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DRAMTICAS DO TRANSUMANO
[apontamentos (...)
o teatro no entretenimento - j existe entretenimento o
suficiente
o teatro tampouco reflexo - existem, hoje, inmeras instncias
destinadas a isto
o teatro , sim, o lugar de experienciarmos o tempo, o espao e a
condio humana de outros modos, para alm da vivncia que a cultura
nos proporciona
isto, s o teatro pode fazer - este lugar, s o teatro pode
instaurar (O TEATRO COMO ALTERIDADE RADICAL)
no mais conhece-te a ti mesmo, mas sim inventa-te a ti mesmo (e
inventar-se a si mesmo, aqui, opera no sentido de destruir-se a si
mesmo)
DRAMTICAS DO HUMANO DRAMTICAS DO TRANSUMANO
ordem vertical orientao paterna verdade da impotncia potncia
dilogo raciocinar compreender esttico hierarquia sentido sujeito
personagem palavra psicologia edpica estruturalista disciplina
descoberta indivduo travessia do fantasma revelar o
passado/diagnosticar o presente
deslocamentos clculo interacional
certezas provisrias (fices performativas) da impotncia ao
impossvel
monlogos articulados ressoar evocar/invocar instvel, hbrido
diferenas radicais
consequncias associativas falante modos de subjetivao fala
arquiteturas lingusticas
ps-edpica (novos moldes arquetpicos) acoplamentos do desejo
pulso inveno emissor
identificao ao sintoma indecifrvel inventar o futuro
transumano a inveno de desenhos (im)possveis que propiciam
experienciarmos a vida de outros (e imprevisveis) modos, a recusa
de uma ideia, surgida no renascimento (com ecos da grcia do sculo V
aC e do ethos cristo do
sculo IV dC), que se expandiu (no iluminismo, e paradoxalmente
tambm no romantismo) e vigorou at o final do sculo XX acerca do que
seja o humano (e que tem agido como o maior mecanismo de controle
jamais concebido); a criao de
outros modos de subjetivao, em desenhos instveis que
problematizam de modo radical uma ideia hegemnica acerca do que
seja o sujeito
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o TRANS aqui no implica em transcendncia, mas sim na inveno de
desenhos transitrios da condio (no)humana, em instabilidade e
hibridao permanentes, a inveno de outros, de infinitos modos de
subjetivao, aparentemente impossveis, imprevisveis, significa a
criao de novos moldes arquetpicos, a serem preenchidos por pulses
que teremos que inventar, expandindo nossa experincia em veredas
insuspeitadas
- uma questo esttica SEMPRE uma questo existencial -
toda tcnica, ou procedimento, ou operao, est ligada a uma
determinada viso de mundo, neste sentido, empregar uma tcnica
existente significa compactuar com (e subordinar-se a) uma viso
especfica da condio humana, nenhuma das tcnicas existentes no campo
da dramaturgia se fundamenta na transumanidade; todas corroboram e
se fundam em uma ideia estratificada de sujeito, novas vises de
mundo pressupe, inevitavelmente, a inveno de outras tcnicas que as
traduzam e, sobretudo, que as expandam em direes inconcebveis (para
o receptor e para o prprio artista) (por existencial entenda-se,
inevitavelmente, a integralidade do estar no mundo)
o conceito de ps-drama aponta para as transformaes que ocorreram
nas construes, mas no para a mudana do solo sobre o qual estas
construes se sustentam
a finalidade do teatro a reinveno da anatomia humana -dramticas
(no sentido de sistemas dramatrgicos) do transumano:
dramaturgia como reinveno do homem (recusa do SER, aporte no
ESTAR)
- quem voc? - meu nome legio
porque eu sou uma multido
QUEM ESCREVE QUANDO VOC ESCREVE? ...uma escrita que no se d a
partir de um sujeito estvel, mas sim a partir de diferentes modos
de subjetivao (incluindo modos
no-humanos), sempre em trnsito...
o deslocamento o centro de gravidade deslocamento entre
distintas arquiteturas lingusticas, que promovam, cada uma,
habitaes distintas da vida
este o ponto central das dramticas do transumano, com todas as
reverberaes, filosficas e existenciais, que inevitavelmente eclodem
desta operao
vide a obra de willem de kooning: planos pictricos que se
escavam uns de dentro dos outros (transparncias, bloqueios,
insinuaes de figuras, obnubilaes e desfiguraes;
eventos de naturezas distintas (de texturas, cores e constitudos
a partir de procedimentos distintos), EVOCAES e INVOCAES, em
deslocamentos em
diferentes velocidades)
a- Deslocamentos permanentes, tanto no tempo/espao quanto nos
modos de subjetivao, construindo mirades de trnsitos em contraste e
rudo, produzindo experienciaes singulares e autnomas por parte de
cada receptor;
b- Polissemia, atravs da proposio de signos indecidveis quanto
ao seu significado ltimo, mas poderosos o bastante para instigar
nosso imaginrio na procura por (ou na inveno de) seus infinitos
sentidos possveis;
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c- Construo de mimeses cognoscveis apenas como a instaurao de
solos para saltos em direo a mimeses incognoscveis (a proposio de
novas mitologias, de novos moldes arquetpicos);
d- Outros desenhos da condio humana, que apontam para outras
possibilidades de experienciarmos a vida, atravs da criao de
arquiteturas lingusticas que transfiguram poeticamente nossa ideia
estabelecida acerca do que seja o real e que nos proporcionam
outros modos de habitarmos a linguagem (e, portanto, a
existncia);
e-A crena (operacional, aqui) na obra de arte como um sistema
complexo de relaes formais, construdo no mais amplo dilogo com
sistemas anteriores, que nos proporcione uma experincia esttica
outra, para alm da vivncia proporcionada pela cultura.
{como o foco vai para a opsis, o mythos no se impe como sentido
(ou mecanismo estruturador) da obra (a narrativa existe como o
cadver do pai que jaz no fundo do
oceano, obnubilado pelo mar revolto instaurado pelas operaes
formais perpetradas pelo autor)}
problematizar a narrativa derivao inevitvel da problematizao do
sujeito, posto que advm da problematizao do sentido (a narrativa,
como o sujeito, um
mecanismo de sentido)
fechados, sem imaginao, impotentes, no-poetas, resta-lhes falar
do mundo... no percebem que, agindo assim, s mantm as coisas
exatamente como esto...
1 - textos encarnados como pictocoreografias; a instncia de
explorao pictocoreogrfica incide diretamente sobre a explorao de
outras possibilidades tipogrficas (para alm das rubricas),
vivificando e ampliando o dilogo dramaturgo - encenador -
atores;
2- da dramaturgia estruturalista dramaturgia como
mquinadesejante;
4- se trata de uma dramaturgia da fala (de carter performativo),
e no da palavra;
5- quando Artaud amaldioa a palavra, ele est se referindo a uma
palavra clara, comunicacional, e ansiando por uma fala da
transversalidade, que atravesse os significados, que nos alcance -
e nos atravesse - de modo transversal, oblquo;
10- dois procedimentos: a SEPARAO (ou o CORTE) entre cultura e
arte; e o ESBURACAMENTO (ou ATRAVESSAMENTO), ligados instaurao de
uma experincia oblqua, polissmica, de atravessamento por signos que
no podem ser fechados em significados unvocos;
14- o teatro o lugar em que o homem se refaz;
15- no que uma pea comporte tambm a presena do pblico, ela (nica
e exclusivamente) esta relao (quem se desloca o receptor);
2 1 - o inconsciente no um teatro: uma usina, por extenso,
podemos aferir que a palavra no a expresso de algo, mas sim uma
usina de imagens, sensaes, significados indecidveis;
22- o inconsciente tem, portanto, mais relao com produo (Artaud,
Deleuze, Lacan) do
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que com descoberta (Freud, Jung); tem mais relao com o futuro
(que no existe, e que por isso pode ser inventado) do que com o
passado (que j existe, e que portanto s pode ser descoberto ou
interpretado);
24- Artaud e Valre Novarina esto conectados pela influncia
profunda que seus trabalhos sofreram das leituras esotricas, e pela
tentativa de recuperao do uso mgico das palavras, o uso mgico
aquele que no comunica, mas que desloca, transporta, expande em
trnsitos permanentes, em instabilidade de sensaes e de
significados, mas desloca para onde? a experincia autnoma para cada
receptor, e apenas desencadeada (e no conduzida) pelo artista;
25- o ponto essencial no a palavra: como na magia, tudo s
acontece se a maneira de falar ativar as palavras, a fala, no as
palavras; preciso que os dramaturgos compreendam e lidem com isto,
escrevendo uma dramaturgia da fala;
26- no se trata de entendimento, mas sim de intensidade, produo
de intensidades, produo de diferentes espcies de intensidade;
33- em termos de estratgia de construo dramatrgica, a produo de
intensidades absolutamente distinta do sistema acumulativo de Hegel
- e isto afeta profundamente a percepo do tempo;
34- posicionar-se ferozmente contra jogos de linguagem
estruturalistas, contra o conceito de estrutura, na medida em que o
avesso da estrutura o puro estar no desejo; a dramaturgia como
mquinadesejante potencializada pelo fluxo esquizo do desejo;
38- o texto dramatrgico como corpo sem rgos: DRAMATURGIA SEM
RGOS, assim como Artaud se rebelava contra a estabilidade e
passividade do corpo humano, com seus rgos cumprindo sempre as
mesmas funes, precisamos problematizar os esteios do drama
tradicional {personagem, conflito (sempre que identificamos um
conflito, porque se trata de um conflito normatizado), trama) e
transmutar estes rgos, revolucionando-Ihes os sentidos e funes para
alm de instncias reconhecveis;
39- alienar os dramaturgos: mas alien-los do que? do eu
cultural, que sempre age por hbito (por ventriloquia);
40- o que precisa ser realmente eficaz no a narrativa, mas o
grfico de foras que o autor mobiliza em sua escritura;
4 1 - um teatro de inveno, no de descoberta: no algo que existe,
mas algo que se inventa;
43- transformar maldizer (de maledicere, amaldioar) em mal
dizer, a maldio torna-se m dico, e os supliciados pela linguagem
comunicacional (no-potica, no-transfiguradora dos sentidos
culturais) passam a supliciar a lngua - arrancam a pele das
palavras, desencobrem (no dizer de Heidegger) as frases deixando
vir luz sensaes e imagens insuspeitadas, dilaceram o corpo ordenado
do pensamento (atravs da criao de outras arquiteturas lingusticas,
isto , atravs da criao de outras habitaes da linguagem); abandonam
a linguagem e suas leis para retorc-las. mal dizer infligir lngua
uma toro: elogio do aborto do verbo comunicacional; o sagrado (isto
, aquilo que minha razo no alcana completamente) s pode decantar
quando da instaurao de vacolos comunicacionais (as peas),
habitados, porm, por signos to
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poderosos que nos instiguem a procurar por seus significados -
ou a invent-los;
45- Artaud: que minhas palavras soem como francs ou papuano
pouco me importa, mas se eu cravo uma palavra violenta como um
prego quero que ela supure na frase como uma equimose com cem
buracos, supurar: infeccionar a ordem do corpo, formar pus, expelir
pus - conexo direta com a ideia de rizoma em Deleuze;
46- o texto de teatro deve soar como uma lngua desconhecida,
estrangeira, inventada, no-familiar (isto : potica - penso em
Heidegger, em seus ensaios sobre os poemas de Holderlin), cujos
significados rizomticos (ou purulentos...) nos atravessam de modo
oblquo - os buracos que estes atravessamentos abrem em nossa frgil
iluso de ordem supuram; linguagem que promova um movimento de
regresso violenta a um estgio infantil (estado de espanto diante
das coisas), que nos indivduos possudos pela sociedade comprime sua
fora;
49- o que escrever? inventar um corpo sem rgos, ou seja, criar
um objeto polissmico, no-estrutural, cuja construo seja guiada por
acoplamentos do desejo (seio-boca; pnis-vagina; lngua-cu; p-dentes;
mo-barriga; entre infinitos outros acoplamentos no-normatizados,
esquizos) que se instaure como o inverso do cadastro anatmico do
corpo orgnico, inventar uma coreografia pictrica, uma dana pulsiva
de signos indecidveis em uma pgina; Artaud: este desenho o esforo
que tento neste momento para refazer corpo com ossos das msicas da
alma (note-se o plural: msicas, o que denota a instabilidade e o
trnsito (deslocamentos) permanente entre diferentes instncias de
produo e recepo de fluxos);
50- criar trnsitos imprevisveis entre FIGURAO e DESFIGURAO: por
FIGURAO entenda-se signos de significado unvoco; por DESFIGURAO
entenda-se esburacamentos nos significados convencionais;
5 1 - cultura tudo o que nos fazem a ns; arte o que ns realmente
fazemos - um testemunho que macula o estado de coisas a ns
brutalmente imposto pela ordem cultural do mundo.
uma arte s sobrevive na medida em que se reinventa (na medida da
reinveno permanente de sua linguagem); sempre foi assim na histria
do teatro, desde squilo,
Sfocles, Eurpedes, Shakespeare, Ibsen, Tchekov, Nelson
Rodrigues... so estes grandes dramaturgos do passado que nos servem
de exemplo (e no de modelos):
autores que deram contribuies que resignificaram completamente a
dramaturgia (e a humanidade) em seus perodos de atuao. no se trata
aqui de descobrir o passado,
mas sim de inventar o futuro - ecoando, portanto, o impulso
criador de todos os mestres de outrora
esquizofrenia como sistema esttico
nosso projeto artstico o de instaurar experincias estticas que
nos propiciem desfrutar dos sintomas da esquizofrenia (quando digo
nosso me refiro
multido que habito)
a esquizofrenia nossa meta; desfrutar de seus sintomas: nosso
projeto
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{esquizofrenia: do grego squizo: dividir; e phren: parte do
corpo identificada por fazer a ligao entre o corpo e a alma
(literalmente: diafragma) / diviso da mente / dissociao que se
percebe entre si mesmo e quem habita o corpo / o fim do sujeito
como UNO}
o sujeito que age no percebe que o modo como ele se estrutura
linguisticamente que o faz agir desta ou daquela maneira, o modo
como falamos o modo como habitamos o mundo (gerando esta ou
aquela qualidade de ao)
a linguagem precede o sujeito o sujeito s um efeito de
linguagem
who needs action when you got words
a fala ao: criao de tempos, de espaos, de modos de subjetivao a
fala criao de mundos e de modos de habitarmos a vida uma linguagem
uma forma de vida (a palavra ao quando cria mundos, no quando
comunica ou expressa) EU FALO: EU EXISTO
o poder epifnico de criao e recriao perptua do mundo que as
palavras tem na medida em que para cada nova arquitetura lingustica
corresponde uma nova e imprevisvel habitao do mundo (gerando outras
formas de ao)
(situar-se contra qualquer forma lingustica hegemnica)
se isto no for atacado pelos dramaturgos, os discursos se tornam
to andinos quanto qualquer comercial de TV, independente de seus
contedos posto que no adianta dizer algo, mas sim habitar o mundo
de outros modos a prpria linguagem que deve parar de atuar na
esfera do dizer e proporcionar outras habitaes, pela criao de
outros modos de subjetivao, atravs de outras arquiteturas
lingusticas agir com as palavras como age o GNESES bblico
a teoria s faz sentido para aqueles que j acordaram e sentiram o
cheirinho do caf. (hermann nitsch)
talvez o espao e o tempo (o modo como os experienciamos) cheguem
a um fim em uma singularidade - esta frase do fsico george f. r.
ellis e as analogias que podemos traar no campo da criao de
sistemas dramatrgicos...
o importante aqui no nem a compreenso exata destes conceitos,
mas sim as analogias que podemos traar (algumas delas at baseadas
em rudos e compreenses equivocadas), e que podem catapultar
processos criativos que proporcionem outras experienciaes do tempo
e do espao, o importante aqui que estes conceitos operem
criativamente; afinal, no estamos construindo, em nossas peas,
teses ou modelos fsicos (mais ou menos fiis) de funcionamento do
real, mas sim inventando outros mundos, habitados por outros modos
de vida
s o que existe o tempo e o espao, e o modo como os
experienciamos a partir do desenho especfico que fazemos da condio
humana
(assuntos so apenas fices performativas, que empregamos
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provisoriamente em cada obra)
habitar a instncia do desejo (o que significa destruir a s i
mesmo), ou passar a vida obliterando o gozo (o seu e o dos
outros...)- pois bem, preciso destruir a si mesmo
(no se pode parar diante de um pollock e procurar o sistema de
relaes formais com o qual velasquez trabalhava, se o fizermos,
pollock parecer um pssimo pintor
(o azar, em todo caso, ser somente nosso: perderemos a
possibilidade de vivenciarmos a experincia esttica proporcionada
por pollock))
EXPERINCIA NO ALGO QUE SENTIMOS, ALGO QUE FAZEMOS
o idiota se mantm inseguro a respeito dos vnculos produzidos
pelo desejo, no acha este tipo de vinculao possvel ou justa,
sente-se agredido na base de sua existncia, que a busca por
respostas definitivas; respostas provisrias, instveis, mutantes,
polissmicas, produzem nele extrema ansiedade
SUBJECT: NOT HUMAN os idiotas se apegam a iluso apaziguadora dos
discursos e dos "contedos", apenas porque so incapazes de
experenciar a potncia transfiguradora de um sistema complexo de
relaes formais os idiotas ainda vem a si mesmos como humanos
(segundo uma ideia renascentista acerca do que seja a condio
humana)
o que valorizado em nossa cultura so obras que DESVELAM
(desvelam camadas do humano, fundamentadas portanto em uma ideia
estabelecida acerca do que seja o homem), e no obras que INVENTAM
outras humanidades (insuspeitadas, imprevisveis, inaugurais), o que
valorizado em nossa cultura (e muitos artistas optam hoje por uma
espcie de supernaturalismo pateticamente (e propositalmente,
inclusive!) andino para dar expresso a isto) so obras que trabalham
com o que intrnseco ao "si mesmo", e no obras que instauram e se
colocam como algo EXTRNSECO ao "si mesmo" (j que este "si mesmo"
sempre cultural), o que valorizado em nossa cultura a maior
habilidade na execuo demonstrativa'(o que se chama de
"interpretao") de uma ideia conhecida acerca do que seja a condio
humana, e no a inveno e instaurao (sempre espantosa, sempre
repugnante) de outras habitaes do tempo e do espao ainda
no-experienciadas
no estou professando um credo, mas sim destruindo credos para
que singularidades possam ser inventadas
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o teatro o buraco negro
os trnsitos permanentes de tempo que acontecem nestas dramticas
resultam em uma espcie de fim do tempo (o tempo como trajetria, o
tempo como linha, o tempo como histria), movimentos constantes de
criao de tempo/espao/modos de subjetivao para acabar com o
tempo/espao submetido a um sujeito estvel
e, ento, quando o quando j no mais sentido seno provisoriamente,
o espao se torna tempo
se o espao entre os eventos se torna (para uma percepo humana)
praticamente imperceptvel (pela vertigem da instabilidade),
paradoxalmente, mesmo em meio a uma srie de eventos, teremos uma
sensao de no-tempo - graas aos deslocamentos
(no existe meno atemporalidade nesta proposio, mas sim
singularidade, tudo tem relao com o conceito pr-socrtico de hapax
(instantaneidade do instante), que precisa ser vivenciado e no
discutido)
(a operao de produo de intensidades (na qual A OBRA FUNCIONA
COMO UM PONTO PARADO NO ESPAO, MAS QUE MUDA DE COR O TEMPO TODO),
ao contrrio do sistema acumulativo (trajetria - linha - narrativa)
hegeliano)
quem, lcido, se compreenda, se explique, se justifique e domine
seus atos, jamais far um gesto memorvel - e. m. cioran
quando se fala por a de alteridade, em geral refere-se a
diferentes modos de cultura, isto, francamente, no interessa,
refiro-me a outra coisa: a outras formas de habitarmos a vida, para
alm da cultura, e, sim, eu estou falando de algo impossvel, de algo
que no existe - e que por isso mesmo precisa ser inventado
dramticas que no se fundamentem mais na ideia acerca do humano
com a qual lidamos desde o renascimento, dramticas que se proponham
no a espelhar o mundo, mas a invent-lo: outros mundos, habitados
por outras formas de vida
( contra a aceitao de uma determinada ideia hegemnica acerca do
que seja a condio humana que eu estou gritando, se isto no muda, no
muda nada)
talvez o que estejamos fazendo com nossas dramaturgias seja a
induo de estados esquizofrnicos de conscincia - com toda a imensido
de reverberaes que isto implica
no induo; desencadeamento talvez seja um termo mais
apropriado
esquizofrenia s um apelido da alteridade radical; s uma indicao
polissmica de outros modos de vida;
s a vereda movedia do transumano
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i am not a human being
me permita experenciar intensidades e no me diga nada
(mas faa tudo isso com palavras)
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beyond human
AS PEAS EXISTEM COMO ESTRANHAS PAISAGENS EM IMOBILIDADE-MVEL EM
TOPOGRAFIAS DE DIFERENTES INTENSIDADES INSTVEIS HABITADAS POR
OUTROS MOLDES ARQUETPICOS DESENHADOS EM OUTRAS ARQUITETURAS
LINGUSTICAS CONFIGURANDO UMA EXPERINCIAO DA ALTERIDADE RADICAL
a forma deve ter sua artificialidade salvaguardada (arte a coisa
mais artificial que existe) e deve ao mesmo tempo ser habitada (no
psicologicamente, mas em termos de sensaes)
artificial E habitada
(REALMENTE habitada, em sensaes e cinestesia)
o tempo no uma medida, ser artista no contar, (r. m. rilke)
a inquietao pela inquietao ( preciso cuidar sempre de sua
manuteno)
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Scrates, plato, aristteles, kant, hegel... e a grande linha
paralela, que se coloca em contraponto brutal: herclito, schlegel,
nietzsche, heidegger, deleuze...
para que se entenda o ponto, preciso que se perceba a diferena
de vises de mundo (e portanto de aes no mundo) que grita e cala
entre estas duas linhas, e preciso que se perceba a DIFERENA que
existe (em termos de habitaes da vida e da linguagem) entre
HERCLITO e PLATO, por exemplo, a pode-se comear a pensar sobre a
reformulao dos pontos de apoio do pensamento e da existncia.
a linguagem nasceu como poesia (polissmica, e, portanto,
proporcionando habitaes poticas da vida). Scrates, plato e
aristteles foraram a transformao da linguagem em prosa (unvoca,
comunicacional, para evitar os rudos que so justamente a beleza da
construo de sentidos mltiplos de modo autnomo por cada
receptor/falante), herclito filosofa em aforismos e fragmentos,
paradoxais e em contradio, sem a possibilidade de snteses de
qualquer espcie (apenas porque o modo como ele vivncia a vida j
nega esta possibilidade de apequenamento), e os ps-socrticos comeam
a erigir (falicamente) SISTEMAS filosficos que funcionam pela lgica
progressiva e conclusiva (e dialtica e procura da sntese) de todo
mecanismo de sentido (que ainda lida, portanto, com a ideia de
"verdade").
a reflexo tem seu precioso lugar, mas este lugar no pode filtrar
ou limitar ou condicionar o domnio infinito e imprevisvel da
experienciao (incapaz de ser traduzido ou discutido pela razo (as
duas instncias no compartilham o mesmo lugar para poderem
reconhecer-se))
habitar o lugar no qual a razo no pode no consegue nem mais
perguntar
e enquanto isso o naturalismo/realismo "sincero", "despojado",
chegando s raias de um hiper-naturalismo andino, infesta os
palcos... atores e diretores acreditando que esta uma forma de
tornar o teatro mais "prximo" do pblico contemporneo... as pequenas
subjetividades contemporneas (subjetividades encarceradoras de
qualquer movimento de reinveno do humano) expostas sem
"espetacularizao" em cena - na verdade, apenas anodinia e desejo de
vender uma imagem de sinceridade e singeleza (sem dimenso potica
nenhuma) para o pblico, quando se olha para a pintura moderna (de
iber camargo ou de jackson pollock ou de barnett newman ou de cy
twombly), ou para a literatura de antonio lobo-antunes ou de herta
muiler, quando se olha para a poesia de robert creeley ou de f.
holderlin, ou quando se l deleuze ou derrida ou lacan, entende-se
porque o teatro no pode, na maior parte das vezes, ser levado a
srio no debate artstico, ao mesmo tempo, existe uma parcela (ainda)
subterrnea da produo dramatrgica contempornea que est, sim, na
ponta, e eu diria que est mais na ponta que todas as outras artes
na contemporaneidade, esta parcela est para vir tona, nos prximos
anos, em escala internacional, mas a maior parte do que se v nos
palcos ainda to figurativo e hegemnico (hegemnico em essncia, no
sentido de que no problematiza NENHUM dos pilares do que entendemos
por humanidade).
no campo da criao artstica, ningum impede ningum de nada, a no
ser o prprio artista, no, no somos reprodutores, e justamente
contra esta instncia (de reproduo de sistemas formais reconhecveis)
que se grita aqui. ainda que ideias novas no signifiquem nada fora
de uma prtica, de um fazimento, haja vista que o teatro no uma arte
conceituai, e sim, preciso suportar a imensa ansiedade advinda do
fato de que, em processos de criao, no vai se obter resultados
rpidos; quando no suportamos esta ansiedade, fazemos uso de
procedimentos conhecidos e funcionais e clichs, quando a
suportamos, criamos a possibilidade de inveno de sistemas de relaes
formais fundantes. verdade que o problema a compreenso da realidade
(do que seja "realidade"), e verdade tambm que o estilo realista
vende uma imagem de realidade bem especfica, que veio a ser
comprada, inclusive, como sendo "a" realidade, como se o real no
fosse construdo todo o tempo por ns (cada real conformado por um
jogo de linguagem especfico), neste sentido, o realismo um
problema; mais ainda a
-
partir do momento em que foi assimilado pelos mass media, que
propagam (vendem) para milhes de pessoas uma determinada ideia
acerca do que seja a humanidade, baseada em sensaes catalogadas e
modus operandi psquicos recorrentes (imagem esta que comprada,
inadvertidamente, at pelo teatro). TODA TCNICA traz consigo uma
viso de mundo; se me utilizo de uma tcnica, estou veiculando (e
vinculado a) uma viso de mundo, e estou soterrando em mim a
possibilidade de conquista de uma viso de mundo singular, e a
possibilidade de inveno de novas tcnicas (isto o que prprio da
ARTE), o realismo baseado no desvelamento, como se houvesse uma
VERDADE por baixo de tudo, verdade esta que, uma vez vindo tona,
libertar (ou desgraar) a todos (vide ibsen ou tennessee williams).
tambm ancorado na ideia de SUJEITO fundada no renascimento, com
ecos da antiguidade clssica grega e do ethos cristo do sculo IV dC.
um estilo que se pauta pelo dilogo, como se pudssemos acreditar no
dilogo (sem problematizaes), enfim, so tantos os pontos de
ignorncia profunda que norteiam este estilo, que s algum que ignora
toda a revoluo dos signos perpetrada pela arte e pela filosofia no
sculo XX pode continuar levando-o a srio. mas no fcil sair-se
(escapar-se) de seus fundamentos: mesmo em estticas ditas
ps-dramticas, cria-se outros contextos, tudo PARECE ser uma outra
coisa, mas o ser humano sempre o ser humano realista:
hiper-psicolgico. e contra isto, exatamente, que se deve lutar:
contra esta ideia acerca do que seja a vida, e no contra este ou
aquele estilo (embora seja bvio que o estilo realista nunca ser
capaz de trabalhar para alm do SUJEITO, porque se o fizer j no ser
mais realismo). estas proposies s podero realmente se abrir quando
textos que no trabalham com uma ideia estagnada de vida forem
publicados e encenados, neste nosso sculo XXI. a se fisicalizar
outra(s) opo(es), com a potncia de experincias estticas
imprevisveis, como aconteceu com o prprio realismo de ibsen e
tchekov quando do seu surgimento (insuspeitado naquele perodo,
final do sculo XIX/incio do sculo XX). sem a problematizao RADICAL
de todos os esteios fundamentais das dramticas estabelecidas, quais
sejam: a PERSONAGEM (uma determinada ideia de sujeito estvel); o
CONFLITO (como ferramenta para gerar mudana, isto , saltos
quantitativos gerando saltos qualitativos); e a NARRATIVA (que no
pode mais existir em primeiro plano, como sentido (e mecanismo
estruturador) da obra, haja vista que a narrativa est para o teatro
como a figura est para a pintura); sem a problematizao radical
destes esteios, e o soerguimento de obras que se tensionem em
outras bases, fundadas em outros solos, no se avanar um milmetro,
porque se permanecer no mesmo terreno EXISTENCIAL, promover mudanas
na construo dos edifcios sem mudar o solo sobre o qual estas
construes se apoiam uma falcia, que s engana a quem no percebe o
teatro (e a vida) em profundidade. no apenas de multiplicidade do
sujeito que se est falando aqui, mas da constituio de outros modos
de subjetivao no-humanos, atravs de arquiteturas lingusticas
OUTRAS, no tem nada a ver com o sujeito e suas vrias facetas em
co-habitao psicolgica. no estilo realista que a tal "imagem e
semelhana", o homem como "topo da criao", mais forte, porque no
realismo TUDO em cena sobre a vida dos homens, esta hierarquia na
qual uma ideia de humano est no topo, em relao s outras formas de
imaginarmos e experienciarmos a vida... porque so estes outros
modos de subjetivao que interessam agora, e no o homem e seus
relacionamentos idiotas, outras formas de experienciarmos a vida,
atravs de outras formas lingusticas (que promovem outras HABITAES),
para alm dos homens discutindo em sua linguagem hegemnica na sala
de estar...
o mundo visto pelos olhos de um pssaro...
a estes sistemas centrados, os autores opem sistemas
a-centrados, redes de autmatos finitos, nos quais a comunicao se
faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais
no preexistem, nos quais os indivduos so todos intercambiveis, se
definem somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as
operaes locais coordenam e o resultado final global se sincroniza
independente de uma instncia central, (g. deleuze)
para os enunciados como para os desejos, a questo no nunca
reduzir o inconsciente, interpret-lo ou faz-lo significar segundo
uma rvore, a questo 'produzir inconsciente' e, com ele, novos
enunciados, outros desejos: o rizoma esta produo de inconsciente
mesmo, (deleuze)
como detonadores de processos de criao, os conceitos no podem
NUNCA ser snteses, mas tem que estar sempre POR SE CONCLUIR no ato
da escritura em direes que possam ir alm dos conceitos que a
dispararam
-
porque na cr iao, hoje, p r e c i s o parar c o m a denncia d a
s imposs ib i l idades (sempre narcsica, da ordem da
auto-comiserao) , e partir para a inveno do impossvel (no s e trata
de anl ise acusatria e melancl ica e auto-heroizante, m a s da
proposio - aparentemente impossvel m a s E F E T I V A D A no ato
radical da obra - de habitaes do inominvel)
no confundamos estas proposies com "abandonar a razo e por no
lugar a emoo", o "sentir", num retorno estpido ao romantismo,
proponho uma problematizao absoluta do sujeito, do "eu", que o
centro no qual se fundamentam tanto o iluminismo QUANTO o
romantismo
tentativas de uma ao potica (transfiguradora do real) que v alm
das posturas iluministas E romnticas, a obra de arte no como a
expresso de algo (que eu pensei OU que eu senti), mas como uma
USINA apontando para futuros desconhecidos
arte no sobre mostrar/demonstrar um conceito, ou sobre fazer bem
alguma coisa (este o pior tipo de academicismo);
arte sobretudo a coragem da autoria.
trabalhar para ter-se a coragem de ser o autor da prpria morte
realizar o ato mais radical: a utopia feita carne ou, melhor
dizendo: a carne transubstanciada em utopia
pretensioso no se propor a habitar todas as COISAS, abandonando
o "si mesmo" para inventar linguisticamente outros modos de
subjetivao (isto no pretenso; isto epifnico); pretensioso, sim,
acreditar que o ser humano ocupa o topo da hierarquia da vida
(reproduzindo o ethos cristo da imagem e semelhana), e que s a
perspectiva humana (mais hegemnica, mais cultural, mais LTI) pode
ser interessante (mas interessante para quem? apenas para a
manuteno de um mesmo e modorrento lugar existencial)
{LTI um conceito de victor klemperer acerca da lngua do imprio
(vide tambm "a linguagem da montanha", de harold pinter, para
entender como impor uma forma lingustica hegemnica significa impor
uma forma de vida)
s vezes confundimos falta de potncia e de ideias com humildade.
no se faz arte sem arrogncia, e arrogncia significa trazer para si
a responsabilidade sobre alguma coisa, prepotncia significa
dizer-se capaz de algo sem ter realizado nada de significativo, e
isto simplesmente estupidez e perda de tempo; mas arrogncia,
ARROGNCIA uma qualidade essencial em um artista.
o que formao de plateia? produzir espetculos didticos, eventos
rasos que reproduzem formas e discursos hegemnicos reconhecveis,
subestimando as pessoas? no. formao de plateia defrontar o receptor
com experienciaes potentes, transfiguradoras do senso comum,
estranhas, surpreendentes, distintas de qualquer outra vivncia em
que j se esteve
a ideia de que arte de ponta s para iniciados uma imbecilidade,
toda arte avanada excitante, surpreendente, apostemos na infinita
curiosidade humana (curiosidade que nos impulsiona para o
desconhecido, para o imprevisvel),
em vez de nos resignarmos castradora impotncia conformista)
so os que trabalham com o teatro que dialogam com uma obra a
partir de uma srie de ideias pr-concebidas acerca de como deve
funcionar um espetculo. so estes os que tem mais dificuldade na
fruio de trabalhos de ponta.
(a coragem de escrever vem de assumir um recorte singular)
o grande dilogo com obras de arte no o da compreenso unvoca, mas
o de se permitir ser atravessado por elas, de modo potico. o mais
importante aquilo que minha razo no alcana completamente; este o
terreno das experincias intensas.
-
todo discurso apenas o smbolo de uma inflexo da voz (herberto
helder)
no h nada para aprender com a gerao de atores que criou o teatro
moderno no brasil, grandes, imensos atores, mas que sempre
trabalharam norteados por uma ideia especfica acerca da condio
humana (a ideia de sujeito que temos desde o renascimento), so
grandes atores FIGURATIVOS, que desenvolveram uma tcnica incrvel,
mas que no d conta das dramaturgias contemporneas, revolucionrias
em suas formas e proposies acerca do que seja a experincia humana,
se nos pautarmos em sua (destes atores) forma de atuao,
soterraremos a possibilidade de criao de novos procedimentos
tcnicos, exigidos por estas dramticas, que promovem outros
desenhos, outros modos de vermos e habitarmos a vida, o tempo, o
espao. penso em c. stanislavski e no fato de que ele e seu grupo de
atores tiveram que inventar um NOVO mtodo de atuao que desse conta
de colocar em cena a dramaturgia de a. tchekov (as convenes do
teatro da poca destruiriam a dramaturgia fundante do autor russo).
quando a dramaturgia aponta para lugares inaugurais, preciso que se
crie novas abordagens em termos de encenao e atuao. as tcnicas que
at ento vigoraram devem ser esquecidas, completamente, sob o risco
de obliterarem a habitao das novas formas, e de quebrarem a espinha
dorsal destas novas poticas (que exigem a inveno de novos mtodos de
atuao a CADA PEA).
se tomamos uma obra como a do noruegus jon fosse e trabalhamos
com ela de modo naturalista, fosse nos parecer um pssimo autor
(em diversos momentos da histria do teatro, a dramaturgia foi o
norte que ampliou as possibilidades da encenao e da atuao em direes
insuspeitadas) (e vivemos, hoje, um destes momentos, atravs de
autores que esto inventando outras operaes, a partir de (e gerando)
problematizaes brutais dos esteios do drama tradicional (e mesmo da
encenao contempornea)) (quando eu me refiro a problematizaes do
drama tradicional, me refiro a problematizaes da experincia
humana)
granger: a imaginao criativa no consiste num estado de viso
passiva, mas de experincia ativa. no caso da criao potica, as
experincias so essencialmente tentativas de subverso dos dados
ordinrios
dos sentidos do bom senso.
-
VER sempre uma operao de sujeito, portanto uma operao fendida,
inquieta, agitada, aberta. [...]o momento em que se abre o antro
escavado pelo que nos olha no que vemos, (georges
didi-huberman)
o ponto crucial aqui : de que sujeito se trata? ou melhor: se
nos identificamos com o eu cultural, condicionado, a teremos um
olhar cultural, condicionado, preciso se fundar sobre uma habitao
que esteja sempre em instabilidade, suscetvel de transformar-se
pelo ato de ver
.corno quando olhamos para a MEDUSA
(paradigma perfeito da obra de arte):
impossvel que no nos transformemos em OUTRA coisa
o que era aquilo?, ela se perguntou ainda, antes de deixar de
ser, para sempre, quem ela foi um dia. aquilo, isto, o que ? o
que?
MORFOGNESE LINGUSTICA DE MU LTI ESPCIES
NESTE INCIO DE SCULO XXI ESTAR IMERSO NA TENTATIVA DE RECRIAR A
ESPCIE HUMANA NO TEATRO
{trata-se de um novo classicismo (somos, sim, classicistas, pelo
impulso que nos move: o da criao dos clssicos de hoje, de obras
novas que tenham fora equivalente aos clssicos): o esforo aqui no o
de imitar, mas de igualar, com o mesmo peso e densidade, a mesma
complexidade, a mesma grandeza de inveno, a criao maior de outras
pocas
(gianni vattimo) {deve-se falar de uma "ontologia fraca" como
nica possibilidade de sair da metafsica e pode ser que nisso
resida, para o pensamento ps-modemo, a chance de um novo,
francamente novo, comeo, existir dentro desta
perspectiva diz respeito ao estarem relao com um mundo onde a
linguagem vem considerada no como um conjunto de estruturas fixadas
desde sempre, mas ancoradas numa radical historicidade da prpria
linguagem, neste sentido
vislumbra-se um "ofuscamento" da noo de verdade, por meio
daquilo que se poderia denominar de "devastao do mito de evidncia"
graas ao "fim da modernidade", e nos encontramos s voltas com a
dissoluo da filosofia
fundacional, quer dizer, daquela ideia que seria uma fundao
nica, ltima, normativa.}
devastao do MITO da evidncia... esta ideia se relaciona com o
FIM do FATO
ns projetamos outras (novas) formas de vida
cientistas usam manipulaes genticas
ns usamos manipulaes lingusticas
-
(experincias estticas novas em termos de sistemas formais
complexos podem, SIM, ser criadas e experienciadas hoje - as
esculturas de richard serra, por exemplo, so uma PROVA disso)
ou nossos discursos (nossas fices performativas) nos do potncia
para realizarmos o impossvel ou nos castram em racionalizaes que s
visam (mesmo que inconscientemente) justificar nosso fracasso em
conquistarmos uma instncia de singularidade quando eu afirmo que
algo no pode ser feito (e culpabilizo fatores sobre os quais
obviamente no tenho ingerncia), o que realmente est sendo
demonstrado minha falta de imaginao criativa s e olharmos, por
exemplo, para a histria da escultura, da antiguidade clssica
passando pelo renascimento e depois por nomes como a. rodin,
poderamos afirmar cretinamente que no existe a possibilidade de se
fazer nada novo neste campo, a surge um artista como richard serra,
que cria uma experienciao insuspeitada em s u a s obras, abrindo um
bolso nunca antes explorado no campo da escultura.
artistas so singularidades, que abrem espaos imprevisveis. e
sempre haver artistas, assim como sempre vo surgir experincias
estticas novas, mas preciso ambio, vontade, sim. willem de kooning
tinha um projeto: superar picasso. para realizar esta tarefa
(aparentemente impossvel), teve que mobilizar foras gigantescas,
ele conseguiu? obviamente
a ao de criao de obras de arte (que transfiguram nossa noo
estagnada de sentido, e que nos permitem renovar, de modo autnomo,
nossa sensao de mundo) e a exposio pblica (para experienciao e
dilogo) destas obras, configura uma ao poltica de consequncias
imprevisveis - e a maior de todas as aes polticas
a grande ao crtica P R O P O S I T I V A , e no acusatr ia H O J
E , n o s in te ressa muito m a i s a proposio de outras (novas)
formas de v ida presente na obra de valre novar ina, do que a
denncia d o s m e c a n i s m o s de funcionamento do capi ta l
ismo presente na obra de b. brecht (a obra de brecht um ground, s o
b r e o qual nos a p o i a m o s para S A L T A R em outras
direes)
es te S A L T O que a n o s s a misso, o n o s s o D E V E R
maior, c o m o art istas e intelectuais
AGIR efetivamente na inveno de outras experincias estticas, isto
ao propositiva: propositiva de dilogos com a sociedade, dilogos que
se do em outras bases, atravs de
escrituras que reconstroem o mundo de outras e insuspeitadas
maneiras (eis a o maior milagre possvel em um mundo que faz de tudo
para modelar nossas percepes de modo uniforme -
inclusive "criticamente")
TRANSUMANO no UMA coisa, transumano o fim de UMA coisa.
todo devir uma linha de fuga de um enquadramento antropolgico
toda criao uma fuga (dos homens) do homem e do sistema de poder que
esse padro pressupe (deleuze)
-
a arte, em sua misso mais elevada, dificilmente de todo humana,
(glenn gould)
uma presena sentida ao mximo quando pode, a qualquer momento,
ausentar-se. toda a sabedoria, toda a poesia, ser atinar com o grau
certo, isto , incerto, de definio formal. por certo esta tarefa
demanda um corpo pensante, uma vez que no produto de saber
artesanal, muito menos de programas conceituais... (ronaldo
brito)
a obra de arte: agindo como se fosse uma coisa preciosa achada
ao acaso
fortuita mas irretocvel e com recursos propositalmente escassos,
meios e modos to estritos, buscar o
inesperado: repetir a surpresa de seu acontecimento
trata-se de uma experienciao muito prxima da literatura, em seu
apelo (terno) de expanso do imaginrio do receptor, mas que se
coloca de modo mais poderoso que a experincia literria por sua
estranha modelao biofsica do tempo/espao
escrever retirar-se. no para sua tenda, mas da sua prpria
escritura, cair longe da sua linguagem, emancip-la ou desampar-la,
deix-la caminhar sozinha e desmunida. abandonar a palavra, (j.
derridaj
h duas interpretaes da interpretao, da estrutura, do signo e do
jogo. uma busca decifrar, sonha com a possibilidade de decifrar uma
verdade ou uma origem que pudesse escapar ao jogo e ordem do signo,
e vive como um exlio a necessidade da interpretao, a outra, no mais
voltada para o origem, afirma o jogo e tenta ir alm do homem e do
humanismo, desse homem visto como o ser que sonhou com a presena
plena, com o fundamento seguro, com a origem e o fim do jogo. (j.
derrida)
no estabelecer verdades mas admitir e valorizar variaes
infindas
(sobre os atores:
a presena como metafsica a enunciao como diferena
no ser vtima de uma ideia hegemnica de tempo desenhar o(s)
tempo(s) e modelar a(s) matria(s) do(s) tempo(s) (MODELAR esta
matria, gerando diferentes fruies do tempo, diferentes tempos em
fato instante - e perceber que a DISTNCIA ENTRE OS EVENTOS tambm
parte da modelao e, como tudo em arte, produz instabilidade e
vertigem e perturbao e perda de foco (no receptor) na medida em que
surpreendente) (a distncia entre os eventos, por vezes, mais
importante em termos de afetao da percepo temporal (do receptor)
que os prprios eventos)
-
para cada modelao corresponde uma HABITAO do tempo especfico
e s e no h distncia, h instantaneidade do instante
sendo que: cada instante soa e habitado como algo especfico (em
variaes de contraste com a modelao seguinte)
os eventos - independentes ou interligados - ou mesmo existindo
em interzonas para alm destas duas possibilidades
ora, onde mora o perigo l que tambm cresce o que salva, (f.
holderlin)
pensemos esta palavra de holderlin com todo o cuidado: o que
significa "salvar"? (...) "salvar" diz: chegar essncia, a fim de
faz-la aparecer em seu prprio brilho, (m. heidegger)
nosso mtodo de trabalho bem distinto da carnavalizao (talvez
oposto), mas encontra relao muito prxima com uma certa cultura
plstica brasileira, surgida nas dcadas de 40 e 50, com as
conquistas extraordinrias dos pioneiros do projeto abstrato (os
artistas dos grupos RUPTURA e FRENTE) , em sua rejeio pintura
modernista brasileira de carter figurativo e nacionalista, e com a
posterior desinibio definitiva dos procedimentos abstracionistas
nas obras de eduardo sued, por exemplo, e de seu complemento (no
que s e refere construo de uma pictrica, isto , de um pensamento
autnomo em pintura) que a obra gigantesca de iber camargo; na obra
dos grandes franz weissmann e amilcar de castro; e no posso deixar
de citar o dilogo que percebo, hoje, com a obra de clia euvaldo e
tambm com o trabalho de edith derdyk
menciono estes nomes das artes plsticas, porque difcil encontrar
no campo do teatro filiaes com artistas que trabalharam com
abstrao, com mimeses incognoscveis, com a reinveno do tempo, do
espao e da humanidade, penso em luiz roberto galizia, que triscou
nesta seara nos anos 70/80, e na obra de gerald thomas nos anos
80/incio dos anos 90, mas apenas de raspo (a ligao de thomas com
procedimentos eminentemente ps-modernos torna difcil cit-lo aqui),
no vejo, no entanto, nenhum problema em encontrar filiaes histricas
somente no campo da pintura e da escultura, porque me refiro ao
aparecimento de vocabulrios abstracionistas no campo da ARTE
brasileira; suficiente que isto tenha acontecido nos campos
citados, haja vista a dificuldade que o teatro sempre teve de se
libertar do figurativo e da instncia de "espelho do mundo"
a desestabilidade radical s pode nascer de uma zona ontolgica
(nunca de uma zona cultural)
o reconhecimento, a/aqui, se d (paradoxalmente) pelo
desconhecido
a dramaturgia no uma teoria, mas uma atividade
-
o que sucede no palco no uma representao, mas uma relao de
condues e desencadeamentos (articulaes: a consequncia da
consequncia)
a meta essencial no produzir uma cena digna de ser contemplada,
mas usar o palco como um teatro de operaes para a instaurao de
distintos tipos de intensidades/instabilidades
(no falar de trama, mas de funcionamento)
(por exemplo: cy twombly um fazedor, willem de kooning
tambm)
como um avio que luta para ganhar altura, para fazer arte, hoje,
preciso despejar uma boa quantidade de bagagem dispensvel
[s se escreve escrevendo, assim como s se pinta pintando (vide
francis bacon, por exemplo, descrevendo a criao de seus quadros e o
dilogo permanente com a pintura, pincelada a pincelada ("o verde
nunca se comporta da mesma maneira a cada vez que toca a tela",
"foi em resposta a um respingo, produzido ao acaso, que esta imagem
foi gerada", etc)]
so procedimentos no-estruturalistas, que se do por acoplamentos
do desejo, momento a momento, signo a signo, evento a evento
na frase "o que sucede no palco no uma representao, mas uma
relao de condues e desencadeamentos", entenda-se a relao que s e
instaura, momento a momento, entre os signos emitidos do palco e o
espao mental/sensvel de cada receptor na plateia
em algum ponto (ou em alguma camada) de toda obra de arte,
existe uma assero (s vezes sussurrada, outras vezes gritada) de que
a vulnerabilidade humana contrariada pela vitalidade humana
(as obras de arte so, neste sentido, um desafio (arrogante,
Irado, inconsequente, irresponsvel) diante da morte, da doena, da
dor)
"e o que me diz das formidveis figuras silenciosas de esquilo?"
- ele de repente me disse um dia, a propsito de nada. os pressgios
e ameaas esquilianos, a sensao da imanncia de poderes
determinantes, esto sempre l.
(david sylvester, notas sobre francis bacon)
a palavra estava no mundo - e o mundo foi feito por meio dela
(belssima fico, altamente performativa (em mltiplas direes)) agir
como age o gneses bblico (a partir do mesmo lugar - inventando o(s)
mundo(s) atravs da palavra, NA palavra: em habitao da palavra),
mundos que mundif icam. invocao: e a palavra se faz carne
todo artista odeia a natureza (tudo o que natural) todo artista
odeia a cultura (tudo o que n o s identifica c o m o povo e n o s
une) (e odiar s igni f ica tambm um tipo muito forte de vnculo)
eliminar os ltimos vestgios de figurao e de cor local (a
aclimatao advm do discernimento esttico aliado indispensvel
relativizao histrica), o clima sugestivo ou rememorativo que ainda
encanta, para chegar a uma presena de teatro decididamente aberta e
atual, que de fato ESTALE como corpoestranho na medula do mundo
-
o teatro um en igma que revela e e s c o n d e aqui lo que
o dilogo do receptor c o m a obra de arte pressupe tambm e d e s
d e o princpio um auto-dilogo
em que consiste o ser-obra da obra de arte? ser-obra significa:
instalar (instaurar) (estalar, pelo choque de outra instalao) um
mundo,
(reflexes a partir das reflexes de m. heidegger, em A ORIGEM DA
OBRA DE ARTE)
. . .poeticamente o homem habita... (f. holderlin)
n o s s o s c o r p o s , f inalmente, esto l ivres do
imperativo do d e s l o c a m e n t o (esta a diferena entre a s g
r a n d e s navegaes do renasc imento e a s da contemporaneidade) :
o s d e s l o c a m e n t o s no tempo (no m a i s no espao, que s
e t ransforma em tempo)
c a d a obra de arte fora o receptor a encontrar (como no boxe)
a s u a DISTNCIA ideal para que o dilogo e a relao e a exper
ienciao s e d em potncia plena
N O V A S O B R A S : N O V A S D ISTNCIAS
a dilatao do(s) mundo(s) a reduo do(s) tempo(s) a lgica da
poesia
(*aclimatao histrica)
no confundamos "novidade" (o recurso 3D no cinema) com inovao (o
que j. I. godard fez com a imagem cinematogrfica).
(para os atores:
existem: - valores de modelao temporal (distintos ritmos e
andamentos vocais) - valores de intensidade (distintas tonalidades
e texturas vocais)
estes valores no se superpe: ao contrrio, as modelaes de
tempo(s) (que promovem diferentes modos de ESTAR no mundo) e as
habitaes de diferentes intensidades, promovem uma simbiose que
constitui a materialidade do trabalho do ator)
a obra de arte nos expulsa dela: a afirmao da arte como
alteridade,
em oposio a tradio do teatro intimista, consonante (de
consonncia cultural entre os signos e os receptores).
-
a obra de arte exige que nos posicionemos sempre fora dela,
no exterior (de ns mesmos), dilatando nossa viso
expulsar (como uma barreira) o sujeito para o exterior E
permitir (como um portal) a projeo de contedos inconscientes do
receptor (atravs da manipulao de signos oriundos de fontes pulsivas
e/ou de ausncias (lacunas, buracos) convidativas o suficiente)
(e faz-lo em interzonas de derretimento e hibridao, em
velocidades brutais no tempo e entretempos)
(mas: para cada UMA projeo, DUAS ou TRS expulses; para cada
evento-mimeses-cognoscvel, forar a percepo em direo a dois ou trs
eventos-mimeses-incognoscveis)
este projeto esttico resultado de um dilogo com toda a histria
da arte, especialmente com aquela produzida desde o final do sculo
XIX/incio do sculo XX (a aclimatao histrica a que me referi
anteriormente)
cheios incompletos/fragmentados e vazios intrigantes: rede
contra a qual o receptor se atira e ricocheteado em novo grau de
energia (absorve e emite) (c. ishikawa)
no se pratica a abstrao para que haja um alheamento do mundo,
mas sim para que haja uma penetrao em sua essncia, (wilhem
worringer)
e esta essncia metamorfolgica
a importncia de um artista pode ser medida pela quantidade de
novos signos e procedimentos introduzidos por ele em sua arte.
a importncia de um crtico/terico da arte pode ser medida pela
quantidade de novos signos e procedimentos (criados por artistas)
detectados e conceituados por ele.
eis o melhor exemplo de como funciona em uma obra a relao entre
estes dois plos:
O QUE (a escolha dos signos em jogo - escolha necessariamente
oriunda do sinthoma/fonte pulsiva do
-
autor);
e o COMO (que diz respeito inveno - como os tais signos vo se
traduzir (em termos de arquiteturas lingusticas, no caso da
dramaturgia) e
se expandir em direes imprevisveis para o prprio artista):
os CARRETIS de iber camargo
a excelncia no domnio de tcnicas inventadas
e o confronto destas tcnicas com foras incompreensveis: o acaso,
a intuio, o lance, o instante
este confronto a tenso dissonante que caracteriza a estruturao
de todas as grandes poticas
a arte se diferencia de outros trabalhos por conta da busca pela
excelncia
a excelncia a alma de uma obra de arte (algumas tem, outras
no)
(a partir de reflexes de roma drummond)
EXCELNCIA quando se habita uma tcnica de modo to pleno que ela
no aparece mais como tcnica, mas com um estranho modo de estar na
vida
e por ESTRANHO, leia-se: outro; da ordem da alteridade, da
diferena.
a obra de arte como algo autnomo, um todo unificado e fechado em
si (paradoxalmente, este o modo de potencializar o dilogo com o
mundo: contrapor mundos (densos) ao mundo, como pontos de fuga,
alternativas da ordem da inveno radical, universos paralelos: lanar
mundos no mundo)
-
um signo (qualquer signo, e mais ainda se for um signo neolgico)
s vale no contexto da obra, nas suas relaes. a intensidade de um
signo estabelecida ( valorada) apenas no mbito de suas relaes com
outros signos (e eventos) presentes na obra. ("todo mundo tem
palavras, mas s um escritor tem frases" - e frases so palavras
postas em uma DETERMINADA ORDEM, gerando (esta ordem) a qualidade
especfica de cada evento, e a intensidade especfica de cada signo -
dentro do evento, e ainda na relao do evento com os outros eventos
instaurados na obra)
tudo isso se liga com o jogo de contrastes (que, como na
pintura, se torna um saber obrigatrio nestas dramticas da opsis;
vide os tons quentes (o vermelho) e frios (o azul) de ticiano, e as
infinitas mirades de gradaes nas passagens de uns a outros); mas
preciso reaprender perpetuamente que o teatro uma construo de
dentro para fora (isto e, a partir de vinculaes do desejo geradas
pelos signos que vo sendo postos na obra, em habitao da obra, e no
a partir de projetos estruturalistas externos ao ato da escritura
ou da enunciao)
por "passagens", leia-se: deslocamentos, e importante frisar
que, diferentemente das cores, no h valores quentes ou frios nas
palavras; elas se tornam quentes ou frias na relao com as outras
palavras
devemos fazer teatro (ou qualquer outra arte) no para sermos
amados e/ou perdoados e/ou aceitos mas sim atrados pela aventura
pessoal da inveno de uma potica que em dilogo com a histria da arte
(e com a histria da humanidade) amplie a experincia humana em
direes at ento insuspeitadas (e imprevisveis at para ns mesmos)
c o m o enxugamento instrumental adv indo do u s o d a s p
ictocoreograf ias (com a e l iminao d a s rubr icas , tudo p r e c
i s a s e dar e s e reso lver no mbi to restrito (e, d e s c o b r
e - s e ento, infinito) da l inguagem), a t inge-se um patamar al t
ssimo de auto-exigncias, qu exclu i qualquer ventr i loquia,
fazendo de c a d a ao escr i tura i u m a deciso autoral
ento que a fala s e torna ao, e m um nvel n u n c a an tes v is
to na histria da dramaturgia
(ventri loquia quando o artista no toma uma deciso a c a d a
momento de cr iao da obra , permitindo que a deciso tenha s i d o
tomada an tes dele (por outros art istas) , reproduzindo-a s e m
agir efetivamente)
deciso atual izao de potncia
renovarmos a forma para que ela
seja novamente a morada da
arte
optar por encobrir as imagens e ainda assim ( preciso)
-
tornar visvel o tempo aprisionado no espao ' certo que sua arte
feia, mas toda arte profundamente original parece feia a princpio."
(clement greenberg,
a respeito de j . pollock, em 1945)
as esculturas de richard serra no so produo de imagens (de modo
geral, existe um bvio desinteresse por toda escultura que resume-se
a produzir uma imagem (ou que traz em primeiro plano a inteno de
produo de uma imagem))
do mesmo modo, a pintura de barnett newman ou de jackson pollock
no sobre a produo de imagens (o modo de operao est mais prximo da
inveno de uma lngua)
analogamente, o teatro tem muito mais relao com diferentes
modelaes de tempo e espao do que com a produo de imagens ( preciso
encobrir as imagens, repito, posto que imagem e narrativa se
relacionam de modo muito, muito prximo)
a experienciao da obra de arte propicia a ecloso, no receptor,
de respostas pessoais (e por vezes inconscientes) para sua vivncia
contempornea
"quando voc reflete sobre um barnett newman, relembra a sua
experincia, no o quadro." (richard serra)
APLICAR "MENOS MAIS" NO TEMPO
h contrastes e contrastes:
contrastes gritantes (em w. de kooning) e contrastes minimamente
perceptveis (em ad reinhardt)
os contrastes entre vermelho e azul, e os contrastes entre
diferentes tons de branco
a sabedoria que provm do desencantamento no favorece o
florescimento da arte; a arte prospera na inocncia
tudo desliza, (f. holderlin)
o papel do artista passar adiante o que lhe chega ele no existe
para servir nem para mandar mas para transmitir
toda grande obra de arte instaura um extremo deleite com a
existncia e um desespero cruciante em raras intensidades de
ambivalncia
-
..sempre armados
da beleza mais lancinante que pudermos
-
D R A M T I C A S D O T R A N S U M A N O parte I I
[mais apontamentos (...)
fala quem tem esperana, e vice-versa. (I. witgenstein)
together AND in contrast... ali the thing (the theatre): is ali
about magic. ali about magic...
(magie noir, love, poetry, and the face of god)
tudo sobre magia, e sobre amor, e sobre poesia (no na tradio do
eu lrico memorialista, mas na transfigurao de toda estabilidade),
a/aqui o invisvel se torna perceptvel - obliquamente, transfigurar
toda a nossa percepo estabelecida acerca do que seja o real;
preciso apenas uma mudana no ponto de apoio em que trabalhamos
o susto, o espanto diante da experincia transumana o mesmo: aqui
(no brasil) e l fora. o que tambm d a certeza de que trata-se de
uma outra coisa, que amplia o campo de trabalho do teatro (e
portanto da experincia humana) em veredas desconhecidas at o
momento
na apreciao destas obras h desde raiva indignada at
maravilhamento diante do que chamam de abertura de novas
possibilidades para o teatro (e h, de modo geral, estranheza diante
dos sistemas formais no-reconhecveis). bom sinal, todas estas reaes
- no porque se busque a estranheza, mas porque ela inevitvel quando
se trabalha com sistemas formais fundantes, que traduzem e expandem
percepes singulares, no-culturis
o fato que a sala em que se est, o tempo, o espao e a percepo
que temos de ns mesmos se alteram completamente ao final das
apresentaes (e durante, de vrias maneiras, em deslocamentos e
instabilidade permanentes), isto o poder transfigurador da poesia
presentificada em ato radical; isto o poder destas complexas (e
simples, muito simples, embora nunca fceis) dramticas
transmutao e metamorfose: radicalidade em ato que, um dia,
talvez venha a ser minha glria pstuma, (f. nietzsche) (com ecos de
herclito)
magie noir apenas um apelido para a inveno de procedimentos
empricos que bordejem o abstrato, o inominvel, novos moldes
arquetpicos, outras estruturas mitolgicas - o impossvel feito
carne, e a carne feita luz e trevas (desvio para o vermelho, desvio
para o azul)
escrever uma pea criar tipos especficos de INSTABILIDADE
-
para mudar o mundo, completamente, s preciso falantes e palavras
- no palavras que expressem (e portanto compactuem com) sensaes e
vivncias culturais, mas palavras que, atuando como o gneses bblico,
criem outros mundos, outras experincias de habitao da linguagem,
distintas da vivncia conhecida, a mudamos o mundo - porque
inventamos a ns mesmos (s precisamos de falantes, criando tempos,
espaos e outras formas de vida, em trnsito e instabilidade, em
habitaes lingusticas OUTRAS)
vide HERCLITO, F. HOLDERLIN, F. NIETZSCHE, F. SCHLEGEL, M.
HEIDEGGER, o ltimo L . WITTGENSTEIN (do investigaes filosficas), G
DELEUZE, J . LACAN. vide, e continuemos em frente, para o alto e
avante! (no se trata de fazer melhor, mas sim de fazer mais bonito
do que os que vieram antes de ns, justamente por amor a eles e por
um respeito profundo s suas obras) (e no podemos esquecer, nesta
estranha linhagem que tracei, de A. ARTAUD, que a parte todas as
leituras estereotipadas de seu trabalho, permanece uma luztreva que
nos aponta para o impossvel que podemos, enfim, instaurar no
teatro)
uma linhagem aforstica, anti-sistmica, de rudos e de produo de
pensamento por OUTRAS vias - experienciais, da ordem dos ecos e das
ressonncias, da ordem de articulaes rizomticas
(quando digo impossvel, o fao com um sorriso de felicidade haja
vista que todas as proposies que nos so mais caras nos levam no da
impotncia potncia, mas sim da impotncia ao impossvel)
em nossas escrituras, O QUE se relaciona com a fonte pulsiva,
com o sinthoma de cada autor; e o COMO se relaciona com inveno, em
analogia com o comportamento da luz no universo: DESVIO PARA O V E
R M E L H O (para a origem, para o arcaico, para os arqutipos
reconhecveis, constitutivos, intrnsecos), em tenso permanente e
insolvel com o DESVIO PARA O AZUL (para o fim, para o futuro que
ainda no existe, para os novos arqutipos que funcionam como moldes
a serem preenchidos por pulses que teremos que inventar, algo
extrnseco ao si mesmo)
(no fundo, isto s um outro modo de propor a dvida de CEZANNE,
que motivou p. picasso e a. giacometti e w. de kooning (entre
muitos, muitos outros artistas) ao longo de suas trajetrias
criadoras)
o teatro no uma arte conceituai, mas sim um fazimento, algo que
s se d e s se instaura no ato de fazer (que sempre muito maior do
que qualquer conceito, posto que no cabe em conceitos...) os
conceitos s podem agir como disparadores de processos criativos de
fazimento, que sempre resultam imprevisveis e maiores que os
conceitos que os originaram
demoiselles cTavignon, de p. picasso: mais de 10 anos sendo
motivo de piada, at por parte dos pintores que eram seus amigos
mais prximos, hoje em dia, vista como uma das obras mais
importantes do sculo XX, tendo influenciado toda a produo artstica
da segunda metade do sculo, um exemplo incrvel de arte como sistema
complexo de relaes formais, construdo no mais amplo dilogo com
sistemas anteriores, e que proporciona uma experincia esttica
outra, distinta da experincia cultural (conhecida), (nada causa
mais repulsa mente medocre que a alteridade; os ces ladram, sempre
ladraram, continuaro ladrando...
escrever separar-se de si mesmo
-
potncia de vida pensada e vivida como uma morte mltipla
{subjetividade o nome de uma fico moderna, tambm chamada de EU
ou SUJEITO}
f a percepo (intuitiva) de que sempre existiro coisas que eu no
conheo, o espanto pode estar (e est) na prxima esquina, ou, dito de
outro modo, na prxima inveno - e ns (a humanidade) estamos apenas
comeando (e no terminando, como querem alguns)
o ato um verdadeiro acontecimento, nada mais ser como antes
depois dele. (j. lacan)
- e o maior, o grande ato, a fala, posto que cria. a fala que
cria
(o ato da ordem do disparate, da distrao, quase que do
acaso...)
lacan, seminrio 23, o sinthoma a/aqui/l que est
a coisa
{a coisa, para Lacan, que diferente da coisa freudiana (das
ding), o prprio estranho)
toda dramaturgia so satlites circulando o objeto-a(usente)
toda dramaturgia so luas orbitando o que no cessa de no se
inscrever
toda?
agora que sabemos disso?
no que se trate de presentificar o objeto-a, mas sim de invocar
O-objeto:
desembocar no I S T O
eis o futuro (?)
(s O-objeto constitui-se como alteridade radical em relao ao eu
ou ao ns)
O-objeto o devir?
-
. mas vir? poder vir? eis a questo impossvel que exige - HOJE -
enfim sua resposta (que ser de novo uma pergunta, mas uma pergunta
que at ento no havia sido feita)
na medida em que o objeto-a o centro gravitacional das dramticas
do humano, e O-objeto torna-se a mimeses incognoscvel das dramticas
do transumano
O-objeto impossvel - at que seja invocado, o objeto-a impossvel
tambm, mas assim permanece, na medida em que a nica operao que pode
bordej-lo, apontar para ele sem toc-lo, a evocao
o objeto-a a morte, e a morte impossvel. O-objeto tornar real
algo inventado (algo que no existia, absolutamente), e invoc-lo
ampliar o real (!). operao utpica? talvez sim, talvez no. eu digo
que no, sendo, obviamente, sim
(mimeses entendida como atualizao, no imitao)
analogamente: o buraco negro se comporta como o objeto-a quando
estamos FORA dele, e como O-objeto quando estamos DENTRO dele
-
o significante precede e determina o significado determina, mas
no para quem (e, portanto, no em qual sentido)
alguns procedimentos:
- contraste: gerado por 2 (ou mais) eventos de naturezas
distintas;
- rudo: gerado por 2 (ou mais) procedimentos que operam de modos
distintos;
- derretimento: pontos instveis de hibridao entre diferentes
arquiteturas lingusticas (entre diferentes modos de
subjetivao);
- deslocamento: movimento (que ocorre no espao mental/sensvel do
receptor) entre diferentes tempos; espaos; modos de subjetivao;
direcionamentos do discurso; usos da linguagem (evocao (trazer
mente, como uma lembrana, uma memria; referir-se a alguma coisa) e
invocao (presentificar; construir tempo e espao com as palavras;
instaurar, pelas palavras, algo ou algum, que no estava ali antes
das palavras serem ditas));
- transmutao de sujeito (no h sujeitos estveis, mas emissores
que habitam provisoriamente, atravs da linguagem e, sobretudo, NA
linguagem);
- figurao (unvoca) e desfigurao (polissmica), em tenso;
- monlogo dialgico (quantos modos de subjetivao cabem em um nico
emissor?).
( importante perceber que para cada modo de subjetivao
corresponde uma experienciao singular do tempo e do espao (e no s
uma localizao distinta no tempo e no espao))
(tambm pode-se definir o derretimento como momentos de
contaminao de uma arquitetura lingustica por outra)
as operaes citadas so procedimentos que trazem a
imprevisibilidade, que vivificam nossa ateno e conexo com a obra, e
que a tensionam (nos tensionando)
-
sobre velocidade: a- variao na velocidade de deslocamento entre
2 eventos; b- rtmica interna de cada evento; c- dimenso do evento
(dimenso no sentido de tamanho)
sobre variaes em cada evento: - tempo; - espao; - modo de
subjetivao (arquitetura lingustica); - direcionamento do
discurso.
(s vezes estas variaes se do em zonas muito claras, e s vezes em
interzonas hbridas, nebulosas)
no mais fragmentao OU continuidade, mas sim fragmentao COM (ou
EM) continuidade
(ou em fluxo contnuo)
[isto , nem a potica grega, nem tampouco a potica medieval}
riverrun
no tpico {variaes em cada evento}, deve-se acrescentar: - lugar
a partir do qual se fala (lugar no sentido da lgica da opsis)
preciso ter f no poder epifnico da linguagem
no tpico {alguns procedimentos}, acrescente-se: - monlogos
articulados: quando um signo plantado em um evento monolgico
floresce com outros sentidos em outro evento monolgico
entre {alguns procedimentos}, acrescente-se: - contrao temporal
(que pode ou no incluir saltos espaciais); - dilatao temporal
(abertura de bolses no tempo, e explorao destas imensas e
insuspeitadas searas)
o espao est sendo criado na medida em que o universo se expande
- o universo se expande na medida em que o espao criado)
nos anos 50/60, a guinada do expressionismo abstraio (J.
pollock, b. newman, m. rothko, w. de kooning, entre outros) rumo
liberdade artstica foi associada (por alguns crticos e tericos da
poca) ao individualismo de direita, a liberdade criadora (no
sentido da grande libertao do "si mesmo" cultural) da arte abstrata
norte-americana (forjada quase completamente por
imigrantes, diga-se de passagem) foi usada por polticos do
perodo como propaganda (no auge da guerra fria) contra o comunismo,
que tinha sua expresso esttica no realismo
socialista (movimento andino que s encontra espelhamento na arte
nazi, com a diferena de
-
que na rssia os quadros eram povoados por trabalhadores com seus
macaces de operrios, enquanto na alemanha nazista eram gigantes
nrdicos com roupas de tirols tendo a floresta negra ao fundo), foi
neste momento que a forma no-figurativa (efetivamente
revolucionria,
na medida em que reinventa integralmente o homem, o mundo, a
vida) foi associada alienao e burguesia, sob a pecha de
"formalismo", desfazer este n histrico, este
equvoco responsvel pela ideia que temos at hoje acerca do que
seja uma arte poltica, tarefa imperiosa - e urgente
(lembrando que a arte abstrata russa, revolucionria e poltica
sob qualquer prisma, foi inteiramente assassinada e banida quando
stalin chegou ao poder, falo dos imensos malevitch e kandinski,
por
exemplo)
foi mais ou menos o que aconteceu com s. beckett quando sua obra
despontou, com a diferena de que martin esslin conseguiu convencer
as pessoas de que beckett era um escritor humanista (?)
como a arte exceo (enquanto a cultura a regra), trata-se sempre
de proporcionar experienciaes estticas (ou seja, sensveis: da ordem
da sensibilidade) que nosso entendimento existencial desconhece at
aquele momento.
s vezes se pr no espao outras vezes espacializar
se pr no espao permitir a decantao biofsica que se d quando
cessa a linguagem, espacializar criar espaos outros atravs da
linguagem, NA linguagem, em habitao da linguagem.
a r o paradigma destas dramticas - hbrido aos saltos
se voc no trabalha mais com o mythos, a nica maneira de
sustentar uma pea em p so os diferentes e imprevisveis e infinitos
tipos de deslocamentos; porque o mythos existe,
fundamentalmente, para promover mudana (no caso, na esfera da
narrativa: das personagens, da situao ficcional), e os
deslocamentos promovem mudanas todo o tempo -mas na esfera da
opsis. a mudana (elemento central da arte) se mantm -
potencializada ao
infinito
a vida percebida na mudana, nos contrastes (d^aprs spinoza)
no porque voc faz rimas que um poeta no adianta seguir o logos
dos deslocamentos, se os eventos em si so fracos como elaborao
(cada evento precisa ter sua qualidade especfica, e esta qualidade
precisa ser potente em sua especificidade) o nico modo de aferir a
potncia de um evento perceber seu poder de abrir cortes em ns -
-
cortes que se abrem para acoplarem-se com o evento, para
receberem (e responderem ao) seu fluxo
1- Quem se desloca? 2- O receptor, a sua percepo (a obra de
teatro acontece no no palco, mas na plateia, no espao
mental/sensvel de cada receptor, e acontece de modos diferentes
para cada pessoa) (eis o melhor critrio para aferir se uma obra
arte ou no: se todos na plateia riem no mesmo momento, ou choram no
mesmo momento, porque se trata de uma obra cultural (norteada pelo
senso comum, instauradora de sistemas formais reconhecveis), que
conduz de modo cultural as percepes, que nos trata a todos como
criancinhas - ou como ovelhas sendo tocadas para o curral, em uma
obra de arte, enquanto algum ri na plateia, outro algum chora, e
outro algum empalidece; as reaes de cada membro do pblico sero
completamente distintas, na medida em que no se trata de conduzir
as percepes, mas sim de desencadear processos sensveis autnomos) (o
teatro (como ARTE) no algo que harmoniza a sociedade, que nos
integra como povo (isto o que a CULTURA faz); o teatro (como ARTE)
desarmoniza a sociedade, nos desintegra como povo, na medida em que
nos separa de ns mesmos)
so dramaturgias performativas: quando se l uma destas peas
sozinho, em silncio, os deslocamentos no se do plenamente, s
apontam ligeiramente (graas s
diferentes tipografias). apenas quando as ouvimos, faladas
(ativadas) por atores, que os deslocamentos podem se
dar plenamente, pelas diferentes intensidades e texturas vocais,
pelas diferentes habitaes sensveis instauradas imprevisivelmente no
tempo e no espao,
momento a momento
...nunca se tratou de dizer coisas com as palavras, mas sim de
fazer coisas com elas (ou de permitir que elas faam coisas
conosco). neste sentido, no h limites para os usos da linguagem,
nem h terreno que no possa ser tocado por estes usos
D R A M T I C A S D O T R A N S U M A N O parte I I I
[apontamentos finais (...)
nenhuma arte se alimenta de si mesma - sem o conhecimento da
filosofia, da psicanlise, da fsica, da poesia, da pintura, da
lingustica, da histria da arte, continua-se lidando com as mesmas
ideias e
expectativas acerca do que seja uma obra de arte, porque
continua-se lidando com as mesmas ideias e expectativas acerca do
que seja a condio humana
-
cortes que se abrem para acoplarem-se com o evento, para
receberem (e responderem ao) seu fluxo
1 - Quem se desloca? 2- O receptor, a sua percepo (a obra de
teatro acontece no no palco, mas na plateia, no espao
mental/sensvel de cada receptor, e acontece de modos diferentes
para cada pessoa) (eis o melhor critrio para aferir se uma obra
arte ou no: se todos na plateia riem no mesmo momento, ou choram no
mesmo momento, porque se trata de uma obra cultural (norteada pelo
senso comum, instauradora de sistemas formais reconhecveis), que
conduz de modo cultural as percepes, que nos trata a todos como
criancinhas - ou como ovelhas sendo tocadas para o curral, em uma
obra de arte, enquanto algum ri na plateia, outro algum chora, e
outro algum empalidece; as reaes de cada membro do pblico sero
completamente distintas, na medida em que no se trata de conduzir
as percepes, mas sim de desencadear processos sensveis autnomos) (o
teatro (como ARTE) no algo que harmoniza a sociedade, que nos
integra como povo (isto o que a CULTURA faz); o teatro (como ARTE)
desarmoniza a sociedade, nos desintegra como povo, na medida em que
nos separa de ns mesmos)
so dramaturgias performativas: quando se l uma destas peas
sozinho, em silncio, os deslocamentos no se do plenamente, s
apontam ligeiramente (graas s
diferentes tipografias). apenas quando as ouvimos, faladas
(ativadas) por atores, que os deslocamentos podem se
dar plenamente, pelas diferentes intensidades e texturas vocais,
pelas diferentes habitaes sensveis instauradas imprevisivelmente no
tempo e no espao,
momento a momento
...nunca se tratou de dizer coisas com as palavras, mas sim de
fazer coisas com elas (ou de permitir que elas faam coisas
conosco). neste sentido, no h limites para os usos da linguagem,
nem h terreno que no possa ser tocado por estes usos
DRAMTICAS DO TRANSUMANO parte III [apontamentos finais (...)
nenhuma arte se alimenta de si mesma - sem o conhecimento da
filosofia, da psicanlise, da fsica, da poesia, da pintura, da
lingustica, da histria da arte, continua-se lidando com as mesmas
ideias e
expectativas acerca do que seja uma obra de arte, porque
continua-se lidando com as mesmas ideias e expectativas acerca do
que seja a condio humana
-
heinrich von kleist criou o conceito de marionete, afirmando que
esta deveria substituir os atores. edward gordon craig se apropria
desta ideia e diz que preciso fechar todos os teatros do mundo e s
reabri-los depois de 5 anos de um novo e intenso treinamento que
resignifique a atuao (tambm no sentido do ator como
super-marionete). recria a origem do teatro: em sua verso, duas
mulheres naufragaram e foram aportar em uma ilha; explorando esta
ilha, depararam-se com um templo, dentro do qual uma gigantesca
marionete se movia - e em seu movimento era possvel perceber todos
os arqutipos, todos os tempos e espaos, todas as sensaes, toda a
histria da humanidade -passado, presente e futuro, no mesmo tempo
sem tempo, estas mulheres, ento, conseguem voltar para o continente
e l decidem reproduzir o que viram, criando o primeiro teatro; mas
o que fazem apenas uma caricatura grosseira (sem a amplitude
espiritual) do que viram na ilha. este , segundo craig, o nosso
teatro: uma caricatura de algo que se encontra escondido em segredo
numa ilha perdida, m. maeterlink prope que o teatro seja feito sem
atores, apenas com um palco vazio em que se ouvem vozes, haja vista
que os atores (com suas presenas culturais) maculam, conspurcam o
espao sagrado do teatro e impedem que uma dimenso ontolgica (que a
dimenso prpria da cena) se estabelea, tadeuz kantor prope o boneco
como paradigma da atuao: s atravs de algo morto pode-se tocar a
vida. o que h por trs de todas estas ideias (de kleist, craig,
maeterlink e kantor)? o que h por trs da proposio do conceito de
marionete? o ponto aqui diz respeito a uma certa qualidade de
AUSNCIA imprescindvel para a atuao. se o ator carrega para o espao
da cena a construo cultural que chamamos de EU, se ele carrega para
a cena esse "si mesmo" cultural (e a viso achatada de mundo deste
"si mesmo" cultural), ento, sim, este ator macula, conspurca o
espao do teatro, NICA seara em que se pode trabalhar com lgicas
distintas da lgica cultural, preciso alienar os atores (e os
dramaturgos, e os diretores) - mas alien-los do que? do "si mesmo"
cultural, que s trabalha por hbito, por condicionamento,
reverberando (inadvertidamente) o senso comum, as formas e ideias
estabelecidas, reconhecveis, no se trata, portanto, de transformar
os atores em bonecos que sero marionetados, mas da conquista desta
instncia de SEPARAO (no dizer de a. artaud: no estou morto, ESTOU
SEPARADO), s nesta ausncia que OUTRAS presenas (no-culturais) podem
se instaurar plenamente
(tudo em prol da conquista (por cada artista) de uma instncia de
singularidade, e , portanto, contra qualquer ventriloquismo)
{o tal vazio citado (que , na verdade, ausncia do si mesmo
cultural) permite a habitao de outros modos de subjetivao;
equivalente ao rompimento do mtron grego, prerrogativa para o
aparecimento do teatro}
a maior parte do teatro que se diz avant-garde hoje apresenta em
cena diferentes modos de cultura (quando o senso comum se refere
diversidade, est se referindo a diferentes modos de
cultura, o que no interessa para o campo da criao esttica),
quando me refiro ao OUTRO, no me refiro cultura chinesa ou cultura
rabe ou cultura indiana ou a qualquer sub-cultura, mas
-
sim a alteridades radicais em relao cultura - em relao a TODAS
as culturas
quem entretm tenta controlar entretenimento controle (neste
sentido, entretenimento o avesso da poesia)
o teatro aquilo que ele SE TORNA
momento a
momento (e cada momento experienciado de modos distintos)
o indizvel (aquilo que no pode ser simbolizado) pode-se fazer
perceber pelos jogos de linguagem, mas no pela palavra (que
diz).
novamente: no se trata de usar as palavras para DIZER coisas,
mas de usar a forma do texto para FAZER coisas (ou permitir que
elas faam coisas conosco)
nove palavras, postas em determinada ordem, nos mostram a face
de deus. (d'aprs j.l. borges)
quem produz obras visando entreter pensa unicamente em termos de
conduo da percepo do receptor; quem cria poesia, pensa em disparar
processos de
experienciao autnomos em direes imprevisveis (para o receptor e
para o prprio artista),
entretenimento propaga sentidos unvocos; arte polissemia.
univocidade:controle poKssemia: liberdade
faz-me o estro dizer formas em novos corpos mudadas, (ovdio,
metamorfoses)
META
MORFO
LOGICUM
-
conseguir fazer da linguagem um lugar de trnsito das formas, o
que no se encontra na comunicao habitual, em que persiste uma
definio unvoca das palavras; lugar de trnsito em que as palavras j
no dizem, mas so usadas em diferentes jogos de linguagem (e cada
jogo de linguagem instaura uma forma de vida), a linguagem como uma
espcie de vazio - habitado (provisoriamente) (d'aprs jean
baudrillard)
transmutao e metamorfose instauradas em ato radical
aaainst LTI - Lngua Tertii Imperii
na POTICA de aristteles, o filsofo lista os 6 elementos que
compe a tragdia, colocando em primeiro lugar o mythos e em ltimo a
opsis. trata-se agora de inverter esta ideia ( importante notar
que, at o presente momento, todas as tentativas de problematizar o
mythos se deram de modo incuo, pelo fato de que se ps no lugar da
narrativa um eu lrico esttico que nos diz suas impresses sobre o
mundo, por isso os deslocamentos aparecem como possibilidade
estratgica efetiva - se problematizamos a narrativa, porque
problematizamos, antes, o sujeito)
refugar o mythos no teatro equivale a refugar a figura na
pintura, observemos o que willem de kooning coloca no lugar da
figura em seus quadros: deslocamentos, e percebamos como os
deslocamentos podem
se dar de infinitos e insuspeitados (posto que singulares) modos
( s comparar a obra de de kooning com a de pollock ou com a de
mondrian - absolutamente distintas, mas todas fundadas nos
deslocamentos)
o mythos a figura paterna que deve existir como um cadver que
jaz no fundo do oceano que a obra)
l no fundo teu pai jaz com seus ossos de coral
nos olhos prolas traz pois o seu corpo mortal foi transformado
no mar
em tesouro singular
pollock (em seu dirio de guerra): NEGAR, IGNORAR, DESTRUIR (trs
aes muito distintas, que operam em diferentes direes)
ao encararmos o mythos deste modo, o cadver paterno muda todo o
tempo em funo das flutuaes vertiginosas da opsis. o prprio mythos
no permanece esttico, mas passa a existir de modo brutalmente
polissmico - no operando mais como mecanismo de sentido
(opsis: o sistema complexo de relaes formais)
quando texto e cena no mais se separam, surge um outro teatro,
radicalmente diverso (estes textos no so textocntricos; como
mquinasdesejantes, exigem que se copule com eles. so dotados de
falos (que nos penetram) e de buracos (que devemos penetrar)) isto
acaba com a celeuma entre "teatro de texto" e "teatro de encenao":
o dilogo criativo que estas obras exigem fazem delas, sempre, obras
nas quais todos os envolvidos (dramaturgo, diretor, atores) so
criadores ativos (porque no h outro modo destas dramaturgias
existirem em cena)
antes, ns tnhamos o FATO; depois, passamos a ter o FATO e
diversos PONTOS DE VISTA distintos acerca dele;
-
na sequncia, o FATO desapareceu e s restaram os PONTOS DE VISTA;
agora, no temos mais fatos NEM pontos de vista, trabalhemos, pois,
com este estado-de-coisas
- a ttulo de exemplo: h. ibsen; arthur miller; h. pinter; e ns,
AGORA
QUANTO TEMPO E ESPAO CABEM EM UMA PEQUENA PORO DE TEMPO E ESPAO?
QUANTOS MODOS DE SUBJETIVAO CABEM EM UM NICO EMISSOR?
"o infinito uma qualidade, no uma quantidade."
a obra de arte nos liberta de ns mesmos
esta libertao cria as condies para uma outra qualidade de ao; no
escapista, portanto, mas sim propositiva de uma qualidade distinta
de ao
CONTRAPOR uma OUTRA experincia que o nosso entendimento
existencial desconhece (esqueamos, portanto, a empatia como
estratgia)
a empatia se estabelece na medida em que conhecemos um sujeito;
como o fluxo de informaes do passado no uma opo aqui (haja vista
ser uma estratgia absolutamente vinculada a dramticas cansadas);
como o conhecimento do sujeito no mais possvel aqui (por uma
desconfiana absoluta na possibilidade do auto-conhecimento - s algo
esttico pode se dar a conhecer); por conta destes cruciais motivos,
a empatia no uma possibilidade - o ponto de vinculao com estas
obras OUTRO -e por isto que afirmo que trata-se de algo EXTRNSECO
ao si mesmo
nenhum homem entra duas vezes no mesmo rio, pois j no o mesmo
rio, nem o mesmo homem, (herclito)
nunca houve tanta imagem, preciso desenhar pontos de fuga (e
toda fuga tambm um encontro, toda sada tambm a entrada em OUTRO
lugar) que proporcionem habitaes da ordem da DIFERENA (habitao
(pela linguagem) das coisas (o modo de subjetivao do vento, do
acidente, da parede, do tumor, das larvas que comem a carne do co
vivo, das asas das moscas, da enchente destruindo a rvore, do po
sendo comido por uma boca sem dentes, dos animais e dos buracos na
terra, e assim infinitamente, incluindo o que ainda no existe:
O-objeto) (a maior mentira que j nos contaram: uma imagem vale mais
que mil palavras... se eu digo MONTANHA diante de 10 pessoas, cada
uma delas cria uma imagem mental de montanha (so, portanto, 10
montanhas distintas), se eu mostro a imagem de uma montanha, a
mesma montanha para todas as pessoas que a observam. preciso dar
AUTONOMIA ao receptor)
no confundamos PS-HUMANO e TRANSUMANO:
- o PS-HUMANO um DIAGNSTICO da condio humana na
contemporaneidade (a obra de grande parte dos dramaturgos
contemporneos trabalha com o PS-
-
HUMANO, mostrando (expondo) a superficialidade hiperblica, a
ausncia de gravidade oriunda da banalizao absoluta, a anodinia
alienante, a incomunicabilidade, a virtualidade e insignificncia
das relaes, a permanente excitao sem consequncias da vida
contempornea);
- o TRANSUMANO a INVENO de habitaes OUTRAS do tempo, do espao e
da prpria vida; a inveno de outras formas (insuspeitadas) de
experienciarmos a existncia.
(a ttulo de exemplo: blanche dubois HUMANA; a anodinia
contempornea PS-HUMANA; ningum TRANSUMANO (haja vista que o
transumano justamente uma problematizao radical de nossa ideia de
sujeito - no h sujeito no transumano, independente de sua qualidade
especfica))
(voc j sabe o que tem que saber porque no tem a ver com o que
voc sabe
mas com a inveno de outras habitaes da vida insuspeitadas e
imprevisveis sobretudo para voc mesmo)
harold bloom escreveu um livro (Shakespeare: a inveno do humano)
no qual nos mostra como Shakespeare percebeu que um novo homem
estava comeando a se desenhar no renascimento, e como traduziu este
novo homem (o sujeito moderno) em suas obras, no s retratando-o,
mas expandindo-o em mltiplas direes e complexidades, conformando em
definitivo a ideia de HUMANO e a obra de Shakespeare to imensa que
fez sentido at o final do sculo XX. estamos hoje em um perodo
similar ao renascimento, e estamos diante da oportunidade de inveno
de outras possibilidades de experinciao (o que eu chamo de
transumano: outros modos de subjetivao, para alm do homem), assim
como Shakespeare (no um filsofo, no um cientista, mas um
dramaturgo) inventou o humano, inventemos (ns) agora o transumano,
que poder habitar o futuro de modo absolutamente distinto do modus
operandi que utilizamos nos ltimos 400 anos
a escalada ao cume da arte no-figurativa difcil e atormentada,
mas ainda assim satisfatria, as coisas habituais vo recuando pouco
a pouco, a cada passo que se d os objetos afundam um pouco mais na
distncia, at que,
finalmente, o mundo das noes habituais - tudo o que amamos e a
que ligamos nossa vida - se apaga completamente, basta de imagens
da realidade, basta de representaes ideais - nada alm do deserto
(a
escurido!)! - kazimir malevich - manifesto suprematista
perguntaram ao grande philip guston (criador de uma pictrica
absolutamente singular) acerca do tema de suas obras e seu
significado, guston respondeu que no sabia de onde vinham seus
quadros, e que intua ser muito importante jamais tornar isto
completamente claro, nem para os outros, nem para si mesmo.
perguntaram ao gnio barnett newman a respeito do tema de suas
obras e seu significado, newman disse que a resposta cabia a cada
receptor, mas que se suas obras fossem realmente vivenciadas, isto
significaria o fim da sociedade como ns a conhecemos.
-
perguntaram a mareei duchamp sobre o significado de sua maior
obra de arte, "o grande vidro"; a pergunta surgiu pelo fato de que
existiam dezenas de diferentes interpretaes, feitas por crticos e
pensadores, a respeito dos significados da "noiva despida por seus
celibatrios, mesmo" (o outro nome da coisa), qual a interpretao
certa?, lhe perguntaram, todas elas, respondeu duchamp.
um quadro de bamett newman um anjo. no anuncia nada, o prprio
anncio, (jean-franois lyotard: o instante, newman)
todos os quadros de bamett newman so iguais? sim. todos os
quadros de bamett newman so absolutamente distintos uns dos outros?
sim.
faa um crculo em torno de voc - e cave (limitar as opes
significa criar (forar) as condies para expandir um sistema POR
DENTRO
(vide mondrian))
(a postura "aberta a tudo" no leva a lugar algum quando a ambio
contribuir efetivamente com novas poticas que dem continuidade
(avanando) histria da arte)
em uma obra de arte to importante quanto o que se faz aquilo que
o artista se RECUSA
a fazer
para alguns observadores, uma lmpada no cho s uma