TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRANSTORNO OBSESSIVO- COMPULSIVO Aristides Volpato Cordioli INTRODUÇÃO O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é um transtornocrônico e heterogêneo caracterizado pela presença de obsessões e ou compulsões que consomem tempo ou interferem de forma significativa nas rotinas diárias do indivíduo, no seu trabalho, na vida familiar ou social e causam acentuado sofrimento (APA, 2002). As causas do TOC, até o presente momento, não são bem conhecidas. Como os sintomas são heterogêneos, não está claro,se constitui um único transtorno ou um grupo de transtornos,pois as apresentações clínicas, o curso, aspectos neurofisiológicos, neuropsicológicos e cognitivos, bem comoa resposta aos tratamentos, variam muito de indivíduo para indivíduo. As evidências a favor de fatores biológicos na sua etiologia são bastante consistentes e incluem a genética (a prevalência de TOC é 4 a 5 vezes maior em familiares de indivíduos com o transtorno), o aparecimento dos sintomas na vigência de doenças cerebrais, a hiperatividade em certas regiões do cérebro dos indivíduos com a doença, alterações da neuroquímica cerebral relacionadas com a serotonina e a redução dos sintomas com o uso de medicamentos inibidores da recaptação da serotonina. Por outro lado também são consistentes as evidências de que fatores de ordem psicológica,como aprendizagens errôneas e distorções cognitivas, contribuem para o agravamento e a manutenção dos sintomas. Dentre essas evidências estão as distorções cognitivas presentes na maioria dos indivíduos com
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
Aristides Volpato Cordioli
INTRODUÇÃO
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é um transtornocrônico e heterogêneo
caracterizado pela presença de obsessões e ou compulsões que consomem
tempo ou interferem de forma significativa nas rotinas diárias do indivíduo, no seu
trabalho, na vida familiar ou social e causam acentuado sofrimento (APA, 2002).
As causas do TOC, até o presente momento, não são bem conhecidas. Como
os sintomas são heterogêneos, não está claro,se constitui um único transtorno ou
um grupo de transtornos,pois as apresentações clínicas, o curso, aspectos
neurofisiológicos, neuropsicológicos e cognitivos, bem comoa resposta aos
tratamentos, variam muito de indivíduo para indivíduo. As evidências a favor de
fatores biológicos na sua etiologia são bastante consistentes e incluem a
genética (a prevalência de TOC é 4 a 5 vezes maior em familiares de indivíduos
com o transtorno), o aparecimento dos sintomas na vigência de doenças
cerebrais, a hiperatividade em certas regiões do cérebro dos indivíduos com a
doença, alterações da neuroquímica cerebral relacionadas com a serotonina e a
redução dos sintomas com o uso de medicamentos inibidores da recaptação da
serotonina. Por outro lado também são consistentes as evidências de que fatores
de ordem psicológica,como aprendizagens errôneas e distorções cognitivas,
contribuem para o agravamento e a manutenção dos sintomas. Dentre essas
evidências estão as distorções cognitivas presentes na maioria dos indivíduos com
2
2
TOC e especialmente a melhora dos sintomas com as terapias cognitivo-
comportamentais, em especial à terapia de exposição e prevenção de respostas
(de rituais) (EPR).
Até a bem pouco tempo o TOC era considerado um transtorno de difícil
tratamento. Este panorama mudou. Na atualidade mais de 70% dos pacientes
podem se beneficiar do uso de medicamentos e da terapia cognitivo-
comportamental. A partir da valorização dos erros de avaliação e de intepretação,
de crenças disfuncionais para a origem e manutenção dos sintomas OC e da
realização ensaios clínicos utilizando a terapia cognitiva no tratamento dos
sintomas obsessivo-compulsivos comprovando a efetividade dessa modalidade
de tratamento, técnicas cognitivas foram acrescentadas à terapia de EPR,
particularmente em pacientes com dificuldades de adesão aos exercícios em
razão de ideias supervalorizadas, ausência de insight e de motivação para o
tratamento, e especialmente em pacientes com pensamentos intrusivos de caráter
repugnante. A partir dessas modificações“Terapia Cognitivo-Comportamental”
(TCC) tem sido a designação cada vez mais utilizada.
No presente capítulo descreveremosos fundamentos da TCC do TOC, as
técnicas utilizadas bem como as evidências que comprovam sua eficácia. Serão
ainda mencionadasas limitações dessa modalidade de tratamento, as questões
em aberto e as perspectivas futuras.
OS FUNDAMENTOS DA TCC DO TOC
Breve histórico da terapia de EPR
As primeiras tentativas de uso de exposição e prevenção de resposta (ou de
rituais) no tratamento dos sintomas obsessivo-compulsivos foram influenciadas
pelos experimentos de dessensibilização sistemática de Wolpe, que utilizava com
sucesso essa técnica no tratamento de fobias e pelas teorias da aprendizagem
social de Bandura.Foi Meyer, em 1966, o primeiro a utilizar técnicas
comportamentais para o tratamento de sintomas obsessivo-compulsivos. A partir
da observação de que ratos venciam o medo de certas situações quando
guiadosmanualmente pelo pesquisadorpara enfrentá-las,tratou com sucesso duas
3
3
pacientes com sintomas obsessivo-compulsivos,sugerindo de forma ativa, que se
expusessem a estímulos provocadores de ansiedade e se abstivessem de
realizar rituais após. Ambas melhoraram rapidamente e permaneceram sem
sintomas até 2 anos depois.O investigador atribuiu a melhora dos sintomas à
modificação de expectativas em razão do teste de realidade realizado,
comprovando que as expectativas catastróficas não se concretizavam (Meyer,
1966). Esses estudos, entretanto, não tiveram repercussão na época e só foram
retomados na década seguinte.
Primeiros ensaios clínicos usando a terapia de EPR
Dois estudos realizados em ambiente hospitalar, utilizando de forma intensiva, as
técnicas de exposição e prevenção de rituais para tratar pacientes com TOC se
destacaram pelo forte impacto no tratamento do transtorno nos anos que se
seguiram. Em 1974, Meyer e colaboradores trataram 15 pacientes e, em 1975,
Marks e colaboradores trataram 20 pacientes utilizando essas técnicas.
Ambas as pesquisas tiveram sucesso em eliminar os sintomas obsessivo-
compulsivos em um período relativamente curto, de 4 a 12 semanas.
Acompanhados por períodos de até cinco anos, muitos desses pacientes
continuavam assintomáticos vários anos depois (Meyer V. in:Jenike, 1990; Marks
et al,1975).
Nos anos que se seguiram, esses ensaios clínicos foram repicados em
diversos países e ao final da década de 70 mais de 200 pacientes haviam sido
tratados com técnicas de EPR, com resultados semelhantes. Dessa forma, a
possibilidade de eliminar obsessões e compulsões com técnicas comportamentais
relativamente breves foi comprovada de forma definitiva, passando a terapia de
EPR a constituir um dos tratamentos de escolha para o TOC.
MODELOS ETIOLÓGICOS DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
O modelo psicodinâmico
4
4
O experimento de Meyer passou desapercebido, pois na época o modelo
explicativopara os sintomas OC era baseado na teoria psicodinâmica. No famoso
caso “O Homem dos Ratos” Freud propusera que as obsessões e as compulsões
eram manifestações de conflitos de natureza inconscienteocorridos nos primeiros
anos do desenvolvimento psicológico – mais precisamente, na chamada fase anal
do desenvolvimento psicossexual. Na neurose obsessiva, termo utilizado na época
e que abrangia tanto o TOC como o transtorno de personalidade obsessivo-
compulsiva, ocorreria uma regressão da fase edípica para a fase anal-sádica em
razão de fixações nessa fase. As fixações estariam relacionadas aos conflitos
envolvendo o treinamento e aquisição do controle dos esfíncteres e o manejo de
impulsos agressivos. Impulsos contraditórios de reter ou expelir, dar ou guardar,
sentimentos ambivalentes de amor e ódio, necessidade de controle ou submissão
seriam alguns dos conflitos da fase. O modelo sugeria serem os sintomas
obsessivos,obsessões e compulsões, soluções de compromisso entre a
expressão plena dos impulsos típicos da fase: sujar, agredir, reter ou expelir, e sua
repressão pelos mecanismos de defesa.Confrontá-los ou impedir a
realização dos rituais poderia significar a irrupção descontrolada dos impulsos
proibidos e a provocação de desequilíbrios mentais ainda mais graves,
eventualmente psicóticos, crenças que na verdade nunca ficaram comprovadas.
Na verdade nunca foi comprovada a existência de conflitos
inconscientessubjacentes aos sintomas obsessivo-compulsivos e na prática a
terapia psicodinâmica direcionada para resolver tais conflitos se mostrou ineficaz.
Somou-se a esses fatos a resposta dos sintomas aos medicamentos inibidores
da recaptação da serotonina e à terapia de EPR fizeram com que o modelo fosse
abandonado.
O modelo comportamental
Autores ingleses, no início da década de 70, resolveram desafiar o modelo
psicodinâmico bem como os corolários dele derivados e observar na prática,o que
5
5
poderia ocorrer, caso os pacientes fossem impedidos de realizar seus rituais ou
fossem estimulados a entrar em contato com o que evitavam.
O fenômeno da habituação
Num primeiro estudo, Hogdson e Rachman, observando pacientes voluntários
com obsessões de limpeza e rituais de lavagem verificaram que eles apresenta-
vam uma rápida e acentuada elevação da ansiedade quando eram convidados a
tocar nos objetos que normalmente evitavam, a qual decrescia de forma rápida
com a execução de uma lavagem “satisfatória”(Hogdson e Rachman, 1972). Num
experimento semelhante com pacientes “verificadores”, em situações nas quais
eram impedidos de realizar seus rituais, também foi constatado o aumento
instantâneo da ansiedade, seguido de uma acentuada diminuição após a
execução dos rituais (Röper et al.,1973;Röper et al.,1976).Observaram ainda que
o impulso de executar verificações ou lavações desaparecia espontaneamente
depois de um período entre 15 e 180 minutos caso fosse solicitado aos pacientes
que se abstivessem de realizar os rituais ou permanecessem em contato com os
objetos ou situações evitados. Constataram, ainda, que, a cada -
repetição dos exercícios, a intensidade da ansiedade e do impulso para realizar os
rituais era menor. Se repetissem os exercícios um número suficiente de vezes,
tanto a aflição como a necessidade de executar os rituais desapareciam por
completo de forma expontânea.Este fenômeno natural ficou conhecido como
habituação e passou a ser a base da terapia de EPR (Röper e Rachman, 1976;
Lickierman e Rachman, 1980).
Com base nas observações citadas, os autores formularam uma hipótese que
oferecia uma nova compreensão para os fenômenos obsessivos: de que existiria
uma relação funcional entre rituais e obsessões. A função dos rituais era reduzir a
ansiedade e o desconforto provocados pelas obsessões. Esta seria a razão desua
existência (Hogdson e Rachman, 1972; Rachman et al., 1976).
O modelo comportamental
6
6
A terapia comportamental econseqüentemente a terapia de EPR, têm seus
fundamentos nas teorias da aprendizagem, particularmente o condicionamento
pavloviano, o condicionamento operante e no fenômeno da habituação. O modelo
proposto para a origem e manutenção dos sintomas obsessivo-compulsivos é uma
adaptação para o TOC do modelo explicativo proposto por Mowrer em1939,para
explicar as origens do medo e os comportamentos de esquiva nos transtornos de
ansiedade e que ficou conhecido como o modelo dos dois fatores ou dois
estágios. De acordo com o modelo desse autor, o medo seria adquirido por
condicionamento clássico e mantido por condicionamento operante (reforço
negativo). Dollard e Milleradaptaram o modelo dos dois fatores de Mowrer para
explicar o surgimento e a manutenção dos sintomas obsessivo-compulsivos.Esse
modelo foi ampliado mais recentemente por Salkovskis, incluindo os fatores
neurobiológicose cognitivos os quais seriam responsáveis por tornar o indivíduo
mais sensível, mais vulnerável e, portanto, com predisposição a desenvolver o
TOC. O modelo pode ser resumido da seguinte forma:
1. Condicionamento clássico: Por alguma razão desconhecida, em
pessoas predispostas ou muito sensíveis (motivos genéticos), estímulos neutros
(banheiros, corrimãos, trincos de portas números, cores ou até mesmo
pensamentos) em algum momento, foram pareados a estímulos incondicionados
(medo, aflição, nojo,desconforto), passam a ter as mesmas propriedades do
estímulo incondicionado (tornam-se condicionados) i.é: passam a provocar as
mesmas respostas que os referidos estímulos, as quais são -
estendidas(generalização) a situações ou objetos próximos ou semelhantes aos
condicionados.
2. Condicionamento operante (reforço negativo): O segundo estágio consiste
de um reforço negativo, no qual novas respostas, que reduzem a ansiedade
provocada pelo contato ou proximidade do estímulo condicionado,são aprendidas.
O indivíduo descobre por acaso (aprende) que executar rituais ou evitar o contato
com os objetos ou situações reduz ou elimina (neutraliza) os medos a eles
associados, mesmo que temporariamente.O sucesso em produzir alívio aumenta a
frequência dos rituais ou da esquiva, tornando tais comportamentos
7
7
estereotipados, repetitivos e freqüentes perpetuando o TOC (Mowrer,1939; Dollard
e Miller in: Neziroglu, 2005; Salkovskis et al.,1998;Salkovskis ,1999).
Argumentos a favor e contra o modelo comportamental
O modelo dos dois fatores parece bastante evidente particularmente no que se
refere ao mecanismo responsável pela manutenção dos sintomas obsessivo-
compulsivos – o alívio que os pacientes sentem ao executar os rituais ou quando
se abstêm do contato físico com objetos ou situações que desencadeiam as
obsessões,faz com que tais comportamentos aumentem de intensidade e
freqüência (reforço negativo). A lacuna maior do modelo decorre do fato de, na
maioria das vezes, o início dos sintomas ser insidioso e não estar relacionado a
qualquer experiência traumática ou mesmo estressante que provocasse o
pareamento exigido pelo modelo (condicionamento clássico) entre estímulos
incondicionados e estímulos neutros (Jones & Menzies, 1998).
O modelo original também não prevê o papel dos fatores de ordem biológica e
desconsidera a importância das crenças disfuncionais, freqüentes em pessoas
com TOC. Esta última lacuna foi em parte superada com a proposição de um
modelo cognitivo por autores como Rachman e Salkovskis, entre outros. Tal
modelo valoriza o papel das crenças e interpretações distorcidas ou até errôneas,
particularmente aquelas relacionadas com a responsabilidade e o risco, no
surgimento e na manutenção dos sintomas obsessivo-compulsivos(Rachman,
1997; Salkovskis, 1985, 1989, 1998,1999). O modelo cognitivo do TOC
A tentativa de utilizar a terapia cognitiva no tratamento dos sintomas obsessivo-
compulsivos ocorreu por vários motivos: a insatisfação com a baixa efetividade da
terapia de EPR em razão da pouca adesão e alto índice de abandonos, a
constatação da freqüência com que os indivíduos com TOC apresentavam
crenças disfuncionais,a proposição e adaptação de técnicas cognitivas utilizadas
no tratamento de outros transtornos para uso no TOC e a comprovação de sua
8
8
eficácia em reduzir os sintomas do transtorno. A suposição de que crenças
disfuncionais deveriam desempenhar um importante papel na gênese e na
manutenção dos sintomas deu origem à proposição de um modelo cognitivo para
a origem das obsessões.
A baixa efetividade da terapia de EPR
Curiosamente existe um grupo de pacientes que apresenta uma rápida e
intensa melhora dos sintomas com a terapia de EPR, podendo chegar à
remissão completa, enquanto que um outro grupo não apresenta nenhuma
modificação. Além disso, é alto o índice de não-adesão e abandono, os quais,
somados, podem chegar a 30% (Marks e O’Sullivan, 1988; Marks, 2002), tornando
o tratamento ineficaz, na prática, em aproximadamente metade de todos os que
iniciam e em 1/4 dos que completam o tratamento (Spiegel, 2000).
Crenças disfuncionais no TOC
Crenças disfuncionais em indivíduos com TOC foram descritas por diversos
autores, (Salkovskis, 1985, 1989, 1999; Frost e Steketee,2002;Salkovskis et al.,
1998; Rachman, 1997).A convicção, firmada ao longo do tempo, de quetais
crenças poderiam contribuir para o agravamento e a manutenção dos sintomas
obsessivo-compulsivos fez com que um grupo de especialistas, denominado
Obsessive-Compulsive Cognitions Working Group (OCCWG), se reunisse em
duas ocasiões, na década passada, para estabelecer por consenso o que seriam
as crenças ou os principais grupos domínios de crenças disfuncionais no TOC. De
acordo com o referido Consenso tais crenças envolveriam seis domínios e se
expressariam pela tendência em superestimar: o risco, aresponsabilidade, o poder
do pensamento, a necessidade de controlá-lo, a necessidade de ter certeza e o
perfeccionismo (OCCWG, 1997). Tal proposição deu margem a diversos estudos
desenvolvendo instrumentos para mensurar a intensidade de tais crenças e
avaliar sua influência nos sintomas do TOC (Frost e Steketee,2002). E de fato,
estudos experimentais têm demonstrado uma correlação entre a intensidade das
9
9
crenças e os sintomas obsessivo-compulsivos (Neziroglu et al., 1999; Neziroglu et
al., 2006).
Técnicas cognitivas para tratamento de pensamentos e crenças disfuncionais no
TOC; terapia cognitiva no TOC
A constatação da alta frequ6encia com que crenças disfuncionais estavam
presentes em indivíduos com TOC levou alguns autores a propor o uso de
técnicas cognitivas,associadas ou não à terapia de EPR, no tratamento dos
sintomas obsessivo-compulsivos (Salkovskis, 1985, 1999; Van Oppen e Arntz,
1994; Freeston et al., 1996; Salkovskis et al., 1998, Salkovskis, 1999).Ao mesmo
tempo alguns ensaios clínicos comprovaram a efetividade da terapia cognitiva no
tratamento dos sintomas do TOC (Emmelkamp et al. 1988, Emmelkamp e Beens,
1991; Van Balkon et al, 1994; Van Oppen et al.1995; Whittal et al. 2005), tanto em
pacientes com predomínio de obsessões, considerados refratários à terapia de
EPR (Freeston et al, 1997), como em pacientes com obsessões e compulsões
(Cottraux, et al.al., 2001; McLean et al., 2001). Um dos estudos observou uma
eficácia superior da terapia cognitiva comparada à terapia comportamental, em
reduzir os sintomas depressivos em pacientes com TOC – uma comorbidade
relativamente freqüente, embora a eficácia em reduzir os sintomas obsessivo-
compulsivos fosse semelhante (Cottraux et al. 2001).
Algumas críticas, entretanto, têm sido levantadas questionando até que ponto
tais estudos teriam utilizado exclusivamente técnicas cognitivas e não técnicas
comportamentais de EPR. Até o momento não está comprovado, entretanto, se o
acréscimo de técnicas cognitivas à terapia de EPR no tratamento de pacientes de
TOC aumenta sua eficácia tanto no curto como no longo prazo. É bem provável
que, para determinados subgrupos de pacientes, este acréscimo seja
particularmente útil. Pacientes com predomínio de obsessões, com boa
capacidade de introspecção, e com algum grau de sofisticação psicológica parece
que aproveitam das intervenções cognitivas. Acredita-se ainda que o uso de
técnicas cognitivas por si só possa reduzir o nível de ansiedade, melhorar o grau
de adesão e no longo prazo, além de poder proporcionar ganhos adicionais,
10
10
poderia reduzir a possibilidade de recaídas. Mas são vantagens a serem
comprovadas pela pesquisa, que por enquanto são hipóteses em aberto.
As desvantagens da terapia cognitiva residem no fato de suas técnicas
serem mais complexas tanto para sua compreensão como para sua utilização.
Pacientes com um menor grau de sofisticação psicológica têm menos chance de
utilizá-las. Os terapeutas necessitariam de um embasamento maior assim como
um treinamento mais específico para a sua adequada utilização.
Embora possa haver alguma disputa entre o modelo comportamental, que
propõe a exposição e prevenção de respostas e o modelo cognitivo, que propõe a
correção das crenças disfuncionais no tratamento dos sintomas obsessivo-
compulsivos, a tendência é que os dois modelos sejam vistos como
complementares e que as duas modalidades de intervenção sejam utilizadas em
conjunto, enfoque adotado no presente capítulo.
Teoria cognitiva sobre a origem das obsessões
Uma questão que necessita ser respondida diz respeito ao papel das
crenças disfuncionais na gênese e na manutenção dos sintomas OC. Uma
proposição interessante adveio da observação feita por Rachman e de Silva
(1978) de que muitos dos pensamentos invasivos que atormentam os indivíduos
com TOC ocorrem na população em geral, sem que, no entanto, se transformem
em obsessões. Esses autores mostraram que aproximadamente 90% das pessoas
têm, em algum momento, pensamentos impróprios de caráter agressivo, obsceno
ou sexual, muito semelhantes ao que ocorre em indivíduos com TOC(Rachman e
De Silva 1978).Os pesquisadores se preocuparam em esclarecer as diferenças
entre pensamentos intrusivos normais e obsessões. A hipótese de Stanley
Rachman e é de que a interpretação errônea e o significado catastrófico atribuído
à presença de tais pensamentos, seriam os responsáveis pela transformação de
pensamentos “normais” em obsessões. Nos indivíduos com TOC tais
pensamentos intrusivos são acompanhados de pensamentos automáticos de que
algo muito grave pode acontecer, ou de que poderão cometer o que lhes passa
pela cabeça, de que pode existir um lado perverso de sua personalidade que a
11
11
qualquer momento poderá se manifestar (“Posso ser um molestador de crianças”
ou “Posso ser um homicida em potencial” provocando consequentemente medo,
desconforto,ansiedade e, tentativas de neutralizá-los por meio de rituais ou
simplesmente evitando comportamentos considerados de risco (tocar em coisas
sujas, abster-se de verificar, chegar perto de crianças, guardar todas as facas da
casa). O sucesso dessas medidas encoraja o indivíduo a repeti-las, perpetuando o
transtorno. Essa é a teoria cognitiva sobre a origem das obsessões (Rachman,
1997).
Modelo cognitivo ampliado do TOC
Salkovskisapresentou uma proposta mais detalhada do modelo cognitivo,
integrando as proposições de Rachman, com aspectos biológicos, aprendizagem
(reforço negativo) e influências ambientais, que sabidamente podem influenciar a
gênese e a manutenção do TOC. Ela pode ser resumida como segue:
1. Há indivíduos que, em razão de disfunção neuroquímica, herança
genética, aprendizagens errôneas, ambiente familiar, tipo de educação ou
crenças adquiridas ao longo da vida, são muito sensíveis a determinados
temas, como risco, responsabilidade, culpa, falha, etc.
2. Nesses indivíduos, pensamentos invasivos normais transformam-se em
obsessões devido ao significado atribuído à sua simples presença ou às
interpretações negativas ou distorcidas do seu conteúdo.
3. A presença desses pensamentos é interpretada como um indicativo da
possibilidade de o indivíduo provocar dano aos outros ou a si mesmo ou de
falhar em sua responsabilidade em preveni-lo (excesso de responsabilidade).
4. Tal interpretação produz ansiedade, medo ou culpa, levando o indivíduo a fazer
algo que o livre do desconforto (neutralização) ou previna o que ele receia que
possa acontecer.
5. A ansiedade é neutralizada pela realização de rituais, compulsões mentais ou
comportamentos evitativos.
6. Paralelamente, aumenta a atenção e a vigilância.
12
12
7. Tais manobras impedem a exposição prolongada e o desaparecimento natural
dos medos por meio da habituação, perpetuando o TOC (Salkovskis, 1985,
1989; Salkovkis et al., 1998; Salkovskis, 1999).
Limitações do modelo
A crítica ao modelo é de que ele não explica os motivos pelos quais muitas
pessoas têm o impulso de executar rituais sem que este seja precedido por
alguma cognição (obsessão), e sim por experiências ou fenômenos sensoriais à
semelhança do que ocorre com os tiques no transtorno de Tourette (Miguel et
al.1995, 2000). Isso é comum em indivíduos que têm compulsão por alinhar obje-
tos (as coisas tem que estar no lugar certo ou exatas, fazer as coisas em
determinada sequência ou executar certos comportamentos repetitivos que
lembram muito os tiques: estalar os dedos, olhar para os lados, dar
batidasrepetidamente, tocar, raspar. Também não esclarece os sintomas
obsessivo-compulsivos provocados por doenças cerebrais, ou relacionados a
infecções por estreptococo ou resultantes do uso de alguns
medicamentos. Não esclarece o fato de os sintomas do TOC poderem ser
eliminados com o uso de medicamentos sem a abordagem cognitiva e a correção
das crenças disfuncionais.
A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL: DESCRIÇÃO DA TÉCNICA
Técnicas comportamentais
A TCC no tratamento do TOC utiliza intervenções comportamentais como a
exposição, a prevenção de respostas ou dos rituais, a modelação, técnicas de
auto-monitoramento, uso de registros, diários, escalas e técnicas cognitivas de
correção de pensamentos e crenças disfuncionais (questionamento socrático,