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Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP Relações étnico-raciais: Educação, território e cultura São Paulo, 23 a 25 de abril de 2012
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Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

Mar 26, 2023

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Khang Minh
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Page 1: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

Relações étnico-raciais:

Educação, território e cultura

São Paulo, 23 a 25 de abril de 2012

Page 2: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Organizadoras do Encontro

Fúlvia Rosemberg

Organizadora dos Anais

Fúlvia Rosemberg

Digitação

Marcia Caxeta

Capa

A partir do cartaz original da Seleção Brasil 2009 do Programa Internacional de Bolsas de Pós-

Graduação da Fundação Ford de autoria de Paulo Malta (Editora 34).

Elaboração da Ficha Catalográfica

Biblioteca Ana Maria Poppovic

E46a ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

(12:2012, 23-25 abr.: São Paulo)

Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsista IFP: Relações

étnico-raciais: educação, território e cultura: resumos.

Organizadora Fúlvia Rosemberg. – São Paulo: Fundação

Carlos Chagas. Programa Internacional de Bolsas de Pós-

Graduação da Fundação Ford, 2012.

147 p.

1.Relações raciais. 2. Educação. 3. Cultura.

I. ROSEMBERG, Fúlvia, Org. II. Título.

ISSN 2177-6261 CDU: 323.118

Page 3: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

3

Anais do IX Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

Relações étnico-raciais:

Educação, território e cultura

São Paulo

23 a 25 de abril 2012

Page 4: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

4

Sumário

: Apresentação ...................................................................................................................... 6

: Agenda ................................................................................................................................ 11

: Ana Lúcia da Silva Sena – Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso

do Sul – uma experiência brasileira ...................................................................................... 15

: Claudiane de Menezes Ramos - Yané purakisaua kupixaua upé: manejo

agroecológico dos índios Baré no Alto Rio Negro (AM) e os impactos das

mudanças climáticas............................................................................................................ 19

: Daniel Antonio Gomes Cruz - Os agenciamentos e as ressemantizações:

as subjetividades e territorialidades de “jovens quilombolas”

em meio urbano.................................................................................................................... 24

: Ecivaldo de Souza Matos – A relação entre a proposta pedagógica e a

usabilidade técnica de um ambiente virtual de aprendizagem.............................................. 29

: Eduardo Antonio Estevam Santos – Luiz Gama: um poeta diaspórico na

contracultura.......................................................................................................................... 34

: Egnaldo Rocha da Silva – Morosidade e conflito na regularização

das terras quilombolas........................................................................................................... 37

: Elias Souza dos Santos – As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola

Normal de Aracaju no período de 1934 a 1971.................................................................... 43

: Elisabete de Oliveira Costa Santos – Planejamento e gestão social de políticas

públicas para o desenvolvimento de territórios rurais.......................................................... 48

: Flávio José dos Passos – O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em

um bairro negro.................................................................................................................... 53

: Genilson Rosa Severino Nolasco – Rowahtuze Sinã: um estudo sobre a

“pedagogia” Akwẽ e sua relação com a escola indígena ....................................................... 60

: Jacqueline da Silva Costa – Negros na universidade: o contexto do Programa

de Ação Afirmativa da – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso................ 67

: João Maciel de Araújo – Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os

marceneiros de Xapuri.......................................................................................................... 72

: José Antonio Marçal – Políticas afirmativas para negros no ensino superior:

aposta no humano como fator de transformação social........................................................ 78

: Júlia de Cássia Miguel Vieira – Educação em saúde com abordagem

transcultural: o padrão alimentar do idoso indígena............................................................. 84

Page 5: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

5

: Jurandir de Almeida Araújo – O protagonismo do Movimento Negro Baiano

pós-78 no campo da educação.............................................................................................. 90

: Lucineide Magalhães de Matos – Índios Online: uma análise da relação entre o

acesso às tecnologias de comunicação, e a cidadania no Brasil........................................... 95

: Márcia Nascimento – Línguas indígenas no contexto da educação escolar

indígena no Brasil................................................................................................................. 99

: Maria Albenize Farias Macher - Territorialidade quilombola no estado do Pará .......... 104

: Maria Priscila dos Santos de Jesus – Educação e relações étnicos-raciais: um olhar

sobre a educação de jovens e adultos no Bairro da Rua Nova............... ............................ 108

: Mario Ney Rodrigues Salvador – Os índios Terena e a agroindústria no Mato

Grosso do Sul: a relação capital-trabalho e a questão indígena atual ................................. 112

: Raimunda Regina Ferreira Barros – Os conflitos possessórios rurais no sul e

sudeste do Pará e a função social da posse: uma análise da atuação do judiciário............ 118

: Reinaldo José de Oliveira – A cidade de São Paulo no século XX:

observações sobre segregação e território............................................................. ........ 123

: Rosilene Fonseca Pereira – Criança indígena: transmissão de conhecimento ................ 128

: Silvio Sérgio Ferreira Pinheiro – Palafitas serão apartamentos: concepções,

mecanismos e limites da participação popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade,

em São Luís (estado do Maranhão) .................................................................................. 136

: Suely Noronha de Oliveira – Diretrizes curriculares para a educação escolar

quilombola: ocaso da Bahia e o contexto nacional ....................................................... 141

Page 6: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

6

Apresentação

Fúlvia Rosemberg1

É com satisfação que apresentamos ao público os Anais do IX Encontro Brasileiro de

Bolsistas do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (IFP). Os

encontros de bolsistas do IFP ocorreram anualmente desde 2003, e tratam de temas candentes das

agendas acadêmica e social do país. A cada encontro, colocamos em circulação e debate novas

produções a partir de pesquisas acadêmicas, terminadas ou em andamento, de bolsistas e ex-bolsistas

brasileiros do IFP.

A realização de encontros brasileiros de bolsistas do IFP traduz a atenção da Equipe da

Fundação Carlos Chagas, responsável pelo Programa no Brasil, com a consolidação de redes sociais

entre bolsistas e egressos do IFP, bem como sua articulação com outras redes e a sociedade mais

abrangente. Assim, temos planejado e executado atividades que fortalecem as relações entre bolsistas

e ex-bolsistas, pois, como a duração da bolsa é de no máximo três anos e os bolsistas estão dispersos

geograficamente, a criação e o fortalecimento de vínculos inter e intrageracionais devem ser

incentivados. É com esse intuito que realizamos os encontros anuais entre bolsistas e ex-bolsistas

com a apresentação e discussão de seus trabalhos.

Assim como nos anos anteriores, o IX Encontro perseguiu três objetivos: seu primeiro

objetivo foi fortalecer os vínculos entre as diferentes gerações de bolsistas do IFP, visando à

consolidação da rede de intercâmbio. O segundo objetivo foi o aperfeiçoamento acadêmico, via

elaboração e apresentação de comunicações e pôsteres, reflexão e crítica sobre os trabalhos a partir

das avaliações de debatedores e público. E o terceiro, procuramos também um intercâmbio de

bolsistas do IFP e donatários brasileiros da Fundação Ford.

A cada ano escolhemos um tema aglutinador dos trabalhos: o do I Encontro foi Ação

afirmativa; no II, tratamos do tema Terra e território; no III, dos Direitos sociais, educação,

participação e mobilização; o IV focalizou Práticas culturais, comunicação e linguagens; o V

versou sobre Educação e diversidade; o VI sobre Família, gênero e sexualidade; o VII Relações

étnico-raciais no Brasil: o aporte de jovens pesquisadores(as); o VIII focalizou Pesquisas sobre

educação brasileira: desigualdade e diversidade e o IX focalizou Relações étnico-raciais: educação,

território e cultura.

Em nossos encontros, seguimos de perto as formalidades de eventos acadêmicos: todas as

comunicações são avaliadas por uma comissão científica composta por especialistas no tema. Para

1 Professora de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora da Fundação Carlos

Chagas onde coordena, no Brasil, o Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford.

Page 7: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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este IX Encontro, por focalizar Relações étnico-raciais: educação, território e cultura, a

coordenação acadêmica dos trabalhos ficou sob minha responsabilidade e dos debatedores das

mesas: além de minha avaliação prévia, comunicações e pôsteres foram avaliados pelos debatedores:

professores Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, Luís Donizete Benzi Grupioni, Rafael Sanzio Araújo

dos Anjos, Maura Pardini Bicudo Véras e Nirlene Nepomuceno. Para a publicação destes Anais,

efetuamos outra revisão nos textos.

O encontro foi organizado em cinco mesas: procuramos reunir, em cada mesa, as

comunicações com maior afinidade temática ou de enfoque. Algumas mesas foram coordenadas por

ex-bolsistas, que também atuaram como debatedores..

A realização dos encontros se integra às diretrizes que têm norteado a implementação do

Programa IFP no Brasil, como veremos a seguir.

O Programa IFP no Brasil

Uma particularidade da implementação do Programa IFP no Brasil foi a de se identificar,

desde seu lançamento, como um programa de ação afirmativa, na medida em que seu público-alvo

são pessoas sub-representadas na pós-graduação.

Outra particularidade da implementação do Programa IFP no Brasil foi a de respeitar a

cultura que orienta as práticas locais de fomento à pesquisa e à pós-graduação, adequando-a às regras

internacionais que regem o Programa IFP e às estratégias pertinentes a programas de ação afirmativa.

Tais particularidades geraram as linhas mestras de formatação do programa IFP, descritas a seguir.

Grupos-alvo

O Programa IFP no Brasil ofereceu, a cada ano, aproximadamente, 40 bolsas de mestrado

(até 24 meses) e doutorado (até 36 meses), preferencialmente para negros e indígenas, nascidos nas

regiões norte, nordeste e centro-oeste e que provêm de famílias que tiveram poucas oportunidades

econômicas e educacionais. Tais segmentos sociais são os que apresentam os piores indicadores de

acesso à pós-graduação (fonte: Censo 2010).

Difusão

Como todo programa de ação afirmativa, a difusão do Programa IFP no Brasil foi proativa,

visando atingir os grupos-alvo por diferentes estratégias: recursos visuais, lançamentos

descentralizados, divulgação em mídia especializada, parcerias com instituições sociais e

acadêmicas.

Page 8: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Inscrição na seleção

No início do segundo trimestre civil de cada ano, foram abertas, durante um período de três

meses, inscrições para a seleção anual. Os documentos solicitados para postular uma candidatura ao

programa, e que incluem, entre outros, um formulário para candidatura e a apresentação de um pré-

projeto de pesquisa, procuram coletar informações sobre: atributos adscritos, visando caracterizar o

pertencimento do candidato aos grupos-alvo; potencial/mérito acadêmico, liderança e compromisso

social. A última seleção do Programa IFP no Brasil ocorreu em 2009, tendo sido exclusivamente

para mestrado.

Seleção

A seleção ocorreu em duas fases: na primeira fase selecionaram-se os 200 candidatos que, em

decorrência dos atributos adscritos, teriam a menor probabilidade de terminar o ensino superior.

Eram escolhidos, a seguir, os candidatos com melhor potencial/desempenho acadêmico, de

liderança e de compromisso social com o apoio de assessores ad hoc (que avaliaram o pré-projeto) e

de uma comissão de seleção brasileira, renovada periodicamente.2 A pertinência das práticas

delineadas e adotadas para divulgação e seleção pode ser comprovada na configuração do perfil de

candidatos e bolsistas brasileiros, ao longo dessas seleções e em consonância estrita com os grupos-

alvo (Tabela 1).

Porém, um programa de ação afirmativa não se resume à adoção de procedimentos

específicos de divulgação e seleção. O acompanhamento de bolsistas e ex-bolsistas constitui pedra de

toque de sua implementação.

2 A última Comissão de Seleção foi composta pelos seguintes professores: Kabengele Munanga (USP), Loussia Penha

Musse Félix (UnB), Luiz Alberto Oliveira Gonçalves (UFMG), Maria das Dores de Oliveira (UFAL), Raimundo Nonato

Pereira da Silva (UFAM), Valter Roberto Silvério (UFSCar), Vania Fonseca (Univ. Tiradentes) e Zélia Amador de Deus

(UFPA).

Page 9: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Tabela 1

Perfil de candidatos e bolsistas por seleção (em %)

Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford – Brasil

Seleção

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Atributos Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Candi-

datos

Bolsis

tas

Sexo

feminino 67 55 68 52 67 50 68 47 72 53 69 48 70 44 67 54

masculino 33 45 32 48 33 50 32 53 28 47 31 52 30 56 33 46

Nível

doutorado 24 26 26 24 22 26 18 25 23 25 22 25 23 20 - -

mestrado 76 74 74 76 78 74 82 75 77 75 78 75 77 80 100 100

Raça

branca 38 9 34 7 26 0 24 0 20 0 18 8 22 11 20 12

negra/ indígena

62 91 65 93 73 100 75 100 79 100 82 92 78 89 80 98

Região de

residência

N/NE/CO 51 57 52 62 52 69 57 60 56 55 59 60 57 69 53 65

S/SE 49 43 47 38 46 30 43 40 43 45 40 40 43 31 47 35

Total 1506 42 931 42 1212 46 1219 40 955 40 949 40 1025 45 925 48

Fonte: FCC – Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford. Arquivos (2012).

Acompanhamento

O acompanhamento é adequado às três etapas da trajetória do bolsista no programa: pré-

acadêmica, acadêmica e pós-bolsa. A etapa pré-acadêmica (duração máxima de um ano) destina-se à

preparação do bolsista para o processo de seleção em programas de pós-graduação, no Brasil ou no

exterior. Apesar de não oferecer verba para manutenção individual, o acompanhamento pré-

acadêmico disponibiliza recursos financeiros, apoio logístico e de orientação para que o bolsista

participe, com sucesso, de até quatro processos de seleção na pós-graduação: viagens, estadia,

inscrição, cursos de línguas e informática, orientação pré-acadêmica, entre outros.

Na etapa acadêmica, o bolsista recebe apoio financeiro, logístico e retaguarda de orientação

para que prossiga, com dedicação exclusiva e sucesso, no tempo requerido, sua formação pós-

graduada: manutenção, custeio acadêmico, recursos para livros, computador e formação

complementar ao cursus acadêmico são alguns dos apoios oferecidos.

No conjunto das seleções, a quase totalidade dos bolsistas selecionados ingressou em

programas de pós-graduação brasileiros credenciados pela CAPES ou estrangeiros de escol;

registramos poucas perdas por desistência, reprovação acadêmica ou descumprimento de regras

Page 10: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

10

contratuais. Além disso, o tempo médio para titulação no mestrado de bolsistas IFP tem sido

excepcional: média 27,1 meses mestrado e 44,2 no doutorado.

A notar, ainda, uma particularidade do Programa IFP no Brasil: a grande maioria de nossos

bolsistas permanece no país. Dentre os bolsistas brasileiros que optam por curso no exterior, a

maioria se dirige a universidades portuguesas, especialmente a Universidade de Coimbra. Além das

boas oportunidades oferecidas pela pós-graduação brasileira, o desconhecimento de idioma

estrangeiro parece, pois, constituir empecilho para a saída do Brasil.

O pós-bolsa foi a última etapa na trajetória de bolsista do IFP a ser implantada. Na medida em

que o Programa IFP objetiva, em última instância, a formação de líderes comprometidos com a

constituição de um mundo mais justo, igualitário e solidário, a formação pós-graduada é entendida

como uma das ferramentas para o fortalecimento de novas lideranças.3

Assim, a organização dos encontros anuais, de seus anais e das coletâneas temáticas4

contendo textos de bolsistas egressos do IFP constituem, para a equipe da Fundação Carlos Chagas,

uma atividade essencial, e não um apêndice na formatação de um programa de ação afirmativa na

pós-graduação. Em primeiro lugar, porque a preparação de comunicações e de artigos significa uma

complementação na formação dos bolsistas, nem sempre assumida pelos programas de pós-

graduação. Preparar comunicações e artigos submetê-los ao crivo dos pares, acatar críticas

pertinentes, aprimorar os argumentos são competências indispensáveis não apenas a acadêmicos,

mas também a ativistas.

Além disso, a publicação de coletâneas e de encontros temáticos (acompanhados de Anais

como este) permite a circulação de uma bibliografia nova, produzida por pesquisadores emergentes,

oriundos dos segmentos sociais com menos acesso à autoria acadêmica.

Daí nossa satisfação na publicação destes Anais sobre Pesquisas sobre educação brasileira:

desigualdade e diversidade, cujos autores são bolsistas atuais e egressos do programa IFP.

3 São consideradas atividades do pós-bolsa a participação de ex-bolsistas, que já defenderam suas teses ou dissertações,

nos encontros anuais, bem como nas coletâneas temáticas. 4 Foram publicadas até o momento, as seguintes coletâneas: Educação – Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Regina

Pahim Pinto, Contexto, 2007; Mobilização, participação e direitos – Evelina Dagnino e Regina Pahim Pinto, Contexto,

2007; Estudos indígenas: comparações, interpretações e políticas – Renato Athias e Regina Pahim Pinto, Contexto,

2008; Mulheres e desigualdades de gênero – Marília Pinto de Carvalho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2008; Ambiente

complexo, propostas e perspectivas socioambientais – Paulo Moutinho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2009; Acesso

aos direitos sociais: infância, saúde, educação, trabalho – Paulo Sérgio Pinheiro e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2010;

Relações raciais no Brasil: pesquisas contemporâneas – Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto e Fúlvia

Rosemberg, Contexto, 2011; Terra, território e sustentabilidade – Rafael Sanzio, Fúlvia Rosemberg e Luís Antônio

Francisco de Souza, Contexto, 2011.

Page 11: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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IX Encontro Brasileiro de Bolsistas do Programa Internacional de Bolsas de

Pós-Graduação da Fundação Ford

Relações étnico-raciais: Educação, território e cultura

23 a 25 de abril de 2012 Fundação Carlos Chagas – Av. Prof. Francisco Morato, 1565

Jd. Guedala – São Paulo – SP – (11) 3722-4404

Agenda

1º Dia – 23/4/2012 (2

ª feira)

9h às 9h30 – Abertura

Mesa 1. Educação

Coordenação: Paulo Baltazar

Debatedor: Luís Donizete Benzi Grupioni

9h30 – Genilson Rosa Severino Nolasco

9h50 – Rosilene Fonseca Pereira

10h10 – Marcia Nascimento

10h30 – Café

11h – Júlia de Cássia Miguel Vieira

11h20 – Debates

12h30 – Almoço

Mesa 2. Educação

Coordenação: Silma Maria Augusto

Debatedor: Luiz Alberto Oliveira Gonçalves

14h – José Antonio Marçal

14h20 – Ana Lúcia da Silva Sena

14h40 – Jacqueline da Silva Costa

15h – Jurandir de Almeida Araújo

15h20 – Suely Noronha de Oliveira

16h – Café

16h30 – Maria Priscila dos Santos de Jesus

16h50 – Debates

Page 12: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

12

2º Dia – 24/4/2012 (3ª feira)

Mesa 3. Território

Coordenação: Alexandro Rodrigues Ribeiro

Debatedor: Rafael Sanzio Araújo dos Anjos

9h – Mario Ney Rodrigues Salvador

9h20 – Claudiane de Menezes Ramos

9h40 – Egnaldo Rocha da Silva

10h – Café

10h30 – Maria Albenize Farias Malcher

10h50 – Daniel Antonio Gomes Cruz

11h10 – João Maciel de Araújo

11h30 – Elisabeth de Oliveira Costa Santos

12h – Debate

13h – Almoço

14h30 – Conferência

Mesa 4. Território

Coordenação: Nilzélia Maria da Silva Oliveira

Debatedora: Maura Pardini Bicudo Véras

15h30 – Flávio José dos Passos

15h50 – Café

16h30 – Silvio Sergio Ferreira Pinheiro

16h50 – Reinaldo José de Oliveira

17h10 – Raimunda Regina Ferreira Barros

17h30 – Debates

3º Dia – 25/4/2012 (4ª feira)

Mesa 5. Cultura

Coordenação: Ivonete da Silva Lopes

Debatedora: Nirlene Nepomuceno

9h – Eduardo Antonio Estevam Santos

9h20 – Ecivaldo de Souza Matos

9h40 – Elias Souza dos Santos

10h – Lucineide Magalhães de Matos

10h20 – Debates

11h – Café

11h30 – ABRAPPS

12h30 – Almoço

14h – Depoimentos de egressos(as) do IFP

15h20 às 16h30 – Encerramento (Café)

Page 13: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Comunicações

: Ana Lúcia da Silva Sena – Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso

do Sul – uma experiência brasileira ...................................................................................... 15

: Claudiane de Menezes Ramos - Yané purakisaua kupixaua upé: manejo

agroecológico dos índios Baré no Alto Rio Negro (AM) e os impactos das

mudanças climáticas............................................................................................................ 19

: Daniel Antonio Gomes Cruz - Os agenciamentos e as ressemantizações:

as subjetividades e territorialidades de “jovens quilombolas”

em meio urbano.................................................................................................................... 24

: Ecivaldo de Souza Matos – A relação entre a proposta pedagógica e a

usabilidade técnica de um ambiente virtual de aprendizagem.............................................. 29

: Eduardo Antonio Estevam Santos – Luiz Gama: um poeta diaspórico na

contracultura.......................................................................................................................... 34

: Egnaldo Rocha da Silva – Morosidade e conflito na regularização

das terras quilombolas........................................................................................................... 37

: Elias Souza dos Santos – As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola

Normal de Aracaju no período de 1934 a 1971.................................................................... 43

: Elisabete de Oliveira Costa Santos – Planejamento e gestão social de políticas

públicas para o desenvolvimento de territórios rurais.......................................................... 48

: Flávio José dos Passos – O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em

um bairro negro.................................................................................................................... 53

: Genilson Rosa Severino Nolasco – Rowahtuze Sinã: um estudo sobre a

“pedagogia” Akwẽ e sua relação com a escola indígena ....................................................... 60

: Jacqueline da Silva Costa – Negros na universidade: o contexto do Programa

de Ação Afirmativa da – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso................ 67

: João Maciel de Araújo – Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os

marceneiros de Xapuri.......................................................................................................... 72

: José Antonio Marçal – Políticas afirmativas para negros no ensino superior:

aposta no humano como fator de transformação social........................................................ 78

: Júlia de Cássia Miguel Vieira – Educação em saúde com abordagem

transcultural: o padrão alimentar do idoso indígena............................................................. 84

: Jurandir de Almeida Araújo – O protagonismo do Movimento Negro Baiano

Page 14: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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pós-78 no campo da educação.............................................................................................. 90

: Lucineide Magalhães de Matos – Índios Online: uma análise da relação entre o

acesso às tecnologias de comunicação, e a cidadania no Brasil........................................... 95

: Márcia Nascimento – Línguas indígenas no contexto da educação escolar

indígena no Brasil................................................................................................................. 99

: Maria Albenize Farias Macher - Territorialidade quilombola no estado do Pará .......... 104

: Maria Priscila dos Santos de Jesus – Educação e relações étnicos-raciais: um olhar

sobre a educação de jovens e adultos no Bairro da Rua Nova............... ............................ 108

: Mario Ney Rodrigues Salvador – Os índios Terena e a agroindústria no Mato

Grosso do Sul: a relação capital-trabalho e a questão indígena atual ................................. 112

: Raimunda Regina Ferreira Barros – Os conflitos possessórios rurais no sul e

sudeste do Pará e a função social da posse: uma análise da atuação do judiciário............ 118

: Reinaldo José de Oliveira – A cidade de São Paulo no século XX:

observações sobre segregação e território..................................................................... 123

: Rosilene Fonseca Pereira – Criança indígena: transmissão de conhecimento ................ 128

: Silvio Sérgio Ferreira Pinheiro – Palafitas serão apartamentos: concepções,

mecanismos e limites da participação popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade,

em São Luís (estado do Maranhão) .................................................................................. 136

: Suely Noronha de Oliveira – Diretrizes curriculares para a educação escolar

quilombola: ocaso da Bahia e o contexto nacional ....................................................... 141

Page 15: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Gênero, raça e ação afirmativa no Mato Grosso do Sul – uma experiência

brasileira Ex-bolsista: Ana Lúcia da Silva Sena (M)

Orientadora: Teresinha Bernardo

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais

Palavras-chave: Gênero, raça, ação afirmativa, representação política, desigualdades

Email: [email protected]

Introdução

Esta comunicação baseia-se em minha dissertação de mestrado, intitulada “Gênero, raça e

ação afirmativa no Mato Grosso do Sul – Uma experiência brasileira”, que analisou a participação,

inserção e representatividade das mulheres no processo político do Estado de Mato Grosso do Sul,

considerando a implementação da Lei Federal n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, que instituiu

reserva mínima de 30% e máxima de 70% das vagas das candidaturas dos partidos políticos para

cada sexo em todos os pleitos eleitorais. O período abrangido situa-se entre 1996 – ano da última

eleição antes da promulgação da lei – e 2008 data da última eleição antes do início da pesquisa.

Para melhor compreensão do quadro político do estado, vale mencionar, brevemente, o

processo histórico e político do estado e como se constituíram as forças oligárquicas e hegemônicas

que ainda hoje ali detêm o poder. A formação social, política e econômica do Mato Grosso do Sul

remete à guerra do Brasil contra o Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, episódio que aponta para

o surgimento da população negra local. De acordo com o historiador Campestrine (apud LEÃO,

2005), o governo imperial enviou milhares de negros para lutar na guerra sob a promessa de que,

quando retornassem, receberiam suas cartas de alforria, promessa que não foi cumprida.

Não há exagero em afirmar que a hierarquia racial de velhos tempos permanece praticamente

intacta no estado, e que esta se constitui nas relações sociais como um dado de superioridade baseado

na diferença da cor da pele, com um grupo racial sobrepondo-se a outro de forma perversa. Como

explica Costa (2003) em relação à população negra brasileira, “a violência racista do branco é

exercida, antes de qualquer coisa, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro”

(p. 137).

Assim, optou-se, na abordagem, por entrelaçar as categorias de gênero e raça, de forma a

dimensionar se a diversidade étnico-racial existente na sociedade se reproduzia no universo político e

o quanto o processo de hierarquização racial, associado à percepção da branquitude, pesa na vida das

mulheres negras atuantes ou envolvidas na política. Nesse sentido, os conceitos de gênero, raça e

ação afirmativa foram fundamentais para compreender como essas categorias operam e em que

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16

momento elas se entrelaçam e se constituem barreiras para o avanço da representação das mulheres

negras na política.

Objetivo

Este trabalho procurou compreender o motivo pelo qual não houve avanço da

representatividade das mulheres na ocupação dos cargos públicos eletivos no Mato Grosso do Sul,

mesmo vigorando, oficialmente, uma ação afirmativa favorável às mulheres na política. Análise de

dados coletados junto ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul indicou que entre um

período eleitoral e o subsequente as mulheres sofreram um declínio de 7,96% em relação aos homens

na concorrência pelo mesmo cargo.

Justificativa

O estado do Mato Grosso do Sul é considerado pioneiro na implementação de ações

afirmativas, tanto em relação à questão de gênero quanto à de raça, tendo adotado cotas para negros

em algumas áreas do serviço público como meio de reduzir desigualdades históricas. Entende-se cota

como a utilização de reservas de vagas em diversos setores da sociedade, especialmente em

universidades e órgãos públicos, como medida compensatória para grupos historicamente excluídos

de processos e serviços essenciais de uma sociedade em razão de suas diferenças; neste caso, a cor da

pele.

Com base nessa realidade de hierarquização racial associada ao privilégio da branquitude,

construção social que tornou o branco padrão de referência da espécie humana, optou-se por adotar,

no estudo, o entrelaçamento das categorias de gênero e raça. Partiu-se da hipótese de que as

categorias gênero e raça se sobrepõem, causando prejuízos mais acentuados às mulheres negras que

pleiteiam ocupar cargos públicos eletivos nas cidades onde vivem. O recorte racial foi crucial para

evidenciar que os efeitos perversos do “racismo à brasileira” são um importante componente a ser

considerado neste processo de inserção, no tocante ao envolvimento das mulheres negras na política.

É relevante levantar discussões sobre as desigualdades raciais existentes no contexto das

desigualdades de gênero por percebê-las atreladas às mazelas sociais que acometem profundamente

as mulheres negras.

Referencial teórico ou conceitual

Meu trabalho dialogou com vários autores e autoras, dentre os quais Heleieth Saffiot, Maria

Aparecida S. Bento e Kabengele Munanga, que ajudam a compreender os perversos processos de

desigualdades existentes na sociedade brasileira, sobretudo os que mais prejudicam as mulheres.

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17

Saffioti diz que “o par da diferença é a identidade” (2004, p. 37), ou seja, é fundamental preservar a

diferença sem perder a identidade, tanto nas relações de gênero quanto nas relações raciais e étnicas.

Emprego gênero como uma construção social do sujeito masculino ou feminino, e recorro a

Scott (1989) para analisar o conceito a partir de uma perspectiva central e constitutivo das relações

sociais baseadas nas diferenças entre os sexos e como primeira forma de manifestação de poder.

Levanto discussões não apenas sobre a diferença de gênero, mas também de raça, para apontar o

entrelaçamento entre ambas no cotidiano das mulheres e compreender como tal processo interfere

nas relações sociais entre homens e mulheres e, sobretudo, entre as próprias mulheres.

Entendo que gênero e raça se sobrepõem nas relações sociais, oprimindo, em especial, as

mulheres negras, a ponto de impedi-las de usufruírem, na mesma proporção, dos avanços

conquistados pela luta dos movimentos feministas ao longo de décadas. Essa diferença, no tocante à

questão racial, é fruto de uma política do branqueamento, que reforça o sentimento de branquitude

internalizado e arraigado na população branca brasileira, segundo estudos de Bento e Carone (2001,

p. 70), contribuindo para a cristalização e permanência de um status quo que acaba por atingir

indistintamente todas as mulheres, pois o opressor em comum é o homem branco, europeizado e

detentor do poder político e financeiro.

Métodos e procedimentos

A pesquisa lançou mão de diferentes métodos, tais como entrevistas presenciais e por meios

eletrônicos, gravadas com o devido consentimento dos entrevistados, e pesquisa bibliográfica. Foram

entrevistados dois dirigentes partidários e três prefeitas de municípios do interior do estado, que se

autodeclaram brancos e brancas; duas vereadoras, sendo uma branca e outra negra; quatro candidatas

que não chegaram a ser eleitas, sendo que, destas, três se declaram negras e uma, branca; e uma

deputada estadual autodeclarada branca.

Todos os participantes das entrevistas representavam diferentes correntes políticas e

partidárias e foram escolhidos ou por seu perfil de militância social e partidária, ou simplesmente por

ocuparem cargos de direção ou, no caso das mulheres, por terem sido eleitas para um cargo público

de maior destaque.

Os dados estatísticos empregados no estudo foram coletados junto ao Tribunal Regional

Eleitoral de Mato Grosso do Sul.

Considerações finais

Ao compreender o processo e o contexto histórico da luta do feminismo no Brasil, percebe-se

a invisibilidade a que foram relegadas as mulheres negras, cujas histórias de vida deram-se de forma

Page 18: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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distinta das mulheres brancas. A hierarquia racial mantém-se, ainda hoje, embora de forma não tão

explícita, como um divisor de águas entre os dois grupos. Intencionalmente, agregou-se à discussão

sobre a diferença de gênero a diferença de raça, com o intuito de mostrar que ambas estão

entrelaçadas no cotidiano das mulheres e que é preciso compreender como tal processo interfere nas

relações sociais, não apenas entre homens e mulheres, mas também entre as próprias mulheres.

Gênero e raça sobrepõem-se nas relações sociais, resultando em opressão, em especial para as

mulheres negras, a ponto de impedi-las de usufruírem, na mesma proporção que as brancas, dos

avanços conquistados pelos movimentos feministas ao longo das últimas décadas.

Nesse sentido, ações afirmativas baseadas somente em gênero mostram-se deficientes em

vários aspectos, pois, além de não garantirem rupturas no ciclo de domínio dos homens, no campo

político, de certo modo, privilegiam as mulheres brancas em detrimento das negras e indígenas.

Minha pesquisa apontou ainda outros fatores impeditivos ao êxito das mulheres na política, entre os

quais a falta de comprometimento daqueles que se mantêm no poder em se empenhar na superação

das desigualdades de gênero e raça. Observou-se, também, que os partidos políticos não diferem

entre si no trato das questões raciais e de gênero.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Com

alterações introduzidas pela Lei n. 9.840, de 28 de setembro de 1999 e Lei n. 10.408, de 10 de

janeiro de 2002 e Lei n. 10.740, de 1º de outubro de 2003. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L9504.htm>.

CARONE, I. & BENTO, M. A. S. (orgs). Psicologia Social do racismo. Vozes: São Paulo, 2001.

COSTA, J. F. Da cor ao corpo: a violência do racismo. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro:

Graal, 2003.

FISCHER, I. R. M, F. Gênero e exclusão social. Instituto de Pesquisas Sociais, Fundação Joaquim

Nabuco, 2001.

LEÃO, S. R. Kamba’Race: notas sobre a questão racial na história do exército brasileiro, 2000.

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

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WARE, V. (org.). Branquidade: identidade e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

Page 19: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

19

Yané purakisaua kupixaua upé: manejo agroecológico dos índios Baré no Alto Rio

Negro (AM) e os impactos das mudanças climáticas

Bolsista: Claudiane de Menezes Ramos (M)

Orientador: Luiz Antônio Cabello Norder

Instituição: Universidade Federal de São Carlos – Programa de Pós-Graduação em

Agroecologia e Desenvolvimento Rural

Palavras-chave: Agroecologia, mudanças climáticas, Baré

Email: [email protected]

Apresentação

Este estudo aborda a realidade dos índios Baré na comunidade indígena Tabocal dos Pereira e

terra indígena Marabianas/Cué-cué, no estado do Amazonas. Seu principal foco se volta para o

manejo agroecológico praticado pelos agricultores indígenas no interior da floresta e os principais

impactos das mudanças climáticas por eles percebidos na pesca, caça, coleta, agricultura, rio, clima

(temperatura e chuva). A ameaça das mudanças climáticas na agricultura causa grandes

preocupações, uma vez que os fatores ambientais são indispensáveis para o cultivo agrícola

(ALTERI, 2004).

A região do Alto Rio Negro é pluriétnica: aí habitam 23 povos indígenas que falam 19 línguas

distintas. Apesar dessa diversidade, compartilham o mesmo sistema de produção de alimentos. A

agricultura praticada pelos povos indígenas do Alto Rio Negro é de subsistência, que também pode

ser identificada como agroecológica, isto é, socialmente justa, economicamente viável, saudável e

ecologicamente correta. Essa agricultura faz parte da história desses povos e é repassada,

tradicionalmente, aos filhos.

Há uma relação harmoniosa entre o agricultor indígena e a rica diversidade de plantas

cultivadas na região. Os indígenas possuem uma visão holística da natureza, pela qual os fatores

ambientais, sociais e econômicos estão intimamente interligados. Segundo Emperaire (2001), as

regiões do Alto e Médio Rio Negro são consideradas um centro de diversificação das espécies. Ali

encontramos, aproximadamente, 99 espécies de plantas comestíveis – sendo 38 espécies anuais –, 51

árvores frutíferas e 10 espécies de palmeiras (KATZ & EMPERAIRE, 2008); as espécies de

mandioca são as mais cultivadas e é base de toda a alimentação indígena da região. De acordo com

Andrello e colaboradores (2001), as populações tradicionais contribuem para a diversidade das

espécies, do ecossistema e da genética, visto que desenvolveram uma relação de integração com a

natureza, ou seja, manejam o meio ambiente sem causar impactos negativos.

Page 20: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Objetivo geral

A dissertação de mestrado tem por objetivo geral avaliar como as variações do clima são

percebidas pelos índios Baré da comunidade indígena Tabocal dos Pereira, no Alto Rio Negro, e

avaliar seu impacto na produção agrícola e na organização social e política dessa comunidade.

Objetivos específicos

Identificar e descrever as características básicas e as transformações históricas da produção

agrícola e a cultura tradicional dos índios Baré no Alto Rio Negro;

identificar, analisar e interpretar a percepção, a forma de descrição e os fenômenos apontados

pelos moradores da comunidade Tabocal sobre as mudanças climáticas;

analisar a forma como as comunidades associam as mudanças climáticas aos problemas recentes

na agricultura;

analisar as estratégias agroecológicas, produtivas e sociais de adaptação e coexistência com as

mudanças climáticas da forma como são percebidas pelas comunidades.

Justificativa

Esta pesquisa é necessária para superar os desafios socioeconômicos e ambientais associados

ao maior problema ambiental do nosso tempo: as mudanças climáticas. Atualmente, os ecossistemas

do Alto Rio Negro passam por visíveis alterações climáticas. Existem fatores que evidenciam essas

transformações, como a elevação da temperatura do ar e da água, modificações nos períodos de

estiagens e cheias, chuvas. Isso vem prejudicando, intensamente, a prática Yané purakisaua

kupixaua upé (em língua indígena Nheengatu ou tupi moderno), isto é, a agricultura do tipo

tradicional, de subsistência. Tal agricultura caracteriza-se por utilizar técnicas de plantios que não

agridem o meio ambiente, usando mão de obra basicamente familiar, sem utilizar nenhuma

tecnologia ocidental e realizada com base no conhecimento tradicional. Portanto, podemos chamá-la

de agroecológica.

Os sistemas agrícolas com base agroecológica são biodiversos, resilientes, eficientes

energeticamente, socialmente justos e constituem a base de uma estratégia energética e produtiva

fortemente vinculada à soberania alimentar (ALTIERI, 2004). No entanto, existem claros indicadores

ecológicos que evidenciam as mudanças climáticas na região, como por exemplo, secas e enchentes

em excesso; espécies agrícolas mortas em decorrência da altas temperaturas; diminuição na

Page 21: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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disponibilidade de peixes; modificação na fenologia5 das plantas etc. Os agravos ambientais também

afetam a saúde dos indígenas: na época de chuvas intensas aumentam os casos de malária.

Referencial teórico

A relação entre o clima e a produção agrícola no Brasil vem sendo alvo de pesquisa há muito

tempo. Um conjunto de ferramentas vem sendo utilizado para apoiar o governo brasileiro no

planejamento e controle, por parte do Estado, racionalizando o uso de recursos públicos e

estimulando a aplicação adequada da tecnologia na redução dos riscos e perdas e elevação da

produtividade (NAPOLEÃO, 2008).

A agricultura é uma atividade altamente dependente de fatores climáticos, como temperatura,

pluviosidade, umidade do solo e radiação solar. A mudança climática pode afetar a produção agrícola

de várias formas: a frequência e a severidade de eventos extremos, pelo aumento da produção devido

ao efeito fertilizador de carbono por meio de maiores concentrações de CO2 atmosférico; pela

alteração da intensidade de colheita devido a uma mudança no número de graus-dia de crescimento;

ou então modificando a ocorrência e a severidade de pragas e doenças (EMBRAPA, 2010).

Segundo o Relatório “Estado do Mundo” (2011), a agroecologia é uma das ferramentas que

pode ser utilizada para combater e amenizar as mudanças climáticas. Diante disso, este trabalho

pretende aprofundar o conhecimento científico sobre os impactos das mudanças climáticas nas

práticas agrícolas e na vida cotidiana e sociopolítica das comunidades indígenas do Alto Rio Negro,

estado do Amazonas, e, a partir disso, refletir sobre o papel das políticas públicas e da agroecologia

nesse contexto específico.

Metodologia

A pesquisa proposta na dissertação é de tipo qualitativa com enfoque etnográfico, descritivo e

interpretativo. Segundo Silva (2010), a pesquisa com enfoque etnográfico surgiu no cenário da

Antropologia, com a finalidade de “compreender as relações socioculturais, os comportamentos,

ritos, técnicas, saberes e práticas das sociedades”, até então desconhecidos e que se adaptaram a

problemas comuns da atualidade.6

A escolha dessa metodologia se baseou no tipo de pesquisa, considerando o fato de a

pesquisadora/autora pertencer ao grupo indígena estudado e ser falante da língua Nheengatu ou Tupi

5 Fenômenos periódicos das plantas, como brotação, floração etc.

6 A etnografia também é conhecida como pesquisa social, observação participante, pesquisa interpretativa, pesquisa

analítica, pesquisa hermenêutica (MATOS, 2001).

Page 22: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

22

Moderno. Isso foi indispensável para realizar as entrevistas e as discussões em grupos, fazendo

sentir-me mais segura e deixando o(a) agricultor(a) indígena mais à vontade.

O ingresso para realizar pesquisa na terra indígena Marabitanas/Cué-cué foi autorizado pelo

ofício n. 229, de 28 de novembro de 2011, processo n. 015678/11 da Funai (Fundação Nacional do

Índio), estando de acordo com a portaria n. 177 que dispõe sobre o respeito aos povos indígenas, a

proteção de seu patrimônio material e imaterial relacionados à imagem, criações artísticas e culturais.

Em dezembro de 2011, viajei para o local. Chegando à comunidade, iniciei as explicações

sobre o propósito da pesquisa e comecei a coleta de dados. Foi um grande desafio ser pesquisadora

do meu grupo/etnia, da minha própria cultura. Ao entrevistar pessoas com as quais convivi a maior

parte de minha vida, corria o risco de não dar relevo a aspectos que, por conhecê-los há muito,

poderiam não parecer relevantes, contrariamente ao que poderia ser considerado por pesquisador(a)

de fora da comunidade. Então tive que aprender a observar e coletar dados como um sujeito estranho.

Contudo, foi produtivo dispor de conhecimento dessa realidade.

No campo, as famílias me auxiliaram muito, mostrando as práticas agrícolas. Nós vivemos

uma estreita relação. Pude conviver na casa do Senhor Antônio Barbosa7 enquanto o trabalho de

campo perdurou.

Resultados esperados

Com a presente pesquisa esperamos contribuir para o conhecimento científico e a inovação

agroecológica no país, identificando os principais impactos das mudanças climáticas na vida desse

povo indígena. Além disso, espera-se que esta pesquisa possa servir de subsídio para futuros projetos

de ação nestas regiões e, principalmente, colaborar com o desenvolvimento da comunidade indígena

envolvida no projeto.

Referências bibliográficas

ALTIERI. M.A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto Alegre:

Editora da UFRGS, 2004.

ANDRELLO, G. L.; DIEGUES, A. C.; NUNES, M. Populações tradicionais e biodiversidade na

Amazônia: levantamento bibliográfico georreferenciado. In: CAPOBIANCO, J. P. R. (org.).

Biodiversidade na Amazônia brasileira. São Paulo: Editora Estação Liberdade/Instituto

Socioambiental, 2001, v.1, p. 205-24.

7 Indígena pertencente à etnia Baré.

Page 23: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

23

EMBRAPA, Mudanças climáticas e a agricultura. Jaguariúna: CNPMA - Centro Nacional de

Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental, 2010. Disponível em: <

http://cnpma.embrapa.br/unidade>. Acesso em: 05/10/2010.

EMPERAIRE, L. Elementos e discussão sobre a conservação da agrobiodiversidade: o exemplo da

mandioca (Manihot esculenta Crantz) na Amazônia brasileira. In: CAPOBIANCO, J. P. R. (org.).

Biodiversidade na Amazônia brasileira: São Paulo: Estação Liberdade/Instituto Socioambiental,

2001, v.1, p. 225-34.

ESTADO DO MUNDO 2011. Disponível em:

<http://www.akatu.org.br/Content/Akatu/Arquivos/file/Publicacoes/EstadodoMundo2011_portugues

.pdf> Acesso em: 29 jun 2012.

KATZ, E.; EMPERAIRE, L. Agrobiodiversity of food plants in the Middle Rio Negro, an

agricultural an culinary heritage? [Apres. ao 11th

International Congress of Ethnobiology Biocultural

Heritage, Community-led Conservation rights and local Livelihoods, Cusco, June 25th

30th

2008].

MATOS, C. L. G. de. A abordagem etnográfica na investigação científica. UERJ, 2001. Disponível

em: <http// www.ines.org.br>. Acesso em 05 de março de 2012.

NAPOLEÃO, B. A. (Presidente EPAMIG). Efeitos das mudanças climáticas na agricultura.

EPAMIG: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais. Informe Agropecuário, v. 29, n. 226

– set./out. 2008.

SILVA, M. O. L. da. Etnografia e pesquisa qualitativa: apontamentos sobre um

caminho metodológico de investigação. UFPI, 2010. Disponível em:

<http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/VI.encontro.2010/GT.1/GT_01_15.pdf>.

Acesso em: 10 /02/2012.

Page 24: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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Os agenciamentos e as ressemantizações: as subjetividades e territorialidades de

“jovens quilombolas” em meio urbano.

Bolsista: Daniel Antonio Gomes Cruz (M)

Orientador: Julio Tavares

Instituição: Universidade Federal Fluminense –- Programa de Pós-graduação em

Antropologia (PPGA)

Palavras-chave: jovens, quilombolas, subjetividades, agenciamentos.

Email: [email protected]

Introdução

Por meio desta proposta de pesquisa, situada no interior da perspectiva antropológica,

pretende-se analisar as “múltiplas posições de sujeito” (BUTLER, 2003) tomadas por jovens de

comunidades quilombolas no contexto urbano da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Entende-

se tais posicionamentos pessoais e coletivos como uma construção social, política, relacional,

múltipla e não-fixa, produzida nas relações de fronteira e nas conexões parciais e nos encontros entre

o eu e o outro (BARTH, 1998). Além disso, considera-se que o processo de subjetivação não se dá

de modo individual, e sim na negociação e interação entre os agentes, agências e as classificações

sociais historicamente disponíveis. Tendo em vista minha área de formação em Ciências Sociais, é

necessário ressaltar que não irei tratar de subjetividades individuais, mas de processos coletivos, ou

melhor, dos agenciamentos coletivos de subjetivação (DELEUZE, 1995).

Dessa forma, a questão central a conduzir esta pesquisa é: de que modo os jovens, que até

então eram identificados como “negros favelados” e que agora passam a ser vistos também como

“quilombolas”, articulam estas identidades ligadas, em termos de representações sociais correntes,

respectivamente ao “moderno” e ao “tradicional”? Esta indagação suscitou outros

questionamentos, tais como: a) Dentro destas múltiplas formas positivas de se identificar (negro,

favelado e quilombola), em que situações e espaços esses jovens acionam uma ou outra dessas

categorias? b) O trânsito desses jovens entre expressões artístico-culturais tradicionais e locais, tal

como o samba e o congado, as religiões de matriz africana e expressões modernas globais como o

hip hop, mais especificamente o rap, produziriam hibridações e apropriações entre as mesmas?

Haveria alguma tensão, conflito ou impasses nesse fluxo? c) Como esse duplo pertencimento é

tematizado dentro da produção simbólica desses jovens?

Essas são algumas das indagações a que meu trabalho, acompanhando de perto esses sujeitos,

se propõe a responder.

Page 25: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

25

Objetivos

A partir de uma pesquisa etnográfica junto aos jovens de duas comunidades de Belo

Horizonte, pretende-se investigar como e em que medida o trânsito de jovens entre diversos espaços

de produção simbólica da cidade e o uso de categorias sociais de identificação ligados à participação

da “modernidade” e à ideia de “tradição” promovem articulações entre representações do “passado”

e do “presente” e de que maneira essas pertenças são tematizadas na produção artísitico-expressiva

desses jovens. Para isso, objetivamos acompanhar um processo de ressemantização dos

pertencimentos a partir do surgimento da categoria de “jovens quilombolas” em um contexto urbano,

levantando os impactos dessa nova identificação; mapear os múltiplos espaços de construção e

positivação das subjetividades de jovens negros ligados à ideia de “modernidade” e a de “retorno às

tradições” no que tange à participação e expressão artístico-musical; e identificar os momentos em

que esses sujeitos decidem acionar a identidade quilombola e as motivações levantadas na interação

com outros jovens em diferentes espaços da cidade.

Justificativa

Os quilombolas vêm recebendo atenção crescente do poder público e organizando

movimentos sociais com grande repercussão nacional. Há uma extensa produção bibliográfica que

ajudou essas coletividades a encaminharem seus pleitos e a conquistarem do governo programas

especiais de Políticas Públicas. A participação dos antropólogos tem sido fundamental neste debate

e, tal como defende Arruti, sua agência dos mesmos não pode ser subestimada no processo de

visibilidade e ressemantização das comunidades quilombolas (ARRUTI, 2006).

No entanto, percebo haver uma lacuna na produção do conhecimento a respeito das

consequências do reconhecimento como quilombola em termos de uma reconfiguração da dimensão

intersubjetiva, em especialmente na relação com os habitantes do entorno. Principalmente sobre a

realidade dos quilombos urbanos, esta lacuna é ainda mais visível, já que a maioria dos estudos

etnográficos sobre quilombos tem se concentrado no meio rural.

Além disso, ao longo da minha trajetória de envolvimento com a temática quilombola,

percebi que a maioria dos estudos sobre tais populações tem atentado para a luta pela manutenção do

território e, deste modo, elegido a comunidade ou as organizações políticas do movimento

quilombola como a unidades de análise. Há poucos estudos que focam, mais especificamente, o

impacto do entrecruzamento da identidade quilombola com outras identidades de parcelas desta

população como a juventude, por exemplo. Dentre os poucos trabalhos a que tive acesso e que

promovem tal cruzamento, destacam-se o livro da geógrafa Lourdes Carril (2006) e uma dissertação

de mestrado em Educação de Bastos (2009). Contudo, alguns autores também têm constatado a

Page 26: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

26

pouca produção acadêmica sobre as especificidades da condição juvenil dos negros, principalmente

no que diz respeito ao entendimento desses jovens como sujeitos socioculturais e não como

“problemas sociais” (CARRANO, 2002; DAYRELL, 2005).

Acredito que o trabalho proposto tenha, além de uma contribuição à minha área de saber

específica, uma relevância social, uma vez que conhecer a realidade dos sujeitos é uma premissa

básica para a constituição de políticas públicas eficientes. Ainda que tenha seu escopo bem definido

como pesquisa acadêmica, este trabalho pode ser base para se pensar sobre as especificidades do

jovem quilombola em relação a outras condições juvenis como sujeito de direitos no âmbito do

acesso a bens culturais e ao lazer sem também correr o risco do exoticismo. Como jovem negro

originado da periferia urbana, envolvido nas lutas pelos direitos da juventude e pelos direitos das

populações quilombolas, assumo também a escolha desta temática, bem como a ênfase na relação

com as musicalidades de matriz africana a partir de seu caráter pessoal, afetivo e político.

Referencial teórico ou conceitual

De acordo com o Arruti e Almeida (1996, 2002), o processo de formação dessas novas

etnicidades no Brasil contemporâneo tem se dado a partir da ressemantização, a qual implica uma

revisão da memória coletiva desses grupos, sua re-historicização, atualização e atribuição de novos

significados às identidades que a estas comunidades eram atribuídas.

A respeito da ideia de “tradicional”, deve-se ainda considerar que ela é vista como resultado

de um processo social de negociação de versões legítimas de uma ou mais histórias, sem que esta

busque na continuidade histórica o critério de legitimidade da identidade reivindicada no presente.

Para uma discussão aprofundada sobre esta interlocução entre a Antropologia e a História me baseio,

entre outros, nos estudos de Sahlins (2003), principalmente em sua discussão argumentação sobre o

conceito de estruturas da conjuntura e indigenização da modernidade. Especificamente sobre o

contexto de surgimento de novas etnicidades no Brasil tomo como ponto de partida os estudos de

Pacheco de Oliveira (1998); Arruti (1997, 2006) e Almeida (1996, 2002).

Assim, a afirmação da tradição não é uma recusa à modernidade, mas sim a marcação de

possibilidades de inserção na modernidade a partir de projetos alternativos ao modelo imposto pela

modernidade ocidental em suas bases coloniais (SANTOS, 2006). Levando em conta que a pertença

étnico-racial é expressa coletiva e subjetivamente e que não se dá de modo uníssono entre todos os

integrantes de uma comunidade, a proposta desta pesquisa é perceber essas variações a partir das

diferenças geracionais, concentrando-se na parcela juvenil desta comunidade.

Page 27: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

27

Metodologia e procedimentos

No intuito de construir colaborativamente um saber antropológico com os/as jovens

quilombolas é que se pretende trabalhar com a concepção polissêmica do termo “tradução”, tanto no

nível metodológico e epistemológico quanto no nível intersubjetivo e afetivo envoltos no processo de

construção do conhecimento etnográfico. A proposta é que, para além de meros “informantes”, tais

jovens se apropriem da pesquisa tornando-se seus interlocutores. Deste modo, para colocar a termo a

“tradução” serão acionados os seguintes passos e instrumentos metodológicos:

a) Análise de documentos históricos dos Relatórios Antropológicos de Caracterização Histórica,

Econômica e Sócio-cultural das comunidades selecionadas.

b) A observação participante nas comunidades escolhidas com registro em diário de campo. Nesta

ocasião serão feitas entrevistas em forma de conversas informais principalmente com os jovens da

comunidade para seleção dos interlocutores da segunda etapa da pesquisa.

c) A segunda etapa da pesquisa consistirá em um mapeamento, através da observação participante

com uso de diário de campo e registro audiovisual, das redes sociais de alguns dos jovens

quilombolas por seus espaços de produção e participação artístico-cultural e de sociabilidade na

música, formulando traçados entre cidade envolvente e a comunidade. Nesta etapa serão feitas,

também, entrevistas individuais com os sujeitos acompanhados.

Nos resultados, transcreverei as entrevistas em profundidade, registradas com auxílio de

gravador e o diário de campo confrontando-as com os outros registros documentais e audiovisuais.

Do cruzamento destes dados serão selecionadas as categorias de análise as quais darão base ao

argumento desenvolvido no texto etnográfico.

Devido à facilidade de inserção no campo, o trabalho empírico será na cidade de Belo

Horizonte, especificamente em uma das comunidades já reconhecidas como quilombolas e que estão

atualmente em processo de titulação de suas terras, a saber, a Comunidade de Mangueiras e a

Comunidade dos Luízes, cujos relatórios antropológicos (NUQ, 2008) foram elaborados pela equipe

do NUQ – Núcleo de Estudos Sobre Populações Quilombolas e Tradicionais/UFMG. Trata-se de

dois quilombos urbanos, bastante integrados à rotina e ao estilo de vida e trabalho dos bairros à sua

volta.

Tendo em vista estes desafios, já que a pesquisa inicia neste momento sua fase empírica,

gostaria de concluir dizendo que o proposto é na medida do possível produzir uma etnografia que

contribua tanto para o campo dos estudos sobre quilombos e sobre juventude como também para a

produção de políticas públicas menos normativas e mais condizentes com o que os quilombolas

estejam pautando como pontos essenciais de sua resistência sem a imposição de normatividades.

Page 28: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

28

Referências bibliográficas

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Page 29: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

29

A relação entre a proposta pedagógica e a usabilidade técnica de um ambiente

virtual de aprendizagem Ex-bolsista: Ecivaldo de Souza Matos (D)

Orientadora: Stela Conceição Bertholo Piconez

Instituição: Universidade de São Paulo – Programa de Pós-Graduação em Educação

Palavras-chave: usabilidade, proposta pedagógica, ambiente virtual de aprendizagem.

Email: [email protected]

Introdução

Que aspectos de Interação Humano-Computador (IHC) influenciam um processo de ensino-

aprendizagem adequado? Do que depende esta interação: da proposta pedagógica, do recurso

tecnológico ou da articulação entre ambos? A usabilidade técnica de um recurso tecnológico pode

intervir no alcance dos objetivos pedagógicos? Qual o papel do ambiente virtual nesta avaliação?

Quais impactos pedagógicos podem ser observados se a usabilidade técnica na utilização de

ferramenta do tipo fórum em um ambiente virtual de aprendizagem for avaliada sob o ponto de vista

dos agentes de interação (estudantes e/ou professores)?

São essas as perguntas que norteiam minha tese de doutorado em andamento.

Objetivo

Esta pesquisa tem como objetivo descrever e compreender a relação humano-computador em

seu movimento dialético entre os objetivos didático-pedagógicos e a usabilidade técnica percebida

por meio do recurso fórum em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) utilizado durante um

curso de pós-graduação.

A usabilidade técnica é uma característica referente à qualidade de softwares interativos,

baseando-se na facilidade de uso dos recursos por meio das interfaces com usuários.

Justificativa

Alguns estudos defendem a ideia de que para potencializar os benefícios da tecnologia, e

conseguir tirar o seu máximo proveito no âmbito da educação, é necessário incorporar uma cultura

da informática ao fazer profissional e à prática pedagógica. Almeida (2007) defende que a

incorporação de uma tecnologia aos processos educacionais deve considerar a compreensão da forma

como essa tecnologia é constituída, de suas potencialidades e limitações nas formas de interação e de

significação. Isto requer que tanto professores como estudantes se apropriem do domínio da

tecnologia.

Nesse contexto, Piconez e Nakashima (2011) reafirmam a importância de se distinguir entre

as abordagens e restrições de uma tecnologia, aquilo que é inerente à tecnologia e aquilo que é

Page 30: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

30

imposto externamente pelo usuário. Portanto, é essencial que professores e equipe de produção

tenham consciência (ou saibam) que o uso criativo de tecnologias envolve produção de

conhecimentos, os quais podem reverter no aprimoramento das próprias tecnologias.

Tais considerações reforçam as razões pelas quais os recursos tecnológicos devem ser

construídos em uma integração dialética entre sua habilidade técnica e habilidade pedagógica. Essa

integração deve estar sempre atenta à consistência educacional do contexto onde o ambiente

educacional a ser utilizado se beneficia com suportes digitais.

Essas tendências suscitam investigações com a finalidade de propor soluções para os

impactos que essas tecnologias estão causando e aos prováveis impactos que ainda virão a causar. Na

educação mediada pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, focalizando os recursos

tecnológicos como mecanismo de promoção da interação entre os indivíduos, busca-se compreender

como se dá a relação entre a usabilidade proposta didático-pedagógica e a usabilidade técnica desses

recursos. Estaria a usabilidade a serviço da proposta didático-pedagógica?

Referencial teórico

Neste trabalho adotou-se uma perspectiva dialética entre teoria e prática, pela qual o campo

teórico emerge dos dados da prática. Isto é: diante de um universo teórico na confluência entre

teorias de interação humano-computador e abordagens educacionais, primeiro coletam-se dados,

para, então, identificar-se qual(is) teoria(s) seria(m) epistemologicamente mais adequada(s) para

responder às questões de pesquisa colocadas.

Sendo assim, no presente estágio da pesquisa, as suas análises têm se fundamentado na

Engenharia Cognitiva e na Análise de Conversação, tendo como principais categorias de análise: a

“usabilidade técnica percebida”, a “autonomia” e a “interação”. A primeira no campo da Ciência da

Computação, a segunda no campo da Educação e a terceira em ambos.

A Engenharia Cognitiva, baseada na Psicologia Cognitiva (Teoria da Atividade), oferece

apoios teórico-metodológicos para compreender como os indivíduos atingem seus objetivos de

interação por meio de tarefas cognitivas (NORMAN; & DRAPER, 1986). A Análise de Conversação

descreve como um diálogo é organizado por seus participantes a cada momento, analisando a

natureza situada das interações, cujo controle está fortemente relacionado à distribuição de turnos de

fala e focalização do tema da conversa (SCHEGLOFF, 1972).

Metodologia

Por se tratar de uma pesquisa de natureza qualitativa, a compreensão do fenômeno de

interação e consequente análise da usabilidade técnica foram estudadas em função das inter-relações

Page 31: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

31

que surgiram do próprio contexto educacional no qual a tecnologia e os sujeitos estavam inseridos.

Foram buscados dados que permitissem compreender possibilidades e desafios de articulação entre

os conhecimentos didático-pedagógicos (interação humana) e de usabilidade técnica (computador).

Esta pesquisa foi dividida em três macro-etapas: pesquisa exploratória com imersão no

contexto em busca de visão geral sobre o problema, identificando teorias utilizadas em estudos

similares, além de novas fontes de dados; investigação focalizada com coleta de dados sistematizada;

análise final à luz da teorização desenvolvida ao decorrer da pesquisa.

A fase exploratória, que se apoiou na revisão de estudos anteriores, consistiu em imersão no

contexto em busca de três objetivos: construir uma visão geral do problema; identificar os sujeitos de

pesquisa; ampliar o conhecimento sobre as fontes de dados. Após a fase exploratória, os dados foram

coletados utilizando três procedimentos: observação-participante, questionários, grupo focal com

registro de áudio.

O ambiente de investigação foi a disciplina presencial do Programa de Pós-graduação em

Educação da Universidade de São Paulo (USP) intitulada “EDM5053 - Ambientes de Aprendizagem

Cooperativa Apoiados em Tecnologias da Internet: Novos Desafios, Novas Competências”. Durante

todo o segundo semestre letivo de 2010, o pesquisador participou do ambiente de pesquisa,

interagindo presencialmente com os sujeitos (15 estudantes e um docente). Para isso, acompanhou

todo o transcorrer da disciplina, observando os participantes direta ou indiretamente (por meio de

registros no Moodle)8 durante as discussões propostas pela temática da disciplina.

Foram elaborados um questionário de fluência digital (QFD) e um questionário de avaliação

de usabilidade técnica (QUT). O QFD buscou reconhecer a fluência digital de cada participante.

Aplicado no primeiro dia de aula, o objetivo deste questionário não foi mensurar conhecimentos,

tampouco classificar os sujeitos. Buscou-se, tão somente, dispor de subsídios para análise mais

contextualizada das respostas ao QUT, a partir da análise dos perfis e do reconhecimento de alguns

conhecimentos prévios dos sujeitos sobre o uso da tecnologia.

Por sua vez, o QUT teve o objetivo de capturar dados que contribuíssem para a compreensão

da usabilidade técnica do fórum segundo a percepção dos estudantes. Este questionário,

disponibilizado on-line no AVA, foi confeccionado apoiando-se em modelos de avaliação de

usabilidade em contexto e em questionários disponíveis na literatura da área, como o ISONORM,

bem como em heurísticas e diretrizes de usabilidade internacionalmente aceitas.

8 Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) é um ambiente virtual de aprendizagem, ou seja,

um software de apoio à aprendizagem, construído sob o paradigma open-source (código aberto/software livre) –

http://moodle.org.

Page 32: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

32

O grupo focal foi realizado ao final do curso, no último dia de aula, orientado por um

conjunto de questões sobre usabilidade técnica e pedagógica. Foram discutidos os objetivos do curso

e do uso de recursos de aprendizagem da web, mais precisamente sobre a usabilidade técnica e

pedagógica do fórum do Moodle.

No que diz respeito aos cuidados éticos, foi solicitado consentimento a todos os sujeitos para

participação na pesquisa. O pedido de consentimento seguiu regras específicas da Comissão de Ética

da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, tendo sido produzido um documento nos

moldes estipulados pela referida comissão, o qual todos os informantes assinaram. O “Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido” continha informações sobre a natureza da pesquisa, seus

objetivos, o local de realização, o pesquisador, professora-orientadora, contatos e outros

esclarecimentos sobre o caráter voluntário da participação e sigilo da identidade. Outro recurso

utilizado foi a adoção de nomes fictícios nos relatórios, de modo que se mantivesse o anonimato dos

respondentes.

Resultados preliminares

A capacidade de percepção da usabilidade técnica pelos estudantes trouxe indicadores de

caminhos interpretativos para além da simples verificação da capacidade de interação da plataforma

tecnológica. Para isso, a seleção de um dos recursos da plataforma utilizado nas aulas do curso de

pós-graduação, o fórum, tornou-se elemento central da avaliação de Interação Humano-Computador

(IHC).

O quadro teórico-interpretativo articulou dimensões teóricas (categorias tecnológicas – IHC)

e práticas (categorias da educação – interação, autonomia e colaboração), em um movimento

dialético, que fundamenta as análises dos dados coletados. Até o momento presentemente foram

analisados os dados referentes às observações in loco e as interações nos fóruns realizados. Até agora

foi possível concluir que, segundo a percepção dos sujeitos que utilizam o AVA, a usabilidade

técnica é fundamental para a implementação de uma proposta didático-pedagógica adequada, como

também para o alcance dos objetivos pedagógicos, todavia, não é suficiente. É necessário, pois, uma

articulação entre os aspectos tecnológicos e pedagógicos para que ocorra a interação (colaboração e

cooperação) com promoção da autonomia pedagógica.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, M. E. B. A construção compartilhada de significados em projetos de educação a

distância. In: VALENTE, J. A.; ALMEIDA, M. E. B. (orgs.). Formação de educadores a distância e

integração de mídias. São Paulo: Avercamp, 2007, pp. 21-33.

Page 33: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

33

PICONEZ, S. C. B.; NAKASHIMA, R. H. R. Equipes de produção de materiais digitais de

aprendizagem e os critérios de usabilidade técnica e pedagógica: um diálogo necessário. In:

BARROS, D. M. V. et al. (orgs.). Educação e tecnologias: reflexão, inovação e práticas. Lisboa:

[s.n.], 2011, pp. 365-403.

NORMAN, D. A.; DRAPER, S. W. (Eds.). User centered system design: new perspectives on

human-computer interaction. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1986.

SCHEGLOFF, E. "Sequencing in conversational openings". In: GUMPERZ, J. J.; HYMES, D. H.

(eds.). Directions in sociolinguistics: the ethnography of communication. New York: Academic

Press, 1972, pp. 346-380.

Page 34: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

34

Luiz Gama: um poeta diaspórico na contracultura da modernidade

Ex-bolsista: Eduardo Antonio Estevam Santos (D)

Orientadora: Heloisa de Faria Cruz

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-

graduação em História Social

Palavras-chave: Modernidade paulistana, hibridez, diáspora.

Email: [email protected]

Apresentação

Diáspora e modernidade9 são conceitos simétricos e contraditórios. Suas conexões e

interculturalidades tiveram como ponto de partida a escravidão, “a única conexão essencial entre os

negros e os europeus” (HEGEL apud GILROY, 2001, p. 101), o que nos possibilita entender as

simetrias e assimetrias entre o fenômeno da diáspora e da modernidade. A modernidade, na

percepção de estudiosos pós-coloniais, resultou de um processo relacional10

entre a América, a

África e a Europa, promovendo, a um só tempo, a aproximação entre diferentes grupos étnicos, mas

rejeitando o resultado desses contatos humanos, a hibridez, enquanto como valor positivo no

processo de afirmação dos estados nacionais. Assim, não é possível entender o projeto modernista

sem articulá-lo ao movimento diaspórico de grupos e povos, gerador de trocas culturais

incomensuráveis. É justamente no centro dessas ambiguidades que situamos a prática poética e

intelectual do abolicionista, advogado e jornalista negro Luiz Gama. Propomos discuti-las a partir do

seu lugar cultural, pondo em destaque narrativas críticas à modernidade paulistana. Identificamos, na

poética e ação política de Gama, uma intervenção social que procurava responder à complexidade da

modernização da cidade de São Paulo.

Mulato esfolado / Que diz-se fidalgo / Porque tem de galgo / O longo focinho

Não perde a catinga / De cheiro fallace [sic] / Ainda que passe / Por brazeo cadinho

Eu sei que pretecio / De Angola oriundo / Alegre, jocundo / Nos meus vou cortando

É que não tolero / Falsários parentes / Ferrarem-me os dentes / Por brancos passando.11

.

Trovas Burlescas de Getulino, publicado em 1859, foi o primeiro e único trabalho literário

deste intelectual diaspórico, que retratou o universo da vida social e política da cidade de São Paulo,

9 Nesta comunicação, modernismo e modernidade serão entendidos como aspectos de um mesmo fenômeno.

10 Posição interpretativa dos estudos pós-coloniais, em que questiona a subalternidade e a passividade do outro (na

qualidade de espaço geopolítico) na produção da modernidade e do capitalismo. A categoria Colonialidade e

Decolonialidade são centrais nas análises destes processos históricos para estes autores latino-americanos: Edgardo

Lander, Enrique Dussel, Arturo Escobar, Walter D. Mignolo, Aníbal Quijano, entre outros. In: LANDER, Edgardo

(org.). A colonialidade do saber - eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur,

CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, setembro 2005. 11

Neste poema, intitulado Pacotilha, os versos apresentam um tom crítico e demonstra suas posições a respeito das

relações raciais (a palavra cadinho no texto poético significa a mistura de negros e brancos).

In: FERREIRA, L. Fonseca (org.). Primeiras trovas burlescas e outros poemas – Luiz Gama. São Paulo: Martins Fontes,

2000. Coleção poetas do Brasil, p. 74.

Page 35: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

35

assim como da conjuntura política imperial nacional, por meio de discursos, alegorias, comicidades e

imagens que traduzem sua estratégia política de desconcertar a ideia geral em voga na segunda

metade do século XIX de que as misturas de raças poderiam degenerar a civilização brasileira. Sua

prática profissional (jornalística) e política de alinhamento à sua produção poética, visando um

projeto político republicano e multirracial, longe de mera projeção utópica,12

, produziu efeitos

políticos, ainda que em condições desfavoráveis de poder.

Objetivos

Este texto objetiva analisar a modernidade a partir da diferença cultural, tomando por base a

produção cultural de Luiz Gama, rediscutindo sua produção intelectual sob a ótica dos estudos pós-

coloniais.

Justificativa

Desde as últimas décadas do século XX, os estudos pós-coloniais têm rediscutido o conceito

de cultura, essencializado e recusado em sua condição híbrida pelo discurso colonial. A recusa da

alteridade no processo formativo da nação brasileira ou sua aceitação estereotipada impossibilitou o

reconhecimento do papel social e da capacidade cognitiva de sujeitos negros. Para além do Brasil,

Olaudah Equiano13

e Frederick Douglass14

são exemplos de reconhecimento aceitação tardia de suas

relevâncias na produção do conhecimento científico em seus contextos. Esses e outros intelectuais

diaspóricos, vivendo a experiência de deslocamentos compulsórios, traduziram as culturas

vivenciadas. Nesse sentido, a diáspora moderna pode ser definida pelas “conjunturas históricas

pessoais e estruturais” (HALL, 2003, p. 409).

O reconhecimento social e intelectual de Luiz Gama vai além de sua historicização, sendo

crucial o entendimento da diferença cultural em que o mesmo está caracterizado e as temporalidades

que lhe são inerentes. A produção cultural de Luiz Gama é, em si, uma política da diferença cultural

em meio a uma sociedade imperial marcadamente hierarquizada e hegemonicamente eurocêntrica em

seus valores e ideias.

Suas posições sobre a identidade negra contribuem para afirmar a diversidade étnica

brasileira e apontam a diferença cultural como caminho de possibilidades na construção de um

estado republicano democrático. Por trás da defesa irrevogável da liberdade do cativo, estava a

12

Para Faoro (2001, p. 515), os anseios, as vontades de Luiz Gama para transformar a sociedade em uma “democracia”

racial eram mera “projeção utópica”. FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.

São Paulo: Globo, 2001, p. 515. 13

Equiano foi marinheiro e ativista político em defesa da abolição da escravidão. Nasceu na Nigéria na metade do século

XVIII, tendo sido raptado ainda criança e embarcado como escravo para a travessia do atlântico. 14

Frederick Douglass, afro-americano (EUA), nasceu em 1818 e faleceu em 1895, foi abolicionista, estadista e escritor.

Page 36: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

36

defesa da cultura negra, de suas práticas, de suas experiências traduzidas do mundo africano no

Brasil. Gama, ao satirizar as relações raciais e o comportamento humano por meio de versos e

discursar veementemente em favor da abolição, teorizava na contramão dos postulados e teses

científicas vigentes à época. Ao incitar os negros a se reconhecerem como tal, mostrava acreditar na

identidade como construção (ou reconstrução) e não como algo fixo.

Referencial teórico ou conceitual

Trabalho com os conceitos “entre-lugar” e “diferença cultural”, cunhados pelo teórico pós-

colonial Homi Bhabha (1988, p19). Entendo que a produção cultural de Luiz Gama situa-se num

espaço diaspórico, lugar de contradições incomensuráveis, o qual produziu “figuras complexas de

diferença e identidade”.

Metodologia e procedimentos

Sirvo-me de fontes como jornais, fotos, gravuras, revistas, correspondências, dados

estatísticos e bibliografia. O conjunto deste material revela o perfil político, social, literário,

intelectual e pessoal de Luiz Gama.

Referências bibliográaficas

AZEVEDO, E. Orfeu de Carapinha – a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo.

Campinas, SP: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999.

GILROY, P. Entre campos – nações, culturas e o fascínio da raça. Trad. de Célia Maria Marinho de

Azevedo et ali. – São Paulo: AnnaBlume, 2007.

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Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.

HALL, S. Da Diáspora – identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG,

2003, p. 409.

MENUCCI, S. O precursor do abolicionismo no Brasil (Luiz Gama). São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1937.

Page 37: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

37

Morosidade e conflito na regularização das terras quilombolas

Bolsista: Egnaldo Rocha da Silva (M)

Orientadora: Maria do Rosário Cunha Peixoto

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos

Pós-graduação em História Social

Palavras-chave: Terras quilombolas, tradição, titulação

Email: [email protected]

Nesse texto, aponto algumas questões e problemáticas referentes às terras ocupadas pelas

comunidades remanescentes quilombolas; a primeira diz respeito ao panorama atual da demarcação e

titulação dos territórios quilombolas e, os desafios e dificuldades que envolvem tais processos. A

segunda versa sobre as formas tradicionais de ocupação e relacionamento com a terra, tendo como

lócus a comunidade de Lagoa Santa, onde venho desenvolvendo a pesquisa intitulada: “Comunidade

negra rural de Lagoa Santa: memória e construção da identidade quilombola (1950-2011)” [título

provisório]. A comunidade negra rural de Lagoa Santa,16

reconhecida como remanescente

quilombola17

pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2005, se localizada no município de

Ituberá-BA, distante 12 km da sede; o município conta com mais quatro comunidades remanescentes

quilombolas: Brejo Grande, Ingazeira, São João de Santa Bárbara e Cágados.

A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 68 do Ato das Disposições Transitórias,

preconiza que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas

terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”

(BRASIL, 2012, p. 200). Contudo, esse artigo não sinalizava como seria feita a identificação,

reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, nem a cargo de qual órgão ou

instituição ficaria essa responsabilidade. Em 2003, foi promulgado o Decreto n. 4.887/03, que

“regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e

titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art.

68 do ADCT” (BRASIL, 2003). É este decreto que determina o critério da “auto-atribuição” da

16

O território originalmente ocupado pela comunidade sofreu duas invasões, a primeira na década de 1950 e a segunda

no final da década de 1960, que resultou na expropriação de parte de suas terras (SILVA, 2011). 17

Aqui adotamos a definição de comunidade remanescente quilombola conforme apontado por Arruti (2006), Almeida

(2002), Gusmão (1995), O’Dwyer (2002), Rios; Mattos (2005), ou seja, comunidades formadas no pré ou pós-abolição,

por escravos, ex-escravos e seus descendentes, que possuem características socioculturais e étnico-raciais que evidenciam

uma ancestralidade negra, que possuem uma trajetória própria de luta pelo acesso e permanência na terra; tais

comunidades se formaram a partir de diferentes processos, que compreendem a compra de nesgas de terras (ANJOS,

2006); doações feitas por antigos senhores de escravos (GUSMÃO, 1992); brechas camponesas (REIS; SILVA, 1989)

e/ou terras devolutas, ocupadas por famílias negras após a abolição. É válido destacar que em todos esses casos, o acesso

à terra não é regulado por nenhuma categoria formal de propriedade, mas sim pelo próprio grupo através do chamado

“direito costumeiro”, que segundo Neusa Maria M. de Gusmão “diz respeito ao conjunto de regras estabelecidas pela

prática social entre sujeitos e por eles reconhecidas como legítimas, sem ter por contrapartida o reconhecimento legal e

jurídico” (1992, p. 117).

Page 38: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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própria comunidade para caracterizar-se como remanescente quilombola, e estabeleceu que ficasse a

cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a responsabilidade de

identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular as terras quilombolas. É valido lembrar que o

art. 68 do ADCT, bem como o Decreto n. 4.887/03 que veio regulamentá-lo, estão respaldados por

tratados e acordos internacionais, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho.18

Mesmo regulamentado por leis e convenções internacionais, o processo de regularização das

terras quilombolas é preocupante, tendo em vista a lentidão com que vem acontecendo. Levando em

consideração o ritmo atual de titulação dos territórios pelo INCRA –, que de 1995 a 2011 regularizou

a situação fundiária de 121 comunidades,19

ou seja, 121 áreas tituladas em 16 anos –, serão

necessários mais 143 anos para regularizar os territórios das 1.088 comunidades com processo aberto

junto às superintendências regionais do INCRA. Já para as 1.820 comunidades certificadas pela

FCP20

até o momento, serão necessários 240 anos. Todavia, se pensarmos nas mais de 3.524 áreas

identificadas e ainda não certificadas pela FCP até o ano de 2002, serão necessários 456 anos. Sendo

que o ano de 2011 apresentou o pior desempenho desde 1995, tendo efetuado a regularização de

apenas um território, sendo este o da comunidade de São Miguel, localizada no município de

Maracaju-MS.

A lentidão no processo de titulação dos territórios quilombolas se deve por conta da falta de

pessoal técnico (como antropólogos) junto ao INCRA e da escassez de recursos financeiros

destinados a esse fim, levando em consideração a expressiva quantidade de comunidades

identificadas e certificadas, ou seja, pouco recurso para muita demanda, o que revelando o

descompromisso histórico do Estado brasileiro e das instituições a ele vinculadas com a questão do

negro no país. Os recursos destinados ao Programa Brasil Quilombola, por exemplo, apresentaram

uma execução orçamentária menor que a média geral: dos R$ 101,4 milhões previstos para as ações

do programa no período 2004 a 2007 (primeiros anos de sua vigência), apenas 32,3% (R$ 32,84

18

BRASIL. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulga a Convenção n. 169 da Organização Internacional do

Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 02 mar. 2010. 19

Órgão responsável pela identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos

remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. As

informações referentes aos títulos expedidos às comunidades quilombolas e comunidades com processos abertos nas

diretorias regionais do INCRA foram extraídas dos relatórios disponíveis em:

<http://www.INCRA.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas>. Acesso em: 25 fev. 2012. 20

Fonte: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=88>. Acesso em: 11 mar. 2012.

Page 39: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

39

milhões) foram realmente utilizados.21

Ficam então os quilombolas à espera de que o seus direitos

extrapolem as convenções escritas nas leis, e que realmente eles aflorem para seu desfrute.

Lagoa Santa e a não aceitação da titulação coletiva de seu território

Conforme aponta Gusmão, a “terra de preto”, constitui-se como um espaço “físico e social

marcado por formas de organização próprias, investido de uma história particular e ideologizada, um

território, como território, a terra torna-se um ente vivo que reage ante a conduta humana e, investe-

se de um universo simbólico particular e próprio” (GUSMÃO, 1995, p. 16). Nesse sentido, a terra

para os membros dessas comunidades não é mercadoria, não se vende nem troca, é patrimônio, quase

uma extensão do corpo.

Atualmente, a comunidade de Lagoa Santa luta pela demarcação e titulação de seu território,

como pontuou o senhor Marcio Raimundo, assessor técnico e político do Conselho Interterritorial

das Comunidades Quilombolas do Baixo Sul e Litoral Sul da Bahia: “[...] na verdade, a nossa

bandeira, o nosso grito de guerra é demarcação e titulação das terras quilombolas, dos territórios

quilombolas”.22

Contudo, o título é de caráter coletivo, expedido em nome da associação que

legalmente representa a comunidade quilombola – no caso de Lagoa Santa, a Associação Renascer.

Conforme previsto no art. 17 do Decreto 4.887/03 e no art. 24 da Instrução Normativa do INCRA nº.

57, de 20 de outubro de 2009, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,

delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988,

indica que: “[...] o Presidente do INCRA realizará a titulação mediante a outorga de título coletivo e

pró-indiviso à comunidade, em nome de sua associação legalmente constituída” (BRASIL, 2009).

Sem que a comunidade aceite essas prerrogativas, a abertura do processo da elaboração do Relatório

Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) fica inviabilizada, sem a demarcação e titulação,

pois, esse relatório é peça indispensável para iniciar o processo.

Em agosto de 2011, sob a alegação de acelerar os procedimentos para titulação das terras

quilombolas, o INCRA lançou um edital licitatório para contratação de empresas, fundações e,

organizações não-governamentais, para elaborar relatórios antropológicos de 158 territórios

21

“O Governo orça mas não gasta. Territórios negros: informativo de apoio às Comunidades Negras e Quilombolas”.

KOINONIA. Ano 7, n. 30 jul./ago, 2007. Disponível em: <http://www.koinonia.org.br/tn/35_TN30+enc.pdf>. Acesso

em: 17 julho. 2011. 22

Entrevista concedida ao autor, em 13 de julho de 2011.

Page 40: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

40

quilombolas em dezesseis estados.23

Dentre os relatórios contratados estão os das comunidades de

Lagoa Santa e Ingazeira, localizadas na cidade de Ituberá-BA,24

cuja previsão é dar início aos

trabalhos em março de 2012. No entanto, o INCRA, durante o segundo semestre do ano de 2011, fez

algumas visitas a Lagoa Santa e a Ingazeira. Nessas visitas foi explicada às comunidades como se

dão os trabalhos para demarcação e titulação dos territórios e, consequentemente, da titulação

coletiva. E é justamente a esse aspecto que as comunidades são resistentes. Segundo o presidente da

associação da comunidade de Lagoa Santa, André Carlos Conceição dos Santos, 24 anos, acredita

que “acredito que isso pode ter algum entrave, até porque é um título que será coletivo, na medida

em que as pessoas já têm o seu espaço, então isso pode dificultar essa questão”.25

Na comunidade de Lagoa Santa, a modalidade de apossamento da terra caracteriza-se e está

apoiada em bases tradicionais na unidade familiar, ou seja, é entendido como privado, não sendo

reconhecida pelo grupo a modalidade que é entendida por coletiva, que se manifesta através do uso

comum da terra de determinado território (BENATTI, 2010). O que a comunidade entende e realiza

em suas práticas cotidianas, são ações coletivas, como adjuntes e outras práticas socioculturais

solidárias realizadas em espaço comunitário, como a Casa de Farinha, por exemplo, englobando-se ai

os recursos naturais, como rios, lagoas, estradas e caminhos, onde se desenvolve o usufruto coletivo.

A situação revela-se complexa, principalmente porque o diálogo com o INCRA, a fim de

discutir o início do processo de elaboração do RTID, já começou. A comunidade de Ingazeira,

vizinha à comunidade de Lagoa Santa, por exemplo, não aceitou a proposta de titulação coletiva.

Após quatro reuniões com representantes do INCRA para esclarecimentos sobre o processo e como

seria expedido o título definitivo, a comunidade rejeitou a proposta e o início dos trabalhos foi

adiado por tempo indeterminado. Segundo Jonas da Conceição, liderança da comunidade, no

primeiro contato com o INCRA, a comunidade não se manifestou, já na segunda reunião, alguns

questionamentos foram levantados por alguns membros da comunidade na busca de compreender

melhor como “ia se dar o processo, que algumas pessoas não tinham entendido”.26

O INCRA voltou

a informar como seria o processo e que o título de domínio definitivo do território, depois de

concluídos os trabalhos, seria emitido em nome da associação que legalmente representa a

23

INCRA. Licitação assegura regularização fundiária de 158 territórios quilombolas. Disponível em:

<http://www.INCRA.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/549-INCRA-abre-licitacao-para-produzir-

relatorios-antropologicos-de-158-territorios-quilombolas>. Ver Edital do Pregão Eletrônico para Registro de Preço n.

15/2011 em: <http://www.INCRA.gov.br/images/arquivos/edital_publicado_17082011.pdf>. Acesso em: 31 agosto

2011. 24

Conforme consta da Ata de Realização do Pregão Eletrônico. Disponível em: <

http://www.cpisp.org.br/acoes/upload/arquivos/Resultado%20Pregao%20Eletronico%20INCRA.pdf>. Acesso em: 05

março 2012. Essas comunidades deram início ao processo administrativo para regularização de seus territórios junto ao

INCRA em 2008. 25

Entrevista concedida ao autor, em 11 de janeiro de 2012. 26

Entrevista concedida ao autor, em 11 de janeiro de 2012.

Page 41: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

41

comunidade, “e deixou pra gente decidir na comunidade, porque quem podia decidir se queria ou não

era a gente da comunidade”.

Na quarta e última reunião entre a comunidade da Ingazeira e o INCRA, que aconteceu em

novembro de 2011, ficou decidido que a comunidade não aceitaria a titulação coletiva do território.

Para Jonas, o problema concentra-se “no fato de ser Título Coletivo, porque a comunidade não

aceitará nunca”. E conclui afirmando que “ninguém é coletivo, ninguém tem nada coletivo aqui”.

Tanto Lagoa Santa quanto Ingazeira aceitam a demarcação de seus territórios, lutam por isso,

conforme sinalizou Marcio Raimundo, porém, desde que o título seja expedido em caráter individual,

e que cada membro que compõe a comunidade receba o seu.

Essas questões revelam a forma de apropriação e relacionamento com a terra, fruto de uma

construção histórica e social. A experiência adquirida na luta pela defesa e permanência na terra,

resultado das invasões sofridas tanto pela comunidade de Lagoa Santa (SILVA, 2011) bem como

pela comunidade de Ingazeira (SILVA, 2010), corroboram com tal resistência. Esses homens e

mulheres hesitam diante da possibilidade de “perderem ou abrirem mão” do direito sobre o chão em

que suas raízes estão fincadas, mesmo que seja para a associação que os representam.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, A. W. Os quilombos e as novas etnias. In: O’DWYER. E. C. (org.). Quilombo:

identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, pp. 43-81.

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AORI Comunicações, 2006.

ARRUTI, J. M. Mocambo: antropologia do processo de formação quilombola. Bauru: EDUSC, 2006.

BENATTI, J. Terra coletiva ou comum. In: MOTTA, M. (org.) Dicionário da terra. Rio de Janeiro:

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BRASIL. Instrução Normativa n.º 57, de 20 de outubro de 2009. In: INCRA: Legislação Referente à

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<http://www.INCRA.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas>. Acesso em: 12 de fev. de

2012.

Page 42: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

42

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(Especialização em Direito Notarial e Registral) – Faculdade Arthur Tomas. Londrina, 2010.

Page 43: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

43

As práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola Normal de Aracaju no

período de 1934 a 1971 Ex-bolsista: Elias Souza dos Santos (M)

Orientadora: Cynthia Pereira de Sousa

Instituição: Universidade de São Paulo –- Programa de Pós-Graduação em Educação

Palavras-chave: Canto Orfeônico, disciplinas escolares, Escola Normal de Aracaju

Email: [email protected]

Introdução

O presente texto apresenta os resultados da minha pesquisa para a dissertação de mestrado,

defendida em junho de 2010. Para tanto, realizo uma síntese histórica da educação musical escolar

no Brasil (1934-1971), na modalidade do Canto Orfeônico.

O projeto de instituição da disciplina Canto Orfeônico no currículo da escola brasileira foi

idealizado pelo maestro Villa-Lobos. A obrigatoriedade do ensino dessa disciplina no currículo da

escola secundária se deu em 1931, durante o governo Getúlio Vargas (Decreto n.º 19.941/1931 da

Reforma Francisco Campos). A partir de 1934, a obrigatoriedade do ensino do Canto Orfeônico

estendeu-se ao ensino primário e técnico (Decreto n.º 24.794/1934). Os objetivos da disciplina eram:

desenvolver o bom gosto artístico; assimilar e compreender a responsabilidade cívica; modificar a

atitude desinteressada e depreciativa a respeito da música; incutir a noção de responsabilidade social,

por meio das atividades coletivas. Nesse contexto, a matéria escolar foi privilegiada por um forte

apoio do governo provisório (1930 -1937) e ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945). As práticas do

Canto Orfeônico foram materializadas por uma série de ações do governo federal, saber: publicação

de leis, decretos, programas de ensino, manuais escolares e pedagógicos; criação da

Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), em 1932, e do Conservatório Nacional

de Canto Orfeônico, em 1942. Essas instituições funcionaram na cidade do Rio de Janeiro e foram

responsáveis pela organização do ensino da disciplina em todo o território brasileiro e, também, pela

formação do professor especialista em Canto Orfeônico (HORTA, 1994).

Antes da Revolução de 1930, a educação musical escolar estava presente no currículo da escola

com a disciplina Música e era ministrada pelo músico professor, profissional de formação

conservatorial que, normalmente, atuava como maestro, concertista ou músico de bandas e

orquestras. Esse tipo de profissional não estava preparado para lecionar o Canto Orfeônico, uma vez

que, para ensinar os conteúdos do programa de ensino da disciplina era necessário ao professor ter

domínio das disciplinas pedagógicas: Didática, Psicologia e Filosofia. Diante dessa realidade, o

Estado criou o Curso de Especialização de Música e Canto Orfeônico. O objetivo era formar um

profissional com habilidades pedagógicas –- professor músico – que atendesse à nova configuração

do ensino da música em sala de aula. Esse profissional, depois de formado, estaria apto para lecionar

Page 44: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

44

o Canto Orfeônico na escola, em conformidade com a nova metodologia de ensino da educação

musical daquele contexto. Com isso, a presença do músico professor na sala de aula passou a ser

dispensável, pois a música passou a ser transmitida pedagogicamente, conforme os níveis de ensino

da escola (JARDIM, 2008).

As práticas da disciplina Canto Orfeônico aconteceram também fora da escola – praças

públicas, teatros e campo de futebol – com apresentações dos Orfeões Escolares. A ideia era criar

uma consciência nacional e “elevar” o nível cultural do povo brasileiro através da valorização das

canções patrióticas – “Hino da Independência”, “Hino à Bandeira”, “Hino Nacional”, folclóricas e

populares (GILIOLI, 2003).

A palavra orfeão tem sua origem no mitológico Orfeu, deus da música e da poesia. Foi

utilizada pela primeira vez pelo pedagogo francês Bocqueville-Wilhem, coordenador do ensino de

canto nas escolas de Paris, em homenagem a Orfeu. Segundo Arruda, o músico “adotou o termo

l’Orpheon para designar os coros de alunos de todas as escolas, que se reuniam para, de quando em

quando, realizar audições” (ARRUDA, 1960, p. 112).

No século XIX, a música já estava presente no currículo das escolas de vários países da Europa

e era praticada tanto pelos Orfeões Escolares quanto pelos Orfeões das associações orfeônicas. Essas

instituições foram responsáveis pela organização de vários encontros de orfeões realizados nos países

desse continente, durante os séculos XIX e XX (ARRUDA, 1960).

No Brasil, a disciplina Canto Orfeônico e a instituição dos Orfeões Escolares apareceram,

primeiramente, nas escolas de São Paulo, a partir da segunda década da Primeira República. Os

mentores dessa iniciativa foram os maestros João Gomes Junior e Fabiano Lozano. Mas, a difusão da

disciplina em todo o território nacional aconteceu em 1931, por intermédio do maestro Villa-Lobos

(ALMEIDA, [194?]).

Em Sergipe, a disciplina Canto Orfeônico foi inserida no currículo da Escola Normal de

Aracaju em 1934, e a partir de 1936, o estado criou o primeiro curso de aperfeiçoamentos para

formar o professor especialista em Canto Orfeônico; a teoria musical, as canções cívicas, patrióticas,

folclóricas e populares fizeram parte do programa de ensino; criou-se o primeiro Orfeão da Escola

Normal de Aracaju; registraram-se as primeiras apresentações orfeônicas; o sentimento patriótico

manifestou-se através dnas seguintes comemorações: Ssemana da Pátria, do Dia da Bandeira,

Proclamação da República, Dia da árvore, Dia da criança, dentre outras (DANTAS, 2004).

Objetivo

O objetivo central dessa pesquisa é examinar as práticas da disciplina Canto Orfeônico no

ensino secundário da Escola Normal de Aracaju, no período de 1934 a 1971. Para tanto, buscamos

Page 45: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

45

compreender as diferentes configurações assumidas pelo ensino de tal disciplina durante esse marco

temporal. Essa pesquisa se justifica pelo fato de não existir nenhum trabalho na pós-graduação da

Universidade Federal de Sergipe que contemple o tema. Daí sua importância para a História da

Música, para a História da Educação de Sergipe, pois servirá de referência para as futuras pesquisas.

Referencial teórico

Trata-se de uma pesquisa histórica respaldada no norteamento teórico-metodológico da

História Cultural e da História da Educação. Nossa análise respalda-se em Le Goff (1984) e Chartier

(1990). O primeiro define o documento como um monumento e o segundo trabalha com o conceito

de representação e apropriação.

No que concerne às práticas da disciplina Canto Orfeônico na Escola Normal de Aracaju,

buscamos apoio nos autores que se debruçaram no estudo da história das disciplinas escolares e na

história do currículo. Autores como Chervel (1990), Goodson (2001), Julia (2001), Bittencourt

(2003) sublinham que a escola é um ambiente repleto de práticas culturais e, por esse motivo,

procura inculcar, modelar, disciplinar e normatizar os comportamentos, tanto dos docentes quanto

dos discentes. Contudo, alguns desses pesquisadores afirmam, também, que, no interior da escola,

existe uma cultura escolar autônoma que não é tão passiva nem condicionada quanto imaginamos.

Essa cultura escolar é capaz de criar identidades próprias e mecanismos que resistem às influências

externas.

Com base nessa abordagem teórica, nossa análise se debruçou em três aspectos da história das

disciplinas escolares: a gênese, os objetivos e a funcionalidade da disciplina Canto Orfeônico.

Metodologia e procedimentos

Além das fontes referenciais, nos apropriamos de um corpus documental diversificado: leis,

decretos, portarias, ofícios, jornais, manuais didáticos e pedagógicos, livros de ponto dos docentes,

livros de registro das provas, diários de classe, caderno de ex-normalista, partituras (fonte escrita),

entrevistas de ex-professores e ex-normalistas (fonte oral) da Escola Normal de Aracaju, além de

algumas imagens que ilustram os capítulos da dissertação. Acresce que, no que concerne às

transcrições das entrevistas e imagens cedidas, tomamos todos os cuidados éticos possíveis.

Resultados

O período de 1934 a 1945 é marcado pelo ápice das práticas da disciplina Canto Orfeônico,

na Escola Normal de Aracaju. Durante todo esse tempo, o governo se esforçou para que a disciplina

pudesse ser inaugurada e mantida no currículo dessa instituição. Criou-se o curso de

Page 46: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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aperfeiçoamentos para formar o professor especialista em Canto Orfeônico; as aulas tinham duração

de 45 minutos e eram ministradas duas vezes por semana em todas as séries do curso ginasial; a

teoria musical, as canções cívicas, patrióticas e folclóricas formavam o programa da disciplina;

criou-se o primeiro Orfeão da Escola Normal de Aracaju; houve apresentações orfeônicas de grandes

proporções; criou-se o Instituto de Música e Canto Orfeônico de Sergipe (IMCOSE), responsável

pela formação de professores especialistas em Canto Orfeônico. Registraram-se algumas viagens de

docentes de Aracaju, com o propósito de realizarem o Curso de Pedagogia da Música e do Canto

Orfeônico no Distrito Federal. Ressaltamos ainda que, nesse contexto, o Canto Orfeônico serviu

como um veículo de propaganda do governo do Estado Novo.

Entre 1946 e 1955, mesmo com a queda do regime do Estado Novo, a disciplina Canto

Orfeônico continuou presente no currículo da escola. Entretanto, perdeu o apoio que recebera do

governo durante o período de 1934 a 1946; o IMCOSE continuava formando professores

especialistas em Pedagogia do Canto Orfeônico; nessa década, registram-se algumas viagens de

professores à cidade do Rio de Janeiro, com o propósito de frequentarem o curso de Pedagogia da

Música e do Canto Orfeônico no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Mas, a partir da

segunda metade da década de 1950, com base nos documentos normativos e nas fontes orais, a

disciplina entrou em declínio; no livro de ponto dos docentes, a disciplina Canto Orfeônico foi

substituída pelo Canto e era ministrada somente uma vez por semana. Houve um esvaziamento

visível dos conteúdos que se resumiram ao ensino das canções patrióticas e folclóricas. O período de

1961 a 1971 é caracterizado pela exclusão da disciplina Canto Orfeônico do currículo do curso

ginasial (Lei n. 4.024/1961). Contudo, no diário de classe desse mesmo nível de ensino, a disciplina

continuava presente no currículo com a denominação de Canto.

Ao examinar as práticas da disciplina Canto Orfeônico no currículo da Escola Normal de

Aracaju, constatamos que, durante o período de 1934 a 1971, o nome da disciplina e os conteúdos

transmitidos sofreram constantes inflexões.

A análise dos documentos oficiais (governo federal), dos documentos normativos (Escola

Normal) e dos depoimentos (fontes orais) denotou contradições, ou seja, nem sempre as

determinações dos documentos oficiais (currículo pré-ativo) se efetivaram na prática cotidiana da

sala de aula (currículo ativo). De um modo geral, no período de 1934 a 1971, a história da disciplina

Canto Orfeônico em Sergipe revelou continuidades, rupturas e contradições. O ensino funcionou?

Sim, funcionou durante quatro décadas, cumpriu seus objetivos, incutiu uma representação patriótica

e nacionalista no imaginário social de muitas gerações de escolares. Por causa disso, a música está

voltando para o currículo da escola básica, conforme determinação da Lei n. 11.769/2008 (PENNA,

2010).

Page 47: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

47

Referências bibliográficas

ALMEIDA, J. M. Aulas de canto orfeônico para as quatro séries do curso ginasial. São Paulo:

Nacional. [s.a.].

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CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL/ Rio de Janeiro:

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Mestrado em Educação).

GOODSON, I. F. O currículo em mudança: estudos na construção social do currículo. Trad. de J. Á.

de Lima. Porto/ PT. Editora Porto, 2001.

HORTA, J. S. B. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil

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JARDIM, V. L. G. Da arte à educação: a música nas escolas públicas – 1838 – 1971. São Paulo:

PPGE/ Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo, 2008 (Tese de

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JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação.

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LE GOFF, J. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. Vol.1. Memória-História. Lisboa:

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PENNA, M. Música (s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2010.

Page 48: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

48

Planejamento e gestão social de políticas públicas para o desenvolvimento de

territórios rurais

Bolsista: Elisabete de Oliveira Costa Santos (M)

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Programa de Pós-Graduação

em Planejamento e Desenvolvimento Territorial

Orientadora: Márcia Santana de Alencar

Palavras-chave: Planejamento, gestão territorial, participação social.

Email: [email protected]

Introdução

Quando se analisa a trajetória de ocupação do espaço e as estratégias adotadas para o

desenvolvimento das regiões brasileiras, observa-se que seu histórico foi marcado pela implantação

de grandes projetos voltados para a industrialização dessas regiões. Essa condição permitiu

significativas mudanças nas estruturas produtivas de algumas regiões, que tiveram impactos

positivos na participação do produto interno bruto (PIB) nacional. Porém, o modelo e as estratégias

adotadas contribuíram para a formação de uma sociedade com altos índices de desigualdades

regionais.

Políticas e programas foram implementados visando combater as desigualdades existentes nas

regiões, sobretudo na região nordeste. Porém, foram pensados e conduzidos a partir de uma visão

unilateral, sem considerar a participação da sociedade local nas fases de planejamento, execução e

controle social dessas políticas e programas (CASTRO, 1994).

A partir de 2003, o Brasil vivencia um novo ciclo, com foco no planejamento e execução de

políticas de desenvolvimento territorial. Para dinamizar as ações, foi criada a Secretaria de

Desenvolvimento Territorial (SDT), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),

cuja finalidade principal é desenvolver ações que promovam o desenvolvimento de territórios rurais

no Brasil.

O território rural Velho Chico, no Estado da Bahia, local desta pesquisa está entre os 164

territórios rurais organizados no Brasil na última década. Neles estão sendo implementados um

modelo “descentralizado” de gestão, aberto a parcerias, que envolve a participação do poder público

e da sociedade civil, considerado um espaço de referência para discussão, proposição e articulação

das políticas públicas.

Page 49: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

49

A concepção de desenvolvimento que vem sendo discutida no território é apresentada como

estratégia capaz de promover o protagonismo dos atores sociais e construir um novo formato,

visando o desenvolvimento pautado na sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental.

Apesar dos avanços em alguns aspectos, há uma crítica por parte de determinados setores,

consideram insuficientes as ações e os resultados com vista ao controle social proporcionados por

essa política. Questiona sua efetividade no sentido de refletir-se e contribuir, de fato, para com a

ruptura de um modelo considerado conservador, bem como se possibilitaria a construção de um novo

formato para o desenvolvimento participativo, integrado e inclusivo.

Objetivos

Com base nessas divergências, esta pesquisa se propõe a investigar: quais avanços e

limitações apresenta o atual modelo de planejamento e gestão da política de desenvolvimento que

está sendo implementado no território Velho Chico? A pesquisa levanta a seguinte hipótese: o

modelo de política territorial que está sendo implementado está contribuindo para qualificar e

ampliar a participação dos atores locais na prática do planejamento coletivo, porém, não tem

apresentado esses mesmos resultados no campo do controle social das políticas públicas executadas

no território.

Este objetivo geral foi traduzido em quatro objetivos específicos, a saber:

Page 50: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

50

identificar as políticas públicas que foram implementadas no território no período de 2003 a

2010;

analisar as estratégias que adotadas para a implementação dessa nova política de

desenvolvimento territorial;

avaliar o nível de participação dos atores locais na proposição, gestão e controle social das

políticas de desenvolvimento no território;

compreender como está ocorrendo o processo de desconstrução do modelo considerado

conservador, responsável pelo aprofundamento das desigualdades regionais.

Justificativa

A utilização do território rural como base para o planejamento e gestão das políticas públicas,

pressupõe a inclusão de organizações da sociedade civil com participação efetiva. Para que isso

ocorra, é necessário o desenvolvimento de pesquisas apresentam novos elementos que possam

contribuir com a melhoria da qualidade da participação dos atores sociais, em todas as fases das

políticas públicas de desenvolvimento, em nível municipal, regional e nacional.

Nesse sentido, justifica-se esta pesquisa pela importância da investigação sobre a forma de

como está sendo qual desenvolvida essa política é desenvolvida. Além disso, esta pesquisa

apresentará subsídios que poderão contribuir para o desencadeamento de um processo participativo e

descentralizador, seja no campo da formulação, seja na execução ou, ainda, controle social das

políticas públicas destinadas a promover o desenvolvimento com sustentabilidade e,

consequentemente, diminuir as desigualdades existentes no território.

Referencial teórico

Como referencial para sustentar a argumentação deste trabalho será utilizada a abordagem

territorial e de desenvolvimento rural defendida por Sabourin (2002). Para esse autor, a ideia central

da abordagem territorial do desenvolvimento é a preocupação pela integração e pela coordenação

entre as atividades, os recursos e os atores, em oposição a enfoques setoriais ou corporativistas que

separam o urbano do rural e o agrícola do industrial, a universidade do ensino básico, a pesquisa da

extensão.

De fato, constata-se que o desenvolvimento é resultado de modelos de políticas adotadas em

um dado espaço geográfico e temporal, com realização de atividades produtivas. Conforme Sen

(2010, p. 77)

Page 51: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

51

os fins e os meios do desenvolvimento exigem que as perspectivas de liberdade sejam

colocadas no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente

envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como

beneficiárias dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento.

O autor relaciona a ampliação de práticas democráticas ao processo de desenvolvimento. Na

gestão social dos territórios rurais, o controle social busca o equilíbrio dinâmico entre o Estado, a

sociedade civil e o mercado, estabelecendo o controle de um sobre os outros (BRASIL/MDA/SDT,

2010).

Perico e Ribeiro (2005), apoiados na concepção de territorialidade e revalorização do espaço

rural, caracterizam o espaço físico compreendido entre cidades e campos por critérios

multidimensionais, tais como: o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as

instituições, e uma população composta por grupos sociais relativamente distintos. Tais grupos se

relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, nos quais podem-se distinguir

um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. Tal concepção

oferece possibilidades de resposta a muitas das falências mostradas por outros modelos de

desenvolvimento rural nas últimas décadas.

Nesse sentido, o território, tido como espaço social, produzido e delimitado por

representações peculiares, pode ser potencializado como um instrumento, uma estratégia de

desenvolvimento social, cultural, econômico e ambiental.

Metodologia

Será realizada pesquisa de abordagem qualitativa de caráter descritivo. A coleta de dados será

feita através de pesquisa bibliográfica e documental, como fonte básica de informações sobre o tema.

Serão feitas observações a partir dos eventos realizados pelo Fórum Territorial do Velho Chico, para

melhor compreender o processo de mobilização, participação, planejamento, execução e

monitoramento das ações territoriais.

Para aprofundamento e complementação das informações referentes ao problema a ser

investigado, será elaborado um roteiro de entrevistas. A amostra das pessoas a serem entrevistadas

deverá contemplar representantes da sociedade civil e do poder público que atuam diretamente na

efetivação da política territorial.

Cuidados éticos

No decorrer deste trabalho de pesquisa, serão observados e mantidos o cuidado e compromisso

com a utilização dos dados e informações levantadas em cada fase e categoria do estudo. Serão

Page 52: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

52

priorizadas as informações provenientes de fontes oficiais ou registradas de acordo normas vigentes

no país.

Para o acesso às informações e imagens, será solicitada com antecedência a autorização dos

titulares, da mesma forma para citações e publicações.

Será firmado um compromisso com as pessoas e organizações envolvidas no trabalho, no

sentido de realizar a devolução da pesquisa, antes mesmo da sua publicação.

Pontos relevantes para discussão

Apesar da implantação de uma estrutura de gestão compartilhada, que possibilita a integração

de todos os segmentos governamentais e não governamentais que atuam no território, nota-se que

persiste uma dificuldade para agregação de segmentos importantes capazes de promover o processo

de desenvolvimento participativo visando a sustentabilidade.

Além disso, percebe-se que a estrutura implantada para a gestão das políticas territoriais,

proporcionou significativo avanço nas questões relacionadas à mobilização da sociedade para o

planejamento e a construção de agendas. No entanto, consideram-se insuficientes as ações e os

resultados proporcionados relacionados ao controle social.

Referências bibliográficas

BRASIL/MDA/SDT. Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável: guia para o

planejamento territorial. Documentos de Apoio 02/2ª. ed. Brasília: 2010.

CASTRO, I. E. de. Visibilidade da região e do regionalismo: a escala brasileira em que estão. In:

LENA, L.; CARLEIAL, L. M. da F.; NABUCO, M. R. (orgs.). Integração, região e regionalismo.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

PERICO, R. E.; RIBEIRO, M. P. Ruralidade, territorialidade e desenvolvimento sustentável. Brasil:

IICA, 2005.

SABOURIN, E. Desenvolvimento rural e abordagem territorial. In: SABOURIN, E.; TEIXEIRA, O.

A. (orgs.). Planejamento e desenvolvimento dos territórios rurais. Distrito Federal: Embrapa, 2002.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo

Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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53

O Beco de (Vó) Dôla – territorialidade negra em um bairro negro

Ex-bolsista: Flávio José dos Passos (M)

Orientadora: Josildeth Gomes Consorte

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais

Palavras-chave: Territorialidade negra, matriarcalidade e ancestralidade.

Email: [email protected]

“Entregues à sua própria sorte, os africanos e seus descendentes

vêm, desde então (a abolição), construindo a sua história, a

despeito de tudo quanto lhes foi e continua sendo negado, nos

espaços que lhes foi possível ocupar”.

Josildeth G. Consorte (1991)

Apresentação

A territorialidade se constrói a partir de um processo subjetivo de consciência de participação

por parte das pessoas que habitam o território. A territorialização é um fenômeno que remete à

memória como reconhecimento de uma origem, ao estabelecimento de delimitações, nas quais o

passado se articula com o presente e o futuro. A territorialidade negra vem carregada de dimensões

afetivas, políticas, de memória e identidade.

Dentro dos processos de urbanização e segregação urbanos,

os territórios negros são aqueles espaços urbanos habitados por maior parcela de população

afrodescendente e que se conformam histórica e socialmente a partir dos processos de

imposição de desigualdades sociais à população negra e do desenvolvimento das culturas de

base africana. A dinâmica sociocultural é determinada pela cultura de base, revelando-se no

espaço geográfico como base dos processos de construção das relações historico-ssociais e

das identidades das populações. (CUNHA, 2001 apud RAMOS, 2010, p. 5).

Constituiu-se como contexto central de pesquisa de campo do mestrado em Ciências Sociais,

na PUC-SP, o “Beco de Dôla”. Surgido a partir de algumas famílias extensas ligadas a Dona Zefa,

Vó Dôla, Dona Tuzinha, Dona Duca e Vó Marcela, matriarcas ainda presentes na memória coletiva

do bairro, o “Beco de Dôla”, como é conhecido, encontra-se no coração da Rua das Pedrinhas, a

menos de um quilômetro do centro de Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia. O aspecto mais

relevante presente captado nas narrativas das trajetórias de vida que remetem à ocupação da Rua das

Pedrinhas é a prevalência do protagonismo feminino. Mulheres negras que buscaram garantir um

espaço de terra para cuidar de seus filhos, como nos relatos de Nilza, filha de Dona Duca:

[...] Naquele tempo era difícil, o que elas faziam para criar os filhos. Vender água na rua.

Levava as latas d’água. Botava num cantinho com os filhos mais pequenos e ali colocava e ia

vender água nas ruas. Ali um dava uma coisa outra dava outra. Ia arrancar pedra, quebrar

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pedra. Aqui, por isso chama Pedrinhas. Porque tu chegava aqui, só via mulher sentada, ó,

tudo quebrando pedra. Era quebrar pedra e só via monte de pedra.

Ou, como nos relatos das netas e bisnetas de Vó Dôla, tida com uma das primeiras a

ocuparem a região da Serra do Periperi, que passa a ser denominada de Pedrinhas:

Fez muita coisa assim por Conquista, minha avó. Uma velha, negra [...] batalhadeira. [...]

Minha avó trabalhava em várias coisas, praticamente em tudo. [...] Sim, trabalhava fora, sim.

Trocava água. Lavava roupa... [completa a irmã, Jaíra]. Lavava roupa de ganho. Pegava café.

Então ela fez de tudo... Quebrava pedra... [completa uma das sobrinhas, Jaine]... torrava

farinha... Quebrava pedra aqui mesmo do lado aqui. [...] Não tinha pedreira, não. Nós juntava

todo mundo e ia buscar. E depois reunia todo mundo e ia quebrar pra vender... antigamente,

há muitos anos atrás.

Além da memória das grandes mães, no Beco pulsa a memória coletiva de homens e

mulheres que protagonizaram antigas batucadas e macumba nos carnavais de rua, quando a maioria

das agremiações estava intrinsecamente ligada às religiões de matrizes africanas, especialmente

barracões de umbanda (caboclo) e candomblé (angola).

Pensar o espaço e como o negro se relacionou com ele para se autoafirmar é pensar a relação

encontrada, por exemplo, na realidade que sustenta a família negra extensa de Vó Dôla e Dona Zita.

Assim, se na Rua das Pedrinhas a memória coletiva carrega significados e sentidos da presença negra

em Vitória da Conquista, o Beco de (Vó) Dôla se configura como um espaço de exceção dentro do

próprio bairro negro.

O Beco de Dôla só existe por conta da sociabilidade estabelecida nele pelo grupo da família

dos descendentes das matriarcas e fundadoras do bairro. O barracão de Mãe Fátima, extensão da casa

de Vó Zita, é o espaço de preservação da religião de candomblé angola; e a casa da Grande Mãe, da

iabá do barracão, espaço de encontro, acolhida, suporte, união e trocas simbólicas da liderança

exercida pelas mulheres mais velhas e compartilhada pelas de meia-idade, tendo a figura de Vó Zita

como eixo estruturador dessa dinâmica.

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Figura 1 - Beco de Dôla no dia do aniversário de Betão (filho de Vó Zita)

Fonte: Arquivo da pesquisa.

A pesquisa

Minha pesquisa nasceu com o propósito de pensar a memória dos antigos carnavais

conquistenses como espaços de afirmação de uma identidade negra forjada nos barracões de

candomblé da periferia de Vitória da Conquista. A partir de uma entrevista com Dona Dita, senti a

necessidade de repensar minha trajetória de pesquisa. Lembrando-se da participação das

comunidades nos antigos carnavais, ela me disse: “a gente trabalhava o ano inteiro. O ano inteiro a

gente ia juntando um dinheirinho pra poder ir para o carnaval. A gente mesmo fazia as fantasias, os

vestidos. Era muito bonito. A gente fazia isso e ia lá pra baixo desfilar. Pra quê? Pra mostrar que a

gente é bonito”.

Vislumbrei, na fala de Dona Dita, a comunidade buscando uma afirmação de sua identidade,

de sua diferença, de seu direito de existir. O novo desafio que se apresentava para o meu trabalho

seria o de pensar como se articulam essa identidade negra reinventada cotidianamente, a memória

ancestral e o espaço na qual elas são forjadas em resposta às investidas do racismo. Havia algo

naquela frase que dizia de um passado, mas, principalmente, um presente, de um território-

comunidade, o Beco de (Vó) Dôla. Era preciso repensar os pressupostos e estratégias de uma

pesquisa etnográfica sobre uma extensa família negra.

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56

O Beco de Dôla, mais que as Pedrinhas, conjuga uma história ancestral que se preserva, se

atualiza na dinâmica da casa de Vó Zita e no Bbarracão de Mãe Fátima. Pois, segundo Gusmão

(1994),

A terra ancestral envolve uma história que por sua vez [...] configura uma territorialidade não

apenas física, mas que redefine o cosmo numa relação de tempo/espaço diversa da do

sistema dominante. Neste caso a terra não é apenas território comum, é sinônimo do conjunto

de relações vividas; é trabalho concreto e é trabalho de uma memória que se fabrica

conjunturalmente. É, ainda, experiência pessoal e coletiva, relação cotidiana, resistência e

organização. É, antes de tudo, confronto fundante da lógica de reprodução social como grupo

particular e de identidade própria. (GUSMÃO, 1994, p. 6).

E esses elementos constitutivos de uma territorialidade negra, interdependentes e articulados

a outras três dimensões antropológicas estão presentes na família de Dona Zita: a “força simbólica

circulante” (MAUSS apud HITA, 2002, p. 2), a cultura ancestral e a matrifocalidade. Uma

alimentando a outra. Há um legado ancestral cuidado, preservado e transmitido pelas mulheres mais

velhas da casa, desde Vó Quelé (mãe de Vó Dôla) e Vó Dôla, até hoje com Dona Elza, Mãe Fátima e

Dona Zita, suas filhas e filhos, numa família de 150 integrantes.

Dona Arcanja nos oferece a melhor definição do Beco de Dôla. Perguntada sobre algumas

falas acerca da má fama do Beco nas Pedrinhas, ela diz:

Eu não acho justo, não. Agora esse negócio de Beco de Dôla é porque Dôla batia candomblé,

e bem. E começou assim, o povo foi falando “vou no candomblé de Dôla, é o candomblé de

Dôla”. E ficou. E foi fazendo casa, foi rudiando. E ficou essa passagem aí e botaram o nome

no Beco de Dôla. E ela morreu e ficou o nome. Ficou o nome dela no Beco. E não existe

assim, nome de rua fulano, nome de rua Ferraz, ele já não existe mais, ele que fundou a rua,

ele já morreu. (...) E Dôla era uma pessoa muito boa. Para mim não tem pessoa ruim no

mundo.

O sagrado, através das práticas religiosas e de um universo religioso presente no cotidiano,

ganha a dimensão de uma territorialidade como resistência. Segundo Gusmão (1994), “território

sacralizado pela posse física e mítica e, ao mesmo tempo, reafirma-se o mundo indiviso entre vivos e

mortos, entre passado e presente” (GUSMÃO, 1994, p. 9). Na qualidade de realidade indivisa entre o

físico e o espiritual, o território consegue imprimir uma força no grupo como constituinte de um

“espaço/tempo particular, diferente do tempo cronológico que lhes altera a vida” (GUSMÃO, 1994,

p. 9); diferente da realidade dura do bairro negro (Pedrinhas) que a sociedade tenta massacrar com

estereótipos e diversas formas racismo e violência institucionalizada.

Assim, o barracão figura como sendo a maior presença física/mítica do Beco. O barracão na

qualidade de legado maior daquela que “batia candomblé. E bem”. Hita (2002, p. 3) refere-se a esta

realidade, como uma “força simbólica circulante”, da qual todos participam, “um bem coletivo e um

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legado do qual a descendência tem a responsabilidade de reproduzir e manter (e como o Dom de

Mauss, circula)” (HITA, 2002, p. 3).

Marcadamente organizadas e de forte densidade simbólica e coesão grupal, as festas do

barracão acontecem, em média, seis vezes ao ano e são o ponto de convergência profunda do grupo,

à medida que cimentam e articulam seus principais aspectos, a saber, a organização familiar, a

convivência, a ocupação territorial e a valorização da cultura e a manutenção da tradição através do

candomblé angola, religião de matrizes indígeno-africanas, em tudo tendo como referência central as

mães, mulheres mais velhas.

A família, o povo de Dôla, se constitui em torno da memória da origem das Pedrinhas, mas,

principalmente, das marcas religiosas e culturais que identificam um legado de ascendência africana

e indígena fincada no território. Um território negro que diz respeito especialmente à forma como as

mulheres se relacionam com a terra, a sociedade ao redor e as ancestralidades. Há, principalmente,

uma história de solidariedade entre as mulheres, seja nas Pedrinhas, seja no Beco. Há um

entrelaçamento da vida familiar e coletiva num contexto de permanência na terra protagonizado por

mulheres. Segundo Gusmão (1994, p. 8), “mulher e terra são aqui elementos centrais de uma saga

que foi construída em oposição aos nexos do sistema, envolve concepções e práticas sociais e

simbólicas específicas”.

A vida da família passa pela voz e pelo silêncio das grandes mães da casa, do barracão de

candomblé e das mais velhas. Essa “força simbólica circulante”

que é desigualmente distribuída por estas matriarcas entre seus descendentes, disputada por

eles nas suas relações cotidianas e negociada com as respectivas matriarcas, ainda em vida,

mediante o sentido dado às suas trajetórias e pelas interações estabelecidas com elas, se

aproximando ou afastando das suas expectativas, ganhando ou perdendo o direito à parte

maior ou menor do seu legado. (HITA, 2002, p. 3)

Bauman (2010, p. 15) refere-se a essa dimensão como “círculo aconchegante”, expressão

cunhada para traduzir uma realidade humana cada dia mais rara e separada “de um mundo de

amargos desentendimentos, violenta competição, trocas e conchavos” (BAUMAN, 2003, p. 16).

Nesta lógica social do “círculo aconchegante”, há outra forma de se relacionar que não pelo cálculo

frio, e no qual não precisam provar nada e podem, “o que quer que tenham feito, esperar simpatia e

ajuda” (BAUMAN, 2010, p. 16).

Vó Zita, no Beco, em frente à casa, vendo o movimento da família, numa tarde de final da

festa do seu “cariru” anual para Cosme, referiu-se aos evangélicos que vão à sua porta chamá-la para

participar da igreja: “eles vêm aqui, bate palma e me chama pra eu ir lá na igreja deles. Eu digo que

vou, eles ficam assustados. Aí eu digo: eu vou lá, mas depois vocês têm que vir aqui também. Mas,

não é?!”. E dá risada.

Page 58: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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A “distinção” do grupo é nítida. Quem pertence e quem não pertence à família, à casa, ao

grupo, ao barracão, ao Beco. A comunicação entre os “da família” é densa e alcança tudo. E pela

linguagem fica nítido mais uma vez quem é de fora. Há uma “autossuficiência” com relação a todos

os grupos que tendem a se impor na comunidade. Fica fácil entender o porquê as crianças da família

não participam das aulas de capoeira e judô que são oferecidas no salão da igreja católica, no mesmo

quarteirão, além da questão financeira, por não terem o suficiente para a mensalidade simbólica

cobrada pela instrutora que é da Rua das Pedrinhas.

Considerações finais

Dentro dessa perspectiva, a característica fundamental da família e da casa de Dona Zita é a

força da solidariedade. Uma solidariedade que é a única forma de sustentação e manutenção da vida

naquele contexto de desemprego, grande número de crianças e adolescentes, grande número de

rapazes e jovens mães sem trabalhar. O tempo todo, a semana inteira, o dia inteiro, a casa de Dona

Zita é uma movimentação, um entra e sai, um leva e traz, não no sentido da fofoca, mas no sentido

mesmo dos punhadinhos, dos trocados, da quirela, da resenha, da coisa pouca que será partilhada na

próxima refeição, na ajuda a alguma necessidade de alguém da família ou visitante.

Bauman (2002) chama a atenção para o fenômeno das identidades neste mundo globalizado,

quando as comunidades começam a entrar em colapso pela aceleração dos processos de privatização

e individualização da vida. Enquanto a comunidade não tem a necessidade de se apresentar, de

aparecer e falar de si, a identidade se pauta pela diferença, pela singularidade que acabam por dividir

e separar, gerando fronteiras em um mundo globalizado.

A “identidade” ganhou grande destaque na pesquisa por conseguir articular-se na memória

individual, nas histórias de vida das matriarcas do “povo de Dôla”, com a memória do grupo e do

próprio bairro. Dialogando com o pensamento de Halbwachs, ao elaborar a noção de “quadros

sociais da memória”, Candau (2011) diz que “é um tecido memorial coletivo que vai alimentar o

sentimento de identidade. Quando esse ato de memória, que é a totalização existencial, dispõe de

balizas sólidas, aparecem as memórias organizadoras, poderosas, fortes, por vezes monolíticas, que

vão reforçar a crença de uma origem ou uma história comum ao grupo” (CANDAU, 2011, p. 77).

Hoje, a comunidade – família extensa do grupo doméstico conhecido como “povo de Dôola”

ou “povo de Zita” – tem três grandes alicerces: a casa de Dona Zita, o barracão de candomblé e a

passagem que liga duas importantes vias do bairro, o Beco de Dôla. Todos esses elementos

constitutivos de uma territorialidade negra estão interdependentes e articulados a outras três

dimensões antropológicas presentes na família de Dona Zita: a “Força simbólica circulante”

(MAUSS apud HITA, 2002, p. 3), a cultura ancestral e a matrifocalidade. Uma alimentando a outra.

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59

A territorialidade negra se manifesta, não no físico do espaço de uma passagem denominada

de Beco, mas, primeiramente, na corporeidade negra dos “filhos da casa”. Corporeidade sustentada

na memória da matriarca, da Grande Mãe, Vó Dôla, fonte da liderança das suas filhas e netas

empenhadas na construção um povo forte, mobilizadoras de ressignificações de suas raízes

ancestrais, agenciadoras de performances que expressem seu pertencimento e identidade, dentro e

fora do Beco.

Referências bibliográficas

BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2010.

CANDAU, J. Memória e Iidentidade. Trad. Maria Letícia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.

CONSORTE, J. G. A questão do negro: velhos e novos desafios. Revista São Paulo em Perspectiva,.

vol. 5, n. 1. SEADE. São Paulo, 1991. Disponível em: <www.seade.gov.br/

produtos/spp/v05n01/v05n01_12.pdf>. Acesso em: 22 maio 2010.

GUSMÃO, N. M. M. Terra de mulheres. Identidade e gênero em um bairro rural negro. Revista de

História.n. 129-131, São Paulo, 1994. Página

HITA, M. G. Mãe-Vó-Bi: chefe de familia família em arranjo matrifocal negro. XIII Encontro da

Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, de 4

a 8 de novembro de 2002.

RAMOS, M. E. R. Contextos de construção da territorialidade negra em áreas urbanas. Revista

África e Africanidades., n. 9, ano 3, maio de 2010. Disponível em: <www.africae

africanidades.com/.../Contextos_construcao_territorialidade_negra.pdf>.

Acesso em: 19 jan. 2011.

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60

Rowahtuze Sinã27

: um estudo sobre a “pedagogia” Akwẽ e sua relação com a

escola indígena Ex-bolsista: Genilson Rosa Severino Nolasco (M)

Orientador: Fernando José Pereira Florêncio

Instituição: Universidade de Coimbra – Programa de Mestrado em Antropologia

Social e Cultural: Conflitualidade e Mediação Cultural no Mundo Contemporâneo

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem Akwẽ-Xerente, corpo, escola indígena

Email: [email protected]

Introdução

Até 1988, a escola em áreas indígenas era implementada oficialmente pelo Eestado como um

recurso que poderia eliminar as diferenças, despojar os povos indígenas de suas línguas, de suas

culturas, de suas religiões, de suas tradições, de seus saberes, incluindo, entre esses saberes, os

métodos próprios de ensino-aprendizagem (FREIRE, 2004).

Com a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, ficou estabelecido que os

povos indígenas têm direito ao território, a suas organizações sociais e usos e costumes (art. 231).

Desde então, a política nacional para a educação escolar indígena – fundamentando-se nos arts. 210,

215 e 231 da referida Constituição – passou a adotar os princípios da interculturalidade, da

diferenciação, da especificidade, do bilinguismo e do uso de processos próprios de ensino-

aprendizagem dos povos indígenas.

Na prática, porém, a realidade das escolas indígenas destoa dos princípios constitucionais e

demais normativas.28

. Ainda são poucas as escolas em áreas indígenas, no Brasil, que atendem aos

princípios da diferenciação, especificidade, interculturalidade e da utilização de processos próprios

de ensino-aprendizagem que valorizem conhecimentos e práticas tradicionais dos povos indígenas

(FUNAI, 2006).

No estado do Tocantins, a situação não parece divergir da situação nacional. A educação

escolar indígena, em funcionamento desde 1991, foi regulamentada apenas em 1998 aela Lei

Estadual nº 1.038, de 22 de dezembro daquele ano, que criou o Programa para Educação Escolar

Indígena que, também, regulamentou o Sistema Estadual de Educação. O referido Programa

estabelece que a escola indígena deve ter como princípios básicos: a recuperação da memória

histórica dos povos indígenas territorializados no estado, a reafirmação de suas identidades étnicas e

o estudo e a valorização de suas línguas maternas (Timbira, Ynã e Akwẽ). O Programa estabelece,

ainda, que o estado deve proporcionar a formação continuada de professores indígenas, fornecer-lhes

27

Escola Sinã. 28

LDBEN, 1996; Resolução CEB 03/99; Plano Nacional de Educação 2001; Parecer CNE - 14/99.

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materiais didáticos que atendam aos princípios da diferenciação, da especificidade e da

interculturalidade e que lhes seja possibilitada a criação de currículos escolares que levem em

consideração os processos próprios de ensino-aprendizagem indígenas.

No entanto, em uma rápida observação nas escolas nos territórios indígenas, no estado do

Tocantins, percebe-se que a realidade destoa desses princípios normativos, como é o caso das escolas

indígenas instaladas nas aldeias Akwẽ-Xerente. Segundo o Plano Estadual de Educação (Seduc,

2006) do estado do Tocantins, havia 37 escolas instaladas em suas aldeias em 2005, atendendo a 875

alunos Akwẽ-Xerente.

Os indígenas Akwẽ-Xerente são classificados linguisticamente segundo o tronco linguístico

Macro-Jê, família Jê e língua Akwẽ. Seu território está totalmente localizado no município de

Tocantínia, no estado do Tocantins. A população Akwẽ-Xerente encontra-se distribuída em

aproximadamente 55 aldeias, somando, segundo censo realizado em 2006 pela Fundação Nacional

de Saúde (Funasa), 2.569 pessoas.

Objetivos

A dissertação buscou compreender o processo próprio de ensino-aprendizagem Akwẽ-

Xerente e analisar a sua relação com o processo de escolarização, tomando como referência a Escola

Indígena Sinã e o contexto sociocultural da aldeia Rio Sono. Para tanto, procurou apreender:

o que caracteriza uma ação educativa para os Akwẽ-Xerente;

quais são os princípios do processo próprio de ensino-aprendizagem Akwẽ-Xerente;

qual o diálogo entre a educação propriamente Akwẽ-Xerente e a escola indígena;

qual a representação que os Akwẽ-Xerente fazem da escola.

Justificativa

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito ao uso de processos próprios

de ensino-aprendizagem se tornou um dos grandes desafios às políticas voltadas para a educação

escolar indígena no país. Num universo de aproximadamente 180 línguas e mais de duzentos povos

indígenas, supõe-se a presença de variadas formas de sociabilidades e de transmissões de

conhecimentos, cujos processos são ainda pouco conhecidos. Há muito a se perguntar.

Alguns estudos antropológicos (MELO, 2008; COLLET, 2010) têm mostrado variadas

formas de educação propriamente indígenas e que conflitam com os métodos adotados nas escolas

indígenas, destacando a necessidade de que o processo de escolarização dos povos indígenas

considere essas maneiras singulares de educação, para que se possam abrir espaço à construção de

uma educação específica e diferenciada.

Page 62: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

62

Referencial teórico

Ao perceber que as concepções desses indígenas sobre o corpo e a pessoa poderiam informar

a educação propriamente Akwẽ-Xerente, optou-se por utilizar as contribuições de alguns trabalhos

que apontam para a centralidade do corpo nas cosmologias dos povos indígenas, como mostraram

vários estudiosos descrevendo diferentes povos.29

No entanto, consideramos que Seeger, DaMatta e

Viveiros de Castro (1979) propuseram, de forma mais abrangente, que se compreenderia as

cosmologias ameríndias a partir da noção de corpo e pessoa.

A partir desta noção de corpo, Viveiros de Castro (2002) desenvolveu o conceito do

“perspectivismo” para caracterizar um dos aspectos das cosmologias ameríndias. Segundo ele, em

vez de um relativismo cultural, há, nas cosmologias ameríndias, uma visão multinaturalista do

mundo. Isto é, a cultura ou o sujeito seria a forma do universal e a natureza ou o objeto, a forma do

particular. Somos todos gente, mas com perspectivas diferentes de acordo com as especificidades dos

corpos. Cada um desses sujeitos se vê como humano, vendo os demais como não humanos, como

espécies de animais ou de espíritos. Desta noção é possível compreender os inúmeros processos de

construção social do corpo para moldá-lo à possibilidade de ter a perspectiva humana (HEURICH,

2007).

Na pesquisa, os conhecimentos sobre educação escolar indígena foram aprofundados pelo

estudo da legislação, bem como de textos dos principais autores que dela tratam no âmbito territorial

do Brasil (por exemplo, FREIRE, 2004; GRUPIONI, 2004; SILVA E AZEVEDO, 1995) ou de

povos específicos, como o de Célia Collert (2010), que analisa como os indígenas Bakairi concebem

a escola em suas aldeias. Além desses, foram usados outros textos, como o de Maria Elisa Ladeira

(2005), que faz uma reflexão sobre a ideia etnocêntrica de privilegiar a escrita como única forma de

transmissão de conhecimento.

Metodologia

Inicialmente, realizou-se um levantamento bibliográfico da literatura de fundamentação

teórica, contemplando os campos da Antropologia, da Sociologia e da Educação que convergem para

a compreensão dessa problemática. Aliado a esse estudo bibliográfico, realizou-se trabalho de

campo, desenvolvido em dois momentos no ano de 2009 (durante o mês de outubro; e entre os meses

de novembro e dezembro daquele ano).

29

Carneiro da Cunha (1978, 1979), os Krahô; Seeger (1980), os Suyá; Viveiros de Castro (1979), os Yawalapiti; Cohn

(2000), os Kayapó-Xicrin.

Page 63: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

63

Como estratégia para realizar o trabalho de campo e a coleta de informações, utilizou-se a

técnica da observação participante,30

, entrevistas semi-estruturadas, mas considerando-as “conversas

com um objetivo” (BURGESS, 1997), o que permitiu aos informantes desenvolver suas repostas fora

de um formato estruturado. Os diálogos foram registrados com auxílio de um gravador digital,

simultaneamente, nos cadernos de campo.

A pesquisa foi desenvolvida com autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dos

Akwẽ-Xerente, tendo em vista que ela integra o rol de ações do projeto de pesquisa “Os efeitos da

Educação Escolar para os Povos Indígenas no Tocantins”,31

, aprovado em 2009 pelo Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Funai, e que para sua

realização tem o consentimento dos povos indígenas envolvidos, entre eles os Akwẽ-Xerente.

Resultados

No desenvolvimento do trabalho percebeu-se que as concepções desses indígenas sobre o

corpo e a pessoa informam a educação propriamente Akwẽ-Xerente, em seu objetivo de fabricar e de

socializar a pessoa, sendo um processo compartilhado por uma rede de relações que envolvem não

apenas o núcleo familiar, mas também outros atores sociais da aldeia e os próprios aprendizes.

Da ótica do perspectivismo, o nascimento não garante a humanidade da criança, porque a

humanidade seria um modo de ser e de agir ou uma capacidade de atuar como humano. Ao nascer, o

corpo da criança é considerado frágil, genérico, suscetível à transformação, sujeito às ações dos

espíritos, dos outros seres presentes no cosmos. Portanto, trata-se de um corpo que necessita de

cuidados, ao mesmo tempo em que é transformado para aceder à perspectiva humana.

O corpo não é dado, ele é fabricado continuamente (SEEGER et al., 1979; VIVEIROS DE

CASTRO, 2002), desde a concepção. Isto ocorre por meio de um processo gradual que marca as

fases da vida, o gênero, o parentesco e as prerrogativas nas quais seu meio sociocultural se

fundamenta, consolidando uma educação marcada no corpo. Esse processo de fabricação do corpo se

articula com as faculdades necessárias para o aprendizado, com a intenção de concretizar a

socialização e humanização da pessoa.

30

Robert G. Burgess (1997) sugere que o mundo social não é objetivo, envolve significados subjetivos e experiências que

são construídas pelos participantes nas situações sociais, e os significados que os participantes atribuem às situações

sociais podem ser acessados por meio da observação participante. A observação participante pode ser conceituada como

o “processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e de prazo relativamente longo com uma

associação humana na sua situação natural com o propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo”

(MAY, 2001, p. 177). 31

Esse projeto ainda está em desenvolvimento e é coordenado pelo Dr. Odair Giraldin, professor adjunto da Fundação

Universidade Federal do Tocantins.

Page 64: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

64

Ao começar a andar e a desenvolver a fala, a criança passará a ter certa autonomia para se

engajar no mundo por meio de suas experimentações e, assim, se desenvolve uma educação

caracterizada pelo encontro de ações humanas e pelo protagonismo do aprendiz. Essa fase é

fundamentada pelo exemplo, pela observação, pelo ouvir, pelo silêncio, pelo repetir, pela oralidade,

pela autonomia do aprendiz e pela aprendizagem de uma atitude respeitosa em relação ao que se

aprende, a quem ensina e aos outros seres do cosmos, entre eles os espíritos. A criança deve aprender

através da participação em momentos formalizados ou informais, introjetando conhecimentos e

comportamentos relativos a valores, crenças, postura corporal e organização social (COLLET, 2010).

A partir das observações realizadas, percebeu-se que a escola tem privilegiado, como método

de ensino-aprendizagem, a escrita e a leitura, sobretudo em língua portuguesa, usando livros,

ocorrendo em espaço fixado, dispondo de um tempo estabelecido para a duração das aulas, para a

introdução de conteúdos e que determina, entre outras coisas, o momento no qual o aluno irá aceder

a uma nova fase. Esse método se sobrepõe à educação propriamente Akwẽ, que privilegia o

protagonismo do aprendiz e sua liberdade para circular nos vários contextos da vida cotidiana na

aldeia, onde faria suas experimentações e desenvolveria sua aprendizagem. Nesse processo, o ensino

e a aprendizagem ocorrem como o resultado do encontro entre ações humanas e não por meio da

escrita e da leitura, dos livros, das avaliações e de espaço e tempo fixados.

Pontos relevantes para discussão

A “pedagogia” Akwẽ-Xerente e as escolas em suas aldeias transmitem conhecimentos, mas

por noções de tempo, espaços e processos próprios. Na escola, os atos de ver e de repetir, por

exemplo, são acionados, mas para o ensino e a aprendizagem pela escrita e leitura. Os alunos

reproduzem, constantemente, os desenhos e os textos escritos no quadro e nos livros ou, a partir de

suas representações do mundo e do seu povo, elaboram textos e desenhos que são fixados no papel.

Enquanto isso, na aldeia Rio Sono, a senhora Rosalina Kubadi reserva várias horas do dia

para trabalhar em sua residência com fibras de buriti. Suas hábeis mãos dão forma a cofos, bolsas,

esteiras. Na varanda de sua casa, o senhor Valdir Srênomri e dona Helena Asakredi trabalham quase

todos os dias com fibras de buriti e tucum. Seus trabalhos dão formas a patros, cofos, esteiras,

pulseiras e colares. Ali o senhor Valdir relembra e conta narrativas sobre seus antepassados.

Ambos são exemplos de espaços onde o que se diz e o que se faz se constroem como sentido,

espaços privilegiados para a aprendizagem e o ensino, mas que são desconsiderados no processo de

escolarização desses indígenas. Espaços físicos e simbólicos que revelam também a necessidade de

se repensar o currículo escolar, o tempo e o espaço escolar e de se valorizarem as experiências

indígenas nos seus processos de escolarização. Para tanto, é imprescindível repensar, também, o uso

Page 65: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

65

da escrita e da leitura como único método de ensino-aprendizagem e criar momentos/espaços, dentro

e fora da escola, para que a oralidade, um dos elementos fundamentais no processo de ensino-

aprendizagem dos povos indígenas, seja privilegiada na prática escolar.

Referências bibliográficas

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Page 67: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

67

Negros na universidade: o contexto do Programa de Ação Afirmativa da –

UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso

Bolsista: Jacqueline da Silva Costa (D)

Orientadora: Maria Inês Rauter Mancuso

Instituição: UFSCar - Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Palavras-chave: Negro, desigualdades educacionais, ação afirmativa

Email: [email protected]

Introdução

Este trabalho insere-se em pesquisa de doutoramento que ora desenvolvo sobre estudantes

cotistas na Universidade do Estado de Mato Grosso, particularmente nos campi de Cáceres e Sinop.

Trata-se de trabalho qualitativo e quantitativo, por meio do qual busco acompanhar o impacto da

política de ação afirmativa no cotidiano acadêmico dos cotistas dos dois campi. Segundo Chaves

(2000, pp. 17) o município de Cáceres tem um histórico de presença de escravos a partir de sua

fundação, em 1778, como atestam os quilombos e comunidades tradicionais remanescentes. Em

2010 tinha 87.942 habitantes, com 29,7% de brancos; 8,4% de pretos; 60,3% de pardos e 1,6% de

declarados indígenas.

Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), com 41 anos de existência, originou-se de

um núcleo de colonização, atraindo migrantes da região Sul do país, principalmente do Paraná

(VIEIRA, 2003, p. 3). Os 113.099 habitantes assim se distribuem: 48,6% brancos; 6,2% pretos;

43,9% pardos e 1,3% indígena. Os dois municípios apresentam não apenas diferenças históricas

significativas, mas também quanto às condições socioeconômicas. Os indicadores sociais apontam

desigualdade de renda, de escolaridade, de esperança de vida e de mortalidade infantil entre brancos

e negros, desigualdade esta mais evidente em Cáceres.

Portanto, perceber como essas diferenças interferem nas relações no interior da universidade, e

daí no desempenho dos alunos cotistas, é fundamental para acompanhar o desempenho do programa

de ação afirmativa implementado pela UNEMAT. Tomo por análise dados de ingressantes, de

acordo com o sexo e por curso, e o de formados e desistentes, segundo o sexo e o curso.

Objetivos:

Por meio de análise comparativa entre os campi de Cáceres e Sinop, a partir de dados sobre

os cursos e o sexo dos estudantes, busco identificar dificuldades encontradas pelos alunos cotistas no

decorrer da formação, privilegiando as diferenças de gênero no ingresso a esses cursos. O trabalho

visa também caracterizar os diversos cursos segundo indicadores de sucesso e de dificuldades na

realização do curso, especificando por sexo.

Page 68: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

68

Justificativa e referencial teórico

No debate sobre relações racializadas no Brasil sobressaem estudos sobre a desigualdade

educacional e sobre o contexto da escola. Rosemberg (1998), com base em estudo realizado por Lia

Rosenberg (1981) na região metropolitana de São Paulo que aponta uma forte presença de crianças

pobres em escolas que não dispõem de melhores recursos questiona a diferença entre a escola

frequentada pelo aluno branco e pelo negro. Evidenciou-se que “alunos carentes estudam em escolas

onde a jornada é mais curta, o número de turnos é maior, a rotatividade de professores é mais

frequente, as possibilidades de sucesso, enfim, são menores” (ROSENBERG, apud, ROSEMBERG,

1998, p. 81).

Situação semelhante se observa em escolas de outras regiões, nas quais vigoram uma ideologia

da impotência, isto é, “o professor percebe os seus alunos como não educáveis, expectativa que

acaba se confirmando” (DIAS, 1979; HASENBALG, 1987; PINTO, 1993 apud ROSEMBERG,

1998, p. 27). Hasenbalg e Valle Silva (2002) constatam a influência da origem social no desempenho

escolar, acesso e permanência na escola. Estudantes oriundos de famílias menos abastadas não

possuem instrumentos que possibilitam troca qualificada de conhecimentos. Henriques (2001, p.26),

analisando dados da PNAD (1999), verificou que a diferença de 2,3 anos de estudo entre negros e

brancos permanece a mesma ao longo das gerações, apesar do avanço significativo no acesso à

escola de brancos e negros ao longo do século XX.

Com a implementação de cotas raciais no ensino superior uma questão se impõe: o

desempenho dos alunos negros na universidade tenderá a ser tão perversamente marcado pelas

relações sociais como acontece no ensino fundamental e médio? Dessa forma, o conhecimento

acerca da situação acadêmica dos alunos cotistas justifica-se pela necessidade de se apurar como vem

se dando essa relação na universidade e o peso dela na decisão dos alunos cotistas em dar, ou não,

continuidade ao curso.

Metodologia e procedimentos

O primeiro passo foi a caracterização de Cáceres e Sinop, feita a partir de dados levantados

junto ao IBGE (Censo de 2010), relativos ao número e características da população (cor da pele,

renda e taxa de analfabetismo) e à Fundação João Pinheiro (indicadores que compõem o índice de

desenvolvimento humano), além de pesquisa bibliográfica. Dados sobre a situação acadêmica de

alunos e ex-alunos cotistas, compreendendo o período entre o segundo semestre de 2005 e o

primeiro semestre de 2011 foram obtidos junto às Secretarias Acadêmicas e nos anuários estatísticos

da Universidade, disponíveis on-line. Em Cáceres, os cursos existentes são: Agronomia, Biologia,

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Ciências Contábeis, Computação, Direito, Educação Física, Enfermagem, Geografia, História,

Letras, Matemática e Pedagogia. Em Sinop, são: Administração, Biologia32

, Ciências Contábeis,

Economia, Engenharia Civil, Letras, Matemática e Pedagogia.

Alguns resultados

1- Ingressante segundo sexo e por curso

Em Cáceres, de 2005/2 a 2011/1 ingressaram 1.292 alunos pelo sistema de cotas, dos quais

38% eram homens e 62% mulheres. Dos doze cursos, os que tiveram maior frequência de ingresso

foram: Direito, Pedagogia, Biologia, Enfermagem, Geografia, Educação Física, Letras, História e

Ciências Contábeis. Em Matemática, Computação e Agronomia a frequência foi inferior a 100. Do

ponto de vista da razão de masculinidade33

, os cursos que apresentam maior razão são: Direito,

Matemática, Computação, Agronomia, Educação Física e História. Os demais têm menor presença

masculina, com destaque para Enfermagem e Pedagogia.

Em Sinop, ingressaram 569 alunos cotistas, dos quais 40,4% eram homens e 59,6%,

mulheres. Dos sete cursos de Sinop, Administração e Pedagogia tiveram maior frequência de

ingresso. Em Matemática, Computação, Letras, Engenharia Civil e Agronomia a frequência foi

inferior a 100. Do ponto de vista da razão de masculinidade, Engenharia Civil e Administração

tiveram maior razão, enquanto os demais contam com menor presença de homens, com destaque

para Pedagogia.

2- Formados e desistentes, segundo sexo e por curso

Em Cáceres, de 2005/2 a 2011/1 formaram-se 153 ingressos pelo sistema de cotas, dos quais

28% homens e 72% mulheres. Do total de ingressantes em condições de estarem formados, 33%

concluíram, sendo 37% das ingressantes mulheres e 26% de homens. Entre as mulheres, em Direito,

Pedagogia e Enfermagem, a proporção de formadas esteve acima de 37%, que é a tendência geral.

Entre os homens, a proporção superou a tendência geral, de 26%, em Ciências Contábeis, Educação

Física, Agronomia e Direito. Homens e mulheres mostram assim trajetórias distintas do ponto de

vista de sucesso: o único curso em comum é Direito.

Em Sinop formaram-se 55 alunos oriundos do sistema de cotas, sendo 20% homens e 80%

mulheres. Do total de ingressos em condições de estarem formados, 23% completaram o curso,

sendo 32% mulheres e 12% homens. Entre as mulheres, em Pedagogia, Ciências Contábeis e

32

O curso de Biologia foi excluído por ser um curso novo e ter poucos ingressantes. 33

Razão de masculinidade: número de homens por mulher. O mesmo número de homens e mulheres, portanto, terá uma

razão igual a 1. Acima de 1, o número de homens supera o de mulheres; abaixo de 1, é inferior.

Page 70: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

70

Administração a proporção de formadas ultrapassou os 32% de tendência geral. Entre os homens, a

proporção superou a tendência geral de 12% em Pedagogia, Letras, Economia e Matemática,

evidenciando trajetórias distintas do ponto de vista de sucesso entre os dois sexos.

Em Cáceres, dos 1.292 ingressantes, 17,5% desistiram. Os homens apresentaram nível de

desistência (23%) maior do que as mulheres (14%). Acima da tendência geral de desistência entre os

homens estão os cursos de Matemática, Letras, História, Biologia e Computação. Já entre as

mulheres, Computação, Letras, Matemática, Agronomia, Biologia e Ciências Contábeis. Matemática,

Computação, Letras e Biologia são áreas de dificuldade comuns a homens e mulheres. Em Sinop,

dos 569 ingressantes, 31,4% desistiram. O nível de desistência entre os homens (35,8%) também foi

maior do que o das mulheres (29%). Acima da tendência geral de desistência entre os homens estão

Matemática, Economia, Pedagogia e Letras. Entre as mulheres, Economia, Matemática e Letras.

Esses três cursos são áreas de dificuldade comuns a homens e mulheres.

Pontos relevantes para a discussão

Devido à falta de dados não foi possível comparar a situação dos cotistas com os não cotistas.

O número de formados, extraídos dos anuários estatísticos, apenas permite observar os cursos de

maior dificuldade, indicados pela baixa frequência. Nos últimos seis anos, Computação, Ciências

Contábeis, Agronomia e Matemática tiveram os mais baixos números de formandos em Cáceres,

enquanto em Sinop a posição coube a Economia, Matemática e Letras. Entre os estudantes cotistas

de Cáceres em geral, Matemática e Computação são os cursos com mais alta desistência, enquanto

Agronomia e Ciências Contábeis o são para as mulheres. Em Sinop, Matemática, Economia e Letras

são os de maior desistência entre homens e mulheres cotistas, ao passo que Pedagogia o é para as

mulheres. Esses cursos são, portanto, de comum dificuldade entre cotistas e o total de alunos.

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Page 71: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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característica da população e dos domicílios – Resultado do Universo – Município de Cáceres – MT.

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Indicadores sociais: uma análise

dos resultados do censo demográfico 2010. Município de Cáceres – MT. Rio de Janeiro: IBGE.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2010:

característica da população e dos domicílios – Resultado do Universo – Município de Sinop – MT.

Rio de Janeiro: IBGE.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Indicadores sociais: uma análise

dos resultados do censo demográfico 2010. Município de Sinop – MT. Rio de Janeiro: IBGE.

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UNEMAT, SECRETARIA ACADÊMICA. Dados da situação e formado, ativo, desistente, trancado

e transferido dos estudantes cotistas da UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso,

período de 2005/2 a 2011/1. Campus da UNEMAT, 2012, Sinop.

UNEMAT, SECRETARIA ACADÊMICA. Dados da situação e formado, ativo, desistente, trancado

e transferido dos estudantes cotistas da UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso,

período de 2005/2 a 2011/1. Campus da UNEMAT Jane Vanini, 2012, Cáceres.

VIEIRA, P. A. S. Ordem e progresso - Colonização e desenvolvimento em mato grosso: o caso de

Sinop. Uberlândia (Dissertação de Mestrado), 2003.

Page 72: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

72

Desenvolvimento e trabalho na Amazônia: os marceneiros de Xapuri Bolsista: João Maciel de Araújo (M)

Orientador: Silvio Simione da Silva

Instituição: Universidade Federal do Acre – Programa de Pós-Graduação em

Desenvolvimento Regional

Palavras-chave: Manejo florestal, desenvolvimento sustentável, marceneiro.

Email: [email protected]

Introdução

No âmbito das políticas públicas, é relativamente novo o debate sobre a contribuição das

“populações tradicionais” da Amazônia brasileira para o desenvolvimento socioeconômico da região.

Historicamente, grupos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e extrativistas ficaram à

margem do debate e foram negligenciados por grandes projetos (BECKER, 2004; MARTINS, 2009).

Porém, alguns eventos locais de natureza social, política e econômica, somados a outros

eventos de mesma natureza nos planos nacional e internacional, aos poucos apontam para uma

alteração desse estado de coisas e as populações tradicionais tendem a se inserirem no debate

(ALMEIDA, 2004; LITTLE, 2002).

Objetivos

Esta pesquisa tem por objetivo específico investigar a situação atual do setor marceneiro de

Xapuri, buscando evidenciar as implicações do manejo florestal comunitário a esta atividade que, há

anos, contribui para geração de emprego e renda.

Esta pesquisa soma-se ao objetivo de problematizar a iniciativa de manejo florestal

sustentável para produção de madeira, através da análise de uma política pública concebida sob os

pressupostos da discursiva do desenvolvimento sustentável, notadamente inspirada em princípios de

regulação do uso dos recursos naturais e que vem sendo implementada pelo governo do Eestado do

Acre em comunidades extrativistas da região do Vale do Acre.

A reflexão crítica pretendida pelo estudo deve lançar luz sobre outros atores sociais que não

somente os gestores públicos e outros grupos até então envolvidos na proposta de manejo florestal,

depurando a busca da coerência desta política como uma medida que justifique um discurso de que

está sendo criado um novo paradigma, que concebe o desenvolvimento como a combinação entre

eficiência econômica, prudência ecológica e justiça social.

Page 73: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

73

Justificativa

Nos anos de 1980, Xapuri constituiu um dos principais focos de resistência ao avanço da

pecuária na Amazônia, inicialmente através da organização sindical dos seringueiros e,

posteriormente, dessa organização em aliança com o movimento socioambiental internacional. A

resistência dos seringueiros do Acre, notadamente liderados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Xapuri, articulado com outros movimentos de populações extrativistas da Amazônia, ganhou

projeção internacional e conquistou o reconhecimento de direitos sobre seus territórios por parte do

governo brasileiro. Este último, entre outraos, institui os projetos de assentamento e reservas

extrativistas, áreas de floresta destinadas ao uso pelos seringueiros (LITLLE, 2002; BECKER, 2004).

Em Xapuri localizam-se os Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAE) Chico Mendes e

Equador e parte da Reserva Extrativista Chico Mendes.

Na passagem da década de 1980 para 1990, Xapuri encontrou-se profundamente

modificada do ponto de vista social, econômico e político. No pequeno núcleo urbano, que teve sua

origem baseada no sistema extrativista, formaram-se novos bairros constituídos de ex-seringueiros e

agricultores sem- terra que, em grande medida, reproduzem-se pelo trabalho na agricultura, nas

fazendas pecuaristas e nas atividades ligadas à extração de madeira.34

O apoio internacional, no financiamento de projetos executados pelas cooperativas

organizadas pelo movimento seringueiro para o beneficiamento da produção extrativista, projetou,

politicamente, esse segmento em âmbito local através da geração de emprego e renda no início dos

anos de 1990.

Em 1996, em parte ajudado pelo desempenho dos empreendimentos cooperativos, foi

eleito prefeito de Xapuri uma liderança do movimento seringueiro, pelo Partido dos Trabalhadores,

permanecendo no cargo até o final de 2004. A partir de então, Xapuri tornou-se um local

emblemático do desenvolvimento sustentável no estado do Acre.

Referencial teórico e conceitual

Daniel J. Zarin (2005) considera que as áreas habitadas por populações tradicionais são, a

rigor, florestas manejadas, visto que, para sua sobrevivência, essas populações utilizam os recursos

florestais. Contudo, a racionalidade que impulsiona tal manejo apresenta-se em outro nível, não

necessariamente subordinada aos fundamentos da atividade econômica capitalista. Porém, nesta

pesquisa, manejo florestal será tratado como o manejo de floresta nativa para a exploração seletiva

34

Edna Castro (2008) identifica o sistema extrativista como uma das vertentes do estabelecimento das cidades na

Amazônia.

Page 74: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

74

de espécies madeireiras, o que não deve ser confundido com a produção de madeira e produtos

florestais não-madeireiros. Adicionalmente, a expressão manejo florestal sustentável parte do

princípio de que ocorre equidade quanto à importância dos componentes ecológicos, econômicos,

políticos e sociais.

Para Putz (2005), é elementar não confundir manejo florestal sustentável (MFS) com técnicas

de exploração de impacto reduzido (EIR), tampouco com o objetivo de garantir exploração

madeireira de rendimento sustentável (EMRS). Para esse autor, “não há como provar que uma

floresta é manejada sustentavelmente, mas o MFS deve ser sempre um objetivo pelo qual aqueles

que manejam florestas devem empenhar-se quando usam técnicas de EIR e outros tratamentos

silviculturais para obter uma EMRS e outros objetivos do manejo florestal” (PUTZ, 2005, p. 39).

No campo das políticas públicas, no entanto, o manejo florestal sugere um instrumento de

desenvolvimento sustentável capaz de conciliar objetivos de natureza socioeconômica e técnico-

científica. Segundo Souza (2002 p. 68), “as políticas públicas, diferentemente do imediatismo que

caracteriza a análise econômica privada, possuem obrigatoriamente o componente intertemporal no

seu instrumental de análise, pois objetivam alcançar o bem-estar social a curto, médio e longo

prazo”.

De início, o termo “sustentabilidade” admite a existência de limites e uma dimensão

temporal. Assim nos explica André Lopes Souza (2002, p. 73): “o uso sustentável de determinado

recurso florestal pressupõe que esse recurso possa ser produzido indefinidamente, mas dentro de

determinados limites que garantam a sua reprodução no tempo”.

No caso do Acre, além de serem apresentados como alternativas para incremento da renda

das famílias diretamente envolvidas, a partir de uma nova perspectiva produtiva, esses

empreendimentos comunitários de Plano de Manejo Florestal Sustentável têm servido de referência

para o setor, no que tange à atuação dos governos, do empresariado local e, sobretudo, visam à

sensibilização de outras comunidades agroextrativistas para adesão à proposta.

Resultados: as marcenarias e os marceneiros de Xapuri

A pesquisa adotou, como principais procedimentos na coleta de dados, análise de

documentos, conversas abertas com populares em geral e entrevistas com gestores públicos, e com

trabalhadores e proprietários de sete das oito marcenarias do município, o que correspondeu a

entrevistar onze pessoas. Com base nas informações obtidas junto aos entrevistados, conclui-se que

as marcenarias empregavam cerca de 37 marceneiros, predominantemente naturais de Xapuri e, em

sua maioria, provenientes de área rural.

Page 75: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

75

A maioria dos marceneiros, em atividade há mais de doze anos, destaca a obtenção da

matéria-prima como principal problema para o setor. Priorizando as espécies Cedro, Cerejeira e

Marfim, eles afirmam que compram madeira retirada, transportada e pré-beneficiada de maneira

ilegal. Para alguns, este fato extrapolou a esfera do constrangimento e transformou-se em autuação e

multas emitidas pelos órgãos ambientais de controle da atividade madeireira e marceneira.

Ironicamente, em Xapuri, onde se encontra uma das experiências pioneiras em planos de manejo

comunitário, os trabalhadores das marcenarias pouco conhecem dessa iniciativa.

Apesar de alguns marceneiros destacarem períodos de escassez de madeira, a atividade não

cessou. Em função da crescente demanda do mercado local, os marceneiros, outros trabalhadores e

produtores rurais que dispõem de madeira nativa (inclusive os moradores de unidades de

conservação) partilham o risco de prejuízo financeiro e sanções administrativas e criminais. Estima-

se que o consumo mensal não ultrapasse os 60m³ adquiridos a um preço em torno de R$ 450,00/m³

que, dependendo das peças produzidas, atinge uma renda bruta de R$ 1.400,00.35

.

A maioria das marcenarias opera com máquinas e equipamentos básicos para o setor, o que é

considerado pelos trabalhadores suficiente para os cortes e acabamentos que efetuam. Muitas

máquinas são de fabricação antiga e a manutenção se dá quando ocorrem avarias. Na grande maioria

das marcenarias, o fluxo de caixa e registros financeiros é feito de maneira improvisada e amadora,

pelos próprios trabalhadores.

Os marceneiros entrevistados, ao justificarem sua permanência nesse trabalho, manifestam,

como é habitual nas sociedades ocidentais, supervalorização do trabalho em relação a outras formas

de atividade e que envolve não só as recompensas extrínsecas, como o dinheiro e os bens dele

derivados, mas também recompensas intrínsecas, relativas à satisfação, prazer ou liberdade (GRINT,

1998).

Pontos para a discussão

Os marceneiros de Xapuri fazem parte de um grupo mais amplo composto por milhões de

pessoas nascidas na Amazônia a partir da década de 1960 que:

foram “duplamente” expropriadas pelo capital internacional com a deliberada cumplicidade do

Estado brasileiro;

35

Para se chegar a esta renda, tomou-se como referência a fabricação de conjuntos compostos de uma mesa de 2,15m x

0,8m acompanhada de dois bancos, pois trata-se de uma tarefa intermediária no que se refere a exigência no uso de

matéria-prima, trabalho e insumos. Porém, num exemplo extremo, com o mesmo volume de madeira, a renda bruta pode

ser elevada quando da fabricação de esquadrias ou camas. E, no outro extremo, também pode ser reduzida quando

utilizada na fabricação de guarda-roupas, por exemplo, tidos como muito dispendiosos de insumos e principalmente mão-

de-obra.

Page 76: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

76

têm negado o direito de usufruir dos benefícios dos recursos naturais, a princípio garantidos

através dpela criação de UCs e outros territórios para populações tradicionais.

Consideramos que o manejo florestal madeireiro, tal como vem sendo praticado em

Assentamentos Extrativistas de Xapuri (com a produção destinada ao mercado externo):

contraria a justiça social, ao mesmo tempo em que lança na ilegalidade uma parcela dos

trabalhadores urbanos;

não tem respondido positivamente ao quesito econômico, visto a persistência dos indicadores do

município.

De nosso ponto de vista, o discurso do desenvolvimento sustentável:

está comportando práticas que agem na direção oposta ao que propugna, pois mantém as relações

de produção – relações sociais e econômicas (prioridade de exportação) –inalteradas;

tem criado uma falsa ideia de inclusão social através da super-promoção da imagem das

populações tradicionais que se mantiveram na floresta e de uma suposta autonomia dessas sobre

seus territórios e recursos naturais.

Com referência à comunidade do manejo comunitário, observamos que:

a participação de grupos político-partidários, técnicos, empresários monopolistas e instituições

financeiras engendra uma disputa com os interesses dos comunitários extrativistas;

as comunidades de trabalhadores pobres do núcleo urbano são negligenciadas;

enfim, É NECESSÁRIO AMPLIAR A COMUNIDADE DO COMUNITÁRIO.

Referências bibliográficas

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essencial de transição econômica – pontos resumidos para uma discussão. In.: Somanlu: Revista de

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Instituto Internacional de Ensino do Brasil – IIEB, 2005.

Page 78: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

78

Políticas afirmativas para negros no ensino superior: aposta no humano como

fator de transformação social

Ex-bolsista: José Antonio Marçal (M)

Instituição: Universidade Federal do Paraná/Programa de Pós-graduação em

Educação

Orientador: Paulo Vinicius B. da Silva

Palavras-chave: Racismo; políticas afirmativas, intelectuais negros(as)

Email: [email protected]

Introdução

O presente texto pretende explorar um aspecto da dissertação que defendi no programa de

pós-graduação em educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), intitulada Política de ação

afirmativa na Universidade Federal do Paraná e a formação de intelectuais negros (as). A proposta

é traçar, em linhas gerais, um panorama histórico-cultural brasileiro, a fim de ressaltar a necessidade

das políticas afirmativas36

para negros/(as) no ensino superior público como instrumento,

potencialmente, capaz de produzir uma intelectualidade comprometida com a transformação social a

partir do grupo social negro.

Considerando a polêmica em torno da implementação de políticas afirmativas para negros no

ensino superior público, estabeleceu-se o pressuposto de que políticas afirmativas não são

implementadas num vácuo histórico-cultural. Assim, entre os principais objetivos estão: 1) refletir

sobre as especificidades históricas das relações raciais na sociedade brasileira e o “lugar social”

ocupado pelos negros nesse contexto; e 2) problematizar as implicações desse processo histórico-

cultural na implementação de políticas públicas de cunho emancipatório para o grupo social negro. A

opção metodológica para o desenvolvimento da discussão foi a abordagem histórico-dialética

proposta por Antonio Gramsci (1891-1937).

Justificativa

Apesar dos indicadores situarem os negros (pretos e pardos) nas piores posições sociais, uma

forte reação contra políticas afirmativas se evidenciou no contexto brasileiro a partir de 2003. Tal

reação sugere a persistência de resíduos ideológicos racistas (branqueamento e mito da democracia

racial) arraigadas no “imaginário coletivo” brasileiro (BRASIL, 2004). Imaginário, esse, estruturado

36

Por políticas afirmativas, compreendemos um “conjunto de ações políticas dirigidas à correção de

desigualdades raciais e sociais, orientadas para a oferta de tratamento diferenciado com vistas a

corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e

discriminatória” (BRASIL, 2004, p. 12).

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79

historicamente a partir de uma hierarquia racial que estabelece a crença na superioridade de brancos

e inferioridade de negros e indígenas (BRASIL, 2004, p. 14) e que opera na distribuição de

privilégios econômicos, sociais, culturais e simbólicos. Esta lógica é, desde sempre, desvantajosa ao

grupo social negro, pois o “lugar social” do negro é o da inferioridade (SOUZA, 1983). Nesse

sentido é que o racismo no Brasil ganha características de uma cultura que molda o comportamento

de pessoas e instituições sociais.

Essa compreensão do contexto histórico-cultural brasileiro coloca, a nosso ver, duas questões

no que diz respeito ao enfrentamento das desigualdades raciais: uma de dimensão socioeconômica e

outra de dimensão sociocultural. Um recuo ao período compreendido entre a abolição da escravidão

e a década de 1930 ajuda a entender esse processo histórico.

De um lado, precisamos entender como a classe trabalhadora no contexto brasileiro foi

estratificada racialmente. Como salienta Hall (2003), raça e classe, em alguns contextos específicos,

não podem ser colocadas em posições extremadas. O papel da imigração europeia e da política de

preferência racial branca na constituição do mercado de trabalho no início do século XX ajuda a

explicar a imobilidade socioeconômica da população negra. Para Michael G. Hanchard (2001, p. 51),

a “raça teve uma clara dimensão material: estruturou as alternativas e as possibilidades de vida dos

afro-brasileiros e dos imigrantes italianos, assim como as diferenças e desigualdades profissionais no

seio da classe proletária”, provocando consequências inter-geracionais (FERNANDES, 2008;

HASENBALG, 2005; HANCHARD, 2001; TELLES, 2003).

De outro lado, o processo de construção da identidade nacional a partir da negação da

identidade negra, procedimento intenso na primeira metade século XX (MUNANGA, 2008), cujas

consequências afetam negativamente os negros ainda hoje. A partir de um “duplo vínculo”

(CARVALHO, 2006), os negros integraram o discurso histórico nacional brasileiro na condição de

iguais, mas ao mesmo tempo, inferiores, ou seja, paralisados socialmente. A dificuldade em

compreender essa lógica por parte de muitos brancos e negros acaba por transferir a estes a

responsabilidade pelo próprio fracasso social e o “desejo” de embranquecer, como meio de “fuga” da

“condição inferiorizante” (SOUZA, 1983; MUNANGA, 2008). Nesse quadro de alienação, a

identidade e consciência negras só podem ser conquistadas politicamente (SOUZA, 1983).

A consequência desse processo histórico-cultural para os negros como grupo social foi uma

sociedade impermeável à ascensão social, na qual o grupo social negro permanece sub-representado

em postos de comandos e decisões, enquanto aparece sobrerepresentado nas piores condições sociais

(ocupações degradantes e mal remuneradas, localizações geográficas mais carentes, população

Page 80: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

80

carcerária, etc.).37

. Este quadro de subalternização resultou também na ausência de uma significativa

intelectualidade negra capaz de impulsionar o desenvolvimento sociocultural do grupo social negro.

Referencial teórico ou conceitual

A necessidade de uma intelectualidade para o desenvolvimento de grupos sociais estagnados

foi teorizada em diferentes contextos, por exemplo, por Antonio Gramsci (2006a) no europeu e

Amílcar Cabral (1980) no africano e diáspora africana. Esses autores ressaltam a necessidade de

articular o conhecimento científico e o engajamento político num processo de desenvolvimento

sociocultural dos segmentos populacionais estagnados.

Gramsci ao discutir a relação entre os intelectuais e as massas populares parece sugerir que a

quantidade e qualidade dos estratos dos intelectuais está diretamente ligada a um processo de

desenvolvimento do próprio segmento populacional representado por eles. Assim, quanto maior o

nível cultural do grupo social mais se amplia o estrato dos intelectuais especializados. Segundo esse

autor, “[...] todo progresso para uma nova ‘amplitude’ e complexidade do estrato dos intelectuais está

ligado a um movimento análogo da massa dos simples, que se eleva a níveis superiores de cultura e

amplia simultaneamente o seu círculo de influência [...]” (GRAMSCI, 2006a, pp. 104-5).

De acordo com esta formulação, um grupo social subalterno para alcançar sua autonomia

(própria visão de mundo e modo de vida) precisa criar também os seus próprios intelectuais

orgânicos, cuja função social é contribuir para desenvolver no interior desse uma “autoconsciência

crítica” por meio do envolvimento teórico e prático nos problemas que afetam o grupo social.

Contudo, o processo de criação dos intelectuais orgânicos pelo grupo social subalterno requer

investimentos (GRAMSCI, 2006b), pois precisa articular o conhecimento técnico do mundo

moderno com uma formação humanista, além da elaboração crítica da própria historicidade

(GRAMSCI, 2006a).

Para os negros, a criação de intelectuais orgânicos, no contexto da “situação colonial” da

diáspora africana, exige também um “retorno às raízes” (reencontro com a cultura e com o povo) que

inicia com a percepção de marginalizado no mundo branco (CABRAL, 1980). A formação de

intelectuais negros implica, segundo esta teoria, três movimentos: primeiro, a tentativa de

assimilação do mundo branco; segundo, a tomada de consciência de sua marginalização no mundo

branco e recordação de sua cultura; terceiro, o “retorno” à sua cultura e povo e o engajamento na luta

37

Sobre esta questão, Florestan Fernandes, no estudo A integração do negro na sociedade de classes (1964), descreveu

os problemas sociais do “meio negro” decorrentes desse impedimento (FERNANDES, 2008, pp. 161-268) e também faz

referência à “acefalização” das “massas negras” decorrente da manipulação pela elite dominante do mito da democracia

racial (FERNANDES, 2008, p. 321).

Page 81: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

81

de emancipação (CABRAL, 1980; MUNANGA, 2009).38

. Para Cabral, é na identificação dos

intelectuais com a luta do povo que se processa uma “marcha forçada da sociedade no caminho do

progresso cultural” (CABRAL, 1980, p. 89).

Metodologia e procedimentos

Tomando a política afirmativa implementada para negros na UFPR como locus de estudo,

estabelecemos como principal método de coleta de informação a entrevista qualitativa/naturalista

(STAKE, 1983; POUPART, 2008). Segundo Poupart (2008), os entrevistados são vistos como

informantes-chaves, pois constituem-se “um meio eficaz” para obter informações “sobre as

estruturas e o funcionamento de um grupo, uma instituição [...]” (POUPART, 2008, p. 222).

Utilizamos também a análise documental e a observação direta para entender o funcionamento da

política de cotas no contexto acadêmico da Universidade.

O contato com os entrevistados se deu através da dinâmica “bola de neve”. Entrevistamos dez

(10) alunos cotistas raciais de vários cursos compreendendo os critérios de concorrência e de

prestígio social da seguinte forma: maior concorrência (Medicina, Direito, Psicologia, Engenharia

Civil e Nutrição) e menor concorrência (Ciências Sociais e Pedagogia) ingressantes nos anos 2005 e

2006, dos quais quatro identificaram-se como “negros”, dois como “preto/negro”, dois como

“pretos” e dois como “pardos”.

Resultados

A análise das informações coletadas ocorreu em dois eixos: um mais circunstancial e outro

mais histórico. Os informantes evidenciaram, com alguma variação, desvantagens em quatro

mediações consideradas importantes para a formação intelectual, basicamente: econômica; social;

cultural; e simbólica. Porém, tomando as trajetórias dos estudantes, foi possível perceber o impacto

positivo de uma distinção interna a partir do Programa Brasil Afro-atitude. Esse programa, que

funcionou em 2005 e 2006, foi tão importante que um jornal noticiou uma manchete nos seguintes

termos: “Afro-Atitude é ‘panela’ de cotistas para melhorar autoestima” (SILVA, 2008). De acordo

com os relatos, o Afro-atitude foi um momento de “convivência com os iguais”, “com professores”,

“contato com intelectuais negros”, “capacitação para o enfrentamento do racismo” entre outras

coisas.

Em outros termos, pode-se dizer que para os estudantes entrevistados, o Programa Afro-

atitude foi um espaço de sociabilidade que permitiu, ao mesmo tempo, a construção e a articulação

38

Esta teoria foi desenvolvida também por Frantz Fanon no livro Os condenados da terra (pp. 184-5). Sobre o problema

dos intelectuais negros no Brasil (ver MUNANGA, 1990).

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82

de uma identidade acadêmica crítica e de uma identidade negra positiva. A partir de 2007, com o

término do programa, duas tendências se verificaram na trajetória dos estudantes: uma emancipatória

(alunos “filiados” a professores pesquisadores das relações raciais ou simpatizantes da causa negra) e

outra mais assimilacionista dos padrões acadêmicos tradicionais (alunos “não -filiados”).

Essa interpretação sugeriu-nos pensar a necessidade de uma práxis educativa que tenha como

perspectiva um processo de superação de dialética que resulte na formação intelectual de estudantes

negros. O processo de formação de intelectuais negros parece pressupor, em algum momento de suas

trajetórias, uma política que permita a construção de duas identidades: acadêmica crítica e negra

positiva.

Algumas considerações finais

Os pontos ressaltados acima e as evidências obtidas a partir do estudo sobre o programa de

política afirmativa da UFPR permitem colocar o seguinte questionamento: como o grupo social

negro poderá, efetivamente, enfrentar os seus problemas sociais? Aqui a criação de uma

intelectualidade negra comprometida com o desenvolvimento social e cultural das camadas mais

populares do grupo social negro parece apontar um caminho interessante. Sendo assim, quais os

desafios estão colocados atualmente para a criação dessa intelectualidade? Parece-me que a resposta

para esse questionamento está na implementação das próprias políticas afirmativas para negros nas

universidades brasileiras.

Referências bibliográficas

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para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.

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Page 84: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

84

Educação em saúde com abordagem transcultural: o padrão alimentar do idoso

indígena

Bolsista: Júlia de Cássia Miguel Vieira (M)

Orientadora: Márcia Carréra Campos Leal

Instituição: Universidade Federal de Pernambuco – Programa de Pós- Graduação em

Enfermagem

Palavras-chave: Idoso, população indígena, enfermagem transcultural.

Email: [email protected]

Introdução

O envelhecimento populacional é considerado um fenômeno mundial. No Brasil, de acordo

com estimativas, o crescimento acentuado da população de idosos ocorrerá até o ano de 2025,

seguindo as características particulares de nosso desenvolvimento (BRASIL, 2001).

A partir de dados recentes coletados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística,), estima-se que a população com 60 anos e mais duplicará entre 2000 e 2020 (de 13,9

para 28,3 milhões), o mesmo ocorrendo entre 2020 e 2050 (de 28,3 para 60 milhões).

É necessário assinalar, porém, que os idosos se diferenciam entre si, por sua história de vida

ou seu nível de independência funcional, entre outros. Nesse sentido, suas necessidades de saúde

também variam, não apenas conforme o processo de envelhecimento, mas também da realidade

sócio-cultural em que vivem (MARUCCI, 2000).

As mesmas particularidades devem ser notadas quando nos referimos à alimentação. Isto é,

com o processo de envelhecimento, sendo normal e fisiológico, surgem alterações no organismo, que

podem modificar as necessidades nutricionais, agravando-se pelo surgimento de doenças,

interferências medicamentosas, problemas sociais e psicológicos (MARUCCI, 2000).

Este estudo, realizado no campo da Enfermagem, utilizará como embasamento a Teoria

Transcultural de Leininger. Segundo Oriá, Ximenes e Alves (2005), é importante que o enfermeiro

reconheça o significado do cuidado cultural, isto é, os métodos de cuidado peculiares da cada cultura,

bem como os fatores culturais, pois isso influencia no cuidado ao indivíduo.

Para Souza, Zagonel e Maftum (2007), a teoria transcultural valoriza a importância que os

fatores culturais exercem no ser humano, destacando que o idoso, se for cuidado de forma

incongruente seus padrões e crenças, poderá apresentar sinais de conflito cultural, frustração, estresse

e preocupações de ordem moral e ética.

Para se alcançar o cuidado cultural, o processo de educar em saúde se torna a ferramenta

fundamental para a implementação e adequação dos cuidados de enfermagem, sendo importante que

os profissionais, no âmbito da educação em saúde, valorizem o modo de viver individual e coletivo

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85

das pessoas, respeitando seus pontos de vista e seu modo de viver e preservar a saúde, bem como os

aspectos simbólicos de seu convívio (ALVIM; MOREIRA, 2007).

Objetivos

Este projeto tem como objetivo geral analisar o padrão alimentar do idoso indígena internado

na Casa de Saúde do Índio (Casai) de Manaus.

Os objetivos específicos da pesquisa são:

identificar o perfil alimentar do idoso indígena participante do estudo;

caracterizar a amostra segundo variáveis associadas;

verificar a existência de associação entre perfil alimentar e as variáveis investigadas;

apresentar cartilha ilustrativa sobre hábitos alimentares dos idosos;

apresentar estratégias de educação em saúde nos moldes da Teoria Transcultural de Leininger.

Justificativa

Segundo Coimbra Jr. e Santos (2001), ainda se sabe muito pouco sobre o perfil nutricional do

indígena brasileiro. Isto reforça a necessidade de investigar o padrão alimentar e nutricional do idoso

indígena, bem como suas interferências na recuperação de sua saúde. Para tanto, a utilização de uma

abordagem transcultural poderá fornecer subsídios que auxiliem a enfermagem na prestação da

assistência e na adequação dos processos de educação em saúde para a referida população.

Partindo desse pressuposto, a Casai se apresenta como um cenário onde a enfermagem, além

de reconhecer as particularidades dos pacientes, ao mesmo tempo pode utilizar os conhecimentos

adquiridos na melhoria dos cuidados prestados em um ciclo constante de educar e cuidar.

De acordo com Turrini (2000), a equipe de enfermagem, através de suas ações práticas,

mantém uma importante aproximação com o paciente submetido a cuidados em instituições de

saúde. Portanto, este estudo, além de fornecer novos conhecimentos no âmbito da saúde e nutrição,

auxiliará o enfermeiro no reconhecimento das especificidades da população indígena, contribuindo

com o cuidado cultural para a melhoria da assistência e práticas de educação em saúde que garantam

a autonomia, independência e a melhoria da qualidade de vida do idoso indígena.

Referencial teórico

A partir dos anos 1970 realizaram-se vastos e minuciosos estudos sobre as condições de

alimentação e nutrição da população brasileira, porém não ocorreram estudos semelhantes para os

indígenas. Atualmente, o problema alimentar e nutricional é um assunto fundamental nas discussões

Page 86: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

86

do setor indígena, com amplo aparecimento nos círculos da mídia (COIMBRA JR.; SANTOS,

2001).

Entretanto, apesar da falta de levantamentos mais abarcantes, ocorreu nos últimos anos um

acentuado aumento no número de investigações sobre as questões nutricionais dos povos indígenas

no país (COIMBRA JR.; SANTOS, 2001).

Em relação aos idosos indígenas, os dados são ainda mais escassos, já que a maioria dos

estudos tem retratado o perfil alimentar e nutricional de crianças, que apresentaram e ainda

apresentam agravantes considerados riscos para a saúde, principalmente quando comparados a

indicadores no âmbito nacional (HAMMERSCHMIDT; ZAGONEL; LENARDT, 2007).

No âmbito do cuidado gerontológico, é necessária a interação com o idoso, visando a

compreensão e conhecimento sobre a sua maneira de viver, inclusive de seus familiares e/ou

indivíduos envolvidos no processo. Este direcionamento para a prática gerontológica baseada na

multiplicidade dos princípios culturais, defendendo-os como as muitas dimensões da vivência do

idoso, incluindo o seu meio de convívio, viabiliza um melhor desenvolvimento do cuidar,

subsidiando de forma mais adequada o cuidado em enfermagem gerontológica (SOUZA;

ZAGONEL; MAFTUM, 2007).

Neste contexto, destaca-se a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural

(TDUCC) de Madeleine Leininger, que criou o termo “enfermagem transcultural”, considerada

diferente da antropologia médica e demais disciplinas, por estar enfocada em culturas diversas no

cuidado cultural (ORIÁ; XIMENES; ALVES, 2007).

Com base nestsa teoria, a enfermagem pode desempenhar suas atividades profissionais e

adaptá-las ao contexto em que vivem os idosos indígenas, auxiliando-os a expor seus anseios e

aflições, compartilhando os fatores que podem contribuir para as alterações negativas em seu padrão

alimentar e nutricional e, adotar estratégias que promovam o seu bem-estar.

Portanto, reconhecer as bases culturais do idoso indígena, em particular no aspecto alimentar,

torna-se importante para o enfermeiro desenvolver as práticas de educação em saúde voltadas à

realidade do paciente.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo do tipo transversal, com abordagem quantitativa. Os estudos

descritivos apresentam como objetivo a informação a respeito da distribuição de um evento na

população, em termos quantitativos (PEREIRA, 2008). Os estudos quantitativos são caracterizados

por um delineamento da realidade, ao mesmo tempo em que descreve, registra, analisa e interpreta

processos ou fenômenos da natureza (ROUQUAYROL E FILHO, 2003).

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87

O estudo será realizado na Casai, localizada na cidade de Manaus, Estado do Amazonas. A

população de referência será composta de todos os idosos (60 anos e mais), de ambos os sexos,

internados durante a coleta de dados, correspondente ao período de 90 dias.

Os dados serão coletados através da análise dos prontuários e por meio de entrevistas

individuais. Será efetuado através de roteiro semi-estruturado, com questões abertas e fechadas e

organizadas por assunto a ser abordado.

Após a coleta, será organizado um banco de dados e realizada análise quantitativa das

informações, mediante processo sistematizado de base estatística, utilizando o programa Statistical

Package for Social Sciences (SPSS) versão 17.0.

Para análise e discussão dos resultados será utilizada como embasamento a Teoria do Cuidado

Cultural de Leininger, seguindo o modelo Sunrise (variáveis demográficas, fatores tecnológicos,

religiosos e filosóficos, de companheirismo e sociais, culturais e modos de vida, políticos e legais e

econômicos).

Aspectos éticos: riscos e benefícios

O projeto de pesquisa seguirá a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL,

1996) sobre aspectos éticos em pesquisa com seres humanos. Foi submetido à apreciação do Comitê

de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE). Já foi solicitada e concedida Carta de Anuência da Chefia da Casa de Saúde do

Índio (Casai) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Manaus. Aos participantes da pesquisa

será entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para solicitar sua anuência e explicar

a pesquisa, seus benefícios e riscos e a possibilidade de desistência conforme decisão do participante.

A coleta de dados iniciará somente após parecer/autorização do CEP/CCS/UFPE.

Resultados esperados

Com este projeto, espera-se conhecer o padrão alimentar e nutricional da referida população, a

compreensão sobre os fatores que podem alterar o padrão alimentar, apresentar uma nova fonte de

pesquisa no âmbito da nutrição pública indígena, elaborar e apresentar cartilha como auxílio ao

enfermeiro para implementação de políticas públicas indígenas e subsidiar práticas de educação em

saúde baseadas na enfermagem transcultural proposta por Leininger.

Referências bibliográficas

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Page 90: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

90

O protagonismo do Movimento Negro Baiano pós-78 no campo da educação

Bolsista: Jurandir de Almeida Araújo (M)

Orientadora: Delcele Mascarenhas Queiroz

Instituição: Universidade do Estado da Bahia – Programa de Pós-Graduação em

Educação e Contemporaneidade

Palavras-chave: Movimento Negro, educação multicultural, práticas Eeducacionais

Email: [email protected]

Introdução

As diversas e diferentes organizações que compõem o Movimento Negro brasileiro, ao longo

das últimas décadas – mesmo com todas as dificuldades – têm conseguido dar visibilidade tanto às

suas demandas à sociedade brasileira quanto à sua atuação na elaboração de políticas afirmativas de

inclusão, reparação e respeito à diversidade em todas as áreas sociais, principalmente, na

educacional.

Segundo Silva (2002, p. 140), uma das maiores contribuições do Movimento Negro brasileiro

para o desenvolvimento social do povo negro é “sua luta constante pela conquista da educação”. A

autora pondera que essa luta deu-se “inicialmente como meio de integração à sociedade existente, e

depois denunciando a instituição educacional como reprodutora de uma educação eurocêntrica,

excludente e desarticuladora da identidade étnico-racial e da autoestima” do povo negro. Ainda

assinala que as entidades negras, através de seus militantes, têm sido responsáveis por inserir nas

escolas uma educação paralela e pluricultural.

O pensamento de Silva é corroborado por Lima (2004, p. 29), para quem “além da denúncia

do racismo e das desigualdades raciais perpetuadas historicamente nos sistemas de ensino, o

Movimento Negro tem elaborado propostas pedagógicas e de intervenção, em contraposição a um

cotidiano singular e etnocêntrico nos espaços educacionais”. Nesse sentido, como afirma Gomes

(2011, p. 134), “a ação do movimento negro brasileiro por meio das suas diversas entidades tem sido

marcada por uma perspectiva educacional aguçada, explicitada nas suas diversas ações, projetos e

propostas”.

No estado da Bahia, diferentes organizações negras, surgidas a partir da década de 1970, vêm

desenvolvendo atividades sociais, culturais e educacionais que visam a valorização do negro e da sua

cultura, a exemplo dos blocos afro Ilê Aiyê, Olodum, Muzenza, Araketo e Malê de Balê, entre

outros; das religiões de matrizes africanas; ONGs; e instituições públicas, caso do Centro de Estudos

Afro-Oriental – CEAO/UFBA, com atividades direcionadas à afirmação dos estudos afro-brasileiros

e de uma educação que contemple os interesses e necessidades desse grupo.

Page 91: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

91

A indagação que conduz minha proposta de pesquisa é: quais os caminhos e estratégias

utilizados pelo Movimento Negro baiano pós-78 frente ao Estado e, em particular, ao sistema

escolar, no sentido da construção de uma educação multicultural na Bahia? Essa questão está

respaldada na suposição de que as diferentes organizações sociais que compõem o Movimento Negro

baiano foram o eixo norteador das políticas públicas afirmativas adotadas pelo governo e as

precursoras de projetos e ações que visam o fortalecimento da autoestima dos negros e da sua cultura

e a sua inclusão no sistema educacional.

Objetivos

Esta pesquisa, ainda em fase inicial, tem como objetivo analisar a atuação do Movimento

Negro baiano pós-78 no campo da educação, desde a inclusão da disciplina Introdução aos Estudos

Africanos nos currículos escolares do ensino fundamental e médio até a implantação de cotas nas

universidades públicas baianas, visando à construção de uma educação multicultural no estado.

Propõe-se realizar um levantamento, identificação e análise das propostas formuladas pelo

movimento, bem como os obstáculos encontrados no decorrer do processo.

Justificativa e abordagem teórico-conceitual

O fato de a Bahia ser o estado com o maior percentual de negros – e Salvador a cidade mais

negra do país – não impede que as nossas relações étnico-raciais sejam tensas e não torna nosso

ambiente educacional um espaço onde os diferentes grupos étnico-culturais sejam respeitados nas

suas singularidades. A esse respeito, Queiroz (1999, p. 202) afirma que:

A importância da população negra para o estado da Bahia não se refere apenas ao seu

peso demográfico, mas deve-se, sobretudo, à relevante contribuição dos africanos e seus

descendentes para a formação da sociedade brasileira, na preservação dos valores da

cultura africana e na luta política contra a discriminação e o preconceito. No entanto, as

condições de vida da população negra são descritas pelos mais baixos indicadores sociais.

Vale ainda lembrar que o Brasil é o país com a segunda maior população negra do mundo,

superado apenas pela Nigéria, e que a região Nordeste, onde se situa a Bahia, é a que registra a maior

proporção de negros em sua população no país. Para além desses fatores, a pertinência desta pesquisa

respalda-se, ainda, nas recomendações resultantes do “Seminário de Estudos: O Pensamento Negro

em Educação no Brasil – Expressões do Movimento Negro”, 39

, realizado no período de 5 a 9 de

junho de 1995, na cidade de São Carlos, em São Paulo, no qual foram apontados alguns pontos-

39

Ver SILVA, Petronilha Gonçalves; BARBOSA, Lucia Maria de A. (Orgs.). O pensamento negro em educação no

Brasil: expressões do movimento negro. São Carlos: UFSCar, 1997.

Page 92: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

92

chave para se entender e debater o pensamento negro em educação (SILVA; BARBOSA, 1997).

Dentre esses pontos está a necessidade de se ampliar e intensificar as investigações junto à

comunidade negra brasileira.

As pesquisas nesta área ainda estão em fase embrionária, porém os resultados têm sido

significativos tanto no campo acadêmico quanto no social e político. Estudiosos, tais como: Cruz

(2008), Cardoso (2005), Domingues (2007), Gomes (2011), Gonçalves e Silva (2000), Lima (2004),

Santos (2007), Silva (2002), entre outros, têm evidenciado em seus estudos a importância dos

movimentos sociais, notadamente o Movimento Negro, na luta em prol de uma educação

multicultural no país e, também, na denúncia à condição marginal em que o negro se encontra na

sociedade brasileira, desde o período colonial. Desta forma, têm contribuído significativamente para

a discussão, assim como, para compreensão e busca de alternativas a tal situação.

Todavia, como observa Pereira (2008, p. 51), “é necessária uma ampla pesquisa que levante,

entre os remanescentes desta juventude militante da década de 70, as histórias e peculiaridades da

retomada ou do advento do Movimento Negro nas diversas regiões”. Complementando a expressão

de Pereira, Nascimento (2008, p. 174) afirma que “o registro histórico desse processo de ação e

crescimento do Movimento Negro, e de seu impacto sobre a sociedade brasileira, permanece como

tarefa urgente de pesquisa”. Ou seja, faz-se urgente estudos e pesquisas que tragam à baila e

coloquem em evidência a pluralidade de organizações e sujeitos que compõem o Movimento Negro

brasileiro.

Movimento este que não se restringe ao campo da reivindicação política, assim como, a grupos

ou entidades, pois, como afirma Santos (2009, p. 234), “os movimentos negros são constituídos por

organizações de diferentes tipos, escopos, colorações político-ideológicas, objetivos programáticos e

condições de ação junto ao Estado e à sociedade”. Ressalvando que as pesquisas nesta área devem ir

além de conhecer e constatar a relevância social e política deste movimento, deve contribuir para a

transformação social, para mudanças de posturas e concepções estereotipadas sobre o negro e seu

movimento, bem como, para criar espaços em que os grupos subjugados possam se expressar.

Para Silva (2010, p. 160):

Conceituar as entidades negras, que se articulam para constituir-se em movimento, que

definem objetivos e estratégias de ação, que logram ocupar territórios interditados, expandir

sua cultura e contar sua própria história, paralela à história oficial, pode constituir-se em uma

tarefa complexa.

Tarefa complexa é verdade, mas nada que um olhar e uma escuta sensível não consigam

identificar e trazer à luz da verdade, pois, como afirma Siqueira (2002, p. 82), “a situação de ser

negro, na sociedade brasileira, não é uma dor, não é uma paixão ideológica, mas uma realidade para

Page 93: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

93

ser estudada e com um novo olhar que não seja circunscrito aos paradigmas das civilizações

ocidentais, que se consideram as únicas referências”.

Assim, acreditamos que esta pesquisa poderá contribuir para a ampliação do debate em torno

da democratização da educação, de modo amplo, e da população negra em particular.

Metodologia e procedimentos

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, e tem como procedimentos para a sua

realização: análise documental (projetos desenvolvidos, documentos oficiais, entre outras formas de

registros); levantamento bibliográfico (teses, dissertações, livros, artigos de periódicos e materiais

disponibilizados na internet); e entrevistas semiestruturadas (com militantes que atuam na área da

educação multicultural e aliados do movimento negro na construção e efetivação dessa educação).

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negros no ensino superior. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em

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Page 95: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

95

Índios Online: uma análise da relação entre o acesso às tecnologias de

comunicação, e a cidadania no Brasil Bolsista Lucineide Magalhães de Matos (M)

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Roxo da Silva

Instituição: Universidade Federal Fluminense/Programa de Pós-Graduação em

Comunicação.

Palavras-chave: Internet; cidadania; povos indígenas.

Email: [email protected]

Apresentação

O projeto de dissertação tem por objetivo avaliar políticas de fomento à comunicações

provenientes das iniciativas pública e privada, refletindo suas implicações sobre a cidadania indígena

no Brasil, e ponderando como as novas tecnologias potencializam práticas de representação para

minorias. Para tanto, avalia o caso da Rede Índios Online e os circuitos de patrocínios mobilizados

por estes para a manutenção do site www.indiosonline.net. Visamos problematizar até que ponto tais

políticas de fomento influenciam o processo de constituição da cidadania dos povos indígenas.

De forma mais específica, propõe-se interpretar que tipo de mediação a Organização Não

Governamental (ONG) Thydêwá exerce na articulação entre os grupos indígenas e instituições

públicas e privadas que contribuem para a manutenção do site, entre as quais, o Ministério da Cultura

e suas subparcerias (Ministério da Comunicação – Programa GESAC –, e Ministério do Trabalho e

Renda) e o Instituto OI Futuro. Nossa hipótese é de que tais políticas atuam como reguladoras da

cidadania indígena ao provocarem ajustamentos desses povos para o estabelecimento de parcerias.

Neste texto discutimos a relação entre comunicação e a representação política de minorias.

Daí tomarmos como objeto de estudo as parcerias estabelecidas entre a Rede Índios Online e

instituições públicas e privadas para a promoção da comunicação indígena através do site

www.indiosonline.net. Em consequência disso, procuramos examinar como essa relação afeta a

cidadania indígena pensando a partir da seguinte questão: até que ponto essas políticas de fomento

não ressuscitam o mito da dádiva, na qual determinados grupos sociais ofertam direitos a outros em

troca de sua subordinação política?

Partimos do pressuposto de que o espaço cibernético se tornou um lugar de articulação e

sociabilidade de minorias. Inseridos neste contexto, os povos indígenas passaram a utilizar a internet

para tonificar e articular suas demandas. Mas no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), o

acesso desses grupos à rede passou a ser mediado por ONGs, subsidiado pelo Estado e por empresas

privadas. Isso projeta uma discussão significativa sobre as políticas de comunicação envolvendo a

representação e a autonomia dos grupos indígenas na construção de suas demandas. Daí a

Page 96: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

96

importância de entendermos melhor de que forma essa política de subsídios e fomentos interfere na

autonomia da comunicação do site e da Rede Índios Online, bem como os modelos de cidadania

embutidos nelas.

É preciso lembrar que o governo do PT ao mesmo tempo em que ampliou a oferta de

subsídios a grupos específicos, firmou sua identidade preconizando a autonomia dos agentes sociais

na elaboração de suas políticas de comunicação com o fim de ampliar a representação política deles.

Enfatizamos, assim, o aumento na oferta de subsídios através dos Pontos de Cultura, e a consequente

promoção da informatização de grupos culturais específicos (BARBALHO, 2007). Isto põe em voga

a questão da cidadania, da visibilidade de “minorias” (negros, homossexuais, mulheres, índios etc.) e

de sua autonomia. Nas políticas de fomento do governo petista ao cinema, por exemplo, tais

patrocínios geraram intenso debate sobre o caráter da intervenção do Estado na produção cultural,

mas em relação aos fomentos às minorias há um silêncio sobre a possibilidade de influência. Assim,

o projeto procura elevar essa discussão, e apreender de que forma a intermediação de uma ONG nas

políticas de subsídios e fomentos atravessam as políticas atuais de comunicação envolvendo uma

minoria específica, e intervêm, em maior ou menor grau, na autonomia dos seus modos de vida.

Destacamos desde já que considerar a cidadania de grupos específicos, a exemplo os povos

indígenas, é pensar em termos pertença e participação (KYMLICKA, 1998). Consideramos também

a cidadania um construto social (VALE, 2008) e status reivindicado por minorias historicamente

veladas e privadas de acesso a direitos já garantidos pelo Estado. Nesta direção, a problematização

das experiências de mídia como potencializadora da democracia e cidadania põe em relevo, também,

a questão dos patrocínios oferecidos por agências públicas e privadas (COLEMAN e BLUMLER,

2009) e a possibilidade da institucionalização das lutas sociais no Brasil (GOHN, 2000 e 2010) o que

sugere um aspecto regulatório embutido nestas políticas. O sentido regulador que destacamos se

refere à concessão de direitos sem a participação ativa do cidadão através do que Cortina (2005)

identifica como “cidadania legal”, ou seja uma espécie de doação de direitos (civis, políticos e

sociais) ao cidadão pelo estado-providência sem que se considere as especificidades de grupos

específicos. O que propomos é pensar como a concessão de patrocínios para o acesso às mídias

digitais contribui para a ampliação da cidadania indígena em termos de participação, articulação de

redes (MELUCCI, 1994 e 2001; SCHERER–WARREN, 2005; RECUERO, 2010) e reconhecimento

identitário.

Metodologia

Para desenvolver tal investigação baseamo-nos em: (a) definição da política institucional de

cada parceiro da Rede por meio da análise prévia de editais, e descrição de cada programa, projetos,

Page 97: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

97

estatutos e acordos de parcerias. São consideradas fontes para este fim, os portais do Ministério da

Comunicação, do Ministério da Cultura, do Instituto OI Futuro, da ONG Thydêwá e da Rede Índios

Online, que disponibilizam editais (atuais e antigos), estatutos e acordos de parcerias em seus sites,

materiais esses já coletados, e em fase de análise; e (b) entrevistas semiestruturadas com um

representante de cada instituição, dos quais estamos aguardando disponibilidade para agendamento.

Neste contexto, entende-se a importância do respeito à opinião de cada agente, e considera esta parte

elementar para o entendimento do problema aqui apresentado. Considera ainda as diferenças

socioculturais que envolvem tal pesquisa e o contexto de disputa, e problemas socioculturais que

abrangem esta temática.

Resultados preliminares

Num primeiro olhar, a Rede Índios Online demonstra um esforço em consolidar um lugar de

fala, através do site, tendo como tática a apropriação de recursos públicos e privados para sua

concretização. Tais parcerias geram respaldo, e conduzem a mais financiamentos por meio do

acúmulo de capital adquirido neste processo. A partir disso, seria então o site um campo de debates,

e articulações de grupos vinculados à luta pela cidadania indígena e, ao mesmo tempo, espaço que

tenta se legitimar como agente de representação. No que se refere às políticas de fomento, é possível

apreender um tecido de hierarquias nesta relação, e que alude ao seguinte contíguo: Estado, rede

privada, ONG Thydêwá e Rede Índios Online, conjunção essa que conduz à observação de um

aspecto regulatório, ainda presente, em torno da cidadania indígena. Nota-se também a presença de

uma lógica da dádiva baseada em trocas e negociações. Por fim, destacamos o fortalecimento de

redes de articulação fomentadas pela aquisição e acesso de minorias às tecnologias de comunicação

que não se limitam apenas ao acesso, mas articulam suas demandas através de adoção de meios

diferenciados como as mídias digitais.

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Page 99: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

99

Línguas indígenas no contexto da educação escolar indígena no Brasil Bolsista: Márcia Nascimento (M)

Orientador: Marcus Maia

Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em

Linguística

Palavras-chave: Línguas indígenas, educação, kaingang

Email: [email protected]

Introdução

Esta pesquisa tem como objetivo principal descrever e analisar algumas partículas e processos

gramaticais da língua Kaingang, argumentando que essas estruturas compõemonham a categoria

semântica conhecida como mediativo ou evidencial. Os marcadores evidenciais codificam

gramaticalmente o conhecimento do falante sobre a fonte da informação veiculada. Nesse sentido,

constitui um fenômeno de interface entre a gramática e o discurso. De modo mais simplificado,

Aikhenvald (2003) considera a evidencialidade como uma categoria gramatical que se refere à fonte

da informação transmitida. Podemos ver nas traduções das sentenças a seguir, as diferentes noções

que as partículas exprimem na enunciação de um mesmo fato. Na sentença (1) a partícula ne indica

que o fato não foi testemunhado pelo falante, ao contraário nda sentença (2), onde a partícula mỹr

indica que o fato foi testemunhado pelo falante.

(1) Kanónh ne tỹ no mranh

Kanónh EVID ind.s flecha quebrar

‘(diz que) Kanónh quebrou a flecha’

(2) Kanónh tỹ no mranh mỹr.

Kanónh ind.s flecha quebrar EVID

‘kanónh quebrou a flecha (eu vi)’

Esta análise aborda a Eevidencialidade no Kaingang, mostrando que pode ser articulada em

termos de três valores fundamentais: a reportagem de fatos, a expressão da inferência e, a expressão

da atitude emocional em relação aos fatos enunciados. Esses fenômenos estão sendosão analisados

em narrativas de diversos tipos coletados coletadas junto ao grupo envolvido os Kaingang e

também em textos produzidos nas escolas em língua kaingang. Um esboço preliminar já realizado

conta com cinco tipos de marcadores, entre eles um marcador epistêmico.

O Kaingang é um povo de língua Jê (Tronco Macro-Jê), junto e com o Xokleng formam o

conjunto restrito das línguas e culturas Jê do Sul. A língua possui cinco dialetos. Atualmente a

Page 100: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

100

população é de quase 30 mil pessoas. Estsa população habita 32 Terras Indígenas espalhadas pelos

estados da região sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e parte do estado de São

Paulo.

A presente pesquisa está sendoé realizada junto aos Kaingang da Terra Indígena Nonoai, no

norte do estado do Rio Grande do Sul.

Dentro de uma abordagem mais formal, propusemos-nos, também, a iniciar um trabalho de

análise do ponto de vista do Processamento da Linguagem (especialidade da Psicolinguística),

utilizando procedimentos experimentais para capturar os processos de compreensão na leitura e na

oralidade de estruturas contendo partículas evidenciais.

O objetivo central das teorias de processamento de frases é o de identificar os procedimentos

psicologicamente reais que colocamos em jogo uso ao produzir e compreender palavras e frases. A

metodologia adotada na pesquisa inclui procedimentos cronométricos aplicados através por meio de

tarefas experimentais desenvolvidas na plataforma Psyscope para computador Apple Macintosh

(leitura auto-monitorada, decisão lexical, julgamento imediato de compatibilidade/gramaticalidade,

priming).

Os instrumentos utilizados na pesquisa são os testes de leitura e audição automonitorada,

utilizados no Laboratório de Psicolinguística Experimental da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - LAPEX (UFRJ/CNPq). Já dispomos de um experimento realizado em fase de análise.

Além disso, pretendemos, também, estudar esses recursos de tradição oral quando trazidos

para a escrita da língua. Nosso objetivo é verificar se esses recursos estão sendo ou se podem ser

transferidos para a escrita na produção da diversidade textual que se tem praticado nas escolas

indígenas. Buscaremos identificar as funções dessas partículas avaliando seus possíveis efeitos sobre

os leitores.

Justificativa

Este trabalho visa contribuir para o desenvolvimento sólido de uma tradição escrita nas

sociedades indígenas, trazendo reflexões sobre as riquezas e especificidades das línguas, o que,

muitas vezes, o processo de escrita não consegue contemplar. Que importância deve-se dar ao uso

dos marcadores evidenciais na elaboração de um texto, num momento em que a memória oral tende

a perder espaço para o registro escrito da história do povo Kaingang, por exemplo? São questões

como essas que o nosso estudo pretende provocar junto aos professores.

Neste Nesse contexto de interesses, pensamos que este trabalho tem por finalidade não apenas

desenvolver o conhecimento científico sobre aspectos gramaticais da língua kaingang, mas, também,

levar em conta os interesses da etnia em relação a sua língua. Particularmente, gostaria de salientar

Page 101: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

101

aqui o meu compromisso, como indígena e falante nativa desta língua, no papel primordial que

temos de salvaguardar a nossa língua através de sua transmissão entre as gerações.

Todos os procedimentos metodológicos serão explicitados para os participantes e realizados

com seu pleno conhecimento. Os resultados serão divulgados e tornados públicos, podendo vir a

subsidiar a elaboração de materiais pedagógicos que valorizem a língua e seu ensino, com vistas a

sua preservação e revitalização. Issto se conecta com a perspectiva de que uma educação escolar

indígena de qualidade sempre foi pauta da reivindicação dos povos indígenas, já que a escola, até

então, é vista como o principal instrumento de revitalização cultural e linguística delesos indígenas.

Diversidade linguística e a Eeducação Eescolar Iindígena

Tem-se percebido que a preservação da diversidade linguística vem ganhando, atualmente,

uma importância indiscutível. A ameaça à diversidade linguística é comparada, por muitos

especialistas, à perda da diversidade biológica em termos de relevância. Sem dúvida, a extinção de

qualquer língua reduz nosso mundo em medida equivalente ao que acontece com a extinção de

qualquer espécie animal (KRAUSS, 1992).

Nota-se um consenso entre os linguiístas de que hoje cerca de 6 mil línguas naturais estão

sendosão faladas em todo o mundo. Em estudos publicados pela UNESCO (2001), estima-se que

quase a metade dessas 6 mil línguas estaria condenada a desaparecer num futuro bem próximo. Pelas

estimativas, a cada semana uma língua é extinta no mundo.

No Brasil vivem hoje cerca de 216 povos indígenas falantes de 180 línguas diferentes

(RODRIGUES, 1993). Com esses dados, o Brasil está entre os dez países com maior diversidade

linguística e cultural do mundo.

No entanto, as perspectivas futuras para estas 180 línguas não são nada otimistas. Segundo

Franchetto (2004), pelo baixo número de falantes, todas elas são consideradas línguas minoritárias,

em perigo de extinção. Apesar de não ser um problema recente, podemos dizer que não se tem

conhecimento de nenhum tipo de trabalho concreto no sentido de uma Ppolítica, ou mesmo

programas para revitalizar essas línguas, tidas como seriamente comprometidas.

Quando se fala em revitalização linguística e cultural, logo nos remetemos à idéeia de

educação escolar, ou escola. As políticas linguísticas e culturais ainda não conseguiram sair do

contexto escolar. São raras e isoladas as iniciativas das próprias comunidades e organizações

indígenas que têm tentado ampliar essas políticas para além do contexto escolar. Como podemos

perceber nas afirmações de Monserrat (2006):

Page 102: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

102

O que há de comum em todo o discurso oficial no plano federal e também, em grande medida,

no discurso das entidades e organizações indígenas e não indígenas, é que a discussão sobre as

línguas indígenas fica circunscrita nao âmbito da educação escolar. (MONSERRAT, 2006, p.:

136).

Mas este esse não é o grande problema, pois no modelo de educação escolar que temos

construído e garantido através de longos processos de reivindicação, as nossas línguas estariam bem

amparadas. O problema é que esta essa educação escolar indígena tão conhecida e falada ainda

continua no papel. Voltando a citar Monserrat, “o Estado brasileiro não tem realmente um apolítica

lingüuística específica para as sociedades indígenas. Ele tem, sim, no nível do discurso, uma política

de educação escolar indígena, qualificada como “‘bilíngue, intercultural, específica e diferenciada’”

(...)” (MONSERRAT, 2006, p.: 137).

A falta de comprometimento do Estado com a Eeducação Eescolar Iindígena e, da mesma

forma, com a diversidade linguística, tem se revelado também nas avaliações do ensino, chamado de

censo escolar, realizado pelo MEC (Ministério da Educação) e pelas secretarias estaduais de

educação. A educação escolar indígena tem apresentado um nível de qualidade muito baixo.

É claro que não podemos esquecer das importantes exceções, quando se consegue realizar

experiências e obter grandes resultados. São essas experiências que me fazem acreditar que, quando

estsa Eeducação Eescolar da teoria estiver realmente acontecendo nas escolas de nossas

comunidades, já teremos dado um passo importante a favor das línguas indígenas.

Diante dessa carência em que se vê a educação escolar, e também a necessidade de

profissionais que possam estar orientemando as comunidades junto aos profissionais indígenas em

relação à revitalização e fortalecimento linguístico e cultural, talvez um ponto importante a se pensar

seja essa relação de pesquisador e comunidade pesquisada. Isto é, pode-se mudar essa relação no

sentido deo deixar de prevalecer apenas os interesses científicos, e propugnar que sejam levados em

conta, também, os interesses do grupo de uma forma mais real no que se refere à preservação de sua

língua e cultura.

Em relação ao andamento da pesquisa, temos, até o momento, uma descrição preliminar da

categoria de evidencialidade no Kaingang. Contamos também de um corpus constituído do relato de

narrativas (audiovisuais). E estamos realizando experimentos para capturar os processos de

compreensão na leitura e na oralidade de estruturas contendo partículas evidenciais.

Page 103: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

103

Referências bibliográficas

IKHENVALD, A. Y. Evidentiality in tTypological Pperspective. In: AIKHENVALD, A. Y. (org)

Aikhenvald & DIXON, PRobert M. W. Dixon (eEds.). Studies in Eevidentiality. pp. 1-31.

Amsterdam Philadelphia: John Benjamins, 2003.

FRACHETTO, B. Línguas indígenas e comprometimento linguístico no Brasil: situação,

necessidades e soluções. Cadernos de Educação Escolar Indígena, v. 3, n.1. Barra do Bugres-MT:

UNEMAT, 9-26, 2004.

KRAUSS, M. The world’s languages in crisis. Language 68, 4-10, 1992.

MONSERRAT, R. Política e planejamento linguístico nas sociedades indígenas do Brasil de hoje: o

espaço e o futuro das línguas indígenas. In: VEIGA, Juracilda; SALANOVA, Andrés. (orgs.).

Questões de reducação escolar indígena: da formação do professor ao projeto de escola. Brasília:

Funai/Dedoc e ALB, 2001.

RODRIGUES, A. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. Delta 9, p.83-103, 1993.

WURM, S. A. (ed.) (2001). Atlas of the World’s Languages in Danger of Disappearing. 2.ed. Paris:

Edições UNESCO, 2001.

Page 104: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

104

Territorialidade quilombola no estado do Pará.

Ex-bolsista: Maria Albenize Farias Malcher (M)

Orientador: João Santos Nahum

Instituição: Universidade Federal do Pará –- Programa de Pós-Graduação em

Geografia

Palavras-chave: Território, identidade, quilombo.

Email: [email protected]

Apresentação

A identidade territorial quilombola está relacionada diretamente à configuração territorial e se

apresenta, nesse momento, como parte essencial na elaboração de uma dimensão política estratégica,

com interferência direta na construção dos remanescentes de quilombos como sujeitos políticos. A

luta pela permanência na terra se constitui no campo político e organizacional, por meio do qual a

comunidade quilombola elabora suas estratégias de afirmação de uma identidade política

(O’DWYER, 2002).

Nos municípios do estado do Pará, é crescente o número de comunidades autodeclaradas

quilombolas, com altas significativas, sobretudo, nos anos de 2005, 2006 e 2009. Mapeamento feito

por Anjos (2009) quantificou 414 comunidades quilombolas no estado, sendo 103 reconhecidas, 95

tituladas e 216 identificadas, inseridas no âmbito do Programa Brasil Quilombola-PQB (2005), que

envolve ministérios, secretaárias e órgãos governamentais responsáveis diretos por ações de saúde,

educação, desenvolvimento sustentável, geração de trabalho e renda, cultura, esporte e lazer e

habitação, além de titulação e diagnóstico sóocio-econômico dos territórios quilombolas.

A terra para os quilombolas é recurso social, meio de sobrevivência e de reprodução da vida.

O território é também a multiplicidade de condição simbólica e material que ao longo do tempo tem

assegurado o sentimento de pertencimento a um lugar e a um grupo, mas o processo de

reconhecimento, demarcação e titulação de suas terras tem apresentado inúmeras implicações e

revelado contradições inerentes ao desenvolvimento econômico e territorial do país.

Objetivos

Nosso objetivo principal visou compreender os elementos da territorialidade quilombola no

estado do Pará, em particular das comunidades de São Judas e do Cravo, tomando como ponto de

partida a luta pela permanência na terra (regularização na categoria coletiva), as práticas sóocio-

espaciais e seus modos de vida. Levamos em conta o processo de autoidentificação, certificação e

titulação dos territórios quilombolas no nordeste paraense, bem como a emergência da mobilização

das comunidades quilombolas a partir da leitura dos artigos 68, 215 e 216 da Constituição Federal de

Page 105: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

105

1988 e as discussões em torno da aplicabilidade do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias-ADCT.

Justificativa

Os territórios das comunidades negras rurais têm origem nos quilombos ou mocambos

formados, sobretudo, pelos escravizados que se rebelavam contra a (ou se livravam da) escravidão,

seja na forma de fugas, compra de terras pelos próprios escravizados, doação de terra por terceiros,

ou mesmo de terras conquistadas pelos negros na prestação de serviço de guerra, lutando contra

insurreições ao lado de tropas oficiais do governo brasileiro. Entendemos território quilombola como

sendo uma associação entre os povos remanescentes de quilombos, mediados por um modo de vida e

as relações de pertencimento à terra. Nesse sentido, a terra não é concebida tão somente para

produzir, força produtiva e meio de produção.

As atividades na terra têm o propósito de culto, cultivo e cultura, tal como nos lembra

Alfredo Bosi no seu Dialética da Ccolonização (1992). O cultivo da terra não está dissociado de um

culto à terra, ambos pertencentes à cultura e modo de vida do lugar. Portanto, não há um

estranhamento, uma relação de dominação do homem sobre a terra, vigorando, ao contrário, uma

relação de completude; ao cultivar a terra, o ser negro cultiva a si mesmo, o que dá sentido à máxima

de Eliseé Reclus (1985), quando nos lembra que o ser humano é a natureza tomando consciência de

si.

Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, fomos conduzidos a pensar essa dinâmica

territorial, que se apresenta de forma complexa, sobre o uso do território. A emergência da identidade

quilombola faz vir à tona elementos que marcam o sentido de pertencimento à terra-território.

Acreditamos que este sentimento desencadeia o processo de construção da territorialidade

quilombola que, de certa forma, se fundamenta nas lutas pela permanência na terra, no trabalho de

roça, nas relações de parentesco e vizinhança e na religiosidade. Entendemos que esta pesquisa é

uma importante contribuição à análise do modo de vida dessas comunidades.

Referencial teórico ou conceitual

No campo de estudos da identidade territorial podemos compreender novos processos de

construção da identidade. No caso da identidade quilombola, essa construção dá-se através dopelo

sentimento de pertencimento ao território em que vivem. A identidade quilombola esta está pautada

na formação do território, que expressa as relações que o grupo estabelece com a área que ocupa, usa

e controla, identificando-se com uma porção específica de seu ambiente biofísico. Dessa forma,

território, segundo Little (2002, p. 3), é “um produto histórico de processos sociais e políticos”. A

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106

construção da territorialidade quilombola é o fator fundante de uma identidade coletiva,

constituindo-se mudança paradigmática, pois a luta pelo direito ao território parte da necessidade de

legitimar a comunidade com base em seus próprios parâmetros de sociabilidade, segundo as normas

de produção e reprodução do grupo.

A estreita relação do grupo com a terra representa uma relação social bastante complexa,

estruturada na concepção de terra como território, na qual a identificação com a terra confunde-se

com a luta pela permanência nela. A identidade étnica dos remanescentes de quilombos, segundo

Acevedo e Castro (1998, p. 161), é recriada pela memória das lutas de seus antepassados, “marca de

uma conjuntura histórica e forma primeira do seu processo de construção social e de diferenciação

face aperante os outros, que estruturou de forma complexa, as resistências à dominação no presente

século”.

Na luta pelo reconhecimento, adotam-se estratégias de legitimação através da

autoidentificação como quilombola. Segue critérios de autoatribuição, com trajetória própria,

relações territoriais específicas e presunção de ancestralidade negra relacionada à resistência à

histórica opressão sofrida. Tal entendimento é fruto de uma ampla discussão técnica, construída com

base em conhecimentos científico, antropológico e sociológico, assegurado pelo Decreto nº. 4.887/03

em seu art. 2º. Configura-se reinvenção de elementos étnico-culturais que conduzem a vida e dão

sentido de pertencimento ao lugar. Dessa forma, a terra, na condição de território étnico, tem

assegurado, ao longo do tempo, o sentimento de pertença e de identidade a um lugar e a um grupo.

Nesse contexto, as comunidades quilombolas passam a se organizar politicamente em forma

de associações, buscando ressignificar uma ancestralidade por meio da afirmação de uma identidade

territorial. Tais “identidades”, embora de caráter simbólico, são do domínio da luta política para

afirmar a diferença do grupo e garantir a continuidade de seus modos de vida.

Metodologia e procedimentos

Interpretamos geograficamente a realidade dos quilombolas na sociedade paraense, tendo

como ponto de partida a luta pelo reconhecimento de seus territórios. O desenvolvimento de uma

relação de confiança entre pesquisadora e a localidade geográfica pesquisada, sobretudo com seus

moradores, demandou um longo período, estabelecida a partir de contatos anteriores. Isso fez-se

necessário uma vez que a coleta de dados por meio de observações e anotações e de entrevistas

abertas e semi-estruturadas tiveram como foco compreender as formas de viver e reproduzir a

existência do grupo.

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107

Pontos relevantes para discussão

A territorialidade das comunidades quilombolas no estado do Pará está embasada na noção de

reinvenção do ser quilombola, que, por sua vez, apresenta-se para além da área e das formas

espaciais, com seus conflitos, dissociações e singularidades. Imprime-se nestes territórios uma nova

temporalidade, marcada por transformações e permanências sociais, políticas e territoriais, revelando

realidades distintas e, ao mesmo tempo, semelhantes, presentes nas duas comunidades aqui

analisadas. O modo de vida dessas comunidades, caracterizado por processos de resistência e

diferenciação e forjado na identidade territorial quilombola, é dotado de uma dinâmica que nos

impulsiona a enveredar neste campo de pesquisa. A relevância de adentrar este universo está

justamente no fato de ainda existirem poucos estudos relacionados à temática.

Referências bibliográficas

ACEVEDO, R.; e CASTRO, E. Negros do trombeta guardiões de matas e rios. Belém: Ed. Cejup,

1998.

RECLUS. E. O homem e a Natureza adquirindo consciência de si própria. In: Élisée Reclus.

ANDRADE, M. C. (org.), São Paulo: Editora Ática, 1985.

ANJOS, R. S. A. Quilombos – geografia africana – cartografia étnica – territórios tradicionais.

Brasília: Mapas Editora & Consultoria, 2009.

BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1992.

BRASIL. Programa Brasil Quilombola. Brasília: SEPPIR, 2005.

BRASIL._____. Decreto Presidencial 4.887/2003, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da

União, Edição Númeron. 227, de 21/11/2003.

_____. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1992.

LITTLE, P. E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil. Por uma antropologia da

territorialidade. Antropologia, 2002. Disponível em: <http://www.unb.br/ics/Serie322empdf.pdf>.

Acesso em: 04/06/ jun. 2008.

O’DWYER, E. C. (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Brasília:

ABA/PALMARES, 2002. Disponível em: <http:// www.palmares.gov.br/>. Acesso em: 04/06/jun.

2008.

RECLUS, E. O homem é a natureza adquirindo consciência de si próprio. In: ANDRADE, M. C.

(org.). Élisée Rreclus. São Paulo: Ática, 1985.

Page 108: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

108

Educação e relações étnico-raciais: um olhar sobre a educação de jovens e

adultos no Bairro da Rua Nova

Bolsista: Maria Priscila dos Santos de Jesus (M).

Orientadora: Delcele Mascarenhas Queiroz

Instituição: Universidade do Estado da Bahia – Programa de Pós-Graduação em

Educação e Contemporaneidade.

Palavras-chave: Relações étnico-raciais, EJA, afoxé Pomba de Malê

Email: [email protected]

ÓKU ABÒ40

Rua Nova

Introdução

Rua Nova é reconhecido como um dos bairros de maior população negra da cidade de Feira de

Santana, no estado da Bahia. A presença e expressão afrodescendente é visível no bairro: além da

composição étnica dos habitantes, a existência de inúmeros terreiros de candomblé, a quantidade

significativa de blocos afros, afoxés e escolas de samba dão à localidade uma posição de destaque na

cidade. A própria mídia feirense já retratou diversas vezes o Bairro da Rua Nova como sendo o

grande foco de resistência da cultura negra em Feira de Santana.

O afoxé Pomba de Malê é um bloco afro cultural que existe há 27 anos e que ao longo deste

desse período, mesmo enfrentando dificuldades de várias espécies, tem conseguido resistir. Sua

proposta política, seguindo a trajetória de muitos blocos afros, é de valorizar a cultura negra

enquanto como elemento formador de identidade. Sua especificidade está na atenção voltada para a

realidade racial do bairro da Rua Nova.

O Pomba, como é popularmente conhecido, sempre promoveu no bairro eventos que

buscassem resgatar e valorizar essas heranças ancestrais. A “menina dos olhos” do afoxé é o Projeto

Atiba41

– em língua Iorubá significa conhecimento –, que trabalha com educação não- formal de

jovens e adultos, buscando incentivar a conclusão do ensino fundamental e médio por aqueles/as que

não tiveram oportunidade de concluir os estudos no tempo regular. O Projeto também se propõe a

trazer para os alunos reflexões sobre cidadania, diversidade cultural e identidade negra. Iniciativas

como essa são de extrema importância no processo de visibilização social e revelam o grau de

organização e intervenção dessas organizações em suas comunidades.

40

Termo de origem linguística Bantu que significa “Sejam bem-vindos”. 41

Projeto que trabalha com a preparação de Jovens e Adultos para conclusão do ensino fundamental e médio, objeto de

estudo desta autora no ano de 2008 como conclusão do curso de graduação.

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109

Objetivos

A pesquisa tem por propósito investigar possíveis interferências do afoxé Pomba de Malê nas

experiências escolares referentes à educação de jovens e adultos no bairro da Rua Nova e identificar,

dentro da práxis pedagógica desenvolvida na escola, elementos que contextualizem a realidade

cultural apresentada pelo bairro. Pretende-se comparar as experiências desenvolvidas no âmbito do

Projeto Atiba e da Escola Ernestina Carneiro.

Justificativa

Trabalhar a temática racial, relacionada à educação, em uma sociedade que se nega a discutir

o racismo como um problema social e, muitas vezes, utiliza-se do discurso da “democracia racial”

para escamotear práticas discriminatórias que acentuam desigualdades, constitui verdadeiro desafio a

ser enfrentado. A esse respeito, Silva (2004, p. 41) já chamara a atenção.

[...] Elimina-se o problema não o encarando de frente. Essa política de avestruz foi e

continua sendo eficaz no sentido de manter a maioria negra onde está, sempre esteve: à

margem da cidadania. [...].

Diante dessa realidade, torna-se crucial que sujeitos e organizações sociais que buscam

colaborar para o resgate e reconstrução da história da população negra, mereçam ter seu trabalho

levado ao conhecimento público, de forma que este possa servir como referência a novas práticas

educativas.

Nos últimos anos, o Afoxé Pomba de Malê vem despertando o interesse investigativo de

pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, como a História, a Comunicação Social e, em

especial, a Educação. O fator preponderante nessa demanda é a ambiência afro-brasileira presente no

bairro.

Imbuída de interesse acadêmico, mas movida também por laços sentimentais, – já que desde a

infância tenho uma aproximação com o bairro e com o próprio Aafoxé –, no ano de 2007 dediquei-

me ao estudo da constituição e importância dessa organização afro. Na investigação procurei levantar

quais as possíveis contribuições do afoxé no processo de construção afirmativa da identidade negra

de alunos e professores do Projeto Atiba.

Entretanto, dos trabalhos desenvolvidos até aqui sobre o afoxé ou sobre o próprio bairro,

nenhum buscou mensurar o impacto ou rastrear a influência da ação pedagógica do afoxé Pomba de

Malê nos currículos de educação formal das escolas regulares do bairro. Tal inquietação nasceu em

mim a partir da conclusão de minha pesquisa de graduação, quando identifiquei, nas falas dos alunos

do Projeto Atiba (jovens e adultos negros e negras), o quanto o afoxé Pomba de Malê contribuíra

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110

positivamente em suas experiências como homens e mulheres negros/as e nas suas relações com a

própria comunidade.

Entendendo que existe, na contemporaneidade, um intenso debate sobre a escola, bem como

expectativas de que práticas pedagógicas estejam organizadas de forma a contemplar o contexto

territorial onde se inserem. Por isso, indagamos: o que se pode observar, nestse sentido, na educação

de jovens e adultos em escolas localizadas no Bairro da Rua Nova, notoriamente conhecido como

terreno de atuação política e identitária do afoxé Pomba de Malê? Há evidências de possíveis

influências do afoxé Pomba de Malê na práxis desenvolvida nessas escolas, particularmente na

escola Ernestina Carneiro? As práticas pedagógicas que organizam a Eeducação de Jjovens e

Aadultos dão conta de contemplar o contexto territorial onde se inserem?

Essas e outras questões vêm servindo de guia para o percurso da minha pesquisa.

Referencial teórico

Quando nos debruçamos a pesquisar sobre as relações étnico-raciais na educação,

encontramos uma série de autores e concepções com formulações variadas sobre o tema. As/os

principais autoras/es que têm nos amparado teoricamente nesste processo de elaboração do projeto

de pesquisa, são reconhecidos publicamente por seu gabarito para ao tratar questões como

Identidade, Raça, Racismo, Etnia, Desigualdades, Educação formal e não-formal, EJA e Relações

Étnico-raciais. Dialogamos com Kabengele Munanga, Nilma Lino Gomes, Carlos Moore, Eliane

Cavalleiro, Antonio Sergio Guimarães, Delcele Queiroz, Ana Célia Silva, Maria da Glória Gohn,

Paulo Freire, entre outros.

Ao revisitarmos a história da fundação dos afoxés e blocos afros na Bahia, nos depararemos

com iniciativas que tinham como principal foco a valorização cultural num viés artístico, a exemplo

dos blocos de índios (apaches, comanches, entre outros). Com o surgimento do bloco Afro Ilê Aiyê,

em 1974, um novo marco é estabelecido no carnaval de Salvador, com o foco passando a ser a

denúncia contra o racismo, sob influência do movimento Black Power, dos Estados Unidos, e por um

sentido de busca da valorização da cultura africana e afro-brasileira

Propondo uma nova postura para o carnaval da Bahia cuja característica principal era a

exaltação do jeito negro de ser, sedimenta um trabalho político-cultural cujas ações se

caracterizam como luta contra o racismo e a discriminação, conjugando vontades, interesses,

apropriação de espaços, postura de resistência, consciência e valorização do ser negro.

(GUIMARÃES, 2001, p. 35).

Ao longo dos anos, o Ilê Aiyê gradualmente se assumiu não só como bloco carnavalesco,

mas, principalmente, como movimento político e educativo. Fundaram um espaço cultural chamado

de Senzala do Barro Preto, localizado no bairro da Liberdade/Curuzu, em Salvador, no qual

Page 111: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

111

oferecem cursos profissionalizantes em diversas áreas, além da escola de ensino regular Mãe Hilda

Jitolú, batizada em homenagem à sua fundadora e matriarca do Ilê Aiyê.

A história do Ilê Aiyê é referência para o surgimento de outros blocos afros e afoxés, que,

assim como ele, passam a atentar para questões políticas e educativas em suas expressões, caso do

afoxé Pomba de Malê em Feira de Santana.

Metodologia e Pprocedimentos

O presente trabalho é um estudo de caso. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com bases

metodológicas de inspiração etnográficas. “[...] A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e

prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra,

através do trabalho intensivo de campo” (LÜDKE; MARLI, 1986, p. 21). Os procedimentos

adotados para coleta dos dados serão a observação, escuta, grupos focais, entrevistas semi-

estruturadas e análise documental.

A pesquisa será desenvolvida na cidade de Feira de Santana (Bahia) em dois espaços

educativos distintos: uma escola pública estadual de ensino regular (Colégio Ernestina Carneiro) e o

Projeto Atiba, localizadas localizados no bairro da Rua Nova, na “periferia” da referida cidade.

Pretende-se trabalhar com dois grupos de 8 oito pessoas cada, sendo um composto por alunos do

Projeto Atiba e o outro por alunos da escola pública. A escolha desses sujeitos será permeada por

critérios como gênero, raça e orientação religiosa. Para as entrevistas semiestruturadas

selecionaremos apenas professores/as e coordenadores/as das duas instituições.

Referências bibliográficas

GUIMARÃES, E. L. A ação educativa do Ilê Aiyê: reafirmação de compromissos, restabelecimento

de princípios. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Federal da Bahia – FACED. Salvador, 2001.

GOMES, N. L. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In:

MUNANGA, K. (org.). Superando o racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

LUDKE, M.; e ANDRÈ, M. Pesquisa em Eeducação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU,

1986.

SILVA, A. C. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: EDUFBA, 2004.

Page 112: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

112

Os índios Terena e a agroindústria no Mato Grosso do Sul: a relação capital-

trabalho e a questão indígena atual

Ex-bolsista: Mario Ney Rodrigues Salvador

Orientador: Andrey Cordeiro Ferreira

Instituição: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Programa de Pós-

Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Palavras chave: Agroindústria canavieira, relações de trabalho, índios Terena

Email: [email protected]

Introdução

Minha dissertação versa sobre o avanço da lavoura da cana e a mão de obra indígena no

estado de Mato Grosso do Sul. Seu enfoque principal é o estudo das relações de trabalho assalariadas

entre índios e agroindústria e as implicações dessa relação no interior das Reservas Indígenas Terena

do município de Miranda, no estado do Mato Grosso do Sul (MS).

Mesmo com o histórico visivelmente sólido de dominação do capitalismo sobre populações

nativas, partimos do ponto de que não se tratava de uma simples relação de trabalho (como se

construiu com os camponeses, por exemplo), mas de uma relação interétnica de trabalho.

Compreendemos que as relações interétnicas de trabalho pressupõem que condições específicas nas

relações de trabalho afetam o grupo pelo fato de se ter uma determinada identidade étnica. O que

tentamos mostrar é que a etnicidade (a condição étnica ou o pertencimento a um grupo étnico) é um

elemento específico que afeta diretamente o trabalho feito pelos índios e, consequentemente, a

inserção deles nas relações de trabalho. Isso fez toda diferença na hora de visualizar o contexto das

Reservas Indígenas Terena atuais.

Portanto, as relações de trabalho na agroindústria careciam ser problematizadas de maneira

que não nos ficasse a imagem “naturalizada” do desenvolvimento capitalista que altera, modifica e

absorve formas particulares de vida, mas que está revestido pelo componente étnico que

complexifica toda essa relação.

Justificativa

A análise que propomos a partir das relações de trabalho (questão econômica) busca evitar,

por um lado, o romantismo preservacionista e, por outro, o pessimismo da aculturação/assimilação

frequentemente presente em narrativas antropológicas, seja no discurso social ou nas agências

indigenistas. A análise apoiada nesse tipo de discurso coloca em risco o tratamento adequado das

questões indígenas que afloraram nos últimos anos e, além disso, pode gerar uma visão pessimista

Page 113: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

113

que vê qualquer tipo de abertura econômica externa como um elemento de desagregação e de relação

destrutiva.

Nosso trabalho se justifica por se referir à questão indígena, especialmente sobre as Reservas

Terena, a partir de um aspecto específico (das relações de trabalho), sob uma ótica específica (a ótica

Terena), para problematizar e buscar compreender uma questão social atual. Mais do que enfatizar a

importância de “ser indígena” para um olhar diferenciado, é ressaltar que o fato de eu “ser indígena”

permite colocar a devida importância aos problemas da sociedade Terena. O “olhar interno” está

marcado e é diferenciado neste aspecto, e não do ponto de vista da interpretação. Isto é, na

interpretação um pesquisador externo pode interpretar tão bem, ou melhor, quanto alguém de dentro.

O elemento-chave é o tipo de abordagem que se faz da questão social.

O fato de entrarmos no debate científico das questões indígenas permitiu dizer, ainda, que

atravessamos um novo momento na história, pois alguns elementos retornam para discussão, como é

o caso do regime tutelar e a ideia de incapacidade indígena que ainda persiste no discurso social.

Nesse sentido, não somente nos afastamos dessas ideias, como nos aproximamos de outra construção

teórica mais recente, que menciona a ascendência de um protagonismo étnico do povo Terena

(FERREIRA, 2007). Tal protagonismo vem ocorrendo não somente na busca da participação na

gestão institucional, mas também na participação reflexiva acerca de nós mesmos.

Metodologia

Antes de ir a campo, fizemos um levantamento dos principais estudos já realizados sobre os

Terena e sobre a agroindústria.42

A etnografia foi um mecanismo essencial no campo. Se, por um

lado, Malinowiski defende a ideia do maior tempo possível de contato com o grupo étnico

pesquisado para uma construção analítica fiel, por outro, por pertencer e conviver com o grupo

Terena, nem nos cabe discutir a ideia de uma etnografia não baseada no tempo de convivência com

os indígenas, mas no tipo de relevância dado aos problemas sociais (KUPER, 1978). O

conhecimento científico foi agregado, justamente, na construção dos diálogos, quando foi necessário

conduzi-los de maneira que as informações de nosso interesse fossem alcançadas, e não

simplesmente fazer deles um encontro informal.

Empenhamo-nos em acrescentar alguns elementos dos debates construídos, tanto no campo

científico quanto do senso comum, acerca do nosso objeto: teses e livros sobre a agroindústria, sobre

42

Vale destacar a obra de Cardoso de Oliveira (1968) que contribuiu para termos uma noção das relações e do modo de

vida dos Terena em meados do século XX; a obra de Carvalho (1979) contribuiu para debatermos as relações econômicas

do grupo; e o trabalho sistemático de Ferreira (2007) que proporcionou uma visualização mais completa e atual dos

Terena em suas interações com seu contexto externo. Sobre a agroindústria destacamos Neves (1981), Andrade (1994) e

Lopes (1976).

Page 114: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

114

a cana-de-açúcar, sobre as populações indígenas e sobre as relações de trabalho. Em relação às fontes

primárias, consultamos especialmente: o Ministério Público do Trabalho (MPT), que se dedica à

regulação das relações de trabalho, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela

assistência aos índios; e os dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que acompanha os

índios na área da saúde. Isso foi fundamental para observar como o Estado se relaciona com a

sociedade indígena e de que forma essa rede interfere no seu cotidiano.

Além disso, buscamos dialogar com três grupos de trabalhadores em especial: 1) os indígenas

mais idosos – que chamaremos de “memórias vivas” –, principalmente com aqueles que exerceram

algum tipo de trabalho assalariado fora das Reservas, em especial nas primeiras usinas do Mato

Grosso do Sul; 2) aqueles que vivenciaram os períodos antes e após o reconhecimento dos direitos

sociais do trabalho, ou seja, antes e depois de 1999, ano em que passou a vigorar o “Pacto

Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena”; 3) e os trabalhadores que

ingressaram na usina no período em que os direitos sociais já eram reconhecidos, ou seja, após 1999.

Referencial teórico

Em termos teóricos, o conjunto do trabalho trouxe como principais discussões: o conceito de

campo e a etnicidade nas relações capitalistas. Referimo-nos ao campo como local onde acontecem

as relações sociais, sendo as relações de trabalho dos Terena um tipo de relação social nesse campo.

Sob esse ponto de vista, o conceito de campo com o qual o conjunto da obra e dos fatos permitiu

dialogar foi o de Turner (1971), que o considera “o ambiente principal de interação dos atores”. O

campo onde as relações de trabalho Terena acontecem atualmente é constituído, principalmente,

pelos seguintes atores: fazendas e unidades produtivas rurais em geral, agroindústria, órgãos do

Estado (Funai, Funasa, Prefeitura, Estado Federado etc.), empresas urbanas e as unidades familiares

urbanas, e as unidades produtivas indígenas (a família com sua respectiva produção). Esse campo,

além de ser um espaço político – de disputa de poder e de disputa entre facções, como foi colocado

por Ferreira (2007) –, é um espaço de relações de trabalho formado por múltiplas atividades

econômicas hierarquizadas de maneiras diferentes em cada período. E o fato de ser um campo de

relações de trabalho onde os atores interagem e onde cada atividade tem sua relevância, se

transforma num elemento-chave para entender como se configura todo o contexto sócio-

organizacional Terena em diferentes momentos históricos.

Resultados

Até por volta de 1890, o sul de Mato Grosso era uma área praticamente controlada pelos

índios. Após 1890, depois da Guerra do Paraguai, introduz-se um novo contexto (surgem as

fazendas, o coronelismo, a repressão, a escravidão e o “cativeiro”). Já no início do século XX, após a

Page 115: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

115

criação das Reservas, as fazendas se transformaram no primeiro ator importante com o qual os índios

estabeleceram uma relação de interdependência direta. Nesse período começou a declinar a

importância das atividades da economia doméstica, dando espaço aos trabalhos assalariados. A partir

de 1950, a usina aparece como o segundo ator importante nas relações de trabalho indígena. O século

XX foi significativo para a intensificação do contato interétnico Terena-purutuye, permeado

basicamente pela troca e venda dos produtos indígenas no mercado local, pela compra de

mercadorias e pelas relações de trabalho assalariado. Esses três últimos elementos permitiram ao

grupo Terena alcançar um alto grau de integração econômica regional (CARDOSO DE OLIVEIRA,

1968), nível muito desejado pela política de “civilização” indígena do Estado brasileiro. Todavia, ao

contrário de outros casos das Américas (como a relação dos Maias com a sociedade ladina na

Guatemala, que se apoiou no comércio de grande quantidade de produtos agrícolas), a relação

socioeconômica dos Terena com a sociedade não indígena apoiou-se na relação de trabalho

assalariado, na venda da força de trabalho, o que implica imediatamente uma relação desequilibrada,

de dominação/subordinação.

Após uma breve historiografia da consolidação do Estado na região de Mato Grosso e das

relações de trabalho dos Terena, enfatizamos a dinâmica das relações de trabalho assalariado

firmadas entre os indígenas Terena e as “usinas”43

, priorizando o período que se estende de 1980,

quando efetivamente a mão de obra Terena é aplicada na usina, até o ano de 1999, quando se inicia

uma nova fase nas relações de trabalho entre ambos. Esse período de quase 20 anos é marcado pela

precariedade das condições de trabalho e por um relativo “abandono” por parte dos órgãos estatais

(especialmente a Funai) responsáveis pela “proteção” dos índios, deixando-os à mercê da

“exploração” pelos capitalistas. A atuação dos indígenas como trabalhadores rurais assalariados nas

usinas foi determinante para fortalecer a “integração” da sociedade Terena na economia regional e

nacional. No entanto, essa interação remodelou o cotidiano das aldeias, impondo novas formas de

organização social, como já vinha ocorrendo com os trabalhos nas fazendas, principalmente na

realocação da mão de obra indígena. O ambiente em que ocorre essa relação assalariada forma um

campo específico que denominamos de campo das relações de trabalho agroindustriais.

A principal contribuição deste texto foi mostrar como se deu o processo de transformação

do campo das relações de trabalho indígena e como as relações anteriores (com as fazendas e o

Posto da Funai) serviram de base para a construção do campo das relações de trabalho

agroindustriais (surgimento da usina como segundo ator principal das relações de trabalho

indígena). A emergência das usinas no campo das relações de trabalho indígena implica a

43

Atualmente o termo moderno do empreendimento que processa a cana-de-açúcar é agroindústria. Usina é o termo

comum utilizado pelos indígenas para se referirem a elas.

Page 116: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

116

transformação do padrão de relações de trabalho e de (re)valorização do trabalho assalariado por

parte dos indígenas. Isso porque o campo das relações de trabalho agroindustriais não mais

representa as atividades do Posto, da fazenda ou a “changa”, que são precárias e eventuais, muitas

vezes, mas significa o “serviço” regular.

Posteriormente, enfatizaremos o período que compreende o ano de 1999 a 2011. Esse período

marca uma nova fase nas relações de trabalho entre índios e usinas, pois entra em vigor o “Pacto

Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena”, implantado pelo Ministério

Público do Trabalho e firmado com as demais instituições do circuito das relações de trabalho

indígenas, especialmente com seus empregadores. O “Pacto” modificou, ainda que de forma lenta,

mas gradativa, a natureza das relações de trabalho que vigoravam por cerca de duas décadas,

trazendo como elementos principais o reconhecimento dos direitos sociais constitucionais do

trabalho e a exigência de tratamento diferenciado ao trabalhador indígena nas suas contratações. Não

somente o Pacto é responsável pelas mudanças, mas também o mercado consumidor, que se colocou

cada vez mais exigente e próprio fiscalizador do processo holístico de produção, demandando

políticas de reparos aos impactos sociais e ambientais. Este período é marcado, ainda, por uma fase

de crescimento significativo do setor canavieiro, impulsionado por diversos outros acontecimentos

nacionais e internacionais.

O principal ponto que podemos resgatar desse momento são as mudanças nos aspectos

“sociais” do trabalho, como o próprio nome do Pacto sugere. A não interferência do Pacto na esfera

“econômica”, principalmente para obtenção de melhores salários, remonta à questão social que

enfatizamos no início, de desigualdade e subalternidade econômica. A interferência nos aspectos

sociais (CTPS, FGTS, INSS, alimentação e alojamento, manutenção do vínculo com a Reserva, entre

outros) por um lado representa um avanço nas políticas voltadas para as relações de trabalho, mas,

por outro, uma forma também de o Estado compartilhar da “exploração”, ou seja, existe uma

“regularização da exploração” através da concessão de alguns benefícios sem que se altere o

resultado do ganho financeiro.

Além das motivações de atendimento das necessidades imediatas que atravessaram o

contexto das relações de trabalho, de amenizar as condições de precariedade e atender os desejos de

consumo, dois elementos aparecem como motivações que fazem o “serviço” fundamental: lealdade

perante o grupo doméstico e o desejo de sociabilidade. Os depoimentos coletados apontam dois

aspectos que podemos destacar da lealdade entre os membros do grupo: casamento e pai doente. Este

último representa um componente a mais da dimensão “patrifocal” da organização Terena

(FERREIRA, 2007), o destaque dado ao homem mais velho considerado fundador do grupo e ao ato

de construir um grupo doméstico.

Page 117: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

117

O “aniquilamento do sistema social indígena” (FERREIRA, 2007) conduziu os Terena ao

campo das relações de trabalho tendo, no início, como principais atores a fazenda e o Posto, e mais

tarde a Usina Santo Antônio. O elemento étnico passa a ser visto como importante a partir do

momento em que se consegue ter o domínio político e econômico do grupo. Ou seja, o colonizador

estava convicto de que, diante das prioridades de sobrevivência, tendo seu sistema econômico

arrasado e o ambiente ofertando trabalho, haveria o consentimento dos indígenas à subordinação ao

trabalho assalariado transferindo todo o conhecimento tradicional para o campo das relações de

trabalho. E a manutenção desse desequilíbrio seria a garantia permanente de mão de obra.

Referências bibliográficas

ANDRADE, M. C. de. Modernização e pobreza: a expansão da agroindústria canavieira e seu

impacto ecológico e social. São Paulo: Unesp, 1994.

BARTH, F. O guru e o iniciador e outras variações antropológicas. In: LASK, T. (org.). Rio de

Janeiro: Contra Capa Livraria. Rio de Janeiro, 2000. 243p.

CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Terena numa

sociedade de Classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

CARVALHO, E. de A. As alternativas dos vencidos: índios Terena no estado de São Paulo. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1979.

FERREIRA, A. C. Tutela e resistência indígena: etnografia e história das relações de poder entre os

Terena e o Estado brasileiro. Tese PPGAS/MN-UFRJ. Rio de Janeiro, 2007. 410p.

KUPER, A. Antropólogos e antropologia. Rio de Janeiro: F. Alves, 1978.

LOPES, J. S. L. O vapor do diabo: o trabalho dos operários do açúcar. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1976.

NEVES, D. P. Lavradores e pequenos produtores de cana: estudo das formas de subordinação dos

produtores agrícolas ao capital. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

Sites:

www.ibge.gov.br

www.pib.socioambiental.org

www.funai,gov.br

www.funasa.gov.br

www.unica.com.br

www.biosul.com.br

www.prt24.gov.br

www.portal.mte.gov.br

www.agricultura.gov.br

Page 118: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

118

Os conflitos possessórios rurais no sul e sudeste do Pará e a função social da

posse: uma análise da atuação do judiciário Bolsista: Raimunda Regina Ferreira Barros (M)

Orientador: Carlos Frederico Marés de Souza Filho

Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Programa de Pós-Graduação

em Direito

Palavras-chave: Conflitos possessórios, imóvel rural, poder judiciário

Email: [email protected]

Introdução

O campo brasileiro é marcado pela concentração da terra nas mãos de uma minoria e pela

violência contra os camponeses.44

Esta é a realidade desde os primeiros anos da invasão colonial no

século XVI e que perdura até os dias atuais. O “desenvolvimento nacional” fez crescer a exclusão, a

violência e o número de famílias sem-terra na Amazônia brasileira, em especial no sul e sudeste do

Estado do Pará, regiões que atualmente se constituem importantes fronteiras da expansão econômica

do país.

Os conflitos pelo domínio de territórios se avolumam e trabalhadores rurais sem-terra

disputam espaço com o grande capital monocultor e latifundiário. Os trabalhadores sem terra se

organizam em instituições de classes, a exemplo dos sindicatos e do MST (Movimento dos

Trabalhadores Sem-Terra) e formam um campesinato de fronteira. O Poder Judiciário passou a ser

instado a responder as ações possessórias ajuizadas por fazendeiros, fazendo emergir um conflito de

natureza jurídica atinente à interpretação que o judiciário deve adotar nas demandas possessórias que

versam sobre imóveis rurais envolvendo fazendeiros e movimentos sociais camponeses.45

Não é mais possível uma interpretação civil-patrimonialista do direito que defenda a

propriedade sem observância das normas constitucionais que consagram o direito de propriedade e

de posse, limitando-os ao cumprimento de sua função social. Esta é a tendência jurídica moderna

expressa nas novas Constituições da América Latina e que também foi adotada pela Constituição

Federal brasileira de 1988. É uma interpretação que, se levada a cabo pelo Poder Judiciário,

conduzirá a práticas mais voltadas à garantia dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores

rurais e, consequentemente, à redução dos conflitos agrários comuns nas regiões em comento.

44

Ver Violência e grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará. Dissertação de mestrado de

Girolamo Domenico Treccani pela Universidade Federal do Pará, 2001; A identidade do posseiro: elementos de

caracterização social trabalhados pelo movimento sindical do sudeste do Pará. Dissertação de mestrado de Gutemberg

Armando Diniz Guerra pela Universidade Federal do Pará/NAEA/PLADES, 1991; Conflitos de terra nas áreas

beneficiadas pela Estrada de Ferro Carajás nos sudeste do Pará. Trabalho de conclusão de curso de bacharelado e

licenciatura plena em geografia de Roberta Maria Batista de Figueiredo, pela Universidade Federal do Pará, 1995; e

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 45

Sobre o processo de criação da Justiça Agrária Especializada no estado do Pará ver Cadernos de Conflitos no Campo

Brasil referentes aos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, publicações da CPT Nacional pela Expressão Popular, São Paulo.

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119

Objetivo geral

A dissertação se propõe a investigar se as decisões proferidas pelas Varas Agrárias de

Redenção e Marabá, bem como aquelas emanadas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará em grau

de recurso, nas ações possessórias que versam sobre imóveis rurais são alicerçadas na Constituição

Federal brasileira ou somente na Lei Civil.

Objetivos específicos

A dissertação é orientada por três objetivos específicos:

1. identificar o contexto social em que se dão os conflitos pela posse da terra nas regiões sul e

sudeste do estado do Pará;

2. analisar a evolução histórica dos direitos civil e constitucional brasileiros no que se refere à

proteção da posse e da propriedade rural e estabelecer seus conteúdos conceituais;

3. identificar ações possessórias que versam sobre imóveis rurais em curso nas Varas Agrárias de

Redenção e Marabá e no Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), e verificar se, nas

decisões proferidas nestas ações, são levados em conta os preceitos constitucionais atinentes ao

cumprimento função social da propriedade e da posse, assim como produtividade do imóvel.

Metodologia

A pesquisa a ser realizada terá por método de abordagem o indutivo, uma vez que se partirá

de situações concretas e particulares, quais sejam: as decisões tomadas pelas Varas Agrárias de

Redenção e Marabá e aquelas emanadas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, todas em

apreciação de pleitos possessórios sobre imóveis rurais, para se chegar a uma conclusão sobre quais

são os parâmetros legais utilizados pelo judiciário nas regiões citadas no trato das questões agrárias.

Assim, se procederá à exploração, análise e sistematização de informações a partir de um

fenômeno delimitado para se chegar a conclusões gerais. Tal delimitação tem contornos geográficos,

temporais, de conteúdo e matéria, a saber: i) geograficamente a pesquisa abrangerá as regiões sul e

sudeste paraense, vinculando-se por delimitação de competência às Varas Agrárias de Marabá e

Redenção e aos recursos interpostos no TJPA, originários destas Varas Especializadas; ii) o marco

temporal da investigação compreenderá as demandas possessórias coletivas por terra surgidas a partir

da criação da Justiça Agrária Especializada no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará no

ano de 2001; iii) o conteúdo investigado restringe-se à matéria agrária nos conflitos fundiários

coletivos por terra, verificando-se a efetividade dos direitos fundamentais dos camponeses frente ao

Page 120: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

120

direito de propriedade e posse dos proprietários rurais sob a ótica da constitucionalização do direito

privado.

Assim, se terá o seguinte ordenamento no atinente às técnicas de pesquisa: i) pesquisa

bibliográfica envolvendo estudos doutrinários, sociológicos, históricos, filosóficos etc. relacionados

com o objeto de estudo, bem como de legislação, jurisprudências, revistas e periódicos jurídicos,

artigos e outras obras úteis e necessárias ao aprofundamento do tema da pesquisa; ii) pesquisa

documental – pela qual serão pesquisados os autos possessórios físicos e eletrônicos nas Varas

Agrárias de Marabá e Redenção e também os recursos, nos formatos físico e eletrônico, em trâmite

do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que versem sobre os conflitos possessórios rurais nas

regiões sul e sudeste deste estado.

Justificativa

Nota-se que as regiões sul e sudeste do Pará há tempos vêm despertando o interesse de

pesquisadores. Tem se dado de forma bastante contundente no espaço acadêmico das principais

instituições de ensino superior do norte e também de outras regiões do Brasil e até do exterior.

Percebe-se, entretanto, que os estudos têm se dirigido especialmente à análise de questões

concernentes aos conflitos agrários e à violência deles decorrente, às formas de organização social e

a temas atinentes à sustentabilidade ambiental. Muito embora as origens das reflexões nas pesquisas

já realizadas ocorram a partir dos conflitos fundiários, pouco se referem aos direitos fundamentais

dos trabalhadores rurais.46

Os estudos jurídicos existentes não focalizam o contexto agrário

conflituoso do ponto de vista da atuação do poder judiciário em suas soluções.

Destarte, a pesquisa postula sua relevância ao pretender a análise científica das

transformações havidas na legislação civil e constitucional e como tais transformações têm sido

aplicadas na prática pelo judiciário paraense quando da solução de conflitos possessórios rurais no

sul e sudeste do Pará.

De outra banda, percebe-se que, na prática, muitos direitos dos trabalhadores rurais são

violados porque os profissionais que exercem cargos públicos como juízes, promotores de justiça,

delegados de polícia etc. têm uma atuação pouco comprometida com direitos fundamentais dos

46

Idem nota 1; e, ver também: Impactos do crédito produtivo nas noções locais de sustentabilidade em agroecossistemas

familiares no território sudeste do Pará. Tese de doutorado de Luis Mauro Santos Silva pela Universidade Federal de

Pelotas/RS, 2008; A construção da representação dos trabalhadores rurais no sudeste paraense. Tese de doutorado de

William Santos de Assis pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/RJ, 2007; A assessoria técnica, social e

ambiental à Reforma Agrária (ATES): a Copserviços no sudeste do Pará. Dissertação de mestrado de Jaime Rodrigo da

Silva Miranda pela universidade Federal de Viçosa/MG, 2008; e Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma

agrária no Brasil, organizado por Miguel Carter - Assistant Professor School of International Service American

University Washington, DC, 2009.

Page 121: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

121

camponeses. Sem se descartarem outras causas, isso pode ser reflexo da formação do ensino superior

que tais profissionais tiveram. Por essa razão, acredita-se ser necessário investir numa produção

científica que possa contribuir para a reversão deste modo de pensar o ensino superior, de maneira a

modificar a postura conservadora-patrimonialista dos operadores do direito. É uma mudança que

passa pela produção de conhecimento escrito e pela formação dos estudantes de direito na graduação.

Desta feita, a pesquisa também visa, além conhecer a realidade a ser estudada, qualificar a

pesquisadora para contribuir no processo de formação acadêmica nas regiões sob análise.

Referencial teórico ou conceitual

O Código Civil brasileiro, formulado a partir do Código Napoleônico, reflete o

individualismo, sendo o estatuto que rege a relações interindividuais dos particulares dentro do

ordenamento jurídico. Prevalecia na origem desse ramo do Direito o liberalismo econômico em que

era nula a interferência estatal nas relações privadas e, por consequência, no direito de propriedade.

No decurso da evolução histórica e legislativa, as Constituições passam a abarcar temas antes

exclusivos do Código Civil, como a função social da propriedade e a organização da família. No

sistema legal brasileiro esta concepção se acentuou, definitivamente, a partir da Constituição de

1988, já não sendo mais admissível a aplicação pura e simples do princípio da autonomia privada

desvinculada dos fins a que ela se destina.

Importantes pensadores do Direito (tais como, FACHIN 2006, MARÉS 2003, TEPEDINO

2003, dentre outros) têm imprimido uma visão dinâmica ao direito privado, encontrando-se

absolutamente ultrapassada a concepção estática e atemporal do direito civil. Nessa conjuntura, o

Código Civil brasileiro, embora permaneça com sua estrutura profundamente enraizada no Código

de Napoleão, já sofreu diversas mudanças e adequações de modo a se coadunar com as exigências

constitucionais, do que não pode mais prescindir. Essa mudança hermenêutica reflete-se em obras de

autores modernos como Gustavo Tepedino (2003, p. XV) quando afirma:

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, debruça-se a doutrina na tarefa de construção

de novos modelos interpretativos. Abandona-se deliberadamente o discurso hostil dos que,

justamente, entreviam a incompatibilidade axiológica entre o texto codificado e a ordem pública

constitucional. Afinal, o momento é de construção interpretativa e é preciso retirar do elemento

normativo todas as suas potencialidades, compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição da

República.

Também se destacam pelo aporte teórico a embasar a pesquisa realizada, dentre outras, as

seguintes obras: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres, obra organizada por Juvelino

José Strozake; Estatuto jurídico do patrimônio mínimo; Comentários ao Código Civil: parte

especial, direito das coisas; Estas duas últimas de autoria de Luiz Edson Fachin.

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122

Cita-se ainda a necessidade de aprofundamento teórico dos pilares em que se funda a

legislação agrária brasileira desde a Lei de Terra de 1850 até o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504 de

1964), sem deixar também de mencionar a importância de se fazer um paralelo entre o direito de

propriedade instituído no Código Civil Brasileiro e a abordagem dada pela Constituição Federal de

1988 a este direito, residindo aqui o foco principal da pesquisa que se pretende realizar.

Por fim, tendo em vista o viés dos direitos e garantias fundamentais presentes no tema

proposto, imprescindível é um estudo dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos

humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais.

Neste momento a pesquisa encontra-se na fase de pesquisa bibliográfica e produção do

primeiro capítulo da dissertação.

Pontos relevantes para discussão

A aplicabilidade do instituto da função social da propriedade também nas demandas possessórias;

a efetividade das Varas Agrárias sem um segundo grau também especializado.

Referências bibliográficas

FACHIN, L. E. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

______. Comentários ao Código Civil: parte especial, direito das coisas. Coordenação: Antonio J. de

Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 15.

______. Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000.

MARÉS, C. F. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.

STROZAKE, J. J. (org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2000.

TEPEDINO, G. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de

2002. In: TEPEDINO, G. (org.) A parte geral do Código Civil: estudos na perspectiva civil-

constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003, p. XV\XXXIII.

Page 123: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

123

A cidade de São Paulo no século XX: observações sobre segregação e território

Ex-bolsista: Reinaldo José de Oliveira (D)

Orientadora: Maura Pardini Bicudo Véras

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos

Pós-Graduados em Ciências Sociais,

Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford –

Turma 2005

Palavras-chave: Segregação; território; raça

Email: [email protected]

Introdução

Trago no presente texto algumas interpretações da minha pesquisa de doutorado, referente às

cartografias da população negra na metrópole paulistana, desde as primeiras décadas do século

passado, em especial, as quatro uúltimas décadas do século XX.

Na cidade de São Paulo a população negra se insere como protagonista da produção social do

espaço. Por intermédio do trabalho e dos valores africano e afro-brasileiro, negros/negras

protagonizaram a construção de cada pedaço da cidade: inúmeras funções na área de transporte de

pessoas, alimentos e outras necessidades; a edificação de igrejas, habitações, prédios públicos e

particulares, a abertura e calçamento de ruas, avenidas e praças e todo o trabalho do sistema

ferroviário; os componentes sociais e culturais, por exemplo, a Irmandade Nossa Senhora do Rosário

dos Homens Pretos, os cordões e escolas de samba, os terreiros de umbanda e candomblé, os

quilombos rurais e urbanos e os movimentos e associações, em geral., oO protagonismo foi e

continua sendo fundamental para escrever a história da população negra na cidade de São Paulo. Em

particular, através da memória afro-brasileira e das referências sociais e culturais, a população negra

deixou inscrito no chão da capital paulistana elementos do processo civilizatório.

Objetivos

A história da população negra em solo paulistano deve ser compreendida, além da

territorialidade, também como espaço de desigualdades e segregação. A segregação da população

negra acontece por que ela é negra ou por que ela é pobre? São algumas destsas questões que eu

procurei responder em meu trabalho de doutorado e neste texto.

Justificativa

No decorrer do século XX, a trajetória da população negra em solo paulistano foi, e continua

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124

sendo, marcada pelos movimentos de territorialidade, desterritorialização e reterritorialização. Em

etapas importantes da expansão urbana industrial, estsa população se viu obrigada a seguir em

direção às áreas mais pobres, carentes de infra-estrutura urbana e de equipamentos de consumo

coletivo.

Referencial Tteórico

Para desenvolver os conceitos/questões sobre segregação e território, investiguei a literatura

clássica da sociologia urbana, os estudos sociológicos e antropológicos sobre relações raciais e as

obras que fazem a intersecção entre espaço e raça.

A literatura sobre segregação compreende abordagens que focalizam, em geral, a luta entre as

classes sociais em torno do espaço e do ambiente construído (CASTELLS, 1983; LOJKINE, 1997;

VÉRAS, 2000), que se dinamizam em cidades pequenas, médias e grandes, em regiões

metropolitanas, nas metrópoles e, em especial, nas cidades globais.

No cenário histórico e contemporâneo, a população negra, apesar de não ter sido legalmente

discriminada, foi “natural” e informalmente segregada, frente às nas condições de ordem econômica,

social e racial, foi deixada à margem dos principais espaços de desenvolvimento urbano, e, diante

dos fixos e fluxos da sociedade urbana industrial, continua seguindo o percurso em direção aos

territórios da pobreza (FERNANDES, 1977; ROLNIK, 1997; COSTA, 2007 ).

A respeito do território, Véras (2003) o considera interdisciplinar; ele é geográfico, histórico,

sociológico, psicológico, político, cultural e simbólico..

Na história das territorialidades negras da capital paulistana, particularmente nas últimas

décadas do século XIX e início do XX, os espaços negros eram classificados como territórios de

exclusão e, marginalidade. No entanto, foram destes lugares que sobressaíram negros e negras para

compor a força de trabalho e todas as funções possíveis para a transformação da urbe paulistana.

Metodologia

Para a realização da pesquisa, organizei quatro etapas que compõem os aspectos

teórico/metodológico: a primeira, trata-se da literatura acadêmica sobre a cidade e o urbano e os

estudos e pesquisas sobre relações raciais em interface às questões espaciais; a segunda, realizei são

entrevistas semi-estruturadas realizadas com homens e mulheres negras, da faixa etária dos 24 anos

até 80 anos de idade, moradores dos distritos da Brasilândia, Cidade Tiradentes e Jardim Ângela, que

conforme o censo do IBGE 2000, correspondiam a à participação de 38% , 50% e 51% de população

negra, respectivamente, acima da média da cidade que era de 30% na época; a terceira, organizei são

Page 125: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

125

as informações quantitativas (censos do IBGE, 1980, 1991 e 2000) que organizei para compor o

quadro socioeconômico, tendo em vista, interpretar as desigualdades sociais em interface às

desigualdades raciais; por último, por intermédio do trabalho quantitativo, desenvolvi o

geoprocessamento das informações para a formatação de cartografias, a fim de analisar e interpretar

os percursos da população negra.

Alguns resultados

Conforme os mapas 1 e 2 a seguir, a cartografia contemporânea da população negra está

conectada às inúmeras transformações socioespaciais, econômicas e políticas da urbe paulistana,

referente ao contexto do século XX: de 1889-1930, trata-se dos primeiros anos da pós-abolição, a

concentração negra situada nos cortiços e porões dos bairros da Sé, Sul da Sé, Liberdade, Baixada do

Glicério, Bexiga (atual Bela Visa), Barra Funda, posteriormente, durante a grande expansão da

cidade de 1930-1970, a ida às primeiras periferias, como a Casa Verde, Bairro do Limão, Tucuruvi,

Vila Matilde, Vila Formosa, Santo Amaro e, mais recentemente, durante a substituição do trabalho

industrial para a prestação de serviço, de 1970-2000, a ocupação das extremidades de São Paulo, em

direção aos distritos/bairros de Brasilândia, Perus, Jardim Ângela, Capão Redondo, Jardim São Luiz,

Cidade Tiradentes, José Bonifácio, Itaim Paulista, entre outros (ROLNIK, 1997; OLIVEIRA, 2008).

Segundo Oliveira (2008) para melhor entendimento do contexto da população negra em São

Paulo, é preciso observar e interpretar as cartografias das desigualdades socioespaciais em interface

às desigualdades raciais e de gênero. Homens e mulheres negrasnegros, segundo dados do IBGE

2000, recebem os menores rendimentos que homens e mulheres brancas brancos e, em particular, nas

áreas mais ricas (quadrante sudoeste) em direção aos extremos a renda tende a diminuir.

Na capital paulistana, a renda média dos trabalhadores é de R$ 1.031,85 no contexto geral da

força de trabalho. O rendimento diferencia-se., primeiro, oOs homens brancos recebem, em média,

R$ 1.919,20, e os negros R$ 690,54. As mulheres, R$ 1.092,23, para as brancas e R$ 425,47, para as

negras. Calculando a média entre homens e mulheres, brancos e negros, os trabalhadores brancos

recebem, em média, R$ 1.505,50, e os trabalhadores negros R$ 557,50.

As desigualdades de renda refletem um lugar importante no desenvolvimento humano, que se

concretiza no cotidiano de milhões de trabalhadores, homens e mulheres, brancos e negros. Trata-se

da educação e da mobilidade que pode proporcionar, principalmente para os jovens que vivem nas

periferias. A população negra não só amarga só os menores rendimentos socioeconômicos. Na área

da educação, por exemplo, é sobrerepresentada com os menores percentuais de tempo médio de

escolaridade, sem contar na qualidade da educação pública que é oferecida aos negros e pobres.

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Mapa 1. Distribuição Negra em São Paulo Mapa 2. Distribuição Negra em São Paulo (concentração acima de 30% até 51%) (concentração abaixo de 15%)

Fonte dos dados: Censo do IBGE, 2000.

Nos distritos investigados e na periferia como um todo, a taxa de homicídio durante os anos

de 1991 até 2005, era (e continua até hoje) e é uma das maiores da cidade. Atualmente, a taxa de

homicídio nas periferias deixou de crescer, houve diminuição; porém, não foi o Estado o principal

ator no quadro das transformações. O poder público participou de forma paliativa (União, Estado e

Município) quanto da promoção de políticas públicas em saúde, educação, habitação e saneamento.

O ator responsável pela diminuição dos extermínios e homicídios vem sendo a territorialidade social

negra., fFoi o que eu pude constatar nos distritos investigados e nos diálogos estabelecidos com os

interlocutores.

Considerações finais

A segregação da população negra é resultado das desigualdades de classe social e das

desigualdades raciais. Os dois fenômenos estão interligados, a resolução só se efetivará com a

integral eliminação das desigualdades sociais e raciais.

Portanto, no decorrer do século XX, na principal metrópole do país, da América Latina e da

economia global, negros e negras, formalmente e informalmente, amargaram os impactos do racismo

em todos os espaços da cidade de São Paulo.

Atualmente, em pleno século XXI, a população negra vem protagonizando transformações

importantes, haja vista a política de ação afirmativa: a política de cotas para negros, pobres e

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127

indígenas nas universidades públicas; a implementação da lei 10.639/2003 que estabelece a

obrigatoriedade do ensino da históoria e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e

particulares; o reconhecimento e titulação dos territórios de quilombos; e, recentemente, a aprovação

do Estatuto da Igualdade Racial.

Ao contrário das políticas que marcaram o século XX, a proposição de políticas universais

aliadas às políticas territoriais e, portanto, focais, são um caminho viável para a eliminação da

segregação e das desigualdades?

No momento, as respostas estão em construção. Mas há um vislumbre claro de que a força

dos territórios no século XX foi determinante para os avanços que até então obtivemos. Em nossa

atualidade ela é, e parece continuar sendo, fundamental para a construção de territórios de cidadania

no século XXI.

Referências bibliográficas

CASTELLS, M. A questão urbana. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1983.

COSTA, E. V. da. Da monarquia à república., São Paulo:, Editora Unesp, 2007.

FERNANDES, F. 25 anos depois, O negro na era atual. In: Circuito Fechado, São Paulo : Hucitec,

1977.

GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1993.

FIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2000, IBGE, São

Paulo: 2000.

LOJKINE, J. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

OLIVEIRA, R. J. de. Segregação urbana e racial em São Paulo: as periferias de Brasilândia, Cidade

Tiradentes e Jardim Ângela. Tese de Doutorado, Ciências Sociais, PUC- SP, 2008.

ROLNIK, R. A cidade e a lei – legislação urbana e território na cidade de São Paulo. São Paulo:

Editora Nobel, 1997.

VÉRAS, M. P. B. Trocando olhares – uma introdução à construção sociológica da cidade. São

Paulo: Studio Nobel, 2000.

_________________________. _____. Desigualdade e exclusão social em São Paulo. Cadernos

Metrópole, número 1. São Paulo: Educ, 2003, p.73-91.

Page 128: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

128

Criança indígena: transmissão de conhecimento Bolsista: Rosilene Fonseca Pereira (M)

Orientadora: Deise Lucy Oliveira Montardo

Instituição: Universidade Federal do Amazonas- Programa de pós-graduação em

Antropologia Social

Palavras-chave: Criança, conhecimento, indígena

Email: [email protected]

Introdução

As formas de transmissão de conhecimentos na infância indígena é um tema pouco explorado

na região do Alto Rio Negro. Conhecer a circulação desses saberes é importante para

compreendermos, entre outros aspectos, a importância que as relações de parentesco têm para esses

grupos étnicos.

Estudos sobre criança indígena são relativamente recentes. Poucos estudos foram feitos pelos

pesquisadores etnógrafos ou historiadores. Os diários dos viajantes dos séculos XVIII e XIX

focalizaram, principalmente e em poucas páginas, registros relacionados à prática de sacrifício de

bebês gêmeos ou portadores de deficiência (SILVA; NUNES, 2002, p.241).

Cohn (2005,p.9) em seu livro Antropologia da Criança nos aponta algumas abordagens de

estudo com crianças e diz que [...] não podemos falar de crianças indígenas sem entender como esse

povo pensa o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam na sociedade .O mesmo vale

para crianças nas escolas de uma metrópole.

Cada povo indígena tem uma forma de compreender o explicar o mundo e sua vivência e

quando se estuda a si mesmo, aflora quem somos, o que fazemos, como vivemos e o que pensamos.

O Alto Rio Negro é uma região com diversos grupos étnicos marcada por um processo de resistência

e de amplo investimento do Estado Nacional na escolarização infantil na forma de escolas e

internatos, instalados no início do século XX.

Na região do Alto Rio Negro, podemos mencionar a pesquisa realizada pelo CIMI-

Norte/I/AMARN/UNICEF, intitulada “Direitos e jeitos de ser criança: um olhar sobre a infância

indígena no rio Uaupés/Am”.As autoras se referem a diversidade étnica do Alto Rio Negro, dando

ênfase na criança “Tukano”. O referido estudo apresenta dados de colaboradores Dessano e Tariano.

Tais evidências sugerem que no Alto Rio Negro há uma circulação de saberes, que não são

mencionados nas literaturas. Também aponta um confronto entre os “saberes tradicionais” diante do

“processo escolar”, quando as crianças passam a morar nos “centros urbanos”, onde crescerão em

meio a outros valores e aprenderão a colocar em segundo plano os saberes úteis para a vida cotidiana

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129

nas comunidades, como as práticas agrícolas, estigmatizadas como atividades para quem não é

escolarizado. Essa questão foi vivenciada por mim recentemente, junto a uma família que observei

em São Gabriel da Cachoeira, na qual as crianças acompanham os pais, mas os “jovens” já não

frequentam a “roça” por se considerarem “estudados47

”.

Os estudos acima mencionados abrem pontos reflexivos, tais como a singularidade da

transmissão de conhecimento e entendimento do conceito criança em determinada sociedade

indígena; conflitos enfrentados por crianças indígenas nos centros escolares urbanos no qual

diferentes pontos de vista pedagógicos norteiam essas relações socioculturais.

Minha pesquisa de mestrado, atualmente em curso, se propõe a suprir essa carência ao estudar

a transmissão de conhecimentos entre povos indígenas habitando o Alto Rio Negro.

Apesar de lidar com a diversidade dos 23 povos indígenas do Alto Rio Negro, o povo

Waíkhana terá um foco maior por conta de meu pertencimento a este povo indígena, o qual tomo

como ponto de partida, em seguida a relação materna. No decorrer do trabalho pretendo evidenciar a

riquíssima área cultural desses povos.

O povo indígena Waíkhana, pertencente à família linguística Tucano, se situa e ocupa a Terra

Indígena Alto Rio Negro I, Médio Rio Negro I e II, situada no estado do Amazonas, no Alto Rio

Negro. De acordo com o Instituto Sócio Ambiental (ISA) o povo indígena Waíkhana é composto por

cerca de 1300 pessoas do lado brasileiro e 400 na Colômbia, (CALBAZAR;RICARDO, 2006)

Diferentemente de outras realidades indígenas, a área em estudo é caracterizada pelo

casamento exogâmico no qual tradicionalmente pares preferenciais para uma Waikhon48

e um

Waikhen49

seriam Dessano, Tukano, Tariano, entre outros. Chagas (2005, p.26) assim explica as

relações matrimoniais:

no tempo de “ Bahsali We50

” o rapaz era submisso à vontade dos progenitores.

Chegada a hora de desposar o filho, os pais tinham que pensar na futura esposa que

seria de outro grupo étnico. Supõe-se que o pretendido seria um “Waíkhana”e sua

mãe do grupo “Dessano”. A pretendida esposa seria uma “Dessana”, filha do irmão

da mãe; caso não tivesse, seria pensada a filha da irmã da mãe casada com Tukano ,

se não desse certo era pensada a filha da irmã paterna, casada com um Tariano. Os

casamentos com Arapaço, Wanana e Tuyuka eram interditados por serem

considerados irmãos dos “Waíkhana”, por conta da semelhança linguística.

A explicação de Chagas demonstra a construção das alianças matrimoniais, questão bastante

enfatizada pelos meus bisavós. Caso não dessem certo os arranjos dos pares matrimoniais,

instalavam-se outras formas de resolver os impasses. Essa forma de arranjo perdurou até a chegada

47

A escola presupõe que quem estuda não deve mais ajudar os pais na roça 48

Waikhon mulher do povo Waíkhana 49

Waikhen homem do povo Waíkhana 50

Casa tradicional do Waíkhana, denominada pelos missionários de “maloca”

Page 130: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

130

dos missionários. “Novos arranjos51

” foram construídos na tentativa de não romper com as alianças

matrimoniais tradicionais, como o casamento entre Waikhanã e Arapasso, caso de meus pais,

matrimônio não permitido tradicionalmente por serem considerados irmãos, conforme mencionado

por Chagas e confirmado por meu pai.

No início, pretendia fazer um estudo especificamente sobre as crianças Waíkhana conforme a

disciplina teórica sugerem, mas não há como isolar a criança Waíkhana de todo esse contexto social

de parentesco e dos saberes que a cercam.

Diante desse aspecto, é necessário evidenciar a circulação da transmissão de conhecimentos

dos grupos envolvidos tais como: Arapasso, Baré, Dessano,Tukano e Tuyuca. Isso significa que os

saberes entre os grupos indígenas exogâmicos do Alto Rio Negro são compartilhados, com alguns

pontos comuns e outros divergentes, tanto na forma de transmissão ou a quem e quando transmitir.

As crianças Waíkhanas, desde o nascimento, recebem todos os cuidados necessários para que

cresçam saudáveis e bonitas. Elas são cercadas de uma relação parental de avós, avôs, tias, tios,

primas, irmãos e irmãs. Todos os parentes contribuem para a formação e o bem-estar das crianças.

Os conhecimentos transmitidos são múltiplos: a criação do Waikhanã, a relação de

parentesco, os contos, as narrativas de benzimento, a relação com os seres da natureza, os cuidados

para a criação dos utensílios domésticos e de caça e pesca. Além desses, podemos citar as atividades

do cotidiano familiar, entre as quais cuidar da casa, preparar alimentos, varrer o quintal, buscar

lenha. Apesar de a atividade agrícola ser uma atividade feminina, nos primeiros anos de vida,

independentemente do sexo, todas as crianças são levadas pela mãe para a roça. Os homens são

responsáveis pela derrubada e queimada, as mulheres por selecionar sementes e plantas para o

cultivo com o objetivo de manter uma boa alimentação em casa.

Atualmente, com a implantação dos programas de educação infantil, as crianças indígenas

passam a frequentar mais cedo os bancos escolares. Tal situação é bastante problematizada pela

geração mais velha, pois as crianças passam a ir para a atividade agrícola somente no período de

férias ou nos finais de semana para colher frutos ou fazer curtas atividades com os pais ou parentes.

Objetivo

Este trabalho se destina a estudar o universo da criança Waíkhana, a partir das concepções

nativas e pela análise de diferentes contextos, sobretudo das formas de transmissão de conhecimento

no cotidiano. Pretendemos estudar como ela aprende, quem ensina, em que momento, em que local.

51

Os novos arranjos não eram aceitos por todos os mais velhos.Quando o irmão de minha mãe (Arapasso), pediu a mão

da tia I.V(Waíkhana), meu avô J.V (Waíkhana), não permitiu, sendo que meu avô atendeu o pedido de um “Tukano”,

com que ela vive nos dias atuais.

Page 131: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

131

A realização desta pesquisa está relacionada ao processo ocorrido nos últimos anos referente

à revitalização das práticas dos conhecimentos tradicionais, motivada pela discussão sobre educação

indígena, inquietação da geração mais velha. Dentre elas destaca-se a intensa discussão sobre

postulados legais da sociedade nacional como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) a

“exploração de trabalho infantil”_questão tida como contraditória pelas populações tradicionais na

Amazônia, sobretudo pelos povos indígenas. Esta pesquisa visa, então, gerar reflexão sobre o

entendimento que os Waíkhanas têm sobre suas formas próprias de ensino, contribuindo, assim, para

pensar em ações de apoio junto às comunidades indígenas.

Metodologia

O presente estudo está sendo conduzido com procedimentos da Antropologia por intermédio

do método etnográfico, observação participante, anotações e diário de campo. Também com uma

parte de um acervo pessoal de gravações com meu “avô52

” e um diário pessoal elaborado na

passagem de minha infância à puberdade.

Concentro-me na análise das formas de transmissão de conhecimento concebidas e

praticadas para crianças indígenas. A pesquisa está sendo desenvolvida junto a minha família e

parentes indígenas residentes no perímetro urbano dos municípios de São Gabriel da Cachoeira e

Santa Isabel do Rio Negro.

Está sendo feito um levantamento dos grupos étnicos e da relação de parentesco dos

colaboradores envolvidos. Foi feito contato prévio com as lideranças indígenas.

Os colaboradores, residentes no perímetro urbano, são oriundos, em sua maioria, de

comunidades das diferentes calhas de rios do Alto Rio Negro e pertencem a diferentes etnias

indígenas, entre as quais Piratapuya, Arapasso, Baré, Tukano, Tariano,Tuyuka.

Parte dos dados deste trabalho são memórias das infâncias vividas por três gerações e da rede

de parentesco dos Waíkhanas. Além do cotidiano de famílias do perímetro urbano de São Gabriel da

Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, que nos ajudam a compreender a complexidade e

importância da circulação de saberes de parentesco e dos cuidados com a criança construídos na rede

parental.

Como o material coletado ainda está em processo de sistematização, neste texto apresento a

parte do estudo sobre a primeira fase da criança. Por enquanto, utilizo o tempo passado por conta da

forma como foi feita a narrativa pelos colaboradores da pesquisa, mas, na medida em que os dados

forem sistematizados e analisados, a escrita será revisada.

52

Avô materno do povo Arapasso.

Page 132: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

132

Com base na regulamentação de matrimônio Waíkhana, o casamento com mulher do mesmo

grupo era considerado incesto, os filhos poderiam nascer anormais53

.

Atualmente, na região estudada, grande parte dos casamentos exogâmicos não têm ocorrido

conforme as regras preestabelecidas historicamente pelos Waíkhana, em vista de diversos fatores

sucedidos ao longo do tempo, tais como estabelecimento de regras missionárias e migrações. Um

exemplo é minha própria família, assim constituída: sou uma Waíkhana, meu pai Waíkhana, minha

mãe Arapasso, minhas avós Tukano, meus avôs são Arapasso e Waíkhana.

De acordo com os Waíkhana, o processo de transmissão de conhecimento ocorre desde a

concepção do novo ser. Assim, também de acordo com os Waíkhana, a mãe grávida era

acompanhada pelo benzimento54

_ é uma ação sagrada, considerada importante para a proteção do

novo ser, ainda indefeso e desconhecedor dos lugares, dos alimentos, dos sonhos, dos seres

existentes na terra. Durante essa fase, os cuidados com a mãe e o pai eram redobrados, pois ambos

eram considerados responsáveis55

pelo novo ser. E todos os cuidados eram necessários para que a

criança viesse muito bem protegida. Qualquer descumprimento dos pais com relação às regras

recomendadas pelos velhos e os “médicos tradicionais56

”, conhecidos na literatura pelo termo “pajé”,

acarretaria problemas no seu desenvolvimento e no processo final de maturação do bebê.

Se o bebê nascesse com ocorrências adversas, consideravam um pré-anúncio de desastre,

mortes e doenças para todo o grupo e alegavam que regras foram desobedecidas pelos pais da criança

em momento anterior à concepção ou durante a gravidez. Dentre essas regras, estavam algumas

proibições, tais como ingerir bananas gêmeas, sovinar breu57

e beiju de umari58

.

Essas proibições faziam parte do respeito que se tinha pela criança em formação, para

interpretação sugerida por Codonho e Tassinari (2003, p. 5) em estudo entre os indígenas Galibi-

Marworno. Para aqueles autores, os cuidados e tabus alimentares são forma de reconhecimento do

bebê como sujeito e autor de seu próprio nascimento, cabendo aos pais cuidados especiais para a

produção do corpo de forma adequada.

Quando acontecia de nascer uma criança com problemas, logo eram tomadas decisões, às

vezes com o consentimento dos pais ou só das mulheres.59

Em seguida, eram imunizadas. As

53

Refere-se a defeito genético. 54

Benzimento ritual rege a vida de um Waíkhana, antes do nascimento, depois do nascimento, na passagen ao mundo

adulto e quando morre. O benzimento também é presente em outros povos indígenas do Alto Rio Negro, sendo que cada

povo narra de acordo com conhecimento de seus grupos étnicos, com semelhanças ou diferenças. 55

Responsáveis pela formação do novo ser (a criança). 56

Recorro ao referido termo para aproximar a explicação de algumas especialidades no campo dos principais

“Cuidadores da Saúde”, conforme a narração de meu pai Waíkhana. 57

Resina de defumação para espantar os maus espíritos. 58

Beju de umari( andira spinulosa) é uma espécie de pizza feita de goma e polpa de semente de umari. 59

As vezes os partos eram restritos somente às mulheres.

Page 133: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

133

decisões eram a forma de minimizar desavenças entre o grupo e os seres sobrenaturais provenientes

da natureza, porque tudo tinha Avós60

, eles entendiam que, na medida em que os Waikhanã em seus

primórdios receberam os ensinamentos no momento da criação no Lago de Leite, tinham que

cumprir as práticas e deveres preestabelecidos. 61

O bom parto também estava intrinsecamente ligado à observância das várias práticas e

deveres recebidos desde a criação dos Waikhanã, tanto da mulher como do homem. Tais práticas se

referiam, por exemplo, a acordar cedo, tomar banho antes do início das atividades domésticas,

obedecer aos mais velhos, fazer atividades ligeiras, não ingerir determinados alimentos sem o

benzimento. Era proibido sentar na porta da Casa Comunal. A quebra de regras ocasionaria problema

no parto, pois o bebê, ao saber que sua mãe ou pai não cumpriram as regras, não pouparia sua mãe na

hora da passagem ao mundo humano. Num tom de chamada de atenção e sorriso irônico, o bebê

diria: “você não fazia as coisas ligeiro, agora eu vou sai bem devagar”; “você não obedecia seus pais,

agora eu vou ficar mais um pouquinho”. Dependendo da situação, os “cuidadores da saúde” eram

acionados.

Nessas circunstâncias o “Yaí-ho62

” era chamado para ajudar o bebê a poupar as dores de sua

mãe.

Dependendo do sexo do bebê o “pajé ” entrava num diálogo convencendo até a

porta da saída. Se fosse menina, ele no seu imaginário fazia miniatura de objetos

femininos, peneira, atura, tipiti e numa linha imaginária atraia o bebê para fora; se

fosse homem ele fazia miniatura de objetos masculinos como caniço, remo, canoa e

o atraia para fora.63

Na hora da parição, caso um bebê nascesse com mancha avermelhada semelhante ao beiju de

umari, a mãe recebia orientação para utilizar remédio no decorrer do crescimento do bebê, porque

uma mancha herdada pela desobediência dos pais era considerada “penosa” e implicaria no arranjo

matrimonial. Conforme mencionei anteriormente, toda e qualquer decisão com relação às

adversidades era imunizada pelo benzimento que garantia amenizar a retaliação das Avós. Assim que

60

Avós seriam espécies de Deuses, donos das coisas, dos alimentos, das árvores, dos animais etc. 61

Lago de Leite refere-se à Baia de Guanabara, local onde se iniciou a formação dos Povos do Rio Negro, entre eles os

Waíkhana. 62

Especialista em “benzimento para lidar com ‘seres da água’ ,’seres do ar’ ‘ seres da terra’ de forma que fazia a cura de

determinados tipos de ‘doença’. Outros apenas identificavam e encaminhavam para os kõmu” especialista de

benzimentos específicos ou conhecedor de ervas medicinais. 63

Trecho de benzimento de meu bisavô na hora de um parto difícil.

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134

a criança Waíkhana nascia, logo era feito o ritual de “ hedipona bahseyé”64

quando recebia o nome

de acordo com sua linhagem.65

Tanto a mãe como o pai do recém-nascido ficavam de resguardo. A mãe recebia cuidados

especiais e o pai era proibido de fazer qualquer trabalho, tais como carregar peso, cavar minhoca

para pescar, cortar árvore e outros. Qualquer esforço físico do pai prejudicaria o bebê, podendo levá-

lo à morte, porque se entende que o corpo do bebê é ligado tanto na mãe como no pai e há

preocupação com o bem-estar da criança.

Logo nos primeiros anos de vida, a criança Waíkhana fica aos cuidados de sua mãe. A mãe

Arapasso66

ao levar o pequeno Waíkhana à roça, sinalizava com um pequeno nó nos galhos e cipós a

uma certa distância, do início do caminho até a roça. Tal procedimento era realizado para que o bebê

não se perdesse e soubesse retornar, pois se a mãe não fizesse isso, ele(a) perderia seu espírito e isso

poderia causar muito choro e o levaria à morte. E, assim a criança recebe todos os cuidados até

quando ela aprende a trabalhar.

Percebe-se que a criança é um ser que, desde a sua concepção, tem pensamentos próprios.

Mas os bebês dependem inteiramente do cuidado dos mais velhos (OLIVEIRA, 2005, p.35), sendo

que essa dependência faz parte do desenvolvimento da transmissão dos conhecimentos de seu grupo,

e está alicerçado no seio cosmológico do grupo exogâmico no qual está inserido.

Como afirmado, as formas de transmissão de conhecimentos e saberes dos Waíkhana

envolvem diversos saberes provenientes de outros povos do Alto Rio Negro, em decorrência do

casamento exogâmico: Arapasso, Baré, Dessano, Tukano e Tuyuka. Alguns conhecimentos são

compartilhados entre os quais o “hedipona bahseyé”67

.Através do nome é que se protege o

indivíduo. Por toda a sua vida, seu nome de benzimento é que será solicitado quando estiver

enfermo. De acordo com minha mãe, “N. F. Arapasso”, “hedipona” também ajuda a segurar a alma

para que não se desprenda do corpo, mas quando percebe-se que está sendo “penoso”, consulta-se

todos os membros da família para “desfazer “ o “hedipona” . E assim ele vai embora. No caso de

meu “Avô J.F. Arapasso” assim foi feito.

Também se pode fazer “hedipona” para um indivíduo que não tem apetite, para que possa

ingerir alimentos.

Em suma, aqui foram relatados alguns aspectos de minha dissertação que se encontra, neste

momento, na fase de preparação para qualificação.

64

Termo usado por Chagas Waíkhana (2005, p. 32) e confirmado por meu pai , significa “benzimento do coração” ato

importantíssimo para a criança e bem _estar de um(a) indígena Waíkhana. 65

Irmãos maiores, irmãos menores etc. 66

No casamento exogâmico, a mãe sempre será de outro grupo étnico 67

Benzimento do nome é dado assim que o bebê nasce, sem o nome não é possível fazer o benzimento do coração.

Page 135: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

135

Referências bibliográficas

CALBAZAR, A.; RICARDO A. C. FOIRN/ISA. Mapa-livro povos indígenas do alto e médio Rio

Negro: uma introdução à diversidade cultural e ambiental do noroeste da Amazônia brasileira.3 ed

São Gabriel da Cachoeira: FOIRN/ISA, 2006.

CHAGAS, V.J. S. D. Cosmologia, mitos, histórias. O mundo dos Pamulin Mahsã Waíkhana do Rio

Papuri 2000/2005. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

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Page 136: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

136

Palafiftas serão apartamentos: concepções, mecanismos e limites da participação

popular no PAC Rio Anil, bairro Liberdade, em São Luís (estado do Maranhão).

Bolsista: Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro (M)

Orientador: Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos

Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-/SP

Palavras-chave: Estado/cidade; democracia e participação popular.

Email: [email protected]

Introdução

Esta pesquisa se propõe a discutir como se deu a participação popular no Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) no bairro da Liberdade em parceria entre o Governo Federal e o

Governo Estadual do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado das Cidades e Secretaria de Estado

da Igualdade Racial.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançando em janeiro de 2007 pelo governo

brasileiro na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, traduz-se em um conjunto de investimentos

organizado em logística (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias), energia (geração,

transmissão de energia elétrica, petróleo e gás natural e combustíveis renováveis) e infraestrutura

social e urbana (saneamento, habitação, transporte urbano, Programa Luz para Todos e recursos

hídricos).

Em São Luís, um dos investimentos mais conhecidos do PAC foi o Projeto Rio Anil, lançado

em agosto de 2008, no durante o governo de Jackson Lago (PDT/MA), com o objetivo de construir

habitações mais adequadas para a população ribeirinha e quilombola que ali reside em condições

precárias. Visando beneficiar cerca de 250 mil pessoas, o projeto prevê atender, diretamente, as

pessoas que moram à margem esquerda do Rio Anil, na faixa que atravessa 15 quinze bairros, os

quais que deverão ser beneficiados.

O PAC Rio Anil - – no bairro da Liberdade, na cidade de São Luís.

A escolha do bairro Liberdade, onde está sendo executado o PAC Rio Anil –, habitação deu-se

em função de ser um local que, embora situado próximo ao centro comercial e histórico de São Luís,

caracteriza-se pela concentração de uma população de baixa renda, oriunda, em parte, de

remanescentes de quilombos (ALMEIDA, 2006), principalmente do município de Alcântara. Neste

bairro, um número significativo de pessoas mora em palafitas sobre o mangue. O PAC Rio Anil

consiste na substituição das palafitas por apartamentos, agora construídos em terra firme, mantendo

os moradores no próprio bairro onde residem.

Page 137: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

137

Situa-se no centro da cidade de São Luís, ao lado do segundo maior sistema de televisão do

estado, – a TV Difusora –, de propriedade da família do então ministro de Minas e Energia, o

Senador Edson Lobão.

Em face das mudanças provocadas pela alteração não somente do padrão de moradia das

populações, mas também pela forma de como se deu o processo de implementação do PAC, foram

elaboradas as perguntas de pesquisa: como se deu a participação dos beneficiários dos apartamentos

do PAC – Rio Anil? Em que momento ocorreu? Em que medida essa obra contribuiu para envolver

os moradores do bairro da Liberdade no projeto? Ou seja, esta pesquisa visa saber qual a participação

da comunidade e da sociedade civil e/ou do movimento de luta pela moradia, do Conselho da Cidade

no projeto PAC. Pode-se apontar como hipótese que a execução do projeto foi da gestão do governo

para a comunidade, portanto, de cima para baixo.

As questões formuladas para a pesquisa ganham relevo quando são situadas no contexto

político do Maranhão, estado brasileiro apoderado pelos Sarney, cujo poder configura, conforme a

pesquisadora Maria de Fátima da Costa Gonçalves (2008, p. 74), uma dinastia de José Sarney com

seus filhos sociais, políticos e biológicos, modelo de exercício de poder pouco fértil para a

participação da população.

O Maranhão, localizado na região nordeste, é o 16º estado mais rico estado do Brasil pelo seu

PIB (Produto Interno Bruto), mas um dos últimos em IDH-M (Índice de Desenvolvimento

Humano): 0,647. Ao longo de mais de quatro décadas, o estado vem sendo governado por uma

oligarquia, que concentra poder político e econômico, liderada pelo então presidente do Senado da

República Brasileira, José Sarney Costa, “o senador José Sarney”, com prática de gestão

patrimonialista.

O Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, tem sido governado

sistematicamente por estruturas oligárquicas que, com o apoio do poder central, vêm

mantendo a região em uma situação de atraso, de dependência e de curral eleitoral. Os

últimos sessenta anos de vida política no Maranhão foram marcados por duas

dinastias, a de Vitorino Freire, que de 1945 a 1965 desenvolveu relações

patrimonialistas, e a de José Sarney – filho político do vitorinismo, mais tarde

rompido com sua origem –, que de 1966 aos dias de hoje exerce o mandonismo local.

Justificativa

Esta pesquisa procurará articular reflexos elaboradas no âmbito dos estudos sobre a cidade, o

urbano – como os de Castells (1980), Lefebvre (2001), Milton Santos (2000), Véras (2000) Mike

Page 138: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

138

Davis (2006), Maricato (2009), e aqueles desenvolvidos no âmbito dos estudos sobre participação e

democracia – Marx (1852), Dahal (1972), Patman (1992) Saes (1993), Demo (1998), Dagnino

(2004), Avritzer (2010) e outros. Desta perspectiva, as categorias de análise privilegiadas serão:

moradia, cidade, participação popular, democracia e Estado.

De Milton Santos (2000) destacamos sua assertiva de que as mudanças para enfrentar o

processo de globalização, chamado por ele de globolitarismo (um espécie de globalização

autoritária), virá de um movimento de baixo para cima, do local para o global, e nascerá na cidade,

portanto, do urbano, pois é aonde a política acontece com maior plenitude. Perspectiva equivalente

foi sustentada por Lefebvre (2001, p. 117), quando afirma: “o direito à moradia deve ser concebido e

formulado como o direito à vida urbana, transformada e renovada, portanto entendido como um

direito à participação na produção da cidade”.

Além disso, na pesquisa adotarei o conceito de participação política conforme Bobbio (2007,

p. 888): “a expressão participação política é geralmente usada para designar uma variada série de

atividades: o ato do voto, a militância num partido político, a participação em manifestações, a

contribuição para uma certa agremiação política, a discussão de acontecimentos políticos, a

participação num comício ou numa reunião de seção.... por além [...]”. Percebe-se, pois, que, para

Bobbio, a expressão reflete praxes, orientações e processos típicos das democracias ocidentais. Istso

nos leva a explicitar que o modelo de democracia de que se está falando é o caso da democracia

liberal burguesa.

Na concepção de Dagnino (2002), Boaventura Santos (2009) e Avritzer (2010), a Constituição

Federal Brasileira de 1988 (CF 1988) e o Orçamento Participativo, em Porto Alegre, são exemplos

concretos de incorporação de novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na institucionalidade

emergente, abrindo espaço para a prática da democracia participativa.

A literatura sobre o tema da participação popular no Brasil contemporâneo é, pois, concorde

no sentido de que o processo constituinte dos anos 1980 conheceu e fortaleceu intenso impulso de

participação popular. Porém, quando se faz uma leitura atenta, a CF 1988 mostra contradições, pois,

ao mesmo tempo em que regula, por meio do artigo 142, o direito de intervir para “manutenção da

ordem”, também regula o direito da participação democrática no seu artigo 14, inciso III, e no artigo

61, § 2.º, a garantia da iniciativa popular como processos legislativos.68

. Além desse momento, a

década de 1990 é apontada como aquela que avançou nas experiências de participação, tendo

inaugurado encontros entre a sociedade civil e o Estado (DAGNINO, 2002, p. 13). Uma dessas

68

O Estatuto da Cidade (2001) também explicita a importância da gestão democrática, por meio da participação da

população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, em atendimento ao interesse social

(Cap. I do Estatuto da Cidade, Diretrizes I, II e III).

Page 139: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

139

experiências de destaque foi a do orçamento participativo de Porto Alegre. Boaventura de Sousa

Santos (2009, p. 463), em texto sobre o orçamento participativo na cidade de Porto Alegre iniciativa,

caracteriza “a cidade como de grande tradição democrática, uma sociedade civil forte e organizada”.

Para ele, a ditadura militar deparou-se com uma resistência política feroz no Rio Grande do Sul,

especialmente em Porto Alegre. Talvez seja essa trajetória que se busca para as demais cidades

brasileiras.

Conforme aponta Telles (1998, p. 247), “no que se refere especificamente aos movimentos

populares, ao contrário do otimismo dos primeiros tempos em que muitos viram neles uma promessa

de futuro, hoje não são poucos os que apontam seus limites [...]”. Todavia, para Lefebvre (2001), “se

a classe operária se cala, se não age, quer espontaneamente, quer através da mediação de seus

representantes institucionais, a segregação continuará com resultados em círculo vicioso [...]”.

É neste contexto de reflexões e debates que nossa proposta de estudar o processo de

participação popular em estado que ostenta configuração de poder “dinástica” ganha relevância.

Metodologia

Para realizar os dados primários serão extraídos de uma amostra aleatória do universo

dos moradores beneficiados com apartamentos, aos quais serão aplicados

questionários com perguntas abertas e fechadas. Outros segmentos igualmente

contatados serão as lideranças locais e técnicos envolvidos no projeto, com os quais

também serão realizadas entrevistas, seguindo roteiro semi-estruturado. Os dados

secundários serão obtidos a partir da análise de documentos oficiais, cadastro e

bibliografia pertinente ao tema.

Importa dizer, ainda, que o trabalho de campo representará momento ímpar, quando também

serão buscados espaços para manifestação dos sujeitos sociais.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, A.W. B. de. Terra de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livre” “castanhais do

povo”, faxinais e fundos de pastos: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PGSCA-UFAM,

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Page 140: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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dinâmica política do Maranhão dinástico. São Luís: EDUFMA, 2008.

LEVEBRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centaura, 2001.

MARICATO, E. et al. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Rio de Janeiro:

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Page 141: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

141

Diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola: o caso da Bahia e o

contexto nacional

Bolsista: Suely Noronha de Oliveira (M)

Orientadora: Alícia Bonamino / Co-orientador: José Maurício Arruti

Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) –

Programa de Pós-Ggraduação em Educação

Palavras-chave: Quilombos; educação; diretrizes curriculares.

Email: [email protected]

Apresentação

A temática do estudo a que me proponho a realizar remete à questão da educação escolar

quilombola,69

, mais precisamente à emergência desta categoria enquantocomo política pública de

Estado. Meu interesse pela discussão sobre a então chamada educação escolar quilombola surgiu a

partir da minha experiência de estudo e de trabalho com o tema da educação do campo; esta, no

plano normativo, junto à educação escolar indígena, abriu ‘“brechas”’ para a discussão de políticas

públicas com ênfase na diferença, no sistema educacional brasileiro.

Esta pesquisa, ainda em andamento, volta-se para a constituição da categoria educação

escolar quilombola, desde o processo de elaboração das diretrizes curriculares para educação

escolar quilombola no estado da Bahia. O projeto situa-se no campo da educação, em diálogo com

a antropologia, e se propõe a refletir sobre a inserção dessa nova modalidade de educação – a

educação escolar quilombola – no cenário das políticas públicas de educação no Brasil, visando

compreender esta nova categoria desde os sujeitos envolvidos, sobretudo as lideranças

quilombolas.

Entre a compreensão da categoria nativa e as demandas produzidas pelas organizações

quilombolas nos momentos de consulta das audiências públicas e a inserção destas na legislação

existe um enorme campo de negociação, sínteses, cortes e silenciamentos que se faz importante

acompanhar.

Justificativa e problema

Em pouco menos de uma década, o governo brasileiro – gestão do governo Lula –,

particularmente no tocante à educação (Ministério da Educação - MEC), propôs-se a fazer o

debate político da temática da diversidade em seus programas e ações. As políticas de ações

69

“A educação escolar quilombola foi conceituada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, 2010) afirma: é

desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à

especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios

constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira”, Resolução n. 7 de

2010 do CNE.

Page 142: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

142

afirmativas conquistaram visibilidade no espaço político-governamental e, com base nesses

princípios, foram sancionadas algumas leis, dentre elas a Lei n. 10.639/2003, que torna obrigatório

o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do país. Esta, junto a

outras ações e circunstâncias, possibilitou a ampliação do debate público sobre educação em

comunidades quilombolas.

As comunidades quilombolas exigiram do Estado uma política específica de educação e

foram desafiadas por este a pensar e sistematizar o que vem sendo chamado de educação

quilombola. A relevância deste estudo está em oferecer uma análise do processo de formulação da

política na Bahia e suas conexões com a política nacional de educação escolar quilombola. Esta

possibilitará a continuidade da reflexão sobre políticas de educação diferenciada ou das chamadas

políticas da diversidade.

Neste sentido, questiona-se: o que é uma política de educação diferenciada e quais os

mecanismos de mediação que operam naem sua construção? Como e em que medida ela responde às

demandas e às experiências prévias do seu público-alvo?

Toma-se aqui a noção de ‘“mediação”’ para designar não só os “‘agentes e agências”’, mas

também o “‘espaço prático-discursivo”’ por meio dos quais os projetos, experiências, cosmologias,

estratégias políticas, necessidades, conveniências e oportunidades produzem um determinado objeto

novo, neste caso, as diretrizes curriculares nacionais de educação escolar quilombola.

No centro do nosso interesse estão as questões: como as formulações oficiais incorporam (ou

não) as experiências e as demandas das comunidades quilombolas? Por meio de quais mediações se

dá a comunicação entre a experiência concreta e a sua normatização? Em que medida as experiências

de educação escolar quilombola existentes contribuíram na formulação da política (diretrizes

nacionais e estaduais)?

Objetivos

Compreender como se deu o processo de elaboração das diretrizes curriculares de educação

escolar quilombola na Bahia (motivações, contexto organizativo-político, grupos envolvidos,

demandas, fluxos e conexões) e sua relação com o processo de elaboração das diretrizes

curriculares nacionais para educação escolar quilombola.

Fontes teóricas e conceituais

Embora ainda incipiente, o interesse acadêmico sobre o tema da educação escolar

quilombola é crescente. Ações governamentais no sentido de elaboração de políticas públicas de

educação específica para comunidades quilombolas, a exemplo das Diretrizes Curriculares

Page 143: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

143

Nacionais para a Educação Escolar Quilombola 2010-2011, teêm contribuído para a expansão de

pesquisas com o tema.

Para Arruti (2010), mesmo com a exclusão educacional real das comunidades quilombolas e

o tempo largo para sua correção em termos de efetivação de políticas, a proposição de políticas

públicas para educação quilombola traz avanços também do ponto de vista qualitativo, visto que

elas abordam questões de diferença cultural e não apenas a desigualdade no trato destas

comunidades.

“O que se espera dos poderes públicos é que eles reconheçam não apenas

que o preconceito racial implicou em um agravante da exploração da

população pobre e rural, mas também que tais grupos se distinguem por

formas próprias de organização social e cultural. Ao lado de uma política

fundiária diferenciada, surge a proposição de uma educação diferenciada,

que ultrapasse uma visão do outro que o reduz ao pobre, ao deficitário, ao

dominado”. (ARRUTI, 2010, p. 2)

Diante das questões colocadas e da especificidade da pesquisa proponho, enquantocomo

fontes teóricas, dialogar com o conceito de “mediação” utilizado por Montero, Arruti e Pompa

(2011) e com a noção de “ciclos” no processo de formulação de políticas públicas propostas por

Stephen Ball e Jeferson Mainardes (2006, 2011).

Metodologia

A proposta metodológica da pesquisa pauta-se na perspectiva da interface da Antropologia

com a Educação, aliando experiência de campo com observação direta, entrevistas, análise de

documentos, de percurso e de redes. Aqui há uma preocupação por entender o texto e o contexto,

fazendo-se necessário uma leitura para além do conteúdo do texto, percebendo as pessoas e seus

percursos, os grupos e os fluxos.

A recuperação e análise de fontes escritas e orais produzidas durante os seminários e

audiências públicas, assim como reuniões,70

, serão elementos-chave da pesquisa, a saber: relatórios,

texto subsídio, legislações, vídeos, e áudios.

70

Participei de três seminários para elaboração das diretrizes na Bahia (Valença, Senhor do Bonfim e Maragogipe) e do II Fórum

Baiano de Educação Quilombola; IV Encontro Nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais

Quilombolas (Conaq); II e III Audiência Pública para Elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar

Quilombola, promovida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Page 144: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

144

Pontos relevantes para discussão

Partindo-se da idéeia de que antes de pensar o pensamento é mister pensar o sujeito que

pensa, uma indagação se faz presente: quais mediações prático-discursivas singularizam as

populações quilombolas a ponto de reivindicar uma educação escolar específica? O que é, de fato,

educação quilombola, como funciona e o que a singulariza? O uso do conceito de diversidade vem

sendo utilizado recentemente no âmbito político como um anti-discurso à sua proposta inicial, no

sentido de coibir reivindicações específicas/singulares: diversidade para ampliar liberdades ou para

restringi-las? As diretrizes curriculares para a educação escolar quilombola (estadual e nacional)

foram pensadas a partir de quais parâmetros político-filosófico-cultural? Esses e outros pontos

relevantes como a polarização universal-singular no ambiente das políticas públicas são levantados

em minha pesquisa, em diálogo com os sujeitos envolvidos.

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Page 145: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

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CAVALLEIRO, E. Valores civilizatórios: dimensões históricas para uma educação antir-racista.

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Cosac Naify. 2009.

Page 146: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

146

ENCONTROS BRASILEIROS DE BOLSISTAS DO

PROGRAMA INTERNACIONAL DE BOLSAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA

FUNDAÇÃO FORD

Os Encontros Brasileiros de Bolsistas IFP (International Fellowships Program) são

organizados pela Fundação Carlos Chagas e realizados, anualmente, no 1º semestre. A cada ano

seleciona-se um tema, o que orienta os convites a 25 bolsistas para prepararem comunicações ou

pôsteres. Comunicações e pôsteres são avaliados por uma comissão científica ou por assessores ad

hoc brasileiros, especialistas nas diversas temáticas, e por um representante da Equipe da Fundação

Carlos Chagas. As avaliações são enviadas aos bolsistas para incorporarem as sugestões.

Anais dos Encontros anteriores estão disponíveis. Veja lista abaixo.

I ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

RIO DE JANEIRO, 16 A 18 DE JUNHO DE 2004

Relações raciais e de gênero e igualdade de oportunidades

II ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 1 E 2 DE AGOSTO DE 2005

Terra, território: recursos, proteção e direitos

III ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 17 A 19 DE MAIO DE 2006

Direitos sociais, educação, participação e mobilização: temas emergentes

IV ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 30 DE MAIO A 2 DE JUNHO DE 2007

Práticas culturais, comunicação e linguagem

V ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 3 A 5 DE JUNHO DE 2008

Educação e diversidade

VI ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 25 E 26 DE JUNHO DE 2009

Família, gênero e sexualidade

VII ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 4 E 5 DE NOVEMBRO DE 2010

Relações étnico-raciais no Brasil: o aporte de jovens pesquisadores(as)

VIII ENCONTRO BRASILEIRO DE BOLSISTAS IFP

SÃO PAULO, 12 E 13 DE ABRIL DE 20122

Pesquisas sobre educação brasileira: desigualdade e diversidade

Page 147: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

147

A Fundação Carlos Chagas é a instituição responsável pela implementação do Programa IFP no

Brasil.

Fundação Carlos Chagas

Av. Prof. Francisco Morato, 1565 - Jd. Guedala

05513-900 - São Paulo - SP

www.fcc.org.br

Leia as coletâneas que compõem a Série Justiça e Desenvolvimento / IFP-FCC

Educação – Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2007.

Mobilização, participação e direitos – Evelina Dagnino e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2007.

Estudos indígenas: comparações, interpretações e políticas – Renato Athias e Regina Pahim Pinto, Contexto,

2008.

Mulheres e desigualdades de gênero – Marília Pinto de Carvalho e Regina Pahim Pinto, Contexto, 2008.

Ambiente complexo, propostas e perspectivas socioambientais – Paulo Moutinho e Regina Pahim Pinto,

Contexto, 2009.

Acesso aos direitos sociais: infância, saúde, educação, trabalho – Paulo Sérgio Pinheiro e Regina Pahim

Pinto, Contexto, 2010.

Relações raciais no Brasil: pesquisas contemporâneas – Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto e

Fúlvia Rosemberg, Contexto, 2011.

Terra, território e sustentabilidade – Rafael Sanzio, Fúlvia Rosemberg e Luís Antônio Francisco de Souza,

Contexto, 2011.

Page 148: Anais do VIII Encontro Brasileiro de Bolsistas IFP

148