Universidade Federal do Pará Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular Lícia Mara da Silva Oliveira Abordagem Fonoaudiológica na Investigação dos Aspectos Neurolinguísticos da Afasia de Broca Belém 2009
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Universidade Federal do Pará Instituto de Ciências Biológicas
Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular
Lícia Mara da Silva Oliveira
Abordagem Fonoaudiológica na Investigação dos Aspectos Neurolinguísticos da Afasia de Broca
Belém 2009
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Lícia Mara da Silva Oliveira
Abordagem Fonoaudiológica na Investigação dos Aspectos Neurolinguísticos da Afasia de Broca
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Neurociências e Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Pará. Área de Concentração: Neurociências Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Sumi Yamada
Belém 2009
Dados Internacionais da Catalogação-na-Publicação (CIP) Biblioteca de Pós-Graduação do ICB-UFPA – Belém (PA)
Oliveira, Lícia Mara da Silva
Abordagem fonoaudiológica na investigação dos aspectos neurolinguísticos da afasia da broca / Lícia Mara da Silva Oliveira;
orientadora, Elizabeth Yamada. – 2009.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Neurociências e
Biologia Celular, Belém, 2009.
1. Afasia. 2. Distúrbios da linguagem. 3. Fonoaudiologia. 4.Neurolinguística. 5. Distúrbios da fala. I. Título.
CDD – 20. ed. 616.8552
Lícia Mara da Silva Oliveira
Abordagem Fonoaudiológica na Investigação dos Aspectos Neurolinguísticos da Afasia de Broca
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Neurociências e Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Pará. Área de Concentração: Neurociências
Data de Aprovação: Banca Examinadora: ________________________________ Orientadora: Elizabeth Sumi Yamada Titulação: Doutora Instituição: UFPA _________________________________ Membro: Olavo de Faria Galvão Titulação: Doutor Instituição: UFPA __________________________________ Membro: Kátia Simone Kietzer Titulação: Doutora Instituição: UFPA
Para todas as pessoas que assim
como eu, testam seus limites e acreditam que
os obstáculos são apenas impulsionadores
de crescimento.
AGRADECIMENTOS
Todo o discurso aqui registrado reflete o misto de várias interlocuções e
de várias vozes que fizeram parte de minha elaboração mental e refletiram,
sensitivamente, em minha produção...
Obrigada pelo ressoar das vozes de:
Meu pai, amado pai, por estar presente em todas as etapas desta
caminhada, ajudando-me a compreender tudo aquilo que eu achava
incompreensível... seus ensinamentos me mostraram o valor de uma vida útil e
produtiva...você está eternizado em mim;
Minha amada mãe, pelo amor e incentivo, por acreditar que sou capaz
de mudar o mundo... como só mãe sabe fazer!!! Obrigada mãe, por tudo o que
a vida nos permitiu...
Profª. Drª. Elizabeth Sumi Yamada, minha orientadora, por sua
competência profissional, pela amizade e por toda a credibilidade no estudo,
possibilitando que uma ideia se tornasse realidade;
Hospitais João de Barros Barreto e Bettina Ferro de Souza, em especial
a médica neurologista Dra. Madacilina por sua sensibilidade no atendimento
aos pacientes afásicos e por toda a assistência durante a coleta de dados ao
estudo;
Fonoaudiólogas Daniella e Lillian Valéria pela amizade e por me
ajudarem na seleção de informantes para a pesquisa;
Núcleo de Afasia da UNAMA, em especial, a querida professora
Fonoaudióloga Ameliana Carneiro, coordenadora da Clínica de Fonoaudiologia,
por todo carinho com que recebeu a solicitação de pesquisa e por garantir que
minhas avaliações no núcleo fossem terminadas;
Minha querida Diretora Regina Brito e a Presidente do CIEES Rosa
Lasmar, pela ajuda nunca negada... vocês facilitaram de todas as formas esse
percurso, ajudando-me a tornar um sonho em realidade;
Querido professor Manoel Ayres pelas inesquecíveis interlocuções...
aprendi não só estatística mas o valor de uma vida verdadeiramente vivida;
FIBRA nas pessoas da Profª. Isabel Amazonas, Prof. Átila Marinho e
Prof. Vicente Noronha por acreditarem em minha competência profissional,
permitindo-me a fantástica experiência da docência no nível superior;
Aos queridos pacientes afásicos, atores principais, que mesmo em suas
mais diversas diferenças, em uníssono, mostraram que não existe o
impossível;
A minha amiga, sempre presente em meu coração, Fonoaudióloga
Márcia Salomão por seus ensinamentos e por ter me mostrado um caminho
sem volta de amor à Fonoaudiologia;
As amigas Rosane Souza e Eliana Viégas pelas rodas de conversa, por
compreenderem minhas ausências e por compartilharem comigo, dia a dia, o
encantamento de trabalhar na Educação Especial;
Ao amigo Diogo, tão querido, por estar sempre presente com uma
disponibilidade inimaginável de ajudar o próximo. Obrigada amigo!;
A minha amiga-irmã Karin Sidartha pela presença, pela amizade
incondicional, pelos largos sorrisos que tivemos juntas...por ter compartilhado
comigo palavras e silêncios...;
Aos amados Soraya Stella Martins, Silvio Martins e Ricardo Lucas, que
junto comigo integram um quarteto muito mais que fantástico, por trazerem
alegria e leveza nos dias de tormenta... por sempre acreditarem que sou capaz
de grandes feitos...
Certamente outras vozes fizeram parte desta história, mas de tão
incorporadas em mim, posso ouvi-las, mas já não consigo discriminá-las...
Gosto dos venenos mais lentos. Das bebidas mais fortes. Dos cafés mais amargos. E os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer. E daí, eu adoro voar!
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .......................................................................... 12
LISTA DE TABELAS ................................................................................... 13
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 14 1.1 TEMA, QUESTÕES E OBJETIVOS DA PESQUISA ............................. 16 1.2 SIGNIFICÂNCIA DA PESQUISA ........................................................... 18
2 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................... 19 2.1 LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO .......................................................... 19 2.2 ESTRUTURAS ANATÔMICAS ENVOLVIDAS NA LINGUAGEM ......... 21 2.3 NEUROLINGUÍSTICA ........................................................................... 25 2.4 AFASIA .................................................................................................. 26 2.4.1 Abordagem Clássica ........................................................................ 27 2.4.2 Afasia de Broca ................................................................................. 28 2.5 ASPECTOS IMPORTANTES NA TERAPIA .......................................... 29 2.6 PLASTICIDADE CEREBRAL ................................................................. 31 2.7 VARIÁVEIS ENVOLVIDAS NA RECUPERAÇÃO DA AFASIA ............. 34
3 METODOLOGIA ....................................................................................... 35 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO ....................................................... 35 3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA .................................................................. 35 3.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO .................................................................. 35 3.4 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO ................................................................. 36 3.5 PROCEDIMENTOS DE COLETAS DE DADOS .................................... 36 3.5.1 Avaliação: primeiros passos ........................................................... 36 3.5.2 Aplicação do protocolo .................................................................... 37 3.5.2.1 Prova de designação ....................................................................... 37 3.5.2.2 Prova de execução de ordem simples ............................................. 37 3.5.2.3 Prova de elaboração de pensamento .............................................. 38 3.5.2.4Prova de linguagem de expressão verbal: fluência, fala espontânea, linguagem automática e nomeação ........................................
38
3.5.2.5Prova de compreensão escrita e leitura: leitura em voz alta, execução de ordens escritas e leitura silenciosa .........................................
39
3.5.2.6Prova de expressão escrita: escrita espontânea, ditado e cópia..............................................................................................................
39
3.5.3 Procedimentos pós-avaliação ......................................................... 40 3.5.4 Caracterização do programa fonoterápico proposto .................... 40 3.5.5 Reavaliação ....................................................................................... 41 3.6 ADVERSIDADES NO ESTUDO ............................................................ 42 3.7 PROCEDIMENTOS TERAPEUTICOS .................................................. 42 3.8 COMPONENTES ÉTICOS DA PESQUISA ........................................... 43
3.9 MÉTODO DE ANÁLISE ......................................................................... 43
4 ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................... 45 4.1 SOBRE O SEXO DOS PACIENTES ..................................................... 45 4.2 SOBRE AS MANIFESTAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS ENCONTRADAS .........................................................................................
45
4.3 SOBRE A MELHORA DOS PACIENTES APÓS TERAPIA .................. 47 4.4 SOBRE A MELHORA DAS MANIFESTAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS VERSUS A IDADE E O TEMPO DE INICIO DA TERAPIA ......................................................................................................
5 DISCUSSÃO DOS DADOS ...................................................................... 5.1 O QUE OS DADOS PODEM EVIDENCIAR...........................................
Na afasia de Broca (também chamada de afasia motora), que se
constitui como objeto de estudo deste trabalho, observam-se defeitos na
expressão da palavra falada ou escrita, e na capacidade que o indivíduo
apresenta de reconhecer os erros que ocorrem durante a própria expressão, o
3 Entenda-se por fonema a menor unidade distintiva de um vocábulo.
16
que lhe permite realizar com frequência a autocorreção linguística. O
vocabulário geralmente é limitado e, muitas vezes, utilizado esteriotipadamente
sem qualquer nexo.
Para caracterizar os aspectos comunicativos patológicos dos indivíduos
envolvidos na pesquisa, teve-se como referencial os estudos da
neurolinguística discursiva (ND), na qual a linguagem é considerada como
sendo constituída por meio de processos sócio-histórico-culturais. A linguagem
em funcionamento, então, é considerada como resultado da experiência e do
trabalho dos falantes com e sobre a linguagem (COUDRY, 2002).
Dessa forma, quando há alterações de linguagem em sujeitos
acometidos por dano neurológico, a ND subentende que estes já trazem as
suas experiências de falantes, ou seja, não perderam por completo sua
competência linguística e é a partir da linguagem que lhes resta que
reorganizam seus enunciados verbais e não-verbais.
Considerando esse olhar, nos aduz Fonseca,
“o dizer afásico, com frequência é desconexo, fragmentado, marcado por pausas, hesitações, segmentos ininterpretáveis, repetições, ou seja, circulação ou trânsito dos mesmos fragmentos no interior de um dizer. Tudo isso mostra o movimento linguístico discursivo implodindo a sequencialidade na fala dos pacientes” (1995, p.108)
Assim, entende-se a importância de manter a afasia em foco de
discussão como instrumento para o entendimento do funcionamento da
linguagem, bem como dos modos de aprimorar os procedimentos terapêuticos.
1.1 TEMA, QUESTÕES E OBJETIVOS DA PESQUISA
A opção pela análise do tema pautou-se nas incessantes inquietações
durante as atividades realizadas na clínica fonoaudiológica, na observância da
lentidão de melhora de pacientes diagnosticados como afásicos. O estudo,
então, poderia proporcionar uma possibilidade de resgate à discussão em
relação ao programa de fonoterapia oferecido, envolvendo aspectos
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concernentes à eficácia quanto à frequência e à duração das sessões de
fonoterapia, oferecidas hoje, a pacientes afásicos.
Para esta pesquisa, foram levantados os seguintes questionamentos:
a) Quais as manifestações neurolinguísticas mais evidentes na afasia
de Broca?
b) O programa fonoterápico oferecido hoje, compondo sessões de uma
vez por semana com duração de 30 minutos, tem sido eficaz para a
melhora comunicativa de pacientes afásicos?
c) Um programa fonoterápico com o diferencial de aumento quanto à
frequência e à duração de atendimento, teria influência positiva no
tratamento de pacientes afásicos nunca submetidos à fonoterapia?
Diante dessas questões, o objetivo geral foi o de “investigar quais os
aspectos neurolinguísticos presentes na linguagem afásica de Broca,
evidenciando se um programa fonoterápico diferenciado quanto à frequência e
à duração no atendimento poderia minimizar, de forma efetiva, as
manifestações neurolinguísticas da linguagem afásica”.
Constituíram-se objetivos específicos da pesquisa:
a) Identificar quais os aspectos neurolinguísticos mais frequentes na
linguagem afásica de Broca, mediante avaliação fonoaudiológica;
b) Estimar a prevalência das manifestações neurolinguísticas no grupo
de estudo;
c) Submeter indivíduos afásicos, que nunca haviam estado em
atendimento fonoaudiológico, à fonoterapia com diferencial quanto à
frequência e à duração no atendimento;
18
d) Comparar a progressão linguística de pacientes afásicos, que
iniciaram fonoterapia com aumento na frequência e na duração do
atendimento, com à de pacientes que se encontravam em terapia há
mais de seis meses em atendimento diferenciado ao proposto no
estudo;
e) Avaliar a influência da idade e do intervalo entre o acidente e o início
do tratamento sobre a reabilitação das manifestações
neurolinguísticas.
1.2 SIGNIFICÂNCIA DA PESQUISA
Uma das dificuldades enfrentadas pelos pacientes afásicos e seus
familiares após um derrame, é a ocorrência de alterações de linguagem
conhecidas como afasias, pois a afasia é um acompanhamento comum ao
Acidente Vascular Cerebral (AVC), (BRUST, 1976). A linguagem é um
instrumento valioso, permitindo ao ser humano, através de sua expressão oral
e escrita, manifestar seus desejos, sentimentos, além da efetiva autonomia às
ações que se realizam no mundo que o cerca. Considerando as patologias
neurológicas que possam ocasionar alterações de linguagem, as afasias
podem trazer sérios prejuízos sociais, emocionais e até econômicos aos
indivíduos em função das privações comunicativas. De acordo com Aftonomos
et al., (1999), aproximadamente um terço dos indivíduos que são acometidos
de um AVC, sofrerão as consequências, muitas vezes, devastadoras da afasia.
Observando, então, os danos orgânicos, psíquicos e sociais que o
quadro afásico pode trazer, é importante que se faça o estudo das
manifestações neurolinguísticas apresentadas, bem como uma avaliação
quanto à eficácia da terapia aplicada a estes indivíduos, no que concerne à
frequência e à duração, a fim de que seja possível a melhoria do déficit em sua
linguagem funcional. A revisão feita por Bhogal et al. (2003), sobre o impacto
da intensidade da terapia sobre a afasia reporta-se a vários trabalhos que
investigaram a intensidade da terapia aplicada a indivíduos afásicos avaliando
sua eficácia. Assim, podemos citar a investigação de Brindley et al. (apud
BHOGAL et al., 2003), que analisou a fala de 10 pacientes com afasia de Broca
19
crônica, submetidos a uma terapia intensiva de cinco horas, durante cinco dias,
no decorrer de 12 semanas. Nessa investigação, o pesquisador verificou uma
relação significativa entre o período intensivo de terapia e a melhora da
articulação da fala, da leitura e da expansão frasal. Ressalta-se, que a prática
clínica que vem sendo desenvolvida em Belém/PA, no Núcleo de Afasia da
Universidade da Amazônia, trata estes indivíduos uma vez por semana, com
sessões fonoterápicas de 30 minutos, sendo, dessa forma, importante
pesquisar até que ponto esta frequência e duração terapêutica podem trazer
benefícios4 a estes pacientes.
Outro aspecto relevante é a parceria que deve existir, principalmente,
entre os cuidadores e o indivíduo afásico. As orientações quanto à nova
condição comunicativa do afásico devem ser fornecidas claramente, pois de
acordo com Hough & Pierce (1994) é desconhecido, no meio terapêutico, como
eles lidam com as informações sobre a lesão, a doença e as expectativas de
ajuste do paciente à sua nova condição. Esta desinformação, verdadeiramente,
causa impacto nas atividades comunicativas do indivíduo afásico, pois quanto
mais informado sobre a condição e o prognóstico estiver o cuidador,
provavelmente melhor será a dinâmica comunicativa.
Na construção de um processo de reeducação linguística eficaz, tem-se
como ponto positivo e importante uma efetiva interação entre o afásico e
aqueles que lhe são mais próximos.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
É importante, antes de adentrarmos nos entremeios da linguagem,
ressaltar que neste estudo, entenderemos a língua como um instrumento de
comunicação, um sistema de signos específicos aos membros de uma mesma
comunidade linguística. A fala, ao contrário, será entendida como um fenômeno
físico e concreto que pode ser analisado seja diretamente, com a ajuda do
4 O termo benefício/melhora compreendido no estudo reporta-se à redução e/ou à extinção das
manifestações patológicas encontradas durante a expressão oral dos sujeitos, bem como o retorno de suas habilidades de reorganização mental.
20
ouvido humano, seja graças a métodos em instrumentos análogos aos
utilizados pelas ciências físicas. Assim, a língua é, portanto, uma instituição
social específica, enquanto a fala é um ato individual com contexto imediato
antecedente e subsequente mensuráveis. Após entendermos a dicotomia entre língua e fala, a linguagem pode ser
definida como um conjunto de símbolos linguísticos organizados de forma que
o ser humano possa se comunicar, ou seja, é a faculdade humana e abstrata
de representação de conteúdos (ZORZI, 2003).
Sendo o objetivo precípuo da linguagem a comunicação, Price (2000)
caracteriza este fenômeno como uma faculdade mental que envolve a
associação de sons e símbolos gráficos para que nos seja possível externalizar
sentimentos e pensamentos abstratos. Nesse processo, algumas habilidades
são importantes como a percepção fonológica que envolve os sons das
palavras; a grafia das palavras e o aspecto semântico5 que corresponde ao
significado das palavras, bem como o conhecimento pragmático6, isto é, o da
palavra em uso.
Falar é tão natural para os seres humanos, que só nos detemos para
examinar seu funcionamento nos casos de distúrbios. O comportamento
comunicativo humano tornou-se, na verdade, uma atividade primordialmente
oral. Esta oralidade é justamente o que nos tornou diferentes dos outros
animais, já que a capacidade de articulação dos fonemas é inerente ao ser
humano. Com o desenvolvimento da comunicação linguística oral e
posteriormente da escrita, não apenas nos comunicamos, mas temos a
capacidade de juntar os fonemas que ao se recombinarem expressam palavras
e ideias diferentes, quando das manifestações discursivas (DEACON, 1997).
Segundo, ainda, o autor: [...] o desenvolvimento pré-frontal nos fez todos os sábios da linguagem e da aprendizagem simbólica [...] (DEACON, 1997, p. 416)
Dessa forma, a linguagem falada é considerada um atributo universal do
ser humano. Esse termo não se aplica para definir outros sistemas de
5 Semântica corresponde ao estudo do significado e da significação das palavras no decorrer
das produções discursivas. 6 O aspecto pragmático da linguagem concerne às características de sua utilização quando da
produção discursiva pelos falantes, isto é, a língua em uso.
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comunicação tais como a linguagem dos animais e a linguagem musical, haja
vista nenhum outro sistema ter a característica da linguagem específica do ser
humano que se caracteriza pela sua articulação. Esta ideia é fortalecida por
Van Riper et al., (1997) ao dizer que embora todas as criaturas vivas se
comuniquem, apenas os seres humanos trocam informações através de um
código que chamamos de língua. Para estes autores, somente a espécie
humana desenvolveu um sistema elaborado de símbolos e procedimentos
compartilhados que combinados em unidades maiores têm um significado.
Observamos, ainda, a conceituação de Goldfeld (2003), quanto ao
fenômeno linguagem, que a considera como uma capacidade de o ser humano
se inter-relacionar de maneira inteligente e compreensível. Esta propriedade
nos permite a compreensão de comandos que são transmitidos através de
impulsos visuais ou auditivos, bem como a elaboração de respostas por
autoiniciativa ou reacionais a algum estímulo externo quando, também,
transmitimos nossos sentimentos.
Há tempos, a origem da linguagem humana tem ocupado a mente e a
imaginação do homem, razões pelas quais muitas justificativas para o
fenômeno estão encerradas nos mitos e nas doutrinas religiosas de muitas
culturas diferentes. A questão foi extensivamente debatida em termos
naturalistas, distintos dos religiosos ou sobrenaturais pelos filósofos gregos, e
teve considerável importância no desenvolvimento da teoria linguística
tradicional (LYONS, 1976).
2.2 ESTRUTURAS ANATÔMICAS ENVOLVIDAS NA LINGUAGEM
A capacidade de estruturar a linguagem constitui-se em um processo
importante e complexo, representando um marco diferencial entre os seres
humanos e os outros seres vivos. Portanto, há que se considerar a
complexidade de sua anatomofisiologia. A linguagem constitui-se em um instrumento de humanização do
pensamento. Nesse sentido, não se localiza uma função de pensamento ou de
linguagem, mas localizam-se aparelhos de recepção e de execução cuja lesão
causa perturbações irreversíveis. A linguagem, então, é assegurada pelo
funcionamento conjunto da maior parte do córtex apropriando-se dos aspectos
22
motor, proprioceptivo, auditivo, visual, sinalizando que não há uma fisiologia
própria da linguagem, sendo seus centros especializações de centros práxicos
e gnósicos já existentes na biologia humana.
Historicamente considera-se que os estudos da localização da
linguagem foram impulsionados a partir da afirmação de Broca de que a
pequena área localizada na porção inferior do córtex pré-frontal esquerdo (área
de Broca) seria o centro de produção da fala. Segundo Broca, lesões restritas a
essa área deveriam causar prejuízos à produção da fala, sem, contudo,
produzir déficits na compreensão da linguagem.
A relação cérebro-linguagem, ainda nos dias atuais, tenta agregar ideias
advindas da neuropsicologia, da neuroimagem e da psicolinguística para o
desenvolvimento de modelos sobre a anatomia funcional da linguagem. Um
avanço significativo veio em função de estudos investigativos sobre a
organização cortical do sentido da visão, que propõem uma associação destes
aos estágios iniciais de percepção da fala (HICKOK & POEPPEL, 2004).
As pesquisas de Paul Broca que datam de 1861 também foram de
grande relevância, pois a partir de seus estudos, em cérebros necropsiados de
pacientes que haviam perdido a capacidade de falar, apresentaram à
comunidade científica a descoberta da localização cerebral da fala e sua
natureza assimétrica. Assim, fica estabelecido que um dos hemisférios
cerebrais, geralmente o esquerdo, assume a especialidade funcional da
linguagem (THIEL, et al., 2006; DÉMONET, et al., 2005).
Price (2000) nota que a pesquisa de Paul Broca realizada em cérebros
necropsiados, priorizava indivíduos que haviam tido déficits articulatórios,
sendo observados danos na terceira circunvolução frontal do hemisfério
esquerdo, denominado, posteriormente área de Broca, a qual faz referência ao
planejamento motor da palavra, quando da articulação dos fonemas. Lesões
nesta área tendem a produzir a afasia de Broca.
Similarmente o neurologista Carl Wernicke (1848-1905) também realizou
estudos post mortem em indivíduos que tiveram perda da compreensão da fala.
Os danos encontrados no estudo referem-se às alterações no córtex temporal
superior posterior esquerdo, área, que mais tarde, recebeu o nome de área de
Wernicke (PRICE, 2000). Considera-se, então, que esta região esteja
23
relacionada com a percepção auditiva da palavra. A lesão nesta região tende a
produzir a afasia de Wernicke.
O ato de falar envolve áreas auditivas, bilateralmente localizadas no giro
temporal superior (Figura1). Este sistema de funcionamento cortical se
dicotomiza em dois ramos de processamento, sendo um ventral no córtex
temporal posterior inferior (giro temporal médio posterior), que está relacionado
ao mapeamento sonoro na compreensão (decodificação dos sons); e um ramo
dorsal na região posterior da fissura de Silvio no limite temporoparietal, que
envolve o mapeamento sonoro em relação às representações baseadas na
articulação – a fala propriamente dita (HICKOK & POEPPEL, 2004).
Figura 1: Áreas envolvidas na Fala: compreensão e expressão Fonte: www.freewebs.com/.../desenvlinguagem.htm
Classicamente são descritas três regiões do córtex associativo esquerdo
relacionadas às condutas linguísticas: as áreas de Broca, as de Wernicke e a
região da circunvolução angular, seguidas de outras zonas que possuem uma
inter-relação funcional com estruturas subcorticais, especificamente com os
gânglios basais e o tálamo (Figura 2). O comprometimento desses núcleos ou
das fibras que os conectam com aquelas áreas corticais está associado a
distúrbios afásicos da linguagem (CASANOVA et al., 1997).
Considerando Kertesz (apud AFTONOMOS et al.,1999) e Price (2000)
quanto aos déficits na habilidade de compreensão da linguagem, os aspectos
auditivos e visuais estão envolvidos e são intimamente relacionados com
24
lesões no lobo temporoparietal esquerdo se estendendo para além do giro
temporal superior posterior, que corresponde a área de Wernicke, envolvendo,
ainda, o lobo temporal inferior e os giros angular e supramarginal no lobo
parietal esquerdo.
Figura 2: Áreas associativas do Córtex Cerebral Fonte: www.islam-guide.com/pt/ch1-1-d.htm
Stromswold (1996) e Chi et al. (apud GOLDFELD 2003) corroboram a
ideia de que as áreas de linguagem no hemisfério esquerdo habitualmente são
consideradas como se desenvolvendo após à do lado direito. A região temporal
direita surge durante a 13ª semana gestacional, enquanto que a esquerda
surge após esse período, num espaço de sete a dez dias, e o desenvolvimento
dendrítico na região de Broca à esquerda se desenvolve posteriormente na
mesma região à direita.
Observando a relação dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo,
parece não haver uma condição excludente, ou seja, os dois são considerados
centros importantes para a linguagem em diferentes níveis. O hemisfério
esquerdo seria responsável pelo processamento do conteúdo linguístico,
analisando o significado do discurso à elaboração de uma resposta, enquanto
que o hemisfério direito analisa os aspectos sutis que envolvem o processo
comunicativo, como a melodia e a prosódia presentes na fala.
25
2.3 NEUROLINGUÍSTICA
A neurolinguística é a ciência que trata das perturbações da linguagem
(afasias), que implicam em prejuízos das estruturas cerebrais. A hipótese
fundamental da neurolinguística é a de que existe uma relação entre as formas
de desorganização verbal que podem ser descritas conforme os diversos
modelos lingüísticos, e os tipos patológicos estabelecidos pelo neurologista na
base da localização da lesão responsável (DUBOIS et.al.,1993).
O termo neurolinguística relaciona-se ao estudo da linguagem e das
suas bases anatômicas e fisiológicas no cérebro. Considerada um ramo da
linguística tem por objetivo descrever a linguagem patológica em relação a
determinadas áreas cerebrais.
Considerando Kagan & Saling (1997), o desenvolvimento da
neurolinguística resultou em procedimentos avaliativos e analítico-descritivos
que incluem baterias de teste-padrão que, de um modo geral, apresentam
inadequações. Estas se caracterizam por descontextualização das tarefas de
linguagem proposta, simulando situações artificiais para uma suposta atividade
linguística.
Nos termos da neurolinguística discursiva, o discurso é o mediador das
relações com o outro e com o mundo. É no diálogo produzido que se atribui
sentido e no qual a linguagem é constituída.
Em relação ao estudo das afasias, a partir da provocação discursiva,
consideramos como aspectos neurolinguísticos envolvidos na intenção
comunicativa: a anomia, a estereotipia, o jargão, a agramatismo e as
parafasias (JAKUBOVICZ & CUPELLO 1996).
Anomia: é caracterizada por inabilidade em denominar objetos.
Em geral, quando há um distúrbio na nomeação, a linguagem
espontânea do indivíduo também estará perturbada,
incapacitando-o para narrar fatos cotidianos;
Estereotipia: as estereotipias verbais são definidas como
segmentos linguísticos constituídos de apenas alguns fonemas ou
algumas palavras de uma locução, automaticamente repetidas
26
todas as vezes que o indivíduo tenta se comunicar oralmente.
Possuem caráter involuntário e aparece a cada tentativa de o
indivíduo falar alguma coisa. Esta repetição é totalmente
involuntária, embora o indivíduo tenha noção de seu
comprometimento linguístico;
Jargão: é caracterizado por uma produção verbal sem uma
identificação precisa, ou seja, um discurso sem mensagem. É
uma linguagem incompreensível, sem significado, perfeitamente
articulada, em um ritmo extremamente rápido. O indivíduo é
completamente inconsciente a respeito de sua fala jargonada;
Agramatismo: caracteriza-se por uma desorganização da
linguagem, tornando-a telegráfica. As regras sintáticas estão
ausentes, bem como os artigos, as preposições e os pronomes
pessoais. Há casos em que a fala é quase fluente, apesar de
apresentar muitos desvios gramaticais e dificuldades na seleção
de fonemas;
Parafasias: significa a troca de uma palavra por outra, durante a
emissão. Estas Parafasias podem ser: fonéticas quando ocorre
escolha inadequada do gesto articulatório; fonêmicas quando há
escolha inadequada da série de sílabas ou de fonemas durante a
emissão; formal com a inadequação e a seleção dos símbolos
linguísticos, havendo emprego de um nome no lugar do outro,
com semelhança na forma, enquanto na semântica ocorrem
trocas por proximidade ou oposições de significados.
2.4 AFASIA
É indiscutível que os estudos em afasiologia tiveram um
desenvolvimento considerável a partir dos estudos de Paul Broca em 1865,
quando descreveu um homem que foi chamado de “tan-tan” devido a sua
pronuncia estereotipada.
27
O estudo da afasiologia pode ser delimitado em três períodos
importantes, a considerar: abordagem clássica; contributos da neuropsicologia
e contributos dos mecanismos neurodinâmicos. Neste estudo situaremos de
forma sucinta a abordagem clássica por esta discorrer sobre os trabalhos de
Paul Broca.
2.4.1 Abordagem Clássica
Na antiguidade, considerando a relação entre transtornos da linguagem
e lesões cerebrais, os médicos hipocráticos estavam cientes da inervação
contra-lateral e da associação entre o déficit motor no hemicorpo direito e
transtorno da linguagem (KRISTENSEN, ALMEIDA & GOMES, 2001).
No final do século XVIII já se tinha acumulado um razoável
conhecimento sobre a afasia. No entanto, o interesse pela investigação das
bases neurológicas da doença era escasso, cabendo a Franz Joseph Gall
(1758-1828) reverter a situação, colocando a relação entre a afasia e o cérebro
em primeiro plano, tornando-se assim um importante precursor da
neuropsicologia (GLOZMAN 1996 in KRISTENSEN, ALMEIDA & GOMES,
2001).
Em 1861, Pierre Paul Broca (1824-1880) publicou um estudo anátomo-
clínico mostrando a relação entre o lobo frontal esquerdo e a linguagem, e em
1865, associou o hemisfério esquerdo à produção da fala e à ideia de
Fonte: Protocolo da Pesquisa. 4.2 SOBRE AS MANIFESTAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS ENCONTRADAS Os pacientes avaliados, em sua maioria, apresentaram manifestações
afásicas combinadas. Os resultados abaixo indicam o valor absoluto e
percentual observado, dessa distribuição, no grupo A (pacientes em início de
terapia) e no grupo B (pacientes que já estavam sendo tratados). Do total de 20
pacientes avaliados, 9 apresentaram anomia tanto no grupo A quanto no grupo
B; 7 apresentaram agramatismo no grupo A e no grupo B; 5 apresentaram
estereotipia no grupo A, enquanto 4 no grupo B; o jargão foi evidenciado em
apenas 5 indivíduos do grupo A; e 4 apresentaram parafasia no grupo A e 6 no
grupo B. Dessa forma, a análise evidenciou que a anomia e o agramatismo
foram as manifestações mais presentes durante a avaliação representando
90% e 70% dos achados patológicos, respectivamente (Tabela 3).
46
Tabela 3: Distribuição das Manifestações Neurolinguísticas Conforme o Grupo. Grupo A (n=10) Grupo B (n=10)
Fonte: Protocolo da Pesquisa A Figura 4 mostra as 12 manifestações patológicas que foram
evidenciadas no estudo, reiterando que a prevalência das manifestações
principais se deu em relação à anomia (80%) e ao agramatismo (66%). A
10 Entendem-se, neste estudo, como manifestações acessórias aquelas que não compõem o
grupo de cinco manifestações neurolinguísticas propostas pelo estudo, mas que foram evidenciadas na avaliação dos pacientes.
47
prevalência das manifestações neurolinguísticas acessórias se deu em relação
à apraxia (38%) e à perseveração (22%).
0 20 40 60 80 100
Anomia
Estereotipia
Agramatismo
Jargão
Parafasia literal
Parafasia semântica
Parafasia formal
Parafasia fonética
Parafasia fonêmica
Apraxia
Perseveração
Perífrase
Ocorrências (%)
Figura 4: Distribuição (%) das manifestações no Grupo U (n=50). 4.3 SOBRE A MELHORA DOS PACIENTES APÓS TERAPIA Um dos focos do estudo foi a proposição de verificar se o aumento da
frequência e da duração das sessões de fonoterapia acarretariam eficácia na
reabilitação das manifestações patológicas evidenciadas. Na comparação entre
os resultados obtidos em pacientes que nunca haviam feito terapia (grupo A) e
aqueles em terapia há mais de 6 meses (grupo B), as manifestações
neurolinguísticas não apresentaram diferenças estatisticamente significantes
(p-valor > 0.05), na comparação intra-grupo (antes e após). A comparação
entre os grupos também não evoluiu para valores que indiquem a presença de
real diferença entre os tratamentos (p-valor > 0.05) (Tabela 5).
48
Tabela 5: Manifestações Neurolinguísticas no Grupo A (n=10) e no Grupo B (n=10).
Grupo A Grupo B p-valor (Inter-
grupo) Antes Depois Antes Depois Antes Depois Anomia Mínimo 0 0 0 0 Primeiro quartil 2.25 0.25 3 1 Mediana 3 2 3 3 0.7337 0.5967 Terceiro quartil 3.75 3 3 3 Máximo 4 4 3 3 p-valor (Intra-
grupo) 0.3173 0.1088 Fonte: Protocolo da Pesquisa. Teste de Mann-Whitney (TMW)
Considerando-se os tipos de manifestações caracterizadas como
Parafasias (Tabela 6), observou-se, da mesma forma, que tais manifestações
não apresentaram diferenças estatisticamente significantes (p-valor > 0.05) na
comparação intra-grupo (antes e após). A comparação entre os grupos também
não evoluiu para valores que indiquem a presença de real diferença entre os
tratamentos (p-valor > 0.05).
49
Tabela 6: Tipos de Parafasias no Grupo A (n=10) e no Grupo B (n=10).
Grupo A Grupo B p-valor (Inter-
grupo) Antes Depois Antes Depois Antes Depois Literal Mínimo 0 0 0 0 Primeiro quartil 0 0 0 0 Mediana 0 0 0 0 1.0 1.0 Terceiro quartil 0 0 0 0 Máximo 0 0 0 0 p-valor (Antes x
Brandstater (1990) cita que o primeiro tipo de recuperação, resultando
na redução e na extensão da incapacidade neurológica após AVC, caracteriza-
se por um processo natural espontâneo de recuperação neurológica. Contudo,
há de se ressaltar que os processos espontâneos ocorrem em um período de 3
a 6 meses após a lesão. Após esse período, em concordância com Kotila et.al.
(1984), são os efeitos das intervenções terapêuticas que limitam a extensão do
dano proporcionando a melhora no controle motor, na habilidade de expressão
da linguagem ou de outras funções neurológicas primárias.
62
Assim, no contexto terapêutico, o reabilitador deve sempre observar as
condições do paciente tendo como objetivo a curto ou a longo prazo obter
resultados seguros e de qualidade funcional para os pacientes. Para isso é
necessário o conhecimento da evolução espontânea e natural das doenças
incapacitantes e dos vários procedimentos capazes de promover a maior
recuperação funcional possível.
5.1 O QUE OS DADOS EVIDENCIARAM
A pesquisa pautou-se, em todo seu discurso, em uma abordagem
Neurolingüística de investigação, por esta agregar as relações entre linguagem,
cérebro e cognição, acionando dois campos do conhecimento humano para
explicá-las: as Neurociências e a Lingüística. Dessa forma, pareceu oportuno
tal abordagem na perspectiva de estabelecer o estudo das relações entre
cérebro e linguagem, com enfoque no campo das patologias cerebrais, cuja
investigação relaciona determinadas estruturas do cérebro com distúrbios ou
aspectos específicos da linguagem. Discutiu-se aqui a condição de tratamento
que vem sendo oferecida aos pacientes afásicos na cidade de Belém/PA, no
que diz respeito à frequência e à duração das sessões de terapia
fonoaudiológica. Outro aspecto importante foi o de estabelecer a relação entre
a precocidade no atendimento após o diagnóstico, bem como a melhora das
manifestações neurolinguísticas associadas à idade dos pacientes quando do
início do tratamento. Destaca-se, portanto, que o método de tratamento foi o
neurolinguístico que segue o método descritivo das perturbações gramaticais
da afasia, sobretudo os aspectos lexicais e sintáticos.
Para fundamentar essa discussão, foi realizado um trabalho de
atendimento fonoterápico com pacientes afásicos que nunca haviam recebido
sessões de fonoterapia para analisar se os resultados favoreciam esse grupo
quanto ao melhor desempenho linguístico. Os resultados encontrados
poderiam servir como argumento para a mudança da prática clínica
desenvolvida, hoje, em nossa região.
De maneira complementar foi possível a investigação no Grupo U (n=50)
do desempenho dos pacientes, considerando as manifestações patológicas
relacionadas à idade e ao tempo de lesão.
63
É necessário ressaltar que a análise proposta neste estudo, apesar de
basear-se nas sugestões trazidas por Brindley e colaboradores, diferencia-se
desta, porque as condições de terapia oferecidas não foram exatamente as
mesmas quanto ao tempo de tratamento e à intensidade das sessões
terapêuticas.
Nesse sentido, então, a intervenção sugerida por Brindley, de acordo
com a revisão realizada por Bhogal et al. (2003), tratou pacientes afásicos com
terapias intensivas de 5 horas semanais, por 3 meses, obtendo resultados que
mostram a relação significativa entre o período intensivo de terapia e a melhora
na articulação da fala; da leitura e da expansão frasal. Entretanto, como os
resultados evidenciados nesta pesquisa não foram significativos, com a
intensidade de terapia proposta, fica evidente a necessidade de aumentar,
ainda mais, a intensidade de tempo das sessões fonoaudiológicas, mas
sempre com a percepção quanto à tolerância dos pacientes em relação a esse
tempo de atendimento.
Outra observação importante se faz no sentido de que as orientações
necessárias ao bom restabelecimento da condição afásica não podem cessar
nas clínicas de atendimento, após as sessões. É importante que os cuidadores
tenham orientações claras de como promover em casa, as estimulações, e de
como promover uma boa interlocução com esses pacientes. Ressalte-se,
ainda, que essa necessidade se faz extremamente importante principalmente
para os pacientes que, como os do Grupo B, apresentados nessa pesquisa,
são atendidos apenas 1 dia por semana com sessões de 30 minutos.
Quanto aos procedimentos metodológicos adotados no estudo, faz-se
importante a inferência de que realmente, algumas respostas afásicas são
inconsistentes e que uma marcação extremamente objetiva, considerando
apenas acertos e erros, sem observações complementares, seria deficiente,
mascarando dados importantes. Infelizmente, não existe teste perfeito,
principalmente para mensurar o potencial humano. Apesar de saber da
dificuldade de controle e de determinação de todas as variáveis possíveis em
uma patologia ou no relacionamento terapeuta-paciente, no decorrer do estudo,
houve esforço para que as interferências negativas fossem minimizadas ao
máximo.
64
No que se refere aos resultados encontrados, o procedimento de análise
dos dados revelou que na comparação entre os grupos caracterizados como A
e B não houve melhora nas manifestações em função de um novo programa de
tratamento. Tal resultado pode ter sido suportado pela dimensão da amostra
presente no estudo. Entretanto, para que esse resultado seja confirmado, é
necessário que novas pesquisas, com um maior número de afásicos, em
condições semelhantes, sejam realizadas. Somente a partir da realização
dessas investigações, será possível considerar de forma consistente que o
aumento da intensidade e da frequência nas sessões fonoterápicas não traz
benefício mais evidentes aos pacientes afásicos.
Ressalte-se que, quanto aos achados referentes à influência da idade e
do tempo de início do tratamento sobre a reabilitação, ficou evidente que
pacientes que iniciaram o tratamento em até dois anos após a lesão tiveram
benefícios linguísticos em detrimento dos pacientes que iniciaram após esse
período. Não obstante, o estudo também demonstrou que a idade do paciente
está relacionada com sua possibilidade de melhora, tendo como referência, na
amostra do estudo, que a idade ideal para o tratamento é até os 54 anos.
6 CONCLUSÃO
Este trabalho buscou trazer uma alternativa clínica diferenciada de
atendimento para pacientes diagnosticados com a afasia de Broca na cidade
de Belém/PA.
Com a pesquisa, chegou-se à conclusão que:
- Os dados analisados dos grupos A e B, evidenciaram que não houve melhora
significativa da condição afásica com o aumento da frequência e da duração
das sessões de terapia fonoaudiológica propostas por este estudo;
- O tratamento realizado pelo Núcleo de Afasia da Unama, bem como o
realizado pela pesquisadora, ainda não satisfazem às necessidades de
recuperação das funções comunicativas de pacientes com afasia de Broca;
65
- Considerando-se as análises das manifestações neurolinguísticas no Grupo
Universo (U), em relação à idade em que houve melhora significativa dos
pacientes em tratamento fonoaudiológico, observou-se que pacientes jovens
tem maior probabilidade de melhora para o agramatismo, em detrimento a
pacientes mais velhos;
- Considerando-se as análises das manifestações neurolinguísticas no Grupo
Universo (U), houve melhora significativa, em relação ao tempo de início de
tratamento, no entanto, sugere-se que a busca precoce ao atendimento do
tratamento fonoaudiológico tem influência na reabilitação, uma vez que ficou
evidente que pacientes que iniciaram a terapia até 2 anos, quando da lesão,
tiveram benefícios linguísticos em relação à anomia.
Assim, esta dissertação não encerra a discussão sobre o entendimento
de afásicos. Ao contrário, deve ser instigante a novas pesquisas relativas ao
assunto. Eu me aproprio em dizer que ao fonoaudiólogo estar-se, a oferecer
um instrumento ao debate, precisamente por expor uma proposta clínica
relativa ao tratamento de pessoas com afasia.
Quanto a mim, o encerramento deste trabalho, enquanto pesquisa,
acentuou-me a confiança, nunca abalada, de que os pacientes afásicos
merecem esse compromisso investigativo.
66
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69
APÊNDICE
70
APÊNDICE A – TERMO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROCIÊNCIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDO: ABORDAGEM FONOAUDIOLÓGICA NA INVESTIGAÇÃO DOS
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