4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013. A SEGURANÇA AMBIENTAL A PARTIR DAS MISSÕES DE PAZ: O CASO HAITIANO Área Temática: SI - Segurança Internacional Modalidade do Trabalho: Painel (avulso) Tadeu Morato Maciel Faculdade Santa Marcelina (FASM) Belo Horizonte 2013
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A segurança ambiental a partir das missões de paz: o caso haitiano
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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais
De 22 a 26 de julho de 2013.
A SEGURANÇA AMBIENTAL A PARTIR DAS MISSÕES DE PAZ: O CASO HAITIANO
Área Temática: SI - Segurança Internacional
Modalidade do Trabalho: Painel (avulso)
Tadeu Morato Maciel Faculdade Santa Marcelina (FASM)
Belo Horizonte 2013
Tadeu Morato Maciel
A SEGURANÇA AMBIENTAL A PARTIR DAS MISSÕES DE PAZ: O CASO HAITIANO
Trabalho submetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.
Belo Horizonte
2013
RESUMO
A realidade internacional do pós-Guerra Fria demonstrava que o conceito de
segurança internacional não poderia se resumir aos conflitos entre Estados, devendo considerar as novas ameaças à governança global. Em meio a este cenário, destacou-se o vínculo entre conflitos internos ou transnacionais e as questões climáticas e ambientais. A segurança ambiental foi cada vez mais evocada nas Relações Internacionais, tanto que em 2007 o Conselho de Segurança debateu pela primeira vez o tema. Como exemplo desta dinâmica, este artigo propõe a análise de como a segurança ambiental se impõe em Estados em transformação pós-conflito, comumente considerados Estados falidos, fracos ou débeis, que enfrentam o desafio de recompor ou criar sua governança. A partir do exemplo da missão de paz no Haiti (MINUSTAH), pretende-se analisar a variável ambiental em missões com mandatos ampliados, que não se limitam a ações estritamente militares. Os fluxos de “refugiados ambientais” se destacam dentre as consequências indesejadas das questões climáticas e ambientais para a ordem internacional, fazendo com que os refugiados haitianos também façam parte da análise presente neste artigo.
A Segurança Ambiental a partir das missões de paz: o caso haitiano1
Introdução
A partir dos anos 1990, diversos autores do campo das relações internacionais
questionaram o conceito de segurança como exclusivamente vinculado a fatores militares.
Diante da crescente complexificação das relações internacionais, a segurança internacional
não poderia se resumir ao equilíbrio de poder entre as potências, havendo a necessidade de
englobar novas ameaças, como o terrorismo, os tráficos transnacionais (drogas,
armamentos, pessoas), os conflitos internos e transnacionais, a pobreza extrema, as
violações dos direitos humanos e a degradação do meio ambiente.
A partir deste cenário o termo “segurança ambiental” começou a ganhar espaço nas
relações internacionais nos últimos 20 anos, sendo debatido, inclusive, no âmbito do
Conselho de Segurança como elemento essencial para a governança global. Neste período
aumentaram os estudos que anteveem o adensamento dos conflitos (políticos, sociais e
étnicos) produzidos pelas mudanças climáticas e degradações ambientais. Essa crescente
importância da variável ambiental pode ser verificada nas missões de paz da ONU, que
cada vez mais assumem mandatos ampliados voltados à transformação pós-conflito, em
consonância com a ideia de segurança internacional como um termo mais amplo.
Desta forma, este texto procura compreender as alterações no conceito de
segurança internacional, com foco na ideia de segurança ambiental. Esta pesquisa utilizará
o Haiti (a partir da atuação da MINUSTAH) como estudo de caso, verificando como a
crescente utilização da segurança ambiental pode ser observada nas missões de paz em
Estados fragilizados. Também será abordado o fluxo de refugiados haitianos como elemento
essencial para a compreensão desta discussão.
A ampliação do conceito de segurança internacional no pós-Guerra Fria
Em 1989, a revista norte-americana “National Interest”, publicou o artigo “Será o Fim
da História?”, escrito por Francis Fukuyama antes de seu ingresso no Departamento de
Estado dos EUA. Para o autor, o fracasso do socialismo de Estado (marxismo-leninismo)
consolidaria a vitória da universalização da democracia liberal ocidental como a forma última
1 Este texto foi produzido a partir das pesquisas realizadas no âmbito do GT-II (Governança Global e Reconstrução Pós-
Conflito) do GAPCON (Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos). Desta forma, agradeço a parceria e compreensão dos colegas que fizeram parte desta pesquisa, que também resultou em um texto conjunto sobre o mesmo tema.
de governo para a humanidade. Ele remonta a Hegel para afirmar que não haveria mais
combates de ideias com a vitória e universalização da democracia liberal. Assim, para parte
do internacionalismo liberal a nova ordem mundial seria definida pela “paz democrática”, a
partir de um sistema internacional no qual haveria a expansão do capitalismo e da
democracia, além da disseminação de valores universais vinculados aos direitos humanos.
Apresentava-se um novo panorama das diretrizes que pautavam as discussões
sobre os temas de paz e segurança mundiais. O que era denominado como internacional –
ou seja, entre nações –, deixava, gradativamente, de ser assunto exclusivamente tratado
nessa esfera, em especial no âmbito da segurança internacional. Os conflitos nas relações
internacionais começam a ser pautados pelo discurso da ação conjunta de Estados em
nome de valores universais e de uma nova ordem mundial. Conforme declaração do
presidente Bush em 1991, a ação do governo dos EUA contra o Iraque naquele ano não
demonstraria a luta pelo Kuwait, mas sim a busca por uma nova ordem mundial, em nome
da proteção de valores universais da humanidade (Rodrigues, 2012).
Após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, o medo do embate entre
as duas grandes potências desapareceu, ao passo que, no decorrer das décadas seguintes,
outros temas tomaram conta da agenda dos governos e organismos internacionais, tais
como: os terrorismos (especialmente os vinculados aos fundamentalismos religiosos); os
tráficos transnacionais de drogas, de armamentos e de pessoas; as guerras civis e étnicas,
os genocídios e as epidemias (que repercutiam além dos limites das fronteiras dos
chamados Estados falidos, fracos ou débeis); e as questões climáticas e ambientais.2
Deve-se ressaltar que outros campos dos estudos de Relações Internacionais
também foram afetados pelas novas problemáticas que foram evidenciadas a partir dos
anos 1990. Diversos autores, inclusive realistas, passaram a questionar o conceito de
segurança como exclusivamente vinculado à segurança nacional e ao equilíbrio de poder
entre potências, ou seja, houve o deslocamento do “foco do problema da segurança do seu
vínculo exclusivo com o Estado para associá-lo a questões para além, para aquém e através
do Estado” (Rodrigues, 2012: 8).
Diante desse cenário, o cientista britânico Barry Buzan afirmou que a segurança das
coletividades (organizadas no sistema estatal) não se resumiria apenas a fatores militares
(como antes descreviam os realistas), mas também a fatores políticos (estabilidade e
legitimidade das instituições políticas), econômicos (acesso a recursos mínimos para a
manutenção do bem-estar e das instituições), societais (preservação de elementos como a
2 Um dos primeiros documentos sobre as novas ameaças à segurança foi a “Agenda para a paz: diplomacia preventiva,
estabelecimento da paz e manutenção da paz”, acordada no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1992.
língua, os costumes, a religião) e ambientais (manutenção da biosfera, necessária para o
desenvolvimento dos outros fatores) (Buzan, 2007: 38).
Assim, a ampliação do conceito de segurança demonstrava que não apenas as
fronteiras estatais deveriam ser protegidas, e, consequentemente, não apenas os conflitos
interestatais seriam uma ameaça à segurança internacional, mas também questões como a
degradação ambiental, as epidemias, os deslocamentos massivos de populações, a pobreza
extrema. Desta forma, será analisado de forma específica como os problemas climáticos e
ambientais são crescentemente abordados como questão de segurança internacional.
Segurança Ambiental e Governança Global
Nas últimas décadas, aumentaram os estudos que anteveem o adensamento dos
conflitos produzidos pelas mudanças climáticas e degradações ambientais. Além das
análises produzidas pelo International Pannel on Climate Change (IPCC), e dos relatórios
publicados no âmbito da Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, realizada em 2012), livros como o Guerras Climáticas, de Harald Welzer
(2010), demonstram como a degradação ambiental e as mudanças climáticas podem tornar
certas áreas do planeta inúteis para a sobrevivência, causando o aumento de conflitos
(políticos, sociais e étnicos) por conta de disputas por recursos vitais escassos (como água
e terras férteis). Dessa forma, a segurança dos Estados (e de suas populações) seria cada
vez mais ameaçada pelos conflitos causados pelas questões climáticas, ou seja, guerras
civis, revoltas sociais, crises humanitárias, grandes fluxos migratórios e até mesmo conflitos
entre Estados seriam determinados pelas mudanças climáticas ou degradações ambientais.
Embora seja possível verificar discussões sobre questões ambientais na Conferência
de Estocolmo (1992), no Relatório Brundlandt (1987) e na Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), pode-se considerar que em 2004 a
temática ambiental ganhou nova ênfase na pauta e no debate sobre os problemas de
segurança. Neste ano, a partir da demanda do então Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas, Kofi Annan, foi criado o painel chamado “High-level Panel on Threats,
Challenges and Change”, com a tarefa de apresentar medidas objetivas que possibilitassem
ações coletivas de promoção da paz e da segurança em nível global no século XXI. Os
estudos deste Painel resultaram, no final de 2004, no relatório “A more secure world: Our
shared responsibility”3, o qual procura demonstrar as diferentes inquietações e percalços
moon, afirmou que as alterações climáticas não geram apenas problemas ambientais, mas
também graves implicações socioeconômicas que afetam diretamente a segurança.
Defendendo perspectivas diversas, outros países presentes na reunião, dentre eles a
China, o Paquistão e a África do Sul, sustentam que o Conselho de Segurança não é o
fórum adequado para discussão de temas relacionados ao meio ambiente. Embora
reconheçam que as questões climáticas e ambientais produzem impactos na segurança
global, tais países preferem que as ações de prevenção e solução desses problemas se
restrinjam ao ECOSOC e seus órgãos subsidiários. O Brasil, representado pelo embaixador
Piragibe dos Santos Tarragô, destacou a importância da reflexão do tema como demanda
de segurança. Entretanto, demonstrou que deve haver certo cuidado no estabelecimento de
vínculos entre conflitos e a utilização de recursos naturais ou a questão do clima. O
embaixador brasileiro também expressou preocupação com a inclusão deste tema na
agenda do Conselho de Segurança, por se tratar de um órgão menos democrático na ONU,
o que poderia deixar os países em desigualdade nas tomadas de decisões sobre as
tratativas ambientais. Dessa forma, a Assembleia Geral seria o espaço mais adequado para
tal debate, por ser um fórum de representação mais ampla e igualitária.
Por outro lado, algumas delegações que exercem forte influência no sistema da ONU
apoiaram o posicionamento da ministra britânica, tal como a missão francesa e a
representação da União Europeia, as quais reafirmaram o vínculo entre mudanças
climáticas, instabilidade e vulnerabilidade de grandes populações, emergências
humanitárias e o surgimento de conflitos. Neste ponto, é possível destacar que os europeus
foram pioneiros na incorporação das questões climáticas como um problema de segurança.
Em 2003, a Comissão Europeia publicou o documento Estratégia Europeia de Segurança
(EES), no qual questões como o terrorismo, o tráfico transnacional, as pressões migratórias,
o aquecimento global e os desastres naturais justificariam práticas contínuas de segurança.
A busca por recursos escassos tende a gerar inúmeros conflitos em regiões turbulentas,
como na África e Oriente Médio, onde estão fontes de gás natural e petróleo utilizadas pelos
europeus. Além disso, tais conflitos produziriam pressões migratórias nos países europeus.
A solução para as levas de imigrantes rumo à União Europeia combina a ajuda
humanitária para populações em regiões sensíveis com mecanismos de monitoramento das
fronteiras (com sistemas eletrônicos apoiados por câmeras e bancos de dados integrados -
vide criação, em 2004, da Agência Europeia para o Gerenciamento da Cooperação
Operacional nas Fronteiras Externas – FRONTEX). Tais ações estão apoiadas nos
princípios de “mitigação” e “prevenção”, sugeridos no documento “Combating climate
change: the EU leads the way”, lançado pela Comissão Europeia em 2007. Programas que
mitiguem o desenvolvimento de conflitos alimentados por questões climáticas em regiões
pobres (fontes de energia e imigrantes) consequentemente previnem problemas de
fornecimento de energia, dificuldades geoestratégicas e crises humanitárias (e seus
refugiados). Portanto, a partir dos processos de securitizações e do apelo ao humanitarismo,
cria-se uma articulação entre segurança humana, segurança climática e segurança
energética na União Europeia (Rodrigues, 2012: 26).
Do ponto de vista acadêmico, há autores das Relações Internacionais que perdebem
as questões ambientais e climáticas como um vetor a mais das preocupações com a paz e a
segurança globais. Pode-se destacar a atuação de Joseph Nye (2009; 2012), teórico de
vertente liberal das Relações Internacionais que criticou tanto a recusa do governo de
George W. Bush em assinar o Protocolo de Kyoto como a guinada unilateralista na política
dos EUA após os ataques de 11/09. Para o autor, a construção da segurança global apenas
será efetiva se estiver atenta às novas ameaças, como os problemas ambientais. Seguindo
outra corrente teórica, Barry Buzan (conforme explicitado anteriormente) propõe o
alargamento do conceito de segurança e, neste sentido, defende que não se pode
desconsiderar que os problemas ambientais são também questões políticas e geram
situações de vulnerabilidade securitária. No Brasil, Marco Cepik (2001) sugere que as
consequências advindas das mudanças climáticas podem ter impactos diretos ou indiretos
na dinâmica dos conflitos internacionais, afetando as condições da humanidade, fazendo
com que o autor proponha o vínculo entre questões ambientais e segurança humana.
Diante do cenário apresentado, é possível afirmar que as questões climáticas e
ambientais habitam crescentemente as práticas, discursos e pesquisas sobre segurança
internacional e governança global. Desta forma, no próximo tópico pretende-se verificar
como a variável ambiental se apresenta como um elemento essencial nas ações de
promoção da paz e segurança globais, mesmo que por meio de ações ainda embrionárias.
Segurança ambiental, meio ambiente e reconstrução de Estados
As operações de paz não são uma novidade do mundo pós-Guerra Fria. O Brasil, por
exemplo, participa dessas operações desde 1947, quando enviou observadores militares
aos Bálcãs. Contudo, a mudança de paradigma sobre a segurança internacional forneceu
novos enfoques para os programas de promoção, manutenção e construção da paz como
instrumentos das ações securitárias em nível global. Em consonância com esse processo,
ganha crescente força o princípio da Responsabilidade de Proteger (R2P), o qual é
composto por três categorias básicas: prevenir, reagir e reconstruir.5 Em meio a esta
dinâmica, crescem as ações de construção ou reconstrução de Estados classificados como
fracos, falidos ou débeis, vistos como ameaças à segurança global:
Dentro do sistema da ONU, e mais especificamente no Conselho de Segurança,
duas ‘normas’6 novas e bastante relacionadas surgiram desde o fim da Guerra Fria;
a primeira trata da preferência crescente pelas operações de paz segundo o
Capítulo VII (Haiti, Costa do Marfim e Líbia são exemplos recentes, assim como a
missão AU-ONU ‘híbrida’ em Darfur), sendo a segunda a doutrina da
‘Responsabilidade de Proteger’ (R2P), a qual contraria a norma tradicional de não
intervenção nos assuntos internos dos países. (Schoeman, 2012: 91).
É a partir deste quadro e de diversas recomendações (como aquelas apontadas
pelo Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças) que a preocupação com o
meio ambiente torna-se mais evidente nos programas de pacificação de regiões instáveis.
Verifica-se o entendimento nas atividades das missões de peacebuilding e peacekeeping
operacionalizadas pela ONU de que a questão ambiental é um elemento cada vez mais
necessário no processo de reconstrução de Estados. Este posicionamento é apresentado
pelos comitês que gerenciam missões em andamento e pela própria Peacebuilding
Commission, órgão da ONU responsável por apoiar a reconstrução de países em situação
pós-conflito. Em um dos grupos de trabalho da Comissão, Dr. Richard Matthew aponta que:
(...) a segurança não pode ser tratada de forma isolada, havendo a necessidade de
se levar em conta os fatores econômicos e ambientais que contribuem para o
conflito. (...) Há um crescente corpo de conhecimento sobre o vínculo das questões
ambientais com os conflitos. A interdependência entre esses fatores é evidenciada
pela recente violência em vários países afetados pela escassez de alimentos. Este
conhecimento precisa ser convertido em ferramentas práticas para a aplicação de
políticas mais eficazes. Fatores ambientais e recursos naturais podem contribuir
para o conflito de diversas maneiras (...). Eles podem exacerbar os conflitos em
curso e dificultar a resolução dos mesmos. (...) Entretanto, a instrumentalização dos
fatores ambientais e dos recursos naturais tem o potencial de possibilitar a
construção da paz.7
5
Cf. CUNHA, Mayara; STERNBERG, Sami; SOARES, Thaís; SANTOS, Victória. Responsabilidade de proteger: Avanços e desafios na implementação de um novo princípio para a proteção de indivíduos. Disponível em: <http://sinus.org.br/2012/wp-content/uploads/06-AGNU.pdf>. Acesso em: 26/04/2013. 6 Talvez estes não externem o significado pleno de ‘normas’ (ainda), porém ambos se tornam mais e mais influentes na forma
de operar do Conselho (nota do original). 7 Peacebuilding Commission - Working Group on Lessons Learned - From Conflict to Peacebuilding: The Role of Natural
Resources and Environment. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacebuilding/pdf/doc_wgll/environment_conflict/ wgll_chair_summary_08_05_2008.pdf>. Acesso em: 17/02/2013.
Aos elementos mais tradicionais (normalmente associados a questões militares), que
compõem as ações em territórios sob conflito, são agregadas atividades que demonstram o
vínculo entre questões ambientais e a desestabilização de países, falta de legitimidade de
governos, migrações forçadas e dificuldades socioeconômicas. Ainda segundo o grupo de
trabalho da Peacebuilding Commission, se os recursos naturais não são tratados de forma
adequada, podem retardar o crescimento econômico e o desenvolvimento social, contribuir
para a ineficácia das operações de estabilização e levar a uma recaída da violência.
Da mesma forma, o Departamento da ONU para Operações de Paz (Department of
Peacekeeping Operations) reconhece que o meio ambiente, os recursos naturais e os
impactos das mudanças climáticas podem ser causadores de conflito. Nesse sentido, o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sugere que nos últimos 60
anos, pelo menos quarenta por cento de todos os conflitos intraestatais têm ligação direta
com recursos naturais, e que esse vínculo dobra o risco de uma recaída ou retorno do
conflito nos primeiros cinco anos. Ainda segundo o PNUD, desde a década de 1990, ao
menos 18 conflitos violentos foram motivados pela exploração dos recursos naturais, como
madeira, diamante, ouro, minerais, petróleo, terra fértil e água.8
As recentes missões para estabilização e reconstrução de regiões conflituosas
devem alinhar suas ações com modelos de sustentabilidade ambiental, evitando a
recorrência da instabilidade social e econômica causadas pelo uso indevido de recursos
naturais ou pela degradação do meio ambiente. É possível verificar alguns desses
mecanismos na MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), a
qual desenvolve suas atividades de pacificação não apenas por meio da atuação militar,
mas também possibilita a implementação de projetos de saúde pública, de renovação
energética e de assistência sanitária e alimentar para a população haitiana, com base na
ideia de vincular a missão de pacificação à sustentabilidade ambiental.
Projetos de cooperação na área ambiental a partir da MINUSTAH
A MINUSTAH foi estabelecida em 01 de junho de 2004, pela Resolução 1542 do
Conselho de Segurança. Esta missão sucedeu uma Força Interina Multinacional, também
autorizada pelo Conselho de Segurança, após uma série de conflitos armados por todo o
país e a consequente saída para o exílio do ex-presidente Jean-Bertrand Aristides. Por
8 United Nations Peacekeeping - Conflict and resources. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/issues/
conta da devastação causada pelo terremoto que atingiu o país em 12 de janeiro de 2010,
que resultou em 220 mil mortos (segundo o governo haitiano), o Conselho de Segurança
endossou a recomendação do Secretário-Geral da ONU e, por meio da Resolução 1908,
ampliou a capacidade de atuação da missão no sentido de estabilizar e reconstruir o Haiti.
Desde o início do seu mandato, a MINUSTAH implementou diversas ações que
propunham a concretização de uma paz mais sustentável, muito além de ações estritamente
militares, especialmente após o forte terremoto de 2010. Tal dinâmica pode ser identificada
nos discursos e ações do Exército brasileiro, pois para esta instituição o foco da atuação
brasileira na MINUSTAH “desloca-se, além da segurança, para obras de engenharia,
saneamento básico, assistência médica e atividades de cunho social”.9 Além disso, a
presença da MINUSTAH também potencializou projetos de cooperação implementados fora
do seu âmbito, por países e organizações que faziam ou não parte da missão.
Segundo Valler Filho (2007: 178-180), ao mesmo tempo em que eram
implementados os esforços político-militares iniciais para a estabilização, as Nações Unidas,
a Comissão Europeia, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
anunciaram o financiamento de projetos considerados imprescindíveis para o processo
inicial de reconstrução. A partir de uma reunião em Nova York, em março de 2004, entre o
governo interino e os países doadores, foi elaborado o Quadro de Cooperação Interina
(Interim Cooperation Framework – ICF). Este documento pretendia ser o início de uma ajuda
internacional mais organizada rumo à superação da crise e do subdesenvolvimento no país.
Dois meses depois, reuniam-se em Porto Príncipe cerca de 250 consultores
(especialistas e técnicos internacionais e locais) – além de partidos políticos, da iniciativa
privada e de setores da sociedade civil – para realizarem o detalhamento e a elaboração
final do ICF. Dentre os subtópicos do documento, constavam itens relacionados ao meio
ambiente, como agricultura, proteção ambiental, água e saneamento, e manejo de resíduos
sólidos. A partir desta iniciativa, tanto a MINUSTAH quanto diversos países ou instituições
(que faziam ou não parte da missão) procuraram apresentar projetos de cooperação que
propiciassem a reconstrução da sociedade haitiana. Contudo, representantes da sociedade
civil haitiana afirmaram que o ICF se limitou à privatização de empresas estatais, sem
grandes intervenções na estrutura do Estado haitiano. Além do IFC, diversos outros
documentos, inclusive no âmbito das Conferências de Doadores, foram produzidos no intuito
de avaliarem as necessidades principais no processo de reconstrução do Haiti.
9 Exército Brasileiro. Missão no Haiti. Disponível em: <http://www.exercito.gov.br/web/imprensa/resenha>. Acesso em:
20/05/2012.
Procurando focar nas ações desenvolvidas desde o início da missão, é possível
destacar os projetos voltados para o desenvolvimento ambiental e a recuperação de áreas
degradadas. Como exemplo, pode-se mencionar o projeto Transferência de Tecnologias em
Sistema de Produção e Processamento de Caju (desenvolvido por meio da Agência
Brasileira de Cooperação e da Embrapa), visto que os benefícios dessa cooperação não se
restringiriam à produção agrícola propriamente dita, pois o método de plantio do cajueiro
(com as árvores muito próximas umas das outras) possibilitaria uma cobertura do solo, o
que contribuiria para a conservação da água. Outro projeto desenvolvido pelas mesmas
instituições (ABC e Embrapa) objetivaria o desenvolvimento de um Sistema de Gestão
Territorial Estratégica, o qual disponibilizaria uma base de dados integrada sobre
informações geográficas. Esses dados evitariam os riscos de desertificação ao balizarem
políticas de planejamento ambiental, proteção ou conservação do ecossistema.
A presença da MINUSTAH possibilitou ainda ações em outras frentes que se
coadunam com as ambientais, tais como os projetos voltados para a saúde pública e os
projetos de infraestrutura. Entre os primeiros é preciso destacar os relacionados ao
tratamento da água, esgoto e lixo. Tais ações diminuiriam a vulnerabilidade da população
frente às inundações (ou outros desastres naturais), evitando a propagação de doenças, por
exemplo. Em relação aos últimos, o acento recai sobre a implementação de projetos de
iluminação de vias públicas através de luz solar (questão fundamental para o meio ambiente
local, pois a principal fonte de energia do país é o carvão, recurso não renovável e que
propicia uma grande devastação florestal)10.
Além dos programas desenvolvidos no âmbito da MINUSTAH ou dos projetos
bilaterais possibilitados pela presença da missão, existem ações de cooperação firmadas
diretamente com o governo haitiano no âmbito trilateral ou multilateral. Pode-se citar a
cooperação Triangular (com a participação do Brasil e da Espanha) para o Desenvolvimento
Florestal e Recuperação de Áreas Degradadas no Haiti, a qual se apresenta como
alternativa para a recomposição de áreas degradadas mediante a oferta de produtos
florestais e a elaboração de estudos para o fortalecimento de políticas públicas, além da
capacitação de técnicos e produtores rurais na área ambiental.11
Também é possível citar a atuação do Fundo IBAS, criado pelos países que
compõem o Fórum de Diálogo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). O principal objetivo do
Fundo é financiar projetos autossustentáveis e replicáveis, voltados, normalmente, para
10
Sud-Est : Reprise de la vie nocturne à Sable Cabaret, désormais alimenté en énergie solaire - MINUSTAH. Disponível em: <http://minustah.org/?p=35943>. Acesso 10/06/2012. 11
Agência Brasileira de Cooperação. Haiti: Cooperação para Reconstrução e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.abc.gov.br/intranet/Sistemas_ABC/siteabc/documentos/ViaABC12.pdf>. Acesso em: 13/04/2013.
alívio da fome e da pobreza em países de Menor Desenvolvimento Relativo (MDRs) ou em
situação de pós-conflito. No caso da atuação deste Fundo no Haiti, há o projeto Coleta de
Resíduos Sólidos: uma ferramenta para reduzir a violência e conflitos em Carrefour-Feuilles,
uma das três iniciativas recomendadas ao Fundo das Nações Unidas para Peacebuilding
por uma missão conjunta de organismos internacionais que visitou o Haiti12.
Por fim, devem-se ressaltar os esforços de instituições da sociedade civil no território
haitiano. Neste cenário, a atuação da ONG brasileira Viva Rio pode servir como exemplo,
visto que seu trabalho foi iniciado no Haiti ainda em 2004, a convite da ONU. Dentre os
projetos desenvolvidos por esta ONG que possuem vinculo com o meio ambiente, pode-se
destacar a campanha Fatra pa Gen pye (Lixo não tem pé, em créole), que envolve ações
de limpeza e saneamento no bairro de Bel Air, em Porto Príncipe. Ainda sobre saneamento
básico, a Viva Rio propôs o biodigestor para o tratamento do esgoto haitiano – ligado a
banheiros públicos, reduz em até 70% o lodo e decompõe 85% das bactérias do esgoto,
sem o uso de produtos químicos. Há ainda projetos contra o desperdício de recursos
naturais, pela promoção do ecoturismo e de reflorestamento. Assim, as ações desenvolvidas
pela Viva Rio são um exemplo de como as organizações da sociedade civil atuantes no Haiti
potencializaram projetos que interferem na questão ambiental.
Como contraponto às colaborações de ONGs e às análises que percebem essas
atuações como benéficas, há os que pensam (como o General Santos Cruz, ex-comandante
da Força Militar da MINUSTAH) que as ONGs podem atrapalhar o desenvolvimento do país,
pois há uma grande quantidade dessas instituições atuando naquele país sem que haja uma
coordenação entre elas, resultando em ações repetidas ou conflituosas (Santos Cruz, 2010).
Desta forma, procurou-se identificar como a temática do meio ambiente tem sido
basilar nas ações de reconstrução pós-conflito, demonstrando o vínculo entre ameaças
internacionais e problemas ambientais e climáticos. Tais ameaças podem produzir, dentre
outras consequências, um movimento de pessoas atravessando fronteiras. Como exemplo,
é possível verificar tal dinâmica por meio dos fluxos de refugiados haitianos para o Brasil.
Os fluxos de refugiados e segurança ambiental
O conceito de intervenção humanitária, ampliado no decorrer dos anos de 1990,
apresenta um vínculo entre ameaças aos direitos humanos e/ou crises humanitárias e a
segurança internacional. Apesar de o Capítulo IX, artigo 60, da Carta da ONU, afirmar que o
tratamento de questões humanitárias deve ser assumido pela Assembleia Geral, tal temática
tem ganhado espaço no Conselho de Segurança. Na medida em que surgem situações
entendidas pelas grandes potências como ameaças ao fluxo de bens e pessoas em escala
internacional, e não mais apenas à integridade territorial de um Estado específico, as
temáticas são avocadas para o Conselho, sendo consideradas como objeto do sistema de
segurança coletiva. Assim, as dificuldades geradas pela ampla movimentação de refugiados
foram um argumento basilar para que crises humanitárias fossem tratadas como questões
de segurança e, dessa forma, passíveis de serem absorvidas pelo Conselho.
Como apontam Herz e Hoffman (2004), apenas quando as tensões econômicas,
políticas e sociais do início dos anos 1990 no Haiti geraram a migração de refugiados em
direção ao Estado da Flórida, nos EUA, em meados de 1994, é que este país passou a
encarar a estabilização política do Haiti como um objetivo imprescindível da política externa
estadunidense. Outro vínculo entre segurança internacional e refugiados pode ser
encontrado no conflito no Darfur (Sudão). Para Welzer (2010), este pode ser uma das
primeiras guerras climáticas, visto que os confrontos não foram causados exclusivamente
por questões políticas, étnicas ou religiosas, mas também pelo processo de desertificação,
que diminuiu as terras aráveis, causando a disputa por áreas férteis. Tal conflito gerou
grandes movimentos de refugiados, causando problemas nos países vizinhos (como o
Chade) e gerando a preocupação da União Europeia por conta desse fluxo migratório.
Na Conferência Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável), realizada em junho de 2012, António Guterres, Alto Comissário da ONU para
Refugiados, apresentou os resultados de uma pesquisa realizada em 2011, que avaliou os
impactos das mudanças climáticas sobre refugiados, com base em entrevistas com 150
migrantes somalis e sudaneses. Para Guterres, o estudo evidenciava que “as alterações
climáticas têm influência muito importante na mobilidade humana e está criando situações
em que cada vez mais pessoas são obrigadas a abandonar suas terras, comunidades e, por
vezes, países".13 Os entrevistados não consideraram que a situação conflituosa em seus
países adveio das mudanças climáticas, mas afirmaram que as secas e a escassez de
recursos propiciaram o agravamento da situação política e o seu impacto humanitário,
fazendo com que o deslocamento fosse forçado, portanto, não voluntário. A partir dos
resultados obtidos, Guterres afirmou que a comunidade global precisa se preparar para lidar
com refugiados provenientes de desastres naturais.
13
Mudanças climáticas agravam situação de refugiados, diz comissário da ONU. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/ portuguese/noticias/2012/06/120622_refugiados_clima_jc.shtml>. Acesso em: 22 jun. 2012.
É nesse sentido que, a partir da ampliação do conceito de segurança e da temática
de segurança ambiental, além do constante vinculo entre desastres ambientais e refugiados,
considera-se essencial abordar a temática dos migrantes ambientais haitianos e o fluxo de
entrada no Brasil no início do ano de 2012.
O fluxo de entrada de haitianos no Brasil
Em abril de 2010, o então Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores
Antônio de Aguiar Patriota já chamava a atenção para a situação dos deslocados internos,
ao analisar os efeitos do terremoto de 12 de janeiro de 2010 que devastou o Haiti, deixando
aproximadamente 15% (1,5 milhão de pessoas) de toda a população do país desabrigada
ou morta. Diante do montante de sobreviventes, abrigados precariamente em campos
situados em áreas inundáveis, extremamente vulneráveis às temporadas de chuvas e
furacões (a exemplo dos mortos e desabrigados em decorrência das chuvas no final de abril
de 2012)14, Patriota clamava por uma resposta humanitária à altura das necessidades
básicas daquela população.15
Aproximadamente dois anos após o devastador terremoto e uma intensa epidemia
de cólera, os meios de comunicação alardeavam a entrada maciça de haitianos no Brasil,
sobretudo pelos estados do Acre e Amazonas. A questão dos migrantes, que se
apresentava para o Brasil talvez como um problema distante, surgiu, no início de 2012,
como um tema que exigia respostas rápidas. Em fevereiro de 2012, a Presidenta Dilma
Rousseff visitou aquele país e conversou com o presidente haitiano, Michel Martelly, sobre
questões relacionadas ao desenvolvimento econômico e ao processo de reconstrução do
Haiti, com destaque para a diminuição do contingente militar brasileiro naquele país e as
medidas tomadas pelo Brasil em relação aos imigrantes haitianos que chegavam ao País.
A principal dessas medidas partiu do Conselho Nacional de Imigração, órgão ligado
ao Ministério do Trabalho, que, em janeiro de 2012, aprovou a concessão de 1,2 mil vistos
por ano para haitianos que almejavam migrar para o Brasil. Este documento (além dos
vistos normais concedidos aos haitianos, como de trabalho, de estudo e de turismo) é válido
por cinco anos, fornecendo ao estrangeiro o direito de trabalhar e trazer a família para o
País pelo mesmo período.16 Contudo, no final de abril de 2013, a Resolução Normativa
14
Chuvas deixam centenas de desabrigados no Haiti – Revista Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/ meio-ambiente-e-energia/noticias/chuvas-deixam-centenas-de-desabrigados-no-haiti>. Acesso em: 08/05/2012. 15
Cf.: PATRIOTA, Antonio de Aguiar. Haiti: Desafios e Oportunidades no pós-terremoto. Boletim de Economia e Política Internacional. IPEA, Número 2, Abr-Jun 2010. 16
Conselho de Imigração aprova 1,2 mil vistos por ano para haitianos – Portal G1. Disponível em: <http://g1.globo.com /politica/noticia/2012/01/conselho-de-imigracao-aprova-1200-vistos-por-ano-para-haitianos.html>. Acesso em: 20/05/2012.
102/2013 do próprio Conselho revogou tanto o limite para a concessão desses vistos como
a exclusividade da Embaixada em Porto Príncipe em concedê-los. Segundo a organização
internacional não-governamental Conectas, há cerca de 1,5 milhão de migrantes regulares e
a estimativa de 200 mil migrantes não-documentados vivendo em território brasileiro.17
O grande fluxo de haitianos entrando pelo Acre fez com que, no início de abril de
2013, o então governador do estado, Tião Viana, decretasse situação de emergência social
nos municípios de Epitaciolândia e Brasiléia. Apesar da fiscalização pela polícia federal ter
sido reforçada nessa região – visando enfraquecer rotas ilícitas de imigração e combater a
ação dos chamados “coiotes” – o número de haitianos que busca o Brasil permanece
crescente. Diante deste cenário, dias depois Antônio Patriota afirmou que o governo
brasileiro estudava formas de controlar a entrada ilegal de haitianos no Brasil, pois, segundo
ele, “é preciso evitar aumentos repentinos do fluxo migratório e combater a ação dos
coiotes, pagos para viabilizar a entrada no país de imigrantes ilegais”.18
Se o discurso brasileiro mostra uma grande disposição em receber os haitianos, a
quantidade desses imigrantes que entraram no país passou a preocupar as autoridades.
Apesar dos esforços implementados pelo Estado e pela sociedade civil, deve-se ressaltar
que há entraves da política migratória brasileira. Como exemplo, pode-se citar que mesmo
que haja a proposta para uma Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador
Migrante – construída a partir da colaboração de diversos atores, inclusive da sociedade
civil, e aprovada em maio de 2010, pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – também
existe uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que
estaria elaborando uma Política Nacional de Imigração que possibilitasse um processo de
imigração seletiva, valorizando a chamada “drenagem de cérebros”, e estabelecendo limites
para estrangeiros que fogem de seus países por conta de situações de pobreza.
Por fim, é preciso destacar que em princípios de 2012, o Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), afirmou que os haitianos não deveriam ser considerados como
refugiados, uma vez que não se enquadrariam na definição brasileira, baseada na
Convenção de Genebra (1951) e na Declaração de Cartagena (1984), ambas sintetizadas
na Lei nº 9.474/97. No final de 2011, durante as comemorações dos 60 anos da Convenção
de Genebra, um grupo de cinco países (México, Costa Rica, Noruega, Suíça e Alemanha)
propôs soluções à comunidade internacional para preencher a lacuna criada pelo fato de
que a Convenção de 1951 define como refugiado apenas os indivíduos que são forçados a
17
Conectas. Brasil põe fim à cota de 1200 vistos anuais a haitianos. Disponível em: <http://www.conectas.org/politica-externa/brasil-poe-fim-a-cota-de-1200-vistos-anuais-a-haitianos>. Acesso em: 12/05/2013. 18
Brasil estuda como conter a entrada ilegal de haitianos. Disponível em: <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/04/brasil-estuda-como-conter-entrada-ilegal-de-haitianos-diz-patriota.html>. Acesso em: 12/05/2013.
migrar por conflitos ou perseguição, ou seja, atualmente os “refugiados ambientais”19 não
são beneficiados com os mecanismos de proteção oferecidos pela Convenção de Genebra.
Dessa forma, questões ambientais não servem para caracterizar um refugiado20, fazendo
com que os haitianos sejam tratados no Brasil como imigrantes sob caráter humanitário.
Considerações Finais
A partir das reflexões iniciais obtidas neste artigo, é possível verificar não apenas a
ampliação do conceito de segurança internacional, como também a crescente inclusão das
questões climáticas e ambientais no rol de novas ameaças à governança global. Contudo, é
preciso atentar para o fato de que não há consenso na comunidade internacional sobre o
tratamento a ser dado a esses problemas. Enquanto representantes dos EUA e União
Europeia solicitam a inclusão do tema no Conselho de Segurança, países como China,
África do Sul e Brasil entendem que tais questões estão mais relacionadas ao
desenvolvimento (devendo ser vinculadas ao ECOSOC).
Por meio da atuação da MINUSTAH foi possível apresentar um exemplo de como as
missões de paz contemporâneas assumem mandatos ampliados em prol da transformação
pós-conflito. Por meio de projetos para o tratamento do lixo, programas de reflorestamento,
ações de saúde pública, obras de saneamento básico, entre outros, os diversos atores que
atuam no Haiti, sejam vinculados ou não à MINUSTAH, pretendem contribuir com a
governança ambiental pós-conflito.
Em meio às análises que consideram a presença internacional no Haiti uma ação
humanitária e aquelas que a veem como um processo intervencionista, surge a pressão
migratória dos chamados “refugiados ambientais’’, a qual ativa tanto discursos humanistas
de receptividade como aqueles baseados em propostas de imigração seletiva. A
preocupação crescente com a temática dos refugiados ambientais demonstra a vinculação
entre as questões ambientais e climáticas e a segurança internacional. Desta forma, tais
considerações prévias pretendem demonstrar a necessidade de ampliação das pesquisas
que vinculam segurança ambiental, governança global e transformação pós-conflito.
Referências bibliográficas:
19
A expressão “refugiados ambientais” define indivíduos que, em decorrência de mudanças e catástrofes ambientais foram forçados a deixar seu local de origem. Ela foi cunhada por Lester Brown na década de 1970. No entanto, só foi popularizada após a publicação, em 1985, da pesquisa de Essam El-Hinnawi, acadêmico do Egyptian National Research Center. 20
Segundo a definição clássica, refugiado é aquela pessoa que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, e, em virtude de perseguição ou fundado temor de perseguição baseada em sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimento a certo grupo social não podem retornar ao seu país de origem.
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