Alfabetização Científica no contexto da Educação Infantil Claudete Consoladora Gonçalves (Secretaria Municipal de Educação, Paraná – SEMED) Kellys Regina Rodio Saucedo (Universidade de São Paulo – UNIOESTE) Resumo: A Alfabetização Científica, desde a Educação Infantil, pode contribuir com a formação intelectual das crianças, pois elas possuem uma enorme curiosidade e o desejo de entender o mundo que as cercam. O conceito de Alfabetização Científica é tema recorrente na literatura do ensino de Ciências e, em geral, há concordância entre os autores de que é importante promover nas escolas, momentos de interação entre as crianças e outras culturas, entre elas a científica. Essa ação permite que as crianças articulem novas experiências, que as auxiliam no ver e no compreender o mundo a sua volta. Nesta pesquisa, de viés qualitativo, exploramos o conceito de Alfabetização Científica e a sua inserção em documentos oficiais do âmbito federal e municipal orientadores da prática docente na Educação Infantil com o objetivo de analisar o viés pelo qual essa abordagem transita no contexto educacional das crianças pequenas. Da análise das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil e do Currículo para Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel da Educação Infantil constatou-se que o termo Alfabetização Científica não é explicitado, existem nestes documentos, por outro lado indicações muito tímidas de uma formação que contempla habilidades conscientes do método e da natureza da ciência. Este resultado é um indicativo da necessidade de que em reformulações dos documentos orientadores sejam integradas a abordagem da Alfabetização Científica de modo mais explícito e mais aproximada ao desenvolvimento do pensamento educacional científico contemporâneo. Palavras-chave: Alfabetização Cientifica; Educação Infantil. Ensino de Ciências. 1 O caminhar da Alfabetização Científica O conhecimento científico diariamente está presente na vida de todos os indivíduos e de alguma maneira interfere diretamente em suas vidas, mesmo que muitas vezes não seja percebido. Entre as pesquisas sobre os caminhos da Alfabetização Científica mencionamos: Krasilchik (1992), Dal Pian (1992), Bybee (1995), Iglesia (1995), Leal e Souza (1997), Lorenzetti (2000). As pesquisas de Iglesia (1995) apresentam a concepção de Alfabetização Científica para todas as pessoas como uma das metas do movimento educativo: “[...] para que estes possam participar do processo democrático de tomada de decisões e da resolução de problemas relacionados com a ciência e a tecnologia em nossa sociedade” (idem, p. 7). De acordo com as palavras do autor a Alfabetização Científica contribui para a formação da consciência crítica do cidadão, criando condições de intervir na sociedade e transformá-la.
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Alfabetização Científica no contexto da Educação Infantil · natureza e da importância de Alfabetização Científica, da seleção e ensino de conhecimentos fundamentais a
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Alfabetização Científica no contexto da Educação Infantil
Claudete Consoladora Gonçalves
(Secretaria Municipal de Educação, Paraná – SEMED)
Kellys Regina Rodio Saucedo
(Universidade de São Paulo – UNIOESTE)
Resumo: A Alfabetização Científica, desde a Educação Infantil, pode contribuir com a
formação intelectual das crianças, pois elas possuem uma enorme curiosidade e o desejo de
entender o mundo que as cercam. O conceito de Alfabetização Científica é tema recorrente na
literatura do ensino de Ciências e, em geral, há concordância entre os autores de que é
importante promover nas escolas, momentos de interação entre as crianças e outras culturas,
entre elas a científica. Essa ação permite que as crianças articulem novas experiências, que as
auxiliam no ver e no compreender o mundo a sua volta. Nesta pesquisa, de viés qualitativo,
exploramos o conceito de Alfabetização Científica e a sua inserção em documentos oficiais do
âmbito federal e municipal orientadores da prática docente na Educação Infantil com o objetivo
de analisar o viés pelo qual essa abordagem transita no contexto educacional das crianças
pequenas. Da análise das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil e do Currículo
para Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel da Educação Infantil constatou-se que o
termo Alfabetização Científica não é explicitado, existem nestes documentos, por outro lado
indicações muito tímidas de uma formação que contempla habilidades conscientes do método
e da natureza da ciência. Este resultado é um indicativo da necessidade de que em
reformulações dos documentos orientadores sejam integradas a abordagem da Alfabetização
Científica de modo mais explícito e mais aproximada ao desenvolvimento do pensamento
educacional científico contemporâneo.
Palavras-chave: Alfabetização Cientifica; Educação Infantil. Ensino de Ciências.
1 O caminhar da Alfabetização Científica
O conhecimento científico diariamente está presente na vida de todos os indivíduos e
de alguma maneira interfere diretamente em suas vidas, mesmo que muitas vezes não seja
percebido. Entre as pesquisas sobre os caminhos da Alfabetização Científica mencionamos:
Krasilchik (1992), Dal Pian (1992), Bybee (1995), Iglesia (1995), Leal e Souza (1997),
Lorenzetti (2000).
As pesquisas de Iglesia (1995) apresentam a concepção de Alfabetização Científica para
todas as pessoas como uma das metas do movimento educativo: “[...] para que estes possam
participar do processo democrático de tomada de decisões e da resolução de problemas
relacionados com a ciência e a tecnologia em nossa sociedade” (idem, p. 7). De acordo com as
palavras do autor a Alfabetização Científica contribui para a formação da consciência crítica
do cidadão, criando condições de intervir na sociedade e transformá-la.
Para Leal e Souza (1997) a Alfabetização Científica e tecnológica é o reflexo do
processo de globalização no Brasil:
[...] entendida como o que um público específico - o público escolar - deve
saber sobre ciência, tecnologia e sociedade (CTS) com base em
conhecimentos adquiridos em contextos diversos (escola, museu. revista,
etc.,); atitudes públicas sobre ciência e tecnologia e, informações obtidas em
meio de divulgação cientifica e tecnológica (p. 330, grifos do original).
Se no Brasil a temática da Alfabetização Científica é recente, em países como a
Inglaterra, Estados Unidos e Portugal há vários anos, este enfoque vem sendo discutido. A este
respeito, Lorenzetti (2000) se fundamenta nos estudos de Bybee (1995), quando nos anos
sessenta a Alfabetização Científica era ressaltada por seus aspectos sociais e seus objetivos
consistiam em:
(a) a avaliar o desenvolvimento histórico e social da ciência; (b) conhecer as
características da ciência moderna; (c) entender e valorizar a relação social e
cultural da ciência; e (d) reconhecer a responsabilidade social da ciência. As
discussões sobre a natureza da ciência, conceitos da ciência, processos de
ciência, valores de ciência, ciência e sociedade, interesses em ciência e
habilidades associadas com ciências foram os grandes temas enfocados nos
anos setentas, procurando responder a questão do que é “unificado na
educação em ciência (BYBEE, 1995 apud LORENZETTI, 2000, p. 39).
Em um salto temporal de uma década, nos anos 80 a Alfabetização Científica tem suas
funcionalidades ampliadas e passa a englobar temas da Ciência, Tecnologia e Sociedade, e as
principais discussões são:
a) processos científicos e tecnológicos e as habilidades de investigação; (b)
conhecimento científico e tecnológico; (c) habilidades e conhecimentos de
ciência e tecnologia em decisões pessoais e sociais; (d) atitudes, valores e
avaliação de ciência e tecnologia; e (e) as interações entre Ciência,
Tecnologia e Sociedade por contextos de assuntos sociais relacionados à
ciência (LORENZETTI, 2000, p. 39).
A alfabetização cientifica a partir dos anos oitenta se destaca devido aos grandes
avanços da produção científica e também pelas novas tecnologias que possibilita de forma mais
rápida a circulação do conhecimento cientifico e tecnologico na sociedade, período em que
uma série de propostas referentes às funções sociais da educação cientifica são abordados.
Dal Pian (1992) enfatiza que estas propostas reconhecem a importância da
Alfabetização Científica para o uso das novas tecnologias e para a modernização do sistema
produtivo nas várias áreas do conhecimento. Destaca, no entanto, a precariedade da formação
de profissionais qualificados em ciências com condições de enfrentar os novos e complexos
desafios de entender como as coisas funcionam na sociedade. De acordo Lorenzetti (2000) com
a exigência das indústrias modernas de mão de obra qualificada e especializada, dependendo
cada vez mais de tecnologias, resulta em novas descobertas da tecnologia.
Com a modernização exige-se cada vez mais qualificação científica e técnica, nesta
perspectiva a alfabetização cientifica estaria correlacionada com a prosperidade da nação,
possibilitando enfrentar essa realidade.
Para Shen (1975) a Alfabetização Científica está relacionada a muitas coisas, entre elas
saber preparar um prato nutritivo ou até mesmo apreciar as leis da física. Para que o leigo seja
capaz no seu dia a dia utilizar o conhecimento científico, são necessários especialistas para
popularizar e desmistificar. O autor destaca os meios de comunicação e a escola para que a
população possa ter um entendimento público da ciência.
Hazen e Trefil (1995) a Alfabetização Científica é um “ [...] conhecimento necessário
para entender os debates públicos sobre as questões de ciência e tecnologia” (p. 12). O
entendimento deste conceito exige um arcabouço de fatos, vocabulários, conceitos, história,
natureza e filosofia do conhecimento científico (LORENZETTI, 2000). KRASILCHIK (1992)
caracteriza a Alfabetização Científica como uma das grandes linhas de investigação no ensino
de Ciências, segundo a autora:
As discussões sobre a natureza e importância da alfabetização em geral e
cientifica, em particular, atingem desde pesquisadores, trabalhando
isoladamente, até instituições do porte e escopo da UNESCO que investem
hoje grande quantidade de recursos e procuram integrar a comunidade de
educadores em ciência do mundo, em seu projeto de nome '2000+'. [...] Os
grandes temas de discussão desse projeto giram em torno da identificação da
natureza e da importância de Alfabetização Científica, da seleção e ensino de
conhecimentos fundamentais a qualquer cidadão plenamente preparado,
cônscio de seus direitos e deveres (KRASILCHIK, 1992, p. 6).
A consolidação da ideia de Alfabetização Científica, nessa perspectiva, requer também
a apreensão dos conteúdos científicos e não somente a exploração das questões sociocientíficas.
As pesquisas de Díaz, Alonso e Mas (2003) estão relacionadas a tomada de decisão na vida
cotidiana em assuntos que envolvem socioeconômicos, culturais, cívicos e práticos, estes citam
a Alfabetização Científica como uma atividade que gradualmente se desenvolve ao longo da
vida. Nesse sentido se torna impossível haver um modelo prático a ser seguido em sala de aula,
pois os objetivos específicos variam dependendo do contexto sociocultural dos alunos.
[...] a Alfabetização Científica é a finalidade mais importante do ensino de
Ciências; estas razões se baseiam em benefícios práticos pessoais, práticos
sociais, para a própria cultura e para a humanidade, os quais se obtêm
por meio da combinação de duas escalas binárias: individual/grupal e
prática/conceitual, dando lugar aos quatro domínios indicados (DIAS;
ALONSO; MAS, 2003, p. 3, ênfase no original).
Para Jiménez-Aleixandre (2004) por meio do ensino de Ciências, os alunos devem ter
condições de entrar em contato com o conhecimento científico localizando-o socialmente, e
tenham condições de tomar decisões diante de um problema que os afligem. Neste sentido a
compreensão das pessoas dos avanços científicos e tecnológicos para o desenvolvimento da
sociedade é de extrema importância para que esta mesma sociedade compreenda as aplicações
e implicações na vida cotidiana.
2 O conceito e as diferentes concepções de Alfabetização Científica
O conceito de Alfabetização Científica é mencionado na literatura sobre o Ensino de