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A ATITUDE ETNOGRFICA NA SALA DE AULA
descolonizando os processos de ensino
lamo Pimentel1
Resumo: Este ensaio prope uma abordagem ps-colonial da produo do
conhecimento em sala
de aula. Parte-se do questionamento das relaes de saber-poder
constitutivas dos modelos
eurocntricos de educao e, indica-se a inscrio da atitude
etnogrfica na composio de uma
atitude educadora como perspectiva de transformao das condies de
alteridade nas relaes
entre educadores e estudantes. A sala de aula concebida como uma
Zona de Contato em que
diferentes expresses culturais entram em conflito e buscam
estabelecer interlocues. Ao longo
do texto, apresentam-se formas de agenciamento emergentes da
atitude etnogrfica que lanam
outras perspectivas para o enfrentamento dos desafios da produo
do conhecimento no
aprofundamento das experincias de convvio social em sala de
aula.
Palavras- Chave: Etnografia. Educao e Ps-colonialismo.
Antropologia da Educao.
Abstract: This paper proposes a post-colonial approach to the
production of knowledge in the
classroom. Part is questioning the constitutive relations of
power-knowledge Eurocentric models
of education, and indicates the description of the ethnographic
approach in the composition of
attitude as an educator perspective transformation of the
conditions of alterity relations between
educators and students. The classroom is designed as a Contact
Zone in which various cultural
expressions conflict and seek to establish dialogues. Throughout
the text, we present emerging
forms of agency ethnographic attitude that launch other
perspectives to addressing the challenges
of knowledge production in deepening the experiences of social
interaction in the classroom.
Keywords: Ethnography. Education and postcolonialism.
Anthropology of Education.
1 Professor Associado II do Centro de Educao da Universidade
Federal de Alagoas, Professor Permanente do
Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Federal da
Bahia. Especialista em Antropologia pela
UFAL, Doutor em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Ps-Doutorado em Sociologia do
Conhecimento pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra (PORTUGAL), email:
[email protected].
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1 Introduo:
A produo do conhecimento em sala de aula marcada pelo excesso
de
institucionalizao das relaes sociais que constituem este espao.
A rgida distino das
posies institucionais ocupadas pelos professores e pelos
estudantes uma das marcas herdadas
pelos modelos eurocntricos dos processos de ensino. Tal distino,
comumente, confere alto
grau de centralizao das prticas de ensino como determinantes das
posies ocupadas pelos
professores em sala de aula e, por outro lado, reduz condio de
aprendiz as posies ocupadas
pelos estudantes.
As diferenas de pertencimentos aos espaos da sala de aula por
fora do contraste binrio
que marca os lugares dos professores e dos estudantes resultam
das relaes de poder que
denotam seus papis sociais nos ambientes educacionais. Tais
relaes de poder, uma vez
naturalizadas nos cotidianos escolares, em lugar de favorecerem
maior reciprocidade entre os
diferentes atores sociais que compem a sala de aula, agravam
profundamente as distncias
simblicas que delimitam as fronteiras entre uns e outros,
inviabilizando prticas de alteridade
que proporcionem a transformao das suas relaes.
A etnografia como processo de produo do conhecimento que tem
como premissa o
exerccio intenso da alteridade, oferece importantes alternativas
ao questionamento das prticas
de ensino naturalizadas nos cotidianos escolares e, de certa
forma, pode consolidar polticas de
descolonizao dos processos de ensino, medida que faz-nos
aprender outras formas de ensinar
e conviver com as heterogeneidades sociais e culturais na sala
de aula.
A etnografia emerge no sculo XX como um processo de produo do
conhecimento no
qual o pesquisador inscreve-se em outras culturas, em busca da
compreenso dos pontos de vistas
das pessoas acerca daquilo que elas fazem quando compartilham
espaos de vivncias.
Reconhecendo a etnografia como processo deflagrador de
diferentes experincias de gerao do
conhecimento conforme nos mostra James Clifford (1998)2, os
saberes necessrios ao ensinar
2 Escolhi James Clifford para destacar tal afirmao pela
excelente anlise que nos oferece sobre as diferentes
formas de produo do conhecimento antropolgico atravs da
etnografia, ao destacar as diferentes formas de
autoridades emergentes destas prticas. O que o autor nos oferece
uma interessante perspectiva de compreender as
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A atitude etnogrfica na sala de aula
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para a transformao dos processos de ensino podem encontrar fonte
fecunda de inspirao
naquilo que chamo de atitude etnogrfica. Para avanar nesta
reflexo indico que as operaes de
congruncia entre a atitude etnogrfica e os processos de ensino,
exigem deslocamentos
epistemolgicos, ou seja, trata-se de pensar a atitude etnogrfica
fora dos domnios da pesquisa
de campo na antropologia (ou em outras reas do conhecimento)
para inscrev-la (ou mesmo
reconhec-la) nos limites de uma sala de aula, ou em todos os
espaos nos quais as prticas de
ensino coordenam as interaes entre as pessoas. Parto do
pressuposto de que a sala de aula um
espao de encontro entre culturas diferenciadas e de que a
abordagem dos processos sociais neste
espao, numa perspectiva ps-colonial, no incide sobre a nfase
epistemolgica da cultura, mas
na cultura como processo de gerao de diferentes narrativas sobre
experincias de vida,
narrativas estas marcadas pelas relaes de saber e poder que
extravasam nas prticas sociais de
conversao, conforme nos sugere Homi K. Bhabha (1998).
Defino como atitude etnogrfica as prticas de alteridade nas
quais buscamos assumir
posies ao lado das pessoas para compreender o desconhecido
atravs de outras perspectivas
socioculturais. Na maioria das vezes as pessoas assumem
diferentes posies sociais dentro de
um mesmo contexto e, a partir do lugar em que esto, produzem
diferentes pontos de vista para
narrarem suas relaes com o mundo ao redor. Isto supe o exerccio
intenso de diferentes formas
de estranhamento, alteridade, partilha de campos de viso e
parmetros de compreenso que nos
exigem compor com as outras pessoas, experimentaes com as
diferentes formas de
conhecimento que constituem os discursos na sala de aula.
Parto do pressuposto indicado por Janice Caiafa (2007) de que na
etnografia produz-se
antes de tudo uma atitude, uma forma de colocar-se na pesquisa e
na relao com o outro(p.
174). medida que busco aproximaes entre a etnografia e a educao,
procuro compreend-
la para alm das suas determinaes disciplinares na antropologia.
Quero dizer com isto que
proponho um dilogo interdisciplinar maneira como outros autores
(ROCHA e TOSTA, 2009),
(PORTELA, SACRAMENTO e SILVA, 2011) e (CARIA, 2003)3 tambm em
dilogo com a
relaes indissociveis entre saber e poder que legitimam as
autoridades etnogrficas, sobretudo dos cnones da
antropologia.
3 importante destacar que cada uma destas obras recorre dilogos
interdisciplinares diferentes. Sandra Tosta e
Gilmar Rocha apresentam de forma inovadora aproximaes entre a
antropologia e a educao no Brasil. Os autores
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antropologia, sugerem alternativas para a compreenso daquilo que
reconheo como atitude
etnogrfica na assuno de novas posturas nos cenrios educacionais
contemporneos.
importante lembrar as contribuies que inmeros intelectuais
latino-americanos deram a esta
busca de fuso entre aspectos pedaggicos e investigativos na
construo poltica de novas
ferramentas de investigao socialmente comprometidas, quando das
formulaes da pesquisa
participante na Amrica Latina (BRANDO, 1985)4.
O que pretendo, em verdade, indicar a sala de aula como lugar de
deslocamento
intelectual no qual podemos descobrir outras formas de produzir
conhecimento em regime de co-
funcionamento com as presenas que constituem conosco este espao
de relaes. Coloco em
perspectiva a sala de aula como uma zona de contato, em que
culturas dspares se encontram, se
chocam, se entrelaam uma com a outra, frequentemente em relaes
extremamente assimtricas
de dominao e subordinao. (PRATT, 1999, p. 27) Penso que esta noo
ressalta o
questionamento dos modelos eurocntricos que predominam na formao
ocidental dos processos
educativos no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao predomnio
do ensino sobre as formas do
aprender no mbito da escolarizao do conhecimento.
Assumo as proposies de Georges Balandier (1997) quando sugere o
exerccio do
contorno antropolgico como um movimento no qual ns,
pesquisadores, construmos ao lado de
outras pessoas o compromisso de compreender as formas do poder
em crescente transformao
no mundo contemporneo, como forma de participao crtica nestas
transformaes. Neste
sentido proponho o contorno na sala de aula para a busca de
formas recprocas de transformao
das nossas relaes com o saber e com o poder. Indico ainda o
necessrio trabalho das tradues
interculturais, conforme prope Boaventura de Sousa Santos (2010)
como ferramenta de luta por
justia cognitiva atravs de aprendizagens recprocas que
viabilizam a compreenso intercultural
portugueses Pedro Gabriel Silva, Otvio Sacramento e Jos Portela
organizaram um importante livro no qual
destacam de forma interdisciplinar as relaes entre etnografia,
interveno social e prxis reflexiva. Telmo Caria,
importante pensador portugus, tem dado significativas
contribuies para o dilogo entre antropologia, sociologia e
educao sob o ponto de vista da formao profissional.
4 Pesquisa Participante inovou nas aproximaes entre a etnografia
e a educao, sobretudo no que diz respeito ao
engajamento poltico na construo do conhecimento. O antroplogo
Carlos Rodrigues Brando teve um papel
fundamental na construo de dilogos com outros prensadores
latino-americanos na construo de pontes entre a
pesquisa e a educao popular. Com isso quero mostrar que a
proposta deste ensaio retoma, sob outra perspectiva (da
sala de aula), a construo poltica das formas de participao na
produo do conhecimento.
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dos fenmenos sociais nos quais tomamos parte. Atravs das tradues
interculturais assumimos
a co-presena como princpio bsico de convivncia e produo do
conhecimento.
Pretendo indicar que a atitude etnogrfica viabiliza a ligao do
ensino na transformao
das prticas de educadores e educadoras, ao mesmo tempo, inverte
as posies sociais assumidas
por estes atores sociais quando esto envolvidos com os seus
quefazeres, sobretudo nos espaos
da sala de aula. Atravs da atitude etnogrfica o lugar do
educador deixa de ser o centro da
produo social do conhecimento e o educador e a educadora constri
outros lugares na partilha
das posies sociais viveis nas relaes intrainstitucionais.
medida que busca colocar-se-com-os-outros no interior dos
processos de produo do
conhecimento, os educadores e as educadoras geram novas culturas
de convivncia e incorporam
as situaes de interculturalidades prprias das relaes de
proximidade como contextos de novas
prticas profissionais e, ao mesmo tempo, de reconstruo tica e
poltica dos pactos de
convivncia intrainstitucional construdos nos cotidianos das
instituies educacionais.
Em linhas gerais o que proponho que a atitude etnogrfica seja
compreendida como
postura de ligao e abertura s transformaes recprocas que incidem
na formao dos
educadores e das educadoras e geram novas formas de
ensinar-aprender no contexto das
instituies, sobretudo no que diz respeito sua participao nos
conflitos socioculturais do
mundo contemporneo. importante destacar que a atitude etnogrfica
no se esgota em si
mesma e deve ser reconhecida como uma configurao de outras
formas de agenciamento que
evocam a partilha de lugares na busca produo intersubjetiva das
relaes em sala de aula. Parto
do pressuposto de que o agenciamento implica a composio de
arranjos discursivos nos quais
assumimos as dimenses sensveis e inteligveis das nossas relaes
e, ao mesmo tempo indica a
indissociabilidade entre o discursivo e o no discursivo na
produo heterognea de tais relaes
(CAIAFA, 2007, p. 151).
A seguir, apresento algumas formas de agenciamento que
constituem as interfaces da
atitude etnogrfica e que, sugerem inscries nos processos de
convivncia em sala de aula. Ao
longo das reflexes exponho experincias recentes nas quais busco
praticar o deslocamento e a
congruncia da atitude etnogrfica no contexto das minhas
atividades como educador.
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2 A contemplao e o despertar das sensibilidades de pertencimento
s relaes
Seria ingnuo e, por demais arriscado, pressupor que a atitude
etnogrfica deriva
exclusivamente do fato de termos uma formao especfica num
determinado campo do
conhecimento (antropologia, por exemplo), ou pelo fato de
exercitarmos a observao
participante de forma exaustiva para cumprir uma determinada
agenda de pesquisa. Embora tais
condies no sejam exclusivas, nem estejam excludas na construo da
atitude etnogrfica,
ressalto que esta ltima , tambm, a configurao de um feixe de
outros agenciamentos que, em
alguma medida, compem a complexidade do ato de nos colocarmos no
mundo com os outros.
Ainda segundo a perspectiva adotada por Janice CAIAFA (2007) a
antropologia pode nos
favorecer aprendizagens que no se restringem aos limites
disciplinares de suas teorias, podemos
compreend-la tambm como um campo produtivo de trabalho efetivo
onde floresceu uma
forma de pesquisar, uma atitude, um olhar, um tipo de inquietao
intelectual e afetiva....
(CAIAFA, 2007, p. 174) Penso que as congruncias entre os
aspectos afetivos e cognitivos e,
sobretudo a inscrio das relaes entre aquilo que vemos e aquilo
que vivemos no mbito da
linguagem, sugerem compreender a contemplao como uma forma de
agenciamento constitutiva
das interlocues que nos posicionam nos nossos contextos de
relaes.
Neste sentido, convm lembrar com Humberto Maturana (1999) que
conversar uma
congruncia do emocionar e no linguajar do outro. Isto nos remete
a uma busca, no menos
importante que incide na procura em decifrar o que o outro diz.
Refiro-me, sobretudo, a busca
de partilhar sensibilidades para a composio das formas de estar
juntos. O que pretendo mostrar
que no se pode descartar a compreenso de que quando
experienciamos a contemplao do
mundo que nos envolve, estabelecemos conversaes com este mundo,
e isto implica o despertar
das sensibilidades que nos colocam ao lado das outras pessoas e
consolidam nossas relaes ao
longo dos processos de convivncia.
Quando entro em campo para iniciar uma pesquisa, assim como
quando entro em sala de
aula para incio de um semestre, a nica certeza que me acompanha
a de que preciso estabelecer
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conexes sensveis com o lugar e as pessoas, a fim de construir as
possibilidades de trnsito
cultural na interao com os outros. Alm de observar atentamente o
que me cerca, procuro
identificar pessoas com as quais seja possvel ir, aos poucos,
conquistando espaos nas relaes
com o contexto envolvente. Foi assim no meu primeiro dia de
aulas no Centro de Educao
(CEDU) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), instituio para
a qual me transferi no ano
de 2013.
No dia 15 de abril de 2013 cheguei UFAL s 7 h15, era meu
primeiro dia de aula na
instituio (momento inaugural das minhas rotinas institucionais).
O nibus que peguei (Ponta
Verde - UFAL) fez uma volta imensa pela cidade e abriu-me uma
perspectiva assustadora de
fazer o caminho, para chegar ao local de trabalho (na minha
experincia anterior eu morava a 10
minutos de caminhada da Faculdade de Educao da Universidade
Federal da Bahia, agora levo
1h e 15min no nibus para chegar ao meu local de trabalho. Vale
ressaltar que desconhecimento
dos nomes das ruas e bairros transformou a minha viagem numa
longa contemplao das
paisagens ignoradas no destino). Ao chegar ao campus da
universidade fui direto ao prdio de
salas anexo ao CEDU para procurar no mural mais prximo, as
orientaes quanto sala em que
eu iria dar aulas. J havia algumas pessoas no local. Presumi
serem estudantes. No mural e nas
sinalizaes das portas e colunas do prdio, a identificao das
salas foi feita a partir do semestre
no qual as turmas encontram-se. Era o meu primeiro dia e eu no
sabia qual o semestre
correspondente turma que iria trabalhar: eu estava perdido.
Conversei com um grupo de estudantes que por ali se encontrava.
Informei que era
professor novo e que daria aula de pesquisa em educao. Para o
meu azar este grupo no fazia
ideia de qual o semestre ou turma teria aquelas aulas. Uma
estudante me orientou a procurar a
sala no prdio central do CEDU. Fui ao prdio ao lado e no guich
de informaes da
Coordenao do Curso de Pedagogia fui informado que eu daria aulas
no prdio em que eu estava
anteriormente. Voltei ao local e, antes de chegar, ouvi o meu
nome ser mencionado por um grupo
de estudantes. Apressei-me em apresentar-me e perguntei qual o
perodo desta turma. Fui
informado que esta turma do quinto semestre e que a sala de
nossas aulas seria a de nmero 09.
No momento em que eu estava procurando me situar, consegui
guardar com muita clareza
cada passo que dei at chegar sala de aula: observei
silenciosamente ao redor (chequei o mural,
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procurei mais informaes alm do semestre da turma, fui porta a
porta, sala a sala ver se havia o
meu nome em alguma delas); perguntei ao primeiro grupo de
estudantes que estava mais
prximo, segui a orientao que elas me deram e fui at a coordenao
do curso no prdio ao lado
(colhi a informao de que as aulas ocorreriam no prdio em que eu
estava, mas no fiquei
sabendo qual o semestre da turma), voltei ao prdio e ao ouvir o
meu nome apresentei-me e, na
companhia das estudantes, cheguei at a sala. Foi assim que
coloquei em condio de
estranhamento as situaes naturalizadas na minha experincia, como
professor. Eu cheguei
minha nova Universidade aps passar dez anos circulando em outro
campus, outro prdio, outros
cdigos de interao. Para me situar precisei fluir nas tramas
invisveis da experincia de sentir
o lugar e as pessoas e, assim, prosseguir na abertura de
caminhos.
A partir deste breve exemplo, devo destacar que alm de buscar
integrar de forma mais
consistente as razes e os afetos para estarmos uns com os outros
na busca de congruncia da
atitude etnogrfica com os processos de ensino, a contemplao do
mundo ao redor no apenas
um ato de generosidade perceptiva do mundo que nos cerca, ela
tambm parte do exerccio de
um contorno antropolgico que nos coloca:
...Diante do ignorado espalhado na rede infinita das prticas
sociais e das
condutas individuais, observa as diversas cenas e junta mltiplos
elementos:
coisas, sequencias de ao, signos, smbolos e discursos; e em
seguida reagrupa-
os em conjuntos inteligveis, universos complexos descritivos e
portadores de
sentidos... (BALANDIER, 1997, p.19)
Para mim, esta compreenso da antropologia como forma de
contornar o mundo
contemporneo para compreend-lo melhor, conforme define Georges
Balandier, indica que o ato
de contemplar o que desperta e situa meus sentimentos e ideias
na relao com o mundo
envolvente. Contemplar no apenas fruir no deleite das paisagens
circundantes, mas, tambm,
operar conexes entre o sentimento de mundo e a pertinncia de
significados que atribuo quilo
que contemplo. Contemplar o que me inscreve no lugar e, ao mesmo
tempo, o que me autoriza
a enunciar o lugar ao me posicionar no lugar.
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3 A produo dos arranjos discursivos nos processos educativos
A experincia da contemplao evoca atitudes discursivas para
produzir cenas e alegorias
que conduzem as outras pessoas quilo que contemplamos nos
processos educativos. Preciso
dizer: dar notcias do que vi quando estava procura de
posicionar-me com os outros em sala de
aula. Ou, em outras palavras, colocar ao alcance dos outros,
aquilo que reelaboro a partir do que
experimento quando estou em situao de trnsito cultural. H um
momento em que os processos
contemplativos deixam de servir aos discursos da vida privada,
simplesmente, e tornam-se
discursos da vida pblica daqueles que praticam etnografia. Este
momento implica a passagem da
experincia pessoal para outras formas da experincia
institucional, a descrio articulada uma
exposio didtica para fins de explanaes tericas, um ato de
oralidade ou de escrita que
indica a inscrio do trabalho etnogrfico em outras esferas de
insero. atravs do texto escrito
e falado que a experincia pessoal do etngrafo torna-se visvel
(audvel) para outras pessoas.
Quando um antroplogo ou uma antroploga d aulas, por exemplo,
traz as suas experincias de
campo para dentro de sua prtica de ensino, ou seja, amplia o
campo de visibilidade quando
explica aos seus alunos atravs da experincia vivida; ou provoca
leituras de suas monografias e
artigos para alar compreenses das teorias com as quais constri
os seus caminhos intelectuais.
Na medida em que tenta posicionar-se em campo atravs das anotaes
em seus dirios,
os praticantes da etnografia realizam outras composies das cenas
que posteriormente iro
revelar suas apropriaes dos pontos de vistas dos outros.
importante lembrar que ... enquanto
acreditamos registrar apenas fatos, ns produzimos tambm formas
(...) a descrio consiste em
(...) uma atividade de transformao do visvel.... (LAPLANTINE,
2004, p.119) Transpor a
experincia ao texto falado ou escrito sob o olhar e a escuta dos
outros uma forma de alterar o
seu estatuto de pertencimento. Ela, a experincia, deixa de ser
exclusivamente minha e passa a
ser alvo de leituras, audincias, comentrios e, at mesmo
subverses que advm das inscries
dos outros naquilo que dizemos. A descrio no apenas uma forma
subalterna de emoldurar o
discurso antropolgico, como tambm nos lembra Franois Laplantine
(2004), ela , sobretudo,
um arranjo discursivo no qual utilizamos diferentes recursos
para expor as cenas nas quais
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buscamos interpretar o mundo atravs de outros olhares. Considero
importante, lembrar mais
uma vez, as lies de Janice Caiafa sobre o texto etnogrfico. Ela
nos diz o seguinte:
...A simpatia como co-funcionamento dos agenciamentos como vimos
para o trabalho de campo passa para o texto etnogrfico com a
construo dessa enunciao coletiva. Nela todas as vozes so
particulares nenhuma tem aspirao de tornar-se universal. Ao mesmo
tempo, elas se distinguem, persistem
a alteridade e a tenso entre elas (...) assim que se produz
estranhamento,
diferena, que realiza a viagem que no s do etngrafo, embora ele
a tenha
iniciado, mas tambm de todos os que participam dos
agenciamentos, inclusive
o leitor... (CAIAFA, 2007, p. 170)
Compreendida assim a descrio, como uma das formas do texto
etnogrfico, um gnero
discursivo que no descarta a alternncia entre aqueles que falam
na escritura do texto, tampouco
eliminam a polifonia presente na produo dos seus arranjos
discursivos. (BAKHTIN, 2006) Eu
sugiro que alm destas orientaes, possamos compreender que aquilo
que descrito serve de
matria prima para conquistarmos outras formas de ensinar e
aprender (gerar novos fluxos de
conversaes), mesmo que ns no sejamos antroplogos ou antroplogas
que encontram em
seus dirios a matria prima para o desenvolvimento
terico-metodolgico dos seus trabalhos
como pesquisadores ou educadores. O registro sistemtico das
experincias vividas em sala de
aula pode nos ajudar a compreender melhor as pessoas com as
quais convivemos, mais do que
isto, pode nos ajudar a criar formas de convvio institucional em
que as reciprocidades no
aprender podem nos ajudar a superar as formas de injustias
cognitivas (SANTOS, 2010) que
atravessam nossas relaes pedaggicas. atravs da atitude
etnogrfica que o educador e a
educadora pe em circulao o conhecimento produzido na pesquisa
por ele ou ela e por outros
pesquisadores que foram a campo para compreender melhor outras
formas de produo social do
conhecimento.
Anteriormente eu citei passagens do meu primeiro dia de aula no
Centro de Educao da
Universidade Federal de Alagoas, aps a minha aula (e ao longo
dela tambm) fiz as anotaes
que agora servem de exemplo para este ensaio. Destaquei aspectos
referentes ao dia e hora em
que foram escritos, indiquei cenas das paisagens dos caminhos,
formas de interaes com as
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pessoas, situaes e dilemas que tomaram parte daquele dia. medida
que componho meus
dirios, ou mesmo minhas anotaes dispersas sobre fatos que tomam
parte dos meus cotidianos
como educador, encontro uma fonte de recursos discursivos que
orientam aquilo que fao quando
dou aulas, seja no sentido mesmo da minha atuao como professor,
seja no sentido da minha
atuao como ator social que alm de dar aulas precisa compreender
as situaes de conflito nas
quais est envolvido quando est em sala de aula. Tais textos
podem ser compreendidos como
exerccios de uma auto-etnografia, conforme a definio de Mary
Louise Pratt (1999), que os
concebe como textos marcados por grande heterogeneidade tanto da
parte de quem os produz
quanto da parte de quem os recebe. Ainda que no os produza com
uma finalidade especfica,
nem mesmo com uma frequncia rgida, estes textos favorecem a
mltiplas interpretaes e
compreenses dos processos vividos em sala de aula.
Por vezes, as minhas anotaes servem de matria prima para
construir roteiros de
trabalho em que a participao do outro extrapola o limite da
audincia obediente aos contedos
trabalhados em sala de aula. Procuro provocar questes que gerem
formas de participao em
sala de aula; nas quais os contedos e prticas de ensino sejam
reapropriados pelo grupo e
alterados a partir das diferentes posies que decorrem da condio
de estar em sala de aula. Para
que isto acontea preciso conceber um plano de trabalho no qual a
nfase em temticas que
possuam covalncia social e epistemolgica. Em outras palavras no
momento do planejamento do
trabalho importante considerar os saberes sociais que j possumos
dos nossos contextos de
atuao como educadores e educadoras, para compatibilizarmos com
os saberes especficos das
reas de conhecimento com as quais trabalhamos.
Meses antes de chegar sala de aula no CEDU/UFAL eu andava as
voltas com o plano de
trabalho do componente curricular que fazia parte da minha
rotina como educador quele
momento inaugural. Fiz um estudo do plano. A ementa,
inicialmente no poderia ser alterada,
mas a organizao geral do trabalho poderia ser alterada. E foi.
Fiz isto tomando nota do antes e
do depois, a propsito de compreender melhor porque, a partir
daquele momento, a oferta da
pesquisa educacional no curso de Pedagogia da Ufal seria
oferecido do meu jeito. Alm disso,
procurei criar instrumentos que me possibilitassem identificar
os saberes j adquiridos pelos
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estudantes a propsito do envolvimento curricular que temos, ao
nos relacionarmos uns com os
outros a partir das formas de conhecimento necessrias pesquisa
em educao.
Com isto quero indicar que as formas de descrio so variveis e
diversas, podem ser
expresses de uma determinada prtica (do trabalho de campo), mas
tambm podem ser
expresses de outras prticas (de ensino ou aprendizagem), o que
interessa realar que, seja
uma descrio feita a partir de uma interao com outras pessoas,
seja a descrio feita a partir da
interao com textos, objetos ou mesmo sensaes emergentes das
nossas mltiplas formas de
pertencimento e envolvimento com o mundo; atravs do texto
etnogrfico que tornamos
visveis para ns e para os outros as condies discursivas5 que
indicam tempos, espaos e
interaes com os contextos em que tomamos parte. Alm de podermos
aperfeioar, ou mesmo
diversificar nossas prticas de pesquisa, atravs da descrio,
podemos tambm aperfeioar, ou
mesmo diversificar nossas prticas educativas.
No entanto a descrio no pode ser compreendida como a ltima
palavra que temos
sobre os arranjos discursivos que nos enredam e orientam nos
nossos trnsitos culturais. Ela, a
descrio, uma das dinmicas de atuao intelectual que compe a
atitude etnogrfica e que
contribui para a ampliao das nossas atitudes educadoras,
importante lembrar a natureza
problemtica das relaes sociais presentes nas nossas salas de
aula e, tambm, nos nossos
campos de atuao na pesquisa.
4 A problematizao e as reconstrues dos arranjos discursivos
Logo na introduo deste ensaio afirmei que a produo do
conhecimento na etnografia
parte em busca do desconhecido a partir da busca dos pontos de
vistas que as pessoas constroem
5
Alm da j anunciada definio de Caiafa (2007) de que a etnografia
uma forma de produo
heterognea de discursos, orienta-me tambm a compreenso de que
atravs do discurso que ns instauramos
nossas relaes de poder e saber com outras pessoas. Tal questo
foi sumamente analisada por Michel Foucault em
diferentes obras, para a escrita deste ensaio destaco, sobretudo
o entendimento do pensador francs sobre a funo-autor, atravs desta
funo que se instituem campos discursivos que delimitam regies
diferentes de saber (FOUCAULT, 2006).
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para traduzirem a maneira como veem o mundo e vivem suas
experincias cotidianas. A educao
ocidentalizada, ao contrrio, parte de contedos j consolidados do
conhecimento historicamente
construdo para ampliar as formas de acesso e participao das
pessoas na construo e
reconstruo destes contedos. Esta inverso de posies na produo do
conhecimento nos
contextos educacionais apresenta um desnvel epistemolgico que
aponta para um dos aspectos
problemticos dos encontros culturais entre os indivduos no
contexto de uma sala de aula. A
partir da experincia etnogrfica reconhecemos as diferenas
culturais que nos cercam
produzindo interlocues com os outros, no entanto, a experincia
pedaggica nos impinge uma
monocultura do ensino em que os outros so mantidos distncia a
propsito da manuteno de
hierarquias rgidas entre quem ensina e quem aprende, isto supe a
formao de um desnvel
epistemolgico que precisa ser questionado ao longo dos processos
em que nos constitumos
como educadores.
Sempre haver desigualdade entre aquilo que o educador sabe para
ensinar e aquilo que os
outros desconhecem sobre o que ser ensinado, assim como h
desigualdades entre aquilo que o
educador desconhece sobre o que os outros fazem quando esto em
sua presena na sala de aula,
e aquilo que os outros compartilham em segredo na presena do
educador, quando este coloca em
curso os seus mtodos de ensino. Estas desigualdades, que esto
presentes nas diferenas
quantitativas e qualitativas da relao professor-aluno indicam
importantes horizontes de
questionamento dos processos que envolvem a gerao de saberes na
sala de aula.
Quero afirmar que este desnvel epistemolgico gerador de
diferenas culturais,
desigualdades e conflitos sociais nas relaes produzidas no
interior de uma sala de aula.
medida que se naturaliza na educao aquilo que j conhecido como
ponto de partida para o
envolvimento dos indivduos em uma relao que pressupe a produo do
conhecimento, aquele
que detm as regras que definem o que j conhecido e deve ser
ensinado, detm um patamar de
superioridade que amplia as distncias sociais com os outros. Na
maioria das vezes os processos
de ensino esto marcados por procedimentos de subalternizao dos
outros, ou seja, aquele que
sabe mais desconhece as histrias de vida dos outros e os
silencia. (SPIVAK,2010) Quando
considero que aquilo que desconheo do outro relevante para
reduzir as distncias entre o que
se ensina e o que se aprende, alteram-se as formas de exerccio
do poder nas relaes com o
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educar. Subverter as relaes com o poder na sala de aula produz
alternativas para os exerccios
de estranhamento com certas situaes dadas, isto sugere
reconhecer a esperteza que est
presente nas relaes humanas, conforme sugere Georges Balandier
(1997, p. 118) e utiliz-la a
favor de novas formas de questionamento, que tornem possvel
reconstruir os arranjos discursivos
com os quais compomos, intervimos e nos apoderamos do e no
conhecimento com os outros.
As equaes tericas que definem a relao professor-aluno
escamoteiam as diferenas
qualitativas e quantitativas que esto implcitas nesta equao. Na
maioria das vezes trata-se de
um professor para vrios alunos, o que implica uma concentrao de
poderes disciplinares sob a
tutela do professor, que, atravs das suas formas de ensino deve
produzir formas de controle que
sejam eficientes para governar o espao de uma sala de aula. Os
alunos por sua vez, rebeldes ou
obedientes ao modelo da relao pedaggica que os eliminam em suas
diferenas pessoais para
torn-los um todo homogneo que reconhecemos como alunos (o outro
englobado da relao),
so submetidos aos processos homogeinizadores que pervertem suas
diferenas e ampliam as
desigualdades na sala de aula.
Os diferentes indivduos que ocupam este espao so portadores de
histrias diferentes,
carregam consigo diferentes cdigos de conversao cultural,
participam de diferentes processos
simblicos de interao no grupo e com o grupo em que esto
inseridos. Ao mesmo tempo, tais
indivduos participam de forma desigual dos processos sociais que
atravessam suas relaes
interpessoais, seja porque possuem diferentes condies
socioeconmicas, de gnero, tnico-
raciais, etrias ou mesmo porque so portadores de outras
eficincias fsico-motoras (comumente
chamadas de necessidades especiais ou deficincias pelos
discursos especializados em voga).
Na medida em que considero que tais condies indicam os desnveis
epistemolgicos na
sala e aula, assim como as diferenas culturais, desigualdades e
conflitos sociais que compem as
constelaes de relaes neste espao, reconheo o carter problemtico
do lugar e busco formas
de contorn-lo produzindo outras formas de me relacionar com o
saber e o poder neste espao. J
no me interesso apenas pelo carter genrico das relaes na sala de
aula, mas busco formas de
interaes sustentveis nas quais ...a co-presena radical significa
que prticas e agentes de
ambos os lados da linha so considerados em termos
igualitrios.... (SANTOS, 2010, p.45) Isto
exige a compreenso de que preciso conhecer melhor, ao menos
compreender de forma mais
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ampliada, aqueles com quem constitumos a nossa condio de
educadores e educadoras nas
interfaces do ensinar e do aprender.
Alm de formular questes que sejam pertinentes abertura da
participao do outro nos
processos de ensino, importante produzir visibilidades e
dizibilidades das diferenas na sala de
aula. comum as pessoas me dizerem que o Curso de Pedagogia um
curso eminentemente
feminino. No posso aceitar esta afirmao se a mesma tem como
inteno indicar que todos os
Cursos de Pedagogia so iguais e que todas as mulheres tambm so
iguais. A aparente
homogeneidade de gnero portadora de desigualdades. O que compe a
desigualdade de
gnero nos Cursos de Pedagogia tambm atravessado por inmeras
diferenas culturais que
articulam, por sua vez, outros arranjos discursivos nas salas de
aulas destes cursos. Ao longo das
minhas experincias consigo identificar diferentes regras de
socialidade entre as estudantes de
Pedagogia. H regras de idade, de orientao religiosa, de orientao
sexual, de orientao
poltica e de estado civil, de proximidade na ocupao do espao na
sala de aula; que incidem
sobre as escolhas que as estudantes fazem, para comporem seus
grupos de vivncias no Curso de
Pedagogia.
Quanto mais questionamos nossos espaos de relaes enquanto
educadores e
educadoras, mais se revela a heterogeneidade em expanso nos
nossos contextos de vivncias
institucionais. A produo das diferenas precisa ser reconhecida,
pois indica as mltiplas
posies que as pessoas assumem quando se colocam umas com as
outras em processos de
interao. Isto sugere ir para alm da construo de pontos de vistas
unificados, porque exige
reconhecer a heterogeneidade de pontos de vistas para
estabelecer mltiplas referncias de
conexo nas conversaes na sala de aula.
5 A diferenciao de pontos de vistas na sala de aula
Diferenciar pontos de vistas apresenta-se tambm como uma forma
de agenciamento que
provoca a busca de mltiplas formas de dizer, ou mesmo
compreender determinadas situaes
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vividas, ou determinados caminhos tericos que possam nos manter
as voltas com os problemas
tericos e as suas possveis solues.
No espao de uma sala de aula, as diferentes questes e comentrios
lanados pelos
estudantes ao longo da exposio do educador e da educadora
indicam posies diferenciadas na
relao com aquele/aquela que ensina e o contedo trabalhado. Ao
mesmo tempo, as questes,
comentrios e contedos dirigidos pelo educador-educadora aos seus
alunos sero apropriados
segundo mltiplas referncias de entendimento. As dimenses
afetivas e cognitivas presentes nas
relaes interiores a uma sala de aula, no se deixam reduzir a uma
nica significao deste
espao, a heterogeneidade inscrita nestas dimenses atravessam e
movem variaes de pensar-e-
dizer a partir de cada lugar em que os indivduos se colocam.
Logo na minha primeira aula de pesquisa educacional no ano de
2013, lancei a seguinte
questo para a turma: como voc definiria a pesquisa educacional?
As respostas foram as mais
diversas, o que sugere, de incio, que cada pessoa tem uma
compreenso particular daquilo que
ser matria das nossas interaes em sala de aula, acrescentando
diferenas, muitas vezes
substantivas nas condies iniciais de aprendizagem dos contedos
programticos que foram
especialmente selecionados para apresentarem respostas a esta
questo.
Cada estudante respondeu sua maneira a questo proposta. Muitos
se deram conta de
que, apesar de j possurem algum conhecimento sobre o tema,
encontram dificuldades em
defini-lo, outros o fizeram de forma muito pessoal. Quando as
respostas so confrontadas no
conjunto, apresentam muitas diferenas, embora apresentem tambm
algumas semelhanas, o que
favorece ao seu agrupamento segundo enunciados bem amplos nos
quais h um sentido comum
para o grupo determinado de respostas. Aps lanar a questo,
solicitei que o grupo entregasse-
me suas respostas por escrito. Sistematizei os significados,
para torn-los mais compreensveis
para mim e para o prprio grupo de trabalho. No quadro abaixo
apresento o resultado obtido com
esta atividade, para colocar em destaque os principais
enunciados apresentados pelo grupo.
Utilizo este quadro apenas como uma sntese das configuraes
gerais da heterogeneidade
discursiva produzida em sala de aula, sem qualquer pretenso de
fixar os resultados ou mesmo
reduzir a atividade aos seus aspectos quantitativos. Em linhas
gerais identificam-se os seguintes
significados:
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Quadro I Significados atribudos pesquisa educacional
Principais Significados Nmero de Respondentes
Processo 11
Produto 04
Componente Curricular 04
Base de Formao 02
No Respondeu 01
TOTAL 22
Fonte: CEDU/UFAL- Pesquisa Educacional quinto semestre matutino
2013
A maioria dos estudantes utilizou a noo subjacente de processo
para indicar o seu
significado pessoal para a pesquisa educacional. Todas as
respostas que indicavam uma sequncia
mais ou menos sistemtica de aes que conduzem busca por
conhecimento foram
consideradas como portadoras do sentido de processo na definio
do que a pesquisa
educacional, a exemplo da resposta da Estudante A, que diz o
seguinte: uma estratgia usada
para aprofundar conhecimentos com base em pesquisa de campo,
fatos reais, etc. A resposta foi
bastante resumida, mas destacou a natureza estratgica da
pesquisa e o trabalho de campo
como marca de qualificao da mesma, o que sugere um encadeamento
de aes e, ao mesmo
tempo, uma busca pelo conhecimento.
Um grupo significativo destacou em suas respostas a pesquisa
como ferramenta,
instrumento ou objeto, a Estudante B disse o seguinte: definiria
como objeto norteador das
metas para a organizao de objetivos tericos e prticos. A nfase
nesta concepo indica a
pesquisa como produto; algo que nos apresentado sob uma forma
especfica com alto grau de
definio material e simblica disponvel para determinados usos, no
caso da resposta da
Estudante B a aplicabilidade da pesquisa serve para nortear
metas.
Em igual correspondncia com o nmero de respostas que definiram a
pesquisa como
produto esto aqueles que indicaram a pesquisa como componente
curricular. Segundo a
Estudante C a pesquisa educacional ...uma rea do conhecimento
que visa o aperfeioamento
constante na educao . Neste caso o que predominou foi a correlao
imediata entre a pesquisa
e o componente curricular no qual a estudante est matriculada.
Embora estas respostas possam
indicar, tambm, uma viso de produto, procurei destac-las de
forma distinta porque tais
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respostas sugerem que ao menos quatro estudantes, cerca de 20%
do total de respondentes,
estabeleceram relaes imediatas entre a pergunta feita e o
contexto em que estavam. Isto sugere
uma forma de pensar excessivamente centrada nas configuraes
imediatas do espao e tempo
em que a atividade foi vivenciada.
Houve ainda duas pessoas que identificaram a pesquisa
educacional como base de
formao para o educador. A Estudante D disse compreender a
pesquisa como base para o
trabalho do educador, esta resposta sugere o reconhecimento de
outras prticas e saberes
necessrios formao do educador. A pesquisa educacional seria
portadora destas prticas e
saberes, segundo a estudante.
O nico texto que no apresentou resposta questo, no entanto,
respondeu a questo
posterior que diz o seguinte: qual a importncia da pesquisa para
a formao do educador?. A
estudante que no encontrou resposta para definir o significado
da pesquisa educacional no
hesitou em responder que a pesquisa serve para nortear o
professor no desenvolvimento do
aluno e prprio. Em alguma medida esta resposta abrange os dois
quesitos destacados nas
questes trabalhadas em sala de aula e toca transversalmente no
tema que estou tentando
desenvolver neste ensaio. nortear o professor no desenvolvimento
do aluno e prprio situar
pessoas nos contextos sociais em que se desenvolvem como
pessoas. O que temos diante de ns
um mosaico de diferentes enunciaes sobre um mesmo tema. Assim
uma sala de aula, um
espao multifacetado, atravessado por diferentes relaes sociais,
histricas e culturais que nem
sempre se deixam reduzir a uma viso nica de mundo.
As diferentes respostas oferecidas pergunta como voc definiria a
pesquisa
educacional produziram visibilidade para os diversos pontos de
vistas dos estudantes sobre o
tema. Ao se colocarem a pergunta, a partir da provocao do
questionrio, os prprios estudantes
passaram a se perguntar mais sobre o tema, deram-se conta das
suas dvidas a respeito do
questionamento, comearam a trabalhar os sentidos com os quais
buscamos no curso dos
trabalhos em sala de aula, ampliar e aprofundar conhecimentos
sobre o tema.
Alm de encontrar uma multiplicidade de respostas, os
questionrios nos permitem
compor novos instrumentos para retornar questo; sempre que
quisermos rever posies, alter-
las e at mesmo abandon-las ao longo dos nossos processos
formativos. A matria prima das
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trocas emergentes nas fuses entre a atitude etnogrfica e os
processos de ensino gera roteiros
para darmos voltas com o conhecimento a partir das
reciprocidades do ensinar e no aprender
com os outros.
6 As conversaes e os diferentes ciclos de participao na produo
do conhecimento
Estar s voltas com os outros o que define o conversar, e o
conversar por sua vez, o
que permite seguir na produo social do conhecimento fazendo,
desfazendo e refazendo relaes
com as pessoas e as obras deixadas pelas pessoas. Reconhecer a
sala de aula como um espao de
mltiplas conversaes exige ultrapassar as simplificaes que
reduzem as relaes professor-
aluno a relaes do tipo eu-tu. A sala de aula um espao de vrios
entre-ns vertiginosos,
farpados, repletos de clivagens, desnveis, ondulaes, fluxos e
armadilhas relacionais. Neste
espao h muitas indefinies, apesar das delimitaes rigorosas que
separam as pessoas no que
se refere s formas de ocupao institucional dos espaos destinados
s prticas de conhecimento.
Alm das diferentes posies que as pessoas produzem atravs das
histrias de vida que
as produzem. Alm das desigualdades sociais e cognitivas que as
pessoas carregam em suas
trajetrias formativas. Alm dos conflitos previsveis e
imprevisveis que emergem dos contrastes
das interaes nas salas de aula. As alternativas de congruncia no
linguajar e no emocionar que
viabilizam as relaes na produo do conhecimento entre os
educadores e as educadoras com os
seus outros. Corre um provrbio popular no Brasil que diz:
falando que se entende, eu
ampliaria este provrbio para afirmar que na sala de aula falando
que se entende e se sente
aqueles com quem se entende. Conversar ao mesmo tempo situar e
transitar entre
aproximaes sensveis e distanciamentos necessrios para construir
mltiplas perspectivas de
interaes entre diferentes prticas de conhecimento.
As conversaes, ou melhor, as diferentes situaes de conversar com
os outros que
compem os cenrios das salas de aula. Compreender as diferentes
dinmicas que situam as
pessoas na partilha do conhecimento em campo e na sala de aula
pode talvez, contribuir para
encontrarmos na atitude etnogrfica algo que extrapola suas
distines de usos
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institucionalizadas. Talvez seja importante lembrar que todo
pesquisador e toda pesquisadora que
tambm se ocupam de tarefas do ensino, s vezes, passam mais tempo
em sala de aula que em
campo. Logo, colocar em sala de aula as diferentes estratgias
utilizadas em campo para
compartilhar com os outros a palavra vivida pode contribuir
significativamente para alterar as
formas excessivamente naturalizadas de ensinar e aprender. Ainda
que isto no resulte em matria
prima para novas pesquisas, poder resultar em matria prima para
a assuno de novas posturas
nas relaes com as pessoas.
Conversar no um processo tranquilo, tampouco igualitrio de
compartilhar diferentes
pontos de vista sobre temas e assuntos socialmente relevantes
para nossas formaes. Alis, a
depender das posies que assumirmos no interior de uma roda de
conversa as diferenas que
produzimos na proximidade com os outros podem se tornar muito
maiores do que aparentam ser
quando estamos distncia uns dos outros. Basta prestar um pouco
mais de ateno ao observar o
que acontece conosco e com as pessoas quando entramos em situao
de conversa. Uma simples
conversa pode gerar competies de retricas quando as pessoas
entram em disputa para
mostrarem que sabem mais de determinados assuntos que outras. H
ainda situaes em que a
inveja, a desconfiana, ou frustraes pessoais so acionadas logo
nas primeiras trocas de
palavras. H situaes de encantamento com performances
discursivas. Mas ocorrem tambm
situaes de silenciamentos. H, sobretudo, efervescncias de
subjetividades produzindo
configuraes incertas, mas generativas de prticas de conhecimento
nas interaes enquanto
perdura uma conversa.
Certa ocasio uma estudante me revelou que temia determinada
professora porque ela (a
professora) fazia perguntas difceis, para acuar os estudantes e
testar suas ignorncias. Segundo
a estudante, ao longo do tempo o grupo se acostumou com as
atitudes da professora, mas ela (a
estudante) desenvolveu uma tcnica para lidar com a situao. Assim
que a professora acabava de
explicar o assunto, antes mesmo de provocar as questes
inquietantes, a estudante fazia uma
lista de perguntas sobre o contedo do texto apresentado e
disparava contra a professora. Fez isso
durante vrias semanas. Diante de todas as perguntas e da
persistncia da estudante nas perguntas
a professora foi aos poucos mudando sua atitude. Com o passar
das semanas a professora esticava
as explicaes e antes mesmo que a estudante perguntasse qualquer
coisa, dava o assunto por
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A atitude etnogrfica na sala de aula
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encerrado, recomendava leituras para as prximas aulas e ia
embora. Este exemplo mostra que as
rodas de conversa so tambm rodas de aprendizagem dos exerccios
de poder em sala de aula.
O que eu pretendo indicar que as situaes de conversa so
conflituosas e virtuosas na
emergncia de possibilidades de estar-juntos na produo de
conhecimento, seja na sala de aula,
seja nos nossos campos de investigao. Em ambos os espaos nossos
pontos de partida para nos
relacionarmos com as pessoas sero diferentes, mas as orientaes e
posies que assumimos ao
produzirmos reciprocidades no processo podem ser extremamente
fecundas quando utilizamos o
poder a favor das identificaes com os outros. Neste sentido que
entendo a sala de aula como
um espao para a deflagrao de diferentes ciclos de produo do
conhecimento que circunda e
alimenta nossas prticas educativas.
Alm de ensinarmos contedos programticos dos saberes escolares,
podemos aprender
outras formas de interagirmos na produo do conhecimento. As
diferentes experincias
conversacionais possibilitam tambm diferentes congruncias nos
nossos fazeres enquanto
educadores e educadoras. Ao se deslocar com os outros na
conversa o educador e a educadora
alterna posies, escuta em profundidade as diferentes questes
lanadas e parte destas questes
para ampliar as possibilidades de compreenso dos saberes em
processo nas suas prticas de
dizer-fazer com os outros. H um ir e vir recorrente marcado por
continuidades e
descontinuidades que so prprias dos efeitos do conversar. neste
cenrio de lutas por
definies de significados para a experincia vivida, que aqui
compreendemos tambm como
conversar, que os ciclos do conhecimento na etnografia geram
mais conhecimento sobre a
antropologia ao mesmo tempo em que geram mais dvidas sobre as
possibilidades de se definir a
cultura, ou as culturas, em conceitos unvocos. Concatenar
diferentes prticas de conversao o
que torna possvel inscrever a atitude etnogrfica nos processos
de ensino.
Compreender o conversar como forma de agenciamento da atitude
etnogrfica na sala de
aula o que me permite, afirmar, ainda que provisoriamente, que
entre o saber ensinar e assumir
posies sociais em sala de aula as possibilidades de congruncia
no agir so infinitas, basta que
tenhamos olhos para ver, ouvidos para ouvir e bom senso para
partilhar espaos de entendimento
com os outros com os quais convivemos na sala de aula e fora
dela.
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REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501
7 Situar, traduzir, transitar, educar
Procurei at aqui indicar os caminhos possveis para a inscrio da
atitude etnogrfica na
sala de aula. Ao longo deste ensaio o meu maior propsito foi
destacar as formas de
agenciamento advindas da etnografia, a ttulo de enfatizar a
descolonizao dos processos de
ensino, a fim de ressaltar a importncia de outras formas de
aprender a conviver com os grupos
sociais que constituem as salas de aula. Para isto parti do
questionamento das prticas de ensino
excessivamente institucionalizadas na contemporaneidade.
Contemplar, produzir discursos, problematizar, diferenciar
pontos de vistas e conversar
so formas de agenciamento que no se submetem a uma ordem linear.
Na verdade so
emergncias de experincias vividas, nas quais, buscamos ocupar
lugares nas relaes para nos
movermos com os outros e, em alguma medida, gerar as
possibilidades de identificao que
fazem com que nossas co-presenas perdurem nos processos em que
tomamos parte com os
outros na produo do conhecimento.
Os caminhos percorridos at aqui buscam mostrar que alm de nos
situarmos com os
outros, protagonizamos formas de traduo intercultural em que
diferentes saberes co-operam na
produo de sentidos. Para estar e permanecer nas relaes uns com
os outros, deflagramos
diferentes experincias de trnsito cultural a partir das
aprendizagens na vida social e, ento,
reconhecermos a educao na heterogeneidade do ensinar e do
aprender que emerge das nossas
identificaes.
Neste sentido, o que eu tentei mostrar foi que a partir das
formas de nos situarmos nas
relaes (configuradoras da atitude etnogrfica) so geradas formas
de tradues das diferentes
experincias cotidianas que se colocam em causa. Ao mesmo tempo,
ensinamos e aprendemos
uns com os outros em trnsito, na medida em que construmos
reciprocidades nas nossas
identificaes culturais. Identificar-se com construir novos topoi
de instalao das relaes de
poder-saber que abrem outros horizontes de interaes. Isto exige
reconhecer todas as formas de
produo da inexistncia dos outros nas nossas situaes de convvio
social conforme nos orienta
Boaventura de Sousa Santos (2008), refut-las e a partir de
aprendizagens recprocas das
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A atitude etnogrfica na sala de aula
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ausncias e emergncias que marcam os nossos presentes, provocar
emancipaes intelectuais
que transformem radicalmente as relaes de poder ainda vigentes
no trabalho do conhecimento
nas escolas e fora delas.
Reconhecer-se como educador e como educadora extrapolar as
presses que sequestram
nossas vozes em nome dos ordenamentos institucionais que ainda
insistem na separao brutal
que divide o ensinar do pesquisar, e subalternizam o aprender
como condio de inferioridade nas
nossas relaes com o saber.
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