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A EXPANSO PENAL E O DIREITO DE INTERVENO
Alice Quintela Lopes Oliveira
RESUMO
A sociedade ps-moderna rege-se por uma ordem scio-econmica
globalizada. A
revoluo tecnolgica revela que o processo globalizacional
apresenta-se de forma
inevitvel e impostergvel, propiciando mudanas de ordem
ideolgica, cientfica,
tecnolgica e, sobretudo, econmica, alm de promover uma
complexidade social
dantes inimaginvel.
Esta nova realidade, designada por Ulrich Beck de sociedade de
risco1, apresenta
caractersticas bastante peculiares, vez que os riscos sociais so
imprevisveis,
indesejados e de tal envergadura lesiva que coloca em perigo a
prpria humanidade.
Conclamado a atuar diante destes novos riscos, o direito penal
vem sofrendo um
processo de expanso de suas bases e estruturas que acaba por
gerar vigorosa tenso
com a concepo programtica do modelo penal forjado no Estado
Liberal chamando
de direito penal clssico ou direito penal mnimo que engloba
proposta pautada pela
vocao garantista e restritiva da interveno penal, nos limites
dos axiomas da
subsidiariedade e da ultima ratio.
O presente artigo analisar as caractersticas deste movimento
expansionista,
confrontando-o com a concepo clssica do direito penal, bem como
abordar a
proposta apresentada pela Escola de Frankfurt, referente criao
de um direito de
interveno.
PALAVRAS CHAVES
SOCIEDADE DE RISCO; EXPANSO PENAL X DIREITO PENAL CLSSICO;
DIREITO DE INTERVENO
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de
Alagoas e mestranda em Direito Pblico pela mesma Universidade. 1
BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una nueva modernidad.
Trad. Jorge Navarro; Daniel Jimnez; Maria Rosa Borras. Madri:
Paids, 1998.
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RSUM
La socit post-moderne est dirig par une ordre economique
globalis. La revolution
tecnologique montre que le process de la globalization nest pas
vitable ou reportable
et provoque changemant ideologique, cientifique et, surtout,
economique.
Cette nouvelle realit, appell la socit du risque par Ulrich
Beck, prsente
caractristiques trs particulieres, dj que les risques sociales
ne sont pas prvisibles et
peuvent poser en danger toute la humanit.
cause de ces risques, le droit pnale souffre un process
dextension de ses
fondements causant une tension avec le modle pnale classique,
dintervention
minimaliste.
Cette article analysera les caractristiques de cette mouvement
expansioniste et le
comparera avec le droit pnale classique et ses bases et
fondements. Bien sure, cette
article abordera la propos prsent par lcole du Frankfurt,
concernant a la cration
dune droit dintervention.
MOTS CLS
SOCIT DU RISQUE; LA EXPANSION PNALE X DROIT PNALE
CLASSIQUE; DROIT DINTERVENTION
INTRODUO
O final do sculo XX e o incio do sculo XXI exibem, de maneira
mais
veemente, uma nova forma de poder hegemnico: a globalizao.
Considerada uma
modalidade de poder sedutora por suas caractersticas, porm
devastadora em suas
conseqncias, a globalizao, cognominada por Zaffaroni de poder
planetrio2,
destaca-se em trs momentos marcantes da histria da humanidade: a
revoluo
mercantil ou colonialismo, nos sculos XV e XVI, a revoluo
industrial e o
neocolonialismo, nos sculos XVIII, XIX e XX e, por fim, a
revoluo tecnolgica ou
globalizao em sentido estrito, no sculo XX.
2 Manual de direito penal brasileiro: parte geral. So Paulo: RT,
1997.
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O fenmeno da globalizao marca o perodo ps-industrial, designado
por
Ulrich Beck de sociedade de risco,3 regida por um conceito de
modernizao
reflexiva que, longe de significar uma violenta ruptura do
processo de desenvolvimento
industrial, significa a evoluo da modernidade simples,
irreflexiva e auto-destrutiva,
em direo racionalidade que possibilite a compatibilizao dos
riscos s garantias
individuais e coletivas.4
A sociedade industrial caracterizada pela ignorncia, pelo
desconhecimento
popular acerca da existncia de riscos scio-ambientais. Apesar de
srios, graves e de
dimenses globais, originados pelo processo de desenvolvimento
tecnolgico
impensado, irracional e imediatista, no constituam objeto de
preocupao pela
coletividade.
Da porque fcil entender que apenas nesta fase de transio a
constelao de
problemas vem tona e passa a ser percebida, despontando como
novel objeto de
preocupao pblica, poltica e cientfica, ocasio em que a sociedade
industrial,
alarmada com os efeitos colaterais do processo produtivo, de
carter predatrio e
irracional, compelida a rever seus princpios de segurana e
clculo da ponderao
custo e benefcio.
A teoria da sociedade de risco nasce, pois, com a percepo social
dos riscos
tecnolgicos globais, refletindo a mudana da estrutura da
sociedade e, ao mesmo
tempo, o conhecimento da modernidade e de suas conseqncias.
A sociedade de risco identifica-se por uma comunidade na qual os
riscos
produzidos referem-se a danos de larga envergadura lesiva, no
delimitveis, globais,
sistemticos e, com freqncia, irreparveis. Promovidos por decises
humanas, atinge
a todos os cidados e podem ser capazes de exterminar a prpria
humanidade.5
Esses riscos possuem suas causas e origens em decises e
comportamentos
humanos produzidos durante a manipulao dos avanos tecnolgicos,
ligados
explorao e manejo de novas tecnologias (energia nuclear,
engenharia gentica e de
alimentos, produtos qumicos etc). Por serem efeitos secundrios,
acidentais do
3 La sociedad del riesgo: hacia uma nueva modernidad. Trad.
Jorge Navarro; Daniel Jimnez; Maria Rosa Borras. Madri: Paids,
1998. 4 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e
direito penal. So Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 29. 5 La sociedad del
riesgo: hacia uma nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro; Daniel
Jimnez; Maria Rosa Borras. Madri: Paids, 1998, p. 28.
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processo de produo, os riscos da ps-modernidade so indesejados,
imprevistos,
sistemticos e irreversveis, permanecendo invisveis por muito
tempo.6
Atento s mudanas ocorridas, e ao incremento do medo na populao,
o direito
penal transmudou-se, mitigando certas garantias clssicas a fim
de dar uma resposta
sociedade. Instituiu-se, deste modo, o direito penal do risco,
tema sobre o qual nos
debruaremos no tpico seguinte.
1. DO DIREITO PENAL DO RISCO
O direito penal do risco reflete a mudana do modo de compreender
o direito
penal e de agir dentro dele, produto estrutural e irreversvel de
uma poca, cujo ponto de
partida j fato dado, encerrando tanto oportunidades como
riscos.7
O direito penal transforma-se em direito penal do risco quando
coloca a criao
ou o aumento dos riscos no centro das reflexes dogmticas
promovendo a mitigao
das regras de imputabilidade, bem como quando toma para si a
funo de tornar segura
a sociedade.8 Concentra-se na chamada criminalidade organizada9,
materializada nas
infraes penais perpetradas pelos poderosos e caracterizada pela
magnitude de seus
efeitos, normalmente econmicos, mas igualmente polticos e
sociais.10
Na tentativa de se moldar novel sociedade de risco, a dogmtica
penal e a
poltica criminal passam a admitir novos candidatos no crculo de
bens jurdicos; a
antecipar a fronteira entre o comportamento punvel e no-punvel;
a reduzir as
exigncias de censurabilidade; a flexibilizar os critrios de
imputao etc.
Rejeita-se, deste modo, o modelo de direito penal de resultado,
que atua
repressivamente, aps a conformao do dano, sendo mais conveniente
a este modelo
criminal, a antecipao da proteo penal a esferas anteriores ao
dano e ao prprio
perigo concreto, em certos casos.
6 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econmico como
direito penal do perigo. So Paulo: RT, 2006, p. 39. 7 PRITTWITZ,
Cornelius. O Direito Penal entre o Direito Penal do Risco e o
Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Cincias Criminais.
So Paulo: RT, n 47, mar/abr. 2004, p. 32. 8 Idem, p. 38. 9
Identificada por Hassemer em oposio criminalidade de massa (cujas
condutas ofendem bens jurdicos individuais, v.g. delitos
patrimoniais). Segurana Pblica no Estado de Direito. Revista
Brasileira de Cincias Criminais. So Paulo: RT, n 05, jan./mar.
1994, p. 57. 10 SILVA SNCHEZ, Jess-Mara. A expanso do direito
penal. Trad. Luiz Otvio de Oliveira Rocha. So Paulo: RT, 2002, p.
80.
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Neste diapaso, o direito penal assume mltiplas caractersticas e
valores, que
sero objeto de apreciao nos tpicos subseqentes.
1.1. Da antecipao da tutela penal atravs da definio legal dos
crimes de perigo
abstrato e dos delitos de acumulao
Considerando que a misso primordial do direito penal prevenir a
prtica de
infraes penais com a finalidade exclusiva de proteo subsidiria e
fragmentria de
bens jurdicos relevantes, a interveno penal, via de regra,
empregada como meio de
punio de condutas que efetivamente venham a lesionar o bem
jurdico tutelado pela
norma penal incriminadora.
No entanto, por vezes, surgem determinadas circunstncias de
extrema
gravidade a bem jurdico de primeira grandeza que demandam proteo
especial mais
abrangente, exigindo a antecipao da tutela do bem jurdico, de
modo a evitar qualquer
possibilidade de desdobramento progressivo capaz de converter um
perigo em um dano
efetivo e irreversvel ao bem jurdico.
Nestes casos, o legislador utiliza-se da criao de tipos legais
de crime de perigo
que consiste numa tcnica destinada a atribuir a qualidade de
crime a determinadas
condutas independentemente da efetiva produo de um resultado
lesivo, bastando, para
a consumao delitiva, a mera ocorrncia de risco ao bem jurdico
tutelado,
concentrando a reprovao social no desvalor da ao. Representa a
antecipao da
proteo penal a momentos anteriores efetiva leso ao bem,
dividindo-se em tipos de
perigo concreto e tipos de perigo abstrato.
Os tipos penais de perigo concreto ostentam, na prpria descrio
tpica, a
meno ocorrncia do perigo, que dever ser averiguado e demonstrado
em cada caso
posto apreciao. Coadunam-se com a dogmtica penal clssica uma vez
que
demonstram com clarividncia o desvalor da conduta e o desvalor
do resultado,
materializado na concreta colocao em perigo do bem. Embora no se
solidifique em
alteraes fticas, reais, sensveis ao bem jurdico, deve
efetivamente produzir o
resultado objetivo de pr em perigo o bem tutelado.
Trata-se de uma anlise sob uma perspectiva ex post, isto ,
consideram-se as
circunstncias reais do fato, avaliadas aps a sua ocorrncia,
impondo ao rgo
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acusatrio a obrigao de comprovar no processo penal a presena
real do perigo a
ameaar o bem jurdico.
Problemas exsurgem, no entanto, quando se perquire acerca da
legitimidade dos
tipos de perigo abstrato.
Os tipos de perigo abstrato tm por objeto condutas que no se
definem em
virtude de determinada conseqncia, castigando a simples realizao
de uma conduta
imaginadamente perigosa, prescindindo da configurao de um
efetivo perigo ao bem
jurdico.11
A periculosidade da conduta tpica imaginada ex ante, por meio de
um juzo
hipottico do legislador, fundado na mera probabilidade de leso.
No h que se
perquirir, no caso concreto, acerca da ocorrncia ou no do
perigo, vale dizer, da efetiva
probabilidade de leso. Basta comprovar a execuo da conduta
reputada perigosa.
Ao contrrio do que ocorre com o delito de perigo concreto, o
perigo posto ao
bem jurdico no se encontra estampado de forma explcita no tipo
legal de perigo
abstrato, o qual se limita a definir uma conduta cuja
periculosidade presumida de
modo absoluto pelo legislador.
Na sociedade de risco, a proliferao dos tipos de perigo
abstrato, geralmente
combinados com normas penais em branco, inclui-se na estratgia
de utilizao de
incriminaes de mera conduta a fim de coibir os ataques aos bens
jurdicos supra-
individuais, reduzindo-se os espaos de risco permitido.
Os delitos de perigo abstrato, vezes muitas, desvelam-se como
delitos por
acumulao, expresso cunhada por Lothar Kuhlen.12 Por necessidades
de poltica
criminal, o legislador incrimina uma conduta que,
individualmente considerada, no
provoca um risco ao bem jurdico, mas, se vier a ser praticada
por um conjunto de
pessoas, culminar lesionando efetivamente esse bem.13
Refora-se, portanto, a pretenso de maximizao da preveno aos
mega-riscos
produzidos na sociedade ps-industrial, otimizando, inclusive, a
sensao de segurana
da populao, que demanda, cada vez mais, por direito penal.
11 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e
direito penal. So Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 130. 12 Apud SILVA
SNCHEZ, Jess-Mara. A expanso do direito penal. Trad. Luiz Otvio de
Oliveira Rocha. So Paulo: RT, 2002, p. 121. 13 Idem, Ibidem.
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Dentro de uma perspectiva funcionalista, os institutos de
direito penal devem ser
aptos a cumprir, manter e reproduzir as premissas, finalidades e
princpios do Estado
Democrtico de Direito, legitimando-se a interveno punitiva do
Estado apenas
queles atos que ameacem a integridade das estruturas sobre as
quais as relaes sociais
e as relaes de produo se sedimentam.14
De fato, os delitos de perigo abstrato expressam uma violao
manifesta ao
princpio da ofensividade15, entendido este como uma novel forma
de compreender ou
conceber o delito como ofensa a um bem jurdico. A ofensa
materializa-se na leso ou
ameaa concreta de leso ao bem jurdico, afastando, de pronto,
aquelas condutas que
no se mostrem concretamente perigosas ao bem.
Tendo em vista que o sistema penal brasileiro adota os princpios
de poltica
criminal da lesividade, subsidiariedade, fragmentariedade,
amparados implicitamente
pela Constituio da Repblica, os delitos de perigo abstrato devem
ser interpretados
luz destas balizas.
sabido que no crime de perigo abstrato o legislador incrimina
uma
determinada conduta cuja periculosidade to manifesta que
dispensa prova no caso
concreto. Ao ser realizada concretamente a conduta selecionada
pelo legislador como
tipo de perigo abstrato, o perigo ocorre simultaneamente sua
concretizao, no
havendo que se perquirir acerca da sua existncia ou no.
Trata-se, de fato, de uma presuno. Dada a magnitude do bem
tutelado e a
irreversibilidade do dano, o legislador presume que o perigo
ocorre com a mera
realizao ftica da ao ou omisso descrita no modelo penal.
Contudo, questiona-se a
natureza da presuno se absoluta ou relativa?
Dentro de uma perspectiva garantista, hospedada em postulados
poltico-
criminais de um Estado Democrtico de Direito, imperioso concluir
pelo
reconhecimento da presuno relativa ou presuno juris tantum,
possibilitando-se ao
acusado a realizao da contra-prova, isto , faculta-se ao ru a
demonstrao, de que
aquele fato, naquele caso concreto, no gerou qualquer perigo ao
bem jurdico.
14 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Princpio da precauo, direito penal e
sociedade de risco. Revista Brasileira de Cincias Criminais. So
Paulo: RT, n 61, jul./ago. 2006, p. 71. 15 Luiz Flvio Gomes prefere
a expresso ofensividade expresso lesividade, justificando que esta
se encontraria compreendida naquela. Princpio da ofensividade no
direito penal. So Paulo: RT, 2002, p. 11.
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E no se argumente que se est a inverter o nus da prova, uma vez
que, por se
cuidar de presuno, o rgo acusatrio, ao fazer prova de que a ao
descrita no tipo
penal materializou-se no mundo fsico, est a provar que o perigo
est nsito
realizao desta conduta, interligado ela, inseparvel dela.
Portanto, no se trata de
inverso do nus da prova, pois o Ministrio Publico se desincumbiu
de seu mister ao
provar a ocorrncia da conduta.
Neste sentido se posiciona Miguel Reale Jnior, arrimando-se em
ngela Ilha da
Silva: (...) o perigo deve estar nsito na conduta, segundo o
revelado pela experincia, e no ser considerado presumido pelo
legislador, mas adotando a sinonmia abstrato ou presumido, pois
entendo que o perigo presumido no sentido de que pode haver prova
em contrrio da inexistncia do perigo, dando-se uma presuno iuris
tantum, sujeita a prova em contrrio, pois s dessa forma se adequa a
figura do perigo abstrato exigncia da ofensividade, dentro de um
direito penal garantista, quando se expande a criao de figuras de
perigo abstrato na proteo de bens jurdicos universais, como o meio
ambiente.16
1.2. Da administrativizao do direito penal
Em matria de meio ambiente e ordem econmica, onde o controle
administrativo sobre as atividades dos particulares revela-se
mais intensa, os crimes de
perigo, dantes estudados, so utilizados de forma subsidiria,
para suprir lacunas
deixadas pelo tratamento ineficaz das normas administrativas ou,
por vezes, como
sano violao do controle administrativo primrio.
A interveno do direito penal na esfera privada do cidado,
mormente na sua
liberdade, com estrado na infrao de normas administrativas pode
ser observada s
escncaras na legislao brasileira. A simples quebra de um
regulamento administrativo
adquire importncia mpar, desde que no se mostre suficiente a
sano administrativa,
justificando-se uma interveno penal.
Ao se confundirem as instncias, o direito penal assume a funo de
reforo na
gesto ordinria da Administrao, formatando-se verdadeira
acessoriedade
administrativa junto ao mbito penal.17
16 Instituies de Direito Penal. Parte Geral. Vol I. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 279-280. 17 SILVEIRA, Renato de Mello
Jorge. Direito Penal Econmico como Direito Penal do Perigo. So
Paulo: RT, 2006, p. 143.
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Deste modo, o direito penal passa a ser instrumento de polticas
pblicas, sob
uma perspectiva puramente funcional, auxiliando o governante a
realizar seu plano de
administrao, independentemente da presena de uma conduta apta a
causar
ofensividade a bem jurdico relevante.
Manifesta, destarte, a ilegitimidade do processo de
administrativizao do
direito penal, j que a sua misso restringe-se exclusivamente
proteo de bens
jurdicos relevantes diante de graves ofensas, o que, de pronto,
fulmina de
inconstitucionalidade a utilizao exacerbada da represso penal na
seara
administrativa.
No se est a defender a ausncia do direito penal nesta rea.
Apenas se cogita
de uma remodelao desta aplicao, reservando a sano penal quelas
condutas que
ofendam bens jurdicos, ainda que estas aes se encontrem no mbito
de aplicao do
Direito Administrativo.
Neste diapaso, pode-se aferir que novas caractersticas so
agregadas ao direito
penal a fim de atender aos anseios incessantes da sociedade por
segurana. As vertentes
poltico-criminais analisadas neste captulo dirigem-se, portanto,
utilizao do aparato
penal para combater novos riscos e garantir o sentimento de
segurana dos cidados.
Contudo, pelas caractersticas das novas situaes que se pretende
incriminar, o
direito penal liberal, concebido na primeira modernidade,
resulta inidneo a executar tal
tarefa, motivo pelo qual bastante questionado.
Diante disso, emerge, hodiernamente, conforme se pode inferir,
uma poltica de
transformao institucional, que aponta para a expanso do campo de
interveno penal
a partir de algumas linhas tendenciais mestras, quais sejam a
proteo penal de bens
jurdicos supra-individuais, a significativa antecipao da tutela
penal aos crimes
abstratos e delitos cumulativos e a atribuio de responsabilizao
criminal s entidades
coletivas.
Instaura-se, in casu, um conflito acerca de qual tendncia
poltico-criminal seria
mais adequada para o tratamento dos novos riscos, posto que de
um lado, o arcabouo
penal clssico no consegue resolver satisfatoriamente os novis
contratempos
apresentados pela sociedade do risco e, por outro, as adaptaes
do direito penal s
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novas metas poltico-criminais implicam um confronto direto com
os princpios
garantistas tradicionais.18
2. DO DIREITO DE INTERVENO
Os membros da Escola penalista de Frankfurt, em particular
Winfried Hassemer,
propagam a idia de que, em face dos novos riscos advindos da
primeira e segunda
modernidades, avultou o sentimento de medo da populao e,
conseqentemente, a
demanda por maior atuao do aparato criminal.19
Em vista disso, os legisladores, por razes ou propsitos
mesquinhos e
oportunistas, lanam mo de instrumentos jurdicos, por vezes,
teratolgicos, simulando
tutelar a sociedade. Da novos tipos penais so criados,
recrudescendo o tratamento
conferido aos acusados em geral, incrementando as penas,
restringindo direitos e
garantias individuais, alm de outras medidas denunciadas por
Hassemer, sem que,
substancialmente, signifiquem quaisquer perspectivas reais de
mudanas no quadro
social.20
Hodiernamente, a tendncia internacional concentra-se na utilizao
de uma
reao penal considerada simblica, marcada por instrumentos
inaptos a combater
efetiva e eficazmente as novas formas de infraes. O que importa
manter um nvel de
tranqilidade na opinio pblica, estribado apenas na impresso de
que o legislador se
acha preocupado com o delito. Produz-se a iluso de que os
problemas foram
solucionados.
Adverte Hassemer que o aproveitamento do direito penal como meio
de
transformao social e de asseguramento do futuro da sociedade
ofende,
manifestamente, os axiomas garantistas a que se encontra
inexoravelmente vinculado,
mxime o princpio da subsidiariedade, j que sua utilizao se d
como prima ratio,
sempre que rentvel politicamente.21
18 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e
direito penal. So Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 156. 19 Processo penal e
direitos fundamentais. Revista Del Rey jurdica. Ano 8, n 16, 1
semestre de 2006, p .73. 20 Segurana pblica no Estado de Direito.
P. 63. Revista Brasileira de Cincias Criminais. So Paulo: RT, n 05,
p. 63, jan. 1994. 21 HASSEMER, Winfried. Crisis y caractersticas
del moderno derecho penal. Actualidad Penal. Madrid, n 43/22 de
1993, p. 635-646.
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O direito penal deixa de exercer sua misso de tutela exclusiva
de bens jurdicos
concretos, para executar vagas e imprecisas funes promocionais
ou simblicas.
Retomando as lies de Franz Von Listz, segundo o qual o direito
penal constitui
barreira infranquevel da poltica criminal, Hassemer afirma que,
hoje, no direito penal
do risco, ocorre o inverso, o direito penal aparece como
instrumento da poltica
criminal.22
Segundo o sobredito penalista, o direito penal deve
restringir-se to-somente a
proibio de condutas individuais que provoquem leso ou perigo
concreto de leso a
um bem jurdico individualista, no lhe cabendo promover a
segurana das futuras
geraes ou a diminuio social dos riscos e do sentimento de medo
incrustado na
populao. Sua misso, na realidade, bem mais modesta.23
Desta rgida linha de argumentao decorre a forte posio do autor
contrria
extenso da tutela penal aos bens jurdicos supra-individuais e
aos novos perigos
decorrentes da sociedade de risco, para os quais cabe lanar mo
de outro ramo jurdico,
criado especialmente para tal desiderato, chamado direito de
interveno.
Neste ponto, cumpre transcrever excerto das lies do penalista
alemo
proferidas em uma conferncia do Instituto Brasileiro de Cincias
Criminais aos
17/11/1993: Acho que o Direito Penal tem que abrir mo dessas
partes modernas que examinei. O Direito Penal deve voltar ao
aspecto central, ao Direito Penal formal, a um campo no qual pode
funcionar, que so os bens e direitos individuais, vida, liberdade,
propriedade, integridade fsica, enfim, direitos que podem ser
descritos com preciso, cuja leso pode ser objeto de um processo
penal normal. (...) Acredito que necessrio pensarmos em um novo
campo do direito que no aplique as pesadas sanes do Direito Penal,
sobretudo as sanes de privao de liberdade e que, ao mesmo tempo
possa ter garantias menores. Eu vou cham-lo de Direito de
Interveno.24
Em consonncia com as idias da Escola de Frankfurt, o direito
penal deve
reduzir seus tentculos, submetendo-se a um amplo processo de
descriminalizao de
condutas. Compondo-se apenas por delitos de leso, ou de perigo
concreto, assim
considerado na medida em que o perigo de ofensa, de especial
gravidade, apresentar-se
evidente em relao a bens jurdicos individuais, admitindo,
excepcionalmente, a tutela
22 HASSEMER, Winfried. Perspectivas de uma poltica criminal. Trs
temas de direito penal. Porto Alegre: FESMP, 1993. 23 Idem, Ibidem.
24 HASSEMER, Winfried. Perspectivas de uma moderna poltica
criminal. Revista Brasileira de Cincias Criminais. So Paulo: RT, n
08, p. 49, out. 1994.
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de bens supra-individuais quando estritamente ligados ao
indivduo, a exemplo dos
crimes contra a incolumidade pblica. Tudo com observncia de
rgidas regras de
imputao de responsabilidade pessoal e dos princpios
poltico-criminais garantistas,
como lesividade, subsidiariedade, fragmentariedade etc.
Por outro lado, a proteo aos bens jurdicos supra-individuais em
face dos
novos riscos tecnolgicos incumbiria ao direito de interveno novo
ramo jurdico
e, desta maneira, restaria definitivamente afastada a interveno
penal clssica,
estribada na pena privativa de liberdade e nas garantias
fundamentais.25
Ao lado da descriminalizao de condutas, imprescindvel reduo do
direito
penal a um ncleo mnimo de proteo, despontaria um sistema de
direito novo,
aplicvel pela Administrao Pblica tribunais administrativos e
livre das rigorosas
exigncias principiolgicas e das formalidades para atribuio de
responsabilidade.
Mais apto, portanto, a lidar com as situaes e as necessidades da
sociedade de risco.26
O direito de interveno seria uma alternativa no controle da
criminalidade
moderna. Situado entre o direito penal e o direito
administrativo, com um rebaixado
nvel de garantias individuais e novas formas procedimentais
abreviadas, mas sem a
cominao das pesadas sanes do direito penal, sobretudo as penas
privativas de
liberdade. Orientado por uma interveno precoce, ou seja, pelo
perigo e no pelo dano,
posto que, frente neocriminalidade, a espera da ocorrncia do
dano, pode ser tarde
demais para a tutela do bem jurdico, em razo de sua
magnitude.27
No esclio de Hassemer, Herzog, Prittwitz e outros, um modelo de
direito de
interveno assim configurado mostrar-se-ia, pragmaticamente, mais
adequado para
responder aos problemas especficos das sociedades
ps-industriais. Desta forma,
poder-se-ia liberar o direito penal das expectativas de preveno
dessa modalidade
especial de infrao, para cuja misso no se acha preparado e,
segundo o autor, pode
ser a causa primordial de sua runa.28
No se trata, como bem se pode inferir, de abandono de bens
jurdicos sociais ou
supra-individuais por parte do ordenamento jurdico ou do direito
penal, uma vez que 25 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade
do risco e direito penal. So Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 197. 26 Idem,
Ibidem. 27 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e
direito penal. So Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 197. 28 MACHADO, Marta
Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal. So Paulo:
IBCCRIM, 2005, p. 197.
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estes bens permanecero com o status de bem jurdico penalmente
relevante. Apenas os
tipos penais que os protegem sero filtrados e melhor
selecionados.
Considerando, ademais, que os ilcitos de somenos importncia que
no so
dotados de dignidade penal migraro em direo a um outro ramo
jurdico que no
lanar mo da pena de priso no haver necessidade da manuteno de
todas as
garantias individuais, flexibilizando, inclusive, as regras de
imputao de
responsabilidade, resultando, inexoravelmente, num sancionamento
de natureza no-
penal, com perspectivas otimistas em relao sua agilidade e
eficcia.
Deve-se ter em mente que o direito penal apenas um dos meios de
controle
social, nem sempre necessrio (dignidade penal), nem sempre
eficaz (idoneidade e
carncia de tutela), mas, sem dvida, sempre o mais grave.29
No Brasil, a teste frankfurniana encontra repercusso,
principalmente no
pensamento do Miguel Reale Jnior.
Na relao entre o controle administrativo e o direito penal,
segundo Reale, deve
haver uma relativa independncia, atravs de um funcionamento
alternativo. Donde,
optar-se-ia pela seara administrativa no que concerne a assuntos
afetos rea econmica
de menor relevncia aquelas condutas que no disponham de
dignidade penal, com a
sua conseqente descriminalizao, ao passo que a atuao penal
cingir-se-ia aos casos
extremos em que a sano administrativa no se afigurar
suficiente.
Dispondo de uma finalidade repressora e, ao mesmo tempo,
assecuratria de
tutela dos novos bens jurdicos supra-individuais, o sistema
misto de Reale prope o
julgamento por tribunais administrativos.30
A descriminalizao de determinadas condutas e sua conseqente
administrativizao j vem sendo adotada, paulatinamente, por
diversos pases, dentre
eles Alemanha e Itlia.
No Brasil, bem como se d na Frana, existe dupla tipificao de
contenda
infrao econmica, havendo leis administrativas e penais no mesmo
sentido.
A legislao administrativa de represso ao abuso do poder econmico
e ao
aumento arbitrrio de lucros existe desde a dcada de 60, quando a
Lei 4.317 criou o
29 SICA, Leonardo. Carter simblico da interveno penal na ordem
econmica. Revista do Instituto dos Advogados de So Paulo. So Paulo:
RT, n 02, jul./dez. de 1998, p. 16. 30 REALE, Miguel. Legislao
penal antitruste: Direito Penal Econmico e sua acepo
constitucional. In www.realeadvogados.com.br, acesso aos 24 de
janeiro de 2006 s 14:30, p. 42.
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-
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica -, transformado
em autarquia,
ligado ao Ministrio da Justia, pela Lei 8.884/94, que lhe
atribuiu as funes de
instaurao de processos administrativos, cominao de multas aos
infratores, apurao
e represso administrativa s condutas atentatrias ordem econmica
etc.31
A grande vantagem no uso do mecanismo administrativo para a luta
contra os
ilcitos econmicos consiste na possibilidade de atuao preventiva,
antecipando-se ao
dano, atravs de tipos abertos, tipos de perigo abstrato e por
acumulao, alm da
possibilidade de imputao de responsabilidade sem a necessidade
de se comprovar a
existncia de dolo ou culpa, bastando a mera ocorrncia ftica da
conduta descrita no
tipo. No mbito administrativo, destarte, a responsabilidade
objetiva mostra-se de todo
admissvel, inclusive, com a inverso do nus da prova para o
acusado.
Nada obstante, o legislador insiste em utilizar o direito penal,
hipertrofiando-o
atravs de um processo de inflao legislativa, mesmo que s custas
de serias distores
processuais e materiais. O efeito simblico do lanamento da pena
acaba por produzir
efeito reverso do desejado. Causa inoperatividade e seletividade
do sistema punitivo,
desmoraliza os rgos de persecuo penal, gera sentimento de
impunidade e acaba por
prejudicar a atuao penal naquelas reas em que ele se faz
efetivamente necessrio.
Demonstrada a tese da Escola de Frankfurt e demarcadas as raias
do direito de
interveno, bem como sua ressonncia na doutrina brasileira,
calha, neste ponto, tecer
uma crtica adaptativa ao pensamento frankfurniano, fundado na
premissa de que toda
poltica criminal deve adaptar-se sociedade qual pretende ser
implementada.
2.1. Direito Judicial Sancionador
A realidade da Administrao Pblica brasileira, s avessas do
que
provavelmente ocorre com a Alemanha a ponto de justificar a
aplicao do direito de
interveno pelo Poder Executivo compe-se de uma mirade de
problemas, vale
dizer, desorganizada, sucateada, fisiologista, permevel s
influncias polticas e
econmicas, onde interesse pblico e privado se confundem. Tudo
sob a regncia de
uma sistmica corrupo que resulta na pilhagem do patrimnio pblico
em dimenses
astronmicas. 31 SICA, Leonardo. Carter simblico da interveno
penal na ordem econmica. Revista do Instituto dos Advogados de So
Paulo. So Paulo: RT, n 02, jul./dez. de 1998, p. 21.
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-
Neste diapaso, mostrar-se-ia temerrio incumbir
exclusivamente
Administrao Pblica brasileira o combate s infraes econmicas, o
qual ficaria ao
sabor dos dirigentes polticos, que poderiam atuar de forma
tendenciosa.
Uma possvel e plausvel soluo para este problema consiste na
proposta de
Palazzo, delineada por Luiz Flvio Gomes, referente formao de um
sistema
jurdico satelitrio, que em muitos pontos se assemelha com a
proposta da Escola de
Frankfurt.
O ponto inaugural de sua teoria consiste na constatao de que a
interveno
penal, alm de exigir o respeito ao princpio da legalidade
estrita, reclama e impe a
presena da ofensividade social como forma de legitimao de atuao,
fundado no
desvalor da ao, do resultado e do grau de lesividade do bem
jurdico tutelado,
figurando imprescindvel o reconhecimento da dignidade penal e da
necessidade de
sano, reveladores de sua concepo fragmentria, proporcional e de
interveno
mnima.32
O direito penal s deve intervir se comprovada a lesividade
concreta do bem
jurdico, em situao de afronta coletividade, impondo-se a produo
de um dano ou
de um perigo concreto de dano de forma significativa, capaz de
afetar as condies
comunitrias essenciais ao livre desenvolvimento e realizao da
personalidade humana.
Sob a gide da poltica criminal minimalista (de interveno mnima),
o direito
penal deve ser utilizado quando presentes condutas violadoras de
um bem jurdico
alado ao patamar de dignidade penal (constitucional), sempre que
se revelar impossvel
sua eficaz proteo por outros meios de controle social, formal ou
informal. Atua,
desarte, a dogmtica penal de forma subsidiria, como ultima
ratio, apenas quando
esgotados todos os instrumentos de menor lesividade que aqueles
proporcionados pelo
direito penal.
Expostos os requisitos para a ostentao do epteto ilcito penal,
impe-se,
segundo Palazzo, a realizao de um processo de descriminalizao de
condutas que
no contem com suficiente mrito para ostentar a categoria de
ilcito penal, vale dizer,
32 REALE, Miguel. Legislao penal antitruste: Direito Penal
Econmico e sua acepo constitucional. In www.realeadvogados.com.br,
acesso aos 24 de janeiro de 2006 s 14:30, p. 14.
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para aquelas condutas que no sejam merecedoras de tutela penal
ou no apresentem
necessidade de pena impe-se a descriminalizao.33
Observando que a administrativizao de ilcitos penais acarreta a
mitigao de
garantias individuais, prope-se que, aps o procedimento
descriminalizatrio, proceda-
se jurisdicionalizao do setor mais relevante dos ilcitos penais
descriminalizados,
criando-se uma nova espcie de direito, denominado direito
judicial sancionador.
Este novo ramo jurdico em muito se assemelha ao direito de
interveno
proposto por Hassemer, porquanto se incumbiria da conteno dos
riscos oriundos do
processo de modernizao da sociedade, atuando nos novos focos de
insegurana de
modo prioritariamente preventivo. Por ser sobremaneira mais
flexvel que o direito
penal em relao s garantias materiais e processuais, o direito
judicial sancionador
disporia de sanes menos severas que as penais, renunciando
imposio da pena de
priso.
A grande vantagem detectada na utilizao do direito judicial
sancionador, que o
diferencia do direito de interveno, consiste no rgo competente
para aplicar as
sanes tpicas desse mbito jurdico. Enquanto o direito de
interveno aplicado pelo
Poder Executivo, atravs dos rgos integrantes da Administrao
Pblica, o direito
judicial sancionador aplicado pelo Poder Judicirio, atravs de um
processo judicial
tradicional, cuja deciso seria proferida por um magistrado
especializado, imparcial e
independente, comprometido com a verdade material, o que
conduziria a uma maior
segurana jurdica.
Neste ponto, convm colacionar as lies do prprio Luiz Flvio
Gomes: Impor-se-ia ento jurisdiconalizar o setor mais relevante dos
ilcitos penais descriminalizados, criando-se uma nova espcie de
Direito: Direito sancionador. Em outras palavras, seria um juiz o
responsvel pela aplicao das sanes tpicas desse mbito jurdico
(interdies, penas alternativas etc.; nunca pena de priso).34
Em suma, o sistema jurdico satelitrio seria integrado,
primeiramente, pelo
direito penal tradicional, composto de todas as garantias tpicas
do processo penal,
mxime as rgidas regras de imputao de responsabilidade e do nexo
causal. Fundado,
33 GOMES, Luiz Flvio; BIANCHI, Alice. O direito penal na era da
globalizao. So Paulo: RT, 2002, p. 66. 34 GOMES, Luiz Flvio;
BIANCHI, Alice. O direito penal na era da globalizao. So Paulo: RT,
2002. p. 67.
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prioritariamente, na pena privativa de liberdade e incumbido da
tutela de bens jurdicos
individuais ou supra-individuais quando ligados diretamente ao
indivduo.
Em seguida, o direito judicial sancionador, por renunciar a
aplicao da pena de
priso, flexibilizaria as garantias penais e processuais e, deste
modo, combateria os
novos riscos oriundos da primeira e segunda modernidades,
tutelando bens jurdicos
supra-individuais e voltando a persecuo em direo aos grandes
infratores. Por
ltimo, o direito administrativo permaneceria aplicado pela
Administrao Pblica,
restrito s infraes administrativas comuns.
Deste modo, poder-se-ia conferir razovel eficcia ao combate dos
ilcitos
econmicos e ambientais, na linha de pensamento esposada pelos
frankfurnianos.
CONSIDERAES FINAIS
Quando se pretende combater a criminalidade, deve-se ter em
mente que o crime
no um tumor, nem uma epidemia, seno um doloroso problema
interpessoal e
comunitrio. Uma realidade prxima, cotidiana, quase domstica.
Trata-se de um
problema da comunidade, que nasce na comunidade e que deve ser
resolvido na
comunidade, de forma racional e democrtica.
Nada obstante, o tratamento ministrado ao delito vem se mostrado
altamente
populista e ineficaz. Contempla-se o delito com um enfrentamento
formal, simblico e
direto entre dois rivais o Estado e o infrator -, que lutam
entre si solitariamente, como
lutam o bem e o mal, a luz e as trevas35. Neste duelo, o grande
perdedor o Estado
Democrtico de Direito que se v obrigado a se curvar frente a
interesses oportunistas e
eleitoreiros de legisladores inabilitados a discutir
juridicamente e com parcimnia a
questo criminal.
Imperioso, ao final deste artigo, repisar a assertiva de Thomas
Jeffery, segundo a
qual mais direito penal, mais policiais, mais juzes e mais
prises significam mais
infratores na cadeia, porm, no necessariamente, menos
delitos.36
35 MOLINA, Antonio Garca-Pablos de. Criminologia. 2. ed. So
Paulo: RT, 1997, p. 303. 36 Idem, p. 316.
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