A SUBJETIVIDADE DOS VALORES
J. L. Mackie
1. Ceticismo moral
No h valores objetivos. Essa a crua enunciao da tese deste
captulo. No obstante, antes de argumentar em sua defesa, tentarei
esclarec-la e restringi-la de maneiras que possam enfrentar certas
objees e evitar alguns mal-entendidos.
A enunciao dessa tese est sujeita a provocar uma dentre trs
reaes muito diferentes. Alguns pensaro que ela no apenas falsa, mas
tambm perniciosa. Eles v-la-o como uma ameaa moralidade e a tudo o
mais que tenha valor; alm disso, entendero ser paradoxal ou at
ultrajante a apresentao de tal tese naquilo que se apresenta como
um livro de tica. Outros v-la-o como uma verdade trivial, quase
bvia demais para que valha a pena mencion-la e, com certeza, ch em
demasia para muita discusso. Outros, por sua vez, diro que ela
carente de sentido ou vazia, [ou seja] que nenhum problema real
colocado a partir da questo de se valores so ou no partes da
tessitura do mundo. Porm, precisamente porque trs diferentes reaes
podem acontecer, h muito mais a ser dito.
A assero de que valores no so objetivos, de que no fazem parte
da tessitura do mundo, pretende incluir no apenas a bondade moral,
que pode ser equacionada com o valor moral de modo bastante
espontneo, mas tambm outras coisas que, de maneira mais ampla,
poderiam ser chamadas de valor ou antivalor moral: certo e errado,
dever, obrigao, o carter detestvel e desprezvel de uma ao, e assim
por diante. [Tal assero] tambm inclui valores no-morais,
nomeadamente os estticos: beleza e vrios tipos de mrito artstico.
Estes eu no discutirei explicitamente, mas claro que as mesmas
consideraes se aplicam aos valores estticos e morais e que haveria,
no mnimo e j de incio, pouca plausibilidade na tese que conferisse
a um deles status diferente do outro.
Tendo em vista que estou primordialmente interessado em valores
morais, a minha viso pode ser chamada de ceticismo moral. Esta
designao, entretanto, provavelmente corre o risco de ser
mal-entendida: [a expresso] "ceticismo moral" pode ser empregada
como designao para qualquer uma dentre as duas vises de primeira
ordem, ou, quem sabe, para alguma mistura incoerente das duas. Um
ctico moral pode ser o tipo de pessoa que diz "Toda essa conversa
sobre moralidade tolice", que rejeita a moralidade e a ignora. Tal
pessoa, literalmente, pode estar rejeitando todos os juzos morais.
mais provvel que ela formule juzos morais por conta prpria,
expressando uma condenao moral positiva de tudo aquilo que,
convencionalmente, passe por moralidade; ou ele pode estar
confundindo essas duas vises logicamente incompatveis, afirmando
que rejeita toda a moralidade, quando, na verdade, ele recusa
to-somente aquela moralidade particular corrente na sociedade na
qual ele tenha crescido. Presentemente, porm, no estou interessado
nos mritos ou nas falhas de tal posio. Essas vises morais so de
primeira ordem, sejam positivas ou negativas. A pessoa que adotar
qualquer uma dentre as duas estar assumindo uma certa posio prtica,
normativa. Ao contrrio, o que estou discutindo uma viso de segunda
ordem, uma posio a respeito do status dos valores morais, da
natureza da valorao moral, de onde e como eles se ajustam ao mundo.
Essas vises de primeira e segunda ordem no so apenas distintas, mas
tambm completamente independentes: Algum pode ser ctico moral de
segunda ordem, sem que o seja com respeito primeira ordem, ou ao
contrrio. Um indivduo poderia ter convices morais fortes cujos
contedos fossem na verdade inteiramente convencionais, ao acreditar
que estes seriam simplesmente posies e polticas relativas conduta
emitida por ele ou por outros. De forma recproca, um indivduo
poderia rejeitar toda a moralidade estabelecida, na crena de que
seria uma verdade objetiva que ela fosse m ou corrompida.
Relativamente a outro tipo de mal-entendido, o ceticismo moral
no pareceria to pernicioso quanto absurdo. Como poderia algum negar
que exista uma diferena entre uma ao bondosa e outra cruel, ou que
o covarde e o corajoso se comportem diferentemente em face do
perigo? Com certeza, isso inegvel, mas o ponto no esse. Os tipos de
comportamento com respeito aos quais atribuem-se valores e
antivalores morais so, de fato, partes do mobilirio do mundo, assim
como o so tambm as diferenas naturais, descritivas existentes entre
eles. um fato duro da realidade a existncia de diferenas entre aes
cruis e bondosas, de maneira que podemos aprender, como realmente
aprendemos, a bem distinguir na prtica umas das outras, assim como
a usar as palavras "cruel" e "bondoso" com significados descritivos
razoavelmente claros. Mas ser um fato da realidade igualmente duro
que aes cruis nessa acepo descritiva devam ser condenadas? A
presente questo diz respeito especificamente objetividade do valor
e no objetividade das diferenas naturais, factuais, sobre cujas
bases valores diferentes so atribudos.
2. Subjetivismo
Uma palavra usada como alternativa a "ceticismo moral" para
descrever a viso que ora discuto "subjetivismo". Esta ltima,
entretanto, tem igualmente vrios significados. Subjetivismo moral
tambm poderia ser uma viso normativa de primeira ordem, segundo a
qual cada indivduo deve fazer o que achar que deva. Isto ,
simplesmente, uma viso (sistemtica) de primeira ordem. Aps um exame
adequado, tal viso logo deixa de ser plausvel, mas isso vai alm do
ponto, porquanto a viso bastante independente da tese de segunda
ordem ora sob considerao. Mais confuso ainda o fato de diferentes
teorias de segunda ordem disputarem entre si a designao
"subjetivismo". Vrias dentre elas so doutrinas sobre o significado
de termos e enunciados morais. Freqentemente, o que chamado de
"subjetivismo" , por exemplo, a doutrina segundo a qual "Esta ao
est certa" significa "Eu aprovo esta ao". De maneira mais geral, [
a doutrina de que] juzos morais seriam equivalentes a relatrios
sobre os sentimentos ou posies do prprio falante. Porm, a viso ora
discutida deve ser diferenciada de doutrinas desse tipo em dois
aspectos cruciais. Em primeiro lugar, o que eu chamei de ceticismo
moral uma doutrina negativa, e no positiva. Ela fala sobre o que no
existe, e no sobre o que existe. Ela afirma que no existem
entidades ou relaes de certo tipo, valores ou exigncias objetivas,
em cuja existncia muita gente acreditou. Com certeza, o ctico moral
no pode deixar o assunto tal como est. Se a sua posio for plausvel,
cabe-lhe explicar como outras pessoas caram naquilo que ele diz ser
um erro. Tal explicao deve conter algumas sugestes positivas sobre
como valores falham quanto a serem objetivos, que equvoco ocorreu,
ou sobre o que conduziu a falsas crenas a respeito da objetividade
de valores. Isto, porm, ser o desenvolvimento da sua teoria, no o
seu ncleo, que a negao. Em segundo lugar, o que chamei de ceticismo
moral uma teoria ontolgica, no lingstica ou conceptual. Ao contrrio
da doutrina freqentemente chamada de subjetivismo moral, [a
presente viso] nada tem a ver com o significado de enunciados
morais. Repetindo, por segurana: Se [a presente viso] for plausvel,
ela dever fornecer alguma explicao para os seus significados; eu
direi algo sobre isso na seco 7 deste captulo [] Porm, isso ser o
desenvolvimento da teoria, no o seu ncleo.
Na verdade, aqueles que aceitaram o subjetivismo moral, ou seja,
a doutrina da equivalncia entre juzos morais e relatrios dos
sentimentos e tomadas de posio do prprio falante, usualmente
pressupuseram o que estou chamando de ceticismo moral. Eles
assumiram que no existem valores objetivos. Em virtude disso,
procuraram em outra parte por uma anlise do que os enunciados
morais possam significar e se fixaram nos relatrios subjetivos. De
fato, se todos os nossos juzos morais fossem relatrios subjetivos
do citado tipo, seguir-se-ia que no h valores morais subjetivos, ao
menos na medida em que estamos cientes. Se estivssemos cientes a
respeito deles, diramos algo a seu respeito. Nesse sentido, tal
tipo de subjetivismo implica ceticismo moral. Mas a implicao
conversa no vlida. A negao da existncia de valores objetivos no
leva ningum a admitir nenhuma viso especial sobre o significado de
enunciados morais. Seguramente, tampouco leva algum a admitir a
viso de que tais enunciados equivalem a relatrios subjetivos. No h
dvida de que, num sentido lato, se valores morais no forem
objetivos, eles sero subjetivos. Por essa razo, eu aceitaria
"subjetivismo moral" como nome alternativo para "ceticismo moral".
Porm, neste sentido lato, deve-se distinguir entre subjetivismo e a
doutrina sobre significado referida mais atrs. Nenhum desses nomes
inteiramente satisfatrio: Ns devemos apenas estar atentos contra as
(diferentes) interpretaes equivocadas que cada um deles pode
sugerir.
3. A multiplicidade de questes de segunda ordem
As distines feitas nas duas ltimas seces repousam no apenas
sobre diferenas bem conhecidas e, geralmente, reconhecidas entre
questes de primeira e de segunda ordem, mas tambm sobre a assero
mais controversa de que existiriam diversos tipos de questes morais
de segunda ordem. As mais mencionadas so questes a respeito do
significado e do uso de termos ticos, ou da anlise de conceitos
ticos. Com tais questes vo outras a propsito da lgica de enunciados
morais. Podem existir modelos especiais de argumento moral,
autorizados, talvez, por aspectos dos significados dos termos
morais. Por exemplo, pode ser parte do significado destes ltimos
que eles sejam universalizveis. Mas, em contraste com questes
lingsticas ou conceptuais, tambm h perguntas ontolgicas sobre a
natureza e o status do bem, da justia, ou sobre o que quer que seja
o objeto distinto de enunciados morais de primeira ordem. Estas so
questes de anlise factual, no conceptual. O problema do que seja o
bem no pode ser colocado, conclusiva ou exaustivamente, em se
encontrando o que a palavra "bem" signifique, ou o que seja usado
convencionalmente para se falar a respeito.
A filosofia recente, cujo vezo inclinar-se na direo de diversas
formas de investigao lingstica, tende a duvidar disso, mas a
distino entre as anlises conceptual e factual em tica pode ser
apoiada por analogias com outras reas. O problema do que seja a
percepo, do que acontea quando algum percebe algo, no resolvido
adequadamente quando se descobre o que "ver" e "ouvir" signifiquem,
ou o que algum esteja fazendo ao dizer "Eu percebo". Vale dizer, [o
problema no resolvido] por meio de anlise de qualquer conceito de
percepo, por mais completa e cuidadosa que ela seja. Existe uma
analogia ainda mais prxima relativamente a cores. Robert Boyle e
John Locke chamaram-nas de "qualidades secundrias", querendo dizer
que cores, tal como ocorrem nas coisas materiais, consistem apenas
em padres de organizao e movimento de minsculas partculas na
superfcie dos objetos. Como diramos hoje, isso levaria estes ltimos
a refletir luz de certas freqncias melhor do que de outras,
produzindo sensaes de cor em ns. Tais cores, porm, como ns as
vemos, no pertenceriam literalmente s superfcies das coisas
materiais. Mas no descobrindo como ns usamos palavras relativas a
cores e o seu significado que saberemos se Boyle e Locke estavam
certos a respeito desse assunto. O realismo ingnuo poderia oferecer
no apenas a anlise correta dos nossos conceitos pr-cientficos de
cor, mas tambm dos significados convencionais das mencionadas
palavras e at mesmo dos significados com os quais pessoas
cientificamente sofisticadas as usam em situaes informais. Mesmo
assim, isso poderia no ser uma explicao correta do status das
cores.
Poderia resultar em erro a falha em se distinguir entre as
anlises factual e conceptual com respeito a cores, ou seja, em se
tomar uma explicao sobre os significados de um enunciado como se
fosse uma explicao completa de tudo o que h. Na filosofia moral
existe um erro similar ou, na prtica, at maior. H tambm uma outra
razo por que seria um erro concentrar em questes sobre significado
as discusses ticas de segunda ordem. Quanto mais os filsofos
trabalham sobre questes de significado, na tica ou em outras reas,
tanto mais complicaes vm luz. Por enquanto, est bastante claro que
no estar correta nenhuma explicao simples dos significados de
asseres da moral de primeira ordem, mesmo em se tratando de
abranger adequadamente os sentidos convencionais padronizados dos
principais termos morais. No obstante, eu penso que existe uma
questo relativamente bem delimitada sobre a objetividade dos
valores morais, que corre o risco de se perder em meio s complicaes
a respeito do significado.
4. a objetividade um problema genuno?
Tem-se, todavia, duvidado que haja aqui um genuno problema. Devo
admitir que esta uma questo um tanto fora de moda. No quero dizer
meramente que ela foi levantada por Hume, que afirmou "O vcio
escapa-te por completo [] at que tu voltes tuas reflexes em direo
ao teu prprio peito," e antes dele por Hobbes, e muito antes disto
por alguns dos sofistas gregos. Quero mais dizer que foi discutida
com vigor nas dcadas de 1930 e 1940, mas desde essa poca recebeu
ateno bem menor. No porque foi resolvida ou porque se tenha chegado
a um acordo; pelo contrrio, parece que foi educadamente
engavetada.
Mas houve em algum momento um genuno problema? R. M. Hare disse
no captar o que se quer dizer com "a objetividade dos valores", e
que nunca encontrou algum que o captasse. Todos ns sabemos como
reconhecer a atividade chamada "dizer, pensando ser assim, que
algum ato errado", e ele pensa que a esta atividade a qual se
referem tanto o subjetivista quanto o objetivista, apesar de um
falar de "uma atitude de desaprovao" e o outro, de "uma intuio
moral". So apenas nomes diferentes para uma mesma coisa. verdade
que, se uma pessoa diz que certo ato errado e outra diz que no o ,
o objetivista afirmar que elas esto se contradizendo; mas isto no
produz qualquer discriminao significativa entre objetivismo e
subjetivismo, pois o subjetivista tambm admitir que a segunda
pessoa esteja negando o que a primeira disse, e Hare no v diferena
entre contradizer e negar. Novamente, o objetivista dir que um dos
dois deve estar errado; mas Hare argumenta que dizer que em si
errado o juzo de que certo ato est errado meramente negar tal juzo,
e o subjetivista tambm deve negar um ou outro dos dois juzos, de
forma que ainda no emergiu uma diferena clara entre objetivismo e
subjetivismo. Assim ele resume seu argumento:
Pense em um mundo em cujas tessituras valores estejam
objetivamente inseridos; e pense em outro no qual valores tenham
sido aniquilados. E lembre-se que, nos dois mundos, as pessoas
continuam a preocupar-se com as mesmas coisas no h diferena na
preocupao "subjetiva" que as pessoas tm pelas coisas, mas somente
em seus valores "objetivos". Agora pergunto, "Qual a diferena entre
os estados de coisas nestes dois mundos?" Pode ser dada outra
resposta, salvo "Absolutamente nenhuma"?
Assim, bem verdadeiro que seja logicamente possvel que a
preocupao subjetiva, a atividade de valorar ou de pensar coisas
erradas, deva seguir pelo mesmo caminho, quer existam valores
objetivos, quer no. Mas dizer isto s repetir que h uma distino
lgica entre ticas de primeira e de segunda ordem: Juzos de primeira
ordem no so necessariamente afetados pela verdade ou falsidade de
uma viso de segunda ordem. Mas disso no se segue, nem verdade, que
no haja qualquer diferena entre estes dois mundos. Em um, h algo
que d suporte e valida algumas das preocupaes subjetivas que as
pessoas tm pelas coisas; no outro, no h. O argumento de Hare
semelhante afirmao positivista de que no h diferena entre um mundo
fenomenista ou berkeleyano, onde h apenas mentes e suas idias, e um
realista de senso comum, no qual haja tambm coisas materiais,
porque logicamente possvel que as pessoas devam ter as mesmas
experincias em ambos. Se ns rejeitarmos o positivismo, que tornaria
a disputa entre realistas e fenomenistas numa pseudo-questo,
podemos rejeitar a recusa do problema da objetividade dos valores,
representada por Hare de modo similar.
Em qualquer caso, Hare minimizou a diferena entre seus dois
mundos ao considerar apenas a situao na qual as pessoas j tm esta
mesma preocupao subjetiva; mais diferenas vm luz se considerarmos
como a preocupao subjetiva obtida ou alterada. Se houvesse algo na
tessitura do mundo que validasse certos tipos de preocupao, ento
seria possvel desenvolver estes ltimos meramente ao se descobrir
algo, ao se deixar que o pensamento de um indivduo seja controlado
pelo modo como as coisas so. Mas no mundo no qual os valores
objetivos tenham sido aniquilados, o desenvolvimento de alguma nova
preocupao subjetiva indica a ocorrncia de algo novo no lado
emocional da pessoa que a desenvolve, algo que os escritores do
sculo dezoito colocariam sob o ttulo de paixo ou de
sentimentos.
A questo da objetividade de valores, contudo, precisa, ser
diferenciada de outras com as quais ela pode ser confundida. Dizer
que h valores objetivos no seria meramente dizer que haja algumas
coisas valorizadas por todos, nem que aquilo acarrete isto. Poderia
haver acordo na valorao, mesmo se esta apenas algo que as pessoas
fazem, mesmo se tal atividade no mais validada. A concordncia
subjetiva teria como resultado valores intersubjetivos, mas
intersubjetividade no objetividade. Tampouco objetividade o mesmo
que universabilidade. Algum poderia estar bem disposto a
universalizar seus juzos ou louvores prescritivos, isto , [poderia
estar disposto a] prescrever e louvar precisamente das mesmas
maneiras, em todos os casos relevantemente semelhantes. No
obstante, ele poderia reconhecer que tais prescries e louvores
seriam to-somente suas atividades, e nada alm disso. Obviamente, se
existissem valores objetivos, eles pertenceriam presumivelmente a
tipos de coisas ou aes ou estados de coisas, de forma que os juzos
que sobre eles relatassem seriam universalizveis; mas a recproca no
se aplica.
Deve ser feita uma diferenciao mais sutil entre objetivismo e
descritivismo. O descritivismo uma doutrina sobre os significados
de termos e enunciados ticos, doutrina essa segundo a qual tais
significados seriam puramente descritivos, ao invs de parcialmente
prescritivos, emotivos, ou valorativos. [Segundo o descritivismo,]
tampouco seria um trao do significado convencional dos enunciados
morais que eles tivessem alguma fora ilocutria especial, de
recomendao mais do que de enunciao. Isso contrasta com a viso de
que a recomendao , em princpio, diferenvel da descrio (por mais
difcil que seja separ-los na prtica) e de que os enunciados morais
tenham ao menos como parte de seus significados [a caracterstica]
de serem recomendaes e, portanto, em alguns usos, seriam
intrinsecamente guias de aes. Mas o significado descritivo no
acarreta nem acarretado pela objetividade. O idealismo subjetivo de
Berkeley sobre objetos materiais seria bastante compatvel com a
admisso da tese de que enunciados sobre objetos materiais tm
significado meramente descritivo. De maneira conversa, a principal
tradio da filosofia moral europia de Plato em diante combinou a
viso de que os valores morais sejam objetivos com o reconhecimento
de que os enunciados morais sejam parcialmente prescritivos, ou
diretivos, ou direcionadores de aes. Os prprios valores foram
vistos como prescritivos e objetivos ao mesmo tempo. Na teoria das
Formas de Plato e, em particular, na Forma do Bem, [as Formas] so
realidades eternas, extra-mentais. So um elemento central,
estrutural, na tessitura do mundo. Mas tambm se mantm a tese de que
s as conhecer ou "ver" no ir, simplesmente, dizer aos homens o que
fazer, mas garantir que eles o faam, superando qualquer inclinao
contrria. Aos reis-filsofos da Repblica, pensa Plato, pode-se
confiar poderes irrestritos porque a sua educao lhes daria o
conhecimento das Formas. Uma vez familiarizados com as Formas do
Bem, da Justia, do Belo e com as demais, eles iriam, somente por
este conhecimento, sem qualquer outra motivao, ser impelidos a
perseguir e promover tais ideais. De forma semelhante, Kant
acredita que a razo pura, em si, possa ser prtica, apesar de ele no
se dizer capaz de explicar como isso pode ser assim. Nessa direo,
Sidgwick afirma que se tiver de existir uma cincia da tica e ele
assume que possa haver, pois define tica como "a cincia da conduta"
[ento] aquilo que deve ser (ought to be) "tem de ter existncia
objetiva num outro sentido: deve ser um objeto do conhecimento e,
como tal, o mesmo para todas as mentes"; mas ele diz que as
afirmaes desta cincia "so tambm preceitos", e ele fala da
felicidade como "um fim absolutamente prescrito pela razo". Uma vez
que muitos filsofos defenderam a posio de que valores so
objetivamente prescritivos, claro que a doutrina ontolgica do
objetivismo deve ser diferenciada da do descritivismo, uma teoria
sobre o significado.
Mas talvez quando Hare afirma no compreender o que se entende
por "objetividade dos valores", ele diz que no pode conceber como
os valores poderiam ser objetivos, ele no consegue delimitar para
si mesmo nenhuma imagem clara e pormenorizada de como seria se os
valores fossem parte da tessitura do mundo. Esta seria uma tese
muito mais plausvel; como vimos, at mesmo Kant apresenta sinais de
semelhante dificuldade. De fato, at Plato nos alerta que s por meio
de rduos estudos, ao longo de muitos anos, algum se aproxima do
conhecimento das Formas. A dificuldade de ver como os valores
poderiam ser objetivos uma forte razo para a crena de que eles no o
so; este ponto ser levantado na seco 9, mas no um motivo bom o
bastante para se dizer que esta no seja uma genuna questo.
Creio que esta questo, alm de genuna, tambm importante.
Claramente importa filosofia geral. Faria uma diferena radical
nossa metafsica se tivssemos que dar espao a valores objetivos
talvez algo como as Formas de Plato em algum lugar de nossa imagem
do mundo. Faria uma diferena similar nossa epistemologia se tivesse
que explicar como existem tais valores objetivos, ou como podem ser
conhecidos, e nossa psicologia filosfica, se tivssemos que admitir
tal conhecimento, ou a razo pura-prtica de Kant, para direcionar
escolhas e aes. De maneira menos bvia, o modo como definida a
questo afetar a possibilidade de certos tipos de argumentos morais.
Por exemplo, Sidgwick considera uma discusso entre um egosta e um
utilitarista, e faz ver que se o egosta defende a tese de que a sua
felicidade ou prazer objetivamente desejvel ou bom, o utilitarista
pode argumentar que a felicidade do egosta "no pode ser
objetivamente mais desejvel ou melhor que a felicidade semelhante
de qualquer outra pessoa. O simples fato de que ele ele pode no ter
nada a ver com sua desejabilidade ou bondade". Em outras palavras,
se a tica for construda sobre o conceito da bondade objetiva, ento
o egosmo como um sistema de primeira ordem ou como mtodo de tica
pode ser refutado, mas, uma vez que se admita que a bondade seja
apenas subjetiva, ento tal refutao no possvel. Mas Sidgwick
corretamente enfatiza que vrios outros filsofos deixaram de
perceber que este argumento contra o egosmo requereria
especificamente a objetividade da bondade. A objetividade do que
deva ser (ought to be) ou do que racional que se faa no seria o
bastante. Se o egosta afirmasse que procurar sua prpria felicidade
fosse objetivamente racional, ou obrigatrio para ele, um argumento
semelhante sobre a irrelevncia do fato que ele ele levaria apenas
concluso de que era objetivamente racional ou obrigatrio que cada
outra pessoa buscasse sua prpria felicidade, isto , a uma forma
universalizada do egosmo, e no refutao do egosmo. Claramente,
insistir na universabilidade dos juzos morais, em oposio
objetividade da bondade, iria produzir apenas o mesmo
resultado.
5. Padres de avaliao
Um meio de afirmar a tese de que no h valores objetivos dizer
que enunciados sobre valores no podem ser nem verdadeiros nem
falsos. Mas esta formulao, tambm, abre espao interpretao incorreta.
Pois h certos tipos de enunciados sobre valores que,
indubitavelmente, podem ser verdadeiros ou falsos, mesmo se, no
sentido que tenho em mente, no existam valores objetivos. Avaliaes
de muitos tipos so comumente feitas em relao a padres aceitos e
supostos. A classificao da l, a avaliao das uvas, a entrega de
prmios em mostras de ces pastores, exibies de flores, campeonatos
de skate e mergulho, e mesmo a correo de provas so dadas em relao a
padres de qualidade ou mrito, peculiares a cada rea especfica ou ao
tipo de competio. Tudo isso pode ser explicitamente estabelecido,
mas, mesmo sem estar declarado de modo ostensivo em lugar nenhum,
razoavelmente bem-entendido e aceito por aqueles que so
reconhecidos como juzes ou especialistas naquela rea especfica.
Dados quaisquer padres suficientemente determinados, ser uma questo
objetiva, uma questo de verdade ou falsidade, de quo bem qualquer
espcime em particular se deixa medir por aqueles mesmos padres. De
modo especial, juzos comparativos sero capazes de verdade ou
falsidade. Ser uma questo factual, se este co pastor teve melhor
desempenho do que aquele.
O subjetivista em relao a valores, ento, no est negando que
possa haver avaliaes objetivas em relao a padres. Estas so to
possveis nas reas da esttica e da moral como o so em qualquer um
dos mencionados campos. Mais do que isto, existe uma distino
objetiva que se aplica em muitos desses mbitos e, ainda assim,
seria considerada como peculiarmente moral: a distino entre justia
e injustia. Em um sentido importante da palavra, um caso
paradigmtico de injustia um tribunal declarar culpado de algum
delito algum do qual se saiba que inocente. De forma mais geral,
uma deciso injusta se ela estiver em dissonncia com o que a unio
dos fatos e da legislao relevante requer, especialmente se tal
dissonncia for de conhecimento do tribunal. De forma ainda mais
geral, qualquer entrega de notas, prmios, ou coisas parecidas
injusta se estiver em dissonncia com os padres aceitos para o
certame em questo. Se, realmente, o desempenho de um mergulhador,
consoante padres aceitos para o mergulho, tem nvel mais alto do que
aquele de um outro, ser injusto dar a este ltimo uma nota melhor ou
um prmio. Desse modo, a justia ou injustia de decises relativas a
padres pode ser assunto perfeitamente objetivo, apesar de ainda
restar algum elemento subjetivo na interpretao ou aplicao de tais
padres. No obstante, o enunciado de que uma certa deciso seja justa
ou injusta no ser objetivamente prescritivo. At aonde se pode
consider-lo simplesmente verdadeiro, fica em aberto a questo da
existncia de alguma exigncia objetiva para que se faa o que justo e
se evite o que injusto. Fica igualmente em aberto a deciso prtica
de se agir em qualquer desses dois sentidos.
O reconhecimento da objetividade da justia em relao a padres e
[da objetividade] dos enunciados avaliativos tambm em relao a
padres leva o problema da objetividade dos valores a retornar
questo dos padres mesmos. O subjetivista pode tentar provar a sua
tese insistindo em que no h nenhuma legitimidade objetiva sobre a
escolha de padres. Porm, ele estaria claramente equivocado se
dissesse que a escolha at do mais bsico dentre os padres em
qualquer rea fosse arbitrria por completo. Sem dvida, os padres
utilizados em mostras de ces pastores tm alguma relao com o
trabalho para o qual eles so adestrados, os padres de avaliao de
mas tm alguma relao com o que as pessoas, em geral, querem
encontrar ou apreciam nessas frutas, e assim em diante. Por outro
lado, os padres como regras no so estritamente validados por tais
propsitos. A adequao dos padres no determinada por completo, nem
tampouco totalmente indeterminada, em relao a propsitos ou desejos
independentes de maneira especfica. Mas pouco importando o quo
determinada ela seja, a adequao objetiva dos padres em relao aos
propsitos ou desejos no mais ameaadora quanto negao dos valores
objetivos do que o a objetividade da avaliao com respeito a padres.
De fato, [a adequao objetiva de padres] no logicamente diferente da
objetividade do bem no que diz respeito a desejos. Algo pode ser
dito simplesmente bom enquanto satisfaa, ou possa satisfazer, um
certo desejo; mas, na nossa acepo, a objetividade de tais relaes de
satisfao no constitui um valor objetivo.
6. Imperativos hipotticos e categricos
Podemos tornar esse assunto mais claro fazendo referncia distino
de Kant entre imperativos hipotticos e categricos, embora aquilo
que ele chama de imperativos seja mais naturalmente expresso como
enunciados de dever (ought-statements) do que no modo imperativo.
"Se tu queres X, faze Y" (ou "Tu deves fazer Y") ser um imperativo
hipottico se ele se basear no suposto fato de que, nas
circunstncias, Y seja o nico (ou o melhor) meio disponvel para X,
isto , [se ele se basear] numa relao causal entre Y e X. A razo
para fazer Y repousa sobre sua conexo causal com o desejado fim X;
o carter de dever (the oughtness) contingente relativamente ao
desejo. Porm, "Tu deves fazer Y" ser um imperativo categrico se tu
deves fazer Y sem levar em conta nenhum desejo por qualquer fim
para o qual Y venha a contribuir, ou seja, se o carter de dever no
for contingente relativamente a desejo nenhum. Mas essa distino
deve ser tomada com certo cuidado. Um enunciado de dever no
hipottico nesse sentido apenas porque inclui a clusula condicional.
"Se tu prometeste fazer Y, ento tu deves fazer Y" no um imperativo
hipottico to-somente em virtude da mencionada clusula. [Neste
caso], o que se quer dizer pode ser um imperativo hipottico ou
categrico, dependendo da razo implicada para que a promessa seja
cumprida. Se [o imperativo] repousa sobre algum outro condicional
no-enunciado como "Se tu, no futuro, queres ser objeto de
confiana", ento ser um imperativo hipottico; caso contrrio, ser
categrico. Mesmo sendo condicional na sua forma quanto gramtica, um
imperativo categrico no sentido de Kant pode conter no seu
antecedente os desejos de um agente. "Se tu fores atrado
sexualmente por crianas pequenas de maneira forte, ento tu no deves
tornar-te professor primrio" no um imperativo hipottico, em virtude
mesmo daquilo que ele, de fato, diz, pois evitar o magistrio
primrio no algo que esteja sendo oferecido como meio para satisfao
dos desejos em pauta. Obviamente, tal enunciado seria um imperativo
hipottico se a razo implicada fosse uma questo de prudncia. Mas [o
enunciado] poderia ser um imperativo categrico, uma exigncia moral
na qual a razo para a ao recomendada (evitar estritamente) no
repouse sobre a circunstncia de aquela ao ser meio para realizar
qualquer desejo que o agente possa ter. Portanto, nem todo
enunciado condicional de dever ou comando um imperativo hipottico;
da mesma forma, nem todo no-condicional imperativo categrico. Uma
clusula "se" adequada pode no estar explicitada. Na verdade, um
simples comando no modo imperativo, como uma ordem ditada num
desfile [militar], que parece qualificar-se ao mximo como
imperativo categrico, no o no sentido ora sob exame. A razo
implicada para obedecer tal ordem quase sempre ser um desejo do seu
destinatrio, talvez de evitar problemas. Nesse caso, tal ordem
aparentemente categrica ser, na nossa acepo, um imperativo
hipottico. De novo, um imperativo permanece hipottico mesmo se
mudarmos o "se" por "visto que". O fato de o desejo de X estar
presente no modifica o fato de que a razo para fazer Y seja
contingente com relao ao desejo de X, visto que Y um meio [para
alcanar] X. No trabalho do prprio Kant, enquanto imperativos de
habilidade relacionam-se com desejos que um agente possa ter ou no,
imperativos de prudncia relacionam-se com o desejo de felicidade
que, como Kant supe, todos tm. Interpretados dessa maneira,
imperativos de prudncia no so menos hipotticos do que os de
habilidade, no so menos contingentes relativamente a desejos que o
agente tenha, quando imperativos lhes sejam dirigidos. Se
pensarmos, entretanto, preferivelmente, numa recomendao de prudncia
como algo que se relacione com o futuro bem-estar do agente, [que
tenha a ver] com a satisfao de desejos que ele ainda no tem, [o que
envolve negativamente] at mesmo o seu atual desejo de que seus
futuros desejos sejam satisfeitos, ento uma recomendao de prudncia
um imperativo categrico, diferente do imperativo moral, mas anlogo
a ele.
Nesse caso, o imperativo categrico expressaria uma razo para
agir que seria incondicional, no sentido de no ser contingente com
respeito a nenhum desejo atual do agente, para cuja satisfao a ao
recomendada viria a contribuir na qualidade de meio. Falando de
maneira mais direta: "Tu deves danar" ainda um imperativo
hipottico, se a razo implicada tu quereres danar ou gostares disso.
Ora, o prprio Kant afirmava que juzos morais so imperativos
categricos, ou, talvez, so todas as aplicaes de um nico imperativo
categrico. De forma plausvel, pode-se dizer que pelo menos muitos
juzos morais contm um elemento categoricamente imperativo. No que
diz respeito tica, a minha tese de que no existem valores objetivos
a negao especfica da validade objetiva de tais elementos
categoricamente imperativos. Os valores objetivos que estou negando
[so aqueles que] dariam diretivas s aes de maneira absoluta e no
contingente (do modo indicado), conforme os desejos e inclinaes do
agente.
Uma outra forma de tentar esclarecer esse assunto referir-se ao
raciocnio moral ou a argumentos morais. Com certeza, na prtica, um
tal raciocnio raramente explcito de forma plena. Suponhamos, porm,
que pudssemos explicitar um raciocnio que d suporte a alguma
concluso avaliativa. [Suponhamos ainda] que tal concluso tenha
alguma fora como guia para a ao, que no seja contingente com
respeito a desejos, propsitos ou fins escolhidos. Nesse caso, eu
afirmo que, em algum ponto na entrada desse argumento talvez em uma
ou mais premissas, talvez em alguma parte da forma do argumento ,
haver algo que no possa ser validado objetivamente. Qui haja alguma
premissa que, simplesmente, no possa ser verdadeira, ou alguma
forma do argumento no-vlida em termos de lgica geral, cuja
autoridade ou cogncia no seja objetiva, mas sim constituda pela
nossa escolha ou deciso de pensar de certa forma.
7. A pretenso de objetividade
Se eu tive xito em especificar com suficiente preciso os valores
morais cuja objetividade estou negando, minha tese dever, neste
ponto, parecer trivialmente verdadeira. Com certeza, alguns diro,
valorar, preferir, escolher, recomendar, rejeitar, condenar e
outros so atividades humanas, e no h necessidade de buscar valores
que sejam anteriores e logicamente independentes de tais
atividades. Pode ser que haja ampla concordncia na valorao, e juzos
de valor particulares no so geralmente arbitrrios ou isolados: so
tipicamente coerentes uns com os outros ou podem ser criticados; se
no o forem, razes podem ser encontradas que o justifiquem, e assim
por diante. Mas se tudo o que o subjetivista defende que desejos,
finalidades, propsitos e afins fazem parte de alguma maneira do
sistema de razes, e que no existem fins ou propsitos objetivos, mas
apenas meramente intersubjetivos, ento pode-se admitir tal idia sem
muitos problemas.
Mas no acredito que se possa tomar tal posio to facilmente. Como
havia dito, a principal tradio de filosofia moral europia inclui a
alegao contrria: a existncia de valores objetivos exatamente da
espcie que rejeitei. J me referi a Plato, Kant e Sidgwick. Kant, em
particular, sustenta que o imperativo categrico no apenas
imperativo e categrico, mas o de maneira objetiva. Embora o ser
racional seja a prpria fonte de lei moral, a lei que ele assim
produz determinada e necessria. Aristteles inicia a tica a Nicmaco
dizendo que o Bem aquilo a que todas as coisas tendem, e que a tica
parte da cincia a que ele chama "poltica", cuja finalidade no o
conhecimento, mas a prtica. Apesar disso, ele no duvida de que
possa haver conhecimento do que o bem para o homem e nem de que,
uma vez que seja identificado como bem-estar ou felicidade,
eudaimonia, possa ser conhecido, racionalmente determinado dentro
do que consiste a felicidade. claro que ele pensa que tal
felicidade intrinsecamente desejvel, e no boa simplesmente por ser
desejada. O racionalista Samuel Clarke afirma que
essas diferenas eternas e necessrias entre as coisas as tornam
adequadas e razoveis para que as criaturas ajam de acordo [] ainda
que seja separado da considerao de tais regras o comando e a
vontade positivos de Deus, e tambm anterior a qualquer respeito ou
considerao, expectativa ou apreenso, de quaisquer vantagem ou
desvantagem privada particular e pessoal, recompensa ou castigo,
seja presente ou futuro []
At mesmo o sentimentalista Hutcheson define bondade moral como
"alguma qualidade apreendida nas aes que procura aprovao", ao mesmo
tempo em que afirma que o senso moral pelo qual percebemos que
virtude e vicissitude nos foram dadas (pelo Autor da natureza) para
guiar nossas aes. Hume, de fato, estava do outro lado, mas ainda
uma testemunha da predominncia da tradio objetivista, pois alega
que se "entendermos que a distino entre vcio e virtude no fundada
meramente nas relaes entre objetos, e nem percebida pela razo",
isso "subverteria todos os sistemas de moralidade comuns". E
Richard Price insiste que certo e errado so formas do "carter real
das aes", e no "qualidades de nossas mentes", e so percebidas pelos
seres dotados de entendimento. Ele critica a noo de senso moral
baseando-se no fato de que [esta] tornaria a virtude uma questo de
gosto, e o certo e o errado morais "nada nos prprios objetos". Ele
rejeita a posio de Hutcheson porque (talvez erroneamente) a v
reduzindo-se de Hume.
Mas esse objetivismo de valores no somente uma caracterstica da
tradio filosfica. tambm firmemente enraizado no pensamento comum, e
mesmo no significado de termos morais. Sem dvida foi uma
extravagncia de Moore afirmar que "bem" o nome de uma qualidade
no-natural, em que a descrio como "no-natural" deixa espao para os
aspectos valorativos, prescritivos e reguladores de aes
particulares dessa suposta qualidade. Este ponto pode ser ilustrado
com a reflexo sobre conflitos e variaes de opinio nos anos recentes
entre vises no-cognitivistas e naturalistas sobre os significados
centrais, bsicos, de termos ticos. Se rejeitarmos a posio de que a
funo de tais termos introduzir valores objetivos no discurso sobre
conduta e escolhas de ao, parece que existem dois tipos
alternativos principais de explicao. Uma (com importantes
subdivises) que tais termos convencionalmente expressam ou tomadas
de posio que o falante professa adotar em relao ao que estiver
caracterizando moralmente, ou prescries ou recomendaes sujeitas,
talvez, restrio lgica da universabilidade. Diferentes pontos de
vista desse tipo partilham a tese central de que termos ticos tm,
ao menos parcial e primariamente, algum tipo de significado
no-cognitivo e no-descritivo. O outro tipo de explicao sustenta que
so descritivos no que diz respeito ao significado, mas descrevem
caractersticas naturais. Parte deles so termos que todos, at mesmo
os no-cognitivistas, reconheceriam como distinguindo aes bondosas
de cruis, coragem de covardia, cordialidade de rudeza e assim por
diante, e a outra parte (embora haja interseces) constitui-se de
relaes entre aes e vontades humanas, satisfaes e outros. Acredito
que os dois tipos de ponto de vista captam parte da verdade. Cada
abordagem pode explicar o fato de que juzos morais so ou
reguladores de aes ou prticos. No entanto, cada uma ganha muito de
sua plausibilidade com a sensvel inadequao da outra. Uma reao muito
natural a qualquer anlise no-cognitiva de termos ticos protestar
que a tica mais do que isso, algo mais externo ao agente de juzos
morais, com mais autoridade tanto sobre o falante quanto sobre o
interlocutor ou o objeto sobre o qual se fala, e essa reao
provavelmente persistir mesmo quando se concede totalmente que as
restries lgicas e formais de prescritividade e universabilidade
inexorveis so procedentes. Tendemos a acreditar que tica seja mais
uma questo de conhecimento e menos de deciso do que qualquer anlise
no-cognitiva permite. claro que o naturalismo satisfaz tal demanda.
No ser um problema de escolha ou deciso uma ao ser cruel, injusta
ou imprudente ou ser mais capaz de produzir preocupao de que
prazer. Mas a satisfao dessa demanda introduz uma deficincia
contrria. Numa anlise naturalista, juzos morais podem ser prticos,
mas sua praticidade totalmente relativa aos desejos ou possveis
satisfaes da pessoa ou das pessoas cujas aes devero ser guiadas.
Porm, juzos morais parecem ter algo mais a dizer. Esse ponto de
vista deixa de lado a qualidade categrica dos pr-requisitos morais.
Na realidade, tanto as anlises no-cognitivas quanto as naturalistas
rejeitam a aparente autoridade da tica, a primeira ao excluir o
aspecto categoricamente imperativo e a outra a afirmao de validade
objetiva ou verdade. O usurio comum de linguagem moral quer dizer
algo sobre seja o que for que ele caracterize moralmente. Por
exemplo, uma ao possvel, como por si mesma ou seria se fosse
realizada, e no sobre, ou que simplesmente expresse, sua atitude ou
reao ou de qualquer outra pessoa. Mas aquilo que ele quer dizer no
puramente descritivo, no inerte, mas algo que envolve uma tomada de
ao ou que se evite uma ao de maneira absoluta, e no
contingentemente sujeita a qualquer desejo, preferncia, poltica ou
escolha, seja dele seja de qualquer outro. Algum num estado de
perplexidade moral, imaginando se seria errado comprometer-se com,
por exemplo, uma pesquisa sobre guerra bacteriolgica, quer chegar a
um juzo sobre esse caso concreto, sobre fazer esse trabalho nesse
momento sob tais circunstncias. Suas caractersticas relevantes sero
parte do assunto do juzo, mas nenhuma relao entre ele e a ao
proposta ser parte do predicado. A questo no , por exemplo, se ele
realmente quer fazer seu trabalho, se isso vai deix-lo satisfeito
ou no, se ele no longo prazo ir posicionar-se a favor, ou mesmo se
essa uma ao de tal tipo que ele pode alegre e sinceramente
recomendar em todos os casos relevantemente similares. Ele no est
nem imaginando apenas se deve recomendar tal ao em todos os casos
relevantemente similares. Ele quer saber se esse tipo de atitude
seria errado em si mesmo. Algo como esse exemplo o conceito
objetivista cotidiano, do qual a discusso sobre qualidades
no-naturais uma reconstruo do filsofo.
A prevalncia dessa tendncia a objetivar os valores e no somente
os morais confirmada por um padro de pensamento que encontramos em
existencialistas e nos que so influenciados por eles. A negao dos
valores objetivos pode trazer consigo uma reao emocional extrema,
uma sensao de que nada importa, de que a vida perdeu seu propsito.
claro que isso no procede. A falta de valores objetivos no uma boa
razo para abandonar consideraes subjetivas ou deixar de querer
qualquer coisa. Mas o abandono de uma crena nos valores objetivos
pode causar, ao menos temporariamente, o declnio das consideraes
subjetivas e do senso de propsito. Tal cenrio evidncia de que as
pessoas que tm tal reao tendem a objetivar suas consideraes e
propsitos, conferindo-lhes uma autoridade externa fictcia. A
pretenso de objetividade foi to fortemente associada com suas
consideraes e propsitos subjetivos que a queda daquela primeira
acaba por comprometer o outro tambm.
Esse ponto de vista de que a anlise conceptual revelaria uma
pretenso de objetividade , s vezes, dramaticamente confirmado por
filsofos que esto oficialmente do outro lado. Bertrand Russell, por
exemplo, diz que "as proposies ticas deveriam ser expressas de modo
optativo, no indicativo". Ele se defende efetivamente contra a
acusao de inconsistncia tanto por sustentar que valoraes ticas so
subjetivas quanto por expressar opinies enfticas sobre questes
ticas. No entanto, ao final, admite:
Certamente parece haver algo mais. Suponha-se, por exemplo, que
algum defendesse a incluso de touradas neste pas. Ao me opor a tal
proposta, eu deveria sentir no somente que estava a expressar meus
desejos, mas que meus desejos sobre o assunto esto certos, seja l o
que isso signifique. No que diz respeito ao argumento, posso, penso
eu, mostrar que no sou culpado de nenhuma inconsistncia lgica ao
manter a interpretao da tica desenvolvida mais atrs e, ao mesmo
tempo, expressar fortes preferncias ticas. Mas, em sentimento, no
estou satisfeito.
Mas ele conclui, de maneira suficientemente razovel, com a
seguinte observao: "Posso apenas dizer que, conquanto as minhas
opinies sobre tica no me satisfaam, aquelas alheias satisfazer-me-o
ainda menos".
Concluo, ento, que juzos morais comuns incluem uma pretenso
objetividade, uma assuno de valores objetivos justamente no sentido
o qual me importa negar. No acredito que seja ir longe demais dizer
que essa assuno foi incorporada ao significado bsico, convencional,
dos termos morais. Qualquer anlise do significado destes ltimos que
omita essa afirmao de prescritividade objetiva e intrnseca , nesse
sentido, incompleta; e isso vale para qualquer anlise no-cognitiva,
naturalista ou qualquer combinao das duas.
Se a tica de segunda ordem fosse limitada, ento, anlise
lingstica e conceptual, da se seguiria que valores morais so, ao
menos, objetivos. Que sejam assim parte do que nossos enunciados
morais significam: os conceitos morais tradicionais do homem comum,
assim como os dos principais filsofos ocidentais, so conceitos de
valor objetivo. Mas precisamente por essa razo que a anlise
lingstica e conceptual no suficiente. A pretenso de objetividade,
por mais entranhada que esteja em nossa linguagem e pensamento, no
valida a si mesma. Pode e deve ser questionada. Mas a negao dos
valores objetivos dever ser defendida no como resultado de uma
abordagem analtica, mas como uma "teoria do erro", uma teoria que
diz que, embora a maioria das pessoas, ao formular juzos morais,
implicitamente afirme, entre outras coisas, apontar a algo
objetivamente prescritivo, essas afirmaes so todas falsas. isso que
torna apropriado o nome "ceticismo moral".
Mas como esta uma teoria do erro, j que contra assunes
entranhadas em nosso pensamento e embutida em alguns modos de uso
da linguagem, e por estar em conflito com o que s vezes chamado de
senso comum, ela precisa de uma base muito slida. No algo que
podemos aceitar com facilidade ou informalmente e ento passar
adiante sem alarde. Se vamos adotar este ponto de vista, devemos
argumentar explicitamente a favor dele. Em termos tradicionais, ele
foi apoiado sobre dois tipos principais de argumentos que devo
chamar de argumento da relatividade e argumento da estranheza, mas
ambos podem, como devo mostrar, ser complementados de vrias
maneiras.
8. O argumento da relatividade
O argumento da relatividade tem como premissa a conhecida variao
de cdigos morais de uma sociedade para a outra e de um perodo para
outro, e tambm as diferenas de crenas morais entre diferentes
grupos ou classes dentro de uma comunidade complexa. Tal variao ,
em si mesma, to-somente uma verdade de moralidade descritiva, um
fato da antropologia que no implica pontos de vista ticos de
primeira nem de segunda ordem. No entanto, pode indiretamente
apoiar o subjetivismo de segunda ordem. Diferenas radicais entre
juzos morais de primeira ordem tornam difcil tratar tais juzos como
apreenses de verdades objetivas. Mas no a mera ocorrncia de
discordncias que atua contra a objetividade dos valores.
Discordncias em questes de histria, biologia ou cosmologia no
provam a inexistncia de questes objetivas nesses campos sobre as
quais os pesquisadores venham a discordar. Porm, tais discordncias
cientficas resultam de suposies especulativas ou hipteses
explicativas baseadas em indcios inadequados, e no nem um pouco
plausvel interpretar discordncias morais da mesma maneira. A
discordncia sobre cdigos morais parece refletir a adeso e
participao das pessoas em vrios modos de vida. Essa conexo causal
parece ocorrer principalmente desta maneira: as pessoas aprovam a
monogamia porque participam de um modo de vida monogmico, e, no,
participam de um modo de vida monogmico porque aprovam a monogamia.
claro, os padres podem ser uma idealizao do modo de vida do qual
surgem. A monogamia da qual as pessoas participam pode ser menos
completa, menos rgida, do que aquela que as leva a aprovar tal
comportamento. Isso no significa que juzos morais sejam puramente
convencionais. Evidentemente, existiram e existem hereges e
reformadores morais, pessoas que se viraram contra as regras
estabelecidas e as prticas de sua comunidade por razes morais,
freqentemente, por razes morais que acataramos. Mas isso pode ser
comumente entendido como a extenso de regras s quais j aderiam por
emergirem de um modo de vida existente. Tal extenso, embora ocorra
de maneiras novas e no-convencionais, parece-lhes necessria
consistncia. Em resumo, o argumento da relatividade tem alguma fora
simplesmente porque as reais variaes dos cdigos morais so
explicadas de forma mais fcil por meio da hiptese de que refletem
modos de vida do que por meio da suposio de que expressem percepes
de valores objetivos, a maioria das quais seriamente inadequada e
terrivelmente distorcida.
Mas h uma conhecida rplica a esse argumento da relatividade,
nomeadamente, dizer que os tpicos aos quais se confere validade
objetiva em primeiro lugar no so regras morais ou cdigos
especficos, mas princpios gerais muito bsicos, reconhecidos, pelo
menos implicitamente, at certo ponto, em toda sociedade. Tais
princpios so os que provem as fundaes do que Sidgwick chamou de
diferentes mtodos de tica: o princpio da universabilidade, talvez;
ou a regra segundo a qual uma pessoa deva adaptar-se a normas
especficas do tipo de vida do qual se faz parte, de que se poderia
beneficiar e dele depender; ou algum princpio utilitarista de fazer
aquilo que tende, ou parece tender, a promover a felicidade geral.
fcil mostrar que tais princpios gerais, aliados a diferentes
circunstncias concretas, diferentes padres sociais existentes ou
diferentes preferncias, iro gerar diferentes regras morais
especficas. H alguma plausibilidade na afirmao de que as regras
especficas que so assim geradas iro variar de comunidade a
comunidade ou de grupo para grupo, em estreita concordncia com as
reais variaes nos cdigos aceitos.
O argumento da relatividade pode ser apenas parcialmente
replicado dessa maneira. Para seguir essa linha, o objetivista
moral precisa dizer que apenas nesses princpios que o carter moral
objetivo se acopla imediatamente ao seu assunto ou substrato
descritivo especfico. Outros juzos morais so objetivamente vlidos
ou verdadeiros, mas apenas de maneira derivada e contingente se as
coisas tivessem sido de outra maneira, tipos muito diferentes de ao
seriam os corretos. Apesar da proeminncia, na recente tica
filosfica, da universalizao, dos princpios utilitaristas, e afins,
eles ainda esto muito longe de constituir o todo do que de fato
afirmado como bsico no pensamento moral comum. Muito diz respeito
ao que Hare chama "ideais" ou, menos bondosamente, "fanatismo".
Isto , as pessoas julgam que algumas coisas so boas ou corretas, e
outras so ruins ou erradas, no porque ou pelo menos no somente
porque exemplifiquem algum princpio geral para o qual se possa
alegar ampla aceitao implcita, mas porque algo sobre essas coisas
provoca certas reaes imediatas, embora pudesse provocar reaes
radical e irreconciliavelmente diferentes em outros. "Senso moral"
ou "intuio" so inicialmente descries mais plausveis daquilo que
determina muitos dos nossos juzos morais do que "razo". Com relao a
todos esses pontos de partida do pensamento moral, o argumento da
relatividade permanece com toda fora.
9. O argumento da estranheza
Ainda mais importante, no entanto, e certamente mais amplamente
aplicvel, o argumento da estranheza. Este tem duas partes, uma
metafsica, a outra epistemolgica. Se existissem valores objetivos,
ento existiriam entidades, qualidades ou relaes de um tipo muito
estranho, completamente diferente de qualquer outra coisa no
universo. De forma correspondente, se estivssemos conscientes
deles, seria por causa de alguma faculdade especial de percepo
moral ou intuio completamente diferente de nossos modos comuns de
conhecer todo o resto. Tais pontos foram reconhecidos por Moore,
quando ele falou de qualidades no-naturais, e pelos intuicionistas,
em seu discurso sobre uma "faculdade de intuio moral". O
intuicionismo h muito tempo no est em voga, e de fato fcil apontar
suas implausibilidades. O que no to freqentemente destacado, mas
mais importante, que a tese central do intuicionismo tal que
qualquer ponto de vista objetivista dos valores acaba comprometido
a ela: o intuicionismo apenas torna insuportavelmente claro o que
outras formas de objetivismo encobrem. evidente que a sugesto de
que juzos morais so formulados ou que problemas morais so
resolvidos quando o agente se senta e tem uma intuio tica seja uma
caricatura do real pensamento moral. Mas, por mais complexo que
seja o processo real, ele ir demandar (se deve gerar concluses
solidamente prescritivas) alguma contribuio desse tipo em
particular, sejam premissas ou formas de argumento, ou ambos.
Quando fazemos a inconveniente pergunta de como podemos estar
conscientes dessa slida prescritividade, da verdade dessas
premissas ticas particulares ou da cogncia desse padro de
racionalidade tico particular, nenhuma de nossas explicaes comuns
de percepo sensorial, ou introspeco, ou o delineamento e confirmao
de hipteses explicativas, inferncia ou construo lgica, anlise
conceptual, ou nenhuma combinao destes, ir nos fornecer uma
resposta satisfatria. "Um tipo especial de intuio" uma resposta
claudicante, mas a nica qual o objetivista esclarecido est
inclinado a recorrer.
De fato, a melhor jogada para o objetivista moral no evitar esse
problema, mas procurar companheiros de culpa. Por exemplo, Richard
Price argumenta que no apenas conhecimento moral que o empirismo
como o de Locke e Hume no pode explicar, mas tambm nosso
conhecimento, e mesmo nossa idia, de essncia, nmero, identidade,
diversidade, solidez, inrcia, substncia, a existncia necessria e a
infinita extenso do tempo e do espao, necessidade e possibilidade
em geral, poder e causao. Se o entendimento, que Price define como
a nossa faculdade interna de discernir a verdade, tambm uma fonte
de novas idias simples de tantos outros tipos, no ser tambm um
poder de imediatamente perceber certo e errado, que, no entanto, so
atributos reais de aes?
Esta uma rplica importante ao argumento da estranheza. A nica
resposta adequada a ela seria mostrar como, sobre fundamentos
empiristas, podemos construir uma explicao das idias e crenas e do
conhecimento que temos de todas essas questes. No posso nem mesmo
comear a faz-lo aqui, embora tenha empreendido partes dessa tarefa
alhures. Posso apenas declarar que acredito que explicaes
satisfatrias da maioria dessas questes podem ser dadas em termos
empricos. Se supostas necessidades ou essncias metafsicas
resistirem a tal tratamento, ento elas tambm devem ser includas,
junto aos valores objetivos, entre os alvos do argumento da
estranheza.
Essa estranheza no consiste simplesmente no fato de que
enunciados ticos no sejam verificveis. Embora o positivismo lgico,
com sua teoria da verificabilidade do significado descritivo, tenha
dado impulso s explicaes no-cognitivas sobre tica, no apenas os
positivistas lgicos, como tambm os empiristas de um tipo bem mais
liberal, considerariam valores objetivos difceis de acomodar. De
fato, eu no apenas rejeitaria o princpio de verificabilidade, como
tambm negaria a concluso a que comumente se chega dessa maneira,
vale dizer, a concluso de que juzos morais no tm significado
descritivo. A assero de que existem valores objetivos ou entidades
intrinsecamente prescritivas ou caractersticas de algum tipo
pressupostas por juzos morais comuns , eu digo, no sem significado,
mas sim falsa.
As idias de Plato so um exemplo dramtico de que os valores
objetivos teriam de ser. A idia do Bem tal, que o seu conhecimento
fornece ao conhecedor tanto uma direo quanto um motivo dominante.
[A condio] de algo ser bom diz pessoa que o conhece que o busque, e
a faz busc-lo. Um Bem objetivo seria procurado por qualquer um a
quem ele fosse familiar, no por causa de qualquer fato contingente
de que essa pessoa, ou toda pessoa, assim constituda para desejar
tal fim, mas apenas porque o fim tem embutida em si a qualidade de
dever ser procurado de alguma maneira.
A necessidade de um argumento desse tipo pode ser destacada pela
reflexo sobre o argumento de Hume de que a "razo" na qual, nesse
ponto, ele inclui todo tipo de conhecimento, inclusive o racional
jamais pode ser um "motivo influenciador da vontade". [Um
adversrio] poderia obtemperar que Hume objetou de forma injusta a
respeito da falta de poder influenciador (e no contingentemente
sujeito aos desejos) nos objetos de conhecimento e razo comuns. [O
adversrio] poderia afirmar que a diferena entre valores e objetos
naturais est precisamente no poder [dos valores] de automaticamente
influenciar a vontade, quando so conhecidos. A isso Hume poderia, e
precisaria, replicar que essa objeo envolve o postulado de
entidades de valor ou caractersticas de valor de uma ordem bastante
diferente de tudo a que estamos familiarizados, e ainda uma
faculdade correspondente para detect-los. Ou seja, ele teria de
complementar seu argumento explcito com o que eu chamei de
argumento da estranheza.
Outra maneira de apresentar essa estranheza indagar, sobre
qualquer coisa que supostamente teria alguma qualidade moral
objetiva, como ela estaria ligada a caractersticas naturais. Qual a
conexo entre o fato natural de que uma ao seja um caso de crueldade
deliberada por exemplo, causar dor por diverso e o fato moral de
que seja errada? No pode ser uma implicao, uma necessidade lgica ou
semntica. No entanto, no acontece meramente que as duas
caractersticas ocorram juntas. A qualidade de ser errada deve, de
alguma maneira, ser "consecutiva" ou "superveniente". errada porque
um caso de crueldade deliberada. Mas o que exatamente significa
esse "porque"? E como conhecemos a relao que ele significa, se isso
algo mais do que tais aes serem socialmente condenadas, e
condenadas tambm por ns, talvez por termos absorvido atitudes de
nosso ambiente social? No nem mesmo suficiente postular uma
faculdade que "v" a propriedade de ser errado. Algo deve ser
postulado que veja simultaneamente as caractersticas naturais
constitutivas da crueldade e a qualidade de ser errada, e o
misterioso elo consecutivo que as conecta. Alternativamente, a
intuio requerida poderia ser a percepo de que a qualidade de ser
errado uma propriedade de ordem superior que pertence a certas
propriedades naturais; mas o que essa pertena para outras
propriedades, e como podemos discerni-la? Quo mais simples e mais
abrangente seria a situao se pudssemos substituir a qualidade moral
por algum tipo de resposta subjetiva que se relacionaria
causalmente deteco de caractersticas naturais, com respeito s quais
a suposta qualidade afirmada como consecutiva.
Pode-se pensar que o argumento da estranheza ganhou um comeo
injusto se assim o relacionarmos aos que esto admitidamente entre
os produtos mais delirantes da fantasia filosfica idias platnicas,
qualidades no-naturais, relaes auto-evidentes de adequao,
faculdades de intuio e afins. Ser igualmente convincente se
aplicado aos termos que mais provavelmente expressam juzos morais
cotidianos embora ainda, como se argumentou na seco 7, com a
afirmao de objetividade [como] "tu deves fazer isto", "tu no podes
fazer aquilo", "obrigao", "injusto", "inescrupuloso", "vergonhoso",
"mesquinho", ou discusso sobre boas razes pr e contra aes possveis?
Com certeza, no. Mas assim porque a prescritividade objetiva, o
elemento de que uma afirmao, pela sua solidez, est embutido no
pensamento e na linguagem moral comuns, ainda no est isolado nessas
formas de discurso, mas se apresenta juntamente relacionado a
desejos e sentimentos, consideraes sobre os meios para determinados
fins, exigncias interpessoais, a injustia que consiste na violao do
que so, no contexto, os padres aceitos de mrito, os constituintes
psicolgicos da crueldade e por a vai. No h nada estranho a respeito
de nenhum desses tpicos, mas, protegida pelo seu vu, a pretenso de
autoridade moral pode passar despercebida. Porm, se estou certo em
afirmar que [tal pretenso] est comumente presente, ela precisa ser
examinada. [Isso porque] provvel a sua incorporao automtica s
explicaes filosficas da tica que sistematizam nosso pensamento
comum, mesmo por meio desses termos aparentemente inocentes. Com
tal propsito, [a mencionada pretenso] precisa ser isolada e exposta
tal como ela [tratada] pelas reconstrues filosficas menos
cautelosas.
10. Padres de objetificao
Consideraes como essas sugerem que, no fim das contas, menos
paradoxal rejeitar do que conservar a crena de senso comum na
objetividade dos valores morais, desde que possamos explicar como
essa crena, caso seja falsa, estabeleceu-se e to resistente s
crticas. No difcil satisfazer essa condio.
Numa viso subjetivista, os valores supostamente objetivos so
baseados, de fato, em tomadas de posio do indivduo que o levam a
reconhecer esses valores e a reagir a eles. Se admitirmos o que
Hume chama de "a propenso da mente a se estender sobre os objetos
exteriores", entenderemos que a suposta objetividade das qualidades
morais surge do que podemos chamar de projeo ou objetivao das
tomadas de posio morais. Isso seria anlogo ao que se chama de
"falcia antropomrfica", a tendncia a atribuir nossos sentimentos
aos objetos desses sentimentos. Se um fungo, digamos, enche-nos de
averso, podemos nos inclinar a atribuir-lhe uma qualidade
no-natural de impureza. Mas, nos contextos morais, h mais do que
essa tendncia em jogo. As prprias tomadas de posio morais so, no
mnimo em parte, sociais na origem. Padres de comportamento
socialmente estabelecidos e socialmente necessrios exercem presso
sobre os indivduos, e cada um tende a internalizar essas presses e
a exigir de si e dos outros [o cumprimento de] tais padres
comportamentais. As tomadas de posio objetivadas em valores morais
tm, de fato, uma fonte externa, embora no aquela a elas atribuda
pela crena em sua autoridade absoluta. Alm do mais, h motivos que
apoiariam a objetivao. Precisamos da moralidade para regular as
relaes interpessoais, para controlar alguns dos modos como as
pessoas se comportam umas em relao s outras, em geral em oposio a
inclinaes contrrias. Desejamos, assim, que nossos juzos morais
sejam referncia para outros agentes e para ns mesmos. A validade
objetiva dar-lhes-ia a autoridade necessria. Valores estticos esto
logicamente na mesma posio que os morais; praticamente as mesmas
consideraes metafsicas e epistemolgicas aplicam-se tambm a eles.
Mas valores estticos so menos fortemente objetivados do que valores
morais. Seu status subjetivo e uma "teoria do erro" a respeito de
tais pretenses de objetividade, na medida em que elas so includas
nos juzos estticos, sero mais prontamente aceitas apenas porque os
motivos de sua objetivao so menos convincentes.
Contudo, seria um erro pensar na objetivao dos valores morais
como, primordialmente, uma projeo de sentimentos, como [ocorre] no
caso da falcia antropomrfica. Mais importantes so os desejos e
pretenses. Como disse Hobbes, "o que quer que seja o objeto do
apetite ou do desejo de um homem, isso o ele chama de Bem".
Certamente, tanto o adjetivo "bom" quanto o substantivo "bens" so
usados em contextos no-morais relativos a coisas, porquanto eles
satisfazem desejos. Desenvolvemos a noo de que algo objetivamente
bom, ou que tem valor intrnseco, por meio da reverso do sentido da
dependncia, fazendo com que o desejo dependa da bondade em vez de a
bondade depender do desejo. Isso reforado pelo fato de a coisa
desejada ter caractersticas que a tornam desejvel, capaz de
despertar um desejo, ou de satisfazer a um desejo j existente. fcil
confundir o modo pelo qual a desejabilidade de algo seja realmente
objetiva com o valor objetivo que essa coisa tem para nossa razo. O
fato de a palavra "bom" ser usada como um de nossos principais
termos morais um sinal desse padro de objetivao.
Empregos similares de palavras so cobertos pela distino entre
imperativos hipotticos e categricos. A afirmao de que algum "deve"
ou, mais energicamente, "tem de" fazer isso ou aquilo pode ser
endossada, explcita ou implicitamente, pela referncia ao que ele
quer ou ao que so seus propsitos e objetivos. Novamente, pode haver
uma referncia aos propsitos de outrem, talvez do falante: "Tu tens
de fazer isso." "Por qu?" "Porque eu quero isso ou aquilo". O
imperativo moral categrico que poderia ser expresso nas mesmas
palavras pode ser visto como resultado da supresso da orao
condicional em um imperativo hipottico, sem sua substituio por
qualquer referncia desse tipo aos desejos do falante. A ao em
questo ainda exigida da forma como ela o seria se fosse
apropriadamente relacionada a um desejo, mas no se admite mais que
haja qualquer necessidade contingente da qual dependa o fato de a
ao ser exigida. Novamente, esse desenvolvimento pode ser entendido
ao lembrarmos que ao menos nossos juzos morais centrais e bsicos
representam exigncias sociais, em que a fonte da necessidade
indeterminada e difusa. De quem so as exigncias ou as necessidades
em questo: as do agente, ou as do falante, ou as de uma multido
indefinida de outras pessoas? De certo modo, de todos eles; mas h
vantagens em no as especificar precisamente. O falante faz
exigncias na qualidade de membro de uma comunidade, na qual ele se
desenvolveu por meio de sua participao num modo de vida coletivo.
Alm disso, o que se exige desse agente especfico seria exigido de
qualquer outro numa situao similar; mas espera-se tambm que o
agente tenha internalizado as exigncias relevantes, que aja como se
os fins para os quais a ao exigida fossem os dele prprio.
Suprimindo qualquer referncia explcita a exigncias e tornando
categricos os imperativos, facilitamos desenvolvimentos conceptuais
de uma exigncia como essa em direo a outra. Os empregos morais de
palavras tais como "tem de" (must), "deve" (ought) e "deveria"
(should), todas usadas tambm para expressar imperativos hipotticos,
so sinais desse padro de objetivao.
Pode-se objetar que essa explicao liga intimamente a tica
normativa moralidade descritiva, com os costumes ou os padres de
comportamento socialmente impostos (enforced) que os antroplogos
registram. Mas dificilmente se pode negar que o pensamento moral
surja da imposio (enforcement) de cdigos sociais. Claro que ele no
se restringe a isso. Mas, mesmo quando os juzos morais so
destacados dos costumes de uma sociedade real, eles esto sujeitos a
ser enquadrados no esquema de referncia de uma comunidade ideal de
agentes morais, como o reino kantiano das finalidades, o qual, no
fora a necessidade de dar a Deus um lugar especial nesse reino,
seria mais propriamente chamado de comunidade de finalidades para o
bem-estar de todos (commonwealth of ends).
Outra forma de explicar a objetivao de valores morais dizer que
a tica um sistema de leis do qual se eliminou o legislador. Isso
pode ter derivado ou das leis positivas de um Estado ou de um
suposto sistema de leis divinas. No h nenhuma dvida de que alguns
aspectos dos conceitos morais da Europa moderna remontam tica
teolgica do cristianismo. A nfase em noes quase-imperativas, no que
deve ser feito ou no que errado, num sentido prximo de ser
"proibido", certamente um resqucio dos mandamentos divinos. Deve-se
admitir que os conceitos ticos centrais de Plato e Aristteles tambm
so, num sentido amplo, prescritivos ou intrinsecamente orientados
para guiar aes, mas, ao concentrarem-se de preferncia no "bom" ao
invs de no "deve", eles revelam que seu pensamento moral uma
objetivao daquilo que desejado e causa satisfao, em vez [de uma
objetivao] daquilo que ordenado. Elizabeth Anscombe argumentou que
os conceitos modernos, no-aristotlicos, de obrigao moral, dever
moral, do que moralmente certo e errado e do senso moral do "deve"
so [conceitos] remanescentes que persistem fora do sistema de
pensamento que os tornou inteligveis de fato, a saber: a crena na
lei divina. Ela deduz que "deve" "tornou-se uma palavra com mera
fora hipntica", com to-somente uma "aparncia ilusria de contedo", e
que seria melhor descartar totalmente tais termos e conceitos, e
voltar aos aristotlicos.
H muito a ser dito sobre essa viso. Mas, embora dessa forma
possamos explicar alguns aspectos peculiares da moderna filosofia
moral, seria um erro ver todo o problema da pretenso de
prescritibilidade objetiva como meramente local e desnecessrio,
como uma complicao ps-operatria de uma sociedade da qual, recente e
precipitadamente, se extirpou o sistema dominante de crena testica.
Como mostram Cudworth, Clarke e Price, por exemplo, at aqueles que
ainda aceitam os mandamentos divinos, ou a lei positiva de Deus,
podem acreditar que os valores morais tenham independncia objetiva,
mas ainda assim com autoridade como guias da ao. Respondendo ao
dilema do utifron de Plato, eles acreditam que Deus ordena o que
Ele ordena porque aquilo bom ou certo em si mesmo, e no que aquilo
seja bom ou certo meramente porque, ou j que, Ele o ordenou. Caso
contrrio, no poderia ser dito do prprio Deus que ele bom. Price
indaga: "O que pode ser mais absurdo do que fazer da divindade nada
alm de vontade, e exaltar o feito sobre as runas de todos os seus
atributos?" A aparente objetividade do valor moral um fenmeno
difundido que possui mais de uma fonte: Quando a crena no
legislador divino esvaiu-se, a persistncia da crena em algo como a
lei divina apenas um fator entre outros. H vrios padres distintos
de objetivao, e todos eles deixaram vestgios caractersticos nos
nossos conceitos e linguagem morais reais.
11. A finalidade geral da vida humana
Considera-se que o argumento das sees anteriores aplica-se de
maneira bem geral ao pensamento moral, mas os termos nos quais ele
foi exposto so, em grande parte, os da tradio kantiana e
ps-kantiana da filosofia moral inglesa. Aos mais familiarizados com
outra tradio, que passa por Aristteles e Toms de Aquino, isso pode
parecer um desvio de foco. Para essas pessoas, a noo fundamental a
do bem para o homem, ou da finalidade ou meta universal da vida
humana, ou talvez de um conjunto de bens bsicos ou propsitos
humanos primordiais. O raciocnio moral consiste parte em alcanar
uma compreenso mais adequada dessa finalidade (ou conjunto de
finalidades) bsica, parte em encontrar a melhor forma de busc-la e
compreend-la. Mas essa abordagem est aberta a duas interpretaes
radicalmente diferentes. De acordo com uma delas, dizer que algo o
bem para o homem ou a finalidade universal da vida humana equivale
a dizer, simplesmente, que aquilo o que o homem de fato busca ou
considerar definitivamente satisfatrio, ou talvez que algo que, se
postulado como uma finalidade implcita, nos torna aptos a encontrar
um sentido para as reais buscas humanas e a detectar um padro
coerente no que, de outra forma, pareceria uma catica confuso de
propsitos conflitantes. De acordo com a outra interpretao, dizer
que algo o bem para o homem ou a finalidade universal da vida
humana equivale a dizer que aquilo o fim correto do homem, que o
que ele deve esforar-se para alcanar, esteja o homem, de fato,
realizando-o ou no. Na primeira interpretao, temos uma enunciao
descritiva; na segunda, uma normativa ou valorativa ou prescritiva.
Mas essa abordagem tende a combinar as duas interpretaes, ou a
alternar entre uma e outra, e a tomar emprestado da plausibilidade
das afirmaes do primeiro tipo o apoio para o que so, na realidade,
reivindicaes do segundo tipo de enunciao.
Com essa idia interpretada do primeiro modo eu no tenho nenhum
problema. Apenas alertaria para o fato de que pode bem haver ainda
maior diversidade de propsitos fundamentais, mais variaes no que os
diferentes seres humanos consideraro definitivamente satisfatrio,
do que poderia sugerir a terminologia "o bem para o homem".
Tampouco tenho qualquer problema com a segunda interpretao,
prescritiva, contanto que ela seja reconhecida como subjetivamente
prescritiva, que o falante esteja aqui formulando suas prprias
exigncias ou propostas, ou as daqueles cuja tendncia ele
represente, embora, sem dvida, vinculando essas exigncias ou
propostas quilo que ele j considera ser, no primeiro sentido,
descritivo, as metas humanas fundamentais. Na verdade, eu mesmo
farei uso da noo de bem para o homem, interpretada de ambas as
formas, quando tentar esboar, no captulo 8 [de tica: Inventando o
Certo e o Errado], um sistema positivo de moral. Mas se se sustenta
que algo , objetivamente, a finalidade apropriada ou correta da
vida humana, ento isso equivalente afirmao de algo que , em termos
objetivos, categoricamente imperativo e que se ajusta perfeitamente
ao mbito do nosso argumento anterior. De fato, a articulao do que
eu chamei aqui de as duas interpretaes ainda um outro padro de
objetivao: uma pretenso de prescritibilidade formada a partir da
combinao do elemento normativo na segunda interpretao com a
objetividade permitida pela primeira, a partir da afirmao de que
isso e aquilo so as finalidades humanas fundamentalmente buscadas
ou satisfatrias em termos definitivos. O argumento da relatividade
ainda se aplica. A radical diversidade das metas que os homens
realmente perseguem e consideram satisfatrias torna inverossmil
interpretar tais diligncias como resultado da compreenso imperfeita
de um bem verdadeiro e indiviso. Cabe, da mesma forma, o argumento
da estranheza. Podemos ainda questionar o que pode ser essa certeza
objetivamente prescritiva da meta verdadeira, e como isso se
vincula, de um lado, aos aspectos descritivos dessa meta, e, por
outro, ao fato de que tal coisa seja, at certo ponto, uma meta real
da busca humana.
Para enfrentar essas dificuldades, o objetivista pode recorrer
ao propsito de Deus: o verdadeiro propsito da vida humana fixado
pelo que Deus pretendeu (ou pretende) que o homem fizesse ou fosse.
As buscas e satisfaes humanas reais tm certa relao com esse fim
verdadeiro porque Deus criou os homens para esse fim e os criou
tais que eles tm que o buscar. Trata-se, porm, apenas de certa
relao, por causa da inevitvel imperfeio das criaturas.
Admito que, se a doutrina teolgica necessria pudesse ser
defendida, seria possvel estabelecer um tipo de prescritibilidade
tica objetiva. Tendo em vista a minha afirmao de que o tesmo no
pode ser defendido, no o considero ameaa alguma ao meu argumento.
Mas retomarei a questo das relaes entre moralidade e religio no
captulo 10. Aqueles que desejam conservar o tesmo como opo viva
podem tomar os argumentos dos captulos intermedirios no sentido
hipottico, como a discusso do que podemos pensar da moralidade sem
o recurso a Deus, e, da, o que podemos dizer sobre moralidade se,
ao fim e ao cabo, dispensarmos a crena religiosa.
12. Concluso
Defendi a tese de que existe um genuno problema a respeito do
status dos valores, incluindo os valores morais. O ceticismo moral,
a negao de valores morais objetivos, no deve ser confundido com
nenhuma das vises normativas de primeira ordem ou com qualquer
anlise conceptual ou lingstica. De fato, os juzos morais comuns
implicam uma pretenso de objetividade que tanto a anlise
no-cognitiva como a naturalista deixam de captar. O ceticismo
moral, assim, tem que tomar a forma de uma teoria do erro,
reconhecendo que uma crena em valores objetivos constituda no
pensamento e na linguagem moral comum, mas afirmando que essa crena
arraigada falsa. Assim, ela necessita de argumentos para apoi-la
contra o "senso comum". Mas consegue-se encontrar argumentos
slidos. As consideraes em favor do ceticismo moral so:
primeiramente, a relatividade ou variabilidade de alguns
importantes pontos de partida do pensamento moral e sua aparente
dependncia em relao aos modos de vida reais; em segundo lugar, a
peculiaridade metafsica dos supostos valores objetivos, j que eles
teriam que ser intrinsecamente guias da ao e motivadores; em
terceiro lugar, o problema de como tais valores poderiam ser
consecutivos com respeito a aspectos naturais, ou supervenientes a
eles; em quarto lugar, a correspondente dificuldade epistemolgica
de explicar nosso conhecimento das entidades de valor ou de suas
caractersticas e do seu vnculo com os aspectos dos quais elas
seriam resultantes; em quinto lugar, a possibilidade de explicar,
em termos de vrios padres diferentes de objetivao, vestgios do que
permanece na linguagem e nos conceitos morais, e como, mesmo se
esses valores objetivos no existissem, as pessoas no apenas teriam
suposto sua existncia, mas tambm teriam persistido firmemente em
tal crena. Esses cinco pontos definem o argumento a favor do
ceticismo moral. Entretanto, quase to importantes so a eliminao
prvia de mal-entendidos que, com freqncia, impedem o exame honesto
e explcito da tese e a separao entre aqueles itens sobre os quais a
moral ctica reticente e as vrias qualidades e relaes associadas,
cujo status objetivo no est em discusso.
J. L. Mackie
Retirado de "The Subjectivity of Values", in Ethics: Inventing
Right and Wrong (Penguin, 1977, 1990).Traduo de Helke Cunha de
Carvalho, Jnatas Rafael lvares, Mara Mendes Galvo e Nelson Gonalves
Gomes (Universidade de Braslia).Disponvel em .