1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X A REVOLUÇÃO CUBANA E OS ESPAÇOS OCUPADOS POR HOMENS E MULHERES Andréa Mazurok Schactae 1 Resumo: A Revolução Cubana está entre os grandes acontecimentos do século XX. Um processo revolucionário que uniu diferentes forças e após a vitória do Exército Rebelde e os seus aliados, instaurou-se o governo revolucionários. Herdeira de uma tradição que está presente no Ocidente, Cuba também construiu um discurso sobre sua História focado em grandes homens e em um ideal de masculinidade. A imagem de homens com barba, armados e usando uniforme militar é recorrente nas revistas na década de 1970. O objetivando contribuir para as reflexões no campo dos estudos de gênero, volto olhar para as relações de gênero no espaço da luta revolucionária em Cuba. Sendo assim, são analisados os espaços de poder ocupados por homens e mulheres nos movimentos que compõem a luta revolucionária nos anos de 1950, observando os discursos da imprensa do Estado Cubano na década de 1970. Esse estudo visa identificar construções de feminilidades e masculinidades nos discursos da década de 1970. O observa-se que a construção da história oficial de Cuba é marcada pela guerra. Uma construção que dá significada as relações de gênero, que estabelece o homem militar, guerreiro como modelo de cidadania, bem como tende a definir a mulher como a mãe dos guerreiros. Para orientar a reflexões é utilizado o gênero como categoria de análise, bem como, os conceitos de identidades e masculinidade hegemônica. As fontes são publicações do Estado Cubano e bibliografias. Palavras-chave: Revolução Cubana; espaços generificados; masculinidades e feminilidades; luta armada. Voltando o olhar para a Revolução cubana: definindo o objeto 2 A Revolução Cubana é um acontecimento que marcou a história Ocidental, especialmente da América Latina, na segunda metade do século XX. As atuações políticas de dois dos líderes do movimento revolucionário Cubano, Ernesto Guevara (Che) e Fidel Castro, legitimam a Revolução Cubana como um símbolo de resistência ao imperialismo. Porém essa ideia é resultado de uma construção discursiva, que remontam ao período da luta armada, nos anos de 1950 em Cuba, bem como os primeiros anos dos revolucionários no poder em Cuba Ao voltar o olhar para historiografia, observa-se que as narrativas sobre a Revolução Cubana, remetem ao processo de independência de Cuba, no final do século XIX. Conforme afirma 1 Doutora em História, pesquisadora do NEG/UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil; Professora e pesquisadora do IFPR, Telêmaco Borba, Paraná, Brasil. 2 Esse texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa: A(s) Biografia(s) de Célia Sanchez: a construção de uma heroína e de um ideal de feminilidade em Cuba; o qual está registrado no IFPR, referente ao período de 2016-2018.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A REVOLUÇÃO CUBANA E OS ESPAÇOS OCUPADOS POR HOMENS E
MULHERES
Andréa Mazurok Schactae 1
Resumo: A Revolução Cubana está entre os grandes acontecimentos do século XX. Um processo
revolucionário que uniu diferentes forças e após a vitória do Exército Rebelde e os seus aliados,
instaurou-se o governo revolucionários. Herdeira de uma tradição que está presente no Ocidente,
Cuba também construiu um discurso sobre sua História focado em grandes homens e em um ideal
de masculinidade. A imagem de homens com barba, armados e usando uniforme militar é recorrente
nas revistas na década de 1970. O objetivando contribuir para as reflexões no campo dos estudos de
gênero, volto olhar para as relações de gênero no espaço da luta revolucionária em Cuba. Sendo
assim, são analisados os espaços de poder ocupados por homens e mulheres nos movimentos que
compõem a luta revolucionária nos anos de 1950, observando os discursos da imprensa do Estado
Cubano na década de 1970. Esse estudo visa identificar construções de feminilidades e
masculinidades nos discursos da década de 1970. O observa-se que a construção da história oficial
de Cuba é marcada pela guerra. Uma construção que dá significada as relações de gênero, que
estabelece o homem militar, guerreiro como modelo de cidadania, bem como tende a definir a
mulher como a mãe dos guerreiros. Para orientar a reflexões é utilizado o gênero como categoria de
análise, bem como, os conceitos de identidades e masculinidade hegemônica. As fontes são
publicações do Estado Cubano e bibliografias.
Palavras-chave: Revolução Cubana; espaços generificados; masculinidades e feminilidades; luta
armada.
Voltando o olhar para a Revolução cubana: definindo o objeto2
A Revolução Cubana é um acontecimento que marcou a história Ocidental, especialmente
da América Latina, na segunda metade do século XX. As atuações políticas de dois dos líderes do
movimento revolucionário Cubano, Ernesto Guevara (Che) e Fidel Castro, legitimam a Revolução
Cubana como um símbolo de resistência ao imperialismo. Porém essa ideia é resultado de uma
construção discursiva, que remontam ao período da luta armada, nos anos de 1950 em Cuba, bem
como os primeiros anos dos revolucionários no poder em Cuba
Ao voltar o olhar para historiografia, observa-se que as narrativas sobre a Revolução
Cubana, remetem ao processo de independência de Cuba, no final do século XIX. Conforme afirma
1 Doutora em História, pesquisadora do NEG/UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil; Professora e pesquisadora do IFPR,
Telêmaco Borba, Paraná, Brasil. 2 Esse texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa: A(s) Biografia(s) de Célia Sanchez: a construção de uma
heroína e de um ideal de feminilidade em Cuba; o qual está registrado no IFPR, referente ao período de 2016-2018.
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Fernandes, o nacionalismo cubano é resultado do processo de independência, que uniu diferentes
grupos sociais, contra um inimigo comum. Portanto, o nacionalismo,
[...] não cresceu a partir da dominação econômica, social e política dos estratos
conservadores frequentemente aliados aos controles externos e á própria representação
antinacionalista, mas da confluência de varias forças sociais divergentes, empenhadas na
liberação nacional [...] ou nas lutas contra imperialismo e a dominação estadunidense.
(FERNANDES, 2012, p. 90)
Para Aviva Chomsky, a Revolução Cubana, é compreendida a partir da luta armada na
Sierra Maestra, que é identificada como uma prática que liga a independência, do século XIX, à
Revolução, da década de 1950. Portanto, a Revolução é percebida como a aplicação dos ideais da
independência. E o Movimento 26 de Julho queria levar a cabo o projeto pelo qual José Martí e
tantos outros haviam morrido. Em 1898, as forças de ocupação norte-americanas impediram que o
exército rebelde de Cuba entrasse na capital de Santiago. (CHOMSKY, 2015, p. 46)
Chomsky e Fernandes identificam o processo revolucionário como uma continuidade dos
ideais que moveram as guerras da independência. Essa idéia também é compartilhada por Luis F.
Ayerbe (2004). O pesquisador destaca que “a revolução de 1959 tem profundas raízes na trajetória
histórica nacional, com antecedentes que remontam ao período independentista.” (AYERBE, 2004,
p. 21)
As três colocações apresentadas indicam que a Revolução ocorrida na década de 1950 é uma
continuação do ideal da independência, bem como, é um posicionamento contra a influência norte-
americana na ilha. Esse discurso também é compartilhado pelas narrativas construídas pelo Estado
Cubano, na segunda metade do século XX, seja nos livros ou nos impressos de circulação semanal e
mensal (revistas e jornais).
Para os historiadores cubanos, Francisca López, Oscar Loyola e Arnaldo Silva (2005) a
Revolução é um processo de libertação nacional das influências do capitalismo e do imperialismo
norte-americano. (LOPEZ; LOYOLA; SILVA, 2005, p. 223-228) A Revolução como um processo
resultante de uma conjuntura política e social, que remonta a meados do século XIX, é utilizada
para construir a narrativa sobre a Revolução, em Cuba.
Nos discursos de Fidel Castro, publicados pelo Departamento de Orientación
Revolucionária del Comité Central del Partido Comunista de Cuba, publicados em 1978, a história
de Cuba é uma história de lutas realizadas por homens, que se uniram contra o imperialismo,
iniciada no ano de 1868. Em entrevista com Ignacio Ramonet, Fidel reafirma que o início da
Revolução Cubana é a primeira guerra da Independência, em 1868. (RAMONET, 2006, p. 42-43).
Observando algumas narrativas sobre a Revolução construída pela historiografia e presente
nos discursos de Fidel Castro, percebe-se que todas essas construções discursivas, explicam a
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Revolução Cubana, a partir da longa duração. E também destacam os homens como agentes que
atuaram nesse processo e se constituíram em líderes e heróis. Uma construção que estabelece uma
masculinidade hegemônica (CONNELL, 1997) em Cuba.
Vale destacar, que esse período é também o período de construção de uma comunidade
imaginada em Cuba, considerando o conceito de Benedict Anderson (2005, p. 25), para explicar a
construção das identidades nacionais, no século XIX. E também o processo de construção dos
heróis nacionais. Para Raoul Girard não se trata essencialmente de um personagem, mas sim de sua
imagem, de representação que dela foi feita e que parece ter imposto muito amplamente a opinião,
em outras palavras, é uma narrativa, que é preciso ler e interpretar. (GIRARD, 1987)
Portanto, a narrativa da história nacional está atrelada a construção dos heróis, que são
representações da nação. Sendo assim, a nação luta contra o imperialismo e a dominação
estrangeira. Em nome da nação homens pegaram em armas. Essa é a ideal central nas narrativas.
Todavia, em diversos textos, publicados nas revistas, nos anos de 1970 em Cuba, as mulheres
também figuram como agentes desse processo histórico.
A partir dessa constatação, esse texto tem como objetivo analisar os espaços de poder
ocupados por homens e mulheres nos movimentos que compõem a luta revolucionária nos anos de
1950, observando os discursos da imprensa do Estado Cubano na década de 1970. Esses discursos
permitem identificar as construções de feminilidades e masculinidades. Vale destacar, que essas
narrativas são construtoras da história nacional. Essa construção é significativa para compreender as
narrativas sobre a Revolução Cubana, a partir das relações de gênero, pois marcadas pela luta
armada.
Para essa reflexão foram selecionados textos publicados pelo Estado Cubano, tendo como
foco central algumas edições da Revista Mujeres, dos anos de 1970. Esses discursos são analisados
partir da categoria gênero, dialogando com os conceitos de comunidade imaginada, de Benedict
Anderson (2005), de herói de Raoul Girardt (1987) e de masculinidade hegemônica, de R. Connel
(1997).
Entre fuzis, barbas e marianas: masculinidade(s) e feminilidade(s) nos anos de 1970
Em janeiro de 1959 terminaram os combates e os rebeldes ocupam os campos de poder em
Cuba, portanto deixam de ser rebeldes para se constituírem em estabelecidos. No processo de
construção da nova estrutura de poder do Estado Cubano, foram criadas novas instituições entre
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elas o Exército Revolucionário, composto por homens e mulheres que haviam lutado para depor o
governo de Batista, e Federación de Mujeres Cubanas (FMC).
Os discursos de Fidel Castro, bem como, outras publicações do Estado Cubano, são lugares
de construção de uma memória sobre a Revolução e o processo de estabelecimento de um Estado
Socialista em Cuba. Esses discursos são parte da construção e re-construção da identidade nacional
cubana, na segunda metade do século XX. Portanto, voltar o olhar para esses discursos é
fundamental para compreender as narrativas sobre a Revolução Cubana e a significação das
políticas implantadas pelo poder estabelecido. Todavia as publicações dos 1970 são fundamentais
para compreender essa nova identidade nacional e o estabelecimento da memória sobre a
Revolução, pois os anos de 1970 foram marcados pela construção de um aparato de instituições,
organizadoras e legitimadoras do Estado Cubano. Mesmo que muitas instituições tenham sido
criadas nos anos de 1960, foi na década seguinte elas se afirmam como legitimadoras do Estado
Cubano, e demarcam espaços de poder.
Voltando o olhar para Federación de Mujeres Cubanas (FMC), observa-se que a criação
ocorreu no dia 23 de agosto de 1960 e que naquele momento possuía 17.000 (dezessete mil)
mulheres federadas. No início da década seguinte esse número passou de um milhão de federadas.
Esses números demonstram que a instituição estava cumprindo com seu objetivo, que era unificar
todas as organizações femininas cubanas e uma única organização. Além desse objetivo Vilma
Espín – que foi presidente da FMC, ao longo da segunda metade do século XX –, destaca, em seu
discurso no ato de criação da instituição, que:
(…)organización, la Federación de Mujeres Cubanas, se propone, (…), la defensa de la
mujer y el niño, la defensa de la paz mundial, la salvaguarda de las generaciones presentes
y futuras, y la defensa de la soberanía de nuestro pueblo. Pues, además de eso, es nuestro
propósito, en la nacional, apoyar a la Revolución Cubana, y en lo internacional la
solidaridad con todos los pueblos de Latinoamérica y el mundo. Además de eso, hemos
acordado algunas labores específicas, como por ejemplo: el comenzar a trabajar
inmediatamente en la creación de guarderías o creches para los hijos de la mujer
trabajadora, (…). (ESPIN, 1960; BELL; LÓPEZ; CARAM, 2007, p. 267)
No ano de 1962 foi realizado o I Congresso Nacional da FMC, quanto foi aprovado o
estatuto e o programa de trabalho para os anos seguintes. Em setembro de 1974 ocorreu o II
Congresso Nacional, no qual foram apresentadas as políticas realizadas ao longo da primeira década
de existência da instituição.
O discurso de Fidel Castro, no Segundo Congresso da Federação de Mulheres Cubanas, no
ano de 1974, foi publicado na Revista Bohemia, e destaca o espaço da mulher após 15 anos de
revolução. Todavia ele admite que os espaços de poder ocupados pelas mulheres em Cuba ainda
apresentavam números baixos (mulheres em cargos de dirigentes 15%; no Partido 12,79% e nos
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quadros ou funcionários do Partido 6%; entre os eleitos são 3% em uma população de
aproximadamente 50% de mulheres). Como solução Fidel afirma ser necessário rever as políticas e
transformar as construções tradicionais, pois segundo ele: “la realidad es que aún subsisten
factores objetivos e subjetivos que mantienen una situación de discriminación con relación a la
mujer”. (CASTRO, 1974)
No entanto, os estudos do historiador Julio César González Pagés, sobre a participação das
mulheres na História de Cuba, indicam que desde o século XIX mulheres cubanas participam de
espaços historicamente masculinos entre os quais a luta armada no século XIX e no século XX. O
pesquisador indica que entre 1941 e 1958, haviam noventa e nove (99) organizações de mulheres,
em Cuba (PAGÉS, 2005). E na década de 1950, muitas mulheres integraram organizações
oposicionistas a ditadura de Batista, bem como criaram organizações oposicionistas femininas como
a Frente Civico de Mulheres do Centenario Martiniano, criada no início da década e a organização
Mujeres Oposicionistas Unidas (M.O.U), criada no ano de 1956. Conforme as investigações do
historiador o objetivo dessa última organização foi reunir as mulheres de diferentes grupos de
oposição (Partido Socialista Popular; Diretória Revolucionário; Movimento 26 de Julho; Mulheres