projetos, experiências, cosmologias,
estratégias políticas, necessidades, conveniências e oportunidades produzem um determinado objeto
novo, neste caso, as diretrizes curriculares nacionais de educação escolar quilombola.
No centro do nosso interesse estão as questões: como as formulações oficiais incorporam (ou
não) as experiências e as demandas das comunidades quilombolas? Por meio de quais mediações se
dá a comunicação entre a experiência concreta e a sua normatização? Em que medida as experiências
de educação escolar quilombola existentes contribuíram na formulação da política (diretrizes
nacionais e estaduais)?
Objetivos
Compreender como se deu o processo de elaboração das diretrizes curriculares de educação
escolar quilombola na Bahia (motivações, contexto organizativo-político, grupos envolvidos,
demandas, fluxos e conexões) e sua relação com o processo de elaboração das diretrizes
curriculares nacionais para educação escolar quilombola.
Fontes teóricas e conceituais
Embora ainda incipiente, o interesse acadêmico sobre o tema da educação escolar
quilombola é crescente. Ações governamentais no sentido de elaboração de políticas públicas de
educação específica para comunidades quilombolas, a exemplo das Diretrizes Curriculares
143
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola 2010-2011, teêm contribuído para a expansão de
pesquisas com o tema.
Para Arruti (2010), mesmo com a exclusão educacional real das comunidades quilombolas e
o tempo largo para sua correção em termos de efetivação de políticas, a proposição de políticas
públicas para educação quilombola traz avanços também do ponto de vista qualitativo, visto que
elas abordam questões de diferença cultural e não apenas a desigualdade no trato destas
comunidades.
“O que se espera dos poderes públicos é que eles reconheçam não apenas
que o preconceito racial implicou em um agravante da exploração da
população pobre e rural, mas também que tais grupos se distinguem por
formas próprias de organização social e cultural. Ao lado de uma política
fundiária diferenciada, surge a proposição de uma educação diferenciada,
que ultrapasse uma visão do outro que o reduz ao pobre, ao deficitário, ao
dominado”. (ARRUTI, 2010, p. 2)
Diante das questões colocadas e da especificidade da pesquisa proponho, enquantocomo
fontes teóricas, dialogar com o conceito de “mediação” utilizado por Montero, Arruti e Pompa
(2011) e com a noção de “ciclos” no processo de formulação de políticas públicas propostas por
Stephen Ball e Jeferson Mainardes (2006, 2011).
Metodologia
A proposta metodológica da pesquisa pauta-se na perspectiva da interface da Antropologia
com a Educação, aliando experiência de campo com observação direta, entrevistas, análise de
documentos, de percurso e de redes. Aqui há uma preocupação por entender o texto e o contexto,
fazendo-se necessário uma leitura para além do conteúdo do texto, percebendo as pessoas e seus
percursos, os grupos e os fluxos.
A recuperação e análise de fontes escritas e orais produzidas durante os seminários e
audiências públicas, assim como reuniões,70
, serão elementos-chave da pesquisa, a saber: relatórios,
texto subsídio, legislações, vídeos, e áudios.
70
Participei de três seminários para elaboração das diretrizes na Bahia (Valença, Senhor do Bonfim e Maragogipe) e do II Fórum
Baiano de Educação Quilombola; IV Encontro Nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (Conaq); II e III Audiência Pública para Elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola, promovida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
144
Pontos relevantes para discussão
Partindo-se da idéeia de que antes de pensar o pensamento é mister pensar o sujeito que
pensa, uma indagação se faz presente: quais mediações prático-discursivas singularizam as
populações quilombolas a ponto de reivindicar uma educação escolar específica? O que é, de fato,
educação quilombola, como funciona e o que a singulariza? O uso do conceito de diversidade vem
sendo utilizado recentemente no âmbito político como um anti-discurso à sua proposta inicial, no
sentido de coibir reivindicações específicas/singulares: diversidade para ampliar liberdades ou para
restringi-las? As diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola (estadual e nacional)
foram pensadas a partir de quais parâmetros político-filosófico-cultural? Esses e outros pontos
relevantes como a polarização universal-singular no ambiente das políticas públicas são levantados
em minha pesquisa, em diálogo com os sujeitos envolvidos.
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Cosac Naify. 2009.
146
ENCONTROS BRASILEIROS DE BOLSISTAS DO
PROGRAMA INTERNACIONAL DE BOLSAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA
FUNDAÇÃO FORD
Os Encontros Brasileiros de Bolsistas IFP (International Fellowships Program) são
organizados pela Fundação Carlos Chagas e realizados, anualmente, no 1º semestre. A cada ano
seleciona-se um tema, o que orienta os convites a 25 bolsistas para prepararem comunicações ou
pôsteres. Comunicações e pôsteres são avaliados por uma comissão científica ou por assessores ad
hoc brasileiros, especialistas nas diversas temáticas, e por um representante da Equipe da Fundação
Carlos Chagas. As avaliações são enviadas aos bolsistas para incorporarem as sugestões.
Anais dos Encontros anteriores estão disponíveis. Veja lista abaixo.
I ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
RIO DE JANEIRO, 16 A 18 DE JUNHO DE 2004
Relações raciais e de gênero e igualdade de oportunidades
II ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 1 E 2 DE AGOSTO DE 2005
Terra, território: recursos, proteção e direitos
III ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 17 A 19 DE MAIO DE 2006
Direitos sociais, educação, participação e mobilização: temas emergentes
IV ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 30 DE MAIO A 2 DE JUNHO DE 2007
Práticas culturais, comunicação e linguagem
V ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 3 A 5 DE JUNHO DE 2008
Educação e diversidade
VI ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 25 E 26 DE JUNHO DE 2009
Família, gênero e sexualidade
VII ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 4 E 5 DE NOVEMBRO DE 2010
Relações étnico-raciais no Brasil: o aporte de jovens pesquisadores(as)
VIII ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP
SÃO PAULO, 12 E 13 DE ABRIL DE 20122
Pesquisas sobre educação brasileira: desigualdade e diversidade
147
A Fundação Carlos Chagas é a instituição responsável pela implementação do Programa IFP no
Brasil.
Fundação Carlos Chagas
Av. Prof. Francisco Morato, 1565 - Jd. Guedala
05513-900 - São Paulo - SP
www.fcc.org.br
Leia as coletâneas que compõem a Série Justiça e Desenvolvimento / IFP-FCC
Educação – Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2007.
Mobilização, participação e direitos – Evelina Dagnino e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2007.
Estudos indígenas: comparações, interpretações e políticas – Renato Athias e Regina Pahim Pinto, Contexto,
2008.
Mulheres e desigualdades de gênero – Marília Pinto de Carvalho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2008.
Ambiente complexo, propostas e perspectivas socioambientais – Paulo Moutinho e Regina Pahim Pinto,
Contexto, 2009.
Acesso aos direitos sociais: infância, saúde, educação, trabalho – Paulo Sérgio Pinheiro e Regina Pahim
Pinto, Contexto, 2010.
Relações raciais no Brasil: pesquisas contemporâneas – Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto e
Fúlvia Rosemberg, Contexto, 2011.
Terra, território e sustentabilidade – Rafael Sanzio, Fúlvia Rosemberg e Luís Antônio Francisco de Souza,
Contexto, 2011.