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A TEORIA ECONOMICAE OS PAíSES SUBDESENVOLVIDOS
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
"Grande parte dos livros que se publicam nos paí-ses
dosenvolvidos sôbr« os problemee dos países sub-desenvolvidos são
superficiais e completamente ina-plicáveis." - GUNNAR MYRDAL
A frase de GUNNARMYRDALque transcrevemos acima dizrespeito aos
trabalhos dos economistas dos países indus-trializados sôbre o
desenvolvimento econômico dos paísessubdesenvolvidos. Portanto,
segundo MYRDAL,a teoria dodesenvolvimento, que especialmente a
partir da SegundaGuerra Mundial, vem sendo formulada, pouco valor
tem,porque é superficial e inaplicável. Sem a menor sombra
dedúvida, o grande economista sueco tem razão. Entretan-to, neste
artigo, nosso objetivo principal não é fazer acrítica dessa teoria
do desenvolvimento. Ainda que con-traditória, imprecisa,
são-sistemática, desadaptada, eiva-da de juízo de valor não
confessado é ela uma esperança,um caminho para a formulação de uma
ciência econô-mica efetivamente adequada aos países
subdesenvolvidos.Pretendemos com êste trabalho apresentar uma
críticapreliminar ao próprio cerne da teoria econômica dos
paísesdesenvolvidos - uma crítica da micro e da macroecono-mia - na
medida em que também se pretende aplicá-laaos países
subdesenvolvidos.
E com vistas a êsse objetivo, a afirmação de MYRDALépreciosa. Se
a teoria do desenvolvimento, que vem sendoformulada pelos
economistas dos países desenvolvidos, é
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA - Professor-Adjunto do Departamento
deCiências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São
Paulo, daFundação Getúlio Vargas.
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16 TEORIA ECONOMICA R.A.E./24
inaplicável, o que dizer da teoria econômica básica, damicro e
da macroeconomia? Naturalmente, será ela tam-bém inaplicável por
redobradas razões.
Isto que parece tão evidente face a esta rápida análise,não o é
para um grande número de economistas dos paísessubdesenvolvidos. A
prova do que afirmamos é o simplesexame dos currículos e programas
das Escolas de Economiae de Administração de Emprêsas no Brasil.
Nas boas eSC'O-las há um domínio dos programas pela análise
econômicadesenvolvida, pela teoria' marginalista marshalliana e
pelamacroeconomia keynesiana. Quanto às más escolas, nema êsse
estágio ainda conseguiram chegar. Estão na fase daeconomia
conceitual, que se compraz e limita a definições;da economia
descritiva, muitas vêzes, reduzida a uma po-bre geografia
econômica, e da história das doutrinas eco-nômicas. Não nos
interessa aqui o caso das Escolas deEconomia e Administração de
segunda categoria. Signifi-cativo é que o ensino da análise
econômica desenvolvidaconstitui-se um sinal distintivo das melhores
escolas dopaís.
Muito mais grave do que isto, porém, é o fato de ser a po-lítica
econômica dos governos da maioria dos países sub-desenvolvidos
freqüentemente ineficiente e mesmo preju-dicial aos respectivos
países. Isto ocorre, geralmente, por-que êsses governos procuram
aplicar a teoria econômicaortodoxa. A teoria econômica dos países
capitalistas, emsuas economias subdesenvolvidas. É conhecido, por
exem-plo, o imenso prejuízo que a aplicação da teoria do comér-cio
internacional causou aos países subdesenvolvidos. NoBrasil,
enquanto nossos governos, até o fim da PrimeiraRepública,
acreditaram nessa teoria e a aplicaram, o Brasilnão teve condições
de desenvolver-se industrialmente.Atualmente, em problemas como o
combate à inflação, otratamento a ser dado a capitais estrangeiros,
o sistemade planejamento econômico etc., geram enormes
dificul-dades para os países subdesenvolvidos quando os
mesmostentam aplicar de forma ortodoxa a teoria econômica
dosdesenvolvidos.
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R.A.E.j24 TEORIA ECONôMICA 17
Como veremos no transcorrer dêste artigo, a ênfase quese dá ao
ensino da teoria econômica dos países desenvolvi-dos, nas
Universidades, e a tendência de os Governos dospaíses
subdesenvolvidos aplicarem os princípios dessa teo-ria ao
formularem e executarem sua política econômicanão deriva
simplesmente da crença na validade da teoriapara os países
subdesenvolvidos. É resultante também dofato de que não existe uma
alternativa plenamente defi-nida e estruturada. Enquanto a teoria
econômica dos paísesdesenvolvidos é um sistema de pensamento
altamente ela-borado, a teoria econômica dos países
subdesenvolvidosestá apenas dando seus primeiros passos.
Dêste fato, porém, não podemos concluir que a única solu-ção é
continuar a ensinar e aplicar a teoria econômica dospaíses
desenvolvidos. Pelo contrário, importa criticá-la, de-terminar os
motivos que a tornam inaplicável às econo-mias dos países
periféricos. É o que pretendemos fazerneste artigo, dentro da
perspectiva de que uma das con-dições para o surgimento de uma
teoria econômica válidapara os países subdesenvolvidos é exatamente
a existênciade críticas do tipo que pretendemos realizar.
A TEORIA ECONÔMICA DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
A teoria econômica dos países desenvolvidos a que nosestamos
referindo é aquela que vem sendo formulada peloseconomistas dos
países ocidentais desde os fisiocratas eADAM SMITH, nos albores da
Revolução Industrial, até opresente. É a teoria econômica ou
simplesmente economiacapitalista. Não obstante tôdas as
divergências internas,tôdas as subescolas de que se compõe, chegou
essa teoriaa um alto nível de desenvolvimento, de coerência e
deunidade, de forma, por exemplo, a ser possível a publica-ção de
livros, textos de manuais de economia por autoresos mais variados,
que revelam uma notável semelhançaquanto aos temas abordados e o
tratamento a êles dado.
Não significa isto, naturalmente, que seja a única
teoriaeconômica. A ciência econômica está muito longe de haver
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1~ TEORIA ECONôMICA R.A.E.j24
atingido o nível das ciências físicas e matemáticas, que,no
nível dos conceitos e leis gerais básicas, conhecemmenor
divergência e as "escolas" sofrem enorme diminui-ção. Além da
teoria econômica capitalista, existe a teoriaeconômica socialista
(embora não se deva esquecer queessa teoria, em última análise, é
um ramo da teoria econô-mica capitalista clássica) e mais
recentemente vem sendoformulada uma teoria do desenvolvimento e do
subdesen-volvimento econômico.Temos, portanto, no seio da ciência
econômica, trêsteorias básicas - a teoria econômica capitalista, a
teo-ria econômica socialista, e a teoria econômica do
desen-volvimento. É indiscutível, porém, que aquela que atin-giu o
mais elevado nível de elaboração teórica, de rigore precisão em
seus enunciados, foi a teoria capitalis-ta. Observe-se que ao
fazermos tal afirmação não estamospretendendo atribuir qualquer
superioridade intrínsecaà teoria econômica capitalista. É fácil
verificar, porém,que a teoria econômica socialista, depois da
genial con-tribuição de MARX, passou por um longo período
deestagnação, na medida em que, de um lado, os aspectospolíticos
ganhavam excessiva importância, e de outro omarxismo, também por
motivos políticos, sofria um pro-cesso de dogmatização. Já a teoria
econômica do desenvol-vimento tem suas limitações baseadas em
quatro fontes:em primeiro lugar, é uma teoria muito recente; em
segun-do, ambiciona cobrir um universo econômico extremamen-te
heterogêneo; em terceiro, deve descrever e prever ocomporta.mento
de agentes econômicos que muito freqüen-temente não agem de forma
racional; e em quarto lugar,baseia-se, sem ter ainda realizado a
necessária crítica, nateoria econômica capitalista.
A teoria econômica dos países desenvolvidos capitalistasou
simplesmente teoria econômica capitalista, tem duaspartes
principais: a microeconomia ou teoria dos preços, ea
macroeconomia.
A microeconomia estuda a determinação dos preços dosbens e dos
fatôres de produção, e distribuição da renda,
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA 19
através dos mecanismos de mercado, através da análise
docomportamento dos consumidores, das emprêsas e dosdemais agentes
econômicos dentro do mercado. É no cam-po da microeconomia que se
estudam a oferta e a procura,a determinação do preço, a teoria do
consumidor com basena teoria da utilidade, os custos de produção, o
equilíbrioda emprêsa na competição perfeita e nos demais tipos
demercado - no monopólio, no oligopólio, e na
competiçãomonopolística - a determinação dos preços dos fatôresde
produção e a sua distribuição em função da produtivi-dade marginal,
e, finalmente, o equilíbrio geral do sistemacapitalista. A
microeconomia é fruto da elaboração da es-cola clássica, da
austríaca e da neoclássica. Se quisermos,todavia, isolar um nome,
será provàvelmente o do econo-mista inglês, de fins do século
passado e comêço dêsteséculo, ALFRED MARSHALL.
Já a macroeconomia, embora muitos autores para elatenham
contribuído, é hoje, fundamentalmente, a econo-mia keynesiana, a
teoria econômica formulada durante agrande depressão dos anos
trinta por JOHN MYNARDKEYNES. Como a microeconomia, a macroeconomia
é umateoria estática, preocupada fundamentalmente com o
equi-líbrio. Seu objeto principal é o estudo dos componentes
_bàsicamente, o consumo e o investimento - do produtonacional e os
seus relacionamentos. Os fatôres de produçãoe a própria renda
nacional são estàticamente consideradoscomo dados, e o problema é
alcançar o equilíbrio atravésdo pleno emprêgo e à plena capacidade.
Entre os princi-pais problemas estudados pela macroeconomia estão
afunção do consumo e a função do investimento, a propen-pensão a
consumir e a propenção marginal a consumir,a poupança, a eficiência
marginal do capital, a preferênciapara a liquidez, a taxa de juro,
o multiplicador dos investi-mentos, e os instrumentos de política
econômica: a polí-tica monetária, a política fiscal e a política de
investimen-tos governamentais.
Em resumo, a microeconomia:
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20 TEORIA ECONOMICA R.A.E.j24
• explica e orienta o comportamento dos agentes econô-micos
dentro do mercado; e
• demonstra a racionalidade do sistema capitalista,desde que
mantidas as condições da concorrênciaperfeita.
A macroeconomia:
• limita o significado e a extensão dessa racionalidade;
• descreve o sistema econômico em têrmos agregados(produto
nacional, investimento e consumo glo-bais); e
• fornece elementos de política econômica destinadosa superar as
limitações da racionalidade do sistemaataravés da intervenção do
govêrno.
Tanto a micro quanto a macroeconomia, não obstante tôdaa sua
aspiração à objetividade e ao desligamento de umsistema normativo
de valôres, na verdade estão pejadasde conteúdo ideológico. Uma
ideologia é um sistema devalôres politicamente orientado. A teoria
econômica dospaíses desenvolvidos, como aliás não poderia deixar
deser, está inteiramente permeada pela ideologia liberal e
ca-pitalista, que dominou o mundo ocidental a partir da emer-gência
da burguesia como classe dominante. Na verdade,a micro e a
macroeconomia fazem parte integrante dessaideologia, para a qual Se
constituem suporte teórico einstrumento de ação. Êste fato foi
visto com tôda a suaclareza por MARX, que o denunciou através de
tôda a suaobra. Na Crítica da Economia Política, em O Capital e
noAnti-Dubring, MARX e ENGELS examinaram êste proble-ma de forma
extensa, em função de sua teoria do materia-lismo histórico. Hoje,
a consciência de que não existe umaciência econômica pura,
desligada de juízos de valor, e,portanto, de sistemas ideológicos,
é um fato corriqueiro.Não só a teoria econômica capitalista, mas
também a teo-ria econômica socialista são vítimas desta
circunstância.O próprio fato de existir uma teoria econômica
capitalista
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA 21
e outra socialista já denuncia o fundamento ideológico deambas.
Não insistiremos sôbre o problema, que aliás foibrilhantemente
estudado por pelo menos dois grandes eco-nomistas não marxistas -
JOANROBINSON,em FilosofiaEconômica, e GUNNARMYRDAL,em Aspectos
Políticos daTeoria Econômice.' Limitar-nos-emos a citar, dêste
último,o seguinte trecho: "A tese geral de que a ciência
econô-mica, para ser científica, devia abster-se de buscar
estabe-lecer normas políticas, foi aceita pelos principais
econo-mistas por mais ou menos cem anos e é hoje um lugar-comum.
Mas a plena significação dêsse postulado aparen-temente não é
percebida de um modo geral, e as doutrinaspolíticas ainda estão
conosco. Foram originàriamente for-muladas por homens que
acreditavam em sua objetivida-de e que tentaram prová-las
cientificamente. Alguns eco-nomistas, hoje, são igualmente
explícitos no seu emprêgode métodos normativos. Mais
freqüentemente, contudo, asnormas são suprimidas e aparecem apenas,
implicitamentenas recomendações políticas específicas
apresentadascomo resultado de análises econômicas"," Em outras
pala-vras, já que não é possível separar a teoria econômica
dasnormas valorativas, importa torná-las explícitas.
UMA CIÊNCIA SOCIAL DESENVOLVIDA
Não obstante seu caráter político, ligado ao interêsse degrupos
e classes sociais, a teoria econômica dos países de-senvolvidos
capitalistas, através de seus dois ramos prin-cipais, a micro e a
macroeconomia,somados à teoria damoeda e do crédito e do comércio
internacional, constitui-se provàvelmente na ciência social que
alcançou maiornível de desenvolvimento e formulação teórica. Sem
dú-vida uma afirmação dêsse tipo é muito discutível. Muitopoderia
ser dito em favor da sociologia ou da psicologia.Mas, mesmo sem
entrarmos pelo caminho infrutífero das
1) Ambos os livros estão publicados em português pela Zahar
Editôres, Riode Janeiro, GB.
2) GUNNAR MYRDAL - Aspectos Políticos da Teoria Econômica; Rio
deJaneiro: Zahl3T Editôres, 1962, pág. 34.
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22 TEORIA ECONôMICA R.A.E.j24
comparações entre ciências, acreditamos, que existem argu-mentos
ponderáveis em favor do que afirmamos.
A teoria econômica dos países desenvolvidos, a microeco-nomia, a
macroeconomia, a teoria da moeda e do créditoe a teoria do comércio
internacional atingiu um alto nívelde sistematização, de forma que
cada uma em separado,e tôdas em conjunto formam um todo
relativamente har-mônico e coerente. A grande maioria das relações
de causae efeito, das leis de caráter descritivo e das leis de
compor-tamento puderam ser reduzidas a modelos precisos, quepodem
ser expressos matemàticamente o que não querdizer que possam ser
provados.
A partir de um dado estágio no desenvolvimento de ciên-cia
econômica clássica, vale dizer capitalista, formou-seuma base que
permitiu o acúmulo de conhecimentos, desdeque se continuasse a
teorizar ao longo dos mesmos pres-supostos. E isto foi o que
realmente aconteceu, pois nãose criou uma mentalidade crítica que
viesse questionar osdados iniciais. A única variante foi a negação
sistemáticaque resultou num outro sistema, ou seja, a economia
socia-lista. Outra evidência do desenvolvimento da ciência
eco-nômica foi a formulação quantitativa da teoria. Por tôdasessas
razões, a capacidade de previsão, e conseqüentemen-te a
operacionalidade dessa teoria tornou-se bastantegrande nos países
desenvolvidos.
Hoje é indiscutível que a teoria econômica é um instru-mento
precioso de intervenção social para os países desen-volvidos
capitalistas. Muitos dêles ainda não se aprovei-tam de tôdas as
suas virtualidades, através do planeja-mento econômico, como o faz
a França; mesmo assim, empaíses como os Estados Unidos, a
Inglaterra ou a Alema-nha, a ciência econômica fornece a todos os
seus agentes e,particularmente, ao govêrno elementos de
extraordináriavalia para a interpretação do que acontece e para a
inter-venção no processo econômico.
Por que a teoria econômica dos países desenvolvidos con-seguiu
êsse caráter sistemático e integrado, esta precisão
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA 23
que a torna redutível a modelos matemáticos, esta unida-de de
pontos de vista sôbre uma série de assuntos básicos,êste alto nível
de quantificação e esta operacionalidade,características que
nenhuma outra ciência social conseguiu,e que tornam a teoria
econômica tão fascinante para todos,inclusive para os economistas
dos países subdesenvolvidos?Há três razões para que isto
aconteça:
• Parte de uma concepção extremamente simplificada danatureza
humana - o bomo economicus.
• Limita-se a uma análise estática do sistema econômico,em que
tôda a ênfase é colocada nos modelos de equilíbrio.
• Simplifica e esquematiza de maneira drástica o mun-do real,
ignorando a estrutura social (como já ignoraraas estruturas
psicológicas individuais ao postular o homoeconomicus) .
Reduz a estrutura econômica às condições de uma econo-mia de
mercado integrada, na qual: 1) mesmo quando nãohá concorrência
perfeita, há outras formas de mercado(monopólio, oligopólio,
concorrência monopolística) e nãoa pura e simples ausência de
mercado; 2) um grande núme-ro de compradores, agindo em têrmos
racionais, comprame vendem artigos razoàvelmente homogêneos e
padroni-zados; 3) há um mercado financeiro atuante, da mesmaforma
que o mercado de fatôres de produção é uma rea-lidade, permitida
inclusive pela perfeita mobilidade dosmesmos fatôres, tudo isso
levando à existência de um preçoúnico no mercado; 4) o produto
nacional é suficientemen-te grande e a sua distribuição em têrmos
de renda sufi-cientemente equitativa de forma a permitir que a
maioriada população participe do mercado; 5) há uma
relativaabundância de fatôres de produção, de forma que o pro-blema
é simplesmente o de promover uma distribuiçãoótima dêsses fatôres
entre os diversos usos; e, finalmente,6) o papel econômico do
govêrno é secundário.
As três características básicas - o homo economicus, aênfase no
equilíbrio estático, e a simplificação do mundo
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24 TEORIA ECONôMICA R.A.E./24
real, que foi reduzido ao mundo econômico e em
seguidaidentificado com uma economia de mercado integrada,
-permitiram o alto desenvolvimento e operacionalidade dateoria
econômica capitalista. Na medida em que se sim-plifiquem as
variáveis em jôgo e se transformem tôdas asvariáveis independentes
menos uma em constantes, é pos-sível desenvolver modelos bem mais
perfeitos. Foi o quefizeram os economistas dos países
desenvolvidos. E desdeque as generalizações, simplificações e
limitações impos-tas à realidade das economias dos países
industrializadosfôssem válidas como provaram ser em suas linhas
mes-tras, êsse método tornava-se perfeitamente legítimo.
[NAPLICAvEL AOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS
Pergunta-se, agora: será essa teoria também aplicável aospaíses
subdesenvolvidos? Na introdução a êste trabalhojá optamos pela
negativa. Esta resposta, todavia, só PO-derá ser considerada
definitiva depois de verificarmos seaquelas características básicas
da teoria econômica capi-talista que acabamos de examinar são
válidas tambémpara os países subdesenvolvidos.
Poderíamos, sem dúvida, invocar argumentos do tipomegister
dixit. Já ENGELSafirmava que "a Economia Po-lítica não pode ser a
mesma para todos os países e paratôdas as épocas históricas"," Ora,
os países subdesenvolvi-dos são muito diferentes dos desenvolvidos
e atravessamuma fase histórica muito diversa. Mais
recentemente,RAULPREBISCHdenuncia a pretendida universalidade
daeconomia capitalista, afirmando: "uma das falhas maisconspícuas
de que padece a teoria econômica geral, con-templada do ponto de
vista da periferia (os países' sub-desenvolvidos, por exemplo) é
seu falso sentido de univer-salidade"." Com isso, sem dúvida,
PREBISH não queria
3) FREDERIC ENGELS - Anti-Duhring, citado em V. B. SINGH, Da
EconomiaPolítica; Rio de Janeiro: Zahar Editôres, 1966, pág.
15.
4) RAÚL PREBISCH - "El desarrollo econômico de la América Latina
y al-gunos de sus principales problemas", EI Trimestre Econômico,
julho-setembro de 1949, pág. 358 e 359.
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R.A.E.j24 TEORIA ECONóMICA 25
negar todo e qualquer sentido universal à teoria econô-mica. Há
sem dúvida uma base comum. Muito do traba-lho dos economistas de
todos os países, após dois séculosde grande desenvolvimento da
ciência econômica, trouxecontribuições decisivas ao conhecimento
humano quenenhum economista de um país subdesenvolvido tem odireito
de ignorar. Mas o problema está em conhecer oponto onde termina o
caráter universal da ciência econô-mica e começam os aspectos
particulares, definidos pelosaspectos regionais e pelos sistemas de
valor. Conformediz CELSOFURTADO,"não acreditamos em ciência
eco-nômica pura, isto é, independente de um conjunto de prin-cípios
de convivência social preestabelecidos, de julgamen-tos de valor.
Alguns dêsses princípios podem tender à uni-versalidade, como a
norma de que 'eibem-estar social deveprevalecer sôbre o interêsse
individual. Contudo, no está-gio em que nos encontramos de grandes
disparidades degraus de desenvolvimento econômico e integração
social- para não falar dos antagonismos que prevalecem comrespeito
aos ideais da convivência social - seria total-mente errôneo
postular para o economista uma equívocaidéia de objetividade,
emprestada às ciências físicas"."
Finalmente, para não estendermos indefinidamente estascitações,
a respeito do problema da validade da teoriaeconômica dos países
desenvolvidos quando aplicada aospaíses subdesenvolvidos,
transcreveremos a opinião de umfamoso economista especializado no
comércio internacio-nal, jACOBVINER, cujas posições são marcadas
por umestrito conservantismo. Afirma êle: "O crescimento
daimportância política e da articulação dos chamados
paísessubdesenvolvidos tornou inaceitável, ao menos para êles,uma
economia cuja tônica, seleção de problemas e formade análise se
produzem somente em têrmos estáticos eunicamente, ou em sua maior
parte, à luz das condiçõese das necessidades dos países mais
avançados industrial-
5) CELSO FURTADO - A Pré-Revolução Bresileira; Rio de Janeiro:
Edi-tôra Fundo de Cultura, 1962, pág. 81.
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26 TEORIA ECONÔMICA R.A.E.j24
mente, socialmente mais estáveis e econômicamente
maisprósperos"."
Poderíamos continuar a trazer mais testemunhos em favorde nossa
tese. Ao invés disto, porém, tentaremos sair dasgeneralidades e
examinar, uma a uma, as característicasda teoria econômica
capitalista que apresentamos acima.Algumas dessas características
são na verdade os pressu-postos da teoria econômica. É o caso do
homo economicus,e da economia de mercado integrada e o seu caráter
está-tico, que se explica em função dos objetivos e necessida-des
do próprio sistema econômico.
o HOMO ECONOMICUS E A TEORIA ECONÔMICA
o homo economicus foi uma solução brilhante encontra-da pelos
economistas clássicos para resolver o problemado fator humano na
teoria econômica. Tôda ciência social,a partir do momento em que
pretende desenvolver umpadrão, um esquema abstrato e 'simplificado
do funciona-mento da sociedade, necessita, previamente de um
modê-10 do comportamento humano, no qual as motivações dossêres
humanos estejam definidas e sejam consideradasconstantes. Em outras
palavras, não é possível descrevere prever o comportamento social,
sem se possuir uma con-cepção anterior da natureza humana, e de
como ela reageaos diversos estímulos do ambiente. Nesses têrmos, a
ciên-cia econômica, na medida em que é antes de mais nadauma
ciência social - a ciência que estuda o comporta-mento humano em
função da produção e distribuição debens e serviços, e da
distribuição da renda assim gerada- tinha também necessidade de uma
concepção básicada natureza humana. Desta evidência para escolha
do.homo economicus como protótipo da ciência econômicafoi um
passo.
O homo economicus é um produto do racionalismo, quea partir do
Século XVI, dominou o mundo ocidental. Na
6) JACOB VINER - Imernetionel Trade and Economia Development;
Oxford:The Clerence Press, 1953, pág. 7.
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R.A.E.j24 TEORIA ECONôMICA 27
grande fraqueza desta concepção da natureza humanaestá, ao mesmo
tempo, sua grande fôrça. O homo econo-micus é um modêlo
extraordinàriamente simplificado, epor isso indefensável do ponto
de vista estritamente cien-tífico, como descrição válida do que
seja o homem e decomo êle se comporta. É o ser absolutamente
racional, queage sempre de forma deliberada, visando a um
únicoobjetivo, a maximização de seus ganhos econômicos. So-ma-se a
isto o fato de que, para atingir seu objetivo, êleé onisciente e
conhece tôdas as oportunidades que lhe sãooferecidas pelo mercado,
de forma que pode sempre esco-lher a alternativa que mais o
favorece. Evidentemente oshomens não são assim, nem sempre são
racionais e deli-berados, muitas vêzes, preferem outros objetivos
que osimples ganho material, e em hipótese alguma são onis-cientes.
Nesses têrmos, a tentativa que realizou a EscolaClássica de
Administração, sob a liderança de TAYLOR eFAY'OL, de adotar o
modêlo do homo economicus, não foibem sucedida. No campo da
Economia, porém, é precisoadmitir que a adoção desta concepção da
natureza huma-na foi extremamente feliz. Com ela pretendia-se
descre-ver o comportamento médio ou o comportamento típicode um
indivíduo produzindo, vendendo e comprando nomercado. Ora, o
comportamento dos homens no merca-do, na produção e distribuição de
bens, tende natural-mente a ser racional, visando a lucros de
maneira delibe-rada. Além disso, na medida em que a onisciência do
agen-te econômico limita-se ao conhecimento dos preços e
qua-lidades dos produtos que são oferecidos, ela não se tornatão
absurda. Finalmente, é preciso não esquecer que êsseagente
econômico - produtor ou consumidor - agindono mercado, é um produto
da civilização ocidental e bur-guesa, da qual assimilou os valôres
fundamentais, entre osquais estão o comportamento racional e a
maximizaçãodos ganhos econômicos, sejam lucros, salários, juros,
oualuguéis. E, se a isto tudo adicionarmos o fato de que ateoria
econômica, mesmo a microeconomia, vale-se da leidos grandes
números, ou seja, da lei segundo a qual, desdeque se esteja
descrevendo o comportamento de um gran-
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2~ TEORIA ECONôMICA R.A.E.j24
de número de sêres, os extremos, as exceções tendem
acompensar-se, concluiremos que, pelo menos para umaprimeira
abordagem e uma descrição mais ampla do sis-tema econômico, a
concepção do homo economicus é umpressuposto válido.
O problema, todavia, não é apenas de o homo economicusser um
pressuposto válido para a teoria econômica. Porsua simplicidade,
foi possível construir tôda a teoriaeconômica com grande precisão e
rigor. Se trabalhás-semos com uma concepção de natureza humana
fluída,instável, complexa, contraditória, seria totalmente
impos-sível construir uma teoria econômica harmônica e
sig-nificativa. Ficaríamos às voltas com um amontoado deteorias
parciais e contraditórias, que limitam decisivamen-te a
operacionalidade dessas ciências como é o caso daSociologia ou da
Administração, que naturalmente nãopodem se contentar, nem para
início de pesquisa e ela-boração teórica, com o homo
economicus.
Mas, será válido o homo economicus também para a teo-ria
econômica dos países subdesenvolvidos? A resposta aesta pergunta
dependerá, fundamentalmente, de duas con-dições: a hegemonia de uma
civilização ocidental utilita-rista e racionalista e da existência
de um mercado inte-grado. Sôbre a segunda condição falaremos logo a
seguir,pois é provàvelmente o pressuposto mais importante dateoria
econômica capitalista. Em relação à primeira con-dição, o que
podemos afirmar é que o processo de desen-volvimento econômico, na
medida em que se identificaem grande parte com industrialização,
tem se definido'como um processo de introdução não só das técnicas
deprodução e distribuição mas também dos valôres e ins-tituições
ocidentais. Desta forma, quanto mais subdesen-volvido um país,
menos se poderá falar em prevalência devalôres ocidentais. Os
países da África Negra, por exem-plo, sofreram uma influência muito
menor da civilizaçãoocidental do que as da América Latina. Além
disso, quan-to maior fôr a solidez e consistência dos valôres e
institui-ções tradicionais, mais difícil será a penetração da
civili-
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R.A.E.j24 TEORIA ECONôMICA 29
zação ocidental. É o caso dos países asiáticos, que somamà mais
profunda pobreza, valôres e instituições seculares.Do ponto de
vista dos valôres prevalentes na sociedade,portanto, temos de
admitir que o homo economicus estálonge de adaptar-se aos países
subdesenvolvidos. Mesmonos países latino-americanos há sérias
restrições ao em-prêgo do pressuposto do homo economicus de forma
in-discriminada. As necessidades de ganho pessoal, de cres-cente
bem estar e do poder e prestígio derivados da ri-queza, são sem
dúvida, em suas linhas gerais, comuns atôda a humanidade. Poderemos
excetuar apenas algumastribos primitivas. Mas a intensidade dessas
necessidadese o seu conceito variam de forma extraordinária. Para
al-gumas civilizações, como a ocidental, o bem estar mate-rial e a
riqueza são objetivos da maior importância, en-quanto em outras
civilizações, altamente influenciadas pordoutrinas ascéticas e
contemplativas, nas quais as opor-tunidades de êxito econômico eram
muito pequenas, comoé o caso da civilização hindu, a importância
dêsses obje-tivos era muito menor. O conceito de bem estar
tambémvaria. Especialmente, é preciso perguntar, qual o grau
delazer considerado ideal para uma determinada sociedade.E não há
dúvida que a maioria dos povos subdesenvolvi-dos, em parte, por
causa também do reduzido número deoportunidades econômicas, dá
importância muito maiorao lazer do que os países desenvolvidos.
A EXISTÊNCIA DE UM MERCADO INTEGRADO
O segundo pressuposto fundamental da teoria econômicados países
desenvolvidos capitalistas é a existência de ummercado integrado.
Sem êsse mercado, em que os preçosse determinam ao sabor da lei da
oferta e da procura, emque produtores e consumidores trocam
incessantementebens e serviços, não é possível pensar-se em teoria
econô-mica capitalista. Já vimos que o próprio conceito do
homoeconomicus só se sustenta na medida em que houver ummercado
integrado. Mas existirá êsse mercado nos paísessubdesenvolvidos? Ao
invés de respondermos a esta per-gunta de forma global, vejamos
cada uma das principais
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30 TEORIA ECONôMICA R.A.E.j24
características dêsse mercado e se são elas existentes nospaíses
subdesenvolvidos.
Todos Participam do Mercado
Para que haja mercado integrado é preciso, antes de maisnada,
que haja um mercado, e que todos ou pelo menosa grande maioria dos
agentes econômicos participe dêle,produzindo para trocar seus
produtos nesse mercado. Ora,é fácil verifícar que nos países
subdesenvolvidos apenasuma minoria participa do mercado de bens
industriais,exceto, naturalmente, tecidos baratos e mais. alguns
pro-dutos industriais de primeira necessidade. No Brasil,
porexemplo, a grande maioria das emprêsas industriais deartigos de
consumo, quando tem que definir seu mercado,define-o como sendo de
aproximadamente um quarto dapopulação do país, mercado êsse
concentrado na região sul,particularmente no Estado de São Paulo, e
nas capitais dosprincipais estados.
No setor agrícola, ou temos grandes latifúndios
auto-sufi-cientes, que produzem pràticamente tudo de que
necessi-tam os que nêles trabalham, além de um excedente
comer-cializável que permite o lucro do proprietário, de formaque
apenas êle participa do mercado, ficando todos 081demais excluídos,
ou então dominam os minifúndios, nosquais os camponeses procuram a
auto-suficiência para evi-tar a exploração dos intermediários. Além
disso, no casodos minifúndios, o camponês não tem grandes
estímulosa participar do mercado em virtude da deficiência
dostransportes e comunicações e das variações dos preços
dosprodutos agrícolas. A êstes fatos, muitos sociólogos,
prin-cipalmente aquêles especializados em mudança social,somam a
ignorância e o espírito tradicional dos campo-neses, que os leva a
não participar do mercado.
Um Sistema de Preços Único
Para que haja um mercado integrado, é fundamental queo sistema
de preços seja único. Os preços das mercadorias,dos salários, dos
juros, da terra, desde que a qualidade
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R.A.E./24 TEORIA ECONóMICA 31
do bem ou serviço em pauta seja idêntica, só variarão emfunção
dos custos de transporte e armazenamento. Ora,evidentemente não é
êste o caso dos países subdesenvol-vidos. A dualidade de suas
economias já foi discutida demaneira exaustiva pelos economistas da
teoria do desen-volvimento. Há sempre um setor tradicional,
constituídoda agricultura de consumo interno e de artesanato
local,e um setor moderno constituído das indústrias e da
agri-cultura capitalista de exportação. Os salários, nesses
doissetores, para serviços exatamente iguais, são muito
dife-rentes, sempre com vantagem para os salários do setormoderno,
que assim desfruta de uma situação de oferta detrabalho irrestrita.
Além disso, as diferenças de salário,entre os salários rurais
tradicionais de trabalhadores nãoespecializados, e o salário de
trabalhadores urbanos semi-especializados e especializados, em
regra, não têm rela-ção com a produtividade marginal dos mesmos.
Comoconseqüência disso, provocam-se também distorções nospreços das
mercadorias, especialmente nos gêneros ali-mentícios. Os preços no
setor tradicional são muito me-nores do que no setor urbano, não
podendo essa diferençaexplicar-se pelos custos normais de
comercialização. Emesmo dentro de cada um dos setores, há
freqüentemen-te diferenças de preço notáveis, determinadas pela
faltade um bom sistema de comunicações.
Mobilidade dos Fatôres de Produção
Esta característica está intimamente ligada à anterior.Por
mobilidade dos fatôres de produção entende-se a ca-pacidade que os
mesmos têm de se deslocar ràpidamentede região ou de setor de
produção, desde que, em outraregião ou setor, os lucros, os
salários, os juros estejammais altos. O único fator de produção que
por definiçãonão é móvel é a terra. Os demais estão sempre se
deslo-cando, à procura das melhores oportunidades de ganho.E assim
se obtém a identidade de preços acima mencio-nada. Ora, a
inexistência de um sistema único de preçosjá implica na
inexistência de uma mobilidade satisfatóriados fatôres de produção,
que permita remunerá-las se-
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32 TEORIA ECONOMICA R.A.E./24
gundo sua produtividade marginal. Os obstáculos a essamobilidade
são de suas ordens. De um lado, temos obstá-culos institucionais. O
trabalhador é, muitas vêzes, apega-do ao local em que nasceu, aos
fortes laços que o ligamà sua família. Sem dúvida, o grande
movimento de migra-ção interna ocorrido no Brasil, do Nordeste para
o Sulé um argumento em oposição ao que estamos afirmando.Mas é
preciso lembrar, nesse caso, dois problemas: de umlado, as
diferenças de salário eram de tal ordem, que eradifícil aos laços
tradicionais segurar o migrante; de outrolado, o Brasil está longe
de poder ser considerado um paíssubdesenvolvido típico, já que uma
região importante deseu território, com centro em São Paulo,
atingiu um nívelconsiderável de produção e diversificação
industrial.
Também em relação ao capitalista, surgem obstáculos àmobilidade.
O industrial, geralmente o pequeno industrial,dos países
subdesenvolvidos, tem uma visão familiar epersonalizada de sua
emprêsa, baseada no fato de quea mesma ainda não atingiu um
suficiente grau de racio-nalização e auto-suficiência
administrativa que a tornerelativamente independente de seu
proprietário. Essavisão, condicionada pelo tamanho reduzido da
emprêsa,é em geral correta. Impede, todavia, a mobilidade do
ca-pital. Quando surgem oportunidades em outra região, oumesmo em
outro setor industrial, o empresário sente-setolhido pela falta de
autonomia de sua própria emprêsa,que exige dêle um tempo integral,
e assim deixa de fazeros investimentos que as condições econômicas
sugerem.
Mercado Financeiro Atuante
Esta é uma condição especialmente importante para
amacroeconomia. Para a microeconomia o sistema mone-tário e
creditício é, sem dúvida, também um pressupostosubjacente. Mas no
caso da macroeconomia, só é possíveltorná-la operacional desde
que:
• haja um mercado financeiro atuante e VIVO;
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R.A.E.;24 TEORIÀ ECONÓMICÀ 33• as taxas de juro sejam
determinadas fundamentalmen-te pelos mecanismos de mercado embora
com a interven-ção da política financeira do govêrno;
• haja um amplo mercado de ações e títulos de crédito,de forma a
permitir aos investidores uma ampla gama deescolha.
Nestes têrmos, os investimentos serão realizados em fun-ção da
eficiência marginal do capital e da taxa de juros.Ora, nos países
subdesenvolvidos, sabemos muito bem queexistem extensas áreas, nos
setores tradicionais da econo-mia, nos quais sequer entrou uma
economia monetária.Estão essas regiões ainda em plena economia de
subsis-tência, de auto-consumo somado a alguma troca em es-pécie. O
sistema monetário, portanto, está longe de estarintegrado. O caso
do crédito é muito mais grave. Além deser muito restrito, dadas as
limitações das instituições fi-nanceiras e o pouco comércio já
existente, é ainda emgrande parte dominado por bancos comerciais e
de desen-volvimento oficiais, cujas taxas de juro não são em
abso-luto determinadas pelo mercado. E quanto ao mercadode ações e
de outros títulos, êste é pràticamente inexis-tente de forma que os
investidores têm à sua disposiçãoum número muito reduzido de
oportunidades de investi-mentos além do seu próprio negócio.
Papel Subsidiário do Govêrno
Êste é o último pressuposto da teoria econômica capitalis-ta que
nos parece importante assinalar. A microeconomiaé fundamentalmente
a teoria econômica do liberalismo,do laissez-faire, e a
macroeconomia keynesiana, apesar dejá preconizar a intervenção do
govêrno, reserva a êste umpapel secundário. O contrôle da economia
será feito bàsi-camente pelas fôrças do mercado. Sendo êste
integrado,com um grande número de produtores e compradores
con-correndo, o contrôle da economia será automático, e aogovêrno
caberá unicamente o papel de espectador que,em determinados
momentos, realiza pequenas interven-ções para corrigir algumas
anomalias.
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34 TEORIA ECONÔMICA R.A.E.j24
Ora, nos países subdesenvolvidos, exatamente pela inexis-tência
de um mercado integrado, como foi visto anterior-mente, cabe ao
govêrno um papel no domínio econômicomuito mais importante. Em
todos os países subdesenvol-vidos em que houve um mínimo de esfôrço
no sentido dodesenvolvimento, o govêrno assumiu imediatamente
umpapel preponderante. Sua intervenção na economia nãoé só através
da política fiscal, creditícia ou financeira. Êleintervém no
próprio sistema de concessão de crédito, atra-vés dos bancos
oficiais, e, principalmente, torna-se respon-sável por
investimentos nos setores principais da econo-mia. No Brasil, por
exemplo, nos últimos anos, mais de60% do investimento anual tem
sido feito pelo Govêrno.Êste, em todos os países subdesenvolvidos,
intervém emsetores como a energia, os transportes, o petróleo, a
mi-neração, a siderurgia, etc., porque é êle o único
agenteeconômico que tem condições para realizar tais
investi-mentos. O resultado disto é que a economia de mercadodos
países subdesenvolvidos fica por mais essa razão com-prometida, na
medida em que o govêrno não age segun-do critérios capitalistas de
maximização dos lucros, alémde ter monopólio da maioria das
atividades a que sededica.
OBJETIVOS DIVERSOS
Não bastasse o fato de que os dois pressupostos funda-mentais da
análise econômica capitalista - a concepçãoda natureza humana em
têrmos de homo economicus ea existência de um mercado integrado -
não são válidostotal ou parcialmente nos países subdesenvolvidos,
temosainda a considerar que o próprio objetivo da teoria econô-mica
capitalista e tôda a forma de abordagem dos pro-blemas decorrente
dêsse objetivo conflitam-se com osobjetivos de uma teoria econômica
para os países subde-senvolvidos.
O objetivo fundamental de tôda a análise econômica
érigorosamente o equilíbrio, seja a curto prazo, ou a longoprazo.
Sem dúvida, em cada caso o conceito de equilíbrio
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA 35
pode ser diverso, todavia, conquanto não conflitante, ésempre um
conceito estático. Para a análise microeconô-mica o equilíbrio
identifica-se com a maximização doslucros da emprêsa, ou a
maximização da utilidade do con-sumidor. Para a macroeconomia, o
equilíbrio ocorre quan-do há o pleno emprêgo. O desenvolvimento
econômico,para a microeconomia, é uma decorrência do equilíbriona
concorrência perfeita, e os conhecedores da teoria dospreços sabem
a que nível de abstração, de alienação mes-mo da realidade, é
preciso chegar, para atingir-se o equi-líbrio da concorrência
perfeita. Para a macroeconomia, odesenvolvimento será função do
pleno emprêgo. De acôr-do com a teoria keynesiana, em face às
características par-ticulares da função. consumo, há sempre na
economia dospaíses uma tendência à depressão, ao desemprêgo,
queterá de ser contrabalançada pela política econômica
dogovêrno.
Portanto, o desenvolvimento é tratado em têrmos implí-citos,quer
na micro quer na macroeconomia. A análise éestática, e o objetivo é
o equilíbrio. O pressuposto é o deque os fatôres de produção são
abundantes e que todo oproblema econômico é o de bem aplicar êsses
fatôres. Aaplicação dos recursos, the resource allocation,
transfor-ma-se no problema fundamental de tôda teoria
econômica.
Ora, a teoria econômica de que necessitam os países
sub-desenvolvidos evidentemente não pode partir de tal
pres-suposto, e muito menos pode ter semelhante objetivo. Ateoria
econômica do desenvolvimento parte exatamentedo pressuposto, ou
melhor da verificação oposta - a deque os recursos econômicos e os
fatôres de produção sãoescassos.
E, verdadeiramente, tal ocorre nos países subdesenvolvi-dos por
razões:
• naturais - terras áridas, subsolos pobres, dificulda-des
naturais de transportes, climas inadequados, etc.;• econômicas -
poupança reduzida e conseqüente baixacapacidade de investimento,
relações comerciais internacio-
e
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36 TEORIA ECONôMICA R.A.E./24
nais desvantajosas, sistema educacional inadequado e
insu-ficiente, mão-de-obra desqualificada, pesquisa de
recursosnaturais incompleta, distribuição excessivamente
desequi-librada da terra e da renda, poucas oportunidades de
inves-timentos lucrativos, etc.;
• institucionais - colonialísmo, estrutura social
rígida,dificultando a mobilidade social, sistemas de privilégios
tra-dicionais ou legais, existência de uma aristocracia de
senho-res de terra desinteressada no desenvolvimento, domíniodo
país por uma tecnocracia alienada da realidade prática;existência
de crenças que dificultam o desenvolvimento,como as vacas sagradas
da Índia, baixo índice de espíritoempresarial, etc.
Por outro lado, o objetivo fundamental da teoria econô-mica do
desenvolvimento é, como seu próprio nome o in-dica, não equilíbrio
mas promoção do desenvolvimentoeconômico. Resulta daí que a sua
principal preocupaçãonão será a de aplicar recursos abundantes de
forma ótima,mas, criar previamente condições para que surjam
recur-sos econômicos. Muitos recursos poderão existir em esta-do
latente. Modificações de ordem institucional, o uso deuma nova
tecnologia adaptada às condições existentes,podem fazer com que
êsses recursos se transformem emfatôres de produção efetivos. Em
seguida, surgirá semdúvida, a necessidade de se preocupar com a
aplicaçãoótima dos recursos, mas, dada a inexistência de um
mer-cado integrado e de um homo economicus, os princípiosque
orientarão a aplicação dos recursos serão necessària-mente
diversos.
CONCLUSÃO
Pela evidência dêsses fatos, somos levados a concluir quea
teoria econômica dos países desenvolvidos não se aplicaaos países
subdesenvolvidos. E, mais do que isso, levadosa concluir que as
condições existentes nos países desen-volvidos e subdesenvolvidos
são de tal forma diferentes,que não bastam adaptações da teoria
econômica para que
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA 37
a mesma se torne válida para os países subdesenvolvidos.Ao
invés, temos necessidade de uma teoria econômica
dosubdesenvolvimento e do desenvolvimento que seja au-tônoma,
sistemática e integrada.
Teríamos assim, de um lado, a Teoria Econômica dosPaíses
Desenvolvidos Capitalistas e a Teoria Econômi-ca dos Países
Desenvolvidos Socialistas, e de outro, a Teo-ria Econômica dos
Países Subdesenvolvidos. Esta teoriaeconômica também pode
subdividir-se de acôrdo com o ca-ráter socialista ou capitalista
das economias subdesenvol-vidas. Mas imaginamos, aqui, não terem as
distinções tantaimportância quanto no caso da Teoria Econômica
dosPaíses Desenvolvidos, porque, provàvelmente, uma solu-ção
capitalista para os países desenvolvidos teria de im-plicar em uma
ampla dose de planejamento econômico econtrôle direto do Estado
sôbre a economia, quanto umasolução de caráter socialista seria
levada a deixar umaampla margem para a iniciativa particular na
agricultura,no comércio interno, na pequena indústria e no setor
deserviços pessoais.
Estará essa Teoria Econômica dos Países Subdesenvol-vidos sendo
formulada? Sem dúvida, grandes esforçostêm sido feitos nesse
sentido, especialmente a partirdo fim da Segunda Guerra Mundial. Em
verdade, o desen-volvimento econômico tornou-se, aproximadamente a
par-tir dessa época, não só o grande problema político de tôdaa
humanidade, à medida em que a grande maioria subde-senvolvida da
população mundial despertava para a lutapelo desenvolvimento, bem
como o grande tema de indaga-ção dos economistas contemporâneos.
Ainda não há, porém,uma Teoria Econômica dos Países
Subdesenvolvidos, e suaconsolidação ainda parece remota. Conforme
observam comgrande clareza os dois economistas chilenos,
ANIBALPINTOe OSVALDOSUNKEL,{tateoria do desenvolvimento -
comomostra claramente uma vista de olhos a qualquer livrodidático
sôbre o tema - não consiste senão numa estranhamistura de
generalizações econômicas e proposiçõespseudo-sociológicas, uma
mescla de elementos de análise
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TEORIA ECONôMICA R.A.E.f24
de curto prazo e de enforques dinâmicos e estáticos, devárias
doutrinas e escolas de pensamento, etc..Muito poucofoi dito, na
realidade, para reformular sistemàticamentea teoria econômica sôbre
a base da mudança dos pressu-postos e à consideração de novos
elementos que a reali-dade exige dos países pouco
desenvolvidos"."
Não pretendemos discutir agora, em profundidade, as ra-zões de
não existir ainda um Teoria Econômica dos PaísesSubdesenvolvidos.
Há muito pouco, começou-se a pensarsôbre o assunto. A maioria dos
economistas que vêm es-tudando o problema vivem nos países
desenvolvidos, oque leva a ter, geralmente, uma visão alienada de
realidadedos países subdesenvolvidos. Além disso, tanto êles
quantoos economistas dos países subdesenvolvidos, partiram sem-pre
do pressuposto de que o necessário era adaptar a teoriaeconômica
aos países subdesenvolvidos, quando na verdade,como vimos através
dêste trabalho, o que se impõe é umareformulação da teoria
econômica. Por outro lado, esta"realidade" dos países
subdesenvolvidos à qual nos refe-rimos acima é extremamente
ilusória e indefinida. As di-ferenças entre os países
subdesenvolvidos, não só em têrmosde graus de subdesenvolvimento,
mas também em têrmosda própria tipologia do subdesenvolvimento, são
enormes.Nesses têrmos, não há dúvida de que a tarefa de refor-mular
a teoria econômica, visando a construir-se uma Te-oria Econômica
dos Países Subdesenvolvidos, será umatarefa extremamente
difícil.
Embora difícil, é todavia, uma tarefa imprescindível.
Nestetrabalho procuramos mostrar essa necessidade, através
dademonstração de que a Teoria Econômica dos Países De-senvolvidos
não se aplica aos países subdesenvolvidos. Porum lado, a
inadequação é o grande argumento a favor daformulação de uma teoria
econômica para os países sub-desenvolvidos. Por outro, é ela o
ponto de partida neces-sário e fundamental para que essa
reformulação possa ter
7) ANIBAL PIN'I'.O e OSVALDOSUNKEL - "Economistas
Latino-Americanosnos Países Desenvolvidos", Revista Civilização
Bresileira, n.? 8, julho de1966, pág. 119.
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R.A.E./24 TEORIA ECONôMICA39
êxito. Enquanto se pensar que para a construção de umateoria do
desenvolvimento dever-se-á simplesmente adap-tar à análise
econômica existente, nada de útil poderá serfeito.Sem dúvida, nos
países subdesenvolvidos deveremos con-tinuar a estudar a teoria
econômica dos países desenvol-vidos. O estudo da micro e da
macroeconomia continuambásicos para a formação de qualquer economia
de um paíssubdesenvolvido. Ninguém poderá pretender ser um
eco-nomista ou afirmar conhecer economia, sem ter uma visãobastante
clara da análise econômica dos países desenvol-vidos. Será perda de
tempo, porém, preocupar-se com osrefinamentos dessa teoria, os
quais, embora possam cons-tituir-se em um fascinante exercício
mental, pouco contri-buirão para o objetivo fundamental, que é o da
formulaçãode uma teoria econômica para os países
subdesenvolvidos.
Quando estávamos concluindo êste artigo, chegou-nos àsmãos o
último número da Revista Brasileira de Economia,no qual WERNER BAER
escreveu um artigo sôbre o mesmoproblema que estamos analisando."
Nesse trabalho o autorclassificou com grande inteligência os
economistas brasi-leiros em dois tipos, revisionistas e
tradicionalistas, e depoisadotou a solução cômoda de optar por uma
posição inter-mediária. Examinando o problema, já amplamente
deba-tido, da aplicabilidade da Teoria do ComércioInternacionalaos
países subdesenvolvidos, concluiu que ao invés de re-jeitar ou
aderir inteiramente a tal teoria, o que se deveriafazer é
ampliá-la, dinamizá-la. Estamos de pleno acôrdo.Apenas acreditamos
que para dinamizá-la e ampliá-la se-ria realmente necessário
reformular essa teoria. Não nosdetemos no problema da Teoria do
Comércio Internacio-nal neste artigo porque nos parece que sua
inaplicabilidadeaos países subdesenvolvidos ficou de tal forma
compro-vada, que seria inútil insistir sôbre o assunto.
Preferimosexaminar com mais cuidado as próprias bases da teoria
8) WERNER BAER _ "On the Relevance of Traditional Analytical
Tools inStudying Brazilian Economic problems", Revista Brasileira
de Economia,junho-setembro de 1966, págs. 7 a 16.
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40 TEORIA ECONOMICA R.A.E';24
econômica, a micro e a macroeconomia. Por isto, dentroda análise
do Prof. BAER, enquadramo-nos entre os revisio-nistas, embora
obviamente não de acôrdo com uma sériede posições que aos mesmos
foram atribuídas, e que real-mente não se sustentam do ponto de
vista econômico. Naverdade, não acreditamos que possa haver
economistasneutros em. relação ao problema. É possível apenas
sermais ou menos radical em suas posições ortodoxas ou
re-visionistas.
Nossa posição é de um revisionismo sem extremos. Dentrodêsse
prisma cabe aos economistas dos países subdesen-volvidos uma série
de tarefas altamente necessárias:
• É preciso denunciar a inaplicabilidade da teoria econô-mica.
Isto só poderá ser feito, porém, depois de um cuidado-so estudo da
mesma.
• Estudar e tentar aplicar os modelos já existentes, quevêm
sendo construídos pela teoria do desenvolvimento,ainda que os
mesmos não tenham a mesma fascinante pre-cisão da teoria
ortodoxa.
• Desenvolver a pesquisa de campo, bem como aperfei-çoar os
processos de levantamentos estatísticos nos paísessubdesenvolvidos,
e com base nos dados assim levantados,usar da imaginação - uma
qualidade essencial para qual-quer economista - para contribuir no
esfôrço de reformu-lação sistemática da teoria econômica, tendo em
vista ascaracterísticas e necessidades .específicas dos países
sub-desenvolvidos.
Nessa reformulação, o que houver de universal na teoriaeconômica
deverá sem dúvida ser mantido. Mas todo osistema e cada um dos seus
aspectos particulares deverápassar por uma análise crítica
completa.