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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 107
SNTESE - REV. DE FILOSOFIA
V. 31 N. 99 (2004): 107-131
A POLMICA EM TORNO AO PSICOLOGISMODE BOLZANO A HEIDEGGER
Mario Ariel Gonzlez PortaPUC-SP
pois, na filosofia, precisamente os problemas esto intimamente
vinculados
e um se desprende e se desencadeia do outro...1
Resumo: A crtica do psicologismo constitui o tema da A crtica do
psicologismo constitui o tema da A crtica do psicologismo constitui
o tema da A crtica do psicologismo constitui o tema da A crtica do
psicologismo constitui o tema da
DissertatioDissertatioDissertatioDissertatioDissertatio
heideggeriana, um heideggeriana, um heideggeriana, um
heideggeriana, um heideggeriana, umtexto citado regularmente, porm
pouco estudado. A carncia principal constatveltexto citado
regularmente, porm pouco estudado. A carncia principal
constatveltexto citado regularmente, porm pouco estudado. A carncia
principal constatveltexto citado regularmente, porm pouco estudado.
A carncia principal constatveltexto citado regularmente, porm pouco
estudado. A carncia principal constatvel a deficiente ateno ao
contexto no qual o mesmo foi escrito. Este contexto, no a
deficiente ateno ao contexto no qual o mesmo foi escrito. Este
contexto, no a deficiente ateno ao contexto no qual o mesmo foi
escrito. Este contexto, no a deficiente ateno ao contexto no qual o
mesmo foi escrito. Este contexto, no a deficiente ateno ao contexto
no qual o mesmo foi escrito. Este contexto, noobstante, elemento
imprescindvel para uma adequada valorizao do escrito queobstante,
elemento imprescindvel para uma adequada valorizao do escrito
queobstante, elemento imprescindvel para uma adequada valorizao do
escrito queobstante, elemento imprescindvel para uma adequada
valorizao do escrito queobstante, elemento imprescindvel para uma
adequada valorizao do escrito queexplicite o que ele representa
para a filosofia alem do momento e para a fixao doexplicite o que
ele representa para a filosofia alem do momento e para a fixao
doexplicite o que ele representa para a filosofia alem do momento e
para a fixao doexplicite o que ele representa para a filosofia alem
do momento e para a fixao doexplicite o que ele representa para a
filosofia alem do momento e para a fixao docaminho do pensar
heideggeriano ao Ser e tempo. As linhas que se seguem esta-caminho
do pensar heideggeriano ao Ser e tempo. As linhas que se seguem
esta-caminho do pensar heideggeriano ao Ser e tempo. As linhas que
se seguem esta-caminho do pensar heideggeriano ao Ser e tempo. As
linhas que se seguem esta-caminho do pensar heideggeriano ao Ser e
tempo. As linhas que se seguem esta-belecem as bases para o
tratamento de ambas as questes, na medida em que recons-belecem as
bases para o tratamento de ambas as questes, na medida em que
recons-belecem as bases para o tratamento de ambas as questes, na
medida em que recons-belecem as bases para o tratamento de ambas as
questes, na medida em que recons-belecem as bases para o tratamento
de ambas as questes, na medida em que recons-troem o mencionado
contexto em uma ampla perspectiva histrico-evolutiva que,troem o
mencionado contexto em uma ampla perspectiva histrico-evolutiva
que,troem o mencionado contexto em uma ampla perspectiva
histrico-evolutiva que,troem o mencionado contexto em uma ampla
perspectiva histrico-evolutiva que,troem o mencionado contexto em
uma ampla perspectiva histrico-evolutiva que,ainda que sinttica,
pontua as inflexes decisivas que a temtica do psicologismoainda que
sinttica, pontua as inflexes decisivas que a temtica do
psicologismoainda que sinttica, pontua as inflexes decisivas que a
temtica do psicologismoainda que sinttica, pontua as inflexes
decisivas que a temtica do psicologismoainda que sinttica, pontua
as inflexes decisivas que a temtica do psicologismoexperimenta de
Bolzano a Husserl.experimenta de Bolzano a Husserl.experimenta de
Bolzano a Husserl.experimenta de Bolzano a Husserl.experimenta de
Bolzano a Husserl.
Palavras-chave: Heidegger, psicologismo, platonismo lgico,
neokantismo, filosofia da Heidegger, psicologismo, platonismo
lgico, neokantismo, filosofia da Heidegger, psicologismo,
platonismo lgico, neokantismo, filosofia da Heidegger,
psicologismo, platonismo lgico, neokantismo, filosofia da
Heidegger, psicologismo, platonismo lgico, neokantismo, filosofia
davida (vida (vida (vida (vida
(LebensphilosophieLebensphilosophieLebensphilosophieLebensphilosophieLebensphilosophie).).).).).
1 Tr. do autor: da in der Philosophie gerade die Probleme innig
verwachsen sind undeines das andere aus- und ablst (Martin
Heidegger: Neuere Forschungen ber Logik.Em: Gesamtausgabe. 1
Abteilung. Band I: Frhe Schriften Frankfurt, VittorioKlostermann,
1972. pp . 17-45 (NFL,17)).
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108 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
1. Introduo1. Introduo1. Introduo1. Introduo1. Introduo
Aminha pesquisa no se concentra num autor, mas num tema, quepode
ser resumido em cinco pontos2 :1. Parto da convico da unidade da
filosofia contempornea na diver-sidade de suas tendncias
fundamentais (ou seja, filosofia analtica
ehermenutico-fenomenolgica)3.
Abstract: The criticism of psychologism constitutes the theme of
Heideggers Dissertatio, The criticism of psychologism constitutes
the theme of Heideggers Dissertatio, The criticism of psychologism
constitutes the theme of Heideggers Dissertatio, The criticism of
psychologism constitutes the theme of Heideggers Dissertatio, The
criticism of psychologism constitutes the theme of Heideggers
Dissertatio,a text that is often quoted, but rarely studied. The
main noticeable deficiency is thea text that is often quoted, but
rarely studied. The main noticeable deficiency is thea text that is
often quoted, but rarely studied. The main noticeable deficiency is
thea text that is often quoted, but rarely studied. The main
noticeable deficiency is thea text that is often quoted, but rarely
studied. The main noticeable deficiency is theinsufficient
attention given to the context in which it was written. This
context is,insufficient attention given to the context in which it
was written. This context is,insufficient attention given to the
context in which it was written. This context is,insufficient
attention given to the context in which it was written. This
context is,insufficient attention given to the context in which it
was written. This context is,nevertheless, an indispensable element
to an adequate appraisal of the writing innevertheless, an
indispensable element to an adequate appraisal of the writing
innevertheless, an indispensable element to an adequate appraisal
of the writing innevertheless, an indispensable element to an
adequate appraisal of the writing innevertheless, an indispensable
element to an adequate appraisal of the writing inorder to make
explicit what it represents to German philosophy at that moment
andorder to make explicit what it represents to German philosophy
at that moment andorder to make explicit what it represents to
German philosophy at that moment andorder to make explicit what it
represents to German philosophy at that moment andorder to make
explicit what it represents to German philosophy at that moment
andto determine the path of Heideggers thought towards Being and
Time. The linesto determine the path of Heideggers thought towards
Being and Time. The linesto determine the path of Heideggers
thought towards Being and Time. The linesto determine the path of
Heideggers thought towards Being and Time. The linesto determine
the path of Heideggers thought towards Being and Time. The
linesbelow establish the basis for dealing with both questions, as
the context mentionedbelow establish the basis for dealing with
both questions, as the context mentionedbelow establish the basis
for dealing with both questions, as the context mentionedbelow
establish the basis for dealing with both questions, as the context
mentionedbelow establish the basis for dealing with both questions,
as the context mentionedabove is reconstructed in an ample
historical-evolutive perspective that, in spite ofabove is
reconstructed in an ample historical-evolutive perspective that, in
spite ofabove is reconstructed in an ample historical-evolutive
perspective that, in spite ofabove is reconstructed in an ample
historical-evolutive perspective that, in spite ofabove is
reconstructed in an ample historical-evolutive perspective that, in
spite ofbeing synthetic, points out the decisive inflections that
the theme of psychologismbeing synthetic, points out the decisive
inflections that the theme of psychologismbeing synthetic, points
out the decisive inflections that the theme of psychologismbeing
synthetic, points out the decisive inflections that the theme of
psychologismbeing synthetic, points out the decisive inflections
that the theme of psychologismexperiences from Bolzano to
Husserl.experiences from Bolzano to Husserl.experiences from
Bolzano to Husserl.experiences from Bolzano to Husserl.experiences
from Bolzano to Husserl.
Key words: Heidegger, psychologism, logical platonism,
neokantianism, life philosophyHeidegger, psychologism, logical
platonism, neokantianism, life philosophyHeidegger, psychologism,
logical platonism, neokantianism, life philosophyHeidegger,
psychologism, logical platonism, neokantianism, life
philosophyHeidegger, psychologism, logical platonism,
neokantianism, life
philosophy(Lebensphilosophie)(Lebensphilosophie)(Lebensphilosophie)(Lebensphilosophie)(Lebensphilosophie)
2 Visando abreviar o texto eu suprimi todas as citaes e
referncias naqueles casos emque as mesmas so indicadas e/ou
analisadas em outros textos de minha autoria. Ascitaes e referncias
a Heidegger ou a outros pensadores no indicadas e/ou analisadosnos
trabalhos j publicados, sero introduzidas em notas correspondentes.
A lista detrabalhos referidos a seguinte:
a) Resea de Konstitution und Gegebenheit bei H. Rickert de
Lothar Kuttig. Estudiosbibliogrficos de Filosofa, Sevilla, v.10, p.
236-238, 1989.b) Transzendentaler Objektivismus (Bruno Bauchs
Verarbeitung des Themas derSubjektivitt und ihre Stellung innerhalb
der Neukantischen Bewegung. Frankfurt:Peter Lang, 1990 (392 pp.).c)
Los orgenes de la virada antipsicologista en Husserl (La resea a
Schrder de1891 revisada). Thmata. Revista de Filosofa. Sevilla: v.
21, p. 85-116, 1999d) La cuestin notica en Frege, su concepto de
intencionalidad y su influencia sobreHusserl. Thmata. Revista de
Filosofa, Sevilla: v. 24, p. 83-114, 2000e) Cassirer e a filosofia
das formas simblicas. Ethica, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1,
p.128-152, 2001.f) Franz Brentano. Equivocidad del Ser y objeto
intencional. Kriterion. Minas Gerais,v. XLIII, n. 105, p. 97-118,
2002.g) Platonismo e intencionalidade: a propsito de Bernhard
Bolzano. Primeira Parte.Sntese. Nova Fase. Minas Gerais, v. 29, n.
94, p.251-275, 2002.h) Platonismo e intencionalidade: a propsito de
Bernhard Bolzano. Segunda Parte.Sntese. Nova Fase. Minas Gerais, v.
29, n. 94, p.85-106, 2003.
3 Que s filosofa contempornea? (La unidad de la filosofa
contempornea desde elpunto de vista de la historia de la filosofa.
Transformao (Revista de Filosofia). SoPaulo, v. 25, pp. 29-52,
2002.
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 109
2. Se a tese anterior prioritariamente sistemtica, ela possui,
porm, umforte contedo histricofilosfico. nele que concentro a minha
ateno.
3. O que me proponho reconstruir as origens comuns s duas
tradi-es mencionadas, assim como as interaes efetivas que as
mesmasapresentam atravs do seu desenvolvimento.
4. Em tal perspectiva, uma ateno especial merecem os temas que
ocu-pam um lugar decisivo em ambas, no duplo sentido sistemtico e
factual.
5. Um desses temas a crtica ao psicologismo.
Dela parte a reflexo heideggeriana4 e, eu me atreveria a dizer,
ela tem umpapel decisivo no caminho a Sein und Zeit (SZ)5. Meu
ponto de chegadaser o ponto de partida de Heidegger. No vou, ento,
nem me concentrarna anlise do texto de 1913, nem considerar o mesmo
na sua totalidade. Oque farei ser situ-lo no seu contexto,
acompanhando a grandes traos aevoluo da luta antipsicologista de
forma tal que evidencie o que o textoheideggeriano representou na
mesma. Dado que o tema anunciado implicapassar por diversos autores
e escolas, o perigo de superficialidade emera agregao iminente. Por
tal motivo, limitarei minha anlise a foca-lizar o giro
caracterstico que efetua cada um dos autores e escolas men-cionados
neste longo percurso.
Facilitar a exposio que segue, lembrar uma questo e definir dois
con-ceitos:
1. A questo aludida a referente realidade do mundo externo ou
possibilidade de nosso acesso ao mesmo a partir da imanncia da
cons-cincia, questo esta que, como sabido, ocupa lugar de destaque
nafilosofia moderna.
2. Entenderemos por realismo lgico uma teoria de extrema
difusono sculo XIX segundo a qual se afirma a existncia em si (isto
,independente da subjetividade) de objetos e estruturas lgicas no
menosque a nossa capacidade de conhec-las6.
3. O termo psicologismo tem uma infinidade de sentidos e o
chamadoproblema do psicologismo contm, em realidade, vrios
problemas.Pode-se diferenciar trs tipos de psicologismo: o lgico, o
semnticoe o epistemolgico. O psicologismo lgico uma teoria que se
propeassimilar a lgica psicologia, concebendo a primeira como parte
dasegunda e negando, desta forma, a existncia de entidades e
estruturas
4 A sua tese de doutorado leva por ttulo Die Lehre vom Urteil im
Psychologismus5 As citaes a SZ se referem edio de Max Niemeyer
(Tbingen, 1986) que umaverso inalterada da 15a edio.6 Aquilo que no
sculo XIX chamamos realismo lgico , no fundo, um certo tipo
deplatonismo.
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110 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
propriamente lgicas. O psicologismo semntico consiste em
reduzirsignificaes lingsticas a entidades psicolgicas. O
psicologismoepistemolgico, finalmente, reduz o conhecimento (e/ou a
validadeepistmica) a um processo psicolgico.
Psicologismo e realismo lgico so opostos. Eles constituem os
atores dodrama que vamos seguir e o problema da transcendncia, em
nova varian-te, o palco no qual este drama vai se desenvolver.
Clarificados os conceitos bsicos, vou a minha tese: o realismo
lgico e acrtica ao psicologismo vinculada ao mesmo, longe de
implicar um dester-ro da questo da subjetividade como tema
filosfico, remetendo-a a psico-logia, a tornam necessria desde o
ponto de vista sistemtico e no sesustentam sem ela. A tese
sistemtica confirmada pela anlise histrica.Esta ser o
prespressuposto da minha interpretao do trabalho juvenil
deHeidegger j mencionado.
2. Bolzano2. Bolzano2. Bolzano2. Bolzano2. Bolzano
2.1. A Teoria da cincia (Die Wissenschaftslehre)2.1. A Teoria da
cincia (Die Wissenschaftslehre)2.1. A Teoria da cincia (Die
Wissenschaftslehre)2.1. A Teoria da cincia (Die
Wissenschaftslehre)2.1. A Teoria da cincia (Die
Wissenschaftslehre)
Bolzano considerado tanto a origem da chamada virada
semntica(semantic turn), quanto do realismo lgico, existindo entre
ambos um forteelo. Ele pode ser considerado, tambm, o incio do
antipsicologismo,ainda que com uma importante preciso. O oponente
principal deBolzano o ceticismo e, por decorrncia, o relativismo em
todas assuas formas; o psicologismo em particular, no constitui o
tema cen-tral, nem objeto de crtica expressa. Ele , simplesmente,
com a intro-duo de cada novo conceito e cada nova tese executado de
modosumrio.
A Wissenschaftslehre no sentido prprio trata do contedo objetivo
dacincia e de suas inter-relaes, entre as quais ocupa um lugar de
destaquea demonstrao. A ela se somam, como esferas igualmente
objetivas, ateoria das verdades fundamentais e a dos elementos.
Nestas trs discipli-nas nada nos dito sobre um sujeito cognoscente.
Este ser tematizadopela teoria do conhecimento (Erkenntnislehre),
entendida como a parteda teoria da cincia que trata das condies nas
quais a verdade podeser conhecida por ns, sujeitos humanos. A
distino bolzaniana entreteoria do conhecimento e da cincia marca de
forma explcita um cortecom a tradio moderna e antecipa a Theory of
science contempor-nea.
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 111
A tese central da Wissenschaftslehre reza: existem verdades em
si(Wahrheiten an sich), isto : h verdades independentes do homem e
in-clusive, de Deus; o sujeito pode capt-las, mas no produzi-las.
Do concei-to de verdades em si, segue-se o de proposio em si (Satz
an sich).Verdades em si supem proposies em si, pois elas no so
outra coisaque proposies em si que so verdadeiras. Proposies em si
so o sentidode enunciados pensados ou expressados, um sentido,
porm, que no pres-supe atos psicolgicos ou lingsticos. Proposies em
si so to objetivase independentes de qualquer sujeito quanto
verdades em si. Alm das jmencionadas, elas possuem outras trs
qualidades essenciais:
1. Proposies em si no so simples, mas sempre articuladas; elas
apre-sentam uma estrutura na qual possvel diferenciar elementos, as
re-presentaes em si (Vorstellungen an sich).
2. Proposies em si so as depositrias originais da verdade e
falsidade(ou: essencialmente capazes de ser verdadeiras ou
falsas).
3. Proposies em si so bipolares, ou seja, elas no s so as
essenciaisdepositrias de verdade ou falsidade, mas necessariamente
ou um ououtro.
Finalmente, o ser em sentido prprio o ser real (wirklich).
Ser-realsignifica estar submetido a relaes de causao (wirken). O
que existe,atua ou padece. Por esse motivo, Deus e os objetos
espao-temporais soreais; verdades, proposies e representaes em si,
pelo contrrio, no oso7.
2.2. Descobrindo dificuldades2.2. Descobrindo dificuldades2.2.
Descobrindo dificuldades2.2. Descobrindo dificuldades2.2.
Descobrindo dificuldades
O primeiro crtico do realismo bolzaniano foi seu amigo e
interlocutorepistolar, Franz Exner. Exner no era um lgico, mas um
psiclogo, e nadatem a dizer sobre as doutrinas estritamente lgicas
de Bolzano. No obstante, essa diferena de perspectiva entre ambos o
que faz a sua crtica parti-cularmente interessante. No centro da
discusso entre Exner e Bolzano sesitua a resistncia do primeiro a
aceitar verdades em si e todas as suasderivaes. Contedos pensados
no possuem nenhum tipo de existnciafora do pensamento, mas s
existem nele. Verdades e proposies em sino so mais que abstraes a
partir de sujeitos psicolgicos reais. Mas, seExner concentra a sua
anlise em negar a existncia de objetos lgicos, pormomentos adota um
ponto de vista sistematicamente mais interessante, asaber, o de
questionar de princpio nossa possibilidade de aceder aos
7 Observe-se: no se trata de diferenciar dois tipos ou duas
esferas de realidade (porexemplo, um ser ideal e um ser sensvel); o
em si, simplesmente, no real.
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112 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
mesmos. Bolzano insiste com um tal radicalismo na
absolutaheterogeneidade entre o em si e o subjetivo, que obviamente
termina co-locando o problema da sua relao. Se o sujeito, por um
lado, real everdades em si, por outro, no, ento:
1. Como um sujeito real pode apreender algo que no real,
maisainda, que no real nele de forma alguma?
2. Como possvel que algo que no existe seja apreendido por
algoque existe?
3. Que significa aqui (em sentido no metafrico)
apreenso(Auffassung)?
4. Como acedemos verdade objetiva?
5. Que legitima fazer afirmaes sobre a mesma?
Se, como observamos num comeo, se encontra em Bolzano o claro
inciodo realismo lgico e antipsicologismo, no menos certo que est
tambmpresente nele a necessidade de uma reformulao da teoria do
sujeito, umanecessidade que, na sua obra, se apresenta como
problema ainda no re-solvido de modo satisfatrio. Bolzano no dispe
de uma teoria do sujeitocoerente com o seu realismo lgico e que
conteste as objees de Exner. Oque se pode encontrar em seus textos
uma perspectiva naturalista bsica(na qual a explicao causal tem o
primado) e que convive, se contradizen-do, com alguns lampejos de
uma concepo intencional que no passa deuma mera variante da tese da
imanncia8.
3. Frege3. Frege3. Frege3. Frege3. Frege
3.1. As fases do antipsicologismo fregueano3.1. As fases do
antipsicologismo fregueano3.1. As fases do antipsicologismo
fregueano3.1. As fases do antipsicologismo fregueano3.1. As fases
do antipsicologismo fregueano
Ao contrrio de Bolzano, a crtica expressa do psicologismo tema
centralpara o desenvolvimento do realismo lgico em Frege, ao passo
que a ques-to do ceticismo permanece como derivada. Ora,
pressupe-se que oantipsicologismo acompanha o desenvolvimento
filosfico fregueano des-de um comeo e se mantm sem mudanas
substanciais at o final dasua vida. No assim. Trs momentos podem
ser diferenados a esserespeito, situados em torno aos anos 1879,
1884 e 1893, anos de publicaode Begriffschrift, Grundlagen der
Arithmetik e Grundgesetze derMathematik respectivamente. Em 1879
Frege um antipsicologista lgico,
8 Veja-se 3.2.2.
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 113
mas um psicologista semntico. Em 1884 a crtica ao psicologismo
em to-das as suas variantes torna-se tema central e se mantm nessa
posio ata sua morte. No obstante, existe uma significativa diferena
noantipsicologismo de 1884 e de 1893. A partir desta data, Frege
deixa entre-ver um interesse pelo problema de Exner e esboa uma
tentativa desoluo.
No improvvel que essa significativa mudana esteja vinculada a
suapolmica com Kerry, a qual acontece cerca de 1890. A opinio que
primaentre os estudiosos que Kerry era um lgico pouco expressivo, a
quemFrege critica de modo contundente em Begriff und Gegenstand. Na
re-alidade, isto to-s uma parte da histria. A relao conceito-objeto
nofoi o nico tema discutido na polmica nem constituiu o ncleo da
mesma.Kerry, que era um discpulo de Brentano, coloca Frege frente
mesmadificuldade que j antes Exner havia colocado a Bolzano. Ante a
acusaofregueana de psicologismo, Kerry responde que no se deve
temer que,pelo fato de se buscar estabelecer as condies subjetivas
dos objetos daaritmtica, esta se torne psicologia. Muito mais
frutfero que um merohorror subjetivo (a ironia do prprio Kerry) ver
como, a partir dosubjetivo, do qual de todas formas tem que tomar
origem nosso conheci-mento, surge algo objetivamente vlido. A
tarefa mostrar como, median-te trabalho psquico (psychische
Arbeit), surgem estruturas (por exem-plo, o nmero) que pretendem
ter validez objetiva. Muitas so as precisesque exigiria o texto de
Kerry e muitas as distines que seriam necessriaspara chegar a uma
claridade definitiva. Sem embargo, se os seus argumen-tos e a sua
soluo distam de ser transparentes, o problema geral ao qual,porm,
aponta (ou, pelo menos, o ncleo do mesmo) no deixa de
serlegtimo.
Em nenhum momento Frege responde explicitamente questo
levantadapor Kerry; bem poderia se pensar ento, que ele no concedeu
importncia mesma e que tudo no passa de uma curiosidade. No
obstante, existemalgumas boas razes para pensar que no foi assim.
Em 1893, no prlogodas Grundgesetze , o alvo da crtica
antipsicologista ser Erdmann. Oporqu Frege elege a Erdmann se deve,
em parte, a que a Logik desteacaba de ser publicada, obtendo uma
calorosa recepo. Mas qui tam-bm se deva a que Erdmann continue a
desenvolver o projeto de Kerry deuma teoria do trabalho psquico.
Ainda mais decisivo que esse fato atender ao contedo da crtica
fregueana. Se compararmos a refutao dopsicologismo de Grundgesetze
com a de Grundlage , salta vistauma diferena: em Grundgesetze no s
se insiste na distino entreo subjetivo e o objetivo, mas todo o
argumento de Frege est literalmentebaseado na questo da passagem do
subjetivo ao objetivo. Frege dispeagora de um caminho para, pelo
menos, oferecer a Kerry um claro contra-argumento sob a forma de
explicitar como a sua pergunta no deve colo-car-se e pela reviso de
quais pressupostos ela pode responder-se.
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114 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
Ora, para entender a resposta de Frege temos que, voltando sua
segundaetapa, observar que sua crtica ao psicologismo tem dois
aspectos: ummetdico, outro sistemtico.
3.2. As duas crticas ao psicologismo3.2. As duas crticas ao
psicologismo3.2. As duas crticas ao psicologismo3.2. As duas
crticas ao psicologismo3.2. As duas crticas ao psicologismo
3.2.1. A crtica metdica ao psicologismo3.2.1. A crtica metdica
ao psicologismo3.2.1. A crtica metdica ao psicologismo3.2.1. A
crtica metdica ao psicologismo3.2.1. A crtica metdica ao
psicologismo
A crtica fregueana ao psicologismo aponta a distinguir o mbito
de traba-lho de duas disciplinas: lgica e psicologia, e possui,
portanto, o carter deuma delimitao metdica. Sua justificao arranca
da prpria possibilida-de da distino que ela estabelece. Que aqui
seja possvel distinguir, prova suficiente de que estamos frente a
duas coisas diversas. Segundouma idia usual no sculo XIX, a lgica
se ocupa com as leis do pensamen-to. Agora bem, com o pensamento
tambm se ocupa a psicologia. E ento?Obviamente, nos dois casos se
trata de conceitos de pensamento diferen-tes. Poderamos evidenciar
esta diferena falando em um caso do pensarcomo ato, no outro, do
pensamento como contedo do ato ou, mais preci-samente (j que o
contedo mesmo pode ainda ser visto como realidadepsicolgica) como o
contedo objetivo do ato. Quando dizemos que algica se ocupa das
leis do pensamento, devemos entender por pensa-mento no o ato de
pensar (ou qualquer realidade psicolgica), mas opensamento em
sentido objetivo. Pelo contrrio, a psicologia se ocupa como ato de
pensar enquanto evento.
Se partirmos da idia de que o antipsicologismo fregueano
exclusiva-mente metdico, se sugere que o psicologismo uma mera
confuso, doque se segue que a correo do erro psicologista tem um
carter essenci-almente negativo. Sendo isto assim, dado que a lgica
se ocupa com opensamento e suas relaes objetivas, absolutamente
indiferente para amesma como esses pensamentos sejam captados. A
captao do pensa-mento uma questo psicolgica; a relao entre lgica e
psicologia,puramente negativa.
3.2.2. A crtica terica ao psicologismo3.2.2. A crtica terica ao
psicologismo3.2.2. A crtica terica ao psicologismo3.2.2. A crtica
terica ao psicologismo3.2.2. A crtica terica ao psicologismo
Porm, nem o antipsicologismo fregueano puramente metodolgico,
nemo psicologismo que ele critica uma mera confuso. Em realidade,
aindaque o psicologismo seja uma teoria falsa, ele uma teoria
positiva que,como tal, tem que ser criticada e substituda por uma
outra. Mas, o que o psicologismo? A assimilao da lgica como
disciplina psicologia comodisciplina conseqncia no s (e no sempre)
da confuso das leis lgi-cas com as psicolgicas, mas da reduo de
umas s outras, reduo que,pela sua vez, no afeta s as leis, mas a
toda entidade que possa ser con-
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 115
siderada especificamente lgica. A essncia do psicologismo, pois,
oreducionismo: o psicologismo no necessariamente confunde, mas
semprereduz.
A disputa entre psicologismo e antipsicologismo se concentra no
reconhe-cimento ou desconhecimento de uma esfera lgica especfica e
autnomaou, dito de outra forma, no reconhecimento ou
desconhecimento de umadiferena entre o objetivo e o subjetivo. O
psicologismo reduz o lgico aopsicolgico porque reduz o objetivo ao
subjetivo. A conseqncia disto oidealismo, o solipsismo e, em
definitivo, o ceticismo. O motivo fundamen-tal da crtica fregueana
ao psicologismo , pois, epistemolgico: opsicologismo conduz a uma
negao da objetividade.
O psicologismo no fruto de uma mera confuso; ele uma teoria
falsa.Em que consiste esta teoria? Basicamente em trs teses:
1. Tudo o que objetivo, real. Verdade supe realidade. A
realidade o substrato da verdade do ser verdadeiro.
2. Tudo o que , real, sendo que o real fsico ou psicolgico9.
Ora,operadores lgicos, nmeros, significados de palavras, sentidos
de enun-ciados etc., no so obviamente objetos fsicos, pois no esto
dados noespao nem podem ser percebidos pelos sentidos. Em
conseqncia, jque no tm realidade externa, tm que ter algum tipo de
realidadeinterna. Eles so entidades psquicas (Vorstellungen).
3. S temos acesso direto s nossas prprias representaes. Esta
tese conhecida como princpio da imanncia e deve a sua formulao
his-toricamente decisiva a Locke. Ela est em plena validez no sculo
XIXsendo explicitamente aceita por quase a totalidade dos autores,
deErdman a Sigwart, de Fischer a Lotze.
Observe-se que, enquanto a primeira e a segunda tese so
ontolgicas (ouseja, referem-se a o que h ou a que tipos de objetos
existem), a terceira epistemolgica (ou notica), ou seja, se refere
quilo que podemosconhecer ou captar (fassen, auffassen). A
importncia desta distino setornar evidente nas linhas que
seguem.
O psicologismo , sem dvida, uma doutrina ontolgica na medida em
quenega a existncia de um certo tipo de entidades ou as reduz a
outras (dizer: assimila entidades lgicas (ideais) a entidades
psicolgicas (reais)).Mas, ele tambm uma doutrina epistemolgica que
nega a objetivida-de, tanto porque nega a existncia de certos
objetos, quanto porque fazimpossvel o nosso acesso aos mesmos. Essa
epistemologia, pela sua vez,
9 O naturalismo uma tese usual na poca de Frege. Por isso, um
real metafsico (porexemplo, Deus), no preocupa; de todas formas, o
mesmo valeria para ele.
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116 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
est imbricada numa teoria do sujeito, a qual se funda no
princpio daimanncia.
Como resulta bvio a partir da explicitao do
contra-argumentopsicologista, extremamente importante para uma
teoria no-psicologistapositiva diferenciar nele duas teses e
compreender que estas pertencem adiferentes esferas, pois, deste
modo, fica claro que o psicologismo no superado negando apenas a
tese ontolgica.
3.3. A superao do psicologismo3.3. A superao do psicologismo3.3.
A superao do psicologismo3.3. A superao do psicologismo3.3. A
superao do psicologismo
A identificao dos dois pressupostos bsicos do psicologismo vai
juntocom a afirmao de seus contrrios. Um deles j estava afirmado
explici-tamente em Bolzano, o segundo no. Isto faz uma importante
diferena.Recapitulemos: que todo o objetivo tem que ser real um
pressupostogratuito refutado pela existncia da matemtica e pela
prpria linguagem.Real e objetivo no so sinnimos. O reducionismo
psicologista a conse-qncia de no poder aceitar a idia de algo
objetivo que no real. Noobstante, evidente que:
1. existe algo objetivo que, sem embargo, no real;
2. somos capazes de conhecer esse objetivo no-real.
Se afirmo que existe um reino de objetos transcendentes e
no-reais que,no obstante, so captados por mim, reaparece o problema
de Exner.Mas, agora se torna claro que o psicologismo no meramente
consiste emnegar a existncia de certos objetos ideais sobre a base
da consideraode que tudo objetivo e real . Ele diz, tambm, com isto
e por isto, quetudo no sujeito real, que a conscincia s tem acesso
quilo que realnela.
Ainda que o psicologismo seja uma teoria falsa, esta
internamente coe-rente e oferece respostas simples a problemas
complexos. Para opsicologismo no h dificuldade alguma em explicar
como o sujeito captao objeto, pois o objeto no outra coisa que uma
Vorstellung e umaVorstellung, por definio, algo no sujeito. Esta
vantagem dopsicologismo no foi vista meramente por Exner ou por
Kerry em contex-tos polmicos e de modo circunstancial; em muitos
autores psicologistas explorada como forte argumento a favor da
prpria tese. Assim , porexemplo, em um dos psicologistas mais
extremos: Theodor Lipps (que,como muitos outros, no recebia crticas
passivamente, mas contra-argu-mentava baseando-se nas dificuldades
da tese contrria).
O psicologismo no s reduz o objetivo ao subjetivo, mas o faz
porqueparte de uma falsa teoria da subjetividade. Se isto assim,
ele nunca
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 117
totalmente superado quando o seu oponente se contenta em neg-lo
semrevisar a fonte da qual ele se nutre. Justamente por isso,
justamente porqueum mero antipsicologismo concede ao psicologismo
sua idia de subje-tividade, este renasce das cinzas como verdadeira
Fnix. Se a teoriapsicologista da subjetividade fosse certa (ainda
que a sua teoria do objetofalsa e existisse um reino lgico ideal)
no teramos acesso ao mesmo. Eleseria, para ns, algo assim como os
deuses de Epicuro. Em suma, no sepode pretender negar o
psicologismo e manter ao mesmo tempo a suaconcepo do sujeito. Um
antipsicologismo conseqente tm que proporuma teoria
alternativa.
Se sob determinados pressupostos o problema insolvel e, por
outraparte, no estamos dispostos a cortar todo vnculo ao objetivo
(dado que,em ltima instncia, queremos sair do subjetivo), ento no
nos restaoutro caminho seno negar estes pressupostos, ou seja,
negar que o sujeitotem acesso unicamente s suas representaes,
aceitar que ele pode captaralgo que no a sua representao.
3.4. A teoria da subjetividade3.4. A teoria da subjetividade3.4.
A teoria da subjetividade3.4. A teoria da subjetividade3.4. A
teoria da subjetividade
Representao a traduo do termo alemo Vorstellung e este, a
tradu-o do termo ingls idea e do francs ide, sendo que o fato de
que otermo idea perca o seu sentido platnico, para passar a indicar
itenspsicolgicos, caracterstico da poca moderna. Pois bem,
Vorstellungenso:
itens mentais (no necessariamente re-presentativos como o
sugerea palavra portuguesa ou espanhola correspondente),
que devem ser pensados em sentido literal como Bilder ou
quadri-nhos mentais,
que no s tm contedo sensvel,
mas que so, eles mesmos, entidades sensveis (ainda que
internas)enquanto que esto submetidas ao tempo,
e reais, pois uma Vorstellung produto de uma causa e
submetida,de princpio, a interaes causais,
que, justamente por isso, merecem ser chamadas de contedos
deconscincia (Bewusstseinsinhalte), os quais,
por no serem auto-subsistentes precisam de um portador
(Trger),
sendo sempre privadas: duas pessoas nunca podem ter a
mesmaVorstellung.
Uma vez esclarecido o termo Vorstellung, estamos em condies de
expora teoria positiva da subjetividade que surge do texto
fregueano. O que
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118 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
Bolzano chamava Stze an sich basicamente o que Frege chama
deGedanken. Trata-se de objetos lgicos, independentes de todo
sujeito eque possuem uma estrutura ou articulao, sendo os
depositrios originaisda verdade ou falsidade. Agora bem, uma tese
fregueana de extremaimportncia para a crtica do psicologismo
consiste em definir o pen-sar (Denken) como captar pensamentos
(Gedanken). O pensar no, pois, de forma alguma, um fazer, mas um
receber, um aceitar, umaabsoluta passividade. Ele , assim mesmo,
algo heterogneo tanto doter representaes como do efetuar algum tipo
de atividade sobre asmesmas, tais como afirm-las, neg-las ou
sintetiz-las. Representare pensar so fenmenos essencialmente
diferentes e irredutveis um aoutro.
Ns temos esclarecido o conceito de representao. por oposio ao
mesmoque podemos aprofundar a noo de pensamento (Gedanke). Ao
contrriodas representaes, os pensamentos so inteligveis,
intersubjetivamenteacessveis e no reais. Estas duas ltimas
caractersticas tm uma ntimarelao, sendo que o tema da
intersubjetividade central em Frege. Parao autor do Begriffschrift
est fora de dvida que existe um nico nmerotrs e que s se captamos o
mesmo, idntico, nmero trs, contradio deopinies possvel; seno, cada
um poderia fazer afirmaes distintas sobreo seu nmero trs. Se isto
assim, o nmero trs no pode de modoalgum ser real em mim (eu ter meu
trs). Que pensar e captar pensamen-tos implica no s que nossa
conscincia capaz de captar algo no-sen-svel, mas que capaz de
captar algo que no real nela e, mais ainda(e isto no nada bvio)
algo que no pelo fato de ser captado se torna realna conscincia,
mas segue to transcendente, to exterior a esta, como seno fosse
captado em absoluto.
J que se denominou o princpio da imanncia como princpio de
Locke,podemos chamar sua negao princpio de Frege. O eixo da
posiofregueana diferenciar entre o contedo (Bewusstseinsinhalt) e o
objeto(Objekt, Gegenstand) da conscincia. Se bem certo que os
contedos deconscincia (Bewusstseinsinhalte) so sempre representaes
(e, como tais,reais e imanentes), no certo, porm, que tambm o
objeto da conscinciao seja. Dito de modo pregnante: no certo que a
conscincia s capta osprprios contedos, ou que s pode ser objeto da
conscincia o que contedo da mesma. Objetos lgicos como, por ex.,
Gedanken (mas tam-bm nmeros, classes etc.), so objetos da
conscincia, mas no por issocontedos da mesma.
A distino fregueana entre o objetivo e o real sempre considerada
s nasua dimenso objetiva, no marco da teoria dos trs reinos, a qual
por suavez pensada como teoria ontolgica. Porm, diferena entre o
real e oobjetivo no objeto corresponde, em Frege, a diferena entre
o real e oobjetivo no sujeito (ou seja, entre Inhalt e Gegenstand
da conscincia). Isto
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 119
quer dizer: o mesmo princpio em base ao qual se refutou a
reduopsicologista do reino ideal, tambm desempenha um papel
decisivo pararefutar a teoria psicologista da subjetividade e,
assim, para dar conta denosso acesso a tal reino.
Contudo, ainda que o pensamento no seja real na conscincia, o
realna conscincia capaz de apontar a ele (hinzielen), e aqui,
nestafuno de apontar, onde reencontramos as representaes. Atravs
dealgo dado na conscincia somos, pois, capazes de apontar a algo
queno parte real dela. O pensamento s est e pode estar na
consci-ncia como algo apontado. Em suma, se chamamos as coisas pelo
seunome, o que Frege est propondo uma concepo intencional
dosujeito.
O decisivo do ponto de vista do julgamento da teoria de Frege
como teoriaintencional no , porm, o hinzielen (o fato de que a
conscincia spode captar o objeto a partir de algo real em si). No
isso o que faz delauma teoria intencional interessante no contexto
dos anos 90. O verdadei-ramente digno de nota so as
particularidades da teoria intencional queFrege est defendendo. Ela
coincide com o primeiro Brentano em sublinhara direcionalidade da
conscincia, para diferir deste (coincidindo assim comos seus
crticos e, principalmente, com Husserl) por negar, ao mesmo tem-po,
a tese da imanncia.
4. A Escola de Brentano4. A Escola de Brentano4. A Escola de
Brentano4. A Escola de Brentano4. A Escola de Brentano
Que a idia de psicologia descritiva fonte de inspirao da
fenomenologiae que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de
Brentano, algoque pode ser lido em qualquer histria da filosofia. O
que, em geral, seomite , primeiro, que se Husserl faz do conceito
brentaniano deintencionalidade um dos fundamentos da sua
fenomenologia, ao mesmotempo o submete a uma crtica decisiva e,
segundo, que justamente estacrtica, e no aquela identidade, o que d
a concepo intencional husserlianao seu perfil especfico.
Porm, segundo uma interpretao amplamente difundida, inclusive
entreos discpulos de Brentano (e com a qual no concordo), o
conceito deintencionalidade brentaniano implica, na sua primeira
formulao, que oobjeto intencional est na conscincia ou imanente
mesma. , pelomenos em parte, como conseqncia desta interpretao, que
os discpulosde Brentano se sentiram obrigados a submeter o mestre a
dura crtica.Hffler e Twardowski introduziram a distino entre o
objeto e o contedoda conscincia (ou seja, entre Gegenstand e Inhalt
ou Bewusstseinsinhalt);
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120 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
o primeiro transcendente, o segundo, imanente conscincia,
existindonela de modo real; o primeiro para onde a conscincia se
dirige, o segun-do, o como ou atravs de que o faz.
5. Husserl5. Husserl5. Husserl5. Husserl5. Husserl
5.1. Do psicologismo ao antipsicologismo5.1. Do psicologismo ao
antipsicologismo5.1. Do psicologismo ao antipsicologismo5.1. Do
psicologismo ao antipsicologismo5.1. Do psicologismo ao
antipsicologismo
Em 1894, na sua resenha do livro de Twardowsky Inhalt und
Gegenstand,Husserl concordar com a necessidade das distines
introduzidas, porm,efetuando por sua vez uma crtica que evidencia a
necessidade de umanova diferenciao, desta vez, entre o contedo real
e o ideal, entre o papelda matria do ato como presena efetiva na
conscincia e o meio ideal peloqual nos referimos ao objeto.
Em seu primeiro trabalho Philosophie der Arithmetik (1891),
Husserl secoloca como tarefa desenvolver uma teoria do nmero de
acordo com osprincpios metdicos da psicologia descritiva e em
algumas passagens deixaclaramente entrever que concede validez
irrestrita ao princpio da imanncia,considerando-o, implicitamente,
no s compatvel, mas inclusive necess-rio, a partir do conceito
brentaniano de intencionalidade. De uma possvelcrtica a Brentano,
ainda no exista neste texto o menor indcio. Muitomenos a Kerry,
cujo programa de reconstruo do trabalho psquico
parececontinuar.
Em 1884 Frege havia publicado Grundlagen der Arithmetik. O
jovemHusserl lhe envia ento uma carta junto com seu trabalho. Frege
respondeprometendo efetuar uma resenha do mesmo. A promessa ser
cumprida,mas a resenha negativa (para no dizer absolutamente
demolidora). Omotivo principal da crtica fregueana a acusao de
psicologismo. Selevarmos em conta o que acabamos de dizer com
respeito ao ensaio deHusserl, tal acusao (confundir o subjetivo e o
objetivo) justa. O prprioHusserl no tem mais que reconhecer a
legitimidade da mesma. apartir deste ano (1894), que ele comea a
amadurecer seuantipsicologismo. A sua crtica a Twardowski assinala
esta virada de-cisiva e inicia um caminho contnuo que o terminar
levando asLogische Untersuchungen (LU)10.
10 s citaes so referidas 4a. impresso de Max Nyemeyer (Tubingen,
1980), que uma verso sem modificaes da 2a. edio (1922).
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 121
Em 1900 aparece o primeiro volume das LU, Prolegomena zur
reinenLogik; o segundo, um ano depois. Os Prolegomena esto
dedicados crtica do psicologismo, a qual elaboram de um modo
exaustivo e sistem-tico. O impacto do livro to grande que o
antipsicologismo se converteno tema central de discusso e seus
contemporneos atribuem a Husserl omrito de t-lo superado
definitivamente11.
Sendo consenso que a questo do psicologismo havia recebido o seu
pontofinal, qual no seria a surpresa nos crculos filosficos quando,
um anodepois, o segundo volume das LU, muda, aparentemente, o eixo
e introduzuma nova perspectiva terico-temtica. Frente existncia do
mundo lgi-co ideal, a questo agora a de nosso acesso ao mesmo. No
era istovoltar ao psicologismo?
5.2. O segundo volume das LU5.2. O segundo volume das LU5.2. O
segundo volume das LU5.2. O segundo volume das LU5.2. O segundo
volume das LU
Na realidade, bastava ler com mnima ateno o prlogo de Husserl j
aoprimeiro volume da primeira edio para entender que os
Prolegomenazur reinen Logik, longe de solucionar problema algum,
estavam dirigidosmeramente a explicitar as bases fundamentais do
mesmo, o qual devia sersolucionado no volume II. A crtica do
psicologismo no era, pois, o obje-tivo da obra, mas um pressuposto
(e nem sequer o nico) com o qual asLU construam o seu problema
especfico. Husserl escreve que, na medidaem que a fundamentao
psicolgica da lgica e matemtica fracassa porno conseguir dar conta
da objetividade, ele se viu obrigado em medidacrescente a reflexes
crticas gerais sobre a essncia da lgica e, em primei-ro lugar,
sobre a relao entre a subjetividade do conhecer e a objetividadedo
contedo conhecido12. As investigaes sobre a lgica pura devero
ser,ento, interrompidas para ganhar claridade a respeito das
perguntas fun-damentais da teoria do conhecimento e da compreenso
crtica da lgicacomo cincia (LU,I,VII).
A teoria fenomenolgica do sujeito e a anlise da
intencionalidade, s quaisse dedica o segundo volume, no eram, pois,
um agregado externo que selhe fazia ao antipsicologismo do primeiro
(nem muito menos uma espciede recada, produto de uma inconseqncia)
mas, pelo contrrio, o com-plemento positivo necessrio da sua
crtica, a qual de modo algum estavafinalizada simplesmente dizendo
que h um mundo ideal e diferenciandoo mesmo de toda realidade
psicolgica. Dado que uma anlise psicolgica
11 Algo que ainda se l nas histrias da filosofia e que,
obviamente, no certo.12 ... so sah ich mich in immer steigendem
Masse zu allgemeinen kritischen Reflexionenber das Wesen der Logik
und zumal ber das Verhltnis zwischen der Subjektivitt desErkennens
und der Objektivitt des Erkenntnisinhaltes gedrngt. (LU,I,VII)
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122 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
no pode fundar a objetividade da matemtica, temos que separar de
modoradical a objetividade do contedo conhecido da subjetividade do
conhe-cer. Mas, uma vez que compreendemos o carter necessrio desta
diferen-ciao, se coloca o novo problema de explicar o vnculo entre
ambos. Acrtica ao psicologismo e a reviso da teoria da
subjetividade no se exclu-em, seno que se complementam e exigem
reciprocamente.
5.3. A influncia de Frege e Brentano sobre Husserl5.3. A
influncia de Frege e Brentano sobre Husserl5.3. A influncia de
Frege e Brentano sobre Husserl5.3. A influncia de Frege e Brentano
sobre Husserl5.3. A influncia de Frege e Brentano sobre Husserl
As LU podem ser entendidas como uma sntese entre as filosofias
de Fregee Brentano.
Frege historicamente decisivo:
a) para o giro husserliano ao antipsicologismo;
b) para a tomada de conscincia do novo problema ps
antipsicologista; e
c) para o prprio caminho de soluo que passa de modo essencial
poruma forma especfica de desenvolver a concepo intencional da
cons-cincia.
No que diz respeito a Brentano, ainda que Husserl receba o
conceito deintencionalidade do filsofo vienense, o impulso decisivo
para colocar esseconceito em essencial relao temtica da apreenso da
transcendncia(lgica) vem de Frege. Em tal sentido, a questo
fenomenolgica no umaquesto pr-fregueana (um mastodonte que
sobrevive poca glacial dacrtica lingstica), mas uma questo
ps-fregueana, uma conseqncia dodesenvolvimento inerente ao realismo
lgico. a identidade tanto nospressupostos bsicos do problema quanto
na soluo, o que explica a longasrie de similitudes, equivalncias e
paralelos entre Frege e Husserl quedurante muito tempo foram
constatados como meras curiosidades.
O dito, porm, no significa que de Frege a Husserl ns temos uma
meraexplicitao. Trs diferenas so decisivas:
1. Frege chega ao problema, Husserl parte dele.
2. Justamente por isso, existe entre ambos uma heterogeneidade
de acentocom respeito a esta nova questo, que de forma alguma deve
ser subes-timada: o centro de interesse de Frege era a luta
antipsicologista; o deHusserl, a elaborao de uma teoria da
subjetividade ps-psicologista.
3. No menos importante o fato de que nas LU o problema e a
suapossvel soluo se apresentam com plena conscincia da
dificuldademetdica contida neles, tornando-se essencial a preocupao
com o es-tabelecimento do marco adequado para o seu tratamento.
Este marcotem que legitimar coisas tais como a possibilidade de
efetuar a priori
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 123
afirmaes sobre a relao sujeitoobjeto, algo que a psicologia
empricanaturalista no deve e no pode: no pode, porque h aqui algo
que no psicolgico; no deve, porque se ignoramos esse algo, camos
numaposio empirista e relativista. Do que se trata de uma
investigao deessncias, ou seja, de um conhecimento a priori de
objetos, porm, deobjetos que tm justamente a ver com a relao
sujeitoobjeto, deGedanken que tm a ver com a relao do sujeito e
Gedanke. O mtodofenomenolgico (para o qual se reclamar, em certo
momento, estritauniversalidade e, sobretudo, no qual se ver um
caminho de ir scoisas mesmas, aos objetos - objetais) tem na sua
origem um elointrnseco com a temtica da relao sujeitoobjeto.
no aspecto programtico e metdico que a figura de Brentano
surgecomo uma influncia decisiva sobre Husserl. A discusso sobre o
pro-blema metdico do desenvolvimento de uma teoria a priori sobre
aprpria relao sujeitoobjeto13 tratado com profundeza e com
exaus-tiva ateno de alternativas por Brentano, que evoluiria do
inicial pro-jeto de uma psicologia do ponto de vista emprico
proposta de umapsicologia descritiva.
6. O Neokantismo6. O Neokantismo6. O Neokantismo6. O
Neokantismo6. O Neokantismo
6.1. As escolas neokantianas6.1. As escolas neokantianas6.1. As
escolas neokantianas6.1. As escolas neokantianas6.1. As escolas
neokantianas
No podemos passar sem mais de Husserl a Heidegger se ignoramos
umoutro ator fundamental deste drama. Neste caso no se trata de um
indi-vduo, mas de uma escola, uma escola que dominou o panorama
filosficoalemo durante quase cinqenta anos: o neokantismo. Falar do
neokantismoexige advertir contra dois equvocos:
1. A denominao neokantismo produz a crena de que os integran-tes
deste movimento eram sem mais kantianos. Na realidade, oneokantismo
no pretende ser uma mera interpretao, fiel letra dotexto kantiano,
mas um desenvolvimento sistemtico (certamente noarbitrrio) a partir
de Kant. por isso que, s vezes, algumas das suasteses bsicas
surpreendem, pois eles no se sentem de modo algumcomprometidos em
preservar as doutrinas kantianas essenciais. Fora dediscusso est,
unicamente, o mtodo transcendental.
13 Sobre este ponto Frege no oferece respostas conclusivas.
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124 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
2. Existem duas escolas neokantianas principais, as quais
possuem pro-fundas diferenas entre si: a escola de Marburgo e a de
Baden. Autoresimportantes da primeira so: Cohen, Natorp e Cassirer;
da segunda,Windelband, Rickert e Lask. Como generalizao, se pode
dizer queCohen e Windelband so os fundadores, Natorp e Rickert, o
amadure-cimento.
6.2. As escolas neokantianas e o realismo lgico6.2. As escolas
neokantianas e o realismo lgico6.2. As escolas neokantianas e o
realismo lgico6.2. As escolas neokantianas e o realismo lgico6.2.
As escolas neokantianas e o realismo lgico
Para nosso tema, a preciso anterior de vital importncia, pois
leva asituar o neokantismo em duas relaes diferentes com o realismo
lgico.Na origem da escola de Baden est a teoria de Lotze sobre a
validez(Geltung) que, assim mesmo, no foi menos importante para
Frege quepara o jovem Heidegger. por esta razo que ela est mais
prxima dorealismo lgico. Seus integrantes aceitam a existncia de
objetos ideais (osvalores), entre os quais esto entidades lgicas. A
Escola de Marburgoafirma a existncia de conhecimento a priori, mas
sublinha que o nicoconhecimento a priori possvel tem estrito carter
transcendental, ou seja,no um conhecimento de objetos, mas das
condies da possibilidadede objetos. O neokantismo marburgus no se
ocupa com objetos (lgicos,ideais ou de qualquer tipo), mas com a
objetividade, atendo-se firme-mente ao princpio de que as condies
da objetividade do objeto nopodem ser pela sua vez objetos (lgicos
ou no). Em tal sentido, os autoresdesta escola so contrrios ao
platonismo de Bolzano, Frege e a Escolade Baden, no menos que de
Husserl.
No obstante esta diferena fundamental, existem no menos
essenciaiscoincidncias entre as duas escolas neokantianas, as quais
giram em tornoao seu comum rechao do psicologismo. Na realidade, no
mesmo ano emque Frege publica Grundlage der Arithmetik (1884),
Cohen publica DasProblem des Infinitesimalen und seiner Geschichte,
uma obra de cartereminentemente programtico, cuja proposta que a
filosofia deve tornar-se teoria da cincia. Seu tema o contedo
objetivo da cincia e a suatarefa refletir e explicitar as suas
condies (lgicas) de possibilidade.No precisa dizer que esse
programa (sem o transfundo transcendental)possui pontos essenciais
de similitude com Bolzano. O que difere a ter-minologia. Assim como
Bolzano diferenciava entre Wissenschafts- eErkenntnislehre, Cohen
haver de diferenciar entre Erkenntniskritik eErkenntnistheorie e,
paralelamente distino Denken-Gedanke, entreErkennen e Erkenntnis14.
Em suma, a Erkenntniskritik se ocupa com o
14 Importante diferena que, no obstante, deve ser constatada a
partir do fato de queo antipsicologismo neokantiano essencialmente
epistemolgico e no semntico. A apa-rentemente elementar distino
entre sentido e valor de verdade, no joga papel decisivo
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 125
contedo objetivo da cincia e no com a relao do mesmo a um
sujeitopsicolgico. Como escrito fundacional da Escola de Baden pode
ser consi-derado o artigo de Windelband ber genetische und
transzendentaleMethode, o qual efetua uma proposta similar
coheniana. Em suma, aluta contra o psicologismo foi to essencial
para o neokantismo, quanto ofoi para Frege, uma luta que, por outra
parte, eles desenvolvemcontemporaneamente. Se atendermos ao
anterior, compreensvel o fatode que Natorp, frente publicao das LU,
se veja compelido a escreverlembrando que o neokantismo nada tinha
a aprender de Husserl nesseponto.
Ora, o neokantismo no tem em comum com as tendncias mencionadass
o antipsicologismo, mas tambm, correlativamente, o problema da
rela-o entre o objetivo e subjetivo, ao qual se v conduzido pelo
seu prpriodesenvolvimento sistemtico. O sujeito transcendental
neokantiano, emespecial em sua verso marburguesa, no era
originariamente um sujeito,mas apenas um conjunto de condies
lgicas, no existindo para umadeduo transcendental lugar algum. Mas,
na medida em que a interpre-tao neokantiana vai purificando Kant de
elementos psicologizantes,amadurece a conscincia de um novo
problema que, em realidade, ns jconhecemos em uma outra variante:
como se vincula o sujeito psicolgico esfera de idealidades
transcendentais? Depois de tudo, ainda aceitandoa necessidade de
distinguir entre o conhecimento e o conhecer, uma fun-damentao da
possibilidade do conhecimento que conduza a impossibi-lidade do
conhecer, um sem sentido. Em termos gerais, podemos dizerque, em
ambas escolas neokantianas, enquanto os fundadores tiveram
comotarefa principal delimitar o problema transcendental do
psicolgico, a segundagerao tem como tarefa o elaborar uma teoria da
subjetividade real. Natorppublica seu esboo, Einleitung in die
Psychologie nach kritischer Methode, em1888, e a verso definitiva,
Allgemeine Psycologie, em 1912. Rickert, por suavez, publica o seu
ensaio mais famoso sobre o tema, Zwei Wege derErkenntnistheorie,
Transzendentalpsychologie und Transzendentallogik em1909. Em 1913,
assim mesmo, aparece um artigo fundamental de RichardHnigswald:
Prinzipien der Denkpsychologie. O problema dopsicologismo termina
conduzindo busca de uma teoria da subjetividadee esta, por sua vez,
a uma reflexo sobre a psicologia, isto , busca dealternativas aos
modelos naturalistas dominantes identificados como baseltima do
psicologismo.
algum na reflexo marburguesa. Em tal sentido, o fato que Cohen
diferencie Erkennen-Erkenntnis ali onde Frege diferencia
Denken-Gedanke, no uma mera diferenaterminolgica, mas tem um valor
simblico especial: nesse ponto se evidencia umaradical
heterogeneidade de perspectivas.
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126 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
7. Dilthey7. Dilthey7. Dilthey7. Dilthey7. Dilthey
Se, a partir da sua luta comum antipsicologista, neokantismo e
realismolgico enfrentam um problema similar, similitude no
identidade. Adiferena se manifesta no fato de que, ao mesmo tempo
em que oneokantismo ataca o psicologismo, contra-atacado no s por
este mas,assim mesmo, por uma filosofia que o coloca frente a novas
exigncias: afilosofia da vida (Lebensphilosophie)15.
Tambm Dilthey foi objeto da crtica antipsicologista
(principalmente porparte de Rickert), vendo-se impelido a vrias
reformulaes da sua doutri-na inicial, a qual se manter neste ponto
em permanente evoluo. Noentanto, o ataque ao psicologismo
diltheano, que no faz seno repetirargumentos j bem estabelecidos a
mais um caso particular, no agora oque interessa em primeiro
lugar.
O que interessa que o problema do psicologismo se apresenta num
planoaprofundado sendo, por dizer assim, absorvido pelo da
psicologia: j nose trata de relacionar conhecer e conhecimento,
pensar e pensamento, jul-gar e julgamento e sim o conhecimento e o
sujeito real. Em uma famosapassagem, que muito bem expressa esta
nova situao, escreve Dilthey:Nas veias do sujeito cognoscente que
Locke, Hume e Kant construram,no flui verdadeiro sangue, mas o suco
diludo da razo como pura ativi-dade pensante. Porm, a ocupao
histrica e psicolgica com o homem nasua totalidade me conduziu a
colocar este ente que sente, experimenta erepresenta, na
multiplicidade de suas capacidades, tambm na base doconhecimento16.
A relao cognoscitiva deve ser integrada na totalidadedas relaes
vitais e pensada a partir dela. Disto se segue, a negao-superao
(Aufhebung) da idia do eu como sujeito pensante17. O purocogito, o
sujeito transcendental, no so mais que meras abstraes a partirda
complexa riqueza do verdadeiro eu. O vnculo primrio e total do
eucom a realidade no de representao (vorstellen), como o expressa
arelao sujeitoobjeto, mas sim de totalidade da vida18.
15 A irrupo da Lebensphilosophie a partir da primeira guerra
mundial , geralmente,aceita como fator decisivo do declnio histrico
do neokantismo.16 In den Adern des erkennenden Subjekts, das Locke,
Hume und Kant konstruierten,rinnt nicht wirkliches Blut, sondern
der verdnnte Saft von Vernunft als blosserDenkttigkeit. Mich fhrte
aber historische wie psychologische Beschftigung mit demganzen
Menschen dahin, diesen in der Mannigfaltigkeit seiner Krfte, dies
wollendefhlende vorstellende Wesen auch der Erklrung der
Erkenntnis... zugrunde zu legen.Wilhelms Dilthey Gesammelte
Schriften, Leipzig-Berlin, 1921 ss. (GS). (GS, I, XVIII). Tr.do
autor.17 Aufhebung der Auffassung des Ich als Denksubjekt
(GS,V,LVII)18 ...ist aber nicht ein solches des Vorstellens, wie
die Relation von Subjekt zum Objektes ausdrckt, sondern ein solches
des ganzen Lebens. (GS,VIII,141)
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8. Heidegger8. Heidegger8. Heidegger8. Heidegger8. Heidegger
8.1. A crtica do psicologismo8.1. A crtica do psicologismo8.1. A
crtica do psicologismo8.1. A crtica do psicologismo8.1. A crtica do
psicologismo
Em 1912, Heidegger publica Neuere Forschungen ber Logik, onde
mostraestar atento ao desenvolvimento acontecido na lgica do sc.
XIX e possuiruma avaliao em extremo positiva do mesmo. Em tal
contexto, existe umareferncia a Frege, cada no esquecimento19,
porm, sem dvida de extre-ma importncia, tanto mais para quem se
lembra que Heidegger estudoumatemtica e que esteve em dvida a
respeito do seu tema de habilitao(que originariamente seria o
nmero), o que abertamente deixa ver as suassimpatias com respeito a
uma teoria logicista. Na verdade, o mencionadotema no despertou
entusiasmo em Rickert, o qual, contra o que era atendncia
majoritria no neokantismo, defendia uma teoria no-logicistado
nmero. O escrito de 1912 documenta um interesse no superficial
pelaevoluo da lgica, ainda que o grau de familiaridade de Heidegger
coma mesma no seja dos melhores20.
O artigo sobre a lgica contempornea serviu a Heidegger de base
paraa sua dissertao: Die Lehre vom Urteil im Psychologismus. A
idiafundamental deste escrito que, se o psicologismo morreu, ele
pode revivera qualquer hora, ou seja, que ainda temos que colocar
cadeados na tampado caixo para no levar um susto. O ponto central
no qual ainda neces-srio insistir, dado que o trabalho efetuado at
agora pode no ser sufici-ente, a teoria do juzo21. A Dissertao
heideggeriana prope uma crtica concepo psicologista do juzo em
alguns de seus representantes, assimcomo uma proposta positiva na
qual possui um papel decisivo a retomadado conceito lotzeano de
validez (Geltung).
19 In diesem Zusammenhang mchte ich den Namen eines deutschen
Mathematikersnicht unerwhnt lassen. G. Freges logisch mathematische
Forschungen sind meinesErachtens in ihrer wahren Bedeutung auch
noch nicht gewrdigt, geschweige dennausgeschpft. Was er in seinen
Arbeiten ber Sinn und Bedeutung, ber Begriff undGegenstand
nidergelegt hat, darf keine Philosophie der Mathematik bersehen. Es
istaber auch im gleichem Masse wertvoll fr eine allgemeine Theorie
des Begriffes. WennFrege dem Psychologismus im Prinzip wohl
berwand, so hat doch Hussserl erst inseinen Prolegomena zur reinen
Logik das Wesen, die relativistischen Konsequenzen undden
theoretischen Unwert des Psychologismus systematisch und
umfassendauseinandergelegt. (NFL, 20)20 A verdadeira fonte de
muitas idias que Heidegger, falsamente, atribui ao logicismo,so os
escritos propagandstico - didticos de Couturat, que na apresentao
sucinta dalogstica comea com o clculo sentencial, o que sem dvida
correto. isso, porm,o que leva a Heidegger a pensar que a nova
lgica carece de uma reflexo sobre o juzo.21 Num prximo artigo me
proponho a desenvolver este ponto por extenso.
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O escrito juvenil do autor de Ser e tempo pode ser analisado de
formaimanente, colocando o acento seja na sua perspectiva crtica,
seja na suaproposta construtiva. Porm, tal ponto de vista exige
pr-condies queainda no tm sido cumpridas como, em particular, um
esclarecimentosuficiente da noo lotzeana de Geltung, a qual
mencionada e descritaamide, mas no propriamente analisada. por isso
que, como indicamosno comeo, assumiremos um mtodo comparativo, pois
aqui sim, os pr-requisitos esto presentes.
Ora, no que respeita a tarefa de contextualizar o trabalho
heideggeriano (epressuposto o panorama que temos desenvolvido),
deve se dizer que cha-mam a ateno duas significativas ausncias:
1. Heidegger incorre, sem dvida, em erro quando afirma que a
crticaao psicologismo carece de uma teoria adequada do juzo e, por
talmotivo, exige ser completada em tal direo. bvio que a leitura
deLask foi determinante para tal convico. Porm, Heidegger passa
poralto o fato de que tanto Bolzano quanto Frege desenvolveram
teorias aeste respeito totalmente elaboradas, que, pelo menos,
deveriam ser dis-cutidas antes de qualquer novo intento.
2. Heidegger, como tantos outros antipsicologistas epigonais,
chega tarde festa e avalia incorretamente o status
questiones22.
7.2. Crtica ao psicologismo e subjetividade transcendental7.2.
Crtica ao psicologismo e subjetividade transcendental7.2. Crtica ao
psicologismo e subjetividade transcendental7.2. Crtica ao
psicologismo e subjetividade transcendental7.2. Crtica ao
psicologismo e subjetividade transcendental
O texto heideggeriano se concentra na crtica ao psicologismo e
diz poucoou nada sobre a questo que na elite neokantiana era tema
central, a saber,a elaborao de uma teoria da subjetividade
ps-psicologista. Esta situaose manifesta de vrias formas.
Todo o escrito de Heidegger est centrado no problema do Urteil.
Rickertacaba de escrever um artigo, Juzo e julgar (Urteil und
Urteilen, 1912),estabelecendo (ou, mais propriamente,
re-estabelecendo na perspectiva deBaden), uma diferena decisiva no
juzo entre o contedo julgado e o atode julgar, qual ele acopla uma
sistemtica de diferenciaes (Urteilssinn,Urteilsgehalt etc.).
Heidegger menciona o artigo referido, mas no o ana-lisa, com a
desculpa de que s vai tratar de autores psicologistas quenecessitam
de correes e no daqueles que j esto livres da doena. Adesculpa no
poderia ter sido mais retrica.
22 O centro de interesse da Dissertatio heideggeriana o problema
do juzo enquantoproblema lgico. Nada autoriza, neste texto, a
entrever a questo de um aprofundamentoontolgico como necessria. Se
nos ativermos s manifestaes expressas do prprio Heidegger, a partir
do final da monografia sobre Duns Scoto e, em relao direta com
dificuldades nateoria de negao, que surge essa inquietude. Veja-se:
Martin Heidegger Heinrich Rickert.Briefe 1912-1933. Frankfurt,
Vittorio Klostermann, 2002. pp. 25, 34, 48-49.
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A crtica que Heidegger dirige teoria do juzo de Brentano
mostrapouca familiaridade com o autor. Ela parece estar baseada s
naquelestextos da Psicologia do ponto de vista emprico que anunciam
de modoexpresso tratar desse tema. Heidegger no conhece outros
textosbrentanianos pertinentes ao problema (e que evidenciam uma
reflexo emextremo dinmica sobre o mesmo), nem as complexas variaes
que sofrea teoria de Brentano (que passa inclusive por posies
similares s que elemesmo est querendo defender). Alm disso, no h
uma nica refernciaao conceito de intencionalidade.
Muito pobre e injusta a anlise de Lipps, que proporciona a
imagemdistorcida de um autor inexpressivo quando, na realidade, se
trata de umafigura digna de ateno mais detida, pelo menos por dois
motivos: primei-ro, porque explora de modo sistemtico os pontos
fortes do psicologismoe parte para o ataque, nem sempre errando o
alvo; segundo, porque eleevolui na sua posio passando do
psicologismo ao antipsicologismo, e portal motivo, seus textos
constituem um complexo mostrurio dos argumen-tos e
contra-argumentos que eram empregados por uma e outra tendncia.
A escola de Marburgo lembrada s no seu antipsicologismo, no
ha-vendo referncia a Natorp e outros neokantianos de valia.
Em geral, a referncia a Husserl s ao primeiro volume das LU,
queparece ser o texto que Heidegger at ento estudou seriamente.
Nenhumaoutra referncia a esta obra testemunha uma familiaridade
maior, comuma importante exceo.
Uma vez que, ao longo de todo o livro, se insiste em separar o
plano lgicoe o psicolgico, inesperadamente, Heidegger parece
lembrar que tambmh um problema que diz respeito ao vnculo entre
ambos e sugere, semmaiores detalhes, que a resposta para esse
problema deve-se buscar ape-lando a algum tipo de sujeito
transcendental. Esse sujeito transcendental,com certeza, no o
kantiano, mas tem fontes mais imediatas. Essa fonteno , porm, o
neokantismo de Marburgo (para o qual o sujeitotranscendental foi
mais um problema que uma soluo). Ela poderia serRickert, mas a
explcita referncia a Husserl no deixa aqui subsistir dvi-da alguma.
A importncia dessa referncia a Husserl pe-se em evidncia, coerente
e se corrobora de modo recproco, com outro texto fundamental.
7.3. A faticidade do 7.3. A faticidade do 7.3. A faticidade do
7.3. A faticidade do 7.3. A faticidade do
DaseinDaseinDaseinDaseinDasein como verdadeira como verdadeira como
verdadeira como verdadeira como
verdadeiratranscendentalidadetranscendentalidadetranscendentalidadetranscendentalidadetranscendentalidade
Aps a Dissertatio sobre o psicologismo e a habilitao sobre Duns
Scoto,temos um vcuo nas publicaes de Heidegger. O que nos interessa
agora (pelo menos) tornar plausvel o que esse vacuum representou do
ponto
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130 Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004
de vista do tema do psicologismo. Sabemos que nestes anos se
processa osurgimento do SZ e que nesta obra a discusso com Husserl
joga um papeldecisivo. Sabemos, assim mesmo, que SZ incompreensvel
sem um novoconceito de transcendentalidade e de faticidade.
Sabemos, ainda mais, queSZ no nem psicologia, nem antropologia e
que a teoria do juzo tradi-cional experimenta nessa obra uma
reformulao radical. Mas, e opsicologismo? E o antipsicologismo? a
tarefa de uma teoria da subjetivi-dade ps-psicologista?
Neste ponto, parece que estamos frente a um hiato, onde faltam
todos ospassos intermedirios. Reconstruir os mesmos seria, sem
dvida, umaimportante tarefa, caso eles efetivamente existissem23.
Porm, no presentetrabalho me limitarei a apontar esta questo como
puro limes da minhaanlise. O essencial est claramente exposto em
algumas linhas queHeidegger escreveu no contexto de seus comentrios
crticos ao artigo deHusserl sobre fenomenologia destinado
Enciclopdia Britnica. Mas,para que esse texto seja compreensvel,
lembremos uma distino chavepara Ser e Tempo, a saber, a distino
entre faticidade (Faktizitt) efatualidade (Tatschlichkeit)
(SZ,135). Existem dois que (dass). Um o dass daquilo que pertence
ao subsistente (Vorhandenheit)24 e categorialmente determinado.
Este acessvel em um constatar atravs deuma simples olhada (um
hinsehendes feststellen). Agora, faticidade no a positividade do
factum brutum de um algo simplesmente presente(vorhanden), seno um
carter do Ser do Dasein, que compreendido na
23 No improvvel que aqui estejamos frente a uma verdadeira
Umkippung, na qualDilthey foi decisivo.24 Vorhandenheit j tm sido
traduzido por subsistncia, ser aos olhos, presente-mente dado,
simplesmente dado, ser disponvel, etc.. Qui a traduo por um
nicotermo em todos os contextos, no seja recomendvel. No contexto
atual, usei subsistn-cia, simplesmente presente e presente. No
primeiro caso, fundei a minha opo napossibilidade de contrapor,
tanto em alemo quanto em portugus, Subsistenz - Existenzou
subsistncia existncia; no segundo, na possibilidade do vorhanden de
ser intudo.Vinculo o vorhanden ao vorfindlich e obtenho assim a
possibilidade de reproduzir osugerido na oposio vorfindlich -
befindlich. Heidegger se vale da diferena entrefinden, vorfinden e
sich befinden. Nos trs casos, trata-se de um encontrar, porm s
noprimeiro caso isto acontece sem mais. Eu s posso encontrar
(finden) algo que perdi,que busco ou que anteriormente no tinha
percebido. No segundo, trata-se de um encon-trar algo que est
diante de mim. O encontrar da Befindlichkeit sempre um encontrar-se
(sich befinden). Ora, obvio que eu no posso me perder e, em
conseqncia, meencontrar no primeiro sentido, mas tampouco eu posso
me encontrar frente a mimmesmo, como algo diferente de mim. Na
verdade, eu no me encontro no sentido deencontrar em nenhum dos
dois primeiros casos, mas no sentido em que se encontrarsupe sempre
em uma certa forma, ou seja, se trata do sentido de encontrar no
qualeu, por ex. pergunto: como voc se encontra? e espero como
resposta algo assim comobem, mal, triste, etc.. O Dasein se
encontra sempre em um certo estado (de nimo)(Stimmung), e s nele
que ele se encontra ou se d a si mesmo. O exposto nesta notano
pretende esgotar o tema, e sim, to somente, dar uma idia preliminar
dos sentidosdos termos alemes e dos usos que Heidegger faz deles
que possibilite a compreensodo texto central.
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Sntese, Belo Horizonte, v. 31, n. 99, 2004 131
existncia (Existenz), ainda que primeiramente (de um modo)
forado. Oqu dela no se encontra jamais no mero intuir (SZ, 135)25.
O Dasein no simplesmente encontrvel (vorfindlich) na intuio
(Anschauung), poisele no simplesmente presente (vorhanden), mas ele
se encontra de umcerto modo ( befindlich). Tendo presente agora a
diferena entreTatschlichkeit e Faktizitt, leiamos a decisiva
passagem anunciada, com aqual concluo este escrito: claro, diz
Heidegger, que o ente, no sentidodaquilo que eles chamam mundo, no
pode ser aclarado em sua constitui-o transcendental atravs de um
regresso a um ente que possua essemesmo tipo de ser Por isto, se
deve referir a problemtica do ser de ummodo universal tanto ao
constituinte como ao constitudo Trata-se demostrar que o modo de
ser prprio da existncia humana totalmentediferente do de todo outro
ente e que ele, enquanto aquele que ele ,contm justamente em si a
possibilidade de constituio transcendental. Aconstituio
transcendental uma possibilidade central da existncia do simesmo
(Selbst) ftico. Este, o homem concreto enquanto tal, ou seja,
en-quanto ente (als Seiendes), no jamais um fato real intramundano,
poiso homem no meramente subsiste (vorhanden)26, seno que existe
(existiert).E o maravilhoso que o modo de ser do Dasein possibilita
a constituiotranscendental de todo o positivo 27.
25 Tr. do autor: Faktizitt ist nicht die Tatschlichkeit des
factum brutum einesVorhandenen, sondern ein in die Existenz
aufgenommene, wenngleich zunchst abgedrangtSeinscharakter des
Daseins. Das dass der Faktizitt wird in einem Anschauen
nievorfindlich.26 Ou: o homem no simplesmente (ou meramente)
presente27 Tr. do autor: ... dass das Seiende im Sinne dessen, was
sie Welt nennen, in seinertranszendentalen Konstitution nicht
aufgeklrt werden kann, durch einen Rckgang aufSeiendes von
ebensolcher Seinsart... Universal ist daher das Problem des Seins
aufKonstituierendes und Konstituiertes bezogen... Es gilt zu
zeigen, dass die Seinsart desmenschlichen Daseins total verschieden
ist von der alles anderen Seienden, und dass sieals diejenige, die
sie ist, gerade in sich die Mglichkeit der transzendentalen
Konstitutionbirgt. Die transzendentale Konstitution ist eine
zentrale Mglichkeit der Existenz desfaktischen Selbst. Dieses, der
konkrete Mensch, ist als solcher - als Seiendes - nie eineweltlich
reale Tatsache, weil der Mensch nie nur vorhanden ist, sondern
existiert. Unddas Wundersame liegt darin, dass die
Existenzverfassung des Daseins, dietranszendentale Konstitution
alles Positiven ermglicht. Biemel, W.: HusserlsEncyclopedia
Britannica Artikel und Heideggers Anmerkungen dazu. Tijdschrift
voorFilosofie, 12, 246-280, 1950.
Endereo do Autor:Rua Anastcio de Souza Pinto 333, apt. 142
Freguesia dO02926-030 So Paulo SPE-Mail: [email protected]