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A Sociologia do Trabalho frente Reestruturao Produtiva:
Uma Discusso Terica
M areia de Paula Leite Roque Aparecido da Silva
Sendo uma revoluo cientfica que ocorre numa sociedade ela mesma
revolucionada pela cincia, o paradigma a emergir dela no pode ser
apenas um paradigma cientfico (o paradigma de um conhecimento
prudente), tem de ser tambm um paradigma social (o paradigma de uma
vida decente).
(Boaventura de Sousa Santos,1993, p. 37)
A Sociologia do Trabalho enfrenta nos dias atuais um importante
desafio terico, provocado por um duplo movimento. Por um lado, ao
contrrio da expectativa colocada por Offe (1989), ao advogar o fim
da categoria trabalho como conceito sociolgico fundamental, o
estudo do trabalho est no centro das atenes dos socilogos.
Impulsionado pela vertiginosa produo cientfica voltada para a
anlise das transformaes que vem sofrendo, o trabalho vem se
transformando, na realidade, num tema da moda. Incontveis estudos
sobre o assunto invadem hoje as estantes das livrarias e
bibliotecas, trazendo tona o grande esforo da literatura
especializada para compreender as mudanas em curso. Nesse contexto,
a Sociologia do Trabalho vem adquirindo um novo dinamismo, ao mesmo
tempo em que se v diante de novas e intrincadas questes
tericas.
Por outro lado, as teorias disponveis para pensar o trabalho vm
se mostrando cada vez mais incapazes de dar conta dos problemas
colocados pelas transformaes que o tm atingido nas ltimas dcadas,
sugerindo a necessidade de se relacionar as atuais dificuldades da
Sociologia do Trabalho crise mais geral dos modelos tericos que tm
embasado a teoria sociolgica e a cincia em geral.
Este texto uma tentativa de aprofundar essa discusso a partir da
anlise dos estudos sobre os quais vem se apoiando a atual discusso
sociolgica sobre as transformaes por que vem passando o trabalho no
novo contexto mundial de reestruturao produtiva. Nosso ponto de
partida de que a maior parte dos estudos que tm servido de base
para a discusso do trabalho parte de uma postura que restringe a
anlise do problema a seus aspectos materiais e tecnolgicos,
apoiando-se em pressupostos tericos hoje bastante discutveis, na
medida em que, ao privilegiar temas como produtividade,
competitividade e lucratividade, se mostram presos a uma postura
positivista, centrada na anlise de variveis quantitativas que
ignoram as implicaes sociais mais amplas das transformaes em curso.
Tal postura vem encobrindo uma realidade de aprofundamento das
desigualdades sociais, recolocando de forma premente a dis
* Trabalho apresentado ao XVIII Encontro Anual da Anpocs,
Caxambu, MG, 1994. Uma primeira verso deste texto foi publicada na
revista espanhola Sociologia dei Trabajo. Os autores agradecem a
Las Abramo pelos comentrios feitos quela verso.
BEB, Rio de Janeiro, n. 42, 2. semestre de 1996, pp. 41-57
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cusso sobre o determinismo econmico e tecnolgico que, conquanto
esteja relativamente esquecida nos ltimos tempos, j foi um tema
caro Sociologia do Trabalho.
As Relaes entre Tcnica e Trabalho: Uma Questo de Determinismo
Tecnolgico ou Processo de Construo Social?
Pensar as relaes entre tcnica e trabalho tem sido um dos eixos
fundamentais da Sociologia do Trabalho desde seus primrdios. Foi a
partir de preocupaes relacionadas s caractersticas que o trabalho
assumia a partir do desenvolvimento tecnolgico que a disciplina
surgiu e se consolidou institucio- nalmente nos vrios pases onde
veio a se constituir como um campo especfico do conhecimento.
Essa preocupao trouxe Sociologia do Trabalho uma problemtica
terica que gira em torno do conceito de determinismo tecnolgico,
segundo o qual o desenvolvimento da tcnica considerado como
determinante na conformao das caractersticas do trabalho e da
estrutura industrial. A evoluo dessa discusso ser abordada no tpico
que vem a seguir, no qual buscaremos analisar algumas trajetrias
particulares de elaborao terica da Sociologia do Trabalho
especificamente no que se refere a essa questo.
Sociologia do Trabalho e Razo Tcnica nos Anos 50, 60 e 70
A Sociologia do Trabalho consolidou-se como disciplina no
transcorrer dos anos 50. Influenciada pelos xitos do fordismo e
pela crena que ento se propagava de que o progresso tcnico, o
crescimento econmico e a melhoria das condies de vida configuravam
um progresso sem limites, ela comporta em seu interior, desde o
incio, um grande fascnio pela sociedade industrial e seu
desenvolvimento.
Essa influncia da realidade econmica sobre a produo sociolgica
teve, entretanto, matizes e nuanas diferentes, relacionadas
com o entorno scio-poltico-cultural no qual se dava a produo
acadmica, bem como com a relao que as instituies e atores sociais
estabeleceram com a disciplina nas distintas realidades. Nesse
sentido, como veremos a seguir, uma das variveis mais importantes a
ser considerada para se entender as particularidades do
desenvolvimento da Sociologia do Trabalho nos pases onde ela mais
floresceu a fonte de seu financiamento, que preestabelece o
objetivo a ser buscado no processo de pesquisa. A discusso sobre
esse processo em alguns pases pode ser elucidativa a esse
respeito.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde no se pode desvincular a
Sociologia do Trabalho da evoluo anterior da Sociologia Industrial,
Casassus e Desmarez (1985) consideram que o nascimento deste campo
da Sociologia, no momento em que se processavam importantes
reformas na gesto e organizao do trabalho, nos anos 1900-20, foi
importante na definio das prioridades que ele viria a assumir
posteriormente. A entrada das cincias sociais na indstria teve um
carter essencialmente pragmtico. Alertando para o fato de que
teriam sido utilizadas pelos engenheiros como suporte de sua ao
transformadora, os autores sustentam que as cincias sociais
americanas foram apropriadas nesse momento pelos engenheiros para
consolidar o poder do management e negar razo contestao
operria.
Casassus e Desmarez concluem que os engenheiros conseguiram
fazer com que os cientistas sociais elaborassem um approach mais
sofisticado da gesto do trabalho, mediante a elaborao de tcnicas
capazes de assegurar a colaborao dos trabalhadores. No difcil
compreender, nesse contexto, que, sendo a prpria empresa o ator que
demandava e financiava as pesquisas, a Sociologia Industrial
americana, voltada que estava para o objetivo de assegurar o melhor
funcionamento possvel das organizaes, tivesse sido fortemente
marcada pela concepo fun- cionalista.
Essa tendncia se consolida no ps-guer-
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ra com Parsons e sua definio da empresa como um sistema social
relativamente autnomo, a qual deixa de forada anlise a questo dos
seus fins. A funo da Sociologia do Trabalho seria, dessa forma,
assegurai- a continuidade do sistema e controlar as tenses
provenientes de seu entorno; dele viriam os fatores provocadores de
distrbios, j que o sistema internamente seria harmnico e
equilibrado.
Casassus e Desmarez chamam a ateno para o fato de que exatamente
no momento em que a Sociologia Industrial reconhecida como uma rea
particular da Sociologia pela comunidade dos socilogos, a abstrao
do sistema parsoniano leva ao desenvolvimento do conceito de
organizao, promovendo o desaparecimento daespecificidade do sistema
social da empresa industrial. A organizao uma noo mais genrica, que
se aplica a instituies de qualquer natureza, eliminando os traos
especficos da esfera da produo: o trabalho e sua organizao. De
acordo com esse enfoque, os efeitos sociais da industrializao so os
mesmos se a tecnologia a mesma, no importando o contexto em que est
inserida, o que expressa o mais puro determinismo tecnolgico.
Embora esse enfoque terico comece a perder espao com a entrada
dos anos 70, a partir da utilizao generalizada das novas
tecnologias na indstria e nos servios, e as novas problemticas que
engendraram, o determinismo tecnolgico continua com um espao
assegurado na Sociologia do Trabalho americana.
J na Itlia, em funo das caractersticas do movimento operrio e da
tradio intelectual, os estudos da Sociologia Industrial demandados
e orientados pelos interesses empresariais no tiveram a quase
exclusividade de que desfrutaram nos Estados Unidos. Juntamente com
eles floresceu desde o incio na produo italiana o que De Masi
(1973) chamou de sociologia estrutural da empresa, desenvolvida por
socilogos vinculados cultura europia do sculo XIX, que elaboraram
uma anlise crtica da empresa industrial. E
apenas a partir dos anos 60, entretanto, que, fora dos meios
acadmicos, se desenvolve uma sociologia crtica do trabalho,
elaborada principalmente por um grupo de intelectuais que se
articulou em torno da revista Quademi Rossi.
Conforme sublinha Barisi (1985), o que caracterizou o mtodo de
trabalho dos colaboradores do Quademi Rossi foi a utilizao de
instrumentos refinados de pesquisa emprica, acompanhada de um
esforo contnuo de re- elaborao e discusso da teoria em confronto
com os resultados da pesquisa. Nesta confrontao, as avaliaes e
opinies emitidas pelos coletivos de trabalhadores tinham uma
importncia especial. Ainda quanto aos procedimentos metodolgicos,
os estudos, por exemplo, sobre as mudanas socioeconmicas foram
conduzidos vinculados ao estudo das estratgias dos atores
sociais.
Segundo Barisi, esses procedimentos metodolgicos e modelos de
interpretao da realidade conseguiram construir novas categorias de
anlise e elaborar novos modelos de interpretao dos processos
sociais e dos valores expressos pelos atores sociais, a partir de
uma postura terico-metodolgica que teve como ponto de partida a
conscincia da impossibilidade de se chegar a uma neutralidade da
cincia, principalmente das cincias humanas, em que a escolha
subjetiva do pesquisador, os instrumentos de anlise e a utilizao
possvel dos resultados exercem uma influncia decisiva sobre a
verdade que se ir descobrir.
Barisi afirma ainda que vrias pesquisas realizadas dentro de
empresas revelaram a ocorrncia de relaes sociais at ento
desconhecidas. Descobriu-se, em particular, a existncia de uma
organizao informal (organizao real) do trabalho, muitas vezes
bastante diferente da organizao formal prevista nos organogramas e
na descrio de postos de trabalho. Nas experincias de resoluo de
problemas tcnicos ou em casos de autogesto de estabelecimentos
foram demonstradas capacidades profissionais e criativas dos
trabalhadores que no eram formal-
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mente reconhecidas. Estes elementos teriam se constitudo na base
da afirmao da possibilidade de se superar os modelos tayloristas de
organizao do trabalho e a rgida estratificao do poder dentro das
empresas.
Como fica claro, o florescimento da Sociologia do Trabalho na
Itlia se deu, ao contrrio do exemplo americano, em relao direta com
as organizaes dos trabalhadores. Nesse sentido, enquanto nos
Estados Unidos a pesquisa tinha como objetivo assegurar a
continuidade do desenvolvimento do sistema produtivo, no caso
italiano, o objetivo central era identificar e sistematizar os
projetos de transformao do sistema que estariam sendo gestados no
seio da classe operria. Neste caso, o que determinava os
procedimentos de pesquisa e o processo de elaborao de conceitos e
de construo terica era a razo social e no a razo tcnica. Por outro
lado, o eixo terico do enfoque era de que as caractersticas da
organizao, tanto da sociedade como do sistema produtivo, eram
determinadas, em grande parte, pela vontade poltica dos diferentes
atores sociais e expressavam o resultado de sua interao.
Esta Sociologia do Trabalho engajada chegou a ser hegemnica na
Itlia no final dos anos 60 e incio dos 70, tendo mobilizado grande
nmero de pesquisadores. Na segunda metade dos anos 70, entretanto,
os velhos enfoques tericos baseados no positivismo e no
determinismo tecnolgico voltaram a se impor. De um lado, a crise
econmica provocou o desaparecimento das principais revistas que
davam vida sociologia crtica do trabalho. De outro lado, com a
crise do financiamento da pesquisa pelo Estado, as novas fontes de
recursos foraram o redirecionamento dos objetos e objetivos das
investigaes. Estes comeam a ser definidos pelas concepes
neoliberais que passam a ter um peso decisivo no plano
internacional com a crise do Estado do Bem-Estar, influenciando
profundamente na orientao sobre como enfrentar as dificuldades
econmicas que se avolumavam.
Nessas condies, conforme destaca mais uma vez Barisi, as
pesquisas voltadas
para a organizao da produo e para as modalidades de adaptao da
empresa crise (do ponto de vista da eficincia e do mercado)
passaram a ter um desenvolvimento muito maior que aquelas voltadas
para a organizao do trabalho. De acordo com suas palavras,
no seria por acaso, ento, que a maior parte dos estudos empregar
um enfoque terico de tipo estrutural-funcionalista. A dimenso
temporal e a subjetividade dos atores, da mesma forma que a questo
da autonomia e o carter poltico das intervenes dos trabalhadores
parecem ter desaparecido pelo peso e pela onipresena asfixiante da
CRISE que colocou a sociedade em um estado de emergncia permanente,
justificando assim todas as manobras de restaurao (Barisi, 1985, p.
237).
Finalmente, naFrana, onde a Sociologia do Trabalho nasceu como
disciplinano perodo ureo do fordismo e da apologia do progresso
tcnico, seus fundadores expressaram desde cedo uma crena implcita
na libertao dos trabalhadores pela tcnica, em particular pela
automao do trabalho, considerando o modelo industrial um avano em
relao aos modelos de desenvolvimento que o antecederam.
De fato, no famoso Tratado de Sociologia do Trabalho, Georges
Friedmann e Pierre Naville (1973) vem o trabalho industrial como o
alicerce sobre o qual se apia o desenvolvimento das sociedades, o
que, segundo eles, conferia Sociologia do Trabalho um papel
fundamental no interior da Sociologia. Tambm sobre a diviso do
trabalho, o Tratado expressa uma viso otimista, ao considerar que,
diante de uma diviso social antagnica, o mundo da produo o da
cooperao tcnica:
A diviso do trabalho a expresso de uma relao e estabelece ao
mesmo tempo antagonismo e cooperao. Dentro da empresa, a diviso de
tarefas , antes de tudo, uma forma de cooperao tecnicamente eficaz
(Friedmann e Naville, 1973, p. 44).
Com o passar dos anos e a ampliao dos estudos, contudo, esta
viso otimista da tcnica e do progresso tcnico foi sendo
superada,
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cedendo espao para uma viso mais crtica. Pode-se dizer,
inclusive, que a obra de Fried- mann perpassada por uma certa
ambigidade nesse sentido, na qual convivem ao mesmo tempo a crena
no progresso tcnico e a preocupao com suas implicaes sociais. Essa
tenso se expressa de maneira evidente em seu ltimo livro
(Friedmann, 1956), onde o autor afirma que existia naquele momento
um desequilbrio angustiante entre o poder que o progresso cientfico
e tcnico conferia humanidade e as foras morais de que ela dispunha
para enfrentar a questo.
preciso ter presente que a amplitude e profundidade da pesquisa
sociolgica na Frana (assim como nas demais reas do conhecimento) s
foi possvel devido existncia de um enorme financiamento pblico.
Montero (1994) lembra que, antes da crise dos anos 70, as agncias
estatais no exigiam dos pesquisadores um enfoque pragmtico, como
comeou a ocorrer a partir de ento. No se esperava que eles
apresentassem ou formulassem sugestes de polticas, havendo clareza
sobre a diviso do trabalho entre intelectuais e cientistas, de um
lado, e polticos e administradores, de outro.
A crise dos anos 70, entretanto, provocou uma inflexo nesta
tendncia, na medida em que, a partir de ento, a demanda passou a
ser claramente voltada para a busca de caminhos para o
enfrentamento da reconverso produtiva. ,A anlise de dois
importantes colquios realizados na dcada pode ser elucidativa para
a compreenso da evoluo da produo terica, bem como dos enfoques
terico-metodo- lgicos predominantes em cada um dos momentos.
Fazendo uma avaliao dos textos apresentados e dos debates
travados no Colquio de Dourdan, realizado em 1975, Burnier e
Tripier (1985) consideram que a questo central do encontro foi a da
diviso do trabalho, sobre a qual prevaleceu um enfoque crtico, que
chegou a questionar, no apenas suas conseqncias sobre os
trabalhadores, mas o seu prprio princpio (Durand, 1985). Alentados
pelo movimento de 1968, os estudos cen
travam-se na anlise do comportamento dos atores sociais
envolvidos no processo de produo, assim como das causas do
conflito, predominando um enfoque que, baseado nas prticas sociais,
deixava pouca margem para a postura determinista.
Passados mais de cinco anos, contudo, um novo Colquio em Dourdan
revelou no s novas temticas e preocupaes, mas, sobretudo, novos
enfoques terico-metodolgi- cos que vinham fortalecer a postura
determinista. Embora, em funo dos efeitos das novas tecnologias
sobre o trabalho, a idia da existncia de uma correlao entre
progresso tcnico e progresso das qualificaes tenha sido questionada
(Dassa, 1985), a correlao entre tecnologiae qualificao foi
reafirmada, podendo-se considerar que houve um predomnio da posio
determinista. Na realidade, o contexto do processo de reestruturao,
o posicionamento dos atores e a correlao de foras foram elementos
praticamente ausentes do colquio, no qual as novas tecnologias
emergiram como o principal agente das transform aes. Conform e
sublinhou Linhart (1985, p. 192), os atores foram substitudos pelas
empresas e pelo Estado, e a complexidade do sistema
desapareceu.
Sociologia do Trabalho e Reestruturao Produtiva
A crise do fordismo e as conseqentes tentativas de superao que a
ela se seguiram significaram um conjunto de mudanas econmicas,
polticas e sociais que atingiram rapidamente, e de maneira
profunda, praticamente todos os cantos do mundo.
No plano do processo produtivo, as tentativas de superao das
dificuldades vieram com a intensificao do processo de mudana da
base tcnica e organizacional da produo. No plano poltico, a falncia
das concepes social-democratas, que haviam florescido sob a gide do
fordismo, cedeu lugar s concepes neoliberais, que no s conquistam a
hegemonia na conduo dos destinos de vrios pases, como passam a
dirigir os principais organismos financeiros internacionais,
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o que vai se refletir nas orientaes das pesquisas.
E importante destacar que tal hegemonia levou difuso da idia de
que o mercado deve ser o instrumento bsico de regulao social,
substituindo as noes de finalidade e de valor social do
desenvolvimento pelas de utilidade e competitividade, sem que os
efeitos sociais do processo sejam levados em considerao. Neste
contexto, a noo de conflito perde a legitimidade e o que passa a
importar a cooperao que viabilizaria a produtividade e a
competitividade que, por sua vez, supostamente solucionariam o
conjunto de problemas que, segundo tal concepo, so comuns a todas
as classes e camadas sociais.
E nesse contexto que a discusso das relaes entre tecnologia e
trabalho assume uma nova atualidade, tendo em vista as profundas e
rpidas transformaes que atingiram o mundo do trabalho. Na
realidade, as novas tendncias de organizao da produo e do trabalho
galvanizaram a ateno dos socilogos, que passaram a se debruar sobre
o estudo das transformaes que ocorriam no interior dos processos
produtivos, bem como sobre as novas relaes entre as empresas.
Nesse processo, foram ganhando visibilidade as anlises que
comearam a propor o surgimento de um novo sistema industrial,
diferente do fordismo, que se basearia na integrao de tarefas,
inclusive das relativas concepo e execuo; no emprego de uma
mo-de-obra estvel, qualificada, com alto nvel de escolarizao e
bem-remunerada; na formao e difuso de redes de subcontratao, que se
baseariam num relacionamento cooperativo entre as empresas. Embora
cunhado com nomes diferentes especializao flexvel, para Piore e
Sabei (1984); produo enxuta, paraW omack et a i (1992); sistemo-
fatura, para Hoffman e Kaplinsky (1988) , o novo sistema industrial
(ps-fordista) caracterizar-se-ia, para todos esses autores, pela
superao da organizao fordista do processo de trabalho e sua
substituio por uma nova forma de organizao baseada no envolvimento
dos trabalhadores com os objetivos
empresariais. Ainda que esses trabalhos tenham cumprido o
importante papel de sublinhar as profundas transformaes que vm
ocorrendo na organizao industrial desde o final dos anos 70, e nos
brindar com uma anlise ampla das modificaes que esto ocorrendo na
lgica da produo industrial, seria mister reconhecer que h uma srie
de problemas que emergem de suas anlises, os quais no podem ser
desprezados, tendo em vista a importncia que elas vm assumindo nos
debates atuais.
Apesar de haver diferenas no estilo de abordagem desses estudos,
algumas caractersticas importantes os identificam. Em primeiro
lugar, todos eles partem da anlise de alguns setores estratgicos da
economia, como a indstria automobilstica ou metal- mecnica, e, a
partir deles, generalizam as tendncias encontradas para o conjunto
da economia. Em segundo lugar, ao centrar a anlise nos aspectos
tcnicos e econmicos, eles ignoram os demais fatores que interferem
nas caractersticas do sistema industrial, como os aspectos
polticos, sociais e culturais, sob cuja gide vem se dando o
processo de reestruturao produtiva nos vrios pases, inclusive os
relacionados s prticas sociais dos diferentes atores envolvidos.
Finalmente, mas no menos importante, esses estudos tm uma viso
extremamente otimista do processo em curso, ignorando totalmente os
problemas sociais que o vm acompanhando.
Convm lembrar, contudo, que esta no foi a nica orientao terica a
predominar no interior da Sociologia do Trabalho. Ao lado dela,
muitas outras vozes se levantaram, apontando a complexidade da
realidade, bem como a possibilidade de coexistncia entre as novas
formas de organizao do trabalho e os princpios fordistas.
Na realidade, j no so poucas as anlises que vm revelando que a
produo flexvel ou enxuta, longe de ser um padro nico, vem, no s
comportando manifestaes muito distintas e apresentando
caractersticas bastante diferentes, conforme o pas, o setor e a
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empresa, como no tem mostrado a universalidade que seus
defensores pressupem.
No que se refere s diferenas entre os pases, Humphrey (1989),
por exemplo, em uma interessante discusso sobre a transferncia de
tecnologia de empresas multinacionais ao Brasil, considera que
tanto as comparaes entre pases com sistemas sociais, econmicos e
polticos diferentes como o contraste direto entre os centros de
trabalho oferecem uma fonte imediata de hipteses de trabalho
estimulantes e uma clara refutao do determinismo tecnolgico. Se
examinamos as multinacionais que exportam tecnologias idnticas a um
pas menos desenvolvido e que desejam recriar modelos similares de
organizao do trabalho, podemos demonstrar muito claramente que a
organizao do trabalho se v afetada por fatores tais como a
organizao e a fora dos sindicatos, a qualidade da mo-de-obra
disponvel, a existncia de um excedente de mo-de- obra e o s is tem
a de trabalho im p eran te (Humphrey, 1989, pp. 87-8).
J no que respeita diferena entre empresas, a anlise de Shiroma
(1993) pode ser esclarecedora. Referindo-se s transformaes nas
relaes interindustriais e s tendncias de formao de redes de
subcontratao presentes na experinciaj aponesa, esta autora ressalta
as diferenas nas formas de gesto da mo- de-obra encontradas entre
as empresas, a partir dos distintos lugares que elas podem ocupar
na cadeia produtiva. De acordo com Shiroma, existe uma diviso do
trabalho entre as empresas, atravs da qual se transferem as tarefas
gerais e desqualificadas para as pequenas empresas, ficando as
grandes com o trabalho especializado, qualificado. Dessa forma, uma
grande discrepncia observada entre grandes e pequenas empresas no
Japo a proporo de trabalhadores qualificados que so minoria nas
pequenas (5% a 10%) e quase a totalidade nas grandes firmas.
(Shiroma, 1993, p. 71).
Vrios autores se debruaram tambm sobre a anlise da diviso sexual
do trabalho, elucidando que mesmo no interior de uma mesma empresa
os trabalhos destinados s
mulheres e aos homens costumam apresentar diferenas
significativas.
Wood (1989), por exemplo, enfatiza a possibilidade de a
reestruturao produtiva estar significando um trabalho mais rico e
qualificado para os homens, ao lado de uma degradao das condies de
trabalho para as mulheres, as quais estariam sofrendo intensificao
dos ritmos, rotinizao das tarefas, desqualificao e aumento do
controle.
Tambm Hirata tem insistido sobre a relatividade do que vem sendo
chamado de modelo da competncia, alertando para o fato de que ele
se baseia na figura do trabalhador homem como encarnando o
universal. Introduzindo ainda as distines entre as tendncias
observadas nos pases de economia central e os do Terceiro Mundo, a
autora conclui que o panorama extremamente complexo e
heterogneo:
[...] as teses de alcance universal, tais como as dos novos
paradigmas ou dos novos conceitos de produo, so forosamente
questionadas luz de pesquisas empricas introduzindo tais
diferenciaes (Hirata, 1994. p. 132).
Convm considerar que as colocaes de Hirata tm efetivamente sido
confirmadas por dados empricos que refletem os efeitos diferentes
da inovao tecnolgica entre a mo- de-obra masculina e a feminina.
Segundo o Instituto Nacional de Estatsticas e Estudos Econmicos da
Frana, por exemplo, a proporo de mulheres que trabalham em linhas
de montagem vem aumentando, ao passo que a dos homens vem
diminuindo. Da mesma forma, a porcentagem dos assalariados
submetidos a ritmos de trabalho impostos vem crescendo entre a
mo-de-obra feminina, e decrescendo para a masculina (Volkoff,
1991).
Tudo indica, assim, que, apesar da valorizao por parte das
empresas de comportamentos tradicionalmente identificados com o
sexo feminino,' a reconverso produtiva no alterou, at o momento, o
quadro tradicional de discriminao da mulher nos locais de trabalho
detectado em muitos trabalhos anteriores. Com efeito, os postos de
trabalho continuam sendo divididos entre homens e mulhe-
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res a partir de critrios discriminatrios, que reservam aos
primeiros os trabalhos mais ricos e complexos. Por outro lado, a
prpria caracterizao do trabalho feminino como trabalho simples e
desqualificado continua passando tambm por critrios
discriminatrios, na medida em que no considera nem habilidades
(caracterizadas como naturais nas mulheres) como ateno, concentrao,
destreza manual, nem a formao, como o nvel de escolaridade, em
geral mais alto entre as mulheres do que entre os homens (Kergoat,
1987).
Diante deste quadro, podemos concordar com Harvey (1993, p. 146)
quando afirma que a transio para a acumulao flexvel foi marcada, na
verdade, por uma revoluo (de modo algum progressista) no papel das
mulheres nos mercados e processos de trabalho, num perodo em que o
movimento de mulheres lutava, tanto por uma conscincia quanto por
uma melhoria das condies de um segmento, que hoje representa mais
de 40% da fora de trabalho em muitos pases capitalistas
avanados.
Convm lembrar ainda as anlises voltadas para a compreenso das
novas relaes industriais, as quais vm mostrando no s que a reao
operria pode ser muito diferente de acordo com a tradio, a cultura
e a capacidade de organizao dos distintos coletivos de
trabalhadores (Leite, 1993 e 1994), conformando, portanto,
diferentes realidades de relao entre capital e trabalho, mas tambm
que os novos padres produtivos vm dando lugar a experincias de
relao com os sindicatos muito diversas, que vo desde sua
marginalizao at sua integrao no processo de reconverso
(Sengenberger, 1991; Lipietz, 1991).
Por outro lado, comeam a surgir alguns estudos apontando os
graves problemas sociais que o processo de reestruturao vem
colocando para as sociedades atuais. Em ins- tigante artigo
apresentado ao I Congreso La- tinoamericano de Sociologia dei
Trabajo, Castillo (1994), por exemplo, alerta para fatos que, em
borajno sejam considerados temas
prioritrios da Sociologia do Trabalho, como os relacionados aos
acidentes de trabalho, revelam o agravamento de problemas sociais.
Propondo que a Sociologia do Trabalho assuma a tarefa de converter
os problemas sociais em problemas sociolgicos, o autor sublinha que
a incidncia de acidentes de trabalho vem aumentando na Europa e nos
Estados Unidos: na Frana, a parte dos assalariados afetados por
penosidade e danos no trabalho aumentou fortemente entre maro de
1984 e maro de 1991; na Espanha, o nmero de acidentes de trabalho
praticamente dobrou entre 1984 e 1990; para os pases da OCDE, em
seu conjunto, as taxas globais de acidentes de trabalho no-mortais
estancaram ou aumentaram na metade dos pases considerados; na
Califrnia, uma recente pesquisa revelou as altas possibilidades de
que os latinos deixem a vida no trabalho nos distritos de alta
tecnologia (Castillo, 1994, p. 9).
Muitos estudos tm alertado tambm para o aumento das taxas de
desemprego, bem como para a tendncia precarizao do trabalho que vem
acompanhando o atual processo de reestruturao, com a multiplicao do
trabalho temporrio, subcontratado e em tempo parcial.2 Conform e
esclarece Harvey (1993, p. 144), a atual tendncia dos mercados de
trabalho reduzir o nmero de trabalhadores centraise empregar cada
vez mais uma fora de trabalho que entra facilmente e demitida sem
custos quando as coisas ficam ruins .
J Brando Lopes (1993, p. 182) vem chamando a ateno para a
correlao entre reestruturao industrial, de um lado, e excluso e
pobreza, de outro, alertando que a simples f nas virtudes
daindustrializao no bsta mais quando se pensa em enfrentar a questo
da pobreza em pases industrializados da periferia, como o
Brasil.
Em recente balano sobre a Sociologia do Trabalho no Brasil,
Castro e Leite (1994, p. 49) apresentam um grande conjunto de
trabalhos que tm seguido essas preocupaes, atravs de saudveis
rupturas nos estilos metodolgicos e nas tematizaes mais
ortodoxas
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da Sociologia do Trabalho Industrial no Brasil. As autoras
concluem que o determinismo material parece ter encontrado limites
tanto na fora com que os elementos organizacionais tm se mostrado
determinantes nas mudanas recentes no mundo do trabalho fabril no
Brasil, quanto no reconhecimento da virtualidade explicativa de
fatores relativos concepo da ordem no trabalho, s representaes dos
agentes e ao simbolismo nas instituies fabris (Castro e Leite,
1994, p. 50).
Embora seja evidente que estes estudos so muito mais ricos, na
medida em que buscam dar conta da complexidade da realidade, bem
como dos problemas sociais advindos do atual processo de
reestruturao produtiva, a capacidade dos defensores de um nico
modelo no s de orientar a discusso, mas tambm de impor novas
categorias de anlise e subscrever um campo de preocupaes, que tem
orientado, inclusive, a produo de seus crticos, no deixa de ser
intrigante.
A essa discusso dedicaremos o ltimo tpico deste texto. Nossa
proposta que, embora a crtica s anlises que estamos discutindo
venha sendo bem feita em termos de apontar para a simplificao da
realidade provocada pela generalizao, para o conjunto da economia,
de caractersticas que podem ser observadas nas empresas de ponta de
alguns setores estratgicos, ela se absteve at o momento de discutir
as bases tericas mais amplas sobre as quais tais estudos se apiam.
Do nosso ponto de vista, talvez falte ainda fazer uma crtica mais
profunda ao determinismo econmico e tecnolgico que orienta essapro-
duo terica luz da discusso epistemol- gica atual, a qual tem
alimentado um rico debate sobre o predomnio da razo tcnica que
orientou o pensamento cientfico at recentemente.
A Postura Determinista e a Crise da Razo Tcnica
Valeria comear relembrando que uma das marcas mais importantes
desses estudos consiste no privilegiamento das idias de eficincia e
produtivismo. Tal postura tem con
siderado como fundamental na anlise das empresas, dos vrios
setores de atividade, bem como das economias nacionais, dados
relacionados lucratividade e competitividade. No que se refere s
implicaes sociais das transformaes em curso, duas posturas tm
predominado: ou os estudos simplesmente ignoram a questo, ou
ressaltam seus aspectos positivos, como a tendncia ao emprego de
uma mo-de-obra mais qualificada, estvel e escolarizada, dedicando,
em geral, muito pouca ateno aos graves problemas sociais que o
atual processo de reconverso produtiva vem provocando mundialmente,
como a segmentao do mercado de trabalho, o aumento do desemprego, a
concentrao da riqueza, o aumento da misria e o enfraquecimento de
importantes formas de organizao da sociedade civil, como os
sindicatos e comisses de empresa. Dois problemas srios advm dessa
postura. Na realidade, tudo se passa como se estes fenmenos fossem
conseqncias inevitveis do avano tecnolgico, ou efeitos passageiros
que o prprio desenvolvimento se encarregar de resolver, o que
pressupe, de um lado, o atual processo de reestruturao produtiva
como algo determinado pela tecnologia e no como processo de
construo social e, de outro, o privilegiamento da razo tcnica sobre
a razo social.
Essas duas questes encontram-se, entretanto, profundamente
imbricadas, fazendo parte, na verdade, de uma mesma viso de mundo e
de cincia que esteve na base do positivismo. Concedendo tcnica um
papel central na vida humana, este tipo de raciocnio tem como
pressuposto implcito, como j vimos, uma valorao positiva do
crescimento econmico e da evoluo tecnolgica, entendidos como
sinnimo de desenvolvimento social e humano, de melhoria da
qualidade de vida e de progresso. Tem como pressuposto, em outras
palavras, a idia que Castoriadis (1982) identificou como a
instituio imaginria da sociedade, de que o crescimento ilimitado da
produo e das foras produtivas constitui o objetivo central da
civilizao.
Tal postura, entretanto, comea a ser co-
49
-
locada em xeque nos dias atuais, quando a prprianoo de progresso
vem sendo proble- matizada e, quando, como adverte Morin (1982, p.
48), comeamos a aperceber-nos de que pode haver uma dissociao entre
quantidade de bens [...] e qualidade de vida, ou quando vemos que,
a partir de um certo limiar, o crescimento pode produzir mais
prejuzos do que bem-estar e que os subprodutos tendem a tomar-se os
produtos principais.
Convm lembrar, por outro lado, que esse tipo de reflexo no se
expressa nos textos que estamos analisando devido sua total
desconsiderao do papel dos atores sociais. Partindo de uma anlise
que ignora inteiramente o sujeito e que apresenta um determinado
modelo de desenvolvimento como uma inexorabilidade do avano
tecnolgico, tais estudos submergem os atores sociais na lgica
econmica da competitividade. O processo no analisado como resultado
de interesses e prticas sociais determinadas, nem sequer como
podendo ter seu rumo modificado pela ao dos sujeitos. Totalmente
dependente da razo tcnica, o modelo no parece passvel de adaptaes
ou mudanas provocadas pelos atores, o que pode ser claramente
identificado na tendncia a pressupor um modelo nico ao invs de
diferentes trajetrias de desenvolvimento, como a literatura crtica
tem apontado.
Evidentemente, no se trata de ignorar o carter global do atual
processo de reestruturao produtiva e os constrangimentos que o
mercado mundial vem colocando s empresas; sem dvida, preciso ter
presente que os atores sociais agem constrangidos pelas normas
colocadas pelo processo mundial de globalizao. Isso no significa,
entretanto, que se possa esquecer que essas normas no possuem a
capacidade de definir um nico caminho. Pelo contrrio, pressupem,
como qualquer norma social, a possibilidade de construo de
diferentes propostas e projetos sociais de acordo com as distintas
realidades nas quais se inserem.
A arrogncia implcita numa teoria que advoga a superioridade da
razo tcnica sobre
toda e qualquer outra forma de razo, e que ignora totalmente os
subprodutos a que se refere Morin, como se o prprio desenvolvimento
econmico e tecnolgico fosse suficiente para a soluo final de todos
os problemas que afligem a humanidade, ou, pior ainda, como se eles
-nem mesmo existissem, nos remete tambm discusso das relaes entre a
cincia e a tica, tema que vem se colocando de forma cada vez mais
insinuante nos debates recentes sobre a razo cientfica.
Na verdade, a postura de neutralidade implcita nesse tipo de
anlise se contrape a uma tendncia que se vem acentuando nos dias
atuais, de introduzir a preocupao tica na anlise cientfica. Com
efeito, cada vez mais os cientistas vm desenvolvendo a preocupao
com a tica do comportamento tcni- co-cientfico e se afastando da
concepo cientfica clssica que, ao separar fato e valor, elimina de
seu seio a competncia tica. Conforme esclarece Buarque (1993, p.
15), quase unnime a conscincia do risco de deixar o cientista de
hoje movido pelo mesmo esprito de desenvolvimento da cincia que
prevaleceu desde o Iluminismo . Da mesma forma que um fsico sensvel
no pode considerar a bomba atmica apenas como a maravilha da
cincia, os cientistas sociais no podem fechar os olhos para os
efeitos dramticos dos atuais modelos de desenvolvimento. Se abrirem
os olhos, adverte o autor, no vero apenas a maravilhosa fora da
transformao que criou um mundo eficiente, vero tambm misria a ponto
de reduzir o homem a ser parte do lixo; aculturao a ponto de
formarem-se sociedades enlouquecidas; depredao da natureza a ponto
de ameaar-se o prprio futuro da espcie (Buarque, 1993, p. 18).
Estas consideraes nos alertam para a pertinncia das colocaes de
Castillo (1994) e para a urgncia de que a Sociologia do Trabalho
transforme em questes sociolgicas os problemas sociais que as
transformaes produtivas vm fazendo emergir, como os do desemprego,
da precarizao do trabalho, da excluso social, do enfraquecimento
dos
50
-
sindicatos, do debilitamento da noo e dos direitos da
cidadania..
Evidentemente, esse tipo de reflexo no pode estar presente em
anlises que absoluti- zam a lgica do mercado, substituindo as noes
de finalidade e de valor pelas de produtividade e competitividade,
ao mesmo tempo em que se abstm de problematizar seus efeitos
sociais.
Ao contrrio desta postura que restringe a realidade, a
Sociologia do Trabalho necessita de estudos que, recuperando a mais
pura tradio sociolgica, alarguem o campo de anlise, levando em
considerao a interao existente entre o conjunto de fenmenos que
fazem parte da realidade social, e que reconheam que a razo tcnica
um tipo de razo eno arazo absoluta, ou anicarazo. Que no percam de
vista, enfim, que embora o desenvolvimento social seja influenciado
tambm pela tcnica, ela no o nico fator a determinar os rumos da
histria. Mais que isso, que levem em conta que a tcnica a expresso
de uma determinada relao social, de um projeto que se vem impondo
atravs de um processo conflituoso de embate entre contendores que
so sujeitos sociais com diferentes projetos de racionalidade; ou
ainda, como j alertou Touraine (1990), que expressem a tenso entre
o triunfo da razo e a afirmao do sujeito.
H que se considerar, por outro lado, que cada vez mais a cincia
vem se apercebendo de que a razo j no d conta da complexidade da
realidade. Como explicita Gonalves (1989, p. 138),
sabemos hoje, principalmente aps Freud e graas tambm
antropologia, que a razo no est separada da irrazopor uma muralha
da China: o hxtmo sapiens tambm homo demens. A vida est povoada de
sem sentidossem os quais no teria sentido viver, como o amor, a
paixo, a arte, o jogo, o prazer. Neste terreno de intersubjetivi-
dades, que o terreno do conflito e da poltica,
a razo instrumental encontra seus limites.Alis, no seria demais
lembrar que esses
limites se constituram num dos temas privilegiados da Escola de
Frankfurt, que dedicou
grande parte dos seus eforos para demonstrar como, em sua
trajetria, a razo foi sendo colocada a servio da dominao e represso
do homem e a tcnica foi adquirindo um carter ideolgico:
a tcnica e a cincia, na forma de uma conscincia positivista
imperante e articulada como conscincia tecnocrtica , comeam a
assumir o valor posicionai de uma ideologiaque substitui as
ideologias burguesas destrudas (Habermas,1994, p. 84).
Na verdade, a idia de que a razo se reduz razo cientfica e
tecnolgica, na qual a cincia se apoiou durante tanto tempo, vem
sendo hoje contestada por todos os lados. Cada vez mais vem-se
afirmando a concepo de que a
relao sujeito-objeto, caracterstica da razo cientfica, no pode
ser transposta sem as necessrias mediaes para o terreno do social,
campo onde se desenvolvem as relaes sujeito-sujeto expressas
simbolicamente (Gonalves, 1989, p. 140).
Isso significa reconhecer que a cincia tambm socialmente
instituda e que as teorias se apiam em princpios fundamentais que,
embora inconscientes ou invisveis, comandam o processo de
conhecimento, organizando-o de acordo com sua lgica. Como tais
princpios fazem parte da viso de mundo e da cultura dominantes na
sociedade, cabe tambm cincia refletir sobre as caractersticas
culturais dos conceitos e teorias sobre os quais se apia, bem como
sobre seu papel na sociedade. Esse esforo supe, como j alertou
Morin (1982, p. 46), a introduo da reflexi- dade consciente, ou
seja, a reintroduo do sujeito no conhecimento cientfico , a fim de
que ele no se mantenha cego para o papel que desempenha na
sociedade.
Muito distantes dessas.preocupaes, os estudos que estamos
analisando se baseiam no postulado da reduo, sobre o qual se apoiou
a cincia positivista e que, segundo Morin (1982, p. 34), atribui a
verdadeira realidade no s totalidades, mas aos elementos, no s
qualidades, mas s medidas, no aos seres e
51
-
aos entes, mas aos enunciados formalizveis e matematizveis.
O determinismo econmico e tecnolgico aparece, assim, como uma
conseqncia quase natural do mtodo de anlise e dos princpios tericos
que o embasam. Totalmente preso aos postulados da cincia clssica
que se baseou na supremacia da razo tcnica; na decomposio da
realidade em suas categorias mais simples e na busca das leis
universais; na quantificao da realidade como garantia da
cientificidade; na separao entre sujeito e objeto do conhecimento e
na suposta neutralidade do sujeito, o que gerou, nas palavras de
Morin, uma cincia sem conscincia , esse tipo de anlise do atual
processo de reestruturao produtiva s poderia ser to determinista
como os princpios sobre os quais se apia. Estes, na realidade, j
haviam se encarregado de eliminar o acaso, o indeterminado e o
imprevisto da anlise cientfica. Ao enfatizar abusca das leis
universais, a lgica da simplificao rejeitou no s a incerteza como o
irracionalizvel, no s o sujeito como suas imprevisveis
manifestaes.
Concluso
O atual processo de reestruturao produtiva que se vem
processando em escala mundial vem jogando por terra princpios de
organizao da produo e do trabalho consagrados pelo taylorismo e o
fordismo. De uma maneira geral, as empresas vm buscando integrar
tarefas e processos anteriormente compartimentalizados, envolver os
trabalhadores com os objetivos empresariais e focalizar a produo em
seus produtos principais, externalizando, ou terceirizando, a
produo de partes complementares. Esse processo vem se dando,
entretanto, de maneira muito diferente de pas a pas, de setor a
setor, e mesmo de empresa a empresa de um mesmo setor.
Se, em alguns casos (em geral, as empresas lderes dos setores de
ponta da economia), ele tem significado a eliminao do trabalho
parcelado" e realizado em tempos impostos, maior autonomia aos
trabalhadores para to
mar decises relativas ao processo produtivo e, ambientes de'
produo mais participativos e menos conflituosos, isso no significa
que o trabalho desqualificado tenha sido abolido, que o capital
tenha abandonado sua preocupao de controlar os trabalhadores ou que
esteja havendo uma efetiva democratizao dos locais de trabalho e
das relaes industriais. No significa, tampouco, que essas tendncias
estejam inscritas no desenvolvimento futuro, devendo
obrigatoriamente se concretizar com o passar do tempo. Ao contrrio,
o que a pesquisa emprica tem demonstrado que a realidade
extremamente complexa e multi- facetada, apresentando, muitas
vezes, tendncias ao mesmo tempo opostas e complementares.
Com relao qualificao da mo-de- obra, por exemplo, vale lembrar
os estudos que vm afirmando no s a permanncia dos trabalhos
desqualificados, mas tambm sua imbricao com os preconceitos sociais
relacionados s diferenas de gnero, de etnia, de cor, de
nacionalidade, de idade. Por outro lado, importante no perder de
vista que o fato de as empresas no estarem mais buscando o controle
sobre seus trabalhadores, atravs do parcelamento do trabalho e da
desqualificao da mo-de-obra, no significa que elas tenham
abandonado a preocupao com o controle. Na verdade, tudo indica que
a mudana estaria somente na maneira de controlar, tendo em vista
que as estratgias nesse sentido continuam atuais. Valeria lembrar,
a esse respeito, o alerta de Sewell e Wilkinson (1992), que
associam as novas formas de vigilncia ao Panptico, tendo em vista a
sofisticao dos sistemas utilizados como formade controlar os
trabalhadores individualmente. De acordo com eles, ao contrrio da
suposta autonomia do trabalho, os mtodos japoneses possuem um
eficiente sistema de vigilncia que se apia tanto na visibilidade
natural do processo de produo e do desempenho do trabalhador na
fbrica organizada sob os princpios do just-in-time, como no uso
freqente de sistemas de informao administrativa ca-
52
-
pazes de assinalar rapidamente os desvios das normas de produo
ou de qualidade.
Tambm no que se refere aos sistemas participativos e busca de
uma mo-de-obra mais autnoma para tomar decises relativas ao
processo produtivo, convm destacar que j h vrios estudos que vm
ressaltando que as estratgias participativas nem sempre tm
significado uma democratizao da fbrica e das relaes de trabalho.
Analisando a questo, Leite (1995, p. 147) alerta para o fato de que
o poder continua concentrado nas mos da gerncia das empresas, bem
como para a resistncia das firmas em permitir a participao dos
trabalhadores em qualquer forma de deciso que extrapole as
relativas s atividades produtivas de rotina, concluindo que uma
anlise mais cuidadosa do que vem acontecendo no interior das
fbricas aponta, na realidade, para um processo de participao
parcial, limitado e, sobretudo, controlado.
Por outro lado, quando se leva em considerao as diferentes
realidades nacionais, o que se observa que a reestruturao vem se
dando de forma muito distinta de pas a pas, havendo muitos exemplos
de economias inteiras que no vm adquirindo as caractersticas da
especializao flexvel, da produo enxuta, ou da sistemofatura.
Tampouco se pode defender a possibilidade de que tal modelo venha
inexoravelmente a se tornar dominante num futuro prximo e que sua
difuso seja, portanto, apenas uma questo de tempo.
Ao contrrio, muitas pesquisas vm revelando que, no processo de
reestruturao produtiva, as novas tendncias de uso da mo-de-obra vm,
muitas vezes, se conectando com velhos princpios, incorporando- os
e revitalizando-os.3
A compreenso desse processo exige, portanto, que a Sociologia do
Trabalho abandone a perspectiva determinista. No s porque ela no
permite que se capte sua complexidade, suas diferentes formas de
manifestao, assim como as distintas formas de imbri-
' cao dos novos princpios de produo com velhas formas de uso do
trabalho que se rea- tualizam, ganhando inclusive novo dinamismo,
mas principalmente porque, ao fechar a possibilidade para sadas
diferentes, a perspectiva determinista nos impe um modelo que
elimina da anlise os atores sociais, bem como a possibilidade de
transformao do curso da histria a partir de suas conscincias, suas
vontades, suas prticas sociais. Tal perspectiva, por sua vez,
torna-se to mais preocupante, quanto mais se leva em conta os
graves problemas sociais que o atual processo de reestruturao vem
provocando, e que as teorias deterministas insistem em no levar em
considerao, por no se encaixarem em seus pressupostos tericos.
(Recebido para publicao em maio ck, 1996)
Notas
1. Hola e Todaro (1992), por exemplo, alertam para o fato de
que, em virtude das novas tendncias de gesto da mo-de-obra que esto
acompanhando o processo de modernizao tecnolgica, as empresas
estariam valprizando aspectos comportamentais considerados como
tipicamente femininos, como capacidade de comunicao, facilidade
para trabalho em grupo, habilidade de transmisso de conhecimento,
flexibilidade no trato com as pessoas (Abramo, 1993, p. 2).
2. Uma rica e pormenorizada anlise dessas tendncias no mundo
atual pode ser encontrada em Mattoso (1995).
3. Em interessante coletnea organizada por Abreu e Sorj (1993),
por exemplo, esto reunidos estudos que elucidam as relaes entre
trabalho a domiclio e modernizao tecnolgica,
53
-
revelando que o atual processo de reconverso produtiva vem
reatualizando essa forma de produo e ocupao (Abreu e Sorj, 1993, p.
12). Tambm Harvey chama a ateno para essa questo, lembrando o modo
como as novas tecnologias de produo e as novas formas de organizao
permitiram o retorno dos sistemas de trabalho domstico, familiar e
paternalista: O retomo da superexplorao em Nova York e Los Angeles,
do trabalho em casa e do teletransporte, bem como o enorme
crescimento do setor informal por todo o mundo capitalista avanado,
representa de fato uma viso bem sombria da histria supostamente
progressista do capitalismo (Harvey, 1993, p. 175).
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ResumoA Sociologia do Trabalho diante da Reestruturao Produtiva:
Uma Discusso Terica
Partindo da discusso da trajetria da Sociologia do Trabalho em
trs pases onde a disciplina mais se desenvolveu, e analisando as
transformaes porque vem passando o trabalho no atual contexto
mundial de reestruturao, o artigo discute as principais tendncias
tericas que se vm difundindo na rea. Os limites das anlises, que
restringem seu campo de estudo aos aspectos materiais e tecnolgicos
da questo, so sublinhados, ao mesmo tempo em que se destaca sua
incapacidade de levar em conta os graves problemas sociais que se
vm colocando para as sociedades atuais. Um dos eixos da discusso a
noo de determinismo tecnolgico, tema considerado ainda central para
o avano da disciplina.
AbstractLabor Sociology in the Context o f the Restructuring o f
Production: A Theoretical Discussion
Based on both a discussion of the history of labor sociology in
the three nations where it has enjoyed greatest development and on
an analysis of labor transformations within the current world
context of the restructuring of production, the article discusses
the main theoretical trends within this field. The limitations of
analyses whose scope is restricted to study of the material and
technological aspects of the question are underscored, along with
their incapacity to take into account the serious social problems
currently facing todays societies. One of the main threads of this
discussion is the notion of technological determinism, a topic
deemed central to further progress within this field.
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