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Algo no Jeito como ela se Move - PREVIEW

Mar 06, 2016

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Paulo F.

Preview do romance Algo no Jeito como ela Se Move, de Paulo F.
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Algo no Jeito como ela se movePaulo F.

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Capa: Paulo F.Foto de AravindRevisão: Camila Kintzer© 200 Paulo Ferro Junior2a Edição (fomato digital- 2013)

Esta obra é uma produção independente.Todos os direitos são reservados ao autor.

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The wrong girlThe wrong kind

The wrong hand to be holdingThe wrong eyes to go searching behindThe wrong dream to have on my mind

- Belle and Sebastian -

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O café, assim como tudo em sua vida naquele momento, estava amargo. O dia, chuvoso; as pessoas que passavam por ele, molhadas e apressadas, traziam carimbadas um certo desgosto em seus rostos; e até mesmo o relógio, que pontuava as chegadas e partidas dos aviões que passavam por aquela imensa parede de vidro, parecia trabalhar lento e triste, como se má vontade, insatisfação e melancolia fossem a grande ordem do tempo.

Sua única salvação, seu bote salva-vidas naquele oceano calmo de tristeza, era a música que ouvia nos headphones. Uma música que falava de cansaço, de desesperança, de amores impossíveis, que era condescendente com tudo o que era tão sentido, e que não podia ser falado, uma música que dava voz aos seus sentimentos, mas que só ele podia (e queria) escutar.

Acendeu um cigarro. Olhou para o relógio e notou que estava quase na hora. Achou muito cedo para sentir saudades e fechou os olhos por trás dos óculos escuros para que uma lágrima não rolasse. Respirou fundo. Não havia motivos para saudades, partia para deixar para trás tudo o que havia acontecido nos últimos meses; seu ambiente não era mais aquele, não podia mais viver naquela cidade. Não se corresse o risco de dobrar uma esquina e dar de cara com ela...

“Atenção senhores passageiros. O vôo 2984, com destino a Londres, já está preparado para levá-los para bem longe. Para onde quiserem ir. Se vocês querem fugir, escapar, esquecer, desistir de suas vidas e deste lugar, esta é sua única chance. Por favor dirijam-se todos ao portão de embarque trazendo em mãos o que restou dos seus corações e suas passagens. Obrigada.”

“Tá frio e eu tô de óculos escuros.Quero ver a noite,

Em vez do dia cinza

Dias cinzas são noites imperfeitas,Que machucam os olhos

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Com alegria triste.

Por isso sigo de óculos escuros,Que me dão a alegria da noite

Sem a tristeza do dia.”

Sorriu, descrente do que havia terminado de dizer. Achou-se ridículo em seu próprio sofrimento. Recolheu os fones de ouvido, guardou o disc-man na mochila, bebeu o último gole de café e levantou-se, pronto para dar os últimos passos em direção a seu novo destino.

Virou-se, e lá estava ela. Parada na sua frente, como nunca estivera antes... Então a mala que segurava encontrou o chão no exato momento em que as turbinas de um avião o impulsionaram para o alto.

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– Ela tá vindo aí, Ric.– Cala a boca, Edgard, não brinca.– Tô falando... Parece que ela tá vindo pra cá.Olhou para trás. O Club estava agitado, centenas como ele andavam de

um lado para outro com garrafinhas long neck de cerveja na mão, tentando transparecer o estilo “não me importo”, alguns conversando animadamente, outros já bêbados encostados nas paredes, respirando um ar pesado de fumaça, calor e rock´n roll. E, no meio de tudo, estava ela. Vinha como que hipnotizada. Por muito tempo ele quis aquilo e sabia exatamente como agir.

– Oi!– Oi!– Posso me sentar?Apontava para o lugar vazio, onde Ed deveria estar.– Claro.Sentou-se, jogou a bolsa e o celular em cima da mesa e fixou seus olhos

contornados por uma grossa linha preta em cima dele.– Seu nome é Ricardo, né?– É... Mas o pessoal me chama de Ric. Acham mais legal.– Prefere Ric ou Ricardo?– Tanto faz... Ric, Ricardo. Não me importo.– Meu nome é Sky.– Eu sei...– Imaginei – sorriu, acendeu um cigarro e continuou. – Eu te vejo sempre

por aqui. E por aqui todo mundo me conhece.– Já percebi. E todos conhecem bem...Sorriu, sentindo uma ponta de sarcasmo na observação dele.– Por quê?– Por nada não, Sky.Pegou o cigarro da mão dela e deu uma tragada. – Vem cá. Seu nome é Sky mesmo?– É Sky sim, porquê?– Ah, ninguém chama Sky.

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Ela sorriu e desviou o olhar.– Qual o seu nome verdadeiro?– Você acha que eu vou te dizer assim, fácil?Ela avançou para pegar o cigarro da mão dele, mas ele a segurou,

puxando-a para perto.– E o que é preciso fazer pra saber?Sky, sem se abalar, toma o cigarro sutilmente com as pontas dos dedos

da outra mão. Dá outra tragada e responde.– Merecer.– E como faço para... merecer?O rápido silêncio que se faz entre as músicas suspende a pergunta no ar.

Sky olha em volta, parece que os dois foram os únicos a notar o breve silêncio. Os olhares se cruzam e grudam um no outro. Outra música começa a tocar.

– Pra começar um copo de coca-cola com vodca. Que tal?– Boa pedida.Levantou-se, caminhou em direção ao bar. Gostava do jogo no qual

acabara de se meter. Sentia que não haveria de fazer muito esforço; só se lamentou pela facilidade da presa. A fama de Sky já era conhecida por todos os freqüentadores mais antigos do Rock Club. Ninguém nunca a viu sair desacompanhada de lá, e ela não fazia distinção de sexo, idade ou classe social. Tudo dependia do seu estado de espírito.

Esse repentino interesse de Sky por Ric chegava mesmo a surpreendê-lo, pois nem sempre as coisas tinham sido daquela maneira. No começo, a simples presença da garota o incomodava. Algo nela o irritava tanto que, até mesmo quando ela se aproximava para conversar com algum amigo em comum, ele se afastava, mas ficava observando a garota de “uma distância segura”. O incômodo era tanto que mal conseguia parar de olhar para ela. Sky percebeu que não conseguiria nada com ele. Mas, com o tempo e à medida que os dois passaram a se encontrar com mais freqüência no lugar – se encontravam, mas nunca chegaram a trocar palavra alguma –, a irritação foi dando lugar a uma curiosidade profunda. Passava todo tempo olhando para ela, e por várias vezes seus olhares se cruzavam, formando um ponto de interrogação no ar. Nunca, contudo, nenhum dos dois tomou a atitude de iniciar uma conversa.

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Algo nela o instigava; talvez fosse seu jeito rebelde, seu cabelo preto, liso e bem cuidado, suas roupas diferentes (mas todas as garotas ali eram assim...). Havia algo de diferente nela, algo que ele não sabia dizer o que era.

Colocou um copo grande de vodca com coca-cola na mesa.– Boa pedida!– A ideia foi sua.– Você não vai tomar?Ele saca dois canudinhos e coloca na bebida.– Gostei...– A ideia foi minha.Os dois se inclinam e bebem ao mesmo tempo.– Você não acha que o clima está romântico demais – Sky pergunta, já

sentindo o efeito do gás da coca-cola levando o álcool da vodca mais rapidamente ao cérebro.

– Talvez romântico de menos...Sky ri. Quando Ric se debruça sobre a mesa procurando pinçar o canudo

com os lábios, ela avança, pinçando-os antes com os seus. Ele abre os olhos, surpreso, mas logo os fecha para curtir o momento. Sente vontade de agarrá-la e trazer para mais perto aquele corpo pequeno e perfeito. Levanta-se, interrompendo o beijo, a puxa pela mão e, assim que se encostam, o beijo continua. Os braços dela envolvendo seu pescoço, os braços dele envolvendo a cintura de Sky. Todos param para vê-lo levantando-a no ar. Alguns levantam suas garrafinhas, em brinde, enquanto outros, mais empolgados aplaudem a felicidade do casal, a rodar pelo salão.

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Sobre o AutorPaulo F. nasceu em São Paulo em 1980, escreveu e dirigiu diversas peças

teatrais, contos e roteiros.Publicou em 2005 a coletânea de contos "Sobre o Infinitivo" (agora

também disponível em ebook).De 2007 a 2010 escreveu e dirigiu diversas peças de teatro que ficaram em cartaz em São Paulo.

Em 2012, publicou seu primeiro romance: "10 Canções de Amor", pela editora Underworld.

É formado em Roteiro e Produção Editorial pela Anhembi-Morumbi e trabalha como editor e tradutor.

Confrontando o invisível e matando monstros gigantes todos os dias.Visite também o Blog do Paulo F.

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