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Estudos AvanadosPrint version ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.15 no.43 So Paulo Sept./Dec. 2001
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142001000300011
DESENVOLVIMENTO RURAL
Conselhos alm dos limites
Ricardo Abramovay
A PROFUSO conselhos gestores a mais importante inovao
institucionaldas polticas pblicas no Brasil democrtico (1). No h
estudo sobre o temaque no enfatize a precariedade da participao
social nestas novasorganizaes e sua to freqente submisso a poderes
locais dominantes.Mas praticamente unnime o reconhecimento do
potencial detransformao poltica que os conselhos encerram (2). Se
eles tendemmuitas vezes a reproduzir um ambiente social avesso
ampla discusso dosassuntos pblicos, no menos certo que sua simples
existncia abrecaminho para a entrada na vida dos indivduos e dos
grupos organizados detemas at ento ausentes. A alocao de recursos
governamentais porparte de representaes que extrapolam o crculo da
poltica profissional notem por si s o condo de alterar o cotidiano
de qualquer organizao oulocalidade: os conselheiros podem ser mal
informados, poucorepresentativos, indicados pelos que controlam a
vida social da organizao ou localidade em questo, malpreparados
para o exerccio de suas funes ou, o que parece to freqente, uma
mistura de cada um desteselementos. Mas o simples fato de existirem
conselhos abre o caminho para que se amplie o crculo social em
quese operam as discusses sobre o uso dos recursos pblicos. Segundo
informaes do Perfil dos municpiosbrasileiros (IBGE, 2001),
existiam, em 1999, quase 27 mil conselhos, numa mdia de 4,9 por
municpio; 99% dosmunicpios brasileiros tm conselhos de sade, 91% de
educao e de assistncia e ao social e 71% decrianas e
adolescentes.
Apesar da existncia de Conselhos de Desenvolvimento Rural em
mais de um quinto dos municpios brasileiros, elesso muito recentes,
o que explica a inexistncia de estudos sistemticos de carter
nacional a seu respeito. NoPerfil dos municpios brasileiros no so
citados uma s vez e se incluem, provavelmente, na categoria
de"outros" presentes em 52% dos municpios brasileiros (IBGE, 2001).
Mas algumas informaes fragmentrias eestudos pioneiros como o
recentemente divulgado pelo Consrcio EMATER/PR-DESER (IPARDES,
2001), permitemque se avancem hipteses teis para a formulao de
propostas.
A esmagadora maioria dos conselhos de desenvolvimento rural
formou-se no Brasil a partir de 1997 como condiopara que os
municpios recebessem recursos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF) em sua "linha" de
infra-estrutura e servios. unnime, na literatura a respeito, a
constatao de queo PRONAF correspondeu a uma virada significativa
nas polticas pblicas voltadas ao meio rural no Brasil(Abramovay
& Veiga, 1999; Silva, 1999; Ministrio do Trabalho, 1999; Belik,
2000). O PRONAF responde a umconjunto de reivindicaes dos
movimentos sociais e obrigou, em muitas localidades (na maior parte
das vezes demaneira conflituosa e ambgua), que os bancos abrissem
suas portas a segmentos sociais que deles estavam, atento, muito
distantes. Apesar de os graves problemas que a intermediao bancria
representa at hoje (Dias eAbramovay, 2000; Bittencourt &
Abramovay, 2001), o fato que as reivindicaes da agricultura
familiar se
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incorporaram pauta de algumas das mais importantes agncias
governamentais. O resultado foi no s umaampliao significativa da
massa de tomadores de emprstimos, mas a extenso dos financiamentos
- por forada presso organizada - a segmentos sociais inicialmente
excludos do sistema.
Apesar destes inegveis avanos, os cinco anos de funcionamento do
PRONAF parecem ter aprofundado adistncia entre as duas linhas
bsicas que o compem: os benefcios derivados do PRONAF
infra-estrutura noparecem integrar-se organicamente s iniciativas
dos agricultores que tiveram acesso ao crdito. No h dvidade que o
simples fato de recursos federais destinados a um municpio passarem
pela mediao de um conselhoformado por representantes da sociedade
local j constitui uma inovao organizacional significativa. Mas
paraque esta conquista marque um fortalecimento da sociedade civil,
necessrio que ela se traduza em realaumento da capacidade de gerao
de renda e da confiana da sociedade em suas possibilidades
dedesenvolvimento. E aqui encontra-se um importante ponto de
estrangulamento do PRONAF: sem uma extensa ecapilarizada rede de
conselhos voltada mobilizao das foras vivas que compem o meio rural
brasileiro, oPRONAF condena-se a ser pouco mais que um programa de
crdito. Tanto os movimentos sociais que lutaram porsua criao como
os tcnicos que o animam at hoje sabem que a passagem do acesso ao
crdito para umprograma de desenvolvimento depende da ao organizada
dos conselhos. A misso fundamental dos conselhos descobrir os
potenciais de desenvolvimento que os mecanismos convencionais de
mercado so incapazes derevelar, sobretudo em regies menos
favorecidas. O problema que, na maior parte das vezes, a forma
decriao destes conselhos, seus modos de funcionamento e o alcance
de suas aes, ao que tudo indica, noestimulam o preenchimento das
funes bsicas para as quais foram organizados.
Neste trabalho sustentam-se duas idias centrais. A primeira que
os critrios a partir dos quais so escolhidosos municpios
beneficiados com recursos do PRONAF infra-estrutura e servios
favorecem a burocratizao dosconselhos e tendem a fazer deles pouco
mais que um instrumento pelo qual o poder local recebe recursos
federais- com a superviso (e isso, por si s, num pas como o Brasil
j no pouco) de representantes da sociedade civillocal. A segunda
que tanto as representaes sociais quanto o corpo tcnico envolvidos
na construo dosconselhos esto mal preparados para enfrentar o
desafio dos processos de desenvolvimento no meio rural.
A mudana deste cenrio exige duas modificaes bsicas na sistemtica
atual de trabalho. Em primeiro lugar,que os Planos de
Desenvolvimento Rural no sejam concebidos na esfera estrita de um
municpio mas insiram-senum horizonte estratgico de carter regional.
Alm disso, fundamental que a escolha dos municpiosbeneficiados com
recursos pblicos tenha por base no apenas critrios quantitativos em
que se privilegiam aslocalidades menores e mais pobres, mas tambm
critrios qualitativos nos quais a consistncia dos projetos e
seucarter inovador sejam fortemente estimulados.
Divide-se o trabalho em trs partes, alm desta introduo: na
primeira so expostos alguns dos principais limitesque caracterizam
o funcionamento dos conselhos e sugeridos alguns caminhos para sua
superao; na segunda mostrado que o municpio uma unidade muito
restrita para o exerccio da misso dos conselhos; na terceira
apontado que os conselhos voltam-se, na maior parte das vezes, a um
tmido (embora no-irrelevante) conjuntode iniciativas parciais e
fragmentrias que dificilmente se integra a um processo que pode ser
considerado dedesenvolvimento rural. Finalizando, apresenta-se
algumas concluses e propostas.
Conselhos e falhas de transferncia institucional
Os poucos estudos sobre os Conselhos Municipais de
Desenvolvimento Rural apontam sistematicamente algunsproblemas
bsicos que no aparecem, evidentemente, em todos os municpios, mas
que so suficientementerecorrentes para merecer uma reflexo mais
aprofundada. Vejamos alguns deles.
Os conselhos so formados estritamente como contrapartida
exigncia legal para a obteno de recursos
pblicos por parte dos municpios e no expressam uma dinmica local
significativa. Um dos mais claros
indcios deste fenmeno que no estado do Paran - em que pese a
fora histrica da agricultura familiar -
nada menos que 75% dos conselhos foram criados aps o decreto de
1997 que regulamentou o PRONAF
infra-estrutura e servios (Ipardes, 2001). Segundo informaes de
tcnicos do Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio, parte muito significativa dos Conselhos
rene-se apenas para elaborar o Plano de
Trabalho, por convocao da Prefeitura ou da extenso rural. O
trabalho de Cruz (2000: 75) mostra que
este no um trao exclusivo dos Conselhos de Desenvolvimento
Rural: apenas 2% dos Conselhos
Municipais de Assistncia Social no Estado de So Paulo so
anteriores Lei Orgnica da Assistncia Social
(1994), embora os Conselhos sejam concebidos como instrumento de
participao popular.
Trata-se a de um claro exemplo do que se pode chamar de falha de
transferncia institucional (Greif,
2001): em tese a atribuio de poder aos conselhos e, no seu
interior, a obrigatoriedade legal da presena
dos agricultores deveriam assegurar a participao das foras
locais. De fato, o formato organizacional dos
conselhos est totalmente voltado a este objetivo. Na verdade, no
existe grande dificuldade em se
transferir, do governo federal para o plano local, regras
formais, estruturas administrativas e alguns
procedimentos burocrticos. O problema que no se transferem, num
passe de mgica, valores,
comportamentos, coeso social e sobretudo a confiana entre os
indivduos que os estimulem a tomar em
conjunto iniciativas inovadoras. Isso significa que o risco de
existir apenas como formalidade necessria
obteno de recursos pblicos inerente ao prprio processo de
descentralizao, contra o qual no existe
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uma proteo administrativa genrica.
A participao da comunidade nas reunies do Conselho muito
minoritria. Dos 20 casos estudados pelo
consrcio EMATER/DESER no Paran (Ipardes, 2001), em apenas cinco
participavam representantes de
associaes de produtores no-integrantes diretos do conselho: isso
apesar do carter explicitamente
pblico das reunies. O maior desafio na construo de conselhos no
est na capacidade de reunir um
grupo composto por representantes dos poderes pblicos locais e
de representantes de agricultores. A
questo saber se o conselho tem a capacidade de representar
mudana no "ambiente institucional"
(North, 1990-1994) existente numa certa regio. Neste sentido,
talvez no seja intil estabelecer a
diferena entre organizao e instituio. A organizao rene indivduos
para atingir certos objetivos. A
instituio so as regras do jogo, as normas, os valores, os cdigos
de comunicao que permitem aos
indivduos e aos grupos levarem adiante aes em comum a partir de
certos significados e certos cdigos
mentais partilhados (Denzau & North, 1994). O bar da esquina
uma organizao: o McDonalds uma
instituio. A alimentao ali servida simboliza um certo modo de
vida. O dinheiro, por exemplo, uma
instituio, mesmo no sendo uma organizao.
O mais importante trabalho do prmio Nobel de Economia Douglass
North (1990-1994) tem como um de seus
objetivos centrais estudar os processos de mudana institucional.
O papel das organizaes, neste sentido,
duplo e - em certa medida - contraditrio. Por um lado, as
organizaes refletem o ambiente institucional
j existente. Da mesma forma que ocorre com as atividades
esportivas, as organizaes tendem a adotar
regras do jogo existentes e atuar segundo as habilidades e as
capacidades dos jogadores. Os atores sociais
aprendem fazendo: "aprender fazendo, nas organizaes, como o
termo o sugere, significa que uma
organizao adquire capacidades de coordenao e desenvolve rotinas
que trabalham como conseqncia
da interao repetida" (North, 1990-1994: 74). Esta coordenao no
responde a um mecanismo de tipo
automtico, como o do mercado perfeito: ela sempre localizada,
especfica, histrica e determinada. E
exatamente por isso que cada instituio desenvolve nos indivduos
e nos grupos sociais um certo tipo de
habilidade. As necessrias para um ambiente no qual impera a
escravido no so as mesmas para uma
situao de democracia e trabalho livre, por exemplo. Em outras
palavras, as organizaes - mas este
apenas um lado da histria - so permanentemente travadas por uma
espcie de inrcia que as empurra a
reproduzir as regras do jogo j existentes.
O outro lado da histria que so justamente as organizaes que
respondem pela mudana no ambiente
institucional. As organizaes so "entidades dotadas de um
propsito designado por seus criadores para
maximizar riqueza, renda ou outros objetivos definidos pelas
oportunidades oferecidas pela estrutura
institucional da sociedade" (North, 1990-1994: 73). E ao
perseguir estes propsitos, as organizaes podem
alterar, mas sempre gradualmente, esta estrutura institucional.
O mais importante o tipo de conhecimento
e de habilidade dos atores sociais que compem a organizao. Este
conhecimento , em parte, adquirido
na prtica e, em parte, transmitido mais ou menos formalmente. "O
tipo de conhecimento, habilidades e
aprendizagem que os membros de uma organizao adquirem vai
refletir a compensao - os incentivos -
incorporada s restries institucionais" (North, 1990-1994: 74):
um conselho pode reforar o sinal de que
a sobrevivncia depende da sujeio clientelista aos poderosos. Mas
ele pode ser a ocasio de criar novas
prticas que valorizem a participao, o controle social e o uso
planejado dos recursos. O pressuposto
bsico para que uma organizao adote prticas inovadoras que haja,
no contexto em que atua, outras
organizaes voltadas a novos conhecimentos e habilidades capazes
de representar um contrapeso s
formas convencionais de dominao. E claro que este processo no se
desenvolve, como bem assinala
North, sem contrariar frontalmente os interesses de certos
grupos sociais.
Para que o conselho represente um avano com relao ao monoplio do
uso dos recursos pblicos por
parte dos polticos profissionais, fundamental ento que ele se
abra mais ampla participao pblica.
claro que, muitas vezes, as pessoas no se interessam e no
participam mesmo quando convidadas (veja
box 1). Participar de reunies pblicas representa um custo para
os indivduos, um investimento de tempo
que s ser realizado se eles tiverem uma expectativa verossmil de
retorno: no necessariamente de um
retorno imediato em dinheiro, mas de uma compensao no prprio
reforo dos laos sociais, na ampliao
da capacidade de contar com a ajuda, com as idias e a colaborao
dos outros. Um conselho que se abre
a formas variadas de participao pblica em suas reunies,
garantindo no s ampla difuso da pauta, mas
estimulando que os temas a serem tratados sejam previamente
discutidos pela populao em seus locais de
moradia e em suas organizaes informais (linhas, capelas,
bairros, comunidades) contribui de forma
decisiva para alterar as regras do jogo e fazer das organizaes
fonte de mudana social.
Um conselho de desenvolvimento deveria ter por norma evitar que
- apesar da necessidade de regras
formais - o seu funcionamento fosse encarado pela populao como o
das instncias polticas
convencionais. Ele deveria ser um local convidativo aos jovens,
s mulheres, aos produtores de cultura,
queles que se preocupam no s com a agricultura, mas com o
conjunto da vida social no meio rural.
inquietante, por exemplo, a baixssima participao de jovens e
mulheres nos Conselhos, como mostram os
dados do consrcio EMATER/DESER. Dos 279 entrevistados pelo
consrcio, apenas nove tm at 27 anos
(Ipardes, 2001: 19). Em termos nacionais a participao dos jovens
maior que mo Estado do Paran,
reflexo provvel do maior envelhecimento da populao rural do sul
do pas. Levantamento da Assocene
(2001) junto a conselheiros presentes aos cursos de formao
promovido pelo Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio mostra que 22% dos participantes tinham
menos de 30 anos. O estudo tambm
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mostra que 80% dos conselheiros so do sexo masculino.
Com muita freqncia os extensionistas e os prprios dirigentes
sindicais queixam-se da falta de interesse
dos agricultores em iniciativas organizadas. claro que se as
reunies do conselho forem pouco mais que
um jogo de cartas marcadas para tomar decises sobre cujo
resultado ningum tem dvida, a participao
ser precria. Sempre que estas reunies forem uma ocasio de
refletir criticamente sobre a situao em
que se vive, sempre que elas reforarem o sentimento de pertencer
a um conjunto, a um territrio que faz
dos cidados os construtores de um projeto coletivo, sempre que
resultarem na chance de se ampliar o
crculo social por vezes to limitado ao qual se restringem as
relaes humanas no meio rural, elas contaro
com a presena crescente das foras vivas da sociedade local. Os
conselhos so a ocasio de concretizar
o princpio segundo o qual "os projetos moldam os territrios"
(Kayser, 1990).
Metade dos presidentes dos conselhos estudados pelo consrcio
EMATER/DESER, no Paran eram os
prprios secretrios da Agricultura. Incluem-se a os trs casos nos
quais o regimento determina que o
conselho seja presidido pelo secretrio da Agricultura. Dos 20
casos analisados pelo consrcio
EMATER/DESER, apenas em seis deles a presidncia do conselho
pertence aos agricultores (Ipardes, 2001:
10-11). O secretrio do conselho o tcnico da EMATER em 15 dos 20
casos examinados. A situao
muito prxima encontrada por Mussoi, em Santa Catarina, onde 60%
dos presidentes de conselho so
representantes diretos da prefeitura municipal (apud
Comas-setto, 2000). Dos 10 conselhos estudados no
Rio Grande do Sul por Delevati & Ges (1998), seis eram
presididos pelo secretrio de agricultura e um por
um funcionrio da secretaria. Num levantamento recente feito pela
EMATER/RS no conjunto do estado, 57%
dos conselhos so presididos pelos secretrios de agricultura.
Claro que se trata de uma tendncia natural
em virtude da competncia tcnica dos extensionistas e
representantes da prefeitura em responder s
exigncias burocrticas de funcionamento da organizao. Mas uma das
funes mais importantes de um
conselho est na formao de novas capacidades administrativas e na
atribuio explcita de poder queles
que no fazem parte do corpo poltico eleito ou da administrao
pblica profissionalizada.
Box 1
reunio demais !
Um dos mais srios problemas detectados pelo professor Srgio
Schneider, daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, durante o
processo de capacitao
dos conselheiros de desenvolvimento rural levado adiante por
iniciativa doMinistrio do Desenvolvimento Agrrio foi o excesso de
reunies e o acmulo defunes representativas sobre os mesmos
indivduos. A observao de SrgioSchneider (2001), em texto que no tem
ambio analtica rigorosa, mas apenasrelata rapidamente suas
impresses de viagem, refora o problema aquiapontado: "Em muitos
casos, um mesmo representante, em geral funcionrioindicado pelo
prefeito, participa de vrios Conselhos Municipais. Quando h
regrasimpeditivas do acmulo da representao, o problema passa a ser
o de localizarinteressados para ocupar as vagas disponveis. Neste
sentido, o que surpreendeuna realizao desta capacitao que, ao
contrrio do que se imaginava, oprincipal problema no falta de espao
para a participao popular mas,paradoxalmente, encontraram-se muitas
situaes em que a queixa erajustamente o contrrio; ou seja, que a
dificuldade que havia no municpio era ade encontrar pblico
disponvel para participar destas mltiplas atividades. Aafirmao
corriqueira que se escutou variadas vezes foi de que: `-
professor,mas tem reunio demais, e ns no podemos participar em
todas'. Nos municpiosrurais onde a base da economia a agricultura
esta situao se agrava emfuno das distncias serem maiores e pelo
fato de que este excesso de reuniesacaba subtraindo um tempo que
para o agricultor significa reduo da cargahorria em que permanece
trabalhando na terra. A lio a extrair das diferentessituaes
presenciadas parece ser a de que a simples criao, por fora
delegislao ou mesmo do pr-requisito para o acesso aos fundos
pblicos, dosespaos que estimulam a participao poltica no implica,
inexoravelmente, quedestes regramentos emergem formas mais eficazes
de controle social das esferaspblicas".
Dos 5.506 municpios brasileiros, apenas 20 no tinham nenhum
conselho e 33 umnico frum desta natureza. Existem 4,3 conselhos em
mdia nos municpios compopulao at cinco mil habitantes. Em mais de
um tero destes pequenosmunicpios, a mdia vai alm de cinco conselhos
(IBGE, 2001). Trabalho recentedo IBAM (Noronha, 2000: 85) examinou
o funcionamento de municpiosconhecidos pela alta participao popular
nos conselhos. No pequeno municpiode Dionsio Cerqueira (SC) era
freqente a participao das mesmas pessoas em
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vrios dos nada menos que 11 conselhos existentes.
Dos 20 conselhos examinados pelo consrcio EMATER/DESER, 13 tm
carter consultivo e apenas quatro
so deliberativos. Na esmagadora maioria dos casos, a pauta das
reunies no distribuda previamente, o
que, por si s, limita de maneira considervel a
representatividade dos agricultores presentes s reunies.
No de estranhar ento que o Plano Municipal de Desenvolvimento
Rural acabe sendo elaborado pelo
corpo tcnico participante, com precria participao dos
agricultores (Ipardes, 2001: 25).
Existe uma esperada deficincia de formao tcnica e poltica dos
conselheiros, que os cursos de
capacitao oferecidos pelo governo desde 1998 devem ajudar a
reduzir. A maior parte do treinamento dos
conselheiros vem sendo levada adiante por pesquisadores
universitrios e ONGs comprometidos com a
importncia da participao social no interior dos conselhos. Se
isso por si s no garantia de
transformao das condutas dos conselheiros, representa ao menos a
chance de ampliao do crculo social
em que se movem e a introduo em suas representaes mentais de
conceitos e valores que no
pertenciam necessariamente ao seu ambiente de origem: que isso
ocorra no quadro de uma capacitao -
voltada explicitamente para a reflexo - pode ter um papel no
desprezvel nas prticas dos indivduos e no
prprio funcionamento dos conselhos. Esta participao da
universidade, dos professores dos colgios
agrcolas, das ONGs na vida cotidiana dos conselhos no pode ser
espordica: planejar e executar o
planejamento do destino de uma regio no um atributo natural dos
indivduos. Para que possam exerc-lo
ao mesmo tempo com sentido de "justia e competncia" (3)
fundamental que contem com assessoria
permanente, capaz de estimular a reflexo crtica, a monitoria
administrativa e sobretudo os processos de
avaliao quanto aos resultados das atividades. Um conselho de
desenvolvimento lida com recursos e -
mais importante - com uma agregao de esforos sociais que no
podem ser abandonados rotina da
administrao puramente burocrtica. Uma empresa privada que
contasse com tais recursos teria a
preocupao permanente de aplic-los de maneira criativa e
inovadora. Ocorrre que as funes de um
conselho no podem - por definio - ser atribudas a uma empresa
privada. Isso no deveria impedir,
entretanto, que o conselho se dotasse dos meios tcnicos de
valorizar o dinheiro e sobretudo a organizao
social a cuja mobilizao ele se destina. O conselho deve
tornar-se um meio de colocar a inteligncia e as
aptides tcnicas locais a servio da construo de um projeto de
desenvolvimento territorial (Abramovay,
2000) que consiste, basicamente, na coordenao voluntria e
planejada dos esforos e das capacidades
das foras vivas de uma determinada regio.
As excees ao conjunto desses limites so suficientemente
importantes para que no se possa considerar que apouca
representatividade e a burocratizao sejam inerentes prpria idia de
conselhos. Estudo recente levadoadiante em Santa Catarina mostra
que os conselhos so encarados freqentemente pelo prefeito como um
novofoco de poder no interior do municpio (Comassetto, 2000). Em
outras palavras, a capacidade de controle doprefeito sobre o
conselho est longe de ser absoluta. O estudo de Delevati & Ges
(1998) no Rio Grande do Sulcita casos expressivos em que a prpria
prefeitura estimula a autonomia e a iniciativa dos conselhos e onde
suadireo no recai sobre o corpo tcnico da administrao municipal nem
da EMATER. Dos dez municpios por elesexaminados em 1998, mais da
metade respeitava um calendrio de reunies regulares. No
levantamento maisrecente feito pela EMATER destacam-se duas
informaes importantes. Existem conselhos de desenvolvimentorural em
quase todos os municpios do estado (em 97% deles) e no apenas nos
56 escolhidos para o PRONAFinfra-estrutura e servios. Alm disso,
apenas 22% dos conselhos se rene "esporadicamente": 18%
delesdeclararam fazer reunies quinzenais, 24% mensais e 32%
trimestrais.
Portanto, no so poucos os casos em que os conselhos no so
criados estritamente em virtude dos planosmunicipais de
desenvolvimento rural. Nos estados da regio Sul, os Conselhos
Municipais de DesenvolvimentoRural foram, muitas vezes, os
sucedneos da aplicao - muito precria, verdade - do preceito da
Constituiode 1988 que previa a formao de conselhos de agricultura.
Ainda que esta orientao administrativa no tenharecebido a
contrapartida de uma clara definio de recursos e funes (o que seria
uma poltica agrcolamunicipal), muitos municpios no Sul do pas
criaram secretarias de agricultura, fundos rotativos e mecanismos
deaplicao de recursos para levar adiante trabalhos de interesse
pblico nos quais os atuais conselhos dedesenvolvimento em grande
parte se apoiam. Apesar das crticas que dirige ao funcionamento do
PRONAF em SoPaulo, Lima (2001) reconhece evidncias de participao
dos agricultores na elaborao dos Planos Municipais
deDesenvolvimento Rural. No Paran o consrcio EMATER/DESER (Ipardes,
2001: 5) tambm constatou o interessedas associaes locais em
garantir sua participao no Conselho, o que um forte indicador de
sua importncia.Por mais limitada que seja a participao popular nos
conselhos, a exigncia legal de ao menos 50% deagricultores entre
seus membros estimula o reconhecimento pblico de organizaes que
muitas vezes ficavam margem das negociaes polticas locais.
So expressivos - embora francamente minoritrios - os exemplos em
que os conselhos tiveram papel decisivo nosprocessos de
desenvolvimento (4): um dos mais conhecidos o de Chopinzinho no
Sudoeste do Paran. Osucesso desta experincia local explica-se no s
pela inteno explcita do corpo tcnico local e da prefeituraem
estimular a mais ampla participao dos agricultores nas decises dos
conselhos e em buscar formas no-convencionais de gerao de renda,
mas tambm pela prpria histria da regio em que se insere. A
experinciade Chopinzinho certamente um dos resultados dos trabalhos
que h mais de 30 anos as Comunidades Eclesiais
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de Base souberam desenvolver na regio e que estimularam a
reflexo crtica por parte de grande nmero deagricultores, cujos
filhos hoje ocupam lugar de destaque em organizaes
no-governamentais, nas novascooperativas de crdito, em algumas
administraes municipais e no corpo tcnico dos que assessoram o
prprioFrum de Desenvolvimento Sustentvel do Sudoeste
Paranaense.
bem verdade que o mtodo de composio do conselho embute um
permanente risco de burocratizao: noParan, 55% dos conselhos no
especificaram o tempo de mandato de seus participantes. Apesar
disso, osconselhos freqentemente permitem expresso pblica de uma
organizao difusa e capilar de pequenasassociaes locais, grupos de
agricultores mais ou menos formalizados voltados venda de produtos,
ao uso deequipamentos em comum, formas de agregao social na maior
parte das vezes pouco conhecida e poucodocumentada. Talvez o mais
importante desafio histrico dos conselhos de desenvolvimento rural
esteja navalorizao desta vida associativa no meio rural que no se
confunde com as organizaes formais como ossindicatos e as
cooperativas, mas que forma o substrato que lhes d sentido e
consistncia. Um conselhomarcado fundamentalmente pela presena de
polticos, de sindicalistas, de cooperativas e com tmidaparticipao
de agricultores das associaes locais corre fortemente o risco de no
ser mais que uma fracacorreia de transmisso pela qual passam
recursos federais.
Em suma, no existe receita que possa ensinar o segredo do
funcionamento "justo e competente" de um conselhogestor. Talvez o
mais importante que as foras sociais comprometidas com o processo
de desenvolvimento rural
estejam conscientes da contradio inerente a esta forma que vem,
cada vez mais, assumindo as polticaspblicas. Seu potencial
transformador permanentemente ameaado pela tentao de burocratizar
as decises,de incorporar o conselho rotina da vida local, de
permitir que seja dominado por direes j consolidadas. Masto
importante quanto a preocupao com os mtodos e a composio do
conselho voltar-se ao que ele faz epode fazer. o que ser visto a
seguir.
Municpio e desenvolvimento
Os municpios do PRONAF infra-estrutura e servios foram
selecionados com base num conjunto de critriosobjetivos que visaram
atingir os mais pobres, os mais agrcolas e os de menor populao.
Estes critrios foramjustificados sob dois ngulos. Em primeiro lugar
buscou-se atender s localidades mais carentes, onde o
dinheirofederal poderia potencializar maior eficincia ao prprio uso
do crdito por parte dos agricultores. Alm disso, paraa administrao
federal, possuir um conjunto de indicadores objetivos funciona como
uma barreira para reduzir apresso dos representantes polticos
locais sobre a transferncia de fundos pblicos. Por mais que se
procuredotar a atribuio de recursos aos municpios de um carter
objetivo e de uma administrao burocrticaprofissionalizada,
permanente a tentao de se fazer das verbas federais um instrumento
de acumulaopoltica que, com freqncia, estimula o clientelismo.
Neste sentido, critrios estatsticos objetivos contribuem aomenos
para atenuar esta caracterstica ligada aos processos de
transferncia de recursos para os municpios.Alm disso, no plano
municipal que os cidados tm as melhores oportunidades de controle
sobre a vida pblica,tanto em funo do interconhecimento existente
nos pequenos municpios, quanto da existncia das
instnciasrepresentativas do prefeito e da Cmara dos vereadores. A
vida dos pequenos municpios caracteriza-se por umaespcie de
transparncia social que poderia, em tese, favorecer a ao
coletiva.
Apesar destas virtudes, o carter municipal dos conselhos
apresenta serssimos limites que comprometem osobjetivos para os
quais foram criados. O municpio certamente uma instncia bsica de
tomada de decisespolticas e administrativas quanto a vrios aspectos
da vida do cidado: mas pode ele ser a esfera principal doprocesso
de desenvolvimento? Vejamos a questo mais de perto.
Metade dos conselhos municipais de desenvolvimento rural do
estado do Rio Grande do Sul localiza-se emmunicpios com menos de
sete mil habitantes. Dos 56 municpios selecionados, apenas 18
possuem mais de 10 milhabitantes, segundo o Censo Demogrfico de
2000. Se a existncia de uma populao pequena oferece avantagem de
permitir laos de confiana entre os cidados, a verdade que, neste
nvel, as chances deconstruir processos inovadores de gerao de renda
e criao de novas oportunidades de trabalho so muitoreduzidas. Tanto
mais que os municpios considerados tendem a ser excessivamente
pobres.
Na verdade, a vitria sobre a pobreza existente no poder vir
apenas da mobilizao das foras do municpio,mas, sobretudo, em sua
capacidade de ligar-se a atores sociais que no pertencem vida
cotidiana local. Nemsempre os vnculos sociais entre os indivduos
capacitam-nos tomada de iniciativas que contribuam para
suaemancipao social. Os laos sociais das pequenas localidades
apresentam-se, muitas vezes, comprometidos comformas de dominao
sufocantes para os mais jovens. A confiana que emerge da tradio
raramente suficientepara a tomada de iniciativas inovadoras. Novos
empreendimentos so freqentemente encarados com descrenae at mesmo
ridicularizados. O comunitarismo prprio a sociedades locais pode
representar o contrrio doprocesso de desenvolvimento, como bem
mostra Douglass North (1990-1994: 35). Os custos de transao entreos
indivduos so baixos: todo mundo sabe quem quem e os contratos
realizam-se no "fio do bigode", semnecessidade de grandes aparatos
jurdicos para exigir seu cumprimento. O universo cultural homogneo.
Acontrapartida uma forte tendncia a encarar como nocivo o que vem
de fora e a restrio de fato do crculo deparceiros com os quais se
tomam iniciativas econmicas. So situaes que reforam a coeso
comunitria, masinibem a autonomia dos indivduos e, por a, sua
criatividade. Comunidades tradicionais podem possuir formas decoeso
admirveis, entretanto incapazes de propiciar novas situaes de
desenvolvimento. O importante quedesenvolvimento supe
necessariamente inovao, ainda que seja inovao na maneira como a
tradio se insere
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socialmente, se redefine.
exatamente neste sentido que a literatura recente sobre capital
social (Narayan, 1999; Woolcock, 1998;Putnam, 2000; Moyano, 2001)
distingue dois tipos fundamentais de vnculos entre os indivduos.
Por um ladoesto os laos de tipo cola: a confiana que se forma com
base na identidade social dos atores, em seusentimento comunitrio
de pertencer ao mesmo universo, partilha de tradies e valores
comuns. Estes laosso importantes, mas, por si s, insuficientes para
permitir a mobilizao de recursos capazes de estimulariniciativas
inovadoras. Mais que isso, tais laos podem representar o fechamento
deste conjunto social sobre siprprio, ossificando as formas locais
de dominao, o que vai resultar na impossibilidade de incorporar
asaspiraes das novas geraes e de novas demandas. Razo pela qual
adquire importncia um outro tipo de
vnculo entre os indivduos que tem um formato de ponte: a
capacidade de um determinado grupo de ampliar ocrculo de relaes em
que se movem os indivduos, alm daqueles que participam
imediatamente de sua vidasocial. Um dos critrios mais importantes
para o sucesso dos assentamentos, por exemplo, esteve na
capacidadede ligar vnculos do tipo cola a laos do tipo ponte, como
mostra estudo de Bittencourt et al. (1999). Os
melhoresassentamentos foram aqueles que conseguiram se inserir nas
sociedades locais, conquistando relaes durveiscom atores que
extrapolam o crculo social dos assentados. O mesmo raciocnio se
aplica a um pequeno municpio:to importante quanto a confiana entre
os membros de uma certa localidade a capacidade de ampliar asrelaes
sociais, fazendo da coeso interna uma alavanca para aproveitar
oportunidades que o prprio municpio,por seu prprio tamanho, incapaz
de oferecer.
claro que estes dois tipos de vnculos (coeso comunitria interna
e capacidade de relacionar-se com atoressociais distantes de seu
mundo social imediato) devem se apoiar num terceiro elemento
decisivo que ocomportamento da prpria burocracia estatal. Um dos
maiores desafios dos processos de desenvolvimento aconstruo de
regras universais, no-clientelistas, baseadas em critrios
socialmente vistos como racionais naatribuio de recursos pblicos.
Como bem mostra Woolcock (1998), a integridade organizacional do
Estado umadas mais importantes bases para que as iniciativas dos
indivduos sejam canalizadas em direo a projetoscoletivos.
Ora o carter municipal dos planos de trabalho no estimula e at
inibe iniciativas que extrapolem o crculo localde atribuio dos
recursos pblicos. O plano de trabalho de cada municpio tende a
confinar-se a esta esferarestrita cujas possibilidades de oferecer
novas chances so extremamente limitadas. Esta uma das razes
queexplicam a distncia entre os planos municipais e um projeto de
desenvolvimento rural.
Os mecanismos brasileiros de repasse de recursos federais no
incentivam a cooperao entre foras sociaispertencentes a vrios
municpios. Embora 37% dos municpios brasileiros possuam consrcios
intermunicipais (44%deles nos de at cinco mil habitantes) somente
na rea de sade que este tipo de associao tem algumsignificado. Nos
demais setores mencionados (mquinas e equipamentos, educao, limpeza
e coleta de lixo,abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e
habitao), os consrcios no atingem nunca mais que 4% dosmunicpios.
Em nenhum caso citado algo que lembre planejamento regional. A
verdade que os pequenosmunicpios no so verdadeiras unidades de
planejamento. Embora quase todos os municpios brasileiros tenhamlei
orgnica, somente 100 dos 1.407 com menos de cinco mil habitantes e
115 dos 1.320 situados entre cinco mile 10 mil habitantes possuem
um plano diretor, que s aparece de maneira majoritria em municpios
com mais de100 mil pessoas (IBGE, 2001).
O Perfil dos municpios brasileiros no cita a existncia de
associaes de municpio, cuja importncia no Sul j hoje bastante
conhecida. Mas a verdade que, de maneira geral, os municpios
recebem mais estmulos paracompetir do que para colaborar entre si.
No h qualquer incentivo para que o uso dos recursos seja planejado
demaneira associada entre foras sociais pertencentes a vrios
municpios. Como as bases eleitorais dos prefeitos evereadores esto
no municpio, no h interesse objetivo numa cooperao que v alm dos
limites estritamentelocais. raro, assim, que recursos do PRONAF
infra-estrutura sejam usados de maneira consorciada para
ampliarpossibilidades econmicas de mais de um municpio. O resultado
que os recursos que chegam ao conselhotendem a ser usados para
suprir deficincias elementares dos municpios - muito mais de
infra-estrutura que deservios - mas no se caracterizam como um
plano de desenvolvimento rural. o que ser visto a seguir.
Crescimento agropecurio ou desenvolvimento rural?
Quando se trata de sade, previdncia social, educao ou segurana,
o objeto especfico e os atores sociaisque compem os conselhos
gestores so mais ou menos claros - o que no garante seu
funcionamento "justo eeficiente", mas delimita de maneira mais ou
menos ntida seu mbito de atuao. As atribuies de um conselhotutelar,
de uma comisso de sade ou de educao esto contidas no prprio assunto
em torno do qual serenem. As organizaes envolvidas na atribuio de
recursos (a escola, o hospital, a ambulncia) tambm nomudam muito
por maiores que sejam as diferenas nas concepes a respeito do que
sade, educao ousegurana.
Mas no se pode dizer o mesmo de conselhos voltados
especificamente a gerir processos de desenvolvimento.Tanto nos
casos de oramento participativo, como nos de desenvolvimento rural
ou urbano, as competnciastcnicas requeridas, o alcance e as
conseqncias das decises tomadas, vo muito alm de uma rea temticae
envolvem um conjunto aberto de fatores e organizaes de que se compe
o prprio processo de
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desenvolvimento. O mandato de um conselho municipal de
desenvolvimento rural ultrapassa largamente aquilo a
que tanto os tcnicos como os cidados esto habituados em suas aes
cotidianas. Ao mesmo tempo, evidente que tal mandato s pode
pertencer a esta associao entre tcnicos, polticos e cidados, uma
vez quese trata de antever, de projetar, de partir do
estabelecimento de uma utopia quanto maneira como deve serusado o
espao no qual o desenvolvimento vai ocorrer. Como mencionado no
item anterior, o mbito estritamentemunicipal em que ocorrem as
transferncias de fundos federais faz dos conselhos instncias de
deciso sobre usode recursos e no momentos de reflexo coletiva sobre
a maneira como uma determinada sociedade pretendereforar os laos
econmicos e sociais em que sero descobertas as vocaes de um
determinado territrio.
Box 2
Desenvolvimento como Liberdade
No existe consenso sequer entre os especialistas sobre o
significado da palavradesenvolvimento. Na verdade, trata-se de um
termo que se generalizou nascincias sociais contemporneas aps a
Segunda Guerra Mundial e que,freqentemente, at hoje, confundido com
crescimento econmico. O prmioNobel de economia de 1993, Amartya
Sen, define desenvolvimento como oprocesso de ampliao das
capacidades de os indivduos fazerem escolhas. O quesurpreende nesta
definio que ela no se concentra imediatamente em fatoresmateriais,
em indicadores econmicos, mas na ampliao do horizonte social davida
das pessoas. A base material do processo de desenvolvimento
absolutamente decisiva, sem dvida. Mas ela deve ser encarada como
um meio eno como um fim. No bvio que o crescimento econmico, por
exemplo, seassocie de maneira automtica a um processo de
desenvolvimento. deste tipode reflexo que resultou a preocupao
contempornea com ndices dedesenvolvimento social que vo muito alm
da capacidade produtiva de umasociedade: a questo saber se o
aumento desta capacidade produtiva trazbem-estar. Mais que isso,
trata-se de saber se ela melhora a qualidade da vidaem comum, a
confiana das pessoas no futuro e sobretudo sua possibilidade
delevar adiante iniciativas pelas quais possam realizar seu
potencial e contribuir demaneira valorizada para a vida social. por
isso que Sen sintetiza sua reflexodizendo que desenvolvimento
"poder contar com a ajuda de meus amigos": nose trata de restringir
a ambio contida na palavra desenvolvimento, mas, aocontrrio, de
impedir que ela se submeta aos puros imperativos do
crescimentoeconmico. por isso que sua preocupao fundamental estudar
o"desenvolvimento como liberdade", ttulo de seu ltimo livro (Sen,
1999-2000).
O que se conhece at aqui dos planos de trabalho elaborados pelos
conselhos chama a ateno para algumascaractersticas fundamentais. Em
primeiro lugar, na sua grande maioria, o formato mais de uma lista
de comprasque de um projeto de desenvolvimento. As carncias dos
municpios so imensas, ento, com toda a boa f, oplano procura obter
do governo federal o necessrio para supri-las. Donde, uma certa
padronizao dos projetosque revela no s a precria participao pblica
em sua elaborao - com a ntida presena, por vezes deempresas de
consultoria que j levam o plano pronto para o conselho -, mas a
reduo da funo planejadora demanda de certos itens que fazem falta
no municpio.
Uma segunda caracterstica comum aos planos de trabalho reside em
sua natureza, na maior parte das vezes,estritamente agrcola e,
ainda assim, voltada apenas s aes econmicas j levadas adiante pelos
membros dacomunidade. Na verdade, o corpo tcnico que assessora a
formulao dos planos e a base social dos conselhosno est voltada ao
conjunto do processo de desenvolvimento, mas ao fortalecimento das
necessidades daagricultura e dos agricultores.
A rede nacional de extensionistas foi o corpo orgnico em que se
apoiou fundamentalmente a proliferao dosconselhos municipais de
desenvolvimento rural. A equipe gestora do PRONAF em Braslia foi
formada por umpequeno ncleo (menos de 15 pessoas) de extensionistas
que encontraram em seus pares nos estados emunicpios, os atores
sociais que permitiam imprimir uma certa uniformidade criao dos
conselhos e elaborao dos planos de desenvolvimento rural. A extenso
- juntamente com o movimento sindical detrabalhadores rurais - uma
das organizaes mais capilarizadas pelo interior do pas e sem ela
esta pea decisivana montagem do PRONAF no teria vindo luz. Se o
PRONAF pde apoiar-se em uma estrutura muito leve noplano federal,
foi por ele contar com a rede difusa - e inevitavelmente heterognea
- da extenso rural para levaradiante uma nova poltica centrada na
importncia da agricultura familiar.
O extensionista rural, entretanto, est muito mais voltado ao
planejamento das unidades de produoagropecuria do que para o
desenvolvimento de um certo territrio (Abramovay, 1998). Talvez o
maior desafio
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que se apresenta hoje extenso rural brasileira seja exatamente
este: que sua competncia tcnica e seucrescente comprometimento
poltico com a agricultura familiar permita que ela se converta, de
organismo voltado assistncia aos agricultores, em unidade que
planeja, juntamente com os atores locais, o processo
dedesenvolvimento territorial. O desafio mais importante, neste
caso, descobrir os potenciais de gerao de rendaexistentes num
determinado territrio e que vo muito alm daqueles contidos
estritamente no crescimento daagropecuria. Isto supe que os
conselhos de desenvolvimento no se confinem ao universo restrito
dosagricultores e que suas pautas contemplem possibilidades de
gerao de renda que a agropecuria por si s incapaz de permitir. Um
conselho de desenvolvimento rural no pode ser norteado pela
preocupao estrita deoferecer condies melhores ao funcionamento das
unidades agropecurias de um determinado municpio. Estehorizonte o
condenar fatalmente frustrao e ser incapaz de mobilizar as melhores
energias e os melhores
talentos das foras vivas de uma regio.
A primeira misso de um conselho de desenvolvimento rural
consiste em insurgir-se contra a crena fatalista toarraigada na
opinio brasileira de que as palavras rural e desenvolvimento so
antagnicas. O que a experinciainternacional tem mostrado que tanto
nos casos das regies urbanas mais problemticas, como nas
reasrurais, o processo de desenvolvimento depende de uma ao pblica
reunindo atores governamentais dediferentes reas e a sociedade
civil local (5). Esta unidade - que sempre conflituosa - no pode
servir apenas alegitimar poderes polticos tradicionais. Sua
eficincia depende de duas condies bsicas: em primeiro lugar, quese
estabeleam metas suficientemente ambiciosas para motivar o trabalho
dos indivduos e dos grupos sociaismais dinmicos de uma regio e
suficientemente realistas para estabelecer objetivos capazes de
serem atingidosnum prazo determinado. Estas metas devem ser
precedidas por ampla discusso a respeito das vocaes de
umdeterminado territrio, de seu potencial, da maneira como ele pode
ser valorizado socialmente, beneficiando comisso os que ali vivem.
Se a base social desta valorizao est nos agricultores familiares, o
segredo dos processosinovadores reside exatamente na capacidade de
o planejamento no se confinar esfera estrita econvencionalmente
estabelecida do que j se faz em agricultura. Na regio Sul, mais
ainda que no restante dopas, motivar os jovens para estabelecer
seus projetos de vida no meio rural no pode depender estritamente
dasatividades hoje predominantes na agropecuria. a esta descoberta
que os conselhos devero se dedicar.
A segunda condio para o funcionamento de um conselho de
desenvolvimento rural que ele seja capaz deestabelecer contratos
confiveis (6) tanto entre seus membros e a populao beneficiada por
seu funcionamentocomo tambm com os organismos que o financiam. Alm
do aspecto administrativo - no qual o PRONAF infra-estrutura, ao
que tudo indica, tem sido exemplar, com a exceo que rendeu tanto
estardalhao na imprensa doocorrido recentemente no estado de
Pernambuco - o mais importante que o Plano de Desenvolvimento seja
umprotocolo de prticas que materializam a ambio de uma certa
comunidade a respeito de seu territrio. Orevigoramento das regies
rurais brasileiras depende, antes de tudo, de iniciativas que
procurem associar, no meiorural, o trabalho ao conhecimento, que
ofeream horizontes promissores aos jovens e, sobretudo,
quetransformem a experincia de gesto de unidades produtivas
agropecurias em fonte de estmulo aoempreendedorismo, criao de novas
organizaes econmicas que no sejam a pura repetio daquilo que ospais
j faziam. Mas a emergncia do empreendedorismo no meio rural no vir
do fato de um conselho dedesenvolvimento rural conseguir melhorar a
estrada num determinado municpio: ela depende de uma
assessoriaconsistente de organizaes especializadas aos conselhos
que poder vir, como j foi assinalado, dasUniversidades, dos colgios
agrcolas, mas tambm do sebrae, das associaes comerciais e de um
variadoconjunto de entidades sensveis aos potenciais que o meio
rural oferece ao processo de desenvolvimento.
Observaes finais
Existe um conflito potencial entre a necessidade de os conselhos
se apoiarem em uma forte e representativa baselocal, por um lado, e
a urgncia de que eles extrapolem os limites dos municpios para que
se tornem unidadesefetivas de planejamento. Desenvolvimento local
no pode ser confundido com uso de recursos no municpio. Oadjetivo
"local" sugere a insuficincia dos processos nacionais de
crescimento econmico como condionecessria e suficiente ao processo
de desenvolvimento: no plano local sero criadas as capacidades
quepermitiro que se ampliem as escolhas dos indivduos. O
desenvolvimento rural no pode ser alcanado em virtudeapenas das
dificuldades que hoje enfrentam os grandes centros metropolitanos,
mas porque uma partesignificativa da populao rural vai encontrar
onde vive o estmulo para construir seu futuro. O maior desafio
dosconselhos de desenvolvimento rural, neste sentido, que deixem de
ser unidades de recepo de recursosfederais e se convertam em
centros de reflexo, planejamento, estabelecimento de metas e
contratos quanto aodestino das regies que representam. Os conselhos
contam para isso com preciosa base tcnica e comorganizaes
representativas que so seu maior trunfo.
Uma vez iniciada a formao da rede nacional que rene
extensionistas, movimentos sociais e intelignciauniversitria na
formao dos conselhos de desenvolvimento rural, urgente que se
caminhe para mudar oformato atual, que no tem estimulado os
conselhos a preencherem as funes para as quais foram concebidos
ecriados.
Uma parte dos recursos que o governo federal destina ao PRONAF
infra-estrutura deveria se voltar a iniciativas deconsrcios
municipais de desenvolvimento, cujos planos de aplicao de recursos
contariam com a assessoria nos da extenso, mas tambm das
universidades existentes nas diversas regies do pas. No se trata de
implantartal sistemtica de uma hora para outra, mas de estimular
sua apario e, gradualmente, consagrar-lhe cada vez
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mais recursos. impossvel dizer de antemo qual a dimenso ideal e
as atribuies especficas destes consrciosmunicipais: o importante
que eles possam ser dotados no s de um verdadeiro esprito de
planejamento, masque dem lugar formao de agncias locais executivas
de suas deliberaes. Agncias intermunicipais deplanejamento podem
representar claro, uma ameaa ao poder dos prefeitos e at das Cmaras
de vereadores. evidente que os poderes democrticos existentes so
componentes decisivos de um processo de planejamento:alis, este
processo ser tanto mais eficiente quanto mais as prefeituras e as
Cmaras de vereadores neleenxergarem no uma ameaa potencial a seu
poder, mas, ao contrrio, um meio de enriquecer a participao dos
cidados nos negcios pblicos.
Notas
1 Texto preparado para o seminrio "Desenvolvimento Local e
Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural",organizado pela
EMATER/RS, pela FETAG/RS com apoio da GTZ, nos dias 20 e 21 de
junho de 2001.
2 Ver, neste sentido, o importante balano realizado no seminrio
"Os conselhos gestores de polticas pblicas noBrasil" (Carvalho
& Teixeira, 2000).
3 o ttulo de uma importante obra que avalia diferentes modelos
de participao cidad nos negcios pblicos.Ver Renn et al., 1995.
4 O estudo da EMATER do Paran, conduzido por Valter Bianchini
& Reni Denardi, mostra a diferena que aorganizao pode fazer nos
prprios resultados econmicos de um municpio. Ver EMATER, 2000 e,
para umcomentrio, Abramovay, 2001.
5 Ver o importante trabalho da OCDE (1998) voltado exatamente a
bairros urbanos decadentes e a reas ruraisincapazes de atrair
espontaneamente significativos investimentos privados.
6 Jos Eli da Veiga (2001) insiste na importncia de que o
conjunto das transferncias de recursos pblicosdestinados ao
desenvolvimento rural venha a adquirir uma dimenso contratual:
tanto mais que os atores desteprocesso de desenvolvimento, como ele
bem mostra, no so apenas os que vivem fundamentalmente
daagropecuria.
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21/3/2014 Estudos Avanados - Conselhos alm dos limites
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142001000300011&script=sci_arttext
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Ricardo Abramovay professor titular do Departamento de Economia
da FEA e presidente do Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental
da USP ([email protected]). co-autor de Os impasses sociais da
sucessohereditria na Agricultura Familiar, EPAGRI/NEAD, 2001. O
autor agradece o envio de materrial e a leitura crtica feita por
Dionei Delevati, Valter Bianchini, GilsonBittencourt e Ignacy
Sachs, sendo porm o nico responsvel pelo contedo do texto.
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