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Jos Dias Sobrinho
AVALIAO TICA E POLTICA EM FUNODA EDUCAO COMO DIREITO PBLICO
OU
COMO MERCADORIA?
JOS DIAS SOBRINHO*
RESUMO: Neste texto, trato da vinculao da avaliao s reformas
daeducao superior e suas relaes com o Estado. Sustento que a
avalia-o tem papel no s tcnico, mas sobretudo tico e poltico de
gran-de importncia nas transformaes e reformas da educao superior
eda prpria sociedade. De modo particular, distingo dois
paradigmas.Um que concebe a educao superior segundo a lgica do
mercado,outro que concebe a educao superior como um bem pblico. A
cadaum desses paradigmas corresponde uma epistemologia e um
modelode avaliao, com seus fundamentos cientficos, suas ideologias
e seusefeitos na vida social, poltica e econmica. Um concebe a
avaliao so-bretudo como controle. O outro concebe a avaliao
sobretudo comoproduo de sentidos. Isto faz da avaliao um campo
cheio de con-tradies e de mltiplas referncias. Portanto, ela
deveria ser tratada porteorias da complexidade e exercitada
mediante uso de diversos instru-mentos e a combinao de diferentes
abordagens. A compreenso detodos esses aspectos importante para no
perder de vista que devemser formativos os objetivos de uma avaliao
educativa. Ento, a avali-ao deve ser, essencialmente, um processo
social que pe em questoos sentidos da formao.
Palavras-chave: Educao superior. Avaliao. Epistemologias
objeti-vistas. Epistemologias subjetivistas. Controle. Produ-o de
sentidos.
ETHICAL AND POLITICAL ASSESSMENT. REGARDING EDUCATION AS APUBLIC
RIGHT OR AS A COMMODITY?
ABSTRACT: This paper deals with the links between assessmentand
the higher education reforms and their relation to the State.
It
* Professor titular, aposentado, colaborador voluntrio da
Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP), professor do Curso de
Ps-Graduao em Educao da Universidade de Sorocaba(UNISO). E-mail:
[email protected].
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advocates that assessment plays a crucial role not only
technically, butalso, and mainly, ethically and politically, in the
changes and reformsin higher education and in society. It
highlights two paradigms whichconceive higher education as a
product ruled by market logics and asa public right, respectively.
Each has its epistemology and assessmentmodel, with their
scientific groundings, ideologies and effects on thesocial,
political and economical life. The first one conceives
assessmentmainly as control, the other, as production of meaning.
This turns as-sessment into an area full of contradictions and
multiple references. Itshould thus be dealt with through complexity
theories and appliedusing several instruments and combining
different approaches. Un-derstanding all these aspects is important
to keep in mind that an edu-cative assessment must have formative
goals. Assessment must then beessentially a social process that
questions the meanings of the formativeendeavor.
Key words: Higher education. Assessment. Quantitative
epistemology.Qualitative epistemology. Control. Production of
mean-ings.
o h como compreender as transformaes da educao su-perior, nos
ltimos anos, sem levar em conta as prticas deavaliao. H uma forte
disputa entre duas concepes de
educao superior que tambm carregam contradies muito impor-tantes
nas concepes e nas prticas de avaliao. Isso pelo reconheci-mento de
que a avaliao exerce um papel de motor das transforma-es nos
sistemas e nas instituies de educao superior e, porconseqncia, na
sociedade. Dessa forma, a educao superior temsido considerada uma
instituio que produz conhecimentos e formacidados para as prticas
da vida social e econmica, em benefcio daconstruo de naes livres e
desenvolvidas. Em posio distinta, cres-ce e se fortalece hoje a
defesa da educao superior como funo daeconomia e dos interesses
individuais e privados. Essas diferenas ide-olgicas relativas ao
papel social da educao superior interferem for-temente na
compreenso das funes da avaliao. Aqueles que vma escola como uma
instituio constitutiva da Repblica querem quea escola forme o
cidado; (...). Os que vm a escola como uma empre-sa, num vasto
mercado de formao, encontram uma real necessidadena avaliao do
sistema, por mltiplas razes. preciso conhecer,portanto avaliar, a
oferta e a demanda para encontrar a melhor ade-
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quao. preciso permitir ao consumidor escolher, ento fornecer-lhe
informaes. preciso pilotar o sistema educativo como uma em-presa em
busca da melhor eficcia (Vogler, 1996, p. 346-347).
Por a j podemos ver que avaliao da educao superior um dostemas
mais complicados e complexos, tanto para quem se dedica
teoriaquanto para quem se envolve em sua prtica. Essa complexidade
advmdo fato de que no h consensos sobre avaliao em geral e
tampoucoexistem muitos acordos sobre o que seja hoje a educao
superior e, so-bretudo, quais so as suas funes mais importantes na
sociedade. Ques-tes epistemolgicas, ticas, ideolgicas, polticas,
culturais, tcnicas e deoutras naturezas imprimem complexidade a
esse fenmeno. Dissenso econtradies so inerentes aos fenmenos
sociais, e no seria diferente naeducao. Compreendendo que a avaliao
carrega consigo a problemti-ca sempre plural dos valores, e, ento,
da tica e da cultura, e que a edu-cao superior tem igualmente um
sentido fortemente social, portanto,tambm, tico, cultural e
poltico, podemos entender que essa relao cruzada de concepes de
mundo e interesses bastante diferenciados. Ne-nhuma avaliao neutra,
tampouco nenhuma concepo de educaosuperior se isenta de vises de
mundo e idias de sociedade ideal.
Avaliao e educao superior devem ser entendidas como fenme-nos
sociais e histricos. No lhes servem as idias essencialistas que
ascapturam e imobilizam em conceitos que no conseguem acompanhar
astransformaes histricas e os papis que esses fenmenos sociais
cum-prem em circunstncias distintas da vida das sociedades. Por
exemplo,por mais rica que tenha sido a idia da universidade
formulada porHumboldt, essa noo ideal no mais corresponde com
exatido s trans-formaes da educao superior, atualmente mais prxima
da forma demultiversidade. Tambm simplista e redutora a idia de
avaliaocomo um instrumento neutro e capaz de determinar de forma
absoluta-mente objetiva o que bom ou o que no o . Como fenmenos
sociais,educao superior e avaliao sofrem mudanas e cumprem papis
din-micos, respondendo s demandas que lhes so feitas nas mais
diversascircunstncias histricas.
Seus caminhos interconectam-se. H uma interatuao nas
trans-formaes que ocorrem nas avaliaes e na educao superior, uma
nose transformando sem a transformao da outra. Nem do ponto de
vis-ta tcnico, nem quanto a seus propsitos, a avaliao de hoje pode
ser
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considerada a mesma que aquela praticada em outros tempos;
porexemplo, quando servia seleo de indivduos para o servio
pblicoateniense, ou para a distribuio de empregados na indstria
nascentena primeira Revoluo Industrial. Ela se tornou
crescentemente maiscomplexa, mais bem definida do ponto de vista
instrumental e cadavez mais plurirreferencial. Seu alcance
alargou-se e seus efeitos amplia-ram-se. To importante quanto isso
que ampliou enormemente o m-bito dos interessados em seus
resultados. Da por que tambm se te-nha preocupado tanto com as
normas de procedimentos pblicos eaceitos pelos grupos de
interessados.
Ao voltar-se para programas, instituies e projetos com ntido
sen-tido social e de amplo interesse, ao envolver recursos pblicos
e ao ser exe-cutada por muitas pessoas, especializadas ou no, a
avaliao tornou-sedeclaradamente um fenmeno poltico, por mais que
ideologicamente sequeira apresent-la como exclusivamente tcnica. A
avaliao em nossos dias cada vez mais assunto que interessa a toda a
sociedade, especialmentequelas comunidades mais concernidas por
seus resultados e efeitos. Mas,atualmente, so os Estados os
principais interessados e aplicadores da ava-liao, especialmente na
perspectiva das reformas, do controle e daregulao. To importante o
papel da avaliao do ponto de vista polti-co e to eficiente ela para
modelar sistemas e garantir determinadas pr-ticas e ideologias que
nenhum Estado moderno deixa de pratic-la de modoamplo, consistente
e organizado. Isto , como poltica pblica.
A avaliao da educao superior ultrapassa amplamente os m-bitos
mais restritos do objeto a que se dirige. Seus efeitos atingem nos
o sistema de educao superior como tambm tm impactos sobretoda a
sociedade. A avaliao instrumentaliza as reformas
educacionais,produzindo mudanas nos currculos, na gesto, nas
estruturas de po-der, nas configuraes gerais do sistema educativo,
nas concepes e pri-oridades da pesquisa, nas noes de
responsabilidade social, enfim, tema ver com as transformaes
desejadas no somente para a educao su-perior propriamente dita, mas
para a sociedade que se quer consolidarou construir.
Alm de poltica, h uma forte dimenso tica na avaliao. ErnestHouse
talvez tenha sido um dos primeiros autores da rea a explicitarcom
muita clareza esses sentidos: H muitas pessoas interessadas,
por-que as decises sobre um programa baseadas na avaliao afetaro a
to-
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dos. A avaliao faz parte, de maneira fundamental e inextricvel,
de umasituao pblica: uma deciso coletiva (House, 1994, p. 19).
Quanto questo tica, referindo-se ao avaliador, diz: Sua avaliao no
s deveser veraz e crvel, tambm deve ser justa (House, 1994, p. 19 e
22).
Desde muito cedo, testes, provas, exames marcam os ritmos e
osritos de passagem do calendrio escolar, como se fizessem parte da
essn-cia mesma das aprendizagens e das formaes, como se a qualidade
daformao de um aluno coincidisse com os resultados que alcana
nessesinstrumentos de verificao. Na realidade, a avaliao nem sempre
apli-cada com funo pedaggica, formativa e, portanto, de emancipao
pes-soal e social. Muito comumente, ela tem exercido funes de
controle,seleo social, restries autonomia. O fenmeno da avaliao tem
sen-tidos muito mais amplos e complexos que aqueles que as noes
escola-res mais singelas e o senso comum transmitem de gerao a
gerao. Nocabe aqui deslindar todos os sentidos, nem sequer sugerir
as dimensesque constituem este fenmeno, tampouco suas evolues
histricas e seusimpactos nas instituies sociais e nas suas relaes
com o Estado e a so-ciedade civil. Como j mencionei em outra parte,
para uma viso maisampliada seria
importante compreender a lista no exaustiva as condies de
suaemergncia nos distintos perodos histricos, interpretar os
diversos senti-dos que ela vai adquirindo nos distintos contextos,
suas funes variveis,os modos e condies tambm mutveis de sua produo,
as tenses queproduz nos mbitos sociais e polticos, as configuraes
temporais das ins-tituies escolares e universitrias, as tendncias e
perspectivas do ensino eda pesquisa, as polticas educacionais
ligadas aos interesses dos governos eda economia, a difuso, o
tratamento dado pela mdia, a recepo pelas co-munidades educativas e
por setores mais organizados da sociedade, as ins-tncias
administrativas e legislativas, os sistemas de premiao e de
finan-ciamento, os grupos de especialistas vinculados s instituies
de educaoe s instncias do poder, as agncias, as audincias, o
discurso da meta-ava-liao, as revistas, os textos e autores da rea
consagrados. (Dias Sobrinho,2002, p. 34)
Cabe fazer uma outra observao. Nem sempre so os resultadosda
avaliao que prevalecem nas tomadas de deciso dos governos. Mui-tas
vezes, as polticas governamentais organizam as avaliaes, no o
in-verso. Isso cria uma grande contradio. Se de um lado no h
hipte-se de pleno consenso sobre as questes sociais em geral e em
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sobre os objetivos da sociedade, por outro lado os rgos de
administra-o pblica exigem que os resultados das avaliaes se
apresentem de for-ma objetiva e inquestionvel.
Desde a crise econmica e o aumento das demandas sociais dosanos
de 1970, ou seja, com a diminuio dos recursos pblicos para
ossetores sociais coincidindo com a crescente complexidade da
sociedade,nos pases industrializados, os Estados aumentaram
consideravelmente assuas aes de controle e fiscalizao. Este fenmeno
se tornou conhecidocomo Estado Avaliador, segundo expresso cunhada
por Guy Neave, ecaracteriza a forte presena do Estado no controle
dos gastos e dos resul-tados das instituies e dos rgos pblicos. O
Estado Avaliador inter-vm para assegurar mais eficincia e manter o
controle daquilo que con-sidera ser qualidade. Para a educao
superior tornou-se obrigatrio oaumento da eficincia de acordo com a
frmula: produzir mais, com me-nos gastos. A forte presena do Estado
Avaliador faz com que as avalia-es protagonizadas pelos governos
sejam quase exclusivamente externas,somativas, focadas nos
resultados e nas comparaes dos produtos, paraefeito de provocar a
competitividade e orientar o mercado, e se realizamex post.
Tendo em vista a necessidade de aumentar a produtividade e
acompetitividade, houve um aparente ganho de autonomia. Entretanto,
aautonomia concedida nesse mbito de forte interveno no campo
soci-al, que caracteriza o neoconservadorismo, consiste apenas em
maior li-berdade de organizao e gesto, principalmente para maior
adequaos necessidades diferenciadas do mercado e mais facilidade
para a obten-o e utilizao de recursos extra-oramentrios. Em
contrapartida, a au-tonomia universitria restringida pelas medidas
de controle praticadassob o nome de avaliao. Como as empresas, as
instituies educativasdevem agora submeter-se aos critrios
economicistas e gerenciais das em-presas. Van Vught, referindo-se s
reformas da educao superior daHolanda, diz:
A idia de avaliar a eficincia das instituies de ensino superior
parece sera pedra angular da nova estratgia governamental. Do ponto
de vista dogoverno, as decises referentes ao financiamento das
instituies estarobaseadas em grande medida em juzos sobre a
eficincia das instituies,que se obtero mediante um sistema de
controle da qualidade. (Neave &Van Vught, 1994, p. 213)
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Todos os Estados que hoje buscam realizar importantes mudan-as
no setor pblico, na administrao e nas formas de organizao eproduo
da sociedade acabam elegendo a avaliao como o motorprincipal das
reformas. Todos esses pases criaram agncias e uma redebem
articulada de especialistas para a promoo de avaliaes que aju-dem a
controlar e viabilizar os objetivos das reformas. Alm disso,
osprincipais organismos multilaterais impem seus modelos
avaliativosaos pases beneficirios de financiamentos, exportam
expertos e formamespecialistas locais para a reproduo e implementao
de instrumen-tos de controle de resultados conectados com as
reformas gestadas nosgrandes centros polticos e econmicos. Nesta
perspectiva da orienta-o dominante imposta pelos pases centrais e
organismos multilateraisque lhes do apoio, a avaliao cumpre a funo
primordial de tornar aeducao superior mais efetivamente til ao
mundo dos negcios e dotrabalho, mais voltada satisfao das demandas
do mercado, mais ade-quada expanso das redes comerciais
interdependentes.
Entretanto, nem toda educao superior tem como funo priori-tria
servir ao mercado, embora este constitua hoje a face mais visvel
deum fenmeno de mltiplos prismas. Igualmente, embora nem toda
ava-liao esteja a servio dos interesses privados e do mercado,
tambm preciso reconhecer que as relaes de cooperao da avaliao com
aeconomizao da educao e da sociedade tm sido uma tendncia cadavez
mais forte. H tambm importantes avaliaes orientadas a apoiar
aformao da conscincia crtica, da cidadania, da identidade
nacional,mediante o desenvolvimento do debate e da reflexo coletiva
sobre as fun-es pblicas da educao superior. Neste caso, estes
processos avaliativosse vinculam queles que constroem os
conhecimentos e promovem os va-lores como bens pblicos a servio da
populao em geral, no como pro-priedades privadas a servio do
interesse individual.
Claro que esta polarizao bem pblico X bem privado no nem
absoluta, dadas as possibilidades de hibridismos, nem isenta
detenses, como sempre ocorre nos mbitos sociais e, por isso,
ideolgi-cos. A economia uma dimenso imprescindvel da vida humana, a
seradequadamente desenvolvida pela educao. O papel da educaocomo
motor da economia deve tambm ser levado em conta. Entretan-to, a
economia no pode se desbordar na economizao da vida huma-na, ou
seja, no pode ser tomada como o centro do
desenvolvimentocivilizacional, no pode ser a referncia central e
primordial dos valores
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da vida pessoal e social. Da mesma forma, a avaliao no deve ser
ins-trumento dessa funcionalizao economicista.
Importante marcar que essas diferentes funes e concepes
deavaliao so coerentes com determinadas concepes de educao
supe-rior e com certos interesses e valores de grupos sociais. No
so dois blo-cos homogneos. Assim mesmo, h sensveis predominncias de
idias eprticas que priorizam a funo tico-poltica, que consiste na
democra-tizao e no aprofundamento dos valores pblicos, ou, por
outro lado, afuno tcnico-burocrtico-economicista, que prioriza as
bases do merca-do, a gesto eficaz, o progresso das empresas e o
sucesso individual. Oproblema deste segundo bloco no est na
eficincia e no progresso queele produz, mas sim no fato de que no
est a servio dos interesses co-muns de elevao espiritual e material
de toda a sociedade.
Em outras palavras, sempre advertindo para as possibilidades
deexistirem configuraes hbridas, podem-se distinguir
analiticamenteduas tendncias dominantes na avaliao, conforme se lhe
atribua mais afuno tico-poltica de formao da cidadania, promoo de
sujeitos au-tnomos, emancipao e solidariedade social, ou,
preponderantemente,a funo tcnico-burocrtico-economicista,
pretensamente objetiva, decontrole dos produtos e instrumentalizao
da educao em funo daeconomia de mercado. No primeiro caso, ainda
que no exclusivamente,situam-se aqueles que defendem os valores
histricos da universidadereferenciada sociedade. No segundo, como
tendncia e tambm no demodo puro, em geral colocam-se governos,
organismos multilaterais, ins-tncias reguladoras, setores
universitrios a servio do mercado, ou sim-plesmente adeptos da idia
de que se pode tratar a realidade sem conta-minao ideolgica.
Dois conceitos importantes aqui se insinuam: autonomia eregulao.
Estes termos so susceptveis de mltiplas interpretaes, nofaltando
quem lhes atribua uma oposio simples e sem contradies.Portanto, no
se h de incorrer no equvoco, bastante comum, de opor oprimeiro
termo ao outro, porm muito menos contrapor avaliao e au-tonomia. Se
assim fosse, a avaliao identificar-se-ia simplesmente comcontrole.
Seria, ento, um instrumento que poderia negar ou suspendera
autonomia.
importante jamais perder de vista a complexidade da avaliao.Nem
poderia ser diferente, pois toda avaliao tem a ver com idias,
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qualidades, escolhas, valores, interesses, grupos, instncias,
poder. Comotudo isso diverso e dinmico, a avaliao no poderia
esgotar-se em ins-trumentos e sentidos simples, unvocos,
monorreferenciais. Pode-se mes-mo observar que, medida que as
sociedades se tornam mais complexas,quando surgem mais problemas,
mais mudanas nos campos da econo-mia, da poltica, da cultura, bem
como quando h mais avanos nos sis-temas de produo, distribuio e
utilizao dos conhecimentos, a avali-ao tambm adquire novas formas e
novos contedos, ajustados a essasdinmicas histricas. Apesar da
diversidade que vai apresentando emconsonncia com as transformaes
societais, dois grandes tipos bsicossobressaem-se, quando olhados
pelos prismas da epistemologia, da ticae dos efeitos polticos que
produzem. House chama-os de enfoques oumodelos, acrescentando que
eles compartilham as idias da sociedadeem que so praticados.
Embora sempre lembrando a complexidade epistemolgica e
asimplicaes ticas e polticas da avaliao, o que apresento a seguir
soapenas indicaes bsicas da epistemologia objetivista e da
epistemologiasubjetivista, que sustentam dois dos modelos
avaliativos mais recorrentese concorrentes.
Epistemologia objetivista em avaliao
No liberalismo e, atualmente, no neoliberalismo econmico e
noneoconservadorismo poltico, prevalecem a liberdade de escolha, o
indi-vidualismo, o empirismo e um tipo de sociedade de carter
dominante-mente mercantil, competitivo e individualista. Ao passo
que o neolibera-lismo se refere economia, preconizando liberdade
nos processos parafacilitar o livre comrcio, o neoconservadorismo
diz respeito a um maiorcontrole por parte do Estado sobre o campo
social e cultural. House jhavia observado, em 1980, que as
caractersticas da sociedade liberal (epenso que isso vale para o
neoliberalismo e o neoconservadorismo atuais)so idias-chave que
constituem basicamente os enfoques avaliativos. Re-ferindo-se ao
liberalismo, enfatiza: A idia mais fundamental a liber-dade de
escolha, porque, se ela falta, que utilidade tem a avaliao?(House,
1994, p. 46). Vale observar que a liberdade de escolha essen-cial
para a liberdade comercial. No caso da educao, essa liberdade
fundamental para sustentar a privatizao, tanto na ponta da oferta
quan-to da recepo dos servios e produtos educacionais. claro que na
ques-
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Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico
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to da educao privada imprescindvel que haja as adequadas
condi-es econmicas. Porm, se tambm no houvesse possibilidades de
es-colha, como se sustentariam as ofertas privadas? Os
instrumentosavaliativos, que buscam orientar objetivamente as opes
dos clientes,s fazem sentido onde vige o princpio da livre
escolha.
A avaliao fundada na epistemologia objetivista diz-se
eminente-mente tcnica. Seu objetivo principal prestar informaes
objetivas, ci-entficas, claras, incontestveis, teis para orientar o
mercado e os gover-nos. Justifica-se pela idia de que os clientes
ou usurios da educao tmindividualmente o direito de saber quais so
as boas escolas, os bons pro-fessores, quem oferece os melhores
servios, segundo parmetros prvia eobjetivamente estabelecidos e
levando em conta a relao custo-benef-cio. Esses parmetros, normas e
critrios, supostamente objetivos, ideaise abstratos, quase sempre
se utilizam de procedimentos de quantificaode produtos, dada a
necessidade de comparaes e rankings, e esto vol-tados ao controle
da qualidade dos servios e produtos educacionais, semelhana do que
ocorre no mundo dos negcios. O controle, nessaperspectiva,
efetua-se conforme a crena de que a avaliao seria neutra eobjetiva,
dado seu suposto carter tcnico. Objetividade, certeza,
neutra-lidade, verificabilidade seriam asseguradas pelos
procedimentos cientfi-cos, pelo uso de instrumentos objetivos e
tcnicas quantitativas.
A epistemologia objetivista em educao e mais especificamenteem
avaliao tem na gesto cientfica, na pedagogia por objetivos,
napsicometria e na cienciometria algumas de suas mais importantes
ma-nifestaes, na linha da ideologia do individualismo, do sucesso
indivi-dual, da eficincia e da racionalidade instrumental.
Objetivos e qualida-des poderiam e, ento, deveriam ser medidos,
quantificados, comparados.Os testes, as escalas, as estatsticas e
os rankings so recursos privilegiadospara verificar, controlar e
produzir eficincia e qualidade, mas segundonoes de eficincia e
qualidade que correspondam a essa racionalidade.
Ao longo do sculo XX, desenvolveu-se uma grande indstria
deinstrumentos de medida. A primeira grande contribuio (presente
athoje, transformada) veio da psicologia. Com efeito, a psicologia
desen-volveu-se nas primeiras dcadas do sculo passado basicamente
comopsicometria, com grande destaque a E. L. Thorndike, na elaborao
detestes para fins de classificao. Mais tarde, a sociologia do
conhecimen-to contribuiu para o desenvolvimento de um aspecto
importante na ava-
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liao-mensurao da produo cientfica. A partir de 1943,
RobertMerton e outros elaboraram as bases das medidas e
quantificaes daproduo cientfica, que vieram a ser conhecidas por
cienciometria; poste-riormente, foram criados institutos dedicados
quantificao e indexaode citaes cientficas. Essa metodologia se
universalizou e largamenteutilizada nos levantamentos dos produtos
de pesquisa e no reconheci-mento de mrito dos cientistas e
pesquisadores. Nos ltimos anos, demodo especial desde os anos de
1970 e aps a generalizao das crisesdos financiamentos pblicos,
governos e agncias multilaterais intensifi-caram as prticas de
prestao de contas (accountability) principalmenteem questes que
envolviam financiamentos. Assim se incorporou aeconometria, como um
conjunto de idias fundadas no valor econmico ede instrumentos
capazes de medir a viabilidade econmica de um proje-to, bem como os
impactos econmicos de um programa executado.
Avaliao tambm tem sentidos de sano e legitimao e seuscontrrios.
Legitima e denega prticas, contedos, valores e sentidos. Anoo de
seleo e de organizao social com o correr do tempo tor-nou-se muito
forte, a ponto de ainda hoje estar arraigada indelevelmen-te em
muitas prticas avaliativas, tanto nas escolas como nos
mbitospblicos dos concursos e dos exames.
A necessidade de organizao seletiva da sociedade aumentou
con-sideravelmente a partir do momento em que a sociedade veio se
tornan-do mais complexa. A Revoluo Francesa ampliou o acesso
educaobsica e criou o sistema de classes, isto , organizou os
alunos conformeas capacidades individuais e idades. A escola
deveria preparar servidorespara os novos cargos e as funes do
sistema de servio pblico que osvalores republicanos ento
organizavam. A Revoluo Industrial promo-veu a organizao das
atividades e dos postos de trabalho e estabeleceuos conceitos
salariais relativos, gerando com isso tambm a afirmao
designificados sociais e hierarquias de poder ligados aos lugares
ocupadosnas estruturas dos servios e da produo. A avaliao teve,
ento, not-vel apelo e demanda, tanto para distribuir socialmente os
indivduosquanto para selecionar para o servio pblico e os postos de
trabalho,sempre baseada na noo de mrito individual. Desde ento ela
tem sidoum importante instrumento para o estabelecimento e a
mobilidade dasclasses de alunos, que se consolidou como a mais
evidente forma de or-ganizao da escola moderna.
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Avaliao tica e poltica em funo da educao como direito pblico
ou...
Para mais eficaz e objetivamente dar conta das funes sociais
quelhe foram outorgadas, a avaliao teve que se desenvolver
tecnicamente,criando os testes escritos e o sistema de notao. A est
uma primeiracaracterstica que colou na avaliao a ponto de parecer
pertencer suaessncia: os testes escritos com fins de medida. Como
se sabe, as univer-sidades medievais praticavam apenas exerccios
orais; posteriormente, osjesutas utilizaram fartamente as competies
orais como proposta peda-ggica. Os testes escritos so uma criao da
escola moderna. Sua formaescrita liga-se idia de credibilidade
pblica, transparncia e rigor. Ga-nharam tanta importncia que
acabaram interferindo fortemente na de-finio dos currculos e das
propostas pedaggicas.
De um lado, os instrumentos de testes, provas, exames
trouxerammais preciso e fora operacional ao sistema de medidas e de
seleo. Poroutro, determinaram uma concepo e uma prtica pedaggicas
que con-sistem basicamente na formulao dos deveres ou exerccios
escolares eno controle por meio dos testes. Assim, a avaliao
interfere incisivamen-te na organizao dos contedos e das
metodologias e vai legitimandosaberes, profisses e indivduos, o que
significa tambm produzir hierar-quias de poder e privilgios. Como
smbolo da legitimao de valores eprivilgios sociais, os ttulos e
diplomas so institudos formalmente, re-sultantes tambm eles da
avaliao, e ganham grande importncia na de-terminao das hierarquias
e na distribuio dos indivduos nos lugaresque de direito e por mrito
individual lhes corresponderiam na socie-dade. A proliferao dos
exames e concursos em grande parte deve-se snecessidades que as
sociedades apresentam de distribuir os indivduos nasdiferentes
posies dos espaos sociais, segundo critrios de mritos pes-soais, e
de legitimar essa organizao e a ideologia correspondente, bemcomo
os conhecimentos, os privilgios e o direito s prticas
profissio-nais, mediante a outorga de diplomas e ttulos.
Tal a importncia dos exames no campo da avaliao que elesacabaram
constituindo uma rea de estudos a docimologia. Esses es-tudos
reafirmam uma concepo racionalista e empirista da avaliao,durante
muito tempo quase totalmente identificada com exames, no-tao e
controle.
At h pouco tempo, falar de avaliao era naturalmente (aqui est a
for-a do topos) falar da avaliao somativa, da nota, dos testes, dos
controles,da verificao, do balano. Assim, os estudos docimolgicos
desejam per-tencer ao paradigma da Razo. (Vial, 2001, p. 41)
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Utilizando-se quase exclusivamente da medida e da seleo
comoinstrumento tcnico para efeito poltico de organizao hierrquica
doservio pblico e do trabalho em geral, a avaliao de modo algum
podeser considerada neutra e ingnua. Ela transforma, isto , produz
efeitos,tanto para a vida individual como para a sociedade e para o
Estado. Le-gitima valores e ideologias, justifica admisses e
demisses, ascenses ereprovaes, premiaes e sanes, reforos e coeres
na esferacomportamental, liberaes e cortes de financiamentos etc.
Justificada porum discurso conveniente, a avaliao como tecnologia
de poder faz suasescolhas. Na escola, determina quem passa de ano e
quem retido,quais so os melhores e os piores, os inteligentes e os
incapazes, os esfor-ados e os preguiosos, os educados e os
indisciplinados. Na vida social,quem merece ter as melhores posies
e mais poderes, em razo de seusmritos, e quem ser excludo, por
mediocridade e/ou desinteresse.
Nos processos ditos de garantia da qualidade costumam
associar-se trs conceitos: qualidade, avaliao e inovao. Muito
freqente a as-sociao dos dois primeiros. A avaliao comumente
entendida comoum sistema de coerncias entre o ser (a realidade
encontrada ou realiza-da) e o dever ser (o padro ideal,
preconcebido); e tambm como umsistema de distines entre o certo e o
errado, os pontos fortes e os fra-cos, os acertos e desvios.
Pertinncia (relao entre projeto institucional enecessidades
cientficas e sociais), eficcia (coerncia entre as prticas e
osobjetivos) e eficincia (coerncia entre insumos e resultados) so
trs cri-trios considerados quando usualmente se quer constatar e
verificar n-veis de qualidade, segundo padres de coerncia e medida
de desvios oudistncias entre o que e o que deveria ser.
Esta concepo pe a nfase sobre os aspectos mais identificadoscom
as produes e as expectativas econmicas, quase sempre relativa-mente
quilo que quantificvel. Em outras palavras: pe em relao umreferido
(o constatado, o objeto em pauta, o realizado, o verificvel emdado
momento) com um referente (a norma, o ideal, o esperado).
Im-portante observar que a no h necessariamente questionamento a
res-peito das normas, dos critrios e dos objetivos. Seu ncleo
central averificao, o controle dos resultados, a constatao da
coerncia e das di-ferenas encontradas entre o realizado e o
idealizado, os resultados e anorma preestabelecida. Esse
procedimento conservador, fechado, namedida em que reproduz os
esquemas mentais estabelecidos com anteri-oridade e exterioridade.
No permite a interao dos sujeitos idiossincr-
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ticos com o objeto, com o pretexto de que este deve ser isento
das conta-minaes da subjetividade e no dependente do contexto.
O critrio da medida da coerncia, embora se justifique em mui-tos
casos, no totalmente suficiente para tratar fenmenos com enor-me
grau de complexidade, dinamismo e contedos simblicos como o caso da
educao. As dinmicas educativas no se referem somenteaos planos
organizacionais e aos significados intrnsecos e internos
dasprticas. Elas tambm se projetam em problemticas pblicas e lan-am
questes que escapam rigidez da racionalidade administrativa.
A avaliao da educao tem atribudo nfase ao uso de
tcnicasobjetivas que focalizam resultados e aquisies. Por serem
mais facilmen-te organizveis do ponto de vista operacional e dada a
imagem de objeti-vidade e iseno que transmitem, as tcnicas de medio
e explicao tmsido bastante utilizadas. De modo especial, essa
tradio esteve fortemen-te presente at os anos de 1960, nos Estados
Unidos e na Inglaterra, eagora largamente utilizada em vrios pases.
Na pesquisa, aplicaram-secentralmente as prticas da cienciometria,
que usualmente quantificam aproduo cientfica e alguns aspectos que
indicariam reconhecimento dequalidade, como nmeros de citaes em
revistas indexadas etc. No ensi-no, o foco da avaliao muitas vezes
consistiu, e ainda consiste, emmensurar os desempenhos dos alunos
em exames. Verses brasileiras des-sas prticas se realizam
respectivamente na quantificao da produo ci-entfica e tcnica, parte
importante da avaliao da ps-graduao, e noProvo, instrumento que se
propunha a determinar a qualidade de umcurso de graduao, segundo os
desempenhos dos seus estudantes em umexame nacional, e acabou tendo
um enorme impacto na explosivaprivatizao da educao superior
brasileira, a partir da segunda metadeda dcada de 1990.
As avaliaes de carter objetivista so francamente utilizadaspara
a orientao do mercado, onde as noes de qualidade se asseme-lham a
produtividade e eficincia, e para uma atualizao da teoria docapital
humano, que restringe a formao capacitao profissional. Otexto
abaixo, de Erik Jan Lane, refere-se universidade sueca, pormpode
tambm servir para mostrar as grandes marcas das reformas
uni-versitrias pelo mundo afora.
A qualidade substituiu a igualdade como conceito dominante da
vida aca-dmica. A eficincia volta a ser importante e se considera
que a pesquisa
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avanada e a formao so de vital importncia para o desenvolvimento
fu-turo da sociedade. (...) Finalmente est a questo da
produtividade. Cadavez se compartilha mais amplamente a idia de que
os recursos destinados educao superior devem ser uma inverso que
produza seus benefcios, tan-to no sentido de que seja socialmente
produtiva, como no sentido de que aformao acadmica produtiva quando
os xitos esto relacionados com osmontantes investidos. (Lane, apud
Neave & Van Vught, 1994, p. 269)
As restries oramentrias e a exigncia de que a educao superi-or
se torne mais til ao fortalecimento do mercado e sade econmicadas
empresas transformou a accountability (prestao de contas,
respon-sabilizao, responsividade) em critrio central da avaliao,
desde as duasltimas dcadas do sculo passado. A responsabilidade de
demonstrar efi-cincia e produtividade tanto maior quanto mais
reduzidos vo se tor-nando os oramentos das instituies. Ao mesmo
tempo, os Estados vodesenvolvendo com mais intensidade a vocao
legisferante para assegu-rar a correo contbil e a eficcia
gerencial. Os organismos multilateraise os pases desenvolvidos, que
fazem parte da OCDE, praticam-na de for-ma contbil e gerencialista,
pois, para fins de controle, interessa aos go-vernos e agncias de
financiamento ter informaes acerca do desempe-nho
econmico-financeiro, dos rendimentos escolares, da
eficciaadministrativa. Os instrumentos e as prticas dessa
responsabilizao edessa responsividade contbil e gerencialista se
constituem muito maiscomo controle que como avaliao, tm muito mais
um sentido burocr-tico e fiscalizador que propriamente educativo ou
formativo. Promovema ideologia da eficcia da gesto segundo os
modelos empresariais,centrados nos ajustes estruturais de forte
concentrao de poder, pormno vinculam a eficcia administrativa s
funes pedaggicas e cientfi-cas e s finalidades essenciais da
educao.
Levada a limites extremos, essa responsabilizao e essa
responsi-vidade produzem um importante deslocamento de sentido, que
con-siste na reduo do exerccio participativo na vida social, na
cidadaniapblica, enfim, na responsabilidade pedaggica, poltica e
cientfica daeducao ante a sociedade, exigncia de prestar contas aos
governos es agncias de financiamento e regulao. No limite, acabam
restrin-gindo as finalidades pblicas da avaliao, concebida ento
como con-trole e verificao da eficincia e rentabilidade das
instituies, dos cur-sos, dos estudantes, em conformidade com
parmetros externos esuperiores.
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Os mecanismos de controle dos resultados tendem a fazer
umaabstrao dos contextos e dos fatores humanos que os envolvem e
engen-dram. Os produtos so apresentados como quantidades desligadas
dosfenmenos causais e dos significados idiossincrticos. Esse
procedimento muito til para a elaborao de classificaes, informaes
objetivas, masno se preocupa em pr em foco de conceituao as aes
educativas e osseus resultados. Assim, bastante conveniente para os
tecnocratas, maspouco vale para melhorar os processos pedaggicos, a
formao, o ensi-no, as aprendizagens, a produo dos conhecimentos
necessrios para odesenvolvimento da sociedade.
Granheim & Lundgren consideram haver trs sentidos
principaisnessas avaliaes tecnocrticas: uma direo legal e
burocrtica, que im-pe um quadro normativo e punitivo, uma direo
econmica, que esta-belece os sistemas de valor por meio da
distribuio de recursos, e umadireo ideolgica, que compreende as
diretrizes educativas. Para esses au-tores, ocorre a um grande
risco de que se d avaliao um sentidotecnocrtico e que se passe a
exigir burocraticamente o cumprimento deobrigaes (Granheim &
Lundgren, 1992, p. 18 e 19).
Quando a avaliao apropriada pelas instncias de poder, semuma
interlocuo com os educadores, enfraquece sua
potencialidadeformativa em favor das funes burocrticas,
controladoras e econo-micistas.
Os processos de avaliao nessa perspectiva se transformam
emmecanismos de controle dos resultados. Esse mecanismo de
desloca-mento dos processos para os produtos valoriza a eficincia,
a produtivi-dade. Mediante procedimentos de quantificao e comparao,
intro-duzem no sistema um forte componente de competitividade nos
nveisinternos das instituies educativas e nas suas relaes com as
demais.Esses processos avaliativos so instrumentos de competio, e
no desolidariedade e cooperao, que so valores histricos da
universidade.Ao comparar a quantidade de produtos das instituies,
essa avaliaoobjetivista e tecnocrtica afirma a produtividade como
valor de refern-cia e determina, centralizadamente, os objetivos e
as atividades da co-munidade universitria.
A avaliao objetivista e produtivista vincula-se s ideologias do
in-dividualismo e da competitividade, prprios de uma sociedade cujo
va-lor central o mercantilismo. epistemologia objetivista
correspondem
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os interesses individualistas e utilitaristas. De acordo com
essa racionali-dade, quanto mais produtos teis, isto , valiosos
para a economia, al-canar uma sociedade, mais feliz ela .
Felicidade social e utilidade geral,assim, equivalem-se, so
coincidentes. A felicidade geral medida por ins-trumentos e muitas
vezes confunde-se com os indicadores. Por exemplo,ela se identifica
com o produto nacional bruto, as taxas de inflao, osndices de
desenvolvimento humano, as pontuaes e classificaes demritos
etc.
Importante insistir: a avaliao o principal instrumento
paraassegurar o xito e a direo das reformas. Ainda que de modos
dife-rentes, a avaliao esteve a servio da privatizao na Inglaterra,
desde1980, e em muitos outros pases, especialmente na Amrica
Latina, apartir dos anos de 1990. No Brasil, essa relao entre
avaliao (con-trole) e mercado (privatizao) se tornou forte a partir
de 1995. O Re-latrio Jarrat (1985) usou a expresso-chave que serve
tanto para o casoda Inglaterra quanto para outros pases: as
instituies de educao su-perior devem ser parecidas com as empresas
de negcios.
Em questes de aprendizagem, persistiu durante a maior parte
dosculo XX a crena de que um bom instrumento de medida,
especial-mente o de cunho psicomtrico, garantiria resultados
confiveis e justos,pois supostamente isentos de contaminaes. O
paradigma positivista as-seguraria a objetividade necessria cincia
e tcnica neutras e despoja-das de valores, evitando argumentos e
evidncias de que normas e regrasso produtos de processos histricos
movidos por contradies, escolhas,interesses e valores que interagem
em condies sociais concretas.
As vises de mundo acentuadamente objetivistas organizam
esque-mas fechados de compreenso da realidade e se traduzem por uma
ticatendencialmente utilitarista, pragmatista e individualista,
fazendo crer queo progresso resulta mecanicamente da gesto
eficiente, do uso racional dosrecursos e da natureza
desenvolvimentista da cincia e da tcnica.
O paradigma mecanicista, sustentando a idia da verdade sobre
anoo de neutralidade que os nmeros, os planejamentos rigorosos e
osinstrumentos objetivos supostamente apresentam, produz uma
positiva-o do mundo, mediante as tcnicas de quantificao, de medies
con-troladas, de comprovaes dos resultados, da estabilizao e
particulari-zao da realidade, para fins de inferncias e produo de
dados objetivose repetveis (Cook & Reichardt, 1995, p. 29).
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Esse enfoque avaliativo tem sido largamente utilizado pelos
go-vernos e por agncias multilaterais. Evidentemente, a
quantificao, aobjetividade, a comparabilidade so aspectos
importantes de um pro-cesso avaliativo. Erro seria no os utilizar,
o que levaria aos vcios deum subjetivismo exclusivista. Porm, tambm
um grande equvocoutiliz-los exclusivamente, como nicos,
incorrendo-se ento numa ex-trema quantofrenia ou no erro de
equiparar a cincia verdade. DizHouse:
Em sua forma extrema, o objetivismo epistemolgico exclui por
com-pleto o no-quantitativo: o que existe pode ser medido. A reduo
anmeros equipara-se s vezes objetividade. Em boa medida, as
ori-gens deste empirismo e deste objetivismo extremos podem ser
encon-tradas na primitiva epistemologia da filosofia liberal.
(House, 1994, p.50)
A objetividade, como idia regulativa, de modo algum deve ser
ne-gada. Rigor cientfico, verificabilidade, integridade, capacidade
de cons-truir representaes consistentes so caractersticas da
objetividade quedevem ser afirmadas. Critico o objetivismo, exagero
que faz coincidir ob-jetividade e verdade, que defende a idia da
neutralidade da cincia e re-cusa a dimenso social e histrica do
conhecimento. A objetividade, paraser legtima e mais amplamente
reconhecida, precisa reconhecer a dimen-so social e intersubjetiva
do conhecimento. No possvel objetividadesem subjetividade, no h o
quantitativo sem o qualitativo, s medianteteorias da complexidade
se pode compreender globalmente um fenme-no humano, que por
natureza polissmico e este o caso da educa-o, como tambm o da
avaliao.
Epistemologia subjetivista em avaliao
A partir da dcada de 1970, nos Estados Unidos, as
prticasobjetivistas tiveram que dividir espaos com uma
epistemologia maisaberta, transdisciplinar, que requer operaes de
produo de juzos devalor e aborda os fenmenos do campo social por
meio de metodologiascomplexas. Desde ento, a epistemologia
subjetivista passou a competire conviver (no sem dificuldades) com
a epistemologia objetivista. A so-ciedade norte-americana
experimentava grande acelerao em termos decomplexidade, de modo que
os problemas sociais j no podiam ser
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compreendidos e, muito menos, solucionados, mediante vises e
estrat-gias simples. A avaliao educativa j no podia contentar-se
com merasverificaes, constataes e medidas. A esse propsito diz
Helen Simons,em texto escrito em 1988:
Ao focar a ateno exclusivamente na aquisio por parte do aluno
deobjetivos de aprendizagem predefinidos, o governo conserva uma
visoda avaliao que j se encontrava ultrapassada nos anos 60 quando
se re-conhecia a necessidade de anlises mais sofisticadas, que
permitissemuma utilizao da avaliao como instrumento de inovao
curricular.(Simons, 1993, p. 158)
A epistemologia subjetivista, tambm conhecida por
holstica,fenomenolgica, naturalista, conforme o aspecto sobre o
qual recaem asnfases, no se sustenta sozinha. No sem se combinar
com a linguageme os instrumentos prprios da racionalidade
objetivista, ela faz emergirprticas em que se valorizam as atitudes
reflexivas e cooperativas dos ato-res envolvidos nas aes
educativas. Para alm das simples medidas, valo-riza a construo de
processos sociais de comunicao baseada na auto-nomia e no no poder,
de tal modo que o conhecimento adquirido nodecorrer da avaliao seja
utilizado de forma pertinente e defendido pelamaioria dos atores
educativos (Simons, 1993, p. 165).
A epistemologia subjetivista tem uma perspectiva de compreensoda
realidade diferente daquela da epistemologia objetivista. Para
aepistemologia subjetivista, a realidade complexa, dinmica, aberta
epolissmica, a verdade , portanto, relativa e dependente das
experinci-as humanas concretas, a cincia e a tcnica esto
mergulhadas na ideolo-gia, os valores esto impregnados das
contradies sociais, e tudo isso im-pe a necessidade de fazer uso
tambm das abordagens qualitativas eintuitivas. Cook & Reichardt
afirmam que esse paradigma tende a apre-sentar os seguintes
atributos: defende os mtodos qualitativos; faz obser-vao
naturalista, sem controle; tende ao subjetivismo; desenvolve a
pers-pectiva interna; orienta-se aos descobrimentos, por vias
exploratrias,descritivas e indutivas; orienta-se ao processo;
considera que a validadeconsiste nos dados reais e ricos de
significao; no generalizvel; fazestudos de casos isolados;
holstica; assume uma realidade dinmica(Cook & Reichardt, 1995,
p. 29).
Essa perspectiva defende a idia de que, se a avaliao tem por
ob-jeto uma realidade dinmica e complexa, precisa ela tambm ser
consi-
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derada polissmica, plurirreferencial. Ento, s pode ser
compreendidamais adequadamente por meio de mltiplos enfoques e
ngulos de estu-dos, ou seja, por uma epistemologia da
complexidade.
O reconhecimento da avaliao como fenmeno plurifacetado e
deresponsabilidade social significa tambm admitir a sua dimenso
tica,para alm de sua complexidade epistemolgica. Atribuir valor
absolutode verdade e objetividade aos nmeros e seus efeitos de
seleo e classifi-cao querer esconder e abafar o fato de que o campo
social penetra-do de valores, interesses e conflitos. esse carter
tico e, portanto, pol-tico que coloca a avaliao no centro das
reformas e dos conflitos, pois oque est em jogo e em disputa o
modelo de sociedade. Essas tenses,conflitos e ambigidades (da
avaliao so consideradas) prticas soci-ais relacionadas com fins
sociais (Popkewitz, 1992, p. 96).
Se nenhuma avaliao isenta de valores e sempre produz efeitosque
de alguma forma a todos afetam, dos concernidos requer capacida-des
no s tcnicas, mas tambm sociais e ticas. Como o carter pol-tico da
avaliao educativa densamente habitado pelo sentido ticodo bem
comum, ela deve estar orientada para o aprofundamento daautonomia
pblica. Como empreendimento social, a avaliao deve or-ganizar os
conjuntos de indivduos, idias, aes, estruturas e relaescom os
objetivos de compreender e melhorar as instituies educativas.
A melhora da qualidade educativa uma construo coletiva. a
participao ativa de sujeitos em processos sociais de comunicao
quegera os princpios democrticos fundamentais para a construo das
ba-ses de entendimento comum e de interesse pblico. Esse processo
so-cial tambm potencialmente rico de sentido formativo, inclusive
paraos sujeitos que a ele se dedicam. Como corrente em todo
processocomplexo de comunicao, em que se encontram interlocutores
de dis-tintos grupos, a avaliao participativa e democrtica
penetrada demuitas contradies e disputas, que certamente trazem
dificuldades eincertezas, mas sobretudo propiciam muitas
possibilidades de aprendi-zagem e de experincias ricas dos
significados da vida social.
A educao superior deve ser avaliada no simplesmente a partirde
critrios do mundo econmico e no somente com instrumentosque
matematizem a qualidade sob as justificativas de desempenho,
efi-cincia e produtividade, mas, sobretudo, deve colocar em
julgamentoos significados de suas aes e construes com relao s
finalidades
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da sociedade. Certamente isso exige a superao de noes estreitas
dequalidade, transferidas do mercado, por uma concepo complexa,
que,alm de aspectos mais visveis e mensurveis, para alm da
operatividadee da funcionalidade produtiva, incorpore ainda os
sentidos e valores daconstruo da sociedade democrtica. Dessa forma,
a avaliao estariaajudando a educao superior a formar cidados
equipados de compe-tncias ticas, cientficas e polticas requeridas
pela sociedade.
Concluso
Este texto discutiu dois modelos, ou dois enfoques, ou duas
pers-pectivas, ou duas lgicas, ou duas perspectivas, ou dois
paradigmas ouainda duas epistemologias de avaliao.1 Simplificando,
um dessesenfoques faz a avaliao desenvolver-se como controle e tem
como objeti-vo a verificao e a medida da conformidade. O controle
verifica e cons-tata o realizado, em atitude conservadora e voltada
ao passado. No outroparadigma, a avaliao ao de atribuio de valor e
produo de senti-dos. Sua base o real, porm no simplesmente como
produo passadae sentido j acabado, mas, sobretudo, como projeto
aberto ao futuro. Tra-ta-se de pr em foco de conceituao, isto , de
questionar os significa-dos das aes e das idias, tendo como
referncia os valores fundacionaisda educao e, como perspectiva, a
construo do futuro.
Como diz Vial, a avaliao vive um conflito entre dois logos,
doisregistros de palavras, duas falas: o da Ratio (avaliar ser
justo, objetivo)e o do Pathos (avaliar acompanhar, cumprir, amar)
(Vial, 2001, p.41). Esses dois sistemas de idias e prticas, ou
seja, paradigmas, so dis-tintos e contraditrios, porm no se excluem
mutuamente. No se tratade simples oposio, em que uma parte deve ser
aceita e a outra deve serrejeitada. No se trata de adotar
exclusivamente o controle (medida, ve-rificao, constatao, o sentido
j dado, classificao, seleo etc.) ou,tampouco, tambm exclusivamente,
de adotar procedimentos subjeti-vistas sem base em dados da
realidade. As duas epistemologias represen-tam duas vises de mundo
distintas, at mesmo concorrentes, porm socomplementares e no
excludentes.
O controle, quando isolado, insuficiente, conservador, pode
serautoritrio e no favorece a autonomia. uma interveno fechada,
ter-minada em si mesma, centrada sobre um objeto desligado de seu
con-
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texto, ou sobre produtos sem processos. Ao buscar as
correspondncias esingularidades e ao estabelecer a relao de
conformidade/inconformidadeentre o ser e o dever ser, o controle
apresenta a norma como naturalmen-te vlida e inquestionvel. Em
geral, os critrios, procedimentos e instru-mentos do controle so
determinados externamente, sem a participaoefetiva dos educadores,
muitas vezes obedecendo lgica dos organismose das agncias de
regulao e financiamento. certo que o controle pro-duz importantes
efeitos. Entretanto, tende a produzir mais do mesmo.Assim,
importante quando se objetiva consolidar prticas e fazer ajus-tes,
porm no quando se quer pr em questo os significados e os valo-res,
tampouco quando se pretende fazer da avaliao um consistente
pro-cesso tico e tcnico de formao humana.
A avaliao, como produo de sentidos, reflexo sobre valores
esignificados, tem um grande potencial educativo. Sem deixar de ser
ob-jetiva e utilizar instrumentos tcnicos, e no se satisfazendo com
a meraverificao e checagem de produtos e sua conformidade com uma
nor-ma, a avaliao como produo de sentidos alimenta debates,
interroga-se sobre os significados, as causalidades e os processos,
trabalha com apluralidade e a diversidade, abre possibilidades de
emancipao, cons-truo, dinamizao. Se a finalidade essencial da
educao a formao,em seu sentido pleno e no restrito capacitao
tcnica, ento a avalia-o deve se realizar como um processo e um
projeto, continuamente emconstruo, que, fundamentalmente, coloca em
foco de conceituao equestionamento os significados da formao que se
vo produzindo noconjunto das prticas institucionais, pedaggicas,
cientficas e sociais. En-to, a avaliao educativa dever tratar, em
ltima instncia, dos valoresda existncia humana, portanto da
sociedade humana, que uma institui-o prioriza em suas atividades
formativas.
Controle e produo de sentidos complementam-se, no se ex-cluem.
Educao formao plena e dinmica, construo e promo-o da autonomia
pessoal e pblica dos cidados e da sociedade. A serassim, carrega um
forte significado tico-poltico. O sentido tico daavaliao d contedo
afirmao das subjetividades, papel fundamen-tal da educao, que passa
pela produo de sentidos dos sujeitos. En-to, avaliao e educao, bem
como avaliao e autonomia, devemmanter entre si uma relao de
sinergia.
Recebido e aprovado em setembro de 2004.
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725Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 88, p. 703-725, Especial -
Out. 2004Disponvel em
Jos Dias Sobrinho
Nota
1. No aqui lugar e hora para discutir as nuanas semnticas que
distinguiriam estes ter-mos.
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