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ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2010
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ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Jan 09, 2017

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ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA

DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2010

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ANA CRISTINA DOS SANTOS SIQUEIRA

DISCUSSÕES EM TORNO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE

Dissertação apresentada, como exigência

parcial para obtenção do Título de Mestre em

Educação, na Universidade Cidade de São

Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Potiguara

Acácio Pereira.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2010

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_______________________________ Profº Dr. Potiguara Acácio Pereira

_______________________________ Profª Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito

_______________________________

Profº Dr. Marcos Ferreira Santos

Comissão julgadora

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Dedico este trabalho a minha filha Paloma, meu filho

Randre, minha mãe Conceição, minha tia Meire e o

querido Dario, que souberam praticar a paciência em

situações que por vezes nem entendiam.

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Agradeço ao meu orientador Professor Dr. Potiguara

Pereira, que se revelou um Mestre. Às minhas amigas de

trabalho Catarina e Magnolia, que muito me auxiliaram. E

ao meu Coordenador Samuel, cuja compreensão

suavizou minha chegada ao objetivo.

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As linguagens hoje fundem-se, misturam-se e contaminam-se. A Arte adentra os campos afins do designer (moda, publicidade e designers gráfico, têxtil, de interiores, de mobiliário, de jóias etc.), do cinema, das trilhas sonoras para o cinema ou jingles, dos videoclipes, da arquitetura, da história em quadrinhos, dos figurinos, da cenografia, da iluminação, do paisagismo etc. (SEE, 2009,8ª s. v. 3, p. 12).

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RESUMO

A presente dissertação tem por objetivo estudar a formação inicial do professor

de Arte, no Brasil, a partir das concepções de ensino da Arte, surgidas no

século passado (XX) e início deste (XXI), na educação. Busca verificar o

processo de regulamentação da disciplina e a formação de professores, que

compartimenta seus conteúdos em Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, e,

cada vez mais, se preocupa com a especialização da linguagem e não com a

formação de uma concepção de Arte. Para tanto, tem como procedimento

metodológico a análise documental. Faz um histórico breve sobre o ensino da

Arte, no Brasil, trata da regulamentação da disciplina e dos cursos de formação

de professores de Arte, analisa as influências filosóficas do ensino da Arte e

seus desencadeamen tos, na sala de aula, na rede pública estadual de São

Paulo, faz referência às propostas curriculares, que impactaram documentos

oficiais na rede, e reflete sobre a formação do professor, convergente à

concepção do ensino da Arte contemporânea. Os parâmetros teóricos

considerados foram o de: Ana Mae Barbosa (1985), (1998), (2002), Mirian

Celeste Martins (2007), LDB 5.692 (1971), LDBEN 9.395 (1996), PCN (2001),

SEE/CENP/FDE (2006), SEE/CENP/FDE(2008), Lisboa e Kerr (2005),

MEC/SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE/CP (2001), Gilles Deleuze e

Guattari. E também dos documentos que regulamentam o ensino da Arte e a

formação de professores na rede pública estadual de São Paulo.

Palavras Chave: Formação, Ensino de Arte, Concepção, Educação

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Abstract

This dissertation aims to develop study on initial teacher of Art and on the

design of teaching art in the XX and XXI, in education.

Seeks to verify the process and rules of discipline and training of

teachers, which compartmentalize the content in Visual Arts, Music, Dance and

Theatre, and increasingly concerned with the specialization of language and not

with the formation of the conception of art.

For this methodological procedure is to document analysis and is

structured as follows: Chapter I presents a brief history about the teaching of art

in Brazil. Chapter II deals with the rules of discipline and training courses for

teachers of Art. Chapter III deals with the philosophical influences of the

teaching of art and its onset in the classroom, in public schools in São Paulo;

curriculum proposals that impacted official documents in the public schools in

São Paulo, are in it are considered. Chapter IV emerges from reflection on

teacher training, converging to the design of the teaching of contemporary art.

Theoretical parameters considered were to: Ana Mae Barbosa (1985),

(1998), (2002), Mirian Celeste Martins (2007), LDB 5692 (1971), LDBEN 9395

(1996), NCP (2001), SEE / CENP / FDE (2006), SEE / CENP / FDE (2008),

Lisbon and Kerr (2005), MEC / SESu (1999) Alfredo Bosi (2000), CNE / CP

(2001), Deleuze and Guattari.

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Part of the documents regulating the teaching of Art and the training of

teachers in public schools in São Paulo. Thus allowing inferences and

conclusions about what was said.

Keywords: Education, Art Education, Design, Education

SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................10

1. As Artes na Educação Brasileira................................................................14

1.1 As influências do nacionalismo ideológico.................................................30

1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública, Por meio da Educação Artística.................................................................33

2. A formação dos professores para o ensino da Arte....................................41

2.1 Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas..................44

2.2 Informações sobre a formação do professor de arte..................................51

3. As influências no ensino da Arte na escola: do modernismo à contemporaneidade.......................................................58

3.1 Dewey........................................................................................................61

3.2 Deleuze......................................................................................................67

4. Formação do professor na concepção do ensino da Arte..........................77

4.1 Diretrizes Curriculares................................................................................79

4.2 Professor de Arte.......................................................................................83

Conclusão...................................................................................................94

Referências.................................................................................................97

Anexos......................................................................................................102

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INTRODUÇÃO

Um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, organização de poder,ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas sociais (DELEUZE e GATTARI, 1995, p. 16).

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Este trabalho discute a formação inicial do professor de Arte, que atua

na escola pública estadual de São Paulo. Uma formação inicial que apresenta

deficiências, desde sua implantação, na década de 70.

A principal deficiência, talvez, seja, que, no inicio, a formação desses

profissionais se deu ministrada por artistas, que não tinham como preocupação

organizar a teoria e a prática pedagógica, nem desenvolver a aprendizagem no

que diz respeito às linguagens e modalidades artísticas.

A necessidade de professores, formados em Arte, nas escolas públicas

estaduais, também foi um dos elementos de desqualificação na formação inicial

do professor que, por duas décadas, formou às pressas, para atender,

exclusivamente, a uma demanda de mercado.

A formação do professor de Arte é relativamente recente. Muitos

aspectos precisam ser pensados e, conseqüentemente, há muito que fazer.

Convém observar que o século XIX ainda se faz presente, ora como algoz, ora

como um aliado incondicional.

Por isto, muitos equívocos ainda assombram as aulas de ensino da Arte,

na Educação Básica. Dentre eles, os trabalhos manuais (artesanatos), não

como elemento de processo de criação e conhecimentos artísticos, mas como

mera técnica de produção em série e manuseio de materiais para trabalhos

que se transformem em, possível, renda ou a idéia de que a aula de Arte é

para acalmar, oferecer lazer e servir de prêmio ou castigo. A década de 90 foi

significativamente histórica na construção de documentos oficiais, que

refletiram mudanças na educação.

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O nome do curso para a formação de professores da disciplina de Arte,

da década de 70 à década de 90, foi “Educação Artística” com habilitação na

licenciatura plena para uma linguagem da Arte: “Artes Plásticas”, “Desenho”,

“Música” e “Artes Cênicas”, e era dedicados de um a dois anos com currículo

nas linguagens/modalidades, citadas na lei 5.692/71 – Artes Cênicas, Música e

Artes Plásticas – e de um a dois anos últimos com currículo específico para

uma linguagem/modalidade da Arte.

Ocorre que desde os últimos anos da década de 90, as universidades

estão mudando a nomenclatura, deste curso, para Licenciatura em ‘Artes

Visuais’, ‘Música’, ‘Artes Cênicas’ ou ‘Dança’ e com o programa curricular

específico na linguagem da nomenclatura do curso.

Desde a década de 80, os professores da categoria discutem os

princípios da disciplina, o quê e como ensinar Arte na Educação Básica.

Em 1992, foi publicada a proposta curricular para o Ensino de Educação

Artística 2º Grau – Versão Preliminar – pela Secretaria de Estado da Educação

de São Paulo, elaborada pela Equipe da Coordenadoria de Estudos e Normas

Pedagógicas (CENP), onde trata da defesa sobre o conhecimento “Arte”, no

singular, por ser entendido como um conceito, composto por linguagens e

modalidades, que traçam os caminhos da compreensão e interpretação do

sensível e subjetivo que compõe a humanidade e sua multiculturalidade:

O conhecimento do mundo advém desta forma, de um processo onde o ‘sentir’ e o ‘simbolizar’ se articulam e se completam. Contudo, não há linguagem que explicite e aclare totalmente os sentimentos humanos. (...) só podem se dar através de uma consciência distinta da que se opõe no pensamento racional. Uma ponte que nos leva a conhecer e a expressar os sentimentos é então a Arte (...). Se para estes pensadores o conhecimento reside no sentir, pensar, fazer, construir, compreender, simbolizar, basta-nos mostrar que na Arte, estão presentes sentimento, razão, produção, construção, simbolização, representação de mundo, expressão, para concluirmos que a Arte é conhecimento (SEE, 1992, p 34)

A CENP é um órgão da SEE, que se destina ao desenvolvimento dos

documentos que regem a prática pedagógica e a formação continuada dos

professores.

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E desde a elaboração da proposta curricular, de 1992, defende o ensino

da Arte na educação pública estadual, como área de conhecimento que

percorre caminhos para ampliar o contato com a arte por meio da compreensão

de suas linguagens, modalidades e estética, rompem as fronteiras das

linguagens artísticas percebe e converge para a compreensão da Arte como

um todo.

O empenho deste órgão na formação continuada dos professores de

Educação Artística é o de provocar os professores a trafegarem nas linguagens

artísticas. Enfim, na década de 90 se inicia por parte deste órgão a concepção

do “Ensino da Arte” nas escolas, com bases no período histórico do termino de

30 anos regidos pela ditadura militar e o ideal de educação libertadora, que

concebe o cidadão do mundo, capaz de ler e representar o mundo, respeitando

as diversidades culturais e promotor de atitude cidadã na construção dos meios

para melhorar e conservar a qualidade de convivência, vislumbrando as

transformações sociais e pessoais que instaura o século XXI.

Na década de 2000, o Ministério da Educação (MEC) estruturou as

Licenciaturas em uma linguagem artística específica “Artes visuais”, “Teatro”,

“Música” ou “Dança”, contudo a Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo (SEE) contratou ou efetivou professores de Arte para trabalhar as quatro

linguagens artísticas, na sala de aula, como querem os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Curricular da SEE de São Paulo,

independentemente da formação inicial.

Neste momento da história do ensino de Arte nas escolas, a Secretaria

de Estado da Educação de São Paulo (SEE) elaborou a proposta curricular, a

ser implementada na rede no ano de 2008 e sua proposta estruturada e

cumprida a partir de 2009. Nesta proposta é oferecido conteúdos e processos

de seqüência didática, nas quatro linguagens da Arte.

Por conta do exposto, esta pesquisa discutirá a incompatibilidade entre a

formação inicial e a formação continuada, dos professores de Educação

Artística da rede. Só é possível oferecer formação continuada, para os

assuntos conhecidos pelos professores. A questão é desvendar o que melhor

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atende ao aluno do século XXI, se o professor formado no conceito como um

todo ou o especialista em um fragmento do conceito.

Capítulo 1

As artes na educação Brasileira

Costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par teoria/prática remete, sobretudo a uma perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra “reflexão” e expressões como “reflexão crítica”, “reflexão sobre prática ou não prática”, “reflexão emancipadora” etc (BONDÍA, 2002, p. 20).

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A história do ensino da Arte no Brasil é recente e está se construindo

buscando os caminhos de tratamento da educação escolar.

Luta incansavelmente para não perder espaço na grade curricular,

contudo seu calvário está na formação inicial dos professores da educação

básica.

Este trabalho dispõe de breve relato histórico sobre o ensino da Arte,

para discorrer sobre os caminhos escolhidos na sua importância e os principais

nomes de educadores, que interpretaram (e interpretam) os filósofos John

Dewey e Gilles Deleuze, cuja concepção de ensino fundamentada nesses

autores influenciou por meio de documentos oficiais o ensino da Arte na rede

pública estadual de São Paulo.

Ana Mae Barbosa (1985) interpretou John Dewey através dos olhos dos

modernistas brasileiros, com o qual montou a história do ensino da Arte no

Brasil. E Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (1999) interpretam Gilles

Deleuze construindo a história do ensino pós-moderno da Arte contemporânea.

Este capítulo se desdobra com a história do ensino da Arte e, aos olhos

de Barbosa, às influências dos modernistas. Seu livro Teoria e Prática de

Educação Artística (1985) é a contextura histórica de concepção de ensino da

Arte.

O percurso histórico não terá aprofundamento, em respeito a toda

produção histórica, constituída por Ana Mae Barbosa. Além do que, sua

produção é suficiente para as reflexões deste trabalho.

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Reconheço que há muito a explorar ainda, nas produções acadêmicas

sobre a história do ensino da Arte, contudo é um vasto material para outro

trabalho mais específico neste tema.

Inicio a explanação no Brasil Colônia. O ensino da Arte, no Brasil, entrou

pela porta do capricho e do status que manteve a tradição européia de

civilidade e dos bons costumes, constituindo no século XIX, a concepção do

ensino de adorno. Com o ensino destinado às jovens de alta classe, era

sinônimo de nascimento em família abastada ser capaz de fazer uma bonita

pintura e delicados objetos de adorno, no período colonial.

As escolas católicas no Brasil do século XIX subjugavam a Arte a

serviço da educação de moças prendadas, ou seja, tocar piano, fazer perfeitas

cópias de paisagem a óleo ou a carvão, bordar com perfeição, por exemplo,

eram indicadores de educação refinada e de alta classe. Não existia qualquer

espécie de programa de ensino de Arte para meninos.

Era a arte de desenhar, de tocar piano e de produzir trabalhos manuais

que as moças precisavam aprender para mostrar boa educação, refinamento,

status social e angariar um bom casamento.

Como os trabalhos manuais, o ensino da música inicia no Brasil com a

Companhia de Jesus e mais tarde, nos colégios fundados pelas congregações

religiosas católica e protestante, o estudo de música fez parte do currículo

escolar, destinado para as elites e em especial a educação feminina nos

internatos.

Conhecer os consagrados artistas da Europa, reconhecer seus signos,

suas especificidades e saber reproduzir como eles, faziam parte da educação

de excelência e o reconhecimento da elite de educação refinada.

O desenho era tratado como trabalho manual, um conhecimento técnico

desvalorizado pela aristocracia, porque os estudos que não estivessem

relacionados com a Medicina, a Engenharia e o Direito das Universidades da

Europa, não tinham mérito. Como também, os estudantes que não chegassem

a terminar seus estudos na Europa não tinham nenhum reconhecimento.

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Esta atitude aristocrata de negar o conhecimento técnico frustra as

primeiras tentativas de implantação do ensino técnico no Brasil do século XIX,

como já acontecia nos Estados Unidos. E apesar da necessidade de

desenvolvimento técnico para melhorar o cotidiano, só se dava valor ao estudo

de Letras, Filosofia e Artes, existente na Europa.

D João VI foi o criador das primeiras escolas técnicas e científicas no

Brasil, numa tentativa de alavancar o desenvolvimento das profissões liberais e

técnicas, estando o desenho entre as últimas opções. Também foi o criador da

primeira Academia de Belas Artes, ainda no século XIX, iniciando esse projeto

quando trouxe a “Missão Francesa”, que criou em 1816.

Somente depois de dez anos começou a funcionar a instituição que seria

a nossa primeira Escola de Belas Artes e sua intenção não foi democratizar o

ensino da Arte, pois segundo a pesquisadora Barbosa (1985), a Missão

Francesa cultuava a beleza e o neo-academismo, atribuindo o sucesso artístico

ao dom e os árduos exercícios técnicos; como consequência, o acesso ao

conhecimento da Arte se revelava à elite.

No Brasil Colônia, não havia dança na escola. As famílias que

frequentavam os salões, onde dançavam as modas da Europa, contratavam

professores de dança para ensinar a domicílio, nos conta Maria Enamar Ramos

(UFERJ) no seu artigo BAILES BRASIL COLÔNIA/IMPÉRIO (2007). No artigo,

relata que

fazia parte do aprendizado das meninas ler, escrever, fazer trabalhos de agulha e tesoura, gramática portuguesa e francesa, aulas de piano, canto e dança (UFERJ, 2007, p. 66).

Os Jesuítas catequizavam os habitantes encontrados nestas terras, em

sua descoberta, utilizando-se do teatro, da música e da dança.

As décadas de 1870 e 1880 marcam a queda da monarquia no Brasil e,

sob as influências do liberalismo americano e o positivismo francês surgem,

com a República Velha, novas leis de política educacional e à inclusão do

desenho geométrico, para desenvolver a racionalidade (BARBOSA, 1985, p.

43).

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O desenho geométrico, considerado trabalho manual, era ministrado aos

meninos, porque a geometria é base para a Engenharia. Às meninas era

destinado o aprendizado de bordado, costura, pintura e artesanato.

Renata Marcílio Cândido e Rita de Cassia Gallego (FEUSP) em seu

artigo ENGENDRAR TEMPOS E IDENTIDADES: AS FESTAS NO CALENDÁRIO ESCOLAR E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFESSORES (1890 – 1930) citam que por volta de

1910 a 1917, na Escola Modelo Caetano de Campos em São Paulo, as

comemorações cívicas eram organizadas por professores, os quais

selecionavam os melhores alunos para a decoração, conforme a

comemoração, dando um aspecto festivo ao ambiente e preparava um

programa a ser executado no dia da festa, dividido em duas partes: a primeira

inicia com o professor explicando sobre a data e seguindo uma seção cívica

composta por discursos, poesia, apresentações teatrais (monólogos ou

diálogos), dança e música; a segunda parte, apresentação de trabalho escrito e

uma gravura que sintetizava a festa (2003, p. 8).

O referido artigo ainda cita que por volta de 1925 muitas críticas

surgiram, por meio da imprensa escrita da época, expressando a idéia – a qual

ainda se ouve – que a produção criativa, utilizando as linguagens artísticas

pelos alunos, toma tempo e inutiliza o aprendizado da escola.

Este relato da imprensa é um importante registro sobre o contato dos

meninos com as linguagens artísticas na escola. Neste período, a Escola

Modelo Caetano de Campos era exclusivamente de meninos; mais uma vez o

conceito de arte como elemento dispensável se tornava burburinho entre os

tradicionalistas. O desenvolvimento de habilidades artísticas desperdiçava

tempo destinado ao conhecimento da língua, do cálculo e da técnica que

davam bases para os estudos nas Universidades da Europa.

No Brasil República, a dança, quando acontecia na escola, tinha como

parceria a Educação Física e sempre voltada para as danças folclóricas.

Influência do nacionalismo ideológico dos Modernistas, que defendia a difusão

da cultura popular.

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Por volta da década de trinta, houve incentivo para a exploração das

danças populares, por parte do pensamento pedagógico vigente

escolanovismo, que tentou trazer para a educação a concepção de Livre

Expressão, na qual o aprendizado acontece permeando o cotidiano cultural do

aluno.

A Escola Nova foi uma idéia americana de John Dewey, que influenciou

Anísio Teixeira, levando-o a estudar com o próprio Dewey nos Estados Unidos.

A influência de Dewey fez com que Teixeira defendesse a concepção de

escola para todos, na qual seu currículo propicie o convívio participativo e

colaborativo, desenvolvendo hábitos e ações para o bem comum, além do

conhecimento por meio dos conteúdos curriculares.

E a livre expressão, originada no expressionismo, teve a idéia de que a

Arte não é ensinada, mas expressada. Os introdutores dessa idéia, no Brasil,

foram Mario de Andrade e Anita Malfatti. Ambos se empenharam em

orientação e pesquisa sobre a expressão e o desenvolvimento cognitivo,

contudo houveram equívocos no entendimento da concepção, nos trabalhos

em sala de aula.

Como não havia um programa de ensino da Dança, como a Música, os

alunos traziam para dentro da escola o que conheciam fora dela, em relação às

danças. E ainda assim o fazem.

O Teatro era considerado uma extensão da literatura e somente era

lembrado para as festas de comemorações e, como a Dança, apesar da

tentativa, como o Serviço Nacional de Teatro, por exemplo, de formar os

professores para trabalhar com os conceitos educacionais do teatro, não há

registros de programa de ensino na escola.

A constituição de 1934, no artigo 150, dispunha que era competência da

União fixar o Plano Nacional de Educação, relativo ao ensino de todos os

graus, como também coordenar e fiscalizar sua execução no território nacional.

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Além disso, constitucionalizou o Conselho Nacional de Educação e

atribuiu-lhe a responsabilidade sobre a elaboração do Plano Nacional de

Educação para ser aprovado pelo poder legislativo.

Tantas manifestações investidas para estruturar e organizar a educação,

gerou entendimento pedagógico limitado, como por exemplo, o de Teixeira e

Azevedo que entenderam a livre expressão como meio de liberação emocional,

influenciados pelas pesquisas psicológicas de Freud e o entendimento norte

americano (BARBOSA, 1985, p. 45).

Dewey, filósofo norte americano que é a principal influência do

pensamento escolanovismo, não foi compreendido na sua teoria sobre a

experiência em arte que foi interpretada pelo Movimento da Escola Nova como

livre expressão e virou fazer por fazer nas escolas.

As décadas de 20, 30 e 40, com Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e

Anísio Teixeira, foram importantes para o início da construção legal de uma

educação institucional, de responsabilidade governamental, gratuita e

destinada para todos.

Este é o período que nasce a Escola Nova e seus acordos e impasses

legais e o processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, na década

de 40 e com a Constituição de 1946, culminou na Lei 4.024/61de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional.

Todo um evento político, cuja participação de Teixeira em suas

tentativas de disseminar a concepção de Dewey sobre educação, tem

importante contextualização histórica. Porém, neste trabalho, vamos nos ater

nas especificidades e desencadeamentos sobre o ensino da Arte.

Em 1948, foi criada a Escolinha de Arte do Brasil, por iniciativa do

educador Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro.

A idéia foi propiciar um espaço para experienciar a expressão

espontânea, cuja vivência já havia ocorrido no ateliê de Anita Malfatti e na

Biblioteca Municipal de São Paulo com Mario de Andrade.

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A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas,

Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades

artísticas no processo de educação das crianças na escola pública.

Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores

para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas

tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de

Educação Artística.

Essa idéia, com Augusto Rodrigues, ganhou fôlego e parceiros da

música, da dança, do teatro e se espalhou por várias regiões. E o que a

princípio foi destinado à crianças e adolescentes, passou a tratar da formação

de professores. Novos horizontes se abriram para outros conceitos de Arte-

Educação, e o objetivo mais difundido passou a ser o desenvolvimento da

capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p. 46).

Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as

discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com

ênfase na criação e no processo individual. As influências do educador

Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo

individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são

indissociáveis. No entanto, sem dados expressivos de ocorrências de

transformações nas salas de aula.

Com a Lei 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961,

o canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho,

Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar.

Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas

aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para

assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de

belas artes e etc, podiam assumir essas aulas.

A Lei 4.024/61, em seu Título VI, capítulo II, no artigo 25, promulga que

a escola primária tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades

de expressão da criança e sua integração no meio físico e social. Este Título

foi todo revogado pela Lei 5.692/71.

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Na mesma Lei, no Título VII, artigo 38, parágrafo 1, alínea b e incisos IV

promulga sobre o Ensino Médio, compreendido nesta época por ensino ginasial

e colegial, destinado a adolescentes que terminaram o ensino primário e se

submeteram a exame de admissão na primeira série do Ensino Médio, indica

que atividades complementares de iniciação artística, compõe as normas de

organização anual desta modalidade.

A influência dos estudos de Anita Malfatti e Mario de Andrade assegurou

a atividade de desenho na escola, apesar de seus equívocos. E a influência da

obrigatoriedade do ensino do canto orfeônico, fez com que essa prática

continuasse nas escolas.

Na década de 60, o Golpe Militar de 64 e a Reforma Universitária de 68

influenciaram diretamente e devastadoramente o ensino da Arte e a formação

dos professores.

Em 1971, na nova Lei 5.692 de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, com o título de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo

escolar como Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas:

Artes Plásticas, Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28).

A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º Graus 5.692 de 11

de Agosto de 1971 – que foi revogada pela Lei 9.394/96 – no seu Capítulo I, Do

Ensino de 1º e 2º Graus, Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral

e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos

currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto a

primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969.

Aparentemente, essa lei é um passo para definir a matéria Educação

Artística, pois a partir da 5.692/71 ocorre o início dos cursos de formação, em

nível superior do professor de Educação Artística. Contudo, os cursos são

estruturados às pressas para atender a urgência de demanda.

Os conteúdos, as práticas pedagógicas e os embasamentos filosóficos

sobre concepção de ensino da Arte passam longe de serem discutidos nesses

cursos de formação de professores.

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Na SEE, após a Lei 5.692/71 foi publicado o Guia Curricular de

Educação Artística. Em 1976, a Lei passa a vigorar no Estado de São Paulo e

a falta de professores preparados para assumir as aulas, ou atividades

educacionais, faz do guia curricular a principal fonte de orientação dos

professores e dos livros didáticos.

Ocorre que o Guia Curricular de Educação Artística – documento oficial

elaborado com a finalidade de orientar o trabalho docente – não explicitava

fundamentos teóricos e também não apresentavam uma linha metodológica

que discutisse as funções do ensino da arte nas escolas.

Como, também, não apresentava fundamentações sobre a importância

da arte no currículo escolar, esta atividade ficou solta, sem ancoragem e sem

sentido.

O guia apresentava um rol de objetivos e atividades de expressão

corporal, musical e plástica divididas por faixa-etária (SEE/CENP, 1997, p. 11).

Assim sendo, os professores procuravam conforto na desconectada

prática dos trabalhos manuais, na transmissão de modelos e técnicas, no canto

de hinos cívicos e na aplicação de adornos, fácil de encontrar nos poucos livros

didáticos destinado ao ensino da Arte na escola.

Estes cursos de formação não atendiam a demanda de professores em

São Paulo e com a regulamentação dos cursos de formação de professores em

nível superior, nas licenciaturas em Educação Artística de curta duração e a

habilitação plena em Artes Plásticas, Cênicas ou Música, fez com que as idéias

sobre desenvolvimento da criatividade, expressão, subjetividade, estética e

experiência se tornassem assuntos distorcidos e mal compreendidos pelos

professores e nos cursos de formação em nível superior, que estruturaram os

cursos em técnicas e fazer artístico sem reflexão.

Nos anos 80, surgiu o Movimento Arte-Educação com a união da

educação e da cultura, ou seja, os professores de Educação Artística

(educação) e os profissionais dos equipamentos culturais, que ensinavam

Page 24: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

dança, música, teatro, arte circense, pintura, etc (cultura) se uniram para

discutir o ensino da Arte dentro e fora das escolas.

Reuniram profissionais da Arte-Educação do país para discutir novos

rumos para o ensino da Arte e reivindicar formação acadêmica coerente com

teoria e prática do desenvolvimento da criatividade.

Teve início as manifestações contra a formação em Educação Artística,

cujo ensino não leva em consideração as discussões pedagógicas sobre a

aprendizagem e criatividade, nem organiza encaminhamentos para a melhoria

do ensino e aprendizagem em Arte.

Neste período a Teoria Triangular de Ana Mae Barbosa, que trata de

estudos sobre educação estética, estética do cotidiano e ressalta o

encaminhamento pedagógico-artístico que tem por premissa básica a

integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua

contextualização histórica é difundida no país por meio de projetos como os do

Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da

Fundação Iochpe (PCN, 2001, 3ª Ed., v. 6, p. 31).

A Teoria Triangular passa a ser o ponto de partida nas discussões sobre

formação de professores, ensino de arte nas escolas e arte-educação.

Ainda nesta década, em 1983 ocorre a estruturação da CENP, um órgão

ligado a SEE, com objetivo de estruturar orientação curricular aos professores,

da alfabetização aos conteúdos curriculares das disciplinas. É a configuração

de equipe didático/pedagógica para a formação continuada dos professores da

rede.

No ano de 1986 a primeira Oficina Pedagógica é estruturada na antiga

Décima Delegacia de Ensino, atualmente Diretoria de Ensino Leste 2. A idéia

de criar a Oficina Pedagógica foi para subsidiar os professores da jurisdição,

conforme orientação da legislação e currículo do sistema de ensino estadual de

São Paulo.

Page 25: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Atualmente, a SEE possui uma Oficina Pedagógica para cada uma das

91 Diretorias de Ensino, no Estado de São Paulo, subordinadas a CENP.

Em 1988 ocorre a implantação da jornada única no Ciclo Básico e a

inclusão do ensino de Arte e da Educação Física por professor especialista,

nas séries iniciais, com objetivo institucional de pôr em contato o professor

especialista e o professor das séries iniciais, para dialogar e estruturar

planejamento pedagógico e desenvolver trabalho que atendesse aos interesses

e necessidades da aprendizagem dos alunos em processo de alfabetização e

letramento.

Para tanto foi necessário que o professor especialista se conscientizasse

da importância do seu trabalho no auxílio ao processo de alfabetização e

soubesse refletir sua práxis na ampliação de repertório expressivo/artístico e

cultural dos seus alunos.

A reflexão da práxis abre as asas do pensamento educador, quando se

consegue fazer conexões entre a prática e (ou com) a fundamentação teórica.

No dia-a-dia, em tempo real, o outro me ajuda a perceber a pertinência

de um processo do ensino e a aprendizagem.

Nos livros, em momento atemporal, o outro me ajuda a desvendar o

conhecimento perceptivo e os possíveis caminhos de organizar um plano de

processo do ensino e a aprendizagem.

O programa do Ciclo Básico encerra em 1995 com avaliação negativa do

processo, sem atingir o objetivo institucional.

Os professores especialistas e os professores das séries iniciais não se

entenderam, porque falavam línguas diferentes.

O professor de Arte não entendeu nada sobre alfabetização e

letramento, além da angústia de não ter experiência e nenhuma referência

sobre a faixa-etária dos alunos das séries iniciais.

Page 26: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Do outro lado da história, o professor das séries iniciais se sentiu

enciumado em dividir a atenção dos alunos com outros adultos, além de não

entender nada sobre a proposta dos especialistas. E nem podia entender, pois

conforme a resolução, os professores das séries iniciais ficavam de janela –

aula vaga – durante as aulas dos especialistas.

Foi uma experiência que não trouxe bons momentos a escola, como um

todo. A gestão – compreende direção e coordenação – teve que administrar

conflitos na relação entre a equipe da escola e conflitos administrativos com a

excessiva ausência dos professores especialistas e a desorientação sobre

como formar a equipe de professores para atender o objetivo institucional.

Poucos casos isolados fizeram história de sucesso neste programa, em

todo o Estado de São Paulo.

Nos anos 90, a Teoria triangular de Barbosa foi a base dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) em Arte, Barbosa torna-se referência no ensino

da Arte em todo o país.

Os PCNs mobilizam novas tendências curriculares em Arte, pensam na

contemporaneidade e trata a disciplina por Arte, respeitando as reivindicações

do Movimento Arte-Educação.

Entre 1996 e 2001 o ensino da Arte passou por sufoco intenso, porque o

professor de Arte só tinha aulas da 5ª a 8ª série do ensino Fundamental e na 1ª

e 2ª série do Ensino Médio. O (a) Diretor (a) da escola escolhia entre 1 e 2

aulas semanais, nas quatro séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e

2 aulas semanais na 1ª série do ensino médio e , raras vezes, na 2ª série do

ensino médio.

A diminuição do número de aulas desestimulou os professores de Arte

contratados a continuar na carreira do magistério e os cursos de licenciatura

em Educação Artística ficaram em risco da inexistência.

Os professores efetivos da rede eram minoria neste período. A maioria

dos professores de Arte eram contratados.

Page 27: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

O número de professores habilitados neste período não era expressivo,

com a diminuição destes, sobravam aulas para os pedagogos, arquitetos e

todos profissionais liberais e professores de outras disciplinas que

apresentassem histórico dos cursos superiores, com carga horária em

disciplinas relacionadas à comunicação, expressão e arte autorizadas por

resolução de atribuição de aulas, que são publicadas em Diário Oficial do

Estado (DOE) anualmente, antecedendo o processo inicial de atribuição anual.

Se o professor habilitado vivenciava o conflito de não se sentir ancorado

no ensino e aprendizagem escolar, do distanciamento da fundamentação

teórica e, até, da desvalorização na escola, é difícil imaginar a práxis dos

outros profissionais, cuja única referência das aulas de arte eram suas próprias

vivências, enquanto estudantes do ensino fundamental e médio.

A partir de 2002, o ensino de Arte foi contemplado pelas novas regras da

grade curricular do ensino fundamental e médio. O ensino da Arte passou a ser

obrigatório com duas horas aulas semanais nas quatro séries finais do ensino

fundamental e nas primeiras e segundas séries do ensino médio.

Em 2003 a SEE/CENP estruturam a implantação do projeto Arte nas

Séries Iniciais, com a inclusão do professor especialista de Arte em duas horas

aulas semanais nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, conforme

Resolução SEE 184 de 27/12/2002, determinando que o professor da classe

acompanhe e auxilie as aulas dos especialistas, desenvolvendo trabalho que

atenda as necessidades de aprendizagem dos alunos de alfabetização e

letramento.

Para a estruturação desta nova tentativa de ter o professor de Arte – e

Educação Física – especialista nas quatro séries iniciais do ensino fundamental

I foi pensado, pela CENP, o acompanhamento deste processo.

Um ponto relevante do insucesso do programa do Ciclo Básico, pensado

pela atual equipe de Arte e Educação Física na CENP, foi a ausência do

professor da classe. Por conta disso, a resolução determina que o professor da

classe acompanhe as aulas dos especialistas.

Page 28: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Além da questão legal, houve a contratação de Artistas, Mestres e

Doutores, especialista em Música Yara Caznoc, em Dança Lenira Rengel, em

Teatro Flavio Desgranges e em Artes Visuais Edith Derdyk, para elaboração de

projetos de trabalho nas linguagens/modalidades, destinados a faixa-etária dos

alunos, com acessória de Maria Terezinha Telles Guerra e a equipe de Arte da

CENP com Roseli Cassar Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. Em orientação

centralizada, com todos os professores coordenadores da área de Arte das 90

diretorias de Ensino do Estado de São Paulo (SEE/CENP/FDE, 2006, p. 3).

Este processo se tornou o registro oficial O ensino de Arte nas séries

inicias – ciclo I em 2006. Contem os projetos elaborados, relatos

fundamentados do processo e registro das atividades realizadas por

professores de diversas jurisdições.

O processo aconteceu da seguinte forma: os professores coordenadores

da área de Arte das Diretorias de Ensino, um para cada jurisdição, se reuniam

com os especialistas, vivenciavam, discutiam, refletiam, construíam,

questionavam e apreendiam a proposta de cada projeto e, cada um na sua

jurisdição repassava as orientações, proporcionava, o mais parecido que se

conseguia a vivência, discussão, reflexão, construção, questionamento e

apreensão da proposta de cada projeto com os professores – dispensados das

aulas, em horário de trabalho, para essas orientações, conforme resolução

SEE 121/90 (revogada pela resolução 62/2005) – com materiais específicos,

construídos, alternativos e nutrição teórica (textos dos especialistas). Todos os

professores saíam do encontro com cópia do projeto e algum material de apoio.

Os professores voltavam para as classes com a responsabilidade de por

em prática a proposta do projeto recebido, apresentar o projeto para a equipe

de professores e o Professor Coordenador da escola, em Horário de Trabalho

Coletivo (HTPC), para discussão e envolvimento da escola.

Diferente do ocorrido no ciclo básico, quando as aulas foram atribuídas

aos professores especialistas sem a menor orientação, neste novo projeto os

professores tinham encontros periódicos e subsídios para a realização do

trabalho em sala de aula.

Page 29: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

No entanto, os professores ficaram delimitados a refletir, discutir,

questionar e se nutrir de fundamentação teórica nos limites das propostas dos

projetos e na elaboração teórica destes especialistas.

A meu ver, a formação continuada de professores deve promover a

autonomia do professor, para construir suas perguntas e saber escolher o

caminho das suas respostas. Para isso o encontro com os professores se faz

importante e pertinente.

Não é um processo que traz resultados imediatos. É um longo caminho

de provocação do pensar e ancorar o saber.

Estou pontuando, depois de muito refletir sobre Ensinar não é transferir

conhecimento (FREIRE, 1996, p. 52) que o objetivo dos encontros com os

professores limitou-se ao fazer acontecer cada projeto na escola.

Contudo, os encontros periódicos com os professores foi fortificante para

a disciplina e abalou a cultura velada do desprezo pelo ensino da Arte nas

escolas.

O ensino da Arte respira com alívio nessa nova fase, os professores de

Arte se sentem estimulados com as novas regras e o expressivo aumento do

número de aulas de Arte.

O quadro de professores efetivos na rede sofreu pouca alteração, em

função do concurso público em 1998.

A Resolução SEE 1 de 06/01/2004 altera a 184 e o ensino de Arte nas

séries iniciais deixa de ser projeto e passa a caracterizar cargo para o

Professor de Educação Básica II (PEB II) de Arte.

Acontece um novo concurso público, em 2004, que aprova mais de

6.000 candidatos e todos os aprovados foram convocados para escolha entre

2005 e 2006. E o último concurso público em 2007, que aprovou mais de 3.000

candidatos.

Page 30: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Com o aumento do número de aulas de Arte, com a ampliação para as

aulas nas quatro séries iniciais do ensino fundamental e o incentivo do

programa de formação continuada da SEE e CENP na orientação geral

(centralizada) e as Oficinas Pedagógicas na orientação das jurisdições

(descentralizada), ocorreu um aumento expressivo de PEB II de Arte, efetivos

na rede.

De 2003 a 2009 houve um processo gradual de erradicação dos

professores de outras disciplinas e profissionais liberais com aulas de Arte

atribuídas, no processo de contratação de professores.

1.1 As influências do Nacionalismo Ideológico

Nacionalismo: Doutrina política que atribui à nação um valor absoluto, considerando uma determinada nação como superior às outras, valorizando tudo o que é nacional em detrimento do que é estrangeiro (JUPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 191).

O Nacionalismo Ideológico foi uma ‘bandeira’ dos modernistas, com

intuito de apresentar o Brasil aos brasileiros e enaltecer a cultura nacional.

A partir de 1920, o Brasil foi fortemente influenciado pelas idéias norte-

americanas sobre “desenvolvimento do impulso criativo” e através de Anísio

Teixeira e Nereu Sampaio, influenciados pelo pensamento de Dewey, começou

no Brasil movimento de inclusão da Arte na escola primária como atividade de

expressão artística, a “livre expressão” (ROSA, 2005, p. 30).

Trata-se da tentativa de fazer acontecer as idéias da “Escola Nova”, que

estava sendo discutida nos Estados Unidos e reformando o ensino de Arte nos

seus territórios. Mas, a sociedade brasileira não viu com bons olhos esse

movimento liderado por artistas irreverentes, modernistas como Mario de

Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti que intencionavam democratizar a

Arte, levando seus conceitos e fazeres para a escola pública.

No Brasil, o movimento escolanovista cresceu em intensidade após 1932, quando o Manifesto da Escola Nova, defendendo a adoção de uma pedagogia apropriada às necessidades da industrialização e às exigências democráticas, pregava a universalização da escola pública, única, laica e gratuita como requisito essencial para o

Page 31: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

progresso e o desenvolvimento do país (PINTO, LEAL e PIMENTEL, 2000, p.19).

A democratização da educação defendida por Anísio Teixeira –

Secretário de Educação do Distrito Federal no Rio de Janeiro – foi o elo entre

os homens da política, no estado de oposição com o estado de situação. Os

estudos sobre psicologia e comunismo traçaram as discussões sobre educação

como ciência e traz a criança as vistas de ser o centro do processo de

aprendizagem, a criança deixa de ser considerada adulto em miniatura e

fortalecem as pesquisas sobre aprendizagem, métodos e conteúdos escolares,

promovendo a inclusão da criança como sujeito (ROSA, 2005, p. .28).

Era uma elite conservadora querendo inovar para progredir, mas sem

abandonar suas raízes referenciais.

Dewey defendia educação libertadora, um direito a experiência vivida

onde habita a razão; contemporâneo de Teixeira, criticava a transmissão de

conhecimento como saber ligado a intelectualidade e memória e o fazer ligado

as técnicas emergentes do cotidiano. Criticava também, a preocupação da

educação tradicional com o futuro, o saber e o fazer agora, para servir ao

futuro.

A limitação do entendimento ao conceito de Dewey sobre educação,

está presente no seu conceito de experiência.

O saber, na educação racional – tradicionalista – já está pré-elaborado e

pronto para ser transmitido. O conceito de experiência de Dewey defende que

o aluno deve participar da construção do conhecimento, seu interesse deve

servir como instrumento para esta construção.

A passagem da República Velha pra República Nova na década de 30

do século XX estruturou a escola como a conhecemos hoje, com divisão por

conteúdo curricular, carga horária, divisão por faixa-etária de alunos e

concebeu a escola primária e secundária, com importante marco na Reforma

Francisco Campos para o ensino secundário (TENÒRIO, 2009, p. 4).

Page 32: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A história do ensino da Arte no período da Escola Nova é contada de

forma fragmentada. Conta-se sobre a história do ensino do desenho e da

música, separadamente. Como se não acontecessem para os mesmos alunos

e nas mesmas escolas.

É passível de compreensão que o ensino da música e o ensino das artes

plásticas (mais especificamente desenho) sejam contados distintamente.

Foram grupos diferentes, com interesses políticos diferentes que elaboraram

suas concepções de ensino da Arte.

Esta visão da educação se assentava numa convergência entre o pensamento de Durkheim (educação como transmissão da cultura e da tradição) e o de Dewey (educação como construção da experiência social), enriquecida por outras fontes como Marx Weber, Mannheim, Marx (PINTO, LEAL e PIMENTEL, 2000, p. 20).

E os artistas, os educadores e os políticos convergiam com o Ideológico

Nacional e com as idéias da Escola Nova.

Neste período havia um esforço político em enaltecer as tradições

nacionais, as cores iluminadas do território brasileiro, o imaginário nacional, as

manifestações populares em geral. Com essa idéia o Brasil construiu sua

identidade e passou a exportar sua força artística e política.

Da segunda metade da década de 40 até a primeira metade da década

de 50 a ditadura do governo Vargas se opõe aos liberais, que é o caso dos

Pioneiros da Educação Nova e Teixeira e Azevedo, defensores do

escolanovismo.

Teixeira vai para a Bahia e as práticas nas escolas públicas do Rio de

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – locais de ascensão dos ideais liberais –

passam a ser tradicionalistas e inacessíveis as idéias da livre expressão da

criança.

Com a queda de Getulio Vargas, os interesses nas idéias da Escola

Nova emergiram novamente e as práticas tradicionais do desenho clássico, o

geométrico e o canto decorado de músicas cívicas começam a ser

contestados.

Page 33: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A Escolinha do Brasil se espalha e se fortalece em convênios

estabelecidos com instituições privadas para formação de professores e passa

a prestar consultoria para o sistema público de educação.

1.2 A política em defesa do ensino da Arte na escola pública, por meio da Educação Artística

Para o ensino da música, Heitor Villa-Lobos foi personalidade muito

relevante nas décadas de 30 a 50. Executou um projeto nacionalista, com

intuito de oferecer alfabetização musical em massa, nas escolas públicas.

Apesar de Villa-Lobos ter sido o principal nome deste período, não se

pode deixar de citar que em São Paulo, Carlos Alberto Cardim, João Gomes

Júnior e os irmãos Lázaro e Fabiano Lozano são educadores que trabalharam

o canto orfeônico, como forma de socialização da música, já na década de 20

(LISBOA e KERR, 2005 p. 3).

O projeto de Villa-Lobos teve início no Rio de Janeiro, por meio do

Decreto nº 19.890, assinado pelo presidente Getulio Vargas em 18 de abril

1931, tornou o canto orfeônico disciplina obrigatória nos currículos escolares

nacionais. Foi posteriormente substituído pela disciplina educação musical, por

meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024, de 1961.

Mario de Andrade e Anita Malfatti, influenciados pelo expressionismo e

com interesses na psicanálise freudiana, introduzem a idéia da livre expressão

para crianças em São Paulo. Era a idéia que a Arte não pode ser ensinada,

mas expressada.

Por meio do desenho, foi entendido por muitos que a missão da Arte na

Educação era a de promover experiências terapêuticas. Isso movimenta

entusiasmados artistas e psicólogos, que foram os grandes divulgadores

desses novos conceitos de Arte-Educação, através do desenho.

Contudo, na primeira metade do século XX, o desenho foi trabalhado na

escola de forma contraria às concepções escolanovista. Foi trabalhado como

Desenho Geométrico, Desenho Natural e Desenho Pedagógico com

Page 34: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

metodologia que centrava no professor os modelos a ser transmitidos aos

alunos em um aspecto funcional, imediato, que visava desenvolver habilidades

para o mercado de trabalho. Era longe de ser uma experiência estética.

No regime republicano de Getulio Vargas, a idéia de democratização da

arte foi a oferta de acesso a toda população de alunos de qualquer classe

social.

E para garantir esse acesso, além de instituir obrigatoriedade do ensino

de música, canto orfeônico e o direito da atividade de desenho. No entanto, por

questões da política do período, nas escolas públicas o canto orfeônico eram

de caráter folclórico, cívico e de exaltação; e o desenho era um trabalho de

transmissão de técnicas e modelos.

Neste período, Heitor Villa-Lobos defende a música, e o músico, na

educação pública brasileira. As ações de Villa-Lobos abrem as portas para que

artistas de outras modalidades encontrem os caminhos de enaltecer seus

trabalhos, fazendo sobreviver a Arte como importante área da cultura neste

país.

Villa-Lobos através de seu prestígio como artista, profissional e político

desencadeou meios de sobrevivência dos artistas brasileiros, em um período

histórico marcado por guerras, recessões e crises financeiras, num lugar onde

a cultura nacional estava disposta a esquecer-se da Arte e do artista.

O Brasil estava interessado em crescer economicamente investindo em

tecnologia imediatista, que melhorasse e resolvesse os anseios da vida

cotidiana de forma rápida e eficiente. Para tanto, o artificial da vida moderna

torna-se mais cobiçado que o natural, quando nos referimos a alimento,

vestimenta, utensílios de uso pessoal, eletrodomésticos, automotivos,

tecnologia indústria e escritório, como também a medicina.

Neste contexto cultural, Villa-Lobos escreveu um memorial ao

Presidente Getúlio Vargas, que foi entregue em 12/02/1932, que consta como

anexo desta dissertação, do qual selecionei partes para discorrer análise:

Page 35: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

... vem o signatário, por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, não obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte.

Villa-Lobos demonstra a Vargas sua preocupação com a inatividade

profissional dos artistas deste país. Ele comenta sobre os artistas plásticos,

artistas do teatro e da dança, da poesia e, principalmente, os músicos.

O elo político entre as idéias modernistas e as idéias do positivismo

republicano foi o ideológico nacional. Um ímpeto de enaltecer o produto

nacional: a cultura, as crenças, a técnica e a indústria nacional.

Desenvolvimento era compreendido, pela gestão Vargas, como domínio

industrial e tecnológico; com meios imediatistas de saúde pública e

desenvolvimento urbano. Contudo, com a influência dos modernistas –

liderados por artistas – desde culinária à toda expressão artística

tradicional/folclórica, havia interesse político e investimento para divulgação,

até mesmo internacional, do produto desta nação. E foi neste contexto que

Carmen Miranda foi lançada ao sucesso internacional.

Outro trecho importante do memorial, para ser analisado:

Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor poderá fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro, sobretudo se for lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará mais agravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição.

Como homem político Villa-Lobos defendeu a Arte e o Artista, como

educador defendeu o ensino obrigatório de música para democratizar em todas

as classes sociais e em todo o país a identidade musical nacional. E, por tanto,

os músicos como profissionais a serviço da educação.

E, por fim:

Mostre Vossa Excelência senhor presidente, aos derrotistas mentirosos ou aos pessimistas que vivem não acreditando num milagre da proteção do governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de fato lutador consciente e realizador, tornando,

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incontinenti, numa realidade o Departamento Nacional de Proteção às Artes. E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas, que bendirão toda a existência de Vossa Excelência. - Seu humilde patrício. Heitor Villa-Lobos.

Desta forma, com o apoio governamental, Villa-Lobos deu seus

primeiros passos para criar cursos de música e canto orfeônico, no intuito de

instrumentalizar os professores. Pode-se considerá-lo como o precursor –

acredito que inconsciente – da Escolinha de Arte do Brasil, como também, de

estruturar currículo do ensino da Arte no Brasil, como está no momento.

Não por suas idéias e metodologias, mas por seu ímpeto em

organização e articulação política.

Acredito que Villa-Lobos não teve a intenção de estruturar o currículo do

ensino de Arte, no qual o professor tenha formação inicial incompatível com a

função de Professor de Arte e a incumbência de trabalhar música, dança teatro

e artes visuais – como acontece com o PEB II de Educação Artística na

Secretaria de Estado da Educação em São Paulo – contudo o meio encontrado

por ele, na estruturação da obrigatoriedade do ensino de música, abriu

caminhos para outras modalidades da arte também fixarem importância na

formação escolar da educação básica.

O programa de formação de professores, estruturado por Villa-Lobos,

esbarrou em dificuldades na orientação aos professores, pois o ensino da

linguagem musical não é estruturado da mesma forma que nos conservatórios,

numa teoria baseada nos aspectos matemáticos da linguagem musical e

memorização das peças para o canto orfeônico, como ordena o ensino

tradicional.

A relação do ensino da música com a metodologia tradicionalista nas

escolas públicas foi alvo de críticas, pelos defensores do escolanovismo.

A partir de 1948, com a criação da Escolinha de Arte do Brasil, pelo

artista e educador Augusto Rodrigues no Rio de Janeiro, novos horizontes se

abriram para outros conceitos de Arte-Educação, e o objetivo mais difundido

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passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora (BARBOSA, 1985, p.

46).

Foi um período rico para o ensino da Arte, porque trouxe à tona as

discussões sobre um ensino voltado para o desenvolvimento do aluno, com

ênfase na criação e no processo individual. As influências do educador

Augusto Rodrigues vinham de autores e artistas que defendiam o processo

individual e que compreendiam que o conhecimento artístico e a expressão são

indissociáveis. No entanto, não dados expressivos de ocorrências de

transformações nas salas de aula.

Foi importante momento de discussão com os professores em formação,

por convênio com as secretarias ou por procura espontânea.

A Escolinha de Arte do Brasil reuniu profissionais das Artes Plásticas,

Teatro e Música interessados em estabelecer as linguagens/modalidades

artísticas no processo de educação das crianças na escola pública.

Empenharam-se em organizar sequências didáticas para ensinar professores

para trabalhar a expressão artística na escola. Mais tarde esses programas

tornaram-se currículo para o ensino superior, na formação de professores de

Educação Artística.

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, o

canto orfeônico é substituído por Educação Musical e o ensino de Desenho,

Desenho Geométrico e Artes Plásticas também fazem parte do cenário escolar.

Porém, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores para essas

aulas e, por conta disso, professores de outras matérias com habilidades para

assumirem essas aulas ou artistas e estudantes de conservatórios, escola de

belas artes e etc, podiam assumir essas aulas.

Em 1971, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com

o titulo de Educação Artística, a arte foi incluída no currículo escolar como

Atividade Educativa a ser trabalhada nas linguagens artísticas: Artes Plásticas,

Artes Cênicas e Educação Musical (PCN, 2001, V. 6, p. 28).

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No entanto, por se tratar de Atividade somada à falta de formação adequada

nas linguagens das Artes Plásticas, das Artes Cênicas e Educação Musical, foi

importante empecilho para o entendimento do professor sobre sua função, o

quê e como ensinar.

Consequentemente houve professores que buscaram conforto nos

trabalhos manuais, outros nos livros didáticos inspirados nos documentos

oficiais, os quais não orientavam referências teóricas e nem explicitavam

fundamentos teóricos/metodológicos.

Os cursos de formação Educação Artística, no intuito de atender a

demanda desse novo mercado estavam voltados para transmissão de técnicas,

sem base conceitual e sem levar em conta a própria história que desencadeou

na nova lei.

Nos anos 80 surgiu o movimento Arte-Educação que uniu professores

de Educação Artística e profissional dos equipamentos culturais, com intuito de

rever e propor novos andamentos à ação educativa em Arte (PCN, 2001, V.6,

p. 30).

Este foi um período de força dos grupos organizados. Com a

promulgação da constituição de 1988, as Diretrizes e Bases da Educação

precisou ser pensada para atualizar-se no cenário pós-moderno.

Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, na qual contém os dizeres:

O ensino de Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (LDB, 1997, 7ª Ed., p. 38).

Com fortes influências do movimento modernista, a LDB de 1996 nos

traz o conceito de educação básica: educação infantil, ensino fundamental e

médio; oferta gratuita, laica, obrigatória e de direito a todos.

A introdução do documento nos relata sobre os impedimentos de não se

ter atingido, no final do século XX, as metas de alfabetização em massa,

continua inatingível a universalização do ensino fundamental, escrito no

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Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (MPEN) no inicio desse século, por

conta da falta de valor devida à educação, por parte dos que mais precisam

dela (LDB, 1996, 7ª Ed., p. 7).

O manifesto escrito em março de 1932, foi assinado por vinte e seis

importantes nomes na defesa da Educação Nova deste país, entre esses

nomes estão Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, políticos defensores do

Movimento Escola Nova.

É um documento que registra crítica, por parte dos Pioneiros da

Educação Nova, sobre o tratamento arcaico e inadequado destinado a

educação, os quais apresentam entender ser um dos pilares do

desenvolvimento de um país.

(...) se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é possível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais (...) Onde se procura a causa principal (...) é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação (...) na falta do espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura (MPEN, 1932).

O documento MPEN, em anexo, revelou um plano de reforma

educacional, que implicou na obrigatoriedade da educação laica, unificada para

todos. É uma proposta que responsabiliza o Estado a oferecer educação

gratuita em todos os níveis e estabelecer as diretrizes para todo o território

nacional.

Na década do século XX que foi sancionada a Nova LDB, a introdução

do documento ainda revela que o número de escolas públicas do ensino

fundamental oferecia 95% das vagas (p. 7). No entanto, a avaliação – que

gerou a Nova LDB – constatou que houve muitos equívocos estruturais no

âmbito físico e no currículo. E a Cultura da Repetência reforçava a

desvalorização da educação nas famílias mais humildes incitando a atração por

Page 40: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

abandonar a escola para ajudar no trabalho da família ou ingressar no mercado

de trabalho.

O processo da história da educação demonstra que, mesmo sujeito a

negação, parte-se de primícias a edificação nessa concepção de unidade.

No que diz respeito ao ensino da Arte, os documentos oficiais são

fundamentais na sua estruturação, contudo é apenas o inicio.

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CAPÍTULO 2

A formação dos professores para o ensino da Arte

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça (BONDÍA, 2002, p. 21).

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Até a República Nova, eram os artistas que ensinavam Arte. Bastava

profissionalizar-se, enquanto artista, ou comprovar habilidades, para ser

convidado ou contratado para a atividade da música ou do desenho na sala de

aula.

Com as ações de Villa-Lobos, para a defesa da Arte e do artista na

educação brasileira, a formação do professor precisou ser pensada, para

atender aos objetivos educacionais e a própria defesa da importância da Arte

na formação cívica e cultural dos cidadãos brasileiros. E para tanto foram

criados e organizados cursos de especialização em canto orfeônico para

professores, voltados para o ensino dessas linguagens nas escolas.

Villa-Lobos se empenhou no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, para

socializar o canto orfeônico. Enquanto Diretor de Serviço de Educação Musical

e Artística – SEMA – do Departamento de Educação Complementar do Distrito

Federal, fundou cursos de aperfeiçoamento e especialização, organizou

grandes eventos com apresentações públicas com muitas vozes – incluindo

alunos, professores e Militares – e, neste momento, os primeiros registros da

inclusão de dança nas escolas, em parceria com Educação Física.

Nos programas orfeônicos, difundidos pelo SEMA, uma das atividades

culturais organizadas eram os Bailados Artísticos que consistiam num

programa em que participavam alunos selecionados das escolas públicas –

alunos revelados pelo ensino de educação física e estudantes de desenho que

demonstrassem aptidão para a cenografia, com a finalidade de criar bailados

com temática essencialmente brasileira.

Continuando o empenho da educação musical e artística, por Villa-

Lobos, no ano de 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4.993, de 26 de novembro,

foi estabelecido o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (CNCO), criado

pelo Ministério da Educação e Saúde. Essa instituição tinha como incumbência

formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos estabelecimentos de ensino primário e de grau secundário, estudar e elaborar as diretrizes técnicas gerais que devam presidir ao ensino do canto orfeônico em todo o país, realizar pesquisas visando à restauração ou revivescência das obras de música patriótica que hajam sido no passado expressões legítimas de arte brasileira e bem

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assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de cantos populares do país, no passado e no presente e promover, com a cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país (VILLA-LOBOS, 1937, p. 22).

E aos poucos, o surgimento de cursos em outros Estados subordinados

à fiscalização e regulamentação do CNCO, que passaram ao controle do

Governo Federal.

Já em 1943, em São Paulo, o Instituto Musical São Paulo – sob a

direção do Maestro João Batista Julião – mantinha o curso de Canto Orfeônico,

equiparado ao modelo CNCO e em 19 é criado, a partir do Instituto Musical

São Paulo, o Conservatório Paulista do Canto Orfeônico e o Conservatório

Estadual de Canto Orfeônico de São Paulo (CECO) em 1951, criado a partir do

Curso de Especialização de Professores de Canto Orfeônico que existia, desde

1949, anexo ao Instituto Caetano de Campos na capital paulista.

É no decreto-lei nº 9.494, de 22/07/1946, que promulga a Lei Orgânica

do Ensino de Canto Orfeônico (que contém, entre outros, os programas e a

grade curricular a ser ministrada no CNCO), que define as diretrizes para

preparar os candidatos a ministrar aulas de canto orfeônico nas escolas

publicas em âmbito nacional.

A Escolinha de Arte do Brasil, criada em 1948 pelo artista e educador

Augusto Rodrigues com bases na livre expressão tinha como preocupação em

compreender a Arte como expansão da imaginação, criatividade, intuição e

inteligência. O processo de trabalho era espontâneo e o papel do professor era

de estimulador da atividade. O aluno deveria deixar aflorar o conhecimento,

através do material existente. Sendo, sem dúvidas, um trabalho de formação

de professores que disseminou uma pratica pedagógica que ainda

reconhecemos na escola (ROSA, 2005, p. 33).

Além da formação de professores, em canto orfeônico, houve a

necessidade de formar profissionais técnicos na área de serviços de cópias,

gravação e impressão de música, devido ao aumento da demanda decorrente

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da expansão dos horizontes da prática orfeônica, percebido e oferecido pelo

órgão CNCO, dirigido por Villa-Lobos até o ano de sua morte em 1959.

2.1 Sobre a organização do canto orfeônico nas escolas públicas

Villa-Lobos declara:

Nas escolas primárias e secundárias, o que se pretende, sob o ponto de vista estético, não é a formação de um músico mas despertar nos educandos, as aptidões naturais, desenvolvê-las abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhes os institutos superiores da arte onde é especializada a cultura (VILLA-LOBOS, 1937, p. 23).

O canto orfeônico é uma modalidade francesa de iniciação musical. Sem

exigir grande conhecimento de técnica vocal ou estrutura harmônica, é possível

conhecer basicamente estrutura sonora, praticar os conhecimentos reunidos ao

conjunto de vozes, sem as exigências e especificidades da profissionalização

do canto coral.

Pode-se observar que o ensino de música nas escolas públicas foi

estruturado por legislação, enquanto que a Escolinha de Arte e as demais

tentativas de formação de professor, para a inserção da linguagem artística do

teatro e desenho na sala de aula para crianças e adolescentes foram iniciativas

informais, que buscaram expressão no convencimento dos seus argumentos.

O Manifesto Pioneiro da Escola Nova, também conhecido como

Manifesto dos Modernista, na primeira metade do século XX, cita plano para:

função educacional, processo educativo, reconstrução educacional e formação

de professores.

Sobre a formação de professores o Manifesto Pioneiro da Escola Nova,

conhecido como Manifesto dos Modernistas observa:

Se o estado cultural dos adultos é que dá diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-las (MPEN, 1932).

O Manifesto defende a formação universitária dos professores. Critica

sobre os professores universitários que atuam na formação docente não serem

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do magistério e não conhecerem sobre os problemas didático/pedagógicos na

escola. E explicita maus salários dos professores de educação primária.

Os elaboradores do Manifesto Pioneiro da Escola Nova avaliam que a

escola não pode ser isolada. Pois, por meio da educação se forma a

sociedade, portanto a escola tem que fazer parte da sociedade, se relacionar

com a família, com outras instituições da comunidade e com empresas, no

intuito de fazer parte e estimular o sentimento de pertencimento e valorização

da escola.

Os próprios modernistas estimularam a permanência de artistas na

educação pública, como por exemplo, Anita Malfatti contratada para ministrar

aulas de desenho para crianças e os músicos contratados como instrutores de

canto orfeônico nos cursos de formação para professores de educação

musical.

O Serviço Nacional de Teatro, sob a orientação de Orlando Miranda,

resolveu contratar especialistas em Teatro Educação para ministrar cursos

intensivos, com a colaboração das Secretarias de Educação de diversos

Estados.

Seguindo os modelos de cursos em desenho e música, tinha o objetivo

de oferecer aos professores bases para desenvolverem trabalhos

fundamentados nos conceitos de Teatro na Educação, para derrubar a idéia

equivocada de montagem de pecinhas ou organização de comemorações

cívicas (SLAD, 1978, p. 9).

Os cursos foram realizados em muitas partes do Brasil, com programa

planejado para sessenta horas e se desenvolvendo e ampliando para mais dois

cursos de complementação com sessenta horas cada.

Com a Lei 5.692/71, a arte é incluída no currículo com o título de

Educação Artística, como atividade educativa. A Lei define que a formação dos

professores para esta atividade educativa ocorre em nível superior.

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Com a regulamentação da formação em nível superior do curso de

Licenciatura em Educação Artística de curta ou plena duração, conforme a Lei

5.692/71, utilizou-se os programas dos cursos de formação foram as bases

estruturais da matriz curricular do nível superior:

CAPÍTULO V Dos Professores e Especialistas Art. 29. A formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se as diferenças culturais de cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos educandos (LDB 5.692/71).

Pensar em fases de desenvolvimento dos alunos sob a forte influência

da educação tecnicista justifica os equívocos cometidos no entendimento do

conceito Arte a favor do desenvolvimento do sujeito, cuja Arte é inerente.

O conhecimento, de qualquer componente curricular, é propositor

de ordenações internas que se articulam e desenvolve criatividade, raciocínio e

ampliam o vocabulário e as referências, pessoais, transformando em

instrumentos de formação e transformação do sujeito e o meio em que vive.

Saber construir um objeto artesanal ou reproduzir movimentos de uma

determinada dança não representa desenvolvimento educacional, pessoal ou

profissional. Contudo, conhecer um objeto artesanal, sobre a região onde ele é

produzido, o pensamento de quem o produz, o material que a natureza local

oferece a tonalidade praticada por conhecimento técnico e o pensamento

estrutural que define o objeto como “Artesanato” ou conhecer sobre os

movimentos de uma dança regional/étnica, entender como o movimento

representa a cultura local, a composição com o figurino e a estrutura sonora e

conhecer o pensamento estrutural sobre o movimento cênico desencadeia

articulações internas que ampliam repertório e experiência íntima, que auxiliam

em escolhas/decisões necessárias para viver como cidadão atuante.

A partir da lei 5.692/71, o ensino da Arte nas escolas e a formação dos

professores sofreram influências de leis federais, como a Constituição de 1988:

Constituição de 1988:

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CAPÍTULO III DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO Seção I DA EDUCAÇÃO (...) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. (...) Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (...) Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (Constituição de 1988).

Este texto é uma introdução, para entendermos sobre as

regulamentações que influenciaram o ensino de Arte e a formação dos

professores de Arte na educação básica.

Para tanto a legislação que regulamenta a formação de professores, Lei

5.692/71, orienta o currículo da educação superior. Necessita esclarecer e

definir as bases filosóficas, que argumentam as orientações.

Em continuidade da lei:

Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau; b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1o grau, obtida em curso de curta duração;

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c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena. § 1º Os professores a que se refere a letra "a" poderão lecionar na 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando em três, mediante estudos adicionais correspondentes há um ano letivo que incluirão, quando for o caso, formação pedagógica. § 2º Os professores a que se refere a letra "b" poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2ª série do ensino de º grau mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo há um ano letivo. § 3º Os estudos adicionais referidos aos parágrafos anteriores poderão ser objeto de aproveitamento em cursos ulteriores. Art. 31 As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais referidos no § 2º do artigo anterior serão ministrados nas universidades e demais instituições que mantenham cursos de duração plena. Parágrafo único. As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais, de preferência nas comunidades menores, poderão também ser ministradas em faculdades, centros, escolas, institutos e outros tipos de estabelecimentos criados ou adaptados para esse fim, com autorização e reconhecimento na forma da Lei (Lei 5.692 de 1971).

Os professores de educação musical, desenho e artes manuais – neste

período – não tinham formação nos termos da lei.

Passou-se longo período para que os interessados em lecionar, nesta

área do conhecimento, na educação concluíssem todo o processo de

educação superior. Trata-se do período na nossa história em que chegar a

matricular-se em educação superior era para poucos.

E mesmo para poucos, quando se trata de formação inicial em Arte, o

currículo e seus mestres deixaram muito a desejar, principalmente quando

confundiram linguagem artística com formação específica do artista.

E por depender da procura dos candidatos neste componente curricular

da educação básica, consequentemente, a falta de professores com formação

superior, fez-se prever na lei:

Art. 34 A admissão de professores e especialistas no ensino oficial de 1º e 2º graus far-se-á por concurso público de provas e títulos, obedecidas para inscrição as exigências de formação constantes desta Lei. Art. 40 Será condição para exercício de magistério ou especialidade pedagógica o registro profissional, em órgão do Ministério da Educação e Cultura, dos titulares sujeitos à formação de grau superior.

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CAPÍTULO VIII Das Disposições Transitórias Art. 77 Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não bastar para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionem, em caráter suplementar e a título precário: (...) c) no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma relativo à licenciatura de 1º grau. Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professores, após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar: (...) c) nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau, candidatos habilitados em exames de suficiência regulados pelo Conselho Federal de Educação e realizados em instituições oficiais de ensino superior indicados pelo mesmo Conselho. Art. 78 Quando a oferta de professores licenciados não bastar para atender às necessidades do ensino, os profissionais diplomados em outros cursos de nível superior poderão ser registrados no Ministério da Educação e Cultura, mediante complementação de seus estudos, na mesma área ou em áreas afins onde se inclua a formação pedagógica, observados os critérios estabelecidos elo Conselho Federal de Educação (Lei 5.692/71).

Uma análise do ensino da Arte nas escolas públicas desde o século XX,

passando pela regulamentação da disciplina de Educação Artística, a formação

de professores e os impasses da contemporaneidade, com conteúdos em Artes

Plásticas, Música, Dança e Teatro conforme a Lei 5.692/71 nos revela sobre as

tendências em sala de aula da especificidade do assunto em Artes Plásticas,

hoje se referindo as Artes Visuais, por conta da formação inicial dos

professores, cujo ensino superior cada vez mais se preocupa com a

especialização da parte e não a formação do todo.

Os estudos científicos, realizados no Brasil, sobre o ensino da Arte nas

escolas tem início na ECA –USP São Paulo, com foco nas artes plásticas e

história da arte.

Creio que por tratar-se de atividades com técnicas definidas passo a

passo e a facilidade de transmiti-las para serem executadas individualmente –

o mesmo comando – essas práticas do ensino das artes plásticas e história da

arte – focado na pintura – passaram a fazer parte da formação inicial dos

professores e reproduzida, por estes, nas salas de aula da educação básica.

No primeiro ano da formação em Educação Artística, que cursei na

década de 90, em Artes Plásticas I no final do primeiro semestre, este curso

Page 50: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

era anual, a professora ensinou a confeccionar lanternas chinesas, que

tradicionalmente são usadas como adorno nas festas juninas.

Cursei Educação Artística com Habilitação Plena em Música, no entanto

nos dois primeiros anos como professora das séries finais do primeiro grau e o

segundo grau eu sentia-me segura apenas para trabalhar Teatro, porque tive

um histórico de formação informal neste assunto.

Com as 5ª e 6ª séries eu arriscava transmitir técnicas básicas, que

aprendi na formação em Educação Artística, como por exemplo confecção de

tintas nas cores primárias e confecção de suportes alternativos. Neste caso o

objetivo das aulas foi trabalhar a teoria das cores.

Tanto mais é possível trabalhar com essa prática no que se refere à

criatividade, composição, escolas artísticas, imaginação, estilo, equilíbrio e etc.

Contudo, me detive na experiência pessoal da formação inicial.

Por ter participado da história, que agora questiono, eu também

desconfio da formação continuada conforme as legislações, em anexo,

Resolução SEE 121/90, que foi revogada pela resolução 62/05, que dispõe

sobre a formação continuada do professor da rede estadual de ensino nas

modalidades Orientação Técnica, Curso de Extensão e Curso de Atualização,

por órgão central SEE (Secretaria de Estado da Educação) e, ou, por órgão

regional OP (Oficina Pedagógica da Diretoria Regional de Ensino), pois

conforme publicação de Políticas Educacionais SEE

O planejamento do Programa de Formação Continuada definirá prioridades e sistemáticas de capacitação, buscando aliar o trabalho de fundamentação teórica com as vivências efetivas da rede, preferencialmente com momentos de implementação e desenvolvimento de atividades no local de trabalho. A SEE também irá coordenar a produção e distribuição de materiais didáticos e de divulgação pedagógica que sejam fundamentais para o sucesso dos processos de aprendizagem ou que contribuam para explicitar aos educadores aspectos que são vitais ao seu trabalho, como é o caso, por exemplo, de o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e como avaliar (SEE, 2006, p. 13).

Para ser continuidade da formação inicial, se faz importante que o

assunto seja do conhecimento do professor. Algo que foi visto na sua formação

Page 51: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

inicial e que a formação continuada ofereça as diretrizes do como ser

trabalhado, o assunto, no sistema de ensino com objetivo de sucesso da

aprendizagem dos alunos.

Esta forma de formação continuada se faz presente nas demais matérias

do currículo e em alfabetização. No entanto, não é presente no ensino da Arte

porque a formação inicial do professor é compartimentada em uma

linguagem/modalidade artística.

Quando um professor com formação inicial em Artes Visuais, por

exemplo, não teve noção de Música, não é possível dar continuidade ao

assunto Música, por questões óbvias.

A Equipe de Arte da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas

Pedagógicas), órgão da SEE (Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo), realizou pesquisa nas Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo,

questionando quantos professores de Educação Artística (Arte) atuavam, em

2006, na sala de aula nos seguimentos: Ciclo I (Ensino Fundamental das

quatro séries iniciais), Ciclo II (Ensino Fundamental das quatro séries finais) e

Ensino Médio; qual habilitação, em sua formação inicial.

As 90 Diretorias de Ensino distribuiu, em forma de questionário, a

pesquisa para as escolas de sua jurisdição, recolheu os questionários

respondidos pelos 3.880 professores na rede, neste ano, e tabulou os dados

transmitindo-os para CENP. O gráfico dos resultados foi este:

2.2 Informações sobre a formação dos professores de Arte da Rede Pública Estadual de São Paulo.

Page 52: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

(CENP, 2006).

O desenho e os trabalhos manuais foram as formas mais procuradas

pelos professores, no ensino escolar porque atendia aos interesses de

mercado, por conta da história do ensino clássico/tradicional da Arte e, por

décadas, foram montando acervo de modelos e técnicas com letras, adornos,

geométricos, naturais, esquemáticos, artesanatos e etc.

O acervo dessas atividades foi trocado como figurinhas pelos

professores e foram parar nos livros didáticos dos anos da ditadura militar.

Com a gratuidade do ensino e sua oferta garantida pelo Estado, desde a

constituição de 1961, o conhecimento estético artístico passa a compor

importância no cenário educacional, por compreender conhecimento cultural

humano.

Na última década do século passado, o ensino da Arte nas escolas

ainda não encontrou terreno firme e incontestável para fixar e progredir

enquanto área de conhecimento, na história do ensino.

Por ser uma das áreas da cultura é mais que justificada sua

permanência no currículo escolar, no entanto somos produtores de uma

história que conta a desqualificação do artista na sociedade, no início do século

Page 53: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

XX, consequentemente o desinteresse por esta área da cultura na formação

escolar.

O processo histórico da educação brasileira deixou transparecer que o

ensino da Arte nas escolas atendia a interesses de desenvolvimento de

técnicas e conhecimento da utilização de materiais, de suprir necessidade do

mercado e sociocultural, sem discussão sobre cultura, diálogo, criatividade,

intuição... Isso é o que menos importa.

Com a LEI N. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as

diretrizes e bases da educação nacional, algumas revisões foram feitas para a

orientação sobre os professores habilitados para o exercício do magistério e os

interesses institucionais da educação brasileira, os quais estão registrados no

artigo primeiro:

Art. 1o A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1o Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social (9.394/96).

As revisões da Lei 5.694/71, que constituem a Lei 9.394/96, são

regulamentadas por decretos. Nesta Lei, também está definido os dois níveis

da educação básica, nas modalidades: educação infantil, ensino fundamental

e ensino médio e a educação superior.

O foco nos processos de ensino/aprendizagem e no desenvolvimento

das habilidades e competências, aumenta a necessidade da atenção na

formação inicial dos professores e ampliam-se as bases legais na formação

continuada, de responsabilidade das instituições educacionais, para compensar

as inconformidades da formação inicial, como por exemplo, o conhecimento

sobre pedagogia moderna, as relações entre a teoria/prática e os conteúdos

específicos da Arte; Arte para as séries inicias; Arte Contemporânea para

adolescentes e jovens; intersecção entre as linguagens/modalidades artísticas

e o desenvolvimento cultural dos educandos.

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A Lei continua a prever aproveitamento da formação e experiências

anteriores, no caso das licenciaturas. Ou seja, parece ser um estímulo para

interessados com formação em outros componentes, do currículo da educação

básica, e de outras áreas a interessar-se pela formação na licenciatura em

Arte, como se pode observar no seu Artigo 61:

Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades(Regulamentado pelo Decreto n. 3276/99). Art. 63 Os institutos superiores de educação manterão: (Regulamentado pelo Decreto n. 3276/99) (...) II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas e educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis; (LDB 9.394 de 1996).

As diretrizes da educação nacional e a formação de professores estão

entrelaçadas e ambos sofrem as influências e conseqüências da história que

produz.

O ensino da Arte, nesses moldes do trabalho com as quatro

linguagens/modalidades da arte, hoje tem amparo legal.

Ainda não citei os Parâmetros do Currículo Nacional, que também é

documento importante nessa discussão. Vou deixar para a discussão sobre

paridades e disparidades das influências filosóficas de Dewey e Deleuze, no

ensino da Arte na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.

Contudo, mesmo com os processos das políticas públicas para fazer

valer a concepção do ensino da Arte nas escolas públicas, é muito difícil a luta

contra a idéia do ensino da Arte ser encarado como momento de recreação. E

não podemos esquecer que além do despreparo dos professores ha, também,

falta de entusiasmo por parte de muitos.

Page 55: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Ouso crer, até então, que o desinteresse e o despreparo do professor

têm causa na formação inicial, por conta da especialização – muito superficial –

em uma linguagem/modalidade artística.

Nos livros de história da Arte, das décadas de 80 e 90, pode-se dizer

que é inexistente as relações com outras modalidades da arte além das Artes

Visuais.

Se Arte é inerente ao homem, o artista da imagem, música e artes

cênicas foi influenciado pelo mesmo pensamento do período, mesma política,

filosofia, mesmo massacre, beleza e descobertas.

Além do mais, não se pode deixar de perceber que o pensamento

registrado nas artes visuais é o mesmo na dança, música e teatro. Portanto

conhecer Arte é conhecer as formas como ela comunica o pensamento que

permeia o homem, sempre no presente de quem produz a manifestação

artística.

Saber ler esse pensamento em uma linguagem/modalidade artística e

não saber fazer conexões com as outras, poda o sujeito de ser conhecedor de

seu tempo, oferecendo sensação de incapacidade de entender o todo ao seu

redor. Dessa forma não se torna competente leitor do mundo que o circunda.

A Resolução SEE 121/90 – Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo – regulamenta a formação continuada dos professores, em efetivo

exercício, organizado por órgão centralizado (SEE/CENP/FDE) ou

descentralizado (Oficina Pedagógica) na Diretoria de Ensino Regional.

Esta Resolução foi revogada pela Resolução SEE 62/05, que mantém a

formação continuada dos professores em efetivo exercício e amplia para a

promoção de cursos de formação continuada gerenciados pelas Oficinas

Pedagógicas, fora do horário de trabalho dos professores, homologado pela

CENP com certificação regulamentada para evolução funcional dos

professores.

Page 56: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

O Conselho Estadual de Educação, na Indicação CEE nº 220/01, sobre

Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental no Sistema de Ensino do

Estado de São Paulo define como princípios:

Zelar por medidas que assegurem o acesso ao saber à todos os alunos

1. Valorizar a participação e a inserção infantil e juvenil nas escolas

2. Envolver as famílias no trabalho escolar

3. Promover controle social sobre a qualidade do atendimento educacional

A CCE Promulga para que o processo ensino e aprendizagem atenda as

orientações legais, com bases na pedagogia e na influência filosófica. Os

quais, para serem atendidos, há de se suprir os anseios dos professores,

quanto às deficiências da sua formação inicial.

Em resumo, este capítulo discorre sobre a história da formação inicial do

professor de Arte com bases na legislação.

Ao tomar como ponto de partida a Lei 5.692/71, podem-se elencar

inconformidades apresentadas por ter professores do Ensino Superior

especializados em uma das linguagens artísticas, com programa de formação

artística, não docente e sem noção sobre as dificuldades nos processos do

ensino da Arte para crianças e adolescentes, por não se ter conhecimento dos

estudos pedagógicos sobre didática e metodologia, filosofia da educação, Arte

na educação, fases da aprendizagem, organização discente, articulação

docente e investigação cientifica.

Apresenta inconformidades, também, por oferecer Licenciatura

compartimentada, com habilitação em uma linguagem/modalidade artística,

desconsiderando seu conhecimento como um todo e estimulando os

professores a conformarem-se com modelos copiados e descontextualizados

de técnica simplista e somente se conectando com os outros componentes

curriculares por meio de decoração ou a serviço de um conteúdo específico

que não o seu.

Page 57: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

No Estado de São Paulo, o professor com formação inicial em uma

linguagem/modalidade específica assume o cargo ou é contratado para

trabalhar quatro linguagens da Arte – Artes Visuais, Dança, Música e Teatro –

conforme orienta os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental (1997, p. 42).

Na bibliografia destinada para o concurso público de provimento de

cargo para Professor de Educação Básica II de Arte, constam autores que

discorrem sobre Dança, Teatro, Música e Artes Visuais; sobre a história, as

influências, as tendências e as conexões com a educação.

No último processo seletivo, para contratação de professores, em 13 de

dezembro de 2009, a prova foi dividida em duas partes: questões gerais e

específicas.

As questões gerais foram formuladas sobre assuntos de autores da

Pedagogia e com documentos da legislação e as questões específicas foram

formuladas sobre assuntos de autores da Música, da Dança, Teatro e Artes

Visuais.

E sobre os assuntos da Música, foram formuladas questões com termos

conhecidos por baixareis em Música, um vocabulário distante dos docentes de

educação básica (2009, p. 14-17).

Porém, conforme pesquisa da CENP, citada neste capítulo, 70% dos

professores tem formação inicial em Artes visuais, na rede pública estadual de

São Paulo.

Não creio que, diante dos dados da pesquisa da CENP, os alunos

deixarem de ter contato com música, dança e teatro, por conta da deficiência

na formação inicial do professor, venha a ser melhor solução.

Page 58: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

CAPÍTULO 3

As influências no ensino da Arte na escola: do modernismo à contemporaneidade

Na medida em que se crê na continuidade entre conhecimento comum e conhecimento científico, procura-se reforçá-la: busca-se considerar a ciência como uma atividade fácil, simples, extremamente acessível, nada mais que um refinamento das atividades do senso comum. Tal perspectiva, por sua vez, tende a ser a divulgação de uma falsa imagem da ciência, capaz de estimular processos de vulgarização excessivamente simplificadores e,por isso mesmo, crivados de equívocos (LOPES, 1996, p. 9).

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As idéias do Escolanovismo trouxeram à tona o estímulo à expressão

artística para crianças e adolescentes, na educação escolar.

Anísio Teixeira encantou-se pelos conceitos de John Dewey sobre

experiência e educação, quando foi aos Estados Unidos pela primeira vez.

Voltou ao Brasil em conflito com os próprios conceitos que defendia enquanto

“Diretor Geral da Instrução da Bahia” – 1925-29. Decidiu retornar aos Estados

Unidos para ter aulas com Dewey.

Ele teve contato com as escolas experimentais de Dewey, com

planejamento didático voltado para integração de atividades corporais, manuais

e intelectuais e sua concepção de educação libertadora, na idéia concebida de

liberdade para viver a vida, se relacionar com outras pessoas e construir

conhecimentos da experiência intrínseca do viver e se relacionar.

De 1932 a 1935, Anísio Teixeira foi Diretor Geral do Departamento de

Educação do Distrito Federal, no Rio de Janeiro – Capital do País na época – e

foi nesse período que se interessou pelas idéias dos modernistas, sobre

educação, e trouxe Villa-Lobos para desenvolver o trabalho de música na

escola, através do canto orfeônico.

Deu ouvido e vez para o desenvolvimento do trabalho de desenho na

escola e posteriormente na educação infantil, defendido por Mario de Andrade

e Anita Malfatti. Abriu as portas das discussões políticas entre grupos

opositores e uniu situação e oposição em pró do ideológico nacional.

Teixeira, ainda, foi recriador contextual das ideais de Dewey, contudo

limitado às suas concepções políticas.

Barbosa (2002, p. 64) lamenta o desinteresse de Teixeira pelas

concepções de Dewey sobre experiência estética. Essa concepção está ligada

a idéia filosófica de Hegel sobre o juízo do sensível; está inter-relacionando a

didática do ensino dos saberes escolares com o juízo sobre qual sujeito

constitutivo se deseja, para construir o meio social e as relações com o outro

na vida.

Page 60: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A história da educação brasileira deixou marcas esclarecedoras de que

o entendimento de Teixeira passou longe de Hegel, uma vez que o

aprendizado técnico utilitário à indústria e ao mercado foi o principal foco.

Com influências enraizadas no capitalismo liberal, a sua admiração pelo

pensamento de Dewey inevitavelmente o levou a interpretá-lo aproximando-o

da concepção industrial, capitalista; onde não encaixa igualdade de

oportunidade para todos.

No meu entender, a ênfase que dispensou para os trabalhos manuais e

os experimentos que pode por em prática fomentando sua interpretação de

Dewey sobre integração de atividades corporais, manuais e intelectuais foi um

entendimento limitado as suas referências pessoais e formação política de

Teixeira.

Teixeira vai para a Bahia, em exílio forçado pela ditadura da Gestão de

Vargas – 1935 a 1943 – onde fez a reforma da educação baiana. Retorna ao

cenário da educação nacional, a convite, para participar da redemocratização

do país, onde viveu a fase mais produtiva do seu trabalho – 1946 a 1960.

Nesse momento, com maior know-how sobre os experimentos de Dewey

nos Estados Unidos e sua concepção sobre educação, Teixeira põe em prática

seus conhecimentos, criando a Escola Parque na Bahia e em Brasília; o

Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas, com escolas-laboratório em

diferentes regiões do país e a Escola Guatemala (BARBOSA, 2001, p. 63).

Essas escolas experimentais foram inspiradas na escola criada por

Dewey na Universidade de Chicago, com ensino focado no desenvolvimento de

atividades manuais e corporais, para meninos e meninas.

Nelas, as atividades desenvolvidas ensinavam carpintaria, culinária,

trabalhos de tecelagem entre outras, enriquecendo a experiência vivenciada

pelo aluno com a mente e o corpo.

John Dewey, pensador americano, participante do movimento

pragmatista com Willian James e Charles S. Peirce, escreveu sobre Educação

Page 61: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

e Experiência e defendeu que a educação é um processo de contínua

construção e organização da experiência, pelo qual construímos

conhecimentos significativos, ampliamos repertório e com isso nos habilitamos

à melhor dirigir o curso da vida.

... O juízo e a inferência, caracterizarão as atividades vitais que implicam a dúvida e a inquirição (inquiry). Para Dewey, a inquirição experimental é fundamentalmente pratica, o que torna deveras perigoso, política e intelectualmente, isolar o conhecimento da ação. Dewey usa essas idéias não somente na teoria da educação, mas também na defesa da democracia (COGNITIO-ESTUDOS,v. 5, n.2, 2008, p. 198)

3.1 Dewey

O pensamento deweyiano, que influenciou Teixeira, tem como base a

defesa da democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a

maturação emocional e intelectual das crianças. No entanto, apesar de Teixeira

ter liderado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova defendendo educação

laica e igualitária e de acesso sem distinção, não conseguiu vencer a idéia

elitista de educação secundária ser de acesso restrito.

O acesso restrito a educação secundária perdurou até a década de 90,

com a reforma educacional da educação básica e a progressão continuada em

ciclos.

Para melhor entender, a interpretação de Teixeira sobre a concepção de

educação de Dewey influenciou o percurso de construção da concepção da

educação brasileira até a virada do século XXI.

Dewey declarou que o importante é educar a criança como um todo e

para o crescimento físico, emocional e intelectual é imprescindível que a

criança aprenda realizando tarefas contextualizadas, em seu meio, associado

aos conteúdos escolares ensinados.

Para este pensador, aprender implica em situações vivenciadas que

exige tomada de decisões, argumentação e reflexão pessoal. Será disto que

disseminamos o termo situação problema?

Page 62: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Compartilhar experiências, para Dewey é o caminho do desenvolvimento

do plano do professor. Gerar situações de experimentação, vislumbrar o

interesse do aluno, planejar o problema a resolver e compreender ação e

reflexão como um todo indivisível e primordial é o perfil daquele que promove o

aprendizado.

Dewey acreditou que só a inteligência da ao homem a capacidade de

modificar o ambiente ao seu redor. Defendeu que experiência e investigação se

apresentam como meios confiáveis para o conhecimento e formação de

indivíduos capazes de agir criticamente na vida social e reajustar seus valores

na medida em que se defrontam com os problemas concretos de sua época.

Teixeira organizou uma concepção de educação, que não conseguiu

fugir de pertencente ao pensamento liberal, que permeia na transmissão de

técnicas por meio de exposição dos procedimentos, para um resultado único,

considerado exato e incontestável.

Mudar essa concepção de ensino implicaria em desacordos políticos,

portanto, nem antes e nem depois de Teixeira, não houve preocupação em

refletir sobre os métodos de ensinar, mas em ensinar métodos técnicos. Por

mais que Teixeira se esforçasse em por em prática suas idéias experimentais,

em âmbito nacional.

No caso do ensino da Arte, o Desenho técnico, geométrico, por meio do

método clássico rigoroso em ângulos e retas, habilidade necessária na

indústria; canto orfeônico, um método de transmitir o cancioneiro nacional; a

expressão cênica, um método de expressar o pensamento vigente e controlar a

amostragem da cultura nacional.

Um ensino da Arte sem preocupação com o desenvolvimento da

criatividade, a leitura de si e do mundo ou a formação do sujeito.

Nereu Sampaio, considerado um interprete de Dewey no Brasil,

defendeu tese, em 1929, fortemente embasada nas idéias de Dewey no

capitulo Pensamento e Experiência do livro Educação e Sociedade do autor.

Page 63: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Sua defesa foi sobre a idéia de apreciação e gozo estético da natureza

como base para o desenvolvimento para a capacidade de desenhar; foi a idéia

sobre desenvolvimento da individualidade, por meio da integração com o

ambiente, utilizando de método de observação para desenhar (BARBOSA,

1998, p. 25).

A idéia sobre matérias úteis e o aprendizado de técnicas industriais e

domesticas na escola, desenvolveu a necessidade de instituir métodos de

ensino.

O imediatismo, por resultados práticos, os modismos, a ausência de

produção reflexiva e de parceiros de discussão que permeia a função do

docente da educação básica, provocou o equivoco sobre a confusão da crença

que metodologia e receituário fossem sinônimos a serviço dos preparos das

aulas.

As próprias citações de Barbosa sobre Dewey, em seus livros, não

transparecem métodos, mas reflexões de Dewey sobre o desenvolvimento da

capacidade do sujeito representar a si, a sua volta e o que o envolve.

O conceito de Dewey sobre experiência pode ser considerado o foco de

suas idéias. Pois a criança experiência uma vivencia e esta lhe desperta

reflexões que se apresentam como referências que ajudam a desenvolver

maturidade e a capacidade de representar idéias com o corpo, com a voz, com

o traço; esta experiência está intrínseca com o pensamento, o movimento e a

criatividade.

A experiência estética precisa ser significativa para despertar todo esse

envolvimento. Não há método técnico para um fim, mas há de se ter um

método de conduzir o ensino da Arte com intuito de despertar o envolvimento

particular da experiência estética das vivencias no espaço escolar.

Fomos arrebatados pela educação tecnicista. E até mesmo na defesa do

ensino da Arte, nos perdemos em querer encontrar enquadramento do conceito

Arte, no aprendizado de técnicas, estanques, de expressão por meio de

materiais.

Page 64: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Para o ensino da Arte, na concepção tecnicista, o conhecimento

contemplativo e intelectual como também a experiência estética da Arte não há

espaço de compreensão, nem função na aprendizagem escolar.

Dewey não dissocia educação e sociedade e levanta bandeira sobre a

responsabilidade da educação na formação do sujeito. Instiga o arrojo das

individualidades para a melhora do meio social.

... uma teoria corresponde aos fatos, quando ela leva aos fatos que são suas conseqüências, pelo intermédio da experiência (...) se trata de construir idéias de conduta. Ao enfatizar a importância da relação entre nossas crenças e nossas ações, o filósofo pragmatista abre as portas do futuro, da possibilidade e da criatividade (COGNITIO-ESTUDOS,v. 5, n.2, 2008, p. 211).

A idéia positivista impregnada na educação crê que mudança social

parte do desenvolvimento da racionalidade, pois somente através da razão é

possível deter, prever e dar rumo ao progresso social.

Fomos assombrados pela idéia do ensino tradicional que compreende o

ensino de desenho, música e artes cênicas, na escola, um meio de

desenvolvimento técnico que treina o profissional necessário para o mercado

de trabalho; a experiência do conhecimento se da na aprendizagem de

conteúdos úteis ao mercado industrial.

Diferente dessa concepção, a influência principal de Dewey foi, em

Teixeira, a idéia de educação unificada, de transformação e desenvolvimento

social e econômico por meio da educação. Contudo, pode-se perceber o

pensamento de Dewey, nas influências pedagógicas ocorridas na educação

escolanovista.

No artigo da revista periódica COGNITIO da PUC, o autor escreve que

Dewey defendeu o desenvolvimento da função criativa do sujeito. E no decorrer

da vida, a capacidade do pensar e mobilizar memórias das experiências

vividas, interfere e transforma as ações, por provocar reflexões ( 2008, p. 201).

A experiência, para ele, é a construção dos saberes da convivência

social e a mobilização dos processos mentais que transforma em

conhecimento físico, mental e emocional.

Page 65: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A escola precisa se organizar para propiciar vivencias que promovem o

conhecimento por meio do movimento corporal, da estética e o pensamento

rígido. É o processo de ensino que decide como organizar o despertar do

interesse, a percepção da realidade, a liberdade e o conhecimento.

A Escola Nova sofreu interferências pela concepção de educação

tecnicista, que fortemente ainda paira sobre prática de ensino na escola, e a

educação tradicional.

Essa concepção dialogava com as idéias do escolanovismo, pois para

Dewey a escola não prepara para a vida, é a própria vida. E essa idéia não é

compatível a um currículo organizado com conteúdos de matérias

desconectadas, compartimentadas e sem relação com o cotidiano do aluno.

Para Dewey, o currículo deve ser organizado para se relacionar com o

social, a realidade que circunda o aluno e o desenvolvimento intelectual, físico

e emocional.

Segundo Barbosa, a escola tem a responsabilidade de desenvolver

hábitos de ensino e hábitos de aprendizagem (2002, p. 61).

Creio que a concepção do pensamento de Dewey encontrou

incompatibilidades e, apesar dos fundamentos deweyiano nas discussões

brasileira sobre educação, o pensamento cultural – arraigado do classicismo

tradicional e o tecnicismo – transformou o ensino da arte em atividade de

desenho como atividade complementar às disciplinas da grade curricular e o

canto como democratização de uma linguagem universal em uníssono e as

artes visuais como elemento de decoração ou reprodução de técnica e as artes

cênicas como pesquisa empírica, de fora para dentro da escola, de teatrinhos e

dancinhas para apresentações em eventos escolares. Esta é nossa pesada

herança, para o fim do século XX.

A idéia de preparação para o trabalho e do empenho nas soluções

imediatas do coletivo, desde o século XIX, faz resistência ao discurso de

educação vocacional de Dewey, cuja experiência estética desenvolve a

maturidade para a vida em sociedade e a ocupação profissional.

Page 66: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Na década de 80, Ana Mae Barbosa defende o ensino da Arte

fundamentada no pensamento deweyiano e o interpreta através dos olhos de

SAMPAIO e TEIXEIRA, por meio de suas pesquisas.

Apesar de Dewey ser elemento de investigação científica sobre o

movimento expressivo do corpo, experiência musical e Experiência e Arte,

Barbosa optou por defender o ensino das Artes Visuais, por meio de leitura de

imagens.

A mim não está claro se sua opção ocorreu por conta de formalização da

investigação por recortes específicos e objetivos – conforme a ciência

positivista – nas décadas de 80 e 90, ou se por conta das deficiências da

formação inicial dos professores.

O que está claro, na obra de Barbosa, é que com bases na semiótica as

manifestações artísticas podem se transformar em imagens que expressam

signos, não verbais, a serem lidos, como um texto verbal.

Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular para o ensino da Arte, a

oferecer história da Arte (ler), leitura da obra (contextualizar) e o fazer artístico

(criar). Foi, a princípio, um projeto desenvolvido, enquanto Diretora do

MAC/USP – São Paulo – na década de 80. O objetivo do projeto foi aproximar

o público das obras artísticas em exposição, ampliando a abrangência para

alunos de escola pública e pessoas sem conhecimento sobre Arte.

O sucesso desse experimento projetou as idéias de Barbosa sobre o

ensino da leitura de obra de Arte nas escolas.

A idéias de leitura de obra de Arte nas escolas, entrou nas salas de aula,

de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental e o Ensino Médio, rotulado como

método de ensino da leitura de imagem, rotulado como Metodologia Triangular,

fomentado na época pela autora no livro A imagem no Ensino da Arte.

No livro Tópicos Utópicos Barbosa lamenta ter aceitado expressão

metodologia e escreve:

Page 67: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Hoje, depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia e construção de cada professor em sua sala de aula e gostaria de ver a expressão Proposta Triangular substituir a prepotente designação Metodologia Triangular (BARBOSA, 1998, p.33).

Provocar os professores para construírem metodologia própria, para o

ensino da Arte, foi a forma que Barbosa encontrou para despertar vivencias

significativas nas aulas de Arte, nas escolas, conforme sua interpretação de

Dewey e a pós-modernidade.

3.2 Deleuze

Na virada do milênio, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque emergem,

expressivamente, a concepção do ensino da Arte com bases na filosofia de

Gilles Deleuze, sobre Rizoma. Também com influências do pensamento pós-

moderno concebem o ensino da Arte por meio dos Territórios da Arte.

São pesquisadoras sobre Didática do Ensino da Arte, elaboradoras da

metodologia de Ensino da Arte do Instituto Arte na Escola e consultoras da

proposta curricular do ensino da Arte, a partir do ano de 2008.

A SEE e a CENP vem discutindo e estruturando a elaboração da nova

proposta curricular, com objetivo de atender as especificidades que surgiram

na contemporaneidade.

Problemas sobre aprendizagem, relação forma-conteúdo da educação

escolar e a preocupação com um currículo comprometido com seu tempo, fez a

SEE constituir equipe, coordenada por Maria Inês Fini – mentora da avaliação

do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – para elaborar e implementar na

rede estadual de ensino a nova proposta curricular que tem os seguintes

princípios:

I. Uma escola que também aprende – a concepção de escola que aprende

a ensinar

II. O currículo como espaço de cultura – conexão do currículo à vida

III. As competências como referência – a mobilização dos saberes na

experiência do conhecimento

Page 68: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

IV. Prioridade para a competência da leitura e escrita – habilidade e

competência para ler o mundo

V. Articulação das competências para aprender – aprender a continuar

aprendendo

VI. Articulação do mundo com o trabalho – formar cidadão

O conjunto desses princípios forma a estrutura da proposta curricular,

com os seguintes pontos:

• Uma educação a altura dos desafios contemporâneos;

• Compreensão do significado das ciências, das letras e das artes

• A relação entre teoria e prática em cada disciplina do currículo

• As relações entre educação e tecnologia

• A prioridade para o contexto do trabalho

• O contexto do trabalho no Ensino Médio

Sob a concepção de Guiomar Nano de Mello, Lino de Macedo, Luis Carlos

de Menezes, Maria Inês Fini e Ruy Berger (2008) :

A proposta do ensino da Arte, sem desmerecer a teoria triangular de Barbosa, inova na concepção de conexão das linguagens/modalidades da arte, mapeados nos territórios da arte, e conceito e conteúdo gerador do processo de ensino. (SEE, 2008, p. 41)

A composição dos territórios movimenta o pensamento circular em Arte:

I. Linguagens Artísticas

II. Processo de Criação

III. Materialidade

IV. Forma e Conteúdo

V. Mediação Cultural

VI. Patrimônio Cultural

VII. Saberes Estéticos e Culturais

A partir da obra de Iole de Freitas Estudo para Superfície e linhas,

instalação no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), Martins e

Page 69: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Picosque traçaram linhas, na imagem impressa da instalação, que se cruzavam

e revelavam pontos de conexão interligados, dando a idéia de um objeto único.

Elas fizeram relação com o conceito de Rizoma de Deleuze. Trata-se de

uma raiz sem núcleo, com tentáculos que se emaranham em um único objetivo,

que é a sustentação da planta.

Martins e Picosque nomeiam as conexões dos territórios no mapa como

gestalt visual. Partindo da composição do mapa dos territórios da arte é que se

apresentam os conceitos e conteúdos do ensino da Arte.

O mapa ajuda a visualizar os territórios da arte como formas móveis de construção e organização de outro modo de estudo de arte no contexto escolar. ‘O mapa’ assim, é utilizado como sendo um desenho, entre muitos outros possíveis, ligado ao conceito de rede, mostrando uma forma no tempo e espaço de caminhar por trilhas que trazem paisagens específicas para o estudo das artes visuais, da música, da dança e do teatro (SEE, 2008, E.M. 1º bim, v. 1, p. 9).

A contemporaneidade nos traz conceitos de Cultura Visual, a valorização

da Arte Pública, Patrimônio Cultural e Cidadão do Mundo.

Sem dúvida o conceito de rizoma, de Deleuze, é uma representação

contemporânea sobre as conexões entre sujeitos e conceitos, que independem

de distancias e sobrepõem fronteiras provocando liberdade e vontade de

conhecer.

Na articulação da cultura e produção, a arte se apresenta hibrida e

conectada a percepção do mundo conectado a várias realidades.

Não há gênero (masculino/feminino), mas sujeitos, que no passado era

homem ou era mulher. Hoje um sujeito pode ser uma e/ou muitas formas.

A obra de arte exposta inter-relaciona linguagens das modalidades

artísticas, expressa com liberdade atemporal, onde o ismo – da pós-

modernidade – não dá conta de particularizar mais nada.

Rizoma é um termo emprestado do vocabulário da botânica, que

significa um processo de ramificação aberta, que não tem um centro ou núcleo

Page 70: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

e pode expandir-se em varias direções, estabelecer conexões sem apresentar

limites.

O rizoma liga um ponto qualquer a outro ponto qualquer, num sistema

não hierárquico.

Os princípios do rizoma, conforme Martins e Picosque (2007, p. 3) são

assim definidos:

• conexão - qualquer ponto se conecta a outro qualquer

uma ou mais vezes.

• heterogeneidade - qualquer conexão ocorre sem

prejuízo, tudo é possível.

• multiplicidade - não há unidade, há um arranjamento

de linhas que podem até mudar sua natureza ao

conectar-se com outras, contudo não há bloqueios,

mas possibilidades.

• ruptura de hierarquização - não há direção única, nem

priorização de direção; não é possível distinguir inicio

e fim.

• cartografia - pode ser mapeado, apresenta diversas

possibilidades de direções e conexões, mostrando

variação de sentidos (MARTINS e PICOSQUE, 2007,

p. 3).

Foi tomada de empréstimo, a idéia de rizoma, como maneira de

apresentar diversas dimensões de saberes em Arte, oferecendo epistemologia

da Arte no âmbito do contexto escolar, delineando o lugar da Arte e a formação

cultural do sujeito.

Pensar nos saberes e entre os saberes potenciais para aprendizagem da arte germinou um mapeamento do território Arte & Cultura projetado numa possível cartografia para aprendizagem da arte e que

Page 71: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

se expande na sala de aula através de proposições pedagógicas (CELESTE e PICOSQUE 2007, p. 3).

No momento, apesar de Dewey ainda permear o pensamento sobre o

ensino da Arte, Deleuze – filosofo da multiplicidade – é interpretado, no Brasil,

e influencia a compreensão da dinâmica hibrida no conceito da Arte

Contemporânea, no ensino.

Dewey, filosofo pragmático e pedagogo norte-americano, escreveu em

1938 “Experiência e Educação” o qual foi interpretado, por Barbosa, como o

experienciar no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos

programáticos.

Deleuze, filosofo Frances contemporâneo, escreveu em 1980 “Mil

Platôs” – com a idéia sobre Rizoma na introdução – o qual foi interpretado, por

Martins e Picosque, como o relacionar os diversos conhecimentos na escola e

fora dela.

O rizoma não se deixa reconduzir nem ao Uno nem ao Múltiplo (...) Ele é feito de dimensões, ou antes de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda (...) o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também como linhas de fuga ou de desterritorialização, como dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza (...) Um Platô está sempre no meio, nem começo, nem fim. Um rizoma é feito de Platôs (...) platô significa uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda a orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 32 e 33).

Neste capitulo, optei por tentar discorrer sobre as influências de Ana

Mae Barbosa, Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque no currículo do ensino

da Arte, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.

Priorizei como referência a interpretação dessas autoras, sobre Dewey e

Deleuze, para entender os entraves que ocorrem com os professores ao se

depararem com a proposta curricular em relação à rotina das aulas de Arte.

O entendimento do conceito Rizoma e Experiência se misturam com a

idéia positivista de ensinar técnicas úteis, tratadas como conhecimento.

Page 72: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Experiência, para Dewey é a construção do conhecimento significativo

racional, motor e emocional num processo que pode ser planejado e projetado

para a vivência dos assuntos culturais, que circunda o sujeito direta ou

indiretamente.

Rizoma, para Deleuze é a concepção da construção do conhecimento, a

representação das conexões internas, cerebral e ímpar, que o sujeito vivencia

em uma experiência.

A concepção rizomática do ensino da Arte estabelece as conexões entre

os territórios da Arte, numa dinâmica elétrica e infinita das possibilidades de

construção de conhecimento da Arte.

No material produzido, sobre os territórios da Arte, há também a

finalização do assunto e suas conexões por meio do zarpando, que é o espaço

da síntese e também pode ser gancho para outro assunto.

É necessária muita elaboração teórica para desvincular os conceitos da

modernidade e a pós-modernidade, pois é complexo vivificar sobre conexões

do conhecimento entre áreas e entre as elaborações intelectuais e afetivas,

com raízes profundas no exercício do conhecimento compartimentado, do

sujeito sobre técnica.

Barbosa critica os equívocos nas releituras/reproduções de imagens

cometidas nas salas de aula, desconectadas da concepção, viraram técnica em

aula, somando técnica para reprodução de imagem com técnica para utilização

correta de nanquim, guache, hidrocor, lápis e etc.

Martins e Picosque discorrem sobre a concepção Rizomática nos

Territórios da Arte, porém se deparam com a formação inicial do professor

numa parte da concepção Arte. Esforçam-se para conduzir sua concepção

rizomática, por meio das conexões das partes que desenha o todo.

As autoras desenvolveram o Caderno do Aluno, material de apoio a

implementação do currículo, que foi distribuído para as escolas do Estado de

Page 73: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

São Paulo, com atividades de registro dos alunos relacionados às proposições

de aprendizagem em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

A instrução aos professores é para que eles façam as conexões da Arte,

por meio dos Territórios da Arte, com a liberdade de escolher a

linguagem/modalidade em que irá trabalhar o conteúdo indicado.

Em três escolas que visitei, na função de Professora Coordenadora de

Oficina Pedagógica, no final do ano letivo de 2009, tive a oportunidade de

folhear cadernos de seis alunos, de diferentes séries e diferentes professores e

pude concluir que os professores fizeram desses cadernos de registros,

caderno de atividades individuais e corrigiram as atividades com caneta

vermelha, a letra C (certo) esticada , com carimbos decorativos, caretas

com sorriso desenhado e recados para os alunos de parabéns ou não fez a

lição.

Esse procedimento dos professores demonstra a influência referencial

pessoal, nas práticas das salas de aula, que a formação inicial não deu conta

de conduzir questionamento metodológico com bases nas teorias pedagógicas.

Martins, Picosque, Barbosa, eu e os professores formados, para atuar

no ensino da Arte, tivemos influencias de todos os desencontros e

desentendimentos do ensino da Arte, em toda a nossa formação acadêmica.

Passamos por uma formação em licenciatura curta, na qual havia um

passeio por Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, oferecido nos cursos de

educação superior por artistas professores, que não tinham conhecimentos

pedagógicos dos processos de ensino/aprendizagem escolar e que tinham foco

na técnica da produção artística; tudo isso em apenas dois anos.

Com mais um ano de curso sairia com certificado de licenciatura plena

em: Artes Cênicas, Artes Plásticas, Desenho ou Música, onde se intensificava

os conteúdos específicos de uma linguagem/modalidade da Arte sem dar

tempo nem de discutir, digerir, vivenciar processos num ciclo completo de

Page 74: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

compreensão, reflexão e construção de conhecimento. Não havia formação

nem de professores e nem de artistas.

No final da década de noventa, houve uma ruptura da nomenclatura do

curso superior de Educação Artística para Habilitação em Artes Visuais, Teatro,

Música ou Dança.

As manifestações dos Arte-Educadores, liderados por Ana Mae Barbosa,

desde a década de oitenta geraram essa mudança na formação inicial dos

professores de Arte, porque defendiam a especialização do ensino das

linguagens/modalidades, pois também estavam influenciados pela ciência

positivista e seu controle da especificação da parte.

O positivismo, que gerou o tecnicismo, foi um pensamento que

influenciou todo o século XX: no início deste século enaltecíamos o artificial; no

meio do século acreditávamos que eliminar a exceção à regra era o caminho

da felicidade homogenia da humanidade; no final do século enaltecemos o

natural; o artificial tornou-se uma arma contra a vida humana e a diversidade

fortalece a multiculturalidade.

No século XXI, quanto à formação inicial dos professores de Arte, a

evidência destas influências foi constatada na pesquisa da CENP/2006.

Compreendo que o percurso histórico da licenciatura em Arte (ou na

linguagem - parte - da Arte), as reflexões sobre as deficiências emergidas de

tempo em tempo conduziram para o formato de hoje. Contudo, sem

desmerecer as conclusões passadas, há muito a refletir. Principalmente, situar

a formação do professor às questões contemporâneas.

Ana Mae Barbosa defendeu o ensino das Artes Visuais com a leitura de

imagens por meio de sua Proposta Triangular. Apesar de ter trabalhado na

construção do documento PCN de Arte, no livro Inquietações no ensino da Arte

(1998, p. 36) explicita seu descontentamento com o contido

interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os e

Page 75: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais (PCN de Arte, 1996, p. 40).

A autora defende a formação inicial dos professores em Artes Visuais,

pois estes obterão subsídios para a leitura da imagem.

Se acaso, eu oferecer esta imagem a crianças, adolescentes e jovens da

educação básica, para refletir sobre os elementos não verbais e ler a imagem:

Os conteúdos das Artes Visuais estão contidos nesta imagem, porém

limitar-se nos conteúdos das artes visuais, hoje que se discute arte hibrida,

imagem em movimento complexo e hipertexto, deixa a discussão pobre e

desinteressante aos alunos do século XXI.

Page 76: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Para o professor provocar a leitura desta imagem com competência é

preciso ter noção de expressão cênica, de fenomenologia e cultura de massa e

história do pensamento. Se esta imagem estiver em movimento, como um

vídeo, e com efeito sonoro e/ou musical o professor precisará, também, ter

noções da linguagem musical, gestual, corporal.

Desta forma será possível provocar leitura dos códigos verbais e não

verbais, desafiando o olhar a compreender as possíveis comunicações

concatenadas entre si e com sua percepção.

A concepção da Arte contém história, pensamento e conteúdo artístico

no seu percurso na linha do tempo.

Page 77: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

CAPÍTULO 4

Formação do professor na concepção do ensino da Arte

Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta à certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei (FREIRE,2006, p. 135).

Page 78: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Sem desmerecer as manifestações dos Arte-Educadores, que

construíram a história do ensino da Arte desde a década de oitenta e fizeram

do ensino da Arte objeto de estudos acadêmicos, é fato que ainda não

chegamos a uma formação inicial que atenda os anseios das concepções pós-

modernas sobre ensino/aprendizagem e construção de conhecimento.

Steven Connor, no livro Cultura Pós-Moderna, analisando a concepção

de Jean-François Lyotard sobre pós-modernidade, comenta que a ciência

perde o poder na construção do conhecimento humano e da verdade na

medida em que a ciência se torna uma nuvem de especialismos.

(CONNOR,1993, p. 32).

Enquanto a formação inicial do professor de Arte estiver ligada a

especialismos, dificilmente experienciará reflexão quanto às conexões

possíveis da Arte. Mesmo porque, para experienciar a diversidade de conexões

há de se construir repertório.

A pós-modernidade nasce da modernidade. Artistas como Picasso que,

além das artes plásticas, também escreveu teatro e Kandinsk que, além das

artes plásticas, também foi músico, entre outros tantos artistas, ajudaram a

construir a concepção pós-moderna de construção do conhecimento, onde as

narrativas se entrecruzam na argumentação do contemporâneo. Por que a

formação do professor de Arte tem que ser nos especialismos?

Por que, que as discussões pós-modernas da Arte não conseguem

entrar na escola?

Mirian Celeste Martins foi participante da construção da Proposta de

Educação Artística para o 2º Grau, na SEE em 1992, cujo texto de introdução

defendeu a nomenclatura da matéria Arte, em detrimento a Educação Artística,

no singular por tratar de conceito do todo.

Arte é área de conhecimento, é área da cultura e um todo complexo de

signos e de linguagens.

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A atividade artística é inerente ao homem porque é sensível e não

porque é técnica.

Por tanto, atividade sensível desenvolve a linguagem, criatividade,

imaginação, amplia repertório e propicia experiência estética.

Então, atividade artística, na escola, não tem um fim de conhecimento

útil para o sujeito. É a experiência de conectar sentidos, signos dialéticos que

amplia repertório pessoal, do eu para o outro e do outro para o eu.

Aprender a ler o mundo, requer despertar sensibilidade para ler além do

verbal. O ensino da Arte propicia isso.

4.1 Diretrizes Curriculares

O documento Parecer do Conselho Nacional /Conselho Pleno de 2001,

sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da

Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena,

faz uma análise pontual da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

nesse assunto e propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação

de Professores da Educação Básica.

Este Conselho Pleno designou Comissão Bicameral composta pelos

Conselheiros Edla Soares, Guiomar Nano de Mello (mentora da proposta

curricular da SEE de São Paulo em 2008), Nélio Bizzo e Raquel Figueiredo

Alessandri Teixeira, da câmera de Educação Básica, e Éfrem Maranhão,

Eunice Durham, José Carlos de Almeida e Silke Weber e como relatora a

conselheira Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira. Para promulgar sobre a

concepção de educação do século XXI.

Viramos o século XXI com o desafio de reformar a formação de

professores para transpor estigmas da função e aproximar as instituições

formadoras dos sistemas educacionais, para contemplar características

consideradas, na atualidade, como inerentes à atividade docente, entre as

quais se destacam:

Page 80: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

*Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos;

*Comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos;

*Assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos;

*Incentivar atividades de enriquecimento cultural;

*Desenvolver práticas investigativas;

*Elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos

curriculares;

*Utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio;

*Desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe (CNE/CP

009/2001, p. 4).

A formação de professores em geral deve promover vivências, reflexão e

fundamentação teórica para as ações que envolvem ensino e aprendizagem.

No caso do professor de Arte, deve oferecer conhecimento de Arte

contextualizado em conhecimento do desenvolvimento cognitivo e métodos de

construção dos saberes escolar.

A aproximação das instituições que oferecem curso de licenciatura, para

os professores de Arte, com os sistemas educacionais é evidentemente

importante.

Como se sabe, as instituições de educação superior formam os

professores da educação básica. Portanto, neste caso, a aproximação dos

cursos de licenciatura com a proposta curricular da SEE/SP, poderá ser útil,

quando a instituição superior está comprometida com formação de excelência,

propiciando discussões e reflexões na formação inicial, preparando o

profissional para atuar no campo de trabalho, com os alunos da educação

básica.

Page 81: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Alfredo Bosi, no livro Reflexões sobre a Arte, ao explicar sobre

expressão, nos oferece uma reflexão sobre processo de criação, o qual

podemos remeter ao ensino da Arte:

Em toda a atividade artística impõe-se a presença de uma forte motivação. As formas expressivas são geradas no bojo de uma intencionalidade que as torna momento integrante ou resultante do fato. A dissociação posterior de forma e força interior só se cumpre historicamente quando os motivos iniciais da união já se apagaram com a rotina das convenções, o esquecimento, a lima do tempo e a morte da cultura que os produziu. Nesta hora, o símbolo deve ser decifrado, e a alegoria, traduzida (BOSI, 2000, p. 52).

Os documentos oficiais, do governo federal e das instituições públicas

de ensino, devem ser assuntos de reflexão nas aulas dos cursos de formação

inicial do professor de Arte.

A Secretaria de Ensino Superior (SESu) do Ministério da Educação

(MEC), nomeou Comissão de Grupo Tarefa especial, que concluiu em 1999 o

documento Subsídios para a elaboração de Diretrizes Curriculares para os

Cursos de Formação de Professores, para o estudo dos cursos de graduação

de formação de professores da educação básica, com a finalidade de subsidiar

o CNE, consolidou a direção da formação para três categorias de carreira

(MEC/SESu, 1999, p.6):

• Bacharelado acadêmico;

• Bacharelado profissionalizante;

• Licenciatura

Assim sendo, a Licenciatura constituiu-se em um projeto específico, o

que exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se

confunda com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que

ficou caracterizada como o modelo 3 + 1.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 foi o marco

da revisão conceitual sobre educação, dos anos 80 e 90.

A concepção de Educação Básica significa a continuidade articulada

entre educação infantil, ensino fundamental e médio. Essa é uma visão da

Page 82: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

educação do sujeito que se constitui num todo de experienciar, refletir e saber

ao longo da vida escolar; e que contribui para vida fora da escola.

...concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhe permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política. Reforça-se, também, a concepção de professor como profissional do ensino que tem como principal tarefa cuidar da aprendizagem dos alunos, respeitada a sua diversidade pessoal, social e cultural (MEC/SESu, 1999, p. 9).

A escola não é a única responsável pela educação, no entanto é um

lugar onde se desenvolve prática planejada e sistemática de

ensino/aprendizagem e contato com a produção humana de conhecimento/

tecnologia/ cultura.

Para a compreensão dessa concepção de educação, focada na

aprendizagem e na articulação da escola com a família e a comunidade, o perfil

do professor deve transformar-se para acompanhar a sua função neste século.

Esse professor precisará ter referenciais de reflexão e fundamentação

na sua formação inicial.

O Ministério da Educação por meio do Conselho Nacional de Educação,

realizou Parecer nº CNE/CP 009/2001 (p. 12) prevê indicativos legais

importantes para os cursos de formação de professores:

• Posicionando o professor como aquele que incumbe zelar pela

aprendizagem do aluno – inclusive daqueles com ritmos

diferentes de aprendizagem –, tomando como referência, na

definição de suas responsabilidades profissionais, o direito de

aprender do aluno, o que reforça a responsabilidade do professor

com sucesso na aprendizagem do aluno;

• Associando o exercício da autonomia do professor, na execução

de um plano de trabalho próprio, ao trabalho coletivo de

elaboração da proposta pedagógica da escola;

• Ampliando a responsabilidade do professor para além da sala de

aula, colaborando na articulação entre a escola e a comunidade.

Page 83: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Esse documento esclarece o intuito da LDBEN 9.394/96 em constituir a

educação básica como referência principal para a formação dos professores.

Para construir junto com seus futuros alunos experiências significativas e ensiná-los a relacionar teoria e prática é preciso que a formação de professores seja orientada por situações equivalentes de ensino e de aprendizagem (CNE/CP, 009/2001, p. 14).

4.2 Professores de Arte

Historicamente, a formação de professores de Arte precisou atender o

sistema de ensino, porque faltavam professores atuantes. Por conta disso,

houve uma saída legal que foi o aproveitamento de estudos e/ou experiência

comprovada e contratação de professor estudante.

Como ainda não resolvemos de vez este problema, a Lei 9.394/96 nos

artigos 62 e 63 referem-se à criação de Institutos Superiores de Educação

(ISE). A Resolução CNE 01/99, em nome da flexibilização dos cursos de

licenciatura, deixa em aberto a localização dos IES podendo estes estar dentro

ou fora das instituições universitárias.

Desde a década de 70, a formação dos professores de Arte oferece

opções facilitadoras, para atender a necessidade das secretarias municipais e

estaduais de ensino.

Nesta década, a necessidade de formar em quantidade e agilidade, na

licenciatura de curta duração, professores para as aulas de Educação Artística

teve reflexo em aulas desconexas, por conseqüência das deficiências dos

cursos.

Este fato se estendeu por toda a década de 80 e início dos anos 90,

absorvendo no sistema de ensino estadual de São Paulo até mesmo os

estudantes iniciais, dos cursos de licenciatura, como também bacharéis e

profissionais liberais (formados ou estudantes).

Page 84: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Da segunda metade da década de 90 até hoje, o cerco foi-se fechando

para os bacharéis e profissionais liberais, no entanto, enquanto houver

necessidade, os estudantes de licenciatura continuam presentes como

professores; e se os estudantes de licenciatura não atender a demanda de

aulas, os bacharéis, tecnólogos e profissionais liberais tem chances de dar o ar

da graça nas salas de aulas da educação básica.

Com o parecer e a resolução em questão, sobre o ISE, um professor de

qualquer outra matéria, que queira se formar na licenciatura em Arte, por meio

do ISE, que pode oferecer cursos semi-presencias, faz o aproveitamento

curricular da primeira licenciatura, matricula-se no curso com duração de um

ano, com encontros presenciais mensais. Forma-se, assim, o novo professor

de Arte, em dias!

A necessidade de professores para atender demanda das aulas, da

educação básica, é um problema de políticas públicas que reflete

inevitavelmente de forma negativa nas salas de aulas e na produção de

pesquisa sobre ensino da Arte.

Nenhum professor consegue criar, planejar, realizar, gerir e avaliar situações didáticas eficazes para a aprendizagem e para o desenvolvimento dos alunos se ele não compreender, com razoável profundidade e com a necessária adequação à situação escolar, os conteúdos das áreas do conhecimento que serão objeto de sua didática, os contextos em que inscrevem e as temáticas transversais ao currículo escolar (LDBN, 1996, p. 20).

A concatenação teoria/prática pressupõe transposição didática mediada,

reflexão sobre estratégias e procedimentos de ensino, autonomia para escolha

dos conteúdos e das estratégias de ensino – e quando me refiro à escolha

remeto a concepção de professor comprometido com a aprendizagem do aluno

e com a atividade intelectual fundamentada nos referenciais teóricos e vivencia

pessoal, na formação inicial – e o compromisso em propiciar situações de

aprendizagem que desenvolve a competência de articular os saberes e

construir conhecimento.

Page 85: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Para poder escolher há de se ter autonomia. E esta só se conquista com

a ampliação dos referenciais, a qual diferencia um Professor atuante de um

cumpridor do horário de trabalho.

Com a concepção de educação básica, dividida nas modalidades e/ou

etapas: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de

jovens e adultos do ensino fundamental e médio (EJA), para o professor de

Arte, que atende a todas as etapas, saber trabalhar com seus conteúdos

curriculares respeitando a diversidade, promovida pelas diferentes faixas-

etárias, é necessário que em sua formação inicial haja reflexão sobre

desenvolvimento e aprendizagem.

Uma situação de aprendizagem eficaz, desenvolvida para crianças das

séries iniciais, pode não apresentar bons resultados nas outras modalidades

e/ou etapas. No entanto, ao conhecer sobre o conteúdo específico da matéria e

sobre as pedagogias, o professor planeja seus objetivos e escolhe suas

estratégias, porque a vivência da construção do conhecimento na formação

inicial faz nascer asas, que eu chamo de autonomia para reconstruir

conhecimento, por meio da mobilização dos saberes adquiridos na escola e

fora dela, desde os cursos da educação básica até a formação acadêmica.

Isto porque construir é diferente de transmitir. Bosi, quando reflete sobre

diversidade na unidade no livro Reflexões sobre a Arte nos auxilia a entender a

diferença entre transmitir e construir conhecimento em Arte.

O papel da linguagem não é exteriorizar ideológico prévio, uno, já pronto, feito e perfeito. Não. A consciência poética constrói um objeto semântico, o poema a partir de uma situação já interiorizada, sempre complexa, e dotada, em geral, de uma “atmosfera” (afetiva, tonal); mas os seus perfis, os seus aspectos particulares, irão se diferenciando à medida que o artista sondar a própria memória e der contorno e relevo à sua intuição (BOSI, 2000, p. 60).

Somos, os professores formados até meados da década de 90, a geração da

transmissão técnica e específica.

Autonomia se conquista com a ampliação e o aprofundamento dos seus

repertórios culturais. Paulo Freire dizia em suas audiências que a liberdade se

conquista por meio da educação.

Page 86: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A formação inicial pode não dar conta de ampliar e aprofundar repertório

cultural, no entanto é o meio que desenvolve asas. Por isso, não pode

acontecer de forma fragmentada.

Curioso, que na primeira parte do parecer Relato, do documento

CNE/CP 009/2001, em Questões a serem enfrentadas na formação dos

professores, no item 3.2.9. Desconsideração das especificidades próprias das

etapas da educação básica e das áreas do conhecimento que compõem o

quadro curricular na educação básica há os seguintes dizeres:

Há ainda a necessidade de se discutir a formação de professores para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino fundamental, com Ciências Naturais ou Artes, que pressupõem uma abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas (Biologia, Física, Química, Astronomia, Geologia etc, no caso das Ciências Naturais) e diferentes linguagens (da Música, da Dança, das Artes Visuais, do Teatro, no caso de Arte), que, atualmente, são ministradas por professores preparados para ensinar apenas uma dessas disciplinas ou linguagens. A questão a ser enfrentada é a da definição de qual é a formação necessária para que os professores dessas áreas possam efetivar as propostas contidas nas diretrizes curriculares (...) Na formação de professores para as séries finais do ensino fundamental e para o ensino médio, por força da organização disciplinar presente nos currículos escolares, predomina uma visão excessivamente fragmentada do conhecimento (CNE/CP, 2001, p. 26).

Pressuponho que realmente não há uma definição quanto à formação do

professor de Arte, diante desta reflexão sobre visão fragmentada do

conhecimento, expressada neste trecho do documento.

A Universidade de São Paulo (USP) Leste, referência nacional em

formação e produção acadêmica, oferece desde 2008 o curso de Licenciatura

em Ciências da Natureza. Porque, para estudar ciências necessariamente

passa por disciplinas científicas.

Para estudar Arte, necessariamente passa por linguagens/modalidades

artísticas. Mais uma, vez as reflexões de Bosi nos auxilia para entendermos a

relação do sujeito e a Arte. Consequentemente ilumina a presença da Arte na

educação.

... a arte tem representado, desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos estados psíquicos no receptor, não esgota

Page 87: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

absolutamente o seu sentido nessas operações. Estas decorrem de um processo totalizante, que as condiciona: o que nos leva a sondar o ser da arte enquanto modo específico de os homens entrarem em relação como universo e consigo mesmos (BOSI, 2001, p. 8)

Se a educação básica pressupõe a integralidade entre as etapas de

educação, então a superação da fragmentação terá que contemplar o todo da

educação básica e da formação do professor de Arte.

Para saber mobilizar saberes é preciso ter os saberes, que são os

referenciais que ampliam o repertório de idéias.

Na segunda parte do parecer CNE/CP de 2001 Voto da Relatora, no

item 1.2. É imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida e a

prática esperada do futuro professor traz o conceito de simetria invertida (p.

30), que trata dos referenciais miméticos que os professores reproduzem em

sala de aula.

Isso, provavelmente, explica a observação que fiz, de como alguns

professores de arte, observados em visita à escola, tratam os cadernos dos

alunos – do material referencial da proposta curricular da SEE – e as

marcações que fizeram (de caneta vermelha) sobre as atividades oferecidas

pelo caderno.

O caderno do aluno foi desenvolvido para servir como material de

registro das aulas.

Contém assuntos a serem desenvolvidos nas linguagens: música,

dança, artes visuais e teatro, de escolha do professor qual a ênfase, dentre as

linguagens, ou qual linguagem específica para trabalhar a cada bimestre.

Há a orientação para o professor partir do assunto pautado no caderno

do aluno, fundamentado pelo caderno do professor, que ele previamente

estudou, para viajar pelos territórios da Arte, que autonomamente selecionou.

O assunto do caderno não caracteriza uma atividade, principalmente nos

moldes da escola tecnicista.

Page 88: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

É uma espécie de portifólio semi-pronto, onde os alunos vão fazer seus

registros pessoais, das aulas.

Como não há resposta certa ou errada nas reflexões sobre a Arte nos

territórios do mapa rizomático, o caderno serve de mais um instrumento de

troca de informações entre os alunos e o professor, em sala de aula.

São assuntos e proposições para registros que por si só, não conecta e

não amplia conhecimento.

No entanto, o material que deveria servir como meio de registro das

aulas de Arte, tornou-se caderno de atividades para ser realizada na sala de

aula ou como tarefa de casa.

Creio que há semelhanças com a vivência, desses professores, como

alunos no período da educação básica.

O mimes daquele perfil de professor, que lhes agradava a idéia, estava

ancorada nas marcas da caneta vermelha, deixada nos cadernos dos alunos.

Uma das premissas da formação de professor, é sem dúvida emergir

esses mimes e discutir, trazer à luz da reflexão fundamentada nas teorias

pedagógicas. Questionar a postura e as atitudes, antes que eles reproduzam

em sala de aula, um perfil de professor desconectado com as necessidades

contemporâneas da educação.

Se o documento indica que é imprescindível que haja coerência entre a

formação e a função, por que o MEC forma os professores na parte e não no

todo? Como formar rede de significados com os alunos da educação básica, se

o saber é focado e estanque?

Ensinar requer dispor e mobilizar conhecimentos para improvisar, isto é, agir em situações não previstas, intuir, atribuir valores e fazer julgamentos que fundamentem a ação da forma mais pertinente e eficaz possível (CNE/CP, 2001, p. 35).

O professor de Arte não ensina artista, mas sujeitos inter-relacionados

com seu meio. Quanto mais vivências, informações, conhecimentos maior é a

Page 89: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

articulação para investigar hipóteses, criar soluções, se articular e saber utilizar

as diferentes linguagens (verbal e não verbal).

Na proposta Curricular – caderno de Arte – na Área de Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias, há explicação sobre a linguagem ser um sistema

de representação, para a produção de sentidos e a seguinte idéia:

Mais do que objeto de conhecimento, as linguagens são meios para o conhecimento. O homem conhece o mundo através de suas linguagens, de seus símbolos. À medida que ele se torna mais competente nas diferentes linguagens, torna-se mais capaz de conhecer a si mesmo, assim como a sua cultura e o mundo em que vive (SEE, 2008, p. 37).

A proposta curricular do Estado de São Paulo tem como concepção a

articulação das competências para aprender os conteúdos escolares, a

conviver, a saber fazer, a saber ser.

Pressupõe que a escola viabiliza condições do professor gerenciar as

situações de aprendizagem, mediando o conhecimento e o desenvolvimento

autônomo de articular esquemas cerebrais, emocionais e intelectuais para

desenvolver hipóteses, organizar os conteúdos e assuntos a serem utilizados

em diversos momentos, mesmo fora da escola.

Propõe que o professor desenvolva habilidades de mobilizar estratégias

e avaliação contínua, para bem da aprendizagem. Uma educação a altura dos

desafios contemporâneos (SEE, 2008, p. 9).

O grande desafio está parecendo ser a coerência entre a formação do

professor – que o MEC insiste na fragmentação – e a função do ensino da Arte

na SEE/SP na hibrida viagem pelos territórios da Arte.

A LDBEN e a Resolução SEE 62/2005 prevêem a formação continuada

do professor. Por que o professor pode ter contato com diversas linguagens e

modalidades da Arte na formação em serviço e na graduação só há

especialização em uma linguagem/modalidade?

Se Arte é inerente ao sujeito, se ele canta, dança, lê signos gráficos

verbais e não verbais, lê gesto, movimento, forma e som, então não há o que

Page 90: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

convença sobre a determinação do curso de Licenciatura na parte e não no

todo.

Com o advento da semiótica, se constituindo num campo intrincado e

heteróclito (SANTAELLA, 1983, p. 14), o lento entendimento dessa ciência

transformou o documento PCN de Arte (1996, p. 40), tão criticado por não

corresponder ao número de aulas das partes da Arte e de professores

formados, num discurso atualizado para o ensino da concepção Arte.

A semiótica discorre sobre a percepção do homem contemporâneo da

linguagem, que segundo esta ciência trata-se de linguagens intrínsecas na

produção de um significado, cuja publicidade utiliza com maestria e entra na

vida dos leitores dos signos verbais e não verbais, simultaneamente, sem

causar prejuízo de juízo do que se quer comunicar.

Por ser um elemento da cultura a Arte deve ter seu espaço preservado

na escola, contudo o entendimento da Arte está fragmentado na cabeça dos

professores e, por conseqüência, dos alunos por ter tratamento

compartimentado, ainda com pensamento influenciado pelo tecnicismo

tradicional.

No documento Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Arte

(2008, p. 51) consta que o professor de Arte faz conexões no mapa rizomático

dos Territórios da Arte partindo do conhecimento obtido na sua formação

inicial.

Se a formação inicial do professor está na parte – Artes Visuais, Música,

Teatro ou Dança – ele não terá condições de uma provocação rica em leitura

dos códigos não verbais (música, dança, performance, instalações,

espetáculos teatrais, shows, propagandas, hipertextos midiáticos, etc) e, como

consequência, será pobre o seu discurso verbal provocativo.

Portanto, sou conduzida a deduzir que a insistência legal em formar

professores na linguagem/modalidade artística – parte da Arte – ainda é um

resquício de influência da educação tecnicista/tradicional/positivista liberal do

século XX no Brasil.

Page 91: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

Por mais que Martins e Picosque defendam que a formação inicial do

professor não interfere na metodologia rizomática do mapa dos Territórios da

Arte e defendem a formação da parte, nos moldes que se apresentam, os

professores apresentam dificuldades para entender a proposta metodológica

da Arte, por conta das deficiências apresentadas pela formação inicial.

O documento do MEC, na análise em questão, foi o primeiro documento

sobre formação de professores da educação básica, após a LDBEN 9.394/96.

Com bases neste parecer, outros pareceres e resoluções foram

redigidos para regulamentar e fomentar as especificidades da educação

superior, para a formação de professores da educação básica.

O Parecer Homologado CNE/CES 0195/2003, sobre Diretrizes

Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Música, Dança, Teatro e

Design, relata que as instituições de ensino superior responderão pelo padrão

de qualidade dos Cursos de Graduação, atendendo as orientações da LDBEN

em vigor, e propõe a substituição do modelo dos currículos mínimos nacionais

por Diretrizes Curriculares Nacionais. Assim, promove a flexibilização dos

currículos dos cursos de graduação.

Quando se tratar de curso de graduação para formação de docentes, licenciatura plena, deverão ser observadas as normas específicas relacionadas com essa modalidade de oferta (CNE/CES,2003, p. 3).

Portanto, para cada curso do documento há dois segmentos

norteadores:

• Diretrizes específicas por curso

• Diretrizes comuns aos cursos

No curso de Música, em Conteúdos Curriculares (p. 4), encontra-se nos

itens:

I – conteúdos básicos: estudos relacionados com a cultura e as artes...

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III – conteúdos teórico-práticos: estudos que permitam a integração

teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e o

desempenho profissional...

No curso de Dança, no mesmo item (p. 5):

I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a

música...

III – conteúdos teórico-práticos: domínios de técnicas e princípios

informadores da expressão musical (...) desenvolvimentos de atividades

relacionadas com os espaços cênicos, com as artes plásticas (...)

inerentes a produção em dança como expressão da arte e da vida.

E, para finalizar este documento, no curso de Teatro, no mesmo item (p.

7):

I – conteúdos básicos: estudos relacionados com as artes cênicas, a

música, a cultura e a Literatura, sob as diferentes manifestações da vida

e de seus valores...

II – conteúdos específicos: estudos relacionados com a história da arte,

com a estética (...) adequadas à expressão teatral e às formas de

comunicação humana.

Novamente eu tenho dúvida se a defesa do Ministério da Educação, na

fragmentação da Arte em cursos de licenciatura – Artes Visuais, Música, Dança

e Teatro – ocorre por influência da ciência positivista.

Dentre o relato do documento há co-relação entre as

linguagens/modalidades, pois um assunto não se pode desconectar de outro.

Portanto a Arte é a área de conhecimento, onde as linguagens

modalidades se relacionam e se interdependem.

Na Resolução 1 de 16/01/2009 que Aprova as Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais e dá outras providências,

Page 93: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

trata o ensino das Artes Visuais, como um assunto independente das outras

linguagens/modalidades artísticas, como se as idéias que influenciam a Música

e as Artes Cênicas não fossem as mesmas que influenciam as Artes Visuais.

Aparenta um jogo de junta/separa do que não se pode fragmentar na

cultura e na educação, porque a Arte é inerente ao homem.

Sujeito algum, passará despercebido diante a uma obra de arte. Nem a

incompreensão da razão impede uma experiência estética.

Isso, por si só, explica a importância da Arte na educação e no

desenvolvimento do sujeito.

Essa concepção de ensino da Arte deve compor o currículo da

Licenciatura em Arte.

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CONCLUSÃO

Não se trata de conceber prioridade aos temas ostensivamente sociais. O realismo afirma-se como político no momento em que o artista vive, com todo o seu empenho intelectual e ético, a idéia de que arte é conhecimento (BOSI, 2000,p. 48)

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A concepção curricular sobre o ensino da Arte, no Estado de São

Paulo, com o mapa rizomático dos territórios da Arte, que inter-relaciona

as linguagens e modalidades em diversas dimensões, permite uma

dinâmica de compreensão da Arte, seu processo de criação, matéria,

saberes estéticos, patrimônio cultural, linguagem, mediação, forma-

conteúdo e, segundo os mentores da concepção, independente da

especificidade da formação inicial do professor.

Apesar da insistência do Ministério da Educação (MEC) em manter

a estrutura da formação inicial do professor de Arte na especialização da

linguagem artística, o texto dos documentos oficiais indica o

conhecimento sobre a cultura em que o aluno está inserido e outras

culturas; estabelecer relação entre a multiplicidade cultural requer

conhecimento amplo sobre as diferentes linguagens e seus códigos –

verbais ou não – de manifestações indissociavelmente artística.

A Arte, como área da cultura, é produção humana em diversas

linguagens e modalidades artísticas, que expressam influências vindas

das mesmas idéias e contam uma única história.

Eu estabeleço relação entre culturas por meio da música, do

movimento corporal, da expressão do traço; tudo ao mesmo tempo ou

com evidências em modalidades específicas. Mas só posso ter noção

dessa distinção se conhecer o todo.

O professor, da Educação Básica, deve ter contato com a Arte e

vivenciar suas linguagens modalidades.

O conhecimento da Arte, como um todo, é à base de sua formação

inicial, uma vez que a licenciatura é diferenciada da formação específica

do artista.

Ser professor de Arte é saber trafegar por essa área da cultura e

reconhecer suas características e seus signos.

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A formação inicial está na base de tudo. Evidentemente, faz-se

necessário a formação continuada, pois, a Arte é um eterno estado de

transição das idéias comunicadas principalmente por meios não verbais.

Essa insistência em manter a especificidade dos cursos por

Linguagens/Modalidades da Arte, nas Licenciaturas, ocorre por

resquícios da influência da ciência positivista no Brasil.

A escola contemporânea é um universo onde os processos de

ensino e aprendizagem deveria construir percursos de discussão do

conceito e, já é passada à hora, há que se enaltecer a Arte como área do

conhecimento essencial para a educação básica, por propiciar

movimento, conhecimento corporal, experiência estética, ampliação do

olhar, socialização, percepção de si e do outro, criatividade, diálogos

(verbal e não verbal), história da humanidade, criticidade, reflexão,

experiência, organização pessoal/espacial do corpo, da mente e da

linguagem, leitura de mundo, leitura do homem (e de si), equilíbrio,

conhecimento emocional, estímulo do pensamento lógico, entre outras

qualidades.

Tudo isto por conta de que conhecer a Arte é conhecer as

potencialidades humanas, por conseqüência conhecer o outro e, desta

experiência, poder entender um pouco de si e ser facilitador das relações

do eu para com a escola.

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Maria Inês Fini; equipe Gisa Picosque, Jessica Mami Maquino, Mirian Celeste

Martins, Sayonara Pereira. – São Paulo: SEE, 2009.

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Caderno do Professor: arte

ensino médiol, volume 1 / Secretaria da Educação. Coordenação geral, Maria

Inês Fini; equipe Gisa Picosque, Jessica Mami Maquino, Mirian Celeste

Martins, Sayonara Pereira. – São Paulo: SEE, 2008.

São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Caderno do Professor: arte

ensino médiol, volume 3 / Secretaria da Educação. Coordenação geral, Maria

Inês Fini; equipe Gisa Picosque, Jessica Mami Maquino, Mirian Celeste

Martins, Sayonara Pereira. – São Paulo: SEE, 2009.

SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação, Coordenadoria de Estudos e

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www.arq.ufsc.br/esteticadaarquitetura ARQ 5612 - Estética / Deleuze e a

Educação: Parte um – Deleuze e a Filosofia. Sílvio Gallo, acesso em

21/11/2009 as 16:30.

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ANEXOS

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ANEXO I

“APELO AO CHEFE DO GOVERNO

PROVISÓRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA”

No intuito de prestar serviços ativos a seu país, como um entusiasta

patriota que tem a devida obrigação de pôr à disposição das autoridades

administrativas todas as suas funções especializadas, préstimos, profissões, fé

e atividade, comprovadas pelas suas demonstrações públicas de capacidade,

quer em todo o Brasil, quer no estrangeiro, vem o signatário, por este

intermédio por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível

em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da

finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, não

obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons

da suprema arte.

O momento, senhor presidente, parece propício para que Vossa

Excelência possa mostrar com a ação e um gesto decisivos, o alto valor com

que Vossa Excelência distingue os nossos artistas e a grande arte no Brasil.

Um e outro se acham em quase completa penúria de um declive fatal,

provocado pelas crises imprevistas e ininterruptas, que têm sacudido o mundo

inteiro após a Grande Guerra.

Era preciso encontrar um meio prático e rápido para suavizar esta

situação, evitar a queda do nosso bom gosto pelas artes e acudir a tempo a

débâcle do nosso nível artístico.

A solução única, acreditamos, foi finalmente encontrada! E nunca digam

os incrédulos que para os grandes males não há remédios... Depois de muito

amadurecer idéias e examinar fatos concretos, aplicados e extraídos de

realidade em realidade, numa observação demorada e justa, resolvemos

formular as sugestões que para endereçar a Vossa Excelência. Possa,

excelentíssimo senhor presidente, com os eloqüentes argumentos aqui

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expendidos, ter constantemente presente em sua memória a estatística de

nossos artistas, quase inteiramente desamparados.

Como vem de ser mostrado a Vossa Excelência, acham-se

desamparados para mais de 34 mil musicistas profissionais, em todo Brasil,

homens que representam, entretanto, pelos seus valores como artistas, quatro

vezes os valores representativos pessoais, porque assim é tem sido em todos

os países,em todas as épocas, a diferença de valor intelectual de que se

destaca do vulgar esta gente privilegiada. E a arte da pintura? A escultura? A

dança elevada? Esta nem existe entre nós que seja uma afirmação; quanto à

arte da dança elevada, é justamente uma das que o Brasil poderia cultivar com

superioridade sobre os demais países, porque é notória a beleza plástica da

mulher brasileira; a flexibilidade dos nossos atletas; o ritmo singular e obstinado

da nossa música popular; o amor que possuímos pelos livres movimentos

físicos diante da nossa incomparável natureza; e o gosto pela fantasia delirante

demonstrada, sobejamente, na predileção, quase maníaca, pelas festas do

carnaval carioca. E o nosso encantado Teatro Brasileiro? As nossas comédias,

nossas óperas, nossos gêneros originais típicos ou ingênuos? Porque,

felizmente, a arquitetura, a poesia, a literatura, a filosofia, a ciência, a religião

católica, outras seitas, preceitos e doutrinas aplicados ao nosso país, sempre

tem encontrado um pequenino campo de explanação, conquanto que bem

pouco cuidado pelos nossos governos passados. – E a música?

Peço ainda permissão para lembrar a Vossa Excelência que é

incontestavelmente a música, como linguagem universal que melhor poderá

fazer a mais eficaz propaganda do Brasil, no estrangeiro, sobretudo se for

lançada por elementos genuinamente brasileiros, porque desta forma ficará

mais gravada a personalidade nacional, processo este que melhor define uma

raça, mesmo que esta seja mista e não tenha tido uma velha tradição.

De modo que hoje, dia 1º de fevereiro de 1932, espero que Vossa

Excelência irá decidir,com acerto, a verdadeira situação das artes no Brasil.

E então, ou Vossa Excelência será além de grande e benemérito homem

público e estadista arguto, o amigo leal das artes e dos artistas da nossa pátria,

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colaborador dum dos maiores monumentos artísticos que o mundo produziu e

que a história universal das artes inscreverá como um de seus capítulos mais

interessantes, ou somente o grande e enérgico chefe do governo provisório da

República brasileira, o ínclito patriota que sacudiu o jugo atroz das rotinas

políticas passadas que pesavam sobre o povo brasileiro cujos filhos são de

Vossa Excelência nesta ascensão.

Mostre Vossa Excelência Senhor presidente, aos derrotistas mentirosos

ou aos pessimistas que vivem não acreditando num milagre da proteção do

governo às nossas artes, que Vossa Excelência é de fato o lutador consciente

e realizador, tornando, incontinenti, uma realidade o Departamento Nacional de

Proteção às Artes.

E com isto Vossa Excelência terá salvo nossas artes e nossos artistas,

que bem dirão toda a existência de Vossa Excelência. Seu humilde patrício.

Heitor Villa-Lobos

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ANEXO II

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL PERÍODO DA SEGUNDA REPÚBLICA

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)

A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL - AO POVO E AO GOVERNO

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância

e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem

disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução

orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições

econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção,

sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões

à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de

riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime

republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil,

se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais,

que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido,

todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de

continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à

altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo

fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica

de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez

econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos,

nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já

em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em

termos de serem despojadas de seus andaimes...

Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de

inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em

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quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação

(aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos

científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de

espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração

escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas

pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem

as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação

meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura

própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência

de um problema sobre objetivos e fins da educação". Não se podia encontrar,

por isto, unidade e continuidade de pensamento em planos de reformas, nos

quais as instituições escolares, esparsas, não traziam, para atraí-las e orientá-

las para uma direção, o pólo magnético de uma concepção da vida, nem se

submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas

com que o tratamento científico dos problemas da administração escolar nos

ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os processos mais eficazes

para a realização da obra educacional.

Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de

educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão

interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios

de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está

e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o

sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e

as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se

além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da

sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do

efêmero, "o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social", e

a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e

pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm

essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o

seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um

ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos

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métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito

científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação

científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a

situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer

modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o

impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.

Movimento de renovação educacional

À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é

que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional, com que,

reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores,

nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos

político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos

que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram essas instituições

criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram

de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os

nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente

rotineiros, enquanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só

falar na América espanhola, já se operavam transformações profundas no

aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades

lucidamente descortinadas? Porque os nossos programas se haviam ainda de

fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou a república, há 43

anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria

centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Porque a

escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma

instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando,

por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já

desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para

estender o seu raio de influência e de ação?

Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente

renovador inaugurou uma série fecunda de combates de idéias, agitando o

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ambiente para as primeiras reformas impelidas para urna nova direção.

Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates

testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas idéias

e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo. Já se

despertava a consciência de que, para dominar a obra educacional, em toda a

sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre

bases sólidas e largas, a um conjunto de idéias abstratas e de princípios

gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais

claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos

problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da

educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de

que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas

educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no

Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as

realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que, modelado à

imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o

mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéia em marcha, apoiando-se

sobre duas forças que se completam: a força das idéias e a irradiação dos

fatos.

Diretrizes que se esclarecem

Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a

responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério,

o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade

de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente

aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a

efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez,

a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores

e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da

educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha

como da nova geração ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de

um labirinto de idéias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua

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experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram,

imaginam muitos que possuem as idéias claras, o que lhes tira o desejo de

adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a

esse movimento já agora nacional, que arrastou consigo os educadores de

mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e

definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram

posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever

de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento que

souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que

conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra a escola

tradicional.

Reformas e a Reforma

Se não há país "onde a opinião se divida em maior número de cores, e se

não se encontra teoria que entre nós não tenha adeptos", segundo já observou

Alberto Torres, princípios e idéias não passam, entre nós, de "bandeira de

discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal ou político".

Ilustrados, as vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos

bastante as idéias para se tornarem um núcleo de convicções ou um sistema

de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam desencadear-se

aqueles "que pensaram sua vida e viveram seu pensamento". A

interpenetração profunda que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre

as nossas idéias e convicções e a nossa vida de educadores, em qualquer

setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já

denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de

reconstrução educacional, sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas

com a serena confiança na vitória definitiva de nossos ideais de educação. Em

lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na

estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma

nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em

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que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central

da estrutura política e social da nação.

Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a

falta de uma visão global do problema educativo, a força inspiradora ou a

energia estimulante mudou apenas de forma, dando soluções diferentes aos

problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou

o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das

reformas que o precederam. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira

renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado

então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatério, ou se o quiserdes,

à linha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se

resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande

proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o

indivíduo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das

influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e

estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. As

surpresas e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado

psicológico e moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por um

plano integral, para que ela não se arrisque um dia a ficar no estado

fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos

blocos enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que

os levantaram, e que a morte surpreendeu antes do cortamento de seus

esforços...

Finalidades da educação

Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida",

refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu

turno, pela estrutura da sociedade. E' evidente que as diferentes camadas e

grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões

diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao

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educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente

útil". O fim da educação não é, como bem observou G. Davy, "desenvolver de

maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre

intervém para transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal

à imagem do qual se esforça por modelar os jovens espíritos". Esse ideal e

aspiração dos adultos toma-se mesmo mais fácil de apreender exatamente

quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo

trabalho a que a sociedade se entrega para educar os seus filhos. A questão

primordial das finalidades da educação gira, pois, em torno de uma concepção

da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns

consideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo

e no espaço. Mas, o exame, num longo olhar para o passado, da evolução da

educação através das diferentes civilizações, nos ensina que o "conteúdo real

desse ideal" variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais

da época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria

natureza da realidade social.

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época,

que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento

pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica,

intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional,

artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se

dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o "sentido

aristológico", para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um

privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para

assumir um "caráter biológico", com que ela se organiza para a coletividade em

geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o

permitam as suas aptidões naturais, independente de razões de ordem

econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além

dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua

verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática"

pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a

que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto,

Page 113: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o

desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de

seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo.

A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de

classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de "qualidade

socialmente útil", conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos

sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de

servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se

funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu

ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de

solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada

para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia

isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve

aliás o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se

teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada,

reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o

trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral (aquisição

ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como

fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e

restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e

cooperação, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro

estreito dos interesses de classes.

Valores mutáveis e valores permanentes

Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já

se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o

sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a

pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores

permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse

equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins

particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou preocupações

Page 114: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a

natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens,

antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o trabalho que foi sempre a

maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que

realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer

homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade

social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a

consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo

através das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina,

não são, aliás, grandes "valores permanentes" que elevam a alma, enobrecem

o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? Um

vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o "desdém pela

multidão". Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a

sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se quer servir à

humanidade, é preciso estar em comunhão com ela...

Certo, a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade

humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não

poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma

máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a

produzir um resultado material num tempo dado. "A alma tem uma potência de

milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as

verdades matemáticas se perdessem, escreveu Lamartine, defendendo a

causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem

duvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem

perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a

humanidade inteira que pereceria". Mas, a escola socializada não se organizou

como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da

abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as

intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para

harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. "Nós não somos

antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul

Bureau; somos seres sociais, por isto mesmo que somos homens, e a verdade

Page 115: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolução, que

tenham em nós sós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente

a totalidade de seus efeitos".

O Estado em face da educação

a) A educação, uma função essencialmente pública

Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre

logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de

considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como

uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com

a cooperação de todas as instituições sociais. A educação que é uma das

funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política,

rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos

(instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções

essenciais e primordiais do Estado. Esta restrição progressiva das atribuições

da família, - que também deixou de ser "um centro de produção" para ser

apenas um "centro de consumo", em face da nova concorrência dos grupos

profissionais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses

especializados", - fazendo-a perder constantemente em extensão, não lhe tirou

a "função específica", dentro do "foco interior", embora cada vez mais estreito,

em que ela se confinou. Ela é ainda o "quadro natural que sustenta

socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as

tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-

se as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de prescindir da

família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e

na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra

profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as

relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças

sociais - a família e a escola, que operavam de todo indiferentes, senão em

direções diversas e ás vezes opostas.

Page 116: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

b) A questão da escola única

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação

integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar

efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a

escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura

social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o

máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se,

por esta forma, ao princípio da escola para todos, "escola comum ou única",

que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer

restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente

ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais. Em nosso

regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que, graças à

organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais

privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada;

mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do

Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por

um privilegio exclusivamente econômico. Afastada a idéia do monopólio da

educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira

não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e

em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância as

instituições privadas idôneas, a "escola única" se entenderá, entre nós, não

como "uma conscrição precoce", arrolando, da escola infantil à universidade,

todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma

formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos,

mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15,

todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública,

tenham uma educação comum, igual para todos.

c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação

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A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos

princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da

subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e

parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito

biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o

ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o

dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade da

personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando

utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade

extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário

que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma

minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham

vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar

o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de

escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se

deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho

produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda "na sociedade

moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam

e violentam a criança e o jovem", cuja educação é freqüentemente impedida ou

mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências

econômicas. A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro

sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões

psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições "a

educação em comum" ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de

igualdade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais econômica a

organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação.

A função educacional

a) A unidade da função educacional

Page 118: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e

obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou

profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um

regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as

bases da unificação do ensino, com todas as suas conseqüências. De fato, se

a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade

vital do ser humano, deve ser considerada "uma só" a função educacional,

cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu

crescimento, "que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve

ser levado à sua completa formação". Nenhum outro princípio poderia oferecer

ao panorama das instituições escolares perspectivas mais largas, mais

salutares e mais fecundas em conseqüências do que esse que decorre

logicamente da finalidade biológica da educação. A seleção dos alunos nas

suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças

sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à

universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e

trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a

reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,

constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação

do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a

organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares.

b) A autonomia da função educacional

Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos

pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa

tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema

escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas,

senão reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis

acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor à educação

Page 119: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas

funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a

insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam

senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de

influencias e intervenções estranhas que conseguiram sujeita-la a seus ideais

secundários e interesses subalternos. Dai decorre a necessidade de uma

ampla autonomia técnica, administrativa e econômica, com que os técnicos e

educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isto, a direção e

administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais

para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas

que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isto,

sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações" do interesse dos

governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a

não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de

patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado

exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios

órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.

c) A descentralização

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios

do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da

unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se

opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação

crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não

significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que

pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da

doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar

a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com

um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em

extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é

que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais

Page 120: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e

deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo

Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios,

fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional,

estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde

haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos

Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A

unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena

de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um

espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de

intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo

desperdício nas suas despesas escolares a fim de produzir os maiores

resultados com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão

ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas.

O processo educativo

O conceito e os fundamentos da educação nova

O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova

educação, ajustando à finalidade fundamental e aos ideais que ela deve

prosseguir os processos apropriados para realizá-los. A extensão e a riqueza

que atualmente alcança por toda a parte o estudo científico e experimental da

educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito

nitidamente científico e organizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda

de pesquisas e experiências, os princípios da educação nova, pressentidos e

às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus

precursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como

uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é

"modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de

ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o

mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o

respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do

Page 121: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções

vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como

meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e

espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional

da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao

intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida

própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por

meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus

interesses e às suas necessidades".

Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências

exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a

atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade

espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do

próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre

presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natureza, o

problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as etapas da

evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da

adaptação da atividade educativa às necessidades psicobiológicas do

momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de fato, a

predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em

todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira

condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando

(criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance,

"graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas". É certo

que, deslocando-se por esta forma, para a criança e para os seus interesses,

móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se

a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto de vista da

lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica psicológica", isto

é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito

infantil.

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Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e

o meio de realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar,

experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que

ela seja reorganizada como um "mundo natural e social embrionário", um

ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola

que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional,

inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um

organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma

comunidade palpitante pelas soluções de seus problemas. Mas, se a escola

deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as

atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções

predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades,

pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para

que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com

as aptidões e possibilidades. "A vida da sociedade, observou Paulsen, se

modifica em função da sua economia, e a energia individual e coletiva se

manifesta pela sua produção material". A escola nova, que tem de obedecer a

esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento

formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando,

procurando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em

sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades

pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material

e espiritual da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.

Plano de reconstrução educacional

a) As linhas gerais do plano

Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou

processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral,

ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar

solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa,

Page 123: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os

seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das

necessidades nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se

esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de

tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode

chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do

ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo

processo, e cada um dos quais deve ter o seu "fim particular", próprio, dentro

da "unidade do fim geral da educação" e dos princípios e métodos comuns a

todos os graus e instituições educativas. De fato, o divorcio entre as entidades

que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino

secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um

dos signatários deste manifesto, "para que se estabeleçam no Brasil, dois

sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e

incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto

mesmo, instrumentos de estratificação social".

A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas

maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das

democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação

secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às

escolas ou institutos superiores de especialização profissional ou de altos

estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se

poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam,

colocadas no mesmo nível, a educação chamada "profissional" (de preferência

manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de

preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola

secundária deixará de ser assim a velha escola de "um grupo social", destinada

a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um

aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar a cultura geral e satisfazer às

necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o

mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das Universidades, em

que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas

Page 124: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

"liberais", se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada,

para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza

econômica e industrial. Mas esse princípio, dilatando o campo das

universidades, para adaptá-las à variedade e às necessidades dos grupos

sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar

constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas

próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de

criação livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada.

A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto

Torres, senão um "sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as

cidades e da produção para o parasitismo". É preciso, para reagir contra esses

males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o problema

educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos

centros industriais já pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola

do trabalho profissional, baseada no exercício normal do trabalho em

cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas (primária e

secundária profissional) às necessidades regionais e às profissões e indústrias

dominantes no meio. A nova política educacional rompendo, de um lado, contra

a formação excessivamente literária de nossa cultura, para lhe dar um caráter

científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em

relação ao meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da

produção e procura reforçar, por todos os meios, a intenção e o valor social da

escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte e a literatura

tem efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a aproximação

dos homens, a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de

tais ou quais idéias sociais, de uma maneira "imaginada", e, portanto, eficaz, a

extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo conferem

certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a

riqueza do homem aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco,

os produtores intelectuais não passam para o primeiro plano senão quando as

sociedades se organizam em sólidas bases econômicas.

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b) O ponto nevrálgico da questão

A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas

instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e

superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o

desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da

organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo

espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico,

fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade

mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à

Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (l2

a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à

formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua

faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a

aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação,

pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações

científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os

trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura

geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de

preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas;

ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção

de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos

destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração

de matérias primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da

elaboração das matérias primas (industriais e profissionais) e da distribuição

dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio).

Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média

(burguesia), enquanto a escola primária servia à classe popular, como se

tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º grau não

forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o

Page 126: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

dualismo dos sistemas escolares. É ainda nesse campo educativo que se

levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral e se põe o problema

relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se

em ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a escola

secundária seja, nas reformas escolares, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a

solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário, levantando os

obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes

sociais, se inspira na necessidade de adaptar essa educação à diversidade

nascente de gostos e à variedade crescente de aptidões que a observação

psicológica registra nos adolescentes e que "representam as únicas forças

capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior". A escola do

passado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conhecimentos,

descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o

adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura

geral comum, em que importará menos a quantidade ou qualidade das

matérias do que o "método de sua aquisição", a escola moderna estabelece

para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se

adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de

formas de atividade social.

c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil

A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço

das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode

evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar

para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional

e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que

exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e

tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas. Ao lado

das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-

se a criação simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de

Page 127: ana cristina dos santos siqueira discussões em torno à formação do ...

faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas

e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos mentais e

das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se

reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A

educação superior ou universitária, a partir dos 18 anos, inteiramente gratuita

como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e

técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores,

em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de

maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora

ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de

conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas

instituições de extensão universitária, das ciências e das artes.

No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o "sistema

nervoso da Universidade", que estimula e domina qualquer outra função; com

ser esse espírito de profundidade e universalidade, que imprime à educação

superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o

aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior

nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se

propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições,

organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente

subordinada à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da

aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função

pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas

as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do

que no império, é hoje, na frase de Alberto Torres, "mais vaga, fluida, sem

assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes

inspirar atos", é porque a nossa geração, além de perder a base de uma

educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou

infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensamento ganha em extensão

o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que

devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e

para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à

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erudição, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substância,

dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de

conhecimentos.

Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas

opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades

das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da

estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase

anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira

geração nascida com a república, no seu esforço heróico para adquirir a posse

de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos

os males educativos de que se viciou a sua formação. A organização de

Universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos

que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos,

sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito

comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse "estado de ânimo

nacional", capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam

quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de

pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no

conjunto de suas instituições de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos

grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade

de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por

falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das

idéias; a ignorância "da mais humana de todas as operações intelectuais, que é

a de tomar partido", e a tendência e o espírito fácil de substituir os princípios

(ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos

desesperados.

d) O problema dos melhores

De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições

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educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel

cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios,

cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e

solução de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e

econômicas. Se o problema fundamental das democracias é a educação das

massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem formar

o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo conceito de

educação repele as elites formadas artificialmente "por diferenciação

econômica" ou sob o critério da independência econômica, que não é nem

pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição

para que uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser

"inteiramente aberta" e não somente de admitir todas as capacidades novas,

como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os indivíduos que

não desempenham a função social que lhes é atribuída no interesse da

coletividade. Mas, não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão

especial e tanto mais perfeitas serão as sociedades quanto mais pesquisada e

selecionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de

homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade

dos problemas que põe a complexidade das sociedades modernas. Essa

seleção que se deve processar não "por diferenciação econômica", mas "pela

diferenciação de todas as capacidades", favorecida pela educação, mediante a

ação biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem

sequer realizar-se senão pela obra universitária que, elevando ao máximo o

desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões naturais e

selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência

efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social.

A unidade de formação de professores e a unidade de espírito

Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os

graus, ao qual, escolhido como sendo um corpo de eleição, para uma função

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pública da mais alta importância, não se dá, nem nunca se deu no Brasil, a

educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é

recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como

os professores do ensino secundário e os do ensino superior (engenharia,

medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas carreiras, que receberam,

uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário,

preparado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais

propedêutico, e, as vezes misto, com seus cursos geral e de especialização

profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nível

secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em

que ela deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada

entre nós, de maneira diferente, quando não é inteiramente descuidada, como

se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante, fosse

a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação

profissional. Todos os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se

adquirirá nos estabelecimentos de ensino secundário, devem, no entanto,

formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em

faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às

universidades. A tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação

dos graus de ensino, e que a linguagem fixou em denominações diferentes

(mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princípio da

unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na

incorporação dos estudos do magistério às universidades, e, portanto, na

libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e

remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no

trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.

A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade

da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a

cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre

todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca,

uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e

nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação

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da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da

mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de

transmiti-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que

reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse "espírito", esse

"ideal comum", pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do

magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria

mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente

possível, as injustiças da situação atual. Os professores de ensino primário e

secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários, sobre a base

de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação

secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior,

preparando a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério.

Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se

estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao

outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridade em gérmen,

pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro dos estudos, a

unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.

O papel da escola na vida e a sua função social

Mas, ao mesmo tempo em que os progressos da psicologia aplicada à

criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos

sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram

uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de

seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola,

campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade

humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e

vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a

criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as

alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente

pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo

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jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades

modernas. Numerosas e variadíssimas, são, de fato, as influências que formam

o homem através da existência. "Há a herança que a escola da espécie, como

já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a

escola da comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos os

seus imponderáveis e forças incalculáveis". Compreender, então, para

empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a "zona luminosa é

singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação

consciente que são as escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que

as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e a

imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada".

Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada,

na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que

concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de

reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema

de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As

instituições periescolares e postescolares, de caráter educativo ou de

assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de

organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior,

das instituições educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos

jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e

fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por

esse conjunto sistemático de medidas de projeção social da obra educativa

além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins

às universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as famílias dos alunos,

estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;

constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com

as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos

materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder

de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a

imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da

educação.

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Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra

educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior numero possível de

direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se

desenvolver, recorrendo a comunidade como à fonte que lhes há de

proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições

materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da

escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre

os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a

imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência,

numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de

atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema social

geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a

maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o

disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia,

acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições

geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola

antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo

acanhado e estéril, sem o indispensável complemento e concurso de todas as

outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada de todos

os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio

social, em que então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se

num centro poderoso de criação, atração e irradiação de todas as forças e

atividades educativas.

A democracia, - um programa de longos deveres

Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem

que apresenta um plano de reconstrução educacional de tão grande alcance e

de tão vastas proporções. Mas, temos, com a consciência profunda de uma por

uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos,

como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências

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mais agitadas, mais rudes e mais fecundas em realidades, que um homem

tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O próprio espírito que o

informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases

científicas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio,

tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do

nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política

empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os

problemas de educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a

ciência não tem pátria, nem varia, nos seus princípios, com os climas e as

latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma "unidade

fundamental", dentro da variedade de sistemas resultantes da adaptação a

novos ambientes dessas idéias e aspirações que, sendo estruturalmente

científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certamente, tempo

para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral

sejam tocadas pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e

fecundo para lhe modificar os pontos de vista e as atitudes em face do

problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por

partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância de uma

nova política de educação.

Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão

abater-nos a resolução firme de trabalhar pela reconstrução educacional no

Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis à indiferença e à

hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas,

caminharemos progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem

abandonarmos o terreno das realidades, mas sem perdermos de vista os

nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação

inteiramente nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite

hesitar um momento diante da tremenda tarefa que nos impõe a consciência,

cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para enfrentarmos

com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas

postos pelas sociedades modernas. "Não devemos submeter o nosso espírito.

Devemos, antes de tudo proporcionar-nos um espírito firme e seguro; chegar a

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ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e como

envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que

sirvam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas

as nossas ações; vida e pensamento devem ser em nós outros de uma só peça

e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um

caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes

acontecimentos de nossos dias, sua relação conosco e o que podemos esperar

deles. É preciso formar uma opinião clara e penetrante e responder a esses

problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável".

Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte

há mais de um século, apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o

caminho de sua salvação pela obra educacional, em um daqueles famosos

"discursos à nação alemã", pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as

janelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores

franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si

mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda

renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa

acompanhar-se de fundas transformações no regime educacional: as únicas

revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e

é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de

desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de

esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de

cooperação. "O ideal da democracia que, - escrevia Gustave Belot em 1919, -

parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que

parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e como

um programa de longos deveres". Mas, de todos os deveres que incumbem ao

Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de

sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de

algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se

projetam mais longe nas suas conseqüências, agravando-se à medida que

recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o

da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus

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destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a

identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a

consciência humana.

Fernando de Azevedo

Afranio Peixoto

A. de Sampaio Doria

Anísio Spinola Teixeira

M. Bergstrom Lourenço Filho

Roquette Pinto

J. G. Frota Pessôa

Julio de Mesquita Filho

Raul Briquet

Mario Casassanta

C. Delgado de Carvalho

A. Ferreira de Almeida Jr.

J. P. Fontenelle

Roldão Lopes de Barros

Noemy M. da Silveira

Hermes Lima

Attilio Vivacqua

Francisco Venancio Filho

Paulo Maranhão

Cecilia Meirelles

Edgar Sussekind de Mendonça

Armanda Alvaro Alberto

Garcia de Rezende

Nobrega da Cunha

Paschoal Lemme

Raul Gomes.

 

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