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ENTREVISTA Navras Negative One Captações Imaginárias Labirintos prosaicos Meta-Língua Abismo Humano 2012 n.º11 ISSN 2182-1038
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Abismo Humano nº11

Mar 31, 2016

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A busca pelo paraíso é a exploração do abismo.
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EntrEvistanavras negative One

Captações imaginárias

Labirintos prosaicos

Meta-Língua

Abismo Humano2012

n.º11

I S S N 2 1 8 2 - 1 0 3 8

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inde

xEquipa EditorialAndré Consciência • Soraya Moon • João [email protected]íniosMyspace: www.myspace.com/abismohumanoFórum: http://s13.invisionfree.com/AbismoHumanoRádio Abismo Humano: http://radioabismohumano.blogspot.com

Editorial .................................................................. 4manifEsto ................................................................ 5CaptaçõEs imaginárias ................................. 6 Muriel Manhattan ........................................... 6 José Silva ......................................................... 13 Emanuel R. Marques .................................... 14 Kate o’Keeffe .................................................. 18 Albano Ruela .................................................. 22 Daniela Ciolan ................................................ 24 Fritz Picz ........................................................... 26 Orryelle Defenestrate-Bascule ................. 28 Kazim ................................................................ 32ruínas CirCularEs ...........................................34 Navras Negative One fala de si e dos Advent Mechanism ................34labirintos prosaiCos .................................... 36 Cantares de um desterrado, I ................... 36 Dólmen ............................................................ 36 Vera Cruz.......................................................... 37 Encontrei a morte num copo de vinho ................................................ 38arautos sonoros ............................................40 Sombre Soniks Sampler “Vol I” ................40 Place de L’Alme .............................................. 42 Terra Oca bio .................................................. 43flauta dE pà .........................................................44 Pensando em Gastronomia .......................44 Untitled - Soraya Moon ............................... 45 Máscara ............................................................46mEta-língua ......................................................... 47 “As Flores do Mal” ......................................... 47 “The Hollow Men” ........................................48

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A Associação de Artes “Abismo Humano” dedica-se ao apro-veitamento da tendência artís-tica presente nas novas cama-das jovens e a integrar, junto da arte, os valores locais, bem como ao entretenimento, edu-cação e cultura de forma a ocu-par os espaços livres na dispo-sição dos seus associados. Para tal a associação compromete-se a contactar vários artistas, tanto

na área da pintura, da literatura, escultura, fotografia, cinemato-gráfica, ilustração, música e artesanato, de forma a expor as suas obras tanto num jornal de lançamento trimestral, consagrado aos sócios, como na organização de eventos, como tertúlias, exposições, festas temáticas, concertos e teatros. A associação das artes compromete-se igualmente a apoiar o artista seu colabo-rador, com a montagem de, por exemplo, bancas comerciais e com a divulgação do trabalho a ser falado, inclusive lançamen-tos, visando assim proteger a arte do antro de pobreza ingrata e esquecimento que tantas vezes espera as mentes criativas após o seu labor.

Os eventos, que são abertos ao público, servem inclusive o propósito de angariar novos sócios, sendo que é privilégio do sócio, mediante o pagamento da sua quota, receber o jornal da associação, intitulado de “Abismo Humano”. Este jornal possui o objectivo de divulgar as noticias do meio artístico bem como promover os muitos tipos de arte, dando atenção à qualidade, mais do que à fama, de forma a casar a qualidade com a fama, ao contrario do que, muitas vezes, se pode encontrar na literatu-ra de supermercado. Afiliada às várias zonas comerciais de cariz artís tico, será autora de promoção às mesmas, deixando um es-paço também para a história, segundo as suas nuances artísticas, unindo a vaga jovem ao conhecimento e à experiência passada.

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1. O Abismo Humano compromete-se a apresentar a sapiência, o senso artístico, e o cariz cultural e civilizacional presente no gótico contemporâneo tanto como nas suas raízes passadas.

2. O Abismo Humano toma o compromisso de mostrar o que têm tendência a permanecer oculto por via da exclusão social, e a elevar o abominável ao estado de beleza, sempre na condição solene e contemplativa que caracteriza o trabalho da inteligência límpida e descomprometida.

3. O Abismo Humano dedica-se a explorar as entranhas da humanidade, e é essencialmente humanista, ainda que esgravatando o divino, e divino é o nome do abismo no humano.

4. O Abismo Humano é um espaço para os artistas dos vários campos se darem a conhecer, e entre estes, preferimos as almas incompreendidas nos meios sociais de maior celebridade.

5. O Abismo Humano é um empreendimento e uma actividade da Associação de Artes, e por isso tomou o compromisso matrimonial para com as gémeas Ars e Sophia, duas amantes igualmente sôfregas (impávidas), insaciáveis (de tudo saciadas) e incondicionais (solo fértil à condição).

6. O Abismo Humano compromete-se a estudar o intercâmbio da vida e da morte, da alegria e da tristeza, do amor partilhado e da desolação impossível, das quais o Abismo Humano é rebento.

7. Como membro contra-cultura, o Abismo Humano dedica-se à destruição da ignorância que cresce escondida, no seio das subculturas, cobrindo-as à sombra do conformismo e da futilidade.

8. Retratamos a tremura na mão do amor, a noite ardente, e a dança dos que já foram ao piano do foi para sempre.

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† Captações imaginárias †

“Awakening”

Muriel Manhattan, nasceu em Manhattan, 6 de Abril, 1979, e depois de três anos nos Estados Unidos mudou-se para Sintra com os seus pais.

A paixão pela pintura surgiu cedo na sua vida e de forma espontânea ainda em criança, e tornou-se mais séria aos dez, quando se apercebeu ter por ela um amor tão grande que seria esta a devoção da sua vida.

Aos catorze anos foi-lhe dado um livro sobre Salvador Dali e a sua vida deu uma volta. Sendo verdadeiramente inspirada pelo surrealismo espanhol ingressou no ensino superior onde se concentrou em

estudos de arte e aulas de pintura. Durante essa época H. R. Giger causou-lhe também uma profunda impressão, todos os elementos se alinharam e Leirum começou a desenvolver o seu próprio estilo.

Expôs em galerias, lojas de tatuagem, bares e em qualquer lugar em que pedissem a sua arte.

A certa altura da sua carreira, afectou-a outro sonho, o sonho de se tornar tatuadora, arriscou e abandonou a sua família, amigos e vida em Portugal regressando ao seu país de nascença, os Estados Unidos.

Em Setembro de 2010 iniciou a jornada no melhor lugar do mundo, Nova Iorque.

LINK: http://leirummuriel.wix.com/nancy-leirum

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† Captações imaginárias †

“Metamorphose”

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† Captações imaginárias †

“Conscience”

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† Captações imaginárias †

“Indian from the future”

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† Captações imaginárias †

“In the kingdom of the blind, the one eyed man is a king”

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† Captações imaginárias †

“September”

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† Captações imaginárias †

“Fish eye”

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† Captações imaginárias †

“Oitavo Dia”

José Silva

www.warfareradio.com

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† Captações imaginárias †

Postcards From The Other Side

Colagens de Papel Sobre Postais Velhos de Emanuel R. Marques

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† Captações imaginárias †

“Sem título”,

Autora: Kate o’keeffe

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† Captações imaginárias †

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† Captações imaginárias †

Dou-lhe um nome de erro,

no ventre não amadurece.

O sangue, a podridão humana,

por não poder ser bela,

por não fazer equilíbrio

Morre?

pinto apenas, e o hausto aspira, enigma e sentido, ordem, peso, o papel

onde assenta

a constelação do mundo com esse buraco

negro e as palavras em torno.

No instante extremo de

desaparecerem

entre as brumas do esquecimento.Ka

te O

’kee

ffe

https://www.facebook.com/pages/Kate-OKeeffe/334675353240884Página de Facebook:

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† Captações imaginárias †

Título: “You” cut me into pieces, this is my last resort...Autor: Albano Ruela

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Misconceptions

Autora: Daniela Ciolan

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† Captações imaginárias †

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† Captações imaginárias †

No ano 2008 uma mudança ocorreu na mente deste artista ainda em fase de “gestação”, o seu sofrido passado o assombrava e ele nunca conseguia dar conta do turbilhão de sensações que sentia a cada segundo que o seu coração pulsava. Uma mudança era necessária, sendo assim ele começou a tentar criar imagens que o ajudassem a entender a si mesmo e ao mesmo tempo mostrar ao Mundo sentimentos e emoções com que as pessoas se identifiquem ao mesmo tempo que deitassem por terra a barreira que o impedia de ser feliz.O nome inicial teria sido Fritzconceptz, devido à sua alcunha desde os tempos de escola “Fritz”, logo o nome foi mutado para Fritz Artz, e de momento apenas assina os seus trabalhos como Fritz. Nestas obras pode-se ver um pouco da expressividade que este artista tenta dar ás suas imagens, usando o seu próprio corpo para criar muitos dos seus trabalhos, ele segue, rumo ao esclarecimento!! Muitas das imagens criadas são algo grotescas, assim como os sentimentos que mutilam a sua mente.

Fritz

Pic

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† Captações imaginárias †

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† Captações imaginárias †

Título: Sintra 2012

Autor: Orryelle Defenestrate-Bascule

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† Captações imaginárias †

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† Captações imaginárias †

Kazim é um artista francês ligado ao ocultismo, interessado essencialmente no subconsciente e nas suas manifestações através do campo artístico. Muitas vezes num ambiente obscuro o seu trabalho, enquanto reflexo da sua jornada espiritual, convida o apreciador a uma viagem e a um encontro ao mundo dos espíritos.Apaixonado por novas formas de espiritualidade e as suas interpretações artísticas, Kazim tenciona encontrar novas formas de expressar a Arte Mágica como o uso de tecnologia.Este desafio encontrou a sua maior realização através do website Dark-Sha-man (http://www.dark-shaman.com), um projecto alternativo que manifesta 3 anos de exploração dos aspectos profundos da mente. Kazim apresenta os seus trabalhos em exposições e performances que envolvam fractais, montagens de video e poesia, conduzindo o visitante à experiência de despertar.

Mais arte no seu website: http://www.kazim-renaissance.fr

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† Ruínas Circulares †

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navras negative One fala de si

e dos advent Mechanism

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† Ruínas Circulares †

Tenho 27 anos, sou amante de música de imensos estilos diferentes. Faço música desde os 19 e tenho colaborado com variados artistas ao longo destes anos. Este projecto é diferente de tudo o que já fiz. É um projecto bastante pessoal e desafiante como músico e como pessoa. É uma expressão sonora das minhas teorias, filosofias, medos, pai-xões e de todas as questões que habitam na minha mente para com a vida, e para comigo como ser. Ini-cialmente era para ser algo ambiental e instrumen-tal mas rapidamente se tornou bastante mais que isso. Decidi saltar a barreira dos meus limites e tem sido uma viagem brutal. Convidei músicos espec-taculares para trabalhar que percebem de maneira implacável o que pretendo musicalmente e adicio-nam as camadas que faltam às músicas. Depois há a peça fundamental que sempre idealizei para este projecto: teatro/dança.

Convidei a Mary Nemain porque já nos conhecemos há bastante tempo e sempre acompa-nhou o meu percurso como músico e quando pro-pus a ideia ela aceitou sem hesitar e fiquei bastante contente. É o meu braço direito e acompanha-me em todas as decisões e nos passos que o projecto dá. Se não me conseguirem contactar é a ela que se devem dirigir para tratar do que quer que seja rela-cionado com Advent. Tem um sólido conhecimento de dança no geral e expressão artística e é, sem dúvida, a interprete corporal da essência de Advent Mechanism.

A Advent é um mergulho nas questões que assombram a minha mente todos os dias. Confronto-as e deixo-me levar pelas emoções que essas questões me transmitem sejam elas “más” ou “boas”. Sou sincero comigo próprio e espero que isso passe para com os que me rodeiam. Gosto de criar desconforto nas pessoas com questões ou respostas às quais estas não estao acostumadas fazendo-as sair da sua zona de conforto, observo a sua reacção e acho que essa recção diz muito sobre uma pessoa e os seus limites e tento aplicar isso na música e no que escrevo. Se tivesse que descrever Advent numa frase? É o que está para vir dentro de cada um de nós.

Sou compositor há 5 anos. Comecei a com-pôr faixas para Advent ainda envolvido em outros projectos, só em 2009 é que decidi expôr o projecto. A minha banda da altura não estava estável e esta-vamos com bastantes problemas entre nós e o rumo que cada um queria dar à banda. Eu queria mais e queria adicionar algo original mas não foi bem aceite e tivemos que seguir rumos diferentes. Foi ai que Advent começou. A sede de criar e compor algo. Uma sede insaciável que transcendia tudo o que eu

era e sou hoje. Essa sede mantém-se. Quero mais e vou continuar a querer.

Adoro o que faço. Nunca consegui expres-sar o que me vai na mente de outra forma. A música sempre foi a banda sonora da minha vida. Um refú-gio. Não me abandona, não me julga, não critica o que penso nem o que visto ou o que digo. Para mim é liberdade em decibéis. Quando comecei a minha primeira banda foi uma explosão e transformaçao como pessoa. E senti de imediato algo forte, como se o meu corpo me dissesse: “É isto que eu quero, dá-me isto” e desde ai não me parece que consiga viver sem criar música.

Uso basicamente tudo à base do electrónico e mando para o Ivan para ele masterizar e adicionar as camadas que faltam. Em termos de criação uso o que a minha mente pede. Nem sempre tenho ideias na cabeça, muitas vezes sento-me ao computador ou pego na guitarra e deixo-me levar pelo que vier. Aliás 3 das melhores músicas nasceram assim, faço uma nota com um sintetizador ou na guitarra e deixo que o mood me leve e a música flui por ela. Sinto que nem tive controlo, que era suposto nascer ali, naquele dia, naquele sítio, daquela maneira. Para mim a música é uma dança no espectrum das nossas emoções que ressoa no corpo e explode num orgasmo.

Infelizmente a indústria da música no geral está numa fase muito complicada e o género de música que faço não é fácil de entrar no ouvido dos demais. Sinceramente não sinto que haja público em Portugal para o tipo de música que faço, ou se há são poucos e isso é um grande obstáculo que tento ultrapassar enquanto artista. Ao mesmo tempo significa que existe algo de diferente no que faço, e como muitas bandas tento ter como alvo o mercado internacional enquanto tento o nacional.

Todos nós estamos em constante transfor-mação. Cabe-nos a nós decidir como lidar com essas transformações. A vida é, em parte, um conjunto de escolhas. Sinto isso quando crio algo musicalmente, como não me julga, a transformaçao acontece sem ligação consciente entre moral e a racionalidade, quando dás por ti já mudaste de “pele”... como uma cobra, não diferente, mas renovada.

Todas as minhas composições me deram imenso prazer mas as que mais me marcaram foram sem dúvida a Negative Ones e a Wild & Ticklish. São bastante pessoais. E depois tiveram um impacto muito forte no público e isso surpreendeu-me bas-tante. Sempre achei e ainda acho que estão dema-siado simples mas que tinham um ambiente muito

forte. A simplicidade e força são as características que mais as destacam. Para essas duas músicas inspirei-me em artistas como os The Cure e Depeche Mode entre outros e quando as ouvi ao vivo num evento senti toda uma energia que me invadiu e não me deixou desde então. Sei também que são as músicas preferidas do público e neste momento estou a re-editá-las pois a masterização não me satisfez e estou ansioso para ver a reacção das pes-soas quando as tocarmos pela primeira vez ao vivo nos concertos que temos agendados.

É na minha auto-estima que residem todas as minhas dificuldades. Tenho uma auto-estima muito baixa e isso prejudica-me imenso na minha vida, faz-me ficar parado no tempo e quando crio algo ela prega-me muitas rasteiras. Nunca estou satisfeito com nada do que faço e sinto sempre que sou um falhado que não vai a lado nenhum e é uma frustração quando tenho um “rascunho” e oiço-o o dia todo e pergunto-me imensas vezes o que poderia fazer para melhorar ou se consigo melhorar sequer e acabo sempre por passar pela fase do “isto tá uma porcaria... tenho que desistir da música e dei-xar isto para os que sabem”. Também me prejudica para avançar com negociações, eventos ou outros tipos de situações até na minha vida pessoal. Acho sempre que nunca estou ao nível para determinada situação, evento ou para tocar com determinadas bandas. Mas no final as coisas acabam sempre por se mover ou se resolverem e observo a minha falta de auto-estima, no efeito que ela tem em mim, e questiono-me se não será esse processo “destru-tivo” o rastilho da minha criatividade.

Gosto de expressar desconstrutivismo. Através do constante contacto com situações que me trouxeram dor, angústia e abandono durante a minha vida toda, fui “obrigado” a começar cedo a desconstruir e a questionar tudo o que se passava todos os dias e a criar um escudo, um círculo, onde mantenho tudo do lado de fora desse mesmo, pes-soas, sentimentos, etc e onde desmonto o que me “dão”, analiso e volto a construir. Às vezes “devolvo” o que me dão, outras vezes não. Acho que a minha mensagem passa por aí: desconstruir e questionar. e é isso que tento transmitir. Acho que através disso sinto-me mais perto daquilo que estou para ser.

Fora da música, inspiro-me em Leonardo Da Vinci (como activista), Nietszche, H. R. Giger, Lynch, os poemas de William Butler Yeats, Hayao Miyazaki e Eiichiro Oda. Basicamente todo o tipo de arte que ressoe com a minha criança interior. Todos os sonhos e esperanças dela hoje, espero que se manifestem no meu amanhã.

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† Labirintos Prosaicos †

A BALSA que me espera na margem conhece a minha dor e não sei em que terreiro de antanho o leite e o mel guardam o meu lugar na távola desfeita. São os rios que gelam, os pomos e num ápice as aragens e mudam as estações com a memória no coração magoado à torreira dos dias. Chão, tu és a minha mãe e nunca me perdeste, mãe, tu és o meu chão e nunca me perdi. A balsa, este féretro nas águas. Eu ouvi o clarim, no túmulo, entre sonhos, mais quieto que todos os mortos, nem conheço a rota, em que porto a luz, com o branco nos estandartes e nos lenços e os infantes, os olhos, os faróis,

atentos ao tesouro naufragado que as vagas levantam, pelourinhos incorrup-tos no mapa secreto dos mares. A saudade é o guia do cego, do desterrado, do príncipe que vagueia errante por dentro do nevoeiro. Os meus irmãos não esqueceram o meu nome, à friagem, gravaram-no no rochedo para que me lembrasse do meu sangue, nos cânticos que defendem a arca, na fábula dos cardos, é depois das serranias, ou dos desertos do amor, ou da ruína dos cas-telos. Não apaguem o fogo, não apaguem o fogo, a estrela que sigo nesta escuridão da terra.

Cantares de um desterrado, I

Dólmen

Jesus Carlos05/08/09

Aqui, a pedra canta. A morte transforma-se num hino, as ossadas vencem o pó: são uma arqueologia das profundezas que se veste da carne da noite e se narra em sangue efémero, dentro do bri-lho irreal da Lua, com um sudário branco ao fundo, entre as oliveiras

no escuro, como se os mortos cavalgassem o ar. É quase uma imagem de horror, mas confio mais nos mortos do que nos vivos: os mortos respeitam o ventre de uma mãe de pedra e os errantes que pernoitam em cemitérios.

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† Labirintos Prosaicos †

Dentro de um túnel de vagas ao rugir da tempestade, rodeados pela morte e o negrume, sem saber bem para onde e com os madeiros das naus a serem-lhes a única recompensa póstuma, num túmulo sem lápide nem lugar, mergulhado no inferno das águas. Quem souber explicar porquê, que vomite teorias, arrevezadas tramas económicas, conspirações, conquistas, poderes, crimes e depois disputem a nacionalidade dos mortos e dos heróis. Porém, nenhum desses guinchantes teóricos de chinelas se entregaria à morte sem nome no labirinto tremendo das vagas, mesmo que o mar se lhes abrisse diante dos olhos e dissesse, «Vem...», mesmo que lhes prometessem a eternidade e a glória, recusariam. Tudo lhes falta, a coragem e o ânimo, a raça e o garbo. São Portugueses? Sim, são iguais a uma couve que nasce neste chão, e não mais.

O túnel a rugir é sem fim, mar e céu rolam e roçam os velames e os corpos arrefecidos, e continuam. Quando cansam os braços, os olhos

não descansam, há uma esperança que os move e os fixa em praias dou-radas para além do horror, o horror que é o mar, a tempestade, a morte e também o horror que é a fome, a pobreza, a injustiça, a treva que adensa as ruas sujas da Europa. Estas centenas de Portugueses navegam rumo a uma geografia que ainda não aquieta os mapas do mundo, adiante é o vazio, o desconhecido feroz em que sonham erguer um Novo Mundo, uma Nova Lusitânia em que todos os homens sejam livres, porque é pelo sonho de um Éden terreno que se atiram ao sofrimento, não desistem, não desistiram nunca, gritam, gemem, incentivam os cadáveres mútuos com as almas em chamas, e rezam, quando a bruma rompe, «Terra! Terra!», como se um templo antigo se erguesse do abismo, para lhes receber os corações sem medo...

Vera Cruz

Jesus CarlosLINK: http://luso-u-thopos.blogspot.pt/

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† Labirintos Prosaicos †

Encontrei a morte num copo de vinho, bom aroma, excelente tonalidade e bem encorpada. No silêncio inútil de uma taberna, onde as vozes se atropelam por entre tragos de um liquido maltratado, tentei esquecer que a vida não passa de um aglomerado de maus momentos, temperados com uma pitada de falsa felicidade… Mas o que encontrei neste palácio de mal falantes, foi mais real do que o ardor do gume contra o meu peito, foi uma dor mais amarga com travo a decadência.

Não me arrasto mais, antes me ergo de espinha quebrada, de lança em riste sorrindo para o inimigo.

Um lobo atravessa o meu caminho, errante, frio… Mas não é o seu olhar que me faz estremecer, é antes o pensamento acutilante sobre a sobrevivência infantil dos que me rodeiam, que troçam de lobos disfar-çados de ovelhas.

Eu já não me conheço semelhantes… À minha volta ora prínci-pes, ora pedintes, burgueses, maltrapilhos… Gente como eu… Não…São todos superiores.

Encontrei a morte num copo de vinho

Sid Suicide

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Um dos maiores lançamentos de 2012 é este álbum lançado com uma parceria entre a Abismo Humano e Korvustronik, que nos brinda com um trabalho muito consistente que percorre vários estilos, desde o Neoclássico que está bem patente nas orquestrações, passando por momentos que nos fazem lembrar

algo entre a música electrónica de Kraftverk, criando também uma ponte para a Darkwave.O álbum inclui arranjos notáveis que nos fazem lembrar algo entre o medieval e o Martial Industrial

com vocalizações grotescas que tornam este projecto único e exclusivo, mas sem deixar de dar a mão a um ambiente negro ao estilo de uns Nox Arcana. Talvez um dos melhores, senão o único projecto português que aborda todos estes estilos numa só aventura que vai para além das fronteiras do que estamos habituados a ouvir, mas que certamente nos transporta para outro mundo, um mundo real

onde reina o espírito experimentalista do avant-garde ou mesmo do progressivo.Todos os direitos pertencem aos respectivos autores.

Aeternum Xhttp://abismohumano.bandcamp.com/album/bright-side-of-a-black-hole

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† Arautos Sonoros †

Alchemist - Kourallinen Maan (A Handful of Earth) (P23 Remix) 11:44Somos invadidos por uma sensação de mórfica transcendência, mas uma transcedência encerrada num espaço apertado. O tema possui, através dos seus drones, um ponto gravitacional que parece compactar-nos a alma enquanto, como água, esta corre sobre si mesma - um prodígio dos alquimistas. O tema é ao mesmo tempo saturado e variado, melódico e martelante, angelical e fan-tasmagórico. À medida que o tema avança nos seus 11 minutos, o nosso cons-ciente torna-se cada vez mais receptivo e menos interventivo. Assim o álbum abre com um tema que certamente deixará o ouvinte a desejar ouvir mais.

Bathory Legion feat. Emme Ya - Transfiguration (Long Version) 07:34Bathory Legion nunca foi um projecto meigo com o seu ouvinte. O tema começa calmamente e gannha um cenário cada vez mais apavorante. Os temas de Bathory Legion contam, sem o auxílio de palavras, uma historia, um per-curso, fazendo-os mestres do terror por direito próprio. Esta transfiguração é semelhante a uma desfiguração de poeta que se torna monstro ao escavar-se a si próprio.

Colossloth - Black Deeds From Dead Seeds 04:14Com uma cadência algo xamânica, imaginário que Colossoth evoca regular-mente, Black Deeds from Dead Seeds materializa, com os seus loops incrus-trados com uma pitada de noise, uma certa decadência presente na natureza, como se esta fosse a decadência que a leva a mover-se e a crescer.

Druhá Smrt - Recurrent 07:44O tema de Druha Smrt na compilação insere pela primeira vez voz, e fica algo entre o ambiente de Alchemist e a envolvência de Bathory Legion em parceria com Emme Ya, adicionando-lhe porém um toque algo trágico, melódico e mais emocional, intermitente com sonoridades cortantes e frias, isto que, sendo repetido em diferentes variantes, cria um sentimento de isolamento, peso e melancolia.

Immundus feat. Akoustik Timbre Frekuency - Gazing into Murky Mir-rors (edit version) 04:17O conjunto de Immundus com Akoustik Timbre Frekuency, sendo ambos dois

projectos com bastante mestria no seu estilo, só podia resultar num tema de poder. Os sons vibrantes e acústicos de ATF com o eco electrónico de Immun-dus, ou vice versa, circundam-nos em remoinho de água sonora numa viagem para o fundo e para dentro.

Kristus Kut - Fertility Dance 06:09A sugestão que Colossloth dava de xamanismo, é assumida por inteiro no tema de Kristus Kut. Os tambores são ouvidos e complementados por sons de ebuli-ção criados por via de distorções, como se as forças atávicas do corpo ou da terra dançassem ao som da repercussão.

Pauahtun - Kan Pauahtun (The Southern Wind) 08:39Ao timbre mais agressivo de Kristus Kut, Pauathun vai, não abandonando o imaginário tropical e indígena, voltar a oferecer melodia, harmonia e varie-dade, baseando-se sobretudo em sintetizadores. O nome do projecto é fiel à sua sonoridade, lembrando cenários respectivos às culturas pré-colombianas.

Plaguewielder - Shadows Of MortalityPlaguewielder, sendo uma das força da natureza na Sombre Soniks e uma das melhores bandas de Dark Ambient na minha opinião, vai pela primeira vez inserir elementos definidos do neoclássico na compilação. O projecto com-põe com a mestria, a sensibilidade e a paciência necessária para conquistar o ouvinte, dele desabando pedaço a pedaço. Este tema usa também drones criados por via de voz e é na minha opinião o tema de destaque, verificando-se irrepreensível.

Syrinx - Speaking Alone (Excerpt)Syrinx prossegue num registo árido, seco e ácido. A distorção no fundo lem-bra aquele momento em que o desespero, derrotado, quebra e é tomado pela insanidade.

Tamerlan - Like Gods At Dawn 05:54

Tamerlan insere a guitarra acústica e as suas sonoridades. É um tema no geral mais fácil de ouvir e que vem aliviar o espírito do apreciador desta compilação.

Sombre Soniks Sampler “Vol I”Formato: CD DigitalData de Lançamento: 2012Editora: Sombre SoniksGénero: Dark Ambient

A marcar a vigésima terceira edição da Sombre Soniks, sendo 23 um número sagrado para a mesma, o número do caos, a Sombre Soniks lança o volume um “Sombre Soniks Sampler” compondo um tema de cada um dos seus pro-jectos na editora. A compilação pode ser baixada gratuitamente, contendo 12 composições e mais dois temas bonus. O livrete, por Priapus23 e m.arc.o possui 44 páginas, entre as quais existe a bem elaborada entrevista da Dam-ned By Light à editora. A compilação tem o experiente Priapus23 à frente e o trabalho visual consiste de uma parceria do mesmo com Marc Hoyland.A não esquecer, o mix de todos os temas principais, por Mark Blood, que pode ser encontrado em:

http://soundcloud.com/sombre-soniks/crazy-diamond-sombre-soniks

Dispensando mais apresentações, prosseguimos, tema a tema:

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“Aqueles que vêm beber da taça negra vêm em busca dos seus anjos. Se têm medo, as velas acalmam-nos.”

Download gratuito, contendo livrete e material bónus, como a composição de Black Dianthus: The Glider. Clique nos temas para aceder a informação detalhada sobre os projectos musicais.

Todos os direitos pertencem aos respectivos autores.http://abismohumano.bandcamp.com/album/abismo-humano-vol-1

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† Arautos Sonoros †

A faixa cresce aos poucos e torna-se numa óptima faixa de folk com o que pare-cem ser influências irlandesas.

The Grave Dominion - Portal Dolman 08:18The Grave Dominion poderia caminhar lado a lado com Plaguewielder, mas é mais inóspito, mais bélico e corrosivo. Possuí influências do neofolk e o dark ambient muito afinado e polído. O tema Portal Dolman só poderia ser um tema forte, pois The Grave Dominion é um projecto de qualidade superior, e que, no âmbito da perícia com o seu género, terá de estar a rivalizar com os melhores.

Ulug-Khem - Improv Session 01 (excerpt 03) 05:39Ulug Khem recupera as cordas acústicas, mas num registo mais tenso do que Tamerlan. O tema reúne o sensação de claustrófobia com o sentimento de aventura. As cordas capturam por vezes o estilo indiano étnico, ou as canções envolta das Luas de Marrakesh, em cujas festas nocturnas Ulug-Khem causaria uma excelente impressão.

Existem depois dois temas bónus, o tema Wandering Into The Horizon de Grey Light Shade, com uma atmosfera húmida e pós-apocalíptica, com o uso peculiar de sinos e taças tibetanas, e River of Blood, Murk and Scorpions, de Babalith, onde seguimos as brumas de um rio tenebroso. Estes são os pro-jectos mais recentemente integrados na Sombre Soniks.

Review por André Consciência

Pontuação: 9/10

TRACKLIST:1. Alchemist - Kourallinen Maan (A Handful of Earth)(P23 Remix) 11:442. Bathory Legion feat. Emme Ya - Transfiguration(Long Version) 07:343. Colossloth - Black Deeds From Dead Seeds 04:144. Druhá Smrt - Recurrent 07:445. Immundus feat. Akoustik Timbre Frekuency - Gazing into Murky Mirrors (edit version) 04:176. Kristus Kut - Fertility Dance 06:097. Pauahtun - Kan Pauahtun (The Southern Wind) 08:398. Plaguewielder - Shadows Of Mortality 07:379. Syrinx - Speaking Alone (Excerpt) 06:0010. Tamerlan - Like Gods At Dawn 05:5411. The Grave Dominion - Portal Dolman 08:1812. Ulug-Khem - Improv Session 01 (excerpt 03) 05:39

"Place de L'Alme foi o nome mais inspirador que Paulo Cinzas descobriu para o seu projecto pessoal artístico e musical por volta do ano 2000, na capital de Lisboa (Portugal). Algures em Marrocos, foi onde este nome teve a sua origem, dando nome a um Bar que era frequentado por Jean-Paul Sartre e Jean Genet. Anos antes, 1994/95, foi quando Paulo Cinzas iniciou não o seu projecto, mas uma forma de construir a sua música, baseada em amostras ou samples da sua autoria e com esta determinação solitária, criar atmosfe-ras e sonoridades experimentais, próprias do "Impromptu Mundo"."

Korvustronik

"Black Silence Thirteen" lançado em Junho de 2011 pela Korvustronik é uma das poucas, se não a única produção portuguesa no registo noise de projectos como os britânicos "Nurse With Wound". O EP, com sete temas, transporta-nos por um mundo de ruídos que nos faz viver as pulsões inconscientes, ao mesmo tempo mostrando-se pacificante como uma estranha, requintada meditação. O percurso do EP poderia ser talvez uma narração do final do mundo, começamos com o tema introdutório "2013", passamos para "Miracle de La Masse of Storms", como uma consequên-cia deste. Em "Dr. Voice" ficamos com a voz aborrecida do homem já sem mundo. A "Miss Nurse" lembra-nos o ambiente em que, como um estô-mago sem alimento, os ácidos da alma, na tentativa de se regenerarem, se consomem a si próprios. "Pandora VI", é o tema mais longo, com 12 minu-tos, embalando o ouvinte para o mundo de "Place de L'alme". "Dead Sea", o tema mais bélico, faz marchar as rodopiantes forças fétidas da morte em arrepiante crescente. E por fim, em "The Funeral Garden", descansamos na aridez vazia.

Review por André Consciência

Pontuação: 8/10

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† Arautos Sonoros †

tErra oCa bio:

“O projecto sonoro Terra Oca materializa-se em 2002 pela mão de José Pedro C. Pontes com a composição da música “O corpo trovão rasga o céu inocência” para o bailado “Ser um não ser” de Sónia Albuquerque. Esta com-posição deu origem ao ambiente powernoise/experimental-ambiental de raízes siderúgicas que caracterizou o projecto desde então, na altura com o nome embrionário de Proletkult-Nihil, mais tarde em 2003 com a criação de “Womb” e “Noisechemistry”,começa-se a desenhar o projecto Agharta - mais tarde Terra Oca. Temas como “When all the animals...”, “Thee Whole” e “Terra oca” são desenvolvidos nesta fase em 2004 e 2005, assim como a composição da banda sonora do filme “A máscara de Lucefece” (16mm P/B), de Ricardo Leite em 2005.A primeira apresentação pública do projecto ocorre em 2008 a 13 de Julho na Casa de Teatro de Sintra, daí até aos dias de hoje foi contando com a cola-boração de Ricardo Sá na guitarra, baixo e programações e também com a colaboração desde 2011 de Fabrice C. e Sigil na voz.”

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† Flauta de Pã †

Cozinha - no fornoO Mago - a Rocha - o fogoArde - corroi, a chamase doi é porque, te amaou talvez porque te desarma. A Pedratão dura, a carne - almamole eDi - Sol -Ve - Se no tachoos aros - da cebola - os anosdisforme vaporos olhos que ardem e choram, a pele, acarne, os ossos, os lamentos.

Bigorna e martelo, tilinta oFerro, une, aceita, rende-seà pancada impiedosa do mestre.

Queima o incenso no turibulo,Ó Mago - o teu cozinhado fogevivo da panela - coloca-lhe atampa - aviva o lume - étempo de enxofre, grita,coragem, o lume das vozes, é constante, e sobe frenético.

josé silva

Pensando em Gastronomia

Une os pólos - aproxima as metades,Conjuntio - a obra alquimica,não se faz sem putrefacção,retomam as dúvidas, mas agora sábias,e com requintes de malvadez,disfarce aristocrático,por dentro o ratinho foge,no labirinto dos espelhose o fauno persegue-o, já com saudades do Minotauro.

Com olhos de corvo,porque os corvos vêm pouco,apenas o suficiente,a face de Odin,o fogo de Hecate,corre o fauno,segue-me, ele diz, vou fazer-te Pan.Outra vez - Guerreirose Guerreiras da Arte Verdadeira.Vem - LutaAma - Com Garra,Com Paixão.Celebra o Aniversário do Ser

O momento presente -Distilação - EvaporaçãoTransfiguração - TransformaçãoFusão - União - Estrela, raioespelho de fogo - fluxo - reflexoParticular do Universal -Fogo Fátuo - Horas tardias - Conversasque incendeiam o fogo, como um liquido que se dissolve na água.

O guerreiro escolhe o seu campo de batalha.Coagulação - o cozinheiroserve a mesa. Os convidados,cegos e surdo-mudos tacteiam semencontrar talheres ou comida.

O Mago come e delicia-sepor partilhar os frutos do seu labor,com uma pequenina criança que à mesa se sentou.

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† Flauta de Pã †

Respiro cores quando me visitomas visitar-me tornou-se ousadoExpandi, enlouquecendoestou afogada em luz, já não vivo aquisorrio com todo o meu corpovisitaram-me e tudo se tornou real em mimnão preciso mais procurar os meus olhosMil pássaros me voampara onde vou não há forma de compreender

Soray

a Moo

n

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† Flauta de Pã †

Sou uma qualquer coisaque rebola num reflexo!... Ainda me lembro! ...O teu corpo cheirava a orvalhosearas Vou contra o solfeito um desperado redupio! a minha cabeça giraaleatoriamente como se fosse LOUCO?! quando olhei era Tarde! Só queria que o meu sanguefosse mais forte!...que o alcatrão... Mascará-lo!

Ala C

iime

Máscara

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† Meta-Língua †

Char

les Ba

udela

ire

"As Flores do Mal"

Tradução de André Consciência

É alto mar, por vezes, a marinhagem caiE caça um albatroz, ave enorme e feroz,Que num voo triunfal, numa carreira assazFaz seguir pelo azul a viajante embarcação.

Mas quando o albatroz preso, e suspendidoNas tábuas do convés, - pobre rei em vão temido!Que dó nos traz, humilde e constrangido,As asas imperiais caídas para os pés!

Rei do espaço, eis perdido o seu nimbo!Desproporcional e gentil, ei-lo grotesco e imbecil!...Ao bico um leva o fumo do cachimboOutro mutila a pata da ave inerme.

O poeta é como esta marinha águiaQue desdenha a bússola, e afronta os vendavais;Exilado em terra, entre escarninha plebeNão o deixam caminhar as asas infernais!

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† Meta-Língua †

i Somos vazios

Homens de palhaInclinamo-nos juntos

Elmos com cerradura. Ei-las!As nossas vozes secas, no momento

Em que juntos sussurramosEstão quietas e obsoletas

Como vento na erva mortaOu passos de rato sobre vidro partido

No nosso abafado sótão

Contorno sem forma, mancha sem cor,Força paralisada, gesto sem movimento;

Aqueles que passaramDe olhos directos, para o Reino outro da morteRecordem-nos - se de todo - não como almas

Perdidas e violentas, mas apenasComo os homens ocos

E empalhados.

iiOlhos que temo ver em sonhos

No reino de sonho da morteEstes não aparecem:

Ali, os olhos sãoSol na coluna quebrada

Ali, uma árvore que balançaE vozes são

Na canção do ventoMais distantes e mais solenesQue a estrela desvanecente.

Que demais não me aproximeDo reino de sonho da morte

E que vistaEnganos mui deliberados

Casacos de rato, pele de corvo, estacas cruzadas

Num campoA comportar-me como o vento

E não mais -

Não aquele último encontroNo reino do crepúsculo.

iiiEis a terra morta

Eis a terra dos cactosAqui as imagens de pedra

São erguidas, aqui recebemA suplica da mão de um morto

Sob a radiância de uma estrela moribunda.

É assimNo reino outro da morte

Acordar sósNa hora em que nós

Trememos de ternuraLábios que beijariam

Formam preces à pedra quebrada.

iVOs olhos não estão cá

Cá, não há olhosNeste vale de estrelas a morrer

Neste vale ocoEsta mandíbula estilhaçada dos nossos reinos

perdidosNeste último dos lugares de encontro

Tacteamos juntosA evitar discurso

Reunidos nesta praia do rio túrgido

Cegos, a não serQue olhos ressurjam

Como a estrela perpétua

Rosa multifoliadaDo reino crepuscular da morte

A esperança apenasDe homens ocos.

VAqui rondamos a figueira-brava

Brava figueira brava figueiraAqui rondamos a figueira-brava

Ás cinco da manhãEntre a ideia E a realidade

Entre o movimentoE o acto

Cai a SombraPois Vosso é o ReinoEntre a concepção

E a criaçãoEntre a emoção

E a respostaCai a Sombra

A vida é muito longaEntre o desejoE o espasmo

Entre a potênciaE a existência

Entre a essênciaE a descida

Cai a SombraPois Vosso é o Reino

Pois Vosso éA vida é

Pois Vosso é

É assim que o mundo acabaÉ assim que o mundo acabaÉ assim que o mundo acaba

Não com um estrondo, com um suspiro.

T. S. Elliot

Tradução de André Consciência

“The Hollow Men”Os Homens Ocos

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