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BRASLIA 2010
UNIVERSIDADE
CATLICA DE
BRASLIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM DIREITO INTERNACIONAL
ECONMICO
Mestrado
AGNCIAS REGULADORAS E OS RISCOS DA CAPTURA PELOS ENTES
REGULADOS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O DIREITO REGULATRIO
NORTE-AMERICANO E O BRASILEIRO
Autor: ALUISIO DE SOUZA MARTINS
Orientador: Dr. Joo Rezende Almeida Oliveira
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ALUISIO DE SOUZA MARTINS
AGNCIAS REGULADORAS E OS RISCOS DA CAPTURA PELOS ENTES
REGULADOS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O DIREITO
REGULATRIO NORTE-AMERICANO E O BRASILEIRO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em
Direito da Universidade Catlica de Braslia, como requisito para
obteno do Ttulo de Mestre em Direito Internacional Econmico.
Orientador: Prof. Dr. Joo Rezende Almeida Oliveira.
Braslia
2010
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A quem dedico
Primeiramente, a Deus, pelo dom da vida e por me acompanhar em
todos os momentos. Vanda, mulher que me trouxe maturidade no amor e
confiana, pelo incentivo e pela compreenso de saber que a elaborao
desta dissertao demandava tempo, estudo e,
consequentemente, ausncia fsica e espiritual. Aos meus filhos,
Aluisio Filho e Amanda, verdadeiro sentido do meu viver. No
compreendem ainda a ausncia necessria elaborao deste trabalho,
mas, no porvir, iro entender que esta obra foi feita por sua
causa.
minha Me, pelo amor incondicional, e ao meu Pai, pelo exemplo e
dedicao. toda minha grande famlia, irmos e cunhados, pelo estmulo e
carinho constante.
A todos aqueles, especialmente aos colegas Advogados da Unio da
PUPI, que, de algum modo, participaram desta caminhada.
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A quem agradeo
Aos Professores do Mestrado, pelos conhecimentos transmitidos
durante o curso. Ao Prof. Joo Rezende (orientador), pela
disponibilidade, ensinamentos e preciosa
colaborao no suporte bibliogrfico. Ao Prof. Borges, paraninfo da
minha graduao, pelo modo educado e generoso no trato s
minhas demandas. minha irm Hilda, Mestra, pelo incentivo,
colaborao e orientao segura na confeco
formal deste trabalho, muito obrigado.
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Ningum to ignorante que no tenha algo a ensinar. Ningum to sbio
que no tenha algo a aprender.
Blaise Pascal.
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RESUMO
Esta dissertao estuda os riscos da captura das agncias
reguladoras brasileiras pelos entes regulados. Inicialmente, faz-se
uma abordagem do surgimento e do desenvolvimento histrico das
agncias no direito norte-americano e de sua influncia na construo
do direito regulatrio brasileiro. Trata da passagem do Estado
interventor ao Estado regulador, com destaque para o papel das
agncias reguladoras, como instrumento de interveno na atividade
econmica. Apresenta as principais caractersticas do modelo
regulatrio aqui implantado e evidencia que a formao patrimonial do
estado brasileiro, o dficit democrtico e a assimetria de informaes,
so fatores que contribuem para a captura do ente regulador. Ao
final, so mencionadas situaes, apreciadas pelo Poder Judicirio e
por duas Comisses Parlamentares de Inqurito da Cmara dos Deputados,
nas quais se constatam indcios de captura regulatria.
PALAVRAS-CHAVE: Agncias reguladoras. Brasil. Estados Unidos da
Amrica. Fenmeno da captura.
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ABSTRACT
This essay studies the risks of Brazilian regulator agencies
capture by the regularized beings. Firstly, it was made an approach
about the agencies emergence and historical development in American
Law and its influence on the building on Brazilian regulatory law.
It is about the passage from the interventionist State to the
regulator One, standing out the regulator agencies role, as an
instrument of intervention in economic activity. It presents the
main features of the regulatory model implanted here and it makes
evident that formation of the patrimony of Brazilian State, the
democratic deficit and the inequality of information, are factors
that contribute for the capture of the regulator being. At the end,
it is mentioned some situations, appreciated by the Judiciary and
by two Parliamentary Commissions of Inquiry of the Chamber of
Deputies, in which it was verified some traces of regulatory
capture.
Keywords: Regulator agencies. Brazil. United States of America.
Capture phenomenon.
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LISTA DE SIGLAS
ADIn Ao Direta de Inconstitucionalidade
ANA Agncia Nacional de gua ANAC Agncia Nacional de Aviao
Civil
ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes
ANEEL Agncia Nacional de Energia Eltrica
ANC Agncia Nacional de Defesa do Consumidor
ANP Agncia Nacional de Petrleo
ANTT Agncia Nacional de Transporte Terrestre
ANTAQ Agncia Nacional de Transporte Aquavirio ANVS Agncia
Nacional de Vigilncia Sanitria
ANCINE Agncia Nacional de Cinema
BACEN Banco Central
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica
CF Constituio Federal
CPI Comisso Parlamentar de Inqurito
CVM Comisso de Valores Mobilirios
EUA Estados Unidos da Amrica
FGV Fundao Getlio Vargas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IGPM ndice Geral de Preos do Mercado IPCA ndice de Preos ao
Consumidor Amplo PL Projeto de lei STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
TCU Tribunal de Contas da Unio
TRF Tribunal Regional Federal
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SUMRIO
RESUMO LISTA DE SIGLAS INTRODUO
.....................................................................................................................
11 PROCEDIMENTOS
METODOLGICOS.........................................................................17
CAPITULO I AGNCIA REGULADORA NO DIREITO NORTE-AMERICANO19 1.1
SURGIMENTO DAS AGNCIAS REGULADORAS
........................................ 20 1.2 DESENVOLVIMENTO DAS
AGNCIAS ..........................................................
22 1.3 A CAPTURA NO DIREITO REGULATRIO NORTE-AMERICANO ............
26
CAPTULO II AGNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO ...........
30 2.1 CONSIDERAES GERAIS
...............................................................................
31 2.2 PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAO
....................................... 32 2.3 DELEGAO DOS SERVIOS
PBLICOS ..................................................... 34
2.4 SURGIMENTO DAS AGNCIAS
.......................................................................
36 2.5 CARACTERSTICAS DAS AGNCIAS
.............................................................
41
2.5.1 Natureza jurdica
..........................................................................................
41 2.5.2 Tipos de agncias
.........................................................................................
42 2.5.3 Autonomia
..................................................................................................
46 2.5.4 Poder de dirimir conflitos
............................................................................
51 2.5.5 Especialidade
..............................................................................................
53 2.5.6 Regime de pessoal
.......................................................................................
54 2.5.7 Atribuies das
agncias..............................................................................
56 2.5.8 Poder normativo das agncias
.....................................................................
57
CAPTULO III RISCOS DA CAPTURA NO DIREITO REGULATRIO BRASILEIRO
........................................................................................................................
68
3.1 CONSIDERAES GERAIS
...............................................................................
69 3.2 FENMENO DA CAPTURA
...............................................................................
70 3.3 FORMAO DO ESTADO BRASILEIRO
......................................................... 74 3.4
DFICIT DEMOCRTICO
.................................................................................
80 3.5 ASSIMETRIA DE INFORMAES
..................................................................
85 3.6 CASOS ILUSTRATIVOS
.....................................................................................
89
CONCLUSES
......................................................................................................................
95
REFERNCIAS
.................................................................................................................
101
ANEXOS
..............................................................................................................................
106
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10
INTRODUO
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11
INTRODUO
Nos ltimos tempos, seguindo uma tendncia da globalizao
econmica
norteadora dos mercados atuais, bem como da solidificao da
poltica neoliberal,
intensificou-se no Brasil um fenmeno de retirada do Estado de
executor da atividade
econmica, conferindo-se, via de conseqncia, a entes da
iniciativa privada a prerrogativa de
explorar determinados servios e atividades antes somente
prestados diretamente pelo prprio
Estado ou indiretamente por pessoas jurdicas por ele controladas
(sociedades de economia
mista e empresas pblicas).
Esse processo de privatizao, ou, em linguagem mais adequada,
processo de
desestatizao, a face mais ntida de uma nova estrutura de Estado,
na medida em que este
vem delegando iniciativa privada a prestao de servios
pblicos.
Necessrio se faz observar que, com a delegao dos servios pblicos
ao setor
privado, ganha nitidez e relevo o papel regulador e fiscalizador
do Estado, que deixa de ser
executor direto para transformar-se em regulador e mediador da
atividade econmica. Para
desempenhar esse papel foram criadas, a partir da dcada de 1990,
inmeras agncias
reguladoras, inspiradas na experincia norte-americana, como
entes pblicos dotados de
autonomia em relao ao poder executivo. Essa autonomia se
notabiliza pelo fato de os
dirigentes dessas agncias gozarem de mandato fixo, tendo elas
status de autarquias
especiais.
Uma dos objetivos para a criao de agncias reguladoras de carter
independente
consistiria em resistir s presses dos segmentos envolvidos na
questo regulatria: os
usurios, as empresas prestadoras e o poder pblico.
O primeiro grande teste das agncias reguladoras federais
verificou-se em janeiro
de 2003, quando assumiu um novo governo (presidente Luiz Incio
Lula da Silva), o qual
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12
deveria dialogar com os dirigentes nomeados pelo presidente
anterior (Fernando Henrique
Cardoso), dado que seus mandatos ainda estavam em curso. Na
poca, reclamou-se que as
agncias autorizavam reajustes de tarifas dos servios pblicos
revelia do governo recm-
eleito, motivo pelo qual o presidente declarou mdia que as
agncias mandavam no pas e
que ele tomava conhecimento do reajuste das tarifas dos servios
pblicos por intermdio da
imprensa.
Objetivando solucionar tais impasses, por determinao
presidencial, criou-se, em
maro de 2003, um Grupo de Trabalho Interministerial para
analisar, discutir a organizao e
propor medidas para o aperfeioamento das agncias reguladoras.1
Ao final dos trabalhos, o
grupo elaborou um relatrio intitulado Anlise e Avaliao do Papel
das Agncias no Atual
Arranjo Institucional Brasileiro, tendo concludo que o modelo de
agncia era essencial para
a fiscalizao e bom funcionamento dos servios pbicos delegados,
mas evidenciando
preocupao em relao aos riscos da captura pelos entes regulados,
motivo pelo qual o
Grupo de Trabalho sugeriu alterao na lei das agncias, resultando
no PL n. 3.337/2004, de
iniciativa do Presidente da Repblica, ainda em tramitao perante
a Cmara dos Deputados.
Para Maral Justen Filho2, A captura se configura quando a agncia
perde sua
condio de autoridade comprometida com a realizao do interesse
coletivo e passa a
produzir atos destinados [...] a beneficiar os segmentos
empresariais destinatrios da
regulao. No se pode ignorar que as agncias sofrem presses do
poder poltico,
especialmente porque lhe cabe nomear os dirigentes e fixar as
diretrizes da poltica
regulatria. Tambm h presso dos usurios, que buscam servio de
maior qualidade e de
menor custo.
1 BRASIL. Presidncia da Repblica. Casa Civil. Cmara de
Infra-Estrutura Cmara de Poltica Econmica.
Relatrio do Grupo de Trabalho Interministerial. Analise e
avaliao do papel das agncias reguladoras no atual arranjo
institucional brasileiro. Braslia, 2003. Disponvel em:
www.presidencia.gov.br Acesso em: 05.07.2009 2 JUSTEN FILHO, Maral.
O direito das agncias reguladoras independentes. SP: Dialtica,
2002. p. 370.
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13
Nesse contexto, o presente trabalho confere destaque presso
oriunda das
empresas reguladas, seja porque h situaes que contribuem para
ocorrncia da captura,
seja porque as empresas reguladas tm maior capacidade de
mobilizao e influncia sobre os
agentes responsveis pela regulao.
A questo da captura se mostra mais grave e complexa porque tal
risco visto por
alguns doutrinadores como [...] um fenmeno inerente ao modelo da
agncia.3 A se
considera seu carter autnomo, dficit democrtico, assimetria de
informaes e intensa
interlocuo com as empresas reguladas, chegando ao ponto de elas
possurem maior
conhecimento sobre a rea objeto da regulao do que o ente
regulador.
So, portanto, pertinentes os seguintes questionamentos: o modelo
regulatrio
adotado pelo Brasil corre o risco de ser capturado pelas
empresas reguladas? J h indcios da
ocorrncia do fenmeno da captura? Quais so os fatores ou
caractersticas do modelo
regulatrio que contribuem para o risco da captura pelas empresas
reguladas? O que preciso
ser feito para afastar a captura das agncias pelos segmentos
regulados? O projeto de lei
apresentando pelo Presidente da Repblica adequado para eliminar
tais riscos?
A presente pesquisa surgiu desse conjunto de dvidas e
inquietaes, a partir das
quais buscou-se verificar se o modelo de agncia aqui implantado
encontra-se suscetvel de
ser capturado pelas empresas reguladas, tendo-se como indagao
principal: quais so os
fatores ou caractersticas do modelo regulatrio brasileiro que
contribuem para o risco da
captura pelas empresas reguladas?
A partir dessa questo, estabeleceu-se como objetivo geral
verificar se o modelo
regulatrio corre o risco de ser capturado pelos entes regulados,
e como objetivos especficos:
caracterizar e analisar o modelo regulatrio brasileiro e sua
inspirao no direito norte-
americano; investigar o fenmeno da captura no direito regulatrio
norte-americano, e
3 Idem
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14
identificar situaes de riscos de captura pelos entes regulados
no direito regulatrio
brasileiro.
Esses objetivos se inserem numa finalidade bastante pretensiosa,
que identificar
um modelo regulatrio para as agncias capaz de afastar os riscos
da captura, resultando,
portanto, no aperfeioamento do direito regulatrio.
Para tanto, o presente trabalho visa investigar a atividade
desempenhada pelas
agncias reguladoras a partir das influncias oriundas das
empresas reguladas. Com isso,
busca-se ampliar a compreenso dessa temtica no direito
regulatrio brasileiro, to carente
de anlise por esse vis. Oportuno ainda acrescentar que no se fez
uma anlise aprofundada
da atividade de uma agncia especfica, mas dos possveis riscos de
captao do sistema
regulatrio, sem prescindir do exame de casos especficos nos
quais se vislumbraram interesse
dos grupos regulados.
Esta dissertao constituda de quatro captulos, conforme a
seguir:
O primeiro captulo trata do surgimento das agncias reguladoras
no direito norte-
americano, dando-se destaque ao fenmeno da captura.
No segundo captulo, apresenta-se o contexto de criao das agncias
reguladoras
no direito brasileiro e suas caractersticas principais.
O terceiro captulo apresenta o itinerrio metodolgico utilizado
no
desenvolvimento do trabalho, explicando-se o procedimento geral
da pesquisa, bem como os
instrumentos utilizados na coleta de dados.
No quarto captulo, abordam-se os riscos da captura no modelo
regulatrio
brasileiro, com ilustraes de situaes que foram apreciadas pelo
Poder Judicirio pelas
Comisses Parlamentares de Inqurito, nas quais se retrataram
questes configuradoras do
fenmeno da captura.
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15
Por fim, na concluso deste trabalho se destaque a importncia da
aprovao PL
n. 3.337/2004 para dotar o modelo regulatrio ptrio de
instrumentos adequados com vistas a
suportar as presses dos segmentos envolvidos no processo de
regulao, especialmente
advindas das empresas reguladas.
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16
PROCEDIMENTOS MEDODOLGICOS
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17
PROCEDIMENTOS MEDODOLGICOS
A presente dissertao, quanto natureza, trata-se de uma pesquisa
qualitativa,
cujo foco o designer das agncias reguladoras que vm se
consolidando no Brasil a partir da
dcada de 1990, conforme o enfoque dialtico. Nesses termos,
investigou-se a atividade
desempenhada pelas agncias frente aos entes regulados, cuja
temtica constitui o eixo
principal deste estudo. Desse modo, a investigao se fundamentou
em dados inferidos nas
tessituras dos elementos, pois, segundo Trivios (2008), uma
pesquisa qualitativa de base
dialtica busca explicaes coerentes, lgicas e racionais para o
fenmeno.
Quanto aos objetivos, em razo da necessidade de se buscar
aprofundar o
entendimento da realidade investigada, a pesquisa explicativa
mostrou-se mais adequada,
pois, alm de identificar e descrever as caractersticas
principais de uma dada realidade,
procura estabelecer as interaes e vnculos que se constituem
entre tais caractersticas.
Destarte, possibilita avanar na compreenso dos aspectos e
aprofundamento do
conhecimento do objeto pesquisado (RICHARDSON, 1999). Corrobora
Gil (1999,p. 42) que
os estudos explicativos [...] tm como preocupao central
identificar os fatores que
determinam ou contribuem para a ocorrncia dos fenmenos,
portanto, no resta dvida que
de possibilita maior aprofundamento da realidade, porquanto
explica a razo e o porqu do
objeto.
Alm da abordagem qualitativa do tipo explicativa, a investigao
se insere no
estudo de caso, com observao de situaes que foram apreciadas
pelo Poder Judicirio em
processos onde se alegava desvio de interesse pblico,
consistente, portanto, na observao de
uma determinada realidade (BOGDAN, BIKLEN, 1994). Apesar da
existncia de algumas
limitaes inerentes, tais como a questo da generalizao e da
identificao de padres, o
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18
estudo de caso se mostrou adequado para se conhecerem e
compreenderem melhor as
especificidades de uma agncia reguladora e o desempenho de sua
atividade na sociedade.
Para a anlise e interpretao dos dados, optou-se pelo exame de
contedo, com o
qual possvel interpretar o que est por trs dos contedos
manifestos, o que transcende as
aparncias dos fatos. No processo de operacionalizao da anlise
dos dados, no mbito deste
estudo, buscou-se apreender o papel das agncias reguladoras,
sobretudo os aspectos
especficos das atividades desempenhadas, bem como seus limites e
possibilidades.
Progressivamente, na explorao do material, fez-se recorte dos
textos transcritos,
sem, contudo, descaracterizar os objetivos da pesquisa,
codificando-se o contedo em
categorias que subsidiaram a anlise. Cabe destacar que esse
processo constitui-se de um
desafiante trabalho, cujo percurso implicou idas freqentes ao
material coletado, procurando
ser coerente com a abordagem terica escolhida e com os objetivos
traados para a
investigao.
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19
AGNCIAS REGULADORAS NO DIREITO NORTE - AMERICANO CAPTULO I
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20
CAPTULO I AGNCIAS REGULADORAS NO DIREITO NORTE-AMERICANO
1.1 SURGIMENTO DAS AGNCIAS REGULADORAS
Nos Estados Unidos da Amrica (EUA) a atividade econmica era
desempenhada
pela iniciativa privada, havendo pouca interveno do Estado na
economia, inclusive na
prestao de servios de interesse da sociedade, como o de
transporte coletivo. Informa Justen
Filho (2002) que, por volta de 1860, as empresas ferrovirias se
tornaram o maior poder
econmico dos EUA, empregando mais que o governo, que possua
aproximadamente 50.000
funcionrios.
As ferrovias desempenhavam funo essencial, mas havia pouco
controle sobre os
preos cobrados e as condies de transportes ofertados, enfim,
sobre as atividades
desempenhadas pelas empresas ferrovirias, [...] o que produzia
insatisfao popular e logo
gerou pleitos de interveno governamental.4
Inicialmente, cada Estado buscou resolver o problema, contudo,
isso no se
revelou adequado, pois as ferrovias atuavam alm das divisas
estaduais. Por outro lado, As
poderosas empresas ferrovirias comearam a investir pesadamente
nas eleies estaduais,
assegurando a fidelidade dos legisladores atravs do
financiamento das campanhas
eleitorais.5
Segundo o autor supracitado, A insuficincia da regulao estadual
das
operaes ferrovirias interestaduais levou criao em 1887 da
primeira grande agncia
regulatria federal, a Interstate Commerce Commisions (ICC).6 , a
qual tinha como
finalidade regulamentar servios de transporte ferrovirio no
sentido de impedir a imposio
de tarifas abusivas e prticas discriminatrias no respectivo
setor. A grande novidade 4 Ibidem, p. 73.
5 Ibidem, p 74.
6 Ibidem, p.76.
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21
consistiu em eliminar a possibilidade de demisso ad nutum dos
membros da comisso.7
Assim, era garantido o exerccio do cargo de direo at o final do
mandato, salvo se
cometesse falta grave prevista na legislao pertinente.
Algumas verses surgiram objetivando explicar o surgimento da
ICC, destacando-
se a questo poltica e a econmica. A primeira diz que a criao da
ICC, com autonomia
oramentria, pessoal e administrativa visou impedir qualquer
proteo do Presidente
Republicano Benjamin Harrison, eleito em 1889, sobre as empresas
ferrovirias, porquanto,
antes de eleito, advogava para o referido setor. A segunda
verso, destaca Justen Filho,
[...] assegura que a ICC foi criada como instrumento de realizao
dos interesses do grande capital. H os que defendam ter sido a ICC
capturada pelos comerciantes, do que se derivou a consagrao de
regulaes ineptas, que produziram efeitos extremamente negativos.
Alguns afirmam que a ICC defendia o interesse das empresas
ferrovirias, enquanto outros dizem que sua atuao era para
beneficiar os fazendeiros em ambos os casos, em detrimento do
interesse dos usurios comuns.8 (grifo nosso)
Essa temtica da captura ser tratada adiante, cabendo aqui apenas
enfatizar que,
desde o surgimento das agncias, havia preocupao no sentido de
dot-las de instrumentos
adequados para enfrentarem as presses das empresas
reguladas.
Oportuno ainda destacar a observao de Leonardo Andr Paixo que
[...] o
vocbulo agency assume conotao bastante ampla, abrangendo toda
autoridade
governamental exceto a Presidncia da Repblica, o Congresso e os
Tribunais.9 O autor
ressalta ainda que as agncias norte-americanas so classificadas
conforme diversos critrios,
merecendo destaque os que as separam em agncias executivas e
reguladoras, sendo que as
primeiras so destinadas a prestar servios sociais e distribuir
benefcios aos menos
7 Idem.
8 Ibidem, p77.
9 PAIXO, Leonardo Andr. Aspectos jurdico-institucionais do setor
eltrico brasileiro. In:. DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella (organizadora). Direitos Regulatrios: temas
polmicos 2 ed. rev.e ampl. Belo Horizonte: Forum, 2004. p. 352.
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22
favorecidos, enquanto as agncias reguladoras recebem delegao do
Congresso para
desempenhar atribuies normativas e resolver conflitos entre o
cidado e os entes regulados.
De acordo com Justen Filho, alm dessas atribuies, as agncias
executivas
podem desempenhar atividades administrativas e econmicas prprias
de autarquias ou
empresas pblicas. Cita o exemplo da Tennessee Valley Authority
(TVA), criada em 1933 para
promover o desenvolvimento de uma das regies mais carentes do
EUA.10 Segundo o autor
A TVA responsvel pelo fornecimento de energia eltrica a 7 milhes
[...]11 de norte-
americanos. Alm dessas atribuies, cabe-lhe administrar a [...]
navegao do Rio
Tennessee, o desenvolvimento agrcola e pecurio da rea e a
melhoria do manejo florestal da
regio.12 Destarte, embora seja considerada uma agncia executiva,
tem atribuies
regulatrias, motivo pelo qual
Isso conduz concluso de que as agncias regulatrias tm por funo
preponderante e especfica a atividade regulatria. As agncias
executivas podem dispor de uma certa competncia regulatria. Mas
muito problemtico identificar agncias regulatrias titulares de
competncias executivas.13
No presente trabalho ser enfocada a agncia regulatria, cujo
modelo serviu de
inspirao para a constituio do direito regulatrio brasileiro.
Ademais, surgem nesse tipo de
atividade as questes polmicas com vista a sanar as falhas do
mercado e as presses dos
grupos envolvidos no fenmeno regulatrio.
1.2 DESENVOLVIMENTO DAS AGNCIAS NORTE-AMERICANAS
10
JUSTEN FILHO, Maral. Op.cit., p. 66. 11
Ibidem, p. 66. 12
Ibidem, p. 67. 13
Ibidem, p. 67.
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23
Com a ecloso da crise de 192914 houve necessidade de maior
interveno do
Estado na atividade econmica, quando ento o Presidente Franklin
Delano Roosevelt(1933-
1939) implantou a poltica do New Deal15, atravs da qual O
governo central assumiu a
responsabilidade pela conformao da atividade econmica,
produzindo incentivos e
chegando a desenvolver atividades econmicas antes reservadas a
particulares.16
Salienta Justen Filho que
Durante duas dcadas, nos anos 30 e 40, foram criadas inmeras
agncias federais para atuar nos mais variados e diversos setores da
vida econmica norte-americana. Identifica-se essa fase como a
primeira onda das agncias norte-americana, caracterizada pela vocao
de interveno econmica. As agncias tinham competncias
preponderantemente econmica e sua criao se orientava ao suprimento
dos defeitos de funcionamento das foras de mercado. Tratava-se de
produzir a superao das falhas e insuficincias do mercado,
produzindo o controle do poder econmico.17
Essa mudana de paradigma - no interveno na economia para uma
atuao do
Estado em atividades antes reservadas a particulares - no surtiu
o efeito desejado, isto , no
resolveu as deficincias do mercado e tampouco resultou numa
proteo efetiva aos usurios
dos servios pblicos, motivo pelo qual, a partir dos anos 60,
foram criadas inmeras agncias
objetivando a proteo dos consumidores, dos trabalhadores e do
meio ambiente, ficando esse
perodo conhecido como a segunda onda das agncias
reguladoras.
Coube a Conrado Hbner Mendes fazer um resumo histrico das fases
por que
passaram as agncias, nesses termos:
14
O crack da Bolsa de Nova York ocorreu em 1929 e consistiu numa
crise econmica provocada pela superproduo de bens e pela especulao
financeira, com efeitos nos pases capitalistas. 15
O New Deal visou combater a depresso econmica e consistiu num
programa econmico baseado nas idias de John Maynard Keynes, para
quem o livre mercado no capaz de superar as crises, devendo o
Estado intervir ativamente no domnio econmico, no sentido de
amenizar os focos de tenso social; o governo iniciava um intenso
processo de vultosos investimentos em construo de grande porte,
como estradas, usinas, pontes etc., visando absorver a massa
desempregada; a renda seria melhor distribuda, o que resultaria em
um aumento da capacidade de compra do cidado mdio; o volume da
produo agrcola tornava-se controlada, para que o risco da
superproduo no mostrasse sua cara. SHECAIRA, Cibele C. B Muniz. A
competncia das agncias reguladoras no EUA. In: DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella (org.) Direito regulatrio. Temas polmicos. 2 ed.
Belo Horizonte, Frum. 2004, p. 422. 16
JUSTEN FILHO, Maral. Op.cit., p. 78. 17
Idem
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24
A histria das agncias reguladoras nos Estados Unidos passou por
quatro fases principais. O nascimento desse modelo de regulao
deu-se em 1887, quando se verificou a premente necessidade de
conferir uma resposta reguladora s disputas que estavam a ocorrer
entre as empresas de transporte ferrovirio e os empresrios rurais.
Caio Tcito mostra tal situao: Como as companhias de estradas de
ferro procurassem obter o lucro maximo nas tarifas que livremente
estipulavam sob o critrio do mais alto preo que a clientela pudesse
suportar, as traffic would bear -, os fazendeiros do Oeste,
organizados no movimento conhecido como National Grange, atuaram
como grupo de presso sobre as Assemblias estaduais, obtendo que
fossem reguladas, legislativamente, as tarifas ferrovirias e o preo
de armazenagem de cereais. Nesse ano, criou-se ento a ICC
Interstate Commerce Comission e, um pouco mias tarde, a FTS Federal
Trade Comission, destinadas a controlar condutas anticompetitivas
de empresas e corporaes monopolistas. Numa segunda fase, localizada
entre os anos 1930 e 1945, a economia norte-americana, abalada por
uma forte crise, foi socorrida por uma irrupo de inmeras agncias
administrativas que, como parte da poltica do New Deal, liderada
pelo Presidente Roosevelt, intervieram fortemente na economia. Tal
interveno, suprimindo os princpios bsicos do Liberalismo e
conferindo ampla autonomia a tais agncias administrativas, foi
motivo de um incio de debate constitucional-jurisprudencial
substancioso. O terceiro momento, entre 1945 e 1965, foi marcado
pela edio de uma lei geral de procedimento administrativo (APA
Administrative Procedural Act), que trouxe uma uniformidade no
processo de tomada de decises pelas agncias, conferindo-lhe maior
legitimidade. Entre os anos de 1965 e 1985 defrontou-se o sistema
regulatrio americano com um problema que desvirtuou as finalidades
da regulao desvinculada do poder poltico: a captura das agncias
reguladoras pelos agentes econmicos. Explique-se: os agentes
privados, com seu colossal poder econmico e grande poder de
influncia, diante de entes reguladores que dispunham de completa
autonomia perante o poder pblico, no encontraram dificuldades para
implantar um mecanismo de presso que acabasse por quase que
determinar o contedo da regulao que iriam sofrer. Os maiores
prejudicados, por conseqncia, foram os consumidores. Finalmente, em
1985, num processo que continua at os dias de hoje, o modelo comeou
a se redefinir para que se consolide um modelo regulatrio
independente, mas com os controles externos adequados para garantir
essa independncia.18
J para Paulo Todescan Lessa Matos, [...] o desenvolvimento da
regulao
(regulation) nos Estados Unidos teve dois momentos fundamentais:
o New Deal (1933-1940)
18
MENDES, Conrado Hbner. Reforma do Estado e Agncias Reguladoras:
estabelecendo os parmetros de discusso. In: SUNDFEL, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econmico. So Paulo, Malheiros.
2002, p. 120-121.
-
25
e a New Social Regulation (1965-1980).19 Destaca o autor que,
inicialmente, a preocupao
principal era o controle do poder monopolista e da concorrncia
destrutiva. Na etapa seguinte,
[...] alm das preocupaes iniciais, buscou-se corrigir com maior
intensidade os problemas de informao imperfeita aos consumidores e
a pequenos acionistas, de segurana dos produtos, de proteo do meio
ambiente, de certeza dos resultados da interveno regulatria e de
maior equidade distributiva.20
Com efeito, com a eleio do Presidente Ronald Regan, em 1980,
buscou-se o
restabelecimento das idias liberais, procurando-se reduzir a
interveno do Estado na
atividade econmica, de sorte que houve uma flexibilizao das
normas fixadas pelas
agncias, para permitir uma maior concorrncia entre as empresas.
Assim, verificou-se uma
reduo no poder das agncias, cujo movimento se encontra ainda em
andamento.
Tambm Frdric Boehm evidencia que as agncias reguladoras passam
por um
ciclo de existncia:
Al inicio, cuando el interes y la supervisin del poder
legislativo e de los ciudadanos an es fuerte, y la motivacin de los
reguladores es alta, el riesgo de captura es pequeo e el regulador
suele actuar a favor del interes pblico. Pero una vez disminuye el
interes en el debate pblico por la regulacin, y el contacto entre
regulador y empresas reguladas se vuelve costumbre, el regulador es
ms vulnerable a la captura de los intereses privados de la
industria. El riesgo de captura, segn esta teoria, aumenta com el
tiempo.21
Tal ciclo vital tambm tratado por Justen Filho22, ao assinalar
que, nos
primeiros anos de vida, as agncias so dotadas de grande energia
e disposio no sentido de
perseguir os interesses da sociedade. Na fase adulta, elas vo
perdendo controle sobre os entes
19
MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Regulao, direito e democracia. In:
FARIA, Jos Eduardo (organizador). Regulao, direito e democracia. So
Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2002. p. 46. 20
Idem. 21
BOEHM,Frdric. Corrupcin y captura en la regulacin de los servios
pblicos. Revista de Economia Institucional, v. 7, n. 13, segundo
semestre de 2005. Universidad Externado de Colombia. Disponvel em:
Acesso em: 17.07.2009, p. 247. 22
JUSTEN FILHO, Maral. Op. Cit, p. 370.
-
26
regulados e passam a depender das informaes fornecidas pelos
entes controlados, os quais
passam a desempenhar funo determinante no tocante s atividades
desempenhadas pelas
agncias. Depois de decorrido certo tempo, a prpria memria da
atuao regulativa
transfere-se da agncia para os setores regulados.23 Por fim,
ressalta o autor que Na fase de
velhice, as agncias dependem diretamente dos controlados,
configurando-se uma espcie de
acordo colusivo entre eles.24
Destarte, A teoria da captura da agncia refere-se a um fenmeno
inerente ao
modelo de agncia, indicando uma destinao inevitvel em face
daquilo que poderia ser
denominado como ciclo de existncia da agncia.25
1.3 A CAPTURA NO DIREITO REGULATRIO NORTE-AMERICANO
A poltica de interveno do Estado na atividade econmica
implementada pelo
New Deal, cujo objetivo era corrigir as falhas do mercado e
fomentar o bem-estar da
sociedade, sofreu diversas crticas, destacando-se as deferidas
pelos professores George J.
Stigler, Richard A. Posner e Sam Peltzman, integrantes da
Universidade de Chicago. Eles
afirmavam que, assim como existiam falhas no mercado, tambm o
governo cometia falhas ao
disciplinar a atividade econmica e ainda tendia a proteger os
interesses das indstrias
reguladas, acarretando grave prejuzo sociedade.
George Stigler, em artigo escrito em 1971, ressalta que a
regulao tende a
proteger os interesses da indstria, ao assinalar que
A regulao tanto pode ser ativamente perseguida por uma indstria,
como tambm pode ser imposta a ela. Uma das teses centrais deste
artigo a de
23
Ibidem, p. 370 24
Idem 25
Idem
-
27
que, em regra, a regulao adquirida pela indstria, alm de
concebida o operada fundamentalmente em seu beneficio.26
Adiante salienta que
A quarta classe de polticas pblicas almejada por uma indstria a
fixao de preos. Mesmo os setores que j tenham obtido o controle de
acesso ao mercado, muitas vezes, buscaro tambm o controle de preos
administrado por uma agncia reguladora dotada de poderes de
coero.27
Assim, na viso de Stigler, configura-se a captura quando a
agncia reguladora
influenciada ou tomada pela indstria, passando a defender os
interesses das empresas em
prejuzo do interesse pblico.
Isso ocorre, na tica do autor porque os agentes polticos buscam
maximizar seus
prprios interesses e no o bem-estar social. Para tanto, precisam
de recursos para custear as
campanhas eleitorais, dado que o objetivo maior ampliar o poder
e se manter nele. A
indstria que procura regulao deve estar preparada para arcar com
as duas coisas que um
partido precisa: votos e recursos financeiros.28
Destaca Frdric Boehm que
La hiptesis de Stigler (1971) es que una industria puede
utilizar el poder coercitivo del Estado, o poder pblico, para
conseguir rentas privadas. Stigler destaca que los mecanismos
tradicionales para conseguir rentas de monoplio, como el limit
pricing o la integracin vertical para crear barreras de entrada,
son menos eficientes que las regulaciones. Otros autores de la
escuela de Chicago Posner (1974 y 1975), Peltzman (1976) y Becker
(1983), afinaron la teoria de Stigler, incluyeron otras intereses
diferentes a los de la industria y mostraron la competencia por los
favores del Estado.29
Como se v, a indstria tenta pressionar as autoridades pblicas no
sentido de
obter regulao que lhe seja favorvel, ao passo que o poder
poltico tende a acolher essa
demanda em troca de apoio poltico. 26
STIGLER, George J. A teoria da regulao econmica. In: MATTOS,
Paulo (Coord.). Regulao econmica e democracia: o debate
norte-americano. So Paulo: Editora 34. 2004. p. 23. 27
Ibidem, p. 28. 28
Ibidem, p. 36. 29
BOEHM,Frdric. op. cit. p. 247.
-
28
Outros estudiosos da Escola de Chicago, como Posner e Peltzam,
trataram da
temtica, mas evidenciaram que outros segmentos, como o governo e
os consumidores,
podero influenciar na atividade regulatria.
Richard A. Posner, em artigo datado de 1974, destaca que alm das
empresas
reguladas, outros grupos tentam impor seus interesses no
processo regulatrio, de modo que
Uma verso mais interessante da teoria da captura origina-se na
cincia poltica, em
particular em Bentley e Truman e seus seguidores, que enfatizam
a importncia dos grupos de
interesse na formao de polticas pblicas.30
O autor admite o entendimento de Stigler, no sentido de que os
polticos tendem
maximizar seus prprios interesses para manuteno do poder
poltico, mas se distancia ao
assinalar que diversos grupos de interesses podem influenciar na
atividade regulatria, de
sorte que
[...] a teoria da captura ignora uma quantidade significativa de
evidncia segundo a qual os interesses promovidos pelas agncias
regulatrias so frequentemente aqueles dos grupos de consumidores,
em vez daqueles das empresas reguladas.31
No presente trabalho quer-se evidenciar que os grupos mais
organizados e com
maior poder de presso podem influenciar no processo regulatrio,
na medida em que so
mais coesos e tm acesso ao poder poltico. Nesse diapaso oportuno
trazer baila a
observao de Sam Peltzman, em artigo datado de 1989, com base nas
idias de Stigler:
Grupos compactos e bem organizados tendero a beneficiar-se mais
da regulao do que grupos maiores e difusos. Em decorrncia, a
regulao pender por beneficiar mais os produtores, uma vez que
geralmente eles so mais bem organizados se compreende aos
consumidores. A coalizo dominante deve tambm, contudo, incluir
algumas categorias de consumidores.32
30
POSNER, Richard A. Teorias da regulao econmica.. In: MATTOS,
Paulo (Coord.). Regulao econmica e democracia: o debate
norte-americano. So Paulo: Editora 34. 2004. p. 57. 31
POSNER, Richard A. op. Cit., p. 58-59. 32
PELTZMAN, Sam. A teoria econmica da regulao depois de uma dcada
de desregulaao. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulao econmica e
democracia: o debate norte-americano. So Paulo: Editora 34.
2004,
-
29
Destarte, nessa ltima frase se evidencia que a poltica
regulatria tem-se afastado
daquele pensamento inicial de que a regulao tende a favorecer os
grupos econmicos, para
evidenciar que as agncias reguladoras procuram equalizar os
interesses de outros segmentos
envolvidos, como consumidores e profissionais liberais.
p. 93.
-
30
AGNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO CAPTULO II
-
31
CAPTULO II AGNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO
2.1 CONSIDERAES GERAIS
No Brasil, com a chegada de Getlio Vargas ao poder nos idos de
1930, tomou
corpo o Estado desenvolvimentista, caracterizado pela forte
interveno na ordem econmica.
O Estado financiava o seu prprio desenvolvimento, executando,
atravs das empresas
estatais, todos os tipos de atividades e servios pblicos.
Este tipo de atuao estatal na atividade econmica, que teve seu
apogeu nas
dcadas de 1930 e 1970, culminou no crescimento descomunal do
aparelho administrativo,
mormente das empresas pblicas e sociedades de economias mistas e
suas subsidirias,
ocasionando o esgotamento da capacidade de investimento do setor
pblico e, como tal, a
falncia dos servios pblicos em geral. Assim, O Estado chegou ao
fim do sculo XX
grande, troncho, ineficiente, com bolses endmicos de pobreza e
de corrupo.33 Por isso,
A questo que se vive hoje da desconstruo do Estado brasileiro,
por ruim que possa ser,
no uma opo ideolgica, uma inevitabilidade histrica.34 Da que j
no se atendia mais
os anseios da sociedade, que exigia maior eficincia e participao
nos servios pblicos.
A Constituio de 1988, em seu Ttulo VII, dispe sobre a ordem
econmica e
financeira, disciplinando especialmente o papel do Estado como
agente normativo e regulador
e como executor subsidirio de atividades econmicas. Dispe ainda
sobre a possibilidade de
transferncia iniciativa privada da prestao de alguns servios que
durante muito tempo
estiveram sob controle estatal.
33
BARROSO, Lus Roberto. Apontamentos sobre as agncias reguladoras.
In. MORAES, Alexandre (org.). Agncias reguladoras So Paulo: Atlas,
2002, p. 110. 34
BARROSO, Lus Roberto. op. cit., loc.cit.
-
32
2.2 PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAO
Dentro desse contexto surgiu o Programa Nacional de
Desestatizao, o qual,
diferentemente da simples descentralizao, que consiste na
transferncia da execuo de
determinado servio pblico, ou de utilidade pblica, a uma
entidade da Administrao
Indireta (autarquia, fundao pblica, empresa pblica ou sociedade
de economia mista). A
desestatizao afasta o Estado, quer pessoalmente quer por
intermdio de suas pessoas
administrativas, da execuo daqueles servios, os quais so postos
nas mos dos particulares,
contudo, sob a vigilncia do Estado.
A Lei n. 8.031/9035 trouxe para mais prximo da realidade aquele
anseio, que era
tambm social, e inaugurou a nova fase do Estado brasileiro,
estruturando o Programa
Nacional de Desestatizao e elencando, em seu art. 1., os
objetivos fundamentais que
justificaram a nova postura do Estado frente ordem econmica. So
eles:
I - reordenar a posio estratgica do Estado na economia,
transferindo iniciativa privada atividades indevidamente exploradas
pelo setor pblico; II - contribuir para a reduo da dvida pblica,
concorrendo para o saneamento das finanas do setor pblico; III -
permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que
vierem a ser transferidas iniciativa privada; IV - contribuir para
a modernizao do parque industrial do Pas, ampliando sua
competitividade e reforando a capacidade empresarial nos diversos
setores da economia; V - permitir que a Administrao Pblica
concentre seus esforos nas atividades em que a presena do Estado
seja fundamental para a consecuo das prioridades nacionais; VI -
contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, atravs do
acrscimo da oferta de valores mobilirios e da democratizao da
propriedade do capital das empresas que integrarem o programa.
Os instrumentos a serem utilizados para o alcance desses
objetivos tambm foram
discriminados pelo citado diploma legal, em seu art. 4., a
saber:
35
A Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o PND foi
substituda pela Lei n. 9.491, de 09 de dezembro de 1997, que, por
sua vez, foi modificada pela Lei n. 9.635, de 15 de maio de 1998, e
pela Lei n. 9.700, de 12 de novembro de 1998.
-
33
I - alienao de participao societria, inclusive de controle
acionrio, preferencialmente mediante a pulverizao de aes junto ao
pblico, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores; II -
abertura de capital; III - aumento de capital com renncia ou cesso,
total ou parcial, de direitos de subscrio; IV - transformao,
incorporao, fuso ou ciso; V - alienao, arrendamento, locao,
comodato ou cesso de bens e instalaes; VI - dissoluo de empresas ou
desativao parcial de seus empreendimentos, com a conseqente alienao
de seus ativos.
Note-se que, at ento, no se havia falado em concesso de servios
pblicos a
empresas privadas pr-existentes. O mximo que se tinha planejado
era a sada do Estado do
quadro societrio de empresas em que ele se fazia presente. Isto
porque a primeira
providncia, em termos de prioridade, era essa, qual seja, a
desvinculao do Estado.
O art. 7. da Lei n. 8.031/90 estipulou que a privatizao de
empresas que
prestam servios pblicos pressupe a delegao, pelo Poder Pblico,
da concesso ou
permisso do servio objeto da explorao. At a, nada de diferente,
sendo que a nica
preocupao era com a continuidade do servio pblico.
Somente a partir da edio da Lei n. 8.987/95 ficou aberta
concretamente a
disposio de incluir empresas originariamente privadas no
programa de execuo de servios
pblicos (ou de utilidade pblica), atendendo-se, ento, ao
disposto no art. 170 da
Constituio Federal, in verbis:
A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna,
conforme os ditames da justia social, observados os seguintes
princpios: (...). Pargrafo nico - assegurado a todos o livre
exerccio de qualquer atividade econmica, independentemente de
autorizao de rgos pblicos, salvo nos casos previstos em Lei.36
Obviamente que no se pode concluir, a partir disso, que a figura
das concesses
(em sentido lato) somente surgiu a partir da edio da referida
lei. O que se deve entender
que, a partir desse marco, iniciou-se uma nova fase no mbito do
Direito Administrativo, no
36
BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988). 40
ed. So Paulo: Saraiva, 2007.
-
34
tocante ao tema concesso de servios pblicos, implantando-se uma
nova filosofia de
regulamentao das atividades econmicas vinculadas ao interesse
pblico. Agora, a
transferncia do exerccio de tais atividades no se faz mais aos
entes integrantes da
administrao indireta (delegao legal), mas aos particulares, mais
preocupados com a
eficincia.
2.3 DELEGAO DOS SERVIOS PBLICOS
Como afirmado anteriormente, a delegao a particulares de certas
atividades, que
trazem consigo um interesse mais do que simplesmente econmico,
classificadas pelo
ordenamento jurdico como de interesse pblico, deve ser feita
atravs de concesso,
permisso ou autorizao do Poder Pblico. Mas o que so exatamente
esses institutos e no
que diferem entre si?
Na lio de Jos dos Santos Carvalho Filho a
[...] concesso de servio pblico o contrato administrativo pelo
qual a Administrao Pblica transfere a pessoa jurdica ou a consrcio
de empresas a execuo de certa atividade de interesse coletivo,
remunerada atravs do sistema de tarifas pagas pelos usurios.37
Classicamente, a concesso difere da permisso pelo fato de esta
ltima no
conferir ao particular a mesma estabilidade, j que instituda por
ato administrativo
unilateral (e no contrato), sendo precria, portanto. Em outras
palavras, a permisso de
servio pblico sempre se caracterizou por ser ato administrativo
unilateral, discricionrio e
precrio, revogvel a qualquer tempo, sem que assista ao
permissionrio direito a qualquer
37
CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito
administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lmens Juris, 1999. p.
239.
-
35
indenizao. Em funo dessa menor estabilidade, sempre foi
utilizada em servios que no
demandam investimentos muito vultosos.
A par da permisso tradicional, parte da doutrina
administrativista admitia
tambm a existncia das chamadas permisses condicionadas, que
estipulavam prazos fixos
em favor do permissionrio, de sorte que sua revogao, se efetuada
antes de findo aquele,
implicava o dever de indenizar.
Com a edio da Lei n. 8.987/95, profundo anacronismo tomou conta
do tema em
apreo, j que os termos consagrados pela doutrina passaram a ser
utilizados
indiscriminadamente, ocasionando contradies inconciliveis pela
via da interpretao
gramatical. A ttulo ilustrativo, confira-se a redao do art. 40
do citado diploma legal:
A permisso de servio pblico ser formalizada mediante contrato de
adeso, que observar os termos desta Lei, das demais normas
pertinentes e do edital de licitao, inclusive quanto precariedade e
revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.38
Ora, ou se entende contratual a figura da permisso e se adotam,
coerentemente,
as conseqncias decorrentes dessa qualificao; ou se inclui (ou
mantm) a precariedade no
conceito de tal instituto jurdico. O que no se pode admitir um
contrato precrio, posto que
isto uma contradio em termos.
Em razo desse paradoxo literal, que no admitido s leis num
sistema de direito
positivo como o nosso, parte da doutrina resolveu a questo da
seguinte forma:
A lei n. 8.987/95 cometeu grave erronia, prevendo que as
permisses seriam formalizadas atravs de contrato de adeso (art.
40). Apesar da meno, entendemos que as permisses continuam a ser
atos administrativos.39 .
38
MEDAUAR, Odete (org.). Coletnea de legislao administrativa. 2.
ed. revista atualizada e ampliada. So Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. 39
CARVALHO FILHO, Jos dos Santos . op. cit. p. 243.
-
36
O que se fez, na verdade, alm de manter o contedo consagrado
pela doutrina, foi
prestigiar o conceito utilizado pela mesma lei em seu art. 2.,
IV, ipsis litteris:
Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se (IV) permisso
de servio pblico a delegao, a ttulo precrio, mediante licitao, da
prestao de servios pblicos, feita pelo poder concedente pessoa
fsica ou jurdica que demonstre capacidade para seu desempenho, por
sua conta e risco.40
Por fim, temos ainda as chamadas autorizaes, que so atos
administrativos pelos
quais a Administrao Pblica consente o exerccio de determinada
atividade pelo particular
ou a utilizao de certo bem pblico, desde que no advenha qualquer
prejuzo para a
coletividade. Distingue-se das permisses pelo fato de o
interesse pblico no motivar
diretamente o ato administrativo de autorizao, mas sim o
interesse do particular, sendo o
interesse pblico aqui residual. No mais, identificam-se os dois
institutos, pois as autorizaes
tambm so concedidas a ttulo precrio, discricionariamente, por
ato administrativo
unilateral, no rendendo a revogao direito a qualquer
indenizao.
Antes de encerrar esse item, cabe lembrar que a permisso e a
concesso sero
sempre precedidas de licitao, salvo as excees expressamente
previstas, com vistas a
preservar os princpios da igualdade de oportunidades (destinado
aos particulares) e da melhor
proposta (destinado ao Poder Pblico), alm dos demais previstos
no art. 14 da Lei n.
8.987/95.
2.4 SURGIMENTO DAS AGNCIAS REGULADORAS
Logo aps a Primeira Guerra Mundial, os EUA tiveram um
crescimento
econmico vertiginoso, o que acarretou o surgimento de grandes
fortunas e aplicaes
40
MEDAUAR, Odete (org.). op.cit.
-
37
desenfreadas nas bolsas de valores, especialmente de natureza
especulativa, acarretando a
quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, com abalo da economia
capitalista.
Para enfrentar essa depresso econmica, o Presidente Franklin
Delano Roosevelt,
eleito em 1932, implementou um programa econmico, baseado nas
idias do economista
John Maynard Keynes, com o qual, nas palavras de Cibele Cristina
Baldassa Muniz Shecaira,
[...] o Estado passava a intervir na economia, no sentido de
amenizar os focos de tenso social; o governo iniciava um intenso
processo de vultosos investimentos em construes de grande porte,
como estradas, usinas, pontes etc., visando absorver a massa
desempregada; a renda seria melhor distribuda, o que resultaria em
um aumento da capacidade de compra do cidado mdio; o volume da
produo agrcola tornava-se controlado, para que o risco da
superproduo no mostrasse sua cara.41
Essa interveno na economia objetivou aplacar as graves
desigualdades
econmicas e sociais provocadas pelo sistema capitalista,
mormente em relao s camadas
sociais mais carentes. O Estado, que era dominado pela ideologia
liberal, segundo a qual o
mercado guiado por uma mo invisvel, no intervinha na economia.
Com efeito, as
desigualdades sociais eram gritantes, com desumana explorao da
mo-de-obra.
Nesse contexto, foi criada a regulatory agency especialmente
como instrumento
de interveno do Estado na economia, para controlar os monoplios
e combater a
concorrncia prejudicial. Destarte, objetivou-se suprir a ausncia
do Estado na atividade
econmica.
J no Brasil, a criao das agncias reguladoras objetivou,
principalmente, retirar
a participao do Estado da economia, cujo fenmeno verificou-se
com as privatizaes a
partir de meados de 1995. Observe-se que, enquanto nos EUA as
agncias visaram suprir a
ausncia do Estado na economia, no Brasil, buscava-se reduzir a
interveno do Estado.
41
MUNIZ SHECAIRA, Cibele Cristina Baldassa. A Competncia das
Agncias nos EUA. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella
(organizadora). Direitos regulatrios: temas polmicos. 2 ed. rev.e
ampl. Belo Horizonte: Forum, 2004. p. 422.
-
38
Com efeito, a partir de 1980, especialmente com a ascenso ao
poder de Ronald
Reagan, iniciou-se um movimento de retirada do Estado da
economia americana, numa
tentativa de implementar as idias neoliberais, o que acarretou a
reduo dos poderes da
agncias reguladoras. Esse processo de flexibilizao das regras
fixadas pelas agncias
reguladoras est em curso, porquanto passou-se a defender que a
regulao excessiva
prejudicava a atividade econmica, restringia os direitos
individuais e contribua para o
agigantamento do Estado.
Nesse novo cenrio de autuao do Estado na economia, com a
diminuio
substancial de sua participao na prestao de servios, sobreveio a
necessidade premente de
fortalecimento da funo reguladora e fiscalizatria. justamente
nesse momento que nascem
as agncias reguladoras brasileiras, com o escopo de normatizar e
regular os servios e
atividades delegadas iniciativa privada, sempre buscando o
equilbrio e harmonia entre o
Estado, usurios e delegatrios.
Embora, inicialmente, se tenha feito alarde acerca da implantao
das agncias
reguladoras no direito brasileiro, o certo que tal de forma de
descentralizao da
Administrao Pblica, para boa parte da doutrina nacional, no
constitui novidade, consoante
entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello, assim
vazado:
Em rigor, autarquias com funes reguladores no se constituem em
novidade alguma. O termo com que ora foram batizadas que novo no
Brasil. Apareceu ao ensejo de tal Reforma Administrativa,
provavelmente para dar sabor de novidade ao que muito antigo,
atribuindo-lhe, ademais, o suposto prestgio de ostentar uma
terminologia norte-americana (agncia). A autarquia Departamento
Nacional de guas e Energia Eltrica DNAEE, por exemplo, cumpria
exatamente a finalidade ora irrogada ANEEL, tanto que o art. 31 da
lei transfere nova pessoa todo o acervo tcnico, patrimonial,
obrigaes, direitos e receitas do DNAEE.42
Alexandre Santos de Arago tambm entende que no se trata de um
instituto
42BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito
administrativo. 13 ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 133-134.
-
39
jurdico novo, pois
[...] antes das agncias reguladoras independentes que comearam a
ser criadas no bojo do Programa Nacional de Desestatizao, j havia
sido criada uma srie de rgos e entidades reguladores, tais como o
Conselho Nacional CMN, Banco Central do Brasil, o Instituto do
lcool e do Acar IAA, o Instituto Brasileiro do Caf IBC e a Comisso
de Valores Mobilirios CVM.43
A novidade para o citado autor que Nenhum deles, contudo, tinha
ou tem o
perfil de independncia frente ao Poder Executivo afirmado pelas
recentes leis criadoras das
agncias reguladoras e pela jurisprudncia do STF.44
Essa independncia se caracteriza, principalmente, pela vedao da
exonerao ad
nutum dos seus dirigentes e pela inexistncia de interferncia
hierrquica do Poder Executivo
sobre os atos decisrios praticados pelos entes reguladores,
sendo incabvel, portanto, o
chamado recurso hierrquico imprprio, atravs do qual o Ministro
de Estado ou outra
autoridade da Administrao Central podem revogar ou anular as
decises das autarquias e
fundaes a ele vinculadas.
Entendimento diverso tem Di Pietro, para quem
As agncias reguladoras constituem novidade no direito
brasileiro, introduzida para assumir o papel que, na concesso, era
antes desempenhado pela prpria Administrao Pblica direta, na
qualidade de poder concedente; o mesmo papel assumido na permisso e
na autorizao.45
Floriano Azevedo Marques Neto justifica, com muita propriedade e
proficincia,
o porqu da necessidade de instituio das agncias reguladoras, as
quais se revelam como
um instrumento hbil a viabilizar
43
ARAGO, Alexandre. Agncias reguladoras. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 265. 44
Ibidem. 45
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administrao
pblica. 3 ed. So Paulo: Atlas, 1999. p. 130.
-
40
i) uma ao regulatria mais sintonizada com os interesses
existentes na Sociedade (alternativamente regulao autoritria e
unilateral cabente num contexto de Estado autoritrio); e ii) uma
esfera ordena e equalizadora dos interesses embatentes num dado
setor da economia ou da Sociedade, a um s tempo permevel aos
interesses dos diversos atores envolvidos (produtores e
consumidores da utilidade pblica) na atividade regulada (permevel,
pois, aos interesses existentes na esfera privada) e promotora dos
interesses pblicos difusos (razo de ser da esfera pblica, mormente
daqueles que no possuem representao nem no nem perante aparelho
estatal.46
As agncias reguladoras, na forma como implantadas em nosso pas,
seguiram o
modelo norte-americano, que se assenta na independncia em relao
aos demais poderes do
Estado, sendo seus dirigentes detentores de estabilidade em suas
funes, exercendo funes
quase-legislativas e quase-judiciais.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, um dos defensores da aplicao
do modelo
norte-americano das agncias reguladoras no Brasil, aduz que
[...] no fim da dcada de oitenta, em momento em que outros pases
desvencilhavam-se ou j se haviam despojado de seus antiquados
aparelhos estatais hipertrofiados, centralizadores, burocratizados,
ineficientes e, sobretudo, insuportavelmente dispendiosos, o Brasil
enveredava, guiado pelos constituintes de 1988, pela contramo da
Histria, levado por uma Carta Poltica ditada de utopismo bem
intencionado mas delirante; pela demagogia, dos que queriam
ostentar uma imagem populista e progressista; pelo corporativismo,
dos grupos que logravam melhor se organizar e manipular recursos;
pelo socialismo, dos que criam piamente ser possvel fazer justia
social sem liberdade econmica; pelo estatismo, dos que ainda
acreditavam que a sociedade no poderia prescindir de tutela; pelo
paternalismo, dos que esperavam que o governo tudo lhes desse sem
necessidade de competir; pelo assistencialismo, dos que imaginavam
que a palavra escrita converte-se automaticamente em benefcios;
pelo fiscalismo, dos que se despreocupavam das conseqncias
desmotivadoras e recessivas das sobrecargas tributrias e, por fim,
da xenofobia, dos que viam o Pas como alvo de um imenso compl
internacional concebido para entravar um romntico projeto de
progresso autonmico. 47
46
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulao estatal e as
agncias independentes. In: SUNDFEL, Carlos Ari (coord.) Direito
administrativo econmico. So Paulo, Malheiros. 2002. p. 82.
47 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutaes do direito
administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,
2000. p. 150.
-
41
Di Pietro critica o momento da adoo no Brasil do modelo
norte-americano de
agncias reguladoras, justificando-se do seguinte modo:
[...] lamentvel, no entanto, que a imitao venha ser feita quando
o prprio modelo que serviu de inspirao j foi profundamente alterado
no prprio pas de origem. O modelo que se est copiando o que se
adotava antes das reformas iniciadas na dcada de 60. 48
Entendemos, todavia, ainda que ultrapassado em alguns pontos, o
modelo norte-
americano de agncias reguladora pode ser aproveitado em nosso
pas, desde que venha a se
compatibilizar com o ordenamento jurdico brasileiro.
2.5 CARACTERSTICAS DAS AGNCIAS
2.5.1 Natureza jurdica
fato que o Estado tem o encargo de zelar pela adequada prestao
do servio
pblico, podendo intervir na atividade econmica em prol do
interesse coletivo. Sabe-se,
outrossim, que, em face da colossal estrutura de que dotado o
Estado, nem sempre o Poder
Pblico desempenha com eficincia seu papel de regular e
fiscalizar a execuo dos servios
pblicos, da porque justificvel o surgimento de entidades que
desempenhem a misso de
regular e normatizar servios e atividades, cuja explorao foram
atribudas iniciativa
privada.
Sob tal tica, as agncias reguladoras devero assumir,
necessariamente,
personalidade de direito pblico, na medida em que atuam no campo
da ao exclusiva do
Poder Pblico, eis que o ato de fiscalizao e de regulao pode
implicar na restrio da
liberdade empresarial em benefcio dos interesses da
coletividade. Por isso, tais entes foram 48
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op.cit. p. 144.
-
42
criados sob a forma de autarquia especial, integrando, assim, a
Administrao Pblica
descentralizada ou indireta, na linguagem do Decreto-lei n.
200/6749, regime este
caracterizado pelo conjunto de privilgios especficos que a lei
outorga entidade para a
consecuo de seus fins.
Conforme Alexandre Santos de Arago
[...] as agncias reguladoras so autarquias de regime especial
tanto formal (as respectivas leis instituidoras as denominam como
tal) como material (so asseguradas diversas prerrogativas que
aumentam consideravelmente a sua autonomia em comparao com a das
demais autarquias, especial a vedao de exonerao ad nutum dos
membros do seu colegiado dirigente, nomeados por prazo
determinado).50
Esses privilgios caracterizam-se basicamente pela estabilidade
de seus dirigentes
(mandato fixo), autonomia financeira (renda prpria e liberdade
de sua aplicao), poder
normativo (regulamentao das matrias de sua competncia, sem
invadir as chamadas
reservas da lei) e poder de dirimir conflitos (funo
quase-judicial). Entendeu-se, por isso,
indispensvel a outorga de amplos poderes a essas autarquias,
tendo em vista a enorme
relevncia dos servios pblicos por elas regulados para o
desenvolvimento global do Pas.
Consideram-se de regime especial, por gozarem de maior autonomia
em relao
Administrao direta, tendo em vista que seus atos, no tocante sua
atividade-fim, no podem
ser revistos pelo Poder Executivo, e seus diretores gozam de
estabilidade durante o respectivo
mandato.
2.5.2 Tipos de agncias
49
Decreto-Lei n. 200, de 25.02.67. Art. 4 A Administrao Federal
compreende: I- A Administrao Direta, que se constitui dos servios
integrados na estrutura administrativa da Presidncia da Repblica e
dos Ministrios; II- A Administrao Indireta, que compreende as
seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurdica
prpria: a) Autarquias; b) Empresas Pblicas; c) Sociedades de
Economia Mista; d) Fundaes Pblicas. 50
ARAGO, Alexandre Santos. Agncias reguladoras. Rio de Janeiro,
Forense. 2002. p. 274.
-
43
As agencias so classificadas em executivas e reguladoras, sendo
que Di Pietro
diz que Agncia executiva a qualificao dada autarquia ou fundao
que celebre
contrato de gesto51 com o rgo da Administrao Direta a que se
acha vinculada, para a
melhoria da eficincia e reduo de custos.52
Para Caio Tcito, Agncias Executivas so rgos internos que
representam um
processo de desconcentrao: so entes voltados para dentro da
Administrao.53 Assim, a
agncia executiva nada mais do que uma autarquia ou fundao pblica
dotada de regime
especial graas ao qual ela passa a ter maior autonomia de gesto
do que a normalmente
atribuda s autarquias e fundaes pblicas comuns. Trata-se, em
realidade, de uma
qualificao jurdica que pode ser dada a uma autarquia ou fundao,
ampliando-lhe a
autonomia gerencial, oramentria e financeira, devendo a entidade
firmar contrato de gesto
com a administrao central.
Essa nova modalidade de desconcentrao da Administrao Pblica
recebe
severas crticas do Professor Bandeira de Melo, in verbis:
35. Esta titulao, aparentemente, no leva a nada. Em rigor, a
conseqncia nica de relevo decorrente da qualificao de uma autarquia
ou fundao como agncia executiva a que aparece no na lei prpria, mas
em outra lei, da mesma data dela (n. 9.648, de 27.5.98): a saber: a
ampliao dos limites de iseno ao dever de licitar para as agncias
executivas. Dita lei agregou aos 23 itens de dispensa de licitao
previstos no art. 24 da Lei 8.666, de
51
A Lei n. 9.649/98, que dispe sobre a organizao da Presidncia da
Repblica e dos Ministrios, e d outras providncias, trata das
agncias executivas e dos contratos de gesto nos artigos 51 e 52,
nestes termos: Art. 51. O Poder Executivo poder qualificar como
Agncia Executiva a autarquia ou fundao que tenha cumprido os
seguintes requisitos: I- ter um plano estratgico de reestruturao e
de desenvolvimento institucional em andamento; II- ter celebrado
Contrato de Gesto com o respectivo Ministrio supervisor. 1 A
qualificao como Agncia Executiva ser feita em ato do Presidente da
Repblica; 2 O Poder Executivo editar medidas de organizao
administrativa especficas para as Agncias Executivas, visando
assegurar a sua autonomia de gesto, bem como a disponibilidade de
recursos oramentrios e financeiros para o cumprimento dos objetivos
e metas definidos nos Contratos de Gesto. Art. 52. (...) 1 Os
Contratos de Gesto das Agncias Executivas sero celebrados com
periodicidade mnima de um ano e estabelecero os objetivos, metas e
respectivos indicadores de desempenho da entidade, bem como os
recursos necessrios e os critrios e instrumentos para a avaliao do
seu cumprimento; 2 O Poder Executivo definir os critrios e
procedimentos para a elaborao e o acompanhamento dos Contratos de
Gesto e dos programas estratgicos de reestruturao e de
desenvolvimento institucional das Agncias Executivas. 52
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11 ed.
So Paulo: Atlas, 1999. p. 387. 53
TACITO, Caio. Transformaes do direito administrativo. Boletim de
Direito Administrativo. So Paulo: NDJ, fevereiro, 1999.
-
44
21.6.93, mais um, o de n. XXIV, e a acrescentou um pargrafo nico
no qual amplia os limites de iseno ao dever de licitar quando se
trate de sociedade de economia mista, empresa pblica ou agncia
executiva. O que h, pois, por detrs desta qualificao mais uma vez a
revelao de que o Executivo e sua Reforma Administrativa tem horror
dos mecanismos moralizadores da licitao e que busca, por todos os
meios, escapar o quanto possa da Lei 8.666, de 21.6.93.54
O mesmo autor tece comentrios negativos acerca do contrato de
gesto:
Com a expresso contrato de gesto querem mencionar aquilo que, na
verdade, no passa de um arremedo de contrato, uma encenao sem
qualquer valor jurdico, pelo qual se documenta que a Administrao
Central concede autarquia ou fundao maior liberdade de ao, isto ,
mais autonomia, com a dispensa de determinados controles, e assume
o compromisso de repasse regular de recursos em contrapartida do
cumprimento por esta de determinado programa de atuao, com metas
definidas e critrios precisos de avali-las, pena de sanes a serem
aplicadas ao dirigente da autarquia ou fundao que firmou o
pseudocontrato se, injustificadamente, o descumprir.55
A outra modalidade de agncia, tema que ser mais aprofundado no
presente
trabalho, definida por Di Pietro, como Agencia reguladora, em
sentido amplo, seria, no
direito brasileiro, qualquer rgo da Administrao Direta ou
entidade da Administrao
Indireta com funo de regular as matrias que lhe esto afetas.56
Para Leila Cullar,
agncias reguladoras
So pessoas jurdicas de direito pblico, criadas por lei e que
somente por lei podem ser extintas. Exercem atividades e servios
administrativos (regulao e fiscalizao da atividade econmica em
sentido amplo), possuem capacidade administrativa autonomia
patrimonial, mas permanecem sob o controle e tutela do Estado
quanto sua organizao, administrao e fiscalizao financeira.57
Nas palavras de Lcia Valle Figueiredo, trata-se de [...] pessoas
jurdicas de
direito pblico, de capacidade administrativa, criadas pelo
Estado para persecuo de
54
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. op.cit. p. 143. 55
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. op.cit. p. 388. 56
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op.cit. p. 388 57
CULLAR, Leila. As agncias reguladores e seu poder normativo. So
Paulo: Dialtica, 2001. p. 90-91.
-
45
finalidades pblicas;[...]58
Na viso de Justen Filho,
uma autarquia especial, criada por lei para interveno estatal no
domnio econmico, dotada de competncia para regulao de setor
especfico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para
arbitramento de conflitos entre particulares, e sujeita a regime
jurdico que assegure sua autonomia em face da Administrao
direta.59
At o presente momento foram criadas as seguintes agncias: ANEEL
Agncia
Nacional de Energia Eltrica (Lei n. 9.427, de 26.12.1996);
ANATEL Agncia Nacional de
Telecomunicaes (Lei n. 9.472, de 16.07.1997); ANP Agncia
Nacional de Petrleo (Lei
n. 9.478, de 06.08.1997); ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia
Sanitria (Lei n. 9.782,
de 26.01.1999); ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar (Lei n.
9.961, de
28.01.2000); ANA Agncia Nacional de gua (Lei n. 9.984, de
17.07.2000); ANTT -
Agncia Nacional de Transportes Terrestres e ANTAQ - Agncia
Nacional de Transportes
Aquavirios (Lei n. 10.233, de 05.07.2001); ADENE Agncia de
Desenvolvimento do
Nordeste (MP n. 2.156-5, de 25.08.2001); ADA Agncia de
Desenvolvimento da Amaznia
(MP n. 2.157, de 24.08.2001); ANCINE Agncia Nacional de Cinema
(MP n. 2.228-1, de
06.09.2001); ANAC Agncia Nacional da Aviao Civil (Lei n. 11.182,
de 27.09.2005).
Destaca-se ainda a Lei n. 9.986, de 18.07.2000, que dispe sobre
os recursos humanos das
agncias reguladoras.
V-se, portanto, que as agncias so criadas por meio de leis
esparsas. Apesar
disso, constata-se pelo exame das leis instituidoras, que as
agncias possuem caractersticas
comuns, as quais podem ser assim sintetizadas: so constitudas
como autarquias especiais,
afastando-se da estrutura hierrquica dos Ministrios e da direta
poltica do Governo, com
acentuado grau de independncia; gozam de autonomia financeira,
administrativa e, 58
FIGUEIREDO, Lcia Valle. Curso de direito administrativo. 4 ed.
So Paulo: Malheiros, 2000. p. 124. 59
JUSTEN FILHO, Maral. op. cit. p. 344.
-
46
especialmente, de poderes normativos complementares legislao
prpria do setor; so
dotadas de amplos poderes de fiscalizao; operam como instncia
administrativa final nos
litgios sobre matria da sua competncia; respondem pelo controle
de metas de desempenho
fixados para as atividades dos prestadores de servio, segundo
diretrizes do governo e em
defesa da comunidade, e, por fim, so regidas pelo princpio da
especialidade, quanto a
matria de sua competncia. trao comum tambm dessas agncias a
estabilidade de seus
dirigentes, garantida pelo exerccio de mandato fixo, cujas
caractersticas sero aprofundadas
nos tpicos seguintes.
Portanto, a agncia reguladora uma autarquia especial criada por
lei, com
estrutura colegiada, cuja incumbncia normatizar, disciplinar e
fiscalizar a prestao, por
agentes econmicos pblicos e privados, de certos bens e servios
de acentuado interesse
pblico, inseridos no campo da atividade econmica que o Poder
Legislativo entendeu por
bem destacar e entregar regulamentao autnoma e especializada de
uma entidade
administrativa relativamente independente da Administrao
Central.
Nossas agncias configuram, portanto, uma importao de um
conceito, de um
formato e de um modo especfico de estruturao do Estado.
Falta-lhes, contudo, um maior
rigor na delimitao de seus poderes e na compatibilizao destes
com os princpios
constitucionais; um controle efetivo pelo Senado do processo de
designao dos seus
dirigentes; um controle mais eficaz de suas atuaes pelo
Judicirio e pelos rgos
especializados do Congresso, e, por fim, uma maior preocupao com
o estabelecimento, em
seu benefcio, de um mnimo lastro democrtico, de sorte a evitar
que elas se convertam em
instrumento de dominao de uma determinada tendncia
poltico-ideolgica.
2.5.3 Autonomia
-
47
Alguns doutrinadores ptrios, como DI Pietro (1999) e Cullar
(2001), utilizam o
termo independncia, explicando-se o seguinte:
[...] uma das garantias independncia dos rgos de direo das
agncias reside na estabilidade e inamovibilidade que conferida aos
administradores. A estabilidade se concretiza atravs da forma de
escolha e nomeao dos dirigentes, mas tambm pela fixao, prvia e
certa, de um mandato e impossibilidade de exonerao desmotivada dos
dirigentes por parte do Chefe do Poder Executivo. 60
Outros, como Maria DAssuno Costa Menzezello, preferem a
denominao
autonomia, que, certamente, se mostra mais adequada ao
regramento constitucional ptrio,
consoante se extrai da argumentao invocada pela aludida autora,
in verbis:
No que se refere ao conceito de autonomia ou independncia,
desprezamos qualificativo independncia, por entendermos ser
inadequado para as agncias brasileiras, uma vez que elas esto, por
fora de lei, vinculadas a algum Ministrio. Por conseguinte, devem
atender a todas as exigncias legais no que se refere de recursos
humanos de seus servidores, inclusive aos assuntos que foram
unificados por fora da aplicao da Lei Federal n 9.986, de
18-7-2000, conforme anteriormente exposto. Assim, compartilhamos do
entendimento de Carlos Ari Sundfeld, para quem independncia uma
expresso certamente exagerada, pois mais consentneo com o sistema
jurdico vigente , certamente, o conceito de autonomia.61
Apesar de a maioria da doutrina eleger a autonomia com um dos
traos
caractersticos das agncias reguladoras, tal autonomia, todavia,
relativa, pois sofre
limitaes tanto do Poder Legislativo como do Executivo e do
Judicirio, tema que ser
melhor dissecado quando da abordagem do tpico referente ao poder
normativo.
Em sntese, a autonomia administrativa das agncias reguladoras se
assenta nos
seguintes pontos: a) autonomia poltica dos gestores, de vez que,
investidos de mandatos com
60
CULLAR, Leila. Op. cit. P. 95. 61
MENEZELLO, Maria DAssuno Costa. Agncias reguladoras e o direito
brasileiro. So Paulo: Atlas, 2002, p. 84.
-
48
termo pr-fixado, os dirigentes das agncias reguladoras gozam de
estabilidade no emprego62
e somente o perdero se cometerem ato de improbidade
administrativa ou descumprirem
injustificadamente o contrato de gesto da agncia. Essas faltas
devem ser devidamente
apuradas em processo administrativo ou judicial em que lhes
sejam assegurados ampla defesa
e contraditrio. Tais dirigentes so nomeados pelo Presidente da
Repblica63, com prvia
aprovao dos nomes pelo Senado Federal, nos termos do artigo 52,
inciso III, alnea f, da
Constituio Federal; b) autonomia tcnico-decisional, em
decorrncia da qual que
predominam as motivaes apolticas nas confeces de seus atos,
autonomia esta que coloca
a agncia a salvo de ingerncias polticas nas matrias que lhe so
afetas. c) autonomia
normativa, necessria para o fiel exerccio da competncia
reguladora dos setores de atividade
de interesse pblico, o que ser abordado mais detalhadamente no
tpico relativo ao poder
normativo; d) autonomia gerencial, oramentria e financeira,
assegurada pela
negociabilidade de um contrato de gesto, instrumento de regncia
e avaliao de
desempenho da autarquia.
Como ressaltado no tpico relativo ao surgimento das agncias, o
modelo
brasileiro foi criado com base no norte-americano, sendo que
este goza de certa margem de
independncia frente aos trs poderes, consoante demonstra Di
Pietro, na seguinte lio:
a) em relao ao Poder Legislativo, porque dispem de funo
normativa, que justifica o nome de rgo regulador ou agncia
reguladora; b) em relao ao Poder Executivo, porque suas normas e
decises no podem ser alteradas ou revistas por autoridades
estranhas ao prprio rgo; c) em relao ao Poder Judicirio, porque
dispe de funo quase-jurisdicional, no
62
Lei n. 9.986/2000, que dispe a gesto de recursos humanos das
Agncias Reguladoras e d outras providencias, estabelece: Art. 6 O
mandato dos Conselheiros e dos Diretores ter prazo fixado na lei de
criao de cada Agncia. Art. 9 Os Conselheiros e os Diretores somente
perdero o mandato em caso de renncia, de condenao judicial
transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.
63
Lei n. 9.986/2000, Art. 5 O Presidente ou o Diretor-Geral ou o
Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor
ou da Diretoria (CD II) sero brasileiros, de reputao ilibada,
formao universitria e elevado conceito no campo de especialidade
dos cargos para os quais sero nomeados, devendo ser escolhidos pelo
Presidente da Repblica e por ele nomeados, aps aprovao pelo Senado
Federal, nos termos da alnea f do inciso III do art. 52 da
Constituio Federal. Pargrafo nico. O Presidente ou Diretor-Geral ou
o Diretor-Presidente ser nomeado pelo Presidente da Repblica dentre
os integrantes do Conselho Diretor ou da Diretoria,
respectivamente, e investido na funo pelo prazo fixado no ato de
nomeao.
-
49
sentido de que resolvem, no mbito das atividades controladas
pela agncia, litgios entre os vrios delegatrios que exeram servio
pblico mediante concesso, permisso ou autorizao e entre e os
usurios dos servios pblicos.64
Por seu turno, nosso ordenamento ptrio no permite aquela margem
de
independncia, devendo, portanto, ser dosada para se
compatibilizar com o regime legislativo
brasileiro. A questo assim tratada pela autora mencionada
acima:
Independncia em relao ao Poder Judicirio praticamente no existe:
a agncia pode dirimir conflitos em ltima instncia administrativa,
mas isso no impede e no pode ter o condo de impedir o controle de
suas decises pelo Poder Judicirio, tendo em vista a norma do art.
5, XXXV, da Constituio, em cujos termos: a lei no excluir da
apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. Esse
dispositivo significa a adoo, no direito brasileiro, do sistema de
unidade de jurisdio, ao contrrio de outros pases que seguiram o
direito francs e adotaram o sistema da dualidade de jurisdio, que
admite, ao lado da jurisdio comum, a jurisdio administrativa, com
competncia para dirimir conflitos de interesses envolvendo a
Administrao Pblica, com fora de coisa julgada. Essa possibilidade
no existe no direito brasileiro. Qualquer tipo de ato praticado
pelas agncias reguladoras, desde que cause leso ou ameaa de leso,
pode ser apreciado pelo Poder Judicirio. [...] A independncia maior
existe em relao ao Poder Executivo, assim mesmo nos limites
estabelecidos em lei, podendo variar de um caso para outro. Como
autarquias que so, esto sujeitas tutela ou controle administrativo
exercido pelo Ministrio a que se acham vinculadas. Todavia,como
autarquia de regime especial, seus atos no podem ser revistos ou
alterados pelo Poder Executivo. A estabilidade outorgada aos
dirigentes das agncias confere maior independncia, no muito comum
na maior parte das entidades da administrao indireta, em que os
dirigentes, por ocuparem cargos de confiana do chefe do Poder
Executivo, acabam por curvar-se a interferncias, mesmo ilcitas.
65
Acerca do mandato fixo dos dirigentes, discute-se na doutrina a
possibilidade de o
novo Chefe do Poder Executivo destituir os diretores com
mandatos em andamento, os quais
foram nomeados pelo Chefe do Executivo anterior. Nesse sentido
Bandeira de Mello advoga
o entendimento de que a gesto dos dirigentes no pode se estender
alm do mandato do
governante que efetuou a nomeao.
64
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op.cit. p. 131. 65
Ibidem. p.131-132.
-
50
26. Questo importante a de saber se garantia dos mandatos por
todo o prazo previsto pode ou no estender-se alm de um mesmo perodo
governamental. Parece-nos evidentssimo que no. Isto seria o mesmo
que engessar a liberdade administrativa do futuro Governo. Ora, da
essncia da Repblica a temporariedade dos mandatos, para que o povo,
se o desejar, possa eleger novos governantes com orientaes polticas
e administrativas diversas do Governo precedente. Fora possvel a um
dado governante outorgar mandatos a pessoas de sua confiana
garantindo-os por um perodo que ultrapassasse a durao de seu perodo
mandato, estaria estendendo sua influncia para alm da poca que lhe
correspondia (o primeiro mandato de alguns dirigentes da ANATEL e
de sete anos) e obstando a que o novo Presidente imprimisse, com a
escolha de novos dirigentes, a orientao poltica e administrativa
que foi sufragada nas urnas. Em ltima instncia, seria uma fraude
contra o prprio povo. [...] Logo, de se concluir que a garantia dos
mandatos dos dirigentes destas entidades s opera dentro do perodo
governamental em que foram nomeados. Encerrado tal perodo
governamental, independentemente do tempo restante para concluso
deles o novo Governo poder sempre expelir livremente os que os
vinham exercendo.66
Posicionamento diverso tem Maria DAssuno Costa Menezello:
[...] mandato fixo dos diretores no outorgado apenas pelo Chefe
do Poder Executivo (pois no se trata de cargo de confiana stricto
sensu), mas tambm pelo Poder Legislativo, quando da aprovao
decorrente de argio pblica, nos limites da lei de criao da agncia.
Notemos que o ato aprobatrio no emana do Executivo, que s executa o
ato de nomeao, j que o ato de sabatina e aprovao , na realidade,
atributo exclusivo do Legislativo. Portanto, considera-se
inadmissvel qualquer ato do Executivo que infrinja esta competncia
legal, sob pena de violar-se o princpio da independncia e harmonia
dos poderes, expresso no art. 2 da Constituio de 1988.67
A autora salienta que o Supremo Tribunal Federal j examinou a
questo, ao
apreciar a Ao Direta de Inconstitucional n. 1949-0/RS, tendo
decidido que
[...] o conselheiro ou dirigente mximo de uma agncia de regulao
tem preservado seu mandato at que fato delituoso claramente
tipificado, embasado em justo motivo, determine a sua exonerao.
Esto preservadas a autonomia e a independncia to necessrias regulao
moderna.68
66
BANDEIRA DE MELO, Celso Antnio. Curso de Direito Administrativo.
25 ed. So Paulo: Malheiros: 2009. p. 175-176. 67
MENEZELLO, Maria DAssuno Costa. op. cit., p.87-88. 68
Ibidem, p. 88
-
51
Adiante a eminente doutrinadora salienta que [...] a lei de
criao da agncia
que determina a validade dos mandatos, e no a vontade do novo
Chefe do Executivo.69
Tendo em vista a deciso da Corte Maior e os dispositivos legais
que estabelecem
mandato fixo para seus dirigentes, pode-se afirmar que s possvel
destituir os dirigentes
antes do trmino do mandato, se estes incorrerem em algumas das
faltas previstas na
legislao de regncia, as quais devem ser apuradas atravs de
processo administrativo ou
judicial, observando-se o devido processo legal.
Questo relativa autonomia frente ao Poder Legislativo ser
tratada ao
discorrermos sobre o poder normativo das agncias
reguladoras.
2.5.4 Poder de dirimir conflitos
s agncias reguladoras foi atribuda, ainda, competncia para
dirimir conflitos de
interesses entre agentes que executam servios controlados ou
entre esses agentes e os
usurios.
Sendo as agncias rgos integrantes da Administrao Pblica, suas
decises
administrativas devem observar toda a legislao a que sua
atividade est sujeita, bem assim
as normas que disciplinam a atividade administrativa,
insculpidas no art. 37 da Constituio
Federal, destacando-se os princpios da legalidade, moralidade,
publicidade e eficincia, sem
esquecer em tais decises que o usurio titular de um direi