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R. Bras. Ci. Solo, 34:955-965, 2010 ACÚMULO E FORMAS DE COBRE E ZINCO NO SOLO APÓS APLICAÇÕES SUCESSIVAS DE DEJETO LÍQUIDO DE SUÍNOS (1) Eduardo Girotto (2) , Carlos Alberto Ceretta (3) , Gustavo Brunetto (4) , Danilo Rheinheimer dos Santos (3) , Leandro Souza da Silva (3) , Cledimar Rogério Lourenzi (5) , Felipe Lorensini (6) , Renan Costa Beber Vieira (7) & Roberta Schmatz (8) RESUMO As aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos no solo podem aumentar os teores e alterar as formas de Cu e Zn no solo. O presente trabalho teve como objetivo estimar o acúmulo de Cu e Zn e suas formas em solo submetido a aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos, em sistema plantio direto com rotação de culturas. O trabalho foi desenvolvido em um Argissolo Vermelho distrófico arênico na área experimental do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Os tratamentos consistiram na aplicação de 0, 20, 40 e 80 m 3 ha -1 de dejeto líquido de suínos. Foram realizadas 17 aplicações de dejetos de maio de 2000 até o momento da coleta do solo, em outubro de 2006. Amostras de solo foram coletadas nas camadas de 0–2, 2–4, 4–6, 6–8, 8–10, 10–12, 12–14, 14–16, 16– 18, 18–20, 20–25, 25–30, 30–35, 35–40, 40–50 e 50–60 cm, secas ao ar, passadas em peneiras de 2 mm e moídas em grau de ágata. Em seguida, foram preparadas e analisados os teores pseudototais após extração pelo método 3050B da EPA, disponíveis por meio da extração com HCl 0,1 mol L -1 , além do fracionamento químico do Cu e do Zn. Nos dejetos de suínos foram determinados os teores (1) Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Recebido para publicação em abril de 2009 e aprovado em março de 2010. (2) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Departamento de Solos, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Caixa Postal 221, CEP 97105-900 Santa Maria (RS). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] (3) Professor do Departamento, UFSM. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected] (4) Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Agrícola,Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Rodovia Admar Gonzaga 1346, Bairro Itacorubi, CEP 88034-000 Florianópolis (SC). E-mail: [email protected] (5) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, UFSM. Bolsista da Capes. E-mail: [email protected] (6) Acadêmico do Curso de Agronomia, UFSM. E-mail: [email protected] (7) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, CEP 91540-000 Porto Alegre (RS). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] (8) Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Toxicológica, UFSM. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] SEÇÃO VIII - FERTILIZANTES E CORRETIVOS
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Acúmulo e formas de cobre e zinco no solo após aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos

May 12, 2023

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ACÚMULO E FORMAS DE COBRE E ZINCO NO SOLO APÓS

APLICAÇÕES SUCESSIVAS DE DEJETO LÍQUIDO DE

SUÍNOS(1)

Eduardo Girotto(2), Carlos Alberto Ceretta(3), Gustavo Brunetto(4),

Danilo Rheinheimer dos Santos(3), Leandro Souza da Silva(3),

Cledimar Rogério Lourenzi(5), Felipe Lorensini(6), Renan Costa

Beber Vieira(7) & Roberta Schmatz(8)

RESUMO

As aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos no solo podem aumentaros teores e alterar as formas de Cu e Zn no solo. O presente trabalho teve comoobjetivo estimar o acúmulo de Cu e Zn e suas formas em solo submetido a aplicaçõessucessivas de dejeto líquido de suínos, em sistema plantio direto com rotação deculturas. O trabalho foi desenvolvido em um Argissolo Vermelho distrófico arênicona área experimental do Departamento de Engenharia Agrícola da UniversidadeFederal de Santa Maria (RS). Os tratamentos consistiram na aplicação de 0, 20, 40e 80 m3 ha-1 de dejeto líquido de suínos. Foram realizadas 17 aplicações de dejetosde maio de 2000 até o momento da coleta do solo, em outubro de 2006. Amostras desolo foram coletadas nas camadas de 0–2, 2–4, 4–6, 6–8, 8–10, 10–12, 12–14, 14–16, 16–18, 18–20, 20–25, 25–30, 30–35, 35–40, 40–50 e 50–60 cm, secas ao ar, passadas empeneiras de 2 mm e moídas em grau de ágata. Em seguida, foram preparadas eanalisados os teores pseudototais após extração pelo método 3050B da EPA,disponíveis por meio da extração com HCl 0,1 mol L-1, além do fracionamentoquímico do Cu e do Zn. Nos dejetos de suínos foram determinados os teores

(1) Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo daUniversidade Federal de Santa Maria – UFSM. Recebido para publicação em abril de 2009 e aprovado em março de 2010.

(2) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Departamento de Solos, Universidade Federal de SantaMaria – UFSM. Caixa Postal 221, CEP 97105-900 Santa Maria (RS). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

(3) Professor do Departamento, UFSM. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mails: [email protected];[email protected]; [email protected]

(4) Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Agrícola,Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. RodoviaAdmar Gonzaga 1346, Bairro Itacorubi, CEP 88034-000 Florianópolis (SC). E-mail: [email protected]

(5) Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, UFSM. Bolsista da Capes. E-mail: [email protected](6) Acadêmico do Curso de Agronomia, UFSM. E-mail: [email protected](7) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Av.

Bento Gonçalves 7712, CEP 91540-000 Porto Alegre (RS). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected](8) Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Toxicológica, UFSM. Bolsista CAPES. E-mail:

[email protected]

SEÇÃO VIII - FERTILIZANTESE CORRETIVOS

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pseudototais de Cu e Zn. As aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos nosolo aumentaram os teores de Cu e Zn das camadas superficiais, com migração até12 e 10 cm de profundidade, respectivamente. O Cu e Zn adicionados sãoacumulados no solo em formas biodisponíveis, sendo preferencialmente ligados àsfrações orgânica e mineral, respectivamente.

Termos de indexação: elementos-traço, fracionamento químico, contaminaçãoambiental, biodisponibilidade.

SUMMARY: COPPER AND ZINC FORMS AND ACCUMULATION IN SOILAFTER SUCCESSIVE PIG SLURRY APPLICATIONS

Successive applications of pig slurry in the soil can increase the levels and change theforms of copper (Cu) and zinc (Zn). The objective of this study was to evaluate Cu and Znaccumulation and forms in the soil of areas with successive pig slurry applications under notillage crop rotation. The experiment was carried out in a Typic Hapludalf in the experimentalarea of the Department of Agricultural Engineering of the Federal University of Santa Maria,Santa Maria (RS), Brazil. Pig slurry was applied at rates of 0, 20, 40 and 80 m3 ha-1. A totalof 17 applications were applied to the soil surface between May 2000 and October 2006. Thesoil samples were collected in the layers 0–2, 2–4, 4–6, 6–8, 8–10, 10–12, 12–14, 14–16, 16–18,18–20, 20–25, 25–30, 30–35, 35–40, 40–50, and 50–60 cm. The soil was dried, ground, sieved(2 mm) and the pseudo-total levels, available (HCl 0.1 mol L-1) and chemical fractions of Cuand Zn were determined. The pseudo-total contents of copper and zinc in the slurry wereanalyzed. Successive applications of pig slurry increased the pseudo-total content of copperand zinc in soil (surface layers), with migration to 12 and 10 cm depths, respectively. The Cuand Zn applied were accumulated in the soil in bioavailable forms, and preferentially associatedwith the organic and mineral fraction, respectively.

Index terms: trace metals, fractionation chemistry, environmental contamination,bioavailability.

INTRODUÇÃO

Na região Sul do Brasil, especialmente no RioGrande do Sul e Santa Catarina, a suinocultura éuma atividade desenvolvida em pequenas propriedades,onde os dejetos produzidos são utilizados comofertilizantes em áreas com culturas anuais de grãos ecom pastagens. Isso é desejável, uma vez que osnutrientes contidos nos dejetos são reutilizados naprópria unidade de produção. No entanto, em muitaspropriedades a quantidade de dejetos produzida excedea capacidade de suporte dos solos. Como consequência,devido à alta concentração de elementos-traço como oCu e o Zn nos dejetos (L’Herroux et al., 1997; Gräberet al., 2005), espera-se, ao longo dos anos, o acúmuloexcessivo desses elementos no solo.

Em solos não contaminados, o Cu e o Zn sãoencontrados em maior quantidade ligados às fraçõesorgânicas e inorgânicas, respectivamente, sendoretidos por ligações físicas e, principalmente, químicascom alto grau de energia. Consequentemente, aquantidade desses elementos-traço biodisponível e,especialmente, a concentração na solução do solo sãomuito baixas. Os elementos químicos adicionados aosolo pela atividade antrópica distribuem-se nas formas

preexistentes (Rheinheimer et al., 2003), mas commenor energia de adsorção ou em precipitados commaior solubilidade. Então, a especiação dos elementos-traço entre a fase sólida e a solução do solo é dependenteda quantidade adicionada, da quantidade e tipo deadsorvente (matéria orgânica, minerais silicatados,óxidos de Fe e Mn e grupos fosfatos) e das condiçõesgeoquímicas da solução, sobretudo da concentraçãode prótons e da força iônica (McBride, 1994; Alloway,1995; Kabata-Pendias & Pendias, 2001).

Dessa forma, a concentração total de elementos-traço no solo é um indicador limitado em termos dedisponibilidade (Tessier et al., 1979; Feng et al., 2005;Alvarez et al., 2006). Vários são os tipos de procedi-mentos laboratoriais para estimar a disponibilidadedos elementos-traço aos organismos vivos e, ou, àmobilidade no perfil do solo. Os mais usados são asextrações com produtos químicos de forma isolada ousequencialmente. Os valores de concentração de ele-mentos-traço extraídos por qualquer que seja oextrator usado devem ser calibrados com a absorçãopelas plantas ou um organismo vivo (biodisponibilidade)ou validados com a transferência dentro do perfil(mobilidade). A calibração com a absorção pelas plan-tas, embora onerosa, é bastante usada nos sistemas

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de recomendação de fertilizantes e corretivos. No en-tanto, a relação entre concentração do elemento-traçoextraído e a sua toxidez a um organismo-alvo ou asua mobilidade no perfil do solo é muito mais difícil deestabelecer e, consequentemente, escassa na literatu-ra. Mesmo assim, a estimativa das formas de metaisbiodisponíveis é também usada para estudos de toxidezàs plantas e de contaminação de animais ou água(L’Herroux et al., 1997; Chopin & Alloway, 2007). Hápreferência pelos procedimentos com extraçõessequenciais quando da avaliação da mobilidade e dabiodisponibilidade dos elementos-traço no solo (Tessieret al., 1979; Sodré et al., 2001; Feng et al., 2005;Alvarez et al., 2006).

Por meio das extrações sequenciais, os extratoresquímicos removem os elementos-traço das formas maislábeis até as mais estáveis (Tessier et al., 1979; Limaet al., 2001). É possível separar a quantidade total demetal nos solos ou sedimentos em fraçõesbiodisponíveis (solúvel em água e trocável), potencial-mente biodisponíveis (ligadas a óxidos, carbonatos ematéria orgânica) e residual ou não disponível (estru-tura dos minerais) (Tessier et al., 1979; Sodré et al.,2001). A separação nessas frações é clássica dos estu-dos de Fertilidade do Solo e está sendo aplicada à Ci-ência Ambiental. Ela permite, por exemplo, consta-tar que em solos submetidos a adições de alta quanti-dade de dejeto de suínos ou lodo de esgoto o acúmulodo Cu e Zn ocorre tanto na fração mineral quanto nafração orgânica (L’Herroux et al., 1997; Qiao et al.,2003; Zheljazkov & Warman, 2004; Hseu, 2006).Então, é possível prever que adições frequentes dedejetos líquidos de suínos, por apresentarem altas con-centrações de Cu e Zn, possam incrementar significa-tivamente as quantidades desses metais em formassolúveis e trocáveis, potencializando a toxidez às plan-tas e sua transferência, via sedimentos, para manan-ciais de águas superficiais.

O presente trabalho teve como objetivo estimar oacúmulo de Cu e Zn e suas formas em solo submetidoa aplicações sucessivas de dejeto líquido de suínos.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado na área experimental doDepartamento de Engenharia Agrícola daUniversidade Federal de Santa Maria (RS) (latitudeS 29 o 43 ’; longitude W 53 o 42 ’), em ArgissoloVermelho distrófico arênico (Embrapa, 2006) texturasuperficial franco-arenosa e relevo com declividade de4 %. A área era mantida há oito anos sob sistemaplantio direto até o ano de 2000, quando foi instalado oexperimento. Em março de 2000, o solo da camada de0–10 cm apresentava 170 g kg-1 de argila, 300 g kg-1

de silte, 530 g kg-1 de areia, pH em água de 4,7,matéria orgânica de 16 g dm-3, Al trocável de0,8 cmolc dm-3, Ca trocável de 2,7 cmolc dm-3, Mg

trocável de 1,1 cmolc dm-3, P disponível de 15,0 mg dm-3

(Mehlich-1), K trocável de 96 mg dm-3 e Cu e Zn(extraídos por HCl 0,1 mol L-1) de 1,2 e 1,6 mg kg-1,respectivamente.

No período entre maio de 2000 e outubro de 2006,cultivou-se a sucessão de aveia-preta (Avena strigosaS.)/milho (Zea mays L.)/nabo forrageiro (Raphanussativus L.) nos anos agrícolas de 2000/2001 e 2001/2002 (Ceretta et al., 2005); aveia-preta/milheto(Pennisetum americanum L.)/feijão-preto (Phaseolusvulgaris L.) em 2002/2003; aveia-preta + ervilhaca(Vicia sativa L.)/milho, em 2003/2004 e 2004/2005;aveia-preta/feijão-preto/crotalária (Crotalaria junceaL.), em 2005/2006; e aveia-preta/milho, em 2006/2007.

Os tratamentos constituíram da aplicação, a lan-ço, antes da implantação de cada cultura, de 0, 20, 40e 80 m3 ha-1 de dejeto líquido de suínos. O dejeto foi aúnica fonte de nutrientes às culturas, não tendo sidorealizada correção da acidez do solo no momento deimplantação do experimento, em 2000. Os tratamen-tos foram distribuídos em delineamento experimen-tal de blocos ao acaso com quatro repetições, em par-celas de 4 x 3 m.

Em outubro de 2006, antes da implantação da cul-tura de milho, o solo foi coletado em todos os trata-mentos nas camadas de 0–2, 2–4, 4–6, 6–8, 8–10, 10–12, 12–14, 14–16, 16–18, 18–20, 20–25, 25–30, 30–35, 35–40, 40–50 e 50–60 cm de profundidade, paraavaliação do acúmulo e das formas de Cu e Zn. Nessadata, o solo possuía um histórico de 17 aplicações dedejeto, realizadas durante 78 meses. Depois da cole-ta, o solo foi seco ao ar até atingir massa constante;em seguida, ele foi passado em peneiras de 2 mm emoído em grau de ágata. Os teores pseudototais deCu e Zn nas amostras de solo foram extraídos comperóxido de hidrogênio (H2O2) + ácido nítrico (HNO3)+ ácido clorídrico (HCl), segundo método nº 3050B(EPA, 1996). Este extrator não determinando a quan-tidade dos metais na matriz dos minerais, determi-nando a fração dos elementos consideradosambientalmente biodisponíveis ou também denomi-nados como teores pseudototais. A fração extraídacom HCl 0,1 mol L-1 é considerada, pela Comissão deQuímica e Fertilidade do Solo dos Estados do RS e SC(CQFS-RS/SC, 2004), como disponível às plantas.

O fracionamento químico de Cu e Zn seguiu ométodo proposto por Tessier et al. (1979). Usaram-seapenas as amostras de solo das camadas de 0–2, 2–4,4–6, 6–8, 10–12, 14–16, 18–20, 30–35 e 50–60 cm deprofundidade, nos tratamentos 0 e 80 m3 ha-1. Adotou-se o mesmo procedimento para os dejetos aplicadosdurante o ano agrícola 2006–2007. As amostras, emtriplicata de 1,000 g de solo seco ou dejeto, foramtransferidas para tubos de polipropileno de 50 mL,sendo realizadas extrações sequenciais, brevementedescritas a seguir: fração solúvel, extraída com águadeionizada (8 mL); fração trocável, extraída com MgCl21,0 mol L-1 a pH 7,0 (8 mL); ligados à fração mineral,extraída com cloridrato de hidroxilamina (NH2OHHCl)

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0,04 mol L-1 em ácido acético 25 % (v/v) a pH 2,0(20 mL); e ligados à fração orgânica, extraídos comHNO3 0,02 mol L-1 (3 mL) + H2O2 a 30 % (8 mL) +NH4OAc em HNO3 20 % (v/v) (5 mL). O sobrenadantefoi separado por centrifugação a 1.500 g durante umahora, e uma alíquota foi reservada para adeterminação do teor de Cu e Zn. Entre cada extração,as amostras foram agitadas com água deionizada ecentrifugadas, sendo descartado o sobrenadante. Nofinal da extração sequencial, o resíduo remanescentefoi seco em estufa a 105 ºC durante 24 h e, em seguida,0,5000 g do resíduo seco foi submetido à digestão comHF concentrado + HClO4, para determinação da

fração residual de Cu e Zn. Na condução dos trabalhos,toda a vidraria utilizada foi submetida à limpeza comHNO3 10 %, sendo mantida nesse ácido por umperíodo de, no mínimo, 24 h; após esse período, foirealizada uma lavagem tripla com água deionizada.

Em uma amostra de 0,5000 g de solo ou dejeto seco,não submetido ao processo de extração sequencial deCu e Zn, foi adicionado H2O2 30 % + HF + HClO4concentrados, para realização da digestão dasamostras. Para determinação dos teores pseudototaisde Cu e Zn nos dejetos aplicados, foi utilizado o métodonº 3050B, proposto pela Environmental ProtectionAgency (EPA, 1996) (Quadro 1).

Quadro 1. Características do dejeto líquido de suínos e quantidade de cobre e zinco aplicada antes dasculturas, no período de maio de 2000 a outubro de 2006

(1) Percentagem de matéria seca do dejeto aplicado. (2) Análise e cálculos em base úmida. (3) Percentagem do metal em base secanos dejetos.

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Os teores de Cu e Zn nas alíquotas derivadas doextrator água deionizada foram determinados em ICPPerkin-Elmer. Nos demais extratos (fração trocável,ligado à fração mineral, ligado à fração orgânica eresidual), disponível e total, o Cu e Zn foramquantificados em espectrofotômetro de absorçãoatômica (chama de ar-acetileno).

Os resultados qualitativos obtidos foramsubmetidos à análise de variância e, quando os efeitosforam significativos, ao teste de comparação de médiasDMS, usando o software SAS–Statistical AnalysisSystem (SAS Institute Inc.), versão 9.1. Com os dadosquantitativos, foram ajustadas equações de regressão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Formas de cobre e zinco no dejeto líquido desuínos

Os teores de Cu extraídos com água deionizada,considerada a fração solúvel, foram altos,representando 5, 4 e 9 % do Cu total para os dejetosaplicados antes dos cultivos da crotalária, da aveia-preta e do milho, respectivamente. Na sequência daextração, ainda foram extraídos, em média, 3 % doCu total com o MgCl2, considerado uma forma trocávele também disponível aos seres vivos.

As maiores quantidades de Cu nos dejetos foramextraídas com HNO3 + H2O2 (fração orgânica) oupermaneceram no resíduo (Quadro 2). A fraçãoorgânica representou 71,1, 54,0 e 72,5 % do somatóriodas frações, respectivamente para os dejetos aplicadosantes do cultivo da crotalária, da aveia-preta e do milho.Resultados semelhantes foram encontrados porL’Herroux et al. (1997), em que 66 % do Cu total foiencontrado em formas orgânicas no dejeto de suínos.Contudo, as principais fontes de Cu fornecidas aossuínos são as formas de carbonato, cloreto, sulfato eóxido (Andriguetto et al., 1981). Assim, a adsorção oucomplexação do Cu com compostos orgânicos nos

dejetos deve ter ocorrido no trato digestivo dos suínosou durante o período de estabilização dos dejetos, antesde sua aplicação ao solo.

O Zn fornecido via rações é oriundo de óxidos combaixa solubilidade (Andriguetto et al., 1981) e poucoassimilado no trato digestivo (Jondreville et al., 2003).Logicamente que a forma de Zn predominante nodejeto líquido de suínos foi aquela ligada à fraçãomineral, extraída com NH2OHHCl, atingindo, emmédia, mais de 60 % do total (Quadro 2). Esses dadosassemelham-se aos obtidos por L’Herroux et al. (1997),que obtiveram percentual de 67 % de Zn ligado à fraçãomineral, avaliando Zn em dejetos de suínos no norteda França. Somente em torno de 13 % do Zn foi retidopela fração orgânica no dejeto (extraída com HNO3 +H2O2), demonstrando menor afinidade do Zn comcompostos orgânicos dos dejetos (Quadro 2). Por outrolado, as frações de Zn trocável (extraída com MgCl2) esolúvel (extraída com água deionizada) foram, emmédia, de apenas 1 % de cada uma. O restante do Znfoi encontrado na fração residual, extraída a partir dadigestão com HF + HClO4 concentrados.

Tempo estimado de aplicação de dejetos combase em diferentes normativas

As quantidades totais de Cu e Zn adicionadas nosolo com as 17 aplicações de dejeto líquido de suínos,ao longo dos 78 meses (Quadro 1), totalizaram 16,0,32,0 e 64,0 kg ha-1 de Cu e 19,9, 39,8 e 79,6 kg ha-1

de Zn, com as doses de 20, 40 e 80 m3 ha-1 de dejeto,respectivamente, representando quantidades médiasanuais de 2,3, 4,6 e 9,1 kg ha-1 de Cu e 2,8, 5,7 e11,4 kg ha-1 de Zn. Considerando a resolução número375 do CONAMA (CONAMA, 2006), que é desenvolvidapara lodo de esgoto, o tempo máximo de aplicação dedejeto líquido seria limitado pela presença de Cu aapenas 15 anos, para a dose de 80 m3 ha-1 de dejetos,pois preconiza a aplicação máxima de 137 kg ha-1 deCu. Caso fosse utilizada a normativa CEC (1986) daUnião Europeia, que estabelece aplicação máxima de120 kg ha-1 de Cu em uma mesma área, a aplicação

Quadro 2. Fracionamento químico de cobre e zinco em amostras de dejeto líquido de suínos, aplicados noano agrícola 2006–2007

(1) Extraído com água deionizada. (2) Extraído com MgCl2. (3) Extraído com NH2OHHCl. (4) Extraído com HNO3 + H2O2.

(5) Médias dosteores extraídos com seus respectivos desvios-padrões.

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de dejeto líquido de suínos seria limitada a 13 anospara aplicações sucessivas de 80 m3 ha-1 de dejetos.Por outro lado, segundo as normas estabelecidas pelaUSEPA (1993) nos EUA, muito permissíveis(McBride, 1995), 1.500 kg ha-1 de Cu em uma mesmaárea, seria possível aplicar a mais alta dose de dejetopor até 163 anos.

Entretanto, a simples adoção da carga máxima deCu e Zn a ser aplicada em uma determinada área,considerada nas normativas estudadas (CEC, 1986;USEPA, 1993; CONAMA, 2006) onde não é levado emconsideração o ambiente de sua aplicação, nãoassegura a utilização adequada dos dejetos de suínosa longo prazo. Isso porque, para se realizar omonitoramento do ambiente de forma adequada,principalmente do solo, é necessário o estabelecimentode teores críticos nos diferentes solos e sistemas deculturas adotados, devendo-se considerar o balanço dosmetais no solo e suas inter-relações com as fraçõesorgânica e mineral. Isso porque o comportamento dosmetais pode ser influenciado por atributos da fasesólida do solo, como tipo de adsorvente (matériaorgânica, minerais silicatados, óxidos de Fe e Mn egrupos fosfatos), e das condições geoquímicas dasolução, em especial da concentração de prótons e daforça iônica (McBride, 1994; Alloway, 1995). Oconhecimento de como esses atributos influenciam ocomportamento dos metais torna-se, então,fundamental para o estabelecimento da carga máximade resíduo que um solo pode receber.

Migração de cobre e zinco no perfil do solo

Dezessete aplicações de 80 m3 ha-1 de dejeto líquidode suínos durante 78 meses na superfície do solo sobsistema plantio direto aumentaram o teor total de Cue Zn no solo até os 12 e 10 cm de profundidade,respectivamente. A migração de elementos-traço noperfil do solo ocorre devido ao fluxo de água na massade solo, ao fluxo de água turbulento em macroporos efendas do solo ou à bioturbação. Tem-se constatadoque, para o Zn, o fluxo de soluto na massa de soloparece ser o mecanismo preponderante, uma vez queesse nutriente permanece na solução do solo em formalivre ou em pares iônicos solúveis (Citeau et al., 2003).Contrariamente, o teor de Cu livre na solução do soloé muito baixo devido à alta reatividade com os gruposfuncionais, sobretudo aqueles da matéria orgânica dosolo (Croué et al., 2003). Desse modo, a migração noperfil do solo se dá, preferencialmente, na formacoloidal (Citeau et al., 2003; Ponthieu, 2003), e o fluxoturbulento e a bioturbação assumem grandeimportância (Rheinheimer et al., 2007). Nessesentido, ácidos orgânicos de baixo peso moleculartambém podem desempenhar importante papel noaumento da mobilidade de elementos-traço no solo. Aformação de complexos de metal com compostosorgânicos de baixo peso molecular altera o equilíbrioentre os metais lábeis na fase sólida e na solução dosolo e, assim, também pode aumentar liberação deelementos-traço da fase sólida e, por consequência,

aumentar sua mobilidade no solo (Qin et al., 2004).Em regiões subtropicais, com altas precipitaçõespluviais e baixa evapotranspiração, ocorre grande fluxode água para o lençol freático. Então, em decorrênciada menor afinidade do Zn pelos grupos funcionais daspartículas de tamanho coloidal presentes nesses solos,a migração de Zn no perfil do solo passa a ser muitomais intensa do que a do Cu. Caso não haja gruposfuncionais em quantidade e qualidade no solo dascamadas subjacentes, haverá transferência desseelemento ao lençol freático sem que se observemalterações nos teores totais, como foi observado nopresente estudo. Mesmo que a quantidade de Znadicionada tenha sido maior (79,6 kg ha-1) do que ado Cu (64,0 kg ha-1), os teores pseudototais no solo doperfil monitorado (0–60 cm) foram mais baixos do queos do Cu (Quadro 3). Esses resultados concordam comos obtidos por Gräber et al. (2005), que trabalharamcom 46 solos na Dinamarca, onde foram realizadassucessivas aplicações de dejeto de suínos entre os anosde 1986 e 1998. Esses autores atribuíram o menoracúmulo de Zn no solo a uma possível associação destecom tipos e tamanhos de partículas diferenciados, emrelação ao Cu, o que levou a uma maior transferênciade Zn.

Outra possibilidade para o menor acúmulo de Znno solo é a sua maior exportação por meio dos grãosde culturas conduzidas no experimento, pois foiencontrada concentração de Zn 20 vezes maior que ade Cu nos grãos da cultura do milho, cultivado no anoagrícola 2006–07, como relatado por Girotto (2007).

O solo da camada superficial (0–2 cm) apresentou85,7 e 70,4 mg kg-1 de Cu e Zn, respectivamente,quando da aplicação da dose máxima de dejeto líquidode suínos na superfície do solo sob sistema plantiodireto. Esses valores estão ainda abaixo daquelesestabelecidos pelas normativas ambientais do Estadode São Paulo (CETESB, 2001), da comunidadeeuropéia (CEC, 1986) e dos EUA (USEPA, 1993). Porexemplo, a CETESB (2001), a mais restritiva das três,estabelece para solos agrícolas valores máximos de100 e 500 mg kg-1 para o Cu e o Zn, respectivamente.Contudo, caso seja mantida a adição de altas taxas dedejetos por apenas mais alguns anos, deverão sertomadas medidas de intervenção por causa do acúmulode Cu no solo da camada extremamente superficial,impedindo inclusive o uso de solo para descarte.

O teor de Zn e Cu extraído pelo HCl 0,1 mol L-1,considerado como biodisponível ou passível de percolarno solo a longo prazo, passou de 3,1 % para 35,6 % doCu total no solo da camada superficial (0–2 cm) e nãose alterou no solo das camadas mais profundas do que20 cm, quando da aplicação da dose máxima de dejeto(80 m3 ha-1 – Quadro 4). No caso do Zn, nas mesmascondições, mais de 80 % do Zn total do solo da camadasuperficial (0–2 cm) é altamente disponível (Quadro 3).Nesse sentido, os menores valores de pH do solo(próximo a 5,0 – Girotto, 2007) nas camadas maisprofundas dificultaram a formação de complexos

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Quadro 3. Teores pseudototais de cobre e zinco no solo de área tratada com sucessivas aplicações de dejetolíquido de suínos

(1) Médias na coluna com diferenças menores que o DMS não diferem entre si pelo teste de DMS (α = 0,05); ns: nãosignificativo a 5 % de erro; *: significativo a 5 % de erro. (2) = 17,29 + 18,240x (R2 = 0,85). (3) = 19,43 + 10,620x (R2 = 0,88).(4) = 16,26 + 8,860x (R2 = 0,95). (5) = 19,75 + 5,690x (R2 = 0,94). (6) = 22,53 + 3,980x (R2 = 0,86). (7) = 21,38 + 3,880x (R2

= 0,83). (8) = 22,34 + 12,380x (R2 = 0,89). (9) =12,46 + 9,010x (R2 = 0,94). (10) = 13,66 + 5,720x (R2 = 0,82). (11) = 16,69 +3,440x (R2 = 0,86). (12) = 21,08 + 1,070x (R2 = 0,81).

Quadro 4. Teores de cobre e zinco disponíveis no solo, extraídos com HCl 0,1 mol L-l, de área tratada comsucessivas aplicações de dejeto líquido de suínos

(1) Médias na coluna com diferenças menores que o DMS não diferem entre si pelo teste de DMS (α =0,05); ns: não significativo a5% de erro; *: significativo a 5% de erro. (2) = -6,43 + 9,840x (R2 = 0,95). (3) = -4,86 + 5,980x (R2 = 0,96). (4) = -3,06 + 3,690x (R2

= 0,91). (5) = -1,82 + 2,480x (R2 = 0,86). (6) = -0,47 + 1,440x (R2 = 0,83). (7) = 0,19 + 0,910x (R2 = 0,78). (8) = 0,66 + 0,540x (R2 =0,89). (9) = 0,79 + 0,410x (R2 = 0,69). (10) = 0,90 + 0,270x (R2 = 0,58). (11) = 1,05 + 0,190x (R2 = 0,75). (12) = -15,96 + 17,660x (R2

= 0,99). (13) = -10,23 + 10,440x (R2 = 0,97). (14) = -8,08 + 7,180x (R2 = 0,92). (15) = -5,96 + 5,160x (R2 = 0,89). (16) = -3,64 + 3,110x(R2 = 0,87). (17) = -2,43 + 2,080x (R2 = 0,83). (18) = -1,54 + 1,330x (R2 = 0,76). (19) = -0,69 + 0,720x (R2 = 0,72). (20) = -0,25 + 0,420x(R2 = 0,61). (21) = -0,17 + 0,310x (R2 = 0,91).

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estáveis (inner-sphere) entre o Cu e o Zn com gruposfuncionais das frações orgânica e mineral do solo,influenciando a disponibilidade e a mobilidade no solo.Assim, mesmo que o Cu tenha alta afinidade pelosgrupos funcionais, há grande quantidade desseelemento que é adsorvida com baixa energia de ligação,uma vez que aqueles sitios mais ávidos forampaulatinamente sendo saturados. Isso demonstra quea adoção de um extrator mais brando e que representeas formas mais facilmente dessorvíveis é maisinteressante do ponto de vista da migração desse metalno perfil do solo e, logicamente, como um indicador dograu de contaminação do solo (Tessier et al., 1979;Feng et al., 2005; Alvarez et al., 2006).

Formas de cobre no solo

No solo sem aplicação de dejeto, a maior parte doCu foi encontrada na fração residual, seguida pelasfrações mineral e orgânica (Quadro 5), indicando aforte adsorção do Cu aos grupos funcionais, em especialaqueles da matéria orgânica. Como consequência, osteores extraídos com água ou MgCl2 são muito baixos,representando menos do que 1,0 % do total, porémsão suficientes para a manutenção de altaprodutividade das plantas (CQFS-RS/SC, 2004).

As sucessivas aplicações de 80 m3 ha-1 de dejeto,que representaram a adição de 64 kg ha-1 de Cu nas17 aplicações de dejetos, proporcionaram aumento nosteores de Cu extraídos por todos os extratores, no soloda camada de 0–2 cm. A fração orgânica (extraídacom HNO3 + H2O2) foi o principal dreno do Cuadicionado, representando 37,1 % do somatório dasformas de Cu. Os incrementos nos teores de Cu ligadoà fração orgânica ocorreram até a camada de 6–8 cm,quando comparado com o tratamento sem aplicaçãode dejeto, seguindo o acúmulo de matéria orgânica(Girotto, 2007). Também, o Cu ligado à fração mineral(extraída com NH2OHHCl) aumentou com a aplicaçãode dejeto, sendo significativo até 16 cm deprofundidade. No solo da camada superficial (0–2 cm),essa fração representou 32,9 % do somatório das formasde Cu. A distribuição do Cu adicionado seguiu asfrações preexistentes no solo, como observado paraoutros elementos químicos (Rheinheimer et al., 2003),alterando inclusive as formas facilmente dessorvíveis(água e MgCl2). A adição de Cu aumenta a quantidadelivre na solução do solo e, rapidamente, é transferidaà fase sólida, de acordo com a quantidade e constituiçãoda fração argila. No caso do Cu, o fenômeno deadsorção aos grupos funcionais da matéria orgânicaparece ser preponderante (L’Herroux et al., 1997; Hanet al., 2000; Borges & Coutinho, 2004; Nachtigall etal., 2007). O aumento nos teores de Cu no perfil dosolo pressupõe o incremento da concentração nasolução do solo e da dessortividade da fase sólida. Afrente de mobilidade no perfil pode ser comprovadapelos maiores teores de Cu extraído pela água e peloMgCl2, do solo das camadas superficiais (0–4 cm) eaté das camadas mais profundas, com os extratorescom maior capacidade de extração. Assim, a

concentração de Cu passível de se movimentar diminuiao longo do perfil do solo e, consequentemente, asformas preexistentes não são alteradas, nem mesmoa concentração na solução do solo.

O Cu da fração residual também teve suaconcentração aumentada no solo com a adição de dejetode suínos, na camada de 0–2 cm (Quadro 5). Contudo,essa fração é considerada inerte, não sendo extraídanas outras etapas do fracionamento químico (Tessieret al., 1979), sendo considerada uma fraçãoquimicamente estável e biologicamente inativa (Limaet al., 2001). Entretanto, no solo dessa camada, notratamento que recebeu 64 kg ha-1 de Cu, as fraçõesconsideradas biodisponíveis (frações solúvel, trocável,mineral e orgânica) foram as que apresentarammaiores incrementos, representando 75 % dosomatório das frações de Cu. Isso mostra a tendênciado Cu em acumular em frações biodisponíveis, quandodo uso do dejeto de suínos.

Formas de zinco no solo

As formas de Zn no solo variaram conforme ostratamentos. Onde não foi aplicado dejeto, em médiamais de 77 % do Zn estava em formas nãobiodisponíveis (Quadro 5). Assim, como para o Cu,em baixas concentrações o Zn é também fortementeadsorvido aos grupos funcionais, especialmente os dafração mineral do solo. A grande parte do Zn aplicadona superfície do solo sob sistema plantio diretopermaneceu no solo da camada superficial (0–8 cm).O Zn adicionado via dejeto distribuiu-se nas formaspreexistentes, mas com predomínio na fração mineral(60 %) seguida pelas frações orgânica, trocável e solúvel(Quadro 5). Isso justifica o fato de o Zn ligado à fraçãomineral ter aumentado seu teor no solo até a camadade 14–16 cm. Por outro lado, a fração orgânica(extraída com HNO3 + H2O2) apresentou pequenosteores, sendo apenas superior à fração solúvel no soloda camada de 0–2 cm. Esse comportamento difere doobservado com o Cu, em que se observaram maioresalterações nas frações orgânicas e minerais do solo,comparativamente ao solo sem aplicação de dejeto. Noentanto, esses resultados são coerentes com asconfigurações eletrônicas desses metais, em que o Cutem sido encontrado predominantemente em fraçõesorgânicas (L’Herroux et al., 1997; Zheljazkov &Warman, 2004), enquanto o Zn se distribuipreferencialmente nas frações minerais e trocáveis dosolo (L’Herroux et al., 1997; Kabala & Singh, 2001;Borges & Coutinho, 2004).

A adição do Zn via dejetos aumentou os seus teoresnas frações trocáveis e solúveis até 8 e 4 cm deprofundidade, respectivamente. As proporções de Znextraído com MgCl2 em relação ao Zn total variarampouco (8,3 a 7,2 %) no solo das camadas de 0–2, 2–4,4–6 e 6–8 cm. Em relação ao Cu, observa-se menorafinidade do Zn com os grupos funcionais da fraçãocoloidal do solo, resultando em maior dessortividadedo Zn. Isso porque a fração de Zn extraída por MgCl2

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Quadro 5. Fracionamento químico de cobre e de zinco no solo de área tratada sucessivamente com dejetolíquido de suínos

(1) Extraído com água deionizada. (2) Extraído com MgCl2. (3) Extraído com NH2OHHCl. (4) Extraído com HNO3 + H2O2.

(5) Médias nacoluna com diferenças menores que o DMS não diferem entre si pelo teste de DMS (α = 0,05). (6) Médias na linha com diferençasmenores que o DMS não diferem entre si pelo teste de DMS (α = 0,05).

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corresponde à daqueles adsorvidos fracamente, emparticular aos retidos na superfície dos coloides cominteração eletrostática (Tessier et al., 1979). Essafração tem alta correlação com a quantidade absorvidapelos organismos vivos – em especial, as plantas –,mas também pode ser usada como atributo paraestudos de transferência dentro do perfil do solo,inclusive na contaminação do lençol freático.

CONCLUSÕES

1. As 17 aplicações sucessivas de dejeto líquido desuínos no solo, durante 78 meses, aumentaram osteores de Cu e Zn no solo das camadas superficiais,com migração de Cu até a profundidade de 12 cm e deZn até 10 cm.

2. O Cu, mais rapidamente que o Zn, pode atingirteores totais no solo acima de valores consideradoscríticos pela literatura.

3. O Cu e o Zn são acumulados no solo, sobretudonas formas biodisponíveis, sendo os maiores teores deCu encontrados na forma orgânica e mineral do solo,e os do Zn, na forma mineral.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamentodo projeto de pesquisa; à Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES), pela concessão de bolsa de mestrado; e àFAPERGS, pelo investimento na iniciação científica.

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