-
Na tradio filosfica ocidental o
homem representa uma ruptura do
continuam natural. Como animal falante, habita a clareira em que
se
abre toda significao, todo dizer;
como mortal^ encontra sua dimenso mais autntica na antecipao
de
sua prpria impossibilidade radical.
Questionar o lugar e a estrutura desta
negatividade constitutiva ponto de
partida para uma compreenso, em
toda sua profundidade, da relao
essencial estabelecida entre morte e linguagem^
-
As pesquisas de Glorgio Agamben garan-tiram-lhe um posto-chave
nas discusses
contemporneas sobre o poder, Recons-tituindo, em sua trilogia do
Homo sacer, os mecanismos de incluso e excluso do indivduo
subjacentes a toda teoria de legitimao-da soberania, sua
reformu-lao do conceito de vida nua informa as anlises mais
percucientes sobre a pol-tica atual, apontando da maneira mais
lcida as estratgias desestabilizantes com as quais as potncias, na
qualidade de paradoxais mantenedoras da "segu-rana" mundial,
procuram perpetuar seu monoplio.
Em sua proposta sempre renovada de elucidar (e, auspiciosamente,
dissolver ou desativar) o vnculo entre violncia e direito, percorre
incessantemente e em todos os sentidos o campo do conhe-cimento.
Atravs do estudo flogico e lingstico,, reconstri o jogo das
intertsi-dades que a se distribuem, fazendo emergir os
pressupostos, os pontos impensados em torno dos quais as prticas
institu-cionalizadas encontram sedimentao e autojustificao.
A linguagem e a morte uma etapa rele-vante neste itinerrio, de
reelaborao dos tpicos anteriormente mapeados, de preparao do
terreno para as descobertas mais recentes. Em seu desenvolvimento,
a obra tem a forma de um seminrio filosfico (com base
principalmente na releitura de textos de Hegel e Heidegger) ao
longo do qual interrogada a relao essencial entre finguageme morte,
como esta se apresenta em momentos cruciais da tradio filosfica
ocidental. Agamben adverte, porm, que a compreenso deste nexo
depende da abordagem, em toda a
A L I N G U A G E M EA MORTE UM SEMINRIO SOBRE 0 LUGAR DA
NEGATIV1DADE
-
U N I V E R S I D A D E FEDERAL D E M I N A S G E R A I S R e i
t o r : R o n a l d o T a d u P e n a V i c e - R e i t o r a : H e
i o s a M a r i a M u r g e i S t a r l i n g
E D I T O R A U F M G D i r e t o r ; W a n d e r M e l o M i r
a n d a V i c e - D i r e t o r a : S i lvar ia C o s e r
C O N S E L H O E D I T O R I A L "Wander M e l o M i r a n d a
( p r e s i d e n t e ) C a r l o s A n t n i o L e i t e B r a n d
o J o s F r a n c i s c o S o a r e s J u a r e z R o c h a G u i m
a r e s M a r i a d a s G r a a s S a n t a B r b a r a M a r i a H
e l e n a D a m a s c e n o e S i l v a M e g a l e P a u l o S r g
i o L a c e r d a B e i r o S i l vana C o s e r
Ci [ ( )KCiH > A G M R I N
A L I N G U A G E M E A MORTE UM SEMINRIO SOBRE 0 LUGAR DA
NEGATIVIDADE
" T r a d u o de HENRIQUE BURIGO
Belo Horizonte Editora UFMG
200
- 1
-
S U M R I O
I N T R O D U O 9 -
P R I M E I R A J O R N A D A
O Dasein e a m o r t e . O p r o b l e m a da o r i g e m da
negat iv idade. O iSada e o hlo. A palavra: Da-Seitr. ser -o-a i .
A n e g a t i v i d a d e p r o v m ao ser-a do seu p r p r i o a.
O h o m e m c o m o l u g a r - t e n e n t e do nada. H e g e l e
H e i d e g g e r 13
S E G U N D A J O R N A D A E/eusis. H e g e l e o ind iz ve l .
A l i q u i d a o da c o n s c i n c i a s e n s v e l no c a p t u
l o I da Fenmenoiogia. N s n o d i z e m o s a q u i l o q u e q u
e r e m o s - d i z e r . A d ia l t ica do Islo. O m i s t r i o e
l e u s i n o da Fenomenologia. O indizve l e a l inguagem. T o d a
pa lavra d iz o ine fve l . O Isto e a in ic iao ao n e g a t i v o
19
EXCURSUS 1 (entre a segunda e a terceira jornada)
A r i s t t e l e s , o Isto e a essnc ia p r ime i ra . T 11
T[\ e i v a i . M o s t r a r e d izer 31
T E R C E I R A J O R N A D A
O a e o Isto. O p r o b l e m a do s ign i f i cado d o s p r o
n o m e s . G r a m t i c a e lgica . C) p r o n o m e e os
transcendentia. O p r o b l e m a da ind icao , Os p r o n o m e s
c o m o shifters. O t e r - l u g a r da l i n g u a g e m , A d i
m e n s o de s igni f icado d o s p r o n o m e s e o p r o b l e m
a d o ser. O s shifters c o m o e s t r u t u r a l ingst ica d a t
r a n s c e n d n c i a 3 5 EXCURSUS 2 (entre a terceira e a quarta
jornada)
G r a m t i c a e teo logia . O n o m e de D e u s . A ms t ica
e o n o m e i n o m i n v e l 45
Q U A R T A J O R N A D A
O lugar da l inguagem e a nega t i v idade . A v o z e o p r o b
l e m a da indicao. A d i m e n s o de s igni f icado da v o z . A
g o s t i n h o e a pa lav ra m o r t a . G a u n i J o e o p e n s
a m e n t o da v o z s . R o s c e l i n e o s o p r o da v o z . A
o u t r a V o z : o ter - lugar da l i n g u a g e m c o m ar t i
cu lao or iginr ia . A V o z c o m o c r o n t e s e : o ter -
lugar da l inguagem e a t e m p o r a l i d a d e . A V o z c o m o
f u n d a m e n t o n e g a t i v o e c o m o lugar d a nega t i v
idade 5 1
EXCURSUS 3 (entre a quarta c a quinta jornada)
O q u e exis te na v o z ? O c rcu lo h e r m e n u t i c o do
Deinterpretatioue. D e r r i d a e o grmmi. A g r a m a t o l o g i
a c o m o f u n d a m e n t o l o g i a 59
-
O ' U N T A | i i K N A D A I legcl t- -,\ V o z . A V o z tia m
o r t e . T o d o animal l e m na m o r t e v io l ruUi nnui voz .
A d ia l t i ca v o z / l i n g u a g e m e a dia lt ica s e r v o
/ s e n h o r . O g o z o do s e n h o r e a V o z . A V o z c o m
o a r t i c u l a o o r ig inr ia d o n e g a t i v o 6 3
EXCURS US 4 (entre a quinta e a sextajornada)
BataHe e a negat iv idade s e m e m p r e g o . D u a s cartas
de K o j v e a Bata le 71
S E X T A J O R N A D A
Heidegger e a V o z . A l inguagem n o a v o z do v i v e n t e
h o m e m . O h o m e m est no l u g a r da l inguagem s e m ter u
m a v o z . Stimme e Stimmung, P e n s a m e n t o da m o r t e e p
e n s a m e n t o da V o z . A V o z c o m o v o z do ser 75
EXCURSUS 5 (entre a sexta t a stimajornada) O i n i t o l o g e
m a da V o z na mst ica da A n t i g i d a d e tardia. A f igura de
. % / n a g n o s e va lent iniana. O si lncio c o m o m o r a d a
do L o g o s em D e u s g7
S T I M A J O R N A D A
A exper inc ia do ter - lugar da pa lav ra na poes ia . A tp ica
e os e v e n t o s de l inguagem. O ter- lugar da palavra c o m o a
m o r n o s p o e t a s p r o v e n a s . Ra%p de trobare ars
inveniendi O v i v i d o e o p o e t a d o . A ten^o de non-re de A
i m e r i c de "Peguilhan. Leitura de O infinito de L e o p a r d i
. O signif icado do e l e m e n t o mt r i co -mus ica l na poes ia
. A M u s a c o m o exper inc ia da inapreensibi l idade do lugar
da palavra. Poesia e f i losofia. V e r s o e p rosa . R e t o m a
d a d o idio l e o p a r d a n o 9 1
EXCURSUS 6 (entre a stima e a oitava jornada) L e o n a r d o e
o nada 11$
O I T A V A J O R N A D A
A V o z c o m o art iculao metafsica original entre natureza e
logos. Significar e most rar . O es ta tu to do f o n e m a . A re
lao essencial entre l inguagem e m o r t e c o m o V o z . Lgica e
tica. A V o z c o m o p u r o quere r -d ize r (nada) e c o m o e l
e m e n t o tico. A un idade de lgica e t ica c o m o sigtica. O f
u n d a m e n t o n e g a t i v o e o saber s e m f u n d a m e n t
o s . Fi losof ia e tragdia. A fi losofia c o m o r e t o m a d a
da consc inc ia trgica. A V o z e o mst ico. O p r o b l e m a do
ni i l ismo. O A b s o l u t o e a V o z . O *se. t h o s e d a m n
. O m o n l o g o do l t imo f i lsofo . A d isso luo da re lao e n
t r e l inguagem e m o r t e . O n o - n a s c i d o e o jamais s
ido 1 1 5
EXCURS US 7 (aps a ltima jornada) O p e n s a m e n t o do t e m
p o . O ter -s ido em Hege l e em Heidegger. O A b s o l u t o e o
Eretgfis. A V o z absoluta . A t r a n s m i s s o indizvel . O fim
da histr ia em Hege l e em Heidegger . O ter -s ido e o jamais
sido. Histr ia sem dest ino. O p r o b l e m a do sacrif cio. O f u
n d a m e n t o da v io lncia e a v io l nc ia do f u n d a m e n t
o 1 3 5
EPLOGO
O fim do pensamento 1 4 5
N O T A S 149
B I B L I O G R A F I A 1-63
Em u m a pas sagem da terceira conferncia sobre a Essncia da
linguagem, He idegge r escreve :
Die Sterblichen sind jene, die den Tod ais Tod erfahren kn-nen.
Das Tier vermag dies nicht. Das Tier kann aber auch nicht sprechen.
Das Wesensverbltnis zwischen Tod und Sprache blittt auf, ist aber
noch ungedacht. Es kann uns jedoch einen Wink geben in die Weise,
wie das Wesen der Sprache uns zu sich belangt und so bei sich
verhlt, fur den Fali, dafi der Tod mit dem zusammengehrt, was uns
be-langt.
[Os mortais so aqueles que podem ter a experincia da morte como
morte. O animal no o pode. Mas o animal tampouco pode falar. A
relao essencial entre morte e linguagem surge como num relmpago,
mas permanece impensada. Ela pode, contudo, dar-nos um indcio
relativo ao modo como a essncia da linguagem nos reivindica para si
e nos mantm desta forma junto de si, no caso de a morte pertencer
originariamente quilo que nos reivindica] (Heidegger 3, p.
215).
-
durante o vero de 'K>K, em ! .e T h o r : Vocs podem ve lo,
eu no posso. Todavia , a i n t e r rogao n o tem em vis la , aqui ,
u m a in terpre tao do p e n s a m e n t o de He idegge r . E l a
recua para a q u m des te , i n t e r r o g a n d o a r e l ao c o
m o se ap re sen t a em a lguns m o m e n t o s dec is ivos na h is
tr ia da f i losof ia oc identa l , m a r c a d a m e n t e em Hege
l , e , s imu l t aneamen te , o lha t a m b m para a l m dele, p r
o c u r a n d o mante r - s e l ivre pa ra o caso em que mm a mor t
e nem a l i nguagem p e r t e n a m or ig inar iam ente qui lo q u
e re iv indica o h o m e m .
Na t rad io da filosofia oc identa l , c o m efeito, o h o m e m
figura c o m o o mortais, ao m e s m o t empo , c o m o o falante.
Ele 0 an imal que pos su i a facu ldade da l i nguagem (cpov Xyov
E%0>v ) 2 e o an ima l que possu i a facu ldade da m o r t e
(Fhigkeit des Todes, nas pa lavras de Hege l ) . Igua lmente
essencial este nexo na exper inc ia cr ist : os homens , os v
iventes , so incessante -m e n t e remet idos m o r t e a travs de
Cr is to (tl yhp T)fXl 01 rvTe ei Qvaxov 7tapai8Lie8cx ic '
irjero-uv; II Cor. 4 .11) , ou seja, atravs do Verbo, e esta f que
os m o v e pa lavra ( m i Tinei niareonev, 8 i kcu XaXo^evf 4.13) e
os cons t i tu i c o m o os e c n o m o s dos mis t r ios de D e u
s (OlKOVJIC JIlCTTTlpav Geo); I Cor. 4 .1) . A facu ldade da l i n
g u a g e m e a f acu ldade da m o r t e : o nexo entre es tas duas
facu ldades , s empre pressupos tas no h o m e m e , no obstante ,
j ama i s co locadas r ad i ca lmente em questo , pode g enu inamen
t e p e r m a n e c e r i m p e n s a d o ? E se o h o m e m n o
fosse nem o falante e nem o morta l , sem por isto de ixar de m o r
r e r e de falar? E qual o nexo entre es tas suas de t e rminaes
essenc ia i s? S o b duas formulaes diversas , estas no d i z em
talvez a m e s m a coisa? E se este nexo no t ivesse , de fato,
lugar?
O seminr io , de senvo lvendo tais in te r rogaes , apresenta
-se c o m o um semin r io sobre o lugar s. negat iv idade . No
decor re r da pesqu i sa se t o rnou manifesto , rea lmente , que o
n e x o entre l i nguagem e m o r t e no poder i a ser i l uminado
sem que se es -c larecesse , ao m e s m o t empo , o p rob l ema do
negat ivo . Tan to a f acu ldade da l i n g u a g e m quan to a
facu ldade da m o r t e , enquan to ab r em ao h o m e m a sua m o
r a d a ma i s prpr ia , ab rem e desve l am esta m o r a d a c o m
o j p e r m e a d a desde s empre pe la nega t iv idade e ne la
fundada. U m a vez que o falante e o mortal,
o homem e n nas pa lavras de I legel, o ser nega t ivo que o que
no c, e nao e o que , ou, s egundo as pa lavras de Heidegger , o .
luga r - l enente (Plat^halter) do nada ,
A ques to a part i r da qua l toma impu l so a pesqu i sa deve
assumir , ento , necessa r i amente , a fo rma de u m a pergunta
que in t e r rogue o lugar e a es t rutura da negat iv idade. A
resposta a es ta questo conduz o seminr io passando pela definio da
esfera de signif icado da pa lavra sere dos ind icadores da enunc
iao que dela so par te in tegrante a u m a re iv indicao do prob
lema da Voz e da sua g ramt i ca c o m o p rob l ema metaf s ico
fundamental e , con jun tamente , c o m o es t rutura or ig inr ia
da negat iv idade .
C o m a expos io do p rob l ema da voz , o seminr io at inge,
por tanto , seu objetivo. Todavia , aqui seria t a m b m possvel
dizer, r e t o m a n d o as pa lavras de Wi t tgens te in , que o
seminr io mostra , antes , q u o p o u c o se fez q u a n d o se
reso lveu um prob lema . O c a m i n h o que o p e n s a m e n t o
deve a inda percor re r , se de um c am inho p ropr i amen te se
trata, aqui pode ser apenas ind icado. Ent re t an to , que esta
ind icao se faa em direo a u m a tica c o m p r e e n d i d a c o m
o morada habi tua l e , ao m e s m o t empo , sub t r a da i n f o
r m u l a b i l i d a d e ( sigcf qua l p e r m a n e c e c o n d e
n a d a no inter ior da t rad io metaf s ica , ce r t amente n o a
lgo s em signif icado. De fato, a cr t ica da t rad io on to -lg
ica da filosofia oc identa l no p o d e ser l evada a cabo se no
for, s imu l t aneamente , u m a cr t ica da sua t rad io tica. Lg
ica e t ica r e p o u s a m sobre um n ico f undamen to negat ivo e
so, no hor i zonte da metaf s ica , inseparve is . Por tanto , se,
verdade i -r amente , s egundo as pa lavras que ab r em o Mais
antigo programa sistemtico do idealismo alemo, a inteira metaf s
ica , no futuro, deve cair na tica, jus tamente o sent ido desta
queda pe rmanece , para ns , a coisa ma i s difcil de pensar . Pois
talvez seja u m a queda tal a que t emos diante dos o lhos : e ,
contudo , esta queda n o s ignif icou abso lu t amente um decl n io
da metafs ica, m a s s imp l e smen te o de svendamento e o advento
devastador do seu ex t r emo fundamento negat ivo no prpr io corao
do f lSo, 6 ou seja, da m o r a d a habi tua l do h o m e m . Es te
advento o niilismo, para a lm de cujo hor izonte o pensamen to c o
n t e m p o r n e o e a sua prx i s (a sua polt ica) a inda no d e
r a m um s passo. Ao contrr io , o que aque le tenta pensar c o m o
o mst ico, o sem
1 2
-
l u n d a n i e m o ou o ypjxjxa s imp le smente u m a repe t i
o do p e n s a m e n t o fundamenta l da onto- teo- lg ica . Se a
ident i f icao que neste seminr io foi e fe tuada do lugar e da es
t rutura da nega t i v idade a c e r tou no a lvo, e n t o s e m f
u n d a m e n t o s significa s imp le smente sobre fundamentos
negat ivos , e esta expresso n o m e i a p rec i s amente a exper
inc ia do p e n s a m e n t o q u e caracter iza de sde s empre a
metaf s ica . 8 C o m o u m a leitura da seo da Cincia da Lgica
hege l i ana que t e m c o m o ttulo 0 fundamento dever ia ter mos
t r ado suf ic ientemente , o fundamento c, para a metafs ica,
fundamento (Grmtd) no sentido de ser aqui lo que vai ao fundo (^//
Grunde geht) p a r a que o ser t enha lugar , e u m a vez que t em
lugar no no - luga r do fundamen to (isto , no nada) o ser o in -
fundado {das Grundlos).
Se e em que sent ido nas ref lexes seguintes se busca , po r o u
t r o l ado , p e n s a r de m o d o d i v e r so do n i i l i smo
e da sua n a o - f u n d a m e n t a o I ; (do seu f u n d a m e n
t o nega t i vo ) , p o d e r even tua lmente resul tar ev idente a
q u e m tiver rea l izado o seu p e r c u r s o po r in t e i ro .
A q u i i m p o r t a v a , p r i m e i r a m e n t e , q u e a es
t ru tura do f u n d a m e n t o nega t i vo a cuja e xpos i o se
des t inava o seminr io no fosse u l t e r io rmente repet ida ,
mas q u e se tentasse , f ina lmente , compreend-la.
PR IME IRA J O R N A D A
notr io o m o d o pe lo qual , em um p o n t o crucia l de Sem
und Zeit [Ser e tempo] ( 50 -53 ) , na tenta t iva de abrir c a m i
n h o c o m p r e e n s o do Dasein10 c o m o um todo, H e i d e g
g e r s i tua a re l ao do Dasein c o m a sua mor te . De encont ro
compreenso cot id i ana , que subtra i ao Dasein a sua mor te e i
gua l a o morrer a um evento que c e r t amen t e diz respe i to ao
Dasein, m a s no p e r t e n c e p r o p r i a m e n t e a n i n g
u m ( H e i d e g g e r I, p. 2 5 3 ) , a mor t e , c o m o f im do
Dasein, revela-se aqui corno a poss ib i l idade ma i s prpr ia , i
ncond i c ionada , " certa e , c o m o tal, i nde t e rminada e
insuperve l do Dasein (p. 258 ) . O Dasein , na sua es t ru tura m
e s m a , um ser-para-o-f im, ou seja, pa r a a m o r t e e , c o m
o tal, e s t d e s d e s e m p r e em re lao com ela. S e n d o pa
ra a p rpr i a m o r t e , e le m o r r e f ac t i c i amente e c o
n s t a n t e m e n t e at o m o -m e n t o de seu decesso (p. 259
) . A m o r t e a s s im conceb ida no , obv i amente , aque la do
an imal , no , por tanto , s imp le smente um fato b io lg ico . O
an ima l , o somente -v iven te (Nur-lebenden, p. 2 4 0 ) , n o mor
r e , mas ce s sa de viver.
A exper incia da mor t e aqui em questo assume, ao contrr io, a
fo rma de u m a antec ipao da sua poss ib i l idade . Es ta ante-c
ipao no tem, contudo , n e n h u m con t edo factual pos i t ivo,
no d ao Dasein n ada para real izar e nada q u e ele m e s m o
possa ser c o m o rea l idade efet iva (p. 262 ) . Ela , antes , a
poss ib i l idade da imposs ib i l i dade da ex is tnc ia em gera l
, do e svanec imento de
-
todo referir se a... c de lodo existir. Apenas no m o d o
|nuamente negat ivo des te ser -para-a -morte , em que t em a
expennc i a da imposs ib i l idade ma i s radical , o Dasein pode
at ingir sua d imenso ma i s autnt ica e compreende r - s e c o m o
um todo.
N o s pargra fos sucess ivos , a an tec ipao da mor t e , at
ento p r o j e t a d a a p e n a s c o m o p o s s i b i l i d a d
e on to lg i c a , t e s t e m u -n h a d a t a m b m na sua ma i s
concre ta poss ib i l idade existencia l , na exper inc ia da voz
da consc inc ia e da culpa . O abrir-se desta poss ib i l idade ,
todavia , p r o c e d e de par c o m o revelar-se de u m a nega t
iv idade que atravessa e d o m i n a de a l to a ba ixo o Dasein.
Coe r en t emen t e c o m a es t ru tura p u r a m e n t e nega t
iva da antec ipao da mor t e , a exper inc ia da prpr i a poss ib i
l idade m a i s au t n t i c a co inc ide , na r e a l i d ade , p
a r a o Dasein, c o m a expe r i nc i a da mais ex t rema negat iv
idade . Se j na exper inc ia do apelo (Ruf)12 da consc inc ia est
impl c i to um carter negat i -vo, po rque a consc inc ia , em seu
chamar , no diz r i gorosamente nada e fala un i camente e cons tan
temente no m o d o do s i lncio (p. 273 ) , o d e svendamen to de u
m a culpa do Dasein, que t em lugar neste ape lo s i lencioso, , s
imu l taneamente , r eve l ao de u m a nega t iv idade (Nichtgkeit)
que pe r t ence or ig ina lmente ao ser do Dasein:
Na idia do culpado est implcito o carter do No (Nicht). Se o
culpado deve poder determinar a existncia, coloca-se ento tambm o
problema ontolgico de esclarecer existen-calmente o carter de no
deste No (den Nicht-Charakter dieses Nicht)... A idia formal
existencial do culpado, ns a determi-namos assim: ser-fundamento
para um ser que se determinou por meio de um No, ou seja:
ser-fundamento de uma negati-vidade (Gnmdsein fur ein urch ein
Nicht bestimmtes Sein. das beift Gnmdsein einerNichtigkeii)...
Sendo, o Dasein lanado, no foi conduzido por si ao seu Da. Sendo, o
Dasein determinado como um poder ser, que pertence a si mesmo,
embora no como se tivesse dado a si mesmo a prpria posse... Uma vez
que ele prprio no ps o fundamento, ele repousa em seu peso, que a
tonalidade emotiva (Stimmun^' lhe revela como um fardo.,. Sendo
fundamento, ou seja, existindo como lanado, o Dasein fica
constantemente atrs de suas prprias possibilidades. Ele no nunca
existente antes de seu fundamento, mas apenas
14
,/ j>ntUi drsU- e conto esle. Ser fuiuhiinenio significa,
portanto, nau sei' /anta/s dono do prprio ser mais prprio desde o
fundamento. Este No pertence ao sentido existencial do ser-lanudo.
Sendo fundamento, ele prprio uma negatividade de si mesmo.
Negatividade (Nichgkei) no significa de modo algum no estar
presente, no consistir, mas significa um No que constitui este ser
do Dasein, o seu ser-lanado... Tanto na estrutura do ser-lanado
quanto na do projeto, tem lugar uma negatividade essencial. Ela o
fundamento para a possibilidade da negatividade do Dasein
/^autntico na dejeo (Verfalkn),uv na qual se encontra desde sempre
facticiamente. 0 prprio cuidado na sua essncia permeado defora
afora pela negatividade (durch und durch von Nichtigkeit
durchsctzt). O cuidado o ser do Dasein significa como projeto
lanado: o (negativo) ser-fundamento de uma negatividade... A
negatividade no se apresenta ocasionalmente no Dasein, para aderir
a ele como uma obscura qualidade, que ele poderia igualmente no
possuir, caso progredisse suficientemente (p. 283-285).
a par t i r des ta exper i nc i a de u m a nega t i v idade que
se r eve l a cons t i tu t iva do Dasein, no exa to m o m e n t o
em que este e n c o n t r a , na expe r i nc i a da m o r t e , a
sua poss ib i l i dade m a i s p rpr i a , que H e i d e g g e r se
in t e r roga sobre a insuf ic inc ia das ca t egor i a s c o m as
qua i s , na histr ia da filosofia oc identa l , lg ica e o n t o l
o g i a p r o c u r a r a m exp l i c i t - l a e co loca , c o n s
e q e n t e -m e n t e , o p r o b l e m a da o r i g e m onto lg i
ca (ontologische Ursprung) da nega t i v i d ade :
O sentido ontolgico do carter negativo (Nichtheit) desta
negati-vidade existencial, no entanto, permanece obscuro. Mas isto
vale igualmente para a essncia ontolgica do No em geral. certo que
a ontologia e a lgica pretenderam muito do No e em funo disso
tornaram visveis, a intervalos, as suas possibili-dades, sem porm
desvend-lo ele mesmo ontologicamente. A ontologia encontrou o No e
dele fez uso. Mas assim to evidente que todo No significa um
Negativum, no sentido de uma privao? E a sua positividade exaure-se
nisto, no fato de que ele constitui uma passagem? Por que toda
dialtica se refugia na negao, sem fund-la dialeticamente e sem
poder nem mesmo fix-la como problema? Foi colocado o problema
-
da uri vem ofilolvju! .\ negatividade (Niehbaf) ou, anles anula,
foram ao menos investigadas as condies em que o problema, do No, de
sua negatividade c de suas possibilidades, pode ser proposto? E
onde ento elas podem ser encontradas, a no ser na elucidao temtica
do sentido do ser em geral? (p. 285-286).
No hor i zonte de Sein und Zeit, estas pe rguntas p a r e c e m
no encontrar resposta . na confernc ia Was istMetaphysik? [O que
metafsica?], do is anos aps Sein und Zeit, q u e o p r o b l e m a
ser r e tomado c o m o busca de um nada (Nichts) ma i s or ig inr
io que o N o e a n ega o lgica, em u m a perspec t iva na qual a
ques t o do nada se revela c o m a ques to metaf s ica po r exce
lnc ia e a tese hege l i ana da ident idade de pu ro ser e puro
nada reaf i rmada n u m sent ido a inda ma is fundamenta l .
N o p r e t e n d e m o s p ropor aqui , po r hora , a ques to
sobre He idegge r ter dado ou no u m a respos ta ao p rob l ema da
or igem da nega t i v idade . In t e r e s s a -nos , an te s , no
ho r i zon t e de nossa pesqu i s a , vo l tar a in te r rogar -nos
sobre a nega t iv idade que , em Sem und Zei, reve lada ao Dasein
na exper inc ia autnt ica da mor te . V imos que esta negat iv
idade no sobrevm s implesmente ao Dasein, mas pe rme i a o r i g
ina lmente a sua essncia ; o Dasein choca - se , a l is , m a i s r
ad i c a lmen te c o m ela p r e c i s a m e n t e no ins t an te
em que, sendo para a mor t e , a t inge a sua poss ib i l idade ma
is certa e insupervel . Surge, ento, a pergunta : de onde p rovm,
ao Dasein, esta negat iv idade or ig inr ia tal que j o penet rou
desde sempre? No pa rg ra fo 53, de l ineando os traos da exper inc
ia autnt ica da m o r t e , H e i d e g g e r e sc reve que na an t
e c ip a o da mor te , i n d e t e r m m a d a m e n t e certa , o
Dasein abre-se a u m a ameaa que p r o v m do seu p rpr io Da (p.
265) . Pouco antes , ele escrevera que o i so l amento que a m o r
t e desve la ao Dasein somente um m o d o do descerrar -se do Da ex
is tncia .
Se q u e r e m o s dar u m a respos ta n o s s a pe rgun t a , d
e v e m o s ento in t e r roga r m a i s d e p e r t o aque l a m e
s m a d e t e r m i n a o do h o m e m c o m o Dasein que const i
tu i o fundamento or ig inr io de que par te o p e n s a m e n t o
de H e i d e g g e r em Sein und Zeit e, an tes de ma i s nada , i
n t e r r o g a r m o - n o s s o b r e o p rp r io s igni f icado
da pa lavra .
No pargrafo 28, no momento de afrontar a anl ise temt ica do
fhisciu c o m o s e r - n o - m u n d o , o t e r m o Dasein e sc l
a rec ido po r H e i d e g g e r c o m o jw-o-Da:
O ente, que se constituiu essencialmente atravs do ser-no-mundo,
ele mesmo sempre o seu Da. Em seu significado habitual, Da quer
dizer aqui ou l. . . Aqu i ou l so possveis apenas em um Da, ou
seja, somente se existe um ente que, como ser do Da, abriu a sua
espacialidade. Em seu ser mais prprio, este ente tem o carter do
no-fechamento. A expresso Da significa esta essencial abertura... A
imagem ntica de um lumen naturale15 no homem no significa nada alm
da estrutura ontolgico-existencial deste ente, que est no mundo, de
ser o seu Da. Que ele seja iluminado, significa: i luminado em si
mesmo enquanto ser-no-mundo, no atravs de outro ente, mas de
maneira que ele mesmo seja a clareira iluminante (LJchtung)... O
Dasein comporta o seu Da desde o incio (von Hause aus); na sua
ausncia, ele no somente no existiria de fato, mas no poderia ser,
em geral, o ente desta essncia. O Dasein a sua abertura (p.
132).
At m e s m o em u m a carta a j e a n Beaufret , de 23 de
novembro de 1945 , He idegge r reaf i rma este carter essencia l do
Da. A q u i a pa lavra-chave Dasein expl icada ass im:
Da-Sein uma palavra-chave do meu pensamento (ein Schlssel Wort
meines Denkens) e, por esta razo, ela d ensejo tambm a graves
equvocos. Da-Sein no significa tanto, para mim, me voilf quanto, se
posso exprimir-me num francs talvez impossvel , tre-le-ld' E le-l
precisamente ' AXfiBeict1*: desvendamento-abertura (Heidegger 4, p.
182).
Logo , Dasein significa: ser--Dz. Se aceita a t raduo
atual-mente difusa de Dasein c o m o Ser-at, deve-se en to entender
esta expresso c o m o ser-o-a . Se isto verdade i ro , se ser o p
rpr io Da (o prpr io ai) o q u e carac te r iza o Dasein (o Ser -a
) , i s to s ignif ica q u e j u s t amen t e no p o n t o em que a
poss ib i l idade de ser o Da, de e s t a r em c a s a no p r p r i
o luga r , a s s u m i d a , a t r av s da expe r i nc i a da mor t
e , da m a n e i r a ma is au tnt i ca , o
-
/ hi revela se c< mu > o lugar a pari ir d< qual ameaa
unia negai i -v idade radical, Existe algo, na pequena pa lavra Da,
que nulifica, que in t roduz a n e g a o naque l e en t e o h o m e
m q u e deve se r o seu Da. A. negatividade provm, ao Dase in , de
seu prprio Da . M a s , p e r g u n t e m o s agora , de o n d e p
rovm ao Da o seu pode r nul if icante? N s c o m p r e e n d e m o
s ve rdade i r amente a expres so Dasein, %oi-o-Da, antes de ter r
e spond ido a esta pergunta? O n d e est o Da, se aque le que se m
a n t m na sua c lare ira (Lcbtungj , por isso m e s m o , o lugar-
tenente do nada (Piat^baiterdesNichts; Heidegge r 5, p. 15)? E em
que difere a negat iv idade que atravessa de l ado a lado o Dasein
daque la que nos hab i tuamos a conhece r atravs da histr ia da
filosofia m o d e r n a ?
Note - se que, no inc io da Eenowenologia do'Esprito, a negat iv
i -dade brota prec i samente da anl ise de u m a part cula morfo lg
ica e s eman t i c amen t e conexa c o m o Da: o p r o n o m e
demons t r a t i vo diese ( i s to/este) . A s s i m c o m o o p e
n s a m e n t o de He idegge r em Sein und Zeit c o m e a com o se
r -o -D^ (Dasein), a Fenomenobgia do Esprito hege l i ana abre-se c
o m a tentat iva da cer teza sensvel de a p r e e n d e r - o - D ^
e (das D i e s e nehmen). Existe , acaso, u m a ana-logia entre a
exper inc ia da m o r t e que, em Sein und Zeit, reve la ao Ser-a a
poss ib i l idade autnt ica de ser o seu ait o seu aqui, e a exper
inc ia do apreender o Isto que , no in c io da Fenomenobgia, g a r
a n t e que o d i s cu r so hege l i ano c o m e c e do nad a ? O
ter c o l o -cado no p r inc p io o Dasein - este novo incio que He
idegge r d filosofia a l m tanto da Haecceitas19 medieva l quan to
do Eu do subjet iv ismo m o d e r n o situa-se t ambm, verdade i
ramente , a lm do suje i to hege l i ano , do Geist2" como
dasNegative21?
18
S E G U N D A J O R N A D A
Eleusis
Ha! sprngen jetzt die Pforten deines Heiligtums von selbst O
Ceres, die d LI in Eleusis throntest! Begeistrung trunkcn ffYich
jetzt Die Schauer deiner Niihe, Verstnde deine Offenbarungen, Ich
deutete der Bilder hohen Sinn, vernhme Dic Hymnen bei der Gotter
Mahlen, Die hohen Sprche ihres Rats.
Doch deine Hallen sind verstummt, o Gttin! Geflohen ist der
Gotter Kreis zurck in den Olymp Von den geheiligten Altren, Geflohn
von der entweihten Menschheit Grab Der Unscfmld Genius, der her sie
zanberte! - Die Weisheit Deiner Priester schwegt; kein Ton der
heil'gen Wehn Hat sich zu uns gerettet und vergebens sucht Des
Forschers Neugier mehr ais Liebe Zur Weisheit (sie besitzen die
Sucher und Verachten dich; um sie zu meisrern, graben sie nach
VCbrten, In die Dcin hoher Sinn gepraget wr! Vergebens! Etwa Staub
und Asche nur erhaschren sie, Worein dein Leben ihnen ewig nimmer
wiederkehrt.
- I >i-hc Lu M h Die ewig Tor.cn! die Gengsamen - Umsomii
-
lei foi proibido a espritos tniiis pobres, divulgar todo o
scntidf>, ouvido e visto mi sagrada noite: e que o melhor em sua
prece no turbassem com o clamor de sua balbrdia, e o palavrrio no o
indispusesse com o prprio sagrado, e este no fosse arrastado na
lama, mas fosse confiado memria para que assim no se tornasse
joguete e mercancia do sofista, que o teria vendido por um bolo, ou
manto para o hipcrita eloqente ou frula do alegre efebo, ficando
enfim to vcuo, que s no eco de estrangeiras lnguas suas razes se
achariam vivas. Teus filhos, deusa, avaros de tua honra, no o
levaram por estradas e mercados, mas o guardaram no santurio ntimo
do peito. Por isso no vivias em seus lbios. As suas vidas te
honravam. E em seus atos ainda vives. E nesta mesma noite, sacra
divindade, eu te entendi, constantemente te revela a mim a vida dos
teus filhos, e como a alma de seus atos te apresento! Tu s o alto
sentido, a f sincera que, divina, ainda que desabe todo o resto, no
vacila.]
(Hegel I, p. 231-233)
O mis tr io e leus ino, que aparece nesta poes ia que o jovem
Hege l ded ca , em agos to de 1796 , ao amigo Hlder l in , c o m o
todo mistr io , t e m p o r objeto um indizvel (des
unaussprechlichen Gefhles Tiefe). Em vo a profund idade deste
indizvel sent imen-to poder ia ser bu s c a da em pa lavras e em
ressequ idos s ignos . Q u e m dese jasse reve lar aos out ros o
indiz vel , poder i a falar c o m l ngua de an jo ou, antes , expe
r imenta r a p o b r e z a das pa lavras . Se o in ic iado vive
esta exper inc ia , ento o discurso, ele o v c o m o u m a cu lpa e
fecha , v ivo , a p rpr i a boca . O que foi sent ido , o u v i d o
e v i s to na sagrada no i t e de Eleus i s , u m a sb ia le i p r
o b e de l ev - lo p o r es t radas e me r c ados , pa ra que ele
no v iva apenas no e c o de e s t r ange i r a s l nguas , m a s
seja, antes , g u a r d a d o n o san tur io n t imo do pe i to
.
Q u e
- nada i!< i < il >jci( i, n ias < > un i Jia n
i
-
n;o O, de falo, uni . q u r mudou , nes la exper inc ia do inis
lc in , cm re lao poesia / :lc/fs/sV Por que Hege l volta a c h a m
a r em causa a sabe-dor ia e leus ina? Pode-se d izer que Hege l
tenha s imp le smente r e n e g a d o aqui o indiz vel e leus ino ,
que ele t enha faltado ao v o t o de inefab i l idade que p ronunc
i a r a to f e rvorosamente no h ino juveni l? De m o d o a lgum.
Pode-se dizer, al is, q u e o indizvel seja aqui , n u m cer to
sent ido, b e m mais z e lo s amen te gua rdado pe l a l i n g u a
g e m do q u e o fora p e l o s i l nc io do in i c i ado q u e de
sde -n h a v a os res sequ idos s ignos e fechava, v ivo , a prpr
ia boca . De fato, aque les q u e su s t en t am o p r i m a d o da
ce r teza sens ve l , escreve Hege l ,
querem-dizer este pedao de papel, no qual eu escrevo, ou, antes,
escrevi isto; mas aquilo que querem-dizer, eles no o dizem {was sie
meinen. sagen sie nicht). Se eles quisessem efetivamente
di^er&st pedao de papel, que querem-dizer, e quisessem di^-lo
(WenfT sie wirklich ieses Stihk Papier, das sie meinen, sagen
wollten, und sie Wollten sagen), isto seria, ento, impossvel, pois
a coisa sensvel, que se quer-dizer, inacessvel' linguagem, que
pertence conscincia, ao universal em si. Durante a tentativa
efetiva de diz-la, ela se decomporia; aqueles que tivessem iniciado
a sua descrio no poderiam lev-la a cabo, mas deveriam deix-la aos
outros, que, por fim, confessariam falar de uma coisa que no (p.
91-92).
Aqu i lo que , po r t an to , indizvel , para a l i nguagem,
nada ma is do que o prpr io querer-dizer , a NUinung^ que, corno
tal, p e r m a n e c e necessa r i amente no dita em todo dizer:
mas este no-d i to , em si, s imp le smente um nega t i vo e um
universal , e p r ec i s amen te r e conhecendo -o c o m o tal em
sua ve rdade que a l i nguagem o diz pe lo que e o to ma-por
-verdade i ro :
Mas se quiser vir em socorro da linguagem, que possui a
natu-reza divina de inverter imediatamente o querer-dizer, de
trans-form-lo em alguma outra coisa e de no o deixar vir palavra,
indicando agora este pedao de papel, ento eu experimento aquela que
a verdade da experincia sensvel: eu o indico come? um Aqui, que um
Aqui de outros Aqui ou, em si mesmo, um simples agrupamento de
muitos Aqui, vale dizer, um universal; eu o
27
-
tomo como na verdade c, a< > invs de i >nl u-< n m n
u m-ti ia Io, cu percebo (nehm icb wahr, toma verdadeiro) (p.
y)'Z).
O c o n t e d o do mi s t r io e l eus ino n o , po r t an to ,
n ada ma i s do que is to: ter exper i nc i a da nega t i v idade q
u e desde s e m p r e ine ren te a t odo querer -d izer , a toda
Meinung de u m a certeza poss ve l . O in ic iado ap rende aqui a n
o d izer aqui lo que quer -d izer ; m a s , pa r a isso, n o prec i
sa calar , c o m o no p o e m a Eleusis, e expe r imen t a r a p o
b r e z a das pa lavras . A s s i m c o m o o an imal traz cons i
go a ve rdade das coisas sensveis s imp le smente devorando -a s ,
r e conhecendo - a s ento c o m o nada , a l i n g u a g e m c o n
s e r v a o ind iz ve l d i z endo-o , ou seja , c o l h e n d o -
o na sua nega t iv idade . A san ta lei da deusa de Eleus i s , que
, no h ino juveni l , p ro ib i a ao in ic iado reve la r c o m pa
lavras o q u e hav ia s en t i do , o u v i d o e v i s to na no i
t e , a g o r a a s s u m i d a pe l a prpr ia l i n g u a g e m ,
que tem a na tu reza d iv ina de no de ixar vir a Meinung pa lavra
. O mi s t r io e leus ino da Fenomenologia , por tanto , o m e s m
o mis t r io do p o e m a Eleusis : m a s , agora , a l i nguagem
cap tu rou em si o p o d e r de s i lncio, e o que surgia como
indiz vel p rofundeza p o d e ser conse rvado enquan to nega t ivo
no p rpr io co r ao da pa lavra . Omnis locutio - poder ia ser
dito, r e t o m a n d o um ax ioma de C u s a n o imffabik fatury t
o d o d i s cur so d iz o inefve l ; d iz , i s to , m o s t r a o
inefve l pe lo que ele : u m a Nichfigkeit, um nada . A verdade i
rap i e t a s 2 ( l em re l ao ao indiz ve l pe r t ence , po i s ,
s o m e n t e l i n g u a g e m e sua na tureza d iv ina , e no
somen t e ao s i lnc io ou ao pa lavrr io de u m a consc i nc i a
natura l q u e n o s abe o q u e diz . A t r a v s do apelo ao
mistr io eleusino, a Fenomenologia do Esprito comea com u m a r e t
o m a d a ( uma Wahmehmuugf1 um tomar -por -ve rdade i ro ) do s i
lnc io ms t i co : c o m o d i to em um trecho do Prefcio sobre o
qua l se deve r i a refletir a t en t amen te , o xtase ms t i co ,
na sua nebu lo s idade , n a d a ma i s era , de fato, que o puro
conceito (der re ine Begriff , p . 66 ) .
(Kojve p o d i a dizer , ento, c o m razo, que o p o n t o de
onde par te o s i s tema hege l i ano an logo ao p o n t o que , n
o s s i s t emas p r - h e g e l i a n o s , c o n d u z n e c e s
s a r i a m e n t e ao s i l nc io [ou ao d iscurso contrad i tr io
] [Kojve I , p . 18] . Prpr io do s i s tema hege l i ano que
atravs do p o d e r do negat ivo este p o n t o
indizvel o . t " produza ma is n e n h u m a so luo de cont inu
idade e n e n h u m sali< > no inefvel . Em cada pon to
operan tc o conce i to , em todo pon to do d i s cur so sopra o hl
i to negat ivo do Geist, em toda pa lavra se d iz a ind iz ib i l
ida de Meinung, mos t r ando - a na sua nega t iv idade . Por i sso
, c o m o no t a Ko jve , o pon to de onde par te o s i s tema hege
l i ano dup lo , no sent ido de que , a um s tempo, ponto de
partida e ponto de chegada, podendo, alm disso, ser s i tuado
vontade em qua lquer m o m e n t o do discurso.)
Aqu i l o q u e se ap r eende nas escolas p r imr i a s de Eleus
i s , po r t an to , o pode r do nega t ivo que a l i nguagem
conserva den t ro de si. E possvel apreender o Isto somente se
temos experincia de que o s ignif icado des te Isto , na rea l
idade , um No- i s to , que e le encer ra , pois , u m a nega t iv
idade essencia l . E somente Wahrnehmung, que c o n s u m a in t eg
r a lmen te esta exper inc ia , p e r t ence , escreve Hege l , a r
iqueza do saber sensvel , po i s ela a n i c a que t em a nega o
(hat die N e g a t i o n ) , a d i ferena e a mul t ip l i c idade
em seu ser (p. 94) . E , c o m efeito, a p rops i to da
Wahrnehmungo Isto q u e Hege l art icula pe la pr imei ra vez, de m
o d o cabal , no texto da. Fenomenologia, a expl icao do signif
icado d ia l t ico do t e r m o Aufhebung:2'6
O Isto posto, ento, como um No-isto ou como suprimido
(aufgehoben), e , portanto, no como nada, mas como um nada
determinado ou um nada de um contedo, ou melhor, do Isto. O prprio
sensvel , assim, ainda presente, mas no como deveria ser na certeza
imediata, como um singular que-se-quis-dizer, mas como um
universal, como o que determinado como propriedade. O suprimir (das
A-ufheben) expe assim o seu verdadeiro duplo significado, que vimos
no negativo: ele um negar e, ao mesmo tempo, um conservar; o nada,
como nada do Isto, preserva a imecliatez e e ele mesmo sensvel, mas
uma imediatez universal (p, 94).
Se vo l tamos agora ao prob lema que an imava a nossa
inter-rogao sobre o texto hegel iano, podemos dizer que o mistr io
eleusino, c o m cuja sabedoria se abre a Fenomenologia, t em c o m
o contedo a experincia de uma Nichtigheit, de uma negatividade que
se revela inerente , desde sempre , certeza sensvel no instante
em
-
que cia lei i la apreender i > Isttm l >iese n v i |
>.1 * \); d< > inesnn > modo , cm At/// //// /.eii, u
negatividade > | M . ih.ivcssa desde s e m p r e - c reve lada
ao Dasein no pnnit > eni que, na experincia daque le mis tr io
que o ser -para-a-mi >rtc, e le au t en t i c amente o s e u Da.
Set-o-Da, ap r e ende r o Isto: a s e m e l h a n a en t re estas d
u a s e x p r e s s e s e o seu n e x o c o m u m c o m a nega t i
v idade so m e r a m e n t e ca sua i s , o u ne l a s n o s e e s
c o n d e u m a c o m u n h o essencia l que a i nda est p o r i n
t e r roga r ? O q u e h , t an to no Da como no Diese, que possu i
o pode r de introduzir de iniciar o h o m e m na nega t i v idade?
E., p r imord i a lmen t e , o q u e s ignif icam estas duas par t
cu l a s ? O q u e s ignif ica ser-o-a , ap r e ende r o Is to? E o
q u e d e v e m o s tentar esc la recer ago ra .
30
EXCURSUS I (entre a segunda e a terceira jornada)2'''
Que o problema da indicao e do Isto no seja um problema restrito
filosofia hegeliana nem, para o pensamento da Fenomeno log i a , um
incio casual entre tantos outros indiferentemente possveis, mas
constitua, ao contrrio, de algum modo, o tema original da
filosofia, isto resulta evi-dente do seu surgimento em um ponto
decisivo da histria da metafsica: a determinao aristotlica da
7Cpcxr| ouacc. Depois de ter enumerado as de\ categorias,
Aristteles distingue, como categoria primeira e suprema (x\ K -up
ioVcca xe K a i xpcxco K a i jadcXtcrca, Xeyo\Levr\; Cat . 2a, II),
a essncia primeira fizxhxi} ox>GlTp(Xl ovoitxi). Enquanto estas
ltimas so exemplificadas com o nome comum rav0pa>JEO, xnixo,),M'
a Jpcrp Ouca exempli-ficada comh t OCV0p(7CO, xi ijitto j este
determinado homem, este determinado cavalo (o artigo grego tem, na
origem e ainda nos poemas homricos, valor de pronome demonstrativo;
para restiiuir-lhe esta funo, Aristteles a ele acrescenta o pronome
Ti; os tradutores latinos das Ca t e -go r i a s traduzem, de fato,
avpcOJCO^rhomo, e x i av6po>7lo por h i c h o m q j . 3 1 Pouco
depois, para caracterizar mais precisamente o significado da
essncia primeira, Aristteles escreve que toda essncia [primeiral
significa um isto que (noa 8 e o\)o"ia S o k e i t e t i
ar|JIOtlvet.v,- Cat. ?b, 10), pois aquilo que ela indica
&10\10V ... KCtl ev tplG|i
-
do pronome demonstrativo (em outras ocasies, Aristteles
exemplifica a essncia primeira usando tambm um nome prprio, por
exemplo, Sc r a t e s ) . O p rob l ema do ser o p rob l ema metaf
s ico supremo mostra - se , por tanto , de sde o in c io ,
inseparve l daque l e ou t ro do s igni f icado do p r o n o m e
demons t r a t i vo e , p o r consegu in te , es t r e l ac ionado
desde s empre c o m a esfera do indicar . Que o x&e Ti
aristotlico remeta explicitamente ao ato de indicar, j havia sido
notado pelos mais antigos comentadores. Assim, Amnio /Cat. 48,
13-49, 3) escreve:... KCti e a x i f i e v o v v x T o e xn . S e i
e c o CTT||4,avTtKV, XO 5fe TI XTj K O t x TO )7tOKflVOV
OV0\(X>>.
o i s to significa a indicao, o que , a essncia segundo o
sujeito.
A TtptTr) o v a i a , enquanto significa um T T l (isto , ao
mesmo tempo, o isto e o que), , poderamos di^er, o ponto em que se
efetua a transio da indicao significao, do mos t r a r ao dizer . A
d i m e n s o de s ignif icado do ser , po i s , u m a d i m e n s
o l imi te da s ignif icao, o p o n t o em que esta se conver te em
ind i cao . Se toda categoria se dz\ necessariamente a partir de
uma TTpGJTTl O u a i C t /Cat. 2a, 34-35), ento no limite da
essncia primeira no se di\ mais nada, mas indica-se somente. (Deste
ponto de vista, Hegel, no primeiro captulo da F e n o m e n o l o g
i a , afirma simplesmente que o limite da linguagem ca sempre no
interior da linguagem, est desde sempre contido nela como
negativo). No nos devemos admirar, portanto, ao reencontrarmos
constantemente, na histna da filosofia no s em Hegel, mas tambm em
Heidegger e em Wittgenstein , esta conexo original do problema do
ser com a indicao.
Notemos, alm disso, que, entre o tratado aristotlico da essncia
primeira e o estudo de Hegel sobre o Diese que abre a Fenomeno log
i a , existem algumas analogias no casuais. Inicialmente, aqui
encontramos tambm a aparente contradio (sobre a qual Hegel se detm)
de que a coisa mais concreta e imediata , igualmente, a mais
genrica e universal: a 7tpcTTl o \ > a i o t , de fato, um T T i
, indivisvel e uno, mas ela tambm o gnero supremo, alm do qual no
possvel definio. Mas existe, entre os dois estudos, uma
correspondncia ainda mais singular. Hegel havia mostrado de que
modo a tentativa de apreender o Isto
permanecia necessariamente aprisionada em uma negatividade, pois
o Isto se revela pontualmente como um No- i s to , como um ter-sido
(GewesenJ, e aquilo que foi /Gewesen j no um ser (Wescn). Em um
trecho da Meta f s i ca (1036% 2-8), Aristteles caracteriza a
primeira essncia em termos que lembram bastante os de Hegel:
XOU - CUVA.OI) f jl l , O I O V KK.OU T O U . TtSv caO' e K O t
a x x i v o fj c a Q r i T o v j x\ v o n x o t j (X-yto Se v o q T
o u |J.v o i o v x o u u.aBrip.aTtKOt;, aiaGiixo- S e o i o v xou
%a\Ko\)q k c i xou 'fyoXxvo-u), t f x w v o k e c O i v p i c q a ,
XX P E T A v o f i a e c o r\ aiaBricreco yvapi^ovxo.x- mXQvxe ic
xfi v r e ^ e x e a o r ^ o v n x e p o v e i a i v fj o t j k e i
c l v , aXX' e i , y o v x c a k c u y v o p ^ o v x a i xr xaGXou
Xyio.
[do snolon;'1 portanto, como este circulo, que um indivduo
particular ou sensvel ou inteligvel (chamamos inteligveis os
crculos matemticos, sensveis o crculo de bronze ou o de madeira),
deste no existe uma definio, mas conhecido com a noesis - ou com a
sensao; quando, porm, ele sai do ser-em-ato, no fica claro se ele
ou no , mas sempre dito e conhecido com um logos universal]
Este carter negativo (no fica claro se ele ou no ) e esta
inefinibilidade inerentes essncia primeira, quando sai do
ser-em-ato, e que a implicam, pois, necessariamente, em uma
temporalidade e em um passado, manifestam-se tambm na expresso que
Aristteles emprega para definir a TZpir\ o v a a : ela T XI f i v t
v o t l . Qualquer que seja a traduo desta expresso singular (que
os escolstkos vertiam como q u o d qu id erat e s s e ) / 4 ela
implica em todo caso uma referncia a um passado (T\VJ,^ a um
ter-sido.
Que dimenso da essncia primeira seja necessariamente inerente
uma negatividade, j havia sido notado, alis, pelos comentadores
medievais a propsito da afirmao arisotlica de que a essncia
primeira no se di% nem de um sujeito nem em um sujeito (Cat. 2a,
12-13). Em uma passagem do Liber de p r aed i c amen t i s [Livro a
respe i to dos p r e d i c a m e n t o s ] , Alberto Magno define o
estatuto da essnciaprimeira por meio, precisamente, de uma dupla
negao fper duas nega t i one s j ;
Quod autemper negationem diffinitur, cum didtur quae neque de
subiecto dicitur neque in subiecto est, causa est, quia sicutprima
est in substancio, ita ultima esiin essendo. Etideo in
substandoperaffirmationem affrmantem aliquid quod sibi causa esset
substandi, diffiniri non potuit. Nec etiam potuit diffiniri per
aliqaid quod sibi esset causa de aliquo praedicandi: ultimum enim
in ordine essendi, non potest habere aliquid sub se cui
-
vssei/tiahhrwsit... I lis ergo de ca mis sie per duas
i/ry.U/anes aporte/ ipsam diffiniri: quae tamen negationes
infinitae non smtt, quia finitae smii ab bis quae in eadem
dijfinitionepomintur f Tract. 11, 11
A ciso aristotlica da o v c c t (que, como essncia primeira,
coincide com o pronome e com o plano de ostenso e, como essncia
segunda, com o nome comum e com a significao) constitui o ncleo
originrio de uma fratura, no plano da linguagem, entre mostrar e
di^er, indicao e significao, que atravessa toda a histria da
metafsica e sem a qual o
prprio problema ontolgico permanece informulvei Toda ontologia
(toda metafsica, mas tambm toda cincia que se mova, conscientemente
ou no, no mbito traado pela metafsica) pressupe a diferena entre
indicar e significar, e se define, alis, precisamente por meio do
ponto no qual se situa
34
TERCE IRA J O R N A D A
Da e diese (assim c o m o there e this em ingls , hic advrb io
de lugar e hic p r o n o m e demonst ra t ivo em lat im, mas t a m
b m como ci e questo em ita l iano) es to morfo lg ica e e t imo
log i camente l igados . A m b o s r eme t em a u m a raiz , que
tem em g rego a forma X e em gt i co a fo rma pa. Do ponto de vista
gramat ica l , eles pe r t encem esfera do p r o n o m e (mais prec
i samente , do p r o n o m e demonstrat ivo) , ou seja, a u m a
categoria gramat ica l cuja definio const i tui desde sempre um dos
pon tos ma is cont roversos da teoria da l i nguagem. Na sua ref
lexo sobre as par tes do d i scurso (p.pq Tf| Xeeco, A r i s t ,
Pot. 1456/?, 20) , o pensamen to g rama-tical g r ego chegou apenas
t a rd iamente a isolar o p r o n o m e c o m o categor ia au tnoma
. Ar is tte les , que os g r egos cons ideravam o inventor da gramt
ica , d i s t ingue somente os n o m e s (vjxctTCt) e os ve rbos
(pqLtCtTCc) e classifica todas as outras pa lavras , que no so n e
m nomes n e m verbos , como o"veo"|iOl ( l igamentos, Ret. 1407,
20) . Os Esticos, que foram os primeiros a reconhecer, entre os a u
v e a p . O l , a a u t o n o m i a do p r o n o m e (a inda que t
ra tassem dele j un t amente c o m o art igo, o que no surpreende ,
t endo em vista o original carter p ronomina l do ar t igo g r e g
o ) , def in i ram os p r o n o m e s c o m o a p 9 p o t e x K X i
K a (ar t icu laes ind icat ivas ) . Era f ixado , des te m o d o ,
pe la pr imei ra vez , aque le carter da eic^i f da indicao
(demonstratio, na t raduo lat ina), que , r eco lh ido pela Tk%VT\
YpOC^lflOCTlKTl [Arte da Gramt ica ] de Don s io de Trcia , o pr
ime i ro t ra tado gramat ica l , em sent ido prpr io , do m u n d
o ant igo, dever ia depo i s ser v l ido po r scu los
-
c o m o especif ico (m< > definidor da t ahgoi 1,1 j u
>i ninai. (No s abemos se a def in io tio gramtico Tiiaunm, que
des igna os p r o n o m e s c o m o 01^.8Kaei, i K se re l i ra a
esk- carter dctico. A d e n o m i n a o vxcovjiia , w da qual der
iva o l a t imp r on omen , aparece na g r amt i c a de Dion i s io
de Trcia . )
Em seu de s envo lv imen to , a re f l exo g r amat i c a l do m
u n d o a n t i g o o p e r o u u m a c o n e x o e n t r e c o n c
e i t o s g r a m a t i c a i s , no sent ido es t r i to , e conce
i to s l g i cos . E l a fund iu a s s im as def in ies de a l gu m
a s p a r t e s do d i s c u r s o c o m a c lass i f i cao ar i s
tot l ica dos XeyLteva KOtx LtrieLiav aujiJiXoKriv, ou seja, com as
dez categor ias . Se ab r imos a Gramtica de Dion i s io de Trc i a
, v e m o s r e a l m e n t e que , se a def in io do n o m e e a
sua dist ino em n o m e prpr io (iu ^.eyijxvov) ou c o m u m
(KOivr; Xeyt ievov) , po r um l ado , pode ser l igada def in io ar
is tot l ica no I l e p t epLnivexct [Da In t e rp re t ao ] , po r
out ro lado, pe la sua exempl i f i cao , ca l ca a def in io a r i
s to t l i ca da o i > G c t (KOivr; Liv o i o v avBpcuTto, tco
S e o i o v S o K p x r i ) . 4 0
(O ent recho de categor ias g ramat i ca i s e ca tegor i as
lgicas q u e aqui aparece j comp le to n o , todavia , um nexo
casual , q u e p o s s a ser d e s m a n c h a d o da m e s m a
mane i r a pe l a qua l , a c e r t a a l tura , p a r e c e ter s
ido u rd ido : o m a i s ce r to que , c o m o h a v i a m in tu do
os g r am t i co s an t i go s ao a t r ibu i r a P la to e a Ar i
s t te l e s a o r i g e m da g r am t i c a , c a t egor i a s g r
ama t i c a i s e c a t e g o r i a s l g i c a s , r e f l exo g r
a m a t i c a l e r e f l e x o l g i c a i m p l i q u e m - s e o
r i g i n a l m e n t e d e m o d o r e c p r o c o e s e j a m , p
o r t a n t o , i n s e p a r v e i s . O p r o g r a m a h e i d e
g g e r i a n o de u m a l i b e r a o da g r a m t i c a da l g i
c a [ H e i d e g g e r I , p . 34 ] n o , n e s t e sen t ido , v
e r d a d e i r a m e n t e r ea l i z ve l : ele deve r i a ser,
ao m e s m o t e m p o , u m a l i b e r a o d a l i n g u a g e m
d a g r a m t i c a , e p r e s s u p e u m a cr t ica da i n t e r
p r e t a o da l i n g u a g e m que j es t c o n t i d a n a s c a
t e g o r i a s g r a m a t i c a i s m a i s e l e m e n t a r e s
: o c o n c e i t o de a r t i cu l a o [ccpGpov], de l e t ra [ypi
t i ta] e o de p a r t e d o d i s c u r s o [ j ipo xoti Xyov}. E
s t a s c a t ego r i a s n o so p r o p r i a m e n t e n e m l g
i c a s n e m g r a m a t i c a i s , m a s t o r n a m p o s s v e
i s toda g r a m t i c a e toda lg i c a e , t a l vez , t oda
E7tcrxTlLrn 4 1 em gera l . )
E Tm evento dec is ivo, nes ta perspect iva , foi a conexo do p
r o n o m e c o m a esfera da substnc ia pr imei ra (jrpcxn
ovcoc).,
obra de um gramtico a l exandr ino do sculo 11 d . C, Apo ln io
Dsco lo . Esta conexo, q u e foi aco lh ida pe lo ma ior entre os g
r am t i cos la t inos da an t ig idade tardia , Pr i sc iano ,
professor em C o n s t a n t i n o p l a n a s e g u n d a m e t a
d e do s c u l o V (ele e s c r e v e que o p r o n o m e subs t an
t i am signif icai sme a l iqua certa qual i tate) , 4 2 teve u m a
impor t nc i a de t e rm inan t e para a lg ica e a teo log ia
medieva l e no deve ser e squec ida , caso se que i ra c o m p r e
e n d e r o estatuto pr iv i leg iado q u e o p r o n o m e ocupa
na h is tr ia do pens amen to med ieva l e m o d e r n o . Se o n o
m e era a pa r t e do d i scurso que cor re spond ia s ca tegor ias
at istotl icas da subs tnc ia ( segunda) e da qua l idade ( jcoiv)
ou seja, na t e rmino log ia gramat ica l lat ina, a par te do d i
scurso que des igna substantiam cum qualitate,43 u m a substnc ia d
e t e rm inada de cer to m o d o , o p r o n o m e si tua-se, em re
lao a ele , a inda ma is a lm, n u m cer to sent ido, nos l imites
das poss ib i l idades da l i nguagem: ele significa, de fato,
substantiam sine qualitate f a pura essncia em si, antes e a l m de
qua lquer de t e rm inao qual i tat iva.
D e s t a m a n e i r a , a d i m e n s o de s i gn i f i c ado
do p r o n o m e v inha , de a l gum m o d o , a coincidir c o m
aque l a esfera do puro ser q u e a l g i c a e a t e o l o g i a m
e d i e v a l i d e n t i f i c a v a m c o m o d imenso de s ignif
icado dos ass im d e n o m i n a d o s transcendentia: ens, unum,
aliquid, banam, verumd* E s t e s t e r m o s (cujo e l enco co inc
ide ap rox imadamen t e c o m os JtoAcxxr ^eyLieva46 a r i s to t l
i cos e en t r e os qua i s e n c o n t r a m o s do i s p r o n o
m e s , aliquid e unum, e m b o r a os g r am t i co s d i s cu t i
s s em sobre sua n a t u r e z a p r o n o m i n a l ) e r a m d i
tos t r a n s c e n d e n t e s p o r q u e n o t m a c i m a d e s
i n e n h u m g n e r o n o qua l p o s s a m ser con t i dos e a
pa r t i r do q u a l p o s s a m ser de f in idos : c o m o tais ,
e les so os maxime scibilia, aqu i lo q u e s e m p r e j c o n h e
c i d o e d i to em cada ob j e to a p r e e n d i d o ou n o m e a
d o , e a l m do qua l n a d a p o d e ser p r ed i c ado e conhec
ido . A s s i m , o p r i m e i r o dos transcendentia, eus, no
signif ica ob je to d e t e r m i n a d o a l gum , m a s aqu i lo
q u e s e m p r e j a p r e e n d i d o em cada ob je to apreend
ido e p r ed i c ado em toda pred icao ; nas pa l av r a s de so T
o m s : i l lud q u o d p r i m u m cad i t sub apprehensione,
cuius intellectus includitur i nomn ibus , quaecumque quis app r
ehend i t . 4 . Q u a n t o aos ou t ro s transcendentia, e s tes
se c o n v e r t e m (convertuntur) c o m ens, u m a vez que a c o
m p a n h a m (concomitantur) todo ente s e m
37
-
ac r e s c en t a r a ele nada cie real : unum s igui lu , I , .
e .um, eada unia das dez ca tegor ias ind i f e ren temente ,
visi> que , de par com eus, ele s ignif ica aqu i lo que s e m p
r e j d i to em cada enunc i ado pe lo p r p r i o fa to de o
profer ir .
A p r o x i m i d a d e do p r o n o m e da es fe ra d o s
transcendentia - fundamenta l p a r a a a r t i c u l a o d o s s u
p r e m o s p r o b l e m a s t eo lg i co s r ecebe , en t r e t
an to , no p e n s a m e n t o med i eva l , u m a d e t e r m i n
a o e s senc i a l p r e c i s a m e n t e a t r avs d o d e s e n
-vo l v imen to do conce i to de demonstratio. R e t o m a n d o a
noo de xtc j i do s g r a m t i c o s g r e g o s , a s g r a m t i
c a s especu la t ivas m e d i e v a i s t e n t a m p r e c i s a
r o e s t a t u t o do p r o n o m e re l a t iva -m e n t e aos
transcendentia. E n q u a n t o estes d eno t am o objeto c o m o
ob je to na sua un iversa l idade , o p r o n o m e diz-se indica,
por sua vez , u m a essnc ia indeterminada, um p u r o ser, e m b o
r a de te rminve l a t ravs dos pa r t i cu l a re s a tos de e fe
tuao q u e s o a demonstratio e a relatio:
P r o n o m e n l-se em um texto g r amat i c a l do scu lo XIII
- est pars orationis significans per modum substantiae
specificabilis per alterum unumquodque. . . Quicumque hoc pronomen
ego, vcl tu, vel itk, vel quoclcumque aliud auclit, a l iquid
permanens apprebendit , non tamem ut distinetum est vel
determinatum nec sub determinara apprchensione, sed ut
determinabifis est sive distinguibile sive specificabile per a l
terum unumquodque, mediante tamen demonstratione vel relatione 1*
(Thurot, p. 172).
A d e m o n s t r a o (ou, no caso do p r o n o m e relat ivo, a
re lao) e fe t iva e p r e e n c h e o s i gn i f i c ado do p r o
n o m e e , p o r i s so , c o n s u b s t a n c i a i (p. 173) a
ele. U m a vez que ele con- t m ao m e s m o t e m p o um par t i
cu l a r m o d o de s ignif icao e um ato indicat ivo, o p r o n o
m e , por t an to , a par te do d i scur so em que se efetua a p a
s s a g e m do signif icar ao mos t ra r : o pu ro ser, a
substantia indeterminata que e le s ignif ica e que , c o m o tal,
, em si , ins ign i f i cve l e indef in ve l , t o rna - s e s
ignif icve l e d e t e r m i -n v e l p o r m e i o d e u m a t o d
e ind i c ao . Por i s so , n a a u s n c i a de a to s i nd i c a
t i vos , o s p r o n o m e s a f i r m a m os g r a m t i c o s m
e d i e v a i s , r e t o m a n d o u m a e x p r e s s o de P r i
s c i ano p e r m a -n e c e m n u l o s e vaz ios :
38
lVi m< >mina ei IM >, M ( :nvii t di inonsl lati '
>ne vel rela ti une, cassa sunt et vana, non qu ia in sua specie
non rernaiierent, sed quia sine demonstratione et relatione, nihil
certum et determinatum supponerent 4 ' ' (Thurot , p. 175).
a t ravs des ta per spec t iva h i s tr ica q u e p o d e m o s
obse rva r , nes te ponto , a n t ima imp l i c a o de p r o n o m
e o is to e i nd i c ao , a qual p e r m i t e a Hege l t r an s fo
rma r a cer teza sens ve l e m u m proces so d ia l t ico .
M a s em q u e cons i s t e a demonstratio q u e p reenche o
signif i-c ado do p r o n o m e ? C o m o poss ve l que a lgo c o m
o o pu ro ser (a O u c a ) pos sa ser ind i c ado ? ( J Ar i s tte
les , c o l o c a n d o o p r o b l e m a d a e T ^ i d a O l io c
t , e s c r e v e r a : n o s e i n d i c a r [ a O v o a , o x i o
t i v ] c o m a s e n s a o o u c o m u m d e d o , An.post.
92b).
O p e n s a m e n t o lg ico-gramat i ca l da I d a d e M d i a
( como, p o r e x e m p l o , a Gramtica especulativa de T o m s de
Erfurt , que es t na ba se da Habilitationscbiift [lese de
doutoramento] de H e i d e g g e r sobre D u n s Scot ) d i s t
ingue aqui duas e spc i e s de demonstratio: esta p o d e refer i r
-se aos sen t idos (demonstratio ad seusumi), e nes t e c a so s
ignif ica aqu i lo que ind ica (haver , en to , co inc idnc i a de
s ignif icar e m o s t r a r : h o c q u o d d e m o n s t r a i ,
s ignif icar , u t Lie curn t ) , 1 " ' ou p o d e , em vez d i s
to , re fer i r - se ao i n t e l e c t o (demonstratio ad
intellectum), e en to ela n o signif ica aqu i lo que ind i c a , m
a s ou t r a co i s a q u a l q u e r ( hoc q u o d d e m o n s t r
a t n o n signif icat , sed a l iud, u t h a e c herba c resc i t
in ho r to m e o , h i c u n u m d e m o n s t r a t u r e t a l
iud s ignif icatur . ' , , S e g u n d o T o m s de Erfur t , este
, t ambm, o modus signipeandi do n o m e prpr io : ut si d i c am,
d e m o n s t r a t o J o a n n e , i s te f u i t j o a n n e s ,
h i c u n u m d e m o n s t r a t u r e t a l iud in n m e r o s s
i gn i t i c a tu r ) .^ De o n d e p r o v m este aliud, es ta a l
t e r idade que es t em jogo na demonstratio ad intellectum^
A q u i o s g r am t i cos med ieva i s p e r c e b e m que es
to d i an te de do i s d iversos es ta tu tos de p re sena , um de
les cer to e imed i a to , e o u t r o no qua l j se i n s i n u o
u d e s d e s e m p r e u m a diferena temporal, s endo , p o r t a
n t o , n e c e s s a r i a m e n t e m e n o s c e r to . A p a s
s a g e m do most ra r ao significar torna-se , ao m e n o s nes te
caso , p rob l emt i c a . Um g r am t i co do s cu lo XI I I
(Thurot , p . 175) c h e g a a representar , fazendo u m a refernc
ia expl c i ta un io
39
-
da a lma c< nn o co rpo , o significaiI > il > |< ir
t 0 1 1 1 0 uma un io do modus significandi'da i nd i c ao (que
esta no p r o n o m e ) c o m o modus significandi do i n d i c a d
o (que est no nome i nd i cado , qui est in nomine demonstrato). A
i nd i c a o que es t em jogo no p r o n o m e consis te , aqui ,
na un i o de dois m o d o s de s ignif icao; , po i s , um fato l
ing s t i co e no sens ve l . O m o d o des ta un io (se e x c e t
u a m o s , c o m o ve r emos , toda re fernc ia s ignif icat iva
ao actusloquentiszkprolatio voas) p e r m a n e c e , todavia , t o
obscuro e indef in ido q u a n t o a un i o ent re a lma e co rpo
.
Na intuio da natureza complexa da indicao e de sua neces-sria re
fernc ia a u m a d i m e n s o de l i n g u a g e m , o p e n s a m
e n t o med ieva l t o m a consc inc ia da p rob l ema t i c i d
ade da p a s s a g e m entre significar e mostrar que t em l uga r
no p r o n o m e , m a s no a consegue expl icar . Caber ia l ings
t ica m o d e r n a da r o pas so dec is ivo nesta d i reo (e, no
en tan to , isto foi poss ve l t a m b m porque , ent re o p e n s
a m e n t o lg i co-g ramat i ca l da Idade M d i a e o na s c imen
to da m o d e r n a c inc ia da l i n g u a g e m , s i tua-se o
desenvo lv imento da filosofia m o d e r n a que, de Desca r t e s
a Kant e at Husser l , , em boa pa r t e , u m a ref lexo sobre o
es ta tuto do p r o n o m e Eu).
A l i n g s t i c a m o d e r n a c l ass i f i ca os p r o n o
m e s en t r e os i nd i c adore s da enunciao (Benveniste) ou
shifters0* (Jakobson). Benveniste , nos seus estudos sobre a
Natureza dos pronomes c sobre o Aparato formai da enunciao, identif
ica o car ter essencia l dos p r o n o m e s (ao l ado de out ros
ind icadores da enunc iao , como aqui , agora , hoje , a m a n h
etc.) na remisso , e fe tuada por eles, ins tnc ia de discurso.
imposs ve l , r ea lmente , encontrar um referente objet ivo para
esta c lasse de te rmos , cujo significado se de ixa def in ir
apenas p o r m e i o da re fe rnc ia i n s t nc i a de d i s cur so
q u e os con tm.
Qual pergunta Benveniste a realidade qual se referem eu ou tu?
Unicamente uma realidade de discurso, que algo muito singular. Eu
no pode ser definido seno em termos de locuo, e no em termos
objetivos, como acontece no caso de um signo nominal. Eu significa
a pessoa que enuncia a pre-sente instncia de discurso que contm em.
Instncia nica por
40
definio e valida somente na sua unieidaile... lista referncia
constante e necessria instncia de discurso constitui o trao
distintivo que une a eu/tu uma srie de indicadores que, de acordo
com sua forma e capacidades cornbinatrias, pertencem a classes
diferentes, uns pronomes, outros advrbios, outros ainda locues
adverbiais . . . Este ser o objeto designado mediante ostenso
simultnea presente instncia de discurso... aqui e agora delimitam a
instncia espacial e temporal coexten-siva e contempornea da
instncia presente de discurso que contm eu... (Benveniste I, p.
252-253) .
S o m e n t e a t ravs desta r emi s s o , t em sen t ido falar
de c/xis e de ind icao ;
intil definir estes termos e os demonstrativos em geral atravs
da dxis, como se costuma fazer, se no se acrescenta que a dxis
contempornea da instncia de discurso que porta o indicador de
pessoa; desta referncia que o demonstrativo retira o seu carter
sempre nico e particular, que a unidade da instncia de discurso
qual se refere. O essencial , portanto, a relao entre o indicador
(de pessoa, de lugar, de tempo, de objeto mostrado etc.) e a
presente instncia de discurso. Efeti-vamente, to logo se deixa de
ter em mira, atravs da prpria expresso, esta relao do indicador com
a instncia de discurso que o manifesta, a lngua recorre a uma srie
de termos distintos que correspondem simetricamente aos primeiros,
mas que se referem no mais instncia de discurso, mas aos objetos
reais e aos tempos e lugares histricos. Da as correlaes: eu : ele;
aqu i : l; agora : ento; hoje : o mesmo dia... (p. 253).
N e s t a perspect iva , os p r o n o m e s c o m o os ou t ros
ind ica -dores e d ive r s amente de ou t ros s ignos da l i n g u
a g e m , os qua is r eme t em a u m a rea l idade lexical
apresentam-se c o m o s ignos vaz ios , q u e se t o r n a m p l
enos logo que o locutor os a s s u m e em u m a in s t nc i a de d
i s cu r so . O seu fim o de o p e r a r a conver so da l i n g u a
g e m em d i scurso e de permi t i r a p a s s a g e m da lngua
fala.
Em um ensaio escrito um ano aps o de Benveniste, J akobson , r e
tomando , em parte , a def inio do l ingista francs, classifica
41
-
o s p r o n o m e s e n u v os shifters, ou seja, vntiv nquclas
espec ia i s un idades g ramat i ca i s , cont idas cm t o d o
eodhu, que no p o d e m ser definidas fora de uma referncia
mensagem. Desenvo lvendo a d is t ino de Pe i rce entre o s mbo lo
(que assoc iado ao ob je to represen tado p o r u m a r eg r a
convenc iona l ) e o nd ice (que se encont ra em u m a re l ao ex
is tenc ia l c o m o objeto q u e repre-senta) , e le def ine os
shifters c o m o u m a classe especia l de s ignos que rene as duas
funes : os smholos-ndices:
Um exemplo evidente... o pronome pessoal. Eu designa a pessoa
que enuncia eu. Assim, por um lado, o signo eu no pode representar
o seu objeto sem ser a ele associado por uma regra convencional, e,
em cdigos diversos, o mesmo sentido atribudo a seqncias diversas,
tais como eu, ego, ich, I etc,: portanto, eu um smbolo. Por outro
lado, o signo eu no pode, porm, representar o seu objeto se no se
encontra em uma relao existencial com este objeto: a palavra eu,
que designa o enunciador, est em relao existencial com a enun-ciao,
da qual funciona como ndice (Jakobson, p. 132).
Aqui , c o m o em Benven i s t e , aos shifters a t r ibu da a
funo de a r t i cu la r a p a s s a g e m ent re s ign i f icao e i
nd i c a o , entre l ngua ( cd igo ) e fala ( m e n s a g e m ) ; c
o m o s m b o i o s - n d i c e s , e les p o d e m p r e e n c h e
r o s ign i f icado que a e les c o m p e t e no cd i go s o m e n
t e a t r avs da re fe rnc ia d ct ica a u m a conc re t a ins tnc
ia de d i scur so .
Se isto verdade i ro , aqui lo que a ref lexo lg co-gramat ica l
da Idade Md i a hav ia apenas intu do (na idia da centra l idade do
actus loquentis e dapro la t io voeis para o s ignif icado do p r o
n o m e ) aqui c l a ramente formulado. O significado prpr io dos p
r o n o m e s enquanto shifters e ind icadores da enunc iao - in
sepa -rvel de u m a r e m i s s o i n s t nc i a de d iscurso . A a
r t i cu l ao o shifting q u e eles o p e r a m n o a do no- l ing
s t i co (a i nd i c a o sens ve l ) com o l ingst ico, mas a da
lngua com a fala. A dxis, a i nd i c a o na qua l desde a an t i g
idade foi i n d i v i d u a d o o car te r pecu l i a r dos p r o n
o m e s n o m o s t r a s imp l e smen t e um ob je to i n o m i n
a d o , mas , p r i nc ipa lmen t e , a p rp r i a ins tnc ia de d
iscurso , o seu ter- lugar . O lugar , que
ind icado pe l a demouslraio e u n i c a m e n t e a par t i r
do qual todas .as ou t ra s i nd i c a e s so poss ve i s um lugar
de l i n g u a g e m , e a i nd i c ao a ca tegor i a a t ravs da
qua l a l i n g u a g e m faz r e f e r nc i a ao p rpr io ter -
lugar .
P r o c u r e m o s precisar me lho r a esfera de s ignif icado
que se abre nesta r emi s s o ins tnc ia de discurso. Benven i s t
e define-a u s ando o conce i to de enunc iao . A enunc i ao
escreve a co locao em func ionamento da l ngua atravs de um ato ind
iv idua l de ut i l izao . E la no deve ser, p o r m , confundida
com o s imples a to de fala:
... preciso estar atento condio especfica da enunciao: ela o
prprio ato de produzir uni enunciado, no o texto do enunciado...
Este ato obra do locutor que mobiliza a lngua por conta prpria. A
relao entre o locutor e a lngua determina o carter lingstico da
enunciao (Benveniste 11, p. 80).
A esfera da enunc iao compreende , por t an to , aqui lo que ,
em todo a to de fala, se re fere exc lu s i vamente ao seu ter-
lugar , sua instncia^ i n d e p e n d e n t e m e n t e e an te s
daqu i lo que , nele , di to e s igni f icado. Os p r o n o m e s e
os ou t ros ind i cadore s da enunc i a o , an te s de de s i gna r
ob je tos rea is , i n d i c a m prec i sa -m e n t e que a
linguagem tem lugar. E les p e r m i t e m , des te m o d o , r e f
e r i r - s e , a i nda an te s q u e a o m u n d o d o s s i gn i
f i c ados , a o p rp r io evento de linguagem, no in te r ior do
qua l u n i c a m e n t e a l go p o d e ser s igni f icado.
A c incia da l i nguagem co lhe esta d imenso c o m o aque la em
que ocorre a co locao em func ionamento da l inguagem, a con-ver so
da l ngua em fala. M a s , na histria da f i losof ia oc identa l ,
esta d i m e n s o se chama , h ma is de dois mil anos , ser,
oktOC. Aqu i lo que j se mos t r a s e m p r e em cada ato de fala
(vdyKq yp ev T(p Kcrcorj Xyo} t v t i o - o a a e v o i c p ^ e i v
; 5 5 A f e 1.028tf, 3 6 - 3 7 ; ecillud... cu i u s m t e l l e c
t u s i n c l u d i t u r i n o m n i b u s , q u a e c u m q u e
qu i s apprehendi t ) , -" 6 aqu i lo que , s e m ser n o m i n a d
o , j s e m p r e i n d i c a d o cm c a d a d izer , , para a f i
losofia , o ser. A d i m e n s o de s ign i f i cado da pa l av r a
se r ,
-
c u j a e t e r n a b u s c a c e t e r n a p e r d a (le\
Qi\xo\)\l.cvo\ KCtl zi j t o p O T j n x v o v ; Met. 1028, 3) cons
t i l u i a h i s tr i a da me ta f s i c a , a q u e l a do t e r
- l uga r da l i n g u a g e m , e meta f s i ca aque l a e x p e r
i n c i a da l i n g u a g e m que , em cada a to de fa la , co lhe
o ab r i r - s e des ta d i m e n s o e , em t o d o d izer , t em
, an te s de m a i s n a d a , e x p e r i n c i a da m a r a v i l
h a q u e a l i n g u a g e m seja. S o m e n t e p o r q u e a l i
n g u a g e m p e r m i t e , a t r avs dos shifters, fazer
referncia p rpr i a ins tnc ia , a lgo c o m o o ser e o m u n d o
se a b r e m ao pensamento . A t ranscendnc ia do ser e do m u n d
o - que a lgica med ieva l colhia no signif icado dos
transcendentia e q u e H e i d e g g e r ident if ica c o m o es t
ru tu ra fundamenta l do s e r -no -mundo a t ranscendnc ia do
evento de l i nguagem re la t ivamente qui lo que, neste evento ,
di to e s ignif icado; e os shifters, que ind icam, em todo a to de
fala, a sua pu r a instncia, cons t i tuem ( como K a n t havia per
fe i t amente cap tado ao atr ibuir ao Eu o es ta tuto da t
ranscendenta l idade ) a es t rutura l ingst ica or ig inr ia da t
ranscendnc ia .
Isto permi te compreende r com ma ior r igor o sent ido daquela
d i f e r ena o n t o l g i c a que , c o m razo , H e i d e g g e
r r e i v ind i ca c o m o s e m p r e o lv idado f u n d a m e n t
o da metaf s ica . O abr ir -se da d i m e n s o ontolgica (o ser,
o m u n d o ) c o r r e s p o n d e ao p u r o ter - lugar da l i n
g u a g e m c o m o even to or ig inr io , e n q u a n t o a d i m
e n s o ntica (os entes , as co i sas ) c o r r e s p o n d e qu i
lo que, nes ta abe r tu ra , di to e s igni f icado. A t r an s
cendnc i a do ser em re lao ao ente , do m u n d o em re l ao coisa
, , p r ime i r a -m e n t e , t r an s cendnc i a do even to de l
i n g u a g e m em re lao fala. E os shifters, as p e q u e n a s
pa l av r a s isto, aqui, eu, agora, por m e i o das qua i s , na
Fenomenologia do Esprito, a ce r t eza sens ve l acredi ta pode r
captar i m e d i a t a m e n t e a p rpr i a Meinung, j es to s e m
p r e presas nes ta t r an scendnc i a , i nd i c am d e s d e s e
m p r e o lugar da l i nguagem/"
44
EXCURSUS 2 (entre a terceira e a quarta jornada)
O entrelaamento entre reflexo gramatical e reflexo teolgica , no
pensamento medieval, to cerrado que os tratados sobre o problema do
Ser supremo no podem ser compreendidos sem que sefaa referenda a
categorias gramaticais. Neste sentido, malgrado as ocasionais
polmicas dos telogos contra a aplicao de mtodos gramaticais aos
textos sagrados (Oon&tum n o n sequimur/,^ o pensamento
teolgico tambmpensamento gramatical, e o Deus dos telogos ,
igualmente, o Deus dos gramticos.
Esta implicao tem o seu lugar eletivo no problema do nome de
Deus ou, mais em geral, naquele que os telogos definem como
problema da translao das partes do discurso a Deus (translado p a r
t i u m d e c l i n a b i u m in d i v i n a m p r a e d c a t i o
n e r n f 5 0
Segundo as teorias gramaticais, o nome significava, como vimos,
substant ia c u m qual i tate , isto , a essncia determinada
segundo certa qualidade; o que acontece perguntam-se os telogos --
quando um nome deve ser transladado para designar a essncia divina,
que puro ser? E qual pode ser o nome de Deus, ou seja, daquele que
o seu prprio ser (Deus est s uum esse j ?
Nas Regu l ae t heo log i c a e [ R e g r a s t eo lg i ca s ]
de Alano de Eille, a predicao de um nome substncia divina descrita
como um tornar-sefronome fpronominatur^ e um
-
/v;. ,\ ! // ' )ii/ilf mui/ai, diilil/H e.\ /ut in.i, iitliuii
de fui ufa, (iitll ti forma,
Ci/m omuem nomen secundam primam instit/i/inucm datam si/ a
proprietate, sive aforma... ad significai/dum dirimam formam
translatum, cadit a forma, ex qua datum est. et ita quodammodo fif
informe; pronomitiatur enim nomen, cum significai dirinam usiam;
meram enm significai substantiam; et cum videatur significare suam
formam, sive qualitatem, non significai quulem, sed divinam formam,
et cum dicitur: Deus instas, vel bnus A
Se o nome referido substncia divina, que pura substncia e
rua/te
-
Nas ltimas palavras {leste irertit), ate mesma ,/ dtnteusao uni
versa tissima de significado do nome qui es/ c ultrapassada, ale
mesmo o ser indeterminado suprimido para dar lugar pura
nestatividade de um obscurecimenio, no qual se disr\ que Deus
habite. Para compreender a dimenso de significado que est em questo
aqui, para l da vaguido que se costuma atribuir teologia mstica
(que , ao contrrio, uma particular, porm perfeitamente coerente
gramtica), deve-se ter em mente que, neste limite extremo do
pensamento ontolgico, no qual colhido - como obscu-recimento o
prprio ter-lugar do ser, a reflexo teolgica crist funde-se com a
reflexo mstica hebraica sobre o n o m e n t e t r ag r ammaton como
nome secreto e impronuncivel de Deus. Adhuc maglsproprium escreve
so Toms sobre este nome est Tetragrammaton, quod est impositum ad
significandam ipsam Dei substantiam incommunicabilem.65
Em hebraico, como em toda lngua semtica, somente as consoantes
eram escritas e, por esta ra^o, o nome de Deus era transcrito com o
tetragrama IHJAH (iod, h, waw, h). Ns no conhecemos as vogais que
entravam na pronncia do nome, dado que, ao menos nos ltimos sculos
de sua existncia nacional, era rigorosamente proibido aos
israelitas
pronunciar o nome de Deus. Nos rituais, usava-se o nome Acionai
, Senhor, e isto certamente j antes da traduo dos Setenta, que
apresenta sempre K p i o , o Senhor. Quando, no sculo XH., os
Massoreti introduziram os pontos vocais na escrita, no lugar das
vogais originais, a esta altura desconhecidas, foram aplicadas ao
tetragrama aquelas do nome Adonai (para os hebrastas
renascentistas, o tetragrama assumiu ento a forma Jehovah, com um
abrandamento do primeiro a).
Conforme uma antiga interpretao mstica j atestada em Aester
Eckhart , o nome de quatro letras identificado com o nome qui est
(ou qui surn):
Rursus... notandum quod Rabbi Aqyses 1.1, c. 65, hoc verbum
tractans: sum qui sum, videtur velle quod ipsum est nomen
tetragrammaton, aut proximum illi, quod est sanetum et separatum,
quod scribitur et nan legitur, et illum solum significai
substantiam creatoris nudam etpuram.b
O que aqui pensado como suprema experincia mstica do ser e como
nome perfeito de Deus (a gramtica do verbo ser que est em questo na
teologia mstica) a experincia de significado do prprio grmma,
daletra. como negao e excluso da vo%_ fhomen innomnab i l e , 6 "
que se escreve
mas no se l). Como nome inominvel de Deus, o grmma ca ltima c
negativa dimenso da significao, experincia no mais de linguagem,
mas t i a prpria linguagem, ou seja, do seu ter-lugar no
suprimir-se da vo% At mesma do inefvel existe ento uma gramtica: o
inefvel , alis, simplesmente a dimenso de significado do grmma, da
letra como ltimo fundamento negativo do discurso humano.
48
-
1
QUARTA J O R N A D A
Dasein, ser-o-a , das Diese nehmen, apreender o Isto; se o que d
i s s emos h p o u c o sobre o s ignif icado dos shifters verdade i
ro , devemos ento interpretar de modo novo estas expresses. Aqui lo
que es tas que rem dizer no pode , de fato, ser compreend ido seno
a t ravs de u m a remisso instncia de discurso. Dasein, das Diese
nehmen s ignif icam: ser o ter- lugar da l i nguagem, co lher a ins
tnc ia de d iscurso. T a n t o para He idegge r c o m o para Hege l
, a nega t iv idade entra no h o m e m porque o h o m e m tem p o r
ser este ter- lugar , que r co lher o evento de l i nguagem. A pe
rgun ta sobre a o r i gem da negat iv idade que nos t nhamos
proposto deve, ento, ser re formulada da seguinte maneira : o que,
na experincia do even to de l inguagem, l ana na nega t iv idade? O
n d e est a l i nguagem, pa r a que a tentat iva de colher o seu
lugar tenha este pode r nul i f icante?
Mas , p r ime i r amente , o que significa indicar a ins tnc ia
de d i scurso? C o m o poss ve l que o d i scurso t enha lugar, que
se conf igure , po is , c o m o a lgo que pode ser ind i cado? A l
ingst ica m o d e r n a , a inda cjue conf i rme o carter de ndice
do shifter, de ixa na s o m b r a este p rob lema . T a m b m ela,
a co lhendo u m a ant iga t radio gramat ica l , pa rece p res
supor que, no l imite das poss i -b i l idades de significar, a l i
nguagem, atravs dos shifters, possa mostrara s i m e s m a ,
indicar'a ins tnc ia presente de d i scurso comi ) prpr io
ter-lugar. M a s c o m o ocorre esta indicao? Benveniste , nos e s
tudos c i tados , funda o carter de nd i ce dos shifters em u m a
con t emporane id ade da ins tnc ia de d i scurso que por ta o i nd
i c ador de pessoa ; J akobson , r e tomando u m a expresso
-
de Peirce, fala, a pn >posil< i d isso , de m n . i -u i a
ao cx is leuc ia l entre shifterc enunc iao . I ;,u ele escreve des
igna a pessoa que enuncia cu. M a s de que m o d o a lgo c o m o
uma ind icao , nes te caso, poss ve l? Em que sent ido se pode
falar de uma re l ao ex is tenc ia l e de u m a con t emporane
idade de shifters instncia de d i scurso? O que , na ins tnc ia de
d iscurso , pe rmi t e que ela seja ind icada , que ela, antes e a
l m daqu i lo q u e nela s ignif icado, mostre o p rpr io ter-
lugar?
E suf ic iente reflet ir sobre es tas i n t e r rogae s pa r a
dar-se c o n t a de q u e c o n t e m p o r a n e i d a d e e r e l
a o ex i s t enc i a l n o p o d e m fundar - se s eno na v o z . A
enunao e a instncia de dis-curso no so identificveis como tais seno
atravs da porque as profere, e , somen t e s u p o n d o nelas u m
a voz , a lgo c o m o um ter- lugar do discurso pode ser most rado
. C o m o um poeta havia intu do antes de e , ta lvez, ma i s c l a
ramente q u e os l ingistas (Valry: O eu [ou o m e / m i m ] r , s
a pa lavra assoc iada voz . E c o m o o sent ido da prpr ia voz ,
esta cons iderada c o m o s igno) , aquele que enuncia , o locutor
, , an tes de ma is nada , u m a voz . e o p r o b l e m a da dxis
o p rob l ema da voz e da sua re lao c o m a l inguagem. E este p
rob l ema q u e u m a ant iga t rad io de pen s amen to apresenta c
o m o p r o b l e m a lg ico fundamenta l (para os Es t icos , a
voz , a (p
-
de tuna pala\ i;i da qua l i gnora o S H M U I U ,uli>, J H H
c\c inp l ( \ a palavra temetum (um termo d e su s ado para viunm).
" < Icr iamei i ie , ignorando o que e le que i ra dizer,
desejar ; ! sabe lo. Mas , p a i a isso, n e c e s s r i o q u e e
le sa iba que o som q u e ouv iu no u m a voz vaz i a (Juauem
rocem), o mero som te-me-fum, mas um som s i gn i f i cante . De o
u t r o m o d o , es te s o m t r i s s l abo ser ia j p l e n a m
e n t e c o n h e c i d o n o m o m e n t o e m q u e fo s se p e r
c e b i d o pe lo o u v i d o :
O cjue mais se deveria buscar nele para conhec-lo melhor, a
partir do momento em que rodas as suas letras e a durao de cada som
so conhecidas, sc no se soubesse ao mesmo tempo que um signo e o
nimo no fosse movido pelo desejo de saber de que coisa poderia ser
signo? Quanto mais, portanto, a palavra conhecida, mas sem o ser
plenamente, tanto mais o nimo deseja saber aquele resduo de
conhecimento. Se, de fato, conhecesse apenas o existir desta voz e
no soubesse que ela significa alguma coisa, no procuraria mais
nada, uma vez percebido com a sensao, na medida do possvel , o som
sensvel. Mas, visto saber que no s existe uma voz, mas tambm um
signo, deseja possuir dele perfeito conhecimento. Ora, no se
conhece perfeitamente som algum se no se sabe de que coisa signo.
Atjuele cjue com zelo ardente procura saber e, aceso pelo desejo,
persevera, pode-se dizer que no tenha amor? Que ama, portanto?
Certamente no possvel amar algo que no conhecido. Nem ama estas trs
slabas, que j conhece. Dir-se- ento que ama nelas o saber que
significam algo?
Neste t recho isolada uma exper inc ia da pa lavra na qua l esta
no m a i s m e r o s o m (Jstas tres syllabas) c n o a inda s ignif
icado, m a s pura inteno de significar. Esta exper inc ia de um
verbo desconhec ido (verbum incognitum) na terra de n i n g u m
entre s o m e significado , para Agost inho , a exper inc ia
amorosa como von t ade de saber : in t eno de significar s e m
signif icado cor responde , de fato, n o a compreenso lgica, mas o
dese jo de saber (qui sc ire amat incgni ta , non ipsa incgni ta ,
sed i p sum scre amat ) , ' 6 ( impor t an t e sal ientar, aqui,
que o luga r desta exper inc ia , que mos t r a a vox na sua pureza
or ig inr ia c o m o querer-dzer, uma pa l av ra morta:
temetumi)
54
No scul > X1, a lgica medieva l re tomou a exper inc ia agos
-t niana da voz desconhec ida para fundar sobre esta a d i m e n s
o de s ignif icado ma is universa l e originria . Na sua ob jeo ao
a r gumen to onto lg ico de Anse lmo , Gaun i l o a f i rma a
possibi l i -dade de u m a exper inc ia de pen s amen to q u e a
inda no significa nem r eme t e a u m a res, m a s res ide na voz
somen t e [sola i>oce\: p e n s a m e n t o da voz s {cogitatio
seeundum vocem solam). Re fo rmu-l ando o expe r imen to agos t in
iano , ele p rope , r ea lmente , um p e n s a m e n t o que
pense
no tanto a prpria voz, que uma coisa de algum modo verda-deira,
a saber, o som das slabas e das letras, quanto o significado da voz
ouvida; no, porm, como pensado por quem conhece o que se costuma
significar com aquela voz (que c pensado conforme a coisa, ainda
que verdadeira somente no pensa-mento) , mas, antes, como pensado
por quem no conhece o seu significado e pensa apenas conforme o
movimento do nimo que procura representar-se o efeito da voz ouvida
c o significado da voz percebida.
Exper i nc i a no mais de um mero s o m e no ainda de um signif
icado, este p e n s a m e n t o da voz s abre ao p e n s a m e n t
o u m a d i m e n s o inaudita , a qua l , ind icando o pu ro ter-
lugar de u m a ins tnc ia de l i nguagem sem nenhum de t e rm inado
advento de s ignif icado, apresenta-se c o m o u m a espc ie de
categor ia das ca tegor ias que subjaz de sde sempre a todo p
ronunc i amen to verba l , s endo , por tanto , s ingu l a rmente p
r x i m a da d imenso de s ignif icado do p u r o ser.
E nesta perspect iva que devemos observar aqueles pensadores do
scu lo XI , como Roscel in, cu jo pen s amen to no conhecemos d i r
e t amen t e , mas de q u e m se diz ia que h a v i a m d e s c o b
e r t o o s ign i f i cado da v o z ( pr imus in lg ica s en ten t
i am voe um instituit,H" s egundo o t e s t emunho de Ot to de Fre
is ing) , e que a f i rmavam que as e s snc i a s universa is s e r
i am somen t e /tatus voeis^ 'tatus voris no , aqui , o me ro som,
mas , no sent ido que se v iu , a v o z c o m o in t eno de
significar e c o m o pura indicao de que a l inguagem tem lugar.
Esta pura ind icao a sententia pocum*1 o s ignif icado da voz em
si, anter ior a toda s ignif icao categoria l , na qual Ri )scelin
identifica a d imenso de significado
55
-
mais universal , a do ser. Que > ser, as snlnfuii/nie
nuiversa/e/' sejam f latus voeis, n o significa que elas se jam uni
nada, mas , ao contrrio, que a d imenso de s ignif icado tio ser co
inc ide c o m aquela exper inc ia da voz como pura ind icao e puro
querer-dizer. E nes te s enddo que devemos compreender , rest i tu
indo ass im a Rosce l in um lugar fundamenta l na histria da
ontologia moderna , o t e s t emunho de J o o de Sal isbury, s
egundo o qual fuerunt et qui vocs ipsas genera d icerent ,^ e o de
Anse lmo , que fala dos nostr i temporis dialectici. . . qui non
nisi f latum v o a s putant esse universa les subs tant i a s . 8 5
O pensamen to da voz s, o p e n s a m e n t o do sopro da voz (no
qual ta lvez devamos ver a pr imei ra apar io do Geist hege l i ano
) , p e n s a m e n t o do que existe de ma i s universal :
pensamento do ser. O ser [est] na voz (esse m voc) c o m o abrir-se
e most ra r - se do ter- lugar da l inguagem, c o m o
Esprito.*1'
S e v o l t a r m o s a g o r a a o p r o b l e m a d a i n d i
c a o , t a l v e z pos s amos compreende r de que m o d o a voz
art icula a remisso dos shifters ins tnc ia de discurso. A voz que
supos ta pe los shifters c o m o ter- lugar da l i nguagem no s imp
le smente a (pOVT), o me ro fluxo sonoro emi t ido pe lo apare lho
fonador, a s s im c o m o o E u , o locutor , no s imp le smente o
ind iv duo ps i cossomt i co do qual p rovm o s o m . U m a voz c o
m o mero som (uma voz animai) pode ce r t amente ser nd ice do ind
iv duo que a emite, mas no pode de m o d o a lgum remeter instncia
de discurso enquanto tal, n em abrir a esfera da enunciao. A voz ,
a
-
I I c g c l n e c e s s a r i a m e n t e l a m b e m n u i n u
J o po!;i negntivi dade . A cen t r a l i dade da r e l ao entre
ser c p re sena na histr ia da f i losof ia oc iden ta l t em o seu
fundamen to no fato de que t e m p o r a l i d a d e e ser t m a
sua fon te c o m u m no p r e s e n t e i n c e s s a n t e da in s
t nc i a de d i scurso . M a s j u s t amen t e por isso a presena
no (como poder i am fazer pensar as palavras de Benven i s t e ) a
lgo s imples , m a s conse rva em si, em vez d isso , o sec re to p
o d e r do negat ivo .
A Voz , c o m o shifter s u p r e m o que pe rm i t e cap ta r o
ter - lugar da l i n g u a g e m , ap re s en t a - s e , p o r t a
n t o , c o m o o f u n d a m e n t o nega t i vo sobre o qua l r e
p o u s a toda a on to - lg i ca , a nega t iv i -d a d e originr
ia , sobre a qual toda negao se sus tem. Por isso, a aber tura da d
imenso do ser j s empre ameaada de nu l idade : se, nas pa lavras
de Aris tte les , o ser otet r)Tof>|i.VGV k c u e i C t 7 t o p
o \ ) p : e v o v , 8 y s e o h o m e m se encontra necessa r i
amente sem via q u a n d o busca o que quer d izer a pa lavra ser
(P l a t , Soph. 244,5), isto ocorre porque a d imenso de
significado do ser or g inar iamente aberta apenas na art iculao
puramente negat iva de u m a Voz . E , a l em disso, esta nega t iv
idade que art icula a c iso do c a m p o da l i nguagem em
significara mostrar, a qual v imos const i tu i r a es t rutura or
ig inr ia da t r anscendnc ia .
Ta lvez ago r a se to rne m a i s claro p o r q u e Hege l , no
inc io da Fenomenologia, pensa o ind icar c o m o um p roce s so
dialt ico de negao : aqui lo que supr imido, cada vez que se diz :
isto, a voz , e aqui lo que, a cada vez , se abre neste supr
imir-se (atravs do seu conservar