2
_____________________________________________________________________
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CAMPUS I (DCHI) - COLEGIADO DE LETRAS/LÍNGUA ESPANHOLA E LITERATURAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
Actualidades de la lengua del Quijote:
anais [Atualidades da língua do Quixote: anais]
I SEMINÁRIO DO CURSO DE LETRAS/ LÍNGUA ESPANHOLA E
LITERATURAS DE LÍNGUA ESPANHOLA
Salvador, BA, de 24 a 27 de novembro de 2015
Adriana de Borges Gomes
Organizadora
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Seminário do Curso de Letras/Língua Espanhola e Literaturas de Língua Espanhola
(1.:2016:Salvador:BA)
Anais / I Seminário do Curso de Letras/Língua Espanhola e Literaturas de Língua Espanhola.
Actualidades de la lengua del Quijote, Salvador, BA, de 24 a 27 de novembro de 2015 / Organizado
por Adriana de Borges Gomes . – Salvador, 2016.
ISBN 9788592206109
1. Língua espanhola - Estudo e ensino - Congressos. 2. Literatura espanhola - Estudo e ensino
- Congressos. I. Gomes, Adriana de Borges. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento
de Ciências Humanas.
CDD: 468.2469
4
REALIZAÇÃO:
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS/LÍNGUA ESPANHOLA E
LITERATURAS DA UNEB (DCH-I)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS - PPGEL
APOIO:
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS I
FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA DO EVENTO
Adriana de Borges Gomes (UNEB)
Coordenadora do evento
COMISSÃO ORGANIZADORA
Aline Silva Gomes (UNEB)
Carla Severiano de Carvalho (UNEB)
Cláudia Silva Santana (UNEB)
Iára Kastrup Schaepfer (UNEB)
Lívia de Carvalho Mendonça (UNEB)
Lorena Oliveira Tavares (UNEB)
Marco Luiz Mendes de Oliveira (UNEB)
Maria Auxiliadora de Jesus Ferreira (UNEB)
Núbia Silva Cruz (UNEB)
Roberto Matos Pereira (UNEB)
CONTATOS:
Rua Silveira Martins, nº 2555, Cabula, Salvador – BA. CEP: 41.150-000
Telefone: (71) 3117-5400/ E-mail: [email protected]
5
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
REITOR
José Bites de Carvalho
VICE – REITORA
Carla Liane Nascimento Santos
PRÓ – REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO – PROGRAD
Kathia Marise Borges Sales
PRÓ-REITOR DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO - PPG Atson Carlos de Souza Fernandes
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS I
Flávio Dias Santos Correia
COORDENADORA DO CURSO LETRAS/LÍNGUA ESPNHOLA E
LITERATURAS
Adriana de Borges Gomes
COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE
LINGUAGENS
Gilberto Nazareno Telles Sobral
6
COMITÊ CIENTÍFICO
Dra. Cecília Gabriela Aguirre Souza - UFBA
Dra. Patricia López – Gay - BARD COLLEGE NEW YORK
Dr. Patrício Nunes Barreiros - UEFS
Dra. Márcia Rios - UNEB
Dra. Rosa Helena Blanco Machado - UNEB
Dr. Maurício Matos Pereira - UFBA
Dra. Lívia de Carvalho Mendonça - UEFS
Dra. Ilmara Valois Bacelar Figueiredo Coutinho - UNEB
Dra. Sally Cheryk Inkpin - UNEB
Dr. Amarino Oliveira de Queiroz - UFRN
Dra. Juliana Soledade Barbosa Coelho - UFBA
Dra. Jaqueline Barreto Lé - FSBA
Dra. Anna Nolasco de Macêdo - UFBA
Dra. Encarnación Medina Arjona - UNIV. DE JAÉN
Dr. Antonio Donizeti da Cruz - UNIOESTE
Dr. Eleuterio Santiago-Díaz - The University of New Mexico
ARTE DA CAPA
Mike Sam Chagas (artista visual EBA/UFBA)
EDIÇÃO TÉCNICA
Adriana de Borges Gomes (UNEB)
Marco Luiz Mendes de Oliveira (UNEB)
7
«—Ahora digo —dijo a esta sazón don Quijote—,
que el que lee mucho y anda mucho,
vee mucho y sabe mucho.»
(Don Quijote de La Mancha, capítulo XXV, parte II)
8
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..........................................................................................................10
MIGUEL DE CERVANTES E ALGUMAS DE SUAS
REFERÊNCIAS NA ARTE DA ESCRITA
Maria Augusta da Costa Vieira (USP)..........................................................................11
ENSEÑANZA DE ESPAÑOL EN BRASIL DE 1996 A 2025: ¿QUÉ HEMOS HECHO
Y QUÉ FALTA HACER?
Gretel Eres Fernández (USP) ...................................................................................... 25
LA MEDIACIÓN EN LA ENSEÑANZA DE ESPAÑOL COMO LENGUA
EXTRANJERA
Cristina Corral Esteve (UFPE) ....................................................................................37
LA FORMACIÓN DE MEDIADORES INTERCULTURALES EN LAS CLASES DE
ESPAÑOL: CONVERSACIONES CON DON QUIJOTE DE LA MANCHA
Luciana Contreira Domingo (UNIPAMPA) ..................................................................45
LEITURAS DA CIDADE DO MÉXICO NA PROSA DE JOSÉ EMILIO PACHECO
Antonio Ferreira da Silva Júnior (UFRJ, CEFET/RJ) ..................................................56
EL SURREALISMO EN AMÉRICA
Ruben Daniel Méndez Castiglioni (UFRGS, CNPq) .....................................................73
LA LENGUA ESPAÑOLA EN SUS DICCIONARIOS
Félix Valentín Bugueño Miranda (UFRGS) ..................................................................89
CORTESIA E ESTRATÉGIAS DE ATENUAÇÃO EM ESPANHOL E PORTUGUÊS
SOB UM OLHAR INTERCULTURAL
Camilla Santero Pontes/ Cecília Aguirre (UFBA) .......................................................116
APROXIMAÇÕES ENTRE O QUIXOTE E O JOGO DA AMARELINHA
Adriana de Borges Gomes (UNEB) ............................................................................142
POEMAS CAMONIANOS EM LÍNGUA ESPANHOLA
Carla da Penha Bernardo (UNEB)..............................................................................162
POESIA NAS AULAS DE E/LE: PROPOSTAS DIDÁTICO-CULTURAIS
Jeferson Mundim de Souza (Educação Básica) ........................................................176
9
LOS ANTIPOEMAS DE PARRA: MUNICIONES PARA UNA INSURRECCIÓN
HISTÓRICA Y LITERARIA
Antonio Martínez Nodal (UFPA/ IC Salvador)...........................................................193
GUÍA PRÁCTICA PARA SOBREVIVIR Y DISFRUTAR DEL MUNDIAL DE BRASIL:
ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO EM PUBLICAÇÃO DO JORNAL ESPANHOL
EL MUNDO
Carla Severiano de Carvalho (UNEB)........................................................................ 209
“LA FIESTA DE LOS EXCLUIDOS” DA COPA DO MUNDO DE 2014: UMA ANÁLISE
DISCURSIVA.
Máira Barboza de Oliveira Coelho (UNEB)................................................................222
ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO EM PANTALEÃO E AS VISITADORAS
Viani da Silva Soares (UNEB) .....................................................................................233
O DESENVOLVIMENTO DA HABILIDADE LEITORA EM ESPANHOL COM O
USO DE “TIRAS”: um relato de experiência
Luzilene Cardoso de Souza (Educação Básica)............................................................255
O ENSINO DE ESPANHOL E O AUXÍLIO DOS DICIONÁRIOS
Laura Campos de Borba (UFRGS) ...............................................................................279
SOBRE OS AUTORES ................................................................................................305
10
APRESENTAÇÃO
A Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, o
Departamento de Ciências Humanas I (DCHI), o Programa de
Pós – graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) e o
Colegiado do Curso de Licenciatura em Letras/Língua
Espanhola e suas Literaturas tiveram a satisfação de realizar o I
Seminário do Curso de Letras/Língua Espanhola e Literaturas:
Actualidades de la lengua del Quijote, que ocorreu entre os dias
24 a 27 de novembro do ano de 2015, no campus de Salvador da
UNEB.
O evento (que contou com a pré-atividade Farándula das
Letras Espanholas) foi, em primeiro lugar, um espaço de
reflexão sobre práticas e teorias para atuais e futuros docentes,
assim como para pesquisadores da língua espanhola, das
literaturas de língua espanhola e do ensino e aprendizagem de
línguas estrangeiras. Em segundo, especialmente, o evento
ofereceu uma programação em comemoração pelo transcurso
dos 10 anos do Curso de Letras/Espanhol da UNEB e do IV
Centenário da publicação da segunda parte de El Ingenioso
Caballero Don Qvijote de La Mancha.
O I Seminário do Curso de Letras/Língua Espanhola e
Literaturas – Actualidades de la lengua del Quijote constituiu-
se, por um lado, com conferências e mesas redondas
apresentadas por convidados. Por outro, contou com a
participação de estudantes e docentes que já atuam
profissionalmente, mediante a apresentação de comunicações
orais em simpósios temáticos e minicursos.
Publicam-se agora, neste espaço, os artigos completos dos
participantes que os enviaram, no prazo estabelecido, à
Comissão Organizadora do Seminário, em atendimento às
normas de publicação devidamente divulgadas no site do
evento: https://actualidadesdelquijote.wordpress.com/. Os
artigos foram avaliados e aprovados pelo Comitê Científico do
Seminário, em colaboração com o trabalho executor de edição
técnica. Ressalta-se, ainda, que os artigos estão escritos nos
idiomas dos oficiais do Seminário: o português e o espanhol.
Carla Severiano de Carvalho
11
MIGUEL DE CERVANTES
E ALGUMAS DE SUAS PREFERÊNCIAS
NA ARTE DA ESCRITA
Maria Augusta C. Vieira
Universidade de São Paulo
No ano em que são celebrados os 400 anos da morte de Cervantes o objetivo
maior do presente trabalho é o de apresentar alguns aspectos de sua obra com a
perspectiva de que esta breve apresentação sirva como um convite ao leitor – seja ele
ocupado ou desocupado – para um contato direto com os textos cervantinos, pois, como
bem lembra o autor do Quijote ao redigir o prólogo às Novelas Ejemplares, “no siempre
se está en los templos; no siempre se ocupan los oratorios; no siempre se asiste a los
negocios, por calificados que sean. Horas hay de recreación donde el afligido espíritu
descanse.” (NE, 2001, p. 18)
Notícias sobre os dias e trabalhos de dom Miguel
Seria possível iniciar dizendo que, ao contrário do que acontece com alguns
autores do chamado “Século de Ouro”, Cervantes praticamente não deixou vestígios que
dessem margem a muitas conclusões sobre seu pensamento, apesar do importante
estudo de Américo Castro intitulado El Pensamiento de Cervantes (1925). Além de suas
narrativas, poesias e obras de teatro, não deixou escritos que pudessem precisar suas
idéias acerca da poética e da literatura em geral, como o fez, por exemplo, Lope de
Vega, autor de um texto que poderia ser entendido como uma poética sobre os
princípios de composição da comédia, intitulado El Arte Nuevo de Hacer Comedias
(1609). Da mesma forma não deixou cartas ou outros escritos que evidenciassem
12
alguma polêmica travada com outros autores, como as que ocorreram com Gongora e
seus detratores, por exemplo. Cervantes não deu margem a esse tipo de especulação
que, sem dúvida, poderia estimular cruzamentos indevidos entre aspectos biográficos e
produção artística. Não deixou registro de cartas, debates ou mesmo manifestos sobre
seu modo de entender a arte da escrita. Foi mais habilidoso: deixou uma obra repleta de
discussões em que as próprias personagens, muitas vezes discutem sobre o próprio
modo de narrar.
A Galatea (1585) é sua primeira obra publicada e, embora seja uma narração em
prosa, está repleta de versos, assim como em meio a situações idílicas intervêm
conteúdos trágicos, conferindo um caráter inovador ao gênero pastoril. A obra teve boa
acolhida e, em cinco anos, já contou com a segunda edição, apesar de não se ter mais
notícias acerca da segunda parte prometida. Na “aprovação”, assinada pelo licenciado
Márquez Torres na segunda parte do Quixote, comenta-se a grande aceitação que teve a
Galatea na Espanha e fora dela. No entanto, em tempos de Lope de Vega o gênero mais
apreciado era o teatro e o escritor que desejasse projeção para sua obra deveria também
mostrar seu talento na composição de obras dramáticas.
Cervantes escreve várias peças, entre elas Los Tratos de Argel e Numancia, tão
admiradas, tempos depois, pelos românticos alemães. No entanto, é bem provável que
tenha escrito mais peças do que as que se tem notícia uma vez que era hábito na época
que o escritor de obras dramáticas vendesse seu texto a um diretor de companhia teatral,
que, por sua vez, passava a figurar como o autor da peça.
Em 1605, Cervantes publica a primeira parte do Ingenioso Hidalgo Don Quijote
de la Mancha, que teve um grande sucesso. Em março do mesmo ano já iniciam-se os
trabalhos para a segunda edição. Transcorrem oito anos sem que surja nenhum outro
título e somente em 1613, Cervantes publica as Novelas Ejemplares, que tem êxito
imediato: em dez meses aparecem quatro edições e, ao longo de todo o século XVII, um
total de vinte e três edições.
No prólogo às Novelas, o autor promete para breve a publicação de Los Trabajos
de Persiles y Sigismunda e da segunda parte do Quijote, além de Semanas del Jardín,
que nunca foi publicado. Nos três últimos anos de vida, várias obras serão editadas,
embora não se saiba ao certo quando foram escritas: em 1614 será publicado Viaje del
Parnaso; em 1615, Ocho Comedias y Ocho Entremeses Nuevos, Nunca Representados,
além da segunda parte do Quixote. Em 1616, no dia 20 de abril, dois dias antes de sua
13
morte, redige o prólogo a Los Trabajos de Persiles y Sigismunda, que será publicado
somente no ano seguinte, graças às providências de sua esposa, Catalina de Palacios.
No caso das Novelas Ejemplares, trata-se de uma obra que reúne doze novelas
breves de formas e temas variados. Viaje del Parnaso, publicada no ano seguinte, traz
uma declarada frustração cervantina por considerar que ele próprio não poderia se
equiparar aos grandes poetas e por não dispor de artifícios que o destacassem no mundo
da poesia: “Yo, que siempre trabajo y me desvelo/ por parecer que tengo de poeta/ la
gracia que no quiso darme el cielo” (Viaje del Parnaso, cap. I, vv. 25-27). Trata-se de
uma imitação de Viaggi in Parnaso (1582), de Cesare Caporali, como informa o próprio
autor no prólogo das Novelas, em que se cria uma alegoria burlesca na qual maus poetas
atacam bons poetas que se encontram refugiados no Monte Parnaso. Para Elias Rivers,
esta é uma obra madura de Cervantes, que revela “profunda preocupación por la poesía,
por la sociedad española, y por la propia carrera literaria del autor” (RIVERS, 1973, p.
146).
Publicada no ano seguinte, portanto em 1615, Ocho Comedias y Ocho
Entremeses Nuevos Nunca Representados é prova do interesse cervantino pela arte
dramática evidenciado em diversos momentos de sua obra, ao longo de inúmeras
reflexões sobre o gênero. Um deles, talvez o mais significativo, ocorre entre os capítulos
quarenta e sete e cinqüenta da primeira parte do Quixote, quando se dá o longo diálogo
entre Dom Quixote, o Padre e o Cônego sobre a poética em geral, e sobre a comédia em
particular. No entanto, é em Viaje del Parnaso, no anexo intitulado “Adjunta al
Parnaso” – um diálogo entre o autor e um mancebo “al parecer de veinte y cuatro años”
– que vêm à tona as possíveis dificuldades que Cervantes enfrentou para representar
suas comédias e daí sua decisão de publicá-las, algo nada usual na época em que teatro
e representação constituíam uma só coisa, ou seja, o teatro não existia sem o palco.1
No prólogo às Ocho Comedias y Ocho Entremeses Nuevos Nunca
Representados, após um relato sucinto e preciso acerca do gênero comédia, Cervantes
narra sua opção pela publicação, já que a possibilidade da representação dramática era
de fato uma quimera, como se justifica pelo próprio título dado à obra:
1 “Adjunta al Parnaso”, em Viaje del Parnaso, p. 179.
14
Algunos años ha que volví yo a mi antigua ociosidad, y
pensando que aún duraban los siglos donde corrían mis
alabanzas, volví a componer algunas comedias; pero no
hallé pájaros en los nidos de antaño; quiero decir que no
hallé autor2 que me las pidiese puesto que sabían que las
tenía, y así las arrinconé en un cofre y las consagré y
condené al perpetuo silencio. En esta sazón me dijo un
librero que él me las comprara si un autor de título3 no
le hubiera dicho que de mi prosa se podía esperar
mucho, pero que del verso nada; y si va a decir la
verdad, cierto que me dio pesadumbre el oírlo y dije
entre mí: “O yo me he mudado en otro, o los tiempos se
han mejorado mucho; sucediendo siempre al revés, pues
siempre se alaban los pasados tiempos.” Torné a pasar
los ojos por mis comedias y por algunos entremeses
míos que con ellas estaban arrinconados, y vi no ser tan
malas ni tan malos que no mereciesen salir de las
tinieblas del ingenio de aquel autor a la luz de otros
autores menos escrupulosos y más entendidos.
Aburríme y vendíselas al tal librero, que las ha puesto
en estampa como aquí te las ofrece; él me las pagó
razonablemente; yo cogí mi dinero con suavidad […].4
Além das comédias e entremeses, Cervantes escreveu outras obras de teatro
como já mencionadas - El Trato de Argel e Numancia - no entanto se desconhece o
número exato de sua produção dramática, uma vez que, como mencionado acima, um
autor de comédias perdia seus direitos autorais no momento em que vendia a peça
dramática a um diretor de companhia, que por sua vez passava a assumir todos os
direitos sobre a obra, passando a ser considerado, portanto, o “autor” da obra.
A última obra de Cervantes, Los Trabajos de Persiles y Sigismunda, de
publicação póstuma, também tem bom êxito editorial. Publicada em 1617 contará no
mesmo ano com edições em diversos lugares: Barcelona, Valência, Pamplona, Lisboa,
Madri, Paris e, em seguida, será traduzida e publicada em outras línguas. Trata-se de
uma longa peregrinação de Persiles e Sigismunda, narrada em estilo romanesco, repleta
de aventuras, personagens, histórias intercaladas, relatos de vida, terras e mares
fantásticos e múltiplas reflexões do narrador sobre a arte da composição narrativa. No
prólogo às Novelas Ejemplares, Cervantes anuncia: “si la vida no me deja, te ofrezco los
2 “Autor”, na época, equivalia a diretor de companhia teatral.
3 “Autor de título” era o empresário que se encarregava dos gastos da companhia e possuía privilégio real
para poder representá-la publicamente. 4 “Prólogo al lector” em Ocho Comedias y Ocho Entremeses Nuevos Nunca Representados- Obras
Completas, 1999, pp. 877-878.
15
Trabajos de Persiles, libro de que se atreve a competir con Heliodoro, si ya por atrevido
no sale con las manos en la cabeza”.5
Esboço de um retrato e os prólogos cervantinos
É bem provável que um leitor de hoje inicie a leitura de uma obra do passado
sem prestar muita atenção em alguns aspectos que, na época de sua composição,
ocupavam lugar de grande importância. Um deles é a presença de prólogos, mais ou
menos longos, mais ou menos esclarecedores, que acompanhavam muitas das obras em
prosa ou em poesia. Hoje em dia, raramente aparecem prólogos na abertura de
romances, contos ou poemas, ao contrário do que ocorria nos tempos de Cervantes em
que normalmente as obras traziam prólogos que continham informações substanciosas
acerca de princípios poéticos adotados, fossem eles mais ou menos explícitos.
Tendo em conta este dado, é importante observar que os prólogos cervantinos
merecem atenção especial do leitor que facilmente pode se deixar levar pela narração de
histórias breves que vão sempre entremeadas com questões de poética e que conduzem
o texto para horizontes nada previsíveis. Histórias breves que supõem, entre outras
coisas, o encontro do autor com um interlocutor que pode ser um eventual leitor, um
suposto amigo, um livreiro ou personagem similar que abre espaço para um diálogo
repleto de comentários curiosos sobre a obra, sobre circunstâncias de sua composição e,
em particular, sobre o próprio autor, configurando aos poucos um certo autorretrato
retórico construído por meio de vários artifícios.
No “prólogo” às Novelas ejemplares é introduzida uma voz que corresponde à
de um suposto amigo do autor e que se encarrega de apresentar um autorretrato curioso,
baseado numa síntese autobiográfica. Assim como nos demais prólogos de Cervantes,
esta voz expõe algumas ideias que poderiam ser consideradas como relativas à biografia
do autor, no entanto, é preciso ter em conta que os textos cervantinos não são ingênuos
5 Novelas Ejemplares, pp. 19-20. Heliodoro foi escritor grego do século III e, como relata Cervantes no
“Prólogo”, lhe serviu de modelo. A expressão “sale con las manos en la cabeza” corresponde, segundo
Covarrubias, a “volver descalabrado o maltratado”. No caso, Heliodoro poderia ficar exasperado com a
atrevida equiparação do autor, o que poderia funcionar como um indício de que a obra estaria malparada
(ver de Covarrubias, Tesoro de la Lengua Castellana).
16
e, portanto, ao contrário do que faz dom Quixote com relação às novelas de cavalaria
que leu, o leitor de Cervantes não deverá tomar a palavra escrita ao pé da letra.
Várias edições cervantinas estampam um suposto retrato de Cervantes com um
perfil de linhas alongadas, olhar profundo, nariz fino e levemente adunco, boca pequena
encoberta em parte por um espesso bigode que se prolonga e se confunde com o
cavanhaque, arrematado por um protuberante rufo de cor branca bem engomado. A
autoria deste retrato foi atribuída a Juan de Jáuregui, pintor e poeta sevilhano,
provavelmente amigo de Cervantes. No entanto, ao que parece, a suposta obra de
Jáuregui teria desaparecido, restando apenas uma cópia, hoje conservada na Real
Academia Espanhola, em Madri. Na realidade, não sabemos ao certo quais são os traços
fisionômicos de Cervantes, e assim, o retrato do autor do Quixote impresso em muitas
páginas paira no horizonte das incertezas, tanto no que diz respeito à autenticidade do
retratista quanto às verdadeiras feições do retratado.
No início do prólogo às Novelas o autor já anuncia sua falta de entusiasmo para
redigir a presente prefação. Seu desânimo deve-se aos problemas que enfrentou com a
publicação do prólogo da primeira parte do Quijote e também à ausência de um amigo
que pudesse ter esculpido e gravado na primeira página do livro, como era costume
entre os autores de importância, suas feições a partir do suposto retrato que teria feito o
famoso poeta e pintor sevilhano Juan de Jáuregui.6 Dando continuidade às queixas, o
autor imagina que abaixo de seu retrato o suposto amigo faria constar um texto
descritivo que desse a conhecer aquele que propagou tantas invenções na “praça do
mundo”. No caso, quem deveria ter redigido o texto – uma mescla de autorretrato e
autobiografia – seria o suposto amigo, daí o uso das aspas, o tom distanciado e
irreverente em meio a um discurso satírico e pseudo-laudatório. Eis, então, o retrato do
autor:
“Este que veis aquí, de rostro aguileño, de cabello
castaño, frente lisa y desembarazada, de alegres ojos y
de nariz corva, aunque bien proporcionada; las barbas
de plata, que no ha veinte años que fueron de oro, los
bigotes grandes, la boca pequeña, los dientes ni
menudos ni crecidos, porque no tiene sino seis, y ésos
mal acondicionados y peor puestos, porque no tienen
correspondencia los unos con los otros; el cuerpo entre
6 No entanto, pelo que se sabe, Jáuregui nunca chegou a fazer o retrato de Cervantes.
17
dos extremos, ni grande, ni pequeño, la color viva, antes
blanca que morena, algo cargado de espaldas, y no muy
ligero de pies; este, digo, que es el rostro del autor de La
Galatea y de Don Quijote de la Mancha, y del que hizo
el Viaje del Parnaso, a imitación del de César Caporal
perusino, y otras obras que andan por ahí descarriadas y
quizá sin el nombre de su dueño, llámase comúnmente
Miguel de Cervantes Saavedra. Fue soldado muchos
años, y cinco y medio cautivo, donde aprendió a tener
paciencia en las adversidades. Perdió en la batalla naval
de Lepanto la mano izquierda de un arcabuzazo, herida
que aunque que parece fea, él la tiene por hermosa, por
haberla cobrado en la más alta ocasión que vieron los
pasados siglos, ni esperan ver los venideros, militando
debajo de las vencedoras banderas del hijo del rayo de
la guerra, Carlo Quinto, de felice memoria. (NE, 2001,
p. 16-17)
Ao lado de vários fatos que compõem sua biografia como as obras que publicou,
a batalha memorável em que atuou e a marca indelével que herdou de sua atividade
guerreira (a paralisia da mão esquerda), surge a descrição em tom burlesco de suas
próprias feições que dão alguma ideia de seus possíveis traços fisionômicos. É
importante ter em conta que nos tempos de Cervantes os textos não eram criados a partir
de critérios baseados na subjetividade ou na espontaneidade de cada autor. Ao contrário,
a escrita era algo regrado que se originava de determinadas convenções presentes em
tratados de poética e de retórica e, a partir delas, o autor deveria ajustar sua capacidade
inventiva.
No caso específico da descrição de pessoa, havia um repertório de atributos que
deveriam ser respeitados, fossem eles destinados aos elogios ou à vituperação. Para a
descrição, portanto, era de se esperar que houvesse referências às circunstâncias
externas ao indivíduo, a seus atributos físicos e às suas qualidades morais.7 Para Frei
Miguel de Salinas, autor da primeira retórica em língua castelhana, publicada em
meados do século XVI, alguns pontos deveriam aparecer como nome, linhagem, idade,
disposição corporal, virtudes da alma, educação, oficio, fortuna, estado social, o dito e o
feito.8
7 Ver Retórica a Herenio, Introd., trad. y notas de Salvador Núñez. Madrid: Gredos,
1997, Libro III, pp. 171-190. 8 Ver de Elena Artaza, Ars narrandi en el siglo XVI español. Teoría y práctica.
Bilbao: Universidad de Deusto, 1989, pp. 186-203.
18
Tendo em conta este repertório que deveria compor a descrição de pessoa, o
retrato de Cervantes que aparece no prólogo às Novelas Ejemplares deixa algumas
dúvidas. A descrição é conduzida na direção do engrandecimento, seja por meio dos
elogios, pondo em evidência o homem das armas que atuou bravamente na memorável
batalha de Lepanto, seja pela exaltação feita ao homem das letras por ter escrito A
Galatea, o Dom Quixote e a Viagem do Parnaso, em vias de ser publicada. Certamente,
a reunião de duas atividades, isto é, a relativa às armas e também às letras correspondia
nesse tempo à idealização de uma vida plena, tendo em conta a concepção humanista da
existência.
No entanto, dando continuidade ao autorretrato, há componentes que parecem
caminhar, não propriamente na construção dos elogios, mas sim na elaboração de um
retrato, no mínimo, duvidoso. Além das virtudes evidenciadas pelo fato de haver
aprendido a encontrar “paciência diante das adversidades” e da menção a alguns de seus
traços físicos que ressaltam sua jovialidade e inteligência, como “olhos alegres”, “testa
lisa e desembaraçada”, há referências que ficam a meio caminho entre o elogio e o
vitupério. Por exemplo, qualificar seu nariz como “nariz adunco”, poderia sugerir uma
origem judaica, o que naquele período seria um grande problema. No entanto, em
seguida a qualificação é atenuada ao se acrescentar que o nariz também é “bem
proporcionado”. Menciona também os “dentes mal postos” e “pior dispostos”, as
“costas encurvadas” e sua disposição corporal já limitada como se evidencia por meio
dos “pés não muito ligeiros”. Enfim, trata-se de um retrato que se sustenta, por um lado,
pela inteligência, juventude, dedicação às armas e às letras e, por outro lado, carrega o
peso da velhice, deixando para o leitor uma imagem cômica produzida pela
incongruência presente em seus próprios traços. Afinal, como bem lembra Cervantes no
próprio prólogo, com um tom algo brincalhão, “pensar que dicen puntualmente la
verdad los tales elogios es disparate, por no tener punto preciso ni determinado las
alabanzas ni los vitupérios” (Novelas Ejemplares, 2001, p. 17).
Além da ironia voltada para si mesmo, o artifício usado neste fragmento do
prólogo ultrapassa a figuração e aponta para um procedimento que se reitera em outros
prólogos, quando há a utilização da primeira pessoa, isto é, quando o autor assume a voz
na primeira pessoa. A presença de um tal “amigo” não se dá apenas no prólogo das
Novelas Ejemplares. Trata-se de recurso recorrente, como observou Jean Canavaggio,
que surge quando Cervantes, usando a primeira pessoa num discurso supostamente
19
referencial, multiplica as vozes, desdobrando-se em um “ele” que emite opiniões,
confunde-se e contrapõe-se à voz da primeira pessoa, provocando afetos e opiniões
divergentes.
Segundo Canavaggio, esses discursos, em lugar de servirem de base documental
para traçar algumas linhas relativas ao pensamento de Cervantes, acabam resultando
num diálogo no qual, em meio ao discurso do autor, intervém uma “personagem” – um
amigo, um leitor, um livreiro, um mancebo– que apresenta pontos de vista discrepantes
ou emite juízos sobre a sua obra, juízos estes que provavelmente o autor preferiria
omitir, estejam eles voltados para os louvores ou mesmo para os vitupérios.
Algo semelhante ocorre no prólogo às Ocho Comedias y Ocho Entremeses,
quando o autor simula um diálogo com um livreiro que o acaba convencendo a publicar
suas peças teatrais, já que as mesmas não haviam produzido interesse algum entre os
diretores de companhias de teatro e, sendo assim corriam o risco de se perderem entre
papéis velhos.
No prólogo a Los Trabajos de Persiles y Sigismunda, redigido nas derradeiras
horas de vida e com plena consciência de que a morte está a caminho, o prólogo recorre
ao mesmo procedimento, isto é, compõe uma narrativa na qual Cervantes relata que, nas
proximidades de Esquivias (povoado onde viveu Catalina de Palácios, sua esposa), ele
se encontra com um estudante, grande admirador do “manco de Lepanto”, com quem
dialoga. O encômio que faz o jovem a sua obra se contrapõe à modéstia do autor, que
num gesto generoso recompõe o diálogo e relata sua enfermidade prontamente
identificada por seu interlocutor como hidropisia – um acúmulo anormal de líquido
seroso em tecidos ou em alguma cavidade do corpo. É o estudante – o jovem em
diálogo com o ancião – quem explicita a moléstia e ao mesmo tempo destaca o apreço e
o respeito que as pessoas em geral tinham pelo escritor. Ou melhor, funciona como a
voz do reconhecimento que provavelmente o próprio escritor projetava para si mesmo
em suas derradeiras horas. Como diz Canavaggio, nesses textos introdutórios Cervantes
apresenta-se em constante mise-en-scène de si mesmo, num movimento em que se
revela e se oculta simultaneamente (CANAVAGGIO, 2000, pp. 65-72).
Mais surpreendente entre todos talvez seja o prólogo à primeira parte do Quixote
no qual, sem saber o que dizer, o autor confessa sua incapacidade para redigir tal
prefação, estando a ponto de desistir da publicação do livro. Não restam dúvidas de que
os prólogos, no final das contas, oferecem pistas valiosas acerca de princípios de
composição poética, mas é preciso dizer também que, via de regra, Cervantes opta por
20
formas um tanto inusitadas que poderiam ser consideradas como um antiprólogo ou um
“metaprólogo” como é o caso do prólogo do Quijote de 1605.
Aparentando grande modéstia como recurso para captar a benevolência do leitor,
o autor confessa abertamente suas fraquezas e suas dificuldades. Pelo que informa,
durante a composição da obra, enfrentou muitas dificuldades e, no momento de
redigir o prólogo, padece de uma grande timidez que não lhe permite a desenvoltura
na escrita além da incapacidade para emitir juízos sobre a própria personagem que
criou. É certo que tudo isso não passa de um grande artifício criado para levar o
leitor a pensar sobre a própria obra e sobre sua poética.
Uma opção seria redigir um prólogo repleto de pompa, com citações e
ornamentos, sonetos de autores famosos, epigramas e sentenças laudatórias o que
poderiam produzir aos olhos do leitor a afirmação de autoridade do autor, como era
costume entre muitos. No entanto, esta opção não se adapta aos propósitos
cervantinos e nem ao seu temperamento que rejeitava todo e qualquer tipo de
pedantismo. Em meio a essas queixas, chega um amigo que lhe oferece ideias práticas
para solucionar o problema da redação do prólogo, elaborando implicitamente uma
crítica declarada aos prólogos em uso e criticando, em particular, as estratégias
utilizadas por alguns para construir em torno a sua imagem a ideia de autoridade a partir
da aparência de erudição. A grande suposição é que o alvo indireto dessas críticas fosse
Lope de Vega, quem utiliza em seus prólogos muitos dos recursos assinalados por
Cervantes como instrumentos para conquistar notoriedade.
Com uma insolência inescrupulosa, o amigo vai indicando como deve ser
elaborado um prólogo ao mesmo tempo em que, ao dar conselhos, o constrói.
Embora saiba quais são as estratégias para provocar determinadas reações, o amigo
reconhece muito bem que a originalidade da história de dom Quixote -a luta contra
os livros de cavalaria- dispensa toda e qualquer recorrência a quaisquer autoridades
uma vez que nem sequer o próprio Aristóteles, como diz, imaginou tal possibilidade.
Enfim, a voz do amigo define com a ousadia que faltaria ao “autor” as qualidades de
sua própria invenção. Por meio de suas ideias e dos desabafos daquele que se diz
“padrasto” de dom Quixote, o leitor assiste à elaboração do prólogo que se constrói nos
bastidores, isto é, numa conversa aparentemente confidencial entre “autor” e “amigo”
que, pouco a pouco, vai desmascarando artifícios e criticando de forma alusiva
escritores famosos e práticas adotadas na escrita.
21
É curioso observar que o contraponto que aparece no prólogo acaba
quebrando a expectativa do próprio leitor que espera um texto de caráter
predominantemente referencial, ou pelo menos uma apreciação geral acerca das
qualidades da obra e, no entanto, se depara com uma cena ficcional - a visita e a
conversa com o “amigo” – como se para a abordagem de questões relacionadas com
a composição de um texto fosse imprescindível a efabulação.
“Escribo como hablo”
Verdaderamente que hay poetas en el mundo
que escriben trovas que no hay diablos que las entienda;
“La Ilustre Fregona”,NE, p.410.
Como foi possível observar nos prólogos cervantinos, algo bastante
criticado por Cervantes é o pedantismo literário. Este seu “gosto” entretanto, parece
fazer parte de uma ideia mais ampla, divulgada em tratados que circulavam na época
como De Ratione Dicendi (1532), de Juan Luis Vives, que considerava que os textos
não deveriam ter “nada superfluo, nada vicioso, ni mucha carne y de sangre y jugo
cuanto es suficiente”.
Ao mesmo tempo em que Vives defendia um estilo claro, Juan de Valdés,
por motivos diversos, propunha a idéia de que a escrita deveria reproduzir a fala.
Entre 1535 e 1536, Valdés redige uma verdadeira apologia da língua vulgar
castelhana sob o título Diálogo de la Lengua, que será conhecido em forma de
manuscrito apenas na segunda metade do século XVI. Nessa obra estão presentes,
não apenas a defesa da língua vernácula frente ao latim, mas também a valorização
da naturalidade na expressão.9
Valdés considera que a língua castelhana é o instrumento primordial da
missão evangelizadora e para atingir tantos os letrados quanto os analfabetos, seria
fundamental encurtar as distâncias que separam a língua falada da língua escrita,
evitando tudo que fosse prolixo e enfadonho. Atribui grande importância aos
provérbios, tão arraigados entre os espanhóis e, privilegiando o uso da língua mais
9 Como diz Valdés em Diálogo de la Lengua: “Para deziros la verdad, muy pocas
cosas observo, porque el estilo que tengo me es natural, y sin afectación ninguna
escrivo como hablo, solamente tengo cuidado de usar de vocablos que signifiquen
bien lo que quiero decir, y dígalo quanto más llanamente me es posible, porque a mi
parecer en ningua lengua está bien el afetación” (p. 179).
22
do que as normas gramaticais, passa a defender a idéia do “escribo como hablo”, que
correspondia à idéia de que a escrita deveria imitar a fala.
Além do propósito de dignificar a língua falada, havia também a idéia de
conceder à língua escrita maior naturalidade, precisão, clareza e simplicidade,
evitando toda e qualquer afectación, ou seja, tratava-se de evitar tudo o que pudesse
parecer artificial. Por outras vias e também por outros motivos, a rejeição à afetação
estava presente também em O Cortesão de Baldassare Castiglione (1527) que
circulou no universo cultural quinhentista italiano e logo foi traduzido por Boscán
com ampla difusão na corte espanhola. Nesse longo diálogo considerado como um
código de conduta da sociedade de corte são abordadas múltiplas vertentes do
estatuto do cortesão. Uma delas é a defesa da idéia de que, para se atingir a graça, é
fundamental “huir cuanto sea posible el vicio que de los latinos es llamado
afetación”.10
Além de se evitar um estilo afetado, deve-se também ter em conta que
a escrita não é senão um modo de falar que permanece após o ato de fala e assim,
tratando de criar consenso entre os senhores aristocráticos que mantêm um diálogo
durante toda a obra, chega-se à idéia de que a escrita deve seguir de perto a fala:
Paréceme luego estraña cosa juzgar en el escribir por
buenas aquellas palabras que en ninguna suerte de
hablar se sufren y querer que lo que totalmente y
siempre parece mal en lo que se habla, parezca bien en
lo que se escribe. Porque cierto, o a lo menos según mi
opinión, lo escrito no es otra cosa sino una forma de
hablar que queda después que el hombre ha hablado.
(CASTIGLIONE, 1994, p. 151)
É preciso ter em conta que se havia por parte de alguns a defesa da
naturalidade no estilo, isso certamente não correspondia à facilidade de composição.
Ao contrário, a tentativa de seguir o preceito do “escribo como hablo” supunha o
exercício cuidadoso de trazer para a escrita uma naturalidade artificiosa, fruto da
ponderação, do cálculo, enfim, de uma criteriosa operação racional. Quando
Cervantes publica a primeira parte do Quijote, nos primeiros anos do século XVII,
outra orientação bastante tentadora já se firmava, tratando de alargar a distância
10
Ver, de Castiglione, El Cortesano, 1994, p. 144. A censura à afetação encontra-se também em
Quintiliano,
que dizia: “nada hay más desagradable que la afetación” (Institutio Oratoria, I, vi, 40.).
23
entre o referente e a metáfora, a fala e a escrita de modo a criar uma forma poética
ornamentada, cujo expoente foi, sem dúvida, Luis de Góngora.
Enfim, esta apresentação em torno de preceitos que orientaram a literatura
do século XVI justifica-se porque, no caso do Quijote, muito provavelmente o leitor
se dará conta de que a enunciação traz consigo essa naturalidade artificiosa,
estruturada sob a forma de um longo diálogo entre Dom Quixote e Sancho, que
transparece para o leitor como um extenso e amplo ato de fala entre o cavaleiro e seu
escudeiro: um deles analfabeto; o outro, letrado e com amplo repertório de leitura.
A obra de Cervantes - e de modo muito especial o Quijote – propõe ao leitor
uma reflexão por meio de variados artifícios sobre a arte da composição em meio à
narração, como se o narrador dialogasse constantemente com personagens, com o
próprio leitor e consigo mesmo acerca de possíveis rumos narrativos a seguir. Sua
obra vai interpelando o leitor, não apenas pelo que narra, mas também pelo modo de
narrar. Ao que parece, sem menosprezar a construção da autoridade do autor,
Cervantes projeta sua obra como um jogo em que leitor e autor participam de um
honesto divertimento. Como diz no prólogo às Novelas Ejemplares: “Mi intento ha
sido poner en la plaza de nuestra república una mesa de trucos, donde cada uno
pueda llegar a entretenerse, sin daño de barras, digo, sin daño del alma ni del cuerpo,
porque los ejercicios honestos y agradables antes aprovechan que dañan.”
Referências bibliográficas
ALEMÁN, Mateo. Guzmán de Alfarache. Edición de José María Micó. Madrid, Cátedra,
1997.
CASTIGLIONE, Baldassare. El Cortesano. Edición de Mario Pozzi, trad. de Juan Boscán.
Madrid, Cátedra, 1994.
CANAVAGGIO, Jean. Cervantes: entre vida y creación. Alcalá de Henares, Biblioteca de
Estudios Cervantinos, 2000.
CASTRO, Américo. El pensamiento de Cervantes. Barcelona, Crítica, 1987.
24
CERVANTES, Miguel de. Don Quijote. Edición dirigida por Francisco Rico. Barcelona,
Instituto Cervantes/Crítica, 1998.
CERVANTES, Miguel de. Entremeses. Edición de Eugenio Asencio. Madrid, Castalia,
1970.
CERVANTES, Miguel de. Los trabajos de Persiles y Sigismunda. Ed., introd. e notas de
Juan Bautista Avalle-Arce. Madrid, Castalia, 1969.
CERVANTES, Miguel de. Novelas Ejemplares. Edición de Jorge García López. Barcelona,
Crítica, 2001.
CERVANTES, Miguel de. Teatro Completo. Edición, introducción y notas de Florencio
Sevilla Arroyo y Antonio Rey Hazas. Barcelona, Altaza, 2005.
CERVANTES, Miguel de. Viaje del Parnaso. Edición, introducción y notas de Vicente
Gaos. Madrid, Castalia, 1973.
CERVANTES, Miguel de. Obras Completas. Ed. de Florencio Sevilla. Madrid, Editorial
Castalia,1999.
RIVERS, Elias. “Viaje del Parnaso y poesías sueltas”. Suma Cervantina. Ed. J. B. Avalle-
Arce y E. C. Riley. Londres, Tamesis, 1973.
VALDÉS, Juan de. Diálogo de la lengua. Edición de Antonio Comas. Barcelona, Bruguera,
1972.
VEGA, Lope de. Arte nuevo de hacer comedias. Edición de Enrique García Santo-Tomás.
Madrid, Cátedra, 2006.
VIVES, Juan Luis. El Arte Retórica / De Ratione Dicendi. Estudio introductorio Emilio
Hidalgo-Serna, ed., trad. e notas de Ana Isabel Camacho. Barcelona: Anthropos, 1998.
25
ENSEÑANZA DE ESPAÑOL EN BRASIL DE 1996 A 2025: ¿QUÉ
HEMOS HECHO Y QUÉ FALTA HACER?
Gretel Eres Fernández
Faculdade de Educação / USP
Introducción
La enseñanza y aprendizaje de español en Brasil ha pasado por situaciones
bastante variadas a lo largo de la historia11
: desde su total omisión en los currículos
hasta su destaque por medio de una ley que le otorga lugar privilegiado – al menos en el
papel – en la educación nacional. Sin embargo, la misma legislación que pretendía
concederle protagonismo a ese idioma, terminó por provocar, en muchos contextos, el
efecto contrario, de tal forma que hoy por hoy podemos observar en diferentes partes
del país la casi total ausencia de la oferta de clases de español en la enseñanza pública.
En ocasiones, la precariedad de los cursos es patente, frente a los casos exitosos que
siempre se cuentan en menor número.
Para entender, someramente, la situación actual conviene hacer un breve repaso
por la historia reciente de la enseñanza de lenguas extranjeras (LE) en Brasil, de forma
general, y de la enseñanza de español como lengua extranjera (ELE), de manera
particular. Esa mirada hacia atrás nos permitirá entender algunos de los fundamentos de
la formación inicial de profesores de español, puesto que la junción y comprensión de
esos elementos es crucial para un acercamiento más adecuado al universo de la
Educación Básica brasileña y de algunos de los problemas que afectan más directamente
a alumnos y profesores.
Al analizar, aunque de forma breve, las principales dificultades que subyacen a
ese universo, y teniendo en cuenta algunos de los documentos legales y oficiales que
orientan y direccionan los cursos de ELE en Brasil, podemos aventurarnos a trazar
11
Para información detallada véase, por ejemplo, el trabajo de Anselmo Guimarães: Panaméricas
Utópicas: a institucionalização do ensino de Espanhol no Brasil (1870-1961). Disponible en: < https://bdtd.ufs.br/bitstream/tede/1623/1/ANSELMO_GUIMARAES.pdf>.
26
caminos que nos conduzcan a superar esas barreras y que suponen mudanzas de actitud
para provocar cambios en el proceso de enseñanza y aprendizaje y en los resultados.
Mirar hacia atrás no significa retroceder
Si pretendemos avanzar y proponer nuevos rumbos para la enseñanza de ELE en
Brasil es forzoso conocer la historia para no incidir en los mismos errores ni repetir
actitudes o procesos que ya se realizaron en momentos anteriores. Como, en este
momento, nos ocupamos de la historia más reciente del español en la enseñanza reglada
brasileña, centraremos nuestras rápidas observaciones en los principales textos legales y
en los documentos oficiales publicados a lo largo de los últimos veinte años.
Empezamos por la Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN)
– Lei 9394/96 – que en su artículo 26, § 5º establece que, en lo referido a la enseñanza
fundamental,
Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir
da quinta série, o ensino de pelo menos 1 (uma) língua estrangeira moderna,
cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das
possibilidades da instituição.
Ya en lo que concierne a la enseñanza media, la misma Ley determina, en el
artículo 36, inciso III que
será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das disponibilidades da instituição; [...]
Por lo tanto, y diferente de lo que a veces se comenta, esa Ley no especifica
ningún idioma como obligatorio, sino que deja a criterio de las comunidades escolares
su elección.
Lo mismo ocurre con los Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e
Quarto Ciclos do Ensino Fundamental. Língua Estrangeira. Ese documento, que no
tiene carácter dogmático12
, no determina cuál idioma se debe enseñar en los cursos
finales del nivel fundamental, aunque es posible inferir, en las entrelíneas, que
predominan el inglés y el español y se favorece el desarrollo de la comprensión lectora
en LE.
Los Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio) – Parte II –
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, específicamente en la parte dedicada a los
1212
Como consta en la página 19 del mencionado documento y en la página 109.
27
conocimientos en lengua extranjera moderna (páginas 24 a 32), tampoco mencionan
ningún idioma como preferencial en ese segmento de la educación nacional, y destacan
la competencia comunicativa como foco de la enseñanza. Además, conviene tener en
cuenta que esa parte del documento no se auto clasifica como “parámetro curricular” en
ningún momento, como se constata en el siguiente fragmento:
No presente documento, procurar-se-á traçar um breve panorama sobre a
situação das Línguas Estrangeiras Modernas no Ensino Médio, tanto a
partir de uma perspectiva diacrônica quanto de uma perspectiva de
interação e inter-relação delas com a área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias. Procurar-se-á, também, esboçar as diferentes relações que elas
propiciam, a partir da sua aprendizagem, com o mundo do trabalho no qual
o aluno estará – ou não – inserido e com sua formação geral. (BRASIL,
2000, p.25 – subrayados míos)
Como se observa, queda claro que los objetivos de ese texto están lejos de
determinar orientaciones o caminos a seguir en la enseñanza de LE.
Cinco años más tarde, en agosto del 2005, sale a la luz la Ley 11.161, que
establece la oferta obligatoria del español en la enseñanza media, con matrícula
facultativa para los estudiantes, y prevé su inclusión facultativa en los años finales de la
enseñanza fundamental.
Inicialmente, se considera que esa medida legal fomentará la difusión del
español en Brasil, incrementará los cursos de formación inicial y permanente de
profesores y ampliará tanto las oportunidades de trabajo con el idioma como el
reconocimiento de su importancia en el país. Es opinión generalizada, también, que la
sanción de la Ley objetiva fines educativos; sin embargo, desde la creación del
Mercosur13
(o antes incluso) varias iniciativas ya se movilizaban en favor de la
implantación de la enseñanza del español en Brasil y más aún, del plurilingüismo.
Pese a los puntos positivos de esa medida legal que determinados sectores –
especialmente los gubernamentales – quisieron destacar, rápidamente los aspectos no
tan favorables ganaron espacio en el ámbito académico y pasaron a ser discutidos por la
sociedad, aunque no siempre con la misma profundidad. Así, se empezaron a ver las
muchas incoherencias y ambigüedades del texto de la Ley 11.161/05 y varias de las
dudas que suscitó tuvieron que ser aclaradas por el MEC, pues los estados no se sentían
13
El Mercado Común del Sur, creado por el Tratado de Asunción el año 1991, originalmente integraba
Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay. Más tarde se incorporó Venezuela y Bolivia debe juntarse al
grupo en un futuro próximo.
28
en condiciones de determinar cómo deberían ponerse en práctica algunos de los
artículos que la integran.
A medida que se analizaba punto por punto el texto legal, el contexto de su
producción, la situación económica, la coyuntura social y comercial entre otros factores,
iba quedando cada vez más claro que los aspectos educativos y pedagógicos eran los
menos importantes en el génesis de esa Ley, lo cual ya indicaba sino el total fracaso de
su implementación, al menos la dificultad de que se lograra el éxito deseado.
En esos momentos (año 2005) y paralelamente a ese movimiento del Español, el
MEC estaba preparando un nuevo documento con directrices para todas las asignaturas
que integran la enseñanza media: Las Orientações Curriculares para o Ensino Médio
– OCEM. En el tomo dedicado a “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”, se incluía
un capítulo (como de hecho se dedica el capítulo 3) a los conocimientos de lenguas
extranjeras en general, ya que la mencionada LDB-EN no especifica qué idioma se debe
incluir en el nivel medio. Por lo tanto, ese documento orientador es coherente con la
legislación educativa vigente.
Sin embargo, y seguramente para también dar respuesta a la Ley 11.161/05
recién publicada, se decide a última hora incluir en las OCEM un capítulo específico
destinado a los conocimientos de Español, algo que si bien es positivo porque le da un
destaque importante al idioma, por otro lado favorece el surgimiento de muchas críticas,
en especial de profesionales de lenguas extranjeras que normalmente no están en los
currículos de la mayor parte los colegios públicos pues se considera que se trata de un
favorecimiento al español.
Sea como sea, lo que importa es que el inicio de este siglo marca, de alguna
manera, una nueva etapa para la enseñanza de lenguas extranjeras en Brasil.
Tras el surgimiento de esos documentos oficiales mencionados, el año 2010 el
PNBE do Professor – Programa Nacional Biblioteca da Escola incluye por primera vez
obras de apoyo pedagógico de inglés y de español, lo que se repetirá el año 2013.
Otro marco importante de los programas oficiales es el PNLD – Programa
Nacional do Livro Didático que incluye el inglés y el español en las convocatorias de
2011 y 2014 para la enseñanza fundamental, y en las convocatorias de 2012 y 2015 para
la enseñanza media.
No se puede dejar de mencionar que el año 2010 el Enem – Exame Nacional do
Ensino Médio también pasa a incluir preguntas de lengua extranjera – inglés y español.
Aunque muchas críticas se pueden hacer (y de hecho se hacen) a la configuración de los
29
exámenes de español, contenidos, estructura, nivel de exigencia, conocimientos,
competencias y habilidades mensurados etc., no cabe duda que el hecho de constar en el
principal examen de la enseñanza media representa tanto el reconocimiento de la
importancia que el español va adquiriendo en Brasil como refuerza la necesidad de que
su incorporación a la educación básica se efective con consistencia.
Todo lo anterior supone, entre muchas otras cosas, que el profesor de español
necesita contar con formación inicial consistente de modo a poder actuar de manera
adecuada en la educación básica, puesto que él debe conocer la legislación vigente, los
documentos que orientan su labor y las iniciativas oficiales que subyacen a la educación
básica nacional.
Sin embargo, eso no es suficiente: el profesor también tiene que mantenerse
actualizado y para ello cuenta con diferentes programas de formación continuada como
cursos de extensión, de perfeccionamiento o de posgrado; asistencia a eventos del área;
participación en grupos de investigación o de trabajo, etc. El acceso a la información y
el estar activo permanentemente es fundamental pues es lo que permite adquirir y
profundizar conocimientos, además de desarrollar el pensamiento crítico por medio de
la discusión y del debate de ideas con otros profesionales del área. En ese sentido vale la
pena señalar, por ejemplo, los debates que actualmente ocurren sobre la Base Nacional
Comum Curricular14
y que deberán entrar en vigencia a partir del segundo semestre de
2016.
Pero conviene preguntarnos si la formación inicial y continuada que ofrecemos
es adecuada a la realidad que tenemos.
La formación de profesores y la realidad
Si echamos una rápida mirada a los principios que han norteado la formación de
profesores a lo largo de la historia, veremos que en determinada época el dominio de los
contenidos (gramaticales, sintácticos, morfológicos, ortográficos, fonéticos) eran los
responsables por determinar si alguien estaba capacitado a enseñar o no. Más tarde,
fueron las habilidades lingüísticas (entender, hablar, leer y escribir) las que dictaron qué
era fundamental en la enseñanza y aprendizaje de lenguas. Pasado ese momento, se
valoraron las metodologías, de tal forma que ser buen profesor suponía conocer a fondo
y ser capaz de aplicar el modelo metodológico vigente a la perfección.
14
La versión preliminar del documento está disponible en <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>.
Acceso: 17 mar. 2016.
30
En los días actuales vivimos la era de las competencias (lingüística,
comunicativa, pedagógica, metodológica, sociocultural, estratégica, discursiva, teórica,
profesional, reflexiva, de enseñanza, político-educativa...) y el buen profesor debe
dominarlas:
O graduado em Letras, tanto em língua materna quanto em língua
estrangeira clássica ou moderna, nas modalidades de bacharelado e de
licenciatura, deverá ser identificado por múltiplas competências e
habilidades adquiridas durante sua formação acadêmica convencional,
teórica e prática, ou fora dela.
Nesse sentido, visando à formação de profissionais que demandem o domínio
da língua estudada e suas culturas para atuar como professores,
pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos,
roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades, o curso
de Letras deve contribuir para o desenvolvimento das seguintes
competências e habilidades:
· domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas
suas manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de
textos;
· reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico,
educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;
· visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações
lingüísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional;
· preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado
de trabalho;
· percepção de diferentes contextos interculturais;
· utilização dos recursos da informática;
· domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e
aprendizagem no ensino fundamental e médio;
· domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição
dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.
O resultado do processo de aprendizagem deverá ser a formação de
profissional que, além da base específica consolidada, esteja apto a atuar,
interdisciplinarmente, em áreas afins. Deverá ter, também, a capacidade de
resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se
dentro da multidisciplinaridade dos diversos saberes que compõem a
formação universitária em Letras. O profissional de Letras deverá, ainda,
estar compromissado com a ética, com a responsabilidade social e
educacional, e com as conseqüências de sua atuação no mundo do trabalho.
Finalmente, deverá ampliar o senso crítico necessário para compreender a
importância da busca permanente da educação continuada e do
desenvolvimento profissional. (BRASIL, 2001, p.30-31)
Evidentemente, no hay que ser especialista en el tema para afirmar a conciencia
que no se alcanzan esas metas en los cursos de formación inicial, por diferentes razones
que afectan tanto las condiciones de oferta de los cursos superiores y los docentes que
actúan en ellos como los estudiantes. Y de ese conjunto complejo las dificultades y los
problemas se entrecruzan y las soluciones no son fáciles. Veamos algunos ejemplos:
31
Enseñar la LE desde el “principio”: ¿esta es la función de los cursos de
Letras?
Al disponer de pocas horas de clase de lengua (específicamente) se reduce
el espacio para la reflexión sobre usos, variedades, contrastes, prejuicios
lingüísticos, aspectos (socio)culturales, etc.
Por la misma razón, la oralidad ocupa – casi siempre – un lugar secundario.
Se valoran más los conocimientos formales (= gramática normativa, lengua
escrita) que el uso (oral y escrito) efectivo del idioma.
No siempre se articula la formación pedagógica a la formación en Letras
(los conocimientos lingüísticos y los didácticos muchas veces “no se
hablan”).
No se suele “enseñar” y practicar el lenguaje pedagógico en español (el
lenguaje que se usa en clase).
No siempre se conoce a fondo ni se discute en profundidad la realidad del
cotidiano escolar. Muchas veces lo único que se hace es criticar esa realidad
y buscar “culpables”.
Ahora bien, si los cursos de formación inicial no son capaces de formar
satisfactoriamente los profesores, la formación continuada termina por hacerse cargo, de
alguna manera, de eso. Así, en lugar de profundizar, de ampliar o de llevar el profesor a
especializarse, lo que muchas veces se ve en las iniciativas de formación permanente es
un intento de suplir las deficiencias de la formación inicial, tanto lingüísticas como
metodológicas. En ese sentido, algunos eventos tratan de ofrecer sugerencias
(¿modelos?) de actividades para las clases (con foco en contenidos, habilidades o
estrategias y procedimientos) que puedan llevar a resultados presuntamente eficaces,
aunque no siempre tienen en cuenta el proyecto político pedagógico del curso en el cual
el docente actúa y, con eso, dejan de tener los efectos deseados.
En otras ocasiones se discuten cuestiones teóricas pero no siempre se asocian a
la práctica; de ahí que tengan poca aplicación efectiva y, por lo tanto, nada cambia en el
salón de clases, sin contar que son raras las ocasiones en las que se les da voz a los
profesores, es decir, los responsables por esos cursos no les preguntan a los docentes
qué es importante para ellos en determinado momento, sino que se parte del principio de
que se les ofrece lo que supuestamente ellos necesitan.
32
Hay que considerar, además, la realidad de las clases de español en gran parte de
los colegios públicos brasileños:
Carga didáctica insuficiente
Cantidad excesiva de alumnos por grupo
Desmotivación de profesores y alumnos
Condiciones de trabajo (sueldos insuficientes, horarios de clases
inadecuados, ausencia de trabajo en equipo, escasez de recursos, materiales
e infraestructura inapropiados, falta de apoyo administrativo y
pedagógico…)
Insuficiente dominio lingüístico y metodológico y/o formación precaria de
los profesores
Falta de interés y dedicación de los estudiantes
Falta de objetivos claramente definidos para los cursos (siempre se está
empezando)
Claro está que ni la realidad de los cursos de formación de profesores ni la de
muchos contextos de enseñanza es adecuada para lograr resultados satisfactorios. Sin
embargo eso no significa que no haya posibilidades de cambios.
Algunas perspectivas
Si bien es cierto, como hemos visto, que muchas de las iniciativas que afectan la
enseñanza y aprendizaje de idiomas tienen un trasfondo político, opino que ya es hora
de que tanto profesores como futuros profesores nos ocupemos de hacer menos política
y nos dediquemos a hacer más política lingüística; que le demos más espacio a la
política de formación de profesores y que también nos ocupemos de la política de
enseñanza de lenguas pues estas son las políticas que más directamente afectan nuestra
labor. Veamos:
Calvet entende por política linguística um conjunto de decisões tomadas pelo
poder público a respeito de quais línguas serão fomentadas, ensinadas ou
eventualmente reprimidas e eliminadas; de quais funções as línguas terão ou
deveriam ter, de que espaços sociaisocuparão. Considera este tipo de
preocupações inerentes à planificação do status das línguas. (SAAVEDRA;
LAGARES, 2012, p.15 – subrayados míos)
Como hemos visto, aunque la legislación no indica qué idioma se ha de enseñar
en la Educación Básica, los documentos oficiales, los diferentes programas (PNBE y
33
PNLD) así como el Enem, de alguna manera señalan que la política lingüística adoptada
en Brasil privilegia el español y el inglés.
Cuando pensamos en política de formación de profesores hemos de reportarnos,
en primer lugar, a lo que establece el MEC y, en este caso, tenemos que “A Política
Nacional de Formação de Professores tem como objetivo expandir a oferta e melhorar
a qualidade nos cursos de formação dos docentes.”15
También es fundamental tener
presente lo que dicen los especialistas del área, en concreto, en Brasil. En este caso
estamos de acuerdo con Leffa (2001, p.334):
A formação de um professor de línguas estrangeiras envolve o domínio de
diferentes áreas de conhecimento, incluindo o domínio da língua que ensina,
e o domínio da ação pedagógica necessária para fazer a aprendizagem da
língua acontecer na sala de aula. A formação de um profissional competente
nessas duas áreas de conhecimento, língua e metodologia, na medida em que
envolve a definição do perfil desejado pela sociedade, é mais uma questão
política do que acadêmica. A sala de aula não é uma redoma de vidro,
isolada do mundo, e o que acontece dentro da sala de aula está condicionado
pelo que acontece lá fora.
Por lo tanto, es esencial asociar conocimiento teórico y práctico y eso solo es
posible si la academia y los sistemas de enseñanza reglada trabajan en conjunto.
La política de enseñanza de lenguas, a su vez, supone, de acuerdo con Bohn
(2000, p.129-130), que:
1. Haja uma boa circulação de informações e de decisões entre os diversos
“estratos” (intelectuais) que participam da política de ensino - entre
professores e pesquisadores particularmente;
2. Os processos decisórios não forem repressivos e conservadores, mas
progressistas e democráticos buscando claramente elevar o nível de
participação e a qualidade desta participação entre os membros;
3. Os participantes do grupo se sintam deliberadores e não meros executores
de tarefas e normas prescritas pelos intelectuais tradicionais ou pelas
instituições.
Todo lo anterior significa, en resumidas cuentas, que el profesor – y el futuro
profesor en última instancia – necesita:
Hacerse (co)responsable por su formación lingüística y pedagógica, lo cual
conlleva al desarrollo de mayor autonomía de aprendizaje durante la
formación inicial y continuada (y mayor autonomía como docente.
15
Disponible en <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=232&Itemid=459>. Acceso:
18 mar. 2016.
34
Desarrollar la crítica y la autocrítica, lo que supone exigir más de los cursos
y programas de formación y de sí mismo, y eso significa ser proactivo. En
este sentido, hay que considerar que
Proactividad no significa solo tomar la iniciativa, sino asumir la
responsabilidad de hacer que las cosas sucedan; decidir en cada momento lo
que queremos hacer y cómo lo vamos a hacer. […] La proactividad, según
Vicktor Frankl, es la libertad de elegir nuestra actitud frente a las
circunstancias de nuestra propia vida. (PALLARÉS, 2006, s/p)
Con el propósito de ofrecer contribuciones al área de Políticas de Enseñanza de
Lenguas, los Profesores Doctores José Carlos Paes de Almeida Filho (UnB) y Gretel
Eres Fernández (FE-USP), en estos momentos coordinan el Proyecto Renide:
Referencial de Niveles de Desempeño en la Enseñanza de Lenguas desarrollado por un
equipo de 15 profesionales (profesores e investigadores) de instituciones de diversos
estados brasileños (Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Distrito Federal) y que
también cuenta con la colaboración de una investigadora de EUA.
El Proyecto Renide se aplicará en las siguientes etapas: Enseñanza Fundamental
cursos iniciales (EF I), Enseñanza Fundamental cursos finales (EF II), Enseñanza
Media, Enseñanza Superior (en las Licenciaturas para la Enseñanza de Español e Inglés
y en los contextos de Enseñanza Superior Tecnológica), Enseñanza de Portugués
Lengua de Herencia en el exterior y Enseñanza de PLE en Brasil y en el exterior. Los
principales objetivos del Proyecto Renide son:
a) la descripción y análisis de la actual situación de los campos relacionados a
las Políticas de Enseñanza de Lenguas en contextos nacionales, y
b) construcción de un cuadro orgánico de niveles de actuación en las lenguas
enseñadas (inicialmente, Inglés, Español, Portugués para Extranjeros y
Portugués Lengua de Herencia)
Conviene aclarar que el Proyecto Renide no pretende tener un carácter
excluyente, sino más bien se propone a ofrecer unos descriptores capaces de orientar los
objetivos de la enseñanza y las metas a alcanzar en cada momento y en cada
competencia.
35
De todo lo expuesto espero haber podido ofrecer una pequeña contribución a la
reflexión sobre la historia más reciente de la enseñanza de lenguas extranjeras en Brasil
y, en concreto, del español.
Si bien es cierto que se ha avanzado en los últimos veinte años, mucho todavía
queda por hacer y tenemos un largo camino por delante. En ese sentido, el pasado nos
puede auxiliar a trazar los rumbos de los próximos veinte años. Así, por ejemplo, el
Proyecto Renide puede ser un auxiliar para (re)definir los contenidos propuestos por la
Base Nacional Comum Curricular para la Educación Básica o, incluso, puede servir
como punto de apoyo en una eventual reformulación de los exámenes de LE del Enem.
De todas formas, lo que efectivamente importa es que nadie espere a que los demás
hagan algo: todos debemos tomar cartas en este asunto, porque el futuro de la enseñanza
y del aprendizaje de español está en nuestras manos: profesores y futuros profesores.
Referencias
BRASIL. Casa Civil. Lei no. 11.161, de 05 de agosto de 2005. Disponible en:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11161.htm>. Acceso:
12 oct. 2015.
BRASIL. MEC/Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES NO. 492/2001.
Disponible en: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0492.pdf>. Acceso: 18
mar. 2016.
_____. MEC/Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino
médio - volume 1: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, MEC/SEB, 2006.
Disponible en: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>.
Acceso: 18 mar. 2016.
_____. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Brasília, MEC/SEB,
2000. Disponible en: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf>. Acceso:
12 oct. 2015.
_____. MEC/Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília. MEC/SEF, 1998. Disponible en:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdf>. Acceso: 17 mar. 2016.
_____. MEC. Sistema Nacional de Formação de Professores. Disponible en:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=232&Itemi
d=459>. Acceso: 18 mar. 2016.
GUIMARÃES, Anselmo. Panaméricas Utópicas: a institucionalização do ensino de
Espanhol no Brasil (1870-1961). Universidade Federal de Sergipe. Dissertação de
Mestrado (167 f.). São Cristóvão (SE), 2014.
LEFFA, V. J. Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras. In:
LEFFA, Vilson J. (Org.). En: O professor de línguas estrangeiras; construindo a
36
profissão. Pelotas, 2001, v. 1, p. 333-355. Disponible en:
<http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/formacao.pdf>. Acceso: 18 mar. 2016.
PALLARES, M. Proactividad, ¿qué es? En: La Flecha. Tu diario de ciencia y
tecnología. 2006. Disponible en: <
http://www.laflecha.net/articulos/empresas/que_es_proactividad?page=1>. Acceso: 18
mar. 2016.
SAAVEDRA, M.M.G.; LAGARES, X.C. Política e planificação linguística: conceitos,
terminologias e intervenções no Brasil. En: Gragoatá. Niterói, n. 32, p. 11-27, 1. sem.
2012. Disponible en: <http://www.uff.br/revistagragoata/revistas/gragoata32web.pdf>.
Acceso: 18 mar. 2016.
37
LA MEDIACIÓN EN LA ENSEÑANZA DE ESPAÑOL COMO
LENGUA EXTRANJERA
Cristina Corral Esteve (UFPE)
En la enseñanza de español como lengua extranjera existen, como en otras áreas,
un sinfín de estudios que intentan dar respuesta a preguntas como qué, cuándo, cómo,
para qué o a quién enseñar. Esto es, sin duda, enriquecedor y tiene como consecuencia
que sigan las investigaciones, se desarrollen posiciones encontradas y, por consiguiente,
se multipliquen los debates. Sin embargo, a pesar de ello, y a pesar de que mucho se ha
hecho ya a nivel teórico, no hemos conseguido todavía construir todos los puentes
necesarios hacia unas aplicaciones prácticas que nos ayuden en los problemas diarios
de nuestro trabajo en el aula.
Con la aparición de conceptos como competencia y actuación de la teoría
chomskiana en los años 60, comienza un nuevo período en el que enseñar una lengua ya
no era enseñar un código lingüístico, una estructura compuesta por diversos
componentes, como el estructuralismo había defendido hasta ese momento. Autores
como Hymes, Campbell y Wales o Canale y Swain, entre otros, comienzan a trabajar y
a debatir sobre estos conceptos y el alcance de los mismos. La publicación en 2002 (en
español) del Marco común europeo de referencia: aprendizaje, enseñanza, evaluación
(en adelante, MCER) abre un espacio de reflexión sobre todas las teorías desarrolladas
en las décadas anteriores, convirtiéndose en una herramienta de unificación de criterios
en relación a la enseñanza y aprendizaje de lenguas en el contexto europeo, en un
primer momento, para, después, ampliar su ámbito geográfico.
En Brasil, por ejemplo, este documento aparece reflejado en las Orientações
Curriculares para o ensino médio (2006) donde se habla, al igual que en el MCER, de
cuatro competencias generales: aprender a conocer, aprender a hacer, aprender a vivir y
aprender a ser. Esto, según el texto,
38
deve ser levado em consideração, dada a situação particular que passaram a
viver os europeus a partir da criação da União Européia e das políticas
lingüísticas que foi preciso estabelecer em função da nova realidade, mesmo
reconhecendo que essa realidade é bastante distante e diferente daquela que
vivenciamos em nosso país e em nosso continente. Valha, no entanto, a
referência, para observarmos que, apesar das diferenças, há alguns pontos de
confluência nesta proposta com aquela (pp. 146-147).
De la misma forma, se retoma uno de los pilares del MCER, el plurilingüismo y
el pluriculturalismo, es decir, la idea de que las distintas lenguas y culturas con las que
entra en contacto un individuo no se guardan en compartimentos mentales separados
sino que se comparan, se contrastan y llegan a interactuar, desarrollándose, así, la
competencia comunicativa del hablante a la que contribuyen todas estas experiencias.
De esta forma, la educación en una lengua se presenta no como el logro del dominio de
una o varias lenguas, sino como el desarrollo de un repertorio donde tengan cabida
todas las capacidades lingüísticas. Se aboga, por lo tanto, por la diversificación de la
oferta de lenguas en las instituciones educativas con el objetivo de ayudar a formar
ciudadanos y a ayudarlos en su inserción social.
En el MCER se distinguen, además de las competencias generales ya
mencionadas, tres tipos de competencias comunicativas: lingüísticas, sociolingüísticas y
pragmáticas. Las primeras incluirían
los conocimientos y destrezas léxicas, fonológicas y sintácticas, y otras
dimensiones de la lengua como sistema, independientemente del valor
sociolingüístico de sus variantes y de las funciones pragmáticas de sus
realizaciones (MCER, 2002, p. 13).
Las segundas, por su parte,
se refieren a las condiciones socioculturales del uso de la lengua. Mediante su
sensibilidad a las convenciones sociales (las normas de cortesía, las normas
que ordenan las relaciones entre generaciones, sexos, clases y grupos
sociales, la codificación lingüística de determinados rituales fundamentales
para el funcionamiento de una comunidad), el componente sociolingüístico
afecta considerablemente a toda la comunicación lingüística entre
representantes de distintas culturas, aunque puede que los integrantes a
menudo no sean conscientes de su influencia (ibidem, pp. 13-14).
Y la tercera, a las pragmáticas que
tienen que ver con el uso funcional de los recursos lingüísticos (producción
de funciones de lengua, de actos de habla) sobre la base de guiones o
escenarios de intercambios comunicativos También tienen que ver con el
dominio del discurso, la cohesión y coherencia, la identificación de tipos y
formas de texto, la ironía y la parodia (ibidem, p.14).
39
En 2007, se publica el Plan Curricular del Instituto Cervantes. Niveles de
referencia para el español (en adelante, PCIC) que significa un avance en la concreción
de las propuestas del MCER. En este sentido, se desarrolla explícitamente la triple
dimensión del alumno, frente a lo que aparecía en el texto anterior, donde solo se había
trabajado la primera. Así, el aprendiente se presenta como agente social, por lo cual
debe poder participar en transacciones e interacciones sociales así como manejar textos
orales y escritos; como hablante intercultural, es decir, ser "capaz de identificar los
aspectos relevantes de la nueva cultura a la que accede a través de la lengua y
desarrollar la sensibilidad necesaria para establecer puentes entre la cultura de origen y
la cultura nueva" (PCIC, 2007, p. 33); y como aprendiente autónomo, aquel que se
responsabiliza de su propio proceso de aprendizaje y es capaz de avanzar con autonomía
más allá del currículo. La propuesta se concreta, además de en los objetivos propios de
cada de uno de estos papeles, en trece inventarios o subdivisiones de cinco
componentes: gramatical, pragmático-discursivo, nocional, cultural y de aprendizaje.
Este es, de forma general, el marco del que partimos para abordar el tema que
nos ocupa en estas líneas: la mediación en la enseñanza de español como lengua
extranjera, frente a otros acercamientos que encontramos en la bibliografía reciente.
La mediación en el MCER
Si nos centramos en la competencia lingüística, esta se pone en funcionamiento a
través de la realización de distintas actividades de la lengua, tradicionalmente conocidas
como destrezas, lo que en ocasiones producía conflictos al confundirse con la idea de
habilidad con la que se hace algo. Para poder realizar estas actividades, es necesario,
además de unas competencias, unas estrategias que permitan llevar a cabo los procesos
lingüísticos necesarios. En este sentido, a partir de la publicación del MCER, además de
las actividades primarias que tradicionalmente aparecían en la bibliografía, es decir,
comprensión oral, comprensión escrita, expresión oral y expresión escrita (a la que se
suma la comprensión audiovisual) tenemos, gracias a su combinación, procesos
complejos como el de la interacción y la mediación, tanto oral como escrita. Se hace
evidente, por ejemplo, que en una conversación necesitaremos activar simultáneamente
la expresión y la comprensión y que esto no responde a las características aisladas que
puede presentar una actividad de uno u otro tipo. Uno de los ejemplos más claros en
este sentido se produce cuando en la interacción oral se solapan las intervenciones,
40
momento en el que entran en juego elementos diferentes como la predicción del
mensaje al que se responde antes de su finalización. En el caso que nos ocupa, el de la
mediación, se reconoce la importancia de hacer posible la comunicación entre aquellos
que no pueden realizarla directamente.
Para cada una de estas actividades de la lengua, el MCER va a describir los
procesos necesarios dividiéndolos en cuatro apartados: actividades y estrategias de
expresión, actividades y estrategias de comprensión, actividades y estrategias de
interacción y actividades y estrategias de mediación. Sin duda, estas últimas son las que
menos atención han recibido en el documento, ya que no aparece ninguna escala
ilustrativa como sucede con el resto. Es decir, no aparecen ejemplos de lo que cada
aprendiente sería capaz de llevar a cabo en cada uno de los niveles de dominio
lingüístico recogidos en el MCER (A1, A2, B1, B2, C1 y C2) en relación a las
actividades de mediación.
Nos queda, pues, por aclarar en este punto cuáles serían estas actividades. Estas
estarían destinadas, como ya mencionamos, a la actuación como intermediario. El
MCER cita ejemplos como los siguientes: la interpretación oral, la traducción escrita, el
resumen y la paráfrasis de textos. En concreto, ejemplos de mediación oral pueden ser:
interpretación simultánea (congresos, reuniones, discursos formales, etc.); interpretación
consecutiva (charlas de bienvenida, visitas con guías, etc.) o interpretación informal
como a la hora de recibir visitantes extranjeros en el país propio, de hablantes nativos en
el extranjero, en situaciones sociales y en intercambios comunicativos con amigos,
familia, clientes, huéspedes extranjeros, etc. o de señales, cartas de menú, anuncios, etc.
En relación a la mediación escrita, encontramos la traducción exacta (por ejemplo, de
contratos, de textos legales y científicos, etc.), la traducción literaria (novelas, obras de
teatro, poesía, libretos, etc.), el resumen de lo esencial (artículos de periódicos y
revistas, etc.) en la segunda lengua o entre la lengua materna y la segunda lengua y la
paráfrasis (textos especializados para profanos, etc.). Hay que aclarar que no se está
refiriendo únicamente a situaciones donde existan dos o más lenguas diferentes (excepto
en el caso de la interpretación y la traducción), ya que puede ser necesaria la presencia
de un mediador en situaciones donde aparezca una única lengua, por ejemplo, cuando
estén representados diferentes contextos sociales.
41
En cuanto a las estrategias de mediación, estas reflejan las formas de enfrentar la
necesidad de usar un número limitado de recursos con el fin de procesar la información
y establecer un significado equivalente. Como en el resto de actividades se dividen en
cuatro apartados: planificación (desarrollo de los conocimientos previos, búsqueda de
apoyos o preparación de un glosario), ejecución (procesamiento de la información de
entrada y formulación del último fragmento simultáneamente en tiempo real, anotación
de posibilidades y equivalencias o superación de obstáculos ), evaluación
(comprobación de la coherencia de dos versiones o comprobación de la consistencia de
uso) y corrección (precisión mediante la consulta de diccionarios o consulta de expertos
y de fuentes).
La mediación en la actualidad
Como ya mencionamos en el epígrafe anterior, el MCER no presenta escalas
ilustrativas relativas a la mediación ni tampoco se han desarrollado sus descriptores
posteriormente, es decir, los niveles de dominio lingüístico exigidos por los exámenes y
programas de evaluación para A1, A2, B1, B2, C1 y C2.
En 2013, el Consejo de Europa, consciente de esta situación, decide retomar la
mediación y desarrollar sus descriptores, un trabajo que esperamos se haga público a lo
largo de este año. En este sentido, se comienza definiendo la mediación a partir de la
propuesta del MCER para después ampliarla, es decir, pasa a ser cualquier
procedimiento, acuerdo o acción concebida para reducir la distancia entre dos o más
polos de alteridad. El mediador se convierte en facilitador del conocimiento, de la
comprensión de conceptos y de la reducción de tensiones, construyendo, así, puentes
hacia lo nuevo. Como vemos, esta propuesta continúa respondiendo a las necesidades
de un mundo en el que cada vez más la movilidad geográfica de sus ciudadanos, por
muy diferentes motivos, nos obliga a reflexionar y enfrentar retos en el ámbito de la
enseñanza-aprendizaje de lenguas, ya que será fundamental para la total inserción del
individuo en esta nueva realidad plurilingüe y pluricultural.
A grandes rasgos, este nuevo acercamiento continúa con el trabajo tanto con la
mediación oral como con la escrita, distinguiéndose en cada una de ellas la mediación
conceptual y la relacional. Por la primera, se entenderá aquella situación en la que el
individuo no puede acceder al nuevo conocimiento o concepto por razones como la falta
42
de familiaridad con la lengua o una determinada barrera lingüística o cultural. En este
apartado, siempre se considerarán actividades que tengan que ver con la construcción
del significado o la transmisión del significado recibido como puede ser generar una
conversación conceptual, transmitir información recibida, explicar gráficos o diagramas
o la traducción de textos. Por otro lado, la mediación relacional tratará la creación y
manejo del entorno, consiguiendo una atmósfera positiva que mejore la efectividad de la
mediación, elemento este fundamental tanto en un contexto educativo como social. Nos
encontraremos, en este punto, actividades como gestionar la interacción o resolver
situaciones delicadas.
De la misma forma, se van a concretar en este momento las estrategias de
mediación que en el MCER se presentaban de manera genérica divididas en cuatro
momentos. Podemos ejemplificar este punto con algunas estrategias como aumentar el
texto (añadiendo elementos, ejemplificando, ilustrando, usando metáforas) más
relacionadas con la mediación conceptual o establecer una atmósfera positiva que
tendría que ver directamente con la mediación relacional. Debemos tener en cuenta, por
último, que no todas las estrategias podrán ser usadas en todos los contextos. Es
evidente que no se espera de un traductor que aumente, reduzca o ajuste un texto que
está traduciendo mientras que sí se esperará poner en práctica algunas de estas
estrategias en una interpretación informal.
Mucho es, por lo tanto, el trabajo que se está desarrollando actualmente para
conseguir concretar este documento que nos permitirá trabajar con la mediación, no solo
desde el punto de vista educativo, con el objetivo de desarrollar un repertorio
lingüístico, sino, y sobre todo, para conseguir darle a la mediación la importancia social
que merece. En el momento actual se convierte en una necesidad para lograr una
sociedad en la que haya una comunicación real y efectiva. En este sentido, junto a la
interacción en línea y los textos relacionados con la literatura y el arte, aparecerán
nuevas escalas relacionadas con la mediación, dedicadas a las competencias plurilingües
y pluriculturales que pretenden aprovechar ese repertorio plurilingüe y pluricultural de
los hablantes así como su conocimiento intercultural.
Como acabamos de mencionar, la mediación se convierte en una necesidad
social y política pero, al mismo tiempo, debe prestarse una especial atención a este
aspecto desde la enseñanza de lenguas. Dos son los motivos fundamentales,
43
interrelacionados a su vez, que nos permiten darle ese papel fundamental. En primer
lugar, su importancia en el proceso de aprendizaje y en el uso de las lenguas y, por otro
lado, el hecho de que actividades de este tipo sean habituales en la comunicación real
fuera del aula.
En este sentido, si reflexionamos durante unos segundos, nos vendrán a la mente
multitud de ejemplos en los que actividades y estrategias de mediación tengan una
presencia fundamental tanto dentro como fuera del aula. Ejemplos en el aula pueden ser
la lectura de un texto que deben resumir, explicar o transmitir a sus compañeros;
establecer conexiones entre lo ya visto y lo nuevo; o reestructurar un texto eliminando la
información difícil y parafraseándola o bien añadiendo ejemplos tomados de su propia
realidad de forma que pueda ser entendida. Por otro lado, también tendrán que ver con
la mediación el trabajo con la creación de una atmósfera apropiada para el aprendizaje,
por ejemplo, proponiendo al alumno que gestione el trabajo en plenario o grupo o que
realice diferentes tareas como miembro de un equipo.
De la misma forma, fuera del aula, el conocer una lengua extranjera nos
permitirá actuar como mediadores en varias situaciones como ayudar a turistas
extranjeros en nuestra ciudad tanto traduciendo algo como intentando minimizar los
choques culturales que puedan surgir (recordemos, por ejemplo, los tan estudiados
falsos amigos o expresiones tan comunes en Brasil como “A gente se vê depois” que
suelen crear innumerables problemas), traducir una canción a un amigo o comunicarse
de forma efectiva y adecuada en redes sociales. Todo esto nos ayudará a conseguir, por
otro lado, que el alumno adopte una postura crítica, reflexione, compare y comprenda
mejor su propia lengua, su propia realidad, ayudando en su formación como ciudadano
y en la eliminación de estereotipos y prejuicios.
En este sentido creemos que la consideración de los elementos presentes en la
mediación a la hora de planificar la enseñanza de la lengua pueden resultar muy
motivadores para los alumnos, que verán en su aprendizaje una posibilidad de uso real
de la lengua en su día a día, tanto dentro como fuera del aula.
Conclusiones
44
En estas breves líneas hemos pretendido acercarnos al esfuerzo que se está
realizando en los últimos tiempos en relación al desarrollo de los descriptores sobre la
mediación desde el Consejo de Europa. Como mencionamos al inicio, creemos que es
importante conocer los avances que está dando este organismo, ya que muchos
elementos pueden ser de gran ayuda tanto dentro como fuera de Europa. A pesar de que
los descriptores se orientan básicamente a la construcción de criterios de evaluación,
creemos que sus reflexiones y conclusiones pueden ser extrapoladas para ayudarnos a
entender mejor la importancia de las actividades y estrategias de mediación en el
proceso de enseñanza-aprendizaje y, sobre todo, su capacidad para que los alumnos
vean en la práctica la importancia de acercarse a una lengua extranjera. Por todo ello,
esperamos que a lo largo de este año aparezca el resultado de estos años de estudio y
que podamos analizar con más detalle de qué forma podemos aplicar sus resultados para
mejorar nuestra práctica educativa.
Referencias
CONSEJO DE EUROPA (2002). Marco Común Europeo de Referencia de las
lenguas: aprendizaje, enseñanza y evaluación. Madrid: MEC.
INSTITUTO CERVANTES (2007). Plan Curricular del Instituto Cervantes.
Niveles de referencia para el español (A/B/C). Madrid: Biblioteca Nueva.
BRASIL. Ministério de Educação (2006). Orientações Curriculares para o ensino
médio (2006). Brasília: Ministério de Educação.
45
LA FORMACIÓN DE MEDIADORES INTERCULTURALES EN
LAS CLASES DE ESPAÑOL: CONVERSACIONES CON DON
QUIJOTE DE LA MANCHA
Luciana Contreira Domingo
UNIPAMPA – Campus Jaguarão/ RS
PARA COMENZAR
El presente trabajo propone un ejercicio de ingenio: imaginemos que Don
Quijote de la Mancha se ha despertado de un sueño profundo. Después de muchos
siglos se despierta y nos encuentra reunidos hablando de la enseñanza de español. Por
supuesto, no entiende nada. ¿Qué hace esta gente encerrada en un teatro con tanto
calor?, se pregunta nuestro ilustre manchego… El objetivo del texto es que le echemos
una mano: vamos a contarle por qué estamos reunidos en Salvador de Bahía, que nos
dedicamos a la enseñanza de la lengua española en Brasil, que somos estudiosos e
investigadores de su idioma y de su cultura; le vamos a decir que vivimos en un país
multicultural, que la educación por estos pagos no va muy bien, pero no aflojamos. En
suma, le vamos a explicar que unos estudiosos han llegado a la conclusión de que la
enseñanza de la cultura ha adquirido un rol importante en la didáctica de las lenguas,
razón por la cual optamos por enseñar lengua-cultura, o sea, lengua como sinónimo de
cultura.
INTERCULTURALIDAD EN EDUCACIÓN
Una mirada sobre las referencias a la educación intercultural en nuestro
continente destaca las perspectivas bicultural y bilingüe como antecedentes de la
educación intercultural. El origen del término intercultural remonta, según Walsh (2005,
p. 13) a los años ochenta como resultado de la condición de marginalidad lingüística y
cultural de algunos países como Ecuador, Bolivia y Perú. Para la misma autora, la
educación intercultural apunta a una interacción respetuosa entre individuos y culturas:
46
El proceso de la interculturalidad puede describirse como la construcción de
puentes, no de integración o de separación, sino de intercambio entre los
individuos portadores y constructores de las varias culturas que conforman el
país; de ese modo se supera la noción de que no hay diferencias culturales, o
la idea de que existen culturas puras, aisladas y cerradas (WALSH, 2005,
p.19).
La construcción de puentes, sugerida por la autora, permite que pensemos en
nuestro contexto de enseñanza de español a brasileños y formación inicial docente. La
integración de diferentes elementos culturales que componen una suerte de mosaico con
el cual podemos identificar nuestra sociedad se presenta como alternativa a la enseñanza
de la lengua española en Brasil, como escribe López:
[...] la interculturalidad en la educación se refiere a un aprendizaje enraizado
en la cultura propia de un grupo histórico-social determinado, en su lengua,
valores, visión del mundo, y sistema de conocimientos; y, al mismo tiempo, a
un aprendizaje abierto hacia otros conocimientos, valores, culturas e idiomas.
Estos otros elementos culturales, en relación de distribución complementaria
con los de la propia cultura, contribuirán al logro de mejores condiciones de
vida (LÓPEZ, 2013, p.151).
En su reflexión sobre la interculturalidad en educación, Walsh (2010), distingue
tres perspectivas distintas en referencia al término:
1) Perspectiva Relacional: hace referencia de forma más básica y general al contacto e
intercambio entre culturas: es decir, entre personas, prácticas, saberes, valores y
tradiciones culturales distintas, los que podrían darse en condiciones de igualdad o
desigualdad. De esta manera, se asume que la interculturalidad siempre ha existido en
América Latina porque siempre ha existido el contacto y la relación entre los pueblos.
El problema es que esta perspectiva oculta o minimiza el conflicto y alimenta la falsa
idea de que en Brasil, por ejemplo, no hay racismo.
2) Perspectiva Funcional: busca promover el diálogo, la convivencia y la tolerancia. La
interculturalidad es “funcional” al sistema existente, no toca las causas de la asimetría y
desigualdades sociales y culturales, tampoco “cuestiona las reglas del juego”, por eso es
compatible con la lógica del modelo neo-liberal existente (TUBINO, 2005)”. El
reconocimiento y el respeto a la diversidad se convierten en una nueva estrategia de
dominación, que apunta no a sociedades más igualitarias, sino al control del conflicto
étnico y la conservación de la estabilidad social con el fin de impulsar los imperativos
47
económicos del modelo neo-liberal de acumulación capitalista, ahora incluyendo a los
grupos históricamente excluidos en su interior.
3) Perspectiva Crítica: no parte del problema de la diversidad o diferencia en sí, sino del
problema estructural-colonial-racial; del reconocimiento de que la diferencia se
construye dentro de una estructura y matriz colonial de poder racializado y jerarquizado,
con los blancos y “blanqueados” en la cima y los pueblos indígenas y afrodescendientes
en los peldaños inferiores. En esta perspectiva la interculturalidad se entiende como
herramienta, como proceso y proyecto que se construye desde la gente, en contraste a la
funcional que se ejerce desde arriba.
Walsh (2010, p. 78) sugiere que la interculturalidad entendida críticamente aún
no existe, es algo por construir. Yo entiendo que el espacio para la construcción de esa
perspectiva crítica es el aula, son las clases de lenguas, sobre todo en las escuelas de
educación básica y los cursos de formación inicial docente. La enseñanza de lenguas en
perspectiva intercultural crítica promueve la mediación porque posibilita la
transformación de los aprendientes a partir de su relación con el medio, con otros
individuos, con otra lengua-cultura, con su propia lengua-cultura.
La adopción de la forma compuesta lengua-cultura se justifica debido a la
comprensión de cultura como todas las formas de vida, espacio fundamental del
lenguaje, a punto de confundirse con el propio término. Todas las cuestiones que
involucran el uso, la enseñanza y el aprendizaje de una lengua son, además de
cuestiones lingüísticas, cuestiones políticas, históricas, sociales y culturales. Remito a
Mendes (2004) con quien comparto la comprensión de lengua como sinónimo de
cultura:
Abordar a questão do ensino/ aprendizagem da cultura, ou melhor, o ensino/
aprendizagem de língua como cultura, insere-se nesse contexto, o de
assumirmos, como pesquisadores e professores, uma postura crítica diante da
nossa prática; e também de enxergarmos o indivíduo, seja ele aluno ou
professor, dentro do contexto no qual vive, age e interage com os outros, com
os seus modos particulares de interpretarem o mundo à sua volta (MENDES,
2004, p. 91).
La consideración del contexto y la cultura de origen y los modos de vivir y de
estar en el mundo también aparecen en la propuesta de Serrani (2005, p. 15-27) de
48
profesor como mediador cultural (postura defendida por Paulo Freire en los años
sesenta en sus campañas de alfabetización en el Nordeste brasileño). Según Serrani, los
contenidos del contexto cultural de salida (con contenidos me refiero al contexto y a la
problemática del entorno) deben dialogar con los contenidos de la lengua meta,
promoviendo la reflexión.
Por otro lado, el término cultura ha sido muy discutido en diferentes disciplinas
de las ciencias humanas constituyendo hoy un concepto fundamental para el
pensamiento contemporáneo. Vez (2006) afirma que:
Los pasados siglos son testigos de una creciente confirmación social y
académica del concepto de persona culta como alguien que domina a la
perfección varias lenguas. Alguien que sabe lenguas. Claro que al inicio del
presente milenio disponemos de indicios suficientes para sospechar que un
nuevo concepto se abre paso, lenta pero progresivamente, a través del siglo
XXI: el concepto de individuos cultos por resultar ser buenos comunicadores
interculturales. Todo parece indicar que el nuevo siglo será el de la
intercomprensión lingüística y la comprensión intercultural (VEZ, 2006 p.
21).
El profesor de español, en ese proceso, moviliza los conocimientos previos de
sus alumnos y actúa como mediador entre las relaciones, entre conocimientos y
construcción de sentidos entre la lengua de origen y la lengua meta. La clase de español
puede, pues, convertirse en el ambiente adecuado para el reconocimiento de la
diversidad (multiculturalismo) y la promoción de relaciones de equidad e igualdad entre
los diferentes repertorios identitarios que componen el mosaico de nuestras aulas.
En la enseñanza de español en Brasil sigue presente el discurso occidental,
europeo, blanco y masculino sobre la universalidad del mundo (un verso, un discurso),
plasmado en los materiales didácticos de origen nacional y refrendado por programas
nacionales como el PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Las verdades otras
(WALSH, 2013; 2010; 2009; 2007; 2006; 2005; 1998), de los países periféricos,
brindan por su ausencia o quedan relegadas a secciones del libro didáctico como
curiosidades del mundo hispano. El tratamiento dispensado a la diversidad cultural del
continente hispanohablante queda evidente en la disociación entre lengua y cultura,
observables en los índices de los materiales o en las secciones denominadas “contenidos
culturales”, en general al final del material.
49
La situación de nuestro sistema educativo está muy lejos de la ideal. Un análisis
crítico de la educación en Latinoamérica, en especial en nuestro país, revela la
subalternidad y colonialidad del poder, del saber/ del conocimiento y del ser
(QUIJANO, 2014, 2007, 2000; MIGNOLO, 2007) que mantienen las desigualdades
sociales y se plasman en la actualidad de la realidad educativa brasileña y comprometen
su futuro.
El reto de la educación comprometida con valores humanos que objetiven la
equidad y la igualdad social es conjugar los principios de la educación intercultural con
la pluralidad y diversidad culturales. Es, sin lugar a dudas, una tarea compleja e implica
asumir los conflictos resultantes del encuentro intercultural y el deseo de aprender a
manejarlos de manera reflexiva y crítica, considerando el conflicto como condición
inherente a toda relación intercultural.
PAUTAS PARA LA FORMACIÓN DE MEDIADORES INTERCULTURALES
En esta sección del artículo destacaré dos puntos a tener en cuenta en la
formación de mediadores interculturales en las clases de español.
El primer punto se refiere justamente al concepto de mediación. Diferentes
autores se están dedicando a la reflexión sobre la formación de profesores como
mediadores interculturales o interculturalistas (MENDES, 2004; SERRANI, 2005;
DOMINGO, 2015) y desvelando múltiples aspectos de esa perspectiva. En este trabajo
opto por discutir la interacción profesor-alumno. Por lo tanto, es imposible obviar el
legado de Vygotsky (2009; 2007) sobre la relación del hombre con el mundo; relación
que sostiene mi tesis de que las clases de lenguas que privilegian únicamente aspectos
lingüísticos o gramaticales deben dar lugar a la educación del lenguaje en perspectiva
intercultural.
Uno de los pilares de la obra de Vygotsky es el concepto de mediación,
entendido como proceso de intervención de un elemento intermedio en una relación
(OLIVEIRA, 2010, p. 28). Todas las relaciones del hombre en y con el mundo son
mediadas por medios o herramientas. El lenguaje, en esa perspectiva, es un mediador
por excelencia, pues carga los conceptos generalizados y elaborados por la cultura
50
humana (REGO, 2011, p. 42). La capacidad de crear herramientas y adaptar medios es
una característica del ser humano, algo que lo distingue de otras especies.
Según Vygotsky, la relación del hombre con el mundo no es directa, sino
mediada. Esta idea da cabida a que consideremos la educación del lenguaje como medio
o herramienta entre el mundo del alumno y el mundo representado por la lengua-cultura
meta. Así, una educación del lenguaje que objetive la promoción de la interculturalidad
actúa como mediadora en el proceso de desarrollo de las actitudes y posturas que nos
permiten “ser” y “estar” en la lengua-cultura meta.
Considero que el concepto de mediación propuesto por Vygostky es
fundamental para la perspectiva de formación docente que defiendo pues, el foco de la
acción se da a través de la cooperación. El profesor de lenguas como mediador
intercultural se constituye como un mediador entre culturas apto a actuar en diferentes
contextos sociales y mediar conflictos. Complementa la idea lo expuesto por Giroux,
Os/ as educadores/ as não poderão ignorar no próximo século as difíceis
questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do
conhecimento, da ética e do trabalho que, na verdade as escolas já estão
tendo de enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na definição
do significado e do propósito da escolarização, no que significa ensinar e na
forma como os alunos/ as estudantes devem ser ensinados/ as para viver em
um mundo que será amplamente mais globalizado, high tech e racialmente
diverso que em qualquer época da história (GIROUX, 2008, p.88).
Otro punto destacable en los objetivos de este trabajo es la perspectiva del
Letramento Intercultural (DOMINGO, 2015), entendido como la capacidad de leer al
Otro e interactuar a partir de esa lectura. La literacidad a que se refiere el concepto de
Letramento Intercultural objetiva el dominio de los códigos lingüísticos, discursivos,
culturales y sociales que pautan las interacciones entre individuos. El concepto fue
pensado inicialmente para la enseñanza en contextos fronterizos (DOMINGO, 2015),
pero también puede ser considerado en la enseñanza y el aprendizaje de lenguas
próximas, caso del español a lusohablantes y del portugués a hispanohablantes. La
proximidad entre las dos lenguas requiere experiencias pedagógicas situadas y
culturizadas que permitan la construcción y el mantenimiento de espacios donde los
sujetos puedan reconstruir y resignificar cuestiones identitárias y lingüísticas.
51
El Letramento Intercultural como perspectiva para la enseñanza de español a
brasileños puede estimular la capacidad de reflexión crítica sobre el contacto entre los
dos idiomas y sobre los efectos de dicho contacto en sus procesos de aprendizaje,
requiriendo, por lo tanto, una postura autoreflexiva tanto académica como
profesionalmente. El ejercicio de reflexión crítica sobre el contacto entre dos idiomas
próximos y aspectos culturales compartidos demanda la inclusión y discusión sobre los
procesos históricos, sociales y culturales marcados por relaciones hegemónicas y
asimétricas que remontan a la llegada de los europeos al continente americano, algo que
nuestras limitaciones institucionales y materiales, en muchos casos, nos impiden
considerar.
La adopción de los dos puntos destacados en esta sección del trabajo
representan el primer paso en el desarrollo de la formación de mediadores
interculturales, ya sea en la educación básica o en los profesorados. Pero además de
conjugar dichos puntos reconozco la necesidad de mencionar acciones puntuales en lo
que a la enseñanza se refiere. De este modo, entiendo que en las dinámicas y actividades
didácticas propuestas en las clases de lengua, además de integrar los saberes escolares y/
o académicos con los saberes que circulan en la sociedad y en el entorno de los
aprendientes, se deben considerar los siguientes principios:
(i) la participación de los estudiantes en el proceso de aprendizaje, sus experiencias en
lengua materna y otras lenguas, bien como sus expectativas con relación al aprendizaje
del español;
(ii) la representación autentica de la lengua que pretendemos enseñar utilizando
muestras reales y con contenido significativo;
(iii) aspectos de la cultura de origen del aprendiz, mención a lugares y grupos sociales
de su entorno y contexto de origen;
(iv) las diferentes variedades lingüísticas de la lengua meta, así como expresiones de las
muchas culturas que la componen.
El aprendizaje de español a partir de la conjugación de los principios
presentados anteriormente permite la activación de conocimientos previos, permitiendo
nuevas descubiertas a través de la construcción de sentidos entre la lengua-cultura de
salida y la lengua-cultura meta. Ese proceso permite la comprensión de que tanto la(s)
52
cultura(s) como las relaciones sociales son creadas, mantenidas y reproducidas en un
vaivén constante: la actividad interaccional.
PARA TERMINAR
Aturdido con tantas ideas, me imagino que nuestro Don Quijote necesitará un
tiempo para recomponerse del asombro. El mundo ha cambiado mucho desde que
nuestro distinguido amigo manchego vivió su última aventura; enseñar lenguas ha
pasado por distintos momentos y métodos de enseñanza que influyeron y/ o
determinaron objetivos, metodologías y materiales didácticos. La propia idea de lengua
extranjera está en tela de juicio, pues, ¿quién es el extranjero en la era de las
comunicaciones?
Conviene que las propuestas y programas de enseñanza de español en Brasil
consideren el contexto porque, además de las razones expuestas anteriormente, en
muchas regiones del país, y debido a la situación de frontera y contacto con países
hispanohablantes, el concepto de extranjero y lengua extranjera son discutibles. Lo
expuesto por Almeida Filho (2007) nos hace reflexionar sobre esa realidad:
Uma língua estrangeira equivale a outra língua em outra cultura de um outro
país pela qual se desenvolve um interesse institucionalizado em conhecê-la.
Ensiná-la é viabilizar o conhecimento sobre (ou o estudo de) uma outra
língua num ambiente formal institucional mediante uma operação com
dimensões distintas orientada por uma abordagem/ filosofia vigente que pode
ser espontânea-tradicional, altamente explicitada e calcada em pressupostos
teóricos, ou em combinações intermediárias dessas duas posições polares. Ao
longo da história tem sido forte a tendência de promover o “estudo” formal
de aspectos sistêmicos da língua-alvo vestidos com roupagem situacional em
diálogos e reconhecíveis em pequenos textos. (ALMEIDA FILHO, 2007, p.
66)
De ese modo, es conveniente que la justificación para la oferta del idioma
español en nuestro territorio sea contextualizada, culturalmente situada. Lo mismo se
refiere a las políticas lingüísticas, planes de estudio y materiales didácticos adoptados.
Hablar de la actualidad no es una tarea sencilla, sino todo lo contrario. El
concepto de modernidad líquida propuesto por BAUMAN (2001) remite a la idea de
mundo líquido o mundo sin forma, algo complejo y sin duda bastante distinto a lo que
53
vivió Miguel de Cervantes al brindarnos con la gran obra de la literatura occidental. No
cabe duda de que los cambios producidos en la sociedad de la información y de la
comunicación, la fluidez de las identidades y el flujo de individuos han cambiado el
panorama de nuestros salones de clases en las últimas décadas. Para hacerle frente a esta
realidad, es necesario replantear nuestra forma de enseñar, permitir y estimular otras
formas de aprender incorporando temáticas y dinámicas propias de la
contemporaneidad.
Las pautas sugeridas en este trabajo no pretenden agotar o delimitar la discusión,
sino contribuir a este ejercicio que, entiendo, debemos realizar en la enseñanza de
lengua española en Brasil. En el marco del Seminario Actualidades de la lengua del
Quijote, esta charla sobre la formación de mediadores interculturales en las clases de
español afianza el compromiso de sus participantes en luchar contra los molinos de
viento, o mejor dicho, de enfrentar los desafíos teóricos y prácticos necesarios para
seguir alimentando el debate.
REFERENCIAS
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Linguística Aplicada. Ensino de Línguas e Comunicação. 2.
ed. Campinas: Pontes, 2007.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Traducción Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001.
DOMINGO, L.C. Letramento Intercultural: a formação de mediadores interculturais nos
Cursos de Letras. 2015. 206fls. Tese – doutorado. Universidade Católica de Pelotas,
Programa de Pós-Graduação em Letras.
GIROUX, H. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação. In: SILVA,
T.T. Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação. 7ª
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p.85-103. (Coleção Estudos Culturais em Educação).
LÓPEZ, L.E. Desconexiones entre retórica y práctica en la educación intercultural
bilingüe indígena en Latinoamérica. In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K.A.; TILIO, R.;
ROCHA, C.H. (Orgs.) Políticas e Políticas Linguísticas. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2013, pp. 135-180.
54
MENDES, E. Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN). Uma proposta para
ensinar e aprender língua no diálogo de culturas. 2004. 440fls. Tese – doutorado.
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
MIGNOLO, W. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. In: CASTRO-
GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Comp.) El giro decolonial: reflexiones para una
diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y
Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007, pp. 25-46.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-
histórico. São Paulo: Scipione, 2010. (Coleção Pensamento e ação na sala de aula)
QUIJANO, A. Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la
colonialidad/ descolonialidad del poder. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO,
2014.
______. Colonialidad del poder y clasificación social. In: CASTRO-GÓMEZ, S.;
GROSFOGUEL, R. (Comp.) El giro decolonial: reflexiones para una diversidad
epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores;
Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia
Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007, pp. 93-126.
______. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. LANDER, E. (Org.)
La colonialidad del saber: eurocentrismo y Ciencias Sociales. Perspectivas
Latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000, pp. 122-151.
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 22ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. (Educação e conhecimento)
SERRANI, S. Discurso e leitura na aula de língua. Currículo, leitura, escrita.
Campinas: Pontes, 2005.
TUBINO, F. La interculturalidad crítica como proyecto ético-político. In: Encuentro
continental de educadores agustinos. Lima, 24-28 de enero de 2005. Disponível em:
https://oala.villanova.edu/congresos/educacion/lima-ponen-02.html Acesso em: 10 out.
2015.
VEZ, J. M. El aula de lenguas extranjeras: umbral para una sociedad de la cultura. In:
VV.AA. Las lenguas extranjeras en el aula. Reflexiones y propuestas. Barcelona:
Editorial GRAO, 2006, pp. 13-23.
VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução Paulo
Bezerra. 2ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. (Biblioteca pedagógica)
______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
55
superiores. Organizadores Michael Cole [et al]. Tradução José Cipolla Neto, Luís
Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
(Psicologia e pedagogia)
WALSH, C. Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re) existir y
(re) vivir. Tomo I. Serie Pensamiento Decolonial. Quito: Abya Yala, 2013.
______. Interculturalidad crítica y educación intercultural. In: WALSH, C.; VIAÑA, J.;
TAPIA, L. Construyendo Interculturalidad Crítica. Instituto Internacional de
Integración del Convenio Andrés Bello. Bolivia, 2010.
______. Interculturalidad, estado, sociedad: luchas (de) coloniales de nuestra época.
Quito: Universidad Andina Simón Bolívar – Ed. Abya-Yala, 2009.
______. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento
“otro” desde la diferencia colonial. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R.
(Comp.) El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del
capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto
de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto
Pensar, 2007, pp. 47-62.
______. GARCÍA LINERA, A.; MIGNOLO, W. Interculturalidad, descolonización del
estado y del conocimiento. 1ª ed. Buenos Aires: Del Signo, 2006.
______. La interculturalidad en la educación, Quito: Ministerio de Educación del Perú/
UNICEF, 2005.
_____. La interculturalidad y la educación básica ecuatoriana: propuestas para la
reforma educativa. Procesos, Revista Ecuatoriana de Historia, nº 12, 1998, pp. 119-128.
56
LEITURAS DA CIDADE DO MÉXICO NA PROSA DE JOSÉ
EMILIO PACHECO
Antonio Ferreira da Silva Júnior (UFRJ, CEFET/RJ)
Introdução
A cidade é o cenário frequente das narrativas protagonizadas pelos personagens
de José Emilio Pacheco, escritor mexicano ganhador do Prêmio Cervantes 2009 de
Literatura. A estética (pós)moderna nos sinaliza uma cidade fragmentada, violenta e
caótica, onde os aspectos negativos dessa realidade são evidenciados, entre eles, a
violência, a miséria, a solidão, o medo e outros. Independente do gênero literário, a
literatura de Pacheco trata de uma cidade real, onde o conflito e a falta de comunicação
nas relações sociais acabam por gerar um sentimento caótico.
A figura central dos contos de Pacheco é o típico homem mexicano em suas
múltiplas facetas. Pacheco demonstra, através de sua narrativa, as inquietações e
agonias do indivíduo advindas da chamada (pós) modernidade. O escritor mexicano,
herdeiro do estilo de Juan Rulfo, envolve o leitor na sua teia narrativa de modo que o
mesmo no ato da leitura questiona, interroga e busca explicações para as questões
problematizadas por seus personagens.
Neste artigo, por meio dos conceitos de “cidade caótica” (GOMES, 2008) e
“cidade videoclip” (GARCÍA CANCLINI, 1999), busca-se analisar como o escritor
retrata a Cidade do México em romance curto Las Batallas en el desierto (1981). A
proposta do artigo está em analisar o olhar nostálgico e pessimista de Pacheco sobre o
espaço citadino mexicano, em busca de desvendar suas vozes silenciadas, tendo em
vista o crescimento desmedido da capital mexicana. A história também tem presença
constante na obra de Pacheco. Não são poucos os estudos críticos que fazem referência
a essa vinculação. A nostalgia por uma antiga cidade habitável e inocente comparada à
atual e uma reflexão permanente sobre a identidade mexicana são algumas das hipóteses
que buscam explicar a presença da história na literatura de Pacheco.
O romance selecionado como material de análise para a reflexão deste artigo tem
como foco central as descobertas do narrador-personagem Carlos na imensidão da
57
Cidade do México. O pano de fundo da narrativa é o processo de industrialização e de
modernização, iniciados no México a partir do governo do Presidente Miguel Alemán.
Pacheco demonstra a massiva presença do poderio norte-americano no contexto
mexicano, cujo poder afeta a economia, os costumes culturais locais e, principalmente, a
personalidade dos personagens da trama.
Para alcançar nosso objetivo, optamos, primeiro, por problematizar o conceito de
cidade e, após isso, exemplificar como Pacheco representa o crescimento da capital
mexicana em sua literatura em prosa.
1. De Tenochtitlán à Cidade do México: o olhar da crítica e de Pacheco
Tendo nossa reflexão neste artigo a intenção de tratar as nuances da capital
mexicana, espaço que Pacheco dedica quase toda sua obra literária, não podemos deixar
de considerar a sobreposição de espaços (templos, praças, ruas) e a perpetuação de um
imaginário indígena na construção da cidade contemporânea.
Ancoramo-nos em teóricos que pensam a cidade a partir de um olhar da
contemporaneidade, o qual pode resgatar certas imagens do passado. Para os modernos,
a cidade contemporânea é um inferno, uma paisagem sem vida, um problema, uma
utopia. Para Bauman (2009), a urbe é um espaço fragmentado, campo de batalha e a
variedade de vida existente é fonte de medo e de incerteza:
[...] viver numa cidade é uma experiência ambivalente. Ela atrai e afasta; mas
a situação do citadino torna-se mais complexa porque são exatamente os
mesmos aspectos da vida na cidade que atraem e, ao mesmo tempo ou
alternadamente, repelem (BAUMAN, 2009, p. 46-47)
O pesquisador brasileiro Renato Gomes (2008), em seu estudo sobre a
experiência urbana, visualiza a cidade a partir de um olhar pós-utópico. Para o ensaísta
brasileiro Paulo Sérgio Rouanet (1986, p. 39), o homem moderno não idealiza o futuro
porque só tem a “dimensão do presente – um presente monstruoso, avassalador”. A
visão de Rouanet da atualidade assemelha-se a de Gomes.
As cidades, em nosso contexto, as mexicanas, não existem somente como espaço
físico, mas sim, desde sua fundação, em leituras mediante relatos da literatura oral dos
povos pré-colombianos ou das cartas dos conquistadores ou dos jesuítas, que foram
construindo, pouco a pouco, o cotidiano urbano das mesmas junto à presença do
58
homem. As cidades surgem para substituir outras, mas nunca podemos dizer que todas
são iguais, porque cada uma delas possui uma história e cultura específicas que as
diferem.
Para o crítico Walter Benjamin (1994), uma cidade ajuda a compreender outra.
Porém, para Gomes (2008, p. 40) ler uma cidade é uma tarefa cuidadosa, já que é
necessário “reconstruí-la com cacos, fragmentos, rasuras, vazios, jamais restaurando-a
na íntegra”. Calvino (1990, p. 34) defende que todos trazem consigo um modelo de
cidade que é constantemente revisitado por outras ao expor “confirma-se a hipótese de
que cada pessoa tenha em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma
cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares”.
A obra de Pacheco evidencia um verdadeiro caos inserido nas relações sociais da
vida contemporânea. A primeira ideia de caos aparece na Bíblia, no livro do Gênesis (1:
2), onde se descreve a seguinte imagem: “a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam
o abismo, o espírito de Deus paraiva sobre as águas”. Tal passagem alude à imagem do
vazio e da desorganização das coisas. Ao mesmo tempo em que as trevas cobrem o
abismo, simbolizando a realidade, refletem também a imaterialidade.
A palavra “caos” provém do grego e descreve uma idéia ou qualquer situação
onde haja confusão ou desordem. Também encontramos associação do termo à noção de
“escuridão” e, inclusive, “trevas do inferno”.
Segundo o Dicionário de símbolos de Chevalier e Gheerbrant (1995, p. 193),
temos na expressão hebraica “tohu wa bohu” e nos ideais da sociedade greco-romana a
personificação do caos como a imagem do vazio e da desordem das formas anteriores à
criação do mundo. Essa imagem da não-ordenação encontra-se em sociedades como a
egípcia, a chinesa e a céltica, que compreendem o caos como origem da criação do
mundo e uma constante força da coexistência de formas.
Pacheco comenta sobre a imagem do caos em sua literatura:
No soy el inventor de la disolución y el caos. Además la poesía no es un
manual de autoayuda. Más bien sirve para llamar la atención sobre las cosas
menos agradables del mundo. Me parece asombrosa la capacidad de Neruda
para celebrar lo grato y lo placentero. La dicha y el placer son mudos. Sólo la
desgracia y el sufrimiento hablan (BRAVO VARELA, 2009, p. 67)
59
Pacheco reconhece a carga fatalista de seus textos, pois não há como renegar a
realidade ao redor16
. Reconhece, ainda, sua dificuldade em criar uma literatura mais
musical, como relata:
[...] He escrito muy pocos versos rimados y nunca he hecho un buen soneto,
pero defiendo estas cosas con base en mi experiencia de haber vivido en el
puerto de Veracruz, donde hasta hoy se hacen décimas perfectas incluso por
autores que no saben leer ni escribir. Mi trabajo debe mucho a mis años de
Veracruz y a la cultura del verso oral (BRAVO VARELA, 2009, p. 71)
A cidade da obra de Pacheco é a Cidade do México real, a dos mapas
geográficos, a altamente populosa e poluída, a monstruosa, a violenta, a caótica, a
múltipla, a cantada por alguns escritores como a “ciudad perra”, “ciudad famélica”,
“ciudad lepra y cólera hundida”, “ciudad del fracaso ansiado” ou “ciudad con tres
ombligos”.
Sabemos que a maioria das grandes urbes na modernidade acaba por refletir, em
seus habitantes, as tensões políticas e econômicas. A visão romântica da maior parte das
cidades européias, presa à tradição, ao passado glorioso, não é retratada por Pacheco em
sua obra, mas sim o imaginário de uma cidade indígena. Segundo o crítico uruguaio
Fernando Aínsa (1998, p. 167-168), a imagem das cidades latino-americanas da
contemporaneidade é a de crescimento acelerado e muitas contradições, como ele
coloca:
Aparecen como un caos inhumano hecho de marginalidad y pobreza, de
barrios que diferencian drásticamente las clases sociales. Las capitales
latinoamericanas crecen en forma arbitraria, ruidosa y confusa” […] “La
ciudad aúna rascacielos y barrios marginales, villas miserias y ‘ghetos’ de
ricos protegidos por barreras, códigos y guardias privadas. Tráfico
congestionado, dificultades de transporte, contaminación y degradación del
medio ambiente.
Recorremos a Aínsa porque ele defende a Cidade do México, distinta de todas as
demais capitais latino-americanas, como a única que oferece uma imagem literária
apocalíptica. Os arranha-céus, o trânsito e a contaminação são nítidos exemplos da
cidade moderna transformada pela visão capitalista. Para o crítico, essa leitura está
presente na obra de diversos escritores mexicanos e pode ser explicada por sua intensa
16
No discurso de recebimento do Prêmio Cervantes, Pacheco (2009) mantém a visão caótica para o
mundo ao expressar: “Nada de lo que ocurre en este cruel 2010 – de los terremotos a la nube de ceniza, de
la miseria creciente a la inusitada violencia que devasta a países como México – era previsible al
comenzar el año. Todo cambia día a día, todo se corrompe, todo se destruye. Sin embargo en medio de la
catástrofe, al centro del horror que nos cerca por todas partes, sigue en pie, y hoy como nunca son capaces
de darnos respuestas, el misterio y la gloria del Quijote”. No discurso de ingresso ao Colegio Nacional de
México, em 1986, o escritor já demonstrava sua leitura do caos urbano ao comentar: “[...] Nos rodean una
ciudad y un país en ruinas. Por dondequiera vemos la devastación y la miseria” (PACHECO, 1986, p. 60).
60
pluralidade cultural e por acontecimentos trágicos da história, como os terremotos de 19
e 20 de setembro de 1985. Outro teórico, Richard Sennett (1998) já anunciava que as
metrópoles são espaços de proliferação e de abundância, onde os sujeitos são
massacrados pelo excesso de imagens.
A cidade da obra de Pacheco não difere da anunciada por Aínsa. O escritor
mexicano retrata uma cidade a caminho da modernização, que não esqueceu seu
passado marcado de dor pelo encontro com outras culturas e que se revela caótica e
infernal a partir de vozes ou de personagens, que retratam o medo e a agonia de habitar
tais espaços.
As cidades da contemporaneidade são o reflexo do mito de Babel, já que a
confusão, o caos e a falta de entendimento predominam na vida moderna. Faz-se difícil
harmonizar e homogeneizar a pluralidade de vozes que habitam o espaço urbano para
construir um sentido, como foi a intenção da globalização. Tal visão é corroborada por
Renato Cordeiro Gomes (2008, p. 84-85) ao mencionar:
Esta crise do mundo urbano esboçada [...] em traços largos gera imagens
apocalípticas de moldura bíblica. Se esta já havia informado o tratamento da
cidade no século XIX e persiste no XX, acentua agora uma tendência a
retomar os mais velhos arquétipos como base para as novas imagens que, em
sua intermitência, experimentam ler a cidade ilegível [...] Essas metáforas
[...] conflitantes e do inferno projetam-se ainda na imagem da grande cidade
– confusão, esfacelamento da comunidade, não-comunicação,
individualidade exarcebada, indiferença – lida como Babel, o caos urbano
original, que parece materializar-se nas megalópoles de hoje.
As palavras de Gomes (2008) denunciam perfeitamente que o mito bíblico ecoa
nas grandes metrópoles modernas como sinal da impossibilidade de comunicação, do
esfacelamento do tempo e do espaço, da urbanidade. A releitura do mito de Babel na
grande urbe explica-se ao depararmo-nos com sujeitos diversos em busca de poder e de
vaidades, num cruel processo de diminuição da presença do outro e, ao mesmo tempo,
de vozes solitárias na imensa multidão.
A literatura de Pacheco forma um painel que tenta dar conta da Cidade do
México, mas que não representa sua totalidade, pois esta é impossível de ser captada.
Para a literatura, é difícil representar a permanente mudança do espaço geográfico e
suas constantes, sejam físicas ou sociais, já que a cidade de hoje não é necessariamente
a de amanhã, assim como a própria Modernidade é um eterno desconstruir para
reconstruir (IANNI, 1993).
61
2. Cidade do México e suas múltiplas urbes
Antes de retratar o modo como Pacheco simboliza a capital mexicana no
romance selecionado para este artigo, resolvemos discutir a leitura proposta por García
Canclini (1999) para a capital mexicana em seu livro Imaginarios urbanos. A obra
reune três conferências ministradas pelo crítico argentino em 1996 na Universidad de
Buenos Aires sobre a desintegração da modernidade, a hibridização cultural, a
globalização do continente americano e os espaços públicos. Nossa opção pelo teórico
explica-se porque o mesmo centra seus estudos na capital mexicana a partir de uma
análise de filmes e fotos17
, que, ao mesmo tempo em que são corpus estáticos e
fragmentam o espaço da cidade, recebem uma crítica leitura aos olhos do antropólogo.
García Canclini parte do exemplo mexicano para tentar compreender o processo
de formação das cidades latino-americanas, cujo passado se vê implicado em processos
históricos e políticos. Para ele, conforme tratamos no início deste artigo, a cidade
esconde através de seu conjunto arquitetônico, diversos discursos, porque o espaço
urbano é, sem dúvida, um local de intercâmbio de informações, principalmente, as
culturais.
O crítico vê, na globalização política e cultural, uma explicação para a pouca
interação entre as nações e a presença de espaços de exclusão nos grandes centros. Na
primeira parte do livro, o autor vai reabrir um debate sobre a modernidade, porque
entende que o conceito de cidade evoluiu a partir da vida moderna.
Em seu livro Culturas híbridas, García Canclini apresentava a oscilação entre os
termos modernidade e pós-modernidade no sub-título de sua obra. Para o teórico, a
questão central dessa problemática não seria descobrir se o nosso continente americano
é moderno ou pós-moderno, mas como essa modernidade híbrida alcançada através das
relações sociais está se perdendo na mão de pequenos grupos que detêm o poder ou,
ainda, na posição ocupada por alguns países e seu desenvolvimento internacional.
Na obra, o ensaísta debate sobre as cidades multiculturais e as contradições da
modernidade. García Canclini defende a existência de três tipos de cidade dentro da
Cidade do México e, ao final do texto, emprega um termo de modo a sintetizar todas as
17
García Canclini (1999) analisou um total de 52 fotos contrastando presente e passado da Cidade do
México.
62
outras denominações. A primeira cidade é a ‘histórico-territorial’, já que a Cidade do
México ergueu-se sobre as ruínas de uma cidade indígena, ou seja, sobre a arquitetura
de Tenochtitlán, capital do Império Asteca, fundada em 1325. O pesquisador ressalta a
presença visível de uma sobreposição de imaginários ao percorrer suas ruas e visualizar
seus edifícios e construções arquitetônicas.
A segunda cidade recebe o nome de ‘industrial’, porque a capital do país é uma
cidade que surge com o intuito de apagar os limites da cidade real, devido ao seu
crescimento industrial, à expansão de suas fábricas, à presença de bairros para
trabalhadores, aos transportes e aos serviços. Essa cidade modifica os usos do espaço
urbano, ou seja, a cidade passa a apresentar múltiplos centros. Perde-se o único centro
histórico. Um desses novos centros, por exemplo, passa a ser o shopping center.
Conforme García Canclini, temos, devido a esta descentralização, cada vez mais
a ideia de não sabermos os verdadeiros limites da cidade: onde começa, onde termina,
onde estamos. Tal fator é o responsável pela perda da coletividade e solidariedade nos
espaços sociais; o sujeito deixa de pertencer a uma comunidade. A necessidade de
compreender a crise urbana e a desagregação do espaço social levou o teórico a
visualizar uma terceira cidade.
A terceira cidade nomeada de ‘informacional’ ou ‘comunicacional’, como o
próprio nome revela, é a cidade que se comunica com diversos outros espaços; conecta-
se dentro de si mesma e com o estrangeiro, não somente através dos transportes
terrestres e aéreos, do correio e do telefone, mas também pelo cabo, fax, satélites e
internet. Essa cidade caracteriza-se pela automatização do homem, que, aos poucos,
perde sua identidade nacional. A industrialização deixa de ser o agente econômico mais
dinâmico do desenvolvimento das cidades. Apesar de visualizar a capital como a cidade
da informação, o crítico também expõe que a interação se faz cada vez mais difícil
devido aos problemas da mesma.
Em síntese, García Canclini resume as classificações para a Cidade do México
na chamada “ciudad videoclip”, ou seja, “La ciudad que hace coexistir en ritmo
acelerado un montaje efervescente de culturas de distintas épocas” (GARCÍA
CANCLINI, 1999, p.88). O conceito do ensaísta argentino também encontra
semelhança nas palavras do escritor Ítalo Calvino (1990, p. 30-31):
63
Algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com o
mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si.
Às vezes, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes,
e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e
nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses
estranhos.
Portanto, na cidade vídeo-clip coexistem todas as demais cidades com suas
culturas individuais, sendo essa uma característica imposta pela modernidade. A
pluriculturalidade tratada por Canclini comprova-se com a presença de todas essas
cidades dentro da mega cidade. Conforme García Canclini, a Cidade do México
constitui-se num espaço híbrido, cujo sujeito, ao analisar o seu redor, é capaz de
perceber a superposição, o contraste e a mescla de diferentes imaginários no espaço
físico da urbe.
Após debruçarmos sobre diferentes representações pela crítica para a Cidade do
México, resolvemos defender a imagem dessa cidade como um ‘quebra-cabeça’ ou,
também, ‘cidade de espelhos’. Pela espacialidade física da capital mexicana, podemos
sintetizá-la como um grande labirinto urbano formado por ruas, praças e rios que se
interpenetram, dispersando o homem que não consegue se libertar dessa estrutura. Além
do mais, as mega-cidades latino-americanas são poli-nucleadas (SARLO, 2004),
contribuindo, ainda mais, para a imagem da cidade moderna como um labirinto.
3. A Cidade do México representada no romance Las Batallas en el desierto
O romance curto Las Batallas en el desierto18
exemplifica de modo simples o
posicionamento do escritor diante da sociedade, tendo em vista que a história ocupa um
papel fundamental na obra de Pacheco. Carlitos e Jim, personagens centrais da trama,
estudam na mesma escola, mas pertencem a classes sociais distintas: o uso do inglês, os
costumes diários e os produtos, por exemplo, constroem a imagem da influência norte-
18
Sobre esta obra, Pacheco comenta: “El ambiente es real pero la historia es por completo imaginaria. No
tuve una adolescencia como la de Carlos, su protagonista. En toda actividad humana hay algo de horrible
y en este caso es que ya no puedo disculparme ante mis padres porque muchas personas que me hacen
favor de leer el libro creen que fueron como los padres de Carlos, cuando en realidad eran todo lo
contrario”. O escritor aborda, ainda, o momento histórico de inspiração para a narrativa quando
menciona: “Tal vez para escribir ese libro fue necesaria otra de las muchas muertes de la ciudad de
México: la apertura en 1977-1978 de los llamados ‘ejes viales’ que no sirvieron sino para enriquecer aún
más a los ladrones que en aras de la codicia han hecho de verdad inhabitable este lugar”. (BRAVO
VARELA, 2009, p. 69).
64
americana na sociedade mexicana. A trama gira em torno da história de Carlitos, cujo
destino é ser repudiado pela hipócrita sociedade ao se apaixonar pela mãe de seu melhor
amigo. O caso é relatado após muitos anos do possível incidente, por isso o narrador/
protagonista já adulto recupera imagens de sua memória. O sujeito da enunciação e a
história já não são mais os mesmos, o próprio tempo encarregou-se de dar um novo
sentido a essas histórias.
Me acuerdo, no me acuerdo: ¿qué año era aquél?” Desse modo, inicia o romance
demarcando uma incerteza cronológica em relação à época enunciada pelo narrador do
texto. Mesmo sem uma exatidão do contexto referido por Pacheco, o autor retrata o
México do avanço econômico alcançado pelo primeiro civil a chegar à presidência,
Miguel Alemán Valdés, que governou entre 1946 e 1952. Apesar de todo crescimento
na economia, o governo também foi acusado por esquemas de corrupções e excesso de
poder:
La cara del Señorpresidente en dondequiera: dibujos inmersos, retratos
idealizados, fotos ubicuas, alegorías del progreso con Miguel Alemán como
Dios Padre, caricaturas laudatorias, monumentos […] Qué importa […] si
bajo el régimen de Miguel Alemán ya vivimos hundidos en la mierda
(PACHECO, 1981, p. 10)
O narrador introduz desde o início da narrativa as imagens de suas recordações
do passado e da história. Ao mesmo tempo em que parece fornecer uma informação
precisa, em seguida acaba por mudar de opinião. Acreditamos que esse recurso funcione
como uma forma de mostrar a oscilação das suas lembranças. Sua memória consegue
resgatar muitos detalhes e trazer para o momento da leitura as imagens daquele passado:
os objetos e produtos em uso nos anos quarenta, as referências à Guerra, a derrota
eleitoral de Miguel Henríquez Guzmán e outros detalhes, cuja função permite ao leitor
compartilhar uma visão do passado com informações precisas de acontecimentos locais,
nacionais e estrangeiros.
A partir de uma linguagem simples, o narrador adulto revela a complexidade da
vida na Cidade do México. Retrata as transformações ocorridas em seu país e em sua
cidade como o processo acelerado de industrialização, a expansão da infraestrutura
física e de serviços, o crescente processo de transculturação e a mudança de mentalidade
e valores dos habitantes. O período retratado também é o do pós-guerra evidenciado em
algumas passagens do texto.
65
O discurso de Carlos adulto está impregnado de críticas e de referências
históricas, como por exemplo, a dor causada pela explosão da bomba atômica. Pacheco
retrata com tanta naturalidade as imagens do México daquele momento que os leitores
dos anos quarenta podem acabar comprovando a veracidade ou não das referências
históricas da obra. O leitor encontra em suas páginas marcas de produtos comerciais,
nomes de filmes e programas de rádio, costumes, dados e outros. Nesse cenário, o
narrador descreve a influência externa dos domínios da urbe e seu processo de
modernização tecnológica: o excesso de propagandas de produtros de outros países, a
circulação de veículos americanos, o crescente uso do spanglish pela classe média e
outros, além dos surtos de poliomielite.
A reflexão sobre o sentido da história também está presente no romance. Se por
um lado, o autor apresenta certos dados como precisos e verdadeiros, por outro conduz
o leitor a duvidar de algumas referências do passado, inclusive, porque não expressa de
modo direto a data dos acontecimentos. Essa atitude crítica de retratar fatos do passado
é uma característica constante no conjunto da obra de Pacheco (VERANI, 1994),
independente do gênero. Claro que a presença desses dados históricos na obra de
Pacheco não se explica como uma mera recordação, mas sim, principalmente, com o
interesse de reforçar o papel do leitor como crítico do seu próprio meio.
O acontecimento histórico principal da obra de Pacheco está no processo de
modernização industrial ocorrido com o alemanismo. Antes dos anos quarenta do século
XX, sob o comando de José de la Cruz Porfirio Díaz, também se encontrou um esforço
em prol do desenvolvimento do país. Díaz também se empenhou em contribuir para o
crescimento da indústria, do aumento dos serviços públicos e da comunicação interna,
decorrentes da tarefa modernizadora do país. O narrador retrata a lembrança da cidade
dos tempos de Porfirio Díaz:
La plaza Ajusco adonde me llevaban recién nacido a tomar sol y en donde
aprendí a caminar. Sus casas porfirianas, algunas ya demolidas para construir
edificios horribles. Su fuente en forma de trébol, llena de insectos que se
deslizaban sobre el agua (PACHECO, 1981, p. 33)
Carlos, já envolto pela atmosfera da vida numa cidade moderna e com inúmeros
agravantes, narra com saudade da capital do país antes da mudança sofrida pelo espaço
com a construção de arranha-céus e a falta de zelo com o patrimônio público. Após
Porfirio Díaz, os vestígios da luta armada para fortalecer os objetivos da Revolução
Mexicana e os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial não contribuíram para a
66
manutenção do desenvolvimento industrial do país. Alemán ocupou a cadeira
presidencial após o final da Segunda Guerra e devido à proximidade com o país
vencedor, os Estados Unidos, converteu-se no “mister amigo” por facilitar negociações
e compartilhar certos ideais.
Os cenários da narrativa são descritos com precisão de modo a permitir ao leitor
a reconstrução exata de certas imagens do México daqueles anos; a nostalgia perpassa a
obra. O trabalho de linguagem de Pacheco parece fotografar a realidade daquele período
de maneira a aproximar o leitor da mensagem do relato. O narrador enuncia, a partir de
seu presente, o contexto de uma cidade que se transformou numa mega-cidade e por
isso sofre as consequências dessa transformação, observadas na falta de comunicação
entre seus habitantes, na crescente solidão, na mudança de valores sociais e na
ineficiência das instituições sociais.
As consequências da vizinhança com os Estados Unidos e a modernização do
país são as questões centrais do romance de Pacheco, evidentes na própria vida do
protagonista e narrador da história. Carlos sofre preconceito, na casa de Harry Atherton,
com quem estabelece uma breve relação de amizade, por conta de seu comportamento
no jantar:
Voy a darte un consejo: aprende a usar los cubiertos. Anoche comiste filete
con el tenedor del pescado. Y no hagas ruido al tomar la sopa, no hables con
la boca llena, mastica despacio trozos pequeños (PACHECO, 1981, p. 25)
Este ato simboliza, na narrativa, a subordinação perante o norte-americano,
enquanto que em sua amizade com Jim (filho de um norte-americano e uma mexicana),
o autor destaca a inferioridade de Carlitos diante de um compatriota, mas que teve
acesso à cultura do norte.
O próprio sistema capitalista é quem dita os moldes culturais a que os sujeitos
devem se encaixar. Quando isso não ocorre, sofrem os preconceitos da sociedade
moderna que aparenta pregar a liberdade do homem. Para o sociólogo alemão Georg
Simmel (1998), o dinheiro tem um papel decisivo no sistema capitalista, porque seria
um facilitador entre o homem e seus desejos; uma espécie de “Deus da modernidade”.
Ainda de acordo com o pesquisador, “forma-se a idéia de que toda a felicidade e toda
satisfação definitiva na vida são ligadas, intrinsecamente, à posse de certa forma de
67
dinheiro” (SIMMEL, 1998, p. 33). O dinheiro permite a independência do sujeito e
torna-se o mediador das relações sociais. Há uma crítica de Carlos adulto em relação ao
provincianismo de sua mãe.
O protagonista retrata, na primeira parte da narrativa, sua recordação da época
chamada como o “mundo antiguo”, lugar da enunciação, aquele em cuja infância
também já anunciava sinais de degradação, como percebemos em sua leitura, a qual
estava muito influenciada pela opinião de seus pais:
Era el mundo antiguo. Los mayores se quejaban de la inflación, los cambios,
el tránsito, la inmoralidad, el ruido, la delincuencia, el exceso de gente, la
mendicidad, los extranjeros, la corrupción, el enriquecimiento sin límite de
unos cuantos y la miseria de casi todos. (PACHECO, 1981, p. 10-11)
Esse retrato traçado pelo personagem pode ser entendido como o estado em que
se encontrava o país antes do governo de Alemán. O narrador também critica a posição
ditatorial da escola e, mais uma vez, acaba por levantar aspectos de transformação do
espaço físico:
Escribíamos mil veces en el cuaderno de castigos: debo ser obediente, debo
ser obediente, debo ser obediente con mis padres y con mis maestros. Nos
enseñaban historia patria, lengua nacional, geografía del DF: los ríos (aún
quedaban ríos), las montañas (se veían las montañas). (PACHECO, 1981, p.
10)
O passado modela a nossa vida no presente e somos o que somos por conta disso
e das informações recuperadas pela memória, corroborada pela escritura. As
informações prestadas pela memória de Carlos permitem ao leitor construir certa
fidelidade entre o real e a narração, pois somos capazes de reconhecer coerência em
suas imagens e o fato ocorrido.
Pacheco expressa em sua narrativa o crescimento de Carlitos e o da própria
cidade, onde ambos são arrastados pelas mudanças impostas pela modernização e pela
globalização neoliberal:
Sólo en el confinamiento entendemos que vivir es tener espacio. Hubo un
tiempo feliz en que podíamos movernos, salir, entrar y ponernos de pie o
sentarnos. Ahora todo cayó (PACHECO, 1981, p. 64)
68
A globalização acaba por romper as relações entre os sujeitos da cidade, as
relações entre a família, os gestos mais humanos como um simples carinho ou um beijo
desaparecem. A metrópole tenta sobreviver na constante mutação de suas formas e
novos discursos em seu interior. A racionalidade é a única arma de defesa. Ao final do
relato, o discurso do narrador resume a indiferença da vida cotidiana e a vontade de
apagar da memória o passado de incerteza, dor e angústia:
Qué antigua, qué remota, qué imposible esta historia. Pero existió Mariana,
existió Jim, existió cuanto me he repetido después de tanto tiempo de
rehusarme a enfrentarlo. Nunca sabré si el suicidio fue cierto. Jamás volví a
ver a Rosales ni a nadie de aquella época. Demolieron la escuela, demolieron
el edificio de Mariana, demolieron mi casa, demolieron la colonia Roma. Se
acabó esa ciudad. Terminó aquel país. No hay memoria del México de
aquellos años. Y a nadie le importa: de ese horror quién puede tener nostalgia
(PACHECO, 1981, p. 67-68)
Ao mesmo tempo em que o narrador revela uma leitura de um país repleto de
problemas, projeta uma imagem de esperança de novos tempos, período marcado no
discurso do narrador por meio de um ano específico, o de 1980. Vale ressaltar que um
ano após foi a data de publicação da primeira versão da obra. O narrador revela sua
imagem de cidade do futuro, que talvez fosse aquela esperada após o período de
Alemán no poder:
Para el impensable 1980 se auguraba – sin especificar cómo íbamos a
lograrlo – un porvenir de plenitud y bienestar universales. Ciudades limpias,
sin injusticia, sin pobres, sin violencia, sin congestiones, sin basura. Para
cada familia una casa ultramoderna y aerodinámica (palabras de la época). A
nadie le faltaría nada. Las máquinas harían todo el trabajo. Calles repletas de
árboles y fuentes, cruzadas por vehículos sin humo ni estruendo ni
posibilidad de colisiones. El paraíso en la tierra. La utopía al fin conquistada
(PACHECO, 1981, p. 11)
O discurso do narrador adulto esconde uma dimensão crítica e um forte
desengano, características do homem moderno, já que o contexto mexicano retratado
era o da multiplicação dos meios de comunicação de massa e a sociedade de consumo.
A visão retratada do futuro por Carlos assemelha-se à da propaganda, tanto política
como publicitária, sendo essa última aquela dos sonhos de moradia ideal difundida
pelos jornais e revistas, além da importação do modelo de vida dos Estados Unidos.
A cidade no decorrer da narrativa vai assumindo sua posição como um
personagem, demonstrando seu crescimento rumo a ser uma mega-cidade. As forças de
69
produção capitalista, a promessa de novos empregos e de melhores serviços públicos
são pontos positivos vislumbrados no discurso do narrador. A classe média tenta se
adaptar ao processo de modernização e à inserção cada vez mais intensa de empresas
norte-americanas. No entanto, a presença de camadas marginais na cidade ainda
permanece:
Si vas a Romita, niño, te secuestran, te sacan los ojos, te cortan las manos y la
lengua, te ponen a pedir caridad y el Hombre del Costal se queda con todo.
De día es un mendigo; de noche un millonario elegantísimo gracias a la
explotación de sus víctimas. El miedo de estar cerca de Romita. El miedo de
pasar en tranvía por el puente de avenida Coyoacán: sólo rieles y durmientes;
abajo el río sucio de La Piedad que a veces con las lluvias se desborda
(PACHECO, 1981, p. 14)
Essa dupla permanência é notória na vida daqueles que habitam a cidade
contemporânea, gerando um sentimento de medo. O pensamento da mãe de Carlitos
expressa o medo da classe média urbana ao se deslocar dentro de “sua” cidade. A cidade
no decorrer da narrativa vai assumindo sua posição como um personagem,
demonstrando seu crescimento rumo a ser uma mega-cidade. As forças de produção
capitalista, a promessa de novos empregos e de melhores serviços públicos são pontos
positivos vislumbrados no discurso do narrador. A classe média tenta se adaptar ao
processo de modernização e à inserção cada vez mais intensa de empresas norte-
americanas. No entanto, a presença de camadas marginais na cidade ainda permanece:
Si vas a Romita, niño, te secuestran, te sacan los ojos, te cortan las manos y la
lengua, te ponen a pedir caridad y el Hombre del Costal se queda con todo.
De día es un mendigo; de noche un millonario elegantísimo gracias a la en
tranvía por el puente de avenida Coyoacán: sólo rieles y durmientes; abajo el
río sucio explotación de sus víctimas. El miedo de estar cerca de Romita. El
miedo de pasar de La Piedad que a veces con las lluvias se desborda
(PACHECO, 1981, p. 14)
Essa dupla permanência é notória na vida daqueles que habitam a cidade
contemporânea, gerando um sentimento de medo. O pensamento da mãe de Carlitos
expressa o medo da classe média urbana ao se deslocar dentro de “sua” cidade. De
acordo com Magatti (2009, p. 8-9),
[...] enquanto os bairros centrais são valorizados e tornam-se objeto de
grandes investimentos urbanísticos, outras áreas são corroídas pela
degradação e tornam-se marginais. Quem possui recursos econômicos ou tem
condições de deslocar-se tenta se defender criando verdadeiros enclaves.
70
Os principais medos presentes no imaginário coletivo são decorrentes da própria
humanidade. Num mundo social idealizado, na busca contínua pela segurança e pela
proteção, os sofrimentos humanos surgem da própria fragilidade dos nossos corpos e do
convívio com os demais. Conforme Bauman (2009, p. 55), “a segurança pessoal tornou-
se muito importante, talvez o argumento de venda mais necessário [...] o ‘capital do
medo’ pode ser transformado em qualquer tipo de lucro político ou comercial”.
A cidade moderna constrói-se a partir da necessidade de proteção individual.
Segundo Bauman (2009, p. 42), a proposta desses espaços vetados “é a de claramente
dividir, segregar, excluir, e não criar pontes, convivências agradáveis e locais de
encontro, facilitar as comunicações e reunir os habitantes da cidade”. O medo
transforma-se numa fonte do capitalismo em nossa sociedade. Ao explorá-lo, os
veículos de comunicação acabam por reforçar a sensação de caos em nossas atitudes.
Não há como manter uma relação de convívio sem que o medo se expresse, porque o ser
humano é alimentado, em grande parte, por diferentes emoções. O medo acompanha-
nos e garante nossa sobrevivência física desde o início do percurso histórico e
evolutivo. Por ser uma emoção, o medo não resulta de uma experiência obtida de modo
passivo, mas sim da resposta do organismo provocada pela consciência de um perigo
iminente ou presente, provocada pela vivência num espaço coletivo.
Considerações finais
A cidade e seus constituintes são grande força motriz no estabelecimento das
relações entre os sujeitos que se reconhecem nesses espaços. Ao mesmo tempo, leva-os
a uma recordação de toda a história dos seus antepassados, e essa estará sendo
reconstruída dia a dia, a partir do momento em que o indivíduo visualiza o ambiente ao
seu redor, e esse ambiente, de certa maneira, também o observa em suas ações e seus
posicionamentos.
A vinculação de Las Batallas en el desierto com a história reflete as
ambiguidades típicas de uma obra literária, que dificilmente retrata de modo fidedigno a
71
realidade. O trabalho de criação artística de Pacheco demonstra a necessidade de
envolver o leitor na reconstrução do passado e a presença do mesmo no romance.
Pacheco não poupa o uso de referências históricas para corroborar seu projeto literário e
a tessitura do retrato sociológico da metrópole mexicana. Através da história e da
realidade visível, o escritor mostra a aparição do neoliberalismo no cenário político e a
evolução das comunicações nos anos oitenta do México. Tal política neoliberal encontra
mais facilidades de propagação numa sociedade globalizada e homogênea, por isso, o
interesse em anunciar a transculturação proposta pelo consumismo norte-americano.
A cidade no decorrer da narrativa vai assumindo sua posição como um
personagem, demonstrando seu crescimento rumo a ser uma mega-cidade. O romance
de Pacheco permite o leitor repensar inúmeras questões e verificar como o autor critica
a sociedade, a partir do momento em que trata alguns temas, entre eles: a uniformização
do modo de vida do mexicano, o crescimento desordenado da urbe, a industrialização
excessiva, o idealismo pelos objetos da modernidade, o consumismo, o poder, o
mercantilismo e a corrupção. A mudança de costumes, a rápida ascensão social da
família de Carlitos e a corrupção política são críticas diretas do autor ao avanço norte-
americano sobre a cultura mexicana.
Referências
AÍNSA, Fernando. Del espacio mítico a la utopía degradada: los signos duales de la
ciudad en la narrativa latinoamericana. Em: Cânones & contextos: anais. Congresso
ABRALIC. Rio de Janeiro: Reproarte, 1998, v.1, p. 165-175.
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Trad. Eliana Aguiar. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRAVO VARELA, Herán. Nuevo elogio de la fugacidad. Una conversación con José
Emilio Pacheco. Em: Revista Letras Libres. Espanha: Universidad de la Rioja, jun.
2009
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
72
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Diccionario de símbolos, 5ed.,
Barcelona: Editorial Herder, 1995.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Imaginarios urbanos. 2ed. Buenos Aires: Editorial
Universitaria de Buenos Aires, 1999.
------. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Trad. Ana
Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 3ed. São Paulo: EDUSP, 2000.
GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade. Literatura e experiência
urbana. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
IANNI, Octavio. O labirinto latino-americano. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
KIDNER, Derek. Gênesis. Introdução e comentário. Trad. Odayr Olivetti. São Paulo:
Vida nova, 1979.
MAGATTI, Mauro. Bauman e o destino das cidades globais. Em: BAUMAN,
Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2009.
PACHECO, José Emilio. Las Batallas en el desierto. México: Ediciones Era, 1981.
------, A 150 años de la Academia de Letrán – Discurso de ingreso al Colegio
Nacional el 10 de julio de 1986. 1986. Disponível em: <
http://www.colegionacional.org.mx>. Último acesso em: 08 nov. 2015.
------. Discurso do Premio Cervantes 2009. 2009. Disponível em:
<http://www.abc.es/gestordocumental/uploads/Cultura/pacheco.pdf>. Último acesso
em: 11 nov. 2015.
ROUANET, Sérgio Paulo. A verdade e a ilusão do pós-moderno. Em: Revista do
Brasil. Literatura Anos 80. FUNARJ, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1986, p.
28-53.
SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na
Argentina. 3ed. Trad. Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Trad.
Lygia Araújo Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna. Em: SOUZA, Jessé & OELZE, B.
(orgs.). Simmel e a Modernidade. Brasília: Editora UnB, 1998, p. 23-40.
VERANI, Hugo. (sele. y pról..). La hoguera y el viento. José Emilio Pacheco ante la
crítica. México: Ediciones Era, 1994.
73
EL SURREALISMO EN AMÉRICA
Ruben Daniel Méndez Castiglioni - UFRGS, CNPq
En primer lugar, quiero agradecer a la organización de este evento, en
especial a la profesora doctora Adriana de Borges, por la invitación. Quiero agradecer a
la Universidade do Estado da Bahia por esta posibilidad que me ofrece de estar aquí,
reunido en un congreso de esta naturaleza, con brillantes conferencistas y expositores
que comparten su entusiasmo y conocimientos. Deseo también felicitarles por los diez
años del curso de español.
He sido generosamente convidado para presentar la investigación que
estamos realizando en la Universidade Federal do Rio Grande do Sul19
. Nuestro
proyecto es sobre el surrealismo, uno de los movimientos culturales más importantes del
siglo XX - tal vez el más importante por su influencia en la poesía y en las artes.
Nuestra intención es investigar la recepción, penetración, difusión e influencia que tuvo
en España y en América, especialmente en Argentina, pues fue en ese país donde por
primera vez se formó un grupo surrealista fuera de Francia.
El proyecto consiste, específicamente, en estudiar la producción
literaria de Eugenio Granell, Pablo Picasso y Salvador Dalí, autores españoles que,
aunque sean más conocidos por sus trabajos en las artes plásticas y, en el caso de Dalí,
también en el cine, se destacan por sus escritos, los cuales tienen una interesante
recepción. Para el caso americano estamos estudiando la producción literaria de Aldo
Pellegrini, pionero del surrealismo en América Latina y justamente el fundador del
primero grupo surrealista fuera de Francia. La idea inicial era buscar manifestaciones
surrealistas en nuestro continente y el nombre de Pellegrini surgió después de una
19
Este artículo está basado en un capítulo del libro recientemente publicado: Surrealismo Aldo
Pellegrini, el pionero en América y es una versión levemente modificada y substancialmente
abreviada de algunos puntos que abordamos.
74
memorable conversación en la casa de Ernesto Sábato, que fue su amigo. Y será de él de
quien hablaremos ahora.
El espíritu nuevo
Como es sabido, el puerto de Buenos Aires tuvo un papel relevante
como centro de desembarque de novedades del viejo continente. Con la
industrialización, la entrada en el escenario internacional por medio de grandes
inversiones nacionales y extranjeras y de un considerable aumento de la población
debido a la inmigración en el período de 1910 a 1940, hubo una reafirmación de la
originalidad cultural en las letras hispanoamericanas. Se originaron nuevas
posibilidades de expresión que abarcaron la realidad político-social. De esa manera,
según Jorge Schwartz (2002), en el caso de las vanguardias, estas buscaban lo “nuevo”.
En efecto, y no por casualidad, Guillaume Apollinaire designaba a las
vanguardias de “espíritu nuevo”, nombre con el cual bautizó la importante revista
francesa L’esprit nouveau. Esa búsqueda de los poetas por la renovación no renegaba a
las vanguardias europeas, sino que las abarcaba en sus propuestas. En realidad, América
tradujo la vanguardia europea sobre todo para dar cuenta de los cambios en la ciudad y
del frenesí urbano. Vicente Huidobro,20
que convivió con Juan Gris, Max Jacob, Paul
Dermée, Pablo Picasso, Diego Rivera, Jean Cocteau, Apollinaire, entre otros
(SCHWARTZ, 2002, p. 96), lanzó el primer manifiesto vanguardista de América,
intitulado “Non serviam”. En él, proclamaba:
Y he aquí que una buena mañana, después de una noche de preciosos sueños
y delicadas pesadillas, el poeta se levanta y grita a la madre Natura: Non
serviam. [...] Ese non serviam quedó grabado en una mañana de la historia
del mundo. No era un grito caprichoso, no era un acto de rebeldía superficial.
Era el resultado de toda una evolución, la suma de múltiples experiencias
(HUIDOBRO en SCHWARTZ, 2002, p. 100).
20
Vicente Huidobro, de acuerdo con Schwartz (2002, p. 95), es “el fundador de las vanguardias
europeas”.
75
Y Pellegrini se transformó en uno de los nombres decisivos porque
pensó y estableció el surgimiento de la lectura y escritura en Argentina, no diría de las
vanguardias, pero sí de nuevas ideas por medio de la traducción, de sus ensayos, de sus
piezas de teatro, de sus conferencias. La traducción al español, principalmente de las
obras en francés de André Breton, Antonin Artaud, Louis Aragon, Maxime Alexandre,
Marcel Duchamp, Paul Éluard, Benjamin Péret, Philippe Soupault, René Crevel, Robert
Desnos, Jean-Pierre Duprey, Jacques Prévert, Maurice Blanchard, Francis Picabia,
Raymond Queneau, Lautréamont, entre otros nombres cardinales del movimiento,
influenciaron una generación de jóvenes sedientos por cambios en el dominio de las
artes.
Quién fue Aldo Pellegrini
Pellegrini nació en el año 1903 en Rosario, provincia de Santa Fe,
donde pasó toda su infancia. Estudió medicina en Buenos Aires, aunque su vocación fue
siempre la de las letras, el arte y, agregamos, de las polémicas intelectuales. En 1926
fundó el primer grupo surrealista de lengua española y, dos años más tarde, la revista
surrealista Qué. A partir de entonces su nombre aparece relacionado a diversas revistas
argentinas de cuño surrealista o influenciadas por el surrealismo: Ciclo (1948), A partir
de cero (1952), Letra y línea (1953), Boa (1958) y La Rueda (1967). Colaboró en varias
publicaciones identificadas con la renovación estética y, particularmente, en la
presentación y orientación de grupos de artistas de vanguardia. Fue uno de los primeros
a apoyar las diferentes corrientes artísticas modernas que aparecieron en Argentina en el
período comprendido entre los años 1940-1960, destacándose como teórico y orientador
de la renovación del arte, lo que tan bien retrata su libro Artistas abstractos argentinos
(1956).
Su obra poética está reunida en cinco tomos: El muro secreto (1949),
La valija de fuego (1952), Construcción de la destrucción (1957), Distribución del
silencio (1966) y Escrito para nadie, que fue publicado tras su muerte (1989).21
Hoy en
día su poesía es considerada por los especialistas como una de las más significativas
21
Recientemente su hijo Mario publicó La valija de fuego - Poesía Completa.
76
realizaciones de la poética argentina. También publicó la elogiada Antología de la
poesía surrealista de lengua francesa (1961), reconocida por André Breton como el
estudio más completo sobre el tema, y la Antología de la poesía viva de Latinoamérica
(1966), donde mostró sus indiscutibles cualidades como crítico.
Su Teatro de la inestable realidad se remonta al año 1964, y el ensayo
Para contribuir a la confusión general, a 1965. De sus traducciones destacamos la que
hizo de las obras completas de Lautréamont (1964), precedida por un importante
ensayo, la de los Manifiestos del surrealismo, de André Breton (1965), la de Antonin
Artaud, con un estudio previo (1967), así como la de la obra del poeta austríaco Georg
Trakl (1972). Como crítico de arte, su labor se completó con Panorama de la pintura
argentina y con Nuevas tendencias de la pintura (1966). Aldo Pellegrini también fue
catedrático de Historia del Arte en la Universidad de Chile, en 1971, durante el gobierno
de Salvador Allende.
Descubrimiento del surrealismo y formación del grupo argentino
Sabemos que sus primeros estudios los cursó en la ciudad en que
nació y que se trasladó a Buenos Aires para entrar en la Facultad de Medicina alrededor
de 1921-1922. Podemos suponer que, en la línea de su generación, la referencia poética
tras los tanteos iniciales fuese la poesía modernista, dominada por la figura de Rubén
Darío (1867-1916) y, por supuesto, sus expresiones argentinas. A partir de ahí, Aldo
Pellegrini probablemente buscó un nuevo concepto de poesía que estuviese en sintonía
con los ritmos y características de los tiempos modernos, con los experimentos que se
estaban realizando en Europa y en la propia América Latina, y fundamentalmente con
las ansias de su generación.
Durante sus años de estudiante, por lo menos a partir de 1923 o 1924,
tuvo acceso a la revista francesa Littérature, a través de la cual conoció a André Breton
y a sus compañeros (BACIU, 1974, p. 17). Conoció las obras de Alfred Jarry, a quien
“admiraba” (PELLEGRINI en BACIU, 1974, p. 17) y de Guillaume Apollinaire, por
quien se “interesaba especialmente” (PELLEGRINI en SOLA, 1967, p. 111), compartió
sus conocimientos, informaciones y gusto poético con algunos de sus compañeros de la
77
Facultad de Medicina que, desde el punto de vista literario “sólo estimaba[n] a Oliverio
Girondo y a Macedonio Fernández” (PELLEGRINI en SOLA, 1967, p. 111), muy
probablemente porque se sentían atraídos por el humor presente en la obra de estos dos
escritores que ya anticipan, de alguna manera, el surrealismo. Girondo y Macedonio
Fernández tenían un sentido del humor asociado a lo poético, próximo a Jarry y
Apollinaire. Es decir, en la búsqueda de Pellegrini y sus amigos por una poética más
avanzada era más que probable que se topasen con el surrealismo.
En una carta a la crítica literaria Graciela de Sola, Pellegrini dijo que
el diario Crítica de Buenos Aires, teniendo como motivo la muerte del escritor francés
Anatole France (Premio Nobel de Literatura de 1921 y que falleció en octubre de 1924),
publicó un número completo en homenaje al escritor, que por entonces “parecía tener
una importancia similar a la de [Víctor] Hugo” (PELLEGRINI en SOLA, 1967, p. 111).
En este número dedicado a France había también un telegrama de París con el anuncio
de la publicación de un panfleto contra el escritor francés que era especialmente
virulento: los surrealistas, entre los cuales se destacaban Soupault, Éluard y Breton,
acusaban a France de ser “miedoso”, “conciliador”, “necio”; y a sus libros de ser
“precarios”, “vacíos”, y a su arte de ser la representación del “puro genio francés”
(NADEAU, 1970, p. 65). Los términos usados en el panfleto le deben haber parecido
muy adecuados a Pellegrini, a quien “la falta de pasión y el escepticismo barato de
France” le parecían “la caricatura del verdadero inconformismo” (PELLEGRINI en
SOLA, 1967, p. 111).
Pellegrini envió la lista de los firmantes del panfleto a la editora
Gallimard (que por aquel entonces le proveía de libros franceses), pidiendo que le
mandasen lo que de ellos hubieran publicado. De esta manera le llegó el Manifiesto del
surrealismo, de Breton, y el primer número de la revista La Révolution Surréaliste,
ambos surgidos en París a fines de 1924 (en octubre y diciembre, respectivamente). Al
recibir los textos del grupo surrealista de París, probablemente antes del segundo
semestre de 1925, Aldo Pellegrini se “deslumbró” (BACIU, 1974, p. 17) y comenzó a
divulgar estas ideas entre algunos de sus compañeros de estudios. Así, tras algunos
meses de trabajo de catequesis (como el mismo Pellegrini expresó), fue fundado el
primer grupo surrealista de América Latina, que “comenzó a preparar una revista”
(BACIU, 1974, p. 17), que fue publicada en noviembre de 1928.
78
[...] les hablé con entusiasmo a mis compañeros David Sussmann y Marino
Cassano, y después a Elías Piterbarg, quien trajo a su hermano Ismael y a
Adolfo Solari. Todos formamos una especie de fraternidad surrealista, la que
realizaba experiencias de escritura automática. La actividad de este grupo,
totalmente desvinculado de las corrientes literarias de entonces [...] culminó
con la publicación de los dos números de la revista Qué (SOLA, 1967, p.
111).
Fue de esa manera que fue fundado el primer grupo surrealista fuera de Francia, el cual
realizó diversas publicaciones y actividades y mantuvo su espíritu hasta, por lo menos,
la muerte de su fundador.
Hacia una definición del surrealismo22
El entusiasmo, la dificultad y también la claridad de comprensión del
movimiento surrealista por parte de Pellegrini (PELLEGRINI, 1950, p. 298) aparecen
en sus escritos. Como sabemos, el surrealismo no tiene un cuerpo unitario de doctrina
para su descripción. Los manifiestos de Breton sirven apenas como punto de partida
inicial, y si lo que se pretende es llegar a construir una idea integral sobre el asunto,
deben ser estudiadas las innumerables actividades de los desiguales integrantes del
grupo.
Fue en agosto de 1920 que André Breton utilizó por primera vez el
término surrealismo en un artículo. Con él denominaba las creaciones espontáneas en el
lenguaje producidas por el inconsciente (particularmente en la escritura automática)
(PONGE, 1994, p. 13). Aldo Pellegrini juzgó necesario iniciar sus análisis con la
siguiente advertencia: “En primer término hay que destacar claramente que el
surrealismo no es un mero movimiento literario o estético” (PELLEGRINI, 1950, p.
299). No se trata de un desatino de Pellegrini, sino de una de las posiciones
22
Para esta parte, además de la bibliografía citada, recurrimos también a “Un grito del espíritu”, artículo
todavía inédito de Robert Ponge, a “Mais Luz!”, del mismo autor (1991) y a “L´Être ou le paraître
surréaliste”, de Claude Courtot (1994).
79
fundamentales del grupo que, según el propio Pellegrini, se negaba “a ser considerado
una escuela literaria y artística” (PELLEGRINI, 1950, p. 299). En efecto, se puede, por
ejemplo, leer en la Declaración [colectiva] del 27 de enero de 1925:
1º) Nosotros nada tenemos que ver con la literatura. Pero somos, en
caso necesario, muy capaces de servirnos de ella lo mismo que todos.
2º) El surrealismo no es un mecanismo de expresión nuevo o más
fácil, ni tampoco una metafísica de la poesía (PIERRE, 1980, p. 34).
Otras afirmaciones en el mismo sentido pueden ser encontradas con la
firma de Aragon, Breton, Péret y otros (PONGE, 1994, p. 334-335). Inclusive, en su
discurso de apertura del coloquio Surrealismo Nuevo Mundo, realizado en Buenos
Aires en 1992, el poeta surrealista argentino Enrique Molina subrayó que el surrealismo
“no es un movimiento estético como el impresionismo o el cubismo y, en el plan
literario, el simbolismo, el futurismo y el ultraísmo, o tantas otras escuelas de
vanguardia” (MOLINA,1999, p. 23-24).
Pellegrini dijo que el surrealismo es un “movimiento espiritual”, o, en
otros términos, un “estado de espíritu”, o, aún, una “ideología”, un “método de vida”,
una “concepción del mundo” (PELLEGRINI, 1950, p. 297-299). Breton no decía nada
diferente cuando - además de hablar de “un estado de espíritu”- se refería al surrealismo
como un “modo de pensar”, una “manera de ver y de sentir”, una “actitud poética,
social, filosófica” (PONGE, 1994, p. 336). Según el autor argentino:
[...] el surrealismo aparece como un intento de búsqueda de los valores
esenciales y permanentes del hombre, a través de todas las contingencias, y
de la exacta ubicación de esos valores en el plano social del presente.
Precisando aún más, el surrealismo está ubicado en la corriente del hombre
que se busca a sí mismo, que indaga su sentido, que descubre en la hondura
del hombre lo universal, que ha pensado al hombre como microcosmos
(PELLEGRINI, 1950, p. 298).
Esta declaración, que se puede reconocer como justa y correcta, no
resuelve la cuestión. En un artículo de 1951, Aldo Pellegrini se encarga de precisarla
80
para matizar los objetivos y móviles del surrealismo. Tuvo la buena idea de basarse en
la frase de la cubierta del primer número de La Révolution Surréaliste: “Es necesario
llegar a una nueva declaración de los derechos del hombre” (PELLEGRINI, 1951, p.
643). De esta sentencia, Pellegrini concluye que “la preocupación fundamental del
surrealismo, la razón por la cual se negaba a aparecer como una pura escuela literaria o
estética”, es que el surrealismo se propone a la tarea ambiciosa de liberar al hombre
(PELLEGRINI, 1951, p. 643-644). Inclusive la Declaración del 27 de enero de 1925
dejaba explícito en su punto número dos que el surrealismo “es un medio de total
liberación del espíritu y de todo lo que pueda parecérsele” (PIERRE, 1980, p. 34).
Pero, ¿cómo se consigue esta liberación? André Breton respondió a
esta pregunta definiendo el “pacto surrealista” como una tarea de tres fases: “ayudar, en
toda la medida de lo posible a la liberación social, trabajar sin cesar para la
desincrustación integral de las costumbres, rehacer el entendimiento humano”
(BRETON, 1979, p. 105, subrayado por el autor). El surrealismo se vale o se valía de la
acción política para realizar el primer objetivo. Pero, ¿y los otros dos? En Arcano 17,
Breton dio una respuesta concisa y clara: “La revuelta, y solamente la revuelta es
creadora de luz, y esta luz no puede tomar sino tres caminos: la poesía, la libertad y el
amor” (BRETON, 1965, p. 121).
Es decir, en primer lugar, el surrealismo es una revuelta, el
disconformismo absoluto (BRETON, 1992, p. 69, subrayado por el autor), el estar en
contra de las convenciones, las prohibiciones y toda la dimensión opresiva de la
sociedad.
Esta revuelta busca la libertad en todo y en todos los momentos. “Lo
único que todavía me exalta es la palabra libertad”, dijo Breton (1992, p. 20). O como
tan bien sintetizó el surrealista Jean Schuster: “En la galaxia surrealista, la idea de
libertad tal vez sea la única estrella fija” (SCHUSTER, 1991, p. 31).
Si el surrealismo habla de libertad, es porque siente concretamente su
ausencia y los frenos impuestos a su expresión. En el terreno político y social, el
surrealismo “denunci[a] y combat[e] todas las opresiones en las cuales se apoya el
sistema social tal como funciona [...] en el mundo entero” (SCHUSTER, 1991, p. 32).
Pero el surrealismo considera que la terrible realidad de la opresión política y social no
puede hacer olvidar que existen otras formas, más sutiles y astutas, de cercenar la
81
libertad, por ejemplo, a través de los modos de pensar y de expresarse. Jean Schuster lo
explica con nitidez:
El surrealismo afirmó categóricamente que el combate contra las diferentes
figuras de opresión social era inseparable de una acción continúa contra el
racionalismo y el realismo, sin darle prioridad, a no ser táctica o
circunstancial, a una de esas formas de lucha sobre la otra. Esa idea está en el
cerne de la exigencia surrealista (SCHUSTER, 1991, p. 32).
Uno de los valores esenciales para encontrar esta ansiada libertad,
para luchar por ella y cambiar la vida, es el amor. Pellegrini explica:
El amor es para los surrealistas la pasión que exalta todos los mecanismos de
la vida, aquella en que la función de vivir adquiere todo su sentido. Ellos ven
en el amor la unión de lo físico (la vida inmediata) con lo metafísico: es al
mismo tiempo cumplimiento y trascendencia. De este modo se establece una
fusión entre el concepto romántico del amor sublime y el erotismo
(PELLEGRINI, 1981, p. 20).
Otro camino para alcanzar la libertad según esa concepción, es la
poesía:
Afirmando el principio de libertad, toda poesía -como dice René Crevel-
incluye un espíritu de revuelta, pues incita a romper las cadenas que atan el
ser a la roca convencional. Con igual claridad, Breton y Éluard, en sus “Notas
sobre la poesía”, afirman que “el lirismo es el desenvolvimiento de una
protesta (PELLEGRINI, 1891, p. 19)
Es decir, para los surrealistas la poesía encarna la coartada que
convida a protestar y excita el deseo de libertad porque, al ser portadora de lo
maravilloso y de la belleza, revela la realidad de una perspectiva diferente.
Una de las principales armas de la poesía como espíritu de revuelta es
el humor, uno de los valores claves del surrealismo. Aldo Pellegrini supo sintetizar el
análisis de esta característica en unas pocas líneas, que merecen ser reproducidas casi
por extenso:
82
El humor representa la protesta contra el orden convencional. Es la
manifestación más neta del inconformismo. Revela la máxima acción
corrosiva del espíritu sobre la máscara de un mundo artificioso, hipócrita y
convencional, a la que desintegra y anula. Frente al humor se resquebrajan
normas y principios que parecían inconmovibles, poniendo en evidencia el
sistema de falsos valores que nos rige. El humor actúa sobre la seguridad del
espectador conmoviendo todos sus fundamentos. En su categoría extrema, el
“humor negro” adquiere aspectos de ferocidad y crudeza inigualables. De
todos los valores -manifiesta Breton- el humor es el que revela un ascenso
constante. Es, sin lugar a dudas, la característica más específica de la
sensibilidad moderna. Se alimenta de todas las formas de lo arbitrario y de lo
absurdo, y puede decirse que en una u otra forma no hay texto poético
auténticamente surrealista que no lo contenga (PELLEGRINI, 1891, p. 27-
28).
Enrique Molina, que perteneció al grupo surrealista argentino y fue
amigo de Aldo Pellegrini, en un ensayo para el catálogo de la exposición Surrealismo
Nuevo Mundo, realizado en Buenos Aires, en 1992, en la Biblioteca Nacional de la
República Argentina, definió el surrealismo de esta manera:
[...] una concepción total del hombre y de sus relaciones con el universo, un
esfuerzo del conocimiento para liberar el ser, para liberar la conciencia de las
presiones que la dividen entre la razón y la intuición, la vigilia y el sueño, un
esfuerzo para alcanzar, así, una realidad profunda, sin fracturas ni
compartimientos estancados. (...) que quiere revelar el lado secreto de las
cosas, de profundizar una síntesis del sueño y de la realidad sensorial, de lo
objetivo y de lo subjetivo, dejar libre el espíritu de los dogmas religiosos,
morales, estéticos, etc., que se oponen a su libre expresión al emplear la
escritura automática, para asumir en el terreno artístico el mundo del
inconsciente, por su disposición para entrar en lo maravilloso de nuestro
entorno fuera del orden estrictamente utilitario con que la razón lo estratifica
y sobre todo, por su invocación a la poesía como una energía capaz de
transformar la miseria moral al exigir la absoluta identidad de la poesía, de la
libertad y del amor, el surrealismo abre una ardiente esperanza de liberación
(MOLINA, 1999, p.24).
Una buena síntesis de lo que fue expuesto anteriormente y que
muestra que después de casi 70 años las ideas de Pellegrini y su grupo todavía eran
debatidas en Buenos Aires.
Mismo con una actuación brillante en las actividades que emprendió,
Aldo Pellegrini fue menospreciado. Sufrió el silencio por parte de la crítica
especializada de Buenos Aires e inclusive, cuando algunos escritores importantes se
83
referían a él y a sus amigos (como es el caso de Jorge Luis Borges y Bioy Casares), lo
hacían con cruel ironía.
La comprensión y valorización de la labor de Pellegrini y su grupo
puede ser rastreada apenas a partir de 1964, cuando Juan José Ceselli publicó la obra
intitulada Poesía argentina de vanguardia: surrealismo e invencionismo, editada por el
Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto, y por lo tanto con presupuesto del Estado.
Juan José Ceselli se refiere a Pellegrini como inspirador de un grupo surrealista que
resultó cohesivo y vigoroso, con una personalidad definida. Agrega que se podría
resumir la crónica del surrealismo en un sólo individuo: Aldo Pellegrini (CESELLI,
1964, p. 14), opinión que puede resultar un poco exagerada.
El año de 1967 nos proporciona otra prueba significativa del
reconocimiento que Aldo Pellegrini estaba teniendo en su país. El Centro de Artes
Visuales del importante Instituto Torcuato Di Tella, de Buenos Aires, le encargó la
organización de la exposición “Surrealismo en Argentina”, y el prólogo del catálogo.
Ese mismo año, la investigadora Graciela de Sola publicó un estudio sobre literatura
argentina en el que reconoce la relevancia que el surrealismo tuvo en la transformación
de la literatura y del arte, sus aportaciones en la psicología y la filosofía y su influencia
en las relaciones humanas. En el libro, intitulado Proyecciones del surrealismo en la
literatura argentina, Sola busca localizar a los precursores de la revuelta
hispanoamericana y ubicar los posibles antecedentes de una visión surrealista en nuestro
continente. En la obra también se encuentran datos sobre el grupo surrealista argentino y
el reconocimiento de la importancia de Aldo Pellegrini. Según la autora:
La intensidad de su sentir poético, la hondura de su pensamiento y la
significación ética de su actitud, largamente sostenida, hacen de Aldo
Pellegrini una de las figuras más interesantes, no sólo del surrealismo sino
del ámbito expresivo total del país (SOLA, 1967, p. 138).
En 1974, el profesor rumano Stefan Baciu publicó su Antología de la
poesía surrealista latinoamericana, e incluyó en su obra, publicada en México, un
contacto epistolar con Aldo Pellegrini en el que éste realiza un cómputo de las
actividades surrealistas en su país. Baciu subraya la constancia de Aldo Pellegrini,
aseverando que “sólo quienes conocen las dificultades con las cuales deben luchar las
84
editoriales latinoamericanas, comprenderán la importancia de una labor como aquella
desarrollada por Pellegrini por más de cuatro décadas, tanto en la literatura como en las
artes plásticas” (BACIU, 1974, p.78). Baciu hace hincapié, además, en la promoción de
escritores hecha por Pellegrini, entre los que se encontraban algunos de los más
importantes de la poesía argentina como Enrique Molina, Julio Llinás, Juan Antonio
Vasco, Francisco Madariaga, Carlos Latorre y Juan José Ceselli (BACIU, 1974, p. 78-
79).
Finalmente, Baciu reconoce que Pellegrini desarrolló un trabajo que
atrajo a numerosos artistas plásticos a la corriente surrealista:
En ningún otro país de Latinoamérica, con la excepción de México, han sido
tan numerosos y tan personales los artistas plásticos integrados a la corriente
surrealista. El hecho se debe, tal vez, a la influencia de la pintura surrealista
de Europa y, también al trabajo desarrollado por Aldo Pellegrini. Como
crítico de arte, organizador de exposiciones y galerías de arte, autor de notas
críticas y presentaciones de catálogos de pintura, ha ejercido una labor
multifacética e importante, cuyos resultados son visibles tanto en la obra de
los pintores integrados en el pasado al surrealismo, como en las influencias
surrealistas existentes en las pinturas de artistas de todas las generaciones
(BACIU, 1974, p. 80).
Octavio Paz - poeta y teórico del surrealismo, Premio Nobel de
Literatura en 1990 - en la revista mexicana Plural nº 35 (1974), también se refiere a la
“inteligencia”, “sensibilidad” y al “fervor” de ese “notable” poeta que fue Aldo
Pellegrini “el fundador del primer grupo surrealista de lengua castellana” (PAZ, 1999,
p. 164-165). Como manifestó su compañero de aventuras Enrique Molina, fue “un gran
lujo” (MOLINA, 1974, s/p), y gracias a él se puede hablar de un auténtico movimiento
surrealista en América Latina que realizó obras de gran calidad, tanto pictóricas como
literarias.
El surrealismo fue una actitud vital, total, ética y estética que se
expresó en la acción y en la participación (PAZ, 1999, p.164-165). Y debemos recordar
que Brasil también tuvo vínculos explícitos, basta leer a Jorge de Lima, Murilo
Méndes, Cicero Dias o ver las publicaciones de Antropofagia, que decía tener la
"língua surrealista". Perú tuvo representantes de la calidad de César Moro y Emilio
Adolfo Westphalen. En Haití se destacan Aimé Césaire y Magloire-Saint-Aude; en
85
México, Leonora Carrington, Remedios Varo, Octavio Paz y tantos otros. En Chile, el
grupo compuesto por Braulio Arenas y Enrique Gómez-Correa, Jorge Cáceres y
Teófilo Cid, quienes publicaron la revista Mandrágora dónde escribió justamente
Huidobro, al cual citábamos al inicio. Y ese grupo chileno fue valiente porque enfrentó
a los conservadores de la Iglesia y sus milicias, a los estalinistas y a Pablo Neruda.
Muchos nombres deben ser recordados, pintores como el cubano Wifredo Lam, el
chileno Roberto Matta, los mexicanos Frida Kahlo, Gunther Gerzso, Alberto
Gironella... y tantos otros.
Para finalizar quiero decir que los Manifiestos del surrealismo fueron
traducidos y publicados en Brasil apenas en 1985 y que, a partir de esa fecha, han
surgido aqui cada vez más investigaciones y publicaciones sobre el movimiento y sus
manifestaciones en América Latina. La historia del surrealismo continúa siendo escrita.
BLIOGRAFIA
Sobre el surrealismo
BACIU, Stefan. Antología de la poesía surrealista latinoamericana. Valparaíso:
Ediciones Universitarias de Valparaíso, 1974.
BRETON, André. Conversaciones (1913-1952). Traducido por Leticia Hulsz Piccone.
México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1987.
_____. Manifiestos del surrealismo. Traducción y notas de Aldo Pellegrini. Buenos
Aires: Argonauta, 1992.
_____. Qu´est-ce que le surréalisme? Cognac: Le temp qu´il fait, 1986.
_____. La clé des champs. París: Sagittaire,1979.
_____. Antología del humor negro. Barcelona: Anagrama, 1997.
CASTIGLIONI, Rubén Daniel Méndez. Surrealismo en América. Porto Alegre,
UFRGS, 2015.
86
CESELLI, Juan José. Poesía argentina de vanguardia. Surrealismo e invencionismo.
Buenos Aires: Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto, 1964.
COURTOT, Claude. L´Être ou le paraître surréaliste. Organon. Porto Alegre,
UFRGS, n.22, p. 13-21, 1994.
LAFLEUR, Héctor René; PROVENZANO, Sergio D. (orgs.) Las revistas literarias.
Selección de artículos. Buenos Aires: Centro editor de América Latina, 1993.
LATELLA, Graciela María. Le surréalisme d´Aldo Pellegrini. (Tesis). París, Université
de la Sorbonne Nouvelle, 1976.
MASTRONARDI, Carlos. El movimiento de “Martín Fierro”. En La historia de la
literatura argentina. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, s/f.
MOLINA, Enrique. Surrealismo Nuevo Mundo. Traducido por Lara Oleques de
Almeida. En: PONGE, Robert (Org.) Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre:
UFRGS, 1999.
_____. El gran lujo. En: Aldo Pellegrini. In memoriam. Buenos Aires, Imagen, 1974.
NADEAU, Maurice. Historia del surrealismo. Altamira, 1970.
PAZ, Octavio. La búsqueda del comienzo. Madrid: Fundamentos, 1974.
_____. Sobre o surrealismo hispano-americano: o fim do papo-furado. Traducido por
Robert Ponge. En: PONGE, Robert (Org.). Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre:
UFRGS, 1999. p. 163-167.
PELLEGRINI, Aldo. Para contribuir a la confusión general. Buenos Aires: Nueva
Visión, 1965.
_____. Lo maravilloso de la muerte. Crisis, Buenos Aires, n.13, p.64, 1974.
_____. El movimiento surrealista. Cursos y conferencias. Buenos Aires, 1950.
_____. Nacimiento y evolución del movimiento surrealista. Cursos y conferencias.
Buenos Aires, 1951.
_____. Distribución del silencio. Buenos Aires: Argonauta, 1966 a.
_____. Escrito para nadie. Buenos Aires: Argonauta, 1989.
_____. Antología de la poesía viva latinoamericana. Barcelona: Seix Barral, 1966 b.
_____. El conde de Lautréamont y su obra (Prólogo). En: LAUTRÉAMONT, Conde
de. Conde de Lautréamont. Obras completas. Buenos Aires: Argonauta, 1986.
_____. Prólogo. En: BRETON, André. Manifiestos del surrealismo. Buenos Aires:
Argonauta,1992. p. 7-12,.
87
_____. (Org.) Lautréamont 100 años. Buenos Aires: Galería de arte Gradiva, 1970.
_____. Antología de la poesía surrealista de lengua francesa. Barcelona: Argonauta,
1981.
_____. Panorama de la pintura argentina contemporánea. Buenos Aires: s/e, s/f.
_____. El muro secreto. Buenos Aires: Argonauta, 1949.
_____. La valija de fuego. Buenos Aires: Americalee, 1952.
_____. Teatro de la inestable realidad. Buenos Aires: Carro del Tespis, 1964.
_____. La conquista de lo maravilloso. Ciclo, Buenos Aires, n.2, p. 51-70, 1949.
_____. Catálogo de la exposición del Centro de Artes Visuales del Instituto Di Tella.
Buenos Aires: junio, 1967.
_____. Antonin Artaud el enemigo de la sociedad. En: ARTAUD, Antonin. Van Gogh
el suicidado por la sociedad. Buenos Aires: Argonauta, 1987.
_____. Nuevas tendencias en la pintura. Buenos Aires: Muchnik, s/f.
_____. Antología de la poesía viva latinoamericana. Barcelona: Seix Barral, 1966.
_____. Oliverio Girondo. Antología. Buenos Aires: Argonauta, 1964.
PICHON-RIVIÈRE, Marcelo. El surrealismo argentino: A un año de la muerte de Aldo
Pellegrini. Buenos Aires, Crisis, n.13, 1974.
PONGE, Robert (Org.) O surrealismo. Porto Alegre: UFRGS, 1991.
_____. Mais Luz. O surrealismo. Porto Alegre: UFRGS, 1991. p. 15-29.
_____. A crítica de Aldo Pellegrini: o elogio ao Ilustre Desconhecido. En:
CARVALHAL, Tania Franco. O discurso crítico na América Latina. Porto Alegre:
Instituto Estadual do Livro, 1996. p. 163-176.
_____. Surrealismo e Novo Mundo. Porto Alegre: UFRGS, 1999.
_____. Un grito del espíritu. (Inédito).
SARLO, Beatriz Sabajanes. Martín Fierro (1924-1927). Antología y prólogo. Buenos
Aires: Carlos Pérez, 1969.
SOLA, Graciela de. Proyecciones del surrealismo en la República Argentina. Buenos
Aires: Culturales Argentinas, 1967.
_____. Surrealismo y religiosidad. Testigo, Buenos Aires, Sudamericana, n.5, 1970.
SCHUSTER, Jean. Surrealismo e liberdade. En: PONGE, R. (Org.) O surrealismo.
88
Porto Alegre: UFRGS, 1991. p. 31-37.
SCHWARTZ, Jorge. Vanguardas Latino-Americanas. Polêmicas, manifestos e textos
críticos. São Paulo: Iluminuras, 1995.
______. Las vanguardias latinoamericanas. Textos pragmáticos y críticos.Traduccón
de Estela dos Santos. México: Fondo de Cultura Económica, 2002.
89
LA LENGUA ESPAÑOLA EN SUS DICCIONARIOS
Félix Valentín Bugueño Miranda, UFRGS
Guillerminæ Mirandæ Barrazæ, matri amatissimæ*
1.Introducción
Entre la primera y la segunda edición de Don Quijote de La Mancha, se publicó
en España TesLCE, (1611 [1943])23
. A propósito de este hecho central para la
lexicografía hispánica, y, no sin razón, Weinrich (1979) sostenía que cada época tiene
su diccionario. La concepción que se tenía de la lengua en el s. XVII no era otra que la
de su legitimación en directa relación con las lenguas clásicas, particularmente con el
latín. De allí que aquello que hoy llamamos de comentario etimológico (cf. BUGUEÑO
MIRANDA, 2004) cobra una importancia insoslayable en el artículo léxico. De la
misma forma, TesLCE (1611) le confiere también un sitial destacado a la variación
ortográfica. Evidentemente, hoy no le conferimos (lamentablemente) la misma
importancia a la etimología, pero la ortografía sigue constituyendo una preocupación
tanto para la lexicografía como para los usuarios de diccionarios. Como corolario cabe
perfectamente decir que así como la preocupación de los lexicógrafos del s. XVII difiere
claramente de la de nuestros días, por otro, la lexicografía hispánica ofrece
indudablemente también una solución de continuidad.
Mirado el problema desde la contemporaneidad, resulta perceptible que
hoy la lexicografía tiene entre sus preocupaciones más inmediatas el diseño de
diccionarios de aprendices (learner´s dictionaries). El español cuenta con pocos
diccionarios de esta clase: DSal (1996) y DELEB (2000). Ambos, sin embargo, son
insuficientes para auxiliar al aprendiz de español24
. Otra exigencia de la hora actual de
*(1927-2015) 23
Siguiendo la tendencia de la metalexicografía europea, las obras lexicográficas aparecen mencionadas
por siglas. En las referencias se indica el autor y el nombre por extenso. 24
En lo que se refiere a DSal (1996), GUTIÉRREZ CUADRADO (2000) le concede a la obra varios
méritos, pero su análisis soslaya, por ejemplo, que ya hace más de veinte años que existe el consenso en
metalexicografía sobre la estricta monofuncionalidad de la obra lexicográfica. Además de eso, la
selección macroestructural cualitativa no se restringe al español contemporáneo, que es lo que se espera
en un diccionario de aprendices, sino que se lematizan también muchas unidades léxicas de poco uso o
simplemente anticuadas. VILLARRUBIA ZÚÑIGA (2013) ofrece también un análisis de DSal (1996)
resaltando las supuestas bondades del diccionrio. No es éste el contexto para trabar una polémica sobre el
particular, pero los aspectos escogidos para el análisis nos son aquellos que prioritariamente deben
considerarse como parámetros de evaluación. Una análisis sobre su adecuación como auxilio en la
enseñanza-aprendizaje de español se encuentra en ARMANI (2105). En relación a DELEB (2000), cf.
90
la lexicografía es la preocupación por ofrecer el potencial de combinación que las
palabras tienen. En lo que respecta a la lexicografía hispánica, ésta se encuentra
claramente rezagada en relación a otras tradiciones (cf. BUGUEÑO MIRANDA, 2008 y
2009b para un análisis de la lexicografía alemana, así como BUGUEÑO MIRANDA;
REOLON JARDIM, 2010 para un análisis de los diccionarios de aprendices del inglés).
En función de ello, el objetivo de este trabajo es ofrecer un panorama de los
diccionarios del español y cómo éstos son potencialmente útiles para el estudiante
brasileño de español, considerando la ausencia de obras lexicográficas que atiendan
específicamente a este usuario.
2. El diccionario hoy
No hay acuerdo entre los especialistas si la redacción de un diccionario se
encuentra (o debería estar) amparada por una teoría. ATKINS; RUNDELL (2008, p. 4),
por ejemplo, afirman enfáticamente que “no creemos que tal cosa [i.e. una lexicografía
teórica] exista25
”. Más recientemente, RUNDELL (2012) volvió a cuestionar este
hecho. Sin embargo, una lectura atenta de estos dos trabajos revela que estos autores sí
se amparan en constructos teóricos para su trabajo lexicográfico (cf. BUGUEÑO
MIRANDA, 2013a para una discusión sobre esta cuestión). En este sentido, y en plena
consonancia con nuestra posición al respecto, PIOTROWSKI (2015, p. 314), sostiene
que una teoría de la lexicografía debe estar constituida por tres componentes: uno
sintáctico (forma), uno semántico (contenido) y uno pragmático (usuario). Por nuestra
parte, juzgamos que una teoría que fundamente la concepción y diseño de una obra
lexicográfica se puede representar de la siguiente forma: Por un lado, ha de anclarse en
una taxonomía de las obras lexicográficas disponibles para una dada comunidad
idiomática26
; por otro lado, deberá buscar sus subsidios tanto en la lengua objeto, como
en el metalenguaje de primer grado (hablar sobre la lengua), así como en el
metalenguaje de segundo grado (la metodología de la lingüística); finalmente, no puede
dejar de considerar al usuario potencial de los diccionarios. El esquema ad infra ilustra
esta relación.
BUGUEÑO MIRANDA (2006) para un análisis crítico. Baste aquí señalar que esta obra no ofrece
subsidios confiables y sistemáticos ni siquiera para calcular padrones sintácticos básicos del español. 25
[we don´t belive that such a thing exists]. 26
Para más detalles sobre la fundamentación teórica de uma taxonomia, cf. BUGUEÑO MIRANDA
(2014).
91
lengua
diccionario
taxonomía usuario
1 El diccionario hoy
3. Cómo se organiza una lengua
Una de las consecuencias directas de establecer una relación entre el diccionario
y su época es concebir el diseño de obras lexicográficas a la luz de teorías lingüísticas.
Esta base teórica constituye lo que se podría llamar de “formalismos irreductibles”27
. En
este ámbito se debe a COSERIU (1992) la ya clásica formulación de las tres
dimensiones que le corresponden a toda lengua natural: una universal (el saber hablar),
una histórica (cada lengua natural) y una individual (su uso concreto en cada individuo).
Para efectos de este trabajo, interesa especialmente lo que COSERIU (1992) llama de
“norma”, esto es, la manera corriqueira, como se diría en portugués, en que una
comunidad realiza su lengua. Esta modalidad se denomina “norma real”. Esta noción es
fundamental, pues la tarea del diccionario es ir registrando cómo cada comunidad
ejecuta regularmente una lengua28
. Es necesario destacar también, sin embargo, que
existe en toda comunidad aquello que ZANATTA (2010) llamó de “anseio normativo”,
o sea, la necesidad que tiene una comunidad de buscar orientación de cómo usar la
lengua de manera más esmerada en determinadas circunstancias. Esta modalidad
corresponde a la “norma ideal”. Si por un lado se ha afirmado que un diccionario debe
reflejar la lengua tal como ésta realmente se usa, por el otro, cabe resaltar también que
el diccionario es también un instrumento de orientación de uso.
El modelo de COSERIU (1992) se puede representar de la siguiente manera:
27
Ejemplos de aplicación de formalismos irreductibles se pueden encontrar en MATTES; BUGUEÑO
MIRANDA (2015); BUGUEÑO MIRANDA (2015) y BUGUEÑO MIRANDA (2016). 28
Cf. las consideraciones sobre este particular en el acápite “Por qué un diccionario no puede contener
toda la lengua”.
92
diafásico - diastrático
diacrónico
sistema
diatópico ideal
norma
real
habla = Texto (hic et nunc)
2 Modelo de la lengua (COSERIU, 1992)
En otro ámbito cabe preguntarse también qué dimensiones del lenguaje son
susceptibles de tratamiento lexicográfico. HENNE (1982, p. 115-116) estableció un
total de siete niveles de organización para una lengua natural. La lexicografía puede
tratar el nivel fónico / ortográfico29
, el nivel de las “palabras”30
, el nivel morfemático31
,
29
Si bien es cierto que la lengua española presenta una alta correspondencia entre los fonemas y las letras
que los represesentan, casos como el grupo vocálico /ia/ admiten tanto su realización como diptongo o
como hiato. Cf., por ejemplo, DUE (1996 s.v.) “ dionisíaco [-iaco], -a. De Dionisios”. 30
Si bien a primera vista pareciera que constituye una obviedad referirse ex professo a este nivel, es
pertinente recordar que al tratar lexicográficamente las palabras hay que distinguir entre las palabras
sobre cuyo contenido se puede realizar una predicación (mar amb. Gran masa de agua salada que cubre la
mayor parte de la Tierra, SoLEsp (1965, s.v.)) y aquellas sobre las cuales solo se puede informar cómo se
usan (hiper prep. Palabra que antepuesta a outra indica superioridad o exceso, DIlEsp (2003, s.v.). Cf.
BUGUEÑO MIRANDA (2009) sobre esta distinción. 31
La clasificación de HENNE (1982) estaba pensada para satisfacer los requisitos de descripción
estructural del alemán, que no se corresponden necesariamente con los hechos estructurales del español.
De allí que este nivel pueda parecer irrelevante para fines lexicográficos. Sin embargo, no puede dejar de
mencionarse la tendencia a lematizar afijos que muchos diccionarios del español presentan, una decisión
teóricamente equivocada, ya que las opciones de derivación, composición y parasíntesis que los
respectivos comentários semánticos presentan corresponden muchas veces opciones de sistema, pero no
necesariamente de norma (cf. BUGUEÑO MIRANDA, 2007 para una discusión más exhaustiva). Con
cierta restricción se podría pensar que los casos de nichos léxicos satisfacen este nível de organización:
apiñar tr. y pr. Agrupar estrechamente personas o cosas ||deriv.:apiñamiento, DAtEsp (1992, s.v.).
93
el nivel sintagmático32
y, parcialmente, el nivel oracional33
. La lexicografía no puede
tratar ni el nivel de los segmentos textuales34
ni el nivel textual35
propiamente dicho.
4. Por qué un diccionario no puede contener toda la lengua
Suele ser una crítica bastante común afirmar que los diccionarios son
instrumentos altamente imperfectos porque no serían capaces de contener (y describir)
toda la lengua. Para intentar demostrar la falacia intrínseca de esta afirmación, se
presentarán una serie de principios36
.
La lengua como enérgeia y érgon. Según HUMBOLDT (1836 [1979]), toda
lengua es a la vez enérgeia e érgon. La dimensión enérgeia es la dimensión creativa que
tiene una lengua natural, esto es, su poder creador a partir de los propios medios de que
dispone. Por ejemplo, en español existe el verbo moralizar y su antónimo desmoralizar.
Analógicamente, existe el adjetivo moral y su antónimo inmoral. Hasta ahora, y no
obstante que existen los medios formales para ello, no se han generado ni las formas
*inmoralizar ni *desmoral. Estas formas potenciales, aunque no realizadas, corresponde
a la dimensión enérgeia de toda lengua natural. La dimensión enérgeia equivale al
sistema propuesto por CSOSERIU (1992). Por otro lado, érgon equivale al producto de
la actividad lingüística37
. Todo neologismo arraigado en una lengua natural es una
manifestación de la dimensión érgon de la misma. Equivale a la norma de COSERIU
(1992). El diccionario, por lo tanto, no puede responder a la dimensión enérgeia de una
lengua, sino que solamente a la dimensión érgon. No puede, pues, describir aquello que
todavía no existe en una lengua, como tampoco aquello que se ha manifestado, pero que
todavía no se ha convertido en hecho de norma38
.
32
Para más detalles sobre este particular, cf. ad infra a propósito de las diversas manifestaciones del
discurso repetido. 33
Para más detalles sobre este particular, cf. ad infra a propósito de los diccionarios con énfasis en el
significado. 34
Por “segmentos textuales” se entiende, por ejemplo párrafos y capítulos. Cf. La nota 10 para más
detalles. 35
El nivel textual corresponde a los textos propiamente tales. Todo texto es una ocurrencia comunicativa
completa. Como tal, se la considera como un acto de habla hic et nunc. Por ello, por ser único e
irrepetible, no es tratable lexicográficamente, ya que no es un hecho de norma, sino que, repetimos, de
habla. Por esta razón, tampoco se puede tratar lexicográficamente ni los párrafos ni los capítulos. 36
Principio se entiende aqui a la luz de la lógica de La ciencia, o sea, una relación de fundamentación,
que sienta las bases metodológicas y de contenido de una disicplina (cf. REHFUS, 2003. s.v. Prinzip). 37
No debe confundirse érgon con habla. Érgon corresponde al producto social del hablar (por eso su
correspondencia con la norma). El habla es La realización hic et nunc, única e individual. 38
Juzgar como hecho de norma un fenómeno idiomático que se ha manifestado en la actividad lingüística
de una comunidad, pero que todavía no alcanza una irradiación masiva, constituye un desafio, por
94
El diccionario nunca va a priori fijando la lengua39
, sino que va a posteriori
registrándola (BUGUEÑO MIRANDA (2009)). Si los diccionarios deben registrar
hechos de norma, en consecuencia, jamás pueden ir “adelantándose” a la lengua, sino
que siempre van a la zaga de ésta, registrando todo hecho idiomático que se juzga como
regular y continuo. Sin embargo, es necesario destacar que la obra lexicográfica “fija” la
lengua, aunque desde una perspectiva completamente distinta. Esto acontece como una
consecuencia de un factum ontologicum totorum glossariorum, que no es otro que el
efecto normativo que una obra lexicográfica tiene. Es pertinente destacar que la
normatividad de la obra lexicográfica es explícita o implícita. Sobre todo, cuando la
normatividad es explícita, el diccionario “fija” la lengua, ya que propone una norma
ejemplar. Ejemplar quiere significar “que sirva de ejemplo” en determinas situaciones
comunicativas. Esa norma ejemplar -es necesario recalcarlo- sólo será ejemplo, modelo
si los hablantes se identifican con ella. En función de lo anterior, la prescripción ex
nihilo es una falacia. Por todo lo expuesto aquí, la norma que el diccionario ofrezca
(real o ideal, explícita o implícita) será siempre menor que todo lo que la lengua sea.
5. De la lingüística teórica al perfil de usuario del estudiante brasileño de español
Una vez que se han establecido las coordinadas básicas de cómo concebir y qué
esperar del diccionario como instrumento que refleja y describe la lengua, cabe ahora
preocuparse con el potencial usuario de la obra lexicográfica. WIEGAND (1977, p. 59)
se refiere al usuario como “el ilustre desconocido” [al. der bekannte Unbekannte]. Han
pasado treinta y siete años desde que se lo denominó así, en virtud de lo poco que se
sabía sobre el destinatario final de la obra lexicográfica. En BUGUEÑO MIRANDA
(2016) se propone que hay dos variables que ayudan a determinar ese perfil. Por un
lado, están las demandas de resolución de problemas que llevan al potencial usuario a
ejemplo, para la lingüistica de corpus. Paulatinamente, en la literatura comienza a usarse el término
ocasionalismo [al. Okkasionalismus] (cf. WANZECK, 2010, p.24) para referirse a este fenómeno.
Analógicamente, existen palabras que conocemos, pero que parecen no figurar en muchas
manifestaciones textuales a las que un hablante tiene acceso. A este fenômeno se lo denomina
disponibilidad [al. Disponibilität] (cf. SCHAFROTH, 2014, p.17). 39
Conviene tener en cuenta que la expresión fija acompaña a la lexicografia hispánica desde los albores
de La Real Academia Española, ya que el lema de la institución (y por consecuencia de sus diccionarios)
es “Limpia, fija y da esplendor a La lengua”.Fijar se usa con la misma significación que se le da en el
presente trabajo.
95
consultar un diccionario. Por otro, están sus habilidades para consultar la obra
lexicográfica [look-up strategies]40
.
Como primera consecuencia de las consideraciones expuestas ad supra cabe
señalar que la lengua española que el estudiante universitario brasileño de español
aprende corresponde a una norma sincrónica, con proyección diatópica y parcialmente
diafásico-diastráticamente restrictiva. El aprendizaje de lenguas extranjeras obedece a la
variedad contemporánea de la lengua en cuestión en función de la competencia
comunicativa (o capacidad de interacción, dirían otros) que se debe desarrollar en el
aprendiz. En relación a la variedad diatópica, esta variable se torna insoslayable en una
lengua como el español (cf., por ejemplo, ANDIÓN HERRERO; GIL BURMANN,
2013). Finalmente, debe considerarse también la variable diafásico-diastrática. La razón
estriba en el hecho de Brasil tener fronteras inmediatas con países de lengua española,
de modo que existe una razonable probabilidad de que este estudiante tome contacto
con estas variedades, no sólo determinadas diatópicamente, sino que también diafásico-
diastráticamente. Es evidente que todavía faltan trabajos que aborden de una manera
integral este aspecto de la enseñanza-aprendizaje del español en Brasil.
En segundo lugar, el proceso de enseñanza-aprendizaje de español al que el
estudiante brasileño se somete comporta todos los niveles de organización de la lengua.
El marco curricular obedece al Plano Curricular Cervantes (PCC). Ello se debe a que la
mayor parte de los materiales didácticos a su disposición de diseñan de acuerdo al
PCC41
.
Finalmente, hay que considerar también que tanto el estudiante de Licenciatura
en Letras Español como el de Traducción deben confrontarse con el español como
lengua objeto, como metalenguaje de primer nivel y como metalenguaje de segundo
nivel42
(cf. BALDINGER, 1977).
40
En relación a las look-up stretegies, es pertinente señalar que hay un acuerdo en la literatura sobre la
relevancia de este tipo de estrategia de aprendizaje. Sin embargo, los resultados de las investigaciones
empíricas no siempre son satisfactorias. 41
Cf., por ejemplo, IMMICH (2015) sobre este particular. 42
Cf. el párrrafo dedicado al “Diccionario hoy” para más detalles.
96
6. Los diccionarios del español a disposición del estudiante brasileño de ELE
Para efectos de exposición, se sigue el modelo propuesto en BUGUEÑO
MIRANDA (2014).
La primera clase de diccionarios a exponerse es la clase “diccionario
ortográfico”. Cabe destacar en relación a este nivel de organización de la lengua la
afirmación de DURÃO (1999, p. 88), quien señala que “la progresión comunicativa del
alumno no siempre coincide con dicha progresión en la expresión escrita”, incluso
considerando que no cabe duda sobre la extrema correspondencia entre fonema y letra
que caracteriza al español. En lo referente a doctrina ortográfica, es de público
conocimiento la labor de orientación que ejerce en este ámbito la Real Academia
Española (RAE), tanto a través de la ORTOGRAFÍA (2010), como a través de DPD
(2005). No obstante lo anterior, las obras disponibles para este ámbito de la lengua no
siempre convergen en lo que se refiere a una doctrina ortográfica. Las razones varían
desde el apego a normas ortográficas que después la RAE altera o modifica hasta la
adopción de decisiones que no parecen seguir siempre un padrón con alguna
fundamentación que se pueda reconocer. A continuación se ofrecen dos ejemplos.
acedia v. acedía f. (…)
acoitar tr. desus. acuitar (…)
acornar tr. acornear (…)
cablote m. Hond. caulote (…)
crocodilo m.p.us. cocodrilo
demoniaco v. demoníaco (…)
kiosco m. quisco (…)
kivi tb. quivi 1. kiwi (…)
video tb. vídeo en acps. 1-4 Esp. (…)
DRAE 2014 (s.v.)
coctel cóctel cruasán
demonia co, ca
demonía co, ca mahonesa (...) adj-f (salsa) Que se hace mezclando (...) Como substantivo, la Real Academia Española prefiere la forma mayonesa. DELEB (2000, s.v.)
3 Diccionarios ordenados por el significante
DRAE (2014) orienta al usuario basado en múltiples criterios, tales como el
diacrónico (acoitar / acuitar), el diatópico (cablote / caulote), de frecuencia (crocodilo /
cocodrilo), y el diaintegrativo (kiosco / quisco), optando por establecer formas
preferenciales (type) frente a no preferenciales (token)43
, como s.v. acedia, en que se
remite a la forma preferencial acuitar, o aceptando dos formas preferenciales (video ,
vídeo). En DELEB (2000), por otro lado, es posible constatar dos errores graves de
43
Para os conceitos de type e token cf. BUGUEÑO MIRANDA (2007).
97
orientación. En primer lugar, y como comentado ya en la nota 6, el español presenta
cierta tendencia a realizar encuentros vocálicos como diptongos o hiato. En este caso,
las formas demoniaco y demoníaco son legítimas, pero en el caso de la variante con
hiato, DELEB (2000, s.v.) no marca la separación silábica correspondiente. En relación
a mahonesa (s.v.), y no obstante que en un post comentario de forma se indica que la
forma preferencial para la RAE es mayonesa, se insiste en la lematización de una forma
no preferencial (mahonesa). Con esto se está orientando al usuario, estudiante brasileño
de español, que ésta es la forma type, cosa que DELEB (2000) se encarga de demostrar
que no es. Para este ámbito, y considerando lo expuesto ad supra, es aconsejable seguir
la doctrina de orientación ortográfica que emana de las obras de la RAE.
Por falta de espacio, no será posible presentar y evaluar otras clases de
diccionarios organizados por el significante. Baste aquí señalar las clases y algunos de
sus exponentes: diccionario de fonética (DFonDescr, 2007), diccionario de la rima
(DSinIdAfRima, 1994), diccionario inverso (DInv, 1987; DInvAula, 1987). En relación
al diccionario de fonética, tanto el alto grado de correspondencia entre fonema y letra,
como se comentó ya, como el hecho de poseer el sistema fonológico del portugués un
inventario más variado que el del español tornan el cálculo del respaldo fónico del
español una competencia de adquisición no compleja para el estudiante brasileño44
. En
lo que se refiere al diccionario de la rima, es evidente que su utilidad para efectos
prácticos en la enseñanza del español es muy limitada. En una situación un poco
diferente se encuentran DInv (1987) y DInvAula (1987). Las informaciones que esta
clase de diccionarios ofrecen son extremadamente útiles al momento de diseñar
materiales didácticos. Al haber una alta correspondencia genética y tipológica entre las
lenguas española y portuguesa, las fórmulas canónicas en posición final absoluta no
constituyen un problema prioritario. La situación cambia, sin embargo, cuando el
aprendiz de ELE es hablante nativo, por ejemplo, de lenguas de la familia eslava o fino-
hungárica.
En relación al discurso repetido, se ofrece el siguiente conjunto de ejemplos:
44
Piénsese, por ejemplo, que la nasalización de las vocales, que constituye un hecho fonológico en
português, es un hecho alofónico en español. En relación a la interdental, fricativa, sorda, oral /θ/,
recordamos que no se trata de un hecho fonológico general del español. DURÃO (1999, p. 101-108), sin
embargo, presenta un conjunto de fenómenos de interferencias que adscribe AL ámbito de ló fonológico.
Sin embargo, creemos que La consulta de um diccionario puede perfectamente subsanarlos, pues a través
de la representación escrita, el estudiante puede calcular el respaldo fonológico.
98
laurel descansar/dormir(se) u.p. en/sobre los laureles (f.) Abandonarse, cejar después de haber logrado algún triunfo o éxito: «Cuando era joven escribía casi un libro todos los años; ahora parece que se ha dormido sobre los laureles y se contenta con algún que otro artículo ». DFrasEM (2004)
3215 disputas
dares y tomares dimes y diretes disputas 1: disposición frente a la disputa
actitud defensiva 3216 ·dispuesto a defenderse a la defensiva como gato panza (o: boca) arriba estar (o: ponerse) en guardia estar en la brecha 3217 ·disponerse a reñir Cortarse las uñas con alguien
Dfrhechas (2011)
4 Diccionarios de discurso repetido I
empujón ♦ brusco60, contundente, decisivo,
definitivo, económico, final, financiero, fuerte,
importante, inicial, ligero, necesario, pequeño, súbito,
violento ♦ aguantar dar228, esquivar, necesitar,
pegar15, propinar, recibir, resistir, sufrir Véase
también: golpe (de), impulso.
Hasta los huesos loc.adv. Se combina con…
A VERBOS QUE DENOTAN LA ACCIÓN O EL PROCESO DE
MOJARSE: 1 calar(se) + +: Cuando llegó a la meta,
calado hasta los huesos, fue explícito tratando de abrirse
paso en busca del autobús de Banesto, eme050796 2
mojar-se(se) +: … la multitud que se mojó hasta los
huesos para quedarse a revolotear el poncho con ella no
se puede anotar como una derrota…cla140199 3
empapar(se):…los únicos que se empaparon hasta los
huesos fueron quienes habían pagado las entradas más
caras…eme 070796 4 enfangar-(se) -: Lo hacían
enfangados hasta los huesos en costas habitadas por
cerca de 400.000 personas…epe301299
B OTROS VERBOS; POSIBLES USOS
ESTILÍSTICOS: …pero aún así nos conmovimos hasta
los huesos con el llanto de Anthony
Hopkins…eme240594; … hace que un país esquilmado
hasta los huesos rumie una rabia sorda e impotente…
eme180394
Véase también: hasta el cuello, hasta el tuétano,
hasta las cejas.
DCEC (2004, s.v.)
ABSTENER. v. a) Refrenar, tener á raya (trans.) (muy
raro). «Enfrene su lengua de toda parlería, y abstenga
sus ojos de mirar á todas partes.» Gran. Guía, 2. 15, § 2
(R. 6. 1441). (…) b) Refl. Mantenerse á distancia de
alguna cosa, no tocarla ó probarla; negarse uno la
ejecución, goce ó disfrute de algo que está á su alcance
ó arbitrio. (En esta forma es muy usual.) «Nos privamos
de lo propio; nos abstenemos de lo que está á nuestros
alcances. El buen padre se abstiene de ir al teatro por
asistir á su hijo enfermo; (…) » Mora, Sinón. p. 4. — a)
Con de y un infin. «No tengo sufrimiento para me
abstener de adorar tan alta empresa.» Celest. 6 (R. 3.
311). (…) b) Con de y un nombre. «Aquel gran sabio
Salomón --- determinó abstenerse del vino, por
entregarse del todo al estudio de la sabiduría.» Gran.
Orac. y consid. 3. 2. 1, § 5 (R. 8. 1822). (…) g) Absol. «Los
temerosos como los amorosos honran á Dios,
allegándose por amor, y absteniéndose por temor.»
Gran. Sermón contra escándalos, § 6 (R. 11. 53 (…) Etim.
Port. abster, ant. abstener; cat., mall. abstenir; val.
abstindre; prov. abstener, abstenir, estener; fr.
s'abstenir; ital. astenersi: del lat. abstinere, comp. de
abs, lo mismo que ab, que expresa separación, y tenere,
tener. En el lugar de Herrera citado arriba dicen las
ediciones astiene; acaso se omitiría la b como en
italiano. V. ABSOLVER. Conjug. La misma que tener:
abstengo, abstienes, abstiene, abstenemos, abstenéis,
abstienen; abstení-a, as etc.; abstuv-e, iste etc.;
abstendr-é, ás etc.; abstendría, as etc.; absteng-a, as
etc.; abstuvies-e, es etc.; abstuvier-a, as etc.; abstuvier-
e, es etc.; abstente, absteneos; absteniendo; abstenido.
DCR (1872-1994)
5 Diccionarios de discurso repetido II
En relación al discurso repetido, tanto DFrasEM (2004) como
Dfrhechas (2011) lematizan aquellas unidades pluriverbales que normalmente reciben el
99
nombre de oraciones o frases. La diferencia fundamental entre las dos obras es la
perspectiva del acto de comunicación. DFrasEM (2004) está concebido desde la
perspectiva semasiológica, es decir, de recepción. Dfrhechas (2011), por el contrario,
está concebido para satisfacer la perspectiva onomasiológica, es decir, de producción.
En otras palabras, el primer diccionario está para que el estudiante lo consulte cuando
no entienda una frase hecha del español; el segundo, cuando necesite expresarse en
español y necesite usar para ello también una frase hecha. Esto es lo que SVENSÉN
(2009, p. 197) llama de “aceso semasiológico” [ingl. semasiological access] y “acceso
onomasiológico” [onomasiological access], respectivamente. (para la relación solidaria
entre semasiologia y onomasiologia y su proyección sobre la lexicografía,
particularmente sobre el comentario semántico, cf. BUGUEÑO MIRANDA, 2009a, p.
248-251; también BUGUEÑO MIRANDA, 2014)).
Otra forma de discurso repetido la representa DCR (1872-1994), que se titula a
sí mismo de “diccionario de construcción y régimen”. Sobre esta obra cabe hacer las
siguientes ponderaciones. No pasa desapercibido el hecho de haberse extendido su
redacción por más de cien años. Esto tiene una repercusión directa sobre el ámbito que
se pretende describir, que no es otro que el régimen preposicional. Como es de público
conocimiento, el régimen preposicional en el español contemporáneo es un fenómeno
en un estado acelerado de cambio, de modo que la orientación que se ofrezca en este
sentido no siempre corresponderá a un hecho de norma real. Cada artículo está dotado
de una aparato crítico de alto provecho, capaz de informar sobre la frecuencia de uso
(“muy raro”), de padrones sintáctico (“abstener + de + infinitivo”) y, naturalmente,
sobre las opciones de construcción del verbo con preposiciones. La parte final del
artículo está reservada a un comentario etimológico. Sin duda alguna que las mayores
dificultades que un estudiante tiene al consultar DCR (1872-1994) son la extensión y
densidad de las informaciones, así como su capacidad para decodificar e interpretar los
diversos segmentos informativos que componen cada artículo.
En una situación un tanto diferente se encuentra DCEC (2004, s.v.). Se trata de
un diccionario “tres en uno”, ya que describe padrones colocacionales, regímenes
preposicionales y el potencial combinatorio de las palabras. En relación al primer
aspecto, cabe señalar que el español no cuenta todavía con un diccionario de
colocaciones45
. Las indicaciones sobre regímenes preposicionales, por otro lado,
45
Si bien no fue diseñado ex professo con este objetivo, DUE (1998) ofrece de manera asistemática
algunos padrones colocacionales. Por otro lado, DiCE (2010) aspira a llenar este sensible vacío. Sin
100
obedecen a los padrones de la norma real del español. Es necesario, sin embargo, no
perder de vista lo comentado sobre este tema en el párrafo anterior. Finalmente, el
aspecto más innovador de DCEC (2004, s.v.) son las informaciones referentes a los
padrones combinatorios de las palabras. No obstante el esfuerzo que se despliega en el
extenso prólogo para explicar qué se debe entender por “combinatoria léxica”, no
resultan del todo claro las explicaciones dadas. Además de las colocaciones (en relación
a las cuales se hace un esfuerzo enorme por distinguirlas de las combinaciones léxicas,
aunque las explicaciones no resulten del todo convincentes), un análisis de varios
artículos hace pensar que se trataron también padrones coligacionales46
. S.v. empujón,
por ejemplo, aparecen todos los colocados posibles, distinguidos por categoría
morfológica (N + adj: empujón brusco, empujón contundente, V + N: aguantar un
empujón, dar un empujón.). S.v. hasta los huesos, por otra parte, se explicita el
contenido del verbo que se construye con la locución adverbial (calarse hasta los
huesos). Al final del artículo (apartado B), se habla de “posibles usos estilísticos”,
citándose como ejemplo, “(…) nos conmovimos hasta los huesos”. En estos casos, el
ejemplo parece corresponder más a un padrón coligacional (para un análisis más
detallado cf. BUGUEÑO MIRANDA, 2013b, p. 201-201). Su utilidad para el
estudiante de ELE es evidente e inmediata. Dos observaciones críticas son necesarias,
sin embargo: por un lado no cabe duda que DCEC (2004) requiere, parcialmente, de un
uso más intenso de sistemas semióticos alternativos para que el usuario pueda percibir
mejor las variados tipos de información que cada artículo suministra; por otro lado, el
prólogo requiere de una intensa simplificación. Sólo de esta forma su consulta se
convertirá en la heurística necesaria para interpretar las informaciones; finalmente, es
necesario también que se entrene a los estudiantes para aprender a consultar
diccionarios.
Sin ligar a dudas, cuando se piensa prototípicamente en “diccionario”, se piensa
fundamentalmente en diccionarios de orientación semasiológica, esto es, diccionarios
embargo, y según consta en la página respectiva en internet, hasta ahora solo el campo semántico de los
nombres de sentimiento está publicado. 46
La discusión sobre lo que son coligaciones es relativamente reciente em lexicologia y lexicografia. Las
coligaciones son las relaciones gramaticales y léxicas que se establecen entre las palabras. Estas abarcan
desde los objetos directos, indirectos y algunos casos de incrustación obligatoria de circunstantes (cf.
LEGALLOIS (2012) para esta concepción de coligación) hasta las palabras con las que otras palabras
acostumbran a aparecer juntas, como por ejemplo, maracujá, asociado con suco en portugués, en cuanto
que el equivalente passion fruit, que en inglés se asocia con tea (cf. BERGEROVÁ, 2013, p. 15-16) para
esta vertiente de investigación).
101
que ofrecen definiciones47
. Tal como se explica en BUGUEÑO MIRANDA (2013), es
conveniente distinguir entre una lexicografía oficial (léase, oriunda de la RAE) y otra no
oficial, a cargo de la iniciativa editorial privada. Esta distinción se basa en los objetivos
con los que se concibe un diccionario. Tarea del DRAE en sus diversas ediciones es
ofrecer una imagen del vocabulario que se considera consagrado en español. En este
sentido DRAE cumple el papel de un cartório, como se diría en portugués. La tarea de
esta notaría lingüística es registrar ortografía, significado e imputación diatópica. En
otros ámbitos, tales como la sintaxis, DRAE ofrece escasas informaciones. La
lexicografía no oficial, por otra parte, además de los ámbitos antes citados, le ofrece al
potencial usuario una riqueza mayor en dimensiones como la sintaxis y la combinación
de las palabras.
exhaustivos: DHist (1960 - )
dic. diasistémicamente lex. oficial: DRAEe (2014)
inclusivos
α exhaustivos DUEAEe (2004)
lex. no oficial Gr.DVoxe (2004)
DEA (1999)
6 Diccionarios desde la perspectiva semasiológica
El único diccionario hispánico que pretende reflejar todo el léxico de la lengua
es el DHIst (1960 - ), obra de larguísimo aliento y de conclusión todavía incierta. En
todos los demás casos se habla de diccionarios α exhaustivos, o sea, diccionarios que
limitan el número de ejes y/o la extensión de cada uno de ellos. Como se expuso ya ad
supra, la distinción entre lexicografía oficial y no oficial se torna fundamental para el
análisis.
47
En tradiciones lexicográficas como la inglesa o la alemana se habla de defining dictionary y de
Definitionswörterbuch, respectivamente. Lamentablemente, en la terminologia metalexicográfica
hispânica no se cuenta com uma designación análoga.
102
En relación a DRAEe (2014)48
y como comentado ya, se trata de un diccionario
que orienta ofreciendo la representación ortográfica que se juzga canónica, así como el
conjunto significaciones atinentes a un dado signo lingüístico. Es fundamental tener en
cuenta que el aggiornamento del DRAE, en sus diversas ediciones y no obstante los
recursos computacionales de que se dispone hoy, es bastante lento. Esto significa decir
que es necesario trabajar complementariamente entre DRAE y CREA y CORPES XXI,
éstos últimos son los dos corpus del español contemporáneo. Salvo aquellas palabras
ampliamente conocidas, la lematización de muchas formas así como las respectivas
imputaciones diatópicas mueven muchas veces a duda. Ello no se debe al descuido o
inercia de la Academia, sino que a la difícil transición entre el “peso” de la tradición de
DRAE y la evidencia empírica numerosísima que sirve confirmación o refutación a las
afirmaciones del diccionario49
. De esta forma, la consulta al DEAEe (2014) siempre
debe hacerse concomitantemente con la confirmación de los datos en CREA y CORPES
XXI.
En lo tocante a la lexicografía no oficial50
, cabe mencionar DUEAEe (2004), ya
que se reara de un diccionario que se declara abierto a la variedad diatópica. No está
demás mencionar que la lematización de americanismos sigue constituyendo un arduo
problema, tanto para la dialectología como para la lexicografía. Todavía hoy las
palabras de LIPSKY (2005, p. 33) sin válidas cuando afirma que “casi todos los
diccionarios y glosarios regionales contienen palabras consideradas únicas y
pintorescas”. Esta afirmación, que se refiere fundamentalmente a los diccionarios y
glosarios de argentinismos, chilenismos, paraguayismos, peruanismos51
, etc., se aplica
también a las obras α exhaustivas, incluyendo las comentadas aquí. De esta forma, la
sola mención de la inclusión de unidades léxicas del español en América no constituye
a priori un rasgo necesariamente cualitativo de una dada obra lexicográfica, sino que se
está profiriendo una declaración de buenas intenciones en lo que se refiere a la inclusión
48
En los casos em que se cita La version electrónica de un diccionario, al final de la sigla se acrecienta
una e. 49
Tanto la lematización como los diferentes segmentos informativos en un diccionario constituyen
afirmaciones sobre un hecho de lengua. Por ejemplo, DREAe (2014, s.v.) lematiza chácara como variante
de chacra (“extensión de tierra cultivada”). Sin embargo, ninguna de las cuatro ocurrencias disponibles
en CREA o en CORPES XXI, que ni siquiera reconoce la forma, confirman esa afirmación. En el plano
microestructural, por otra parte, la indicación ortográfica, la valencia o la propia definición son también
todas afirmaciones que equivalen a decir “La palabra x se escribe así, se comporta sintácticamente de tal
manera o significa y”. 50 En razón de la limitación de espacio, no se tratará Gr.DVoxe (2004). Esta obra parece corresponder al
mismo diseño de DUEAEe (2004). 51
Notables excepciones en este panorama lo constituyen el DECh (1984-1987) y los diccionarios que se
redactaron al alero del denominado “Proyecto de Augsburgo”, que, lamentablemente, quedó inconcluso.
103
del léxico del español en sus variedades extra peninsulares. Además de la atención que
se le presta al léxico diatópicamente diferenciado, un rasgo sobresaliente de DUEAEe
(2004) es un pci más rico que aquel presente en DRAE (2015), como lo demuestra el
ejemplo siguiente: baldío, -día
adjetivo | nombre masculino
1 [terreno] Que no se cultiva ni se labra: ej la orden de 1767 de repartir los territorios baldíos favoreció a los
labradores más poderosos; subió a la explanada, rala como un baldío. sin: erial.
adjetivo
2 [esfuerzo, empeño] Que resulta inútil porque no ofrece ningún resultado: ej todo esfuerzo se había demostrado al
final baldío.
adjetivo | nombre masculino
3 RPlata, Colomb, Guat, Méx [terreno, solar] Que está sin edificar en zonas urbanas o suburbanas y que
generalmente está abandonado: ej en la esquina de mi casa hay un terreno baldío; unos cuantos baldíos de la zona
fueron expropiados como consecuencia de las inversiones de empresas constructoras para levantar modernos
edificios.
7 Diccionario α exhaustivo: DUEAEe (2004)
En primer lugar, cabe destacar el énfasis que se da a los casos de alternancia de
clase morfológica posibles para esta unidad léxica, y lo que es más importante, a la
ejemplificación ofrecida (por ejemplo, la ac. 1 y la posibilidad de realización der baldío
como substantivo o adjetivo). En segundo lugar, es un mérito que DUEAEe (2004)
ofrezca las restricciones de atribución, esto es, con qué unidades léxicas nominales el
adjetivo baldío se puede construir. En el caso de esfuerzo / empeño baldío, hay dos
hechos que destacar. Por un lado, la combinación empeño baldío no pudo ser
documentada en el CREA, lo que puede llevar a equívocos de norma; por el otro, la
combinación esfuerzo baldío parece corresponder a una colocación, aunque nos falta
evidencia empírica para validar esta hipótesis. Finalmente, se podrá observar que hay
una clara acepción diferencial entre el uso peninsular (ac.1) y las imputaciones para el
Río de la Plata, Colombia, Guatemala y México (ac. 3).
Para el final de esta sección ha quedado un diccionario especialmente útil para el
hispanista brasileño in spe. DEA (1999) le brinda una importancia fundamental a la
sintaxis, un rasgo estructural básico de la competencia (o falta de ella) del español como
lengua extranjera. Una muestra:
dar I v (conjug 7) A tr a normal 1
Hacer que [alguien o algo (ci)] pase
a tener [algo (cd)] o a disponer [de
ello (cd)] | Delibes Príncipe 19:
Tengo mucha tela que cortar; déme
la leche y luego el Santines que me
suba esto. Zunzunegui Camino 448:
Dame una toquilla, que tengo frío
(…) b) ser dado. Ser permitido. |
PRivera Discuro 10: En ninguna
104
circunstancia es dado pararse (…)
c) de comer [a alguien].
Proporcionar[le] alimento, a veces
acercándoselo a los labios (…). d)
de comer aparte → comer.
2 Repartir [las cartas] Más frec.
abs (…). 3… 62
II loc adv 63 para y tomar
(col) En gran abundancia (…).
8 Diccionario α exhaustivo: DEA (1999)
Hay dos hechos que es fundamental destacar. En primer lugar, DEA (1999) es
un diccionario que refleja exclusivamente los usos del español contemporáneo. En
segundo lugar, la variedad del español corresponde también rigurosamente al español
peninsular. A propósito de los niveles de organización de la lengua tratados ad supra,
cabe señalar que el nivel sintáctico es uno de los que sufre menos variación, de modo
que la sintopía no constituye un problema
Ya en BUGUEÑO MIRANDA (2013b, p. 200-201) se destaca que concita la
atención del usuario el esfuerzo consciente de este diccionario por ofrecer de forma
exhaustiva las informaciones referentes a los actantes que se activan con el verbo dar.
Además de la ya tradicional abreviatura tr, que poco o nada revela sobre cómo se
comportan sintácticamente éste y muchos otros verbos, hay una marca de uso (normal),
que constituye otro hecho de nota, y que debe evaluarse e interpretarse a la luz de las
informaciones que vienen a continuación. En primer lugar, la propia paráfrasis
explanatoria de la acepción 1, por medio de la inserción de los indicadotes estructurales
“[a alguien (ci)]” y “[algo (cd)]” y seguida del ejemplo previsto en el programa
constante de informaciones52
(“deme la leche”), es una instrucción para el usuario que
se podría formular de la siguiente manera: “El verbo dar se suele usar normalmente en
español tanto con objeto directo (o acusativo) como con objeto indirecto (o dativo)”. En
la acepción 2, por otra parte, la marca de uso (“más frec. abs.”) está indicando que con
esta significación es posible elidir el objeto directo (= estado absoluto).
facultativo, va. adj. Perteneciente a una facultad. Se dice del acto que libremente se puede hacer u
omitir. Médico o cirujano.
facha. f. Aspecto, traza fam. Mamarracho.
facultar. tr. Conceder facultades para hacer
algo. Autorizar.
facundia. f. Facilidad de palabra.
facundo, da. adj. Que tiene facundia.
faena. f. Trabajo corporal o mental.
52
“Programa constante de informaciones” es el total de segmentos informativos definidos para la
microestructura abstracta de una determinada categoría morfológica (cf. BUGUEÑO MIRANDA;
FARIAS, 2011).
105
faena. f. Trabajo corporal. fig. Trabajo mental
Quehacerú.m.en pl. (faenas rurales) fig. Servicio que se hace a una persona.
DEscBill (1995)
faenar. tr. Matar y carnear reses.
DEscAt (2007)
9 Diccionario escolar
Una clase recurrente en la consulta de diccionarios es el diccionario escolar. Su
aparente simplicidad parece constituir un sinónimo de consulta eficiente para el usuario
aprendiz de ELE. Es necesario, sin embargo, señalar que la mayoría de estos
diccionarios presenta fallas análogas a las de muchas otras obras lexicográficas, sobre
todo, en segmentos de la microestructura. Así, por ejemplo, en DEscBill (1985, s.v.
facultativo), la primera acepción (“perteneciente a la facultad”) es la menos frecuente.
En la tercera, por otra parte, se incurre en un vicio extendido en la práctica
lexcicográfica, que no es otro que el uso de un elemento disyuntivo (“médico o
cirujano”), que obliga al usuario a tomar un decisión basada en el implícito de que
ambas expresiones serían intensionalmente equivalentes, cuando, de facto, no lo son.
Una situación similar acontece en la segunda acepción, solo que en este caso la
diferencia entre las opciones propuestas es diafásica. Un segundo aspecto a ser
destacado es la circularidad de las paráfrasis explanatorias, como en DescAt (2007 s.v.
facundo). El usuario, motu proprio, debe ejecutar una operación medioestructural para
interpretar la paráfrasis (“que tiene facundia”), ya que facundia constituye el artículo
anterior. En tradiciones lexicográficas más desarrolladas que la hispánica, para los casos
en que un elemento de una paráfrasis pueda resultar poco claro, se indica por medio de
un indicador no estructural (una flecha, por ejemplo) que el usuario deberá procurar esa
unidad léxica en otro punto del diccionario. En función de lo expuesto, el uso de
diccionarios escolares es recomendable con reservas.
A diferencia de lo que acontece en Brasil, la lengua española tiene una relación
mucho menos compleja con el uso de extranjerismos. Las dudas a este respecto se
pueden subsanar as través de la consulta de DPD (2005). Tal vez sea por ello que la
presencia de diccionarios de extranjerismos sea discreta en la lexicografía hispánica.
Sólo para fines de ilustración, se ofrece un ejemplo de Dangl (1997):
frame [fréim]
m, tel Imagen completa formada por dos semiimágenes o campos explorados por
106
separado. Sin: cuadro.
Pero muchos otros no consiguen tolerarle un solo
«frame», [El Mundo 8-11-92, 77].
Dentro de la filosofía del programa -«tratamos de cada frame como un cuadro con
una importancia absoluta al sonido, que es el auténtico protagonista», según Collazo-,
Metrópolis emite en agosto tres programas que acogen a 27 artistas [Telepaís, 1-8-93,
6].
franela f, text, frec Tejido fino de lana o algodón cardado.
Etim: francés franelle, id < ingl. flannel, id.
10 Diccionario de extranjerismos
No es posible no trazar una correlación entre diccionarios de lengua española y
la orientación en el uso de la lengua, sobre todo cuando el diccionario constituye una
heurística en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Con una cuidadosa transposición y
extensión de los términos, la normatividad forma parte del ethos del diccionario. En el
apartado 3 (“Cómo se organiza una lengua”) nos hemos referido a este aspecto,
asumiendo la distinción entre norma real e norma ideal53
. Esa distinción se puede
proyectar perfectamente sobre la lexicografía hispánica. Un ejemplo de diccionario de
norma real es DEspMod (1979), que no será analizado aquí no obstante su mérito. En
el ámbito de los diccionarios de norma ideal, DUE (1998), es, sin lugar a dudas, su
mejor exponente. He aquí un ejemplo:
costumbre (…) («Adoptar,
Adquirir, Coger, Contraer,
Tomar; Pegarse; Tener c., Tener
la c. de, Tener por costumbre;
(…)»; expresiones de costumbre
se forman con «a» ´a la
española´). Práctica repetida
regularmente de una acción (…)
Particularmente, práctica de
esa clase, tradicional en un
pueblo o región: ´Costumbres
montañesas´(…).
pararrayo o pararrayos (…).
permanecer (…) Estar en un
sitio durante cierto tiempo (…)
Estar todavía de cierta
manera: ´La situación permanece
indecisa´(V.: «*Conservarse,
*durar, *estabilizarse,
*estacionarse, ficar, (…) Día y
noche (…), seguido, *siempre
*Arraigado, asentado, (…)
Asiento, *estación, estada, (…),
53
Para una discusión más detallada sobre la normatividad en, cf. BUGUEÑO MIRANDA (2013a, p. 31-
32).
107
estancia, (…) *Durar, *estar,
*quedar, *Seguir» (…).
rebuscar (tr. o absol.) *Buscar
minuciosa o escrupulosamente:
´Está rebuscando datos para
escribir la historia de…(…)
Rebusca hasta que encuentra lo
más barato´. Buscar y
*recoger ciertas cosas:
´Rebuscar las cetas´ (…).
11 Diccionario de norma ideal: DUE (1998)
La orientación normativa se puede observar, por ejemplo, en la lematización
doble de pararrayo / pararrayos, con lo que se informa al usuario que ambas formas
son igualmente apropiadas. Afirmar, sin embargo, que DUE (1998) es nada más que un
diccionario de norma ideal es restarle mérito. También es, al mismo tiempo, un
diccionario de norma real, pero entendiendo norma real no sólo como una descripción
del español, sino que también como una descripción de cómo las palabras se combinan
en la lengua. Después de lema costumbre, se notará que se ofrece una serie de verbos
(adoptar, adquirir, coger, contraer, tomar), que son palabras con las que costumbre
suele construirse. De manera intuitiva, sin duda alguna, lo que DUE (1998) ofrece son
los padrones colocacionales que se construyen con la base costumbre. Es necesario
recordar que este segmento informativo se encontraba ya en la edición 1966-1967 de
DUE, de modo que no es arriesgado afirmar que este diccionario se adelantó
precozmente a la discusión sobre el tema y todavía más al tratamiento lexicográfico de
este fenómeno54
. En este mismo sentido, y sólo comparable a DEA (1999), DUE (1988)
es de los pocos diccionarios de lengua española que explicita las posibilidades de
explicitación o elisión del complemento directo, como se puede apreciar s.v. rebuscar,
en que después del lema figura la siguiente indicación: “tr. o abs.”, que no significa otra
cosa que afirmar que en este verbo se puede explicitar o eliminar su objeto directo.
Informaciones así son esenciales para el aprendiz brasileño de español, ya que en este
ámbito, así como en otros, y no obstante la indudable filiación genética, tipológicamente
hay claras situaciones de divergencia entre las lenguas. Finalmente, DUE (1998)
pretende también servir como un diccionario onomasiológico. Es necesario precisar, sin
embargo, que esta función quedó ostensiblemente reducida en la segunda edición
(1998), cuando se eliminó el principio del cono léxico, que era el principio ontológico
54
Cf. nota 23 del presente trabajo.
108
por el que se ordenaba el léxico. La razón para ello era la complejidad de entender su
organización. DUE (1998) mantuvo un segmento informativo llamado “catálogo de
voces”, que va precedido del símbolo , y cuya función es ofrecer un conjunto de
opciones analógicas para el contenido sémico que se expresa por medio de la paráfrasis,
como s.v. permanecer. No se puede soslayar el hecho de que el estudiante de ELE
carece de un diccionario que lo auxilie en sus tareas de producción textual y que esté
mínimamente a la altura de LLA (1996)55
, de modo que DUE (1998) suple esta
carencia, aunque su potencial usuario –es pertinente reconocerlo- requiera tanto de una
competencia lingüística como metalingüística ya desarrollada.
Para el final ha quedado uno de los temas más polémicos de la lingüística
hispánica, que no es otro que el de los americanismos56
. Citamos tres ejemplos:
gambuso, -a
I.1. adj. ES Referido a
persona, listo.
game (Voz inglesa)
I.1. Mx, CR, Pe, Bo, Ar, En
tenis, cada una de las partes en
que se divide un set. ► estar en
el ~
gamela I.1. f Pe, Ch Balde, artesa,
palangana.
gamelotal I.1. Ve terreno plantado de
gamelote.
gamelote I.1. Ve guinea, pasto. ►
hablar ~ DAm (2010)
cantero m Lugar delimitado
en un parque o jardín y dispuesto
con un fin decorativo para el
cultivo de flores y plantas
pequeñas [E: cuadro]
cantidad: cualquier ~ a) coloq Gran cantidad »de algo«
[E, Arg: un montón]. b) coloq
Mucho [E,Arg: un montón]
cantina f OBS 1. Bar,
generalm. en un establecimiento
de enseñanza o en club
deportivo, en el que se pueden
comprar y consumir bebidas
ligeras 2. Restaurante de estilo
italiano.
OBS: En E, con la primera
acepción, menos frecuente.
nDArg (1993)
ensalada chilena nf Ch =
ensalada de tomate y cebolla
tomato and onion salad
ensopar vt = empapar
||…sentado en un banquillo en el
centro del patio ensopado por el
chaparrón (H.Hediger, 1977:
245-246)
to drench
entierrar vt fam Ch = ensuciar
(zapatos) ||… los zapatos
nuevos…Cuidado con
entierrarlos (v. Urbistondo, Ch,
287)
to dirty (shoes)
brDAm (1999)
11 Diccionarios de americanismos
Los tres ejemplos presentados ad supra reflejan tres tendencias que se pueden
observar en esta clase de diccionarios. En primer lugar, DAm (2010) constituye un
esfuerzo de la Asociación de Academias de la Lengua Española por ofrecer un registro
de las variedades léxicas en el continente americano. Sin embargo, y recordando las
palabras de LIPSKY (2005) a propósito del tratamiento de los americanismos en los
diccionarios disistémicamente inclusivos, DAm (2010) también incurre en la tendencia
55
Para un análisis de la “familia” Language Activator, cf. LUNKES (2014). 56
Sobre el estado de la cuestión, además de LIPSKY (2005), cf. También FRAGA GARCÍA; FRANCO
FIGUEROA (2003).
109
de incluir unidades léxicas exóticas o de escasas frecuencia. Tal es el caso de gamela.
Una consulta al CREA no reveló ninguna documentación y en lo tocante al CORPES
XXI, sólo se encontraron tres documentaciones: una imputación de uso en Chile y dos
en España. No hay registro alguno para el Perú. De esta forma, y como ya se mencionó
en otro lugar, cada imputación de uso requiere siempre una comprobación. En una
situación completamente diferente se encuentra nDArg (1993). Esta obra corresponde a
una volumen más del lamentablemente inconcluso Proyecto de Augsburgo, cuyo
objetivo primigenio era la redacción de un diccionario de Americanismos. A lo largo de
la ejecución del proyecto se tornó evidente que tanto el estado de la dialectología
latinoamericana como de la teoría metalexicográfica aplicada a diccionarios diatópicos
no permitirían que se pudiera concluir un diccionario con el objetivo propuesto. Por
ello, se decidió que se redactarían diccionarios que circunscribieran el levantamiento
léxico rigurosamente dentro de las fronteras políticas. Además, cada una de las unidades
léxicas sería contrastada con los usos peninsulares. Con ello sería posible ofrecer un
conjunto de datos que permitiría establecer le real extensión de los usos léxicos (lo que
podría evitar la imputación de uso de gamela para el Perú, por ejemplo). Además, los
usos léxicos se podrían cotejar tanto con designaciones análogas dentro del propio
espacio geográfico-político como con España. Así, por ejemplo, en nDArg (1993, s.v.
cantidad: cualquier) se informa que esta expresión cuantificadora de carácter coloquial
posee tanto dentro del territorio argentino como en el territorio peninsular una forma no
marcada: un montón. De esta forma, es posible afirmar que cualquier cantidad se usa
en Argentina (se usa también en Chile), pero no se puede afirmar que sea un
argentinismo. Además, si bien es coloquial, los hablantes de aquel país disponen
también de la forma un montón, que es la misma que se usa en España. Con esto se
evita la falsa asunción de que los usos diferenciales sean exclusivos de uno o más países
y que estén en una relación privativa en relación al español peninsular. De esta forma, la
lexicografía de americanismos incorporó en esta obra una concepción que se aproxima
de la pluridimensionalidad dialectológica. Las diferencias no ocurren sólo
diatópicamente, sino que también diafásico-diastráticamente, así como también
diafrecuentemente (por ejemplo, el pos comentario s.v. cantina, que informa que la
primera ac. se registra también en España, aunque es menos frecuente). Para el final ha
quedado un tercer diccionario de americanismos que, en cierta medida, difiere de los
anteriores, ya que no soslaya su una inclinación a la equivalencia entre lenguas. No
puede afirmarse que brDAm (1999) sea un diccionario bilingüe, aunque la disposición
110
de las informaciones lo asemeja al diccionario bilingüe pasivo. No obstante que esta
obra ha recibido una crítica adversa57
, aporta informaciones útiles, tal como ensalada
chilena, ya que, a lo que parece, la designación está circunscrita al espacio geográfico
de Chile. También es pertinente la lematización de ensopar, frecuente en Chile, por
ejemplo, pero que con bajísima representación en el CORPES XXI.
No obstante que el modelo de BUGUEÑO MIRANDA (2014) prevé la opción
genotípica de diccionarios de orientación onomasiológica, esta clase de diccionarios no
será tratada en este trabajo. El corto espacio todavía disponible para esta comunicación
la complejidad intrínseca del tema aconsejan soslayarlo. Cabe señalar, sin embargo, que
el diseño de un diccionario onomasiológico constituye todavía un desiderátum para la
lexicografía hispánica, no obstante que tales obras existen. La cuestión central es
general una ontología de fácil acceso y comprensión para el usuario, así como redefinir
el conjunto de segmentos informativos para tal obra.
Conclusiones
La ausencia de un espectro de obras especialmente diseñado para el aprendiz
universitario brasileño de español obliga a que se procure por soluciones alternativas. El
análisis presentado a lo largo de la exposición demuestra que la tradición lexicográfica
hispánica cuenta con un espectro variado y rico de obras de referencia. Este espectro
permite acceder a un panorama de la mayoría de los diferentes hechos idiomáticos que
caracterizan al español en todos aquellos niveles del lenguaje que se pueden tratar
lexicográficamente. Indudablemente que hay sensibles vacíos que requieren de una
atención inmediata, y que abarcan desde el diseño de un diccionario de aprendices
realmente eficiente para el estudiante brasileño de ELE, pasando por una tención mayor
al poder de combinatoria de las palabras y no dejando de lado a los diccionarios
onomasiológicos. Un aspecto que aquí se silenció, porque escapaba al tema inmediato
de la exposición, pero que requiere también la máxima atención es la preparación de los
alumnos de Licenciatura en lengua española para saber seleccionar y consultar un
diccionario de acuerdo a sus necesidades. Demás está decir que una formación en
lexicografía de este alumno tendría un poder multiplicador, ya que el alumno de hoy
será el profesor de mañana.
57
Cf., por ejemplo FUENZALIDA (2000).
111
Referências bibliográficas
ANDIÓN HERRERO, Ma. Antonieta; GIL BURMANN, María. Las variedades del
español como parte de la competencia docente: qué debemos saber y enseñar en
ELE/L2 (2013). Em: Actas del I Congreso Internacional de Didáctica de Español
como Lengua Extranjera. Instituto Cervantes de Budapest (2013). p. 47-59.
Budapest: Centro Virtual Cervantes. Disponível em:
http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/publicaciones_centros/PDF/budapest_2
013/06_andion-gil.pdf. Accesado em: 30.12.2015, p. 47-59.
ARMANI, Diógenes (2015). Avaliação do Diccionario Salamanca no ensino -
apredizagem de Espanhol para Estudantes Brasileiros. Trabalho de Conclusão de
Curso, Graduação em Letras Português e Espanhol, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre.
ATKINS, Sue; RUNDELL, Michael (2008). The Oxford Guide to Practical
Lexicography. Oxford: Oxford University Press.
BALDINGER, Kurt (1977). Teoría semántica. Hacia una semántica moderna. Madrid:
Alcalá.
BERGEROVÁ, Hanna (2013). Emotionswortschatz: (lerner)lexikographisch und
korpuslinguistisch. Fallbeispiel: Kollokationen des Typs Verb + Adverb. Em:
BERGEROVÁ, Hanna; SCHMIDT, Marek; SCHUPPENER, Georg (Hrsgn.).
Lexikologie und Lexikographie. Aktuelle Entwicklungen und Herausforderungen. p.
13-34 (Aussiger Beiträge. Germanistische Schriftreihe aus Forschung und Lehre, Band
7). Ústi nad Labem: Tisk´parna L.V. Print.
brDAm (1999). STEEL, Brian. Breve Diccionario Ejemplificado de Americanismos.
Madrid: ArcoLibros.
BUGUEÑO MIRANDA, Félix (2016). A fundamentação da classificação de obras
lexicográficas de uma L2. Em: NADIN, Odair Luiz; ZAVAGLIA, Cláudia (org.).
Estudos do léxico em contextos bilíngues. São Paulo: Mercado das Letras [no prelo].
________ (2014). Da classificação de obras lexicográficas e seus problemas. Proposta
de uma taxonomia. Em: ALFA, v. 58/1, p. 215-231.
________ (2103a). Balanço e perspectivas da lexicografia. Em: Cadernos de
Tradução, v. 32, p. 15-37.
________ (2013b). Tradición y novedad en la lexicografia hispánica. Em: Anuario
Brasileño de Estudios Hispánicos, v.XXIII, p. 193-206. Disponível em:
http://www.mecd.gob.es/brasil/dms/consejerias-exteriores/brasil/2014/publicaciones/
abehxxiii .pdf. Accesado em: 09.01.2016.
________; REOLON JARDIM, Carolina (2010). Os learner´s dictionaries do inglês e os
Lernwoerterbuecher do alemão: uma simples transposição de nomes?. Em:
Contingentia, v. 5, p. 41-67.
112
________ (2009a). Para uma taxonomia de paráfrases explanatórias. Em: ALFA, v.
53/1, p. 243-260.
________ (2009b). Sobre a microestrutura em dicionários semasiológicos do alemão.
Em: Contingentia, v. 4, p. 60-72.
________ (2008). Panorama da lexicografia alemã. Em: Contingentia, v. 3, p. 89-110.
________ (2007). O que é macroestrutura no dicionário de lingua?. Em: ISQUERDO,
Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria. (Org.). As ciências do Léxico: Lexicologia,
lexicografia e terminologia, p. 261-272. São Paulo: Humanitas, v. III.
________ (2004). La etimología en el diccionario de la lengua. Em: Revista Letras, v.
64, p. 173-188.
CORPES XXI. Corpus del Español del Siglo XXI. Disponível em:
http://web.frl.es/CORPES/view/inicioExterno.view;jsessionid=620ED20003CCE7F710
5B462474388D9B Accesado em: 18.01.2016.
COSERIU, Eugenio (1992). Einführung in die Allgemeine Sprachwissenschaft.
Freiburg: Francke.
CREA. Real Academia Española. Corpus de Referencia del Español Actual.
Disponível em: http://corpus.rae.es/creanet.html Accesado em: 18.01.2016.
DAm (2010). Asociación de Academias de la Lengua española. Diccionario de
Americanismos. Madrid: Santillana.
DAtEsp (1992). Diccionario El Ateneo de La Lengua Española. Buenos Aires: El
Ateneo.
DCEC (2004). BOSQUE, I. Redes. Diccionario Combinatorio del Español
Contemporáneo. Madrid: SM.
DCR (1972-1994). CUERVO, Rufino José. Diccionario de Construcción y Régimen
de la Lengua Castellana. Herder: Barcelona (cd-rom: ed. 1.00).
DEA (1999). SECO, Manuel; ANDRÉS, Olimpia; RAMOS, Gabino. Diccionario del
Español Actual. Madrid: Aguilar.
DECh (1984-1987). MORALES PETTORINO, Félix; QUIROZ, Óscar; PEÑA
ÁLVAREZ, Juan. Diccionario Ejemplificado del Español de Chile. Valparaíso:
Academia superior de Ciencias Pedagógicas.
DEscAt (2007). Diccionario Escolar El Ateneo. Buenos Aires: El Ateneo.
DEscBill (1995). Diccionario Escolar Billiken. Buenos Aires: Billiken.
DEspMod (1979). ALONSO, M. Diccionario del español moderno. Madrid: Aguilar.
DIlEsp (2003). Diccionario ilustrado de La Lengua Española. Santiago: Zig-Zag.
DFonDescr (2007). GUTIÉRREZ, Mariano de Andrés. Diccionario fonético de la
lengua espanola. Madrid: Fundación Universitaria española.
113
Dfrhechas (2011). RODRÍGUEZ-VIDA, Susana. Diccionario de frases hechas.
Madrid: Octaedro.
DFrasEM (2004). VARELA, Fernando; KUBARTH, Hugo. Diccionario fraseológico
del español moderno. Madrid: Gredos.
DiCE (2010). ALONSO RAMOS, Margarita. Diccionario de Colocaciones del
Español. Coruña: Facultade de Filoloxia Universidade da Coruña. Disponível em:
http://www.dicesp.com/paginas. Accesado em : 04.01.2015.
DInv (1987). BOSQUE, Ignacio; FERNÁNDEZ, Manuel. Diccionario inverso de
langua. Madrid: Gredos.
DInvAula (1987). DE LA CAMPA, Hermenegildo. Diccionario inverso del espanol.
Su uso en el aula. Madrid: Narxea, 1987.
DPD (2005). Real Academia Española. Dicionario Panhispánico de Dudas. Madrid:
Santillana.
DRAEe (2014). Real Academia Española. Diccionario de la Lengua Española
(versión en línea). Madrid: Espasa-Calpe. Disponível em: http://dle.rae.es/ Accesado
em: 10.01.2014.
DSinIdAfRima (1994). Diccionario de sinónimos, ideas afines y de la rima. Madrid:
Paraninfo.
DUE (1998). MOLINER, María. Diccionario de Uso del Español. Madrid: Gredos.
DUEAEe (2004). Diccionario de Uso del Español de América y de España (versión
en cd-rom). Barcelona: Vox.
DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri (1999). Análisis de errores e interlengua
de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices de portugués.
Londrina: Editora UEL.
FRAGA GARCÍA; Juan Antonio; FRANCO FIGUEROA, Mariano (2003). El español
de América. Cádiz: Servicio de Publicaciones de la Universidad.
FUENZALIDA, Mauricio (2000). Reseña a STEEL, Brian. Breve Diccionario
Ejemplificado de Americanismos. Madrid: ArcoLibros (1999). Em: BFuch, v.
XXXVIII, p. 393-410. Disponível em:
file:///C:/Users/ILETRAS116%20TRES/Downloads/19559-59735-1-PB%20(1).pdf.
Acessado em: 03.03.2016.
Gr.DVoxe (2004). Gran Diccionario Vox de la Lengua Española (versión en cd-
rom). Barcelona: Vox.
GUTIÉRREZ CUADRADO, Juan (2000). El Diccionario Salamanca de Santillana,
cinco años después. Em: Actas del XI Congreso de ASELE, p. 124-134. Zaragoza:
Centro Virtual Cervantes. Diponível em: http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_
ele/asele/pdf/ 11/ 11_0123.pdf. Accesado em: 29.12.2015.
114
HENNE, Helmut (1982). Die Berufung wird stattgegeben: Plädoyer für die
Entwicklung von Sprachgefühl. Em: GAUGER, Hans-Martin et alii. Sprachgefühl?
Vier Antworten auf eine Preisfrage, p.91-137. Heidelberg: Lambert Schneider.
HUMBOLDT, Wilhelm von (1836 [1979]). Über die Verschiedenheit des
menschlichen Sprachbaus und ihren Einfluss auf die geistige Entwicklung des
Menschengeschlechts (hrsg. von Andreas Flitner und Klaus Giel). Stuttgart: J.G.
Cotta´sche Buchhandlung
IMMICH, Maica (2015). Estudo sobre a adequação entre o Marco Comum Europeu
de Referência para as Línguas, o Plano Curricular Cervantes e os livros didáticos
do espanhol. Trabalho de Conclusão de Curso - Graduação em Letras - Português e
Espanhol, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
LEGALLOIS, Dominique (2012). La colligation: autre nom de la collocation
grammaticalle ou autre logique de la relation mutuelle entre syntaxe et sémantique ?
Em : Corpus. Nice, v 11, p.1-14.
LIPSKY, John M. (2005). El español de América. Madrid: Cátedra.
LLA (1996). Longman Language Activator. London: Longman.
LUNKES, Diego (2014). Longman Language Activator (2002) e Longman Essential
Activator (2006) como ferramentas para a Produção Textual nas Aulas de Inglês como
Língua Estrangeira. Em: CIPPUS - Revista de Iniciação Científica da UNILASALLE,
v. 3, p. 93-108.
nDArg (1993). HAENSCH, Günther; WERNER, Reinhold. Nuevo diccionario de
argentinismos. Bogotá: Instituto Caro y Cuervo.
ORTOGRAFÍA (2010). Real Academia Española. Ortografía de la Lengua Española.
Madrid: Espasa-Calpe.
PIOTROWSKi, Tadeusz (2015). A theory of lexicography – Is there one? Em:
JACKSON, Howard (ed.) The Bloomsbury Companion to Lexicography, p. 303-320.
London; New York: Bloomsbury.
REHFUS, Wulf (Hrsg.) (2003). Handwörterbuch Philosophie. Göttingen / Oakville:
Vandenhoeck & Ruprecht.
RUNDELL, Michael (2012). It works in practice but will it work in theory?’ The
uneasy relationship between lexicography and matters theoretical. Em: VATVEDT
FJELD, Ruth; TORJUSEN, JULIE MATILDE (eds.). Proceedings of the 15th
EURALEX International Congress, p. 47-92. Oslo: Department of Linguistics and
Scandinavian Studies, University of Oslo. Disponível em:
http://www.euralex.org/elx_proceedings/Euralex2012/pp47-92%20Rundell.pdf Acceso
en: 01.01.2016.
SCHAFROTH, Elmar (2014). Französische Lexikographie. Einführung und
Überblick. Berlin: de Gruyter.
SoLEsp (1995). Rances. Diccionario ilustrado de la lengua española. Barcelona:
Sopena.
115
SVENSÉN, Bo (2009). A Handbook of Lexicography. The Theory and Practice of
Dictionary-making. Cambridge: Cambridge University Press.
TesLCE, (1611 [1943]). Covarrubias, Sebastián de. Tesoro de la Lengua Castellana o
Española (ed. por Martín de Riquer). Barcelona: Horta.
ZANATTA, Flávia (2010). A normatividade e seu reflexo em dicionários
semasiológicos de língua portuguesa. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-
Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
VILLARRUBIA ZÚÑIGA, Marisol (2013). Diccionarios monolingües de ELE vs.
diccionarios normativos. Em: Marco ELE. Revista Didáctica Español como Lengua
Extranjera, v. 17, p. 1-12. Disponível em: http://marcoele.com/descargas/17/villarrubia-
diccionarios_ele.pdf. Accesado em: 29.12.2015.
WANZEK, Christiane (2010). Lexikologie. Göttingen: Vandehoeck & Ruprecht.
WEINRICH, Harald (1979). A verdade dos dicionários. Em: VILELA, Mário (org.).
Problemas de Lexicologia e Lexicografia, p.314-337. Porto: Livraria Civilização.
WIEGAND, Herbert Ernst (1977). Nachdenken über Wörterbücher: Aktuelle Probleme.
Em: DROSDOWSKI, Günther (Hrsg.). Nachdenken über Wörterbücher, p. 51-102.
Mannheim: Bibliographisches Institut.
116
CORTESIA E ESTRATÉGIAS DE ATENUAÇÃO EM ESPANHOL E
PORTUGUÊS SOB UM OLHAR INTERCULTURAL
Camilla Santero Pontes, UFBA
Cecília Aguirre, UFBA
1. Introducción
Este trabajo presenta resultados parciales referentes al proyecto de investigación
denominado “Estrategias de atenuación en situaciones cotidianas: un estudio de las
variedades del español de Santiago de Chile, de La Plata, Argentina, y de aprendices de
español como lengua extranjera en nivel avanzado, Universidad Federal de Bahía,
Brasil”, desarrollado en el marco del grupo de investigación de Descripción y análisis
linguístico del español, Instituto de Letras, UFBA.
El trabajo se inscribe dentro del ámbito de la Pragmática Sociocultural,
disciplina que aborda el estudio de la cortesia en lengua española a partir de
interacciones inter e intra culturales. La Pragmática Sociocultural concibe a la lengua
como un fenómeno social, el cual parte de una cultura de la que se nutre y a la que
retroalimenta. Bravo (2004, p. 19) parte de la noción de “comunidad sociocultural” para
definir a un grupo de personas que comparten la misma comunidad de lengua, una
misma identidad de grupo y sentimiento de pertenencia cultural, y reconoce la
existencia de relaciones “inter-socioculturales”, esto quiere decir, entre generaciones,
entre géneros o entre regiones geográficas de un mismo pais, así como entre paises
diferentes, apuntando a la grande heterogenenidad intra e inter cultural y a la serie de
conflictos que esa interrelación entre grupos socioculturales diferentes puede acarretar,
objetivo de estudio de la pragmática inter-sociocultural.
El objetivo de este trabajo es describir y comparar las estrategias corteses y
tácticas de atenuación utilizadas por brasileños, argentinos y chilenos, relacionándolas
con la noción de ethos cultural de (KERBRAT-ORECCHIONI, 2004, p. 50), según
descripto por Celada (2002a, p. 216); CELADA (2002b s/p) y Boretti (2003, p. 113) y
Puga (1997, s/p), respectivamente, con la intención de demonstrar que el perfil
117
comunicativo brasileño se aproxima al de las culturas de acercamiento, a pesar del uso
frecuente que los hablantes hacen de la atenuación.
KERBRAT-ORECCHIONI (2004, p. 50) define ethos como el conjunto de
representaciones y valores de una determinada lenguacultura58
, el cual determina su
perfil comunicativo. Kerbrat-Orecchioni (1992, p. 257) distingue tres dimensiones en la
interacción interpersonal: una dimensión horizontal, representada por el eje de
proximidad versus distancia comunicativa; una dimensión vertical, con un eje de
dominación versus submisión, y por último, una dimensión afectiva, que se manifiesta
en el eje de cooperación versus conflicto.
Con respecto a estas tres dimensiones, entendemos que la interacción
interpersonal en la cultura brasileña se inscribe dentro de la dimensión afectiva, una
vez que tiende al consenso y a la cooperación, para evitar de todas formas el conflicto.
Su reacción al medio es de defensa ante una posible amenaza o ante el rechazo, que se
pone de manifiesto en la dificultad de dar y recibir una negativa. El perfil comunicativo
brasileño se caracteriza por el uso frecuente de diversas tácticas de atenuación. De
acuerdo con Celada (2002a, p. 216) la subjetividad del brasileño se identifica con la
oralidad, libre de restricciones, y se distancia de la norma impuesta. Así, acepta el error,
evita la formalidad y acorta la distancia de la interlocución, favoreciendo la
aproximación al otro como semejante. Para Celada (2002b, p. 3) la ética del brasileño -
el ethos según Kerbrat Orecchioni (2004, p. 50)- es de fondo emotivo.
Ya el perfil comunicativo de los argentinos se define como más directo, más
frontal, más cortante. De acuerdo con Boretti (2003, p. 113), el argentino se autoestima,
reconoce su valor y su forma de actuar, ratificando en la interacción sus buenas
cualidades y originalidad. La autora reconoce en esta actitud una posible fuente de
modos de acción directos y frontales, los cuales permiten que el individuo se confirme
socialmente. El argentino se preocupa por demostrar afecto, tolerancia, sinceridad y
desinterés en vínculos de intimidad familiar, de amistad y formales, y también otorga y
busca la reciprocidad y la confianza del otro, con base en el mutuo conocimiento y en
acuerdos implícitos. Briz (2006, p. 250) coloca este perfil a un alto grado en la escala de
las culturas de acercamiento y describe su discurso como cortés, marcado por el uso
58
Término acuñado por Fantini (1997 citado por Siqueira, 2011) para marcar la completa asociación entre
lengua y cultura.
118
frecuente de intensificadores. De esta forma, entendemos que el perfil comunicativo del
argentino se ubica en la dimensión horizontal, cercana al polo de proximidad.
Según Puga (1997) el perfil comunicativo del chileno se caracteriza por una
mayor deferencia hacia el interlocutor, deferencia que se manifiesta mediante la
“cortesía señor-criado” resultante de la marcada estratificación social chilena. Por esto,
entendemos que el perfil comunicativo chileno se ubica en la dimensión vertical,
próximo al polo de submisión. Su discurso está marcado por una alta frecuencia en el
uso de la atenuación. Briz (2006, p. 250) coloca el ethos cultural chileno en un grado
inferior al de los argentinos en la escala de las culturas de acercamiento.
Adoptamos en este trabajo la definición de atenuación según Briz (2006) como
categoría pragmática fundamentada en el principio de cortesía:
“En concreto es una estrategia conversacional vinculada a la relación
interlocutiva, que mitiga la fuerza ilocutiva de una acción, el papel del sujeto y
objeto de la enunciación o la fuerza significativa de una palabra, de una
expresión para lograr la aceptación del otro, el objetivo previsto”. (BRIZ,
2006, p. 244)
Es decir, la atenuación es un recurso estratégico de la cortesía, táctico y eficaz,
para la negociación y el acuerdo en la interacción.
Haverkate (1996, p. 46) y Briz (2006, pp. 247-248) explican las diferencias
culturales en los usos sociolingüísticos de la atenuación cortés mediante la distinción
entre culturas orientadas hacia la cortesía positiva o culturas de acercamiento y culturas
orientadas a la cortesía negativa o culturas de distanciamiento. Según la definición de
Briz, (2006, p. 247), las primeras manifiestan una tendencia a la cercanía social, al
estrechamiento de los espacios interpersonales, a la intervención directa en la esfera
privada del otro y al establecimiento de puentes de relación y confianza entre los
interlocutores; mientras que las segundas se caracterizan por un marcado respeto al
ámbito y espacio personal de los demás y por mantener la deferencia y precaución en
las relaciones sociales. Para Briz (2006, p. 249) la distinción entre culturas de
acercamiento y de distanciamiento no se define por oposición, sino que estas
constituyen dos extremos de un continuum gradual.
Albelda y Briz (2010, p. 249) afirman que la expresión formal y la frecuencia de
uso de la atenuación difieren según la variedad geográfica del español. Y acrescentan
que las peticiones y ruegos suelen ser más atenuados en Latinoamérica. Destacan que
119
en la cultura chilena, mexicana y costarricense se valora el respeto y la deferencia hacia
los espacios personales de los demás, lo que se manifiesta mediante una mayor
presencia de formas de cortesía normativa (peticiones de permiso y agradecimientos
frecuentes), mayor número de atenuantes, de disculpas, etc. Los autores afirman que la
presencia de atenuantes verbales y de cortesía pone en evidencia la existencia de
distancia social entre los interlocutores, puesto que la atenuación se usa
estratégicamente para compensar dicha distancia. De acuerdo con Briz (2006, p. 249)
una cultura de acercamiento favorece la menor frecuencia de atenuantes; por otro lado,
una cultura de distanciamiento hace del uso frecuente de la atenuación cortés una
estrategia de aproximación al otro.
De esta primera descripción se deduce que el perfil comunicativo de brasileños y
chilenos se caracteriza por el uso frecuente de tácticas de atenuación, de acuerdo con su
ethos cultural; mientras que el perfil de la cultura argentina se caracteriza por el uso
frecuente de la intensificación y escasa atenuación. De acuerdo con lo expuesto por Briz
(2006), y Albelda y Briz (2010), y considerando los resultados del análisis, entendemos
que en la situación propuesta, los hablantes de la cultura chilena y de la brasileña
protegen la imagen ajena como un intento de lograr sus fines comunicativos. De este
modo el uso frecuente de la atenuación cortés no busca subsanar el distanciamiento con
el otro, sino más bien disminuir el riesgo de una respuesta negativa a su petición. Por
otro lado, los hablantes argentinos presentan un bajo uso de atenuantes debido a las
motivaciones subyacentes a la propia imagen – comprometidos con la palabra, con la
seriedad y moral de los hechos.
Desde esta perspectiva, el presente trabajo propone un análisis cualitativo del
uso de la atenuación en una situación de predominante cortesía negativa, es decir, una
situación en la que el hablante comete un acto amenazador a la imagen negativa – el
territorio material o patrimonial – del destinatario. Para la descripción se toman como
base las distintas estrategias corteses propuestas por Brown & Levinson (1987, citado
por ALBELDA, 2010, p. 241) y las tácticas generales de atenuación (ALBELDA y
BRIZ, 2010, p. 246). Estas estrategias son analizadas a la luz del ethos cultural
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2004, p. 50) de brasileños (CELADA, 2002a), argentinos
(CELADA, 2002b; BORETTI, 2003) y chilenos (PUGA, 1997, s/p) para después
comparar las distintas estrategias corteses y tácticas de atenuación observadas en las tres
culturas.
120
2. El ethos cultural y la atenuación
Kerbrat Orecchioni (2004, p. 48) afirma que el comportamiento de cortesia varía
tanto cuantitativa como cualitativamente de una sociedad a otra. Observa que desde el
punto de vista cuantitativo, varía la frecuencia de uso de los procedimientos corteses;
desde el punto de vista cualitativo, o bien el mismo acto de habla puede ser realizado de
diferentes formas, por ejemplo, se puede expresar agradecimiento mediante una
bendición o una disculpa; o bien una misma fórmula o procedimiento cortés puede
expresar diferentes valores pragmáticos.
La autora destaca que estas diferencias revelan, por un lado, las distintas
concepciones acerca de lo que se considera una amenaza o un refuerzo a la imagen, y
por otro lado, las distintas situaciones en las que se espera un acto cortés y aquellas en
que la cortesía sería inadecuada. Así, concluye que la noción de mal entendido o de
inadecuación pragmática surge al proyectar sobre usos extranjeros nuestras propias
normas de cortesía.
Los fenómenos de atenuación y cortesía se ubican dentro del área de la
Pragmática y de la Sociopragmática, pero también dentro de la Pragmática Lingüística y
Sociocultural (BRAVO, 2004) y del Análisis del discurso oral coloquial (BRIZ, 2004).
Placencia (2010, p. 10) reconoce la afinidad que existe entre los análisis contrastivos y
de comunicación intercultural con los estudios sobre cortesia de la lengua española. Las
definiciones de atenuación y cortesía tienen su origen en los estudios de (GOFFMAN,
1967), donde se presentan las nociones de imagen (positiva o negativa) y de territorio,
corporal, material, espacial, temporal, cognitivo, etc. de las personas como seres
sociales. La teoría más clásica y más cuestionada sobre cortesía es la de Brown &
Levinson (1987, p.68), quienes en Politeness: Some Universals in Language Usage
retoman las nociones de Goffman para definir el acto amenazador de la imagen (FTA,
face threatening act, en inglés). Desde esta teoría, la mayoría de los actos de habla
realizados son potencialmente amenazadores para una u otra imagen. Según Kerbrat
Orecchioni (2004, p. 42), esta propiedad amenazadora, constitutiva de los actos de
habla, va en contra de la necesidad universal de imagen y coloca en riesgo el suceso de
la interacción. Es entonces cuando interviene el trabajo de imagen, concepto de
Goffman (1967) que designa todo lo que una persona intenta para conseguir que sus
acciones no le hagan perder la imagen a ninguno de los interlocutores.
121
Para concluir, como afirma Kerbrat-Orecchioni (2004, p. 50), la cortesía positiva
implica incursiones sistemáticas en el territorio del otro, con manifestaciones de
simpatía y de interés, preguntas, cumplidos, regalos, ofrecimientos, invitaciones;
mientras que la cortesía negativa supone evitar toda ingerencia o transgresión al
territorio personal del otro. Concebido para colocar en evidencia ciertos principios
universales del uso del lenguage, (aquellos que permiten la gestión armoniosa de las
relaciones interpersonales), gracias a los cuestionamientos apuntados y junto a la
adecuación propuesta por Kerbrat-Orecchioni (2004, p. 43-44) 59
, el modelo de cortesía
de Brown & Levinson (1987, pp. 101-210) permite esclarecer ciertas diferencias en el
funcionamiento de la cortesía de una cultura a otra. Estas diferencias culturales revelan,
según la autora, una lógica cultural subyacente a los comportamientos de cortesía y
constituyen la parte emergente de un conjunto de valores y representaciones de una
determinada sociedad, es decir, su ethos, que puede ser igualitario o, al contrario,
jerárquico (cortesía de tipo deferencial); ethos de proximidad o de distancia; ethos de
privilegio consensuado a la cortesía positiva o, en su defecto, a la negativa.
2.1 Descripción del ethos de brasileños, argentinos y chilenos.
Entendemos que intentar explicar el uso de la atenuación a partir de las distintas
identidades lingüístico-culturales constituye un objetivo de estudio muy complejo, que
debe ser abordado de forma multidisciplinar. Por ese motivo recurrimos a diversos
estudios dentro del área del Análisis del Discurso que describen el ethos cultural de
brasileños, argentinos y chilenos.
Concordamos con Boretti (2003, p. 110) en que los fenómenos de variación
cultural e identidad constituyen la base de diversos aspectos relacionados con el modo
de hablar de los grupos socioculturales, como un conjunto de preferencias colectivas.
Coincidimos también con la definición de Geertz (citado por BORETTI, 2003,
p. 110) que define cultura como
“un esquema históricamente transmitido de significaciones representadas en
símbolos (objeto, acto, hecho, palabra, gesto), un sistema de concepciones
heredadas y en formas simbólicas, a través de medios por los que los
hombres comunican, perpetúan y desarrollan su conocimeinto y sus actitudes
frente a la vida”
59
La autora propone acrescentar al modelo de Brown & Levinson la noción de actos valorizantes,
“agradadores” de la imagen del otro (face flattering acts, en inglés), como actos que equilibran sutilmente
la presencia de actos amenazadores en la interacción.
122
2.1.1 El ethos brasileño
De acuerdo con Celada (2002a, p. 215) la subjetividad del brasileño se identifica
con la oralidad, libre de restricciones y se distancia de la norma impuesta, del escribir y
del hablar difícil. Esta identificación se ve legitimada por una oralidad que acepta el
error, evita la formalidad y acorta la distancia de la interlocución, favoreciendo así la
aproximación al otro, como semejante.
Para la autora, la cordialidad brasileña no guarda relación con mantener las
formas de la civilidad, significado que la colocaría en relación a la cortesía como
estrategia de defensa ante hechos de habla potencialmente amenazadores. Por el
contrario, la ética – el ethos del brasileño según Kerbrat Orecchioni (2004, p. 50) es de
fondo emotivo y su forma de convivio social es contraria a la noción de cortesía puesto
que no tiene una noción ritualista de la vida (CELADA, 2002a, p.217). Esta ética
constituye, al igual que la metáfora del portuñol como extensión de la propia lengua,
otra forma de decirse brasileño.
2.1.2 El ethos cultural del argentino
Autores como Serrani (1994), Celada (2002b), Boretti (2003), Briz (2006)
coinciden al afirmar que el perfil comunicativo del argentino se caracteriza por la
abrupción, la directividad, la necesidad de autoafirmación y de confianza entre los
miembros del grupo, que manifiesta a través de comportamiento amistoso, sincero y
generoso.
Celada (2002b, p. 6) también reconoce en la variante rioplatense del español una
discursividad que vincula la palabra con la verdad y sus marcas de responsabilidad,
necesidad, seriedad, moral de los hechos, peso de lo real60
. Por eso se espera, además de
la palabra, un gesto que asegure su realidad o su realización. La autora concluye que
probablemente, ese rigor, ese grado de exigencia con respecto a la palabra sea la razón
por la que se establece una relación más tensa con el interlocutor.
Para Boretti (2003, p. 112-113) el perfil comunicativo argentino es parte de una
construcción colectiva del discurso identitario ampliamente extendido en la sociocultura
60
En realidad la autora parafrasea a Ricardo Piglia (2011) en el artículo “La lectura enemiga” publicado
en Página 12, domingo 18 de septiembre de 2011: “... La eficacia de la palabra está ligada a la verdad,
con todas sus marcas: responsabilidad, necesidad, seriedad, la moral de los hechos, el peso de lo real...”
123
nacional: el individuo se afirma demostrando las cualidades que lo hacen creíble ante
los demás, a partir de la confianza ganada en el seno del grupo. Por eso reconoce que es
frecuente el uso de formas imperativas rotundas, sin atenuación, que demuestra un trato
interpersonal sin rodeos, según las motivaciones subyacentes a la imagen del grupo. Por
otra parte, la autora destaca que los usos convencionales o indirectos para la petición no
siempre implican distancia interpersonal ni neutralización de los riesgos de la
interacción, puesto que su uso responde a una función afectiva, siendo que la
afectividad es un componente identitario importante del perfil comunicativo argentino.
2.1.3 El ethos cultural chileno
En el capítulo Atenuación, distancia y situación comunicativa, Puga (1997)
explica los distitos distanciamientos que el hablante chileno realiza mediante la
atenuación. Este necesita tomar distancia de sí mismo, del mensaje, del receptor o del
tiempo del enunciado. Al distanciarse de sí mismo, el hablante reduce el papel propio y
el de su interlocutor con lo dicho, por ejemplo, mediante el uso de la segunda o tercera
persona para impersonalizar sus enunciados. Se distancia del mensaje, al atenuar
órdenes y pedidos, sobre todo cuando la jerarquía de su interlocutor ocupa un nivel
superior, o sea están en relación de asimetría social. En una sociedad marcadamente
estratificada como la chilena, las personas de clase alta pueden llegar a no considerar
interlocutores válidos a personas en una jeraquía social inferior. Por eso la necesidad de
distanciamiento del emisor: existe una distinción entre la atenuación utilizada entre
miembros de la misma jerarquía social y la atenuación que se realiza entre
interlocutores de distinta jerarquía social. Así, el hablante de menor jerarquía deberá
hacer uso de una grande variedad de tácticas de atenuación para conseguir su propósito
comunicativo, puesto que la atenuación opera pricipalmente de abajo hacia arriba. El
hablante chileno también se distancia del presente, cuando este tiempo de la
enunciación se recubre de cierta carga o dureza, mediante otros tiempos verbales o
mediante el uso del subjuntivo y condicional.
Entre las razones que explican la abundante atenuación en el habla chilena, Puga
(1997) destaca precisamente la marcada estratificación social y la rígida distancia social,
motivos por los cuales la cortesía se caracteriza como cortesía “señor-criado” y cortesía
“obsequiosa y servil”. De esta forma el hablante chileno le deja mayor libertad de
acción a su interlocutor, que puede no cosiderarlo un interlocutor válido por causa de su
124
posición social. Por esto, entendemos que el perfil comunicativo chileno se ubica en la
dimensión vertical, próximo al polo de sumisión y consecuentemente, su discurso estará
marcado por una alta frecuencia en el uso de la atenuación. Briz coloca al ethos cultural
chileno en un grado inferior al de los argentinos en la escala de las culturas de
acercamiento.
3. Marco metodológico y descripción de los datos
La atenuación y la cortesía son categorías pragmáticas que permiten identificar
las diferencias culturales entre las tres comunidades socioculturales investigadas. Al
mismo tiempo que reflejan rasgos culturales, la atenuación y la cortesía posibilitan una
reflexión sobre cuál es el lugar que ocupan los hablantes de español como lengua
adicional61
– en este caso, brasileños. Incluimos los brasileños, estudiantes de español
en nivel avanzado, en esta investigación, porque entendemos que los hablantes no
nativos de español poseen un lugar que les es propio – el lugar de usuario competente
de lengua española, con marcas lingüísticas características de su cultura.
Para este estudio se realizaron diez entrevistas orales, grabadas en el año de
2014, con cinco hombres y cinco mujeres de cada una de las variedades de habla
investigadas – Santiago de Chile (Chile), La Plata (Argentina) y Salvador de Bahia
(Brasil); en total 30 entrevistas en las que se les plantea una situación para que puedan
construir una respuesta. Los informantes son jóvenes de edades entre 19 y 33 años,
todos universitarios. En la situación propuesta, el informante se encuentra con el
propietario del piso en que vive para decirle que no va a poder pagar el alquiler en la
fecha combinada. Los informantes fueron identificados con códigos como M5A23, en el
que primero se menciona el sexo (hombre o mujer), segundo, el número del entrevistado
en el corpus, tercero, el país de origen y cuarto la edad.
La orientación metodológica parte del corpus, por tanto a medida que vamos
descubriendo a los hablantes a través de su discurso, hacemos uso de diferentes
herramientas de análisis para interpretar los datos. Instrumentos como la noción de
ethos cultural de Kerbrat-Orecchioni (2004, p.50), las estrategias corteses (Brown y
Levinson, 1987, pp. 101-210) y las tácticas de atenuación (Briz y Albelda, 2010, p. 246)
61
El término lengua adicional (Jordão, 2014, p.15) se refiere a situaciones de uso entre hablantes de más
de una lengua, con la doble intención de resaltar el carácter plurilingüe de las sociedades reconocidas
como monolingües, y de valorar usos locales del español en países como Brasil.
125
resultaron muy eficaces en la elucidación de las especificidades del corpus. Otra
herramienta metodológica que contribuyó con el análisis cuantitativo y cualitativo fue el
cálculo de la frecuencia relativa del total de palabras del corpus. Con el objetivo de
identificar las estrategias atenuadoras utilizadas por los informantes, adoptamos la
clasificación de tácticas generales de atenuación de Briz y Albelda (2010, p. 246).
Como en este trabajo presentaremos los resultados parciales obtenidos hasta el
momento, focalizaremos entonces la descripción y análisis de las estrategias corteses y
tácticas de atenuación utilizadas por los hablantes con relación al ethos cultural que los
caracteriza.
Según los autores, los procedimientos de atenuación lingüística pueden ser:
A) Indeterminación de la calidad o cantidad de lo dicho: Son mecanismos que
difuminan el contenido semántico de lo dicho, por medio de la
indeterminación de la calidad o disminución de la cantidad. Para ello se
puede encontrar usos diminutivos, minimizadores (un poco, sólo),
aproximativos (en plan, más o menos), difusores significativos (algo, algo
así), eufemismos (tercera edad por anciano), etc.
eh sabe quee/señor /no tengo para pagarle en este momento/ así que voy a tener
que pagarle un poco después (Hombre chileno, 19 años)
B) Expresión de duda o incertidumbre: Expresiones lingüísticas que representan
falta de certeza o seguridad sobre lo dicho, para no responsabilizarse tanto
con lo que se enuncia. En general se utilizan estructuras verbales o
adverbiales de creencia o de incertidumbre (parecer, ser posible, imaginar,
etc.).
yy no sé qué haremos ahora / mira discúlpame no sé que qué podemos hacer
(Mujer brasileña, 33 años)
C) Expresión de restricciones en la opinión o en la petición: El hablante
restringe su opinión a si mismo (para mí, en mi opinión, a mi modo de ver,
126
etc.) o a un determinado espacio o ámbito (por lo menos, por ahora, etc.).
También se limita la opinión o la solicitación a través de estructuras
condicionales o temporales (si no te importa, si te parece bien, etc).
le complica mucho a usted quee retrase el pago porque en este minuto no le
puedo pagar (Mujer chilena, 20 años).
D) Justificación y explicación: Justificaciones del propio comportamiento o de
lo expresado para paliar el compromiso de los hablantes con ello. Suelen
emplearse construcciones como es que, porque, como, etc.
la empresa donde trabajo en la empresa hubo un problema y queee por ese
motivo ah como es una empresa pública los sueldos están retrasados yy de esa
manera no podré (Hombre brasileño, 20 años)
E) Corrección y reformulación: El hablante intenta restaurar el orden en la
interacción y minimizar el desacuerdo. Reformula y se corrige, haciendo uso,
de marcadores discursivos como bueno, pues, etc. También las risas y la
petición de disculpas suelen ejercer el oficio de reparación de una amenaza a
la imagen.
no voy a poder / cumplir con lo que prometí iii que me disculpe por supuesto eee
(Mujer argentina, 23 años)
F) Concesión: Son procedimientos que contrarrestan desacuerdos y
discrepancias, previstos o patentes, con el interlocutor. Se emplean diversas
estructuras sintácticas concesivas en las que, o bien primero se establece la
concesión y después se expresa la disconformidad (sí, pero; de acuerdo,
pero), o al contrario.
te voy a retrasar un poco el pago pero siempre lo he hecho justamente...sé que
voy a alcanzar una solución intermedia paraaa (Hombre chileno, 24 años)
G) Implicación del interlocutor en lo dicho por el hablante: Se atenúa lo dicho
compartiendo la responsabilidad de lo dicho (lo opinado, lo propuesto) con
el interlocutor. El hablante involucra al oyente a través de fórmulas fáticas de
127
pregunta como ¿no?, ¿vale?, etc. También puede lograr este mismo objetivo
si deja el enunciado sin acabar, suspendido.
sabe que soy un hombre responsable que pagaa/ que paga puntualmente el
arriendo (Hombre chileno, 19 años)
H) Formulación indirecta de actos de petición o de solicitud: No se formula
directamente lo que se solicita, pero quien escucha, recibe, se supone,
suficientes pistas para reconocerla. Frecuentemente se realizan preguntas en
lugar de emplear imperativos (¿Me ayudarías?), se niega el supuesto de lo
que se quiere pedir o preguntar (Supongo que no te quedará café), o se
incluye en la petición la improbabilidad de que se le conceda lo que solicita
(Me imagino que a estas horas ya no será posible, pero ¿tendrías café?)
siii no me daría la posibilidad / de que se lo pague más adelante (Mujer
argentina, 23 años)
I) Despersonalización de elementos de la enunciación: Se difumina la persona
o la fuente de la enunciación. En este sentido, se emplean, por ejemplo,
pronombres impersonales (uno, tú general, nosotros inclusivo, se),
estructuras lexicalizadas (según cuentan, por lo que dicen, por lo visto, al
parecer, presuntamente, etc.). No se encontró en los corpus la
despersonalización como estrategia atenuadora.
El pedido para atrasar con el pago del alquiler es un acto amenazador al
territorio del interlocutor (propietario del piso), porque lo obliga a reaccionar; todo
pedido exige un esfuerzo del que recibe la petición. La invasión de territorio se da por la
necesidad que el interlocutor tiene en posicionarse, sea aceptando la solicitud, sea
rechazándosela. El aceptarla puede significar un cambio de planes, puesto que no va a
recibir el dinero en la fecha prevista. Utilizamos el modelo de Briz y Albelda (2010)
como herramienta para controlar los mecanismos lingüísticos más frecuentes en las tres
variedades de habla analizadas, con el propósito de no sólo mostrar los procedimientos
128
de atenuación característicos de esas comunidades, sino también discutir los usos bajo
aspectos culturales y de enseñanza-aprendizaje de lenguas.
4. Análisis de los datos
Tomando en cuenta la clasificación de tácticas generales de atenuación de Briz y
Albelda (2010, p. 246), las estrategias corteses (BROWN y LEVINSON, 1987, pp. 101-
210) y el ethos de cada una de las comunidades que componen la encuesta, presentamos
el siguiente análisis parcial.
4.1 Informantes de Salvador de Bahia – Brasil
En la elaboración del acto que tiene como finalidad conseguir que el propietario
del piso consienta el atraso del alquiler, tres de los diez informantes brasileños (dos
mujeres y un hombre) recurren a estrategias de cortesía negativa y positiva a la vez.
Cuando la táctica de atenuación generaba un distanciamiento marcado, intentaban
recuperar la aproximación con una táctica de cortesía positiva. Al expresar el tema del
atraso, que representa una amenaza a la imagen del propietario, ellos incluyen al
interlocutor en la actividad para demostrar que cooperan (1) y le prometen que no van a
retrasar el pago nuevamente (2).
(1)
que siempre pago en tiempo ¿no? (…) lo que puedo hacer es:: pagar por
adelantado en el mes que viene (M3B23)
(2)
entonces quería decirte que no va a pasar más otros meses pero en ese mes no
tengo como pagar en la fecha:: que siempre pago (H4B26)
Sin embargo, los usos de cortesía negativa predominaron en todo el corpus,
porque según Brown y Levinson (1987, pp. 101-210) son estrategias que buscan reparar
la amenaza realizada a la imagen negativa del interlocutor. Las diferentes formas
lingüísticas de mitigar los efectos del pedido de atraso del alquiler fueron clasificadas
según el modelo de Albelda y Briz (2010). Tanto en las entrevistas femeninas como en
las masculinas, dos tácticas predominaron, una es la justificación y explicación y la otra
es la formulación indirecta de actos de petición o solicitud. Todos los hablantes las
129
utilizaron como mecanismo atenuador. Veamos el mecanismo de justificación y
explicación introducido por “es que” en (3):
(3)
sé que estoy un poco atrasada con el pago de este mes del alquiler pero es que
estoy pasando unas situaciones un poco complicadas (M4B29)
(4)
este mes ee /me pasó algo yyy/ bueno/ y el tema es que no tengo plata para
pagarte (H3B23)
Al hacer uso de esta táctica se observó que ocho de los diez informantes
brasileños justifican el atraso antes de hacer el pedido de postergación del pago. En
general, utilizan las narraciones para explicar el motivo del atraso. Las dos entrevistadas
que no siguieron el orden, explicación pedido, presentan circunstancias distintas, en (5)
el hablante introduce su conversación hipotética con el propietario del piso en que vive
como si ya estuviera en atraso con el alquiler:
(5)
lo siento muchísimo muchísimo, yo sé que estoy un poco atrasada con el pago
de este mes del alquiler pero es que estoy pasando unas situaciones un poco
complicadas (M4B29)
La segunda informante, le propone al dueño del piso otra fecha para pagarle el
alquiler atrasado, o sea, ella actúa como si ya le trajera una solución. A través de su
propuesta, se sobrentiende que ella solicita otro plazo para pagar el alquiler:
(6)
Yo hablaría con él que yo no podría pagar en la fecha que nosotros teníamos eh
ha sido una combinación y le diría una posible fecha que yo eh pagase este
dinero a él (M5B27)
Otra táctica que aparece como estrategia para 100% de los informantes
brasileños es la formulación indirecta de actos de petición o solicitud. Todos realizan lo
que se puede considerar como una condición preparatoria para el pedido, pero no lo
concretan, es como si dejaran el enunciado sin acabar, suspendido, esperando la
reacción del interlocutor. Las diez intervenciones de esta variedad de habla exigen del
interlocutor la interpretación de las pistas contextuales (Gumperz, 1982, 2002, p.152),
130
que se realizan por implicaturas conversacionales, o sea, el hablante emite señales y el
interlocutor interpreta cuál es la actividad que se entabla en dada interacción:
(2)
es que me pasó una cosa en el trabajo / y ese mes no voy a recibir en la fecha
que siempre recibo / entonces que me voy a retrasar un poco el pago entonces
quería decirte que no va a pasar más otros meses pero en este mes no tengo
como pagar en la fecha:: que siempre pago (H4B26)
Los hablantes recurren a diferentes narraciones, una para justificar el atraso y
otra para recordarle al propietario del piso su historial de buen pagador. La cantidad de
palabras en el corpus de Salvador de Bahia (820) demuestra la diversidad de historias,
bien como la indirectividad de esos informantes que evitan de diferentes formas un
posible rechazo por parte de su interlocutor hipotético. En un intento de alcanzar su
objetivo comunicativo, en este caso el consentimiento del propietario para recibir el
dinero después, los hablantes brasileños – hombres y mujeres – formulan historias
apelativas con temas sociales que puedan sensibilizar al interlocutor. Esta actitud refleja
el ethos emotivo de los brasileños que hacen uso de una estrategia que funcionaría con
ellos si fuera al revés. Explotar el recurso de la emoción es una estrategia muy eficaz
entre los brasileños cuando se pretende lograr las metas deseadas en la comunicación.
(7)
ocurrió algo este mes con nosotros, con mi/con:: mi marido y yo y estamos sin
dinero, nuestra hija va a hacer una/ una cirugía y estamos sin dinero y estoy
sintiéndome muy mala porque no vamos a poder pagarlo, yy no sé qué haremos
ahora (M2B33)
(8)
Yo soy universitario entonces no tengo mucho dinero y podría explicarlo
porque todos los meses anteriores yo había pagado hasta mismo antes de la
fecha del día del pagamiento entonces yo le diría que este mes no tenía dinero
pero que él podía pensar un poco en los meses anteriores que yo iba a pagar
cuando conseguir el dinero (H1B22)
La táctica de concesión aparece en el habla de cuatro mujeres y tres hombres,
con el propósito de evitar posibles desacuerdos con el interlocutor. En el ejemplo (7), la
informante construye su discurso con muchos rodeos. Primero relata una historia sobre
131
la enfermedad de su hija, después confiesa no saber qué hacer, enseguida le hace la
concesión al propietario e inmediatamente expresa lo que puede generar el desacuerdo.
(7)
qué cosas podemos hacer, mira voy a pagarlo ¿sí? pero no puedo pagarlo ahora
en el día que nosotros siempre pagamos (M2B33)
(4)
yo siempre pago todos los alquileres justos pero/este mes eee me pasó algo
yyy/ bueno (H3B23)
Los mecanismos menos frecuentes fueron los de corrección y reformulación,
implicación del interlocutor en lo dicho por el hablante y expresión de restricciones en
la opinión o en la petición. Cada uno de estos procedimientos fue utilizado en el habla
de dos o tres informantes de ambos sexos. El ejemplo (2) representa una estrategia de
Corrección frente a la imagen amenazada del dueño del piso:
(2)
entonces quería decirte que no va a pasar más otros meses pero en ese mes no
tengo como pagar en la fecha:: que siempre pago (H4B26)
En (1) se puede observar la implicación del interlocutor en lo dicho, puesto que
la entrevistada involucra al interactante por medio de la fórmula fática – ¿no?. Esta
fórmula es una marca de interacción que busca demostrar que ambos interlocutores
comparten la información vehiculada, en este caso la de que la inquilina nunca atrasa
con el alquiler.
(1)
// yo nunca tengo problemas con eso, que siempre pago en tiempo ¿no? pero
que este mes tuve problema serísimo con mi familia, de salud y que no puedo
(M3B23)
4.2 Informantes de Santiago de Chile
En cuanto al uso de las estrategias corteses, los chilenos hicieron uso
exclusivamente de las tácticas de cortesía negativa. De acuerdo con Puga (1997) el
español de Chile es bastante eufemístico, lo que justifica la incidencia de estrategias
atenuantes como una acción reparadora del territorio del interlocutor, que desea
asegurar su libertad para actuar. Nueve de los diez informantes chilenos reemplazan el
132
pedido directo de atraso del alquiler por formulaciones indirectas. Considerando que la
situación es hipotética y los informantes no están interactuando directamente con el otro
participante del acto comunicativo – el dueño, en (9) el hablante realiza un pedido
directo.
(9)
y que me espere un poco/ que me de un plazooo/fijo/ y que yo se lo voy a pagar
y voy a cumplir con ello (H3C20)
Semejante a los resultados encontrados para el corpus brasileño, las tácticas más
frecuentes en las entrevistas chilenas fueron la de justificación y explicación y la de
formulación indirecta de actos de petición o solicitud. La primera aparece en el habla de
los diez informantes y la segunda en el habla de nueve de ellos. Veamos el ejemplo (10)
en el que los distintos problemas justifican el atraso con el alquiler y el (11) en el cual la
informante realiza el pedido en forma de pregunta.
(10)
esta vez por distintos problemas no voy a poder eh cancelarle en la fecha que/
en la fecha estipulada (H1C19)
(11)
le quería preguntar/ se que eh es muy/ le complica mucho a usted quee retrase
el pago (M1C20)
Otra característica común al corpus brasileño y chileno es el uso mayoritario de
las explicaciones/justificaciones antepuestas a la información de atraso del alquiler.
Entre los diez hablantes de Chile, seis usaron la táctica de la justificación como
condición preparatoria para la petición. De los cuatro informantes que introdujeron su
discurso mediante la presentación del problema, tres son mujeres. Aunque la táctica de
la justificación predominó en ambas las comunidades, el contenido de las explicaciones
y justificaciones brasileñas fue mucho más extenso que el de la misma táctica en la
variedad chilena. Eso se comprueba por la cantidad de palabras del corpus chileno
(432), poco más de la mitad de la muestra brasileña (820).
Diferente de los hablantes brasileños que prácticamente no indeterminan la
cualidad o cantidad de lo dicho, los chilenos realizan abundantemente esta táctica. En el
133
corpus de Santiago de Chile, tres mujeres y cinco hombres la utilizaron. En (12), el
modificador “un poco” no deja claro cuándo será el pago, pero minimiza la fuerza
ilocutiva del pedido al mismo tiempo que disminuye el riesgo de una negativa por parte
del propietario.
(12)
Eh sabe quee/señor /no tengo para pagarle en este momento/ así que voy a
tener que pagarle un poco después/ disculpe la molestia (H2C19)
Según Puga (1997), el ethos chileno se ubica en la dimensión vertical, en la
extremidad opuesta a la del poder. En la muestra de Santiago de Chile, la posición de
sumisión justifica los usos atenuantes en una actividad comunicativa en la cual quien
detiene el poder de decisión es el propietario del piso alquilado. En una cultura como la
chilena, en la que naturalmente se considera más a la imagen ajena que a la propia
(Puga, 1997), una situación de petición pone de relieve este rasgo cultural a través de la
manifestación de una serie de estrategias de la atenuación cortés.
4.3 Informantes de La Plata – Argentina
En el corpus argentino encontramos resultados bastante particulares que lo
diferencian sobremanera de las demás muestras en diversos aspectos. Los diez hablantes
realizan estrategias de cortesía negativa, sin embargo, si consideramos una escala que va
desde la estrategia más indirecta hasta la más directa, los argentinos se ubicarían en el
polo más cerca de la directividad. La primera razón que justifica una menor
indirectividad está en la cantidad de palabras del corpus de La Plata (298), menos
palabras menos rodeos. Los brasileños, hablaron dos veces más que los chilenos y tres
veces más que los argentinos.
Otra prueba del grado de directividad de los encuestados de Argentina es la
incidencia de pedidos indirectos, nótese que en las muestras anteriores, la mayoría de
los hablantes ni siquiera realiza una petición, sino que le provee al interlocutor pistas
contextuales sobre su objetivo comunicativo. En la muestra argentina, cinco hablantes
(tres mujeres y dos hombres) concretamente le hacen el pedido al propietario del piso,
muchos de ellos utilizan el verbo poder en la petición propiamente dicha:
134
(13)
Que / que me disculpeee que no llego a pagarle aaa término / que siii no me
daría la posibilidad / de que se lo pague más adelante (M5A23)
(14)
Sí, buenoo y que en el momento no puedo pagarle, si por favor, me podía
esperar unos días más. (H1A21)
(15)
Y le diría que tengo un problema / si me puede esperar porque / eee / nooo no
tengo la plata en ese momento y que preciso de un tiempo para que no me deje
en la calle/ (H3A20)
En (13), (14) y (15), la petición se aproxima al polo de directividad si tomamos
en cuenta las condiciones de la entrevista, o sea, una propuesta hipotética que les fue
planteada y una respuesta que formularon a partir de cómo reaccionaría cada informante
en esa situación. En el extremo más directivo de la escala se ubica el (16), único
hablante argentino que realiza un pedido directo:
(16)
Trato de buscar ayuda / y le digo queee estipule estipule un plazo en el que le
pueda llegar a pagar / trato de hacer un acuerdo (H5A29)
En cambio, cuatro encuestados producen enunciados con estrategias de cortesía
negativa, como en el ejemplo (17), en el que el hablante intenta reparar el daño que el
acto le causa a la imagen del interlocutor. La reparación busca mantener la relación de
confianza, dándole al propietario la garantía de que, pese a no poder cumplir ahora con
lo prometido, sin duda lo hará después:
(17)
135
Eee tratooo de la mejor maneeera de decirle queee / no voy a poder / cumplir
con lo que prometí iii que me disculpe por supuesto eee […] le voy a pagar
(M1A23)
Observamos en este corpus, que las tácticas de atenuación más frecuentes son
las mismas de las variedades de habla chilena y brasileña. Los hablantes hacen uso de
los mecanismos de justificación y explicación en nueve de las diez entrevistas (cuatro
mujeres y cinco hombres). Otro procedimiento frecuente en el habla argentina es el de
la formulación indirecta de actos de petición o solicitud, también nueve entrevistados lo
usaron, pero la distribución entre ambos sexos cambia – cinco mujeres y cuatro
hombres. En (18) se puede comprobar la justificación como atenuación de un acto
amenazante:
(18)
Eee no queee económicamente / estoy en una situación complicada / y queee
no voy a podeeer pagarle / en tiempo y forma (H4A26)
El hablante (18) justifica el atraso del alquiler por la situación complicada que
vive. Los informantes argentinos anteponen la justificación al pedido en cinco de las
diez intervenciones. Este resultado equilibrado difiere de los otros corpus en los que
prevalece la anteposición de la táctica de justificación y explicación al pedido. Este dato
puede dar señales del ethos argentino, que se caracteriza por la necesidad de
autoafirmación y confianza. Según Celada (2002b, p.6), el discurso de la variedad
rioplatense vincula la palabra a la verdad, bien como a marcas de responsabilidad. De
este modo, el hablante no juzga necesario hacer uso de muchas explicaciones para
hacerse creíble. La justificación en el corpus argentino parece, más bien, indicar la
afectividad hacia su interlocutor, pues, según Boretti (2003), la función afectiva es un
importante componente identitario del perfil comunicativo argentino.
En un continuum que ubica las estrategias atenuantes, encontramos los
hablantes brasileños en el polo positivo (atenúan más) y los argentinos en el polo
negativo (atenúan menos). En la mitad de la escala se sitúan los chilenos.
136
5. Discusión de los resultados
Las estrategias corteses hasta aqui consideradas, surgen mayoritariamente por
necesidades de cortesía negativa, minimizando la amenaza de una petición. Al rebajar la
fuerza ilocutiva del pedido de atraso con el pago del alquiler, los hablantes intentan
reducir el grado de amenaza a la imagen del interlocutor y, en consecuencia, alcanzar la
meta comunicativa. Cuanto menos expuesto se sienta el interlocutor, más a gusto estará
para la toma de decisiones.
Como se pudo comprobar a través de los resultados obtenidos, las estrategias de
cortesía negativa predominaron en todos los corpus, sin embargo, la frecuencia de uso
de atenuantes, bien como los tipos de tácticas difirieron bastante según la variedad
geográfica de habla española. En el caso particular del corpus de Brasil, la cantidad de
recursos atenuadores utilizados señala la oposición de los brasileños a reconocer la
negativa o el rechazo como una posibilidad en la interacción. Es evidente que los
hablantes de las tres variedades de habla necesitan la aceptación del propietario del piso,
pero los datos brasileños revelan una fuerte preocupación por evitar el desacuerdo. La
actividad de imagen en el corpus brasileño está directamente relacionada a la cantidad
de palabras enunciadas (820).
El cálculo de la frecuencia relativa del número de tácticas por cantidad de
palabras de cada muestra, indica que los hablantes chilenos son los que más utilizan
atenuadores en la situación comunicativa de petición (10 mecanismos de atenuación a
cada 100 palabras), enseguida aparecen los argentinos (8 procedimientos de atenuación
a cada 100 palabras) e en tercer lugar están los brasileños (5 a cada 100 palabras). Sin
embargo, las extensas narraciones de los brasileños que aparecen como táctica de
justificación y explicación son el motivo del aumento del número de palabras, lo que
modificó la frecuencia relativa. Se nota que la táctica de la justificación fue la más
frecuente en todas las variedades de habla, pero si observamos el contenido de las
justificaciones y explicaciones, identificamos rasgos culturales propios de cada una de
las comunidades. La profundidad del contenido de las justificaciones gradualmente se
hace más superficial a medida que cambia de una variedad a otra. Mientras los
brasileños relatan casos de enfermedad en la familia, sueldos atrasados (19) entre otras
137
cosas, los chilenos simplemente mencionan haberles ocurrido algo (20) y los argentinos
no siempre comentan sobre el motivo del pedido de atraso (21):
(19)
Le explicaría queee la empresa donde trabajo/ en la empresa hubo un
problema y queee por ese motivo ah como es una empresa pública los sueldos
están retrasados yy de esa manera no podré darle el pago el día que estaba
previsto (H2B20)
(20)
Pucha le diría así como/ le pediría disculpa primero/ así como:: / si tuve
problemas le diría que tuve ciertos problemas y que por eso le pagaría lo antes
posible/ lo faltante ¿no? (H4C20)
(21)
Le pediría si me hace el favooor de bancaaarme el tiempo que sea necesario
hasta que le pueda pagar / para no quedar en la calle (M2A27)
La frecuencia de usos atenuantes en el corpus de Salvador de Bahia podría
llevarnos a creer que los brasileños constituyen una cultura de distanciamiento, pero los
temas personales que aparecen en las justificaciones demuestran lo contrario. Según
Briz (2007, citado por Albelda y Briz, 2010, p. 249), la atenuación es un rasgo que
contribuye a definir una cultura de + o – acercamiento. De acuerdo con el autor, cuanto
más acercamiento, menos atenuantes, sin embargo, la cultura brasileña llena todos los
demás requisitos de una cultura de acercamiento (+ cortesía valorizante, +
intervenciones colaborativas, + habla simultánea, + cercanía física al hablar etc.),
excepto el de la atenuación. No queremos con eso cuestionar la eficacia del continuum
propuesto por Briz (2007, citado por Albelda y Briz, 2010, p. 249), sino resaltar la
diversidad cultural, en la que cada cultura asume una dinámica propia que resiste a
sistematizaciones. Las culturas no se pueden encuadrar en un marco inmutable porque
138
toman distintas formas de acuerdo con el movimiento de los individuos fragmentarios
que las componen.
6. Conclusión
El análisis del discurso de 30 hablantes de español de diferentes variedades
reveló formas de atenuación que pueden situarse dentro de la cortesía, porque se
pretende conseguir la colaboración del interlocutor del evento comunicativo y mitigar
un desacuerdo. La atenuación en los corpus, desempeñó funciones corteses cuando el
hablante intentaba proteger la imagen ajena mediante tácticas como la indeterminación
de la cualidad o cantidad de lo dicho, las expresiones de restricción en la opinión o
petición, las promesas, entre otras.
Se observó en las muestras el uso predominante de dos tácticas de atenuación, la
justificación y explicación y la formulación indirecta de actos de petición o de solicitud.
Sin embargo, la justificación y explicación en el corpus de Brasil confirman el ethos
emotivo de los brasileños que relatan historias con la finalidad de apelar a las emociones
del interlocutor. La presencia de 10 atenuadores a cada 100 palabras en el corpus
chileno ratifica el ethos de sumisión de esta variedad que privilegia al interlocutor. Y en
el caso argentino, el ethos de + confianza se evidencia en intervenciones más directas.
En cuanto al grado de directividad en los corpus investigados, los resultados
coinciden con estudios previos que retratan la cultura argentina con un grado de
directividad superior al de los chilenos y brasileños. De este modo, los hablantes
argentinos ejemplifican una cultura de acercamiento al paso que los chilenos
representan las culturas de distanciamiento. Con respecto a los brasileños, se verificó
un alto grado de indirectividad debido al uso frecuente de narraciones para atenuar la
amenaza a la imagen del interlocutor. Eso no significa que se deba considerar la cultura
brasileña como de distanciamiento, pues las justificaciones y explicaciones están
constituidas por relatos personales que exponen la intimidad de los hablantes.
Consideramos un corpus brasileño para esta investigación porque defendemos el
reconocimiento del español de los hablantes no nativos. Esta postura responde al
imperativo de una sociedad globalizada que no reconoce límites geográficos ni
lingüísticos, sino identidades que se manifiestan a través de la lengua en uso.
139
REFERENCIAS
ALBELDA M. M; BRIZ, Antonio. (2010) Cortesía y atenuantes verbales en las dos orillas a
través de muestras orales. En: ALEZA I; Milagros y ENGUITA UTRILLA, J. M. (coords.):
La lengua española en América: normas y usos actuales, Universitat de València,
Valencia, pp. 237-260. Recuperado de <http://www.uv.es/aleza>. Accesado en 10/01/2015.
ANDRADE, O. de. (1928-1976) Manifesto antropófago e Manifesto da poesia Pau
Brasil. Recuperado de http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf. Accesado en
28/02/2015.
BORETTI, S. (2003) Cortesía, imagen social y contextos socioculturales en la variedad del
español de Rosario, Argentina. En BRAVO, D (ed) (2003) Actas del Primer Coloquio del
Programa Edice: la perspectiva no etnocentrista de la cortesia: Identidad sociocultural
de las comunidades hispanohablantes. Estocolmo, Programa Edice. Recuperado de
Programa Edice, www.edice.org Accesado en 21/04/2015.
BRAVO, D. (2004) Tensión entre universalidad y relatividad en las teorías de la cortesía.
En BRAVO, D; BRIZ, A. (eds) Pragmática sociocultural: estudios sobre el discurso de
cortesia en español. Barcelona: Editora Ariel, pp. 39-53. Accesado en 15/07/2015.
BRIZ, A. Grupo Val. Es. Co. (2006) Atenuación y cortesia verbal en la conversación
coloquial: su tratamiento en la clase de E/LE. Recuperado de
http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/publicaciones_centros/PDF/munich_2005-
2006/02_briz.pdf Accesado en 25/08/2015.
BRIZ, A. (2013) A atenuação e os atenuadores: estratégias e táticas. Trad. de SILVA, L.A;
ANDRADE, A. M; BLANCO, R. En: Linha d’Água, n. 26 (2), p. 281-314. Recuperado en:
http://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/viewFile/64415/71564. Accesado en
04/008/2015.
BROWN, P.; LEVINSON, S.C. (1987) Politeness: Some Universals in Language Usage.
Cambridge, CUP. Accesado en 15/06/2015.
CELADA, M. T. (2002a) O espanhol para o brasileiro. Uma língua singularmente
estrangeira. Campinas: São Paulo. Recuperado de
http://dlm.fflch.usp.br/sites/dlm.fflch.usp.br/files/Tese_MaiteCelada.pdf Accesado en
140
22/08/2015.
CELADA, M. T. (2002b) Sobre certas formas de se dizer brasileiro. En Proceedings of
the 2. Congreso Brasileño de Hispanistas, 2002, San Pablo, Brazil) 2002. Recuperado de
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC00000000120020
00100042&lng=en&nrm=iso Accesado en 02/08/2015.
ERLAUER, N. Z. (2011) Cómo se ve a sí mismo el hombre chileno. La tercera.
Recuperado dehttp://diario.latercera.com/2011/03/05/01/contenido/tendencias/26-61283-9-
como-se-ve-a-si-mismo-el-hombre-chileno.shtml Accesado en 15/07/2015.
FANJUL, A. P. (2011). Policêntrico e Pan-Hispânico: Deslocamentos na vida política da
língua espanhola. En LAGARES, X; BAGNO, M. (Org.). Políticas da norma e conflitos
linguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, pp. 299-330.
GOFFMAN, E. (1967) On facework. En GOFFMAN, Erving. Interaction Ritual. New
York: Doubleday. pp. 05-45. Ritual. Recuperado de
http://web.stanford.edu/~eckert/PDF/GoffmanFace1967.pdf. Accesado en 20/07/2015.
GUMPERZ, J. J. (2002) Convenções de contextualização. En: GARCEZ, P. M.; RIBEIRO,
B. T. (Orgs.). Sociolinguística Interacional. 2.ed. São Paulo: Loyola, pp. 149-182
Accesado en 29/07/2015.
HAVERKATE, H. (1996). Estrategias de cotesía. Análisis intercultural. Recuperado de
http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/asele/pdf/07/07_0043.pdf Accesado en
13/08/2015.
_______________ (2004) El análisis de la cortesía comunicativa: categorización
pragmalinguistica de la cultura española. En BRAVO, D y BRIZ, A. (eds) Pragmática
sociocultural: estudios sobre el discurso de cortesia en español. Barcelona: Editora Ariel,
pp. 55-65.
JORDAO, C. M. (2014). "ILA - ILF - ILE - ILG: Quem dá conta?". RBLA, v.14, n.1, pp.
13-40.
KERBRAT-ORECCHIONI C. (1992) Les interactions verbales. Vol 2. Paris: Colin.
KERBRAT-ORECCHIONI C. (2004) ¿Es universal la cortesía? En BRAVO, D; BRIZ, A.
(eds) Pragmática sociocultural: estudios sobre el discurso de cortesia en español.
Barcelona: Editora Ariel, pp. 39-53.
PIGLIA, R. (2011) La lectura enemiga. Página 12. Recuperado de
141
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/libros/subnotas/4408-494-2011-09-18.html
Accesado en 13/01/2015.
Placencia, M. E. (2010). (Des)cortesía, migración y comunicación intercultural. In F. Orletti
& L. Mariottini (Eds.), (Des)cortesía en español.Espacios teóricos y metodológicos para
su estudio (pp. 399-430). Roma:Universidad Roma Tre - Programa EDICE. Recuperado de:
http://www.edice.org/descargas/4coloquioEDICE.pdf. Accesado en 13/08/2015.
PUGA, J. (1997) La atenuación en el castellano de Chile: un enfoque
pragmalinguistico. Universitat de Valencia. Recuperado de
http://www2.udec.cl/pragmatica/atenuacion/libro/ Accesado en 13/01/2015
142
APROXIMAÇÕES ENTRE O QUIXOTE E O JOGO DA
AMARELINHA62
Adriana de Borges Gomes
UNEB
Introdução
É notório que O jogo da amarelinha (1963) é o romance mais expressivo de toda
a produção literária de Julio Cortázar63
. Isso equivale dizer que a obra corresponde às
expectativas das diversas seções que conformam o recinto literário. O romance tornou-
se emblemático para leitores de algumas gerações; significativo para autores
importantes na amplitude de literaturas diversas e um representativo objeto de análise da
crítica literária. Ou seja, um importante legado da literatura latino-americana.
A crítica argentina Ana María Berrenechea, no mesmo ano da publicação do
romance, em 1963, escreveu um ensaio sobre o livro de Cortázar que foi publicado em
1964 na revista Sur, de Buenos Aires, cujo comitê editorial era composto, entre outros
nomes, por Jorge Luis Borges, Eduardo González Lanuza, Eduardo Mallea, Ezequiel
Martínez Estrada, Silvina Ocampo e Adolfo Bioy Casares. As palavras inicias de Ana
María Barrenechea sobre O jogo da amarelinha declararam que o romance era já
esperado pelo leitor cortazariano, desde o conto «El perseguidor», e situaram o livro de
Cortázar na «mejor» tradição romanesca, a de Miguel de Cervantes:
Cortázar ha escrito la gran novela que esperábamos de él, la que anunciaba
«El perseguidor» (la intensa nouvelle de Las armas secretas). Rayuela es un
libro complejo y rico, situado en la mejor tradición que abre la novelística
desde sus comienzos – aunque él insista en que quiere realizar una
antinovela, escribir antiliteratura –. Digo en la mejor tradición novelística
62
Recorte da minha tese de doutorado, intitulada Um tal Morelli, coautor do Quixote: a leitura como
poética da escritura (2014). 63
No entanto, vale ressaltar que as críticas argentinas Ana María Barrenechea (nas articulações de sua
análise) e Beatriz Sarlo (mais incisivamente clara), por exemplo, coincidem na eleição do romance 62/
Modelo para armar (1968), como o melhor livro do escritor. Beatriz Sarlo, ao afirmar que O jogo da
amarelinha é um romance de deriva em trânsito espacial, no qual a própria ficção espacializou-se;
observa de maneira elogiosa que este processo de espacialização da ficção culmina em 62/ Modelo para
armar: «En esta novela, la más difícil, la más discutible y la más perfecta de Cortázar, todo se juega en
el tránsito entre espacios reales (referenciales) y espacios virtuales» (SARLO, 2007, p. 265).
143
porque es la que instaura con Cervantes, la que al abrir la novela a la vida
la incluye en su totalidad: los hombres con sus acciones y sus pasiones, con
sus problemas y sus imaginaciones, y también los productos de lo que
imaginan, la literatura y el arte, sin olvidar el análisis, la pasión o la burla
sobre ese mundo de hechos y de objetos mágicos que su actividad creadora
ha producido (BARRENECHEA, 1964, p. 69-73).
Em 1973, dez anos da publicação do romance, Davi Arrigucci Jr. proporcionava
à crítica brasileira um conhecimento globalizante da produção literária cortazariana,
desde sua contística, passando pelo veio poético do escritor, culminando na substancial
análise d’O jogo da amarelinha. O título do estudo de Arrigucci, O escorpião
encalacrado – a poética da destruição em Julio Cortázar, é muito representativo,
porque captura o centro da discussão franqueada no romance do escritor argentino, com
uma imagem retirada do próprio texto do romance, no capítulo 28 «El alacrán
clavándose el aguijón, harto de ser un alacrán pero necesitado de alacranidad para
acabar con el alacrán» (CORTÁZAR, 1995, p. 181). Antonio Candido, que prefaciou a
primeira edição deste estudo, publicado pela editora Perspectiva, observou com precisão
que o tema de Arrigucci não é exclusivamente a poética de Cortázar:
[...], pois pode ser lido também como se o seu assunto fosse a crise dos meios
tradicionais do que se chama a expressão literária. [...]. Não se trata, portanto,
de suicídio, mas de consequência natural do desenvolvimento e alteração dos
meios expressivos, como se dizia. Este é o problema central do livro de Davi
Arrigucci Júnior, na medida em que o encaramos do ângulo da teoria
literária. [...]. Mas o fato é que Davi Arrigucci Júnior vai e volta entre o caso
concreto e o problema geral, indo voltando entre Cortázar e o nosso ciclo de
cultura (CÂNDIDO, 1973, p. 9-10).
Divisando que O jogo da amarelinha parece ter “reaprendido a voracidade das
origens”, Arrigucci (1973, p. 289) associa o romance de Cortázar com a tradição
humorística do Quixote, sobretudo, no que se refere à técnica cervantina da mescla de
gêneros literários, que compõe o conjunto romanesco do livro do século XVII, como “o
marco inicial das violações possíveis, o primeiro grande romance, que já é também o
primeiro anti-romance” (1973, p. 289). Para Arrigucci, o Quixote de Cervantes, como
obra paradigmática, é um fecundo ponto inicial para analisar O jogo: “Rayuela [...]
herdou, com efeito, a contundência crítica e autocrítica, a virulência humorística da
tradição hispânica, a que nega ou parodia a tradição: a pança pantagruélica do Dom
144
Quixote, [...]”(1973, p. 289). O teórico brasileiro pontua, ainda, uma peculiaridade do
romance de Cortázar:
Aqui não importa sobretudo o que se nega e o que se busca a partir da
negação: Rayuela é uma narrativa que projeta ser e fundamenta esse projeto –
[...] – na desmontagem irônico-crítica da própria narrativa. [...]. Já não é
preciso insistir no panorama, para se dar uma ideia da radicalidade de
Rayuela no conjunto da produção literária contemporânea; é suficiente
lembrar que, no âmbito hispano-americano, nem a obra de Borges chegou a
um tal extremo de consciência na liquidação de fórmulas literárias
(ARRIGUCCI, 1973, p. 288-289).
O crítico argentino Jaime Alazraki também antevê uma aproximação entre o
Quixote de Cervantes e O jogo da amarelinha de Cortázar: «Con Rayuela tenemos los
latinoamericanos lo que el Quijote había sido para España en el siglo XVII»
(ALAZRAKI, 1994, p. 179). A enunciação de Alazraki está correlacionada com a
concepção que o escritor norte-americano Courtlandt Dixon Barnes Bryan tem do
romance cortazariano; de que se trata da mais poderosa enciclopédia de emoções e
visões que já havia sido produzida pela geração internacional de escritores do pós-
guerra (BRYAN apud ALAZRAKI , 1994, p. 179). Em seu artigo «Rayuela», de 1994, (10
anos após a morte de Cortázar), Jaime Alazraki assinala que o tema do romance é
também o tema de grande parte da literatura contemporânea, que estava preocupada
com o naufrágio cultural e o ‘extravio’ do homem:
Rayuela no es la búsqueda de un modelo político, cultural o social, sino la
articulación de una nostalgia por esa inocencia primera en que el hombre
vivió conciliado con el mundo. Pero para tocar esa armonía primordial
Rayuela desanda todos los caminos en cuyo curso se ha formado el hombre
occidental tal como hoy lo conocemos y en cuyo curso ha perdido su
dirección originaria. Mucha de la literatura de este siglo traza el mapa de
ese extravío o comunica el grito desgarrado del hombre perdido en la selva
de sus propias fabricaciones. Basta pensar en Camus, Musil o Beckett para
comprobar de inmediato que la desnaturalización y alienación del hombre
moderno es la preocupación dominante de un buen segmento de la ficción
contemporánea. […]. Rayuela no es novela argentina en lo que Argentina
tiene de accidental y efímero; lo es en esa dimensión intrínseca desde la cual
todo argentino, que piensa, se reconoce. […], lo que parecía europeizante en
Cortázar es lo europeo, la influencia europea que tiene Buenos Aires (p. 175-
176)
Também em 1994, o crítico Saúl Yurkievich publicou o livro intitulado Julio
Cortázar: mundo y modos (mencionado no capítulo 1), no qual afirma que a clave
145
central d’O jogo está fundamentada em uma aspiração poética. Segundo Yurkievich, a
função narrativa consiste bem mais no fomento para a celebração de ápices poéticos,
revelados pela composição contrastiva e pela dissonância entre discurso prosaico e
arrebatamento lírico, do que no relato mesmo da história (YURKIEVICH, 2004, p. 196).
A técnica de collage do romance, apostada nesse entrelace da linguagem cotidiana e
usual com a poética, tem aí o seu auge, tornando-se referência literária para narradores
hispano-americanos:
Rayuela consuma la aclimatación del collage a la narrativa en lengua
española. Nutrida es la lista de los narradores hispanoamericanos
tributarios de este modelo; ella crece sin cesar. […]. El collage pone en
evidencia la verdad íntima de todo lenguaje: la disparidad y la rivalidad
básicas. […]. El collage da pleno pie al placer de manejar simultáneamente
toda laya de fuentes, citas, inyecciones y contaminaciones (p. 143-144).
O escritor e crítico Carlos Fuentes, no ensaio «Julio Cortázar y la sonrisa de
Erasmo» (2011) afirmou que O jogo é um convite à recreação da linguagem da
modernidade da América espanhola. Fuentes considerou, ainda, que «Julio Cortázar y
Rayuela colocan a la novela hispanoamericana en el umbral mismo de la novela
potencial: la novela del por venir de un mundo culturalmente insatisfecho y diverso»
(FUENTES, 2011, p. 222). Beatriz Sarlo, crítica argentina, escreveu que o romance
passou a ser o livro esperado por todos na década de sessenta do século XX,
convertendo-se, assim, «en la novela que todos reconocieron como el experimento
narrativo que ponía la literatura latinoamericana a la altura de los tiempos» (2007, p.
239). Sarlo observou, ainda, que o romance foi, de certa forma, oportuno, porque estava
em consonância com os eventos histórico-sociais do momento:
Rayuela pasó a ser el libro esperado por todo el mundo. Conectaba
perfectamente con el aire de los tiempos: liberación sexual, refutación de la
autoridad, incluso, como poco después los Beatles, algo de orientalismo.
(…). Provocó, en pocos años y hasta hoy, verdaderas montañas de artículos,
ensayos, tesis, polémicas. Adorada por el público y respetada por los
escritores, fue traducida en casi todo el mundo. Forma parte del primer
contingente de libros que inicia el proceso de internacionalización de la
literatura latinoamericana (p. 239).
O jogo da amarelinha, então, é um livro de vultoso relevo da literatura hispano-
americana, que em 2013 completou cinquenta anos de existência influente. O crítico e
tradutor brasileiro Ari Roitman prefacia a edição especial 50 anos de publicação do
146
romance, pela editora Civilização Brasileira. Roitman salienta, entre outros temas
discutidos, que a gênese do livro é própria da improvisação criativa do escritor
argentino, lembrando a declaração de Cortázar de que havia começado a escrever algo
que lhe parecia inicialmente um conto, mas que ao mesmo tempo era muito extenso
para o gênero64
. Para o crítico brasileiro, não há dúvida de que “os apreciadores de bons
livros” agradecem a Julio Cortázar pela escritura do romance, pois que O jogo é um
livro que seguirá eternamente marcando gerações:
Há livros que marcam a sua geração. Há livros que se tornam marca dessa
geração aos olhos das seguintes. E há livros que nascem para ser eternos.
Este, como poucos, pertence às três categorias. Publicado nos já míticos anos
60, O jogo da amarelinha teve imediatamente uma recepção extraordinária
nas mais variadas línguas e latitudes. Vivia-se um tempo de rupturas. Na
política, nas artes, nos costumes, por toda parte o novo forçava passagem
para substituir ao velho, subvertendo os parâmetros civilizatórios vigentes. E
por toda parte este livro capturou, com sua ousadia formal, com seus
personagens inesquecíveis, com sua visão de mundo complexa e sensível, a
atenção de multidões de leitores, principalmente de jovens leitores. [...].
Percorrer as páginas de O jogo da amarelinha é penetrar num caleidoscópio
verbal minuciosamente inventado, elegantemente construído, [...].
Empreender sua leitura – [...] – é uma experiência, mais que literária,
existencial (ROITMAN, 2013, p. 5-9).
A atmosfera de comemoração de «Rayuela 50 años» expandiu-se à celebração
da data simbólica do aniversário de nascimento de Julio Cortázar, que completaria cem
anos se estivesse vivo. Algumas manchetes em periódicos vinculados na web haviam
anunciado desde 2013 que a Argentina (assim como outros dois países) celebraria, em
2014, «El año Cortázar65
»:
64
Ver PREGO, Omar. Julio Cortázar: la fascinación de las palabras. Montevideo: Trilce, 1990. Pp. 151-
153: «En realidad, Rayuela es un libro cuya escritura no respondió a ningún plan. […]. Los personajes
estaban curiosamente muy definidos y el personaje principal de eso que yo pensé que iba a desembocar
en un cuento,se llamaba sin ninguna vacilación Horacio Oliveira y era alguien de quien yo tenía la
impresión de conocer desde muy adentro». 65
25 de junio de 2013 - Año Cortázar 2014: Cien años con Julio: La Secretaría de Cultura de la
Presidencia de la Nación, la Televisión Pública, el Museo Nacional de Bellas Artes, la Biblioteca
Nacional, el Museo del Libro y de la Lengua, y el Municipio de Chivilcoy invitan al lanzamiento del Año
Cortázar 2014, que se realizará como parte de la inauguración de la muestra "Rayuela. 50 años". La cita
es el viernes 28 de junio de 2013 a las 17.30, en el hall central de la Televisión Pública (Av. Figueroa
Alcorta 2977, Ciudad de Buenos Aires). En el acto, (…), se anunciarán una serie de actividades a
realizarse a propósito del año homenaje: exposiciones de fotografías, jornadas internacionales de
literatura, un concurso de guiones y videojuegos, la edición de un libro de historietas, y la inauguración
de un centro cultural en Chivilcoy, entre otras propuestas. (…). La exposición cuenta con curaduría y
diseño de la Casa Nacional del Bicentenario, de la Secretaría de Cultura de la Presidencia de la Nación,
147
El 2014 será sinónimo de Cortázar. Este año se celebrarán los 100 de su
nacimiento, ocurrido el 26 de agosto de 1914, con exposiciones, encuentros y
libros en Argentina, México y Francia. Es un eco aumentado del año que
recién pasó, cuando se celebraron los 50 años de Rayuela, su más famosa y
atrevida novela. En 2014 hay incluso otra fecha en juego: Cortázar murió el
14 de febrero de 198466
, hace casi 40 años67
.
Traços adjacentes entre as poéticas de Borges e Cortázar
Jaime Alazraki, crítico que organizou a Obra Crítica v.2, de Cortázar, publicou
o livro Hacia Cortázar: aproximaciones a su obra, em 1994, pela Editorial Anthropos,
de Barcelona. No livro, Alazraki dedica dois capítulos que discutem aproximações e
distanciamentos entre as obras de Borges e Cortázar: «Dos soluciones al tema del
compadre en Borges y Cortázar» e «Tres formas del ensayo contemporáneo: Borges,
Paz, Cortázar».
No artigo que aborda o tema do compadre, o crítico observa que, a partir do
código de honra que rege a categoria «del tipo compadrito argentino de barrio», as
distâncias e variantes de aproximação do relato de Cortázar em relação ao de Borges se
producción de la Televisión Pública y apoyo de la Fundación Internacional Argentina (FIA).El Año
Cortázar 2014 está organizado por la Secretaría de Cultura de la Presidencia de la Nación, la Televisión
Pública, el Museo Nacional de Bellas Artes, la Biblioteca Nacional, el Museo del Libro y de la Lengua, y
el Municipio de Chivilcoy. Así, el Estado nacional rinde homenaje a uno de los más célebres escritores
argentinos a un siglo de su nacimiento y a cincuenta años de la publicación de una de las obras
fundamentales de la literatura universal. Disponível em http://www.cultura.gob.ar/noticias/ano-cortazar-
2014-cien-anos-con-julio/. Acesso em 20 de janeiro de 2014. Ver também: EL PAÍS – CULTURA - 8
DE ENERO DE 2014 “2014, el año de Octavio Paz y Julio Cortázar - En 2014 se conmemoran los
centenarios de nacimiento de dos de los escritores hispanohablantes más importantes del siglo XX
Biografías, libros sobre sus obras y recuperaciones de títulos, más múltiples homenajes especialmente en
México y Argentina También son los centenarios de Bioy Casares y Nicanor Parra, y 50 años de la
muerte de Luis Martín-Santos”.
Disponível em http://cultura.elpais.com/cultura/2014/01/05/actualidad/1388908964_340104.html. Acesso
em 20 de janeiro de 2014. 66
A informação da data da morte de Cortázar está equivocada. Ele faleceu em 12 de fevereiro de 1984.
Ver PREGO, Omar. Julio Cortázar: la fascinación de las palabras. Montevideo: Trilce, 1990. p. 11:
“Murió el domingo 12 de febrero, poco después del mediodía y lo enterramos el martes 14 en el
cementerio de Montparnasse a las once y media de la mañana, en la tumba de su mujer, Carol Dunlop,
muerta en noviembre de 1982”. 67
Ver Roberto Careaga C. (15/01/2014) “México, Francia y Argentina celebrarán los 100 años de
Cortázar Con libros y exposiciones recordarán al autor de Rayuela, nacido en 1914.” Disponível em
http://www.latercera.com/noticia/cultura/2014/01/1453-560832-9-mexico-francia-y-argentina-celebraran-
los-100-anos-de-cortazar.shtml. Acesso em 20 de janeiro de 2014.
148
mostram evidentes. Para Alazraki, a eleição do mesmo tema por dois escritores oferece
ao crítico a hipótese mais propícia para estabelecer a originalidade de um diante do
outro: «Es aquí donde comienza a definirse un estilo que en cada uno de los dos cuentos
ofrece un microcosmo de la estética de sus autores» (p. 76). O conto de Borges
analisado foi «Hombre de la esquina rosada», do livro Historia de la infamia universal
(1935), e o de Cortázar foi «El móvil», do livro Final de fuego (1956). Em ambos os
relatos, os narradores, em primeira pessoa, propõem-se a reparar uma injustiça, assim
como insistem no caráter inverossímil da narração, comparando-a com a literatura. Ou
seja, os escritores enfatizam a condição ficcional dos fatos: «Parece cuento» (Borges);
«y háganse de cuenta que están leyendo el conde de montecristo» (Cortázar)
(ALAZRAKI, 1994, p. 77).
O conto de Borges difunde o código da coragem que rege o destino do
compadre, pois o escritor entende que a figura do compadrito argentino se acerca a um
mito em que expressa «la dura y ciega religión del coraje, de estar listo para matar o
morir» (BORGES, 1965, p. 155). E, assim, tendo como princípio esse código da
coragem, Borges outorga forma literária a seu conto, recriando a fala dos compadres de
1895 na produção oral de uma textura linguística dessa época, mesclada a seu estilo de
escritor. A essa reprodução da linguagem dos compadres da época, na qual acontece a
história no conto, Alazraki entende que é semelhante ao pastiche artificial que José
Hernández usou na criação do Martín Fierro (1872), recurso criticado pelo próprio
Borges no estudo que fez da obra.
O argumento do tema também segue o código da conduta do compadre quando a
narrativa apresenta a tensão em dois conflitos: o primeiro é a humilhação do bairro
quando um compadre se acovarda diante de um forasteiro; o segundo é gerado pelo
primeiro quando o sentimento de vingança cresce. A punhalada já não deverá ser
desferida exatamente pelo covarde, para que este se repare de uma afronta pessoal, mas
sim poderá ser desfraldada por qualquer outro punhal, motivado pelo escárnio de todo o
bairro. O insulto a um homem se torna um insulto coletivo, num efeito de causalidade
bairrista.
No conto de Cortázar, porém, o compadre assume características mais
contemporâneas, em que o compadrito argentino não é mais uma figura mítica que se
encontra engessada a um código de honra coletivo: «El personaje de Cortázar tiene
149
mucho de compadre, pero tiene también mucho de un tipo porteño muy actual para
quien el país no se reduce a la ‘villa’ o ‘barrio’» (ALAZRAKI, 1994, p. 86). Em vez de
usar os jargões exclusivos dos compadres, Cortázar trabalha com uma linguagem que
está mais próxima dos argentinos em geral: «Las referencias al cine indican que estamos
ya en una Argentina más contemporánea» (p. 86).
Neste caso, o escritor buscou cinzelar o tom da narrativa mais adequado à
intenção que almejava para o tratamento do tema. O argumento do conto de Cortázar68
organiza-se em torno de dois triângulos amorosos: o primeiro, ocorrido há vinte anos,
quando um amigo do narrador (homodiegético) foi assassinado com um tiro pelas
costas, provavelmente por ter se envolvido com a mulher de outro homem; o segundo
triângulo ocorre no tempo presente da narração, em que o narrador pede auxílio à
mulher com quem está envolvido para descobrir se a identidade do assassino do seu
amigo (no passado) corresponde ao homem de quem ele (agora) suspeita. Mas ocorre de
esta mulher se apaixonar justamente pelo suspeito.
A técnica que Cortázar utiliza na narrativa é a de alusões, e o narrador não tem
certeza se os fatos ocorrem exatamente daquela maneira. Então, somente quando se
forma o segundo triângulo amoroso, o narrador percebe que a morte do amigo pode não
ter sido totalmente injusta. O envolvimento da mulher do segundo triângulo com o
suspeito pretende desfazer as suspeitas do narrador, que continua desconfiado.
Entretanto, comprova-se que era outro o assassino. O narrador se encontra, então, num
dilema: sente-se traído e deseja matar o homem que lhe roubou a mulher, mas precisa
vingar o amigo morto, isto é, matar outro homem, que não aquele que lhe roubou a
mulher. Contudo, ele se vê agora no lugar do homem traído, coincidindo com o lugar do
assassino de seu amigo.
Dessa forma, matar o assassino de seu amigo implicaria aceitar a conduta do
homem que lhe tirou a mulher. E o contrário, matar o velhaco que lhe tirou a mulher
seria aceitar a conduta do assassino de seu amigo. A opção do narrador é por matar o
homem envolvido em seu triângulo amoroso, e não no do seu amigo. O narrador
escolhe vingar a si, em vez de vingar o amigo. Cortázar, então, desarma o argumento do
conto de Borges, no qual o código de honra do compadre prevalece, substituindo-o por
68
Percebo aqui a veracidade da previsão de Borges ao dizer que corremos o risco de suprimir algo
importante ao tentarmos resumir o argumento dos textos de Cortázar.
150
outra ordem, embora seu ponto de partida tenha sido aquele código. Por isso, a
diferença da unidade temporal nos dois contos é importante, pois ela determina o perfil
dos compadres. Quando o narrador opta pela sua vingança pessoal, abandonando o
sentimento de ultraje coletivo, do “um por todos e todos por um ‘do bairro’”, por
considerar mais importante seu próprio ultraje, Julio Cortázar imprime o câmbio do
coletivo pelo particular, do todo pelo indivíduo, desbancando o ideal bairrista que
conformava a figura do compadrito:
El cuento de Cortázar parte también de la aceptación de ese código, para
mostrarnos luego, mediante un inesperado vuelco, una doble perspectiva
desde la cual el código del compadre, como todo código, se relativiza
subordinando-se a las necesidades más próximas a nuestro ego (ALAZRAKI,
1994, p. 83).
O mais importante que Alazraki discute em seu artigo é que, devido à
perspectiva do argumento, o tratamento do tema é configurado por decisões estéticas
que conformam as poéticas, tanto a de Borges como a de Cortázar. O crítico pontuou
que, no conto de Borges, o enigma se reduz a identificar o forasteiro que assassinou o
compadre covarde; já no conto de Cortázar, a incógnita é dupla e opera por inversão de
valores. É manifesto que Alazraki compara os procedimentos estéticos dos dois
escritores, na observância da originalidade de um diante do outro, como ele mesmo
havia dito, e conclui que a narrativa cortazariana promoveu inovações significativas
diante da narrativa borgiana.
Saúl Yurkievich69
é outro estudioso da obra de Cortázar que confrontou as
poéticas dos dois autores no ensaio «Borges\ Cortázar: mundos y modos de la ficción
fantástica» (2004). O crítico começa situando o espaço que melhor se ajusta à literatura
fantástica, que não seria às margens do Rio da Prata, como se pensou por algum tempo.
Ao contrário, a literatura fantástica se configuraria como um gênero urbano e
cosmopolita: «Los artífices de construcciones imaginarias proliferan allí donde la
conexión con lo metropolitano es mayor y más activa, en las capitales vinculadas al
intercambio internacional» (YURKIEVICH, 2004, p. 36). A exibição de um mundo
bonaerense ficcional, na apresentação de espaços mitificados, como o almacen, os
arrabales, o suburbio e a periferia, encontrou, segundo Yurkievich, nas produções
literárias de Borges e de Cortázar, sua mais fecunda expressão.
69
Súl Yurkievich organizou a Obra Crítica, V. 1, de Julio Cortázar, responsabilizando-se pela edição do
ensaio “Teoria do túnel” (1947).
151
Entretanto os dois se situam em posições opostas: o fantástico de Borges é
ecumênico, cuja fonte é «La Gran Memoria» geral da espécie; em Cortázar, o fantástico
é psicológico e opera como irrupção de forças estranhas na ordem de efetuações
admitidas como reais (YURKIEVICH, 2004, p. 37). Essa diferença basilar na
concepção do fantástico de um e do outro escritor é crucial na conformação do jogo
narrativo em que vão se estruturar seus relatos. Yurkievich chama a atenção para uma
questão que nos interessa: os dois escritores, apesar de atuarem com sistemas
simbólicos diferentes, convergem quando apresentam o fantástico, noticiando a
precariedade e a fragilidade do nosso fulcro mental sobre a realidade.
Se Borges trabalha com a esfera simbólica, “apelando” (palavra usada por
Yurkievich) para as imagens tradicionais das metáforas cunhadas pela imaginação
ancestral, pressupondo uma correlação do que é humano com o que é natural, o campo
simbólico de Cortázar atua a partir do “real imediato” (expressão de Yurkievich). O
ambiente, os personagens e a linguagem são índices de atualidade que «prolongan en el
relato el hábitat del lector» (p. 39). Em geral, os protagonistas são uma espécie de alter
ego do emissor e do receptor do texto, em que o autor se remete a sua própria
personalidade para personificar a de seus personagens:
Cortázar utiliza el sistema figurativo del realismo psicológico (...), pone en
acción todos los recursos de acercamiento (caracterización casi costumbrista,
empeño en lo típico, coloquialismo social y geográfico a los actores,
introspección) para establecer de inmediato la mayor complicidad con el
lector. (…). Cortázar sitúa, singulariza, individualiza a sus personajes,
abunda en la indicación psicológica para que el retrato imponga una
presencia más vibrante (…), una encarnación que parece prolongarse más allá
de la letra, (…). Sus personajes son nuestros semejantes, prójimo familiar
(YURKIEVICH, 2004, p. 40).
Borges, ao contrário, não particulariza nem individualiza suas personagens,
relativiza-as quando anula suas identidades através de desdobramentos de gerações (“O
Sul”), multiplicações de destinos que se interconectam (“A morte e a bússola”) ou
reversibilidades (“O tema do traidor e do herói”). Dessa forma, considera o eu como
simulacro em que toda marca individual distintiva é trivial e fortuita, inclusive,
parodiando uma referência do escritor argentino Yurkievich, esclarece: «Todo hombre
es otro (todo hombre, en el momento de leer a Jorge Luis Borges, es Jorge Luis Borges),
todo hombre es todos los hombres, que es lo mismo que decir ninguno»
(YURKIEVICH, 2004, p. 42). Borges, então, na preferência do estilo clássico, procura
apresentar uma visão arcaizante mesmo quando o relato acontece num ambiente
152
contemporâneo (“O outro”, “Pierre Menard, autor do Quixote”). Assim, o método de
Borges consiste em deslocar o leitor da sua ambiência para a da atmosfera do relato.
Saúl Yurkievich depreende que atravessar o gênero fantástico de Borges a
Cortázar é ser transladado do teológico ao teratológico, ou seja, passar da ordem do
sobrenatural para o campo das deformações orgânicas. O fantástico para Cortázar seria
parte do humanismo libertador, um agente de renovação; enquanto, para Borges, o
fantástico residiria no cruzamento entre o mito e a razão. Em coerência com Yurkievich,
o próprio Julio Cortázar, no ensaio “O estado atual da narrativa na América Hispânica”
(1976), noticia a diferença singular entre o relato de Borges “O milagre secreto”
(Ficções), que “se baseia mais uma vez na cristalização racional e erudita de algo que
outros só captaram em seu estado inculto”(CORTÁZAR, 2001, p. 94), e seu o conto “O
perseguidor” (Las armas secretas, 1959), que evidencia a pessoalidade da marca autoral
nas narrativas, perspectiva que Borges procurou dissimuladamente rechaçar:
O relato de Borges poderia pretender um simples artifício literário. Já
destaquei a frequente presença deste tema (introdução de um tempo
diferente) na literatura e nos sonhos e até o incluí numa passagem do meu
relato “O perseguidor”; mas no meu caso não tenho motivo algum para
obscurecer a autenticidade da minha experiência pessoal e criar a partir dela
uma engenhosa superestrutura de ficção (CORTÁZAR, 2001, p. 94).
Contudo, Davi Arrigucci Jr. destacou mais aproximações do que
distanciamentos entre as poéticas de Borges e de Cortázar, não apenas relacionadas ao
gênero fantástico, mas perpassando toda a produção literária dos escritores. Para
Arrigucci, a literatura tanto a de Borges como a de Cortázar revelam-se, sobretudo,
como um jogo. E partindo desse princípio, o crítico brasileiro elaborou sua discussão,
confrontando os projetos literários de Borges e de Cortázar, patenteando-os em
“Convergências, divergências: o círculo e a espiral”, capítulo do livro O escorpião
encalacrado: a poética da destruição em Julio Cortázar, de 1973. Arrigucci ressalta
que ambos os projetos confluem na simbiose de crítica e ficção no próprio âmbito da
ficção e acabam tematizando a literatura em si mesma: “Convergem a linguagem num
instrumento de indagação e crítica de si mesma e da própria realidade, tornando o
discurso literário também um registro de perplexidades metafísicas” (p. 167).
Com isso, Arrigucci lembra que a forma labiríntica da arte dentro da arte, da
obra dentro da obra, conforma a estética dos escritores como tema e método narrativos
centrais, remetendo-os a Cervantes, a Poe, a Flaubert, a Mallarmé e a Valéry, na
153
tendência de a literatura ter aguda consciência de si mesma, apresentando a denúncia de
“suas próprias convenções, explicitar as regras do jogo, indagando acerca de seu próprio
ser” (p. 168). Para Davi Arrigucci, a visão de Octavio Paz70
sobre a obra de Borges e a
de Cortázar é precisa: a obra de Borges é edificada sobre o tema vertiginoso da ausência
de obra; a obra de Cortázar, como edificação semelhante, leva adiante o jogo de
espelhos.
É por este entendimento dos projetos literários dos dois escritores que
entrevemos a ponte ficcional borgiana “Pierre Menard, autor do Quixote”, unindo o
Quixote, de Cervantes, ao O jogo da amarelinha, de Cortázar. Arrigucci ressalta, ainda,
que a literatura de Borges é uma busca circular que começa e acaba no mito, onde “tudo
pode entrar, de fato, no círculo lúdico do estilo”; e que a literatura de Cortázar é também
invenção lúdica, mas em busca de espiral, numa “expansão constante, em que se arrisca
sempre” (p. 168). Dessa forma, as bifurcações dos campos simbólicos das poéticas de
Julio Cortázar (real imediato71
) e de Jorge Luis Borges (mito) partem de um mesmo
tronco (o jogo lúdico da invenção), cujo sustentáculo é o tripé ficção, realidade e obra.
Embora nossa discussão não privilegie nem objetive a comparação entre os dois
escritores, na inferência da superioridade de um em relação ao outro, faz-se pertinente,
de alguma maneira, a forma de análise dos críticos Alazraki e Yurkievich. Os artigos
nos permitem compreender melhor e reconhecer com mais precisão os percursos que
aproximam Cortázar a Borges, na discussão fecunda de suas estéticas, que
determinaram e direcionaram os rumos da literatura argentina e, de certa forma, os
rumos da literatura mundial. Estamos mais próximos, porém, da visão crítica de Davi
Arrigucci Jr., que visualiza pontos convergentes e divergentes da literatura de Cortázar
com a poética de Borges, sem, no entanto, sinalizar a superioridade ou a originalidade
de um sobre o outro. O traçado que fazemos da produção literária e dos procedimentos
estéticos dos dois escritores nos proporciona maior solidez em formular a nossa tese de
que em O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, podemos encontrar o segundo Pierre
Menard, evocado pelo narrador do conto de Borges.
70
Ver PAZ, Octavio. El arco y la lírica. México: Fondo de Cultura Económica. 1967 apud ARRIGUCCI
JR., Davi. O escorpião encalacrado: a poética da destruição em Julio Cortázar. São Paulo:
Perspectiva, 1973. p. 168. 71
Expressão de Yurkievich que indica a interação da obra de Cortázar com o ambiente real e imediato do
leitor. (Cf. YURKIEVICH, Saúl. Julio Cortázar: mundos y modos. Buenos Aires: Edhasa, 2004).
154
É interessante, pois, delinear a ossatura do método edificado por esse segundo
Pierre Menard, procurando identificar até que ponto ele abrangeu e acatou o conselho
do amigo “autêntico” de Menard, em inverter o trabalho de escritura do Quixote, do
escritor francês do século XX. Vale salientar que Julio Cortázar registrou não ter sido
um leitor primoroso da literatura espanhola:
Cuando me hablan de eso siempre tengo vergüenza porque mi ignorancia de
la literatura española es realmente enciclopédica. Conozco algunos clásicos,
pero estoy lejos de haber leído, de literatura española, lo que he leído de
literatura francesa y anglosajona. (...). En la Argentina había elegido a
Borges. Pero en el momento en que Borges era el maestro del rigor
estilístico, usted abría La Nación o La Prensa y se encontraba con esos
chorros literarios de facundia española, con las interminables páginas de
Azorín y de Julián Marías, y de toda esa gente, que llenaba y llenaba
cuartillas, sin que supiera bien para qué (GONZÁLES BERMEJO, 1978, p.
111-112).
No capítulo 34 de O jogo da amarelinha, por exemplo, Cortázar insere
fragmentos de Lo prohibido, de Benito Pérez Galdós (1885), para criticar a escolha de
leitura da Maga, uma das personagens centrais do enredo: «Y las cosas que lee, una
novela, mal escrita, para colmo una edición infecta, uno se pregunta cómo puede
interesarle algo así” (CORTÁZAR, 1995, p. 216). A leitura de Cortázar mais fecunda de
autores espanhóis, que reverberou, de alguma forma, em sua literatura, encontra-se na
Generación del 27» (ALAZRAKI, 1994, p. 348). E ainda que não tenhamos encontrado
de fato registro de sua leitura do Quixote,72
Julio Cortázar seguiu de perto, como vimos,
a literatura de Borges, procurando as pistas da poética do escritor modelo (“Diário para
um conto”) para revitalizá-las e renová-las. Na tarefa quase fatal, como um destino
(propriedade borgiana), Cortázar aprimorara-se em espargir sua estátua consagrada para
que seguisse neste estágio de cânone, potencializando as palavras do seu escritor
exemplar, Borges: “eu quero morrer definitivamente”. Além disso, Cortázar almejara,
ele mesmo, tornar-se estátua, para dar continuidade à malha literária, a fim de que fosse
possível que um terceiro Pierre Menard viesse, a posteriori, reconstituir sua escritura:
72
Em Teoria do túnel, Cortázar cita o Quixote: “A passagem do romance narrativo ao sentimental prova
que, paralelamente ao decurso histórico das atitudes filosóficas, a literatura romanesca comporta uma
etapa prévia de interpretação e enunciação da realidade; aos eleatas corresponde Homero; a Tomás de
Aquino, Dante; a Descartes, Cervantes e Mme. de La Fayette; a Leibniz, Voltaire e Prévost. O acento
literário nessa primeira etapa equivale ao da filosofia em sua etapa metafísica, (...). Mesmo quando
expõe indivíduos (não há dúvida de que Amadis, Dom Quixote, Robinson, Manon ou Pamela são
tipos individuais não-intercambiáveis), o romancista só percorre os grandes músculos de sua
psicologia...”. Ver: CORTÁZAR, Julio. Teoria do túnel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
p. 52. (Obra Crítica, v.1)
155
La mejor calidad de mis antepasados es la de estar muertos; espero modesta
pero orgullosamente el momento de heredarla. Tengo amigos que no dejarán
de hacerme una estatua en la que me representarán tirado boca abajo en el
acto de asomarme a un charco con ranitas auténticas. Echando una moneda
en una ranura se me verá escupir en el agua, y las ranitas se agitarán
alborozadas y croarán durante un minuto y medio, tiempo suficiente para que
la estatua pierda todo interés (CORTÁZAR, 1995, p. 493).
Cortázar, então, reanima Borges quando pereniza sua estátua em sua literatura,
fazendo com que as palavras do escritor prevaleçam: “Mi sepultura será el aire
insondable”. Borges, o minotauro cortazariano, permanece não mais somente através de
seus textos, de suas ficções, mas também na tessitura do texto de outro, em que o jogo
narrativo seja invertido, burlado, modificado, transfigurado. E esse outro é Julio
Cortázar, que, à imagem de Borges, vislumbrou o seu Minotauro:
Desde mi libertad final y ubicua, mi laberinto diminuto y terrible en cada
corazón de hombre, (...) No quiero llantos, no quiero imágenes. Solamente el
olvido. […]. Así quiero acceder al sueño de los hombres, su cielo secreto y
sus estrellas remotas, ésas que se invocan cuando el alba y el destino están en
juego (CORTÁZAR, 2004, p. 75).
Vale lembrar que Borges seguiu à risca o método de Menard em difundir, muitas
vezes, o inverso daquilo que pensava, isto é, «(...) la casi divina modestia de Pierre
Menard: su hábito resignado o irónico de propagar ideas que eran el estricto reverso de
las preferidas por él» (BORGES, 2011, p. 742). Dessa forma, devemos sempre
desconfiar de seus vaticínios, de sua imagem construidamente ficcional, assim como
devemos também sempre olhar de soslaio para as perspectivas dos temas no conteúdo
elaborado em suas ficções. Desconfiar, suspeitar e duvidar, talvez sim, porque esse
também é o exercício da crítica ao questionar e discutir a forma de construção literárias
dos escritores. Contudo, jamais se deve desconsiderar qualquer declaração borgiana,
pois, assim, o crítico correrá o risco de ingressar num labirinto invertido, guiado pelas
palavras do narrador.
Há também outras diversas coincidências entre as literaturas de Borges e
Cortázar. O duplo, por exemplo, é um tema constante em seus textos, e ambos
reconhecem a influência de Edgar Allan Poe. Assim como coincidem quando
conceituam a literatura: “(Não em vão rememoro essas inconcebíveis analogias, alguma
relação têm com o Aleph.) Os deuses não me negariam, talvez, o achado de uma
imagem equivalente, mas este informe ficaria contaminado de literatura, de falsidade”
156
(BORGES, 1998, p. 695); «Nuestra verdad posible tiene que ser invención, es decir,
literatura...» (CORTÁZAR, 1995, p. 414).
Conclusão
Partindo dessas considerações, entrevemos que o conto “Pierre Menard, autor do
Quixote”, de Borges vislumbra mostrar-se um excelente itinerário para Cortázar na
leituraescritura do Quixote de Cervantes, sendo essa leitura marcada pela busca dos
princípios teóricos que conformam a obra clássica espanhola. Jorge Luis Borges não foi
um escritor de romance, como dito, mas engendrou na literatura um autor ficcional do
romance, que inaugura o gênero como romance moderno. Pierre Menard, assim como a
emblemática fogueira de livros, descrita no Quixote de Cervantes, queimou os
manuscritos do Quixote que escreveu, não deixando, portanto, nenhum registro de sua
obra inconclusa.
É justamente nessa cena tão representativa na literatura universal – a incineração
dos livros – que percebemos a similaridade literária entre o Quixote de Cervantes, o
“Pierre Menard, autor do Quixote”, de Borges e a obra emblemática de Julio Cortázar,
O jogo da amarelinha. Cortázar, que escreveu o romance em Paris, cria o escritor
Morelli, que rabisca em papéis avulsos concepções diversas sobre o projeto do romance
novo, que é o próprio romance, pretendendo, dessa forma, dar uma nova configuração
ao gênero. Entretanto, assim como a personagem de Borges, Morelli não conclui seu
romance, pois opera com o método análogo à escrita do Quixote por Pierre Menard,
excluindo a comprovação dessa sua escritura na obra publicada:
Morelli había pensado una lista de acknowledgments que nunca llegó a
incorporar a su obra publicada. Dejó varios nombres: Jelly Roll Morton,
Robert Musil, Dasetz Teitaro Suzuki, Raymond Roussel, Kart Scwitters,
Vieira da Silva, Akutagawa, Antón Webern, Greta Garbo, José Lezama
Lima, Buñuel, Louis Armstrong, Borges, Michaux, Dino Buzzati, Max Ernst,
Pevsner, Gilgamesh (¿), Garcilaso, Arcimboldo, René Clair, Piero di Cosimo,
Wallace Stevens, Izak Dinesen. Los nombres de Rimbaud, Picasso, Chaplin,
Alban Berg y otros habían sido tachados con un trazo muy fino, como si
fueran demasiado obvios para citarlos. Pero todos debían serlo al fin y al
cabo, porque Morelli no se decidió a incluir la lista en ninguno de los
volúmenes (CORTÁZAR, 1995, p. 388).
Esse fragmento indica, a nosso ver, um traço da correlação entre as obras de
Cervantes, Borges e Cortázar, quando os escritores, através de suas personagens,
157
elaboram um catálogo de autores canônicos73
que darão suporte e legitimarão a suas
novas escritas no cenário literário. Contudo, acreditamos que a grande interseção entre
as obras reside na figura do leitor. Se por um lado, o “Prólogo” da I parte da obra de
Cervantes abre o romance com uma dedicatória ao leitor, “Desocupado leitor”, a
matéria do conto de Borges tem o foco no leitor, que se torna autor do livro que lê,
enquanto O jogo da amarelinha, de Cortázar, inicia com o “Tabuleiro de Direção”,
oferecido ao leitor: «A su manera este libro es muchos libros, pero sobre todo es dos
libros. El lector queda invidado a eligir una de las dos posibilidades siguientes...»
(CORTÁZAR, 1995).
À maneira clássica, a figura do leitor pressupõe o objeto que o torna assim
classificado: o Livro. No poema “Um livro”, de História da noite (1977), Borges diz
que um livro contém, ou pode conter, tudo o que se pode imaginar – paixões, guerras,
aventuras, situações fantásticas... – mas esse livro dorme na estante até que um leitor o
abra, leia-o e o faça retornar à vida, inicialmente ofertada pelo autor: “Apenas uma coisa
entre as coisas\ mas também uma arma. (...)\ Encerra som e fúria e noite e escarlate (...)\
quem diria que contém o inferno (...)\ Esse tumulto silencioso dorme\ (...) dorme e
espera” (BORGES, 2000, p. 199). E, assim, como numa ação simultânea e recíproca,
esse leitor também se alimenta da vida nova do livro, que ele acabou de despertar.
Essa é a ideia do “Pierre Menard, autor do Quixote”, o leitor-autor “de uma
imagem anterior de um livro não escrito”. Como se fosse uma experiência onírica, na
qual o leitor perde a noção de quem ‘realmente’ o escreveu, se ele próprio – leitor – ou
outrem, mas que, pela aplicação da nova técnica da arte rudimentar da leitura, termina
sendo ele mesmo. Em Borges, esse outrem, o autor, perde a importância como aquele
que trouxe à luz o livro. A ideia do leitor-autor configura-se uma das mais significativas
concepções da poética borgiana: o desvanecimento da marca autoral. No conto “Pierre
Menard, autor do Quixote”, o tempo é um elemento fundamental. O que faz do Quixote
de Cervantes uma obra contemporânea no século XX é a sua, digamos, reanimação
através da leitura: a obra não é a mesma, porque o leitor do século XX não é o mesmo
leitor do século XVII.
73
Vale pensar no “Prólogo” da I parte do Quixote, em que Cervantes no jogo ficcional se coloca como
personagem. Pensar também no elenco da caterva de nomes na retificação, pelo narrador-crítico, ao
catálogo elaborado por Madame Henri Bachelier da obra visível de Pierre Menard.
158
Em O jogo da amarelinha, Cortázar dilui o elemento ‘tempo’ no leitor e no
autor, uma vez que para Cortázar o livro não dorme na estante, como acredita Borges.
Para Cortázar, o livro é apenas um objeto, um suporte literário,74
porque a escritura deve
ser sinônima do homem e da vida, ou seja, a escritura deve ser constituída por
movimentos constantes e imprevisíveis e, por congruência, a leitura também. Santiago
Juan-Navarro, embasando-se no conceito de que a leitura se constitui num ‘ponto de
visão móvel’75
, mostra que o romance de Cortázar pertence ao gênero de obras que
exigem novas releituras, porque o leitor precisa voltar sempre aos capítulos já lidos para
entender melhor o que vem ou virá, extraindo o leitor da sua posição confortável, de
uma leitura linear e tranquila:
Cortázar en su novela exige un tipo de lector que no es compatible con el
consumidor pasivo de la novela tradicional, ese “lector-hembra” que el
propio Morelli define como el “tipo que no quiere problemas sino soluciones,
o falsos problemas ajenos que le permiten sufrir cómodamente sentado en su
sillón, sin comprometerse en el drama que también debería ser el suyo”
(JUAN-NAVARRO, 2011).
Juan-Navarro ressaltou, no seu artigo, que O jogo da amarelinha já fora
analisado pela perspectiva do conceito de Iser,76
relacionado-o ao fato de as próprias
personagens do romance lerem a narrativa no mesmo instante em que sua escrita está
sendo feita pelo autor Morelli; e nós, leitores do agora, digamos, reproduzimos essa
dinâmica ao ler o romance de Julio Cortázar. Esta estratégia de leitura e de escrita
configura a eliminação da hierarquia e da ordem lógica na operação, não mais, pois
primeiro alguém escreve, para depois alguém ler. Isso acontece porque Morelli não é
autor de um livro já acabado e escrito, ele escreve folhas avulsas sobre como escreveria
um romance e, em outras folhas avulsas, o que estaria contido nesse romance: notas sem
explicação, listas de autores aleatórios, recortes de jornal, citações, bulas de remédio,
enfim um mosaico incongruente de coisas, um caleidoscópio.
Apenas na aparência, uma ordem hierárquica e lógica da operação
leituraescritura está presente no romance de Cervantes. Na primeira parte do livro,
74
“O Livro como objeto estético parece ficar às costas das consequências extraliterárias da obra”. Ver:
CORTÁZAR, Julio. “A crise do culto do Livro”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 29.
(Obra Crítica, v.1) 75
Ver: ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético – V. 2. São Paulo: Ed. 34, 1999.
(Coleção Teoria). 76
“La conexión entre una novela de Cortázar y la fenomenología de Iser ha sido establecida por Theo
D'Haen en su ensayo comparativo Text to Reader (1983)”. Cf: JUAN-NAVARRO, Santiago. Ibidem.
p. 13.
159
Dom Quixote manifesta seu desejo de ver escritas as façanhas de suas aventuras com
Sancho Pança; na segunda parte do livro, Dom Quixote se depara com essa escrita,
desejo realizado. Mas, como veremos mais adiante, o jogo narrativo se configura mais
complexo. Edward Riley observa que a história do cavaleiro andante contada na
primeira parte se reverte, na segunda parte, em espécie de relato ditado pelo próprio
Dom Quixote.
No conto de Borges, podemos ver, também aparentemente, uma ordem lógica
hierárquica: Pierre Menard chega a desejar ser Cervantes e escrever o Quixote, mas, na
verdade, Pierre Menard passa por uma travessia de escritura na leitura do Quixote de
Cervantes. Primeiro, Menard deseja ser Cervantes, depois entende que o mais ‘difícil’ é
ele continuar sendo Pierre Menard e escrever o Quixote. Na verdade, é a sua única
opção: ser Pierre Menard e escrever o Quixote no século 20.
Na operação leituraescritura residem duas questões primordiais que perpassam
o Quixote (Cervantes), que é também matéria da poética borgiana, que Julio Cortázar
discute na narrativa de O jogo da amarelinha. A primeira questão é a relação entre o
tempo de escrita e o tempo de leitura (distanciamento temporal entre autor e leitor). A
segunda questão acontece na relação de distanciamento entre leitura e escritura, devido
ao status da marca autoral que as três obras imprimem. Essa é uma das questões
fundamentais que desenvolvemos na tese, porque é a partir da posição do autor que a
noção de leitor será deslocada e redimensionada.
Se, no conto de Borges, o leitor é autor da obra que lê; se no romance de
Cervantes, Dom Quixote torna-se personagem de histórias de cavalaria por imitar as
façanhas dos cavaleiros andantes lidas por ele nas madrugadas; e se em O jogo da
amarelinha, Horacio Oliveira existe, no momento em que Morelli o escreve, será
preciso, então, conhecer as direções que foram percorridas por Morelli, na escritura
inversa do Quixote, de Pierre Menard, diante de nossa suspeita de que Morelli venha a
ser o segundo Pierre Menard. Sendo o leitor a substância central, em torno da qual as
três narrativas em questão foram pensadas e construídas, expomos, então, as nossas
bases para a elaboração desta teoria. Procuraremos averiguar o alcance da tese que
acreditamos ser o “Pierre Menard, autor do Quixote”, uma ponte que une os extremos: o
Quixote ao O jogo da amarelinha.
160
Referências
ALAZRAKI, Jaime. Hacia Cortázar: aproximaciones a su obra. Barcelona: Anthropos,
1994.
ARRIGUCCI JR., Davi. O escorpião encalacrado: a poética da destruição em Julio
Cortázar. São Paulo: Perspectiva, 1973.
BARRENECHEA, Ana María. «Rayuela, una búsqueda a partir de cero». Sur, Buenos
Aires, mayo-junio, nº 288, 1964, pp. 69-73.
BORGES, Jorge, Luis. «Magias parciales del Quijote». Otras inquisiones (1952).
Buenos Aires: Sudamericana, 2011. p. 49. (Obras Completas, v.2)
BORGES, Jorge Luis. «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius». Ficciones (1944). Buenos Aires:
Emecé, 1989. p. 438. ( Obras Completas, v.1)
BORGES, Jorge Luis. «Pierre Menard, autor del Quijote». Ficciones (1944). Buenos
Aires: Sudamericana, 2011. p. 739. (Obras Completas, v.1)
BORGES, Jorge Luis. Evaristo Carriego. Buenos Aires: Emecé, 1965.
BORGES, Jorge Luis. «O Aleph». O Aleph. Trad. de Carlos Nejar. São Paulo: Globo,
1998. p. 695. (Obras Completas, v.1.)
BORGES, Jorge Luis. São Paulo: Globo, 2000. p. 199. (Obras Completas, v.3)
CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Don Quijote de la Mancha. Madrid: Real
Academia Española, Alfaguara, 2004, p. 199. (Edición Conmemorativa del IV
Centenario).
CANDIDO, Antonio. “Prefácio”, in: ___________. ARRIGUCCI JR., Davi. O
escorpião encalacrado: a poética da destruição em Julio Cortázar. São Paulo:
Perspectiva, 1973. pp. 9-10.
CORTÁZAR, Julio. Rayuela. Buenos Aires: Alfaguara, 1995.
CORTÁZAR, Julio. Organização de Saúl Sosnowski. Tradução de Paulina Watch e Ari
Roitman. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. (Obra Crítica, v.3)
CORTÁZAR, Julio. Teoria do túnel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. (Obra
Crítica, v.1)
CORTÁZAR, Julio. Los reyes. Buenos Aires: Suma de Letras Argentinas, 2004.
FUENTES, Carlos. «Julio Cortázar y la sonrisa de Erasmo», in: _______. La gran
novela latinoamericana. Madrid: Santillana, 2011, p. 222.
GOMES, Adriana de Borges. Um tal Morelli, coautor do Quixote: a leitura como
poética da escritura. 2014, 384f. Tese (Doutorado em Teoria da Literatura) - Pontifícia
161
Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ Universidade do Estado da Bahia, Porto
Alegre, 2014.
GONZÁLEZ BERMEJO, Ernesto. Conversaciones con Cortázar. Barcelona: Edhasa,
1978.
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético – V. 2. São Paulo: Ed.
34, 1999. (Coleção Teoria).
JUAN-NAVARRO, Santiago. Un tal Morelli: teoría y práctica de la lectura en Julio
Cortázar. Disponível em: <www.sjuanavarro.com\files\O jogo da amarelinha.pdf>.
Acesso em: 25 jun. 2011.
MONEGAL, Emir Rodríguez. O leitor como escritor. In: ______. Borges: uma poética
da leitura. São Paulo: Perspectiva, 1980. (Coleção Debates, 140).
PAZ, Octavio. El arco y la lírica. México: Fondo de Cultura Económica. 1967.
PREGO, Omar. Julio Cortázar: la fascinación de las palabras. Montevideo: Trilce,
1990.
RICO. "Nota 14", in: CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Don Quijote de la
Mancha. Madrid: Real Academia Española, Alfaguara, 2004. p. 87. (Edición
Conmemorativa del IV Centenario).
RILEY, Edward C. Tres versiones de la historia de Don Quijote. In: ______. La rara
invención: estudios sobre Cervantes y su posteridad literaria. Trad. de Mari Carmen
Llerena. Barcelona: Editorial Crítica, 2001. p. 133.
RIQUER, Martín. Cervantes y el Quijote. In: CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de.
Don Quijote de la Mancha. Madrid: Real Academia Española, Alfaguara, 2004. p.
LXXI.. (Edición Conmemorativa del IV Centenario).
ROITMAN, Ari. “Prefácio”, in: CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. [Edição
especial 50 anos de publicação]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
SARLO, Beatriz. Escritos sobre literatura argentina. Buenos Aires: Siglo XXI
Editores Argentina, 2007, p. 239.
YURKIEVICH, Saúl. Julio Cortázar: mundos y modos. Buenos Aires: Edhasa, 2004,
VARGAS LLOSA, Mario. Una novela para el siglo XX (presentación). In:
CERVANTES, Miguel de. Don Quijote de la Mancha. Madrid: Real Academia
Española, Alfaguara, 2004. (Edición Conmemorativa del IV Centenario).
VIEIRA, Maria Augusta da Costa. A arquitetura narrativa. In: ______. O dito pelo não-
dito: paradoxos de Dom Quixote. São Paulo: EDUSP, 1998. p. 77. (Ensaios de Cultura;
14).
162
POEMAS CAMONIANOS EM LÍNGUA ESPANHOLA
Carla da Penha Bernardo (UNEB)
A História de Portugal, desde sua origem, está estreitamente vinculada à da
Espanha. Como conseqüência, a língua e a cultura espanholas exerceram sempre forte
influência naquele país, tanto na modalidade escrita quanto na falada. Mais do que isso:
o espanhol chegou a ser usado entre autores tais que Gil Vicente, Sá de Miranda e Luís
de Camões como segunda língua, sobretudo entre os séculos XV e XVII. Não se trata,
neste caso, de traduções, mas de textos diretamente escritos em espanhol, como
veremos na leitura de alguns dos poemas camonianos.
Como escritor renascentista que é, Camões revisita a literatura da Antiguidade
greco-latina, adotando o ideal de imitação. Contudo, “imitação”, para o português,
assim como para os franceses da Pléiade (que defendiam a ideia de innutrition),
ultrapassa a cópia pura e simples, dizendo respeito, antes, a uma atualização de
escritores mais remotos, e, em certa medida, para nos referirmos à modernidade, ao
ideal brasileiro de antropofagia.
A poesia de Camões, no entanto, fará mais do que atualizar a da Antiguidade,
não demonstrando preconceitos por qualquer época, sequer pela medieval, por vezes
menosprezada durante o período clássico. Assim, se por um lado temos uma revisitação
do Antigo na épica ou no drama camonianos, em poemas tais que “Transforma-se o
amador na coisa amada,/ por virtude do muito imaginar” e “Pede-me o desejo, Dama,
que vos veja”, por outro, podemos ter a presença do elemento bíblico, como em “Sete
anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela.” Podemos igualmente
encontrar a revisitação da poesia medieval, em especial das cantigas de amor e de amigo
provençais ou ibéricas: “Posto o pensamento nele, / porque a tudo o Amor obriga,/
cantava, mas a cantiga/ eram suspiros por ele.” Encontra-se ainda a influência da poesia
humanista italiana tanto em Os Lusíadas quanto entre os mais afamados poemas
camonianos, como “O Amor é um fogo que arde sem se ver”.
Tão arraigado na literatura clássica é o ideal de imitação, que encontramos a
intertextualidade camoniana face a outros escritores, em especial a Petrarca – “Não
163
tenho paz nem posso fazer guerra;/ Temo e espero e do ardor ao gelo passo”; “Tanto de
meu estado me acho incerto,/ que em vivo ardor tremendo estou de frio (Camões).
Também encontramos a intratextualidade de poemas do próprio Camões, como em
“Que dias há que na alma me tem posto/ Um não sei quê, que nasce não sei onde,/ Vem
não sei como, e dói não sei porquê” e o “Amor é um fogo que arde sem se ver.”
Além de trabalhar as tradições medievais, inclusive espanholas, Camões
antecipa a literatura, com seus paradoxos maneiristas e temas típicos do teatro barroco
espanhol – o mundo como teatro, o engano, o desengano, a inexorabilidade e a
efemeridade das coisas da vida, dentre outros. Sua poesia, mesmo a mais ortodoxamente
renascentista é, assim, mais instável e barroca avant la lettre do que a de seus
contemporâneos, apresentando a tendência que passaria a predominar no século XVII.
Ainda em relação aos temas, entre os mais presentes na lírica camoniana estão o
Amor, a mulher, a metalinguagem, a recepção da obra. Nenhum tema será mais
trabalhado do que o amor à mulher, em sua poesia. Neste ponto, mais uma inovação do
poeta (como se verá adiante), visto que seus contemporâneos tratavam de um modelo
feminino tipicamente europeu – da mulher da corte, alva, loura, de olhos claros e
indiferente, como usualmente se fazia também na poesia da Idade Média. Além disso,
seguindo os passos de Dante e Petrarca, sobretudo, o amor se mostrava de forma
platônica e o objeto do amor – a musa – era uma única mulher ao longo das obras.
Vale ainda ressaltar que a tradição das cantigas da Península Ibérica em muito
destoava do modelo francês, tão em voga à época, inclusive em Portugal. Os poetas da
Provença compunham poemas de amor, falando de uma mulher inacessível, a
«Senhora », porque casada com o senhor (o rei, o senhor feudal). Esta era também uma
mulher refinada, loura, delicada e pálida por seu enclausuramento na Corte e
completamente indiferente ao poeta, que a cantava sem nunca declarar sua identidade,
por mesura ou conveniência. Trata-se, pois, do amor cavaleiresco e platonizante, em
poemas nos quais o sujeito lírico masculino se dirige a uma musa idealizada e distante.
São as cantigas de amor.
A Península Ibérica, no entanto, apresentava características distintas da Provença
e uma economia mais fortemente baseada no aspecto rural. Desse modo, embora as
cantigas de amor tenham sido inseridas na literatura local, surge aí um tipo de canção
mais integrado aos povos ibéricos – a cantiga de amigo, em que o sujeito lírico passa a
164
ser feminino. A mulher retratada é também de outro tipo, mesmo as louras, tendo em
vista que se passa a falar da mulher solteira e pobre, bronzeada pelo sol, uma vez que
necessita ajudar à mãe e que, para isso, tem atividades fora de casa, como lavar roupa
nos rios ou tirar leite das vacas. Essas saídas propiciam o encontro amoroso com o
namorado. A canção deste tipo é mais popular, muito plangente, e possui mais
repetições e rimas. Mais do que isso, existe uma correspondência amorosa entre a moça
e o namorado que não era possível nas cantigas de amor, tratando os poemas até mesmo
da fuga do namorado após encontros sexuais, tudo dito, é claro, de maneira bastante
enviesada, como nas cantigas do galego (?) Pero Meogo («Fostes, filha, eno bailar/ e
rompestes i o brial»).
Vale ainda lembrar uma categoria mista de poemas – as cantigas de
malmaridada – cujos sujeitos líricos são mulheres com certa liberdade, mas, ainda
assim, casadas com maridos escolhidos pelos pais. As canções falam de adultérios e
maldizem o marido traído e os pais que o escolheram.
Variando de forma ainda mais inovadora, Camões tratará do amor não por uma
só musa, não por um único típico físico, não pela mulher de uma única classe social.
Assim, falará da chinesa, que teria morrido no famoso naufrágio de que ele escaparia
com seus Lusíadas, de louras variadas, de damas da corte, de campesinas simples, da
negra Bárbara escravizada.
O Renascimento, para Camões, é portanto, a revisitação de temas, autores e
épocas variados, sem qualquer tipo de fronteira. Também por este motivo, além das
causas históricas e políticas, o poeta português irá não só se deixar tocar pela literatura
espanhola, mas também adotará a língua, demonstrando, de forma ainda mais
acentuada, sua admiração pelos escritores vizinhos.
Dentre os poemas camonianos em espanhol, destacam-se as formas calcadas nas
cantigas trovadorescas, em geral peças que glosam um mote próprio ou alheio.
Os poemas de Camões não recebem título, por isso, seguindo a praxe, a eles nos
referiremos pelo primeiro verso, não levando em conta os da citação epigráfica.
Visto esse breve retrospecto, podemos fazer a leitura de alguns poemas
camonianos em espanhol.
165
Exemplo de poema que revisita o Trovadorismo é “Mi nueva y dulce querella”:
CANTIGA
a este moto alheio:
De dentro tengo mi mal,
que de fuera no hay señal.
VOLTA
Mi nueva y dulce querella,
es invisible á la gente;
el alma sola la siente,
que el cuerpo no es dino della.
Como la viva centella
se encubre en el pedernal
de dentro tengo mi mal.
A cantiga trata do recorrente tema de amor compreendido como guerra que leva
a sentimentos contraditórios, daí tratar-se de uma “dulce” “querella”. Neste ponto, vem
à lembrança do leitor o célebre “Amor é um fogo que arde sem se ver”, aqui
reapresentado com uma imagem ao mesmo tempo singela e original: “Como la viva
centella/ se encubre en el pedernal/ de dentro tengo mi mal”.
166
O pedernal nada mais é do que a pedra de fogo usada em construções, que, uma
vez tocada por outro objeto igualmente resistente, libera faíscas. As comparações típicas
das obras renascentistas se pautavam sobretudo na mitologia greco-latina; em Camões,
portanto, também as imagens mais simples se incorporam ao literário, sobretudo em um
poema medievalizante e, pois, de cunho mais popular do que outros em que, por
exemplo, o platonismo ou o petrarquismo é revisitado.
Somente a alma sente a doce querela por não haver correspondência da mulher
amada, tal qual nas cantigas de amor. Ora, neste caso, como em tantos poemas de
Camões, a musa cantada era uma senhora distante pelo matrimônio e pela condição
social, impossibilitada, por isso, de sujeitar-se à paixão do trovador, daí sentir-se o eu
lírico um pedernal cuja dor é resguardada, neste caso, por conveniência ou mesura: “de
dentro tengo mi mal”.
Semelhante a este, porém mais desenvolvido é “Para que me dan tormento”.
Uma vez mais, tem-se aí um mote alheio, cujo cerne é “Perdido, mas no tan loco/ que
descubra lo que siento”. Mostra-se o desconcerto entre o sentimento do eu-lírico e o
desprezo da mulher “/..../ quanto más me lo dan [afán, neste caso, obstáculo]/ tanto
menos siento del”. Quanto maior o desprezo, mais redobrado se faz o desejo do eu-
lírico, o qual deixa de ser declarado de forma explícita tanto pela conveniência,
anteriormente citada, quanto pela própria ação de Cupido, que evita o esgotamento do
amor: “Sepan que me manda Amor,/ que de tan dulce querella, a nadie dé,/ parte della,/
porque la sienta mayor”. Neste sentido, Camões reúne, em um mesmo poema, a tradição
medievalizante do impedimento feminino e do consequente silenciamento do eu-lírico e
a tradição platonizante do amor enquanto perfeição apenas no domínio da ideia e, por
isso mesmo, a aversão em concretizá-lo e, por conseguinte, esgotá-lo, como se vê
também em um dos melhores sonetos camonianos em português: “Não há cousa, a qual
natural seja,/ Que não queira perpétuo o seu estado./ Não quer logo o desejo o desejado,/
por que nunca falte onde sobeja.”
Mais comum em Camões, contudo, parece ser a atualização do ideal platônico,
marcando o poeta seu próprio tempo, o renascentista, em que o humano toma o espaço
do divino e se volta ao conhecimento e à experimentação em todos os níveis, inclusive o
amoroso, conforme se lê em um de seus sonetos: “Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos/
a diversas vontades! Quando lerdes/ num breve livro casos tão diversos, // verdades
167
puras são, e não defeitos.../ E sabei que, segundo o amor tiverdes,/ tereis entendimento
de meus versos”. Por isso mesmo, o amor misto é mais presente do que o platônico em
sua poesia: “É este amor tão fino e tão delgado,/ que quem o tem não sabe o que
deseja.// Mas este puro afeito em mim se dana; que, como a grave pedra tem por arte/ o
centro desejar da natureza,// assi o pensamento (pola parte/ que vai tomar de mim,
terrestre [e] humana)/ foi, Senhora, pedir esta baixeza.”; “e o vivo e puro amor de que
sou feito,/ como a matéria simples busca a forma”.
O poema se fecha, como de praxe em Camões, não com uma síntese da tese e da
antítese antes trabalhadas, mas com considerações em aberto que mantêm as
contradições do amor e as reações do indivíduo diante dele, ressaltando-se “no coração
humano a amizade”: “Es tan dulce mi tormento/ que aún se me antoja poco;/ y si es
mucho, quedo loco/ de gusto de lo que siento”.
O poema “Sepa quién padece” trata de alguns dos melhores e mais recorrentes
temas da lírica camoniana que dialogam com o espírito barroco peninsular – o mundo
ao mesmo tempo desconcertado e mutável, o sujeito gauche e desesperançado para o
qual a mudança é sempre do mal para o pior:
CANTIGA
a este moto:
¿Dó la mi ventura?
Que no veo alguna.
VOLTAS
Sepa quién padece
que en la sepultura
168
se esconde ventura
de quién la merece.
Allá me parece
que quiere fortuna
que yo halle alguna.
Nasciendo mezquino,
dolor fué mi cama;
tristeza fué el ama;
cuidado el padrino.
Vestióse el destino,
negra vestidura;
huyó la ventura.
No se halló tormento,
que alli no se hallase;
ni bien que se pasase,
sino como viento.
!Oh, que nacimiento,
que luego en la cuna
me seguió fortuna!
Esta dicha mia,
que siempre busqué,
buscandola, hallé
que no la hallaría;
que quién nace en dia
169
d´estrella tan dura,
nunca halla ventura.
No puso mi estrella
más ventura en mi;
así vive en fin
quién nace sin ella.
No me quejo della;
quéjome que atura
vida tan escura.
“No se halló tormento,/ que alli no se hallase;/ ni bien que pasasse,/ sino como
viento./ !Oh, que nacimiento, que luego en la cuna/ me seguió fortuna.”
Este drama em gente é representado de forma intensa pelo sujeito em outros
poemas, como em um dos que atribuem a Camões:
O dia em que nasci/ moura e pereça
/..../
A luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
a mãe ao próprio filho não conheça.
/..../
Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!
170
No poema espanhol, no entanto, o desconsolo é ainda maior do que em tantos
poemas em português de Camões, pois que sequer na esperança se fia o sujeito: “Esta
dicha mia,/ que siempre busqué,/ buscandola, hallé/ que no la hallaría”. O clímax da
desesperança e a solução única que se delineia a este sujeito exacerbam a dramaticidade
inicial e final do poema e, portanto, cíclica e insuperável: “Sepa quién padece/ que en la
sepultura/ se esconde ventura/ de quién la merece.”; “No puso mi estrella/ más ventura
en mi;/ así vive en fin/ quién nace sin ella./ No me quejo della;/ quéjome que atura vida
tan escura.”
Outro poema que merece lida é a cantiga seguinte :
Cantiga
A este moto:
Irme quiero, madre,
á aquella galera,
con el marinero
a ser marinera.
VOLTAS
Madre, si me fuere,
dó quiera que vó,
no lo quiero yo,
que el Amor lo quiere.
Aquél niño fiero
hace que me muera,
por un marinero
á ser marinera.
171
Él, que todo puede,
madre, no podrá,
pues es alma vá,
que el cuerpo se quede.
Con él por quién muero,
voy, porque no muera;
que, si es marinero,
seré marinera.
Es tirana ley,
del niño Señor,
que por un amor
se deseche un Rey:
pues desta manera
quiere, yo me quiero
por un marinero
hacer marinera.
Decid, ondas, ¿cuando
vistes vos doncella,
siendo tierna y bella,
andar navegando?
[Pues] más no se espera
daquel niño fiero,
vea yo quién quiero,
sea marinera.
172
O poema é uma glosa a um mote alheio – «Irme quiero, madre,/ á aquella
galera,/ con el marinero/ á ser marinera.» Há relação com a cantiga de amigo, neste
caso. Lembre-se que, nestas, havia um diálogo que podia ser travado com elementos da
natureza, a amiga ou a mãe.
A referência ao «marinero» evoca a cantiga marinha ou barcarola, que se refere
à partida do namorado para a guerra e pelo qual a moça chora e se lamenta em refrães
recorrentes, pois não sabe se o namorado está vivo ou morto em virtude da guerra em
que estará lutando ou se ele simplesmente a abandonou (como na célebre cantiga de D.
Dinis «Ay Deus, e u è ?»).
Ocorre que, nestas antigas canções, a moça não vai além do lamento – nem o
pode –, visto não ter informações sobre o amigo nem certeza de seu possível retorno.
Além disso, lembre-se, não há liberdade para a moça, que namora às escondidas, visto
que os pretendentes eram escolhidos pelos pais. O moto glosado por Camões, no
entanto, aponta para uma moça moderna e ativa, que se não contenta em aguardar o
namorado, mas que deseja segui-lo e o diz de forma corajosa e direta à mãe.
«Ser marinera» é recusar o papel que era atribuído à jovem solteira, o que se dá
por ação do fero e cego Cupido. Divide-se, assim, a jovem em matéria – que fica – e
alma, marinheira, que segue com o namorado. A seguir, pode parecer, à primeira vista,
afirmar-se que o rapaz pretende desistir de sua partida, quebrando, assim, a lealdade ao
rei em razão da força do Amor: «Es tirana ley,/ del niño Señor,/ que por un amor/ se
deseche un Rey». A ideia, contudo, é bem diversa, ainda porque as leis humanas não
permitiriam que o «Rey» fosse desconsiderado sem que houvesse culpabilidade e
castigo (como no caso de Tristão, penalizado com a morte). O ‘Rei a ser desfeiteado’ é a
lei familiar representada pelo Pai da moça, o que pode ser ratificado com a última
estrofe – não importa se em pensamento ou com ações. A pena aí também existe, pois a
infração, mesmo que tenha sido apenas imaginária, é cometida, logo, sendo seguida do
castigo – a coyta amorosa da jovem.
Ainda na última estrofe, surge uma pergunta que tanto pode ser atribuída a uma
intervenção da mãe quanto a uma questão retórica da própria moça em embate íntimo
consigo mesma ou em diálogo com as personificadas ondas. A resposta já é
antecipadamente apontada desde a epígrafe do poema: «Decid, ondas, ¿cuando/ vistes
173
vos doncella,/ siendo tierna y bella,/ andar navegando ?/ [Pues] más no se espera/ daquel
niño fiero,/ vea yo quién quiero,/ sea marinera.»
«Ser marinheira» pode representar não a partida física, mas sim em espírito e,
ainda assim, uma moça menos subserviente e estática naquela sociedade. Por outro lado,
pode indicar também o desejo de assumir o sentimento amoroso não com um possível
namorado imposto familiarmente, mas com o «marinheiro», com que o coração da moça
efetivamente já se encontra de forma marinheira: «vea yo quién quiero».
Camões trata, pois, de uma moça solteira de forte personalidade, que apresenta
um discurso de afrontamento em relação às rígidas leis da sociedade de então, em
especial as familiares. Não apenas deseja, mas afirma enfaticamente que quer ser
marinheira, e não permanecer em terra firme, ou seja, que quer fazer suas próprias
escolhas sentimentais. Camões é, assim, uma vez mais, inovador, ao, de modo mais ou
menos oblíquo, apontar para a necessidade do fim da imposição paterna e para a
possibilidade de a mulher solteira renascentista querer e poder fazer sua opção amorosa.
Camões defende, assim, não o casamento por interesse, mas sim por amor, defesa que
hoje pode nos parecer representar muito pouco, mas que, com certeza, significava muito
para um mundo que acabara de sair da segunda Idade Média e que vivia ainda tempos
de Inquisição e de falta de liberdade para os homens (inclusive os escritores) e, ainda
mais, para as mulheres, tantas vezes focadas pelo poeta renascentista com uma
verdadeira e diversa humanidade.
*
* *
Talvez a aceitação e popularidade da escrita camoniana além do limite português
e de seu tempo tenha se dado por uma própria característica moderna de certos autores,
intensificada por Camões – a presença marcante e atualizada da literatura de qualidade,
independente de quaisquer fronteiras de tempo e espaço. Talvez também por isso, nós,
lusófonos, devamos visitar a literatura de nossos países produzida tanto em português
quanto em língua estrangeira com o mesmo sem preconceito com que os autores a
produziram e continuam a produzir, o que nos oferece um quadro mais completo de
suas produções e da afinidade de nossa própria cultura com outras, como a de língua
espanhola, no caso camoniano.
174
Camões é o poeta que assinala a modernidade do português, com sua epopeia, e
o maior escritor de língua portuguesa. Por isso mesmo, ainda que Renascentista, ele não
abandona as origens medievais e ibéricas de sua terra, dialogando com a língua e a
cultura da Espanha. A Ibéria foi sempre um território particular em relação ao restante
da Europa. Sobretudo devido à ação prolongada da Inquisição e à peste negra, que
eliminou 1/3 da população europeia, o Renascimento ibérico teve suas peculiaridades,
vinculando-se o homem de então mais fortemente às questões religiosas. A esse
homem, não restava senão a fé, espontânea ou forçosamente. Por isso mesmo, em vez
do equilíbrio e da certeza renascentistas, a obra camoniana apresenta a ‘incertitude’ e
tantos dos temas típicos do Barroco (em especial o espanhol) com que dialoga de perto.
É exatamente ao revisitar os humanistas italianos que Camões se antecipa ao Barroco,
que já respirava de algum modo na Península, e que ele acaba por fazer uma poesia
singular, em que destoa dos modelos clássicos, mostrando-se um poeta moderno,
integrado também a seu tempo, conquanto revisitando os antigos e todas as tradições
por ele conhecidas.
Camões é fundamentalmente um infiel – ao fazer uma poesia vária na forma e
no conteúdo, ao tratar de musas de distintas classes e de diferentes aspectos físicos, ao
se desviar do cânone, atualizando-o, ao utilizar uma língua que não a portuguesa da qual
é o marco maior... Se se leva em conta o cânone de então e o nacionalismo distanciado
de seu tempo, sim, ele é infiel. Mas já afirmava ele, antecipando-se a nossos
julgamentos, que, ‘segundo o amor tivermos, teremos entendimento de seus versos’. E o
amor, aí, significa experiência, lato sensu. Camões está muito mais próximo de nós do
que hoje pensamos, ao clamar pelo direito de a mulher escolher seus parceiros, por
exemplo, como se viu, e ao falar de um Portugal e de seu povo de forma muito mais
próxima do real do que de um autor se esperaria então, mostrando, pois, a complexa e
amalgamada diversidade da cultura portuguesa, em especial, dialogando com a cultura
espanhola, qual Quixote e Sancho, em forma do célebre quiasmo garrettiano.
REFERÊNCIAS
175
AZEVEDO FILHO, Leodegário (1987). Literatura portuguesa. História e emergência
do novo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Niterói: EDUFF.
CAMÕES, Luís Vaz de (1982). Camões. Lírica. Introd. de Aires da Mata Machado
Filho. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP.
LAGARDE, A. & MICHARD, L. (1962). XVIe siècle. Paris: Bordas.
MACEDO, Hélder (1980). Camões e a viagem iniciática. Lisboa: Moraes.
MARTINS, Cristiano (1981). Camões. Temas e motivos da obra lírica. Belo Horizonte:
Itatiaia.
SARAIVA, A. J. & LOPES, Óscar (s.d.). História da literatura portuguesa. Porto:
Porto.
176
POESIA NAS AULAS DE E/LE: PROPOSTAS DIDÁTICO-
CULTURAIS
Jeferson Mundim de Souza
Professor da Educação Básica da
Prefeitura Municipal de São Francisco do
Conde e Escolas Privadas de
Salvador/Bahia
A poesia como estratégia didática
O presente artigo pretende ressaltar a potencialidade da poesia como estratégia
didática nas aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (ELE). Para isso, dividimos
nossos escritos em perspectivas teóricas, nas quais desenvolveremos algumas reflexões
sobre a exploração didática em textos desse gênero, espanhóis e hispano-americanos
para níveis iniciais e intermediários e outra parte prática, na qual exploraremos alguns
poemas de autores como Gloria Fuertes, Mario Benedetti e Pablo Neruda.
Nosso objetivo é estabelecer relações entre a teoria e a prática, já que muitos
autores têm tratado a poesia em diferentes perspectivas. No entanto, antes mesmo de
começarmos a apresentar tais diferenças, devemos iniciar com uma pergunta, ou seja,
quais são as características do poético; aquilo que diferencia estes textos de outros que
temos como possibilidade de usar em sala, nas aulas de espanhol? Certamente, definir
com riqueza de detalhes o que vem a ser a poesia não é o objetivo deste artigo, mas é
talvez nos aproximarmos de uma definição, na tentativa de limitarmos o objeto de
estudo.
Octavio Paz, em seu ensaio El arco y la lira, define a poesia da seguinte forma:
La poesía es la revelación de la inocencia que alienta en cada hombre, en
cada mujer y que todos podemos recobrar apenas el amor ilumina nuestros
ojos y nos devuelve el asombro y la fertilidad. Su testimonio es la revelación
de una experiencia en la que participan todos los hombres, oculta por la
rutina y la diaria amargura. Los poetas han sido los primeros que han
revelado que la eternidad y lo absoluto no están más allá de nuestros sentidos,
sino en ellos mismos. Esta eternidad y esta reconciliación con el mundo se
producen en el tiempo y dentro del tiempo, en nuestra vida mortal, porque la
poesía y el amor no nos ofrecen la inmortalidad ni la salvación. Arte de
hablar en una forma superior, lenguaje primitivo. […] Enseñanza, moral,
177
ejemplo, revelación, danza, diálogo, monólogo. Voz del pueblo, lengua de los
escogidos, palabra del solitario […]
(PAZ, 1992, p. 13).
Portando, segundo Paz, a função da poesia, em um mundo vazio, porém
tecnologicamente dinâmico, serve de muito e ainda não alivia, nem corrompe, mas
purifica. Para ele não tem mais ideologia que uma alma e um espírito em constante
confronto com tudo aquilo que o rodeia. “Vivemos com os olhos abertos, porém cegos
diante das premonições que são anunciadas” (PAZ, 1992, p.14). Para o autor mexicano
o poético está intimamente entrelaçado nas relações do ser humano e nas possibilidades
da linguagem, sendo uma forma de expressão que dificilmente poderemos encaixar
dentro de uma definição. No entanto, cada poema e a relação que este estabelece com os
diferentes leitores é única, e esta pluralidade é uma das características essenciais do
poético. Como conseqüência, devemos ter claro que quando falamos de poesia em sala
de aula de ELE estamos nos referindo a um conjunto de textos extremamente extensos e
heterogêneos, onde durante décadas as novas metodologias para o ensino de línguas
estrangeiras recusaram o uso da poesia em seu conjunto, considerando-a uma estratégia
didática pouco produtiva para a aula.
Para responder ao por que desta postura, faz-se necessário fazermos uma breve
revisão histórica do uso da literatura e o uso da poesia em sala de aula de espanhol.
Encontros e desencontros no ensino da poesia nas aulas de ELE
A poesia vem desenvolvendo seu papel dentro da proposta de contexto a partir
do ensino-aprendizagem de língua estrangeira espanhol, variando de maneira paralela
aos diferentes enfoques metodológicos que surgiram nos últimos quarenta anos. Cada
um desses enfoques tem buscado transmitir uma maneira de entender como se constitui
a língua e como se concebe a aprendizagem. O valor que se dará ao texto poético é por
conta dessas concepções e interesses.
Até a segunda metade do século XX a literatura no ensino de línguas tinha um
papel predominante dentro dos enfoques tradicionais ou de gramática e tradução, pois
178
essa concepção pedagógica, inspirada no ensino do latim e do grego, se baseava em
procedimentos como memorização, tradução ou a imitação, convertendo a literatura no
centro de sua proposta de ensino. Os textos literários eram mostras da língua, cuja
autoridade como modelos de propriedade e adequação linguística os convertiam no
principal suporte para o trabalho em sala de aula.
Nos anos quarenta e cinquenta, o desenvolvimento e implantação na Europa e
nos Estados Unidos dos fundamentos do Estruturalismo se concretizavam em uma série
de novos enfoques metodológicos de base estrutural. A língua será considerada como
um conjunto de estruturas ordenadas por hierarquia. Isso se unirá à influência
condutivista da aprendizagem que leva à repetição mecânica de estruturas com o
objetivo de fixar hábitos linguísticos na aprendizagem. Logo, a poesia era considerada
desnecessária por sua complexidade e sua escassa rentabilidade comunicativa, sendo
substituída por textos elaborados didaticamente mais atrativos.
Nos anos setenta se desenvolveram os programas nociofuncionais e com eles a
importância dos aspectos relacionados com o uso social da língua, onde a língua é um
sistema instrumentalizado e a organização dos conteúdos e dos expoentes gramaticais se
realizam com um critério de agrupação em contextos de uso e funções comunicativas.
Nessa perspectiva, mais uma vez, os textos poéticos não cabiam nessa proposta. Apenas
é possível encontrar algumas propostas de poesia no final das unidades didáticas como
um complemento cultural dos objetivos programados.
O verdadeiro rompimento dos planejamentos sobre a aquisição de novas
línguas chega aos anos oitenta com o enfoque comunicativo. Mesmo parecendo
paradóxico será com este modelo que a literatura se incorpora progressivamente ao
ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira. Paradóxico porque o caráter utilitário do
enfoque comunicativo centraliza sua atenção de tudo aquilo que tenha um propósito
prático e a língua poética se vê como uso da linguagem distanciado das expressões
utilizadas na comunicação diária. No entanto, por outro lado, a recuperação da poesia no
âmbito de LE vem associada a sua revalorização como mostras culturais da língua e
como documentos autênticos muito mais motivadores para o aluno que os textos
elaborados com uma finalidade didática. Ainda assim, nos últimos anos sua presença
nos materiais didáticos, ainda que cada vez mais integrada e relevante dentro das
unidades didáticas, continua sendo escassa.
179
O esquema que surge, após o exposto anteriormente, revela por algumas
razões o motivo da poesia ter ficado ausente das aulas de ELE:
A associação inconscientemente do texto literário aos enfoques
metodológicos mais tradicionais dos que as novas tendências queriam se
distanciar.
A consideração da língua poética como uma linguagem distanciada da
comunicação diária e, portanto, pouco útil desde uma perspectiva comunicativa.
Pensa-se que são textos de uma excessiva complexidade que, em todo
caso, somente poderiam ser utilizados com níveis avançados.
Recusa-se seu uso da linguagem por ter um excessivo significado
explícito (sugestão e conotação) e uma finalidade eminentemente estética e não
informativa.
O modelo comunicativo como apresentado anteriormente, é o enfoque que
mudou este ponto de vista, e dentro deste modelo o enfoque por tarefas tem uma
especial relevância neste processo de revalorização da literatura. Nele o texto está
considerado como ponto de partida de uma atividade, cujo objetivo é promover a
comunicação. Desta maneira, o material utilizado deve ativar processos que produzam
uma resposta vivencial do aprendiz. A partir dessa perspectiva, a natureza do texto não
será tão importante como a maneira de explorar-lo didaticamente. No entanto, a
pergunta que devemos fazer é evidente e necessária: a poesia é um tipo de texto capaz
de provocar atos de comunicação no aluno?
Principais dificuldades na apreciação da poesia pelos estudantes de ELE
Dificuldades de compreensão de vocabulário, em particular de
codificação das conotações.
Dificuldades de índole temático ideológica, em particular as referentes
a natureza e a cultura .
Dificuldade derivada do desconhecimento da métrica, medida do
verso, as pausas na leitura, a rima, os tipos estróficos, as licenças poéticas, etc.
180
Dificuldade vinculada com a compreensão dos recursos expressivos,
similares, metafóricos, simbólicos e outras figuras literárias. Exemplos: Ironia,
retórica, etc.
Dificuldade com o processo de análise: descrição; valoração, em
particular, dar juízo e critérios pessoais.
Para que o aluno possa superar essas dificuldades, faz-se necessário a atenção do
professor, oferecendo de maneira dosada, obras, fragmentos e textos representativos das
diferentes etapas da poesia, revelando assim o tratamento com a poesia e seu próprio
ideal pessoal, produto de uma realidade somente experimentada por aqueles que vivem
parte dessa história.
Uma eficaz apreciação destas obras remeterá necessariamente o estudante a um
estudo não somente linguístico, mas contextual, ideológico e sociocultural.
A poesia a partir do enfoque comunicativo
Como material para as aulas de ELE, o texto poético reúne características
evidentemente positivas e aproveitáveis. A poesia tem como ferramenta essencial a
língua e possui todos os elementos que convertem sua leitura em um ato de
comunicação, sendo observado que há um emissor – escritor, que na sequência tem uma
mensagem – o poema, havendo sempre um receptor – leitor (a), que será apresentado
em um canal de comunicação – livro, que partirá de um código – língua a partir de
determinado contexto.
Sendo assim, a poesia é uma fonte inesgotável de textos que possuem dois
atributos básicos que os convertem em materiais susceptíveis de serem usados em uma
aula de línguas: a poesia é linguagem e é comunicação em um determinado contexto
cultural.
Este ato de comunicação que é a poesia, além do mais, tem característica
específica que a faz, em minha opinião, especificamente produtiva em uma exploração
didática baseada em um enfoque comunicativo, visto que vão tratar de temas
motivadores e normalmente universais; sendo material autêntico o aprendiz sabe o que
181
está lendo e que esse mesmo texto lêem outros falantes nativos; provocam um alto grau
de afetividade que pode ser aproveitada para a interação e o intercâmbio de ideias; a
plurissignificação do texto poético permite a interpretação pessoal e motiva a
negociação de significados; são textos que estimulam a criatividade, a imaginação e o
jogo associados ao uso da linguagem; desenvolvem a competência intercultural. A
poesia se configura como ponto de (des) encontro cultural, de reconhecimento das
diferenças e pontos em comum.
Para aproveitar didaticamente todos estes aspectos potencialmente positivos para
as aulas de ELE, o professor deve ter presente que um dos pontos fundamentais para a
exploração didática destes textos é conseguir facilitar o encontro entre leitor e poesia. A
respeito desse encontro Octavio Paz comenta:
A poesia é uma possibilidade aberta a todos os homens, qualquer que seja seu
temperamento, seu ânimo ou sua disposição. Mais atenção: a poesia é senão
isso: possibilidade, algo que somente se anima estando em contato com um
leitor ou ouvinte. Existe algo em comum entre todas as poesias, onde sem a
qual não seria poesia: a participação (PAZ, 1992, p. 25)
Conseguir essa participação, esse contato do estudante com o texto poético, é
conseguir uma conexão na qual o aprendiz completa a poesia a partir do seu ponto de
vista, desde suas circunstâncias vitais e culturais. O que surge desse encontro é uma
matéria prima valiosíssima para a aula de espanhol. Para conseguir aproveitar esse
contato, que será gerador de produção na aula, o professor deve conseguir construir uma
ponte entre o estudante e a poesia, daí a importância de atividades e estratégias didáticas
prévias à leitura com a função de favorecer uma contextualização que evite os
obstáculos que puderam existir para a compreensão a um nível linguístico e
sociocultural.
A retomada da literatura às aulas de língua estrangeira se fez, portanto, a partir
de uma inversão de termos: o texto poético já não era um modelo de língua para o
falante como ocorria nos enfoques metodológicos tradicionais nem tampouco era
unicamente uma fonte de léxico e estruturas linguísticas. Na atualidade a importância do
texto poético reside em seu valor como mostras culturais de língua e como documento
autêntico breve, autônomo, motivador e capaz de gerar atos de comunicação, cuja
autenticidade não está desconectada do contexto de sala de aula. Maley explica de
maneira clara:
182
A poesia é linguisticamente autêntica. É também emocionalmente autêntica
e, portanto, provoca uma resposta no leitor igualmente autêntica [...] Também
pode implicar ao estudante em uma discussão e negociação autênticas.
(MALEY, 1987, p. 107)
Esta autenticidade na resposta da qual fala Maley deve estar sob potência e aproveitada
ao longo da exploração didática do texto. A presença da poesia nas aulas é cada dia
maior, graças a esta mudança de perspectiva na qual, desde um enfoque comunicativo,
seu uso como ferramenta didática tem um sentido pleno.
Uso de textos literários nas aulas de ELE
O uso e seleção de textos para as aulas de ELE exigem um longo e árduo
trabalho por parte do professor e uma reflexão prévia para adequar as atividades ao
contexto didático no qual será usado. Conseguir aproveitar as vantagens das quais
sinalizamos anteriormente, dependerá da seleção e atividades elaboradas pelo professor.
Algumas etapas de estratégias didáticas para o uso e alcance de objetivos em
textos literários, segundo (ACQUARONI, 2007, p. 127):
a. Etapa de contextualização e preparação – ativação de
conhecimentos prévios (linguísticos e/ou socioculturais) do aprendiz;
proporcionar informação pertinente para a compreensão posterior do texto;
favorecer a retomada de posição cultural e/ou pessoal do aprendiz.
b. Etapa de descoberta e compreensão - aplicação e reconhecimento
durante a leitura o já tratado na etapa anterior; localizar vocabulário
durante a leitura; reter vocabulário após a leitura em voz alta; estabelecer
relação entre partes do texto com outros textos; avaliar o grau de
compreensão; organizar a informação inferida do texto; tomar consciência
das estratégias adotadas ao longo da leitura; aprender, refletindo sobre
aspectos literários; extrair um fragmento ou informação do texto para
discutir ou ampliar em sala de aula; propor atividades que impliquem uma
abordagem gramatical a partir do contexto.
183
c. Etapa de expansão – dependerá dos objetivos marcados e as
características concretas do grupo de aprendizes a quem estão dirigidos;
dinâmicas e procedimentos que unifiquem e integrem as atividades
realizadas nas etapas anteriores; elaboração e proposta de atividades de
reforço, ampliação e consolidação; desenvolvimento de atividades
comunicativas de expressão e interação oral e/ou escrita.
A parte prática das propostas didático-culturais
Propomos a partir daqui explorar didaticamente tipologias textuais de gênero
poético, espanhóis e hispano-americanos para níveis iniciais e intermediários, nos quais
exploraremos praticando, através de atividades de aprendizagem, demonstrando como
podemos utilizar a poesia de maneira produtiva para as aulas de ELE, fazendo uso da
seleção de alguns poemas de autores como Gloria Fuertes, Mario Benedetti e Pablo
Neruda. Todas as atividades têm como ponto de referência o texto e as diferentes
possibilidades que o mesmo oferece para o desenvolvimento das mais variadas
competências comunicativas, analisando sempre as diferentes respostas e reações que a
poesia poderá produzir no aluno.
As atividades propostas estão direcionadas à negociação, discussão, no uso
criativo da linguagem e na potencialidade intercultural que advém delas.
TEXTO 1: “LOS MESES”, DE GLORIA FUERTES Proposta didática
NIVEL: A2- B1 INTERMEDIO
DURACIÓN: 2 h.
A. ¿Sabes definir POESÍA?
A continuación te proponemos algunas definiciones. Marca la (s) que más se acerca
(n):
( ) La poesía describe emociones de todo tipo, desde el placer al dolor…
( ) En la poesía el poeta transforma la realidad…
184
( ) La poesía se centra en el exterior de las personas y no en el interior…
( ) Lo más importante de la poesía es el tema que trata…
( ) Lo que realmente importa en la poesía es cómo se dicen las cosas y no lo que se
dice…
( ) La poesía se acerca siempre a la realidad…
B. Compara tu elección con la de tu pañero y justifícala. Para ello fíjate en el
siguiente cuadro y recuerda diferentes formas con las que podemos expresar la
opinión:
Para mí – según mi opinión
(Yo) creo que; pienso que; opino que; (A mí) Me parece que… + presente de indicativo
Ejemplo: “Yo creo que la poesía describe emociones muy trágicas porque los poetas son
personas muy tristes y desgraciadas. Pienso que en un poema tiene que existir un
equilibrio entre la forma y el contenido, porque las dos cosas son igual de importantes”.
C. Escribe una redacción explicando las opiniones de tu compañero y
comparándolas con las tuyas.
Ejemplo: Mateo piensa que la poesía es muy bonita pero es imposible de entender. Yo
no estoy de acuerdo porque…
D. A continuación vas a escuchar a tres estudiantes de Literatura que hablan de sus
poetas favoritos. Escucha con atención y señala si las siguientes afirmaciones
son verdaderas o falsas:
Gloria Fuertes
a. Gloria Fuertes vivió en Madrid ( )
b. Le gustaban mucho los niños ( )
c. Colaboró tan solo en un programa de televisión, La cometa blanca ( )
d. Su voz era muy débil y tenía un gran sentido del humor ( )
e. Cultivó la poesía infantil y la poesía para adultos ( )
Mario Benedetti
a. Mario Benedetti tiene seis nombres ( )
b. El estudiante piensa que Mario es el nombre más original ( )
c. Vivió en Argentina, Chile y España ( )
185
d. Es un autor que cultiva diferentes géneros literarios ( )
e. Intervino como actor en una película ( )
Pablo Neruda
a. Pablo Neruda era su verdadero nombre ( )
b. En 1981 ganó el premio Nobel de Literatura ( )
c. Debido a su compromiso político y a la situación de la época, tuvo que huir de
Chile ( )
d. Para salir de Chile se cambió de identidad pero no cambió su aspecto físico ( )
e. La obra Veinte poemas de amor y una canción desesperada está formada por
poemas románticos y tristes ( )
E. ¿Quién crees que es el autor de cada fragmento? Relaciona cada título con el
poema correspondiente y escribe debajo de cada uno de ellos quién crees que es
su autor.
1. Poema de amor no. 20
2. When you are smiling
3. Para dibujar un niño
A – ( ) (…) ocurre que tu sonrisa es la sobreviviente,
la estrella que en ti dejó el futuro, la memoria del horror y la esperanza,
la huella de tus pasos en el mar,
el sabor de tu piel y su tristeza.
When you are smiling
The whole World
Que también vela por tu amargura
smiles with you.
Autor/Autora _______________
186
B – ( ) (...) hay que hacerlo con cariño.
Pintarle mucho flequillo,
_que esté comiendo un barquillo...
muchas pecas en la cara,
que se note que es um pillo
_pillo rima con flequillo
y quiere decir travieso...
Continuemos el dibujo:
redonda cara de queso (...)
Autor/Autora _______________
C – ( ) Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir por ejemplo: “La noche está estrellada, y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quise (...)
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo, sentir que la he perdido.
Autor/Autora _______________
F. El poema utiliza el lenguaje de forma especial, dándole a las palabras
significados diferentes, jugando con el ritmo y la rima, es decir, llevándolo al
límite para conseguir emocionar al lector. Escucha los siguientes fragmentos de
algunos poemas de los autores anteriores dos veces y elige, entre las opciones
que se dan, cuál es la técnica poética que utilizan para conseguir sorprender y
emocionar.
187
Poema 1: ( ) rima ( ) invención de palabras ( ) uso de extranjerismos
Poema 2: ( ) rima ( ) deformación del lenguaje ( ) uso de metáforas
Poema 3: ( ) rima ( ) repetición de estructuras y sonidos ( ) invención de
palabras
G. Las sílabas de las siguientes palabras están desordenadas. Ordénalas y
encuentra el adjetivo escondido.
Ejemplo: BLE – SI – SEN: Sensible
1. TIL – VER – SÁ: _______________________
2. TI – RO MÁN – CO: __________________________
3. PLI – DO – COM – CA: ____________________________
4. TO – AU – DAC – DI – CA: ______________________________
5. VEN – RE – RO – A – TU: __________________________________
H. Discute con tus compañeros cuáles de estos adjetivos describen a los poetas
anteriores y escribe en la columna adecuada. Recuerda que algún adjetivo puede
describir a más de un poeta:
Gloria Fuertes Mario Benedetti Pablo Neruda
____________________ _______________________ ____________________
____________________ _______________________ ____________________
____________________ _______________________ ____________________
I. Banco de datos biográficos
Gloria Fuertes – Nació el 28 de julio de 1917 en Madrid, en el seno de una familia
humilde; su madre era costurera y su padre conserje. A los tres años ya sabía leer y a los
cinco escribía cuentos y los dibujaba. Luego los cosía con hilos para encuadernarlos.
Su madre la matriculó en el Instituto de Educación Profesional de la Mujer en todas las
asignaturas que se consideraban en esta época apropiadas para una mujer: Cocina,
Bordados…, pero ella también se matriculó en Gramática y Literatura.
188
En 1935 publicó sus primeros versos y dio sus primeros recitales de poesía en Radio
Madrid y Radio España. A partir de ahí no dejó de escribir y es autora de infinidad de
publicaciones de poesía, literatura infantil, teatro y música (canciones para niños)
Mario Benedetti - Nació en paso de los Toros – Uruguay, el 14 de septiembre de 1920.
Estudió periodismo y trabajo el semanario Marcha en Buenos Aires. En 1945 publicó
su primer libro de poemas. La víspera indeleble. En 1953 apareció Quién de nosotros,
su primera novela, pero es el volumen de cuentos Montevideanos (1959) – en los que
toman forma las principales características de la narrativa de Benedetti – el que supuso
consagración como escritor. Con su siguiente novela, La tregua (1960), Benedetti
adquirió proyección internacional; la obra tuvo más de un centenar de ediciones, fue
traducida a diecinueve idiomas y llevada al cine, al teatro, a la radio y a la televisión.
Su amplia producción literaria abarca todos los géneros, incluso famosas letras de
canciones, y suma más de setenta obras.
Pablo Neruda - Nació en Chile, en 1904. Aunque su nombre real fue Neftalí Reyes
Basoalto, desde 1917 adoptó el seudónimo de Pablo Neruda como su verdadero
nombre. Escritor, diplomático, político, premio Nobel de Literatura, premio Lenin de la
Paz y Doctor Honoris Causa por la Universidad de Oxford, está considerado como uno
de los grandes poetas del siglo XX. Militó en el partido comunista chileno y apoyó a
Salvador Allende.
De su obra poética, se destacan títulos como Crepusculario; Veinte poemas de amor y
una canción desesperada; Canto general; Extravagario, Confieso que he vivido, etc.
Intervenções após aplicação de proposta didática
As intervenções aqui percebidas estão basicamente propostas para inicialmente o
avivamento do conhecimento prévio linguísticos e socioculturais que o aluno possui. As
poesias são apresentadas e, através delas, estratégias de abordagem são feitas, tais como
perguntas relacionadas ao vocabulário, interferindo no mundo pessoal e cultural do
aprendiz. As propostas textuais poéticas nos possibilitam trabalhar com a competência
189
intercultural de maneira simples, comparando elementos característicos de expressões e
formas de ver o mundo.
O professor deve também estar atento às motivações e respostas dadas por cada
aluno, sem fazer muita intervenção, visto que a leitura e acesso à poesia deve ser algo
livre e pessoal. Esta etapa deve favorecer a autenticidade do primeiro contato com a
poesia ou poesias propostas.
A dinâmica proposta anteriormente foi a de querer saber o que os alunos sabiam.
Agora o professor propõe novas estratégias, tais como: responder através de verdadeiro
ou falso a perguntas previamente elaboradas; a provocar o uso de conectivos de opinião;
a relacionar conhecimentos adquiridos e construídos com experiências interculturais; a
aprender a usar adjetivos para qualificar pessoas; a formar vocabulário específico
poético a partir de sílabas; a compartilhar suas experiências de ensino-aprendizagem
com os companheiros de sala; desafios de buscas, construções e formação de conceitos.
O professor deve ser uma ponte entre o aluno e a poesia, porém permitindo que a
ambiguidade e multiplicidade de significados cheguem ao aluno. Ou seja, o professor
pode até dar o significado das palavras, mas nunca os do verso do poema. Essa será
nossa estratégia para provocar o debate, a discussão entre outros elementos que virão
desse contato.
O aluno terá compreendido que seu conhecimento e motivação estão firmes a
partir da proposta do professor como etapa final, onde ele é direcionado a realizar uma
tarefa com os demais companheiros, encontrando adjetivos necessários a cada um dos
três poetas, porém serão alertados de que muitos daqueles adjetivos podem se encaixar a
qualquer um deles. Então, a atenção, troca de saberes e aprendizagens se darão como
elemento sociocultural. Eles poderão, inclusive, fazer uso das fichas biográficas
presentes no “Banco de datos biográficos” para melhorar seu desempenho.
Sendo assim, nos deteremos sobre um dos poetas e propor algumas possíveis
intervenções e propostas didático-culturais (Pablo Neruda):
La poesía de Pablo Neruda "Puedo escribir los versos... “es probablemente una
de las más tristes sobre el amor, da mucho material para la discusión e inspira para
hacer traducciones. Es interesante también desde el punto de vista de la gramática. Así
190
el verbo "querer" se emplea ora en indefinido, ora en imperfecto. Vamos a ver estos
momentos:
1. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Yo la quise, y a veces ella también
me quiso.
2. Ella me quiso, a veces yo también la quería.
3. Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
La poesía está impregnada de sentimientos, emociones, recuerdos, no se trata de
hechos o acciones pero los estudiantes pueden imaginar y reconstruir la historia de este
amor infeliz y les inspira este tipo de trabajo.
Considerações finais
Ao propormos “Poesia nas aulas de ELE: Propostas Didático-Culturais”
desejamos refletir em torno das teorias e práticas disseminadas por referenciais teóricos
ao longo dos séculos, bem como analisar metodologias e propostas didáticas para o
ensino e valorização da poesia. Percorremos caminhos que nos direcionaram a reflexão
sobre as produções e materiais didáticos propostos e lições para traçarmos
objetivamente trajetos a serem percorridos para o futuro. Ao concluirmos essa etapa,
confirmamos que é possível e faz-se necessário recorrer ao texto literário, mais
especificamente ao texto poético nas aulas de ELE, por serem eles textos autênticos,
com linguagem e formas específicas, favorecendo-nos diversas dinâmicas e
possibilidades didáticas. Os temas abordados, quase sempre de âmbito universal,
conferem ao texto poético sua aceitação em culturas e espaços diversos, demonstrando a
possibilidade de união entre o texto e o leitor.
O texto poético, pelo seu ritmo, musicalidade e recursos linguísticos que fazem
dele mais belo, é, por si só, um gênero que convida à leitura e à partilha de experiências
e impressões interculturais. Basta despertar e cultivar esta leitura e essa partilha através
de propostas didáticas e metodológicas motivadoras e inovadoras, despertando em cada
um de nós os sentimentos de empodeiramento sobre a poesia.
191
Ao longo do processo, queremos destacar a grande dificuldade em encontrarmos
textos poéticos que, dentro do possível, pudessem fazer parte de nossas propostas
didático-culturais, mas com esforço e “garimpagem”, fomos encontrando e formando
nossas estratégias de alcance da poesia através do ensino de ELE. As adesões serão
sempre bem-vindas a partir dos objetivos e estratégias pensadas com antecedência, mas
nunca devamos nos esquecer de nos prepararmos para quem nos espera, o aluno. Esse
por sua vez, trás consigo cultura, costumes, saberes entre outros aprendizados que
podem fugir a nossas expectativas. Portanto, cuidemos para que nossos desejos não
sejam excessivos e frustrem nosso maior objetivo que é o de ensinar língua através da
poesia.
Finalmente, depois de teorias, apresentamos nossas propostas práticas sobre a
poesia como estratégias didático-culturais para o ensino de ELE. Elas não estão
acabadas em si mesmas, mas sugerem ao professor caminhos a serem seguidos,
avaliados e adequados a cada realidade, demonstrando que é possível fazer uso da
poesia como proposta didática metodológica, que visa levar o aluno a partilhar de seus
próprios saberes e se abrir para novos saberes, eliminando estereótipos e construindo
conceitos sobre a beleza de viver a poesia.
Referências
ALMANSA, Monguilot A. (1999), “La literatura española en un currículo de
lengua extranjera: algunas reflexiones”, Madrid: Mosaico.
ACQUARONI, Muñoz R. (2007), Las palabras que no se lleva el viento: literatura y
enseñanza de español como LE/L2. Madrid: Santillana.
MALEY, A (1987), “Poetry and song as affective language-learning activities”, en
Rivers W. (ed), Interactive Language Teaching, Cambridge: Cambridge University
Press.
MARTÍNEZ, Sallés M. (1999), “Los retos pendientes de la didáctica de la literatura
en ELE”, Madrid: Mosaico.
MENDONZA, Fillola A. (2009), “Los materiales literarios en la enseñanza de ELE:
funciones y proyección comunicativa”, redEle, 1. [20 de agosto de 2015].
Disponible en la web: http://educacion.es/redele/revista1/mendoza.shtml
NARANJO Pita, M. (1999), La poesía como instrumento didáctico en el aula de
español como lengua extranjera. Madrid: Edinumen.
192
PAZ, O. (1992), El arco y la lira. México D.F.: Fondo de Cultura Económica.
SANZ Pastor M. (2006), “Didáctica de la literatura: el contexto en el texto y el texto
en el contexto”, Madrid: Carabela.
ZAPATA Lerga Pablo (1996). Proceso al gramaticalismo. La aventura de leer y
escribir. Madrid: Popular.
193
LOS ANTIPOEMAS DE PARRA: MUNICIONES PARA UNA
INSURRECCIÓN HISTÓRICA Y LITERARIA
Antonio Martínez Nodal 77
PARFOR-UFPA/Instituto Cervantes-Salvador
1 INTRODUCCIÓN
Dialogar sobre el importante poeta chileno Nicanor Parra (1914), equivale
necesariamente a revelar la inaudita revolución literaria que causó la publicación de su
obra prima Poemas y Anti-poemas (1954) en el contexto literario e histórico-cultural de
mediados del siglo XX. Este poemario conquistó al público y a la perpleja crítica
literaria de entonces, ya que emergió al margen de cualquier patrón o modelo lírico
precedente en la literatura, tanto en la hispanoamericana como en el panorama de las
letras universal. La aparición de sus emblemáticos antipoemas se convirtió en baluarte
de la lírica neo-vanguardista y, su rechazo pleno, como tajantemente indica su título, a
todo lo que habitualmente era considerado como forma poética. Su pulso con la poesía
declamatoria precedente articulado en los citados antipoemas, influye, indudablemente,
en la “Generación del 45” y se convierte en base y referencia de la poesía coloquial o
conversacional ulterior (Retamar, 1995). Los antipoemas pudieron ser cuestionados
como género o discurso poético reconocible, pero fueron imprescindibles en relación a
su conexión con un público sediento de realidad y de un diálogo familiar.
El longevo poeta, Nicanor Parra, ganador del Premio Cervantes, a sus 101 años,
construye y desmiembra de forma incesante nuevos elementos poéticos integrados en
una realidad antipoética o cotidiana. Su inagotable búsqueda de nuevos caminos, a
través de la escritura, nos alcanza hasta la actualidad con sus Artefactos Visuales (2002),
que le han cimentado como una de las voces más auténticas, profundas, originales e
inclasificables de la literatura universal:
Nicanor Parra es el poeta de más viva significación en el momento actual de
la poesía chilena y una de las voces más originales de la lírica
hispanoamericana. Su poesía se sitúa en la generación siguiente a las de los
grandes poetas innovadores como Vicente Huidobro o Pablo Neruda.
77
Licenciado en el curso de Letras Portugués-Español en la Escuela Madre Celeste 2014 – ESMAC,
Belém/PA, y actuando como profesor del PARFOR-UFPA y del Instituto Cervantes de Salvador.
Posgrado en Enseñanza de la Lengua Española – UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES. Correo
electrónico: [email protected].
194
Comenzaba a escribir cuando aquellos eran los poetas resonantes de Altazor
(1931) y Residencia en la tierra (1933). Su iniciación queda marcada por
Cancionero sin nombre (1937) (GOIC, 1992, p. 120).
Parra, aún en pie de guerra como hombre y poeta, fue indicado varias veces al
Premio Nobel, por ser acreedor de una obra transgresora, diversa, única, imprevisible y
rica. Su producción escrita oscila entre una lírica sencilla y popular, como así lo
demuestra su poemario La cueca larga (1958) hasta una lírica absolutamente
iconoclasta y rebelde como en sus Versos de salón (1962) o en Poemas y anti-poemas
(1954), objeto de estudio de esta propuesta de trabajo sobre el autor y punto referencial
en la obra de Parra y para los poetas posteriores hispanoamericanos y españoles.
2 UN CAUDAL PROFUNDO DE LIBERTAD EN LA LÍRICA CHILENA
En el panorama literario de letras hispánicas se suele considerar al escritor Pablo
Neruda (1904) y Vicente Huidobro (1893) como los pilares o modelos poéticos por
excelencia de la poesía Chilena del S. XX, aunque Nicanor Parra podría ser quién
realice el mayor logro entre los poetas chilenos, mediante una lírica rebelde, desnuda de
artificios, edificada con un afán transgresor en el texto y contexto poético
hispanoamericano.
No obstante, fue Gabriela Mistral (1889-1957), Premio Nobel de 1945, la
precursora de la poesía con mayúsculas chilena, previamente al surgimiento de los
antipoemas. Mistral se destacó a principios del S. XX como glorioso modelo a seguir,
debido a su poética sencilla, profunda e imperecedera, abriendo y delimitando una senda
o brecha insondable en la lírica autóctona. Pero, sobre todo, ofreciendo mediante su
obra, la sutil afirmación de la densidad hecha palabra y la palabra bendecida por la
poesía, la cual, muchos compatriotas poetas y lectores acogieron solícitos durante varias
décadas. El concepto de poesía que influyó en la poética chilena posterior es descrito en
palabras de la propia autora:
La poesía es en mí, sencillamente, un regazo: un sedimento de la infancia
sumergida: Aunque resulta amarga y dura la poesía que hago me lava de los
polvos del mundo y hasta de no sé qué vileza esencial parecida a lo que
llamamos el pecado original, que llevo conmigo y que llevo con aflicción.
Tal vez el pecado original no sea sino nuestra caída en la expresión racional y
arrítmica a la cual bajó el género humano y que más nos dude a las mujeres
por el gozo que perdimos en la gracia de una lengua de intuición y de música
que iba a ser la música del género humano (MISTRAL, 1965, p. 1-3).
I
195
En otra línea de pensamiento y de conceptualización poética, Parra emprende
diversas lides armado de la palabra común. Se aleja de la óptica lírica de Mistral y
disputa con una realidad adversa, provista de un discurso directo, crítico-social e
desasosegante, fruto de un mundo moderno que le trastorna, desestabiliza y le impulsa a
rebelarse mediante los destacados antipoemas. El discurso hipercrítico y deformante se
encontraba hasta entonces oculto en las voces poéticas de la lírica de movimientos
vanguardistas o proclives al deleite poético previos: desde el “creacionismo”78
de
Vicente Huidobro y la poesía humana al servicio de las ideas, liderada por la voz
inmensa del Nobel Pablo Neruda (1904). A pesar de las diferencias, nunca
irreconciliables, como demuestra la admiración mutua entre Neruda y Parra, la poesía
chilena del S. XX a grandes rasgos apunta caracteres comunes que conviene apuntar:
[…] su ánimo rupturista, que consiste en rechazar las formas mitológicas de
contención a partir de un entendiendo de la crisis del concepto de realidad, de
un restablecimiento de las anécdotas trascendentes como formas de expresión
del mundo, borrando paulatinamente las fronteras entre el yo y las cosas. No
son menos importantes otros rasgos definitorios tales como la afirmación de
lo coloquial, en oposición a un lenguaje a menudo vanilocuente que sus
practicantes y adeptos consideraron un valor en sí. A partir de allí solían ver
algunos la poesía como una suerte de reprochable desorden del conocimiento
(CALDERÓN, 1970, p. 8).
Hay una ruptura con los géneros literarios y construcciones anquilosadas,
herméticas o impregnadas de voces uniformes, quebrándose tabús y barreras de género
que ceden paso a la verdad, el grito, el canto y la libertad poética: “La interpretación de
los géneros literarios, mediante una destrucción de lo lírico como mera tradición
inferida y obligatoria, es una actitud constante en la verdadera poesía nacional”
(CALDERÓN, 1970, p. 7-8). La antipoesía supone una ruptura que conlleva inevitables
confrontaciones literarias, algunas de las cuales nos disponemos a analizar a
continuación.
3 ANTIPOEMAS, ANTI-NERUDA Y EL PASO A LA POESÍA COLOQUIAL
A el radical bautizo de Parra de su novedoso ejercicio poético denominándolo
“antipoema”, rápidamente, tras su publicación, se le añadió el epíteto o símil de “anti-
Neruda”, por ser Parra el primer gran poeta en Chile, que se opone a la venerada forma
78
Denominada así porque al exponerla su promotor había insistido en que “la primera condición del
poeta es crear, la segunda crear, y la tercera, crear (HUIDOBRO, 1914 apud GONZALO, 1999, p.32).
196
lírica preponderante marcada durante años por Pablo Neruda. Paradójicamente, Neruda
admira y ensalza la obra de Parra, cuyo tono, y procedimientos de la antipoesía adoptó
en una obra posterior tras la eclosión de los antipoemas, específicamente, en su libro
Estravagario (1958). A pesar de sus distancias evidentes de estructura y contenido en la
obra de ambos autores, los dos escritores también poseen en común un romanticismo
furioso y desaforado, aunque la inspiración de sus musas y objetivos poéticos no puedan
ser más dispares. Cuando Parra es instigado a declarar una opinión sobre Neruda, su
respuesta es simple: “Admiración y respeto religioso por el hombre y por su obra”
(TEILLER, 1968, p. 78-80). Ante la insistente declaración de poesía nacida como
oposición a la palabra incontestable de Neruda, Parra responde, esclareciendo esta
discusión en una entrevista realizada por BENEDETTI (1971, p. 303).
[…] Neruda está allí como un marco de referencia. Más tarde la cosa ha
cambiado. Neruda no es el único monstruo de la poesía; hay muchos
monstruos. Por una parte hay que eludirlos a todos, y por otra, hay que
integrarlos, hay que incorporarlos. De modo que si esta es una poesía
antiNeruda, también es poesía antiVallejo, es una poesía antiMistral, es una
poesía antitodo, pero también es una poesía en la que resuenan todos estos
ecos; de modo que no sé si es realmente justo decir que en la actualidad la
antipoesía se puede definir exclusivamente en términos de Neruda.
Si algo distancia la antipoesía del maestro Neruda es la ausencia de aspectos
figurativos, simbolistas, grandes imágenes de tierra, naturaleza y desaforados
sentimientos, que el gran poeta no puede evitar revivir y que abundan e inundan la
poesía profusa del escritor de Veinte poemas de amor y una canción desesperada
(1924). Esa perspectiva sobredimensionada o trascendental de Neruda se aleja de Parra,
puesto que
La antipoesía se define como tal, en primer lugar, por su antiretoricismo.
Rechaza la imagen visionaria y la visión características de la vanguardia
poética que dan al lenguaje de la lírica la condición de una lengua especial. Si
llega a emplearlas les confiere dos dimensiones particulares: una, que
conduce a lo cómico y, otra, la paradoja y el sinsentido […] Desde la
expresión literaria o científica, hasta el improperio vulgar, caben en la
selección lexical abierta de la antipoesía (GOIC, 1992, p. 120-122).
Lo más importante es no tomar demasiado en serio la etiqueta de antipoema
ideada por Parra, puesto que la negación evidente de su prefijo no se opone de ningún
modo a la expresión poética, ni intenta, como el mismo autor confiesa, crear un
enfrentamiento poético o ideológico con Neruda u otras formas clásicas de la lírica
precedente. Si realizamos un análisis morfológico elemental del término acuñado por
197
Nicanor Parra (1954) como “antipoesía”, llegaríamos a la conclusión de que esta
demarcación no tiene razón alguna de existencia, dado que, en su carácter terminológico
impreciso y ligeramente incoherente, radica la partícula negativa previa señalada con su
prefijo –anti, anteponiéndose a su raíz, “poesía”, por lo que de forma evidente estamos
declarando entonces la inexistencia de la lírica como tal, algo fuera de toda lógica, al
tratarse este experimento literario de un nuevo concepto y ejecución de la poesía del S.
XX. El autor, solo intenta abrir nuevas posibilidades al lenguaje poético, nuevas líneas o
cauces significativos, próximos a la realidad no explorados hasta entonces.
Pero por el mero hecho de ser, ninguna poesía es antipoesía: la única
verdadera antipoesía no se escribe. Sin embargo, la antipoesía, como en su
caso la antinovela, es anticierto tipo de poesía. Con respecto a Parra, como
varios autores vieron desde el primer momento, se trata de la poesía
antiNeruda. Eso quiere decir que no se entiende del todo la función de la
poesía de Parra si no se está algo familiarizado con la poesía caudalosa,
pretenciosa de Pablo Neruda, que en la época era el poeta sobreviviente más
importante de la generación vanguardista en nuestra lengua (RETAMAR,
1995, p. 163).
Es conveniente, sin embargo, esclarecer las convergencias esenciales de estas
dos perennes voces chilenas. Las principales diferencias entre uno y otro radican en que
el héroe Nerudiano es superlativo, excepcional, solemne, grandioso, trágico, un ego
creador, terrestre y angustiado. Por el contrario, el personaje de los antipoemas de Parra
es “antiheróico”, no ser revela como centro del mundo, su posición vital se ha
relativizado, es un hombre cualquiera que hace uso de un diálogo cercano. El mundo de
Neruda es “acultural” e anti-intelectual, siempre es parte de la tierra, naturaleza que lo
envuelve, evocación constante, padecimiento que le sobrepasa y una pasión que
impregna cada palabra de su poesía. El mundo de Parra, por el contrario, se nutre de su
espíritu luchador, situación en contextos determinados y reconocibles, donde emergen
hombres del mundo cotidiano con una lucidez esquizofrénica y la conciencia
esencialmente humana en sus antipoemas. Ajenos a comparaciones, la antipoesía,
Este “nuevo tipo de amanecer poético” consistía en introducir en el lenguaje
poético el lenguaje de la conversación, desacralizar la figura del poeta y usar
la ironía y la risa de forma sarcástica. El autor chileno invita a los poetas a
bajarse del Olimpo para habitar en el mundo cotidiano y escribir con el
lenguaje de todos los días (ALEMANY, 1997, p. 35).
Y ese descenso a una realidad cotidiana, coloquial y tan familiar nos instiga a
discutir sobre los encuentros y desencuentros entre la poesía conversacional y los
198
antipoemas (RETAMAR, 1995) que evidencian la importancia y confluencia de la obra
de Parra en la poesía contemporánea actual.
4 ANTIPOESÍA VERSUS POESÍA CONVERSACIONAL
La poesía coloquial o conversacional no se trata de un mero desencadenante de
generaciones o tendencias anteriores, ya que posee un sentido definitorio y crítico
propio que libera y proyecta un mensaje exclusivo, natural, cercano, acompañando a su
búsqueda constante y de deliberada experimentación:
[…] la poesía coloquial no radica en una mera continuación o desarrollo de
las manifestaciones poéticas señaladas anteriormente, ni puede reducirse a un
simple instrumento, pues, lo cierto es que rompe con los moldes
preestablecidos, como es el caso de la creación de "artes poéticas" muy
personales. Es otra forma de escritura fundada en la exploración del potencial
lingüístico que no convierte al mensaje en único foco de atención sino que
activa otros factores de la comunicación, básicamente el referente y el
receptor y en este sentido, fractura el canon poético establecido
(JAKOBSON, 1975 apud ANDRADE, 2010, p. 188, 189).
Es imprescindible apuntar que el grupo de poetas que componen este esfuerzo
conversacional de escribir una novedosa lírica de calidad, aunque, mediatizada por su
evidente lenguaje popular, fue rico y heterogéneo. Formado por un conjunto de literatos
ilustre, del cual participaron autoridades poéticas de diversas nacionalidades de
Hispanoamérica, apropiándose de un lenguaje osado e inclasificable, valiente y
personal; ya que en él mismo tienen cabida lo erótico, humorístico, espontáneo y
comunicante.
Estos escritores, Sabines, Dalton, Cardenal, Benedetti, Salazar Bondy,
Gelman, Urondo, Fernández Retamar, Cisneros, etc., buscan en última
instancia la revelación de la realidad, un efecto poético espontáneo que sin
escapar de la estética hable con voz propia de la inmundicia; la poesía se
viste de humilde decencia cotidiana para manifestarse contra la injusticia, sin
renunciar por ello a una cuidada elaboración formal y a temas cargados de
intimidad (ALEMANY BAY, 2006, p. 161).
Sin embargo, este movimiento, realmente comienza a manifestarse hacia finales
de la década de los años cincuenta, emergiendo plenamente en la década del 60. Entre
los poetas del llamado conversacionalismo lírico se destacan: el chileno Enrique Lihn
(1929), el argentino Juan Gelman (1930) o el poeta y crítico cubano Fernández Retamar
(1930); y del conversacionalismo más objetivo y documental con tres libros del
reconocido autor nicaragüense Ernesto Cardenal (1925), que pueden servir como
199
exponentes de su irrupción lírica desmitificadora: Hora cero (1960), Epigramas (1961),
y Oración por Marilyn Monroe (1965). Pero, anteriormente, se debe subrayar otra
vertiente enfrentada en la lírica, como ya mencionamos, la denominada “antipoesía” del
chileno Nicanor Parra, quien creó y desarrolló una poética en oposición al maestro
universal de la poesía, el célebre chileno Pablo Neruda (1904) y su reconocible tono
solemne y eminente, con sus Poemas y anti-poemas (1954). Parra aglutina la llamada
“antipoesía”, que puede considerarse como una variante reveladora del
conversacionalismo, aunque de ninguna manera sean corrientes poéticas equivalentes.
Ambas no están exentas de puntos comunes y, del mismo modo, de reconocibles
diferencias formales y expresivas, por lo cual, sus encontrados caracteres poéticos
deben consecuentemente ser esclarecidos.
Decisivamente, todos los aspectos previos discutidos nos estimulan a reflexionar
en relación con la ponderación discursiva básica de que la antipoesía confronta a la
poesía conversacional, a pesar de sus caracteres adyacentes.
Evitar el discurso polémico con relación a estas dos líneas literarias puede
resultar harto complicado, pero lo indudable es el carácter de primicia de las sendas
poéticas en la década del 50 que tendrá continuidad y su confirmación poética en la
década siguiente. Para dar inicio a este cuestionamiento es preciso determinar el
parentesco y la división de estos revolucionarios modos de ver y ejercer la poesía, “dos
vertientes de una cosa, quizá constituyan la novedad más visible de la poesía
hispanoamericana desde hace diez o quince años” (RETAMAR, 1995, p. 159). En
palabras del poeta, la definición de antipoesía de forma general consistiría en:
La antipoesía es una lucha libre con los elementos, el antipoeta se concede a
sí mismo el derecho a decirlo todo, sin cuidarse para nada de las posibles
consecuencias prácticas que pueden acarrearle sus formulaciones teóricas.
Resultado: el antipoeta es declarado persona no grata. Hablando de peras el
antipoeta puede salir perfectamente con manzanas, sin que por eso el mundo
se vaya a venir abajo. Y si se viene abajo, tanto mejor, ésa es precisamente la
finalidad última del antipoeta, hacer saltar a papirotazos los cimientos
apolillados de las instituciones caducas y anquilosadas (BENEDETTI, 1969,
p. 108).
Esta negación ambigua e intencionadamente sediciosa del propio concepto de
poesía es obviamente una falacia, ya que realmente su definición será revelada en el
enfoque de su propuesta textual, ensayo en la perspectiva intima que el poeta ofrezca a
su palabra y, en consecuencia, a sus antipoemas. “Sin embargo, negación de poesía es el
200
mundo que ve el poeta, no su mirada. Parra inventa el antipoema para flagelar el mundo
con sus propias armas, para lidiar con él en su terreno” (BENEDETTI, 1969, p. 111).
La antipoesía de alguna forma se contrapone a las vanguardias anteriores e
intenta escapar de conflictos coherencia o significado. Podemos, sin embargo, reconocer
como característica general de esta, el “prosaísmo” y la introducción del elemento
coloquial, que como ocurre con la citada línea poética y con la conversacional, tiene
semejanzas claras e, igualmente, diferencias axiomáticas.
[…] “son los "prosaismos", los momentos en que la poesía se acerca
voluntariamente a la prosa, o al coloquio, que no es lo mismo: la prosa es
también una forma de escribir; el coloquio, la conversación, es lo que
hablamos habitualmente” (RETAMAR, 1995, p. 168).
Para Fernandez Retamar, la antipoesía es la base o el espejo donde se reconoce
la poesía conversacional, esta última de carácter posmodernista, si nos atenemos al
periodo literario que la antecede. La poesía conversacional parte de un carácter
eminentemente positivo y productivo en su discurso poético; primera diferencia notable
con la antipoesía, demarcando solo la primera de otras muchas discrepancias que
pasamos a enumerar a continuación:
[…] En segundo lugar, la antipoesía tiende a la burla, al sarcasmo; la poesía
conversacional tiende a ser grave, no solemne, aunque no excluye el humor.
En tercer lugar, la antipoesía tiende al descreimiento ("escéptica", decía
Ángel del Rio, era la poesía de Campoamor: ¿y qué decir de la de Parra?). La
poesía conversacional tiende a afirmarse en sus creencias, que en algunos
casos son políticas y, en otros, religiosas, o ambas. En cuarto lugar, aquellas
características (burla, descreimiento) dan a la antipoesía un sentido
demoledor, con el cual se vuelve con frecuencia al pasado; en la poesía
conversacional (aunque también, llegado el caso, es crítica del pasado) hay
evocaciones con cierta ternura de zonas del pasado y, sobre todo, es una
poesía que es capaz de mirar al tiempo presente y de abrirse al porvenir. En
quinto lugar, la antipoesía suele señalar la incongruencia de lo cotidiano; la
poesía conversacional suele señalar la sorpresa o el misterio de lo cotidiano.
En sexto lugar, la antipoesía tiende a engendrar una retórica cerrada sobre sí
y fácilmente transmisible; la poesía conversacional, por su parte, es más
difícilmente encerrable en formulas, y por ahora no parece tender tanto a
encerrarse sobre si, sobre su propia retórica, sino a moverse hacia nuevas
perspectivas (RETAMAR, 1995, p.174).
La lírica de la transgresión de textos universales es lo que representa la
antipoesía. Su carácter se torna destructivo, combativo, inverosímil y anti tradicional
“consiste en presentar un texto positivo, quizás hermoso, sagrado y consagrado, y
201
prolongarlo en tal forma que resulta contradicho o alterado real o aparentemente su
sentido” (BRUNET, 1994, p. 17).
El anti-poeta es primordialmente un luchador, un púgil de la palabra, el
provocador nato que hace uso y desuso del poema sin obstáculos o interferencias
lingüísticas o temáticas, afrentando al poema y su sentido lírico, añadiendo humor a
mansalva en su discurso, con plena libertad en sus formulaciones, explosivo en sus
valientes propósitos y despropósitos poéticos.
La ironía y el absurdo, por consiguiente, se adhieren a una burla hacia lo sagrado
y a una desmitificación de las grandes hazañas pasadas. Géneros cultos son
ridiculizados de manera vergonzante, como sucede con las odas79
, normalmente escritas
y declamadas como alabanzas a alguien o algo. El poder y divinidad se alteran y
desacreditan de tal forma que alcanzan matices ilógicos, altamente humorísticos,
insólitos en el contexto de la lírica, hasta llegar a límites paródicos.
Es un proceso de degradación que lleva incluso a la supresión del Yo lírico,
entendido como sujeto estructural del poema […] Es un juego de aceptación
(aparente) y de rechazo (real) de lo recién aceptado y hasta propuesto como
ideal. Ello desconcierta, sorprende, causa risa, irrita, hace pensar al lector
[…] El poeta, en fin, cansado de la poesía en uso, destruye el lenguaje
convencional y propone un texto alterador de la escritura normal e
inteligible” (BRUNET, 1994, p. 19-21).
La antipoesía emerge como la antítesis de la poesía transcendental, cuyo gusto
por lo místico y metafísico es inherente a su carácter poético definitorio, tan
característica de los poetas post-vanguardistas, como ejemplifica el autor cubano José
Lezama Lima (1910), que poseen:
[…] la voluntad de crear o fabular una realidad transcendente […] Los poetas
más puramente trascendentalitas tratan de expresar la realidad sin
interpretaciones lógicas ni sentimentales, no tratan de desentrañarla, sino de
presentarnos su misterio, de ahí que el resultado produzca un hermetismo casi
total (GONZALO, 1999, p. 60).
Uno de los caracteres propios que más acercan la antipoesía a la poesía
conversacional se refiere a la búsqueda constante del ingrediente lírico (con la dificultad
que conlleva encontrar un halo bucólico, en por ejemplo, “unos huevos pasados por
79
“Qué divertidas son Estas palomas que se burlan de todo, Con sus pequeñas plumas de colores Y sus
enormes vientres redondos. Pasan del comedor a la cocina Como hojas que dispersa el otoño Y en el
jardín se instalan a comer Moscas, de todo un poco, Picotean las piedras amarillas O se paran en el lomo
del toro: Más ridículas son que una escopeta O que una rosa llena de piojos” (PARRA, 1954, p. 62).
202
agua”) en la vida diaria, el suceso cotidiano, para de ese modo aproximar a la lengua
tradicional el lenguaje poético. Una lectura global clave de esta nueva dimensión lírica
consistiría:
En primer lugar en el anti-retoricismo*. Para él la lengua poética no es una
lengua especial. El hace de toda clase de discurso poético. Ningún elemento
lingüístico (adjetivos, verbos, palabras sugerentes) cobra especial relieve en
la lengua antipoética. La unidad lingüística predominante es la oración
enunciativa con sus elementos dispuestos siempre en el mismo orden: Sujeto
– Verbo – Predicado, lo que provoca una premeditada monotonía. Otro rasgo
distintivo es la asociación libre de oraciones, frases hechas y estereotipos del
lenguaje en general. En cuanto al plano del sonido, el ritmo sólo destaca en la
poesía neo-popular de La cueca larga (1958). Por lo que se refiere al léxico,
en la antipoesía caben desde la expresión literaria o científica (sometidas a la
parodia o la burla) hasta el improperio vulgar (GONZALO, 1999, p. 62).
Al imponerse la desproporción como pauta devastadora creativa, se opta por un
tipo de lucha inaudita frente al orden establecido, un rechazo radical en el contexto
internacional, tanto en Europa como en Norteamérica, revolución que algunos
denominaron como “contracultura”80
, que intenta fervorosamente unir lo popular y
culto, los criterios poéticos convencionales frente a una creación estética bizarra:
Hay una singular conexión entre la antipoesía de Parra y los intentos por
desterrar el lenguaje poético como algo aparte del cotidiano en el que se
empeñaron los miembros de la generación beat norteamericana, Con Allen
Ginsberg y Lawrence Ferlinghetti a la cabeza. En su viaje a Chile de 1962,
invitado al Encuentro Internacional de Escritores de Concepción organizado
por Gonzalo Rojas (20.1.4), Ginsberg conoció a Parra y se interesó por su
poesía: era, en español, algo similar a lo que él y sus compañeros estaban
intentando en inglés (OVIEDO, 2002, p. 144).
La afinidad entre ambas tendencias radica en su profunda repugnancia y rechazo
hacia los valores del siglo XX, su decadencia y a una crisis de valores acuciante. La
diferencia principal entre los antipoemas y los poetas beatnik reside para BENEDETTI
(1969) en que los antipoemas son destructivos, flagelan al mundo con su apuesta lírica,
son “negadores universales”, lo provocan y lo reivindican con veracidad y humorismo y
burla. De forma opuesta, el poeta beatnik, se auto-flagela, su tono es desalentador, su
80
[...] contracultura abarca toda una serie de movimientos y expresiones culturales, usualmente juveniles,
colectivos, que rebasan, rechazan, se marginan, se enfrentan o trascienden la cultura institucional. Por otra
parte, por cultura institucional me refiero a la dominante, dirigida, heredada y con cambios para que nada
cambie, muchas veces irracional, generalmente enajenante, deshumanizante, que consolida el status quo y
obstruye, si no es que destruye, las posibilidades de una expresión auténtica entre los jóvenes, además de
que aceita la opresión, la represión y la explotación por parte de los que ejercen el poder, naciones
corporaciones, centros financieros o individuos (AGUSTÍN, 1996, p. 126).
203
poesía es amarga, impotente, se muestran ya vencidos ante esa realidad que tanto
detestan.
Previo a las conclusiones de este estudio, conviene apuntar o conocer algunos de
los antipoemas más celebres e ilustres de la obra de Nicanor Parra (1954), cabe
destacar: “El túnel”, “La víbora”, “La trampa” y “Soliloquio del individuo”, que
representan el melodrama cotidiano de una forma brutal. Debido a la extensión y densa
interpretación de las poesías referidas, nos limitaremos a considerar el final del primer
poema señalado, “El túnel”, poema o antipoema sumamente importante en esta esencial
obra, porque refleja con su discurso avasallador una crítica deformante del poder
burgués, mandato establecido y representado en el texto por las parientes del propio
autor, unas terribles ancianas tácitamente desvalidas con quienes vivió sometido a su
autocracia durante cuatro años. “El túnel”81
simboliza esos pavorosos años de miseria
existencial. El poeta sufre las decisiones de esos maquiavélicos seres, los cuales traman
decisiones en su cuarto interior de la casa, que aísla y discrimina de la infectada realidad
al joven familiar, espacio simbólico de “las brujas” disfrazadas de frágiles señoras,
caracteres maquiavélicos que dirigen todas sus argucias mediante el uso constante de su
relación sanguínea, que se valen de padecimientos intolerables como falsa moneda de
cambio, aprovechándose así de la benevolencia de joven crédulo y, provocando
intencionadamente en el proceso, el sufrimiento de su desvalida víctima y sobrino: “[…]
Aquellas matronas se burlaron miserablemente de mí/ Con sus falsas promesas, con sus
extrañas fantasías/ Con sus dolores sabiamente simulados […]”.
Ya convertido casi en un peón, enredado en la tela de araña de esas tres arpías,
casi de cuento gótico, el anti-héroe kafkiano se convierte en su “animal de carga”,
penitente y solícito. El joven e inocente universitario renuncia a su libertad de
movimiento y raciocinio, se convierte en su vasallo, morando bajo su dominio absoluto:
“[…] Lograron retenerme entre sus redes durante años/ Obligándome tácitamente a
trabajar para ellas/ En faenas de agricultura /En compraventa de animales […]”.
El engaño se mantiene durante largo tiempo, hasta que un día “mirando por la
cerradura” el velo de la verdad cae instantáneamente y el sobrino descubre el cruel
engaño al cual fue sometido al finalizar el poema. El acto de mirar a través del ojo de la
cerradura, metáfora axiomática del “ojo de la realidad”, pone al descubierto a unas
mujeres ajadas y perversas, seres aparentemente indefensos, que realmente fingían
81
PARRA, N. Poemas y anti-poemas. Santiago de Chile: Nascimento, 1954, p. 114–120.
204
enfermedades y concebían ilusorias promesas como formas de coacción emocional o de
extorsión, esgrimiendo su debilidad en silencio, de puntillas, sabiamente, como un arma
de poder psicológica y dictatorial:
[…] Hasta que una noche, mirando por la cerradura
Me impuse que una de ellas
¡Mi tía paralitica!
Caminaba perfectamente sobre la punta de sus piernas
Y volví a la realidad con un sentimiento de los demonios.
El antipoema en su plano simbólico nos permite comprender que el espacio
vivencial, o más bien, de supervivencia ante un entorno adverso de “El Túnel” contiene
las relaciones primarias de nuestro propio espacio cotidiano, de nuestra
contemporaneidad.
Los valores, grandes valores de pequeños hombres, entonces se transmutan
frente a los sistemas de poder en una farsa que solo intenta controlar y someter al
individuo más débil, valiéndose de cualquier arma o estratagema. En este poema, la
tiranía filial o de sangre le relega hasta el último escalafón de la jerarquía familiar y
social:
En la medida en que la antipoesía implica un ataque frontal a las creencias
básicas en las que se apoya la civilización tal y como la conocemos, es una
forma de “poesía social”, pero con la diferencia de no propone alternativas:
es la tarea destructora de un petardista que está en contra de todo, incluso
contra sí mismo. La antipoesía es una subversión explosiva, sin militancia
(OVIEDO, 2002, p. 148).
Este posicionamiento tan afilado, su ironía, el profundo enfoque psicoanalítico,
la falta de respeto y matiz demoledor de su discurso, aunque represente solo una
caricatura, es lo que más le aleja de la poesía conversacional. Esta última,
contrariamente, evidencia una esencia constructivista, objetiva, tristemente luminosa,
una reiterada crítica social, pero, con un afán utópico de cambio, repleta de humor hacia
uno mismo y, por tanto, muy alejada de esa representación nihilista de la antipoesía.
[…] la antipoesía no consiste únicamente en adoptar un tono conversacional,
unas palabras de familia o el vocerío de la plaza pública. La antipoesía
consiste también en la incorporación de la “savia surrealista” que deja al
hombre abierto en canal sobre la mesa de disecciones. Intento que tampoco
es exclusivo de la tradición vanguardista latinoamericana, aunque sea tardía.
Jaques Prévert en Francia con su Paroeles, Hans Magnus Enzengsberger en
Alemania con sus Poesías para los que no leen poesías e incluso nuestra
205
Gloria Fuertes, inmersa en el pos vanguardismo “postista”, constituirán
algunos ejemplos de proyectos poéticos muy cercanos al de nuestro poeta
chileno (SALVADOR, 2002, p. 104).
Siendo, aun así, indiscutible el uso de un lenguaje afín entre las dos tendencias,
como también fue mutua una esperanza transformadora; cada una, indudablemente,
ostenta una óptica particular, la conversacional, ejemplar, la antipoesía, deformante; la
primera hace uso de un discurso leve y la segunda tremendista, delimitando así los
caminos poéticos a seguir por ambas:
A pesar de las objeciones queremos dejar claro que sí existen diferencias
entre la antipoesía y la poesía conversacional, pero que éstas no son tan
sustanciales como para desestimar las relaciones evidentes entre la poesía de
los coloquiales y la de Nicanor Parra que señalábamos más arriba. Desde
nuestro punto de vista, Parra fue de alguna forma el precedente inmediato de
la poesía del “nuevo realismo” que se forja en los 60 y su obra, al menos la
publicada en los años 50 y 60, podría ser considerada como una variante de
ese nuevo realismo (ALEMANY BAY, 1997, p. 42, 43).
La base amoral y opción estética aúnan un mismo recorrido en la poesía
conversacional ante la posibilidad de leerse, mofarse de uno mismo, encontrarse por fin
en unas planas verdaderas de su experiencia diaria, en esta ocasión con un carácter
sorprendentemente poético. El elemento grotesco y paródico, la mirada siempre en el
presente, la visión humana de un protagonista insignificante en apariencia, por fin tiene
cabida en la poesía coloquial, favoreciendo a que el “yo” lírico se funda con el
sentimiento colectivo, esta vez, para quedarse.
5 CONCLUSION
Constatamos en esta investigación que Nicanor Parra, Premio Nacional de
Literatura (1969), fue un agente revulsivo y creador de múltiples líneas esenciales
puestas en práctica en la poesía actual, gracias, en parte, a sus antipoemas.
Mediante el análisis realizado en este estudio verificamos la posición esencial y
referencial de Parra entre las voces poéticas chilenas e hispanoamericanas. Y,
finalmente, al confrontar y realizar paralelismos esenciales entre la antipoesía y poesía
conversacional, verificamos que a través del uso de un lenguaje coloquial en las dos
tendencias (antipoesía/conversacional), confluye como acicate de una esperanza
transformadora; cada una, indudablemente, ostentando una óptica particular, la
conversacional, ejemplar; la antipoesía, deformante; la primera hace uso de un discurso
206
leve; y la segunda tremendista, delimitando así los caminos poéticos a seguir por ambas
tendencias complementarias en el panorama literario contemporáneo.
Los antipoemas y los recursos innovadores que integran su valiente apuesta
lírica, son desenvueltos con tremenda lucidez por Parra en la obra fundamental del
presente estudio, Poemas y anti-poemas (1954), lo que nos lleva a esclarecer que
Parra fue de alguna forma el precedente inmediato de la poesía del “nuevo
realismo” que se forja en los 60 y su obra, al menos la publicada en los años
50 y 60, podría ser considerada como una variante de ese nuevo realismo
(ALEMANY BAY, 1997, p. 39).
Persona y personaje, poeta y anti-poeta, Nicanor Parra ha contribuido a
revitalizar y renovar profundamente los modelos y singularidades de la escritura
presente, desarrollando hasta sus posibilidades extremas algunas líneas abiertas (o
reabiertas) durante la eclosión de las vanguardias europeas y sudamericanas.
Su particular concepción de la lírica como “antipoesía” le ha permitido
practicar, satirizar, transformar y deslegitimar múltiples estilos, géneros,
temas procedimientos y autores reconocidos, en un vertiginoso proceso de
crítica y autocrítica incesante, a veces imposible de seguir por parte de los
lectores y de la crítica por la imprevisibilidad y variabilidad de sus
movimientos (CARRASCO, 1999, p. 10).
En la proclama del título del presente artículo, proveyendo la designación a los
antipoemas como “municiones para una insurrección histórica y literaria”, se acentúa el
resultado de un desafío febril emprendido por Parra más allá de una intencionada
revolución poética: “el antipoema es un conglomerado de artefactos a punto de
explotar” (PARRA, 1971, p. 302). Y, bajo esos campos de minas que en cualquier
momento inadvertidos podemos pisotear, se oculta la definición poética del autor
chileno, la palabra irreflexiva y rotunda que corrobora la fundamental imprevisibilidad
de los antipoemas, puesto que su escritura y lectura va desencadenado una explosión, la
convulsión verdadera y única que puede desatar la propia realidad inserida en un poema.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUSTÍN, José (1996). La contracultura en México. México: Grijalbo.
ALEMANY BAY, Carmen (2006). Residencia en la poesía: poetas latinoamericanos
del siglo XX. n.13. Murcia: Cuadernos de América sin nombre.
207
ALEMANY BAY, Carmen (1997). Poética coloquial hispanoamericana. Alicante:
Universidad de Alicante.
BENEDETTI, Mario (1971). Antología de la poesía chilena contemporánea. Apéndice:
Nicanor Parra o el artefacto con laureles. Santiago de Chile. Editorial Universitaria.
__________ (1969). Letras del continente mestizo. 2. ed. Montevideo: Arca.
BRUNET, Hugo Montes (1994). Int: Poesía y Antipoesía. Madrid: Castalia.
CALDERÓN, Alfonso (1971). Antología de la poesía chilena contemporánea.
Santiago de Chile: Editorial Universitaria.
CARRASCO, Iván (1999). Para leer a Nicanor Parra. Chile: Universidad Nacional
Andrés Belló.
GOIC, Cedomil (1992). Los mitos degradados. Ensayos de comprensión de la
literatura hispanoamericana. Amsterdam – Atlanta: Rodopi.
GONZALO, Carmen (1999). Iniciación a la literatura hispanoamericana del Siglo
XX. Madrid: Akal.
JAKOBSON, Roman (1975). Con respecto a los factores de la comunicación. vid.,
Ensayos de Lingüística general, trad. José M. Pujol y J. Cabanes. Barcelona: Seix
Barral.
MILLARES, Selena (2011). De Vallejo a Gelman: un siglo de poetas para
Hispanoamérica. n. 29. Alicante: Cuadernos de América sin nombre.
MISTRAL, Gabriela (1965). Páginas en prosa. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 2.
ed. p. 1-3.
OVIEDO, José, Miguel (2002). Historia de la literatura hispanoamericana 4. De
Borges al presente. Madrid: Alianza Universidad textos.
PARRA, Nicanor (1994). Poesía y Antipoesía. Madrid: Castalia.
__________ (1954). Poemas y Anti-poemas. Santiago de Chile: Nascimento.
__________ (1981). Antipoemas. Antología (1944-1969). 3. ed. Barcelona: Seix
Barral.
__________ (2002). Artefactos visuales. Chile: Universidad de Concepción.
RETAMAR, Roberto, Fernández (1995). Para una teoría de la literatura
hispanoamericana. Santafé de Bogotá: Publicaciones del instituto Caro y Cuervo.
208
SALVADOR, Álvaro (2002). Espacios, estrategias, territorios. Algunas
aproximaciones a la literatura hispanoamericana del siglo XX. México, D, F:
Universidad Nacional Autónoma de México.
TEILLER, Jorge (1968). Antientrevista con Nicanor Parra: viaje por el mundo de
nicanor parra. En: Árbol de Letras. n. 8, p.78-80.
209
GUÍA PRÁCTICA PARA SOBREVIVIR Y DISFRUTAR DEL
MUNDIAL DE BRASIL: ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO EM
PUBLICAÇÃO DO JORNAL ESPANHOL EL MUNDO
Carla Severiano de Carvalho
UNEB
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Alguns temas (realização de eventos esportivos mundiais, crises financeira e
política, epidemias sanitárias, entre outros) tem colocado o Brasil em evidência na mídia
internacional nos últimos tempos. São inúmeras as narrativas jornalísticas produzidas
em todo o mundo sobre o Brasil.
Na Espanha, tal repercussão não é diferente. Os principais formadores de
opinião daquele país (jornais como ABC, El País e El Mundo) vem publicando de forma
crescente nos últimos anos diversas notícias, crônicas e reportagens realizadas por seus
correspondentes no Brasil, retratando fatos, experiências e diferentes aspectos do país
sulamericano.
O presente artigo pretende, pois, analisar sob a ótica da argumentação a
construção discursiva sobre o Brasil em publicação do jornal espanhol El Mundo no ano
de 2014, ano de realização do Mundial de Futebol FIFA no Brasil. A publicação
intitulada Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del mundial de Brasil, é uma
reportagem realizada pela jornalista espanhola Yasmina Jiménez e versa sobre algumas
recomendações para viajar ao Brasil durante o período do campeonato mundial de
futebol. (Ver anexo A).
Nessa perspectiva, o estudo da argumentação no artigo jornalístico referido
apoia-se principalmente nos postulados teóricos da Retórica Aristotélica e de sua
revisão, a Nova Retórica, desenvolvida por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958). As
reflexões teóricas concentram-se, portanto, nas técnicas argumentativas utilizadas pelo
orador do discurso e o na análise do seu grau de eficiência persuasiva e inevitavelmente
reflete sobre questões como: intencionalidade, dialogismo, gêneros discursivos e
jornalísticos.
210
2 REFLEXÕES TEÓRICAS
As bases do discurso persuasivo foram analisadas na Antiguidade por
Aritóteles, Cícero e Quintiliano, referindo-se aos meios utilizados pelo orador
para estabelecer o contato com o auditório e persuadi-lo, por meio de discursos dotados
de credibilidade.
Aristóteles ([s.d.]1964, 2007) identifica três meios de persuasão fornecidos pelo
discurso: o ethos, o pathos e o lógos. O primeiro se dá através do próprio orador que,
pelo seu caráter e forma como discursa, nos consegue fazer pensar que é crível; no
segundo, a persuasão ocorre a partir das paixões que o orador é capaz de despertar no
seu auditório; e, no terceiro, a persuasão é feita através do próprio discurso, quando
prova uma verdade por meio dos argumentos adequados.
No início dos anos 1960, há uma retomada dos interesses e estudos acerca da
retórica, por meio de uma posição que, fincando as bases principalmente na tradição da
Antiguidade, se torna essencial para a reabilitação desse estudo que visa promover a
adesão dos espíritos: a Nova Retórica, a partir da perspectiva de Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1958).
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2005) e a sua Nova Retórica conservam da
retórica tradicional aristotélica “a ideia mesma de auditório, que é imediatamente
evocada assim que se pensa num discurso”, esclarecem que “preocupam-se sobretudo
com a estrutura da argumentação” e propõem as chamadas “técnicas argumentativas”
que, em conjunto, contribuem para persuadir o interlocutor (ou “auditório”). São elas:
os argumentos quase-lógicos; os argumentos baseados na estrutura do real; ligações de
coexistência; a interação ato/pessoa; argumento de autoridade; técnicas de ruptura e
refreamento; ligações que fundamentam a estrutura do real; o raciocínio por analogia; e
a metáfora.
Considera-se, portanto, que a argumentação é inerente ao processo de
comunicação e está presente de maneira constitutiva na cadeia dialógica de enunciados,
pois, sabe-se, que comunicamos para fazer o outro fazer ou crer em alguma coisa.
(KOCH, 2004).
De acordo com Bakhtin (apud FIORIN, 2006), a simples escolha das palavras
que serão utilizadas nos gêneros/enunciados já determina uma intenção do enunciador.
211
Logo, ao produzir um enunciado, o enunciador está, ainda que veladamente
argumentando, construindo discursos próprios que dialogarão ou entrarão em conflito
com os discursos do enunciatário, porque a produção de discursos é característica
própria a qualquer comunidade humana.
Desse modo, o corpus da presente pesquisa é atravessado pela argumentação,
dialogismo e intencionalidade, pois se trata de gênero jornalístico que manifesta o
posicionamento do seu locutor e do meio que o veicula, e cuja estrutura composicional
está em consonância com as intenções de quem escreve que, por sua vez, está inserido
em uma esfera social, corroborando com o discurso desta.
Torna-se mais fácil compreender esse ponto, ao observar como funciona a lógica
dos discursos jornalísticos espanhóis sobre o Brasil: o que os discursos veiculados
objetivam é a adesão do povo espanhol, e só pode obtê-la mostrando-lhe que tal adesão
está justificada, por que será aprovada pelos seus fatos e pela opinião pública (ethos).
Para conseguir seus fins, os periódicos não partirão de algumas verdades até outras
verdades a demonstrar, mas sim de alguns acordos prévios até a adesão a obter (pathos).
A partir de então, ethos e pathos se integram e as operações persuasivas se estabelecem
por meio das representações que um faz do outro.
Assim como Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2005), Guimarães (1987)
também acentua a relação entre locutor/alocutário. O locutor, conhecendo o manejo
da linguagem e procurando uma representação do seu alocutário, seleciona os
mecanismos que pode lançar para persuadi-lo. É justamente essa representação que
auxiliará o locutor na escolha dos componentes persuasivos.
a argumentação é vista como a busca da persuasão de um auditório
(alocutário) pelo locutor. Nesta perspectiva é que se pode dizer que a
relação locutor/alocutário é constitutiva da enunciação, no sentido de que
esta se faz na procura de procedimentos próprios para persuadir o
alocutário. Ou seja, a representação do alocutário constitui o próprio modo
de argumentar (GUIMARÃES, 1987, p. 24).
Desse modo, e considerando a cena enunciativa na qual está inserida a
publicação do jornal El Mundo aqui em análise, pode-se estabelecer os elementos que
garantem a persuasão de modo a propiciar, ao jogo argumentativo dos periódicos, o seu
caráter probatório.
Por cena enunciativa, refere-se à situação comunicativa apreendida no interior
do enunciado. Em outras palavras, reporta-se ao conceito de Maingueneau (2004) para
identificar a fundação ou a atualização de um já dito e a legitimação, a validação
212
daquilo que funda ou atualiza os periódicos nas suas notícias através do ethos, pathos e
logos e das técnicas argumentativas nelas presentes.
A partir da análise da publicação que compõe o corpus do presente estudo,
identificam-se as técnicas argumentativas mais utilizadas pelos seus oradores a fim de
caracterizar o seu fazer argumentativo. Ressalta-se, para tanto, a possibilidade de que
um mesmo argumento possa ser compreendido e analisado diferentemente por
diferentes ouvintes (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2005, p. 221).
3 ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO: ANÁLISE DO CORPUS
A publicação intitulada Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del mundial de
Brasil, data do dia 09 de junho de 2014, 3 dias antes do início da Copa do Mundo de
Futebol da FIFA Brasil 2014, este é portanto, o momento da sua enunciação.
A Copa do Mundo de Futebol da FIFA é uma competição esportiva de enorme
importância social, cujas consequências transcendem as linhas do campo de jogo,
tornando-se mesmo questões de Estado. A veiculação de informações que se
relacionavam de alguma maneira com o evento sustentava toda a mídia naquele
momento: cada emissora de rádio, jornal, revista ou rede de televisão “comerciais”
produziam em 2014 discursos diversos que tinham por palavras-chave FIFA, Futebol,
Brasil.
No processo de construção da argumentação, a partir dos conceitos de Perelman
e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2005), pressupõe-se que na busca pela adesão do auditório é
necessário estabelecer objetos de acordo. O orador parte de uma base, espécie de terreno
de acordo que ele supõe possuir em comum com o auditório e que, por si só, já constitui
parte da persuasão. A seleção desse enquadramento é decisiva no discurso jornalístico,
sobretudo no título, centro do campo retórico que explicita a escolha adotada pelo
orador.
É por meio do título Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del mundial de
Brasil que se dá o acordo da publicação espanhola com o seu auditório, no caso, o
leitor. Os termos guía e sobrevivir transformam em fatos os temas abordados pela
publicação e pressupõe acordo universal, sem controvérsias, a necessidade da sua
leitura, garantindo-lhe assim poder persuasivo à publicação. Além dos interesses
213
editoriais e empresariais, o acordo é necessário não só na busca por maior número de
leitores, mas também na credibilidade, que é importante elemento de persuasão.
Yasmina Jiménez, jornalista espanhola, correspondente internacional da versão
digital do jornal El Mundo no Brasil, autora da reportagem, é a locutora/oradora do
discurso, aquela que assume o papel do “eu” na cena enunciativa. A jornalista Yasmina
Jiménez fala com a autoridade que lhe é concedida pela empresa editorial El Mundo e
representa a sua ideologia política e editorial.
El Mundo, anteriormente denominado formalmente El Mundo del siglo XXI, é
um jornal espanhol diário e pago. A sua sede está em Madrid, na Espanha. O jornal
define a sua linha editorial como liberal. É habitualmente crítico com o Partido
Socialista Operário Espanhol (PSOE) e os nacionalismos periféricos e próximo
(sobretudo na política espanhola) ao Partido Popular, partido conservador espanhol. O
jornal possui edição impressa em âmbito nacional e edições regionais e locais. Além
destas, possui uma edição aberta na Internet denominada elmundo.es. Os conteúdos da
edição online não são exatamente os mesmos da edição impressa, embora a partir do seu
portal se possa acessar a versão digital da edição impressa a través de um link virtual
específico.
O cidadão espanhol que viajará ao Brasil motivado pela Copa do Mundo de
Futebol, para quem o locutor/orador transmite o discurso é o alocutário/auditório, o
“tu”: Si ya tiene el billete para ser una de las tres millones de personas que se
movilizarán para asistir al Mundial, quizás le interese conocer algunos detalles que
faciliten su estancia.
Um relatório divulgado no início de 2014 pelo TripAdvisor, site especializado
em viagens, revelou que os espanhóis são os viajantes com maior interesse em visitar o
Brasil durante a Copa do Mundo de 2014. Expectativa comprovada pelos dados do
Ministério do Turismo do Brasil que registrou a entrada de 6.429.852 turistas
internacionais dos quais os espanhóis representam 5% dos que assistiram a pelo menos
uma partida do torneio no país.
Os receptores previstos pela locutora/oradora que poderiam ter acesso à leitura
da notícia (cidadãos espanhóis que não viajarão ao Brasil, por exemplo), e os receptores
não-previstos pela jornalista, como, por exemplo, qualquer leitor do mundo que possa
ter acesso à reportagem, também formam parte do auditório.
A espanhola chama de “guia” a publicação veiculada e constrói o seu fazer
persuasivo em concordância com a função da obra que dá indicações práticas sobre algo
214
e, portanto, faz uso predominantemente do argumento pragmático (causa-
consequência).
Os guias de viagem conjugam diferentes elementos em combinações muito
distintas; respondem aos interesses intelectuais do público mais culto e atendem às
necessidades de assessoramento do turista, guiando-o; se afastam da vertente mais
literária do livro de viagem substituindo a visão pessoal por uma visão pretendidamente
objetiva. De fato, a elaboração de um guia pressupõe a experiência da viagem que, no
entanto, permanece oculta permitindo a infinita repetição do mesmo itinerário; ainda
satisfazendo a demanda de informação, os guias cumprem uma função
fundamentalmente prescritiva (KERBRAT-ORECCHIONI, 2004; ANTELMI, HELD Y
SANTULLI, 2007 apud CALVI, 2010).
Para a adesão do auditório à tese da necessidade de unas recomendaciones
básicas y un poco de sentido común para convertir la visita a Brasil en una experiencia
única, a oradora fundamenta sua argumentação num fato: é interessante conhecer alguns
detalhes que facilitam a estadia no país.
A locução quizás le interese conocer algunos detalles que faciliten su estancia
en el país de la samba, del Carnaval y, ahora sobre todo, del fútbol reforça ao
auditório, através de estruturas de identidade relacionadas historicamente com o Brasil,
a ideia de que o guia oferecerá mais que as ideias estereotipadas sobre o Brasil.
Na sequência, a oradora organiza a sua construção textual a partir de tópicos
considerados de interesse sobre o Brasil, a saber: Climas, Documentación, Sanidad,
Dinero y Precios, Transportes, El tráfico, Seguridad, Idiomas, Gastronomía, Fiestas e
Otros.
A oradora inicia o seu guia tratando da documentação exigida pelo Brasil aos
turistas espanhóis, a oradora argumenta a partir reciprocidade existente entre os países:
“Brasil exige a los españoles lo mismo que exige España a los brasileños para entrar
en nuestro país”. O argumento de reciprocidade vale-se da aplicação do mesmo
tratamento a duas situações simétricas, correspondentes.
As questões sanitárias no Brasil, item seguinte do guia, são apresentadas a partir
do argumento de autoridade da Organização Panamericana da Saúde e suas
recomendações sobre as vacinas necessárias segundo a região de visita: La
Organización Panamericana de la Salud recomienda vacunarse contra la fiebre
amarilla si se va a zona de selva. O argumento de autoridade ou palavra de honra
215
depende da opinião que temos sobre a honra do agente. Quanto mais importante a
autoridade, mais sério o testemunho e mais persuasivo o discurso.
No tópico Dinero y precios do guía, a oradora esclarece o tema de forma
pragmática: Si no quiere sufrir abusos en restaurantes y bares pregunte antes de pedir.
O argumento pragmático permite apreciar se um todo acontece consoante suas
consequências favoráveis ou desfavoráveis. Inclusive, a interpretação ou valorização
será diferente conforme a ideia que se forma do caráter deliberativo ou involuntário das
consequências. Na prática, há uma interação entre objetivos perseguidos e os meios
empregados para realizá-los.
A sua tese é sustentada a partir da apresentação de uma contraditória situação do
Brasil: La mayoría de las veces sentirá que está en España: Brasil tiene precios
europeos con un salario base que no llega a los 300 euros. A contradição faz parte dos
argumentos quase-lógicos e induz à leitura unívoca de dois fatos, fazendo ver neles uma
única interpretação.
Sobre os transportes, a oradora utiliza uma analogia ao alertar o turista espanhol
para o seu uso: Una vez dentro, sujétese bien, los conductores tratan de emular a los
pilotos de la F1 en un intento de cumplir con el número de vueltas y pasajeros que se
les exige por jornada laboral. A analogia, na argumentação, A analogia implica uma
semelhança de estruturas, onde “A” está para “B” assim como “C” está para “D” tal que
se “A” e “B” são o tema “C” e “D” são o foro. Em vez de ser uma relação de
semelhança é uma semelhança de relação.
Ainda sobre o mesmo tema, outro alerta, desta vez, sustentado pelo recurso de
um trágico exemplo: En Rio de Janeiro evite usar las furgonetas que ofrecen distintas
rutas por la ciudad, hay muchas ilegales y en la zona sur y el centro de la ciudad fueron
prohibidas la mayoría de las líneas después de que violaran a una turista. O exemplo é
um caso particular, ou sequência de casos, que aparece sob certa lógica. A tendência é
concluirmos outro caso particular. Se um caso é invalidante de uma regra é o único
meio de explicitar uma regra ainda implícita.
O tema da segurança no país é destacado, pelo orador, como o mais relevante do
guia: Ha sido una de las grandes preocupaciones durante la preparación del Mundial y
con sobrada razón. No entanto, suavizado através da argumentação pelo desperdício, a
qual se refere à execução de algo em função do seu aproveitamento: Pero si sólo va a
pensar uno en eso, mejor quedarse en casa y rezar para que su destino sea morir de
viejo. Si pese a todo, decide venir hay que seguir unas recomendaciones básicas y usar
216
el sentido común. O argumento do desperdício segundo o qual faz-se certa coisa ou
função de seu aproveitamento, relaciona-se com ideias como a do voto útil e da
necessidade de terminar o que se começa.
A oradora conclui o seu “guia”, minimizando o sacrifício que supõe sobreviver
no Brasil, argumento sustentado (ora implícita, ora explicitamente) ao longo de alguns
trechos do seu texto: Y dicho todo esto, solamente queda añadir que disfrutar de este
país es la tarea más sencilla del mundo. Os argumentos de sacrifício revelam a
disposição do sujeito a “sujeitar-se” para obter o que deseja. Neste tipo de
argumentação, o sacrifício deve medir o valor atribuído àquilo que se sacrifica.
A argumentação é concluída com um conselho, que reproduz as polêmicas
palavras da ministra da Cultura Marta Suplicy, então ministra do Turismo (mais um
argumento de autoridade utilizado pela oradora), sobre a crise aérea no Brasil no ano de
2007, resignificando-as no novo contexto sobre a visita de turistas espanhóis ao Brasil
durante o Mundial de 2014: Relájese y goce.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo propôs-se a uma brevíssima reflexão teórica sobre a
argumentação retórica e o fazer argumentativo dos discursos jornalísticos. Em
articulação com a teoria apresentada, realizou o estudo da argumentação do artigo
jornalístico Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del mundial de Brasil publicado
pelo jornal espanhol El Mundo no ano de 2014.
Com a intenção explorar a construção discursiva da imprensa espanhola na
formação de discursos que ora reforçam, ora inauguram imagens sobre o Brasil no
cenário internacional, confrontou-se aqui as reflexões teóricas e a análise do corpus.
O estudo permite concluir que as estratégias argumentativas de que nos falam
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2005) são recursos utilizados em discursos
jornalísticos, reforçando a ideia de que historicamente não há isenção e imparcialidade
nos meios de comunicação e de que não há discurso que não esteja dotado de
intencionalidade. Esses discursos são, pois, construídos para conduzir o leitor a
determinadas conclusões ou a determinado ponto de vista e, principalmente, persuadi-
lo.
Por fim, levando-se em consideração esses aspectos, espera-se com o
desenvolvimento da análise aqui proposta colaborar com investigações que propõem a
217
análise de discursos midiáticos e comprovar as palavras de KOCH (2003), a respeito da
construção discursiva e o caráter persuasivo dos artigos jornalísticos: “até mesmo
aquele que se diz neutro, já institui um viés argumentativo: o da própria neutralidade”.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES (1964). Arte Retórica e Arte Poética. Rio de Janeiro: Tecnoprint S.A.
ARISTÓTELES (2007). Retórica. Trad.: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel.
CALVI, Ma. Vittoria (2010). Los géneros discursivos en la lengua del turismo: una
propuesta de clasificación. Em: Revista Ibérica, n. 9, págs. 9-32.
GUIMARÃES, Eduardo (1987). Texto e argumentação: um estudo de conjunção
do português. Campinas/SP: Pontes.
KOCH, Ingedore (2003). Argumentação e Linguagem. 12 ed. São Paulo: Cortez.
KOCH, Ingedore (2004). Linguagem e Argumentação. São Paulo: Cortez.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHETS-TYTECA, Lucie (2005) Tratado da
Argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São
Paulo: Martins Fontes.
FIORIN, José Luíz (2006). Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática.
218
ANEXO A - EL MUNDO: Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del Mundial de
Brasil
Guía práctica para sobrevivir y disfrutar del Mundial de Brasil
YASMINA JIMÉNEZ São Paulo
Actualizado: 09/06/2014 18:32 horas
Si ya tiene el billete para ser una de las tres millones de personas que se movilizarán
para asistir al Mundial quizás le interese conocer algunos detalles que faciliten su
estancia en el país de la samba, del Carnaval y, ahora sobre todo, del fútbol. Mucho se
ha hablado de la parte negativa del evento, pero basta seguir unas recomendaciones
básicas y un poco de sentido común para convertir su visita a Brasil en lo que debe ser:
una experiencia única.
Clima
Es lo que vende, pero este país no es sólo playas kilométricas y calor tropical. Cuando
empiece a preparar la maleta no olvide que en el país está finalizando el otoño y a
punto de empezar el invierno austral. Las temperaturas varían mucho de norte a sur y
es recomendable consultar el clima para acertar con la ropa. Si va a zona de calor,
incluya el bikini pero siempre completo por muy pequeño que sea. La FIFA tuvo que
retirar un artículo en el que daba consejos tirando de tópicos nacionales por miedo a
ofender a los brasileños, pero algunas de esas recomendaciones son oportunas: el 'top
less' está prohibido y está penalizado con multa.
Documentación
Brasil exige a los españoles lo mismo que exige España a los brasileños para entrar en
nuestro país. En la práctica, no suelen pedir tanto pero pueden hacerlo y negarle el
ingreso. Vaya preparado! Según nuestro Ministerio de Asuntos Exteriores, usted
necesita:
1. Pasaporte con validez de al menos seis meses.
2. Justificación del propósito del viaje: si alega que su intención es asistir al
Mundial, debe presentar la entrada a algún partido.
3. Justificación de medios de vida: aproximadamente 80 euros al día.
(Presentando su tarjeta de crédito y el límite que tiene, suele servir).
4. Justificación de alojamiento: reserva del hotel confirmada o carta de invitación
de un amigo o familiar registrada en notaría brasileña. Algunas aerolíneas
solicitan esta carta para autorizar el embarque si se aloja en domicilio
particular.
219
Sanidad
La Organización Panamericana de la Salud recomienda vacunarse contra la fiebre
amarilla si se va a zona de selva (esto para los que van a Manaos o Cuiabá, puerta de
acceso al Amazonas), el sarampión y la rubeola, aunque no es obligatorio. Meta en la
maleta el repelente de mosquitos, hubo recientemente un brote de dengue y se han visto
afectadas las ciudades más importantes del país. Viajar con seguro médico siempre es
una buena idea.
Dinero y precios:
Puede cambiar euros en el país sin problemas y pagar con tarjeta prácticamente en
cualquier lugar, a veces incluso los vendedores ambulantes la aceptan. Y tampoco
encontrará dificultades para sacar dinero en cualquier cajero de los bancos más
importantes. Otra historia son los precios, que se han incrementado muchísimo de cara
a la Copa, ya lo ha habrá notado por la tarifa de su hotel, ahora le falta lidiar con el
consumo en la calle. Si no quiere sufrir abusos en restaurantes y bares pregunte antes
de pedir. La mayoría de las veces sentirá que está en España: Brasil tiene precios
europeos con un salario base que no llega a los 300 euros. Sólo se puede regatear con
los vendedores ambultantes si el coste le parece excesivo, aunque siendo extranjero es
difícil que funcione.
En todas las ciudades con sedes del Mundial se han colocado carpas para que todo el
mundo pueda disfrutar de los partidos al aire libre en un ambiente lúdico y festivalero,
conocido como FIFA Fan Fest. Lo malo son los precios que se cargan la diversión: un
tercio más de lo habitual. Además, la venta ambulante estará prohibida en varios
kilómetros a la redonda de los estadio, con lo cual el asistente al partido estará
obligado a consumir dentro por precios bastante elevados incluso para Brasil. Una
guía elaborada por el gobierno asegura que el consumidor también tiene derechos en
este país no lo olvide y pinche aquí si lo necesita: Guía del consumidor para turistas
Transportes
Cuando llegue al aeropuerto use los taxis de las empresas oficiales, normalmente
ubicadas dentro del aeropuerto. Compare precios y elija su mejor opción. Pueden
resultar más caro, pero sin duda es más seguro. En aeropuertos como el de São Paulo,
el turista dispone de dos servicios de autobús, uno más caro (unos 15 euros) y cómodo
que hace varias paradas por el centro de la ciudad; y otro más barato (unos dos euros),
que le deja en una estación de metro, una buena opción para moverse en esta urbe.
El transporte público en Brasil funciona, especialmente si no tiene prisa, pero debe
saber que las marquesinas de los buses carecen del itinerario de las líneas y que
debería informarse en el hotel o a través de internet del número de autobús que le va
bien. Y recuerde, además, que una vez dentro del bus no puede pagar con billete
grande: pocas veces tienen cambio.El precio del pasaje ronda el euro, en unas ciudades
más; en otras, un poco menos. Una vez dentro, sujétese bien, los conductores tratan de
emular a los pilotos de la F1 en un intento de cumplir con el número de vueltas y
pasajeros que se les exige por jornada laboral. En Rio de Janeiro evite usar las
furgonetas que ofrecen distintas rutas por la ciudad, hay muchas ilegales y en la zona
220
sur y el centro de la ciudad fueron prohibidas la mayoría de las líneas después de que
violaran a una turista.
El tráfico
Si quiere llegar a tiempo a los partidos, no olvide que el tráfico es mucho y poco fluido.
Además los conductores respetan poco a los peatones, ni siquiera en los pasos de
cebra, no lo olvide a la hora de cruzar. Las señalizaciones no son todo lo exactas que
deberían, si se pierde y el GPS de su 'smartphone' no responde, los brasileños siempre
están dispuestos a echar una mano. Pregunte y listo.
Seguridad
Ha sido una de las grandes preocupaciones durante la preparación del Mundial y con
sobrada razón. Esta tierra no se anda con chiquitas: en la lista de las 50 ciudades más
peligrosas del mundo, 15 son brasileñas. Pero si sólo va a pensar uno en eso, mejor
quedarse en casa y rezar para que su destino sea morir de viejo. Si pese a todo, decide
venir hay que seguir unas recomendaciones básicas -cada país ha preparado su propia
guía- y usar el sentido común. Alemania sugiere a sus ciudadanos que lleven dinero
para los ladrones; Reino Unido advierte sobre los amigos de lo ajeno y el mal estado
de las carreteras; Francia y Australia van más allá y alertan sobre los secuestros
exprés en Brasilia. Lo cierto es que es aconsejable llevar dinero en diferentes partes
por si le roban la cartera que pueda regresar al hotel con el billete que se guardó en
los calcetines, por ejemplo. El resto, puro sentido común: eludir los barrios peligrosos
y las calles desiertas tanto de día como de noche, no lleve objetos ostentosos encima y
si tiene la mala suerte de ser robado, no se resista ni discuta, aquí suelen ir armados.
Idiomas
Brasil no es Portugal y los brasileños no son portugueses. La mayoría no sabe español,
aunque son serviciales y hospitalarios, lo que facilitará la comunicación. Aun así,
siempre es recomendable manejar algunas frases básicas y tener cuidado con los 'falsos
amigos' del idioma: muchas palabras españolas tienen un significado completamente
diferente en portugués y al revés. No use exquisito para referirse a una comida
deliciosa porque el brasileño entenderá que está rara, por ejemplo. El inglés, sólo en
algunos hoteles, determinados locales de zonas turísticas y los puntos de información
de Turismo
Gastronomía
Brasil ocupa buena parte de Sudamérica y está habitado por más de 190 millones de
personas. Su comida es tan variada como su diversidad cultural. Disfrute de este
abanico de sabores y apunte en su lista de degustaciones obligatorias la feijoada, la
coxinha, la tapioca, el açai o la pamonha, entre otras muchas. La venta de alimentos en
la calle está desaconsejada en cualquier guía de viajes y en prácticamente cualquier
país del Sur, pero en Brasil es una opción rica en abundancia, sabor y color. Guarde
las precauciones mínimas, como observar el estado de la comida.
Sobre las bebidas, la variedad de zumos es inimaginable siendo baratos y naturales.
Sepa, además, que acaba de llegar al país que más cerveza consume en el mundo y su
221
bebida por excelencia es este zumo de cebada bien frío, aunque bastante suave. La
cachaza -aguardiente de la caña de azúcar- es para los máscarteleses, pero entre lo
más flojo y los más fuertes, el visitante puede relajarse con distintos cócteles.
Fiestas
Si le quedan fuerzas entre partido y partido, el país celebran las fiestas Junina o fiestas
de los santos durante todo el mes de junio. Podrá disfrutar de música, comidas y
bebidas cerca de las iglesias si asiste a alguna 'quermesse'. Pregunte en su hotel por las
populares. Por otro lado, recuerde que está en un país que lo vive todo a través de la
música, escucharla en directo es tan fácil como tomarse una cerveza.
Otros
Como curiosidad relacionada con el Mundial, cada cuatro años muchos brasileños con
motivo del evento deportivo engalanan sus calles para competir en un concurso que
premia la mejor apuesta urbana en nombre del deporte estrella.
Y dicho todo esto, solamente queda añadir que disfrutar de este país es la tarea más
sencilla del mundo. Y haga lo que haga la selección española, le aconsejo lo que ya
dijera la ministra de Cultura brasileña: "Relájese y goce".
Disponível em:
http://www.elmundo.es/america/2014/06/09/5394becbca4741e82a8b457d.html
222
“LA FIESTA DE LOS EXCLUIDOS” DA COPA DO MUNDO DE 2014:
UMA ANÁLISE DISCURSIVA.
Máira Barboza de Oliveira Coelho (UNEB)
1 INTRODUÇÃO
Este presente artigo versa sobre a construção discursiva sobre o Brasil, a partir
da seleção e análise de 1 texto jornalístico na sua versão online de um dos três
principais periódicos em circulação pela Espanha (El País), durante a Copa do Mundo
de Futebol no Brasil de 2014.
A Copa do Mundo FIFA de 2014 é a vigésima edição deste evento esportivo, um
torneio de futebol masculino internacional organizado pela Federação Internacional de
Futebol, A edição de 2014 é a quinta realizada na América do Sul. O Brasil foi a última
sede do torneio mundial escolhida através da política de rodízio de continentes, que foi
iniciada a partir da escolha da África do Sul como a sede da Copa do Mundo de 2010.
Vivemos, portanto, um contexto de intensos debates nas mídias sociais,
brasileira e internacional, motivados pelo grande momento da realização do capital do
espetáculo que envolve a Copa do Mundo no ano de 2014.
A partir da busca sobre o Brasil na Copa do Mundo e depois sobre uma temática
mais especifica realizado nos buscadores do site web do referido periódico online, pelas
palavras-chaves “manifestaciones”, no período que compreende o início de junho de
2014 a 13 de julho de 2014, agrupado na temática sobre a segurança pública, opta-se
pela eleição do seguinte texto jornalístico:
1. El País: La fiesta de los excluidos, texto de Talita Betineli (Ver
anexo A).
A análise do texto desenvolve-se sob a orientação dos aportes teóricos da
Retórica Aristotélica e de sua revisão, a Nova Retórica, desenvolvida por Perelman
e Olbrechts-Tyteca (1958), além de outras teorias subsidiarias para a análise de
discursos.
Trabalho Orientado pela Professora Ms. Carla Severiano de Carvalho (UNEB)
223
Deste modo, articulam-se reflexões sobre a composição textual em língua
espanhola, as técnicas argumentativas utilizadas pelos oradores dos discursos e o
grau de eficiência persuasiva nos discursos da imprensa da Espanha, a qual
oferece diversas e amplas narrativas sobre Brasil e as situam dentro de contextos
sociais definidos, envolvidos em estruturas culturais e ideológicas específicas.
Visando fomentar a leitura crítica das discussões propostas pela mídia e difundir os
aportes teóricos dos estudos retórico-argumentativos, através de pesquisa que explora
referências ao Brasil no gênero discursivo das notícias publicadas na Espanha, durante
a realização do campeonato mundial de futebol no país sul-americano.
2 EMBASAMENTO TEÓRICO
Para alicercear a análise argumentativa do texto jornalístico selecionado, como
corpus dessa investigação, faz-se necessário uma breve introdução sobre a retórica,
considerando que está acabou assumindo sentidos bem diversos e divergentes no
decorrer dos séculos, e que, durante muito tempo, o senso comum era de que a retórica
assumia um sentido pejorativo, falso e artificial. No livro Introdução à Retórica,o
filósofo francês especialista em retórica e em filosofia da educação, Olivier Reboul,
propõe a definição da retórica como a arte de persuadir pelo discurso.
Entende-se que por discurso toda uma produção verbal, escrita ou oral,
constituída por uma frase ou por uma sequência de frases, contendo começo e fim e
apresente uma unidade de sentido, ao assumir essa definição, é possível perceber que a
retórica não é aplicada a todos os discursos, e sim, a aqueles que visam a persuadir.
Apesar de a retórica antiga restringir o sentido da palavra discurso, Reboul apresenta
que é possível ampliar o objeto da retórica sem a trair. Ao explicar que persuadir é levar
alguém a crer em alguma coisa, e que, apesar de alguns estudiosos distinguirem
rigorosamente “persuadir” de “convencer”, com dualidade: crença vs. Razão, o teórico
assume a postura que renuncia a essa distinção entre convencer e persuadir.
A retórica nasce na Sicília grega, por volta de 465, após a expulsão dos tiranos.
Em uma época que não existiam advogados, os cidadãos despojados pelos tiranos
reclamavam por seus bens e era preciso dar aos litigantes um meio de defender sua
causa. Então, a retórica tem sua a origem judiciária e não na literária. Nesse sentido, a
retórica não argumentava a partir do verdadeiro, mas a partir do verossímil (eikos), que
224
buscava “transformar o argumento mais fraco no mais forte”, assumindo o slogan que
dominava toda essa época.
No entanto, é Aristóteles que vai repensar a retórica, configurando-a em outra
retórica, integrando-a em um sistema filosófico divergente a dos sofistas e depois a
transformando em sistema. Sendo assim, a retórica é a arte de defender-se
argumentando em situações nas quais a demonstração não é possível. Para o autor,
Aristóteles salva a retórica ao atribuir um papel modesto, mas indispensável num
mundo de incertezas e conflitos, partindo do pressuposto de que a retórica é a
contraparte da dialética e, considerando que os métodos dialéticos são necessários para
encontrar a verdade em questões teóricas.
Sendo assim, Aristóteles identifica três meios de persuasão fornecidos pelo
discurso: o ethos, o pathos e o logos. O Ethos vai ser a argumentação que é centrada no
orador, ou seja, vai ser a técnica que o orador deve assumir para inspirar a confiança do
auditório. A persuasão vai ser obtida quando o discurso é proferido de maneira que o
auditório fique com a impressão de que o caráter do orador o torne digno de fé e
credibilidade. E para inspirar confiança, o orador deve revelar uma inteligência prática,
caráter virtuoso e boa vontade, para assim mostrar que tem credibilidade. Se conseguir
tais objetivos terá mais probabilidades de persuadir um auditório, pois, se o auditório
ficar convencido da índole e da moral do orador a probabilidade do público aderir a sua
tese aumenta.
O Pathos é o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador deve
suscitar no auditório com seu discurso, neste caso, a argumentação pode basear- se no
estado emocional do auditório para obter a persuasão. Ao argumentar por via das
emoções, elabora-se uma tese baseada no pathos, fazendo com que suscite no auditório
um estado de espírito favorável à aceitação de ideias do orador. Diferentemente do
ethos, que é o caráter moral do orador e diz respeito ao orador, o pathos é centrado no
auditório. Então, com esta técnica argumentativa, o emissor deverá ser capaz de
produzir um discurso que empolgue e impressione os ouvintes, e que assim, mobilize os
seus sentimentos e emoções (alegria, tristeza, orgulho, desejo etc).
O Logos vai ser o tipo de argumentação que vai valorizar os argumentos. É a
argumentação centrada na tese dos argumentos, deve-se ser bem estruturado do ponto
de vista lógico-argumentativo, para que assim a persuasão posa ser obtida e que o
auditório creia que a perspectiva do orador é a correta. Então, pode se afirmar, que o
logos é o tipo de argumentação mais objetiva, já que o discurso deve obedecer a uma
225
racionalidade lógica e possuir rigor e coerência, pois é pelo discurso e pelos argumentos
que se tenta valorizar uma tese e se procura a adesão dos ouvintes.
Em suma, os argumentos convincentes fornecidos através do discurso são de três
espécies: 1) a persuasão é conseguida através do próprio orador que, pelo seu caráter e
forma como discursa faz parecer que sua tese é crível; 2) é quando a persuasão ocorre a
partir das paixões que o orador é capaz de despertar no seu auditório; 3) a persuasão é
feita no próprio discurso, quando prova uma verdade por meio dos argumentos
adequados e bem estruturados. Em outras palavras, são as relações entre esses três
componentes (ethos, pathos e logos), organizados em polos complementares, que, em
um discurso ou uma de suas seções garantem os seus movimentos argumentativos.
No inicio dos anos 60, retomam os estudos acerca da retórica com bases na sua
tradição da Antiguidade Clássica, mas promovendo a adesão dos espíritos sendo assim
concebida como: Nova Retórica. E é com a publicação da obra Tratado da
Argumentação, A Nova Retórica, de Chaim Perelman e Lucie Obrechts- Tyteca, que
marca esse retorno. Logo na introdução deste exemplar, os tratadistas afirmam que o
tratado só versará sobre os recursos discursivos para se obter a adesão dos espíritos:
apenas a técnica que utiliza a linguagem para persuadir e para convencer será
examinada a seguir.82
No decorrer da obra, os autores demonstram várias técnicas que podem ser
utilizadas para se persuadir os seus respectivos auditórios, destacando então, o
condicionamento do auditório mediante o discurso, como os estudiosos afirmam:
Mas, quando se trata de argumentar, de influenciar, por meio do discurso, a
intensidade de adesão de um auditório a certas teses, já não é possível
menosprezar completamente, considerando-as irrelevantes, as condições
psíquicas e sociais sem as quais a argumentação ficaria sem objeto ou sem
efeito. Pois toda argumentação visa à adesão dos espíritos e, por isso mesmo,
pressupõe a existência de um contato intelectual. (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p 16.)
Em suma, para que exista a argumentação, faz-se necessário, em algum
momento, que uma comunidade afetiva dos espíritos se realize, para que assim possa
haver condições previas para que o objeto da argumentação se realize. E nessa formação
de uma comunidade afetiva dos espíritos exige-se a existência de uma linguagem em
82
Estudioso que escreve o prefácio.
226
comum e assim estabelecer um contato entre o orador e o seu auditório, e desse modo,
despertar o interesse e a atenção, como os autores estabelecem:
Esse contato entre o orador e seu auditório não comcerne unicamente às
condições prévias da argumentação: é essencial também para todo o
desenvolvimento dela. Com efeito, como a argumentação visa obter a adesão
daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que procura
influenciar. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p 21.)
Dentro dessa perspectiva, os autores reelaboram o conceito de “acordo”, na
noção retorico-dialético, de acordo prévio. Os Acordos prévios são determinadas
proposições incontroversas que já se encontram aceitas pelo auditório antes do início do
discurso. E é através dessas proposições que o orador baseará o seu discurso para
conseguir a adesão do auditório em relação aos acordos prévios até a sua tese. E esse
procedimento será efetuado mediante as técnicas argumentativas.
As técnicas argumentativas servem como ferramentas para auxiliar a discernir
um esquema argumentativo, tendo o discurso por objeto. Especialmente, no que toca
aos argumentos baseados na relação da pessoa do orador com seu discurso e no que toca
à consideração do discurso como expediente oratório, sendo indispensável essa reflexão
sobre o discurso, como os tratadistas comentam:
É levando em conta essa sobreposição de argumentos que se conseguirá
explicar melhor o efeito prático, efetivo, da argumentação. Toda análise que a
preterisse estaria, pensamos, condenada ao fracasso. Contrariamente ao que
se passa numa demonstração na qual os procedimentos demonstrativos
ocorrem no interior de um sistema isolado, a argumentação se caracteriza por
uma interação constante entre todos os seus elementos. (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p 241)
O levantamento dessas técnicas argumentativas podem ser divididos da seguinte
forma: 1) Argumentos quase-lógicos: Estruturas Lógicas (contradição, identidade) e
Relações Matemáticas (transitividade, sacrifício); 2. Argumentos baseados na
estrutura do real: Ligações de Sucessão (pragmático, desperdício, direção e superação)
e Ligações de Coexistência (a pessoa e os seus atos e autoridade); 3. Ligações que
fundamentam a estrutura do real: Caso particular (exemplo, ilustração, modelo e
antimodelo) e Analogia e Metáfora.
São essas técnicas argumentativas, que são desenvolvidas nos argumentos a
partir dos acordos prévios (paixões e valores admitidos), que o orador constrói o seu
ethos – a imagem que pretende projetar de si. A imagem do orador, construída a partir
227
da imagem que ele tem do seu auditório, provoca a adesão pelo pathos que exerce a
função de agente do “eu” que fala. E através dessas técnicas que se torna possível
observar como funciona a lógica dos discursos periodísticos espanhóis sobre A Copa do
Mundo do Brasil de 2014. Então, o que a notícia veiculada objetiva é a adesão do povo
espanhol, e só pode obtê-la mostrando-lhe que tal adesão está justificada, por que será
aprovada pelos seus fatos e pela opinião pública (ethos). Para conseguir seus fins, o
periódico não partirá de algumas verdades até outras verdades a demonstrar, mas sim de
alguns acordos prévios até a adesão a obter (pathos).
Nessa perspectiva, a cena enunciativa na qual está inserido o texto selecionado
sobre as manifestações e/ou sistema de segurança pública no período da Copa do
Mundo de Futebol no Brasil de 2014, na versão online do periódico El País, pode-se
estabelecer os elementos que garantem a persuasão de modo a propiciar ao jogo
argumentativo dos jornais o seu caráter probatório. Por cena enunciativa, nos referimos
à situação comunicativa apreendida no interior do enunciado nos reportamos ao
conceito de Maingueneau (2004) para identificar a fundação ou a atualização de um
discurso já dito e a legitimação, a validação daquilo que funda ou atualiza o periódico,
no seu texto, através do ethos, pathos e lógos e das técnicas argumentativas neles
presentes.
3 ANÁLISE DO CORPUS ARGUMENTATIVO
A partir da análise do texto periodístico que compõem o corpus do presente
estudo, identificam-se as técnicas argumentativas mais utilizadas pelo seu orador a fim
de caracterizar o seu fazer argumentativo na construção da imagem do Brasil na
Espanha. As técnicas argumentativas servem como ferramentas para auxiliar a discernir
um esquema argumentativo, tendo o discurso por objeto. Ressalta-se então, a
possibilidade de que um mesmo argumento possa ser compreendido e analisado
diferentemente por diferentes ouvintes (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958]
2005, p. 221).
228
3.1 LA FIESTA DE LOS EXCLUIDOS (EL PAÍS)
O “locutor/orador”, aquele que assume o papel do “eu”, neste contexto, é a jornalista
brasileira Talita Bedinelli, escreve para o El País, sendo correspondente do periódico
espanhol no Brasil.
A cena enunciativa é o povo espanhol, sendo identificados como o
“alocutário/auditório” para quem a locutora/oradora vai transmitir o texto jornalístico na
versão digitalizada do El País, na seção de deportes. Salienta-se, que também existem
os receptores não alocutário, que são os receptores previstos, e os receptores não
previstos pelo locutor/orador, que podem ser qualquer leitor do mundo que possa ter
acesso ao texto digital.
O “aqui” da enunciação é o lugar social de onde o “eu” fala, a correspondente
Talita Bedinelli fala com a autoridade que lhe é concedida como correspondente do
editorial El País, representando a sua ideologia política e editorial: inicialmente uma
linha editorial independente e progressista. Contudo, quando o editorial mudou de
direção, sua linha e posicionamento ideológico também mudaram, adotando posturas
mais conservadoras e contraditórias do que era antes, assumindo um posicionamento
liberal.
O “agora” (momento da enunciação) é o dia 13 de junho de 2014, 1 dia após a
festa de abertura da “Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014” no estado de São Paulo.
Mediante as festividades que o período da Copa do Mundo propicia, a jornalista intitula
o seu texto jornalístico como “La fiesta de los excluídos”, e logo em seguida ao seu
título a frase de chamada do texto, utiliza do argumento da contradição para destacar
que a festa do Mundial de futebol do Brasil não era para todos, para então despertar a
incoerência da festividade: “En el estreno de Brasil, los controles policiales dejan
aislados a los pobladores de una favela cercana al estadio de São Paulo”, afinal, como
eles podem estar perto(cercana) das comemorações do Mundial e ao mesmo tempo
estarem isolados (aislados) destas comemorações?
A oradora introduz o texto com a estratégia de coexistência, utilizando do tipo
de argumentação sobre a pessoa e seus atos, relacionado ao caráter/imagem de alguém.
Neste primeiro caso, traz a imagem de um grupo de pessoas jovens, que também são o
publico alvo das festividades da Copa de Mundo e não podem passar pelo bloqueio
policial: “Tainá Salustiano y cinco amigos más, con edades de entre diez y 17 años de
edad”. No segundo caso da utilização de técnica, a repórter, destaca o líder da
229
comunidade que foi isolada: “Washinton Gleydson, de 31 años, un líder vecinal de la
favela de La Paz”, e de um outro jovem que teve acessibilidade cerceada: “Rafael Silva,
de 29 años”.
Em contrapartida, à argumentação a pessoa e o seus atos, a autora, segue a
construção argumentativa baseada no argumento de autoridade ao destacar a fala de um
policial (representação militar do estado): “Es una cuestión de seguridad”, aseguraba
uno de estos policías” e nesse mesmo trecho, a autora utiliza do argumento de
generalização, buscando estabeler uma regra a partir de um caso concreto: “Si se dejase
a todo el mundo pasar, esto se convertiría en un follón”, añadió”, para justificar o por
quê do bloqueio policial.
Na sequência, para continuar justificando a sua tese, a oradora, utiliza da
argumentação pragmática para validar e persuadir ao público, que apesar dos
transtornos causados por conta dos bloqueios policiais, a comunidade obteve ganhos:
“El bloqueo policial tuvo una ventaja: una de las calles principales del barrio quedó
libre de tráfico y se convirtió en el escenario perfecto para ver el partido, con puestos
de perritos calientes y de bebidas incluidos.”.
Dando continuidade à argumentatividade do texto, utiliza-se da técnica de
direção para apontar metas, nesse caso, seria a promessa que a comunidade ganhou
junto à prefeitura de conseguirem residência própria: “En un principio se les informó de
que serían desplazados de la zona, pero tras batallar con la prefectura, consiguieron
que esta les prometiera una vivienda, que, al final, no llegará hasta 2015”, na
sequência, a argumentação faz uso da técnica do sacrifício para estabelecer o valor de
algo ou de uma causa pelos sacrifícios que são ou serão feitos por eles: “a cambio de
dejar libre el terreno. “Nuestra casa no está lista porque se gastaron todo en los
estadios”, decía una de las vecinas.”
Por fim, a oradora finaliza seu texto utilizando da técnica de desperdício, para
assim dizer que: uma vez que já se foi aceito o “sacrificio” tudo foi resolvido na
comunidade: “decidieron hacer las paces con la Copa del Mundo por un día y
adornaron las ventanas de sus casas con banderas brasileñas y las calles con cintas
verdes y amarillas. Luego colocaron en la calle los televisores, montaron barbacoas y
animaron a su selección, que jugaba a pocos metros al lado”, nessa linha de raciocínio,
faz-se parecer que, independentemente, dos problemas e dos transtornos causados pela
medida de segurança de isolar a área, tudo vira festa. Reforçando-se assim, o estereótipo
de que “no Brasil, tudo vira carnaval”.
230
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se então, que a partir do estudo da argumentação retórica e da análise
das técnicas argumentativas presentes no texto do periódico espanhol selecionado é
possível perceber que os discursos midiáticos espanhóis oferecem marcas persuasivas
seculares, que nem sempre estão explícitas na superfície textual, mas se revelam
também implicitamente nas entrelinhas dos processos de construção argumentativa.
A análise dos argumentos permitiu que se identificassem as técnicas
argumentativas mais utilizadas para a construção da persuasão, que foram as pessoas e
seus atos, sendo apoiadas pelo o argumento da autoridade, e assim validar as ações de
isolamento da comunidade em questão. E, por fim, o a técnica do desperdício, para se
reforçar a ideia de que, independentemente dos transtornos causados, no Brasil os
problemas viram festas.
Em suma, ao analisar o presente estudo, percebe-se que ainda há muito material
para se investigar sobre os efeitos persuasivos causados pelo discurso, tendo em vista
que, esses tipos de narração provocam reflexões e, consequentemente, envolvem
sentidos vindos de outros discursos, situados em contextos históricos, sociais, culturais
e afetivos em que o auditório se insere. Apesar de todo esse contingente de material
textual jornalístico a se analisar, espera-se que o presente estudo possa suscitar reflexões
a respeito do uso das técnicas argumentativas nos discursos espanhóis sobre o Brasil.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Retórica (2007).São Paulo: Rideel.
KOCH, Ingdore. “Discurso e argumentação”. Argumentação e Linguagem. (2000).
São Paulo: Cortez.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. (2004). São
Paulo: Cortez Editora, 2004.
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a
nova retórica. (2002).São Paulo: Martins Fontes.
231
REBOUL, Olivier. Introdução a Retórica.(2004). São Paulo: Martins Fontes.
BEDINELLI, Talita. (2014) La fiesta de los excluídos. Em El País: Deportes.
Disponível em:
http://deportes.elpais.com/deportes/2014/06/13/mundial_futbol/1402680457_667539.ht
ml. Acessado em 15/06/2014..
ANEXO A- EL PAÍS: La fiesta de los excluidos
La fiesta de los excluidos
Talita Betineli/ SP Brasil
Dia:13/06/2014
En el estreno de Brasil, los controles policiales dejan aislados a los pobladores de
una favela cercana al estadio de São Paulo
Tainá Salustiano y cinco amigos más, con edades de entre diez y 17 años de edad,
caminaron casi durante cuarenta minutos desde el centro de Itaquera (barrio pobre al
Este de São Paulo de 600.000 habitantes y 300 favelas) hasta la avenida Doutor Luís
Aires, a menos de un kilómetro del estadio Arena Corinthians. Hasta allí querían llegar.
Su objetivo era ver el Brasil-Croacia con el que se inauguró el Mundial en una pantalla
gigante que, según varios rumores que habían circulado entre los chicos del barrio, se
iba a instalar en los alrededores del campo. A mitad del camino se toparon con un
contingente de policías que bloqueaba el paso y que impedía el acceso al estadio a
cualquiera que no tuviese una entrada.
“Es una putada. Es la única oportunidad de estar cerca de un partido de Brasil”, se
lamentaba la chica. Con todo, este grupo no fue el único al que se le impidió el paso. Al
contrario: se sucedían las historias de vecinos que no podían salir de su barrio. De
hecho, Itaquera quedó aislado a base de bloqueos policiales. “Es una cuestión de
seguridad”, aseguraba uno de estos policías. “Si se dejase a todo el mundo pasar, esto se
convertiría en un follón”, añadió.
Washinton Gleydson, de 31 años, un líder vecinal de la favela de La Paz, la más
próxima al estadio, aseguró que los controles policiales se montaron alrededor de las
ocho de la mañana, nueve horas antes de que comenzase el partido y dificultaron,
incluso, la salida al trabajo de los habitantes del barrio que se desplazan diariamente en
metro. Muchos tuvieron que dar una vuelta de más de media hora. “Esta mañana, un
señor cargado de maletas necesitaba llegar hasta el metro pero no le dejaron pasar”,
añadía Gleydson.
“Qué guay lo de la Copa del Mundo, ¿eh?", ironizaba Rafael Silva, de 29 años, al oír
que debería dar una vuelta por todo el barrio para llegar a su casa. Decidió, al final,
atajar, aún a costa de internarse en una zona peligrosa de tráfico de drogas.
232
El’ bloqueo policial tuvo una ventaja: una de las calles principales del barrio quedó libre
de tráfico y se convirtió en el escenario perfecto para ver el partido, con puestos de
perritos calientes y de bebidas incluidos. Muchos de estos vecinos, que residen casi al
lado del estadio, han vivido en estos últimos cuatro años pendientes de las evoluciones
de la construcción del campo. En un principio se les informó de que serían desplazados
de la zona, pero tras batallar con la prefectura, consiguieron que esta les prometiera una
vivienda, que, al final, no llegará hasta 2015, a cambio de dejar libre el terreno.
“Nuestra casa no está lista porque se gastaron todo en los estadios”, decía una de las
vecinas.
Sin embargo, los vecinos de esta zona desfavorecida a la que el Mundial solo ha traído
desgracias hasta ahora, decidieron hacer las paces con la Copa del Mundo por un día y
adornaron las ventanas de sus casas con banderas brasileñas y las calles con cintas
verdes y amarillas. Luego colocaron en la calle los televisores, montaron barbacoas y
animaron a su selección, que jugaba a pocos metros al lado.
Disponivel em:
http://deportes.elpais.com/deportes/2014/06/13/mundial_futbol/1402680457_667539.html
233
ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO EM PANTALEÃO E AS
VISITADORAS
Viani da Silva Soares83
UNEB
1 Introdução
Jorge Mario Vargas Llosa é um dos escritores peruanos mais conhecidos no
mundo. Iniciou sua carreira muito jovem, como jornalista, e em seguida formou-se em
Literatura, na Universidade de São Marcos, em Lima. Mudou-se para a Europa,
trabalhou em rádio e televisão, mas sempre escrevendo novos livros. Participou do
“boom” latino-americano, junto com Gabriel García Marques, Julio Cortázar e Carlos
Fuentes. Agraciado com o prêmio Nobel de Literatura em 2010, é muito conhecido por
suas obras de ficção, autobiográficas e de cunho político, entre elas Pantaleão e as
Visitadoras, lançado em 1973.
Nesta obra, escrita em 1973, Vargas Llosa conta a história da organização de um
serviço de visitadoras no exército peruano, detalhando os impactos que este tipo de
serviço gera na sociedade local e os conflitos pessoais dos personagens, narrados de
forma dinâmica, com humor irônico e técnicas literárias muito próprias. A insólita
relação entre exército e o corpo de visitadoras torna-se tema central da análise deste
trabalho, abrindo caminho para o entendimento das relações de poder no que se refere à
questão de gênero, considerando os padrões de masculinidade e de feminilidade,
estabelecidos pelos soldados do exército e pelas visitadoras.
2 A dinâmica da história da obra
A obra Pantaleão e as Visitadoras traz a história de Pantaleão Pantoja (Panta),
capitão do exército peruano, que devido à sua grande capacidade organizacional é
escolhido para uma desafiadora missão: implantar um serviço secreto de visitadoras que
atendesse os militares da floresta amazônica.
83 Graduanda do curso de Letras Língua Espanhola e Literaturas da Universidade do Estado da Bahia,
Campus I. Trabalho orientado pela Profa. Carla Severiano Carvalho - Universidade do Estado da Bahia.
234
O desenvolvimento da trama tem início quando são feitas várias denúncias de
violência sexual contra as mulheres da região, cometida pelos soldados do exército que,
por passarem longos períodos em campana e sem contato com o sexo oposto acabam
cometendo delitos graves, inclusive casos de bestialismo, colocando em risco a imagem
institucional do exército perante a sociedade. O crescente número de casos gera
preocupação aos altos escalões do exército, que propõem, então, a organização de um
serviço interno de prostituição como estratégia eficaz para aplacar a ânsia sexual dos
soldados na mata, evitando a exposição da instituição.
Para coordenar os trabalhos, Pantaleão Pantoja “organizador nato, senso
matemático da ordem, capacidade executiva” (LLOSA, 2007, p. 13) é convocado e logo
mergulha no submundo da boemia. Junto com a família, muda de cidade, renuncia ao
uniforme, usa roupas comuns, começa a beber e frequentar bares noturnos, buscando
arregimentar novas trabalhadoras e mudando completamente de atitude, para que seu
disfarce seja mantido e a missão obtenha êxito. Sua dedicação é tanta que Pantaleão faz
experiências sobre os efeitos dos produtos afrodisíacos no aumento do apetite sexual,
criando situações inusitadas para si e a esposa Pochita, que desconhece a natureza da
missão do marido.
No processo de montagem da equipe de assessoria do serviço de visitadoras
Pantaleão conhece Leonor Curinchila, mais conhecida como Chuchupe, e Porfírio
Wong, popular China Porfírio, que o auxiliam na seleção das visitadoras. Por se tratar
de uma missão secreta, todo o contato de Pantaleão com seus superiores é realizado por
cartas, que registram todos os procedimentos e custos da operação, assegurando em
vários trechos uma narrativa jocosa dos acontecimentos, a exemplo do cálculo do
quantitativo de visitadoras necessário para o bom atendimento dos pelotões, tomando
como base o número de prestações por mês e o tempo médio do ato sexual para cada um
dos soldados, chegando-se à conclusão de:
(...) Que o signatário quer registrar o entusiasmo, a celeridade e a eficácia
com que os oficiais das guarnições, postos e acampamentos responderam ao
teste em questão (apenas uns 15 postos não puderam ser consultados por
obstáculos na comunicação provocados por defeitos no equipamento de
transmissão, mau tempo etc.), o que permitiu constituir o seguinte quadro:
número potencial de usuários do Serviço de visitadoras: 8. 726 (oito mil,
setecentos e vinte e seis); número de prestações mensais (média ambicionada
por usuário): 12 (doze); tempo de prestação individual (média ambicionada):
30 minutos. (LLOSA, 2007, p. 37)
235
Desta forma, a projeção inicial de prestações para o Serviço de Visitadoras para
Guarnições, Postos de Fronteira e Afins (SVGPFA) é de 104.712 (cento e quatro mil,
setecentos e doze), número assustador, se considerado o fato de que não foram incluídos
os postos intermediários, os suboficiais. Diante de tal quadro, mas reconhecendo os
limites iniciais da empreitada, Pantaleão recruta quatro visitadoras, momento em que
outra narrativa bem-humorada é revelada:
Das oito, a maioria devia ter ultrapassado os 25 anos, mas este cálculo é
incerto (...), pois a casa Chuchupe é pobremente iluminada, por falta de
recursos técnicos ou, talvez, por malícia, pois a penumbra é mais tentadora
que a claridade e, se me permitem uma piada, também porque, como dizem,
“na sombra todos os gatos são pardos”. A maioria delas, pois, avançando
para os 30 anos, quase todas com uma boa média, se avaliadas com o critério
funcional e sem refinamentos, quer dizer, corpos atraentes e arredondados,
sobretudo nos quadris e seios, membros que tendem a ser generosos neste
canto da Pátria, e caras apresentáveis, embora, na proximidade, aqui seja
possível notar mais defeitos, não uma feiura de nascença, mas adquirida por
acne, varíola e perda de dentes, acidente este último bem frequente na
Amazônia, pelo clima debilitante e as insuficiências dietéticas. (ibid, p. 38-
39)
Vencida a etapa inicial do recrutamento e instalação do centro logístico do
SVGPFA, o serviço de visitadoras se configura, atendendo a uma demanda crescente, e
em pouco tempo exige a contratação de novas trabalhadoras, mais que triplicando o
número de prestadoras. Tal sucesso passa a ameaçar o sigilo necessário à atividade.
Com isso, Pantaleão passa a ser constantemente ameaçado pela imprensa local, um
programa de rádio intitulado “A voz do Sinchi”, cujo locutor, o próprio Sinchi,
chantageia-o pedindo-lhe dinheiro em troca do seu silêncio.
- Não existe nada sólido o bastante em toda a Amazônia que A voz do Sinchi
não possa derrubar – dá um piparote no vazio, sopra, se estufa o Sinchi. –
Modéstia à parte, se eu o puser na berlinda, o Serviço de Visitadoras não dura
uma semana e o senhor vi ter que sair às carreiras de Iquitos. É a triste
realidade, meu amigo.
- Ou seja, veio me ameaçar – se endireita Pantaleão Pantoja. (ibid, p. 110)
Pantaleão inicialmente recusa, mas acaba cedendo à chantagem, destinando parte
do seu soldo ao jornalista, pois reconhece que a exposição do SVGPFA pode colocar
em risco a reputação daquilo que mais ama na vida: o exército. Contudo, isto não
impede que sejam feitos ataques públicos à figura do capitão e do serviço de visitadoras,
236
intitulado “Pantolândia”. Ao final, além de tornar-se de conhecimento público, ocorre a
denúncia do trabalho do capitão, o que provoca o fim do casamento de Pantaleão.
Outro ponto crucial para a dissolução do seu casamento é o envolvimento
amoroso de Pantaleão com uma das visitadoras, a Brasileira, nome de Olga Arellano,
que com sua beleza marcante, se destaca das outras, caindo nas graças do capitão e
recebendo tratamento diferenciado. Torna-se a estrela das visitadoras, ajudando o
serviço a tornar-se conhecido por toda comunidade local, tornando-se um risco, já que
começam a ser registrados ataques de moradores das localidades aos comboios de
visitadoras. “(...) – O caso é muito simples. Nestes, toda vez que chega um comboio de
visitadoras é uma loucura. A simples ideia faz todos os galinhos de briga da vizinhança
ficarem de esporão duro. E às vezes, cometem disparates”. (ibid., p.176)
Num desses ataques, o barco de transporte das visitadoras é invadido e Brasileira
é violentamente assassinada. Seu sepultamento, organizado por Pantaleão, é realizado
com todas as honras de um militar, o que chama a atenção da sociedade e dita o fim das
atividades do SVGPFA, pois é uma declaração visível da ligação do exército com este
serviço clandestino.
Paralelo a estes acontecimentos o autor aborda a questão religiosa, seja através
da presença da Igreja Católica, na figura do comandante e chefe do corpo de capelães
militares, que após demonstrar a insatisfação pela existência do SVGPFA, pede o
desligamento da corporação, ou ainda, por apresentar a disseminação da seita do irmão
Francisco, tocando a fundo na questão do fanatismo religioso.
Por fim, após o assassinato da bela Brasileira e de seu sepultamento pomposo, o
exército dissolve o SVGPFA. Pantaleão, negando categoricamente o pedido de baixa do
serviço militar, é então enviado para a Guarnição de Pomata, lugar distante, quase
esquecido, mantendo-se afastado por pelo menos um ano, de modo que possa se redimir
do mal que causou e para que todos esqueçam as histórias do famoso capitão e seu
exército de visitadoras.
2.1 Breve análise da narrativa da obra
A análise da narrativa desta obra requer conhecimento prévio sobre algumas
estratégias de escrita presentes nas obras de Mario Vargas Llosa. Neste sentido, o
próprio autor elucida os leitores explanando no livro “Cartas a um joven novelista”
237
(LLOSA, 1997) as técnicas narrativas que utiliza, dentre elas, a opção pelo
entrelaçamento de histórias.
O entrelaçamento permite que além da trama central, em torno da formação do
serviço de visitadoras pelo exército, transcorrem paralelamente outras histórias, a
exemplo dos acontecimentos envolvendo a seita de irmão Francisco e seus discípulos.
Sobre esta técnica Llosa (1997) discorre:
Permítame que le refresque la memoria sobre la articulación de las historias
entre sí. Para librarse de ser degollada como les ocurre a las esposas del
terrible Sultán, Scheherazade le cuenta historias y se las arregla para que,
cada noche, la historia se interrumpa de tal modo que la curiosidad de aquél
por lo que va a suceder —el suspenso— le prolongue la vida un día más. Así
sobrevive mil y una noches, al cabo de las cuales el Sultán perdona la vida
(ganado para la ficción hasta extremos adictivos) a la eximia narradora.
¿Cómo se las ingenia la hábil Scheherazade para contar de manera enlazada,
sin cesuras, esa interminable historia hecha de historias de la que pende su
vida? Mediante el recurso de la caja china: insertando historias dentro de
historias a través de mudas de narrador (que son temporales, espaciales y de
nivel de realidad)84
. (LLOSA, 1997, p. 74)
Dessa forma, para o escritor peruano contar uma história não é um ato linear,
com direção única. Para ele as histórias devem ser contadas como “caixas chinesas”,
daquelas em que cada vez que uma é aberta outra menor aparece em seu interior. Com
as histórias ocorre o mesmo, de uma principal são geradas outras que transcorrem
paralelamente, proporcionando uma sequência ambígua e complexa. A possibilidade
desse entrecruzamento de histórias suscita o aparecimento de outros personagens além
daqueles do núcleo principal da trama e muitas vozes podem ser percebidas, ganhando o
texto características polifônicas e dialógicas.
A polifonia, que inicialmente surgiu para designar um tipo musical marcado pela
presença de várias vozes que se sobrepõem simultaneamente, tornou-se conceito
importante na discussão de Bakhtin (1875-1975), teórico soviético, que analisando a
obra de Dostoievsky a reconhece como estratégia discursiva, extensiva a todo gênero
romance, em que vários pontos de vista e vozes são apresentados. “Assim, para Bakhtin,
84
Deixe-me refrescar sua memória sobre a articulação das histórias entre si. Para se livrar de ser
degolada, como acontece com as esposas do terrível Sultão, Scheherazade conta histórias e as interrompe
de tal modo, a cada noite, que a curiosidade sobre o que vai acontecer, o suspense, é estendido até o outro
dia. Assim sobrevive mil e uma noites, tempo em que o Sultão a perdoa e poupa a vida da exímia
contadora de histórias (ganhou a ficção até extremos aditivos). Como engenhosamente faz a hábil
Scheherazade para contar de maneira entrelaçada, sem cesuras, esta interminável história cheia de
histórias, de que depende sua vida? Através do recurso da caixa chinesa: inserindo histórias dentro de
histórias, através de mudanças de narrador (que são temporais, espaciais e em diferentes níveis de
realidade). (Llosa, 1997, p. 74)
238
a polifonia é parte essencial de toda enunciação, já que em um mesmo texto ocorrem
diferentes vozes que se expressam, e que todo discurso é formado por diversos
discursos”. (PIRES, TAMANINI-ADAMES, 2010, p. 66).
Ainda tomando as considerações de Bakhtin, a discussão deste autor sobre
dialogismo também se torna importante para análise da narrativa de Vargas Llosa. Para
o filósofo soviético, o diálogo constitui-se na essência da linguagem, pois a palavra
possui movimento constante, é heterogênea. O discurso é construído a partir do discurso
do outro.
Esses dois conceitos dão fundamentos para compreensão da narrativa de
Pantaleão e as visitadoras, pois no texto constantemente ocorre à intercalação de falas
de personagens que nem sempre compartilham o mesmo tempo e espaço físico, como
no trecho a seguir:
- Dez mil semanais? – franze a testa o general Scavino. – É um exagero
delirante, Pantoja.
- Não, general – se colorem as bochechas do capitão Pantoja. – Uma
estatística científica. Veja estes organogramas. (...)
- É verdade que o pobre anjinho ainda sangrava nas mãozinhas e nos
pezinhos, dona Leonor? – balbucia, arregala os olhos e a boca Pochita (...)
- Vou ter uma síncope – ofega o padre Beltrán – Quem botou na sua cabeça
uma aberração dessa? Quem lhe disse que a “plenitude viril” só se atinge
fornicando?
- Os mais destacados sexólogos, biólogos e psicólogos, padre – abaixa os
olhos o capitão Pantoja. (LLOSA, 2007, p. 36).
É possível ver os diálogos entrelaçados, apresentando uma sequência de falas de
personagens que não têm contato entre si. As diferentes vozes que viabilizam discursos
diversos cumprem funções específicas na obra de Llosa (2007) como a de assegurar a
coexistência de pontos de vista e ideias contraditórias, proporcionando um texto
heterogêneo e dinâmico, com episódios que ocorrem em tempos, espaços e níveis
distintos, unidos numa totalidade narrativa, onde cada um tem significação, o que não
aconteceria se narrados separadamente. A esta técnica Llosa chama “vasos
comunicantes”, pois os diálogos estabelecidos superam a mera justaposição, o aspecto
determinante é que estabeleçam comunicação, mesmo que mínima.
Tal formatação pode, inicialmente, trazer ao leitor certa inquietação, exigindo
leitura atenta e não linear. Neste sentido, Barros (1997) comenta que num texto
polifônico chama à atenção a multiplicidade de significados e mecanismos de
manifestação das diferentes vozes, num contexto. Portanto, tal texto exige uma leitura
239
múltipla, “(...) porque ocorre neles um estilhaçamento temático e uma mistura de vários
tipos de discurso que desencorajam a leitura homogeneizadora”. (BARROS, 1997, p.
78)
A narrativa composta pela intercalação de diálogos também impõe ao leitor uma
percepção diferente em relação ao tempo e espaço. Estes dois componentes são
trabalhados de modo a considerar a existência de um tempo cronológico e outro
psicológico. Llosa (1997) lembra que existe um cronológico medido pelo movimento
dos astros no espaço e preside a curva da vida, mas também um tempo psicológico do
qual somos conscientes em vista do que fazemos ou deixamos de fazer, gravita de
acordo com nossas emoções. Por isso, o tempo da literatura parte do psicológico, um
tempo subjetivo, que estimula a criatividade e autonomia do autor.
Se estas marcas constituem a escrita de Llosa, outras duas caracterizam a
narrativa de Pantaleão e as visitadoras: o uso de cartas, como elemento comunicativo
entre personagens e o humor sarcástico, que não perde de vista a crítica social. Sobre o
primeiro ponto, é perceptível que as cartas cumprem finalidades específicas: além de
demonstrar estado psicológico das personagens, a exemplo da carta de Pochita à sua
irmã, contanto suas angústias e impressões sobre o trabalho do marido constituem
também a forma como Pantaleão comunica aos seus superiores os procedimentos de
implantação e gestão do SVGPFA, permitindo uma descrição detalhada e uma
informalidade, dentro de uma instituição extremamente forma e hierarquizada como o
exército.
Informe número três (...)
1. Que em toda a Amazônia existe a crença de que a variedade vermelha do
boto (espécie de golfinho dos rios amazônicos) é um animal de
considerável potência sexual, o que o induz, com a ajuda do demônio ou
de espíritos malignos, a raptar qualquer mulher disponível a fim de
satisfazer seus instintos, adotando para isso uma forma humana tão
varonil e elegante que nenhum ente feminino lhe resiste. Que, devido a
essa crença, generalizou-se esta outra: que a manteiga de boto
incrementa o ímpeto viril e torna o homem irresistível à fêmea, sendo
por isso um produto de enorme demanda em lojas de mercados.
(LLOSA, 2007, p. 71)
Neste mesmo trecho é perceptível outro traço da escrita de Llosa, presente em
outras obras85
, que é o humor. É de conhecimento dos estudiosos da obra do escritor a
influência sartreana em seu pensamento. Contudo, em alguns pontos divergia do
85
A exemplo de Tia Julia e o escrevinhador (1977), A festa do bode (2000), A cidade e os cães (1963).
240
filósofo francês e a utilização do humor na escrita era um desses pontos. Para Llosa,
literatura era feita com humor e, sobretudo, com certa dose de irracionalidade, de modo
que pudesse abarcar a grandiosidade da vida humana, permeada de fantasias, loucuras e
imprevistos.
É por isso que no prólogo do livro, o próprio escritor confessa que tentou contar
a história de forma séria descobrindo, no entanto, tal impossibilidade. “Descobri que era
impossível, que ela exigia a paródia e a gargalhada. Foi uma experiência libertadora,
que me revelou – só então! – as possibilidades da brincadeira e do humor na literatura”
(LLOSA, 2007, p.10).
Além da marca humorística em Pantaleão e as visitadoras, estão presentes
discussões sobre questões muito sérias. Como marca da escrita de Llosa percebe-se de
imediato seu engajamento político com as questões sociais do seu tempo. Para ele, o
compromisso do escritor, não uma obrigação, está em denunciar a realidade social,
evitar a irresponsabilidade na hora de escrever e engajar-se no combate às injustiças.
Seguindo nesta direção, em Pantaleão e as Visitadoras, a questão central da
relação exército e serviço interno de prostituição, também alimenta a discussão sobre
outras questões, que transcorrem paralelamente, envolvendo religiosidade e o fanatismo,
o papel das mulheres na visão de uma instituição extremamente masculinizada, como o
exército, e a corrupção e jogos de interesses na mídia. Considerando estas temáticas,
elas serão a base das discussões proferidas nos próximos capítulos deste trabalho.
3 A perspectiva de gênero da obra
As teorias críticas, a exemplo do marxismo, centralizaram suas análises da
sociedade na divisão de classes e domínio do poder econômico. Deram valiosas
contribuições para o entendimento das relações de poder no âmbito da infraestrutura,
revelando também o papel fundamental das ideologias.
No entanto, com o avanço das chamadas teorias pós-críticas86
, a análise isolada
do viés econômico demonstrou ser insuficiente para compreensão de outros aspectos
que compõem a sociedade. Colaborou também neste sentido, a arrefecida atuação dos
chamados “movimentos das minorias”, que principalmente nos anos 60 do século XX,
86
Tais como a fenomenologia (em linhas gerais, se refere ao estudo da experiência humana consciente na
vida diária) ou o multiculturalismo (movimento que tem como objetivo a elevação e valorização de meios
formativos étnicos diferentes). Ver: JOHNSON, Allan. G. Dicionário de Sociologia: guia prático da
linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
241
trouxeram à tona discussões voltadas para os direitos dos negros e das mulheres,
assegurando visibilidade a estes grupos. Desde então, a discussão sobre o papel das
mulheres na sociedade ganhou espaço acadêmico e destes estudos configurou-se uma
nova categoria de análise, que procura investigar as questões relacionadas ao universo
feminino, mas também do mundo masculino, visto que é impossível dissociar um do
outro.
Considerando esta categoria de análise, Pantaleão e as visitadoras coloca como
inevitável a discussão sobre gênero, constatando que as personagens centrais da obra
representam papéis sociais em torno de padrões de masculinidade e de feminilidade,
sobretudo quando se contrapõe os papéis desempenhados pelas duas mulheres centrais:
Brasileira, a amante, e Pochita, a esposa.
3.1 História das mulheres e a constituição do gênero como categoria de análise
social
A história do movimento feminista e da luta das mulheres por um maior espaço
de atuação social é antiga e abriu precedentes para o atual reconhecimento da categoria
gênero. Na antiguidade existiam muitas sociedades matriarcais, pois elas eram
responsáveis pela coleta e proteção da prole, sendo atribuído a elas a descoberta da
agricultura, justamente pela necessidade de observação das plantas e sua produção de
alimentos.
Porém, a luta proporcionada pela produção de alimentos e por terras mais férteis
fez surgir lideranças guerreiras que pudessem proteger seus clãs, advindo daí a figura de
homens fortes, conquistadores e protetores, símbolos de uma sociedade patriarcal. A
partir de então, a vida das mulheres se voltou para os “domínios do lar”, subserviente ao
marido. Obviamente, a história é permeada de exemplos de mulheres transgressoras
desta ordem.
Por volta de 350 d.c. Hypatia de Alexandria, astrônoma, professora de filosofia e
primeira matemática documentada. Realizou estudos na área da álgebra e aritmética
sendo muito respeitada em sua época, contudo num momento de expansão do
cristianismo e, como defensora do pensamento livre, Hypatia foi considerada uma
herege, despida, apedrejada, esquartejada e seus restos mortais queimados. Outro
exemplo de transgressão e também de repressão feminina é da poetisa mexicana Juana
Inés de la Cruz. Conhecida como “ A fênix da América”, desde criança teve contato
242
com os livros da biblioteca de seu avô e não deixou mais de estudar, tornando-se freira
para poder dedicar-se mais ao exercício da leitura. Sua erudição e crítica ao tratamento
destinado às mulheres, a colocaram como primeira feminista das Américas e provocou a
ira nos homens de seu tempo e, particularmente de seu confessor. Obrigada a desfazer-
se de sua biblioteca pessoal, falecendo doente logo em seguida.
Também se registra, ainda na antiguidade, a existência de civilizações onde as
mulheres exerciam importante papel social, como na cretense ou minóica. A religião se
baseava, principalmente, no culto à Deusa-mãe, divindade responsável pela fertilidade
da terra e pela fecundidade e, por isso, as mulheres tinham o direito de exercer as
mesmas atividades que os homens cretenses. Muitas assumiam a função de sacerdotisas.
Contudo, este não era o modelo definido pela maioria das sociedades antigas, ao
contrário, prevaleceu a ideia de passividade e recato femininos.
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus
maridos, orgulho e raça de Atenas. Quando amadas, se perfumam, se banham
com leite, se arrumam, suas melenas. Quando fustigadas não choram se
ajoelham, pedem, imploram. Mais duras penas. Cadenas. (HOLANDA, 1976)
A canção Mulheres de Atenas, acima retratada, composição de Chico Buarque e
Augusto Boal, retrata a vida das mulheres na sociedade Ateniense, no período clássico,
ressaltando sua figura submissa, papel desejado para elas dentro da organização daquela
sociedade. A composição revela como a conhecida democracia Ateniense, era exercida
por pequena parcela da população, ricos e homens.
Às mulheres atenienses cabia o mundo doméstico, cuidar da casa, servir ao
marido e criar os filhos. Sua educação era realizada nos gineceus (espaço na casa
destinado às mulheres) através de uma instrução rudimentar. Aprendia a cozinhar, coser,
bordar e cantar, pouco aparecia em público, comparecendo apenas nas festas religiosas.
Seu papel fundamental era o de mãe dos cidadãos que governavam a democracia da
cidade.
No entanto, o modelo de educação feminina Ateniense não era o único na Grécia
Antiga, pois o tratamento feminino na sociedade Espartana era um pouco diferente.
Apesar de ser negada a cidadania e não possuírem propriedades, nesta reconhecida
sociedade militarizada, a mulher era responsável por gerar guerreiros fortes e corajosos.
Assim, elas recebiam educação atlética, sendo comum que se dedicasses aos jogos
esportivos, e também controlavam as finanças da casa e podiam participar de reuniões
243
políticas públicas. “Também as mulheres, em Esparta, deviam robustecer o próprio
corpo com a educação física – ‘suportar bem a gravidez’ e para desenvolver os ‘nobres
sentimentos da virtude e da glória’, nota ainda Plutarco”. (CAMBI, 1999, p. 83)
O declínio grego e a ascensão romana trouxeram um novo panorama político,
mas manteve a organização social e classes desiguais e poucas possibilidades de
mobilidade. Para as mulheres, o papel de esposa e mãe persistia. A educação dos filhos
era confiada aos pedagogos e as meninas casavam-se cedo, em casamentos arranjados
de acordo com os interesses financeiros do pai, provedor familiar.
Já a expansão do cristianismo altera a formação familiar, redefinindo os vínculos
parentais, antes baseados na autoridade paterna e agora baseados em laços amorosos.
Desta forma, a manutenção da Sagrada família redefine os papéis de seus componentes
delegando ao pai o papel de guia, a mãe como sua auxiliar e os filhos submissos e
respeitosos. Sobre a cultura cristã opõe dois modelos: o de Eva, figura pecaminosa; e de
Maria, pureza virginal.
(...) Quanto à mulher, o cristianismo – embora oscilando entre os modelos
opostos de Eva, a corruptora, emblema do feminino como pecado, e de
Maria, a co-redentora, a mãe de Cristo, a advocata peccatorum, a Virgem,
que resgata e exalta o feminino na família e na Igreja – liberta a mulher de
antigas cadeias, sublinha sua igualdade em relação ao homem (igualdade
sobretudo diante de Deus) e lhe atribui um papel se não central pelo menos
de presença constante na vida religiosa (ibid., p. 134)
Estes mitos já existiam nas culturas antigas, a exemplo de Hera (Deusa do
casamento, do compromisso de esposa), arquétipo da mulher incompleta sem um
companheiro; de Deméter (Deusa das colheitas, nutridora, mãe), que representa o
instinto maternal na gravidez, ou mesmo Afrodite, conhecida como Deusa do amor,
beleza e sexualidade. Contudo, é no período medieval e com o estabelecimento dos
ideais dicotômicos cristãos, que opõe o bem e o mal, a matéria e o espírito, o céu e o
inferno, que os modelos da santa e da pecadora se estabelecem no imaginário social.
Contribuíram para isso a instituição do celibato, pois os clérigos deveriam viver longe
das mulheres e do pecado carnal e, por outro lado, o casamento, que fortaleceu a
imagem de esposa e boa mãe.
Para Cambi (1999) na Idade Média são retomados dois modelos, que valorizam
a mulher: as santas e o “amor cortês”. As primeiras são consideradas heroínas
femininas, desenvolvem a capacidade de amar e comunicar-se com Deus; já o amor
244
cortês cria um código cavalheiresco, no qual o amor irrealizável, leva à idealização da
mulher, musa inspiradora, imagem ideal do feminino.
Outra personalização feminina importante está no papel das bruxas, mulheres
que possuíam conhecimentos sobre ervas medicinais e cura de algumas enfermidades,
eram consideradas organizadoras de rituais pecaminosos. Para a Igreja Católica eram
hereges, faziam pactos demoníacos e por isso eram caçadas e condenadas à fogueira. A
caça às bruxas é um capítulo da Idade Média. Acredita-se que as bruxas eram parteiras
ou mesmo enfermeiras, que conheciam o emprego de ervas medicinas e muitas vezes
eram a única possibilidade de atendimento médico das populações mais pobres.
Detentoras de grande conhecimento foram vítimas de grande campanha, pelos senhores
feudais e também pela Igreja Católica, que as acusava de fazer bruxaria.
Findado o período medieval, a modernidade para as mulheres não trouxe
grandes modificações já que seguia vivendo em reclusão e sendo alicerce da família.
Preparadas para o casamento arranjado, nos quais o elemento motivador era a
possibilidade dos dotes oferecidos. Nas famílias pobres as moças eram obrigadas a
trabalhar ou em pequenas fazendas, ou no trabalho doméstico nas casas da cidade.
A educação das meninas, nesse período, era realizada em pequenas escolas ou
conventos, mas principalmente em casa. Isso não impediu que surgissem movimentos
de mulheres, sobretudo na Inglaterra, defendendo uma melhor educação para as jovens,
argumentando inclusive que seria um fator de enriquecimento do casamento, pois mais
preparadas teriam melhores condições de apoiar os maridos. Nesses movimentos insere-
se a célebre obra “A vindication of the rights of woman”87
(Uma defesa dos Direitos da
Mulher) de Mary Wollstonecraft, lançado em 1792 e considerada obra precursora dos
movimentos feministas.
Além dos primeiros movimentos feministas na Inglaterra, registra-se forte
atuação na França, como o de Olympe de Gouges, revolucionária que, em 1759, lançou
a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, e que por sua ousadia foi condenada e
decapitada. Além dela, a participação das mulheres na Revolução Francesa foi
importante componente para a mudança de perspectivas sobre a atuação social feminina.
A presença delas foi decisiva a exemplo do episódio em que 7 mil mulheres, lideradas
por vendedoras de peixe, foram até Versalhes, protestando contra o preço do pão. Tal
87
Em 1832, a professora potiguar Nísia Brasileira Floresta lança a tradução livre desta obra, com o título
“Direitos dos homens, injustiças para as mulheres”. A referida professora é uma das pioneiras do
movimento feminista e abolicionista no Brasil, defendendo e concretizando ações de acesso à educação
para as mulheres.
245
pressão forçou o Rei a mudar-se para Paris, enfraquecendo seu poder e novos rumos
foram dados à Revolução.
Porém, acontecimento histórico decisivo para emancipação feminina foi, por
volta dos séculos XVIII e XIX, a ocupação de postos de trabalho provocada pela
Revolução Industrial. A separação do trabalho doméstico do trabalho assalariado rompe
com a perspectiva da mulher dona de casa, abrindo a possibilidade de ocupação de
novos espaços sociais. Tal orientação é fortalecida por duas grandes guerras mundiais,
ocorridas na primeira metade do século XX. A saída dos homens para o campo de
batalha e a necessidade de produção industrial em grande escala decreta definitivamente
a entrada das mulheres no mundo do trabalho, até então reino masculino. Porém sua
ocupação não foi fácil, baseada em exaustivas jornadas de 16 horas ao dia, péssimas
condições de trabalho e salários menores que dos homens. Os movimentos em defesa
dos direitos das mulheres eram fortemente reprimidos.
Também no final dos séculos XIX e início do XX o movimento Sufragista
americano reuniu lideranças femininas, inicialmente em defesa da abolição e
posteriormente com a o voto para as mulheres. Este movimento foi responsável pela
criação das primeiras associações femininas em defesa do sufrágio até conquistarem,
em 1919, uma emenda constitucional que garantia o direito de voto independente de
raça ou sexo.
Na virada do século, as manifestações contra a discriminação feminina
adquiriram uma visibilidade e uma expressividade maior no chamado
“sufragismo”, ou seja, no movimento voltado para estender o direito do voto
às mulheres. Com uma amplitude inusitada, alastrando-se por vários países
ocidentais (inda que com força e resultados desiguais), o sufragismo passou a
ser reconhecido, posteriormente, como “a primeira onda” do feminismo.
(LOURO, 1997, p. 14-15)
Todos esses acontecimentos precedem um marco histórico na literatura
feminista: o lançamento de “O segundo sexo”, em 1949, escrito pela filósofa francesa
Simone de Beauvoir. Obra referencial, o livro de Beauvoir faz uma análise sobre a
construção histórica, biológica e psicossocial da mulher, demonstrando que os papéis
desempenhados por elas foram construídos ao longo do tempo e sua submissão foi uma
condição culturalmente disseminada.
Com a descoberta do cobre, do estanho, do bronze, do ferro, com o
aparecimento da charrua, a agricultura estende seus domínios. Um trabalho
intensivo é exigido para desbravar florestas, tornar os campos produtivos. O
homem recorre, então, ao serviço de outros homens que reduz à escravidão.
246
A propriedade privada aparece: senhor dos escravos e da terra, o homem
torna-se também proprietário da mulher. Nisso consiste "a grande derrota
histórica do sexo feminino". Ela se explica pelo transtorno ocorrido na
divisão do trabalho em consequência da invenção de novos instrumentos. "A
mesma causa que assegurara à mulher sua autoridade anterior dentro da casa,
seu confinamento nos trabalhos domésticos, essa mesma causa assegurava
agora a preponderância do homem”. (BEAUVOIR, 1970, p. 74)
Com esta obra, a filósofa francesa tornou-se um ícone para as feministas e
leitura obrigatória nos movimentos organizados nos anos posteriores, inaugurando o que
se costumou chamar a segunda onda do movimento feminista. Neste sentido, os anos 60
do século XX, foram particularmente especiais, tendo seus efeitos estendidos até os
anos 80, sendo registrados acontecimentos marcantes, sobretudo nos Estados Unidos e
Europa, como o famoso episódio da “queima dos sutiãs”88
e o surgimento de vários
slogans como “Women’s Liberation” (Libertação das mulheres). Em 1963, Betty
Friedan escreve a “A mística feminina”, obra em que observa a mistificação da dona de
casa e mãe zelosa, após Crise de 1929, como modelo essencial para o país. A educação
da mulher era pautada nestes termos, o que gerava, com o passar do tempo, frustração e
descontentamentos de diversas ordens, provocando depressão e o consumismo
feminino.
Outro acontecimento que provocou verdadeira revolução assegurando a
liberalização da mulher e o poder de decisão sobre seu próprio corpo foi, em 1960, a
criação da pílula anticoncepcional. Se antes um dos papéis essenciais atribuídos à
mulher era o da reprodução, o contraceptivo oral representou uma mudança radical no
exercício da sexualidade feminina, pois agora ela poderia usufruir de prazer, sem
preocupação com uma possível gestação.
É portanto, neste contexto de efervescência social e política, de contestação e
de transformação, que o movimento feminista contemporâneo ressurge,
expressando-se não apenas através de grupos de conscientização, marchas e
protestos públicos, mas também através de livros, jornais e revistas. Algumas
obras hoje clássicas – como por exemplo, Le deuxiéme sexe, de Simone de
Beauvoir (1949), The feminine mystique, de Betty Friedman (1963), Sexual
politics, de Kate Millett (1969) – marcaram esse novo momento. Militantes
feministas participantes do mundo acadêmico vão trazer para o interior das
universidades e escolas questões que as mobilizavam, impregnando e
“contaminado” o seu fazer intelectual – como estudiosas, docentes,
pesquisadoras – com a paixão política. Surgem os estudos da mulher.
(LOURO, 1997, p. 16)
88 Em verdade, não houve queima de sutiãs. As ativistas do grupo Women´s Liberation Moviment,
planejaram, em protesto atear fogo em objetos como sutiãs, maquiagens e espartilhos no local onde
estavam realizando o concurso Miss América, em sinal de protesto contra o que chamavam de ditadura da
beleza.
247
O trabalho e atuação intelectual destas feministas, na década de 90, iniciam a
terceira fase do movimento, o feminismo acadêmico. Nele, algumas definições da
segunda onda são contestadas. É o período de olhar crítico sobre o movimento, no qual
se ressalta a micropolítica, pois dentro do movimento existiam grupos que não se viam
contemplados, a exemplo das mulheres negras. Como discurso construído
eminentemente por mulheres brancas de classe média alta também passou a ser
questionado enquanto “fala totalitária”, ou seja, a universalização do sujeito mulher.
Dessas discussões deriva-se a perspectiva atual de gênero, conceito que refuta o
determinismo biológico que distingue os sexos e reconhece o caráter social das
construções em torno destas diferenças, em outras palavras, parte da análise das
características dos sexos para compreender suas representações no âmbito social.
Assim, assumindo a perspectiva de gênero, busca-se compreender os constructos sociais
em torno da mulher, mas também do ser homem, admitindo um caráter relacional para a
categoria. Além disso, superando os ditames biológicos e ratificando as análises dos
aspectos sociais, o movimento feminista admite outra via que é a inclusão da
representação de algumas especificidades, como das mulheres trans, lésbicas e outras
possibilidades de identidade sexual. Para tanto se fala em teoria Queer, perspectiva que
busca romper com a análise binária da categorização do sexo ou gênero, analisando
outras possibilidades identitárias.
3.2 Os papéis sociais e o triângulo amoroso: Pantaleão, Brasileira e Pochita
O exército é instituição formada eminentemente por homens, que representam o
modelo de força e imponência próprios para a defesa de uma nação. Os primeiros
registros da formação de exércitos, ligados ao desenvolvimento da agricultura e
formação de centros urbanos, datam do Egito e Mesopotâmia. Os exércitos prontamente
se tornaram essenciais para garantir a conquista de terras, riquezas e domínio de outros
povos, assegurando a mão-de-obra para o trabalho escravo. Com isso, não só o
desenvolvimento de armas, mas o treinamento dos homens eram procedimentos
fundamentais. Assim, os homens a serviço dos exércitos precisavam ser fortes, ágeis,
disciplinados e resistentes. Deviam refletir o padrão de masculinidade esperado.
248
Como já comentado, no decorrer da história da humanidade dois modelos sociais
foram construídos em torno da definição dos sujeitos homem e mulher. Para eles, o
padrão de masculinidade impõe características, tais como racionalidade, força e
virilidade. Para elas, são atribuídas a emotividade, subjetividade, delicadeza e
fragilidade. Além disso, as mulheres convivem com o dilema de reconhecer-se em dois
papéis: a da esposa, responsável pela reprodução e manutenção da família; a da
prostituta; aquela que dá prazer sexual aos homens. Na obra em questão, os três
modelos sociais estão representados através dos personagens Pantaleão Pantoja, sua
esposa Pochita e da visitadora Brasileira.
Pantaleão é um capitão do exército, figura ilustrativa do padrão de
masculinidade dos homens da instituição. Além disso, suas habilidades no campo da
matemática e administração são também características pertinentes aos homens e,
particularmente, aos que exercem algum tipo de poder. Quando escolhido para a missão
de implantação do SVGPFA, mesmo passando por conflitos pessoais, aceita-a por não
admitir quebrar regras e desobedecer a hierarquia da instituição. “Na verdade coronel,
não tenho ideia como – engole saliva o capitão Pantoja. – Mas farei o que me
ordenarem, naturalmente”. (LLOSA, 2007, p. 17)
A disciplina de Pantaleão e sua imagem de bom soldado e marido são colocadas
em xeque quando inicia o contato com o universo que cerca as prostitutas. Começa a
beber, chegar tarde em casa e isso coloca em risco seu casamento, pois sua esposa sem
saber qual a missão a que foi destacado lhe questiona com frequência sobre essa
mudança de hábitos. Contudo, maior mudança é percebida quando começa a se envolver
com Brasileira e passar a fazer as entrevistas com as candidatas a visitadoras,
experimentando o serviço que elas oferecerão.
- Quantas vezes por semana, Pantita? - se levanta, enche recipientes, se lava
se enxágua, se veste a Brasileira. – Mais do que uma visitadora, na certa. E
quando há exame de candidatas, nem se fala. Com esse costume que você já
pegou na, como se chama?, revista profissional? Sacana você é.
- Isso não é diversão, é trabalho – se espreguiça, senta no beliche, toma
coragem, arrasta os pés para o banheiro, urina Panta. – Não ria, é verdade.
Além disso, a culpa é sua, foi você que me deu a idéia quando fiz seu exame
de ingresso. Antes não tinha pensado nisso. Acha que é brincadeira? (ibid.,
p.172)
Neste trecho além de se verificar a mudança de comportamento de Pantaleão,
passando de homem de família para amante insaciável, percebe-se a tendência de se
249
vitimar culpando Brasileira pela atitude tomada. A história de Adão e Eva remonta essa
ideia, na qual a mulher é considerada culpada por levar o homem a pecar, utilizando
para isso meios sedutores. Desde então, um dos papéis atribuídos à mulher é o da
sedutora que remete ao pecado. Neste sentido, a igreja católica tratou de reforçar as
duas personalidades femininas: a santa e a prostituta. Para a primeira tratou de cobrir o
corpo, tornando-a assexuada, símbolo da castidade, submissão e obediência. A Virgem
Maria pura e casta. Por outro lado, Madalena, a pecadora arrependida, representando os
pecados do mundo.
Contudo, mais uma vez é na sociedade capitalista que o corpo da mulher torna-
se símbolo de prazer e pecado, agora não mais por motivações religiosas, mas
influenciado pela ideologia de mercado, que através da publicidade, destaca a
sensualidade como elemento despertador do desejo e do consumo. Não de forma
desinteressada a propaganda explora a imagem feminina, desnudando seu corpo. A
Brasileira é por sinal, o símbolo dessa configuração: o próprio pecado em forma de
mulher, com atributos físicos que despertam o desejo alheio e perturbam o pensamento
dos homens, alterando sua conduta.
- Ela continua tão bonita ou já piorou um pouco? – diz Chuchupe. Não a vejo
desde que foi para Manaus. Na época não se chamava Brasileira, só
Olguinha.
- Bonita de cail pla tlás, e além dos olhos, dos peitinhos e das pelnas, que a
vida toda folam de tilal o chapéu, agola está com uma bunda magnífica –
assobia, apalpa o ar o China Porfírio. – Dá pla entendel pol que dois calas se
matalam pol ela. (ibid., p. 92)
Em contrapartida, oposto ao papel de Brasileira aparece Pochita, esposa recatada
e voltada para o lar. Acompanhando o marido, muda de cidade e estilo de vida,
renunciando a alguns privilégios destinados às famílias dos militares. No decorrer da
história engravida, dando à luz Gladyzinha, única filha do casal. Em sua inocência é a
última a saber do trabalho que o marido executa e ciente da natureza da atividade
abandona-o, rompendo a harmonia familiar.
Reafirmando a natureza masculina, Pantaleão cumpre o papel de provedor,
sustentando a família (esposa, filha e mãe) e também reservando parte do seu soldo a
Brasileira. No entanto, o valor é insuficiente para o sustento da visitadora e ele lhe
permite uma cota de visitações por mês, alegando que o regulamento do SVGPFA
obriga o cumprimento mínimo de dez visitas ao mês por trabalhadora e sendo um
regulamento criado por ele mesmo, jamais poderia descumpri-lo.
250
- Todos os oficiais sabem e acham perfeito que você tenha uma garota. (...) –
mas ninguém entende esse seu sistema. É compreensível que não ache graça
nenhuma vendo a tropa comer a sua fêmea. Para que então esse formalismo
ridículo? Dez fodas é a mesma coisa que cem, meu irmão.
- Dez é o que o regulamento obriga. (...) – Como vou violar o regulamento?
Fui eu mesmo que fiz. (ibid, p. 175-176)
Mas esse triângulo amoroso não se sustenta por muito tempo, encerrado pelo
abandono do lar por Pochita e, principalmente, pelo assassinato violento de Brasileira.
Envolvido emocionalmente com a visitadora, Pantaleão realiza cortejo fúnebre com
honras militares escandalizando a todos, sobretudo as altas esferas do exército. Isso
decreta o fim do serviço de visitadoras e a punição do capitão Pantaleão, que para não
ser expulso da corporação, é obrigado a servir num grupamento bem distante, até que
todos tenham esquecido o SVGPFA.
Tanto a morte de Brasileira como o exílio de Panta funcionam como punição dos
personagens. Ela, como pecadora e destruidora de lares, é morta e pregada numa cruz.
Ele ameaçado de ser expulso do que mais ama, retoma sua vida anterior assegurando
sua família. Este caráter punitivo ratifica o papel de instituição legitimadora de poder de
Estado do exército, que utiliza o serviço de visitadoras e os sujeitos envolvidos,
enquanto eles são úteis aos seus interesses e elimina-os quando estes passam a
incomodar ou não mais servir.
- O grande problema é que não há castigo suficientemente grave para a
monstruosidade que cometeu lá em Iquitos – cruza os braços sobre o peito o
Tigre Collazos. – Fez tanto mal ao Exército com esse escândalo que nem o
fuzilamento seria uma desforra à altura. (ibid., p. 243)
Esse caráter dúbio do exército que ao mesmo tempo fomenta a prostituição e em
seguida a destitui é comum quando se trata deste tipo de serviço. Historicamente a
prostituição serviu a todas as classes sociais, mas em relação aos que exercem algum
tipo de poder é um serviço que precisa permanecer “invisível”. Na Idade Média eram
excomungadas, mas eram toleradas, quase um mal necessário. Neste sentido, Sor Juana
Inés de la Cruz em seu texto “Hombres necios” descreve a natureza duvidosa da
dominação masculina sobre a mulher, pois os homens por um lado acusam as mulheres
e por outro a incitam ao mal, deixando-as escravizadas.
Hombres necios que acusáis
251
A la mujer sin razón,
sin ver que sois la ocasión
de lo mismo que culpáis:
si con ansia sin igual
solicitáis su desdén,
¿por qué queréis que obren bien
si las incitáis al mal?89
. (DE LA CRUZ, s.d)
Além disso, nos períodos de conflito também é bastante comum o acionamento
de serviços de prostituição, como forma de controlar a libido masculina, tentando evitar
assim violações de todo tipo contra as mulheres de grupos dominados. Durante a
Primeira Guerra Mundial, por exemplo, na Alemanha e França os bordéis chegaram a
ser regulamentados.
No caso do serviço de visitadoras na obra de Llosa, verdadeiro exército
feminino, também cumpriu com sucesso o papel inicialmente planejado de controle do
ímpeto sexual dos soldados. Foi além, trouxe para si as atenções da sociedade local. Do
ponto de vista institucional, o SVGPFA tornou-se organismo que fugiu ao controle dos
militares, sendo alvo de críticas da “Voz do Sinchi” e foco das preocupações do alto
comando do exército, demonstrando o êxito administrativo do projeto.
Considerando a categoria de análise “relações de poder entre exército peruano e
exército de visitadoras” é possível destacar que o sucesso do SVGPFA se deve a alguns
elementos: a) a institucionalização do serviço; b) ao sentimento de segurança e
valorização desenvolvido nas visitadoras. Em relação ao primeiro item em trechos da
obra percebe-se que o serviço de visitadoras adquire características da instituição militar
tais como a adoção de fardamento, nas cores verde e vermelho, o primeiro
representando a riqueza da floresta amazônica e o outro a paixão, elemento
motivacional do serviço prestado. Além disso, ocorre uma mudança no comportamento
das visitadoras que começam a aceitar ordens, reconhecendo a hierarquia que move os
militares, a apresentarem-se de forma ordenada e em fileiras, ao cumprimento de
horários e à necessidade de sanções, como mecanismo disciplinador das atividades.
Essas mudanças demonstram à adequação à rigidez da vida militar, como também do
sentimento de pertencimento à instituição. Marca disso é a criação do hino das
visitadoras:
(...)
Servir, servir, servir
O exército da Nação
89
Homens tolos que acusam a mulher sem razão, sem ver que és o causador do mesmo que culpas: se
com ânsia inigualável, solicitas seu desdém, por que quereis que façam o bem se você as incita ao mal?
252
Servir, servir, servir
Com muita dedicação
No chão, na rede, no capim
Do quartel ou acampamento
Damos beijos, abraços e afins
Quando o superior determina
Servir, servir, servir
O exército da Nação
Servir, servir, servir
Com muita dedicação
Cruzamos selvas, rios e vales
Nem do Jaguar, nem do puma nem da caça
Temos o menor temor
Porque nos sobra patriotismo
Fazemos gostoso amor (...) (LLOSA, 2007, p. 124)
Este tipo de ordenamento e a figura organizativa da instituição lhes assegura um
sentimento de proteção e segurança tanto financeira quanto física. Contudo, este
ordenamento e o sucesso alcançado tornam-se também a razão do seu infortúnio,
criando as bases para que seja encerrado.
4 Considerações Finais
Pantaleão e as Visitadoras é uma obra que permite ampla análise sobre as
relações de poder na sociedade, particularmente nas relações de gênero. Percebe-se que
diversos mecanismos de controle social são lançados sobre os personagens exercendo
coerção sobre seus comportamentos à medida que são percebidas mudanças no
comportamento das visitadoras.
Elas formam um grupo que vêem o SVGPFA como um espaço de proteção,
reconhecimento e valorização do seu trabalho. O processo de disciplinamento desse
grupo é percebido quando adotam fardamento próprio, aceitam cumprir ordens e
horários e criam o hino das visitadoras. Este ordenamento, longe de ser visto por elas
como ponto negativo, é responsável pelo fortalecimento de suas identidades, tanto que
participar do serviço de visitadoras passa a ser o “sonho” das prostitutas locais.
A despeito da possibilidade de transgressão das relações de poder, o livro deixa
bastante claro que aqueles que transgridam valores e princípios estabelecidos
socialmente, normalmente são punidos de algum modo. Quando é estabelecido o
triângulo amoroso entre Pantaleão, Pochita e Brasileira os papéis sociais relativos ao
253
universo masculino e feminino ficam bastante representados: Pantaleão, capitão do
exército, homem racional, disciplinado, forte e provedor de suas duas mulheres;
Pochita, mãe de família, esposa fiel e companheira, a rainha do lar; Brasileira, a bela
amante, sexy e desejada pelos homens. O triângulo é desfeito quando Pochita, traída,
abandona Pantaleão e também do assassinato violente de Brasileira. Pelas transgressões
cometidas, Pantaleão e Brasileira são “punidos”, mecanismo de controle necessário para
a manutenção de princípios que regem a sociedade e a família. Percebe-se, então, um
constante processo de reprodução social.
Neste sentido, o próprio funcionamento do serviço de visitadoras sofre um
processo de punição. Começando como um modesto empreendimento, logo alcança
grande êxito, sendo o centro das atenções de toda comunidade local. Pelo caráter
adverso que o SVGPFA guarda em relação ao exército, sua ampliação torna-se uma
ameaça e precisa ser desfeito. Desta forma, a obra de Mario Vargas Llosa, traça um
panorama real da sociedade, suas instituições, interesses e mecanismo que conformam
os sujeitos, assegurando as ideologias que perpetuam a organização social vigente.
REFERÊNCIAS
BARROS, D. L. P. de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In:. _______.
D. L. P. de FIORIN, J. L. (Org.). Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno
de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Edusp, 1997.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 1970. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=3pesCQAAQBAJ&pg=PA74&lpg=PA74&dq#v
=onepage&q&f=false>. Acesso em: jan. 2015.
CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: ed. da UNESP, 1999.
CRUZ, Juana Inés de la. Hombres necios. Disponível em: < http://www.poesiademujeres.com/2011/05/hombres-necios.html>. Acesso em: jan.
2015.
HOLANDA, Chico Buarque de. Mulheres de Atenas. 1976. Disponível em:
http://www.letras.com.br/#!chico-buarque/mulheres-de-atenas. Acesso em: fev., 2015.
LLOSA, Mario Vargas. Pantaleão e as visitadoras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
____. Cartas a un joven novelista. 1997. Disponível em:
http://img9.xooimage.com/files/8/9/b/vargas-llosa-mari...sta-pdf--2669103.pdf. Acesso:
jan., 2015.
254
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-
estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
PIRES, Vera Lúcia. TAMANINI-ADAMES, Fátima. Desenvolvimento do conceito
bakhtiniano de polifonia. In: Estudos Semióticos. São Paulo: 2010. v. 06, n. 02.
Disponível em:
http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es/eSSe62/2010esse62_vlpires_fatamanini_adames
.pdf. Acesso em: jan.2015.
255
O DESENVOLVIMENTO DA HABILIDADE LEITORA EM
ESPANHOL COM O USO DE “TIRAS”: um relato de experiência
Luzilene Cardoso de Souza90
1. INTRODUÇÃO
É inegável que as histórias em quadrinhos (HQs) têm se tornado um gênero
textual mais atrativo aos olhos do público infantojuvenil. E, utilizar este estilo para
instigar a aprendizagem da leitura do idioma espanhol é um artifício que vem sendo
adotado, inclusive, pelas editoras que têm colocado as tiras nos livros didáticos de
língua estrangeira.
Como diz Vergueiro (2012, p. 21), “(...) As histórias em quadrinhos aumentam a
motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e
desafiando seu senso crítico.”.
Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo verificar como é feita ou não a
associação das linguagens verbal e não verbal apresentadas em tiras hispânicas, por
alunos do nível médio de uma escola pública em Sergipe. Isso porque não se trata
apenas de leitura e tradução, mas também da compreensão da mensagem que o autor
quis passar, e somente com a leitura de todo o quadrinho isso é possível. O problema é
que muitas vezes o sentido real da tira se perde devido à falta de atenção aos detalhes
presentes em todo o quadro.
Para tanto, torna-se necessário compreender o conceito de leitura e seu processo
de aprendizagem que é feito, basicamente, com a decodificação da escrita unida à
imagem, como também através da motivação e experiência de vida do leitor, sendo que
o papel do professor é direcionar o aluno nesse processo. Ao trabalhar o
desenvolvimento da leitura com tiras em outra língua tanto pode aumentar o interesse
90 Licenciada em Letras Espanhol pela Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS. Fez
Especialização em Tradução, Ensino e Cultura de Língua Espanhola na Faculdade São Luís de França
Atualmente é professora de espanhol na Educação Básica da Rede Pública do Estado de Sergipe.
256
dos alunos pelo hábito de ler, quanto pode tornar mais fácil aprender um segundo
idioma.
Torna-se viável, também, conhecer um pouco a história dos quadrinhos que,
segundo dizem surgiram como pinturas rupestres, e também já foram vistos como
leitura fútil e que desviavam a atenção dos estudos. Mas a situação mudou com o
tempo, passou de rechaçada pela sociedade a um instrumento atrativo para o mundo da
leitura. Além de apresentar os tipos diferentes de textos icônicos que parecem com os
quadrinhos, outro item trabalhado é a sua utilização no ensino do espanhol.
Desta forma, por meio dos fundamentos teóricos apresentados, a abordagem
feita sobre como a leitura dos quadrinhos em espanhol é desempenhada por alunos de
nível médio, torna-se relevante, na medida em que, faz-se uma análise de como é dado o
processo de leitura desse gênero multimodal, quais são as dificuldades enfrentadas pelos
alunos na compreensão das tiras, e a partir disso, é possível desenvolver mecanismos
que podem auxiliar numa melhor aprendizagem do espanhol mantendo o uso dessa
ferramenta tão atrativa que são as histórias em quadrinhos.
2. A LEITURA E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM
A palavra “leitura” é originada do latim, Legere, que no início tinha um
significado direcionado à cultura, “colher, escolher e recolher”. Só passou a ter o
conceito de hoje depois das letras, por causa da habilidade em escolher as palavras para
expressar melhor o que pensava.
Existe uma expressão latina que define bem outro sentido à palavra Legere, com
relação aos dias atuais: Legere oculis – “colher com os olhos”. Isso porque o ato de ler
não está limitado à decodificação de textos, nós também lemos símbolos, imagens,
expressões corporais e faciais, lemos as mãos, e tudo o que implique em um significado
tirado da compressão visual do leitor.
Lembrando Paulo Freire, em Martins (2012, p.12), “ninguém educa ninguém,
como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo.”. E Kleiman (2013) afirma que, todo leitor possui um
257
conhecimento prévio necessário a compreensão do material a ser lido. E, dentro desse
conhecimento ficam o conhecimento linguístico (o conhecer o idioma do que está
escrito), e o conhecimento textual (um conjunto de noções e pré-conceitos sobre o
texto). Usar a experiência para compreender o que está diante dos olhos é basicamente o
significado de leitura.
Como exemplo para ilustrar o processo leitor a partir do uso do conhecimento
prévio, pode-se utilizar a seguinte charge:
Fonte: Disponível em: http://www.santaterezatem.com.br/wp-content/uploads/2015/06/reducao-da-maioridade-penal-4-por-
latuff-300x226.jpg. Acesso em: 27 set. 2015.
A intenção do chargista Latuff ao abordar a questão da maioridade penal é
compreensível. Um texto não verbal, mas que com o menor conhecimento dos assuntos
discutidos no Brasil ultimamente, pode-se lê-lo e compreendê-lo.
O processo de aprendizagem da leitura é dado a partir da compreensão de
palavras, frases, sentenças, intenção do autor, juntamente com as motivações e
experiências de vida do leitor.
258
Segundo Martins (2012), estudos sobre a linguagem apontam que os professores
servem para orientar como decodificar o código linguístico, mas que nós aprendemos a
ler sozinhos, lendo.
Portanto, pode-se dizer que precisamos dos professores para aprender a decifrar
o sistema escrito, mas depois, de maneira solitária, fazemos uso da nossa vontade e
esforço para compreender um texto – além de fazer uso, é claro, dos conhecimentos
adquiridos em situações reais, que funcionam como fonte de consulta ou pré-conceitos
que podem auxiliar no entendimento do conteúdo a ser lido.
De acordo com o OCEM (2006, p. 151-152) - Orientações Curriculares para o
Ensino Médio,
deve-se considerar o desenvolvimento da compreensão leitora, com o
propósito de levar à reflexão efetiva sobre o texto lido: mais além da
decodificação do signo linguístico, o propósito é atingir a compreensão
profunda e interagir com o texto, com o autor e com o contexto, lembrando
que o sentido de um texto nunca está dado, mas é preciso construí-lo a partir
das experiências pessoais, do conhecimento prévio e das inter-relações que o
leitor estabelece com ele.
Ler e entender o que está escrito em um texto vai além da compreensão de um
código linguístico, também envolve experiência de vida, intenção do autor e motivação
do leitor para interpretar o que está sendo lido.
3. GÊNEROS TEXTUAIS
Outro fator importante abordado neste artigo é a questão dos gêneros textuais.
As HQs são um tipo de gênero textual que tem como foco principal a narrativa, mas que
também pode apresentar outros tipos textuais em um mesmo quadrinho.
Os gêneros textuais podem ser definidos basicamente como maneiras de
organizar informações linguísticas, orais ou escritas, de acordo com a finalidade do
texto, com o papel dos interlocutores e com a situação social. Isto é, para cada
necessidade e leitor existe um tipo de texto com sua própria linguagem. E por causa das
259
infinitas necessidades dos humanos, também são infinitas as possibilidades de tais
gêneros.
Segundo Marcurchi (2015, p. 20), falando de forma resumida a respeito do
surgimento dos gêneros,
(...) numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram
um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética por
do século VII a.C., multiplicam-se os gêneros, surgindo os típicos da escrita.
Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros expandem-se com o
florescimento da cultura impressa para, na fase intermediária de
industrialização iniciada no século XVIII, dar início a uma grande ampliação.
Outro fator que merece destaque é quanto às diferenças existentes entre gêneros
e tipos textuais. Na primeira expressão o foco é a natureza funcional e interativa, já a
segunda privilegia o aspecto formal e estrutural da língua.
Como exemplos de gêneros textuais têm-se: cartas, propagandas, bulas de
remédios, receitas, poesias, editais de concursos, e-mails, chats, charges, histórias em
quadrinhos, etc. Já os tipos textuais seriam: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção, etc.
O que ocorre, normalmente, é uma ligação entre dois gêneros, ou um gênero em
um tipo, ou ainda, gêneros e tipos diferentes em um mesmo objeto textual. De acordo
com Marcuschi (2015, p.33),
A questão da intertextualidade intergêneros evidencia-se como uma mescla de
funções e formas de gêneros diversos num dado gênero e deve ser distinguida
da questão da heterogeneidade tipológica do gênero, que diz respeito ao fato de
um gênero realizar várias sequências de tipos textuais. (...)
(...) Resumidamente, em relação aos gêneros, temos:
(1) intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro
(2) Heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos.
260
O objetivo dessa mistura de gêneros e tipos é proporcionar o estímulo sensorial e
visual do leitor para uma melhor inserção dele no mundo contemporâneo.
As OCEM (2006, p. 28) dizem que,
Nesse contexto, a ênfase que tem sido dada ao trabalho com as múltiplas
linguagens e com os gêneros discursivos merece ser compreendida como uma
tentativa de não fragmentar, no processo de formação do aluno, as diferentes
dimensões implicadas na produção de sentidos. Essa escolha também reflete
um compromisso da disciplina, orientado pelo projeto educativo em
andamento: o de possibilitar letramentos múltiplos.
Além de tornar a leitura mais envolvente ao aluno, trabalhar com mais de um
tipo e/ou gênero textual pode contribuir em uma melhor formação do leitor, e as HQs
são um exemplo disso.
4. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
As histórias em quadrinhos (HQs) são, segundo definição apresentada por Cirne
(2000, p. 23-24), “(...) uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes,
cortes estes que agenciam imagens rabiscadas, desenhadas, e/ou pintadas.”.
Além de, predominantemente, serem uma narrativa textual, as HQs também
podem apresentar sequências com características argumentativas (quando explica e
persuade o interlocutor, mostrando o ponto de vista do autor), e injuntivas (quando
indica como uma ação será realizada) utilizando uma linguagem simples e objetiva.
Há quem diga que tiveram início nas pinturas rupestres, e que na pré-história os
desenhos eram usados como forma de comunicação feita nas paredes. Alguns
estudiosos dizem que a primeira HQ a ser impressa foi uma história curta chamada de
M.” Vieux-Bois (O senhor Madeira-Velha), de Rudolph Tophffer em 1827. As falas
eram escritas no rodapé de cada quadro.
261
Fonte: Disponível em: http://blogdogutemberg.blogspot.com.br/2011/07/as-estampas-de-rudolph-topffer.html. Acesso
em: 18 out. 2015.
Porém, de acordo com Ianonne e Ianonne (1994), a primeira história em
quadrinhos a trazer as falas não mais no rodapé, mas junto ao corpo dos personagens
para exprimir o que eles diziam foi Yellow Kid (Menino Amarelo), desenhado em 1895,
por Richard Felton Outcault, e publicada semanalmente no jornal New York World.
Fonte: Disponível em: http://quadrinharia.blogspot.com.br/2012/04/como-comecaram-as-historias-em.html. Acesso em: 18 out.15.
Por causa de uma disputa entre imprensas, Outcault resolve sair da New York
World e vai para a New York Journal. E, em 25 de outubro de 1896, pela primeira vez
são usados balões para alocar as falas dos personagens. Fonte: Disponível em:
https://iconografico.wordpress.com/2012/02/25/os-baloes-de-yellow-kid/. Acesso em: 18 out.15.
262
Atualmente os balões não apresentam apenas as falas naturais dos personagens,
eles também indicam os pensamentos, a intensidade do que é dito, mostra se a fala é
direta ou se possui alguma barreira no som, ou se é feita por algum veículo de
comunicação.
Para cada intenção comunicativa do personagem existe um tipo de balão.
Vejamos os mais comuns:
Fonte: Disponível em: https://midiatividades.wordpress.com/2013/06/12/identificando-os-baloes-e-onomatopeias-2/. Acesso em: 29
ago.15.
Fonte: Disponível em: https://midiatividades.wordpress.com/2013/06/12/identificando-os-baloes-e-onomatopeias-2/. Acesso em: 29
ago.15
Outros recursos que também são usados para dar ideia de movimento e
sentimentos são as chamadas figuras cinéticas e as metáforas visuais, que são artifícios
que permitem o leitor compreender melhor a intenção do autor em cada quadrinho.
Segundo Vergueiro (2012, p.54):
263
Para dar a sensação de movimento, os desenhistas de HQ lançam mão das
figuras cinéticas, em que traços, linhas e repetições de imagens servem para
representar deslocamentos, oscilações e impactos.
Já as metáforas visuais atuam no sentido de expressar ideias e sentimentos,
reforçando, muitas vezes, o conteúdo verbal. Elas se constituem em signos ou
convenções gráficas que têm relação direta ou indireta com expressões do
senso comum, como, por exemplo, “ver estrelas”, “falar cobras e lagartos”,
“dormir como um tronco” etc. As metáforas visuais possibilitam um rápido
entendimento da ideia.
Exemplo:
Fonte: Disponível em: http://www.taringa.net/post/humor/11800433/Gaturro-10-tiras-comicas.html. Acesso em: 01
nov.15.
Pelo exemplo acima, é possível perceber que há traços que indicam movimento
de queda do Gaturro, e também estrelas para dá ideia de dor.
No que se refere às onomatopeias, seja imitando ou representando um som
fazendo uso de caracteres alfabéticos, a maioria vem do inglês. Esse recurso é
amplamente utilizado, variando de autor para autor, e de acordo com a compreensão que
se tem dos sons.
Exemplo 1:
264
Fonte: Disponível em: https://i.ytimg.com/vi/eePb52CYMLc/hqdefault.jpg. Acesso em:18 out.15.
Aqui temos as estrelas e traços próximos ao personagem Cebola representando a
dor; as nuvens direcionadas à Mônica dão a ideia de raiva; traços mais largos que
indicam direções; e, a expressão de batida PLOF, muito usada pelos autores de
quadrinhos brasileiros.
Exemplo 2:
Fonte: Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/-d-lfFA40rn0/T_-
aG3sGmOI/AAAAAAAAHzo/8aT02n2yK1I/s1600/amanhecendo_47.jpg. Acesso em: 18 out 15.
Neste exemplo, o autor usa “HA” para expressar o riso ou a gargalhada que
costumam usar na escrita em português. Observe no exemplo abaixo que para
representar a gargalhada em espanhol utilizam o “JA”, isso por causa do som que a letra
J tem nesse idioma.
265
Exemplo 3:
Fonte: Disponível em: http://weheartit.com/entry/group/22948815. Acesso em: 18 out 15.
4.1 Tipos de quadrinhos
Um fator muito importante que deve ser explanado aqui é sobre os tipos de
gêneros não verbais ou icônicos verbais parecidos com as HQs. Exemplos disso temos:
a caricatura, a charge, o cartum e as tiras. Para o cartunista Moretti em Mendonça
(2015, p.212), as diferenças existentes entre esses estilos são:
CARICATURA = deformação das características marcantes de uma
pessoa, animal, coisa ou fato.
CHARGE = quando um fato pode ser contado inteiramente numa forma
gráfica.
CARTUM = é uma forma de expressar ideias e opiniões, mas não faz
referência a nenhuma personalidade e é chamado de atemporal e
universal. Feito através de uma imagem ou uma sequência de imagens,
dentro de quadrinhos ou não, podendo ter balões ou legendas.
Exemplos dos estilos citados:
266
CARICATURA
Fonte: Disponível em: http://image.slidesharecdn.com/caricatura-110517154435-phpapp01/95/caricatura-7-
728.jpg?cb=1305647142. Acesso em: 16 out 15.
CHARGE
Fonte: Disponível em: http://bradanovic.blogspot.com.br/2013/01/ladrones-itinerantes-y-ladrones.html. Acesso em: 16 out
15.
267
CARTUM
Fonte: Disponível em: https://5ddigitalcomm.wordpress.com/2011/09/28/reflexiones-en-e-learning-%C2%BFpapa-que-usaban-
ustedes-en-la-escuela/. Acesso em: 18 out 15.
A diferença existente entre a Cartum e a HQ é a de que, apesar de nos dois ser
possível possuir um ou mais quadros com sequências narrativas, somente para a Cartum
essa sequência é opcional, visto que para as HQs a obrigatoriedade se dá por causa dos
personagens serem fixos.
No que se refere às Tiras, não comentadas anteriormente, elas são um subtipo de
HQ; mais curta (até 4 quadrinhos), sequenciais (narrativas maiores) ou fechadas (um
episódio por dia), e que, segundo Mendonça (2015, p. 214), podem ser dividias em dois
subtipos:
a) Tiras piada, em que o humor é obtido por meio das estratégias discursivas
utilizadas nas piadas de um modo geral, como a possibilidade de dupla
interpretação, sendo selecionada pelo autor a menos provável;
b) Tiras episódio, nas quais o humor é baseado especificamente no
desenvolvimento da temática numa determinada situação, de modo a
realçar as características das personagens.
Exemplo a:
268
Fonte: Disponível em: http://tatidelrio.blogspot.com.br/2011/06/mafalda-1.html. Acesso em: 14 set15.
Exemplo b:
Fonte: Disponível em: http://atravesdemirecuerdo.blogspot.com.br/2013_03_01_archive.html. Acesso em: 16 out 15.
5. HISTÓRIA EM QUADRINHO NA SALA DE AULA
Atualmente, as HQs estão presentes nas provas de Enem, nos vestibulares e até
nos livros didáticos. Mas, essa “boa” relação escola-quadrinhos é algo recente.
Durante muito tempo, as HQs eram rechaçadas pelos pais, professores e por boa
parte da sociedade. Isso ocorria devido a grande influencia que o gênero literário
americano exercia em todo o mundo.
Os quadrinhos, que semanalmente eram impressos nos jornais norte-americanos,
eram cômicos e com desenhos satíricos e caricaturados. Tinham como público alvo os
migrantes. Quando passaram a ser diários, o enfoque mudou para as famílias, animais
269
antropomórficos e figuras femininas. No entanto, essa tendência de publicar quadrinhos
em jornais para entreter toda a família se propagou pelo mundo.
No final dos anos 20 foram as histórias de aventuras com ar naturalista que
ganharam o público juvenil. Em seguida, com o fim da Segunda Guerra, vieram as
histórias de terror e suspense, o que levou os americanos a ficarem preocupados com a
influência desses gêneros sobre as crianças e adolescentes.
Tempos depois, um psiquiatra alemão chamado Frederic Werthan, baseado nos
pacientes que teve, lançou uma campanha contra os quadrinhos, alegando que as tiras
tinham um aspecto negativo e que deixavam os leitores juvenis com problemas
psicológicos.
E se antes já havia uma preocupação dos pais e educadores a respeito desses
quadrinhos, com a tal campanha do doutor Werthan, a situação agravou-se.
Em contrapartida, havia um grupo de editores que buscou defender as HQs,
parte porque não acreditavam nas acusações do psiquiatra, e parte por tentar defender a
indústria de revistinhas. Era a chamada Association of Comics Magazine.
Foi para garantir que as histórias em quadrinhos não iriam prejudicar o
desenvolvimento intelectual e moral dos jovens e adolescentes que essa associação
criou um código de conduta para os autores seguirem, e que dava um selo nas
publicações que cumprissem as normas contidas no Comics Code.
Se por um lado o nível das HQs, tido como negativamente influenciador,
acabou, por outro os quadrinhos passaram a ter um conteúdo sem muita criatividade e
sem nenhuma contribuição de aprimoramento intelectual. Esse desprestígio também
ocorreu em outros países.
De acordo com Vergueiro (2012, p.16),
Tinha como certo que sua leitura afastava as crianças de “objetivos mais
nobres” – como o conhecimento do “mundo dos livros” e o estudo de
“assuntos sérios” -, que causava prejuízos ao rendimento escolar e poderia,
inclusive, gerar consequências ainda mais aterradoras, como o embotamento
do raciocínio lógico, a dificuldade para apreensão de ideais abstratas e o
mergulho em um ambiente imaginativo prejudicial ao relacionamento social
e afetivo de seus leitores.
270
Com isso, a visão que a sociedade da época tinha sobre os quadrinhos era de um
tipo de leitura que desvirtuava do que de fato era importante para os jovens e crianças
aprenderem.
Somente com o desenvolvimento da tecnologia nos meios de comunicação, por
volta da década de 80, é que as famílias passaram a analisar mais o conteúdo do que
viam, ouviam e liam. E nesse momento de análises, as HQs tiveram sua chance de
mostrar que não representavam tanta ameaça assim, e que podiam contribuir
positivamente no âmbito da literatura narrativa para práticas pedagógicas.
Não que as HQs sejam totalmente aceitas ou vistas como algo instrutivo por
todos os pais, mas o fato de termos as tiras nas avaliações para o ensino superior, e de
virem ilustradas em alguns livros didáticos já contribui muito no ensino de leitura e
interpretação de textos em sala de aula.
Como explica Vergueiro (2012, p.20):
A inclusão efetiva das histórias em quadrinhos em materiais didáticos
começou tímida. Inicialmente, elas eram utilizadas para ilustrar aspectos das
matérias que antes eram explicados por um texto escrito. Nesse momento, as
HQs apareciam nos livros didáticos em quantidade bastante restrita, pois
ainda temia-se que sua inclusão pudesse ser objeto de resistência ao uso do
material por parte das escolas. (...)
(...) a proliferação de iniciativas certamente contribuiu para refinar o
processo, resultando, muitas vezes, em produtos bem satisfatórios.
Atualmente, é muito comum a publicação de livros didáticos, em
praticamente todas as áreas, que fazem farta utilização das histórias em
quadrinhos para transmissão de seu conteúdo.
Aproveitar o interesse que os jovens e adolescentes têm pelos quadrinhos para
ensinar a ler e compreender os textos em espanhol é algo que pode ser feito para tentar
manter a atenção e motivação em aprender uma segunda língua. Entretanto, a
compreensão textual é algo que muitos alunos, principalmente do nível médio de
escolas públicas, precisam desenvolver tanto para conseguirem fazer um bom processo
seletivo como para aprenderem, neste caso, a ler um texto em outra língua.
271
6. O ENSINO ESPANHOL UTILIZANDO AS HQs
A utilização das HQs em espanhol na sala de aula serve não só para trabalhar
vocabulários, conteúdos gramaticais, compreensão textual, expressões idiomáticas,
como também é possível trabalhar assuntos da atualidade, desenvolvendo a consciência
crítica e a fluência leitora em espanhol. Entretanto, para que o uso dos cómics seja
efetivo é preciso que o professor seja criativo para direcionar os quadrinhos de acordo
com os objetivos que quer atingir e de acordo com o público alvo.
Para o nível médio, - por se tratar de estudantes que estão saindo da adolescência
para a fase adulta, e por isso mais críticos e questionadores – o professor tem que tomar
cuidado com a linguagem verbal contida nas HQs que pretende levar para sala. Seja por
poder conter erros gramaticais, ou se o tema expresso manterá ou não a atenção, ou
ainda, se tem ou não alguma relevância na aprendizagem.
É válido ter em mente que os propósitos da utilização dos quadrinhos em
espanhol são o incentivo à leitura, dinamismo da aula e a possibilidade de desenvolver a
visão crítica dos alunos, visto que terão que associar a linguagem verbal (parte escrita)
com linguagem não verbal (imagens, símbolos, expressões faciais, etc.) para
compreender o que o autor quis dizer. Para Barbieri Durão (2003, p.1),
(...) al exponer los aprendices de español a ese género textual, de una forma
pedagógicamente planeada, ellos no solamente los leerán de un modo más
productivo, sino que también tendrán acceso a un input que fomentará su
interlengua en construcción en ese idioma de una forma motivadora y
agradable.
A linguagem verbal e a não verbal contidas nos quadrinhos formam um sistema
narrativo que faz com que a mensagem seja mais facilmente entendida. Vergueiro
(2012, p. 32 e 35) a respeito disso nas HQs fala,
Linguagem Verbal – (...) A fim de integrar a linguagem verbal à figuração
narrativa, os quadrinhos desenvolveram diversas convenções específicas à sua
linguagem, que comunicam instantaneamente ao leitor o “status” do enunciado
verbal.
272
Linguagem Não Verbal (icônica) – A imagem desenhada é o elemento básico
das histórias em quadrinhos. Ele se apresenta como uma sequência de quadros
que trazem uma mensagem ao leitor, normalmente uma narrativa, seja ela
ficcional (um conto de fadas, uma história infantil, a aventura de um super-
herói etc.) ou real (o relato sobre fatos ou acontecimentos, a biografia de um
personagem ilustre etc.).
As revistinhas em quadrinhos, também chamadas de gibis aqui no Brasil, no
mundo hispanohablante elas possuem nomes diferentes. Por exemplo:
México = mono ou monitos
Cuba = muñequitos
España = tebeos
Venezuela = comiquitas
Otros países hipanoamericanos = historietas.
E como exemplos de HQs famosas e de origem hispânicas temos:
- MEMIN PINGUIN (1945 – México), de Yolanda Vargas Dulché;
- CONDORITO (1949 – Chile), de René Rios Boettiger, conhecido como Pepo;
- MORTADELO Y FILEMON (1958, Espanha), de Francisco Ibáñez Talavera;
- MAFALDA (1964 - Argentina), de Joaquín Salvador Lavado, conhecido como
Quino;
- TUREY EL TAÍNO (1989 – Porto Rico), de Ricardo Álvarez Rivón.
- GATURRO (1997 – Argentina), de Cristian Dzwonik, conhecido como Nik;
Algumas historinhas possuem repertórios críticos-sociais, seja sobre o país de
origem, ou problemas existentes no mundo, outros buscam tratar de situações do
cotidiano, mas o interessante é poder trabalhar a exploração da produção de sentidos
sobre o que encontram nos quadrinhos. Fazer os alunos pensarem sobre o que veem.
273
Instigar a associação da linguagem verbal com a não verbal presentes nas HQs. Além é
claro, de poder trabalhar conteúdos gramaticais de forma contextualizada e lúdica.
Como disse Mendonça (2015, p. 219 apud Possenti 1998, p.46), “Qualquer que seja o
tópico (...), o que faz com que uma piada seja uma piada não é seu tema, sua conclusão
sobre o tema, mas uma certa maneira de apresentar tal tema ou uma tese sobre tal tema.”
7. ASSOCIANDO LINGUAGEM VERBAL COM A LINGUAGEM NÃO VERBAL
A ideia central do presente artigo veio do interesse em verificar se alunos do
ensino médio de uma escola pública estadual, localizada em São Cristóvão, Sergipe,
conseguiriam compreender todo o conteúdo existente em quadrinhos em espanhol que
lhes foram apresentados.
Tais quadrinhos foram escolhidos especialmente com a intenção de instigar os
alunos a fazerem uma leitura mais detalhada das imagens, de trabalhar a visão crítica ao
ler os balões de fala e interpretar as expressões faciais dos personagens através de
perguntas elaboradas para esse fim.
Foram entregues atividades para os alunos do 2º ano do nível médio, com tiras e
questões interpretativas.
Exemplo 1:
Fonte: Disponível em: http://infogayarul.blogspot.com.br/2013/02/blog-post.html. Acesso em: 13 set.15.
Questão 1: Descreva o que a mãe vê no primeiro quadro e qual foi o resultado
ilustrado no segundo.
274
Aqui temos uma pergunta que trabalha a análise da linguagem não verbal. E
apesar de conter uma pergunta discursiva, sua resposta exige apenas o reconhecimento
do conteúdo dos quadros através de uma observação detalhada.
Expectativa de resposta: A mãe vê a sujeira e a bagunça, e logo PENSA em
castigar o filho.
Entretanto, quando não há uma análise dos detalhes em tiras onde não existe
fala, o que acontece é obter respostas parecidas com os exemplos abaixo, tirados da
turma trabalhada.
Aluno A: “Ela “ver” a maior “bagunsa” no sofá e começa a gritar com seu
filho e até bater e bate.”.
Aluno B: “Muita sujeira mãe grita com ele esgana e da com o livro na cabeça
dele.”.
Em ambos os casos o ato de PENSAR, indicado pelo balão com bolinhas em
direção à cabeça da mãe, é trocado pelo ato de GRITAR com o filho. Isso pode ter
ocorrido devido à falta de atenção com o detalhe do balão de pensamento ou ao
desconhecimento dessa característica.
Um exemplo de que a falta de atenção pode prejudicar a interpretação da tira
está nas respostas do aluno C, quando são comparadas as questões 1 e 3 no que se refere
aos balões de fala.
Aluno C: “Ver” muita sujeira e bagunça. No segundo ela pensando em bater,
gritar com ele.
Questão 3: Diante da reclamação da mãe, o homem
a) mandou o filho parecer surpreso.
b) aconselhou sua mulher a parecer surpresa.
c) pensou que era melhor ele fazer cara de surpresa.
d) ficou surpreso com a queixa da mulher.
275
Expectativa de resposta: Letra C, porque o balão indica que não se trata de um
discurso direto, mas sim de um pensamento do pai.
Resposta do Aluno C: Letra B
Aqui a falta de atenção não foi somente quanto ao balão de fala dele, mas
também ao gênero do particípio SORPRENDIDO e da conjugação do verbo
INTENTAR, que está na segunda pessoa imperativo afirmativo (intenta tú), pois o
personagem está falando consigo mesmo, como um auto conselho.
Exemplo 2:
Diez años con Mafalda. QUINO , LUMEN,
2008
Questão 1: O que você acha que pode significar o termo
“DESPOTRICANDO”, usado por Susanita no segundo quadro?
Neste exemplo a ideia foi trabalhar a linguagem verbal fazendo com que os
alunos tentassem traduzir um termo, até então desconhecido por eles, usando o contexto
da fala da personagem Susanita.
A palavra “DESPOTRICANDO”, de acordo com o dicionário SEÑAS (2010),
significa: des-po-tri-car intr. fam. Protestar o hablar sin conderación ni cuidado. No
entanto, nesse contexto, respostas como: lutar contra, dizer ser contra, debater contra,
discursar contra também foram tomadas como certas.
276
Questão 4: O que aconteceu no último quadro? E por quê?
Nesta questão, a maioria dos alunos respondeu que foi Mafalda que jogou a
lixeira em Susanita ignorando a linguagem verbal. Entretanto, aqui é fundamental
analisar não só a linguagem não verbal, mas também, a linguagem verbal contida na tira
para responder de forma mais precisa.
Os detalhes que merecem ser observados são:
1- Susanita pergunta o que houve com o pai de Mafalda, o que demonstra uma
surpresa com alguma ação dele e não da filha;
2- Mafalda está olhando na direção do seu pai;
3- A lixeira, que está na cabeça de Susanita, é a mesma que estava antes próxima
ao pai de Mafalda, que estava ouvindo a conversa das meninas.
Exemplo 3:
Diez años con Mafalda. QUINO , LUMEN, 2008
Questão 3: De acordo com a descoberta de Mafalda, para você, existe
DEMOCRACIA no Brasil? Por quê?
Para responder esta pergunta é necessário compreender o que aconteceu no
quadro 1, além de ter uma certa visão crítica a respeito da realidade brasileira.
As respostas ficaram divididas nesta questão. A metade que disse que NÂO
existe democracia no Brasil, explicou que o povo brasileiro não tem voz ou que seus
277
direitos não são garantidos. Já a outra metade, afirmou que EXISTE democracia no
Brasil porque as pessoas ainda votam, elas têm livre arbítrio, e podem opinar sobre
várias coisas.
Neste caso, o que implica para ter uma resposta certa ou não é o nível de
informação, de compreensão de mundo, além é claro, da análise do quadrinho.
A tira mostra Mafalda vendo o significado da palavra DEMOCRACIA no
dicionário, e logo em seguida, ela tem uma crise de riso como se tivesse lido uma piada.
E para que um tema sério vire piada, ou é uma realidade que foge do normal, ou não é
algo real como é o caso na visão de Mafalda.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com quadrinhos em espanhol na sala de aula ajuda na aprendizagem
da língua estrangeira, visto que, este gênero já é muito conhecido pelo público
infantojuvenil. E fazer uso desta ferramenta para despertar o interesse pela leitura, além
de desenvolver uma visão crítica com a interpretação das HQs, este trabalho pode
estimular o aluno a querer aprimorar as outras habilidades.
Os estudos feitos neste artigo revelam que os alunos, em sua maioria, não
tiveram dificuldades com vocabulário da língua espanhola, mas sim na falta de atenção
em observar os quadrinhos como um todo, e que por isso, muitas vezes, erravam as
questões por interpretar somente o que estava escrito nos balões não se atentando para
as expressões ou para os detalhes que por vezes davam o sentido real que o autor quis
passar.
É provável que esse fato tenha acontecido devido ao costume da não observação
desses detalhes nos quadrinhos em português. Talvez por ser um gênero de leitura
rápida, talvez por estarmos em uma era onde tudo é imediato, desde os programas de
computador ao fast food na hora do almoço. Olhar detalhes para obter uma resposta
pode ser uma perda de tempo para os jovens e adolescentes que andam sempre com
pressa. No entanto, se os professores não tentarem trabalhar essa observação mais
detalhada nos assuntos, sejam didáticos ou da sociedade, essa geração da internet vai
passar pela vida sem se dar conta do que acontece ao seu redor.
278
Sendo assim, o professor pode manter o uso das HQs no ensino de leitura do
espanhol, mas buscando sempre fazer com que os alunos analisem melhor cada quadro e
façam uma interpretação mais apurada do que leem. Ensinar não somente o idioma, mas
também, preparar, com isso, os alunos para serem leitores mais críticos. Leitores não
somente de textos escritos como também do meio em que estiverem inseridos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Básica (2006). Orientações Curriculares para o
Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC.
KLEIMAN, Angela (2013). Texto & Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. São
Paulo: Pontes.
MARCUSCHI, L. A. (2015). Gêneros textuais: definição e funcionalidade. Em:
DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA M. A. (Orgs.). Gêneros textuais &
ensino. p. 19-38. São Paulo: Parábola.
MARTINS, Maria Helena (1997). O que é Leitura. Campinas - SP: Brasiliense.
MENDONÇA, Maria Rodrigues de Souza (2015). Um gênero quadro a quadro: a
história em quadrinhos. Em: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA M. A.
(Orgs.), p. 209-224. Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola.
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/. Acessado em 26/10/2015.
VERGUEIRO, Waldomiro (2012a). Uso das HQs no ensino. Em: RAMA, A.;
VERGUEIRO, W. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula, p. 07-
31. São Paulo: Contexto.
________ (2012b). A linguagem dos quadrinhos: uma “alfabetização” necessária.
Em: RAMA, A.; VERGUEIRO, W. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na
sala de aula, p. 31-65. São Paulo: Contexto.
279
O ENSINO DE ESPANHOL E O AUXÍLIO DOS
DICIONÁRIOS
Laura Campos de Borba (UFRGS)91
Introdução
No Brasil, dentre os componentes curriculares presentes na Educação Básica,
estão as línguas estrangeiras. No tocante à disciplina de Língua Espanhola, mais
especificamente, sua oferta é obrigatória somente no Ensino Médio92
. Para o professor
de espanhol que atua no Ensino Médio, existem determinadas orientações que advêm do
Ministério da Educação, por um lado, e da própria instituição onde atua, por outro. O
Ministério da Educação fornece orientações através dos Parâmetros Curriculares
Nacionais: Ensino Médio (PCNEM, 2000) e do seu documento complementar (PCN+,
2002). Uma das principais diretrizes presentes nesses documentos diz respeito ao ensino
de língua estrangeira através de uma perspectiva comunicativa. Segundo os PCNEM
(2000), através das aulas de língua (tanto materna como estrangeira), os alunos
deveriam desenvolver uma competência comunicativa, ou seja, deveriam “saber utilizar
a língua, em situações subjetivas e/ou objetivas que exijam graus de distanciamento e
reflexão sobre contextos e estatutos de interlocutores” (PCNEM, 2000, p. 11). Em
outras palavras, o ensino de línguas deveria proporcionar o contato não apenas com os
recursos linguísticos dessas línguas, mas também com distintos contextos de produção
de enunciados, levando em conta seus participantes (interlocutores).
Por outro lado, a instituição de ensino na qual o professor está inserido fornece
orientações através do seu projeto político-pedagógico, previsto pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB). Dentre os elementos constituintes de um projeto,
está prevista uma relação de conteúdos curriculares, distribuídos entre as distintas etapas
(1º, 2º e 3º anos, no caso do Ensino Médio).
91
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS. Bolsista de Mestrado CNPq. 92
Ainda que o ensino de espanhol na Educação Básica esteja previsto desde o 3º e o 4º ciclos do Ensino
Fundamental, a oferta da disciplina é de caráter facultativo nessas etapas. Em relação ao Ensino Médio,
por outro lado, a Lei Federal nº 11.161, de 05 de agosto de 2005, estipula que a oferta da disciplina deve
ser obrigatória, tanto nas instituições públicas como nas privadas.
280
Considerando o exposto acima, é possível afirmar que o professor de língua está
incumbido da tarefa de ensinar uma determinada relação de conteúdos no marco de uma
perspectiva comunicativa. Para viabilizar a execução dessa tarefa, existem determinados
materiais didáticos, tais como os dicionários, que são potenciais ferramentas de auxílio
ao professor de espanhol. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar o potencial
de eficiência que os dicionários de espanhol93
possuem como instrumentos mediadores
entre os conteúdos que o professor de espanhol precisa trabalhar em sala de aula e a
abordagem comunicativa. Para cumprir com o objetivo estabelecido, primeiramente,
serão analisados os documentos oficiais mencionados (PCNEM (2000) e PCN+ (2002))
a fim de analisar as orientações previstas a respeito do emprego de dicionários no
planejamento das aulas de espanhol. Nessa mesma oportunidade, serão comentados
ainda os resultados de uma busca por trabalhos acadêmicos que relacionam o emprego
de dicionários de espanhol em situações de ensino-aprendizagem. Em segundo lugar,
serão arroladas as funções comunicativas relacionadas ao ensino-aprendizagem de
espanhol como língua estrangeira, bem como os conteúdos (os recursos linguísticos,
mais especificamente) atrelados a essas funções. Em terceiro lugar, será apresentado um
estudo que estabelece uma relação entre classes de dicionários e níveis de aprendizagem
de espanhol, juntamente com uma proposta de panorama da lexicografia hispânica. Por
fim, em quarto lugar, será avaliado o tratamento atribuído a tais conteúdos por
dicionários monolíngues para falantes de espanhol.
1 Relação entre os PCNEM (2000) e PCN+ (2002) e o emprego de dicionários
Como mencionado acima, o dicionário é um instrumento passível de auxiliar o
professor de espanhol (cf. seção 4 para mais detalhes). Por sua vez, o professor que atua
na Educação Básica e que deseja empregar dicionários de língua espanhola para auxiliá-
lo no planejamento de suas aulas poderia recorrer aos PCNEM (2000) e aos PCN+
(2002) em busca de orientações.
Em primeiro lugar, é necessário salientar que, nos documentos analisados, há
poucas menções aos dicionários nas seções que se dedicam às línguas estrangeiras. Isso
significa que o emprego do dicionário como instrumento auxiliar nas práticas de ensino
de língua estrangeira (dentre as quais se inclui o ensino de ELE) ainda é pouco
93
Conforme será explicitado na seção 3, neste trabalho, para fins de análise, consideraremos os
dicionários monolíngues voltados para falantes de espanhol.
281
explorado. Os PCNEM (2000) não apresentam nenhuma menção aos dicionários. Já os
PNC+ (2002), por outro lado, na condição de documento complementar aos PCNEM
(2000), ressaltam a importância do dicionário na prática docente em língua estrangeira.
No tocante à metodologia de ensino, o dicionário é mencionado como um instrumento
cuja familiaridade, “dentro e fora da sala de aula, é importante subproduto do
desenvolvimento do repertório vocabular” (PCN+, 2002, p. 105). Conforme o
documento, o professor deve planejar suas aulas de modo a propiciar aos alunos
atividades que envolvam:
a busca de palavras no dicionário e a escolha do sentido mais
adequado a cada contexto entre as diferentes acepções;
a busca, a partir de uma palavra em português, de seu significado mais
adequado, em língua estrangeira;
o desenvolvimento de técnicas de tradução e versão, partindo de
palavras-chave e de palavras-ferramenta (verbos, substantivos,
conjunções);
os diversos modos de, no dicionário bilíngüe, acessar phrasal verbs,
expressões idiomáticas, gírias, entre outros
a mobilização da competência de decodificação dos verbetes –
abreviações, símbolos fonéticos, palavras de uso específico,
distribuição das palavras e expressões por ordem alfabética na
descrição das acepções;
outras informações culturais ligadas à língua estrangeira que o
dicionário pode trazer (PCN+, 2002, p. 105).
Tais atividades podem ser resumidas em: a) busca de significados; b) tradução; c)
metodologias de busca e interpretação de informações; e d) aspectos culturais da língua
(tópico não muito bem aclarado pelo documento). Curiosamente, não se menciona a
possibilidade de propor atividades que ensinem aos alunos que o dicionário também
pode ajudar em relação aos recursos linguísticos atrelados a uma determinada função
comunicativa. Por exemplo: ao tratar da função comunicativa expressar desejos através
da expressão tener ganas, o professor pode ensinar aos alunos o comportamento do
substantivo ganas em relação ao número – já que se trata de uma unidade léxica usada
mais no plural. Nesse exemplo (o qual será tratado com mais detalhes na seção 4),
entender o comportamento da unidade léxica ganas em relação ao número é
fundamental para o uso adequado da expressão tener ganas em uma situação
comunicativa que requeira a função expressar desejos. Em suma, a busca e a
interpretação de informações relacionadas ao uso de recursos linguísticos consiste em
uma proposta de atividade com dicionários tão fundamental quanto a busca de
significados, por exemplo.
282
Ademais de organizar atividades que envolvam o uso de uma obra lexicográfica
em sala de aula, o professor pode, por outro lado, se beneficiar das informações contidas
em um dicionário para planejar uma aula que requeira uma explicação mais acurada
sobre o comportamento de uma determinada unidade léxica. No já citado caso de ganas,
o professor poderia elucidar aos alunos a particularidade morfológica manifestada por
essa unidade.
Em segundo lugar, cabe observar que as menções em relação ao emprego de
dicionários, além de poucas, são também pouco aclaradoras. Por um lado, é necessário
considerar que não restam dúvidas de que o dicionário deve ser um material presente
durante o planejamento das aulas e na sala de aula. Na seção dedicada às orientações
sobre avaliação, os PCN+ (2002, p. 127) ressaltam que “fazer uso adequado do
dicionário e de outras fontes de consulta” forma parte das competências e habilidades a
serem avaliadas nas disciplinas de língua estrangeira. No entanto, por outro lado, o
documento carece de uma explanação mais aprofundada a respeito de como os
dicionários podem ser inseridos no ensino comunicativo; ou seja, faltam orientações que
relacionem o emprego dos dicionários ao ensino das diferentes funções comunicativas
em língua estrangeira. No que concerne às próprias funções comunicativas, os PCN+
(2002, p. 109) listam exemplos de funções, mas não oferecem maiores comentários a
respeito de cada uma, tampouco discriminam a etapa em que precisam ser ensinadas (1º,
2º ou 3º ano do Ensino Médio).
Apesar dos estímulos provenientes dos PCNEM (2000) e dos PCN+ (2002) em
relação a uma reforma na educação brasileira (através da proposta de uma nova
abordagem de ensino e de novas práticas pedagógicas), faltam ainda orientações ao
professor no que diz respeito à sistematização e à aplicação das novas propostas94
.
Cabe salientar ainda que a carência de orientações mais claras em relação ao
emprego de dicionários no ensino de ELE não é exclusiva dos PCNEM (2000) e do
PCN+ (2002). No âmbito acadêmico, são poucos os estudos que relacionam dicionários
de espanhol a situações de ensino-aprendizagem de espanhol como língua estrangeira
(doravante ELE). Prova disso é a carência de publicações sobre o tema em alguns dos
grandes veículos internacionais de divulgação da produção científica, tais como: as atas
da European Association for Lexicography (EURALEX); o International Journal of
94
Não se pode deixar de mencionar também a proposta realizada através da Nova Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), a qual poderia auxiliar o professor de maneira mais efetiva na organização do
currículo e no planejamento das aulas da Educação Básica. No entanto, por estar em fase de elaboração,
não a consideramos neste trabalho.
283
Lexicography (IJL); e as atas da Asociación para la Enseñanza del Español como
Lengua Extranjera (ASELE). Ao analisarem-se as publicações do período
compreendido entre 2000 e 2015, percebe-se, primeiramente, que, nas atas da
EURALEX, há apenas uma contribuição95
. No IJL, por sua vez, não há nenhuma. As
atas da ASELE, por outro lado, apresentam algumas produções sobre o tema; entretanto,
a maior parte das publicações não especifica o nível de aprendizagem dos estudantes de
ELE ao qual suas propostas estão destinadas96
.
A nível nacional, um dos principais veículos de divulgação da produção
científica na área de lexicografia é o Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos
(ABEH). Contudo, no período 2000-2015, foi publicado apenas um trabalho que
relacionava dicionários de espanhol ao ensino de ELE97
.
Para demonstrar como o dicionário poderia ser inserido em um contexto de
ensino de ELE com viés comunicativo, na próxima seção será apresentada uma proposta
de sistematização da abordagem comunicativa.
2 Proposta de ensino de ELE sob a perspectiva comunicativa: o Plan Curricular del
Instituto Cervantes
No âmbito do ensino-aprendizagem de espanhol, existe um documento
direcionado ao ensino de ELE em contexto europeu. Trata-se do Plan Curricular del
Instituto Cervantes (PCIC, 2006). Esse documento consiste na aplicação das diretrizes
contidas no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL, 2001)
em relação ao ensino de ELE. O QECRL (2001), por sua vez, propõe uma escala de
níveis de referência para a proficiência em línguas estrangeiras, organizada em níveis
elementares (A1-A2), níveis independentes (B1-B2) e níveis proficientes (C1-C2).
Além da escala de níveis (composta, ainda, por uma série de descritores relacionados às
habilidades de compreensão e produção), o QECRL (2001) propõe uma abordagem de
ensino comunicativa, com enfoque para a ação através de meios linguísticos. Forma
95
Trata-se de Alonso Ramos (2008), a qual apresenta um estudo de caso sobre o uso de um dicionário de
colocações por aprendizes de ELE. 96
A única exceção é Borden et al. (2004), proposta que consiste em um conjunto de seis atividades a
serem subsidiadas por dicionários de espanhol. Os autores assinalam o(s) nível(is) de proficiência de cada
atividade utilizando a escala inicial/intermediário/avançado. 97
Trata-se de Izquierdo (2013), que contém uma proposta de ensino-aprendizagem de espanhol coloquial
na aula de ELE com o auxílio de dicionários.
284
parte desses meios a competência linguística98
, a qual diz respeito à língua como
sistema e compreende os âmbitos lexical, gramatical, semântico, fonológico, ortográfico
e ortoépico. É possível estabelecer uma relação de convergência entre os elementos que
constituem a competência linguística e os elementos denominados pelos PCNEM
(2002) e PCN+ (2002) recursos linguísticos.
No que concerne ao PCIC (2006), propõe-se uma correspondência entre as
orientações contidas no QECRL (2001) e a língua espanhola. Os níveis da escala são
mantidos, sendo chamados, em espanhol, de niveles iniciales (A1-A2), niveles
avanzados (B1-B2) e niveles superiores (C1-C2). Para fazer referência a esses níveis,
será utilizada uma tradução ao português, resultando em níveis iniciais, avançados e
superiores (tradução nossa).
O PCIC (2006) estrutura-se em cinco grandes componentes, aos quais
correspondem um ou mais inventários de itens, distribuídos entre os diferentes níveis de
referência:
a) Componente gramatical (competência linguística). Inventários: gramática;
pronúncia e prosódia; ortografia.
b) Componente pragmático-discursivo (competência pragmática). Inventários:
funções; táticas e estratégias pragmáticas; gêneros discursivos e produtos
textuais.
c) Componente nocional (competência linguística). Inventários: noções gerais;
noções específicas.
d) Componente cultural (competência sociolinguística). Inventários: referentes
culturais; saberes e comportamentos socioculturais; habilidades e atitudes
interculturais.
e) Componente de aprendizagem (com procedimentos de autoavaliação por parte
do estudante sobre o seu próprio processo de ensino-aprendizagem).
Em função dos distintos componentes e inventários de itens, o PCIC (2006) pode ser
considerado como um documento poliédrico –e, dessa forma, passível de ser analisado a
partir de diferentes perspectivas. Embora o documento não estabeleça uma
correspondência direta entre os inventários, é possível relacioná-los, por exemplo, da
seguinte maneira: gêneros discursivos e produtos textuais > funções > gramática. Para
98
Além da competência linguística, compõem os meios linguísticos as competências sociolinguística e
pragmática. A competência sociolinguística contempla os marcadores linguísticos de relações sociais, as
normas de cortesia, as expressões de sabedoria popular, as diferenças de registro, o dialeto e o acento. Já a
competência pragmática se subdivide em competência discursiva e competência funcional.
285
realizar uma tarefa através do uso da língua, é necessário estabelecer, primeiramente,
qual função (i. e., função comunicativa) se deseja executar. No PCIC (2006), o
inventário de funções está organizado através de 6 funções principais (às quais pode-se
chamar “macrofunções”): 1) dar e pedir informação; 2) expressar opiniões, atitudes e
conhecimentos; 3) expressar gostos, desejos e sentimentos; 4) influir no interlocutor; 5)
relacionar-se socialmente; e 6) estruturar o discurso. Tomemos como exemplo a
função de pedir informação, inserida na macrofunção dar e pedir informação. Para
executá-la, é necessário o emprego adequado de recursos linguísticos (presente do
indicativo, por exemplo), os quais aparecem organizados no inventário de gramática.
Por outro lado, tanto a função como os recursos linguísticos a ela atrelados são
produzidos através de um determinado gênero do discurso (conversas informais cara a
cara, por exemplo).
A partir da correlação proposta acima (gêneros discursivos, funções
comunicativas e recursos linguísticos), é possível estabelecer como um dicionário se
insere no ensino com viés comunicativo. O dicionário, na condição de material didático
de referência, pode ser empregado para auxiliar no tocante ao uso adequado de recursos
linguísticos para executar uma determinada função comunicativa, produzida em um
determinado gênero discursivo.
Após apresentar o PCIC (2006) como documento que orienta o ensino
comunicativo de ELE e ilustrar como o dicionário pode inserir-se nesse contexto de
ensino, a próxima etapa apontará quais classes de dicionários de espanhol existem na
lexicografia hispânica e qual a sua possível relação com o perfil do professor de ELE.
3 Panorama dos dicionários de língua espanhola
Os dicionários da lexicografia hispânica estão divididos, grosso modo, em três
grandes classes: monolíngues para falantes nativos99
, monolíngues para aprendizes e
bilíngues. É possível estabelecer uma relação entre essas três classes de dicionários e os
diferentes níveis de aprendizagem de espanhol contidos no PCIC (2006). Farias (2011),
por exemplo, propõe essa correlação, relacionando os dicionários bilíngues aos níveis
iniciais (A1-A2), os dicionários monolíngues para aprendizes aos níveis avançados (B1-
B2) e os dicionários monolíngues para falantes nativos aos níveis superiores (C1-C2). O
99
Para fins deste trabalho, será empregada a distinção falantes nativos, pois a mesma reflete o público-
alvo almejado pelos dicionários dessa classe (falantes de espanhol como língua materna).
286
objetivo da autora é apontar que classes de dicionários de espanhol os aprendizes
brasileiros de diferentes níveis têm à sua disposição. Além de correlacionar classes de
dicionários e níveis de aprendizagem, Farias (2011) aponta também as limitações de
alguns dicionários disponíveis no Brasil.
Em primeiro lugar, os dicionários bilíngues se dividem entre os que se propõem
a auxiliar em tarefas de compreensão linguística (dicionários espanhol-português), por
um lado, e aqueles que se propõem a auxiliar em tarefas de produção (dicionários
português-espanhol). No entanto, consulentes de níveis iniciais de aprendizagem de
ELE poderão se beneficiar pouco dos dicionários bilíngues disponíveis no Brasil. A
razão apontada pela autora é a de que, em geral, essas obras não são claras ao tratar, por
exemplo, das equivalências e das informações gramaticais.
Em segundo lugar, os dicionários monolíngues para aprendizes estão disponíveis
em número consideravelmente limitado. No Brasil, é possível citar dois exemplos: o
Diccionario Salamanca de la Lengua Española (DSLE, 1996), para os estudantes de
ELE de um modo geral, e o Señas: diccionario para la enseñanza de la lengua
española para brasileños (DSELE, 2002), para os estudantes brasileiros de ELE.
Ambas as obras, sendo voltadas para estudantes de ELE, deveriam auxiliá-los tanto nas
atividades de compreensão e produção linguística como também através da oferta de
condições para que alcancem autonomia no seu processo de ensino-aprendizagem
(BUGUEÑO MIRANDA, 2006). Entretanto, algumas análises realizadas demonstram
que esse auxílio é consideravelmente deficitário (cf. FARIAS (2011) e BUGUEÑO
MIRANDA (2006) para maiores detalhes). Alguns dos principais problemas
encontrados, e que são comuns às duas obras, estão relacionados à apresentação de
definições confusas (que dificultam as atividades de compreensão) e à falta de clareza
no tratamento das informações sintáticas (que dificulta as atividades de produção). Estes
problemas afetam diretamente o exercício da autonomia no ensino-aprendizagem, na
medida em que não oferecem ao estudante as condições necessárias para que alcance as
respostas que precisa de maneira independente. Em suma, tanto o DSLE (1996) como o
DSELE (2002) não são obras capazes de auxiliar o estudante de ELE durante seu
processo de ensino-aprendizagem do espanhol.
Em terceiro lugar, Farias (2011) explicita que os dicionários monolíngues para
falantes nativos seriam as obras mais indicadas para os estudantes de ELE que já
possuem um grau considerável de proficiência em língua espanhola – ou, em outras
palavras, indivíduos que já estão em níveis avançados ou superiores. É sob esse perfil
287
que se enquadrariam os professores de ELE licenciados em Letras-espanhol, na medida
em que possuem uma formação no Ensino Superior em língua espanhola (a qual poder-
se-ia considerar como mais avançada). Em razão de sua formação, esses professores
poderiam estar aptos a empregar dicionários monolíngues para falantes nativos durante
o planejamento de suas aulas.
Outro aspecto a se observar em relação aos dicionários monolíngues para
falantes nativos é a sua notável presença na lexicografia hispânica. É possível ter uma
noção mais ou menos aproximada dessa quantidade ao observar os resultados de uma
pesquisa acadêmica coordenada por Eres Fernández (2012), que trata da disponibilidade
de dicionários no mercado brasileiro. De acordo com os resultados apontados, há 252
dicionários espanhol disponíveis em nosso mercado. Ao analisar e filtrar esses dados,
observa-se que, desse total, 203 obras são dicionários de língua; o restante é composto
de dicionários terminológicos100
, títulos repetidos e outras obras cujo título não permitiu
aferir se eram dicionários ou não101
. A partir dessa filtragem, verificou-se que mais da
metade das obras listadas, (62,56% do total) eram dicionários monolíngues para falantes
nativos, seguidos dos dicionários bilíngues (34,48%) e dos dicionários monolíngues
para aprendizes (2,95%).
Os dicionários de espanhol monolíngues para falantes nativos foram alvo ainda
de estudos tais como o de Haensch e Omeñaca (2004), quem propõem uma classificação
de dicionários de língua espanhola. As classes e subclasses expostas são introduzidas
por um comentário breve e exemplificadas exaustivamente através de uma lista de obras
de referência correspondentes. No entanto, salienta-se que, por um lado, a densidade de
informações em Haensch e Omeñaca (2004) nem sempre favorece uma compreensão
global das obras de Lexicografia Hispânica listadas. Por outro lado, a exposição feita
pelos autores não oferece subsídios suficientes e que se possam aproveitar para a
avaliação de dicionários de espanhol do ponto de vista do ensino de ELE.
Além de Haensch e Omeñaca (2004), há outros trabalhos acadêmicos que tratam
dos dicionários monolíngues para falantes nativos. Alguns exemplos são Bugueño
Miranda e Borba (2015) e Borba (2014). Em Bugueño Miranda e Borba (2015),
sugerem-se como potenciais ferramentas de auxílio ao estudante brasileiro de espanhol
100
O Diccionario de Climatología (DC, 1998) é um dos dicionários terminológicos presentes nos
resultados. 101
A obra De uma a cuatro lenguas (SCHMIDELY, 2001) é um exemplo desse tipo de resultado.
288
algumas das classes de dicionários para falantes nativos, tais como os dicionários gerais
de língua, e os dicionários de uso.
Em Borba (2014), por outro lado, é feita uma breve tentativa de classificação dos
dicionários de língua espanhola102
. Neste trabalho, apresenta-se um panorama de
dicionários monolíngues para falantes nativos, o qual é fruto da aplicação da proposta
de classificação de dicionários de Bugueño Miranda (2014) sobre os dicionários
monolíngues de espanhol. A Figura 1, na página a seguir, reproduz este panorama:
Figura 1 – Panorama da Lexicografia Hispânica (BORBA, 2014, p. 31)
Seguindo a proposta de Bugueño Miranda (2014), o panorama foi gerado sob um
modelo taxonômico de classificação. Isso significa dizer que o panorama se estrutura a
partir de um sistema de critérios, organizados a partir dos mais gerais aos mais
específicos através de ramificações. Tais critérios são, por um lado, de caráter
102
Dita proposta possui um caráter reduzido. Atualmente, estuda-se a possibilidade de ampliação do
panorama, atentando para obras disponíveis na internet. Além disso, existe a necessidade de atualização
do panorama, pois algumas obras incluídas já possuem edições mais recentes. Em vista desse cenário,
uma das propostas de nosso Projeto de Dissertação de Mestrado é elaborar um panorama da lexicografia
hispânica mais ampliado e atualizado.
289
linguístico, por considerarem os seguintes parâmetros de imanência linguística: a) o
número de línguas (monolíngue / bilíngue); b) a forma de organização das palavras no
discurso (discurso livre / discurso repetido); c) a ênfase informativa, sob a perspectiva
do signo linguístico (plano do significante / plano do significado); d) a perspectiva do
ato da comunicação (semasiologia / onomasiologia); e e) a concepção diassistêmica da
linguagem (representação do léxico diassistemicamente inclusivo / representação do
léxico diassistemicamente restritivo)103
. Por outro lado, há também critérios de caráter
funcional, por considerar-se a função de ensino-aprendizagem (eixo diapragmático) e a
existência de distintas competências e tarefas segundo o público-alvo (falantes nativos /
falantes não-nativos).
Cada ramificação possui, em sua extremidade, os dicionários que obedecem à
somatória de critérios antecedentes. A obediência a esses critérios constitui um pré-
requisito para a inclusão de uma obra no panorama. Por essa razão, uma classificação de
viés taxonômico, como é o caso do panorama, possui caráter seletivo. Por exemplo:
para que um dicionário seja incluído na classe dos dicionários gerais de língua, o
mesmo precisa ser monolíngue, voltar-se para falantes nativos, refletir unidades léxicas
relativas ao discurso livre (expressões monolexemáticas), apresentar ênfase no
significado (definição) das unidades léxicas, apresentar ênfase semasiológica (função de
compreensão) e ser diassistemicamente inclusivo104
.
A partir dos dicionários elencados no panorama, na próxima seção
demonstraremos o potencial de eficiência dos dicionários monolíngues para falantes
nativos na função de auxiliar o professor de ELE no planejamento de suas aulas.
4 Os dicionários de espanhol a serviço do professor de ELE
103
Conforme Coseriu (1980), uma língua constituída historicamente (como é o caso da língua espanhola)
“não é bem um sistema linguístico e sim um diassistema, um conjunto mais ou menos complexo de
‘dialetos’, ‘níveis’ e ‘estilos de língua’” (COSERIU, 1980, p. 112). Em outras palavras, tratam-se de
“sistemas”, que variam a nível diatópico (espaço), diastrático (estrato sociocultural), diafásico (situação
de uso) e diacrônico (tempo). Ao aplicar a noção de diassistema à classificação de dicionários, obtém-se
um critério que diferencia entre os dicionários que buscam compilar o maior número possível de eixos do
diassistema de uma língua (dicionários diassistemicamente inclusivos, tais como os dicionários gerais),
por um lado, e os dicionários que buscam deter-se sobre algum(ns) eixo(s) específico(s) (dicionários
diassistemicamente restritivos, tais como os dicionários de estrangeirismos). 104
Apesar de ser diassistemicamente inclusivo, o dicionário geral de língua é α-exaustivo porque não
inclui todos os elementos relativos ao eixo diacrônico de uma língua, mas sim apenas algumas etapas da
diacronia.
290
Nesta seção, algumas funções comunicativas em língua espanhola serão
correlacionadas com as informações contidas em dicionários monolíngues para falantes
nativos. Uma primeira tentativa de estabelecer uma correlação nesses moldes pode ser
encontrada em Borba (2014). Nessa oportunidade, elencaram-se algumas funções a
serem ensinadas em níveis inicias (A1-A2), correlacionando-se os recursos linguísticos
necessários para a execução dessas funções com as informações presentes em
dicionários monolíngues para falantes nativos.
O presente trabalho, por sua vez, pretende ampliar o escopo de análise para as
funções comunicativas a serem ensinadas pelos professores a estudantes de níveis
avançados (B1-B2). Para arrolar tais funções, bem como os gêneros discursivos nos
quais essas funções ocorrem, serão utilizados os inventários presentes no PCIC (2006a).
Dos dicionários elencados no panorama da seção anterior, limitamos o escopo de
análise para três obras, pertencentes a três classes distintas. São elas: 1) Diccionario de
la Lengua Española (DRAEe, 2014), da classe dos dicionários gerais de língua; 2)
Diccionario Panhispánico de Dudas (DPDe, 2005), da classe dos dicionários de
dúvidas; e 3) Diccionario de Uso del Español (DUE, 2001), da classe dos dicionários de
uso que refletem a norma ideal105
. Além desses dicionários, utilizaremos também uma
quarta obra: o Diccionario Clave de Uso del Español Actual (DiClave, 2012). Este
dicionário, assim como o DUE (2001), cumpre com a matriz de traços correspondente a
um dicionário de uso que reflete a norma ideal, sendo passível de ser incluído no
panorama da lexicografia hispânica106
.
4.1 Nível A2
Para este nível, dentre os gêneros do discurso arrolados pelo PCIC (2006a) estão
as conversas informais cara a cara (PCIC, 2006a, p. 288). Conforme o documento, há
outros gêneros relacionados, tais como as conversas informais por telefone e as cartas
105
Para efeitos deste trabalho, será adotada a noção de norma proposta por Coseriu (1980). Para o autor,
norma se refere ao que uma dada comunidade realiza em sua língua. Zanatta (2010), por sua vez, postula
que em toda comunidade linguística existe um anseio normativo, ou seja, uma necessidade de orientação
a respeito de como usar a língua com maior primor em certas circunstâncias. Em razão disse anseio, a
autora propõe que, a partir da noção de norma presente em Coseriu (1980), se distinga entre norma real
(realizações efetivas e corriqueiras de uma língua por parte de uma comunidade linguística) e norma ideal
(uma das normas reais de uma língua, elegida por uma comunidade linguística como parâmetro de
orientação para determinadas situações nas quais se deseja usar a língua com maior primor). 106
O acréscimo desta obra forma parte de uma das propostas em execução de nosso Projeto de
Dissertação de Mestrado.
291
pessoais. Dentre as funções comunicativas que podem ser produzidas nesses gêneros,
está a função de expressar e perguntar por planos e intenções (PCIC, 2006a, p. 230),
inserida na “macrofunção” de expressar gostos, desejos e sentimentos. Em meio aos
recursos linguísticos necessários para executar essa função, está o uso da perífrase
incoativa ir a + infinitivo, a qual indica que uma ação está prestes a ser desenvolvida
(PCIC 2006a, p. 136). A partir desses dados, buscamos informações sobre esse caso
particular de perífrase nos quatro dicionários citados anteriormente.
Em primeiro lugar, s. v. ir (DRAEe, 2014), que está reproduzido parcialmente na
Figura 2, apresenta as seguintes informações:
Figura 2 – DRAEe (2014, s.v. ir)
O uso da perífrase ir a + infinitivo é definido na acepção 14. A informação linguística a
respeito da necessidade da preposição a é apontado nos exemplos, através do uso de
versalete. Já a necessidade de uso do infinitivo para formar essa perífrase, por sua vez,
teria de ser deduzida através dos verbos dos exemplos. Do ponto de vista lexicográfico,
cabe questionar o fato de que essas indicações estejam presentes somente nos exemplos,
de maneira indireta, pois transfere-se ao consulente a responsabilidade de identifica-las.
Outro aspecto a ser considerado é a possível dificuldade de leitura do verbete em virtude
de sua extensão –são as 38 acepções s.v. ir, além de uma lista de 49 locuções.
Em segundo lugar, as informações s.v. ir(se) no DPDe (2005) são as seguintes:
Figura 3 – DPDe (2005, s.v. ir(se))
292
Na Figura 3, reproduziu-se o verbete ir(se) (DPDe, 2005) de maneira parcial,
restringindo-se à acepção 4. Já no início da acepção, as primeiras informações indicadas
(ir a + infinitivo) remetem aos recursos linguísticos que formam a perífrase de maneira
bastante clara. Após a definição e alguns exemplos e observações em relação ao uso, o
consulente é chamado a atentar para a necessidade de empregar, na norma ideal do
espanhol, a preposição a. Isso ocorre porque o DPDe (2005) é um dicionário que orienta
em relação aos usos da norma ideal do espanhol –sem, no entanto, ignorar outros usos,
indicados nos exemplos. Em suma, ao consultar o DPDe (2005), o professor de ELE
tem acesso a todas as informações necessárias sobre o emprego da perífrase incoativa ir
a + infinitivo.
Em terceiro lugar, o DiClave (2012, s.v. ir), após as acepções, apresenta as
seguintes notas:
Figura 4 – DiClave (2012, s.v. ir)
Através da parte 1 da nota sintaxis, o dicionário indica os elementos que formam a
perífrase, sua definição e um exemplo. Novamente, o professor de ELE tem acesso a
todas as informações de que precisa e, nesse caso em particular, de maneira objetiva.
Em quarto lugar, reproduzimos abaixo a acepção 13 do verbete ir do DUE
(2001):
293
Figura 5 – DUE (2001, s.v. ir)
A indicação de uso da preposição a, do uso de ir na qualidade de auxiliar de um verbo
no infinitivo, aos quais se somam a definição e os exemplos, reúnem as informações
necessárias para compreender o significado e o comportamento da perífrase que vem
sendo tratada ao longo desta seção. Ainda que tais informações não sejam apresentadas
de modo tão objetivo quanto no DiClave (2012), por exemplo, e que, por isso, exijam
uma leitura mais atenta do verbete, o DUE (2001) cumpre com a sua função de orientar
em relação ao uso da língua.
4.2 Nível B1
Neste nível, um dos gêneros discursivos apontados são as cartas pessoais (PCIC,
2006b, p. 353). Dentre as funções comunicativas que podem ser produzidas nesse
gênero, destacamos a função de expressar e perguntar por desejos através da locução
tener ganas (de algo) (PCIC, 2006b, p. 220), inserida na “macrofunção” de expressar
gostos, desejos e sentimentos. Um dos recursos linguísticos necessários para executar
essa função consiste na unidade lexical ganas, cujo comportamento revela um uso
majoritário no plural (PCIC 2006b, p. 52). Outro recurso é o próprio uso de ganas com
o verbo tener (PCIC, 2006b, p. 220); trata-se de uma das relações possíveis que ganas
estabelece com certos verbos. A informações encontradas nos quatro dicionários estão
dispostas a seguir.
Primeiramente, o DUE (2001) apresenta as seguintes informações s.v. gana:
294
Figura 6 – DUE (2001, s.v. gana)
Neste verbete, a grande contribuição do DUE (2001) diz respeito aos verbos com os
quais gana(s) se relaciona na língua espanhola. Conforme o dicionário, com o
significado arrolado na acepção 1 (desejo de fazer algo), é possível usar sentir gana(s),
tener gana(s), dar gana(s), entrar gana(s), venir gana(s) e perder gana(s). Já para
expressar o significado apontado na acepção 2 (vontade de comer), é possível usar os
verbos abrirse, despertarse, entrar, tener e perder. O único aspecto que o DUE (2001)
não esclarece é o uso majoritário do plural. Seria necessária uma consulta concomitante
a um dos outros três dicionários, tal como será explicitado mais adiante.
Em segundo lugar, o DiClave (2012) trata da questão do uso de ganas no plural:
Figura 7 – DiClave (2012, s.v. gana)
Na nota morfología, o dicionário indica claramente a particularidade do uso no plural,
além de apontar a regência através da preposição de, na nota sintaxis. A objetividade
com que trata do comportamento das unidades léxicas é, reiteramos, uma característica
bastante positiva do DiClave (2012).
O DPDe (2005), por sua vez, também indica o comportamento de ganas em
relação ao plural:
295
Figura 8 – DPDe (2005, s.v. gana)
Ambos os dicionários, por outro lado, não tratam especificamente da relação tener
ganas (de algo) no tocante ao uso com o verbo tener. São apontados usos com o verbo
dar e a construção tener ganas (a alguien), no DiClave (2012), cujo significado difere
daquele que analisamos nesta seção.
Em terceiro lugar, o DRAEe (2014) apresenta, por um lado, informações
explícitas a respeito do comportamento de ganas em relação ao uso majoritário no
plural. Além disso, o dicionário aponta que, para efeitos de significado, não há diferença
entre gana e ganas. Por outro lado, na acepção 1, percebe-se que falta a inclusão do
padrão colocacional tener ganas. Reproduzimos na Figura 9, a seguir, o verbete gana
(DRAEe, 2014):
296
Figura 9 – DRAEe (2014, s.v. gana)
297
Destaca-se ainda o caráter confuso do tratamento atribuído às locuções. Parece
não haver nenhum princípio de ordenação além da progressão alfabética para tratar das
relações de gana e ganas com outras classes de unidades lexicais. A adoção de um
critério gramatical, como a separação entre os tipos de locuções (verbais, adverbiais,
etc.), ajudaria o consulente a ler o verbete e a interpretar o comportamento de gana e
ganas com outras unidades (os verbos dar, hacer e quedarse, por exemplo).
4.3 Nível B2
Neste nível, dois dos gêneros do discurso arrolados pelo PCIC (2006b, p. 330)
consistem nas cartas e e-mails pessoais. Algumas das funções comunicativas passíveis
de se produzir nesses gêneros são pedir informação (PCIC 2006b, p. 184), que está
inserida na “macrofunção” de dar e pedir informação, e a função de valorizar, expressar
aprovação ou desaprovação, presente na “macrofunção” de expressar opiniões, atitudes
e conhecimentos (PCIC 2006b, p. 196-197). Dentre os recursos linguísticos necessários
para executar essa função, está o acento diferencial que distingue o pronome relativo
que do pronome interrogativo/exclamativo qué (PCIC 2006b, p. 162). As informações
presentes nos quatro dicionários serão comentadas a seguir.
Em primeiro lugar, o DPDe (2005) lematiza dois verbetes, um para que e outro
para qué. Ambos estão reproduzidos abaixo, nas Figuras 10 e 11:
Figura 10 – DPDe (2005, s.v. que)
Figura 11 – DPDe (2005, s.v. qué)
298
Nos dois verbetes, o DPDe (2005) apresenta os usos de que e qué nas orações
interrogativas e exclamativas diretas e indiretas, de maneira clara e completa (ainda que,
nas figuras acima, não tenhamos reproduzido os verbetes na íntegra). Os exemplos
fornecidos também auxiliam na compreensão dos usos dos pronomes com e sem acento
diferencial. Sem dúvida, a obra poderia ser empregada pelo professor de ELE para o
planejamento de suas aulas.
Em segundo lugar, em situação semelhante encontra-se o DiClave (2012). Assim
como no DPDe (2005), neste dicionário optou-se por incluir dois verbetes separados,
reproduzidos abaixo nas Figuras 12 e 13:
Figura 12 – DiClave (2012, s.v. que)
Figura 13 – DiClave (2012, s.v. qué)
As informações fornecidas nos dois verbetes do DiClave (2012) são suficientes para
compreender as particularidades de uso de que e qué. É necessário observar apenas que
as definições fornecidas nos dois verbetes poderiam ser mais simples, como “designar
algo ya mencionado o que se sobrentiende”, “preguntar por algo” e “exclamar algo”.
Em terceiro lugar, o DRAEe (2014) lematiza os seguintes verbetes:
299
Figura 14 – DRAEe (2014, s.v. que)
Figura 15 – DRAEe (2014, s.v. qué)
O DRAEe (2014), ao contrário dos dicionários anteriores, oferece um exaustivo
panorama a respeito dos pronomes que e qué. A presença de exemplos nas acepções
ajuda na compreensão da definição. O professor de ELE, por sua vez, poderá encontrar
no DRAEe (2014) uma explanação bastante detalhada.
300
Por fim, o DUE (2001) reúne as informações relativas aos pronomes que e qué
em um único verbete. Contudo, devido à sua extensão, reproduzimos abaixo somente
alguns trechos para análise.
Figura 16 – DUE (2001, s.v. que) parte 1
Figura 17 – DUE (2001, s.v. que) parte 2
Destaca-se a precisão da definição fornecida pelo dicionário, em especial na primeira
acepção, na qual atribui-se ênfase às funções explicativa e especificativa do pronome.
Os exemplos, por sua vez, são fundamentais para a compreensão, e estão bem
articulados com a definição. Somam-se a isso as informações sobre o uso das unidades
lexicais, como a observação da acepção 2, a respeito do uso familiar. Tais informações
poderiam contribuir para enriquecer o planejamento de aulas de um professor de ELE.
5 Conclusões
A análise apresentada permite concluir que os dicionários são instrumentos
capazes de auxiliar o professor de ELE da Educação Básica no planejamento de uma
aula de viés comunicativo.
301
Neste trabalho, afirmou-se que um dicionário poderia ser inserido em um
contexto de ensino comunicativo na medida em que fosse capaz de auxiliar na
compreensão e emprego dos recursos linguísticos necessários para executar
determinadas funções comunicativas em um dado gênero do discurso. A análise
realizada, por sua vez, demonstrou que esse potencial de auxílio está presente nos
quatro dicionários. Todos apresentaram informações a respeito dos recursos linguísticos
que fazem parte da formação de estudantes de ELE de níveis iniciais e avançados. Em
algumas obras, o esforço exigido para interpretar as informações fornecidas é mínimo.
O DPDe (2005) e o DiClave (2012) são exemplos disso. Por outro lado, a interpretação
dos verbetes de certas obras exige um esforço maior, seja pela extensão, excesso,
complexidade ou pela falta de uma sistematização mais clara das informações
fornecidas. O DUE (2001) e o DRAEe (2014) se enquadram nesse segundo cenário.
Entretanto, não se pode quitar o mérito dessas obras, pois ambas oferecem informações
pormenorizadas que podem ajudar o professor de ELE que precisa analisar uma dada
unidade lexical de maneira mais aprofundada.
Subjaz a este trabalho o fato de que um panorama de obras lexicográficas é
fundamental para que o professor possa conhecer a gama de dicionários de espanhol
disponíveis. Existe uma diversidade de dicionários monolíngues de espanhol para
falantes nativos que, assim como os dicionários analisados aqui, também seriam capazes
de auxiliar o professor de ELE.
302
Referências
ALONSO RAMOS, Margarita (2008). Papel de los diccionarios de colocaciones en la
enseñanza de español como L2. Em: Bernal, E.; DeCesaris, J. (eds.). Proceedings of
the XIII EURALEX International Congress. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra,
p. 1215-1230. Disponível em: <http://www.euralex.org/proceedings-
toc/euralex_2008/>. Acesso em: 07 mar. 2016.
BORBA, Laura C. (2014). Panorama da Lexicografia Hispânica: subsídios para o
professor gaúcho de espanhol. 2014. 83p. Trabalho de Conclusão de Curso de
Graduação – Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/115642>. Acesso em:
07 mar. 2016.
BORDEN, Matthew et al. (2004). El diccionario en la clase de español: actividades
prácticas para el nivel inicial, intermedio y avanzado. In: Actas del XV Congreso
Internacional de la ASELE. Sevilla, p. 943-945. Disponível em:
http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/asele/asele_xv.htm. Acesso em: 07
mar. 2016.
BUGUEÑO MIRANDA, Félix Valentín (2006). Léxico e ensino: Señas (2000), um
dicionário para aprendizes do espanhol? Em: MARTINS, Evandro; CANO, Waldenice;
MORAES FILHO, Waldenor. (Org.). Léxico e morfofonologia: perspectivas e análise.
Uberlândia: EDUFU, p. 216-232.
________ (2014). Da classificação de obras lexicográficas e seus problemas: proposta
de uma taxonomia. Em: Alfa, São Paulo, p. 215-231. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/alfa/v58n1/09.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2016.
________; BORBA, Laura C. (2015). Hacia una clasificación de obras lexicográficas
del español desde la perspectiva de su enseñanza. Em: Expressão, Santa Maria, n. 19,
p. 65-75.
COSERIU, Eugenio (1980). Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico.
DC (1998). OLCINA, Antonio. G. Diccionario de Climatología. Madrid: Acento.
DSELE (2002). Señas: diccionario para la enseñanza de la lengua española para
brasileños. São Paulo: WMF Martins Fontes.
DSLE (1996). GUTIÉRREZ CUADRADO, J. (dir.). Diccionario Salamanca de la
Lengua Española. Universidad de Salamanca. Madrid: Santillana.
DiClave (2015). SM Ediciones. Diccionario Clave de uso del español actual.
Disponível em: <http://clave.smdiccionarios.com/app.php>. Acesso em: 12 nov. 2015.
303
DPDe (2005). REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario panhispánico de dudas.
Disponível em: <http://www.rae.es/recursos/diccionarios/dpd>. Acesso em: 12 nov.
2015.
DRAEe (2014). REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la Lengua
Española. Disponível em: <http://dle.rae.es/>. Acesso em: 05 nov. 2015.
DUE (2001). MOLINER, M. Diccionario de uso del español. Madrid: Gredos.
ERES FERNÁNDEZ, Gretel et al (2012). Materiais didáticos de espanhol: entre a
quantidade e a diversidade. 2012. 68f. Relatório final de pesquisa não financiada –
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
<http://www4.fe.usp.br/wp-content/uploads/cepel/materiales-didacticos-de-espanol-
informe.pdf>. Acesso em: 12 set. 2015.
FARIAS, Virginia S. (2011). Subsidios lexicográficos para la enseñanza de lenguas
extranjeras: Qué diccionarios tienen a su disposición los aprendices brasileños de
español? Em: Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 11, n. 1,
p. 47-71.
HAENSCH, Günther; OMEÑACA, Carlos (2004). Los diccionarios del español en el
siglo XXI. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca.
IZQUIERDO, Narciso M. C. (2013). Variación lingüística y ELE. El diccionario como
herramienta didáctica para la enseñanza del español coloquial. Em: ABEH, São Paulo,
p. 289-308, 2013. Disponível em: < http://www.mecd.gob.es/brasil/dms/consejerias-
exteriores/brasil/2014/publicaciones/abehxxiii.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2016.
PCIC (2006). Plan Curricular del Instituto Cervantes. 3 vol. Madrid: Biblioteca
Nueva.
PCIC (2006a). Plan Curricular del Instituto Cervantes. Niveles A1 y A2. Madrid:
Biblioteca Nueva. Disponível em: < http://cvc.cervantes.es/Ensenanza/biblioteca_ele/plan_curricular/default.htm>. Acesso
em: 07 mar. 2016.
PCIC (2006b). Plan Curricular del Instituto Cervantes. Niveles B1 y B2. Madrid:
Biblioteca Nueva. Disponível em: < http://cvc.cervantes.es/Ensenanza/biblioteca_ele/plan_curricular/default.htm>. Acesso
em: 07 mar. 2016.
PCIC (2006c). Plan Curricular del Instituto Cervantes. Niveles C1 y C2. Madrid:
Biblioteca Nueva. Disponível em: < http://cvc.cervantes.es/Ensenanza/biblioteca_ele/plan_curricular/default.htm>. Acesso
em: 07 mar. 2016.
PCNEM (2000). BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2016.
304
PCN+ (2002). BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf>. Acesso em: 07 mar.
2016.
QECRL (2001). CONSELHO DA EUROPA. Quadro Comum Europeu de
Referência para as Línguas: aprendizagem, ensino e avaliação. Portugal: Edições Asa.
Disponível em:
<http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu_comu
m_referencia.pdfr>. Acesso em: 07 mar. 2016.
SCHMIDELY, Jack (2001). (coord.). De una a cuatro lenguas. Madrid: Arcolibros.
305
SOBRE OS AUTORES
Adriana de Borges Gomes
Doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). Mestre em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Bacharel em Letras com Língua Estrangeira
Espanhol pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente é Professora
Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB, Campus I), onde leciona
disciplinas de literaturas em língua espanhola e dedica-se à pesquisa em Estudos
Literários, Teóricos e Críticos da produção ficcional em literaturas de Língua
Espanhola.
CV: http://lattes.cnpq.br/2671657347281782
Antonio Ferreira da Silva Júnior
Doutor em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel em
língua espanhola e em língua portuguesa pela UFRJ. Professor Adjunto de Didática e
Prática de Ensino de Português/Espanhol da Faculdade de Educação da UFRJ. Professor
do Curso de Especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras e Professor Permanente
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Etnicorraciais do
CEFET/RJ. É coordenador de dois projetos de pesquisa: “Língua Espanhola na escola:
materiais didáticos, espaço escolar e o programa nacional do livro didático de língua
estrangeira” e “Neste Instituto Tecnológico se forma professor de Espanhol?
Concepções de ensino dos professores formadores”. É autor de diversos artigos e livros,
publicados no Brasil.
CV: http://lattes.cnpq.br/3288529999588353
Antonio Martínez Nodal
Possui graduação em Português - Espanhol pela Escola Superior Madre Celeste (2014),
Belém/Pará. Cursa especialização em Ensino da Língua Espanhola na Universidade
Cándido Mendes, (2015-). É ator profissional formado pelo "Estudio de interpretación
Juan Carlos Corazza", Madri (1999-2002). Ademais, é interprete de Língua de Sinais
Espanhola (LSE), formado pelo "Ciclo de Grado Superior', do Instituto Pio Baroja,
Madri (2005-2006). Atualmente é professor de espanhol no Instituto Cervantes de
Salvador e, também, de Língua e Literatura Espanhola no curso de Licenciatura em
Letras: Espanhol, do Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR - UFPA).
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Espanhola (I-V) e Literaturas
Espanhola e Hispanoamericana.
CV: http://lattes.cnpq.br/8003708937498480
Carla da Penha Bernardo
Possui Graduação em Português-Francês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1994), Licenciatura em Português-Literaturas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1992), Graduação em Português-Literaturas de Língua Portuguesa pela
306
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), Especialização em Francês (Tradução)
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995), Mestrado em Linguística e
Filologia (Filologia Românica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996) e
Doutorado em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa) pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2001). Atualmente é professora adjunta da Universidade do Estado da
Bahia. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Portuguesa,
atuando principalmente nos seguintes temas: Romantismo português, identidade e
alteridade nos PALOP, edição de texto, diversidade linguística, indígenas no Brasil do
século XVII: história da língua, ortografia e História
CV: http://lattes.cnpq.br/2116893726676956
Camilla Guimarães Santero
Possui graduação em Português-Espanhol pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2008) e mestrado em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2011). Atualmente é professor assistente da Universidade Federal da Bahia.
Doutoranda em Linguística Aplicada pela UFBA. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: pragmática, ensino
de ELE, interculturalidade e língua franca.
CV: http://lattes.cnpq.br/8930455384194117
Carla Severiano de Carvalho
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens (Universidade do
Estado da Bahia). Especialista em Língua Espanhola (Universidade Federal da Bahia).
Licenciada em Letras - Língua Espanhola e Literaturas de Língua Espanhola
(Universidade do Estado da Bahia). Possui Certificação Internacional "Diploma
Espanhol Língua Estrangeira" (DELE) Superior C2. Professora Auxiliar do
Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB -
Campus I: Salvador) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia
(IFBa - Campus Santo Amaro). Dedica-se ao ensino de língua espanhola como língua
estrangeira para brasileiros e à formação de professores de língua espanhola e, ainda,
desenvolve pesquisas na área de estudos dos discursos em língua portuguesa e em
língua espanhola.
CV: http://lattes.cnpq.br/5178779049867374
Cecília Gabriela Aguirre Souza
É Doutora em Letras, Área de Concentração em Linguística Aplicada (2004), pelo
Programa de Pós Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal da Bahia.
Realizou Estágio de Doutorado na Universidade de Buenos Aires com Bolsa CAPES
PDEE (2003). Realizou Estágio Pós-Doutoral na Universidade de Buenos Aires com
Bolsa CAPES (2009-2010). Atualmente é professora Associada I da Universidade
Federal da Bahia. Atua nas áreas de Ensino de Língua Espanhola e Formação de
Professores de E/LE, com ênfase no ensino da língua espanhola e interculturalidade,
pragmática sociocultural e ensino de línguas pela modalidade a distancia.
CV: http://lattes.cnpq.br/4911181458180928
307
Cristina Corral Esteve
Doutora em Linguística General pela Universidad de León (Espanha, reconhecido no
Brasil, UFPE). Possui graduação em Filología Hispánica – Universidad de
Salamanca(1996, revalidada no Brasil, UFPE), especialização em Ensino de Língua e
Literatura Espanholas (Curso de Adaptação Pedagógica, CAP) – Universidad de
Salamanca (1997) e Diploma de Estudos Superiores (D.E.A.) em Aspectos Linguísticos
y Literarios del Español – Universidad de León (1998). É autora de diversos livros
publicados no Brasil.
CV: http://lattes.cnpq.br/6538590603597590
Félix Valentín Bugueño Miranda
Doutor em Filologia Românica pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg
(Alemanha). Licenciado em Língua e Literatura Hispânica pela Universidad de
Valparaíso (Chile). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Membro de corpo editorial do Ao Pé da Letra. Membro de corpo editorial da Letras &
Letras (Online). Membro de corpo editorial da Cadernos do instituto de Letras e
Membro de corpo editorial do Expressão (Santa Maria/RS). Pesquisador CNPQ, na
coordenação do projeto de pesquisa “Para uma teoria metalexicográfica integral.
Manual de Lexicografia”. Tem diversos artigos publicados no Brasil e no exterior e é
autor de livros, publicados no Brasil.
CV: http://lattes.cnpq.br/8896923693053922
Isabel Gretel María Eres Fernández
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora CNPQ. Membro
efetivo da Academia Internacional de Lexicografia. Atuou no Curso de Licenciatura de
Espanhol e na Pós-Graduação em formação de professores de espanhol da USP. É
autora de vários artigos, capítulos de livros e de diversos livros didáticos e paradidáticos
(em coautoria). Colabora com o Ministério da Educação e Cultura do Brasil,
especialmente nas consultorias das Orientações Curriculares do Ensino Médio Espanhol
(em particular as publicadas em 2006).
CV: http://lattes.cnpq.br/8478409042986335
Jeferson Mundim de Souza
Possui Licenciatura em Filosofia e Letras Português/Espanhol pela Universidade
Federal da Bahia (1997) e pela UNITINS (2011). Especializações em Filosofia (UEFS)
e em Língua Espanhola (PUC-MG). Mestrado em Educação pela UFBA. Aluno
Especial da Pós Graduação em Cultura e Sociedade - IHAC - UFBA, tendo cursado as
Disciplinas Cultura e Cidadania em 2014.2 e Cultura e Identidade em 2015.1.
Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (UFBA). Tem experiência
nas áreas de Terminologias Ítalo Espanholas Aplicadas à Gastronomia, Espanhol
Instrumental - Fins específicos, Educação, Filosofia, Ética, Língua, Cultura e Literaturas
Espanhola e Hispano-americanas, presenciais e EaD. Trabalhou durante cinco anos no
curso de extensão - NEHIS - Núcleo de Estudos Hispânicos, vinculado a UNEB.
308
CV: http://lattes.cnpq.br/3802535983548337
Laura Campos de Borba
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), na Linha de Pesquisa em Lexicografia, Terminologia e
Tradução - Relações Textuais (Bolsista CNPq). Possui graduação em Licenciatura em
Letras Português-Espanhol pela UFRGS (2014). Bolsista IC / UFRGS Voluntária
(2010), bolsista IC PIBIC/CNPq / UFRGS (2011-2014). Premiações e destaques: Salão
de Iniciação Científica (FAPA, PUCRS e UFRGS). Áreas de pesquisa: Lexicografia e
Metalexicografia; Língua Espanhola. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Metalexicografia e Lexicografia UFRGS - UFSC - UERJ / CNPq.
CV: http://lattes.cnpq.br/7269192040259743
Luciana Contreira Domingo
Mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia. Doutoranda em Letras pela
Universidade Católica de Pelotas/RS. Professora da Universidade Federal do Pampa, no
Curso de Língua Espanhola. Coordenadora da pesquisa “Interculturalidade e formação
docente: reflexões sobre a construção da competência comunicativa intercultural nos
Cursos de Letras”. É autora de diversos artigos, publicados no Brasil.
CV: http://lattes.cnpq.br/9087062279864112
Luzilene Cardoso de Souza
Possui graduação em Letras - Espanhol pela Universidade Estadual de Feira de
Santana(2004). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Línguas Estrangeiras
Modernas.
CV: http://lattes.cnpq.br/7796385416203054
Maria Augusta Da Costa Vieira
Doutora em Letras/ Literatura Espanhola e Hispanoamericana pela Universidade de São
Paulo. Célebre cervantista brasileira, Maria Augusta é Professora Titular da Literatura
Espanhola da USP. É pesquisadora CNPQ da literatura espanhola nos séculos XVI e
XVII, em particular na obra de Miguel de Cervantes Saavedra. Autora de artigos
publicados no Brasil e no exterior. Finalista do Prêmio Jabuti com o livroDom Quixote:
a letra e os caminhos (2006). Vencedora do Prêmio Jabuti de 2013, com o livro A
narrativa engenhosa de Miguel de Cervantes: estudos cervantinos e recepção do
Quixote no Brasil. Presidiu o IX CINDAC – Congreso Internacional de la Asociación
de Cervantistas, pela primeira vez sediado em um país Sul-americano, na Universidade
de São Paulo – Brasil, em 2015.
CV: http://lattes.cnpq.br/8769804694444711
309
Máira Barboza de Oliveira Coelho
Graduanda do Curso de Licenciatura em Letras- Língua Espanhola e Literaturas em
Língua Espanhola - da Universidade do Estado da Bahia - UNEB / Campus I. Áreas de
interesse: Formação de Professores , Tradução, Prática docente, Cultura Afrolatina,
Línguas estrangeiras e Análise do Discurso.
CV: http://lattes.cnpq.br/6510443771863452
Rubén Daniel Méndez Castiglioni
Doutor em Letras/ Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, com pós-doutorado pela Universitat de les Illes Balears (Espanha).
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na Graduação e Pós-
graduação. Pesquisador CNPQ, na coordenação de projetos na área de Literaturas de
Língua Espanhola. É membro honorário da Rede Brasileira de Direito e Literatura e
membro efetivo da Academia Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira de número
31. Autor de diversos artigos e livros, publicados no Brasil.
CV: http://lattes.cnpq.br/9608563687857835
Viani da Silva Soares
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia (1998) e mestrado
em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2005). Atualmente é servidora do
Governo do Estado da Bahia e docente da União Metropolitana de Educação e Cultura.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Currículo, atuando
principalmente nos seguintes temas: Educação de Jovens e Adultos, Coordenação
Pedagógica e Currículo.
CV: http://lattes.cnpq.br/8355925974007301