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J. C.Ferreira
deAlmeida *
Situao e problemasdo ensino de CinciasSociais em Portugal
A situao do ensino das Cincias Sociaisem Portugal, que tem
sofrido uma evoluocujo significado objecto de anlise no pre-sente
artigo, continua a caracterizar-se pelainexistncia da possibilidade
de uma forma-o fulcralmente cientifica. Com vista pre-parao
especfica de cientistas sociais, hque explicitar, antes do mais, um
certonmero de requisitos decorrentes, quer dasnecessidades do
desenvolvimento socio-econ-mico, quer das prprias exigncias do
conhe-cimento enquanto produto de uma prticadeterminada. Na
concluso do artigo, o Autoraponta algumas informaes e
sugestesacerca de modalidades de incremento da for-mao para as
Cincias Sociais.
Observaes preliminares
1. propsito do presente artigo apresentar algumas con-sideraes
acerca da situao das cincias sociais no ensino supe-rior portugus,
assim como de alguns dos problemas implicadospelo necessrio
incremento da formao neste sector do conheci-mento. Deste enunciado
decorre imediatamente um dos factoresque o diferenciam de outros
dos textos includos nesta colectneade estudos sobre A Universidade
na Vida Portuguesa: que,se quanto a outras matrias possvel comear
por umexame detalhado daquilo que existe, seja bom ou mau,
paraseguidamente se proporem adaptaes ou melhoramentos, noque
respeita s cincias sociais (no sentido particular, mais
* Jos Carlos FERREIRA DE ALMEIDA Diplomado pelo Instituto de
Estu-dos Polticos da Universidade de Paris. Frequncia completa, na
Sorbonne,do ciclo de doutoramento de investigao em Sociologia.
Membro do Grupode Bolseiros de Sociologia da Fundao Calouste
Gulbenkian. Assistente doInstituto de Estudos Sociais nos anos
lectivos 66-67 e 67-68. Membro da So-ciedade Francesa de
Sociologia.
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adiante indicado, em que esta expresso ser usada ao longodeste
texto) praticamente de uma situao de no existnciaque se parte.
Trata-se, naqueles casos, de propor reformas;trata-se, neste, de
pugnar por uma criao.
Aponto desde j: as notas que vo ser apresentadas poucoou nada
contm de original. O princpio adoptado como inclu-sivamente se pode
ver pela bibliografia consultada e citada con-sistiu na utilizao
sistemtica de trabalhos alheios, quer no quetoca definio da situao
das cincias sociais em Portugal, querquanto problemtica geral
relativa ao seu ensino, ao seu lugarnuma poltica da cincia, etc.*.
Acrescento porm que no ignoroa necessidade de adoptar critrios, de
definir opes, ao efec-tuar qualquer seleco; e que dessas opes,
quando as opiniesdos autores dos trabalhos consultados divergem,
assim como damaior ou menor nfase dada a certos pontos, me sinto
plenamenteresponsvel.
2. No quadro destas consideraes liminares importa cir-cunscrever
o mbito do assunto a tratar, no que toca ao que, nopresente texto,
se dever entender por cincias sociais.
B sabido que no existe acordo geral quer quanto defini-o a dar
de cada disciplina, quer quanto s fronteiras que asseparam, assim
como, a fortiori, sobre a hierarquia que entreelas se possa
estabelecer; na realidade, nem sequer existe umconsenso
generalizado acerca das designaes que melhor corres-ponderiam a
certos ramos do conhecimento em matria social.Contudo, existe
efectivamente conhecimento do social tomadocomo objecto de estudo
cientfico sejam quais forem os ramosem que se pretenda
compartiment-lo. E, at porque esse saberevolui de forma
extremamente rpida, no valer a pena, nomea-damente em artigo desta
ndole, entrar nas querelas de demar-cao.
No se estranhe, pois, o carcter muito pragmtico da res-posta
quanto ao que neste artigo, salvo meno especial, se deverentender
por cincias sociais. Trata-se de englobar o conjuntode matrias
geralmente referidas por expresses como: CinciasSociais, Cincias
Humanas ou Cincias do Homem (social) masexcluindo deste conjunto,
por motivos circunstanciais, algumasdisciplinas.
Assim, ficaro de fora, nas consideraes que se seguem:1 O
sistemtico recorrer a documentao de vria ordem levou a agru-
par, em lista fornecida no fim do artigo, as referncias
bibliogrficas rela-cionadas com os temas acima apontados, sendo o
leitor remetido para elaspelos nmeros apresentados entre [ ] , que
ir encontrando no prprio corpodo texto. Deixam-se para as notas de
rodap apenas as indicaes dos traba-lhos que, por acessrios
relativamente aos temas nucleares, se no justificaincluir naquela
lista.
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a Economia, quer porque a sua situao (desenvolvimento
doconhecimento, possibilidades de utilizao deste, ensino j
insti-tucionalizado em Portugal) a diferencia da maioria das outras
dis-ciplinas, quer porque a ela se dedica um artigo especial
nestemesmo volume; os aspectos da Psicologia que aqui poderiam
estar includospor motivos em parte anlogos aos referidos a propsito
da Eco-nomia; e a Histria, porque o seu estatuto epistemologia,
como o seuestatuto universitrio, pe problemas de carcter peculiar,
queme no sinto habilitado a tratar.
Cumpre-me ainda reconhecer que, em muito do que adiante dito,
terei por vezes em mente mais a sociologia do que qual-quer das
outras cincias sociais. Tal facto resultar certamentede
deformao-formao pessoal; mas no s: creio no exagerarse afirmar que
as caractersticas especficas-diferenciais da socio-logia (em
sentido restrito: nem sociografia, nem sociatria) tor-nam
paradigmtica a sua situao entre ns.
3. Referi desde o incio o propsito deste artigo:
apresentaralgumas consideraes acerca das cincias sociais do ensino
supe-rior portugus. Essas consideraes sero agrupadas em duaspartes
de ndoles distintas. A primeira consiste numa tentativade anlise da
actual situao do ensino destas cincias, quer paraa caracterizar,
quer para sugerir uma interpretao dos limites eda significao das
recentes alteraes nela integradas. A segundatem em vista contribuir
para o desenvolvimento da formaocientfica neste campo do saber, no
nosso Pas, para o que importaevidenciar no s os imperativos de
carcter societal que maisfortemente requerem uma tal formao, como
tambm algumasdaquelas exigncias, ou requisitos internos, atributos
do prpriotipo de conhecimento em causa, que surgem como as mais
impor-tantes ao encarar-se esse mesmo desenvolvimento.
Reservam-separa a concluso algumas informaes e sugestes de
carctermais prtico, relativas a possveis modalidades desse
desejvelincremento.
O ENSINO DAS CINCIAS SOCIAIS EM PORTUGAL
A. Caracterizao da situao actual
4. Num artigo, acerca da sociologia em Portugal, publicadoem
1963 e reproduzido, com algumas alteraes, em 1964 ([-Z0.&L
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p. 10) escrevia A. SEDAS NUNES: [...] a situao da Sociologianas
Universidades , efectivamente, muito precria. Inexistenteem 7 das 8
Faculdades (2 Faculdades de Direito, 3 de Letras, 2 deEconomia e o
Instituto Superior de Cincias Sociais e PolticaUltramarina) era
que, logicamente, deveria apoiar-se, e impossi-bilitada, em 6 das 7
Faculdades onde penetrou2, de suscitar vo-caes docentes especficas,
devido ausncia de um quadro legalque permita a especializao
sociolgica as perspectivas, quese lhe abrem, de desenvolvimento e
de aquisio de uma slida ebem definida posio cientifica na
Universidade, so de factomuito limitadas e desfavorveis 3.
Em 1965, referindo-se no apenas sociologia mas a umconjunto mais
vasto de disciplinas, afirmava V. MAGALHES GO-DINHO ([3], p. 148):
[...] no existe neste momento em Portu-gal a possibilidade de
formar um autntico especialista em qual-quer das cincias humanas,
seja ela qual for.
Que a anlise do primeiro autor citado se mantm vlida, nooferecer
dvidas a ningum. Quanto concluso do segundo^j que a frase
reproduzida constitui o fim de um pargrafo ini-ciado por: No h
entre ns licenciatura em Psicologia. Comono h em Sociologia, nem em
Etnologia e Antropologia cultural e
2 (Citao revista de acordo com o Autor).
Destes estabelecimentos de ensino superior pertencentes s
Universi-dades, nos quais existem cadeiras permanentes de
Sociologia, o grupo de 6 aque se refere o Autor constitudo por:
a) Faculdades de Cincias de Coimbra, Lisboa e Porto insUiuto
Superior Tcnico(cadeira de Sociologia Geral dos cursos de
Engenharia)Obs.: tambm nas Faculdades de Cincias que os alunos
deArquitectura frequentam a cadeira de Sociologia Geral.
b) Instituto Superior de Agronomia(cadeira: Histria da
Agricultura. Sociologia Rural)
c) Escola Superior de Medicina Veterinria(cadeira: Sociologia
Rural)
O 7. estabelecimento, que constitui a excepo referida na citao
apresen-tada, e no qual existem vrias cadeiras de ndole sociolgica,
o:
Instituto Superior de Cincias Sociais e Poltica Ultramarina.Cf.
[10 .6], p. 9.
Pelo decreto n. 48 626, de 12 de Outubro de 1968, que
reorganizou oplano de estudos da Faculdade de Economia do Porto,
foi includa, no 1. anoda licenciatura em Economia, professada nessa
Faculdade, uma cadeira deIntroduo ao Estudo das Cincias
Sociais.3
Sobre os antecedentes da sociologia no nosso Pas poder
consultar-se: F. FALCO MACHADO, Sociologia em Portugal (Separata do
jornal
Expanso, s. d., 9 pp.)., contudo, conveniente ter em conta que o
A. utiliza o termo Sociologianuma acepo demasiadamente
compreensiva, donde resulta aparecerem refe-ridos sob essa designao
iniciativas e trabalhos que s remotamente se
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social. [...] poderia algum levantar objeces com base
emargumento de actualidade, por virtude das alteraes que
maisrecentemente se produziram no estado de coisas que
originavaaquela afirmao.
Com efeito, se se percorrer o volume, editado em 1966
peloMinistrio da Educao Nacional, acerca das Possibilidades
Edu-cativas em Portugal ([5]), verificar-se- ser possvel, no
mo-mento actual, obter-se no nosso Pas uma licenciatura em
So-ciologia (ob. cit., p. 146) e uma licenciatura em
PsicologiaAplicada 3a (ibid.), assim como a licenciatura em Servio
Social(idv p. 124) alm da licenciatura em Cincias Sociais e
Po-ltica Ultramarina3b.
Poderia ainda acrescentar-se que existe um Instituto de Es-tudos
Sociais30 (Ministrio das Corporaes) donde saem diplo-mados quer de
um Curso de Administrao Social de Empresasquer de um Curso de
Poltica Social; e tambm uma Escola Su-perior de Organizao Cientfica
do Trabalho, anexa ao InstitutoSuperior de Lnguas e Administrao
(instituio privada), cujodiploma de Conselheiro de Organizao
Cientfica do Trabalhoe Relaes Humanas na Empresa implica uma opo
entre trsseces distintas, das quais duas so: Sociologia Industrial
eRelaes Humanas, e Psicologia Industrial. A esta lista seriaainda
possvel juntar os cursos ministrados, desde longa data,nos
Institutos de Servio Social, de Lisboa e do Porto, e naEscola
Normal Social, de Coimbra. E se se quisesse ir at ao en-sino
secundrio-mdio, dever-se-ia referir, entre outros, algunsdos cursos
dados pelos estabelecimentos que, na publicao acimacitada, aparecem
sob a rubrica Novas escolas particulares,correspondentes s novas
exigncias da vida social e econmica,como por exemplo o Instituto de
Novas Profisses. (Em termosno j de cursos, mas de cadeiras,
poder-se-ia tambm relembraras que existem em escolas superiores de
outros ramos cientficose profissionais veja-se a nota2).
ligam com o sentido restrito em que o mesmo vocbulo empregado no
pres-sente escrito.
Convir ainda completar a leitura do artigo mencionado com a deum
outro no qual lhe so feitas certas crticas:
A. da SILVA LEAL, A Sociologia em Portugal (Estudos Sociais
eCorporativos, ano II, n. 6, Abril-Jun. 1963: pp. 131-136).
3a Alis ainda no oficializada.
3b Posteriormente redaco do presente artigo foi criado
(despacho
ministerial de 29-8-68), tambm no I. S. C. S. P. U., um Curso
Complementarde Cincias Antropolgicas.
3c Posteriormente redaco do presente artigo, o decreto n. 48
429,
de 11 de Setembro de 1968, veio determinar que o ingresso no I.
E. S. exigissehabilitaes correspondentes ao curso complementar dos
liceus, cessando apossibilidade de inscrio apenas com o 5. ano.
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Perante tal enumerao de diplomas e estabelecimentos deensino,
poder parecer, pelo menos, paradoxal continuar a afir-mar-se no
existir em Portugal a possibilidade de formar umnico especialista
em cincias sociais e humanas. Ora meu pro-psito salientar que me
parece manter-se aquela concluso, no-essencial, ainda vlida.
Porque, na realidade, o paradoxo saparente como uma anlise mais
cuidada do problema facil-mente pe em evidncia.
5. Retomemos os cursos enunciados. evidente podermos deixar j de
lado as novas escolas
particulares do ensino secundrio-mdio que manifestamenteno
pretendem formar especialistas em cincias sociais e
con-centrarmo-nos nos ensinos de nvel superior.
Consideremos primeiro, at porque exemplar, o caso do Ser-vio
Social. Mesmo que se no queira ir to longe como JeanSTOETZEL na sua
boutade: o Servio Social exactamente ocontrrio da Sociologia4,
foroso ser reconhecer que ileg-timo identificar os dois termos da
comparao como, de resto,foi posto em evidncia ainda recentemente em
Anlise Social,quer directamente numa nota sobre Servio Social e
Sociolo-gia, quer indirectamente a propsito da distino que
neces-srio operar entre problema social e problema sociolgico 5.Na
realidade e esta distino vai ser til para todo o resto dapresente
anlise na cincia (sociolgica ou outra) o que estem causa so
problemas de conhecimento, enquanto que no Ser-vio Social, como
noutras formas de interveno na sociedade, oque est em causa so
problemas de aco seja qual for ograu de informao de cunho cientfico
e/ou a extenso das tc-nicas da mesma origem que venha a ser
necessrio utilizar paraa sua resoluo. E interessa ainda salientar
que esta distinoentre problemas de conhecimento e problemas de aco
arrastauma consequncia importante: se verdade que a prtica
cient-fica, porque prtica tambm, implica referncia a valores,
estesso s os valores do prprio conhecimento, enquanto que a
acosocial, a prtica social sobre a sociedade (incluindo aquela
queexija a utilizao de conhecimentos de origem cientfica)
refe-re-se necessariamente a valores sociais, doutrinas,
ideologias, isto: no dispensa uma axiologia consciente ou
inconsciente, ex-
4 Em: Seminrio do doutoramento de investigao, Sorbonne,
191/5/64.
5 M.a Suzana de ALMEIDA, Servio Social e Sociologia : relaes
m-
tuas (Anlise Social, vol. V, n. 17, 1. trim. 1967 : pp.
104-107). M.ft da Conceio TAVARES DA SILVA, Reflexo sobre o
conceito de
problema social I (Anlise Social, vol. V, n. 17, 1. trim. 1967
:pp. 5-22) ; cf. pp. 7-9.
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plcita ou implcita referida prpria sociedade. Quando STOE-TZEL
diz ser o Servio Social exactamente o contrrio da Socio-Jogia,
procura ele pr em evidncia o facto de que os princpiosque orientam
o Servio Social e lhe do sentido, constituem umobjecto de anlise
cientfica e no o pressuposto desta.
Voltemos ao problema central que nos ocupa neste ponto:creio ter
deixado bem evidentes os motivos pelos quais no possvel considerar
um curso de Servio Social como um ensinofulcral de cincia do social
por muito intensa que seja a uti-lizao de um saber de raiz
cientfica que nele se faa. O ServioSocial um consumidor de produtos
cientficos (entre outros),mas no um produtor dos mesmos ou s muito
acessoria-mente o , e esta diferena repercute-se necessariamente
aonvel do ensino.
Consideremos seguidamente os restantes cursos antes
refe-ridos.
Os anncios, periodicamente insertos na imprensa diria,acerca da
Escola Superior de Organizao Cientfica do Trabalho,apontam a formao
de Tcnicos de administrao e psicologiaindustrial e de Peritos em
relaes humanas na empresa6.Tcnicos ou Peritos, ainda de aplicadores
que se trata eno de cientistas. Distintos embora dos agentes de
Servio Socialpela menor implicao axiolgica, pelo menos explcita,
aindaaqui encontramos consumidores parcelares e no produtores
decincia do social. Anlogo tem sido, no fundo, o significado
doInstituto de Estudos Sociais, ainda que diversa seja a prepara-o
fornecida, pois que visa ocupaes profissionais
distintasdaquelas.
Quanto licenciatura em Psicologia Aplicada, a prpriaincluso no
ttulo do adjectivo aplicada incluso corrects-sima e de louvar
traduz claramente o tipo de preparao aque corresponde e as
actividades profissionais com ela visadas-De notar ainda a
componente extra-cientfica, includa na defi-nio do quadro geral no
seio do qual se situam os ensinamentosministrados no I.S.P.A., pois
que este, pertencente s Congrega-es Religiosas Masculinas e
Femininas de Portugal, declara in-tegrar-se nos princpios da
antropologia e mundivivncia cris-ts 7.
No que toca ao I.S.C.S.P.U., nico de entre os estabeleci-mentos
citados a pertencer Universidade e deixando de parte
6 Cito estes anncios por neles ter vindo a encontrar indicadas
estas
designaes aplicadas aos diplomados pela E.S.O.C.T.; em [5]
apenas refe-rido o ttulo de Conselheiro [...], mencionado mais
atrs.
7 A frase citada encontra-se num folheto editado pelo I.S.P.A. e
aparece
reproduzida em [5], p. 146.
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a licenciatura em Servio Social, pelo que j disse a respeitodo
Servio Social em geral importa salientar o carcter que,sem qualquer
conotao pejorativa, poderemos dizer hbrido,da formao sancionada
pela licenciatura em Cincias So-ciais e Poltica Ultramarina. Com
efeito, o grau conferido produto de uma evoluo institucional bem
conhecida cor-responde preparao fornecida pelo Curso de
AdministraoUltramarina, acrescida da que ministrada no Curso
Comple-mentar de Estudos Ultramarinos; destes cursos fazem
partediversas disciplinas, quer de ndole sociolgica ou
antropolgica,quer de cunho econmico, quer do campo das Relaes
Interna-cionais; mas o elenco de matrias comporta, como
natural,grande nmero de cadeiras dedicadas a problemas do
Ultramar,as quais, mesmo quando estreitamente relacionadas com as
cin-cias sociais, necessariamente tero um carcter mais de
cinciaaplicada ou de tcnica social do que de cincia
fundamental.Assim, tambm neste caso no parece que se tenham
atingidoainda as condies de diferenciao-centrao que
corresponde-riam a uma real formao fulcralmente cientfica (no
sentidorestrito em que tenho vindo a usar o termo) em matria de
conhe-cimento social, isto : de preparao especfica de
especialistasem cincias sociais.
Propositadamente deixei para o fim o caso da licenciaturaem
Sociologia, por ser aquele que mais pode dar lugar a con-fuses pelo
menos se apenas se atender ao ttulo. esta umadas duas licenciaturas
susceptveis de serem obtidas no Ins-tituto de Estudos Superiores de
vora cujo objectivo mais im-portante consiste na formao de
dirigentes de empresas atra-vs dos seus dois Institutos, o Econmico
e o Social ([5], pp.144-146), tambm designados como Seces ou
Faculdades de Eco-nomia e Sociologia 8. Do curso de socilogos se
diz que tempor fim principal preparar dirigentes competentes
sobretudo paraas obras sociais das Empresas ou de outros Centros em
que oprogresso social deva surgir com o progresso econmico,
propor-cionando] contudo juntamente com slida formao econmicaum
conhecimento cientfico da sociologia e dos seus mtodos deinvestigao
9. Como se v, as designaes socilogos e licen-ciatura em Sociologia
so utilizadas em sentido imprprio, umavez que se aplicam a um curso
cujos objectivos so afinal seme-lhantes aos que norteiam a preparao
fornecida pelo Institutode Estudos Sociais ou pela Escola Superior
de Organizao Cien-
8 Estudos Eborenses (edio e propriedade do Instituto de Estudos
Su-
periores), n. 2, 1967, p. 91.9 Frase que consta de um folheto
editado pelo referido Instituto
(e reproduzida quase textualmente em [5], p. 145).
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tfica do Trabalho. Sem dvida, h que assinalar um aspectopositivo
e importante na criao daquela licenciatura em Socio-logia:
aceitou-se, pblica e oficialmente, pela primeira vez emPortugal, a
existncia de uma licenciatura com tal designao.Mas no se pode
deixar de notar que, atribuindo o ttulo de so-cilogos que, por
definio, s podem ser especialistas deum determinado ramo das
cincias sociais a profissionais cujacompetncia esperada diz
respeito direco de obras sociais,se est a cimentar o tipo mesmo de
confuses que importariadesfazer, dificultando a conscincia da
distino atrs apontadaentre problema social e problema sociolgico,
perpetuandoas amlgamas conceituais conhecimento-aco (que impedem
apercepo das articulaes complexas que se estabelecem entreestes
dois nveis) e agravando a tendncia a considerar o soci-logo, na
melhor das hipteses, como puro tcnico de inquritos
10.Evidentemente, estas observaes nada tm que ver com a qua-lidade
intrnseca ou com a utilidade social do curso ministradono Instituto
de Estudos Superiores de vora, acerca das quaisno cabe
pronunciar-me aqui.
6. A concluso deste ponto est j expressa naquilo queacima fui
apontando. Desde que nos refiramos a uma reflexosobre a noo de
cincia e o respectivo estatuto, assim como ssuas implicaes, quer no
tocante articulao entre o conheci-mento cientfico e as aplicaes,
quer quanto s exigncias dadecorrentes relativamente aos aspectos de
formao, uma anlisemais cuidada da preparao que conduz aos ttulos
mencionados(ou que fornecida pelos cursos referidos) e dos
objectivos visa-dos por essa preparao, pe em evidncia que no existe
aindaentre ns a possibilidade de uma real formao em qualquer
dascincias sociais ou humanas.
Se quisermos esquematizar os traos essenciais sacrifi-cando
eventualmente as excepes^ por muito meritrias que se-jam, j que no
atingem a massa crtica, o limiar crtico, quelhes conferiria
importncia estrutural podemos dizer que emPortugal se ensinam
Tcnicas Sociais, mas se no ensinam pro-priamente Cincias Sociais.
Fornecem-se preparaes profissio-nais com objectivos essencialmente
prticos nalguns dos casos,associados a preocupaes axiolgicas bem
patentes, mas nose formam cientistas sociais.
Querem-se tcnicos e acaba-se por criar escolas para atin-gir
esse objectivo; mas no se criam os meios de fornecer a for-mao
bsica, fundamental, sem a qual no h cincia que ali-
1(> Ver, a este respeito: [11.a], p. 68.
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mente a preparao tcnica. Querem-se utilizadores, consumi-dores
intermdios, de cincia do social, mas no se formam pro-dutores da
mesma: e aqui se situa, sim, o paradoxo efectivo.
B. Anlise das Alteraes Recentes
7. Tentei caracterizar, com base em certas distines queconsidero
fundamentais, a situao actual do ensino superior donosso Pas no que
respeita aos cursos que mais de perto tm a vercom as cincias
sociaisri. Sucede, porm, que houve, de facto, umaevoluo nessa
situao a partir de 1960, e nomeadamente desde1963, pois que desde
ento foi criada a maior parte dos cursose/ou licenciaturas atrs
referidos. No basta, assim, caracte-rizar a situao actual para a
compreender, e para sugerirsolues aos problemas pendentes,
necessrio se torna tambminterpretar essas alteraes.
Percorram-se os folhetos ou at mesmo os textos oficiais
re-ferentes aos vrios cursos de criao recente. Nos pargrafos emque
so anunciados os motivos dessa criao e/ou os respectivosobjectivos
e finalidades, aparecem geralmente consideraes ten-dentes a
relacionar os novos tipos de escolaridade, ao nvel m-dio e
superior, com o nmero crescente de novas actividadesprofissionais,
correspondentes s novas exigncias da vida so-cial e econmica ([5],
p. 94).
De facto, com a evoluo das prprias actividades econ-micas e das
suas exigncias internas e tambm porque, conco-mitantemente, nos
meios dirigentes dessas actividades se tomouprogressivamente
conscincia da necessidade de dispor de certotipo de pessoal
qualificado conscincia a que no decerto es-tranha a maior abertura
a certos exemplos estrangeiros, a difusoda organizao [dita]
cientfica do trabalho, etc. comeou aavolumar-se no mercado do
trabalho uma procura de tcnicoscuja formao incluiria, em maior ou
menor grau, matrias doforo das cincias sociais e humanas.
Ou seja, se se quiser esquematizar em termos
funcionalistas:porque houve um certo nmero de alteraes no plano do
sistemaeconmico, delas resultou uma modificao qualitativa da
procurano mercado do trabalho. E porque no havia oferta que
corres-pondesse a essa procura diferencial, entraram em jogo
meca-nismos sociais redutores de tenses o que significava nestecaso
eliminar uma carncia , que se traduziram pela criao decerto tipo de
cursos.
11 Relembre-se o sentido em que esta expresso utilizada ao longo
do
presente artigo, tal como foi indicado no ponto 2.
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8. Mas tudo isto merece anlise mais atenta. Partiram osestmulos
para a ruptura do anterior statu quo s do nvel dosistema econmico?
A resposta final foi adequada ao estmuloinicial e era a nica
possvel? suficiente uma anlise centradano mercado do trabalho? Que
outros factores entraram emjogo? E ainda: uma anlise de tipo
funcionalista a mais per-tinente para dar conta deste fenmeno?
Tentarei, ainda que bre-vemente, fornecer algumas respostas.
Como se sabe, a delimitao do sistema central ao qual seaplica
uma anlise relativamente secundria, desde que se faamintervir como
variveis externas e/ou como condies aos limi-tes 12 os factores que
exeram uma influncia sobre o fenmenoem causa e que no possam ser
considerados no interior do ditosistema (em funo da definio do
mesmo); se necessrio,guarda-se assim a liberdade de delimitar o
sistema central s emcorrespondncia com as finalidades da anlise, e
assegura-se aadequao realidade atravs do jogo das referidas
variveisexternas. Em termos do que acima se indicou, se se
pretendessecentrar a anlise no mercado do trabalho pois que nele
sevieram a manifestar as tenses que provocaram a respostacitada
ser-se-ia levado, para obter uma explicao suficiente-mente
completa, a considerar como condies aos limites (in-cluindo as
eventuais estacionaridades de algumas variveis) fac-tores que a
prvori aparecem como muito relevantes. Mais valeento j que os fins
da presente anlise no determinam par-ticular vantagem na centrao
sobre o mercado do trabalho alargar o sistema objecto de anlise por
forma a tornar internasalgumas, pelo menos, dessas (em sentido
generalizado) variveisexternas.
9. Alargue-se ento a anlise. Assim, se considerarmos,
porexemplo, os fenmenos tendentes a uma planetarizao resultantedo
intenso desenvolvimento dos meios de comunicao-informa-o (por
demais j postos em evidncia para que se justifiqueproduzir
argumentos em abono desta afirmao), e ainda que setenham em conta
os factores de controle-perda de informao queentre ns possam jogar
neste caso especfico, no parecer des-cabido pensar-se que outros
estmulos, alm dos provenientes dosistema de produo de bens e
servios atravs do mercado dotrabalho, poderiam provocar uma procura
social (em sentidogenrico) de cincia do social. Com efeito, num
mundo onde seassiste a uma rpida evoluo e a uma grande difuso deste
tipo
12 As condies aos limites compreendem o conjunto dos
parmetros
exteriores e dos dados iniciais.
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de saber, para mais sob forma por vezes conflitual,
estranhoseria tendo em conta a referida tendncia, para a
planetari-zao, e ainda os nossos pontos de referncia culturais,
quese no manifestasse entre ns interesse por essas matrias;
queassim prova-o bem a profuso de colquios sobre temas comelas
relacionados, assim como as reiteradas solicitaes e ml-tiplas
referncias necessidade que haveria, para esclarecer esteou aquele
aspecto, de se dispor de cientistas sociais de
vriasespecialidades.
Posto o problema nestes termos, no surpreende que se te-nham
criado os cursos que atrs referi; o que aparece como es-tranho que
s esses tenham sido criados. E por isso se tornanecessrio
introduzir ainda novas variveis na anlise emborao esquema que as
integra deva ser apresentado com estatuto dehiptese.
Grosso modo, pode dizer-se que, se a um estmulo inicialda ordem
daquele que apontei veio a corresponder a respostasocialmente
concretizada que se conhece, necessariamente fun-cionaram
obstculos, resistncias, e que, tendo em conta o pro-cessamento dos
mecanismos em jogo, se trata forosamente deresistncias
institucionais 15.
Detenhamo-nos um pouco neste ponto. Consideremos de novoos
cursos que foi socialmente possvel criar e a sua caracteriza-o:
como vimos, trata-se no essencial^ de ensinos na sua maio-ria fruto
de iniciativas privadas, s parcelarmente utilizadores
dosconhecimentos que relevam das cincias sociais, visando quase
ex-clusivamente a preparao de tcnicos, para actividades de
apli-cao, ou de dirigentes de carcter administrativo. O mesmo
dizer-se que se est perante uma resposta distorcida relativa-mente
procura social genrica de cincia do social. Distorcidaporque: 1.)
as aspiraes a uma formao de base (no direc-tamente concebida com
vista s carncias imediatas verificadasno mercado do trabalho) no
receberam qualquer satisfao,dando quando e se apenas lugar a
actividades de tipo fraca-mente compensatrio, da ordem de colquios,
mesas redondas,seminrios, etc; 2.) nem sequer a fraco da procura
genricaque resulta das exigncias directas do sistema de produo
debens e servios recebeu cabal satisfao, pois que por exemplo
asfunes profissionais que exigiriam uma formao
propriamentesociolgica no podero ser satisfatoriamente
desempenhadas pe-
13 Evidentemente, o termo institucional utilizado aqui no em
sentido jurdico, mas no seu sentido sociolgico.14
Quanto mais se caminha do plano dos casos particulares parao
nvel societal, mais se metodologicamente obrigado a diminuir a
relevnciaatribuda s excepes.
708
-
los diplomados ou licenciados fornecidos pelos cursos
actuais15.Temos ento, em resumo: criao a latere, ou tolerncia
espor-dica e limitada, de substitutos funcionais parcelares
algunsmais nominais do que efectivos , ou de actividades
subcompen-satrias.
Sendo assim, interessa aclarar a significao da actuao so-cial de
resistncias institucionais que conduziu a este resultado16.
10- Foi Alain TOURAINE que referiu ([29], p. 459) a im-portncia
de se reconhecer a natureza contraditria das socie-dades que
participam da civilizao industrial e que so ao mesmotempo
tradicionais e tambm que participar da civilizao in-dustrial
implica apelar para os modelos racionalizadores (nosentido
weberiano cf. [25], p. 172), enquanto que a sociedadetradicional se
refere s caues meta-sociais da ordem social(TOURAINE, passim). Ora,
como nota o mesmo autor, a socio-logia cientfica no se formou por
acaso ou como resultante deum trabalho paciente de acumulao e
explicao das suas mar-ches. Ela situa-se historicamente, como
qualquer outro tipo deconhecimento, mas, situada como cincia e no
como doutrina,formou-se somente com o nascimento da civilizao
industrial
15 Veja-se a este respeito: [10.a]> p. 462. Por outro lado, e
tomando
apenas um exemplo: vo crescendo as solicitaes para a realizao de
inqu-ritos de ndole sociolgica ou psicossociolgica; mas para
fornecer respostascorrectas aos problemas formulados pelas
entidades que solicitam esses estu-dos, necessrio se yai tornando
ultrapassar a pura recolha do factual, o sim-ples inqurito social,
o estudo descritivo, socio-grfico, elementar, e atingiro plano da
elaborao terica e conceituai, da socio-logia com todos osproblemas
de rigor metodolgico (e no simplesmente tecnolgico, como
dema-siadamente se tende a pensar) que ento se colocam. Quantas
pessoas haverem Portugal capazes de transcrever um problema dito
concreto em lingua-gem de anlise cientfica, de elaborar o esquema
terico que lhe corresponda,de fazer a passagem deste para o plano
de anlise dos dados a recolher, deassegurar a validade operatria
dessa recolha, etc., em suma: de estabelecere controlar de forma
correcta um plano de investigao sociolgica investi-gao pura ou
aplicada, pouco interessa aqui completo?
Mais adiante se apresentam argumentos em abono da posio de
quedecorrem estas consideraes.
16 Como se sabe, uma anlise pode ser conduzida numa
perspectiva
funcionalista (nomeadamente se alargada pela incluso de noes
como a dedisfuncionalidade ou a de substitutos funcionais), mas
pode tambm, porexemplo, orientar-se preferentemente para o estudo
das estruturas ou aindapara a pesquisa do sentido-significao. At
aqui utilizei, para a abordagemdo problema em causa, essencialmente
um modo de anlise correspondente aoprimeiro daqueles tipos. Convir
agora, para por em relevo outra espciede mecanismos, se no
enveredar abertamente por um modo de anlise exclu-sivamente do
terceiro tipo, pelo menos entrar em conta com elementos quedele
relevam.
709
-
[...]; e a mais fundamental Ldas suas caractersticas
cient-ficas] consiste em eliminar qualquer referncia, explcita ou
im-plcita, a absolutos meta-sociais ([29], pp. 457-458). A
pri-meira condio de uma anlise sociolgica o reconhecimento
danatureza social dos factos sociais ([29], p. 40),
Por outro lado, numa comunicao acerca de Desenvolvi-mento e
modernizao da sociedade portuguesa, apresentada em1965, A SEDAS
NUNES depois de apontar o contraste entreuma sociedade tradicional,
que essencialmente repositrio dopassado [...] e uma sociedade
moderna, que essencialmente la-boratrio do futuro, e de lembrar que
uma sociedade voltadapara o futuro [...] contesta, pe em causa e
discute o que nela herana do passado notava: alguns desejariam que
essa con-testao, inelutvelmente implicada no processo de
desenvolvi-mento, se confinasse em sectores bem delimitados,
deixando tudoo mais inclume ([2],p. 248).
Confrontemos estes dois grupos de citaes e retornemos aquesto
acima posta: porqu as resistncias institucionais? Noser que se
receia que as cincias sociais representem um prin-cpio de contestao
generalizada, que ponha em causa as cau-es meta-sociais da ordem
social? Industrialize-se (j que ano h alternativa possvel) ou seja:
apele-se para os mode-los racionalizadores na esfera da organizao
da produo (porexemplo, a organizao cientfica do trabalho, etc), mas
man-tenha-se circunscrito esse apelo; no restante continue-se,
tantoquanto possvel, a tomar como referncia os absolutos
meta-so-ciais (que constituem parte da herana do passado),
Participe--se da civilizao industrial no que toca produo, mas
pro-cure-se manter a sociedade tradicional.
E sendo assim no custa a perceber a razo de ser da ausn-cia
entre ns, por exemplo, de sociologia. Permita-se-me salien-tar e
foi nesse sentido que no incio do artigo referi o seucarcter
paradigmtico que exactamente a sociologia, de en-tre as vrias
cincias sociais, a que mais se presta a servir deteste, aquela cujo
lugar numa determinada sociedade mais cla-ramente significa acerca
dessa sociedade, justamente por ser aocontrrio, p. ex., da
Economia17 a que mais dificilmente sedeixa reduzir a mero
utilitarismo; como diz ainda TOURAINE: umasociologia das sociedades
industriais ou em vias de industriali-zao tanto mais necessria
quanto ela representa cada vezmais uma reflexo crtica das nossas
sociedades sobre si mesmas,Da tambm a fora dos obstculos com que
depara ([27], p. 98).
17 Vd. [.6], p. 1003, e cf. [7], p. 1027.
710
-
11. Resta ainda elucidar um ponto: porqu terem sido, ape-sar de
tudo, possveis os tais substitutos funcionais parcelares,porqu ter
havido resposta, ainda que distorcida? Vrios ele-mentos de resposta
encontram-se j esparsos ao longo do textoprecedente; podemos
resumi-los em termos de reduo de ten-ses manifestadas no mercado do
trabalho, satisfao de cer-tas necessidades do sistema de produo de
bens e servios; epoder-se- provavelmente acrescentar-lhes uma certa
tendnciapara se no se aparecer internacionalmente como demasiado
re-tardado em matria de evoluo cultural. Interessa mais, porm,pr
porventura em evidncia outro aspecto: que um substitutoparcelar
quando o seccionamento se faz segundo os critrioslatentes que
correspondem ao presente caso no s uma res-posta reduzida, no uma
resposta em escala reduzida: umaresposta outra outra porque
tecnicista, estritamente utilitarista,em vez de cientfica no fundo
anti-cientfica. O que, diga-se depassagem, ainda mais grave
perigoso no caso das cinciassociais do que em qualquer outro tipo
de disciplinas. Mas a tudoisto se far adiante referncia mais
detalhada.
II
PARA UMA FORMAO EM CINCIAS SOCIAIS12. Tentei at aqui
caracterizar, ou analisar, a situao do
ensino das cincias sociais entre ns, assim como as suas
recen-tes alteraes. Tentarei agora fornecer uma contribuio
paranovas alteraes necessariamente mais radicais, j que se
tra-taria de criar um verdadeiro ensino de cincias sociais,
possibi-litando uma real formao nessas matrias.
Para tal, interessa considerar, quer os imperativos externosem
nome dos quais se pode (deve) insistir na criao duma for-mao dessa
ordem, quer os seus requisitos internos, as exignciasque decorrem
da sua prpria natureza e especificidade. Na im-possibilidade, porm,
de tratar exaustivamente a questo parao que seria necessrio no um
artigo, mas um livro abordareiapenas alguns desses imperativos e
requisitos, seleccionados oupela sua importncia intrnseca ou por
nem sempre serem osmais apontados.
A. Imperativos Externos
13. Pode pr-se o problema: para alm da satisfao dacuriosidade,
da vontade de saber e de cientificamente saber para qu dermas
sociais? A resposta pode ser dada por refe-
111
-
rncia quilo que constitui o desafio maior do nosso tempo: o
de-senvolvimento. verdade que este tema as cincias sociais eo
desenvolvimento tem sido amplamente tratado numa litera-tura que
vai sendo j internacionalmente abundante. Mas no menos verdade que,
nomeadamente num certo nmero de pases,entre os quais o nosso,
existem to poucos indcios concreti-zao social de percepo do
problema, que vale a pena repi-s-lo.
Como escreve Friedrich SCHNEIDER, Presidente do ComitInterino da
Conferncia Ministerial sobre a Cincia, da O.C.D.E.,no prefcio ao
relatrio sobre As cincias sociais e a polticados governos18: numa
poca marcada pelo desenvolvimento r-pido do progresso cientfico e
tcnico, particularmente visvel naindustrializao e nas modificaes
que da resultam para a cul-tura e para as sociedades, as cincias
sociais tm um papel vitala desempenhar para que se torne possvel a
identificao, a com-preenso e a interaco dos problemas humanos e
sociais levan-tados pelos rpidos progressos da cincia, cia tcnica e
da meca-nizao. Por isso tm necessariamente uma contribuio a dar
aodesenvolvimento das nossas sociedades e da civilizao [...]([23],
p. 7). Em termos de aco, o conhecimento cientfico uma mediaoe no a
nica; mas uma mediao cada vez me-nos dispensvel. E quando a aco
visa explcita e directamentea sociedade, o conhecimento do social
verdadeiramente impres-cindvel, sob pena de se multiplicarem as
actuaes ineficazes,quando no at o agravamento das situaes a
corrigir.
A ilustrao das consideraes precedentes pode ser feita nosmais
variados campos. Entre os mais importantes encontra-se o
doplaneamento- O desenvolvimento no apenas uma situao, mastambm uma
aco voluntria e uma reivindicao como temvindo a ser lembrado com
insistncia por, entre outros, AlainTOURAINE19. Ora, a planificao
(ou pode ser) justamente umdos instrumentos privilegiados dessa aco
voluntria tendentea promover o desenvolvimento. Trata-se, porm, de
um instru-mento exigente e difcil. A esse respeito se diz, ainda no
referidorelatrio da O.C.D.E.: [...] os processos de planificao
cadavez se revelam mais complexos e difceis de manejar. O esforode
previso no pode satisfazer-se com projeces ou com extra-polaes,
deve apoiar-se numa viso clara das interdependnciassociais. [...] O
desenvolvimento j no pode exprimir-se unica-mente em termos de
investimentos e de produo, de priorida-
18 Deste relatrio e da reunio que o originou foi dada notcia
em
Anlise Social, vol. IV, n. 14, 2. trim. 1966, p. 355.19 P. ex.,
em: Alain TOURAINE, Le rationalisme liberal de Michel
Crozier (Sociologie du Travail, 6e anne, n. 2, Avr.-Juin 1964:
pp. 188-197),p. 192.
712
-
des a estabelecer entre dados econmicos somente. [...]Um
grandenmero de projectos que se justificam perfeitamente sob um
pontode vista econmico requerem, para alcanarem sucesso,
conheci-mentos psicolgicos, sociolgicos, culturais, cuja ausncia ou
insu-ficincia comprometem a aplicao das decises. ([23], p. 19).
Do mesmo teor so as consideraes de Claude GRUSONdirector-geral
do Instituto Nacional de Estatstica e dos Estu-dos Econmicos
(Frana) e, nessa qualidade, personagem dasmais responsveis no
sistema francs de planificao , quer numartigo cuja traduo foi
publicada em Anlise Social ([2]), quernoutros textos e
intervenes20.
Por outro lado, se se considerar, no o objecto do planea-mento,
mas o prprio planeamento como objecto, pode acentuar-se, como
Michel CROZIER, que se torna indispensvel conheceros limites de
ordem essencialmente psicossociolgica que pesamsobre as decises e
encontrar os processos de integrar tal conhe-cimento num raciocnio
global ([1], pp. 75-76).
14. Mas no s relativamente Economia e s suas apli-caes que as
restantes cincias sociais aparecem como devendofornecer um
contributo importante como tambm no bastaafirmar que a necessidade
de uma poltica organizada da cin-cia, reconhecida no caso das
cincias exactas e naturais, nosurge como menor no caso das cincias
sociais ([23], p. 7).
No h que argumentar a todo o custo em termos de umaespcie de
paralelismo ou simetria entre, por um lado, as cin-cias exactas e
naturais e, por outro lado, as cincias sociais ehumanas. Porque,
como tambm se diz no j citado relatrio daO.C.D.E. depois de se
sustentar que as cincias sociais devemestar representadas nos
organismos consultivos encarregados deaconselhar os governos em
matria de poltica da cincia , estarepresentao desejvel no apenas
para o desenvolvimentocoerente das prprias cincias sociais: tem
interesse directo paraas cincias exactas e naturais, dada a
importncia dos factoressociais e econmicos em jogo na aplicao dos
seus prprios re-sultados ([23], p. 79). Dizia-o j J. D. REYNAUD
(quando aO.C.D.E. no tinha ainda publicado este relatrio e se
referiaapenas s cincias em geral): Com efeito, para um
socilogoseria estranho que se falasse dos efeitos da cincia nas
nossassociedades e do uso que estas dela podem tirar sem nos
aperceber-mos de que este problema no exige apenas uma tomada de
cons-cincia, mas necessita um estudo; mais exactamente um estudode
cincias sociais, pois se trata de compreender como se desen-volvem,
se organizam e se difundem nas nossas sociedades o en-
2 V d o p. ex.: [17].
713
-
sino e a investigao. Por outras palavras, parece-nos que
ascincias sociais devem ser includas num tal projecto por
duasrazes: primeiro, porque elas fazem parte das cincias, com
umlugar modesto, mas com problemas particulares; depois, porqueelas
podem, por excelncia, fornecer o meio de analisar os dadossobre os
quais se apoia qualquer poltica cientfica ([&4], p. 229).
Anlogas posies tm j sido tomadas entre ns, e nestamesma revista,
por exemplo as de M. MURTEIRA ao referir-se aO planeamento da
Investigao Cientfica nos pases em desen-volvimento ([6]). E vem a
talhe de foice lembrar o que, j em1954, escreveu Pierre DE BIE numa
publicao da U.N.E.S.C.O.,pois que, embora incluindo uma afirmao
manifestamente exa-gerada, tem o mrito de salientar um ponto
essencial: No querespeita aos pases menos desenvolvidos, talvez nem
sempre setenha suficientemente reconhecido que as suas necessidades
nadomnio das cincias socio-culturais so muito mais imperiosasdo que
no das cincias da natureza. Um pas menos desenvolvidopode muito bem
dispensar laboratrios de qumica ou de fsicae utilizar os resultados
de investigaes feitas noutros pases,enquanto que no pode dispensar
investigaes sobre os seus pro-blemas sociais e culturais: aqui a
matria a estudar originale comporta repercusses particulares. no
prprio local que necessrio estudar o problema e procurar-lhe a
soluo ([15],p. 29).
15. Cabe ainda referir aqui um outro aspecto importanteda
poltica da cincia, no caso particular dos pases menos
desen-volvidos.
sabido que numa poltica da cincia h que distinguiruma poltica
pela cincia conjunto de disposies tendentesa utilizar da melhor
maneira os resultados e as possibilidadesoferecidas pelo
conhecimento cientfico em todos os sectores davida nacional e uma
poltica para a cincia: conjunto dedisposies visando organizar e
estimular a expanso dos re-cursos cientficos e tcnicos, e assegurar
nomeadamente os meiosfinanceiros, materiais e humanos indispensveis
ao esforo de in-vestigao (cf. [23], p. 38-39). Ora, como sustenta
M. MURTEIRAno artigo acima apontado: no caso de um pas como
Portugal, mais decisivo o aspecto da poltica para a cincia do que o
as-pecto complementar: pela razo simples de que o escasso
poten-cial cientfico e tcnico disponvel, embora susceptvel de
melhorutilizao a curto prazo, entrava qualquer perspectiva de
melhoriasubstancial da situao existente ([6], p. 578).
Estas observaes dizem respeito ao potencial cientfico etcnico em
todos os ramos do conhecimento mas se encararmos especificamente o
caso das cincias sociais elas tomam ainda
tu
-
maior acuidade. Porque as possibilidades actuais de um
suficientedesenvolvimento destas cincias aparecem entre ns como
catas-trficamente diminutas, impe-se afirmar e repisar posies
dotipo das que foram citadas. E tanto mais quanto
aparecendooficialmente referida desde 1965 (na Proposta da Lei de
Meiose no relatrio do Oramento Geral do Estado para 1966) a
neces-sidade de uma poltica cientfica nacional e tendo sido
iniciadaa criao das estruturas institucionais que tomaro a seu
cargotal poltica pode o momento presente conter, no que toca
scincias sociais, quer o germe (que se desejaria efectivo)
dumaviragem fundamental, quer as condies do prolongamento dasua
situao actual; situao que de todas a mais desfavore-cida, no seio
do geral sub-desenvolvimento cientfico.
16. Foi posto em evidncia, nesta parte dedicada aos impe-rativos
de carcter societal, externos, que mais fortementerequerem a criao
de uma formao de especialistas em cinciassociais, o contributo que
o conhecimento cientfico do social podefornecer para (entre outros
aspectos) a formulao de decisesmais adequadas aos fins a atingir.
Convm, contudo, acrescentaralgumas consideraes a esse respeito, no
sentido de delimitaressa contribuiopor ser este um dos pontos em
que o rela-tivo desconhecimento, acerca da natureza e dos propsitos
destascincias21, mais frequentemente gera certo nmero de equvocose
de indevidas extrapolaes. Alm de que, como lembra aindaM. MURTEIRA:
a utilizao da Economia pela poltica social ambgua, e tanto pode
significar uma vontade de progresso, comoum disfarce de situaes
radicalmente avessas a esse progresso,apenas dispostas a
justificarem-se com o apoio dos cientistas e tc-nicos sociais ([7],
p. 1027). Ora, o que aqui se aponta relati-vamente Economia,
poderia igualmente dizer-se a respeito deoutros ramos do
conhecimento e de outras formas de interven-o; definam-se, pois, as
responsabilidades.
Conforme disse atrs, o conhecimento cientfico do socialconstitui
uma mediao cada vez mais imprescindvel para aaco sobre a sociedade,
para a interveno social. O trabalhode investigao pode tornar mais
claros os diferentes termos deuma escolha (cf. [23], pp. 32-33),
permite fundamentar a defi-nio de uma estratgia nomeadamente pela
anlise crtica dos
21 Jeanne PARAIN-VIAL abre o seu livro La nature du fait dans
les
sciences humaines (Paris, P.U.F., 1966) com a seguinte
advertncia: Estelivro destina-se muito menos aos especialistas das
cincias humanas, queconhecem melhor que ningum os limites da sua
cincia, do que ao sensocomum que espera delas demasiado ou
demasiado pouco.
115
-
mecanismos a pr em jogo e da articulao das diversas etapase das
medidas a tomar; mas no dispensa as opes sobre osfins a atingir. E
estes relevam, de facto, de escolhas inelutvel-mente polticas, que
necessariamente envolvem, ou os interessesdos grupos atingidos
pelas consequncias da adopo de estasou aquelas medidas, ou/e o
plano da doutrina e dos valores so-ciais. Como diz Jean
MAISONNEUVE: Nenhuma praxis pode dis-pensar uma axiologia e aqueles
que pretendem furtar-se-lhe optamna realidade por um activismo
manobrador, ou mistificador, ousimplesmente trapalho22. A
intensificao do investimentocientfico no processo de tomada de
decises permite efectiva-mente reduzir nestas a parte de
aposta-suputao que inevita-velmente contm e, concomitantemente,
deslocar para diferentenvel de generalidade-depurao a opo
valorativa; mas esta no nunca inexistente (contrariamente ao que,
implcita ou expli-citamente, se pressupe em certas iluses
tecnicistas). O conhe-cimento permite melhorar a adequao entre as
mediaes instru-mentais e os objectivos a atingir, assim como
aumentar aracionalidade interna quer de um sistema de meios quer
das suasarticulaes complexas com um sistema de fins; mas no
eliminaa necessidade de fixar esse sistema de fins 2j.
B. Requisitos Internos
17. At aqui, nesta II Parte, tenho considerado s a utili-dade
social (societal) do conhecimento do social e da o terempregue a
expresso: imperativos externos. Mas o conheci-mento tem as suas
exigncias especficas, os seus imperativosou requisitos internos.
Ele prprio produto social de uma prticasocial embora de uma prtica
cuja lgica interna a diferenciade outros tipos mais generalizados
so complexas as relaes--tenses24 que se estabelecem entre produo e
apropriao-uti-lizao dos objectos-conhecimento, como complexos so
tambmos processus de produo-criao, de transmisso-difuso ouainda de
codificao-aplicao. Dir-me-o que neste artigo se
tratafundamentalmente de ensino e que bastar considerar o que a
22 Jean MAISONNEUVE, Un schma d'intervention
psycho-sociologique
breve pour des collectivits structure simple (Revue Franaise de
Socio-logie, vol. VI, n 2, Avr.-Juin 19-65: pp. 191-202), p.
191.
23 Acrescento-se, j agora, que quando os agentes sociais dos
sistemas
de meios, esquecendo a natureza instrumental destes, tendam a
consider-loscomo autnomos, se entra numa via propriamente
patolgica.
24 No encontro outra forma de dar a ideia que corresponde ao
termo
francs rapport quando oposto a relation.
116
-
este diz respeito; mas a verdade que, sem ter em conta,
expl-cita ou implicitamente, o conjunto do ciclo e as
relaes-ten-ses entre os seus vrios momentos, se cair exactamente
nomesmo tipo de situaes patolgicas a que aludi, em 11., a prop-sito
da relao entre tcnica e cincia. Sempre que se isole umtermo
derivado, tender-se- para uma qualquer forma de dege-nerescncia que
pode ir at teratologia.
Porque o ensino difuso de conhecimento, no
convenienteconsider-lo sem referncia criao do mesmo. E porque ele
tambm transmisso de modos-de-fazer, preparao profissional,convir
interrogarmo-nos sobre a ligao entre a cincia e a tc-nica, entre o
saber e o saber-fazer.
18. As tcnicas, se encaradas na sua relao com o conhe-cimento
cientfico, aparecem como degradaes (de-gradaes).Necessrias,
certamente; mas, mesmo assim, resduos codifica-dos. Com o risco de
esclerose e, no limite, de coisificao e ritua-lizao, que da
resulta. Se uma tcnica isolada do saber quelhe deu origem, dois
tipos de deformao so de temer: um con-siste na reificao dos
conceitos e na sua eventual fetichizao,o outro (ligado, de resto,
ao primeiro) implica a perda da noo,quer dos campos de validade dos
resultados cientficos, quer dosdomnios de aplicao vlida dos
conceitos. que impedir a refle-xo ao nvel da teoria (no seu sentido
mais pleno, ou seja:incluindo a reflexo sobre a adequao do
conhecimento rea-lidade validade externa e sobre o rigor e coerncia
das arti-culaes tericas e das mediaes instrumentais validade
in-terna) significa eliminar a possibilidade de referncia
retroactivas instncias crticas. Ora, s a crtica dos sistemas
tericos per-mite pr em evidncia os seus fundamentos e os postulados
laten-tes, sem o que as aplicaes podem facilmente tornar-se
patol-gicas 25.
Referi j o maior perigo da reduo tecnicista no caso dascincias
sociais e humanas. Interessa indicar os motivos dessaafirmao. Um
deles evidente: as tcnicas derivadas destascincias aplicam-se,
imediata e no apenas mediatamente, aoshomens, com todos os riscos
que uma tal situao comporta.Mas outros motivos existem, que vm
acrescer os riscos de ma-nipulao e intoxicao eventualmente at sem
que deles sedem conta os respectivos agentes. JS que as cincias
sociais; so
25 evidente que se alude aqui a um processo social (sejam quais
forem
no interessa agora as suas implicaes ao nvel da actividade
cientficaindividual); enquanto prtica social que o conhecimento
cientfico temestado a ser tratado.
m
-
ainda proto-cincias: e quanto mais uma cincia incipiente,maior a
necessidade de dominar o conjunto do saber que ela inte-gra para se
poder avaliar a validade da transcrio operacionaldum fragmento
desse saber. E tanto maior, neste caso, quantoo objecto do
conhecimento das cincias sociais particularmentedifcil; como
lembrou Jacques MONOD, prmio Nobel de biologia:o facto social duma
complexidade superior ao facto biolgicoou psicolgico 26. Ora, o
tcnico tende a no ter conscinciados pressupostos includos no
conhecimento que lhe chega codi-ficado em tcnica e, por isso mesmo,
no se apercebe facil-mente dos limites do campo de validade da sua
aplicao.
Pensa-se, por vezes, que por as cincias sociais serem jovens
fcil formar tcnicos nelas competentes; nada mais errado justamente
por serem incipientes, mal seguras ainda dos seuspassos, que estas
cincias implicam uma formao difcil, se cor-recta. Esse o motivo de,
ao ser discutida na Sociedade Francesade Sociologia a possibilidade
de vir a ser criado um diploma deperito socilogo, terem sido
manifestadas tantas reticncias esempre posta em evidncia a
necessidade imperiosa de uma vastaformao sociolgica genrica
(mantendo-se, portanto, a posiodefendida 10 anos antes por Pierre
DE BIE cf. [15], p. 95);como apontou TOURAINE: a criao de uma
profisso sociolgicano deve comear pelos escales mais baixos, mas
sim pelos maisaltos 27. Sem o que se corre o perigo de ver surgir e
vo japarecendo entre ns, por exemplo em matria de Psicologia,alguns
indcios nesse sentido desde os inconscientes aprendi-zes de
feiticeiro at queles escrocs Yk peu prs de quefalava Andr
REGNIER.
Mais haveria a dizer, at porque os problemas se pem
dife-rentemente consoante se trata de socio-grafias ou de
socio-Zo-gwis2S para no falar j das sociatrias. Mas estas
considera-es vo j longas; seja-me, pois, concedido remeter o
leitor, porum lado, para os apontamentos em torno das articulaes
entreconhecimento cientfico e aplicaes, insertos na parte I-A, e,
poroutro lado, para as judiciosas reflexes, acerca da relao
tc-nicacincia, de V. MAGALHES GODINHO em [If\ (pp. 991 e 993)
29.
26 Numa entrevista concedida ao jornal Le Monde, 9/12/65.
27 Faut-i l crer un diplome d'expert-sociologue? (Socit Frana
ise
de Stociologie, ac ta do debate de 18/4/64, doc. po l i c ) , p
. 5.28
Sobre a distino en t re grafias e logias considere-se o que
decorreda nota 15.
29 Permita-se-me, uma vez que cito este ar t igo, sa l ientar
que me no
parece conveniente perpetuar a amlgama entre cincia (a inda que
dohomem) e humanismo, pois que este constitui uma axioliogia. Que
pode e porque n o ? s e r v i r - s e do conhecimento cientfico;
mas que no deixa,por isso, de ser a-cientfico (ainda quando
meta-cientfico), como qualquer
718
-
19. Consideremos agora a articulao entre a criao e adifuso do
conhecimento cientfico. Tem o problema vindo a serdebatido entre ns
em termos de separao e at de autonomiaou, pelo contrrio, de reunio,
de duas funes: pesquisa e docn-cia. E devo dizer que me inclino
mais para as posies defendidas,por exemplo, por M. RODRIGUES LAPA e
ainda recentemente ex-pressas de novo ([9]) do que para as posies
dos que se lheopem porque creio que tinha razo A. CELESTINO DA
COSTAao afirmar que a funo docente e a de investigador
exigemqualidades muito diversas, que podem coexistir, mas que no
foroso nem muito vulgar que coexistam ao.
Pe-se, contudo, o problema de forma particular, quando decincias
sociais se trata. E os motivos so, pelo menos parcial-mente,
idnticos aos que atrs apontei a propsito do maior perigoda reduo
tecnicista no caso destas cincias. Porque inacaba-das, por no
possurem por enquanto um corpo bem definidode conhecimentos
incontestados, por inclusivamente se debateremainda com incertezas
sobre o seu prprio estatuto epistemolgico,pode nelas ser
inconveniente, do ponto de vista cientfico, entre-gar o ensino a um
no-investigador; este conhece os livros, masno se encontra
directamente confrontado com a opacidade doreal enquanto objecto de
conhecimento (pois que s como actorsocial a defronta).
que a especificidade das cincias do social provm
dascaractersticas peculiares que nelas reveste a relao
observadorobjecto; a relao do cientista com o seu objecto de anlise
peproblemas mais graves no caso das cincias sociais do que no
dascincias ditas da natureza. Todo o observador, porque indivduo,
necessariamente actor/agente social; ora, a relao de cadaindivduo
com o seu campo de aco histrico-social processa-semediante uma pr-
ou para-sociologia decorrente, por um lado,da prpria prtica social,
mas tambm mais ou menos fortementeimpregnada de factores
ideolgicos. Da existncia dessa pr- oupara-sociologia resulta, ao
contrrio do que muitas vezes sepensa e nunca ser demais sublinh-lo
no uma maior fa-cilidade na apreenso do raciocnio cientfico sobre a
realidade
outra axiologia. No se veja aqui nesta matria todos os cuidados
sopoucos... um qualquer cientismo; creio sim que se, por um lado,
nem sde cincia vive o homem (e ainda bem), por outro lado necessrio
se tornao maior rigor no aprofundamento cientfico; e o rigor comea
pela delimi-tao entre cincia e no-cincia. Sejamos todos humanistas,
se assim o qui-sermos; sejamos tambm cientficos, aqueles que assim
o desejarmos; contro-lemos humanisticamente a utilizao do
conhecimento cientfico, se for essa nossa escolha; mas no
identifiquemos a priori humanismo e cincia.
30 Citado em [0], p. 347.
719
-
social, mas sim um dos grandes obstculos com que depara
essaapreenso, quer na medida em que a atitude cientfica em
matriasocial pressupe exige distanciao relativamente aos
valoressociais (visto estes fazerem parte de objecto a analisar),
quer aindaporque os elementos do conhecimento corrente pr-cientfico
po-dem funcionar como crans, dificultando o acesso s
noescientificamente elaboradas31. Supondo resolvidas todas as
ques-tes de honestidade intelectual, resta o problema da
obliteraoideolgica; ainda que solucionado este, fica de p a
dificuldadede decantar, a partir do magma
intervencionista-utilitarista-nor-mativo (o homem age, intervm
para, e a prtica processa-se nosvalores e no fora deles), a
possibilidade de uma atitude anal-tico-observadora; e, ainda que
atingida esta, resta formar a capa-cidade de, para ler o real,
utilizar a mediao de novos con-ceitos.
Do tomar conscincia de problemticas desta ordem decor-rem posies
como as expressas pelo professor de sociologia que,ao referir a
utilizao de mtodos pedaggicos activos, aponta:[...] tais mtodos,
que visam modelar atitudes em face de umobjecto de anlise,
parecem-nos especialmente apropriados noquadro da sociologia. No
exige esta que seja posta em questoa experincia social do socilogo?
Ento a formao do socilogono releva somente do plano abstracto dos
conhecimentos inte-lectuais; deve, do mesmo modo, situar-se ao nvel
das atitudesrelativas aos outros e sociedade. esta a nica forma de
evitara promoo de um tecnicismo primrio, contrrio ao esprito deuma
verdadeira crtica sociolgica ([16], p. 125). Na mesmalinha se
situam observaes dos prprios estudantes, como as da-queles que, aps
referirem vrias actividades que seria de desejarfazerem parte de
uma formao sociolgica actual, acrescentam de-verem elas ser
completadas por uma formao no-directiva. Estaformao deve permitir
aos estudantes aprofundar as motivaesque os conduziram a escolher
esta forma de actividade. Ela per-mitir-lhes- igualmente tomar
conscincia da estrutura da suapersonalidade e poder objectivar os
valores atravs dos quaisabordam a realidade social quando
participam numa investiga-o ([30], p. 154).
No parecer, ento, estranho que LVI-STRAUSS continue areferir32
as particulares dificuldades de relao observadorobjectono caso do
conhecimento do social, dentro da mesma ordem de
31 Formular assim esta problemtica equivale, em diferente
linguagem,
a abordar questes como a das relaes concretoabstracto,
realpensamento,efectivovirtual, etc. No aqui o lugar para
desenvolver estes aspectos.Permita-se-me somente lembrar a frase de
LANGEVIN: O concreto o abstractotornado familiar pelo uso.
32 Vd., ex., [20], pp . 582-583.
720
-
ideias que o levara j, em 1954, a defender a existncia de
ana-logias entre a formao de um antroplogo e a de um psicana-lista
([19], p. 127): ambas exigem uma transmutao psicol-gica. Mas esta
transmutao s pode ser estimulada e verificadapor algum que por ela
j tenha passado; e a menos que todosos professores de cincia do
social fossem submetidos a umaforma especfica de formao tendente a
obter esse resultado parece muito mais provvel encontrar reunidas
estas condiesnum investigador (que a elas levado pela prpria prtica
dainvestigao) do que num puro difusor-docente.
20. Existe uma objeco possvel a este ponto de vista. que
consideraes deste teor, se importantes para as logias,seriam muito
acessrias no caso das grafias. Esta posio no errada mas
insuficiente. verdade que as dificuldades darelao
observadorobjecto, nas cincias sociais, so muito maisimportantes e
evidentes quando est em jogo o nvel analftico-in-terpretativo do
que quando se pretende apenas um estudo descri-tivo, factual.
Convm, no entanto, salientar mais alguns pontos.Em primeiro lugar:
a ideia de uma equivalncia entre grafiase logias epistemolgicamente
incorrecta. Em qualquer estudo,por muito simplesmente descritivo
que ele seja, encontram-se in-tegrados elementos de logias; no
existem leituras directas doreal, qualquer leitura pressupe a
mediao de conceitos, e estespertencem s logias; o que acontece
frequentemente fazer-seuma utilizao a-crtica, porque no consciente,
de noes de talmodo tornadas correntes que se pensa ter-se acedido
ao factobruto, ao concreto (veja-se a frase de LANGEVIN citada na
nota31). Se em grande parte dos estudos descritivos elementares
estailuso no ocasiona inconvenientes graves, nem sempre, no
en-tanto, assim; e, de qualquer forma, certamente prefervel,do
ponto de vista metodolgico, ter-se a conscincia das proble-mticas
correspondentes aos nveis mais exigentes e elaborados,ainda mesmo
naqueles casos, situados a nveis mais elementares,em que essas
problemticas ocupam um lugar menos fulcralmenteestratgico. Em
segundo lugar: desde que um estudo, seja ele omais socio-grfico,
recorra, para a recolha de informao, a umarelao inter-pessoal (o
que extremamente frequente, dada avoga dos inquritos por
questionrio ministrado por inquirido-res), e mesmo que o tratamento
dos dados a apurar no ponhaproblemas particulares da ordem dos atrs
apontados, estar sem-pre em jogo a atitude do entrevistador na
relao inquiridor in-quirido, o que de novo vem colocar questes
includas nas queforam referidas no ponto 19.
Acrescente-se ainda: a relao grafiaslogias que, dum pontode
vista epistemologia, subordina aquelas a estas, deve compor-
721
-
tar tradues no plano das prticas sociais ligadas ao
conheci-mento. No minha ideia afirmar que todos os estudos no
seuduplo sentido: estudos=investigaes, anlises, mas tambm estu-dos
=transmisso do conhecimento se devem situar no plano daslogkis; mas
parece-me imprescindvel acentuar que cientifica-mente (e at
socialmente) perigoso acreditar que, e procedercomo se, os
conhecimentos e as investigaes de carcter socio-grfico pudessem
transmitir-se e fazer-se sem controle de, e re-ferncia a, instncias
(quer subjectivas, quer institucionais) quedependem de e remetem
para a teoria e a metodologia. No poracaso que Edgar MORIN refere a
importncia, para a sociologia,de no cair no terra-a-terra emprico
que esconde o mais dissi-mulado dos dogmatismos, aquele que se
ignora a si prprio, por-que escamoteia todos os problemas de mtodo
e de intelignciareduzindo-os a questes tcnicas ([22], p. 105); como
no poracaso que TOURAINR, falando da tentao de se privilegiarem
asabordagens descritivas, frequentemente de expresso estatstica,se
lhes refere em termos de inqurito sociogrfico cego ([26],p.
21).
21. Henri JANNE chamou a ateno para o facto de que ocientista
como homem e os corpos cientficos como grupos noescapam presso
inconsciente do social interiorizadoP5. E noparece possvel
conseguir a eliminao dessa presena (veja-se, aesse respeito, p.
ex.: IH]). Mas possvel, sim, fazer recuar oplano em que intervm
essas presses inconscientes, por forma,por exemplo, a que o social
interiorizado tenda a manifestar-seapenas pelas suas componentes
culturais de carcter mais gen-rico, muito para alm, portanto, dos
particularismos culturaise subculturais associados obliterao
ideolgica e s preocupa-es finalistas a que atrs fiz referncia. Da a
necessidade detal transmutao psicolgica.
Ou seja: h um trabalho a efectuar sobre o prprio
cientista,trabalho que tende a revelar-lhe nveis profundos da sua
perso-nalidade, que participaro at do seu inconsciente; e isto
porqueo estatuto do objecto ltimo de anlise das cincias sociais
tam-bm o de um inconsciente ?4. A partir do momento em que se
3 3 Henri JANNE, Introduction: Les cadres sociaux de Ia
sociologie
(Cahiers Internationaux de Sociologie, vol XXVI, Janv.-Juin
1959: pp. 3-13),p. 8. O sublinhado meu F. A.
O Autor acrescentava: [ . . . ] Quantos raciocnios no passam de
racio-nalizaes? Quantas teorias no so mais do que ideologias no
sentido deKarl Marx ou, se se preferir, derivaes no sentido de
Vilfredo Pareto?
3 4 A no confundir com noes como a de inconsciente colectivo
( J U N G ) , por exemplo.
722
-
reconhece que os dados mais no so do que indicadores, sinaisque
remetem para variveis cujo sentido fornecido por uma an-lise
conceituai decorrente-constituinte da teoria, h que admitirque a
dificuldade essencial reside neste remetem. O que equivalea dizer
que o que importa procurar reconstituir, em sentidoinverso, a
articulao que, no prprio real, une os dois nveisanaliticamente
isolados. porque a significao social de umaaco no se confunde com o
sentido que o actor social lhe atribui([29], p. 26) [...], porque
de certa maneira a sociologia oestudo do inconsciente social, que
os maiores sucessos foramobtidos no estudo dos sistemas
simultaneamente os mais natu-rais e os menos conscientes, os que so
estudados pelo etnlogo{[26], pp. 4-5).
22. Veio tudo isto a-propsito da articulao entre criaoe difuso
do conhecimento cientfico e, mais particularmente, darelao entre
pesquisa e docncia, no caso especfico das cinciassociais.
Est-se perante duas ordens de factores parcialmente
con-traditrias. Por um lado, no h dvida de que as aptides, as
qua-lidades (e at o temperamento) requeridas pelo exerccio de
cadauma destas funes no so coincidentes, podendo mesmo ser,em
parte, antagnicas. Por outro lado, o que atrs disse tende
asustentar que ao menos alguns dos requisitos peculiares do en-sino
das cincias sociais exigem, para serem satisfeitos, disposi-es que
menos dificilmente se encontraro num investigador doque naquele que
s exera a funo docente. Resta, ento, encarara forma de articular os
elementos contraditrios.
Diga-se desde j que nada se ganha em pura e
simplesmenteamalgamar ou identificar as duas funes; quer por aquela
dife-rena de qualidades pessoais, quer porque as formas
institucio-nais e organizacionais mais adequadas a uma delas podem
noser as mais apropriadas para a outra. Convir, portanto, que
osestatutos sociais associados, quer funo docente, quer funo de
pesquisa cientfica, se tornem realidades prprias e au-tnomas.
Por outro lado: no se v motivo para que todos os investi-gadores
sejam professores; ou, por outras palavras (que melhorcorrespondem
forma como o problema por vezes posto): noh qualquer justificao
antes pelo contrrio para que s osprofessores investiguem, ou para
que toda a investigao estejaligada ao ensino, ainda que superior35.
Mas vem-se fortes ra-
35 Ponto que no desenvolvo por ser este artigo centrado no na
inves-
tigao, nem na relao pesguisa-ensino, mas sim no ensino.
72S
-
zoes para que os docentes, fio campo das cincias sociais,
estejamsimultaneamente implicados, em maior ou menor grau, em
acti-vidades de investigao. E tanto mais implicados quanto
maisanaltico-interpretativa, e menos simplesmente descritiva, for
amatria de que se ocuparem.
E mais: convir encarar novas formas, mais maleveis, deligar os
investigadores s funes docentes a novas funesdocentes. O que
pressupe uma profunda transformao do sis-tema educacional, quer nos
seus mtodos pedaggicos, quer nassuas estruturas institucionais
ambas as coisas decorrendo, deresto, de novas formas de encarar a
transmisso do conhecimento,de que foi dado atrs um plido exemplo ao
apontar-se que im-porta no s a aquisio de conhecimentos-informao,
mas tam-bm (principalmente?) a de uma nova atitude em face da
realidade.Importa no tanto o saber factos como o saber olhar, o
aprendera disponibilidade intelectual para ler o real e,
particularmente, lera novidade no real.
Concluso
PARA UM ENSINO DAS CINCIAS SOCIAIS EM PORTUGAL
Indicadas algumas caractersticas da deficiente situao doensino
superior das cincias sociais entre ns, e apontados as-pectos, quer
dos imperativos externos, quer dos requisitos in-ternos de uma
formao efectiva nesse campo do conhecimento, chegada a ocasio de
propor algumas ideias, e fornecer indica-es, com vista a possveis
modalidades de incremento daqueleensino, em Portugal36.
23. A ideia-base a de que importa quebrar o crculo vi-cioso do
subdesenvolvimento do conhecimento cientfico do so-cial. E no se v
como faz-lo sem passar pela criao de umensino que vise a formao de
autnticos cientistas sociais.
H que perder a iluso da possibilidade de obter
resultadossatisfatrios atravs dum simples ensino de aplicao. Como
h
36 Seria destitudo de sentido apresentar qualquer plano
detalhado. S
se justificaria elaborar e relatar um tal plano se se lhe
reconhecesse algumapossibilidade de eficcia prtica. Mas, para isso,
seria necessrio que ele seinscrevesse no quadro de uma transformao
previsvel (at porque uma pro-posta desse teor conteria
inelutvelmente implicaes, relativas a modifica-es estruturais do
sistema universitrio, mais vultuosas do que a reformade qualquer
Faculdade j existente), quadro do qual lhe viria, quer o est-mulo,
quer a indicao das condies aos limites a ter em conta.
-
que acentuar que mesmo o ensino directamente profissional s
vivel, em termos at de eficcia da prpria aco, se re-colo-cado no
seio de uma diviso social da prtica tcnico-cientificaque compreenda
todos os seus aspectos e no apenas os de carc-ter utilitrio. Ora,
sendo assim, no pode haver ensino vivo emsociedade na qual no
exista investigao. Mas, ento, torna-senecessrio que o sistema
escolar forme pessoas capazes de inves-tigar 37. E, se se tiver em
conta o que mais atrs indiquei acercade alguns aspectos da
articulao criao difuso do conheci-mento no caso particular das
cincias sociais, terse- a noo dopeso que este imperativo nelas
assume38.
Um outro problema, que tem sido muito debatido39, diz res-peito
ao quadro institucional mais propcio para o desenvolvimentodo
ensino destas cincias. Parece no oferecerem dvidas a di-ficuldade e
os inconvenientes de enxertar cursos desta naturezanas faculdades
tradicionais, nomeadamente se orientadas para osestudos jurdicos
i0; mas est-se ainda longe de um largo acordoacerca da melhor soluo
para este problema at porque eleum dos que mais fortemente pem em
causa a estrutura actual,herdeira de um longo passado, da maior
parte das Universidadesnos mais variados pases.
, no entanto, possvel apontar as trs propostas de reno-vao em
torno das quais se tm polarizado as discusses sobreeste assunto.
Uma delas assenta na criao de Faculdades deCincias Sociais, gozando
da mesma independncia e restantesprerrogativas das outras
Faculdades pr-existentes. Uma outrainsiste na criao de
Departamentos (a que tambm, por vezes depende da legislao de cada
pas , se chama Institutos) noseio de Faculdades j existentes, por
exemplo nas Faculdades deLetras. A terceira refere-se tambm a
Departamentos (ou Insti-tutos) mas inter-Faculdades; em geral, vem
esta posio asso-
3 7 A importao, quer de pessoal qualificado, quer de
conhecimentos,
certamente necessria ^e constitui mesmo um recurso essencial na
fasede arranque dum novo tipo de ensino), mas no ser nunca
suficiente pa r aa resoluo doa problemas de fundo.
3 8 As referncias, quer necessidade de vivificar o ensino atravs
de
ligaes estreitas com a investigao, quer importncia que se deve
at r ibuir formao de investigadores, so extremamente abundantes.
Consulte-se,p a r a nos conservarmos nas fontes e autores j
citados: [23~\> nomeadamentepp. 26-27, 72-74 e 83-84; [13},
passim; [28], pp. 288, 290 e 292,
39 Sobre um debate ainda recente, veja-se [21].
4 0 Cf. [15] , pp. 15-18 e [#S], p . 73 ; um bom exemplo, acerca
da oposi-
o entre o esprito jurdico e as concepes actuais das cincias
sociais, fornecido em: Jean TRICART, Role nouveau des seiences
humaines (Pros-pective, n.8 12, Janvier 1965: n. especial: La
recherche scientifique, FEta tet Ia Socit p p . 101-116), p .
111.
725
-
ciada que defende a diminuio da importncia atribuda
aoquadro-Faculdade e a acentuao do quadro-Universidade
estesDepartamentos seriam, pois, Departamentos de Universidade,
per-mitindo articular novos ensinos com alguns dos que so j
minis-trados nas Faculdades existentes.
Um exame aprofundado destas propostas exigiria, como evidente,
largas pginas no aqui o lugar para o efectuar.Diga-se somente que
qualquer das propostas traz consigo impli-caes diversas
relativamente ao elenco de matrias compreen-dido na designao
cincias sociais, e sua inter-ligao, assimcomo quanto a forma de
solucionar os problemas ligados, quer aotipo de formao obtida no
ensino secundrio, quer aos laos ou sua ausncia entre as matrias
versadas nas actuais es-colas superiores e as que corresponderiam
aos novos cursos. Poroutro lado, a escolha entre novas Faculdades e
criao de De-partamentos, quer no seio de uma Faculdade, quer de
Univer-sidade, arrasta problemas institucionais delicados formas
deautonomia e de dependncia, estatuto dos membros do corpo
do-cente, etc. e pe em causa, afinal, o conjunto do sistema
univer-sitrio e at do sistema escolar em geral41.
Uma outra questo, da maior importncia, diz respeito aocontedo do
ensino das cincias sociais. De tudo o que fui dizendono decorer
deste artigo, creio resultarem j consequncias bas-tante directas,
ainda que genricas, relativamente a este ponto.E, de resto, na
revista Anlise Social, publicou j Jean-Daniel REY-NAUD um artigo
([8]) em que aborda aquilo que de fundamentalh a expor sobre a
questo, em pas que se encontra ainda emfase de carncia quase total
nesta matria.
Afirmou Edgar MORIN que o pensamento justifica-se porsi prprio
mas, se for necessrio justific-lo, o socilogo poderdemonstrar que o
pensamento oxignio da vida social 42. Serpreciso acrescentar que
ainda melhor se aplica esta frase ao pen-samento sobre o
social?
Maro de 1968
41 No por acaso que o Colquio de Caen (vd. [IS}) se prolongou
este
ano pelo Colquio de Amiens (15-17/3/68), onde foi tratado o
problema daescola no seu sentido mais lato.
42 E d g a r M O R I N , Le droit Ia rflexion (Revue Franaise de
Socio-
iogie, Vol . V I , n 1, Janv . -Mars 1965: pp . 4 -12) , p .
6.
126
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129