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A transferncia da famlia real portuguesa
para o Brasil: explicao histrica em
estudantes brasileiros e portugueses
The transfer of the Portuguese royal family to Brazil:
historical
explanation in Portuguese and Brazilian students
Ronaldo Cardoso Alves1
RESUMO
Baseado na relao entre a concepo de Conscincia Histrica, tal
como Jrn Rsen e Reinhart Koselleck
propem, e o conceito de Explicao Histrica, proposto por Isabel
Barca, o artigo apresenta um percurso
analtico que permite verificar nveis de explicao histrica em
narrativas elaboradas por estudantes
brasileiros e portugueses a partir da interpretao de fontes
relacionadas a um fato histrico: a transferncia
da famlia real portuguesa para o Brasil (1808).
Palavras-chave: Conscincia histrica. Explicao histrica.
Conceitos meta-histricos. Didtica da histria. Educao
histrica.
ABSTRACT
Based on the relationship between the concept of Historical
Consciousness, as Jrn Rsen and Reinhart
Koselleck proposed, and the concept of Historical Explanation,
proposed by Isabel Barca, the article presents
an analytical course that allows you to check levels of
explanation in historical narratives produced by
students Brazilian and Portuguese from the interpretation of
sources related to a historical fact: the transfer
of the Portuguese royal family to Brazil (1808).
Keyword: Historical consciousness. Historical explanation.
Meta-historical concepts. Didactic of history. History
education.
1 Doutor em Educao pela Universidade de So Paulo. Professor da
Faculdade de Cincias e Letras de Assis, UNESP.
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Os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os
homens.
McLuhan
A conhecida frase do autor britnico sintetiza a relao intrnseca
existente entre o
produto da racionalidade humana e seus efeitos na vida
contempornea. Ao longo do ltimo
sculo, a humanidade presenciou uma acelerao sem precedentes do
processo de construo
e transmisso do conhecimento, devido ao enorme avano tecnolgico
que resultou no
surgimento da televiso, do computador, da internet e de outros
meios de comunicao. Nos
ltimos anos, a tecnologia tem se esmerado em dotar esse avano da
maior portabilidade
possvel. Celulares, notebooks, i-pods, i-pads... aparelhos que
personificam a mentalidade de
tornar cada dia mais individualizado o acesso informao. Com
isso, negociaes podem ser
realizadas por pessoas situadas em diferentes lugares do planeta
atravs de conferncias
interativas transmitidas pela internet e veiculadas em celulares
ou computadores portteis.
Guerras, fenmenos da natureza, eventos de qualquer ordem so
transmitidos ao vivo, seja por
profissionais dos meios de comunicao ou mesmo por qualquer
indivduo que tenha um
celular que capte imagens, tenha acesso internet e domine,
minimamente, essas tecnologias.
Em sntese: o tempo passa por um intenso processo de compresso,
enquanto o espao,
inversamente, se alarga.
Essa configurao do mundo contemporneo no segue revelia da cincia
da Histria.
Se a revoluo da tecnologia da informao tem influenciado as aes
humanas no tempo e no
espao, a Histria, enquanto cincia que investiga esse processo,
tambm se v obrigada a
construir caminhos que dotem os indivduos de instrumentos
capazes de refletir diante da
intensidade das mudanas (permanncias?) decorrentes desse
contexto.
A escola, como instituio tradicional de transmisso e reflexo do
conhecimento
acumulado pela humanidade ao longo da Histria, depara-se com
jovens que vivem nesse
contexto de instantaneidade da informao. Independentemente de
grupo socioeconmico,
religio, etnia ou qualquer outra categoria de classificao
social, juventude se apresenta uma
espcie de mundo do self-service no qual a proliferao de opes de
tal monta que a
probabilidade de se perder o gosto de cada alimento enorme,
devido mistura de tantos
ingredientes diferentes colocados disposio. Essa simples metfora
guarda em si a ideia de
que vivemos num contexto histrico mpar. Se, por um lado, a
multiplicao da informao e a
facilitao de sua transmisso dotam a humanidade de maior acmulo
de dados disposio
para a reflexo, de outro, ironicamente, nunca se teve tanta
dificuldade no desenvolvimento de
um pensamento sistematizado, exatamente devido a esse montante.
Em outras palavras, da
relao existente entre informao e formao que se trata aqui.
Nas aulas de Histria comum, a cada novo assunto discutido, ouvir
comentrios de
alguns alunos a respeito de um filme, documentrio, notcia ou
qualquer outra fonte de
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informao veiculada em alguma mdia que se relacione diretamente
com o tema tratado. De
igual modo, verifica-se que os estudantes tendem a acreditar nas
verses histricas
apresentadas em documentrios televisivos ou revistas semanais
simplesmente porque as
mesmas foram apresentadas em tais veculos. claro que a
proliferao da informao de matiz
histrica por esses veculos positiva na medida em que fornece aos
alunos novas fontes de
informao que no as tradicionalmente utilizadas no espao escolar,
como manuais didticos,
por exemplo. No entanto, se tais informaes no passarem pelo
crivo das operaes mentais
da racionalidade histrica, esse acesso informativo no redundar
na qualificao do
conhecimento histrico do discente, ou seja, no se tornar
formao.
A ampliao de verses, vises e pontos de vista relativos a fatos e
acontecimentos; a
repetio exausto de propagandas de carter poltico, econmico e
cultural, separados ou
entremeados; enfim, a pluralidade informativa de progresso
geomtrica exige dos receptores
o desenvolvimento de habilidades e competncias provenientes da
racionalidade histrica.
Analisar diferentes informaes da cultura histrica provoca a
necessidade de desenvolver
caminhos cognitivos que possibilitem testar a(s) narrativa(s)
apresentada(s) a respeito de
determinado assunto por meio de processo de interpretao que
rejeite ou referende esta ou
aquela verso, ou mesmo, crie novas perspectivas a respeito do
objeto estudado.
claro que as dificuldades de construo do pensamento histrico no
mbito escolar no
se fundam somente nesse aspecto do contexto contemporneo.
Problemas existentes no
processo de formao docente, na elaborao de manuais, na prtica
pedaggica, nos aspectos
curriculares, entre outros, so tradicionalmente estudados e um
enorme nmero de pesquisas
discute essas questes. No entanto, o que se busca aqui
debruar-se em torno de um
questionamento basilar, estrutural: existe sentido na Histria
para os alunos? E, caso exista,
como se nutrem dela para dar sentido s suas prprias vidas como
participantes do processo
histrico? So essas questes que se encontram explicitadas no
conceito de conscincia
histrica desenvolvido por vrios tericos da Histria, entre eles
Jrn Rsen:
[...] conscincia histrica [] a suma das operaes mentais com as
quais os
homens interpretam sua experincia da evoluo temporal de seu
mundo e de
si mesmos de forma tal que possam orientar, intencionalmente,
sua vida prtica
no tempo (RSEN, 2001, p.57).
Ter conscincia histrica , portanto, recuperar o passado
individual e coletivo com o fito
de resolver problemas cotidianos, bem como construir identidade
a partir da interpretao
gerada perante tais demandas. Nesse sentido, pode-se compreender
que todas as pessoas
possuem conscincia histrica, pois dela se utilizam com o
objetivo de tomar decises prticas,
posicionando-se diante das prprias experincias temporais
(individuais e coletivas). Para a
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satisfao de interesses de todos os tipos, todos se veem
obrigados a confrontarem-se consigo
mesmos e com a sociedade da qual fazem parte, da a necessidade
de reflexo. Assim, de
alguma forma, todas as pessoas, independentemente de qualquer
tipo de classificao que se
possa fazer (socioeconmica, ideolgica, cultural, etc), pensam
historicamente e aplicam esse
pensamento na vida prtica com o objetivo de criar sentido para
sua ao histrica.
Quatro so os tipos de conscincia histrica para Rsen (2001). O
primeiro deles,
denominada conscincia histrica tradicional se relaciona
permanncia inquestionvel de
valores morais e modos de vida tradicionalmente estabelecidos,
dando assim, ao tempo, um
carter estvel e repetitivo. A conscincia histrica exemplar, por
sua vez, mostra o passado
como fornecedor de princpios que podem ser usados como modelo
para situaes de vida no
presente, independentemente das mudanas ocorridas na sociedade
ao longo do tempo. Trata-
se do que o filsofo da Antiguidade Ccero chamou de Historia
Magistra Vitae Histria
Mestra da Vida (KOSELLECK, 2006). Conscincia histrica crtica a
denominao do terceiro
tipo de constituio de sentido Histria elaborado por Rsen. A
postura de embate em
relao aos valores morais tradicionalmente estabelecidos
caracterstica dessa concepo,
pois pensa cultura como algo que se transforma historicamente e,
por isso, modelos de
orientao prescritos pela sociedade podem ser criticados e, at
mesmo, rejeitados. Por fim, a
conscincia histrica gentica se caracteriza por uma relao
dialgica com o passado. Nela,
mudanas e permanncias so historicizadas, bem como a experincia
histrica interpretada
luz de um pensamento histrico que considera diferentes
perspectivas. Tais fatores,
relacionados, demandam reflexo constante, permitindo a gerao
contnua de novas
possibilidades orientao temporal.
Reinhart Koselleck2, historiador e filsofo da Histria, j havia
conceituado conscincia
histrica como um tipo de pensamento originado da relao entre o
que chamou de espao
das experincias humanas e seu horizonte de expectativas. O espao
das experincias o
conjunto de experincias passveis de serem rememoradas e
transmitidas, de gerao em
gerao, por diferentes meios (KOSELLECK, 2006, p. 309).
Experincias acumuladas num
processo histrico que tm como objetivo nutrir as expectativas
dos sujeitos histricos de
acordo com suas carncias de orientao temporal. Para Koselleck
(2006, p. 307) no h
expectativa sem experincia, no h experincia sem expectativa,
pois as experincias
humanas apontam para expectativas que podem ou no ser
satisfeitas no decurso do tempo.
Expectativas incomensurveis, pois constituem possibilidades de
um futuro que deseja ser
antecipado pelo(s) sujeito(s) por meio da interpretao das
experincias vivenciadas, individuais
e coletivas, no processo histrico. Assim, o horizonte de
expectativas
2 De maneira original, Koselleck, um dos principais mentores da
denominada Begriffsgeschichte (Histria dos
Conceitos) como campo de reflexo de aspectos tericos e
metodolgicos da construo, utilizao e transformao
dos conceitos em seu processo histrico com vistas a relacion-los
com outros campos do conhecimento, sobretudo a
Histria.
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[...] se realiza no hoje, futuro-presente, voltado para o
ainda-no, para o no
experimentado, para o que apenas pode ser previsto. [...]
Horizonte quer dizer
aquela linha por trs da qual se abre no futuro um novo espao de
experincia,
mas um espao que ainda no pode ser contemplado. A possibilidade
de se
descobrir o futuro, apesar de os prognsticos serem possveis se
depara com
um limite absoluto, pois ela no pode ser experimentada
(KOSELLECK, 2006, p.
311).
Destarte, as categorias espao das experincias e horizonte de
expectativas so
fundamentais para a construo de conscincia histrica, pois so
inerentes condio
humana, ao percurso histrico individual e coletivo. Tal carter
antropolgico apriorstico
mostra que sem a relao entre essas categorias no h Histria,
pois
[] elas entrelaam passado e futuro. So adequadas tambm para se
tentar
descobrir o tempo histrico, pois, enriquecidas em seu contedo,
elas dirigem
as aes concretas no movimento social e poltico (KOSELLECK, 2006,
p. 308).
Depreende-se dessa reflexo que se na concepo rseniana a
conscincia histrica
fruto da razo histrica que tem como finalidade satisfazer as
necessidades de orientao
temporal dos seres humanos no presente e futuro, na perspectiva
koselleckiana, tal conscincia
decorre de um processo hermenutico que se debrua sobre as
experincias passadas com o
objetivo de criar um horizonte de expectativas gerador de novas
experincias. Assim, tais
conceitos no s remetem ao concreta dos seres humanos no tempo,
ou seja, Histria,
como tambm anlise dessas aes, pois [...] fornecem as determinaes
formais que
permitem que o nosso conhecimento histrico decifre essa execuo
[a Histria]. Eles remetem
temporalidade do homem, e com isto, de certa forma
meta-historicamente, temporalidade
da histria (KOSELLECK, 2006, p. 309).
O artigo se prope a refletir a respeito da construo e aplicao do
pensamento
histrico ao cotidiano vivido. Para isso, apresentar uma anlise
que permite verificar diferentes
nveis de explicao histrica gerados pelas narrativas de
estudantes a partir de dado contedo
histrico. Trata-se de uma das quatro anlises que compem a tese
de doutorado intitulada
Aprender Histria com Sentido para a Vida: conscincia histrica em
estudantes brasileiros e
portugueses3, defendida junto Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo (FE-
USP), em 2011. Trabalho que teve como objetivo discutir as
formas pelas quais grupos de
estudantes do ensino mdio/secundrio4 de escolas brasileiras e
portuguesas constroem
3 O texto se origina de pesquisa realizada com financiamento
CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de
Nvel Superior - Ministrio da Educao do Brasil) no estgio de
Doutoramento feito em Portugal (entre novembro de
2009 e dezembro de 2010).
4 Denominao usada em Portugal para o que chamamos no Brasil de
Ensino Mdio.
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conscincia histrica com o fim de refletir acerca das demandas de
orientao da cultura
histrica contempornea.
Fundamentado numa epistemologia que relaciona as propostas
terico-metodolgicas da
Didtica da Histria alem s ideias da History Education (Educao
Histrica) inglesa,
portuguesa e brasileira, a pesquisa coletou informaes de jovens
brasileiros (mais
especificamente, em So Paulo) e portugueses (da regio Norte de
Portugal) que cursavam os
anos finais do ensino mdio/secundrio com a finalidade de
configurar os diferentes perfis de
carter socioeconmico-cultural dos grupos participantes. Num
segundo momento, aplicou
novo instrumento com o objetivo de recolher narrativas geradas
pelos estudantes a partir da
interpretao de um fato histrico comum aos dois pases: a
transferncia da famlia real
portuguesa para o Brasil, em 1808.5
Historicamente, tanto o conhecimento histrico gerado nas
universidades, como o ensino
escolar da disciplina de Histria baseiam seu trabalho nos
conceitos substantivos (LEE,
2001). So conceitos que se relacionam diretamente ao contedo
histrico, pois constituem
material fundamental de aprendizagem. Revoluo, feudalismo,
democracia, liberalismo,
capitalismo, escravismo, reforma, socialismo, entre outros, so
conceitos aplicados (correta ou
incorretamente) em diferentes contextos e pocas, e esto
presentes no cotidiano. Circulam
tambm entre as pessoas nos mais diversos espaos, desde uma
simples conversa num happy
hour no final do dia de trabalho, at a complexidade das
discusses no mbito acadmico.
Alm disso, pautam os meios de comunicao, pois fundamentam
matrias jornalsticas,
documentrios, artigos, editoriais, msicas, entre muitos
exemplos.
Ocorre que, ao ensinar e aprender Histria, outros conceitos so
mobilizados. Conceitos
que conferem consistncia ao aprendizado da disciplina, pois so
geradores da capacidade de
rememorar, interpretar e externar ao mundo, por meio da
narrativa, a orientao produzida
pela aplicao do pensamento histrico. Em outras palavras,
trata-se de conceitos
estruturadores que esto subsumidos s operaes mentais do
pensamento histrico sem os
quais impossvel desenvolver esse conhecimento e,
consequentemente, sua aplicao no
cotidiano. A esses conceitos, os pesquisadores britnicos da
History Education (Educao
Histrica) chamaram conceitos de segunda ordem, tambm conhecidos
como meta-
histricos.
A Explicao Histrica um desses conceitos meta-histricos que
compem as
operaes mentais do pensamento histrico, pois
[] entendida como uma resposta a uma pergunta de tipo por
que?
sobre aces, acontecimentos e situaes do passado humano [...]
Cada
5 A pesquisa desenvolveu-se em duas escolas brasileiras e cinco
escolas portuguesas. O instrumento que trabalhou o
aspecto cognitivo teve a participao de, aproximadamente, 150
alunos brasileiros e 100 portugueses de todas as
escolas participantes.
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explicao pressupe uma seleco de factores razes, motivos,
disposies,
condies externas, estruturais, conjunturais, segundo as linhas
de diferentes
modelos explicativos. Cada autor pode atribuir uma importncia
relativa
diferente aos factores seleccionados e, entre uma gama e outra
de factores
(condies existentes), uns podem ser considerados condies
necessrias,
outros condies contributivas/facilitadoras [...]. As condies que
estabelecem
a diferena quanto a uma situao ter ocorrido, ou no, podem
ser
consideradas a causa (BARCA, 2000, p. 61).
Para estudar as operaes mentais da conscincia histrica luz desse
conceito meta-
histrico, optou-se em elaborar um instrumento que tratasse de um
tema histrico comum aos
estudantes dos dois pases e que, concomitantemente, j tivesse
sido objeto de estudo em sua
trajetria escolar. Da a opo pela transferncia da famlia real
portuguesa para o Brasil
(1808). importante salientar que foi proposital a utilizao de um
tema j estudado pelos
alunos em algum momento de seu processo de escolarizao, pois
permitiu agregar os
diferentes grupos numa base comum. A proposio de um instrumento
que tratasse de um
tema relativamente conhecido garantiu a apresentao de
conhecimentos prvios mediados
tanto pelo processo escolar, como pelos meios de comunicao, pois
esse assunto teve
importante abordagem nos dois pases, sobretudo na comemorao de
seu bicentenrio
(2008), momento em que vrias escolas e meios de comunicao
abriram maior espao para tal
discusso. As narrativas apresentadas no instrumento (Anexo 1)
foram publicadas em livros
didticos utilizados em Escolas de Ensino Fundamental do Brasil e
possuem uma linguagem
simples, pois o objetivo foi facilitar a leitura para que o
estudante incorporasse outros dados
informativos ao conhecimento prvio de que dispunha acerca do
assunto para, assim, mobilizar
qualitativamente as operaes mentais do conhecimento
histrico.
As narrativas construdas pelos alunos apresentam interpretaes a
respeito do fato
histrico discutido e, sua efetivao, passa pela mobilizao, em
maior ou menor grau, das
operaes mentais (competncias) do pensamento histrico. Os
conhecimentos prvios e as
fontes historiogrficas contidas no instrumento de pesquisa
permitem a interpretao, a
gerao de significado da Histria para o cotidiano dos estudantes.
Se conceitos meta-
histricos so usados para a criao de tais narrativas, uma anlise
metodologicamente
concebida permitir a percepo dos diferentes nveis de sua
utilizao pelos alunos. Ora, se os
estudantes utilizam-se de conceitos meta-histricos para
interpretar o passado com o objetivo
de dar-lhe significado para o presente, um exerccio hermenutico
que avalie esses conceitos
subsumidos produo discente tambm gerar significado para o tempo
presente. A
interpretao de experincias do tempo se transforna em novas
experincias e essas geram
novas interpretaes. Nesse sentido, cada pergunta do instrumento
gerou narrativas discentes
que continham vrios conceitos meta-histricos. Para analis-los,
foi necessrio escolher um
conceito para cada pergunta. A ordem das perguntas procurou
ensaiar uma sequncia didtica
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muito comum exercida nas aulas de Histria quando da discusso de
um novo tema. Nelas
alunos explicam, utilizam ou no evidncias para construrem suas
explicaes, constroem uma
concepo de Histria, expem o que lhes mais significativo no que
estudaram.
Este artigo mostrar respostas elaboradas somente a partir da
primeira pergunta do
questionrio com o fim de analisar a incidncia qualificada do
conceito meta-histrico j
mencionado: a Explicao Histrica. Pergunta que, propositadamente,
teve de ser respondida
antes mesmo dos estudantes realizarem a leitura das fontes
historiogrficas existentes no
instrumento:
Questo 1:
Voc acha que a corte portuguesa ao se deslocar para o Brasil, em
1808, se
transferiu de forma estratgica, planejada ou simplesmente fugiu
da invaso das
tropas de Napoleo Bonaparte?
As respostas a essa pergunta inicial j permitiram a elaborao de
um quadro analtico
inicial da cognio histrica dos alunos, pois ao discutirem
preliminarmente um assunto com o
qual tiveram contato, indicaram a medida do uso de conhecimentos
prvios acerca do tema e a
mobilizao mental na tentativa de explicao ou justificativa da
resposta.
Para qualquer anlise se faz necessrio o estabelecimento de
critrios ou categorias. Tais
categorias permitem avaliar respostas que variam, desde a no
explicao ou simples descrio
fragmentria do acontecimento histrico at a explicao com um ou
mais fatores que,
entremeados logicamente ou no, permitem a construo de uma
narrativa que pode variar em
sua gradao. Lgica que utilizar a relao de fatores causais com
marcadores temporais e
sujeitos histricos participantes. Nesse contexto, a primeira
categoria a ser considerada a
que se relaciona ao tipo de resposta dada. H ou no a tentativa
de explicar ou justificar, de
alguma forma, a resposta diante da pergunta feita? Nesse
quesito, respostas podem ser
sintticas, pragmticas, sem nenhuma preocupao explicativa (do
tipo, sim! ou no!, por
exemplo). No caso da pergunta em questo, alunos poderiam
pragmaticamente dizer que a
transferncia da famlia real portuguesa para o Brasil foi uma
fuga, ou uma estratgia, ou ainda
uma fuga estratgica e no se preocupar com nenhum tipo de
desdobramento explicativo em
sua resposta. Respostas desse tipo revelam apenas uma preocupao
de constatar, descrever o
fato e no de explic-lo ou relacion-lo com causas, temporalidades
ou sujeitos histricos. O
estudante entende que houve o fato histrico e utiliza fragmentos
descritivos em sua
explicao.
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A simples tentativa de explicao nas respostas provoca a
necessidade de se
estabelecer uma segunda categoria de anlise. Esta se norteia
pela forma da explicao:
quais so os fatores utilizados pelo estudante para elaborar sua
resposta? Elenca motivos,
causas, situaes, contextos, sujeitos? Atribui temporalidade ao
seu discurso? Essas e outras
perguntas podem ser feitas s explicaes produzidas pelos alunos a
fim de avali-las quanto
sua qualificao. Alm do tipo e da forma das respostas, tambm
conhecida como modo
explicativo (BARCA, 2000, p. 61), um terceiro critrio precisa
ser estabelecido. Trata-se da
importncia atribuda a cada fator utilizado para a elaborao da
explicao, tambm conhecida
como peso fatorial (BARCA, 2000, p. 61). Portanto, alm de citar,
se faz necessrio valorar e
relacionar os motivos, causas e situaes que compem a explicao
dada pergunta de
contedo histrico. Quatro padres de respostas surgiram dessa
anlise, ordenadas em
diferentes gradaes que variam da mais simples mais complexa,
quais sejam: fragmentos
descritivos; explicao simples; explicao emergente; e explicao
densa.
Nvel 1 Fragmentos Descritivos
O primeiro nvel analtico apresenta respostas que variam da
simples reproduo de
informaes extradas da prpria questo feita, passando por
respostas desconectadas,
fragmentadas e superficiais que no permitem maior compreenso por
parte do leitor, at
aquelas que pretendem responder de forma definitiva a questo,
porm de maneira pouco
reflexiva. Nesse contexto, um grupo de alunos dos dois pases
respondeu a questo de maneira
extremamente simplista, sem nenhuma preocupao explicativa,
apenas espelhando a prpria
pergunta:
- Como forma estratgica. (Viviane, 18 anos, Escola P4 - T2)
6
- Simplesmente fugiu da invaso das tropas de Napoleo (Laura, 19
anos Escola B2 -
T11)
O primeiro tipo de respostas desse nvel analtico mostra que,
para alguns alunos, basta
reproduzir o que foi perguntado para se construir uma boa
resposta, sem nenhuma
preocupao explicativa. Fator que revela a dificuldade de
compreenso do enunciado da
6 - Todos os nomes de alunos citados so fictcios. A denominao P
e B se refere aos pases dos estudantes -
Portugal e Brasil, respectivamente. A denominao T se refere ao
instrumento Transferncia da famlia real
portuguesa para o Brasil. Os nmeros se referem ordenao seja para
as escolas, seja para os alunos que
participaram da pesquisa dentro dessa escola.
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questo ou a falta de conhecimentos prvios mnimos que auxiliem na
construo da
explicao.
Os textos dos alunos que ultrapassam a simples reproduo
pragmtica de informaes
que se encontram na prpria pergunta, tentam iniciar um processo
explicativo por meio de
descries desconectadas, fragmentadas e descontextualizadas
historicamente. Geralmente
apresentam lacunas, falta de clareza, dificultando ao leitor a
realizao de alguma tentativa de
inferncia. Esse segundo grupo, apresenta respostas que procuram
relacionar as informaes
extradas da prpria pergunta com os conhecimentos prvios que
possui, de maneira pontual,
fragmentria e desconexa. Caracterstica que remete a um incio de
movimento explicativo que
pretende descrever a razo da opo feita. Entretanto, tal
movimento gera lacunas de
compreenso para o leitor, pois prima pela simples constatao do
fato (como se
respondessem pergunta: o que aconteceu?) ou mnima descrio da
situao (como
aconteceu?) e, por isso, se perde na construo da explicao,
deixando ao leitor o
preenchimento dessa lacuna. Nota-se que esse tipo de resposta no
apresenta a mnima
coerncia explicativa. Os alunos tentam elaborar respostas que se
pretendem lgicas, mas que,
na realidade, esto desconectadas do contedo histrico que se
pretende explicar.
- Na minha opinio, eles fugiram de forma estratgica, para
tentarem
reconquistar o que perderam. (Sarah, 18 anos, Escola B2 -
T5)
- Eu acho que a deslocao da corte para o Brasil foi uma
estratgia mas
tambm uma desculpa para fugir da invaso. (Sabrina, 18 anos,
Escola P3 - T16)
O terceiro grupo desse nvel analtico cria respostas de feio
pretensamente conclusivas.
Essas respostas de carter definitivo, entretanto, ocorrem de
maneira simplista, sem maior
reflexo, utilizando-se de conhecimentos prvios que acreditam
aproxim-las da realidade do
fato. Os marcadores temporais dessas respostas foram extrados da
prpria pergunta (1808 ou
Napoleo Bonaparte) e so fortuitas, pontuais, sem nenhuma
preocupao de relacion-las,
com maior profundidade, ao contexto histrico. A tendncia maior
desse grupo de evitar a
fragmentao ou desconexo do pensamento. Para isso, privilegiam
respostas que tentam
utilizar certa logicidade, mas que literalmente trilham pela
superficialidade e senso comum.
Essas respostas, assim como as dos grupos anteriores, mostram a
reproduo de um
conhecimento previamente estabelecido:
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- A corte portuguesa deslocou-se para o Brasil, em 1808, pois
simplesmente
fugiu da invaso das tropas de Napoleo Bonaparte. (Fernando, 19
anos Escola P3 -
T17 )
- Na minha opinio a deslocao da corte para o Brasil em 1808 foi
uma fuga
estratgica devido presso que a corte sentia naquele contexto
histrico. (Olvia, 17
anos, Escola P4 - T4)
A tentativa de explicao conclusiva fundamentada em respostas que
optam,
geralmente, por uma das duas situaes citadas na pergunta. A
utilizao dos conhecimentos
prvios ocorre como apoio para reforar a opo. No h mobilizao do
pensamento no
sentido de criar respostas que tentem, de maneira slida,
relacionar as duas possibilidades
apresentadas na questo. As respostas do nvel fragmentos
descritivos remetem a adeso
por uma ou outra opo, sem qualquer preocupao de juzo ou
argumentao. Quando ocorre
uma tentativa de justificativa, esta se encontra na lembrana de
algo como definidor da opo,
numa simples relao de causa-efeito. No h preocupao de relacionar
o fato s
especificidades de seu contexto histrico, tampouco refletir a
respeito das relaes de poder
existentes no perodo. Explicaes histricas com essas
caractersticas no representam o
exerccio reflexivo, pois se preocupam apenas em reproduzir,
copiar uma possibilidade
apresentada na prpria pergunta ou descrever uma dada situao de
maneira simplista. Elas se
conformam facilmente a prescries estabelecidas, tendem a
reproduzir experincias sem
pensar ou questionar as expectativas delas derivadas, portanto,
reproduzem uma conscincia
histrica tradicional, permevel a um pensamento dominante.
Nvel 2 Explicao Simples
Outra forma de responder a perguntas acerca de um contedo
histrico discutido em sala
de aula ou no cotidiano, se relaciona tentativa de elencar uma
ou vrias causas que levaram
situao tratada. Explicaes de causalidade so uma constante nas
respostas criadas a respeito
de qualquer assunto cotidiano. As relaes humanas so norteadas
por essa prtica discursiva
correntemente, pois ela permite a citao de motivaes que
determinaram ou cooperaram
para a ocorrncia de dado acontecimento. Essa forma de
pensamento, logicamente, remete a
diferentes nveis. A explicao de uma ou mais causas que
determinaram a ocorrncia de um
evento pode variar desde a simples citao com superficial
justificativa a respeito da opo, at
a complexidade de fatores, entrelaados cognitivamente, com o fim
de explicitar claramente a
escolha feita para a anlise de um fato.
-
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O nvel Explicao Simples apresenta respostas de contedo
monocausal. Um fator pode
ser suficiente para determinar um acontecimento. No entanto,
esse fator determinante no
requer uma explicao profunda, pois o que interessa ao aluno
apresentar a razo (o por
qu?) da ocorrncia, sem maiores preocupaes com as
especificidades, inerentes ao
processo histrico, que determinaram aquela situao.
O grupo de respostas abaixo remete a esse tipo de explicao
histrica. Causas polticas
e/ou econmicas foram determinantes para a transferncia da famlia
real portuguesa para o
Brasil. Estas dependeram, sobretudo, de um sujeito como
predominante das aes sobre os
demais. Uma ao portuguesa, inglesa ou francesa quem,
preponderantemente, determinou o
deslocamento. No h possibilidade da associao de outros fatores
derivados desses
diferentes sujeitos para a formulao da explicao.
- Considero que esta fuga j era planeada como meio de o pas
reforar o seu
Imprio colonial, face a decadncia de Portugal, as invases
francesas contriburam
apenas para acelerar o processo, de modo a manter a integridade
da nao. (Alice, 17
anos Escola P1 - T16)
- Penso que a corte portuguesa ao deslocar-se para o Brasil, foi
com o intuito de
salvaguardar a sua independncia. Desta forma, Portugal
manteve-se independente, e
manteve segura toda a corte. (Vanda, 16 anos, Escola P2 T11)
Para esses alunos portugueses, a deciso de se deslocar para a
colnia foi feita pela
metrpole com um nico objetivo: manter politicamente seu reino.
As invases francesas
atuaram nesse processo, mas foi a Corte que, de maneira
estratgica e determinante, se
transferiu para o Brasil com o objetivo de fortalecer seu reino.
Observa-se, nas respostas, que
Portugal quem atua como sujeito histrico predominante, pois quem
estrategicamente
determina seu deslocamento com o fim de defender a integridade
de seu poder poltico no
reino. Por outro lado, o protagonismo portugus tambm foi
representado de maneira
negativa. Para alguns alunos portugueses, a atitude da Coroa em
se transferir ao Brasil foi
elitista, irresponsvel e desonrada, pois o povo portugus ficou
merc da luta geopoltica
entre franceses e ingleses, enquanto milhares de portugueses
foram completamente
abandonados pelo governo de seu pas.
-
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- Penso que a corte portuguesa, ao deslocar-se para o Brasil,
aquando a invaso
francesa, teve no seu intuito, a salvaguarda da famlia real e do
trono portugus. Contudo, ao
recordar este trecho da histria, parece ter sido uma atitude
pouco corajosa e honrada. (Las,
16 anos - Escola P2 - T9)
- Em minha opinio, ao deslocar-se para o Brasil, em 1808, a
corte portuguesa agiu de
forma estratgica, principalmente para garantir os interesses dos
nobres, pois os mais pobres
foram abandonados junto com a capital portuguesa nas mos dos
inimigos. (Flvia, 18 anos -
Escola P2 - T15)
Se nas explicaes dos alunos portugueses, o deslocamento foi uma
estratgia
protagonizada por Portugal com vistas manuteno de seu reino,
para os alunos brasileiros,
esse protagonismo tambm existe, mas somente num carter negativo.
Duas foram as causas
motivadoras da transferncia. A primeira delas, a tentativa de
sobrevivncia poltica da
metrpole portuguesa:
- Eu acho que a corte portuguesa fugiu estrategicamente, pois
eles vinham sendo
atacado pelos dois lados, tanto pela Inglaterra e tambm pela
Frana, sabendo que no
teria chances, fugiu para sua colnia para sobreviver. (Jferson,
17 anos - Escola B2 -
T53)
- Eu vejo o deslocamento da corte como uma estratgia de
sobrevivncia ou
ento uma medida de assegurar e no perder o poder e liberdade.
(Nlson, 18 anos -
Escola B2 - T56)
A segunda causa foi a tentativa de sobrevivncia econmica de
Portugal:
- Creio que a corte portuguesa veio para o Brasil com intenes
que vo alm de
buscar refgio como, por exemplo, combater a decadncia que
Portugal vinha
enfrentando. - (Vilma, 17 anos - Escola B2 T33)
-
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- Sim eles queriam para fugir da tropa de Napoleo Bonaparte, mas
tambm eles
formaram uma estratgia que foi a liberao da Amrica Colonial e o
direito de utilizar
os portos brasileiros. (Suellen, 17 anos - Escola B2 T38)
Uma estratgia com objetivo econmico. Esses alunos brasileiros
acreditam que o
deslocamento da Coroa portuguesa para o Brasil teve,
sobremaneira, um fim econmico, pois
era necessrio Portugal combater sua decadncia. Nada melhor,
ento, que equacionar esse
problema se deslocando para o lugar da riqueza, explorando-o ao
abrir seus portos para o
fortalecimento do comrcio. Depreende-se dessas explicaes que o
protagonismo portugus
s ocorreu devido fora econmica da colnia. Algo salutar. Se nas
explicaes de alunos
portugueses, Portugal o estrategista poltico para a manuteno de
seu poder, nas
explicaes dos alunos brasileiros, tamanha estratgia poltica s
pde ser vislumbrada graas
ao potencial econmico da colnia. Dessa perspectiva, o Brasil que
se torna protagonista.
Esse tipo de explicao simples de causa nica e com a
preponderncia de um sujeito
histrico sobre os demais remete a conscincia histrica de tipos
tradicional e exemplar
elaboradas por Rsen (2001, p. 51), pois inibe o desenvolvimento
de operaes mentais que
percebam a importncia da diversidade perspectiva e,
concomitantemente, inviabiliza o
relacionamento entre fatores intrnsecos e extrnsecos ao fato
histrico discutido, tanto em seu
prprio contexto quanto no alongamento temporal. Caractersticas
que abrem espao para que
a constituio de sentido histrico seja sempre de adeso a uma
narrativa prescrita ou
compreenso da Histria como um conjunto de acontecimentos que tm
como nica funo o
fornecimento de bons e maus exemplos para as geraes futuras. Se
se pensar nas categorias
de anlise de Reinhart Koselleck, essas narrativas apontam para
uma sntese entre o espao da
experincia e o horizonte de expectativa (KOSELLECK, 2006), pois
a Histria tende a ser
compreendida como mestra da vida, fornecedora de exemplos para a
orientao temporal,
sem passar pelo crivo da crtica.
Nvel 3 Explicao Emergente
Diferentemente das narrativas de explicao simples em que os
alunos pesquisados
optavam por uma das possibilidades aventadas na pergunta (fuga
ou estratgia), justificando-a
com a citao de uma causa nica, nas narrativas do nvel Explicao
Emergente procuram
relacionar as duas opes e, consequentemente, causas, razes e
eventos geradores do fato
histrico discutido:
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Narrativas de alunos portugueses
- Penso que esta deslocao se fundamenta um pouco em cada uma
destas
formas: naturalmente que o primeiro intuito da famlia real, ao
saber que o pas seria
invadido, foi de fugir; fugir para salvaguardar prioritariamente
a sua vida. Faz parte da
natureza humana, e creio que impossvel que a sada deles para o
Brasil no tenha
sido tambm um escape, uma fuga. Em contrapartida, ou por adio,
esta sada tambm
pode ter tido um toque estratgico, no sentido de salvaguardar
uma parte da
independncia de Portugal. (Ceclia, 16 anos Escola P2 - T10)
- Aps a leitura das duas narrativas, considero que a fuga da
famlia real se deu de
forma tanto estratgica como planeada. Esta foi uma estratgia
para fugir s invases e
para tentar reestabelecer a economia portuguesa. Ora estas duas
medidas foram
cuidadosamente planeadas por D. Rodrigo.(Clarisse, 18 anos -
Escola P1 - T6)
- Foi um pouco destas duas coisas. Por um lado, foi uma
estratgia ptima que a
mantinha ilesa do possvel bombardeamento a Lisboa e, enquanto
tomava essa deciso,
as tropas francesas invadiriam Portugal, por isso, como forma de
proteco, fugiu das
tropas de Napoleo. (Larissa, 17 anos, Escola P1 - T8)
Nas narrativas acima ocorre a relao entre as hipteses e as
causas de forma mais
elaborada, seja numa sntese (Clarisse, 18 anos - Escola P1 - T6;
e Larissa, 17 anos, Escola P1 -
T8), seja de maneira alargada (Ceclia, 16 anos Escola P2 - T10).
Motivos econmicos e
polticos so citados, at mesmo um motivo psicolgico apresentado:
fugir para
salvaguardar prioritariamente a sua vida. Faz parte da natureza
humana (Ceclia, 16 anos
Escola P2 T10), sempre no intuito de qualificar a explicao do
fato histrico mencionado na
questo.
Algo a ser citado a recorrncia da centralidade de Portugal nas
explicaes criadas pelos
alunos portugueses. Tanto nas explicaes simples, quanto nas
explicaes emergentes, parte-
se de Portugal para responder a questo. No h maior preocupao em
relacionar o pas luso
a outros pases (somente o Brasil foi mencionado, mas de maneira
perifrica, em algumas
narrativas). possvel perceber uma inclinao dos alunos
portugueses em ter sempre o prprio
pas como elemento central de suas narrativas.
Assim como em algumas explicaes simples, em vrios textos de
explicao emergente
os marcadores temporais continuam limitados datao pontual do
fato histrico (1808) e
tambm a um dos personagens motivadores do evento Napoleo -
(ambos citados na
questo geradora), por outro lado pode ser vista a emerso de
outros personagens que
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remetem temporalidade do perodo, como o caso de D. Rodrigo (Dom
Rodrigo de Sousa
Coutinho).
Como pode ser observado at agora, nesse nvel analtico das
narrativas, s foram
discutidos textos de alunos portugueses. Isso no foi proposital.
Somente dois textos de alunos
brasileiros foram considerados de explicao emergente:
Narrativas de alunos brasileiros
- Eu acho que a corte portuguesa se transferiu de forma
estratgica porque queriam a
liberao do comrcio colonial e o direito de utilizar os portos
brasileiros. (Luma, 17 anos,
Escola B1 - T28)
- Eu creio que a transferncia de Portugal foi de certo modo
feita de forma estratgica
e planejada, pois j era muito cogitada no sculo XVII por nobres
e pessoas influentes do
governo, a invaso de Portugal s foi o ponto crtico responsvel
por isso. (Vincius,16 anos,
Escola B2 - T52)
No tocante a estudantes brasileiros, observa-se que tais produes
textuais carecem de
maior elaborao. A primeira delas (Luma, 17 anos, Escola B1 -
T28) foi descrita como
emergente prioritariamente pelo fato de elencar mais de uma
motivao para a transferncia da
corte e ambas de cunho econmico (liberao do comrcio colonial e o
direito de utilizar os
portos brasileiros.). Mesmo assim, no existe clareza na segunda
motivao, pois parece que
Portugal como Metrpole no teria ainda o direito de utilizar os
portos brasileiros (na realidade,
o que faltou a aluna foi mencionar que esta ideia beneficiaria a
Inglaterra). No entanto, se
comparada com as produes de nveis inferiores que geralmente
citam apenas uma causa ou
motivao para a ocorrncia do fato histrico, o texto de Luma, que
cita mais de um motivo e
os tematiza, j pode ser considerado emergente. Outro aspecto
importante a perspectiva do
olhar. Nas narrativas dos alunos portugueses claramente se
constata a centralidade em
Portugal, nesta explicao da aluna brasileira observa-se a mudana
de perspectiva: o
comrcio colonial e o uso dos portos que atrai Portugal para a
colnia e no as motivaes
internas portuguesas.
A explicao emergente de Vincius, por sua vez, se preocupa com a
marcao temporal
(sculo XVII) objetivando situar temporalmente a hiptese que
defende - a de estratgia da
corte portuguesa. Para Vincius a invaso napolenica foi apenas a
gota dgua que levou o
plano, anteriormente projetado pelos governantes, a ser posto em
prtica. Ele preocupa-se em
-
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situar temporalmente sua explicao e o grupo protagonista do
plano estratgico de
transferncia (nobreza e pessoas influentes do governo). A partir
desse raciocnio minimiza o
fato da invaso, pois esta teve como funo apenas apressar algo j
prospectado.
A comparao das explicaes emergentes de alunos brasileiros e
portugueses mostra
que ambas apresentam mais de uma causa, motivo ou razo para
construir sua explicao da
hiptese ou da relao de hipteses. As explicaes dos alunos
brasileiros so mais sintetizadas
e no apresentam relao entre as hipteses (ambas defendem a
hiptese de estratgia),
enquanto as explicaes dos alunos portugueses se revezaram entre
as hipteses,
relacionando-as em alguns momentos. Com textos predominantemente
mais detalhados, os
alunos portugueses tendem a citar ao menos duas causas para a
ocorrncia do fato e s vezes
opinam, criticando ou elogiando a opo da corte portuguesa. Fato
que Portugal
apresentado como protagonista em todas as produes textuais,
praticamente desaparecendo
outros atores do processo, fator que revela a falta de
perspectividade histrica. Marcadores
temporais foram limitados e a relao de alongamento da
temporalidade s apareceu em
algumas explicaes (no caso brasileiro, em uma das duas
analisadas).
Assim como as explicaes simples, as explicaes emergentes tambm
se encaixam na
constituio de sentido ao pensamento histrico do tipo exemplar.
Se de um lado avanam
ao mapear maior nmero de causas originrias do fato histrico
disparador da discusso, do
outro se limitam elaborao de relaes cognitivas qualitativas
entre fatos ocorridos e fatores
geradores. Estudantes que explicam a Histria enumerando causas
de determinado fato
histrico sem conseguir relacion-las, qualitativamente, a esse
mesmo fato inserido num
processo alongado de temporalidade, so passveis de reproduzir
exemplos histricos
atemporais para resoluo de questes de orientao no tempo, sem
refletir sobre as mesmas.
Em outras palavras, tendem a assumir irrefletidamente modelos
culturais existentes no espao
da experincia que conduzem a expectativas pr-determinadas,
portanto, sem abertura do
horizonte de expectativas. Nesse sentido, a capacidade de julgar
determinadas demandas
histricas estar limitada a exemplos do passado que sabem
descrever, porm sem a
contextualizao necessria s contingncias histricas do presente,
fator impeditivo para a
instalao do poder de crtica.
Nvel 4 - Explicao Densa
O ltimo nvel analtico das explicaes histricas construdas a
partir da questo 1,
acerca da transferncia da corte portuguesa para o Brasil, ser
chamado aqui de Explicao
Densa. O conceito de densidade remete qualificao da explicao
histrica medida que
os alunos relacionam causas e consequncias para defender ou
rejeitar hipteses, citam os
principais atores do contexto histrico estudado promovendo um
dilogo entre suas
participaes no processo, utilizam marcadores temporais e
espaciais para fortalecer sua
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explicao, apresentam diferentes perspectivas a respeito do fato
e, em alguns momentos, se
valem da empatia histrica com o objetivo de proporcionar ao
leitor a objetividade de algo que
subjaz ao contedo histrico discutido. Finalmente, se colocam de
forma reflexiva perante as
hipteses apresentadas, levando o leitor a tambm pensar a esse
respeito.
As explicaes densas obedecem formatao clssica das narrativas,
com introduo do
assunto, desenvolvimento do argumento e concluso das ideias. A
figura abaixo mostra a
organizao desse tipo de explicao:
Figura 1 Organizao de explicaes histricas densas
Partindo dessa organizao analtica, o quadro abaixo apresenta
narrativas elaboradas por
estudantes portugueses:
Quadro 1- Narrativas elaboradas por estudantes portugueses
Estudante INTRODUO
Anncio do Fato
histrico e da(s)
hiptese(s) /
(o que / como
aconteceu?)
DESENVOLVIMENTO
Fatores geradores /
Argumentao
(por que aconteceu?)
CONCLUSO
Retorno ao Fato histrico
reflexo/crtica/opinio
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Ernesta
(16 anos,
Escola P2
- T12)
Na minha
opinio, a corte
portuguesa fugiu
para o Brasil
para evitar que Junot quando
chegasse a Lisboa encontra-se a
famlia real e a matasse.
Isso iria causar um grave
problema de sucesso.
Ento para mim foi uma
fuga estratgica mas
apenas um pouco
apressada.
Otvio
(17 anos,
Escola P1 -
T24)
Eu considero que
essa deslocao
foi planeada,
pois aconteceu por o rei, de
acordo com a nobreza
portuguesa e com a Inglaterra,
entender o risco que corria e o
que representaria para o pas se a
famlia real fosse capturada, e as
dificuldades e instabilidade
poltica que iria acontecer.
Claro que isso aconteceu
devido presso existente
pela iminente invaso
francesa.
Cludio
(17 anos,
Escola P1 -
T1)
Penso que foi
estratgica e ao
mesmo tempo
uma fuga,
apesar de ser benfica apenas
para as classes elitistas e o resto
do povo foi completamente
abandonado. A famlia real ao
fugir celebra um acordo com a
Inglaterra
e ento evita as invases
francesas partindo
formaram um imprio de
grande riqueza econmica
e deixando Portugal nas
mos do povo, frgil para
ser invadido.
A coluna Introduo apresenta a hiptese ou a relao entre as
hipteses citadas na
pergunta do questionrio. Nelas os alunos partem do fato
histrico, objeto da pergunta, e
enunciam a opo que defendero para a resoluo do problema, algo
que ser apresentado
na argumentao em seguida.
O Desenvolvimento da narrativa ocorre com a construo da
argumentao a partir da
relao entre o fato histrico e seus fatores (motivaes, causas,
eventos, aes) que,
entrelaados com coerncia, apresentam a razo de escolha da
hiptese defendida. A presena
de vrios sujeitos histricos uma caracterstica dessas narrativas.
A relao entre seus atos,
organizados de forma lgica e coerente geram a coeso do texto. Em
negrito observam-se os
sujeitos participantes do processo histrico. So marcadores
espaciais (Portugal, Brasil,
Inglaterra, Frana, Lisboa), bem como personagens (rei, Junot) e
grupos socioeconmicos
(classe elitista, resto do povo, famlia real, nobreza
portuguesa). Tais sujeitos compem, com
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suas aes, a argumentao do estudante que visa explicar o processo
histrico no qual se
encontra inserido o fato discutido. No que concerne a marcadores
temporais, alm dos
geralmente citados na introduo (Napoleo Bonaparte e o ano de
1808), personagens (Junot,
D. Joo) e decises de cunho polticoeconmico (Bloqueio
Continental) tambm auxiliam o
leitor na compreenso do processo histrico discutido.
Diferentemente das explicaes simples
ou emergentes, as explicaes densas apresentam maior contedo
histrico, pois nelas se
observam algumas especificidades, tais como: as relaes de poder
existentes entre os
diferentes sujeitos histricos; suas aes dentro do contexto
geopoltico e histrico da poca;
as consequncias socioeconmicas e polticas para os diferentes
grupos envolvidos nesse
processo e o alongamento da temporalidade histrica devido
preocupao em se buscar as
razes da ocorrncia do fato histrico.
Na Concluso, as explicaes densas retornam ao contedo disparador
da questo: a
famlia real portuguesa se transferiu de forma estratgica ou
somente fugiu das invases
napolenicas? Aps a introduo da questo e do desenvolvimento
argumentativo, os
estudantes retomam a questo disparadora, imbudos de reflexo e
crtica. Alguns alunos, como
Otvio (17 anos, Escola P1 - T24) revelam certo pragmatismo em
suas concluses, pois
acreditam ser a fuga apenas um reflexo direto das invases
francesas. A defesa da sucesso
portuguesa (Ernesta, 16 anos, Escola P2 - T12) e o
fortalecimento econmico da elite imperial,
em detrimento da populao lusitana abandonada (Cludio, 17 anos,
Escola P1 - T1) tambm
foram apontados como conclusivos desse processo histrico. Alm
dessas narrativas, outras
chamaram a ateno por terem especificidades de menor ocorrncia,
mas que podem se
apresentar no desenvolvimento desse tipo de exerccio
cognitivo:
Quadro 2- Outras narrativas
Estudante INTRODUO
DESENVOLVIMENTO
CONCLUSO
Frederico
(17 anos
Escola P1
T3)
Considero que a
transferncia da famlia
real portuguesa para o
Brasil tenha sido um acto
de fuga invaso das
tropas francesas.
pois a passagem da famlia real no iria
interferir com qualquer medida
econmica que visasse o
desenvolvimento do Imprio e mais
certo seria a produo de uma enorme
instabilidade poltica quanto ao facto da
permuta do estatuto de capital do
Imprio.
No considero de
modo algum uma
opo estratgica,
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Priscila
(17 anos,
Escola P5
- T22)
Na minha opinio,
certamente que antes do
Bloqueio Continental j
tinha sido vrias vezes
equacionada essa
transferncia.
Mas porque realiz-la no exacto
momento em que Portugal foi invadido,
quando mais precisava de um governo
prximo e eficiente?
Foi, no meu entender,
sobretudo uma fuga.
Dionsio
(16 anos,
Escola B2
- T44)
Primeiramente, acredito
que tudo foi
estrategicamente
planejado,
pois, Portugal sempre tentou extrair o
mximo possvel de nossas riquezas, e
obter o controle total.
Mas, confesso que,
como um aluno
brasileiro, a tendncia
que eu defenda
meu pas e veja
Portugal com um
olhar diferente
As narrativas de Frederico e Priscila so mais aprofundadas no
que se relaciona ao
potencial emptico e crtico. Frederico no acredita na hiptese da
estratgia simplesmente por
no acreditar que tal opo garantiria vantagens econmicas para
Portugal: no iria interferir
com qualquer medida econmica que visasse o desenvolvimento do
Imprio. Pelo contrrio,
defende a ideia de que essa opo geraria o caos poltico no pas:
certo seria a produo de
uma enorme instabilidade poltica quanto ao facto da permuta do
estatuto de capital do
Imprio. Para esse aluno, a instabilidade poltica que seria
gerada na Metrpole com a
transferncia do governo para a colnia, de forma alguma seria
compensada por um possvel (e
no convincente) fortalecimento econmico de Portugal resultante
dessa deciso. De igual
forma, Priscila (17 anos, Escola P5 - T22), na introduo de sua
resposta, anuncia a hiptese que
defender citando que esta j havia sido delineada anteriormente
ao Bloqueio Continental
imposto por Napoleo, o que leva o leitor a inferir que o
contexto histrico contemporneo ao
fato no teria sido preponderante para a elaborao da estratgia. O
Bloqueio se torna um
marcador temporal que mostra ao leitor a anterioridade do
planejamento e o alongamento da
temporalidade na qual se insere o fato. A partir dessa leitura
acurada que fez do contexto
histrico da poca, Priscila apresenta seu argumento na forma de
crtica corte portuguesa,
pois estranha o fato de um governo que se apresentou como
estrategista ao longo do tempo,
ter se mostrado na prtica ineficiente quando mais se precisou da
aplicao desse
planejamento. Essa leitura revela sua tentativa de aproximar sua
argumentao, via raciocnio
histrico, de argumentos que poderiam ser suscitados na poca.
Frederico e Priscila parecem pensar como algum que leu a notcia
da transferncia da
Coroa portuguesa num jornal da poca e discordou frontalmente das
verses descritas. Esses
alunos no se contentaram com a simples descrio do fato ou de seu
contexto histrico, pois
se dispuseram tentativa de pensar como algum que viveu naquele
perodo e no concordava
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com as aes pelo simples fato de no se convencer de sua
viabilidade. Esse exerccio mental
foi chamado por estudiosos da Educao Histrica como Peter Lee,
Denis Shemilt, Rosalyn
Ashby e Alaric Dickinson, de Empatia Histrica:
Empatizar historicamente compreender os motivos e explicar as
aces dos
homens do passado, de modo a torn-las inteligveis s mentes
contemporneas. Tal implica um amplo conhecimento do respectivo
contexto
histrico e a interpretao da evidncia histrica diversificada
e/ou
contempladora de diferentes perspectivas, estando tambm
vinculado o uso de
imaginao histrica (FERREIRA, 2009, p. 116).
No universo de explicaes de alunos brasileiros das escolas
participantes da pesquisa,
somente uma foi classificada como densa nessa anlise. Dionsio
assume a hiptese de
estratgia da corte portuguesa na efetivao da transferncia por
compreender que essa opo
seria coerente com a trajetria de dominao imposta pela metrpole
colnia, pois assume
que essa anlise deveria ser entendida como reflexo do
posicionamento do dominado.
Apresenta, aqui, aguada perspectividade do pensamento histrico,
pois esse estudante
expressa a relao dialgica que construiu com seu objeto de estudo
e com seu prprio leitor.
Tal dialogismo s ocorre se forem levados em considerao os
contextos histricos do objeto
de estudo e da autoria. Essa relao, subsumida na narrativa,
permite que o leitor adentre esse
universo dialgico com sua prpria perspectiva e, assim, tenha
mais elementos para construir
sua autnoma reflexo. Nesse sentido, trabalhar com a
perspectividade do pensamento
essencial para a construo do conhecimento da Histria. A
narrativa desse estudante brasileiro
mostra que ele no se refugiou na tentadora reproduo do contedo
histrico estudado,
tampouco buscou sua superficial rememorao, antes se preocupou em
inserir-se no processo
histrico com autonomia cognitiva, pois percebeu a diversidade
perspectiva desse tipo de
conhecimento. Pensar historicamente inserir-se autonomamente no
processo histrico de
forma a conhecer o objeto de estudo, avaliar as diferentes
perspectivas de pensamento dele
derivadas ao longo do tempo e desenvolver sua prpria compreenso,
no tempo presente, por
meio da criao de narrativas com potencial histrico. Embora a
incidncia de explicaes
densas nos alunos portugueses seja superior em comparao aos
brasileiros, importante
salientar que esse nvel de perspectividade do pensamento
histrico no se constatou em
nenhuma narrativa lusitana. Nota-se, claramente, que os alunos
portugueses construram
narrativas detalhadas, com complexidade superior dos brasileiros
no que se relaciona
compreenso do contedo histrico propriamente dito. No entanto,
tais explicaes
apresentam certo conservadorismo, pois deixam de utilizar as
operaes mentais do
conhecimento histrico para criar narrativas autnomas que
representem seu posicionamento
perante o objeto de estudo e, principalmente, diante de seu
interlocutor. Algo que, na nica
explicao densa de alunos brasileiros, se verificou na
prtica.
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As explicaes densas remetem a constituio crtica de sentido
histrico, pois permite
a tomada consciente de posio do narrador diante de prescries
culturalmente construdas
ao longo do tempo. Em concomitncia, possibilita a construo de
conscincia histrica do
tipo gentico, pois remete perspectividade do pensamento,
diversidade discursiva, ao
posicionamento crtico perante demandas de orientao temporal, ao
uso da alteridade na
relao com outras concepes. Nesse sentido, as experincias passam
pelo crivo da reflexo,
podendo ser rejeitadas ou transformadas a partir do significado
construdo no processo de
interpretao. Procedimento que permite a criao de novas
experincias pela rejeio s
experincias anteriores, ou a transformao das experincias a
partir das novas demandas de
orientao da vida prtica. O horizonte de expectativas abre-se com
orientao para o futuro a
partir da reflexo dinmica e constante acerca das experincias do
passado.
O processo analtico apresentado neste artigo permitiu verificar
a incidncia de diferentes
nveis de explicao histrica em estudantes brasileiros e
portugueses. Tais nveis apontaram
para diferentes constituies de sentido orientao temporal no
cotidiano, ou seja, aos
diversos tipos de conscincia histrica existentes na tipologia de
Jrn Rsen, bem como
relao entre as categorias de Reinhart Koselleck espao de
experincias e horizonte de
expectativas. A partir dessa reflexo, um quadro (Figura 2) pde
ser construdo de forma a
facilitar a anlise de narrativas de grupos de estudantes luz da
construo da conscincia
histrica:
Figura 2 Relao entre os niveis de explicao histrica e a
tipologia da conscincia histrica
Tipos de
Conscincia
Histrica
(Jrn Rsen)
TRADICIONAL
EXEMPLAR
CRTICA
GENTICA
Aplicao das
Categorias
de Reinhart
Koselleck
Sntese entre
espao de
experincia e
horizonte de
expectativas
Sntese entre
espao de
experincia e
horizonte de
expectativas
Rejeio ao
espao de
experincia
anterior como
abertura para um
novo horizonte de
expectativa
Relao dinmica
entre espao de
experincias e
horizonte de
expectativas
EXPLICAO
HISTRICA
(Conceito Meta-
histrico)
-Fragmentos
descritivos
- Explicao simples
- Explicao
simples
- Explicao
emergente
- Explicao densa
- Explicao densa
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Referncias
BARCA, Isabel. O pensamento histrico dos jovens. Braga:
Universidade do Minho, 2000.
FERREIRA, Clarisse. O papel da empatia histrica na compreenso do
outro. In: BARCA, Isabel;
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educao histrica: investigao em
Portugal e no Brasil. Braga:
Centro de Investigao em Educao, 2009. p. 115-130.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuio semntica dos
tempos histricos.
Traduo de Wilma Patrcia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de
Janeiro: Contraponto & Ed.
PUC-Rio, 2006.
LEE, Peter. Progresso da compreenso dos alunos em Histria. In:
BARCA, I. Perspectivas em
educao histrica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais de
Educao Histrica. 2001.
RSEN, Jrn. Razo histrica - teoria da histria I: fundamentos da
cincia histrica. Traduo
de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. Universidade de
Braslia, 2001.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevo de
Rezende (Org.). Jrn Rsen e
o ensino de Histria. Curitiba: Editora UFPR, 2010.
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Anexo 1
Nome (opcional): __________________Idade:__________Ano: _______
Sexo: M ( ) F ( )
Escola:
_______________________________________________________
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
A atividade abaixo no se trata de uma prova, mas de um pequeno
exerccio para verificar como o estudante constri seu raciocnio
histrico e o aplica na vida prtica. Agradecemos por seu interesse
em participar desta
atividade.
ATIVIDADE
As narrativas abaixo tratam da denominada transferncia da famlia
real portuguesa para o Brasil, fato que ocorreu no incio do sculo
XIX, no perodo em que Napoleo Bonaparte, imperador francs, buscava
conquistar toda a Europa e tinha como seu principal rival no
continente, a Inglaterra.
Leia as duas narrativas a respeito desse fato e responda as
questes propostas:
Narrativa I
Quando Napoleo Bonaparte decretou o Bloqueio Continental em 1806
(determinao de que nenhum pas da Europa Continental poderia
comercializar com a Inglaterra), o governo portugus ficou em uma
situao difcil: se no aderisse ao bloqueio, as tropas francesas
invadiriam Portugal; se o fizesse, a Gr-Bretanha bombardearia
Lisboa. O Prncipe regente D. Joo governava Portugal, em lugar de
sua me, a rainha D. Maria I, afastada por insanidade mental. Diante
da presso francesa e inglesa, D. Joo vacilou muito. O governo
britnico sugeriu uma soluo alternativa: a fuga de toda a famlia
real para o Brasil nos navios britnicos ancorados em Lisboa. Em
troca, queriam a liberao do comrcio colonial e o direito de
utilizar os portos brasileiros. O embarque ocorreu no dia 29 de
novembro de 1807, quando as tropas francesas j estavam prximas de
Lisboa. Alm da famlia real, viajaram 15 mil pessoas, entre nobres e
criados. Trouxeram com eles joias, obras de arte, prataria e quase
todo o dinheiro que circulava em Portugal (O embarque foi apressado
e desorganizado, feito sob chuva e diante da populao apavorada ao
ver seus governantes abandonando o pas aos invasores. D. Joo foi
para o cais disfarado, temendo a reao dos populares. Em meio
correria, dizem que a rainha D. Maria I, sem entender o que
acontecia, gritou: No corram tanto! Pensaro que estamos fugindo!)
Depois de quase dois meses de viagem, os refugiados chegaram Bahia
em 22 de janeiro de 1808. (trechos extrados e adaptados de
RODRIGUE, Joelza Ester. Histria em Documento: imagem e texto. So
Paulo: FTD, 2002, p.90 e 114)
Narrativa II
A transferncia da Corte para a colnia americana no era uma ideia
nova. Desde o sculo XVII, homens influentes no governo defendiam
essa medida como forma de tornar menos vulnervel a capital do
Imprio
Portugus. Sempre ameaada por seu vizinho espanhol, a Corte
estaria mais segura do outro lado do oceano
Atlntico. A partir do sculo XVIII, outro motivo animava aqueles
que defendiam a transferncia da capital para
a Amrica: parecia a melhor soluo para combater a decadncia
enfrentada por Portugal. O Brasil era a parte
mais rica e dinmica do Imprio e, por isso, deveria se tornar o
seu centro. No incio do sculo XIX, parte dos
dirigentes do governo lusitano continuava envolvida com projetos
para modernizar o imprio, tal qual
acontecera antes, durante a gesto do marqus de Pombal.
Influenciados pela Ilustrao (Iluminismo), estes
reformadores eram agora liderados por Dom Rodrigo de Sousa
Coutinho. Mais radical que seu antecessor,
entretanto, D. Rodrigo propunha a reforma do pacto colonial para
deixar livre a economia americana, que
poderia assim prosperar, enriquecendo todo o imprio. Na Amrica
estava a parte mais rica e dinmica da
economia lusitana. Estimular o seu desenvolvimento, retirando os
entraves coloniais e transformando-a em sede
do Imprio, poderia ser o melhor caminho. Em 1801, dom Rodrigo
fez a proposta de transferncia da Corte,
quando ocupava os ministrios da Marinha e Ultramar e dos Negcios
Estrangeiros e da Guerra. Dois anos
depois, em 1803, afirmava que restava aos portugueses irem criar
um poderoso imprio no Brasil, donde se volte a reconquistar o que
possa ter perdido na Europa.Quando os soldados franceses invadiram
Portugal, a
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ideia foi considerada a melhor soluo pelo prncipe e seus
assessores. Quem ganhava com isso era a elite
colonial que, de repente, passava a habitar a capital do Imprio.
(trechos extrados e adaptados de CAMPOS, Flvio de. Ritmos da
Histria. So Paulo: Escala Educacional, 2006, p.173-175)
1) Considera que a corte portuguesa ao deslocar-se para o
Brasil, em 1808, se transferiu de forma
estratgica, planejada ou simplesmente fugiu da invaso das tropas
de Napoleo Bonaparte?
2) A leitura dos textos confirmou ou modificou sua opinio? Por
qu?
3) As explicaes dadas ao fato, nos textos, so diferentes?
Explique sua resposta.
4) Em sua opinio quais foram as principais consequncias desse
fato para a Histria de Brasil e
Portugal?
5) Construa uma frase que expresse o que significa
Portugal/Brasil para voc.
Obrigado por participar da pesquisa!