UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E ENSINO EIXO: CURRÍCULO GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE FORTALEZA 2015
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A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL …repositorio.ufc.br/.../14364/1/2015_tese_gaczanotelli.pdf · 2019. 3. 20. · A boca da noite sorriu. Sylvia Manzano
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E ENSINO
EIXO: CURRÍCULO
GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI
A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL
FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE
FORTALEZA
2015
GERMANA ALBUQUERQUE COSTA ZANOTELLI
A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL
FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como registro parcial para obtenção do título de Doutor. Área de Concentração: Currículo Orientadora: Profª. Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda
FORTALEZA
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências Humanas
----------------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------- Z36r Zanotelli, Germana Albuquerque Costa.
A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente / Germana Albuquerque Costa Zanotelli. – 2015.
153 f. : il., enc. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2015. Área de Concentração: Currículo. Orientação: Profa. Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda. Co-orientação: Profa. Dra. Meirecele Calíope Leitinho. 1. Fisioterapeutas – Fortaleza (CE) – Atitudes. 2. Fisioterapeuta e paciente –
Fortaleza (CE). 3. Intersubjetividade. 4. Universidade de Fortaleza. I. Título.
A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE
Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como registro parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Área de Concentração: Currículo.
Aprovada em ____/____/____.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Profª Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará
_________________________________________________ Profª Dra. Maria Socorro Lucena Lima
Universidade Estadual do Ceará
_________________________________________________ Prof. Dr. José Álbio Moreira de Sales
Profª Dra. Ana Maria Iório Dias Universidade Federal do Ceará
Ao pequeno Davi - o melhor de mim -, por
compreender a ausência da mamãe que trocava sua
companhia cheia de alegria por livros ou um
computador. O carinho entre nós prevaleceu mesmo
assim, ficando a certeza de um aprendizado mútuo e
para toda a vida.
- Acabou, mamãe? - Acabou. - Tá com preguiça de falar, mamãe? - Tô. - Eu também. Mãe e filho olhavam para a parede: olhos pesados,
pesados, pesados...
A mãe não teve tempo de ir para a sua cama.
Dormiram ali mesmo, juntinhos, espremidinhos.
A boca da noite sorriu.
Sylvia Manzano
AGRADECIMENTOS
A DEUS, porque DELE, por ELE e para ELE são todas as coisas.
Ao meu amado marido Darci Zanotelli. Amigo, companheiro de todas as horas e grande
incentivador.
À minha família pela parceria de sempre: minha mãe, Joanita, pelas palavras de
encorajamento; meu pai, Afrânio, por acreditar tanto em mim; meu irmão, Marcus, por
entender por muitas vezes minha ausência mesmo estando tão perto; meu irmão caçula,
Márcio, que mesmo calado fala com seu olhar o que eu preciso ouvir naquela hora.
À minha querida orientadora professora Patrícia Holanda por seu saber, mão amiga e
compreensão constante.
À professora Meirecele Calíope pela atenção, disponibilidade, carinho e o transbordar de
conhecimento expressos em contribuições que tanto me ajudaram a chegar até aqui.
À professora Socorro Lucena, pelos ensinamentos de uma vida inteira e como se não
bastasse o acreditar em mim ao orientar-me no Mestrado, continuou sempre tão presente ao
longo desses anos. Você é e sempre será minha eterna mestra. A você meus sentimentos
mais doces embalados em admiração profunda para além do cotidiano de leituras e escritas
da vida acadêmica.
Aos mestres Ana Iório e Álbio Sales pelas contribuições agregadas a esta pesquisa.
A todos os professores da pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará.
Aos sujeitos dessa pesquisa que ao compartilhar suas experiências de vida enriqueceram
minha percepção acerca da também minha profissão de fisioterapeuta.
À Romina Mourão, Coordenadora do curso de Fisioterapia da UNICHRISTUS pelo apoio e
compreensão que ultrapassaram a esfera do “dito” e se materializaram em ações,
principalmente e especialmente nos momentos mais difíceis dessa trajetória.
“Só eu sei As esquinas por que passei
Só eu sei, só eu sei Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar
Sabe lá Sabe lá
E quem será Nos arredores do amor Que vai saber reparar
Que o dia nasceu Só eu sei
Os desertos que atravessei Só eu sei Só eu sei
Sabe lá O que é morrer de sede em frente ao mar
Sabe lá Sabe lá
E quem será Na correnteza do amor que vai saber se guiar A nave em breve ao vento vaga de leve e trás
Toda a paz que um dia o desejo levou Só eu sei
As esquinas por que passei Só eu sei Só eu sei
E quem será Na correnteza do amor...”
Esquinas
Djavan
RESUMO
A compreensão dos aspectos biopsicossociais dos sujeitos que buscam atenção em saúde surge como caráter atrelado a uma boa prática. Nesse contexto apresentamos a prática do profissional fisioterapeuta cuja formação apresenta resquícios da concepção biomédica de educação em saúde caracterizada pelo forte enfoque na doença em detrimento do sujeito que a apresenta. Consideramos a relação dialógica que ocorre durante o atendimento fisioterapêutico elemento importante na mediação para a compreensão da integralidade do sujeito-paciente. A pesquisa A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente, tem como objetivo compreender como ocorre a comunicabilidade relacional dialógica na prática desse profissional de Fisioterapia visando a identificação de aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. É, portanto, uma pesquisa científica do tipo qualitativa com abordagem fenomenológica hermenêutica dialética. O campo de pesquisa foi a Universidade de Fortaleza – UNIFOR. As fontes utilizadas na pesquisa foram: fisioterapeutas egressos da UNIFOR, coordenadora do curso de Fisioterapia da referida instituição e documentos oficiais que regem a profissão. As técnicas de coleta de evidências foram: análise documental e entrevista reflexiva. Os resultados da pesquisa indicam que o diálogo que acontece durante a prática clínica em Fisioterapia configura-se momento que favorece a compreensão do sujeito-paciente e seu contexto. Porém, tal compreensão não supera a importância que o componente físico estabelece durante o tratamento. Assim, com vistas à reabilitação do sujeito-paciente, o fisioterapeuta lança mão de conhecimentos técnicos científicos para tal fim. A tese inicial proferida: na relação fisioterapeuta/sujeito-paciente, há indícios da valorização da intersubjetividade com forte presença de condutas clinicas que privilegiam o corpo físico não ocorrendo uma comunicabilidade que supere a dicotomia corpo/mente, foi parcialmente confirmada pelos dados e análises realizadas. Concluímos que os discursos dos sujeitos desta pesquisa anunciaram uma conscientização acerca da compreensão dos aspectos subjetivos dos sujeitos-pacientes evidenciando ainda a importância da perspectiva da visão integral dos mesmos a partir da intersubjetividade. Constatamos, portanto, não apenas indícios e sim afirmações acerca de que somente a utilização de condutas voltadas para a funcionalidade não dá conta da demanda do cuidar no âmbito da prática em Fisioterapia e que a comunicabilidade exercida durante a prática clínica promove o desenvolvimento da compreensão das dimensões biopsicossocial daquele que busca tratamento.
Palavras-chave: Relação dialógica, Prática do profissional fisioterapeuta, Integralidade.
ABSTRACT
Understanding the biopsychosocial aspects of the subjects who seek health care emerges as a character tied to good practice. In this context we present the practice of physiotherapist whose training has remnants of biomedical conception of health education characterized by strong focus on disease rather than the subject that presents. We consider the dialogic relationship that occurs during physical therapy important element in mediation for understanding the entirety of the subject-patient. The research The dialogical relationship in clinical practice of the physiotherapist and the full view of the subject-patient, aims to understand how does the dialogic relational communicability in practice this professional physiotherapy for the identification of subjective and objective aspects that establish a comprehensive view of the subject -patient. It is therefore a scientific qualitative study with a phenomenological hermeneutic dialectic approach. The research field is the University of Fortaleza - UNIFOR. The sources used in the research were: graduates of UNIFOR physiotherapists, physiotherapy course coordinator of that institution and official documents governing the profession. Evidence collection techniques were: document analysis and reflective interview. The survey results indicate that the dialogue that happens during clinical practice in Physiotherapy set up time that favors the understanding of the subject-patient and their context. But this understanding does not outweigh the importance of the physical component sets during treatment. Thus, with a view to rehabilitating the subject-patient, the therapist makes use of scientific expertise for this purpose. The given initial thesis: the physiotherapist relationship / subject-patient, there is evidence of the appreciation of intersubjectivity with a strong presence of clinical behaviors that favor the physical body is not experiencing a communicability that overcomes the body dichotomy / mind, was partially confirmed by the data and analyzes. We conclude that the speeches of the subjects of this research announced an awareness of the understanding of the subjective aspects of the subjects-patients still showing the importance of the perspective of integral vision of the same from the intersubjectivity. We note, therefore, not only evidence but statements about that only the use of targeted behavior for functionality not cope with the demand of care within the practice in Physiotherapy and communicability exercised during clinical practice promotes the development of understanding of biopsychosocial dimensions of those who looks for treatment. Key words: Dialogic relationship, Physiotherapist professional practice, Integrality.
RESUMEN La comprensión de los aspectos biopsicosociales de los sujetos que buscan atención de salud emerge como un personaje ligado a las buenas prácticas. En este contexto se presenta la práctica de la fisioterapia cuya formación tiene restos de la concepción biomédica de educación para la salud se caracteriza por un fuerte enfoque en la enfermedad más que el tema que presenta. Consideramos la relación dialógica que se produce durante la terapia física elemento importante en la mediación para la comprensión de la totalidad de la materia paciente. La investigación La relación dialógica en la práctica clínica fisioterapeuta profesional y una visión completa del sujeto-paciente, tiene como objetivo entender cómo funciona el diálogo relacional comunicabilidad en la práctica que la terapia física profesional destinado a identificar los aspectos de la configuración subjetiva y objetiva una visión completa de los -sujeto paciente. Por tanto, es un estudio cualitativo científica con un enfoque dialéctica hermenéutica fenomenológica. El campo de investigación es la Universidad de Fortaleza - UNIFOR. Las fuentes utilizadas en la investigación fueron: graduados de fisioterapeutas UNIFOR, fisioterapia coordinador del curso de esa institución y los documentos oficiales que rigen la profesión. Técnicas de recolección de evidencia fueron: análisis de documentos y entrevista reflexiva. Los resultados de la encuesta indican que el diálogo que ocurre durante la práctica clínica en Fisioterapia establecer el tiempo que favorece la comprensión de la materia-paciente y su contexto. Pero este entendimiento no compensa la importancia de los conjuntos de componentes físicos durante el tratamiento. Por lo tanto, con el fin de rehabilitar el sujeto-paciente, el terapeuta hace uso de la experiencia científica para este propósito. La tesis inicial dado: la relación fisioterapeuta / sujeto-paciente, existen pruebas de la apreciación de la intersubjetividad con una fuerte presencia de comportamientos clínicos que favorecen el cuerpo físico no está experimentando una comunicabilidad que supera la dicotomía cuerpo / mente, se confirmó parcialmente por los datos y los análisis. Llegamos a la conclusión de que los discursos de los sujetos de esta investigación anunciaron una conciencia de la comprensión de los aspectos subjetivos de los sujetos-pacientes aún muestran la importancia de la perspectiva de la visión integral de la misma desde la intersubjetividad. Observamos, por lo tanto, no sólo la evidencia pero las declaraciones acerca de que sólo el uso de la conducta dirigida por funcionalidad no hacer frente a la demanda de la atención dentro de la práctica en Fisioterapia y comunicabilidad ejercido durante la práctica clínica promueve el desarrollo de la comprensión de dimensiones biopsicosociales del tratamiento buscador. Palabras clave: Relación dialógica, Práctica profesional fisioterapeuta, Integridad.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Caracterização geral dos sujeitos da pesquisa ............................................ 26
Quadro 2 - Palavras-chave da metodologia interativa .................................................... 35
Quadro 3 - Comparação entre os paradigmas educacionais flexneriano e da
Pretendemos com essa pesquisa, contribuir para repensar um currículo para a
Fisioterapia capaz de inserir componentes de âmbito subjetivo que expressam o ser, seu
modo de agir e pensar, o seu contexto social, para um melhor entendimento por parte do
profissional a ser formado desse sujeito-paciente e sua realidade.
Acreditamos que profissionais assim formados são capazes de desenvolver um
trabalho, que ao promover a saúde do outro consegue também atingir espaços sociais
proporcionando o bem estar de grupos de convívio desse sujeito seja na família ou no
trabalho.
Por ter uma formação em Fisioterapia pela UNIFOR, vejo o quanto a realidade
da saúde tem requerido desse profissional posturas e atitudes inerentes ao fazer e que ao
longo desses anos pouco tem atingido ou transformado a formação. A objetividade da
prática ainda é muito forte, sem falar no discurso daqueles que formam, os docentes, onde
poucos ainda referem interesse em conhecer o outro para além da incapacidade física,
visível e palpável. Assim, esta pesquisa representou para os pesquisadores o desafio de
transpor uma barreira que muitos colegas acham desnecessária, mas que para nossa
formação continuada, enquanto profissionais e seres humanos cujas preocupações em
saúde transcendem a esfera do visto, vencer tal barreira apresenta-se absolutamente
necessária para se (re)pensar práticas e atitudes antigas e que atualmente não dão conta
das demandas do outro, da saúde e da sociedade.
Nessa perspectiva, apresentamos a investigação sobre a prática profissional em
Fisioterapia, a comunicabilidade estabelecida no ambiente da prática e sua compreensão
para um fazer pautado no conhecimento do sujeito-paciente na sua integralidade a partir do
olhar do egresso do curso de Fisioterapia da UNIFOR, em virtude da importância em se
conhecer o contexto de atuação da prática fisioterápica e a relação que se forma a partir do
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diálogo perfazendo aspecto relevante ao tratamento e de que forma tais aspectos são
contemplados no currículo do referido curso.
No contexto das pesquisas sobre a temática desta tese fizemos uma busca no
Portal de Periódicos CAPES/MEC, usando como critérios três descritores: relação dialógica,
prática em Fisioterapia e integralidade. Em relação à Fisioterapia encontramos um total de
5.731 trabalhos entre artigos, dissertações e teses. Com a temática “prática em Fisioterapia”
são 104 publicações entre estes, 13 teses. Sobre “relação dialógica” são 568 publicações e
quanto à temática “integralidade”, são 1251 trabalhos científicos. Ao buscarmos maior
aprofundamento, reunimos os descritores aos pares. Assim, “relação dialógica e prática em
Fisioterapia” encontramos 06 trabalhos e nenhuma tese. Quanto à “relação dialógica e
integralidade”, são 48 publicações, sendo somente 01 tese. E finalmente, “prática em
Fisioterapia e integralidade”, são 39 publicações, sendo 02 teses.
Portanto, a relevância científica desta investigação se dá pela escassez de
trabalhos na área da Fisioterapia e especialmente àqueles referentes à categoria diálogo
como componente intrínseco da prática clinica e que contribui para um fazer capaz de
alcançar os objetivos do tratamento sejam de promoção, cura ou reabilitação do sujeito-
paciente dentro dos cuidados próprios da profissão, bem como uma aproximação com a
complexidade do ser humano buscando a compreensão do seu universo e suas
particularidades, seu mundo vivido e seu mundo sonhado.
Essa pesquisa justifica-se pela importância ao apontar aspectos subjetivos,
como a importância do diálogo para além da intersubjetividade e a partir deste, o vínculo
afetivo, ambos perfazendo-se terapêuticos à medida que corroboram com o tratamento,
possibilitando assim, uma visão do sujeito na sua integralidade, ou seja, para além da
doença. Diante desse pensamento, percebemos a necessidade dentro das ciências da
saúde, em particular na Fisioterapia, a importância da percepção do sujeito nas suas
dimensões biopsicossocial.
Este trabalho busca apreender as reflexões do profissional egresso do curso de
Fisioterapia da UNIFOR sobre a prática profissional em relação ao currículo ou à formação
desenhada para um profissional que contemple o outro, considerando não somente o
aspecto físico, mas também um universo que lhe é próprio, o subjetivo, ressaltando nesta
investigação a compreensão da relação dialógica como componente viabilizador de práticas
que contemplem o sujeito-paciente de forma integral.
A estrutura e o conteúdo desta pesquisa estão organizados em nove seções,
assim descritas:
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a primeira seção coincide com a Introdução ora desenvolvida;
na segunda, descrevemos o percurso metodológico da pesquisa e seus
fundamentos;
na terceira, abordamos o campo da Fisioterapia, sua história no Brasil e no
mundo;
na quarta, abordamos o currículo e as teorias curriculares, pontuando que
para a presente pesquisa apoiamo-nos em currículo enquanto construção
social e ainda enquanto práxis;
na quinta, apresentamos os paradigmas da educação em saúde, desde o
modelo biomédico até o modelo biopsicossocial o qual aponta a noção de
integralidade do sujeito não mais dicotomizando-o, ou seja, o humano
contemplado a partir de seus condicionantes sociais, psicológicos e também
biológicos;
na sexta, apresentamos a dialogicidade em Paulo Freire enquanto aspecto
importante e mediador para a compreensão da integralidade do sujeito-
paciente;
na sétima seção, trazemos os documentos normativos e publicações oficiais
que orientam a formação em Fisioterapia, do Currículo Mínimo às Diretrizes
Curriculares e sua análise. Descrevemos ainda o projeto pedagógico do Curso
de Fisioterapia da UNIFOR, seu conceito e a abordagem de formação por
competências;
na oitava seção, trazemos os resultados da entrevista reflexiva realizada com
fisioterapeutas que atuam na prática clinica;
por fim, encerramos o trabalho com as considerações acerca dos achados e
as conclusões obtidas ao longo da pesquisa, bem como estabelecidos os
argumentos que demarcam a tese por nós proposta.
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2 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO
Ao iniciarmos uma investigação científica surgem a partir da nossa história
experiências e conhecimentos próprios que vão compondo pilares afetivos e conceituais que
aos poucos convergem ao encontro com o objeto de estudo e sua delimitação. É a história
de vida do pesquisador, suas experiências e visão de mundo que dão a uma tese, uma
também identidade. Foi assim que surgiu o interesse em pesquisar o processo dialógico na
relação fisioterapeuta/sujeito-paciente durante a prática clínica e sua contribuição para uma
compreensão integral desse sujeito que adoece. Nasceu, portanto, a pesquisa intitulada: A
relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do
sujeito-paciente.
O objeto de estudo surgiu a partir da intenção de compreender a visão do
profissional de Fisioterapia em relação aos aspectos afetivos e físicos que requer sua
prática profissional e ainda de que maneira o diálogo com o sujeito que adoece foi
contemplado durante a formação. Portanto, para a investigação desta problemática foram
necessários momentos de reflexão, de aprofundamento teórico e incursões que exigiram
contato direto com a realidade e seus sujeitos propiciando assim um mergulho nas
dimensões da subjetividade e da objetividade através de um constante ir e vir, onde
buscamos aproximações com esse objeto, seu contexto, bem como sua realidade a partir do
olhar dos sujeitos.
As ciências da saúde, entre elas a Fisioterapia, no contexto ocidental
contemporâneo, necessitam ampliar suas matizes epistemológicas e antropológicas para
poder dar conta do sujeito para além da doença, ou ainda, para além do organismo. Assim,
através da abordagem qualitativa em pesquisa, empenhamo-nos em estabelecer uma visão
multidimensional da realidade pesquisada, investigando os ambientes de sua efetivação, o
estudo do contexto e as questões problemáticas do fenômeno em análise (BOGDAN;
BIKLEN, 1994).
Na pesquisa qualitativa, os dados obtidos são as descrições do pesquisador
sobre as diferentes percepções dos sujeitos, suas expressões e comportamentos. As
descrições são analisadas buscando apreender o sentido das informações e identificar as
categorias ou unidades de agrupamentos de sentidos. Estas requerem a interpretação, de
acordo com a fundamentação teórica estruturada para o estudo. De acordo com Minayo
(1994, p.21), a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
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de variáveis”. Concordamos com a autora, pois entendemos que o aprofundamento no
mundo dos significados das ações e relações humanas deve ser intensamente buscado
durante a investigação e também durante o processo de interpretação dos dados coletados,
por isso a opção pelo caráter qualitativo.
Holanda e Lima (2005), apontam que o cerne da pesquisa qualitativa é
imprescindivelmente acessar o mundo particular e subjetivo do homem, além de alcançar
suas dimensões não mensuráveis. Para Denzin e Lincoln (2007), essa abordagem
contempla a realidade como socialmente construída e percebe a não neutralidade do
pesquisador, ou seja, o mesmo encontra-se implicado no processo de construção do
conhecimento e em parceria com aqueles com quem partilha o poder, retirando-o da relação
sujeito/objeto, e dando-lhe voz.
Escolhido o tipo de pesquisa e na busca por resposta aos objetivos da pesquisa,
optamos pela abordagem Fenomenológica Hermenêutica Dialética como método para
referenciar teoricamente este estudo, bem como para a análise e interpretação dos dados,
uma vez que a Fenomenologia refere-se à intencionalidade e esta por sua vez é da ordem
da consciência que sempre está dirigida a um objeto. Assim, podemos reconhecer que não
existe objeto sem sujeito. Para Bruns (2005), compreender o fenômeno a partir da
Fenomenologia permite encontrar significados atribuídos às experiências de vida ao centrar-
se na relação sujeito-objeto-mundo e ainda que a Fenomenologia não busca reduzir seu
objeto de estudo, mas “(...) compreendê-lo em sua facticidade e transcendência, levando em
consideração o emaranhado de toda trajetória histórica (...)” (BRUNS, 2005, p. 70).
Em sua publicação: O que é filosofar? de 1984, Giles, um estudioso do método
fenomenológico, referencia Edmund Husserl como precursor deste método que tem como
principal objetivo a descrição da realidade, chamada pelo mesmo de fenômeno. A ênfase,
portanto é dada aquilo que se vê diretamente, à percepção da verdade, à essência dos
fenômenos. Segundo Husserl “a tomada de consciência do sentido dessas realidades é uma
tarefa infinita, sempre incompleta, pois toda visão do fenômeno é apenas um perfil que se
completa por muitos outros” (GILES, 1984, p.25).
Assim, a Fenomenologia para Giles (1984), busca compreender como as
pessoas sentem, pensam e interagem em seus ambientes naturais, tendo na
intencionalidade, característica definidora da consciência, o meio adequado ao estudo do
fenômeno.
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O termo hermenêutica1 refere-se à arte de interpretação de toda forma de
expressão humana. Nessa abordagem, o sujeito interpreta e dá sentido ao texto a partir do
contexto histórico em que se insere, buscando investigar o mundo pessoal das experiências.
São esses sujeitos que dão sentido e vida ao mundo que aí está, tornando-o, portanto
inacabado. Daí o conhecimento configurar-se um processo eminentemente dinâmico.
Para Gadamer, Heidegger, a hermenêutica é que recupera o sentido da coisa, levando em consideração a ocupação do contexto histórico que acontece. O sujeito interpretativo não pode eximir-se de sua história, pois esta é a condição da busca da verdade (SILVA, 2014, p.55).
A hermenêutica é considerada uma teoria ou filosofia da interpretação. É capaz
de tornar compreensível o objeto de estudo para além da sua aparência ou superficialidade,
ou seja, tenta aprofundar o sentido do mesmo quando nos permite através da interpretação
vivenciar os significados a partir do diálogo estabelecido com o mundo.
Assim como o verbo “interpretar”, de acordo com o dicionário Silveira Bueno,
significa “explicar; esclarecer; explanar; representar; desempenhar”. A hermenêutica, por
sua vez, busca esclarecer qual o significado que se encontra oculto, não manifesto, não
somente de um texto mas também da linguagem. De acordo com Silva (2014, p.55), “por
meio da hermenêutica podemos compreender o próprio homem, o mundo em que vive, sua
história sua existência”.
Já a dialética, entendida como “a arte do diálogo” nos fornece os fundamentos
para a realização de um estudo em profundidade, visto que o método dialético requer a
investigação da realidade em seu movimento, analisando as partes em constante relação
com o todo, fazendo-se necessários, portanto uma visão holística e sistêmica da realidade
em estudo.
Ressaltamos que ao optarmos pelo método dialético, levamos em consideração
suas características essenciais de acordo com Richardson (1999):
1. Princípio da conexão universal dos objetos e fenômenos: nenhum objeto
existe isolado, o homem não se basta a si mesmo, tudo está conectado, visto
que os fenômenos da natureza estão interligados e se determinam
mutuamente. O surgimento de um fenômeno, o seu desenvolvimento e a sua
1 Hermenêutica vem da palavra grega “hermeneia” que está relacionada à figura de Hermes, o tradutor da
linguagem dos deuses, tornando-a acessível aos homens. O deus Hermes procurava compreender aquilo que o humano não alcançava em algo que esta compreensão pudesse alcançar. A Hermenêutica surge nas ciências sociais como possibilidade de análise ao tomar a realidade social a ser interpretada a partir do contexto histórico.
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mudança, só são possíveis através das interações e conexões com outros
fatos e fenômenos.
2. Princípio de movimento permanente e do desenvolvimento: tudo que existe
no universo está em movimento. São as contradições internas que
determinam o movimento de objetos e fenômenos. O desenvolvimento se dá
na luta dos contrários, sendo resultado de acumulação de mudanças, tanto
qualitativas quanto quantitativas, que ocasionam as transformações
qualitativas.
Assim ao utilizarmos a abordagem dialética em pesquisa qualitativa, analisamos
o objeto de estudo de forma integral o que nos permite a compreensão dos dados coletados,
uma vez que, investigar um fenômeno é compreendê-lo. Compreender o fenômeno
educativo e sua dinâmica social, política e histórica – um estudo qualitativo não pode deixar
de situar-se na totalidade do espaço; na especificidade do processo histórico-cultural e na
historicidade do processo educativo. Segundo Frigotto (2001:75):
A dialética situa-se, então, no plano de realidade, no plano histórico, sob a forma da trama de relações contraditórias, conflitantes, de leis de construção, desenvolvimento e transformação dos fatos.
Por entendermos a realidade como um processo, no qual fatos e fenômenos se
apresentam em constante movimento, ou ainda, conectados e em mutação e, por sabermos
que somos parte desse processo, concebemos nossa metodologia de pesquisa como um
processo eminentemente hermenêutico-dialético.
Acreditamos que a relevância dessa abordagem se faz por estabelecer que o
processo de construção do conhecimento é um processo dialético, onde o referencial teórico
o qual nos fornece as categorias de análise, necessita ser constantemente revisitado e as
categorias reconstruídas durante o processo de investigação, ou o fenômeno não seria
histórico. A reflexão sobre a realidade, não se dá somente de forma diletante, mas sim em
função de uma ação transformadora dessa realidade.
A pesquisa foi realizada no período de 2011 a 2014, incluindo a pesquisa
bibliográfica, análise documental, entrevistas e demais procedimentos de aproximação com
o campo de investigação, associados a análises que se fizeram pertinentes para alcance
dos objetivos aqui propostos.
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2.1 Caracterização do campo de pesquisa
A aproximação com o fenômeno aqui pesquisado se deu no curso de
Fisioterapia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Além do pioneirismo na oferta do
curso de graduação em Fisioterapia no estado do Ceará, com isso tendo lançado no
mercado de trabalho centenas de profissionais durante todos esses anos, a UNIFOR, como
toda Instituição de Ensino Superior (IES), embasa-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN’s) e no COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), assim tal
escolha justifica-se porque foi na UNIFOR onde fui formada em Fisioterapia.
A UNIFOR é uma instituição de ensino superior brasileira e entidade privada
filantrópica localizada no bairro Edson Queiroz em Fortaleza, Ceará. Surgiu em 1973,
fundada pelo Grupo Edson Queiroz. Atualmente conta com 32 cursos na área de
Graduação. Na área de Pós-Graduação, a Universidade oferece cinco cursos de Mestrado
(Administração, Direito Constitucional, Informática Aplicada, Psicologia, Saúde Coletiva) e
dois cursos de Doutorado (Direito e Biotecnologia). Oferece ainda dezenas de cursos de
Especialização.
Salientamos que para a realização desta pesquisa, fomos autorizadas a
desenvolvê-la junto ao campo mediante requerimento assinado pelo diretor do Centro de
Ciências da Saúde da UNIFOR (CCS – UNIFOR).
2.2 Caracterização dos sujeitos pesquisados
O estudo desse universo se desenvolveu no curso de Fisioterapia da
Universidade de Fortaleza (UNIFOR) no sentido de apreensão da compreensão e
importância do diálogo durante a prática clínica como componente para a efetivação de um
fazer que contemple as dimensões biopsicossociais do sujeito-paciente. Para tal fim
participaram da pesquisa 8 profissionais fisioterapeutas (F1, F2 F3,...F8) que atuam na
prática clínica, egressos da UNIFOR. Todos os sujeitos assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE A), permitindo, assim a utilização de
seus dados na pesquisa. A escolha por esse número de sujeitos justifica-se pela
necessidade de se obter inicialmente um discurso em profundidade sobre o tema
pesquisado. A seguir apresentamos o perfil dos sujeitos desta pesquisa:
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QUADRO 1 – Caracterização geral dos sujeitos da pesquisa
Sujeito Perfil
F2 Graduada em 2000 (UNIFOR), mestre em Ciências Fisiológicas (UECE e UFRJ) e doutora em Ciências Médicas (UFC). Atua na área Cardiorrespiratória.
F2 Graduada em 1992 (UNIFOR), mestranda em Fisioterapia (UNICID). Atua nas áreas de Pediatria (rede pública estadual) e Cardiologia (rede privada).
F3 Graduada em 1992. Especialista em Fisioterapia Cardiopulmonar (UNIFOR). Mestre em Saúde Coletiva (UNIFOR) e doutoranda em Saúde Coletiva (Associação Ampla de IES – UNIFOR, UECE, UFC). Atua na área Cardiopulmonar e Terapia Intensiva.
F4 Graduada em 2001. Mestre e doutoranda em Farmacologia (UFC). Atua nas áreas de Dermatologia e Oncologia. Além da Fisioterapia, também é graduada em Enfermagem (UFC).
F5 Graduada em 2000. Mestre em Educação em Saúde (UNIFOR). Atua na área de Ortopedia, mais especificamente trabalha com técnicas de terapia manual que englobam Osteopatia, RPG e Microfisioterapia.
F6 Graduada em 1996. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente (UECE) em 2007. Atua nas áreas de Pediatria, Obstetrícia e Terapia Intensiva.
F7 Graduada em 1996. Especialista em Reeducação da Motricidade (UNIFOR) e mestre em Educação em Saúde (UNIFOR). Atua na área de Gerontologia.
F8 Graduada em 1993. Especialista em Gerontologia (UVA). Mestre em Psicologia (UNIFOR) e doutoranda em Ciências – departamento de Ginecologia (UNIFESP). Atua na área da Saúde da Mulher.
Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).
Os sujeitos desta pesquisa são atuantes em suas áreas específicas
apresentando, portanto considerável experiência na prática clínica da profissão, o que
configurou-se aspecto importante para a escolha dos mesmos. Observamos ainda que
todos apresentam cursos em nível de pós-graduação, na área das ciências da saúde, o que
evidencia o grande envolvimento que os sujeitos têm com a profissão e sua prática.
2.3 Instrumentos e coleta de dados
Considerando a necessidade de aproximação com o fenômeno estudado em sua
singularidade e desdobramentos, levando em conta os sentidos e significados que os
sujeitos dessa investigação revelaram a partir de suas experiências, apresentamos a seguir
os procedimentos para a coleta de dados utilizados na pesquisa.
27
- a análise documental – procedimento que constitui uma técnica valiosa de
abordagem de dados subjetivos segundo Lüdke e André (1986). A análise
documental é uma técnica que possibilita ao pesquisador fazer uso de
quaisquer materiais escritos como fonte de informação vinculada ao objeto de
estudo. Serve, portanto, para complementar informações obtidas pelas demais
técnicas ora utilizadas, bem como para desvelar novas nuances do problema
investigado. Segundo os autores, os documentos auxiliam o pesquisador no
sentido de comprovação de evidências que embasam suas afirmações e
declarações, além de servir também para identificar dados factuais nos
documentos e oportunizar a descoberta de problemas ou de aspectos que
devam ser mais explorados. Nesta investigação utilizamos basicamente
documentos relacionados à legislação vigente nos cursos de Fisioterapia, as
regulamentações da profissão, o projeto pedagógico do curso e outras
anotações.
- a pesquisa bibliográfica – abordagem compreendida como um levantamento de
material com dados analisados e publicados por meios escritos e eletrônicos,
como livros, artigos científicos, web sites, enfim todos aqueles relacionados à
temática estudada; a teoria conceitual que subsidia esta pesquisa está situada
nos estudos de Freire (1974, 1979, 2005); Silva (2010); Gimeno Sacristán
(2000); Vianna (2000); Pacheco (2005).
- a entrevista – a utilização dessa técnica se deu por acreditarmos que ao nos
fornecerem respostas, os sujeitos desta pesquisa contribuíriam para que, tanto
o sentimento, quanto a leitura de mundo do entrevistador fossem minimizados
(KIPNIS, 2005). Valemo-nos de Poupart et al., (2008), quando descreveram os
argumentos para a utilização da entrevista em pesquisa qualitativa: 1) de
ordem epistemológica, pela necessidade de exploração em profundidade da
perspectiva dos entrevistados para uma apreensão e compreensão do real; 2)
de ordem ética e política, pois abre a possibilidade de compreensão e
conhecimento interno de dilemas e questões enfrentadas pelos entrevistados
e, 3) de ordem metodológica, por configurar-se uma “ferramenta de
informação” que se impõe por ser capaz de elucidar as realidades sociais, mas
principalmente, quando apresenta-se como instrumento privilegiado de acesso
à experiência dos entrevistados. O autor acrescenta ainda, que as entrevistas
configuram-se “um dos melhores meios para apreender o sentido que os
atores dão às suas condutas”.
28
Para a compreensão da relação dialógica na prática clínica do profissional
fisioterapeuta como mediadora da noção de integralidade do sujeito-paciente a partir do
olhar deste profissional, utilizamos a técnica de entrevista com abordagem reflexiva. Tal
procedimento foi escolhido por possibilitar um encontro interpessoal no qual é incluída a
subjetividade dos sujeitos, podendo proporcionar a construção de um novo conhecimento,
respeitando-se os limites da representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade
nas relações de poder. O movimento reflexivo que a narração exige coloca o entrevistado
diante de um pensamento organizado e de uma nova forma até para ele mesmo, pois uma
vez que ao deparar-se com sua fala, na fala do pesquisador, há a possibilidade de outro
movimento reflexivo: o entrevistado pode voltar para a questão discutida e articulá-la de uma
outra maneira em uma nova narrativa, a partir da narrativa do pesquisador (SZYMANSKI,
2004). Daí o caráter de reflexividade expressa num movimento que se inicia com a reflexão
do entrevistado a partir da sua fala na voz do pesquisador, ao mesmo tempo em que este
expressa sua compreensão e a submete ao entrevistado, o que configura uma forma de
aproximação à fidedignidade dos depoimentos.
Durante a realização das entrevistas reflexivas fomos inspiradas pela técnica do
círculo hermenêutico-dialético2 (CHD) por se tratar de “um procedimento metodológico
bastante dinâmico, em constante interação entre as pessoas através do vai e vem no
processo de realização das entrevistas” (OLIVEIRA, 2010). (Fig.1)
Figura 1 – O círculo hermenêutico-dialético
Fonte: OLIVEIRA, 2010, p.132.
2 A metodologia da chamada quarta geração ou metodologia pluralista construtivista (GUBA e LINCOLN, 1989)
apresenta a técnica do circulo hermenêutico-dialético (CHD) a qual apresenta-se como “um processo de construção e de interpretação hermenêutica de um determinado grupo (...) através de um vai e vem constante entre as interpretações e reinterpretações sucessivas (dialética) dos indivíduos” (ALLARD, 1997, p.50).
29
O CHD configura-se como um processo dialético que supõe constantes diálogos,
críticas, análises, construções e reconstruções, o que também ocorre na entrevista reflexiva
pela relação constante que se estabelece entre pesquisador e entrevistados, por meio do
contínuo vai e vem para assim se chegar o mais próximo possível do real.
A inspiração através da utilização do CHD nos permitiu vivenciar uma
experiência bastante dinâmica, uma vez que facilitou não somente a comunicação com os
sujeitos dessa pesquisa, mas também a pré-análise dos dados coletados, pois logo após
cada entrevista, cada fala era revisitada e nos encontros seguintes quando da apresentação
das percepções do entrevistador, reflexões surgiam a todo momento o que favoreceu
melhor e maior compreensão da realidade em estudo. Ainda sobre a pré-análise, o
movimento dialético permeado de reflexões e percepções dos envolvidos na investigação
contribuiu no sentido de minimizar a subjetividade dos pesquisadores, facilitando, portanto, a
elaboração da síntese final.
Na entrevista reflexiva (APÊNDICE B) desenhada para esta investigação os
objetivos da pesquisa foram a base para a elaboração da questão desencadeadora que
segundo Szymanski (2004), é o ponto de partida para a fala do entrevistado, focalizando o
ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo, ampla o suficiente para que ele escolha por
onde quer começar.
A investigação acerca dos depoimentos teve por referência a seguinte questão
desencadeadora: Considerando a demanda social, humana e relacional emergente na
realidade da prática profissional do fisioterapeuta, como a relação dialógica favorece a
compreensão do sujeito-paciente de maneira integral no contexto da prática clínica?
A fim de sistematizar a metodologia efetivamos as etapas a seguir:
1. Definição do instrumental: roteiro da entrevista aberta com questões
geradoras e orientadoras do depoimento;
2. Seleção dos sujeitos da pesquisa;
3. Realização das entrevistas reflexivas;
4. Seleção do material verbal de cada depoimento, procurando trechos que
evidenciaram melhor o seu conteúdo;
5. Sistematização do material em Unidades de Significado, as quais
descreveram os sentidos presentes nos depoimentos de cada resposta e
também no conjunto de respostas dos sujeitos investigados que
apresentaram sentido semelhante ou complementar;
6. Agrupamento das Unidades de Significados em Categorias;
30
7. Sistematização dos depoimentos.
A entrevista reflexiva, como procedimento de pesquisa, caracteriza-se como uma
entrevista semidirigida que acontece em no mínimo dois encontros individuais ou coletivos.
Szymanski (2004) aponta momentos da entrevista reflexiva que devem ser sistematizados a
fim de estabelecer uma relação cordial, bem como o respeito ao ambiente social do
entrevistado, sua cultura ou instituição onde se desenvolverá a pesquisa. A autora adverte
que as razões para tais cuidados são principalmente de caráter ético, mas também
metodológico no sentido de se buscar maior fidedignidade nas informações.
As entrevistas foram realizadas individualmente em local e horário previamente
marcado, em ambiente apropriado e sem intercorrências. Os sujeitos se mostraram
disponíveis e solícitos desde o instante do convite. Por ocasião do primeiro encontro foi
realizada uma explanação sobre a pesquisa, o objeto a ser investigado e a técnica. Nos
encontros subsequentes apresentamos todo o depoimento transcrito juntamente com a
percepção do entrevistador acerca dos aspectos relevantes em relação à pesquisa.
Apresentamos a seguir os momentos da técnica de entrevista reflexiva aplicada
nesta pesquisa:
1. Contato inicial: neste momento houve uma apresentação deste estudo, onde
buscamos esclarecer sua finalidade, e também esclarecimento de dúvidas e
perguntas que eventualmente surgiram;
2. Aquecimento: aqui se delineou a biografia do entrevistado, assim como o
contexto de sua vida. Como o objeto desta pesquisa encontra-se imerso num
universo de subjetividade, ao apontarmos o diálogo como instrumento para
um olhar diferenciado do sujeito-paciente, olhar que valorize aspectos
relacionados à saúde e seus condicionantes biopsicossociais, este momento
foi importante ao proporcionar um entendimento à realidade do atendimento
clínico de cada um dos sujeitos, como, suas especialidades, o que gosta de
fazer na área da Fisioterapia, suas condições de trabalho, como se
caracterizam seus sujeitos-pacientes e as principais queixas relatadas pelos
mesmos;
3. A questão desencadeadora: aqui, foi lançada a pergunta “disparadora”. Uma
vez compreendida, os sujeitos discorreram livremente sobre o tema. Este
momento se caracterizou como uma primeira elaboração ou um primeiro
arranjo narrativo que o sujeito pode oferecer sobre o tema;
31
4. A expressão da compreensão: expressou-se aqui um caráter descritivo e da
síntese da informação até então recebida, onde gradativamente
apresentamos nossa compreensão acerca do depoimento dos sujeitos sem
perder de vista o objetivo da pesquisa;
5. Sínteses: quando apresentamos de tempos em tempos para o sujeito o
quadro que estava se delineando. A síntese é uma forma de manter uma
postura descritiva além de buscar uma imersão na fala do entrevistado.
Várias vezes apresentamos sínteses durante os depoimentos, pois alguns
sujeitos fugiam do foco da entrevista;
6. Questões de esclarecimento, de focalização, de aprofundamento: fizemos
algumas vezes indagações quando o discurso mostrava-se confuso, ou ainda
quando não havia clareza nas narrativas, quando o foco da entrevista era
perdido, ou ainda quando o discurso se apresentava superficial. Szymanski
(2004, p.44), ressalta que “algumas vezes o entrevistado continua um diálogo
interno e não o expressa”. Essas questões foram muito utilizadas durante as
entrevistas reflexivas desta pesquisa, pensamos que os sujeitos aqui
entrevistados não apresentaram experiência ou vivência com temas ligados a
aspectos qualitativos de pesquisa em Educação, o que justifica muitas vezes
a dificuldade de apreensão do tema;
7. A devolução: momento da apresentação da compreensão do pesquisador
sobre a experiência relatada pelo entrevistado. Os depoimentos foram
gravados em gravador digital da marca Coby e depois transcritos de forma
fidedigna – o texto de referência – que inclui tanto a escrita das narrativas
quanto as percepções do pesquisador durante a entrevista ou a transcrição
de cada depoimento. Tal material foi impresso e em segundo encontro
apresentamos aos sujeitos onde os mesmos tiveram a oportunidade de
acrescentar ou explicitar algo que não ficou claro no primeiro encontro. A
devolução ou segundo encontro marca o momento da reflexão quando da
síntese apresentada e da leitura da transcrição das falas. Este momento
caracterizou-se como o mais impactante para as pesquisadoras. Pois em
cada um dos encontros individuais, apresentamos para os sujeitos a
transcrição de suas falas e a leitura de nossa percepção a partir de seu relato
acerca dos pontos que emergiram durante a entrevista. Todos os sujeitos
desta pesquisa ouviram atentamente nossa leitura e alguns apresentaram
modificações ou reforçaram ideias estabelecidas durante o primeiro encontro.
32
Tais “alterações ou acréscimos” às suas falas evidenciaram a reflexividade,
que foi gerada no primeiro encontro, no período entre os dois encontros e, em
seguida quando compararam suas interpretações com as nossas. Nos novos
relatos, percebemos um sentido de desenvolvimento de consciência nos
procedimentos que envolveram esta entrevista reflexiva, pois do ponto de
vista da pesquisa, durante a tomada de conhecimento da elaboração feita por
nós, pesquisadores, os sujeitos demonstraram interesse no aprofundamento
da reflexão sobre o tema que consequentemente enriqueceria sua vivência,
no caso desta pesquisa, sua experiência na atuação clínica em Fisioterapia e
a integralidade do sujeito-paciente.
Durante a transcrição das falas dos sujeitos, a identificação com cada um
daqueles relatos, pensamentos e reflexões foi eminente. Atualmente, o confronto com a
prática e suas demandas, os fazem perceber lacunas existentes na formação que somente
através desse contato com o mundo do fazer nos faz enxergar. A compreensão do outro e
até onde ele nos permite avançar no sentido de tratá-lo, são fatores que não podemos
deixar de considerar e valorizar no dia a dia da profissão e principalmente na formação.
2.4 A análise dos dados
A análise em pesquisa é o processo que caminha na direção da explicitação da
compreensão do fenômeno pelos pesquisadores e que mesmo antes de iniciarmos o
procedimento de coleta de dados, pro meio, principalmente, das entrevistas, tínhamos
algum conhecimento e compreensão do problema proveniente, tanto de nossos referenciais
teóricos, quanto de nossas experiências pessoais e/ou profissionais, além de uma
expectativa de resultados que surgiu desde o momento de formulação do problema aqui
investigado. Acreditamos, portanto, que ao considerarmos a subjetividade envolvida no
processo de coleta de dados estamos demonstrando cuidado com o rigor metodológico.
Optamos pela técnica de Análise de Conteúdo por ser um procedimento de
pesquisa que se situa em um delineamento mais amplo da teoria da comunicação e tem
como ponto de partida a mensagem. Esta permite ao pesquisador fazer inferências sobre
qualquer um dos elementos da comunicação. A inferência é o procedimento intermediário
que vai permitir a passagem explícita e controlada, da descrição à interpretação dos dados.
Para tanto recorremos à organização dos depoimentos a partir de Moroz e Gianfaldoni
(2006) e ao entendimento à luz de Bardin (2011). Segundo o autor (2011, p.38):
33
A análise de conteúdo pode ser considerada como um conjunto de técnicas de análises de comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens... A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e de recepção das mensagens, inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não).
Produzir inferências “é a razão de ser” da análise de conteúdo, além de ter um
significado explícito, também pressupõe a comparação dos dados obtidos por meio de
discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de
individuo e de contexto social. Portanto, deve-se considerar que a relação que vincula a
emissão das mensagens está intrinsicamente articulada às condições contextuais dos seus
produtores. A análise de conteúdo foi por nós aplicada, tendo como base o método
hermenêutico-dialético.
A análise do conteúdo dos depoimentos envolveu três etapas descritas por
Moroz e Gianfaldoni (2006, p.100) como:
1. Pré-análise: que objetiva construir um conjunto de categorias descritivas a
partir de uma série de leituras (flutuante) do material e da busca de unidades
de significado (aspectos comuns, aspectos inusitados, “silêncios”);
2. Exploração do material, que objetiva categorizar e codificar o material
coletado;
3. Nova exploração do material, para tratamento (reagrupamento dos dados) e
interpretação (relacionar análises com pressupostos teóricos).
A partir dos resultados alcançados, foram estabelecidas relações com o presente
estudo e com seu arcabouço teórico na busca por respostas à questão principal que norteia
o tema desta pesquisa tendo o propósito de descrever e interpretar o que pensam os
profissionais de Fisioterapia egressos da UNIFOR sobre sua formação e a importância da
compreensão da integralidade do sujeito-paciente a partir da relação dialógica entre
fisioterapeuta/sujeito-paciente durante a prática clínica.
A categorização concretiza a imersão do pesquisador nos dados e sua forma
particular de agrupá-los segundo a sua interpretação. Em se tratando de entrevista reflexiva,
o processo de categorização inicia-se a partir das leituras e releituras do texto de referência
– o depoimento -, onde os itens emergentes das entrevistas permitiram a elaboração de
sínteses provisórias – as unidades de significado -, bem como a visualização de falas dos
participantes que convergiram para os mesmos assuntos, estes por sua vez nomeados pelo
aspecto do fenômeno a que se referem, constituíram as categorias desse estudo.
34
Os quadros relacionados à categorização geral e específica serão apresentados
no capítulo referente à apresentação e análise das entrevistas reflexivas.
Vale ressaltar, porém que neste estudo não elencamos previamente categorias
específicas a serem analisadas, o que não significa que desconsideramos a ideia das
possibilidades de emersão de algumas categorias estritamente ligadas ao objeto de estudo.
Como esclarecem Ludke e André (1986, p.48) ao afirmarem que o “(...) pesquisador já deve
ter uma ideia mais ou menos clara das possíveis direções teóricas do estudo (...)”.
De acordo com Moroz e Gianfaldoni (2006) as categorias devem apresentar:
I. Exaustão, ou seja, a inclusão de todos os dados coletados;
II. Exclusão mútua, ao permitir que os dados sejam classificados em uma única
categoria; e
III. Objetividade, ou seja, os dados coletados devem ser codificados do mesmo
modo.
IV. Homogeneidade, no qual um único princípio de classificação governa a
organização dos dados.
Após a fase de categorização, iniciou-se o trabalho com os dados onde
destacamos partes das entrevistas, bem como das observações e percepções que
contribuíssem para a discussão qualitativa dos dados, fornecendo assim consistência à
análise.
Para a sistematização do procedimento de análise dos dados coletados nas
entrevistas, após a transcrição das falas, seguimos os seguintes passos:
1. Leitura inicial sem a preocupação com interpretações, o que veio acontecer
nas leituras seguintes, que tinham a intenção de buscar o foco;
2. Grifo das ideias concernentes à fundamentação teórica;
3. Escuta das gravações com o intuito de complementar as anotações
realizadas durante a entrevista;
4. Listagem das ideias que se repetiam no texto;
5. Reunião das ideias principais, procedendo a composição das unidades de
significados, estas em eixos temáticos e por último em categorias;
6. Descrição do conteúdo das mensagens dos sujeitos entrevistados,
identificados nesta pesquisa pela sigla F1, F2, F3, F4,...F8, com o objetivo de
35
facilitar a descrição de suas falas e a análise da essência dos fenômenos que
desejamos desvelar.
7. Apreciação e inferência do conteúdo as mensagens.
Esclarecemos que ao utilizarmos o método hermenêutico-dialético e uma
adequação da técnica de análise de conteúdo de Bardin, aproximamo-nos da metodologia
interativa3 que se apresenta como um processo hermenêutico-dialético com o intuito de
facilitar o entendimento e a interpretação tanto das falas e depoimentos dos sujeitos quanto
dos documentos relacionados com a investigação. De acordo com Oliveira (2010, p.124):
A metodologia interativa é um processo hermenêutico-dialético que facilita entender e interpretar a fala e depoimentos dos atores sociais em seu contexto e analisar conceitos em textos, livros e documentos, em direção a uma visão sistêmica da temática em estudo.
Apresentamos a seguir a análise das palavras-chave do conceito de metodologia
interativa segundo Oliveira (2010, p.124):
QUADRO 2 – Palavras-chave da metodologia interativa
Termos Significados
Metodologia Processo que implica a utilização de métodos e técnicas.
Interativa Fusão de métodos e técnicas de pesquisa e adaptações segundo a realidade do estudo.
Processo hermenêutico-dialético
Interpretação da realidade em seu movimento (dialética).
Entender/interpretar Trata-se de um mesmo movimento: ao mesmo tempo em que buscamos entender fatos e fenômenos, fazemos uma análise (interpretação da realidade) à luz de teorias.
Fala/depoimentos O que dizem os atores sociais sobre a realidade pesquisada.
Contexto Realidade empírica: local e/ou documentos que situam de forma geográfica e histórica o tema em estudo.
Visão sistêmica As partes só podem ser compreendidas a partir da dinâmica do todo.
Fonte: (OLIVEIRA, 2010, p.124).
Quando da análise dos dados coletados nesta pesquisa, confirmou-se a
classificação deste estudo como do tipo fenomenológico, apoiando-se em Bogdan e Biklem
(1994), que apontam o ambiente natural como fonte direta dos dados e seu caráter
descritivo. Segundo os autores, os investigadores fenomenologistas tentam compreender o
3 Oliveira (2010) apresenta a metodologia interativa como uma proposta metodológica. A autora se embasa teoricamente no método pluralista construtivista ou método da quarta geração de Guba e Lincoln (1989), o método de análise de conteúdo de Bardin (1977) e o método hermenêutico-dialético de Minayo (2004).
36
significado que os acontecimentos e interações têm para pessoas comuns, em situações
particulares. E ainda, que ao não presumirem que conhecem os diferentes significados que
os sujeitos dão ao fenômeno que se estuda, a investigação de caráter fenomenológico parte
do silêncio. Onde tal ação se expressa como uma tentativa de penetração no mundo
conceitual dos sujeitos com o objetivo de compreender como e qual o significado que
constroem para os acontecimentos de suas vidas, ou seja, a realidade não é mais do que o
significado das nossas experiências e, portanto, constitui-se algo socialmente construído.
No capítulo referente à análise dos dados apresentaremos a apreciação e
inferência do conteúdo das informações coletadas nas entrevistas fundamentadas pelo
arcabouço teórico desta investigação.
Ressaltamos que esta pesquisa ao envolver seres humanos, obedeceu aos
princípios que regem a RESOLUÇÃO nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), que embasam a proteção da privacidade dos sujeitos e não
utilização das informações em prejuízo dos outros; a garantia que não haverá riscos para o
sujeito de pesquisa; a inexistência de ônus de qualquer espécie e, o emprego dos dados
somente para fins previstos nesta pesquisa. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (COMEP - UFC) em 14 de outubro de
2014 sob parecer nº 830.599.
37
3 FISIOTERAPIA: CONTEXTO HISTÓRICO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
O presente capítulo apresenta a trajetória histórica da Fisioterapia no Brasil e no
mundo, bem como sua conceituação que vem mudando ao longo do tempo, deixando de
enfatizar seu caráter e exclusividade de uma ciência reabilitadora para se voltar a um campo
de atuação mais coletivo, no âmbito da promoção de saúde e prevenção de agravos. Porém
muito ainda precisa ser conquistado, pois sua característica histórica ainda é muito presente
nas práticas em termos de atenção ao sujeito já doente ou incapacitado.
3.1 História da Fisioterapia no Mundo
A fim de compreendermos a característica ainda tão presente de uma prática
profissional fisioterapêutica onde a reabilitação persiste enquanto foco de ação com
destaque para a presença de técnicas que não privilegiam a abordagem do sujeito-paciente
de forma integral, faz-se necessária uma incursão às bases históricas da profissão. Assim
perceberemos como o objeto de trabalho da profissão tem sido concebido, definido ou
exercido.
De acordo com Rebelatto e Botomé (1999), na Antiguidade os povos (4000 a.C.
e 395 d.C.) preocupavam-se com as diferenças incômodas, atualmente conhecidas por
doenças. Para eliminá-las, lançavam mão da utilização de agentes físicos disponíveis como
recursos e técnicas. Um exemplo de recurso natural terapêutico foi a utilização do peixe
elétrico, o que provavelmente impulsionou pesquisas acerca da eficácia da corrente elétrica
com finalidade de tratamento, originando assim um dos recursos atuais da Fisioterapia, a
eletroterapia. Também na Antiguidade, a ginástica era de domínio dos sacerdotes que a
utilizavam com fins terapêuticos, especialmente na cura de alguma doença já instalada.
Os agentes medicinais e físicos eram também utilizados pelos gregos e romanos
nos templos. A importância dos exercícios terapêuticos, ficam aí esclarecidas pela nota de
Galeno, de que o próprio Esculápio recomendava a equitação como meio de recuperar a
saúde (BASMAJIAN, 1980). Galeno também utilizou uma ginástica planificada do tronco e
dos pulmões para correção de uma deformidade de tórax apresentada por um jovem.
Hipócrates, o pai da medicina, já adotava os recursos terapêuticos com objetivo
de fortalecimento de músculos enfraquecidos. Foi Hipócrates quem utilizou pela primeira vez
o termo “Medicina de Reabilitação,” caracterizando a fisioterapia em uma de suas áreas de
atuação até hoje tão conhecida.
38
A Medicina foi amplamente desenvolvida através de novas e importantes
descobertas atribuídas aos filósofos ao trazerem para o mundo uma evolução do
conhecimento em várias áreas. Os exercícios e os meios naturais para desenvolvimento da
saúde ou a cura de doenças foram ressaltados neste período pela visão de que tudo
acontecia de forma natural.
Durante a Idade Média (Século IV a XV), com o predomínio da visão religiosa
centrada no divino e a exaltação da fé, houve uma interrupção no avanço dos estudos na
área de saúde, pois o corpo humano foi desvalorizado, considerado “algo inferior”,
consequentemente os cuidados relativos ao corpo bem como seus movimentos foram
negligenciados.
A beleza física foi exaltada no Renascimento (Séc. XV a XVI),
concomitantemente os valores rígidos e morais da Idade Média sofrem uma decadência.
Rebelatto e Botomé (1999) apontam que a partir do desenvolvimento do humanismo e das
artes nesse período, houve a retomada dos estudos relativos ao cuidado com o corpo bem
como o culto ao físico. O avanço na utilização dos recursos físicos como meio de tratamento
das doenças ocorreu no final do Renascimento, com influência no mundo ocidental. Ainda
nesta época há relatos de preocupações com a prevenção de doenças e manutenção de
saúde.
O período Industrial (Séc. XVIII e XIX) trouxe a produção em grande escala com
o uso de máquinas, intensificando o trabalho operário com excessivas jornadas de trabalho
e condições sanitárias e alimentares precárias. Nesta época as condições alimentares e
sanitárias eram precárias, o que propiciava o surgimento e proliferação de novas doenças
como as epidemias de cólera, a tuberculose pulmonar e o alcoolismo. Começaram então a
ocorrer acidentes de trabalho devido a jornadas intensas e exaustivas, chegando a 16 horas
por dia. Assim para manutenção da força de trabalho e consequentemente do poder
econômico por ela gerado, era necessário tratar essas patologias para não perder ou
diminuir a sua fonte de riqueza proveniente do trabalho daqueles de poder econômico mais
baixo e socialmente dominados. O homem nessa época buscou concentrar-se na
descoberta de métodos de tratamento de doenças e suas sequelas, o que levou ao
desenvolvimento e evolução no que tange a aplicação de recursos elétricos, térmicos e
também a utilização da água e a aplicação de exercícios físicos no atendimento desse
indivíduo (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999).
A Fisioterapia surge na metade do século XIX na Europa com as primeiras
escolas nas cidades de Kiel em 1902 e Dresdem em 1918 ambas na Alemanha. No cenário
mundial a Fisioterapia surge com grande evidência primeiramente na Inglaterra com os
39
trabalhos de massoterapia desenvolvidos por Mendell e Cyriax, os trabalhos de
cinesioterapia respiratória realizados por Winifred Linton em Londres e especialmente os
trabalhos de fisioterapia neurológica desempenhados pela fisioterapeuta Berta Bobath
juntamente com o neurofisiologista Karell Bobath para o tratamento de pacientes com
sequela de paralisia cerebral (NAVES; BRICKS, 2001).
As especializações na área da medicina começaram a surgir no século XIX, com
as formas de tratamento utilizando-se técnicas e recursos que viriam a caracterizar a
Fisioterapia, definindo-a como área de estudo e campo de atuação profissional. Somente
no século XX é que acontece uma melhor elaboração das especializações, destacando-se a
Fisioterapia. É nesse período que se dá grande expansão mundial da fisioterapia: após as
duas grandes guerras. Tais batalhas tiveram como consequência um grande número de
mutilados, trazendo a necessidade de readaptação desses sujeitos lesionados às suas
atividades e o retorno ao trabalho e à sociedade. Assim, a Fisioterapia emerge como
especialidade voltada para a utilização do exercício físico como forma de retomada dos
movimentos e da funcionalidade do membro ou órgão com sequela de lesão.
De acordo com Rebelatto e Botomé (1999), no final do século XX, a Fisioterapia
passa a fazer parte da chamada "Área da Saúde" e sua evolução no decorrer da história,
teve seus recursos e formas de atuação quase que voltadas exclusivamente ao atendimento
do indivíduo doente.
Em 1948 em Londres foi criada a World Confederation for Physical Therapy
(WCPT) que aliou-se à Organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de promover a
Fisioterapia em todo o mundo (NAVES; BRICKS, 2001).
Assim, os marcos do avanço da profissão no mundo foram a industrialização,
que trouxe os acidentes de trabalho, as epidemias de poliomielite e as duas grandes guerras
mundiais. O avanço da Industrialização levou ao desenvolvimento de formas de trabalho
que ultrapassavam os limites físicos do trabalhador, sujeitando-o a situações que lhe
causavam danos à saúde, pois tais formas de trabalho priorizavam a produção e o lucro,
desconsiderando as condições de saúde do trabalhador.
Estes fatores foram determinantes para afirmação da Fisioterapia como uma
profissão necessária para o tratamento do sujeito acometido de uma lesão, o que ocasionou
a necessidade de investimento em pessoal qualificado, bem como em conhecimentos e
técnicas voltadas para a reabilitação.
40
3.2 A Fisioterapia no Brasil
A Fisioterapia no Brasil coincidiu com a chegada da família real portuguesa em
1808, pois juntamente com os nobres houve a necessidade de instalar na colônia uma
estrutura sanitária mínima o que justificou a vinda de muitos recursos trazidos de Portugal
para serem incorporados em serviços de saúde no Brasil.
Rebelatto e Botomé (1999), afirmam que no Brasil, os recursos físicos
começaram a ser utilizados no âmbito da saúde por volta de 1870, devido aos acidentes de
trabalho resultado da industrialização. E em 1951 iniciou-se o primeiro curso para a
formação de técnicos em Fisioterapia.
Houve muitos outros fatores que fortaleceram a concepção de fisioterapia no país como uma atuação reabilitadora. A incidência de poliomielite no Brasil, na década de 50, atingia índices alarmantes e, como consequência, a quantidade de indivíduos portadores de sequelas motoras e que necessitavam de uma reabilitação para a sociedade era muito grande (p. 49).
Rebellato e Botomé (1999), ao analisarem a legislação que regulamenta a
profissão, observam limitações nas possibilidades de atuação em outros níveis de atenção.
Apontam restrições à prática profissional, impostas pelo Decreto-Lei no 938/69 que institui
“atividade privativa do fisioterapeuta executar métodos e técnicas fisioterápicas com a
finalidade de restaurar; desenvolver e conservar a capacidade física do paciente”. Um
profissional de nível superior, especialmente da área de saúde, não pode restringir-se a
apenas executar métodos e técnicas. Deve ter a capacidade de mais do que executar
procedimentos, analisar e produzir novos saberes. Outra questão que também merece
destaque é a restrição da atuação à restauração, desenvolvimento e conservação da
capacidade física, ou seja, o profissional deve atuar apenas sobre a capacidade física, não
sendo sua responsabilidade atuar para o desenvolvimento da qualidade de vida e saúde de
forma plena.
De acordo com o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional
(COFFITO), a Fisioterapia é uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios
cinético-funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por
alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas e que fundamenta suas ações
em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da biologia, das
ciências morfológicas, das ciências fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica,
da biomecânica, da cinesiologia, da sinergia funcional e da cinesiopatologia de órgãos e
sistemas do corpo humano e as disciplinas comportamentais e sociais.
41
As atuais exigências profissionais nessa área caminham em direção a uma
prática integral em saúde e menos focada na doença e na incapacidade, rompendo assim,
com o modelo biomédico e inserindo-se em uma atuação profissional mais voltada para a
promoção, a prevenção, a assistência e a reabilitação em padrões mais coletivos e
comunitários.
Atualmente o fisioterapeuta, é um profissional reconhecido e habilitado para
atuar nos três níveis de atenção à saúde – primário, secundário e terciário. No entanto, uma
inserção profissional assim caracterizada e que atende a demanda e exigências das práticas
em saúde nos dias atuais nem sempre foi abordada e, a formação acadêmica e as
habilidades técnicas não necessariamente acompanharam as mudanças e a avanços na
organização do sistema de saúde brasileiro.
Ao considerarmos a dinamicidade dos problemas de saúde da população, vemos
a importância de uma visão não somente técnica, mas também de uma consciência social,
entendendo o sujeito através de uma visão holística, contemplando os aspectos técnico-
científicos, humanísticos e sociais.
O contexto das ações em saúde na atualidade requerem profissionais capazes
de dar conta das necessidades dos sujeitos abrangendo aspectos físicos e afetivos. Práticas
pautadas somente em técnicas não respondem à demanda relacional terapeuta-paciente.
Daí a importância de uma formação que contemple o outro total, sem fragmentá-lo.
Reconhecendo que é um sujeito inacabado, humano.
3.3 Fisioterapia: conceituação e profissão
Vários são os conceitos desta profissão, porém a definição constante da
Resolução n.º 80 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) se
destaca ao descrever a Fisioterapia como uma ciência aplicada, cujo objeto de estudo é o
movimento humano, em todas as suas formas de expressão e potencialidades, seja nas
suas alterações patológicas, nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com objetivo de
preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgãos, sistemas e ou funções.
Percebemos para tanto, que de acordo com a definição, a Fisioterapia tem como objetivo
preservar (prevenção), desenvolver ou restaurar (reabilitação) a integridade de órgãos,
sistema ou função visando a uma melhor qualidade de vida do sujeito.
A Fisioterapia pode ser definida como uma ciência aplicada ao estudo,
diagnóstico, prevenção e tratamento de disfunções cinéticas funcionais (da biomecânica e
funcionalidade humana) de órgãos e sistemas decorrentes de alterações de órgãos e
desenvolvimento e regulamentação da profissão, vários desafios ainda precisam ser
enfrentados. Um deles é a noção de que a Fisioterapia é um campo do conhecimento
voltado exclusivamente para a reabilitação e para um modelo assistencial e curativista,
tendo como clientes apenas pessoas já doentes ou com incapacidades instaladas.
44
4 CURRÍCULO: CONSTRUÇÃO SOCIAL E PRÁXIS
O presente capítulo apresenta a concepção de currículo enquanto objeto
construído a partir da teia de relações social, política, cultural e histórica a qual faz parte o
humano inserido nesse contexto real e a sua prática enquanto profissional, o que nos
remete a ideia de currículo enquanto práxis que corrobora para a sua emancipação.
Abordamos ainda a conceituação de currículo bem como suas teorias. Para tanto
recorremos às obras de Silva (2010), Sacristán (2000), Goodson (2008), Vianna (2000).
Com o intuito de justificarmos nossa opção conceitual sobre o tema currículo na
prática do profissional fisioterapeuta, abordamos as duas concepções que embasaram
nossa construção teórica. A primeira concepção, à luz do livro “Documentos de Identidade:
uma introdução às teorias do currículo” de Tomaz Tadeu da Silva (2010). Segundo o autor:
(...) o currículo é uma construção social. O currículo é uma invenção social como qualquer outra: o Estado, a nação, a religião, o futebol...Ele é o resultado de um processo histórico. (...) É também através de um processo de invenção social que certos conhecimentos acabam fazendo parte do currículo e outros não. Com a noção de que currículo é uma construção social aprendemos que a pergunta importante não é “quais conhecimentos são válidos?”, mas sim “quais conhecimentos são considerados válidos?” (SILVA, 2010, p.148).
E a concepção de currículo enquanto práxis de Gimeno Sacristán (2000) que no
cotidiano de ações aborda a perspectiva prática sobre o currículo que resgata como âmbito
de estudo “o como se realiza de fato, o que acontece quando está se desenvolvendo. (...)
Nem as intenções nem a prática são, de modo separado, a realidade, mas ambas em
interação” (p.51).
Na perspectiva quer de currículo enquanto construção social quer currículo
enquanto práxis, significa apreendermos que sua construção está ligada às condições reais
no qual se desenvolve, considerando a teia de relações social, política, cultural e histórica a
qual faz parte, e a figura do homem inserido nessa realidade contextual.
Com o intuito de compreendermos o que é práxis, recorremos ao conceito de
Vásquez que afirma que é (1977, p. 108):
(...) uma atividade material, transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela fica atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica.
45
Sacristán (2000), afirma que sendo o currículo entendido como uma práxis, o
mesmo contribui para o interesse emancipatório de seus participantes. Sendo ação,
distancia-se de um mero objeto estático, configurando-se uma expressão da função
socializadora e cultural de uma determinada instituição. É ainda uma prática que se
expressa em comportamentos práticos diversos, ou seja, ao apresentar-se como um projeto
baseado num plano devidamente ordenado, o currículo relaciona conexão entre princípios e
a realização dos mesmos, onde cada expressão prática concretiza seu valor. Segundo o
autor (p.16):
É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam, etc. Desenvolver esta acepção do currículo como âmbito prático tem o atrativo de poder ordenar em torno deste discurso as funções que cumpre e o modo como as realiza, estudando-o processualmente: se expressa numa prática e ganha significado dentro de uma prática de algum modo prévio e que não é função apenas do currículo, mas de outros determinantes. É o contexto da prática, ao mesmo tempo em que é contextualizado por ela.
Ao acreditarmos que nenhum fenômeno perfaz-se indiferente ao contexto no
qual é produzido e sendo o currículo algo que se constrói, seus conteúdos e expressões
últimas também não podem ser indiferentes aos contextos nos quais se apresentam. Assim,
ao considerarmos o enfoque técnico predominante na formação do profissional
fisioterapeuta e que faz parte da realidade da sua prática profissional vemos que o que é
interessante para o profissional é estar apto a solucionar o problema de saúde do sujeito
que busca tratamento. Assim o profissional lança mão de um aporte técnico científico e por
que não dizer racionalmente utilizado que se enquadra perfeitamente em cada caso
específico cujos sujeitos têm certa pressa em solucioná-los. Segundo Sacristán (2000, p.22)
a abordagem demasiadamente tecnicista de currículo nunca alcançará o real. De acordo
com o autor:
Uma visão tecnicista ou que apenas pretenda simplificar o currículo, nunca poderá explicar a realidade dos fenômenos curriculares e dificilmente pode contribuir para mudá-los, porque ignora que o valor real do mesmo depende dos contextos nos quais se desenvolve e ganha significado.
Diante disso, a teoria curricular deve contribuir para uma melhora da
compreensão dos fenômenos que se produzem, sejam nos sistemas de educação, sejam no
contexto da realidade da prática profissional na qual esta se insere considerando as
dimensões social, econômica, política vigentes.
O crescimento da profissão de Fisioterapia nas últimas décadas tem sido gradual
e constante e alcança tanto os aspectos sociopolíticos quanto o tecnológico, ampliando
46
assim sua complexidade enquanto campo de atuação no que tange a intervenção bem
como o seu campo de conhecimento científico. Assim, compreendemos que, para falar na
estrutura curricular do curso de Fisioterapia, precisamos aprofundar conceitualmente as
teorias de currículo, bem como sua estrutura e organização.
4.1 Conceituação e teorias curriculares
Sabemos que o desenvolvimento curricular apresenta-se como processo
dinâmico e complexo uma vez que compreende prescrição, ação e avaliação e ainda que
ideologias, práticas e a própria política educacional são aspectos que dentre outros denotam
a complexidade do currículo.
Conceitualmente, o termo currículo apesar das ressignificações que vem
passando ao longo dos tempos, geralmente encontra-se ligado a ideia de conhecimento
válido, saber legitimado em determinada sociedade. Onde esse saber é submetido a
critérios, para que seja selecionado para somente a partir de então ser moldado a padrões
históricos e quando finalmente elaborados torna-se uma construção social e política. De
acordo com Berticelli (1999, p.160):
Currículo é lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, produto de uma lógica explicita muitas vezes e, outros, resultado de uma “lógica clandestina” que nem sempre é a expressão da vontade de um sujeito, mas imposição do próprio ato discursivo.
Assim, por ser um saber legitimado, o conceito de currículo varia de acordo com
o que cada momento histórico aponta como legitimo. Configura-se saber socialmente aceito
revelando sua dimensão social, cultural e educacional.
Para Goodson (2008), a palavra currículo, de origem latina, refere-se a
expressão scurrere, que significa caminho percorrido, ou ainda, a trajetória percorrida por
um carro. A ideia de trajetória, percurso, caminho levou ao surgimento da expressão
currículo, que no mundo escolar refere-se ao caminho que o aluno percorrerá na vida
acadêmica.
A ideia de padronização e a linearidade ainda é muito forte nos modelos e
concepções de estrutura e organização curricular, pois estudos e reflexões acerca de sua
função político-social só emergiram no final do século XX. Goodson (2008) demarca a
evolução epistemológica do currículo e aponta quatro tendências progressivas
historicamente: a primeira marcada pelos padrões de organização e pelo controle social do
47
conhecimento gerado na escola; a segunda, influenciada pela Revolução Industrial, traz o
modelo fabril como referencia à organização do trabalho e da estrutura escolar; a terceira,
caracterizada pela retórica da produção em série, cujos elementos centrais se relacionam à
padronização; e a quarta, o currículo como matéria acadêmica para formação profissional,
cuja compreensão relaciona-se diretamente ao desenvolvimento de saberes a grupos que
apresentam aptidão ou afinidade com a área de estudo escolhida.
Em estudos sobre currículo, faz-se pertinente a compreensão acerca das
concepções e ideologias implícitas e explicitas em sua constituição. Silva (2010) categorizou
as teorias curriculares apresentando em suas obras as bases epistemológicas que
promoveram maior compreensão acerca dos conceitos e ideologias do currículo tão
importantes para esta pesquisa. De acordo com o autor, as teorias do currículo relacionam-
se a três categorias conceituadas historicamente: as tradicionais, as críticas e as pós-
críticas.
Tais teorias emergem no inicio do século XX e iniciam-se com Bobbit, em 1918,
ao publicar The curriculum e, mais tarde, em 1949, surgem os trabalhos de Ralph Tyler.
Bobbit e Tyler tornam-se precursores influenciando mundialmente as concepções, a
organização e o desenvolvimento dos currículos.
O modelo de currículo de Bobbit iria encontrar sua consolidação definitiva num livro de Ralph Tyler publicado em 1949. O paradigma estabelecido por Tyler iria dominar o campo de currículo nos Estados Unidos, com influencia em diversos países, incluindo o Brasil, pelas próximas quatro décadas. Com o livro de Tyler, os estudos sobre currículo se tornam decididamente estabelecidos em torno da ideia de organização e desenvolvimento. Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis fontes de objetivos para o currículo, o paradigma formulado por Tyler centra-se em questões de organização e desenvolvimento. Tal como no modelo de Bobbit, o currículo é, aqui, essencialmente, uma questão de técnica (SILVA, 2010, p.24-25).
Somente em 1960 é que surge uma perspectiva de organização e
desenvolvimento do currículo, mais reflexiva e crítica, quando os paradigmas mais
tradicionais do currículo já não davam mais conta das necessidades surgidas na América e
na Europa àquela época, que pediam pela compreensão de um currículo para além do
paradigma de controle e manutenção cartesiana do conhecimento. Então surgem as teorias
criticas do currículo, o que Silva (2010) caracteriza como a segunda categoria:
Ao tomar o status quo como referência desejável, as teorias tradicionais se concentravam, pois nas formas de organização e elaboração do currículo. Os modelos tradicionais de currículo restringiam-se a atividade técnica de como fazer o currículo. As teorias críticas sobre currículo, em contraste, começam por colocar em questão os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo,
48
responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radicais. Para as teorias criticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz (SILVA, 2010, p.30).
Segundo Moretti-Pires, (2008, p.287), os currículos tradicionais não permitem o
desenvolvimento da criticidade no discente por que entre outras características, há
idealização dos parâmetros aceitáveis e não aceitáveis para o aluno a partir da ideologia
que direciona politicamente a instituição de ensino, desconsiderando tanto a realidade e se
é possível ou não articular esta idealização com esta, como também se desconsideram
outros parâmetros de aprendizagem não previstos ou contrários ao que é aceitável. Sendo a
realidade e a relação homem-homens-mundo complexa, não há como ser contida na
perspectiva tradicional.
Silva (2010) denomina a terceira categoria de pós-crítica. Esta, por sua vez
busca enfatizar a dimensão multiculturalista que o currículo assume na atualidade,
apontando a identidade cultural como forte aliada ao desenvolvimento curricular. A partir da
compreensão de que os processos de globalização tendem a padronizar os sistemas de
organização social e acomodar os sujeitos em padrões, distanciando-os assim de suas
matrizes culturais, é que emerge, nesse contexto, a categoria pós-crítica cujo desafio é
desenvolver processos considerando as diferenças ligadas a etnia, gênero, credo e outros
que revelam multiculturalismo, seja local ou global.
Percebemos atualmente nos cursos de Fisioterapia, ainda a persistência de uma
organização e desenvolvimento de currículo que ressalta a fragmentação de saberes, tão
característico do modelo cartesiano de conhecimento. Tal concepção enobrece a
racionalidade técnico-científica que prioriza as demandas mercadológicas em detrimento
daquelas que promovem qualidade de vida aos sujeitos que buscam atenção em saúde.
Diante disso, cabe destacar a contribuição da crítica de Giroux (1983 apud
SILVA, 2010) à racionalidade técnica e utilitária; em sua análise, o currículo deve se
constituir de bases históricas e não somente da necessidade técnico-burocrática
determinada pelo modelo econômico. As teorias de reprodução capitalista situam os sujeitos
como reféns de suas necessidades e, para o autor, o currículo deve conter todas as
possibilidades e necessidades de seus sujeitos formandos, não somente àquelas
mercadológicas.
Silva (2010, p.25) ressalta que tanto a organização quanto o desenvolvimento do
currículo deve buscar responder, de acordo com Tyler, a quatro questões básicas: 1. que
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objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais
podem ser oferecidas que tenham possibilidade de alcançar esses propósitos?; 3. como
organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. Como podemos ter certeza
de que esses objetivos estão sendo alcançados? As quatro perguntas de Tyler
correspondem à divisão tradicional da atividade educacional: (1) “currículo”, (2 e 3) “ensino e
instrução”, (4) “avaliação”.
Benfatti (2011, p. 60-61) sobre a organização curricular acrescenta:
A organização curricular abre as portas para a definição sociológica e política dos contextos. Um currículo é constituído por seus registros - projeto pedagógico, planos, conteúdos, regimento etc., - mas, também o integram os espaços sociais, as manifestações, discursos, crenças, escolhas metodológicas, tensões sociais, a organização do trabalho pedagógico, dentre outros elementos. Há forte tendência de caracterizá-lo como artefato objetivo e neutro, contudo, nele estão presentes os elementos subjacentes à cultura. O currículo é, portanto, um produto político, e, quando os agentes que fazem parte desse quadro compreendem essa dimensão, tornam-se capazes de identificar suas contingências e os elementos que prevalecem na sua identidade.
Remetendo ao universo dessa investigação, indagamo-nos acerca de objetivos e
experiências educacionais que promovam uma formação crítica, reflexiva, humanizada.
Formação não mais pautada em teorias tradicionais do currículo, preocupando-se tão
somente com questões de organização, ou “o quê”? Que conhecimento deve ser ensinado?
E sim formação que promova uma consciência crítica acerca do “por quê?” Por que esse
conhecimento e não outro? Currículo e formação alicerçados por teorias preocupadas com
as conexões entre saber, identidade e poder (SILVA, 2010).
Ao pensar no currículo como agente mediador de transformação do sujeito,
vemos a necessidade de uma abrangência de conhecimentos que busquem dar conta do
universo do sujeito que busca tratamento em saúde. As práticas só mudarão se houver um
trajeto de formação que seja seguido e que seja condizente com a realidade do cotidiano
das atuações em saúde atualmente. Pacientes que buscam atendimento e profissionais que
estão distantes da realidade em que esse indivíduo vive. Um currículo que contemple o
humano na sua concepção mais ampla. Disciplinas oriundas das ciências humanas e sociais
fazendo parte do todo desse currículo num processo dialógico com as disciplinas próprias
da saúde. Assim, encontramos em Silva (2010) e em Vianna (2000) suporte para nossos
pensamentos acerca da visão de currículo e da educação enquanto valor social. De acordo
com Silva (2010, p. 27) “o currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de
transmissão de conhecimentos. O currículo está centralmente envolvido naquilo que somos,
naquilo que nos tornamos. O currículo produz, o currículo nos produz”. Vianna (2000, p. 23)
50
corrobora com nosso pensamento ao afirmar que: “a educação, como um valor social,
extrapola os interesses circunstanciais de grupos isolados e passa por uma preocupação da
sociedade global”.
51
5 PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Este capítulo aborda os paradigmas da educação em saúde: o paradigma
flexneriano ou biomédico idealizado por Abraham Flexner que é caracterizado por um
modelo reducionista, fragmentador e excludente dos aspectos psicossociais do sujeito-
paciente; e, o paradigma da integralidade que surgiu como proposta de superação de uma
prática especializada e indiferente ao contexto real de inserção desse sujeito que adoece.
Para tanto caracterizamos cada um dos modelos à luz das obras de Capra (2012), Camargo
Jr. (2005), Lampert (2002; 2003) e Mattos (2004; 2006).
5.1 O Relatório Flexner e sua influência na formação em saúde
O ensino da medicina nos Estados Unidos foi moldado, em sua forma atual, no
começo do século, quando a American Medical Association encomendou uma pesquisa
nacional sobre as escolas de medicina com o objetivo de proporcionar a esse ensino uma
sólida base científica (CAPRA, 2012). Esta pesquisa realizada por Abraham Flexner4 deu
origem ao livro Medical Education in the United States and Canada, mais conhecido como
Flexner Report – o relatório Flexner – publicado em 1910, que serviu de embasamento para
uma profunda reforma no ensino médico na América do Norte e que posteriormente
estendeu-se a outros campos de conhecimento. Tal relatório consolidou uma arquitetura
curricular fixando diretrizes rigorosas que são predominantes até hoje nas universidades de
países industrializados (ALMEIDA FILHO, 2010). Esse paradigma fundamentado na
fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas, na capacitação técnico científica
docente, na pesquisa e no treinamento em grandes hospitais, com (super)valorização da
especialização, impulsionou o conhecimento médico e as ciências da saúde na época
(ARCOVERDE, 2004).
No paradigma flexneriano também chamado de biomédico, a escola de medicina
se voltaria para o ensino e a pesquisa e seu principal objetivo era a formação de novos
médicos e o estudo das doenças e não a assistência aos enfermos. Para Capra (2012) a
4 Abraham Flexner foi um educador, graduado em química. Por encomenda da American Medical Association
(AMA) realizou um estudo para a Fundação Camegie para o Progresso no Ensino, sobre a situação das escolas
e da educação médica americana e canadense. Tal estudo resultou no Relatório Flexner publicado em 1910.
Esse trabalho foi determinante na reforma do ensino médico americano, influenciando também o
desenvolvimento das ciências da saúde, com o incentivo à pesquisa, ao ensino ligado ao hospital de ensino e à
docência com dedicação exclusiva, e consequentemente a delimitação e aprofundamento de áreas de estudo, as
especialidades (LAMPERT, 2002).
52
ciência a ser ensinada e a pesquisa a ser desenvolvida em tal modelo inseriam-se no
modelo biomédico reducionista uma vez que tinham que ser separadas de questões sociais
onde tais questões não faziam parte do universo da medicina.
O paradigma flexneriano como a maioria das transições paradigmáticas, não foi
simples. Segundo Kuhn, apud Lampert (2002), há duas condições que devem ser
consideradas pelo novo paradigma: 1. solucionar problemas detectados que o paradigma
anterior não tenha conseguido resolver e 2. preservar uma parte substantiva do que foi
construído pelo paradigma anterior. Então o paradigma flexneriano passou a ser associado
ao rígido ensino médico que privilegiava a formação científica de alto nível, estimulando as
especializações profissionais, deixando a desejar uma abordagem mais humanista do
cuidado em saúde (NEVES; NEVES; BITENCOURT, 2005).
Figura 2. Abraham Flexner (1866-1959)
Fonte: Cad. Saúde Pública, 2010.
Arcoverde (2004) ao citar Flexner relata que em um estudo comparativo sobre
educação médica, Flexner iniciou postulando que para pesquisar a questão do ensino
médico era necessário, inicialmente definir qual concepção de Medicina se estava adotando.
Se esta fosse classificada como arte baseada apenas na observação empírica superficial,
ao bom prático bastava apenas atuar consciente desta superficialidade. Por outro lado,
utilizando-se uma nova concepção, baseada no método científico e dentro do que Flexner
denominou de consciência da responsabilidade deste espírito científico, o médico ideal não
deveria abrir mão de procedimentos sistemáticos uma vez que acúmulo de dados, o mesmo
53
pudesse formular hipóteses e checar os resultados. Então a partir desta dicotomia, própria
do pensamento positivista da época, entre conhecimento prático desvalorizado e
conhecimento científico especializado, Flexner inaugurou o modelo sistematizador,
segmentado, organicista e tecnicista de educação médica.
Figura 3. Fascículo da folha de rosto do Relatório Flexner (1910)
Fonte: Cad. Saúde Pública, 2010.
O relatório Flexner apontou que apenas 20% das escolas médicas dos Estados
Unidos estavam dentro dos padrões científicos. Seu impacto impulsionou a Medicina
científica a voltar-se ainda mais para a biologia tornando-se mais especializada e
concentrada em hospitais. No ensino, os especialistas tomaram os lugares dos clínicos-
gerais e durante os estágios que eram realizados em grandes hospitais alunos cada vez
mais tinham contato com as especialidades e se concentravam também nos aspectos
biológicos das doenças e assim distanciavam-se das pessoas e suas enfermidades da vida
cotidiana (CAPRA, 2012).
54
5.2 O modelo biomédico de educação em saúde
O modelo biomédico é o resultado da influência do paradigma cartesiano sobre o
pensamento médico e constitui ainda o alicerce conceitual da moderna medicina científica.
Nesse modelo o corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em
termos de peças (órgãos) onde a doença é vista como um mau funcionamento de um
desses mecanismos biológicos. Em situações de mau funcionamento o papel dos médicos é
intervir física ou quimicamente para que o defeito seja reparado. Tal olhar se estendeu aos
demais profissionais de saúde, entre eles o fisioterapeuta (CAPRA, 2012).
Este modelo reflete o referencial técnico-instrumental das biociências e exclui o
contexto psicossocial dos significados, dos quais uma compreensão adequada dos
pacientes e sua condição clínica depende. De acordo com Vieira (1998), o modelo
biomédico, associado ao paradigma positivista e ao modelo cartesiano predomina em todas
as áreas da saúde desde o fim do século XIX.
Ao apresentar um caráter reducionista e fragmentador, o modelo biomédico tem
como propósito a cura das doenças e a recuperação da saúde, isto é atua quando a doença
já está instalada, o que nos remete a prática do profissional fisioterapeuta que se volta para
a reabilitação daqueles já acometidos de lesão.
Quando voltamos nosso olhar para partes cada vez menores do corpo humano,
perdemos de vista o paciente como ser humano e todo o processo de inter-relação social,
cultural, psicossocial e até espiritual que permeia qualquer doença. Assim o sujeito-paciente
se reduz a um mero portador de doença. Assim sendo, o foco, o ataque à doença, aumenta-
se a distância entre aquele que trata e o que é tratado, não ocorrendo espaço para o
desenvolvimento de vínculo entre o profissional da saúde e o sujeito-paciente. E ainda, o
não estabelecimento de vínculo entre a doença e o doente na maioria das vezes não leva
em conta o sofrimento do paciente, reforçando as intervenções tecnicistas. Aqui o foco do
tratamento é a doença tornando cada vez maior a distância entre o profissional da saúde e o
sujeito paciente (AUGUSTO et al., 2008).
Capra (2012) afirma que a maior mudança na história da medicina ocidental se
deu com a revolução cartesiana, pois, antes de Descartes as práticas em saúde atentavam
para a interação de corpo e alma e consideravam o contexto do meio ambiente social e
espiritual de seus pacientes. A filosofia de Descartes alterou tal visão ao dividir
rigorosamente corpo e mente, resultando em práticas concentradas no funcionamento da
máquina corporal, negligenciando os aspectos psicológicos, sociais e ambientais da doença.
55
O avanço da moderna medicina científica teve início no século XIX com os
grandes progressos feitos pela biologia. No início do século, a estrutura do corpo humano
em suas particularidades era quase completamente conhecida. Além da compreensão dos
processos fisiológicos do organismo, o que só sustentava a fidelidade reducionista de
biólogos e médicos ao dirigirem seus olhares a partes cada vez menores, aquelas
constituintes das peças ou engrenagens da máquina. Tal tendência de abordagem
desenvolveu-se em duas direções: a biologia celular como base da ciência médica (Rudolf
Virchow); e o estudo intensivo de micro-organismos (Louis Pasteur) que ocupou os
pesquisadores biomédicos.
Ao longo da história da medicina, ocorreram debates acerca da possibilidade de
uma doença específica ser causada por um único fator ou ser o resultado de uma
constelação de fatores agindo simultaneamente. Tais pontos de vista foram enfatizados no
século XIX por Pasteur e Bernard, respectivamente. Bernard concentrou-se em fatores
ambientais externos e internos ao indivíduo e definiu doença como o resultado de um
desequilíbrio interno envolvendo em geral a concorrência de uma variedade de fatores. Já
Pasteur esforçou-se na descoberta do papel das bactérias no surgimento das doenças,
associando tipos específicos de doenças a micróbios também específicos. A teoria
microbiana de Pasteur venceu o debate e recebeu prontamente a adesão dos médicos. A
razão mais importante de tal vitória foi o fato de que a doutrina da causação específica de
doença se ajustava à estrutura da biologia. Nessa concepção, “(...) a ideia de que uma
doença ser causada por um único fator estava em perfeita concordância com a concepção
cartesiana dos organismos vivos como sendo máquina cujo desarranjo pode ser imputado
ao mau funcionamento de um único mecanismo” (CAPRA, 2012, p.124).
Durante o século XIX os progressos em biologia foram acompanhados pelo
avanço da tecnologia médica e gradualmente a atenção dos médicos era transferida do
paciente para a doença. A tendência reducionista persistiu na ciência biomédica também no
século XX.
A medicina do século XX caracteriza-se pela progressão da biologia até o nível
molecular e pela compreensão de vários fenômenos biológicos nesse nível. Tal progresso
firmou-se então como forma de pensamento, se impôs às ciências humanas e
consequentemente, configurou-se como base científica da medicina.
O detalhado conhecimento das funções biológicas em níveis celulares e
moleculares levou ao desenvolvimento da Farmacoterapia.
56
Apesar do considerável aumento nos gastos com saúde nas ultimas três décadas, e em meio aos pronunciamentos dos médicos acerca do valor da ciência e da tecnologia, a saúde da população não parece ter apresentado uma melhora significativa (CAPRA, 2012, p.129).
De acordo com Capra (2012), uma concepção mais abrangente de medicina e
saúde envolveria a saúde do individuo e a saúde da sociedade, tendo que incluir as doenças
mentais e também as patologias sociais. Pois, assim se mostraria que embora a medicina
tenha contribuído para a descoberta e eliminação de algumas doenças, isso não
restabeleceu necessariamente a saúde. O autor nos remete a concepção holística de
doença, na qual a enfermidade física representa apenas uma das diversas manifestações
de um desequilíbrio do organismo e ainda:
Outras manifestações podem assumir a forma de patologias psicológicas e sociais; e quando os sintomas de uma enfermidade física são efetivamente suprimidos por intervenção médica, uma doença pode muito bem expressar-se de algum outro modo (CAPRA, 2012, p.130).
Para Capra (2012), a ciência biomédica tem realizado grande progresso ao
descobrir mecanismos biológicos associando-os a doenças especificas e ao
desenvolvimento de tecnologia que serão utilizadas para dizimar tais doenças. Porém, como
os mecanismos biológicos não se configuram na tua totalidade como as únicas e exclusivas
causas das doenças, compreendê-los não perfaz necessariamente promover ou
proporcionar saúde. Capra (2012, p.132) lembra que alguns críticos falam que a medicina
fez poucos progressos nos últimos vinte anos, pois se referem a cura e não somente a
conhecimento cientifico. Porém essas duas vertentes de progresso não são, segundo o
autor, incompatíveis e ressalta “a pesquisa biomédica continuará sendo uma parte
importante da futura assistência à saúde, ainda que integrada numa abordagem mais ampla,
holística”.
Segundo o autor o modelo biomédico está firmemente assente no pensamento
cartesiano. Descartes introduziu a rigorosa separação de mente e corpo, a par da ideia de
que o corpo é uma máquina que pode ser completamente entendida em termos da
organização e do funcionamento de suas peças. Uma pessoa saudável seria como um
relógio bem construído e em perfeitas condições mecânicas; uma pessoa doente um relógio
cujas peças não estão funcionando apropriadamente. As principais características do
modelo biomédico, assim como muitos aspectos da prática médica atual (aqui incluo a
Fisioterapia) podem ter sua causa primeira nessa metáfora cartesiana.
Segundo Capra (2012) obedecendo à abordagem cartesiana, a ciência médica
limitou-se à tentativa de compreender os mecanismos biológicos envolvidos numa lesão em
57
alguma das várias partes do corpo. Concentram-se olhares aos mecanismos do ponto de
vista celular e molecular, deixando de fora toda e qualquer influência de circunstâncias não
biológicas sobre os processos biológicos. Assim, em meio à enorme rede de fenômenos que
influenciam a saúde, a abordagem biomédica estuda apenas alguns aspectos fisiológicos.
Tal prática reducionista e limitante causa mais sofrimento e doença do que cura, segundo
alguns críticos e para Capra (2012, p.135), “isso não mudará enquanto a ciência médica não
relacionar seu estudo dos aspectos biológicos da doença com as condições físicas e
psicológicas gerais do organismo humano e o seu meio ambiente”.
Com base nesse espírito reducionista, os problemas em saúde são analisados
passando-se ao estudo de fragmentos cada vez menores, seja de órgãos, tecidos, células e
depois para fragmentos dessas células e finalmente para moléculas isoladas. Esse espírito
reducionista com frequência deixa de lado o fenômeno original, aquele causador da doença.
Assim a história da ciência médica mostrou rapidamente que a redução da vida a
fenômenos moleculares não é suficiente para a compreensão da condição humana. E ainda,
“um tão limitado ponto de vista desconsidera os sutis aspectos psicológicos e espirituais da
doença (...)” (CAPRA, 2012, p.140)
A abordagem cartesiana influenciou a prática em saúde em vários e importantes
aspectos. Um deles é a divisão da profissão em dois campos distintos a saber: os médicos
tratam o corpo, enquanto psiquiatras e psicólogos, da mente. Esses dois campos raramente
se comunicam. Outro aspecto é a existência de dois corpos distintos de literatura na
pesquisa em saúde. Na literatura psicológica, os estados emocionais e sua importância para
a doença é exaustivamente debatida. Já as produções literárias médicas se fundamentam
quase que exclusivamente na fisiologia.
Compreender o paciente como sujeito adoecido implica considerá-lo em todos os
seus aspectos, não somente biológicos e psíquicos, mas também enquanto porta-voz de um
conjunto de representações sociais, culturais e agente de um processo de interação
(CAVALCANTE, 2012).
Cavalcante (2012), afirma que a centralidade da doença no paradigma da
medicina ocidental contemporânea e a crescente intermediação tecnológica da prática
médica atual, têm em muito contribuído para o distanciamento e a alienação do médico em
relação à situação de adoecimento do sujeito. E ainda complementa a autora que “muitas
das dificuldades da atenção àquele que sofre estão baseadas em práticas que, ao
privilegiarem os aspectos técnicos da doença, abandonam a dimensão subjetiva do
adoecer” (p.78). Capra (2012, p.137) defende que “o estado psicológico de uma pessoa não
só é importante na geração da doença, mas também crucial para o processo de cura”.
58
Evitar as questões filosóficas e existenciais próprias do sujeito que adoece, é
outra consequência da divisão cartesiana. Ou seja, o que é pertencente ao “domínio
espiritual e consequentemente encontra-se fora da esfera da medicina pressupõe juízo
moral e a medicina enquanto ciência objetiva não deve preocupar-se com tais questões”
(CAPRA, 2012, p.140). Assim também é a morte por ser também considerada uma questão
filosófica e existencial e além do mais dentro do âmbito mecanicista e tecnológico das
ciências em saúde, a morte não pode ser qualificada, pois segundo o autor, a morte significa
nessa concepção uma paralisação total da máquina (corpo).
Na medicina contemporânea as consequências da divisão cartesiana continuam
latentes. A concepção mecanicista do organismo humano levou a uma abordagem técnica
em saúde, na qual a doença é reduzida a um defeito mecânico e o tratamento à
manipulação técnica.
De acordo com o ponto de vista biomédico a definição de doença tem como
base a enfermidade. Pois a enfermidade é reduzida à doença (CAPRA, 2012). Enquanto
que a enfermidade é condição do ser humano total, a doença é a condição de uma
determinada parte do corpo; e assim, em vez de tratar pacientes que estão enfermos, os
profissionais da saúde se voltam para o tratamento de suas doenças. O tratamento é
dirigido exclusivamente para questões biológicas ou àquelas referentes a lesões.
O modelo biomédico tradicional baseia-se, quase totalmente, numa visão
cartesiana do mundo e considera que a doença consiste em um mau funcionamento
temporário ou permanente de um componente da máquina ou da relação entre os
componentes. A cura de determinada doença, nessa perspectiva, significava, consertar,
reparar essa máquina (BARROS, 2003). Tal visão nos remete ao termo racionalidade
médica que foi criado por Madel Luz e apresenta-se como uma categoria operacional. Uma
racionalidade médica é um conjunto integrado e estruturado de práticas e saberes composto
de cinco dimensões interligadas: uma morfologia humana (anatomia), uma dinâmica vital
(fisiologia), um sistema de diagnose, um sistema terapêutico e uma doutrina médica
(explicativa). Tal racionalidade trata o sujeito que adoece investigando seu corpo em relação
a anatomia e a fisiologia, para assim estabelecer um diagnóstico e intervenções de
tratamento, onde todo sintoma clinico relaciona-se a uma alteração morfológica (CAMARGO
JR., 2005).
Camargo Jr. (2005, p.178), resume a racionalidade biomédica em três
proposições:
“(...) dirige-se à produção de discursos com validade universal, propondo modelos e leis de aplicação geral, não se ocupando de casos individuais:
59
caráter generalizante; os modelos aludidos tendem a naturalizar as máquinas produzidas pela tecnologia humana, passando o “Universo” a ser visto como uma gigantesca máquina, subordinada a princípios de causalidade linear tradutíveis em mecanismos: caráter mecanicista; a abordagem teórica e experimental adotada para a elucidação das “leis gerais” do funcionamento da “máquina universal” pressupõe o isolamento de parte, tendo como pressuposto que o funcionamento do todo é necessariamente dado pela soma das partes: caráter analítico”.
Associar determinada doença a uma parte definida do corpo é evidentemente
muito útil em diversos casos. Mas a moderna medicina tem enfatizado excessivamente a
abordagem reducionista e desenvolveu suas disciplinas especializadas a um ponto tal que
os profissionais da saúde frequentemente não são mais capazes de ver a enfermidade
como um desequilíbrio do organismo todo e consequentemente nem tratá-la. Daí a
tendência ao cuidado de um determinado órgão, sem geralmente considerar o resto do
corpo, os aspectos subjetivos e sociais do sujeito paciente.
De acordo com o modelo biomédico, somente o médico sabe o que é importante
para a saúde do indivíduo, e só ele pode fazer qualquer coisa a respeito disso baseado no
fato de que todo o conhecimento acerca da saúde é racional, científico, baseado na
observação objetiva de dados clínicos (CAPRA, 2012, p.152).
Sob o impacto do Relatório Flexner, a medicina científica voltou-se ainda mais
para a biologia, tornando-se mais especializada e exercida em grandes hospitais. Assim
especialistas passaram a substituir clínicos gerais tanto no ensino quanto no atendimento ao
sujeito paciente.
Capra (2012) finaliza apontando que os centros universitários têm como
finalidade não somente o treinamento, mas a pesquisa. Pesquisas que priorizam aspectos
biológicos são prontamente favorecidas por concessão de verbas para seu
desenvolvimento. O que se vê é a aceitação do modelo biomédico cujos princípios básicos
encontram-se enraizados na cultura do povo. E ainda, segundo o autor, o modelo biomédico
é muito mais que um modelo, é um dogma, e para o grande publico está vinculado a sua
cultura. Capra (2012) afirma que para superá-lo faz-se necessária uma revolução cultural
para melhoria e manutenção da saúde. Tal modelo é útil desde que se reconheçam suas
limitações. E que os pesquisadores precisam entender que a análise reducionista da
máquina corpo não pode fornecer um completo e profundo conhecimento do homem. A
pesquisa biomédica terá que ser integrada a outros campos de conhecimento para que as
manifestações de todas as enfermidades humanas sejam encaradas como produto da
interação corpo, mente e meio ambiente e também sejam estudadas e tratadas dentro
dessa perspectiva abrangente.
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Pensamos que um conceito de saúde que incorpore dimensões holísticas e
ecológicas e que sejam aceitas em termos teóricos e práticos, exigirá uma mudança
conceitual na ciência médica além de uma reeducação do público em geral. Capra (2012,
p.157) acrescenta: “só será possível transcender o modelo biomédico se estivermos
dispostos a mudar também outras coisas; isto estará ligado, em última instância, a uma
completa transformação social e cultural”.
5.3 A proposta do paradigma da integralidade na educação em saúde.
Percebemos que o modelo comumente praticado na saúde, em geral consiste
em uma prática fragmentada, dicotomizada e centrada na produção de atos, predominando
a desarticulação entre as inúmeras queixas dos sujeitos-pacientes. Para a superação desse
cenário, emerge a necessidade de um novo referencial, assentado no compromisso ético
com a vida, com a promoção e a recuperação da saúde (MACHADO et al., 2007, p. 338).
De acordo com o dicionário, o termo integralidade significa uma característica,
particularidade ou condição do que é integral (completo). O conjunto de tudo aquilo utilizado
para formar ou completar um todo. Completude. Já em saúde o termo não é apenas uma
diretriz do Sistema Único de Saúde constitucionalmente definido. Para Machado et al.,
(2007) significa uma bandeira de luta, ação defendida por aqueles que partem de uma
imagem objetiva de um contexto do sistema de saúde que deixa a desejar quanto a seus
aspectos institucionais e por práticas ainda excludentes. Nesse cenário do sistema de
saúde, a imagem subjetiva configura-se o elemento balizador atrelado ao ideário de uma
construção de práticas em saúde que valorizem o outro.
A integralidade concebe a identificação do sujeito no todo, ainda que tal noção
não seja alcançada de forma plena. Permite um atendimento para além de estruturas
hierarquizadas, organizadas, uma vez que contempla uma atenção em saúde que privilegia
a qualidade do cuidar do individual ao coletivo e ainda o compromisso com o aprendizado e
com práticas multidisciplinares.
A possibilidade de realização de uma prática que responda à concepção de
integralidade do sujeito-paciente requer a atenção para a importância da compreensão do
sujeito-paciente enquanto ser histórico, político e socialmente inserido em contexto. E ainda
que a discussão sobre a integralidade perpassa a formação do profissional de saúde assim
como sua educação permanente, a qual deve estimular o trabalho em equipe (inter e
multidisciplinar) e o ambientes de promoção de relações dialógicas entre esses
profissionais.
61
É preciso estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os distintos saberes formais e não formais que contribuam para as ações de promoção de saúde a nível individual e coletivo (MACHADO et al., 2007, p. 337).
Assim emerge uma nova visão das práticas em saúde centradas na integralidade
do cuidado. Segundo Machado et al., (2007) “A ideia de cuidado integrado em saúde
compreende um saber fazer de profissionais, docentes, gestores e usuários/pacientes co-
responsáveis pela produção da saúde, feito por gente que cuida de gente” (p.338). A autora
acrescenta ainda que o cuidar do outro articula a escuta, o acolhimento, o diálogo e a
relação ética e dialógica entre os atores implicados na prática.
Portanto, para que essa realidade de compreensão do sujeito-paciente na sua
integralidade é preciso repensar estruturas de processos de formação dos profissionais de
saúde e também o modo de organização dos profissionais da área. Segundo a autora (p.
338):
A noção de integralidade como princípio deve orientar para ouvir, compreender e, a partir daí, atender às demandas e necessidades das pessoas, grupos e comunidades num novo paradigma de atenção a saúde.
O paradigma da integralidade requer que profissionais que lidam com o cuidado
com o outro em suas práticas, devem desenvolver e aprimorar uma visão holístico-ecológica
do cuidado em saúde, ou seja, os profissionais de saúde despertaram interesse pela
ampliação do foco dos resultados terapêuticos e de cuidados em saúde, para além do
estado físico, elegendo a melhora constante da qualidade de vida como um propulsor que
engloba estados subjetivos de satisfação do sujeito-paciente em suas atividades de vida
diária. “Esta atitude incorpora o princípio da integralidade como uma dimensão do cuidar”
(MACHADO et al., p. 339, 2007).
É importante que a compreensão da integralidade no atendimento em saúde
esteja inserida na consciência crítica dos profissionais de saúde e ainda vale ressaltar que
quanto mais conscientizados, mais capacitados nos tornamos. De acordo com Machado et
al. (2007), estando capacitados anunciamos e denunciamos a realidade tal qual se
apresenta. Tal consciência nos permite desvelar a realidade e assim alcançar a realização
de práticas com ações transformadoras dessa realidade.
A concepção crítica da educação que pretende ser uma educação para a
conscientização, para a mudança, para a libertação solicita uma relação de proximidade
entre os profissionais e a população. Nessa relação educativa, a produção do conhecimento
62
passa a ser coletiva, gerando uma modificação mútua, porque ambos são portadores de
conhecimentos distintos (MACHADO et al., p. 339, 2007).
Para Paulo Freire o exercício de uma prática educativa crítica, como experiência
especificamente humana, constitui uma forma de intervenção no mundo comprometida com
o princípio de democracia que rejeita qualquer forma de discriminação, dominação e integra
uma atitude de inovação e renovação na crença de que é possível mudar.
Neste sentido, consideramos a prática em saúde inspirada nos pensamentos de
Paulo Freire, “coerente e competente, que testemunha seu gosto pela vida, sua esperança
no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças da
realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo”.
Para tanto, se faz necessário um olhar para além do visível. É preciso enxergar o
ambiente, a sociedade, o meio político e cultural, a família e a comunidade desse sujeito.
O paradigma da integralidade surge pela necessidade de se corrigir ações em
saúde caracterizadas pela fragmentação, desarticulação e supervalorização de um saber
científico descontextualizado e que por sua vez não dava conta das necessidades reais em
saúde e condição de vida dos sujeitos. Tal paradigma surge para possibilitar um ouvir, um
entender e assim atender as demandas do sujeito-paciente e a partir dele, grupos e
coletividades.
5.3.1 A integralidade na prática
Mattos (2004) destaca que o termo integralidade significa mais do que um dos
princípios do SUS, ele expressa uma imagem-objetivo. Segundo o autor (p.1411): “uma
forma de indicar (ainda que de modo sintético, características desejáveis do sistema de
saúde e das práticas que nele são exercidas, contrastando-as com as características
vigentes (ou predominantes).
Dentre os princípios e diretrizes do SUS, o da integralidade talvez seja o que é
menos visível dentro da trajetória do sistema e das suas práticas. Para Mattos (2004),
quanto ao princípio da universalidade, atualmente as barreiras formais que impossibilitavam
acesso ao sistema de saúde aqueles que não contribuíam com a previdência já não
existem. Mas se sabe que ainda há barreiras quanto ao acesso de pessoas que necessitam
dos serviços de saúde de forma igualitária.
A Constituição Brasileira de 1988 afirma ser dever do Estado garantir “o acesso
universal e igualitário aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação”.
63
No mesmo texto vemos o que chamamos de integralidade “atendimento integral com
prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Ambos
os trechos evidenciam ações no campo da saúde. No primeiro, promoção, proteção e
recuperação e no segundo, ações preventivas e assistenciais.
Para Mattos (2004), “uma coisa é defender o acesso universal e igualitário às
ações e serviços de saúde que se façam necessários, o que, numa rede regionalizada e
hierarquizada, pode assumir a defesa ao acesso a todos os níveis de atenção do sistema de
saúde. Outra coisa igualmente importante é defender que em qualquer nível haja uma
articulação entre a lógica da prevenção e da assistência, de modo que haja sempre uma
apreensão ampliada das necessidades de saúde” (p.1413).
Assim o autor aponta como útil não considerar integralidade como sinônimo do
acesso a todos os níveis do sistema e sim refletir sobre as características das práticas que
se pautam pela integralidade.
Uma primeira dimensão da integralidade na pratica se expressa exatamente na capacidade dos profissionais para responder ao sofrimento manifesto, que resultou na demanda espontânea, de um modo articulado à oferta relativa a ações ou procedimentos preventivos (MATTOS, p.1413, 2004).
Para os profissionais, durante a prática clínica no tratamento de seus pacientes,
isso significa incluir no seu cotidiano rotinas ou processos de busca sistemática daquelas
necessidades mais silenciosas e menos vinculadas ao processo físico.
Para Mattos (2004), a integralidade na prática se manifesta na postura do
profissional que não aceita a redução da necessidade de ações ou serviço da saúde à
necessidade de identificar e das respostas única e exclusivamente para a doença que
ocasionou o sofrimento por ora manifestado. Essa postura envolve: 1. uma apreensão
ampliada das necessidades do sujeito-paciente que englobe tanto as ações de cuidado
quanto aquelas voltadas para a prevenção de futuros sofrimentos; 2. capacidade de
contextualização da realidade desse sujeito-paciente.
O autor aponta que o que caracteriza a integralidade é a apreensão ampliada
das necessidades de cada sujeito que busca o atendimento em saúde, mas especialmente é
a habilidade de reconhecer a adequação de ofertas ao contexto específico da situação no
qual se dá o encontro do sujeito-paciente com o profissional ou equipe de saúde.
Mattos (2004) em seu artigo “A integralidade na prática (ou sobre a prática da
integralidade)” ao exemplificar o caso de violência domestica e a postura de uma agente
comunitária diante das marcas de maus tratos nos braços das crianças daquela família e
64
sua atitude de orientar a mãe das crianças quanto ações a serem tomadas para proteção de
todos da violência do pai e marido. Tal atitude evidencia que “o principio da integralidade é
exercido por meio de um olhar atento, capaz de apreender as necessidades de ações de
saúde no próprio contexto de cada encontro“ (p. 1414).
Em qualquer contexto onde ocorra o encontro entre sujeito-paciente e
profissional da saúde é possível articular a integralidade quando se articulam ações
preventivas e assistenciais que segundo Mattos (2004, p.1414) envolvem um duplo
movimento por parte dos profissionais da saúde.
De um lado, apreender de modo ampliado as necessidades de saúde. E outro, analisar o significado para o outro das demandas manifestas e das ofertas que podem ser feitas para as necessidades apreendidas, tendo em vista tanto o contexto imediato do encontro como o contexto da própria vida do outro de modo a selecionar aquilo que deve ser feito de imediato e gerar estratégias de produzir novos encontros em contextos mais adequados aquelas ofertas impertinentes no contexto especifico daquele encontro. O que nos remete a questão da contextualização.
Assim emerge uma compreensão que perpassa os variados sentidos da
integralidade que se referem aos encontros entre profissional da saúde, equipe e sujeito-
paciente. A integralidade requer que as práticas em saúde sejam sempre de natureza
intersubjetiva, onde profissionais de saúde se relacionam com pessoas, sujeitos que
naquele momento apresentam um tipo de sofrimento. Então práticas intersubjetivas
envolvem necessariamente uma relação dialógica. Ou seja, práticas em saúde configuram-
se práticas de conversação. Significa que enquanto cuidamos, lançamos mão de nossos
conhecimentos para identificar as necessidades de cada sujeito-paciente e reconhecer
amplamente as ações que podemos por em prática para dar conta das necessidades que
apreendemos a partir da dimensão dialógica ao nos relacionarmos com esse sujeito. E
ainda, para Mattos (2004, p. 1414), “defender a integralidade nas práticas é defender que
nossa oferta de ações deve estar sintonizada com o contexto especifico de cada encontro”.
Sabemos que sujeitos têm modos de viver e encarar a vida que perante um
sofrimento se modificam. E ainda que modos de vidas não são simples escolhas dos
sujeitos, mas “emergem do próprio modo como a vida se produz coletivamente” (MATTOS,
2004). Cada sujeito apresenta particularidades que se expressam no seu modo de viver a
vida. Isso significa que mesmo detendo conhecimentos sobre doenças e sofrimento e
conjuntos de ações em saúde capazes de amenizar sofrimentos ou curar doenças. Esse
conhecimento nos ajuda a dar conta desse sofrimento a partir da dimensão do cuidado. Já
na perspectiva da integralidade não podemos reduzir o sujeito à doença que lhe causa
sofrimento.
65
Ao contrário, manter a perspectiva da intersubjetividade significa que devemos levar em conta, além dos nossos conhecimentos sobre as doenças, o conhecimento (que não necessariamente temos) sobre os modos de viver a vida daqueles com quem interagimos nos serviços de saúde. Isso implica a busca de construir, a partir do diálogo com o outro, projetos terapêuticos individualizados (p.1415).
Mattos (2004) aponta que, na perspectiva da integralidade, projetos terapêuticos
individuais devem levar em consideração também as ações voltadas para a prevenção. Uma
vez assim entendidos, tais projetos não são produto da simples aplicação de conhecimentos
sobre determinada doença. Na perspectiva da integralidade, esses projetos devem emergir
do diálogo, da negociação entre profissional da saúde e sujeito-paciente onde a
compreensão do contexto especifico de cada encontro faz-se imprescindível para a
existência dessa relação dialógica.
Compreensão que envolve por parte dos profissionais o esforço de selecionar num encontro os elementos relevantes para a elaboração do projeto terapêutico, tanto os evocados por ele com base em seus conhecimentos, quanto os trazidos pelo outro a partir de seus sofrimentos, de suas expectativas, de seus temores e de seus desejos (p.1415)
Mattos (2004) afirma que a perspectiva da integralidade na prática em saúde não
se trata de uma postura holística, ou seja, não se trata de apreender tudo. Refere-se a um
“exercício de seleção negociada do que é relevante para a construção de um projeto
terapêutico” capaz de dar conta das necessidades dos sujeitos-pacientes.
5.3.2 Os sentidos do termo integralidade
Mattos (2006) investigou os sentidos da integralidade com vistas a identificar
quais as marcas específicas das políticas e das práticas que são relacionadas ao termo.
Ao questionar acerca do que seria a integralidade, o autor destaca que numa
primeira aproximação pensaríamos em uma das diretrizes básicas do Sistema Único de
Saúde (SUS). Mas o texto da Constituição não se refere ao termo “integralidade” e sim,
atendimento integral (Brasil, 1988, art. 198). Mas sabemos que o termo integralidade tem
sido usado com o propósito de designar essa diretriz do SUS (MATTOS, 2006).
Voltando à definição de integralidade, Mattos (2006) afirma que “integralidade
não é apenas uma diretriz do SUS, é uma bandeira de luta”, ou seja, parte de uma “imagem-
objetivo”5. Em outras palavras seria um conjunto de características do sistema de saúde, de
5 A noção de “imagem objetivo” tem sido utilizada na área de planejamento para designar uma configuração de um sistema ou situação que alguns sujeitos do cenário político consideram desejável. Mattos (2006) aponta que
66
suas instituições e de suas práticas que são consideradas absolutamente desejáveis.
Segundo o autor, a integralidade aponta para um “conjunto de valores pelos quais vale a
pena lutar, pois se relacionam a um ideal de uma sociedade mais justa e mais solidária”.
E ainda, caracteriza-se uma “imagem objetivo” com o objetivo de distinguir o que
se deseja construir, do que realmente existe. Assim a integralidade parte de um pensamento
crítico, da indignação das práticas em saúde vigentes que privilegiam a doença e não o
doente e que ainda se voltam para uma prática assistencial privatista não considerando o
sujeito e seu contexto. Uma indignação que não para em si mesma e impulsiona superação
de práticas conservadoras que limitam o sujeito-paciente a uma patologia.
Mattos (2006) aponta que a “imagem objetivo” nunca é detalhada. Não é um
projeto bem especificado em linhas. Ela é expressa através de enunciados gerais. Abarca
várias leituras distintas, sentidos diversos. Assim, toda imagem objetivo é polissêmica, ou
seja, tem vários sentidos que possibilitam que vários atores cada um com suas indignações
e criticas ao que existe, comunguem tais indignações e críticas e no mesmo instante
comunguem também os mesmos ideais. E ainda, ela não estabelece como a realidade deve
ser. Traz consigo uma diversidade de possibilidades de realidades futuras que serão criadas
através de lutas que buscam a superação de características que são criticadas no contexto
real.
Partindo da ideia de integralidade enquanto imagem objetivo, faz-se necessária
a compreensão dos vários sentidos atribuídos ao termo e o primeiro sentido do termo
integralidade relaciona-se com um movimento que ficou conhecido como medicina integral
que se originou a partir das discussões sobre o ensino médico nos Estados Unidos. A
medicina integral criticava a atitude fragmentada dos médicos diante de seus pacientes. Tal
sistema privilegiava as especialidades médicas construídas em torno de aparelhos ou
sistemas anátomofisiológicos e pacientes eram reduzidos a partes cada vez menores. Neste
sentido as criticas da medicina integral se voltavam para os currículos de base flexneriana
que eram dicotômicos, ou seja, apresentavam um ciclo básico voltado para o conhecimento
das chamadas ciências básicas e feitos predominantemente em laboratórios onde também
se tinha certa noção de ciência; e um ciclo profissional voltado para o aprendizado da
prática clinica e também de certo modo como lidar com o paciente.
Esta crítica da medicina integral a esse arranjo curricular levou a novas
propostas curriculares onde a ideia central era a criação de escolas médicas formadoras de
“imagem objetivo” diferencia-se de utopia uma vez que aqueles que a sustentam julgam que tal configuração pose se tornar realidade em tempo definido.
67
profissionais menos reducionistas e menos fragmentadores e ainda, profissionais capazes
de compreender os pacientes e suas necessidades de maneira mais integral. As propostas
de reforma curricular da medicina integral tomaram dois eixos. O primeiro pretendia
modificar a acepção do que era básico, quer pela introdução de outros conhecimentos
relativos ao adoecimento, à sociedade e ao contexto cultural e valorização da integração
desses conhecimentos básicos na prática. Já o segundo, buscava enfatizar o ensino tanto
em laboratório quanto nas comunidades, lugares que permitem a apreensão do contexto
real, condições de vida do paciente.
Assim para a medicina integral, integralidade teria a ver com uma atitude de
profissionais de saúde que seria desejável, ou seja, nessa vertente, tal atitude se
caracterizaria pela não aceitação de reduzir o paciente a um aparelho, sistema ou órgão
biológico aonde se encontra a patologia, sofrimento e queixa desse paciente. Tal atitude
deveria ser contemplada na formação e relacionava-se à boa prática em saúde.
Segundo Mattos (2006), no Brasil o movimento da medicina integral associou-se
de início à medicina preventiva, espaço que se consolidou como resistência ao regime
militar e um dos berços do que mais tarde seria chamado de movimento sanitarista. Alguns
traços das reivindicações do movimento da medicina integral podem ser vistos em algumas
reformas curriculares de escolas médicas nos anos 70 e 80.
Tal proximidade com os departamentos de medicina preventiva proporcionou
uma renovação teórica e nos anos 70 nasceu no Brasil a Saúde Coletiva, campo do
conhecimento que surgia a partir de uma critica à saúde pública tradicional e a partir das
contribuições da medicina social. “Uma das premissas da saúde coletiva era a de considerar
as praticas em saúde como práticas sociais e como tal analisá-las”. Assim a saúde coletiva
foi reconfigurando o eixo de interpretação do movimento da medicina integral: a atitude
reducionista dos profissionais de saúde não deveria ser atribuídos somente a formação e
sim a um conjunto de fatores tais como, a crise de uma medicina tipicamente liberal e o
crescente assalariado dos médicos, articulações entre Estado, serviços de saúde e
industrias farmacêuticas e de equipamentos médicos – complexo médico-industrial. Assim, a
transformação da escola médica deixou de ser a estratégia de mudança de práticas do
movimento sanitário.
Concomitantemente ao surgimento do movimento de saúde coletiva, surgiram
críticas às instituições e também às práticas médicas através da circulação de trabalhos de
autores como Foucault, Ilich e Canguilhem. Tais contribuições trouxeram consequências
para a versão brasileira da medicina integral, pois considerou para muitos que a atitude
reducionista e fragmentária dos profissionais de saúde pareceu ser decorrente da
68
racionalidade médica e também do caráter cientificista dos mesmos. Para se produzir uma
postura integral, faz-se necessário superar alguns limites dessa medicina tão firmemente
fincada em raízes anatomopatológicas e, portanto, dessa racionalidade médica
intensamente reproduzida nas universidades.
O primeiro sentido de integralidade para Mattos (2006) emergiu a partir do
contexto dos atributos da boa prática médica e da tendência de distanciamento da saúde
coletiva da prática em saúde. Segundo o autor a integralidade deve ser defendida como um
valor a ser sustentado nas práticas de profissionais de saúde, ou seja, um valor que se
expressa através da forma como tais profissionais respondem as demandas desses
pacientes. E ainda que uma postura médica que se recusa a reconhecer que todo paciente
que busca seu auxilio é bem mais do que um aparelho ou sistema biológico com lesões ou
disfunções, e que negligencia o fato de se tomar qualquer atitude além de tentar, com todos
os aparatos disponíveis, como, recursos tecnológicos, abrandar ou até mesmo silenciar o
sofrimento supostamente causado por aquela lesão ou disfunção, é repreensível.
No contexto da nossa pesquisa, acreditamos que em situações de encontro
entre fisioterapeuta e sujeito-paciente, uma atitude motivada por algum sofrimento ou
disfunção aproveita tal momento para, a partir de um diálogo, apreciar outras e demais
condições que se encontram direta ou indiretamente envolvidas com aquele sofrimento,
perfaz-se um sentido de integralidade.
Para Mattos (2006), tais atitudes relacionam-se com o segundo sentido de
integralidade que articula prevenção com assistência, onde as atividades preventivas são
distintas das experiências assistenciais que são por sua vez demandadas pelo sujeito-
paciente. Do contrário, práticas em saúde que não são demandadas pelo sujeito-paciente,
ou seja, aquelas relacionadas à prevenção devem ser exercidas com certa prudência, pois
caracterizam o processo de medicalização6 que indica um processo social de
responsabilidade sobre aspectos da vida social do sujeito-paciente. Assim, não se trata
somente o doente, recomendam-se hábitos e comportamentos de vida mais saudáveis que
na grande maioria das vezes são capazes de impedir o adoecimento e o sofrimento.
Assim, integralidade é uma característica da boa prática da biomedicina, ou seja,
deixou-se de lado o foco e objetivo de todas as suas práticas e intervenções somente para a
doença. Isso não significa que não se considere a doença e suas consequências sejam
estas muito ou pouco limitantes, causadoras de muito ou pouco sofrimento. Fala-se de
6 Praticas preventivas em saúde são consideradas medicalizantes uma vez que estendem as possibilidades de aplicação de conhecimentos técnicos sobre a doença para de certa forma regular aspectos da vida social (MATTOS, 2006).
69
prudência a respeito do conhecimento sobre a doença que seja orientado por uma visão
abrangente acerca das reais necessidades desse sujeito-paciente o qual tratamos. Para
tanto, a abertura de profissionais de saúde para outras necessidades além daquelas
relativas aos sintomas diretamente ligados à doença ou disfunção presente ou que pode vir
a se apresentar – como uma simples conversa – também é exemplo de integralidade.
Mattos (2006) reforça que a mesma preocupação prudente com o uso das
técnicas de prevenção e com as necessidades mais abrangentes das necessidades dos
sujeitos-pacientes deve ser defendida para todo o conjunto de profissionais de saúde nos
mais diferentes níveis de atenção a saúde, ou seja, a integralidade perfaz-se atributo de
todos os profissionais de saúde.
O terceiro sentido de integralidade surge como uma dimensão das práticas.
Quando tais práticas acontecem como um encontro entre o profissional de saúde com o
sujeito-paciente. Aqui cabe ao profissional e sua postura diante de todo um contexto de
encontro a realização da integralidade, ou seja, reconhecer e considerar importantes as
necessidades desse sujeito que não devem ser reduzidas a atitudes que tem como foco a
doença.
Concluímos que o sujeito-paciente não se limita a uma lesão, a uma doença que
lhe provoca sofrimento. Tampouco a uma máquina com possíveis danos que precisam ser
reparados. Profissionais de saúde que buscam orientar suas práticas a partir do princípio da
integralidade consequentemente fogem aos reducionismos.
Pode ser que esse reducionismo ainda tão vivo e tão resistente nas práticas em
saúde seja resultado de certa incapacidade de estabelecermos uma relação com o outro.
Talvez seja mais fácil para nós profissionais de saúde, formados por um modelo
fragmentador, considerarmos aquele sujeito um objeto e assim tratarmos. Sujeitos que
trazem consigo uma doença somente. Falta-nos a capacidade de percebermos que diante
de nós há sujeitos que trazem consigo além de uma doença ou sofrimento, também uma
carga repleta de sonhos, desejos, esperanças.
Uma integralidade de fato só se realizará se estabelecermos uma relação
sujeito-sujeito. Pois se nos despirmos da condição de profissional de saúde e detentor de
conhecimentos e técnicas acerca de doenças e incapacidades e incorporarmos o humano
sem deixar de lado toda a realidade que nos cerca com seus limites e possibilidades, ai sim
a integralidade fará parte da boa prática em saúde.
70
5.4 Reformas curriculares e o paradigma da integralidade
As reformas curriculares do campo da saúde brasileiro foram realizadas com o
objetivo de analisar o perfil do profissional que se deseja formar. A matriz curricular da
grande maioria dos cursos da saúde ainda está organizada de maneira disciplinar com os
primeiros anos dedicados ao estudo de disciplinas básicas para cada curso e os anos
restantes dedicados às disciplinas profissionalizantes, cujas aulas são realizadas em
campos de atuação específicos para cada área ou especialidade, tais como hospitais,
clínicas, postos de saúde comunitários. Durante esse período os alunos desenvolvem
atividades como práticas assistidas, estágio supervisionado em clínicas de serviço em
saúde e estágio supervisionado em hospitais, além de atividades de extensão.
O ensino e, consequentemente, as práticas em saúde no Brasil sofreram
influência de dois fatores importantes: 1) A visão cartesiana de mundo com sua
característica dualista, ou seja, a separação mente e corpo e a lógica da causa-efeito e; 2) A
predominância do cientificismo nas práticas em saúde. Assim, os currículos dos cursos da
saúde sofreram influência desta tendência e tornaram-se pragmáticos e utilitários, os quais
diferem do modelo de concepção de sujeito de Hipócrates. A partir dessa lógica, Neves;
Neves e Bitencourt (2005), apontam que “o conhecimento foi dividido em áreas para ser
mais bem estudado e isso produziu uma incomunicabilidade entre as mesmas, inclusive no
âmbito das universidades, permitindo enormes zonas de desconhecimento”.
A intenção dos paradigmas que tem surgido desde a década de 60 apresenta a
ideia de contraposição ao modelo hospitalocêntrico e reducionista das ações em saúde. A
proposta do novo paradigma é uma abordagem dialética com contribuição de varias ciências
e encorajando ações interdisciplinares, transdisciplinares e multiprofissionais.
Para Neves; Neves e Bitencourt (2005), a inclusão das ciências humanas é
fundamental para contextualizar o binômio saúde-paciente numa espacialidade social, pois
há a necessidade de conhecer as especificidades do ser humano inserido no mundo, como
ator social do processo histórico, contudo sem deixar de lado todas as técnicas científicas
atuais que possibilitam a diminuição de um sofrimento. Daí a articulação da objetividade
com a subjetividade para viabilizar práticas condizentes sejam no âmbito da promoção a
saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação.
O paradigma da integralidade indica mudanças na formação do profissional na
graduação. Tal paradigma requer uma formação em saúde mais contextualizada
considerando as dimensões social, econômica e cultural do sujeito-paciente.
71
De acordo com Lampert (2002), o paradigma da integralidade induziria a
construção de um novo modelo pedagógico, visando a interação e o equilíbrio entre
excelência técnica e relevância social. A operacionalização do paradigma da integralidade
seria norteada pela construção de um currículo integrado aos modelos pedagógicos mais
interativos através da utilização de metodologias de ensino-aprendizagem centradas no
aluno, sendo o professor o facilitador do processo de construção do conhecimento.
Muito recentemente no cenário mundial da educação e práticas em saúde
surgiram duas abordagens. A “Evidence Based Medicine” (medicina baseada em
evidências, MBE), essencialmente clinica e a “Problem Based Learning” (aprendizagem
baseada em problemas, PBL). Esta última, por sua vez, é essencialmente pedagógica e
incorpora fundamentos do construtivismo em sua base teórico-prática e apresenta-se como
uma filosofia educacional em saúde com características da Pedagogia da Autonomia de
Paulo Freire, o qual acredita que “Ensinar não é transferir conhecimento; ensinar é uma
especificidade humana”.
5.5 O paradigma flexneriano versus paradigma da integralidade: o que o paradigma da
integralidade contempla que o paradigma flexneriano não deu conta.
O relatório Flexner (1910) caracterizou o modelo de formação em saúde o qual
impulsionou as pesquisas e as especializações nas ciências básicas e desenvolvendo um
conhecimento disjunto. Tal conhecimento que se volta para as mais diferentes
especializações foi ampliado e aprofundado, porém estabeleceu um distanciamento acerca
do sujeito-paciente e de todo o contexto que o cerca.
E ainda, ao referenciar-se numa racionalidade técnico-instrumental das
biociências o paradigma flexneriano excluía o contexto psicossocial dos significados,
aspectos estes imprescindíveis para uma melhor compreensão dos sujeitos-pacientes, seu
contexto e consequentemente de sua condição clínica.
A medicina preventiva nas décadas de 1960 e 1970 buscou diminuir esse
distanciamento, porém em muitos currículos restringiu-se apenas a uma disciplina sem
alterar a estrutura de tais currículos. Faltava uma integração maior dos conhecimentos na
abordagem em saúde. Atualmente observa-se claramente uma distinção entre a realidade
da saúde e esse novo sujeito-paciente que se apresenta e os modelos de educação
vigentes que não dão conta desse sujeito e suas dimensões. Tais condições incentivaram a
busca por soluções e a criação de condições para a mudança de paradigma na educação
em saúde. Sendo o currículo também e principalmente um instrumento de formação urgia a
72
necessidade de uma (re)organização curricular que buscasse dar conta de formar
profissionais para responder as demandas da realidade.
Lampert (2003) aponta que o Informe Lalonde7 (1974) despertou o entendimento
acerca do fato de que tão somente tratar as doenças não é a solução para se ter saúde, o
que impulsionou discussões e estudos sobre o processo saúde-doença. Ainda segundo
Lampert (2003), duas conferências mundiais de educação médica (Edimburgo, 1988 e 1993)
e cinco conferências internacionais sobre promoção da saúde (Ottawa, 1986; Adelaide,
1988; Sundsvall, 1991; Jacarta, 1997; México, 2000) são marcos de âmbito mundial que dão
embasamento juntamente com outros estudos, para a construção de um novo paradigma de
educação em saúde.
Segundo Lampert (2003) em nível de Brasil a VIII Conferência Nacional de
Saúde (1987), o movimento da Reforma Sanitária, a Constituição Brasileira (1988), e mais
recentemente, a homologação das Diretrizes Curriculares (ME/CNE, 2001) dão uma
sequência da consolidação em termos de leis e decretos para mudanças tanto nas ações
em saúde quanto na formação de profissionais devidamente preparados para a realização
de uma “assistência de qualidade em saúde, com abordagem integral, interdisciplinar,
multiprofissional e equitativa”.
É importante observar que o sistema de saúde brasileiro ainda está muito
centrado na assistência médica e no atendimento hospitalar, reproduzindo o paradigma
flexneriano e mostrando que o paradigma da integralidade precisa ser de fato conhecido,
“carece de socialização, de delinear-se com clareza e permear as mentes para, então,
produzir as mudanças esperadas traduzidas em ações predominantes” (LAMPERT, 2003).
Lira (2010) aponta que as soluções disponíveis para os problemas que enfrenta
a Medicina e as práticas em saúde (grifo da autora) neste início de século XXI são aquelas
condizentes com a racionalidade e a ideologia biomédicas. Segundo o autor, se utilizarmos
o referencial de Kuhn (1998), poderíamos afirmar que, essas soluções enquadram-se sim,
“numa perspectiva de ciência normal orientada por um paradigma, à resolução de quebra-
cabeças” (p.38).
7 O moderno movimento de promoção da saúde surgiu formalmente no Canadá, em maio de 1974, com a
divulgação do documento A New Perspective on the Health of Canadians, também conhecido como Informe
Lalonde (1974). Lalonde era então ministro da Saúde daquele país. A motivação central do documento parece
ter sido política, técnica e econômica, pois visava enfrentar os custos crescentes da assistência médica, ao
mesmo tempo em que apoiava-se no questionamento da abordagem exclusivamente médica para as doenças
crônicas, pelos resultados pouco significativos que aquela apresentava (BUSS et al., 2000).
73
Assim, a partir desse mesmo referencial, é possível enquadrar os desafios atuais
da educação em saúde como consequências do paradigma orientador da ciência normal
estruturante das práticas em saúde. E ainda segundo Lira (2010) qualquer abordagem de
tais práticas baseadas em reformas estas a partir de concepções meramente instrumentais
com base no paradigma hegemônico mostra-se ineficaz. Ao referenciar Kuhn (1998), Lira
(2010) aponta que para se efetivar uma reforma em marcos epistemológicos de um
paradigma normal, que se mostra “em crise” expressão kuhniana, o autor afirma que se faz
necessária uma revolução, como aponta Kuhn.
Lira (2010) aponta que a revolução kuhniana no campo da educação médica tem
sido entendida no Brasil como uma transição do paradigma flexneriano de educação em
saúde para um paradigma emergente, chamado paradigma da integralidade. Ainda,
segundo o autor ambos podem ser caracterizados quanto a três dimensões: objetal, que
concerne ao objeto da Medicina como prática social, explicitando a natureza da realidade da
saúde-doença como fenômeno humano; pedagógica, que concerne às concepções
subjacentes à prática pedagógica, sofrendo múltiplas influências e circunscrições
epistêmicas e sócio-econômicas, referidas à Filosofia da Educação, às Teorias da Educação
e à Psicologia do Ensino; e social, que abarca as relações entre Medicina e Sociedade,
particularmente à Medicina como prática social (Quadro 3).
74
QUADRO 3: Comparação entre os paradigmas educacionais flexneriano e da integralidade.
DIMENSÕES PARADIGMA FLEXNERIANO PARADIGMA DA INTEGRALIDADE
Objetal Enfoque no polo doença-atenção no processo saúde-promoção-doença-atenção
Enfoque no polo saúde-promoção no processo saúde-promoção-doença-atenção
Pedagógica
Aprendizagem acumulativa e linear Aprendizagem errática e não linear
Centralidade no processo ensino-aprendizagem no professor em aulas expositivas e demonstrativas
Centralidade do processo ensino-aprendizagem no aluno e valorização do seu papel ativo na própria formação
Práticas educativas hospitalocêntricas
Integração precoce do aprendizado da Medicina aos serviços de saúde, pela orientação às necessidades básicas de saúde da população, dentro de uma visão interdisciplinar e interssetorial
Avaliação nas mãos do professor Aluno incluído na avaliação
Capacitação docente centrada unicamente na competência técnico-científica na área médica
Capacitação docente centrada tanto na competência técnico-científica na área médica, quanto na competência didático-pedagógica, e orientada para a participação e comprometimento com o sistema público de saúde.
Fragmentação entre disciplinas Multi(inter-/trans-)disciplinaridade
Currículo atomizado, acumulativo, metódico, harmônico, disciplinar, com objetivos pré-estabelecidos, organizado em unidades lineares combinando princípios do positivismo com os do academicismo.
Currículo integrado em eixos temáticos, como contrato negociável entre as partes interessadas com fins em aberto que favorecem o inesperado, o criativo.
Social
Mercado de trabalho referido à prática liberal da medicina, à tecnificação do ato médico e ao consumo de tecnologia de alta densidade.
Acompanhamento da dinâmica do mercado de trabalho médico que está orientada pela reflexão e discussão crítica dos aspectos econômicos e humanísticos da prestação de serviços de saúde e de suas implicações éticas.
Fonte: LIRA, tese de doutorado, 2010.
Considerando a demanda de novas atitudes e boas práticas em saúde o
paradigma flexneriano foi dando sinais de que não daria conta de exigências para além do
visto e assim abriu espaço e condições para um modelo que conciliasse os avanços
tecnológicos e também o caráter humano guiado para um atendimento que contemplasse
questões sociais sem desconsiderar a importância das pesquisas e seu caráter científico
que impulsionam o conhecimento. Ou seja, um modelo que equilibre de fato a tecnologia
com o social.
75
6 A DIALOGICIDADE EM PAULO FREIRE E A VALORIZAÇÃO DO HUMANO
Este capítulo abordará a concepção de homem e mundo e a importância do
diálogo, segundo o pensamento de Paulo Freire, como proposta para valorização e
formação humana.
Para destacar a ação dialógica como fundamento mediador na prática do
profissional fisioterapeuta, recorremos à dimensão consciente do diálogo, aquilo que é dito e
que expressa a objetividade. Ao abordar a dimensão consciente do diálogo optamos por um
passeio à luz da teorização de Paulo Freire. A escolha do referencial teórico freiriano e o
presente trabalho, oriundo das ciências da saúde deu-se por uma questão de investigação
no âmbito da prática do profissional fisioterapeuta em sua origem, ou seja, a partir do seu
currículo, pois investigar esse percurso é envolver o próprio ser humano. E ainda, a
constante marca da obra de Paulo Freire, é que ela exprime a realidade, a vida vivida, o
homem real.
Paulo Freire impulsionado pela grandeza da existência humana e pelos conflitos
históricos de seu tempo reflete acerca do pensamento e ação do homem em sua relação
com o mundo e com o outro. Ao criticar os princípios de uma sociedade governada por
interesses que oprimiam a consciência daqueles não compreendidos enquanto sujeitos de
sua história e de seu papel no mundo, propôs uma educação voltada à promoção de uma
prática político-pedagógica na qual o homem, consciente de seu processo de humanização
contínua, faz-se crítico em interação com o mundo.
A dialogicidade humana segundo o pensamento freiriano surgiu a partir de sua
experiência como educador e tornou-se uma proposta de formação com o intuito de uma
transformação social na busca de proporcionar a vivência profunda da condição de
humanidade do sujeito. Considerar tais reflexões nos ajuda a compreender o sentido do
diálogo não somente nas relações educacionais, mas também nas ações profissionais que
envolvem o encontro entre pessoas. Diálogo enquanto agente promotor de conhecimento
que considera o outro em todo o seu valor relacional e leva à renovação da sociedade e de
suas estruturas.
6.1 A concepção do humano segundo Paulo Freire
Entre as conceituações na fundamentação freiriana, apontamos duas de caráter
relevante para esse trabalho. A primeira delas aponta o homem como ponto central, sendo a
educação um momento ímpar com possibilidades de torná-lo melhor quando o faz perceber
76
criticamente a sua realidade, pois “não há educação fora das sociedades humanas e não há
homem no vazio” (FREIRE, 1979). A segunda apresenta o homem em constante
relacionamento com seus semelhantes e com o mundo. “É fundamental, contudo, partirmos
de que o homem ser de relação e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com
o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura a realidade, que o faz ser o ente de
relações que é” (FREIRE, 1979). É nesse relacionamento com os outros homens e com o
mundo que o homem cria sua história. A partir dessa percepção de acordo com Moretti-
Pires (2008, p.31):
(...) o homem não pode ser pensado ou analisado como um recorte isolado do contexto em que se insere. Toda e qualquer reflexão deve estar embasada no momento histórico e no lugar em que este homem vive e no seu momento.
Paulo Freire considera o homem ser em situação, ou seja, compreende o
homem enquanto constituição social e histórica. É inconcluso, historicamente inacabado, na
contínua busca em um mundo de possibilidades e ainda, o contexto social no qual se insere
é entendido como processo histórico em constante transformação, opondo-se assim ao
pensamento que a define como natural.
Portanto, Paulo Freire, ao afirmar a condição de homem enquanto ser inconcluso
em um mundo inacabado, supera uma visão objetivista e determinista que apresenta o
homem enquanto objeto histórico e, ainda uma visão subjetivista que concede ao homem a
exclusividade do domínio e poder sobre as circunstancias vividas. Desse modo, é na relação
do homem com o mundo, na inter-relação entre o subjetivo e o objetivo da sua vivência que
seu pensamento surge. De acordo com Moretti-Pires (2008, p.34):
O homem tem sua existência de forma histórica, em contextos da realidade. Contextos concretos, objetivos, mas que pela característica do homem ter consciência e esta não lhe permitir apenas sobreviver nesta realidade, mas ao contrário, agir sobre ela e criar a história, o homem é um ser inconcluso, ou seja, não está pronto e não é apenas o fruto do mundo e da história que o precede. Tem capacidade de ser diferente, mediante a uma própria ação moduladora e modulada por este mundo.
Desse modo, o homem ao interagir com o as condições de vida, torna-se capaz
de transformar o mundo através de sua ação intencional sobre ele, humanizando-o.
O homem como ser de relações, desafiado pela natureza, a transforma com seu trabalho; e que o resultado desta transformação, que se separa do homem, constitui seu mundo. O mundo da cultura que se prolonga no mundo da história (FREIRE, 2006, p.65).
77
Na interrelação homem-mundo, este cria o seu mundo – o mundo da cultura –
através de seu trabalho. Esse mundo da cultura é histórico ao tornar-se mediação no
encontro entre homens. Nessa direção, o mundo agora objeto de conhecimento, torna-se
mediador de comunicação e não mais finalidade de pensamento. Torna-se objeto de
reflexão humana através da capacidade do homem de conscientemente objetivá-lo. O
mundo, nesse processo intencional é criado e recriado pela práxis humana, sustentada
pelas suas intenções e necessidades, pois, “é pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1997, p.43).
Nesta direção, o mundo cultural e histórico perfaz uma realidade em processo
continuo de transformação. Assim, Paulo Freire contextualiza sua ideia de que o homem
não está sobre ou dentro do mundo, mas com ele. Segundo Paulo Freire, ao transformar o
mundo, este se volta problematizado para o homem, transformando-o.
Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Dessa forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona (FREIRE,
2005, p.81 – grifos do autor)
De acordo com Freire (2005), a consciência humana e o mundo existem em
paralelo através das tramas de relações e inter-relações entre homem e mundo.
Compreendendo a impossibilidade de separação homem-mundo, a consciência não pode
ser entendida como espaço dentro do homem que pode ser passivamente preenchido,
cabendo ao homem imitar esse mundo apresentado. Portanto, sendo a relação homem-
mundo algo interligado, a consciência humana corresponde aos aspectos objetivos
presentes ao homem. Assim, o mundo tornado objeto do conhecimento humano é permeado
de significados, o que Paulo Freire define como pronúncia do mundo.
Na perspectiva freiriana, numa relação dialógica prioriza-se a formação da
consciência crítica, caracterizada pela análise contextualizada da realidade que os cerca. O
exercício dessa consciência crítica é problematizar, ou ainda, refletir sobre situações reais.
E para a problematização faz-se necessário o diálogo. “É uma relação horizontal (...). nasce
de uma matriz crítica e gera criticidade. (...) Só ai há comunicação. (...) O antidiálogo que
implica numa relação vertical (...), é oposto a tudo isso. Não comunica. Faz comunicados”
(FREIRE, 2007).
A conscientização humana exige a percepção de si próprio enquanto sujeito no
mundo e com o mundo e dos condicionantes sociais que influenciam também tal percepção.
Portanto, a consciência crítica só é de fato alcançada quando se faz uma reflexão sobre o
78
real e assim consequentemente proporcione uma “leitura de mundo”. Com explicita Freire
(2005, p.69):
A criticidade para nós implica na apropriação crescente pelo homem de sua posição no contexto. Implica na sua inserção, na sua integração, na representação objetiva da realidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência. Não será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações econômicas, por grandes e importantes que sejam.
Ressaltamos que essa tomada de consciência não ocorre de maneira individual,
mas sim social, pois ocorre na trama de relações entre homens e homem com o mundo.
Nessa perspectiva, Freire (2005) identifica o homem enquanto ser condicionado pelo mundo
e não determinado por ele. Assim, a complexidade do pensamento de Paulo Freire sobre a
relação homem-mundo é sintetizada por Giovedi (2006):
O ser humano é o mundo, ao mesmo tempo em que é a sua negação (na medida em que possui uma subjetividade). O mundo é o que o ser humano faz, ao mesmo tempo em que é uma realidade maior que nega a possibilidade de ser reduzido a uma subjetividade. Mundo-consciência, realidade-indivíduo é uma unidade dialética na qual os dois polos não podem nunca se reduzir um ao outro, sob a pena de se ter uma compreensão distorcida da História Humana. (GIOVEDI, 2006, p.73).
Nesta direção, quanto mais os homens refletem sobre si próprios e sobre sua
relação com o mundo e com os outros, maior se torna seu campo de percepção. Passa a
enxergar coisas que mesmo sempre existentes, não eram percebidas. Assim, ao
compreender a si próprio na inconclusão que intencionado a saber mais será capaz de
apreender a realidade como processo contínuo ao exercer escolhas e mudanças.
Paulo Freire aponta ainda que o homem no seu processo histórico coexiste a
possibilidade de considerar o outro como quase coisa, ao negar-lhe sua capacidade de se
situar enquanto transformador do mundo, ou seja, homens que se submetem passivamente
à prescrição de um mundo determinista cujos atores são aqueles que detêm certo
conhecimento cultural e considerado socialmente dominante. Homens que segundo Paulo
Freire, perderam sua condição de sujeitos ativos da sua própria história e se tornaram
passivos de uma ordem socialmente constituída que os isenta do chamado ao saber, ao
conhecimento, ao questionamento, a tomadas de decisões e a transformações.
É diante dessa negação da humanidade em seu trajeto histórico que Paulo
Freire expressa em suas obras um forte compromisso com a vida, propondo a valorização
do homem em suas capacidades e possibilidades a partir de uma política educacional cuja
79
atuação é voltada a produção de posturas críticas diante das circunstâncias do mundo,
tendo a dialogicidade como teoria fundante.
6.2 A importância do diálogo para Paulo Freire
Na perspectiva freiriana, o encontro entre homens configura o diálogo, que
estabelece ação e reflexão na busca por transformações necessárias para um mundo mais
humanizado, é, portanto o “(...) caminho pelo o qual os homens ganham significação
enquanto homens” (FREIRE, 2005, p.91).
De acordo com Freire (2006, p.65), o mundo humano é um mundo de
comunicação: “o mundo social e humano não existiria como tal se não fosse um mundo de
comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano”. Ou seja, um
encontro que ao gerar conhecimento perfaz-se histórico através do diálogo.
O diálogo, apresentado por Paulo Freire enquanto comunicação a fim de
produzir ou reconstruir conhecimento, não se fundamenta na ação de um homem e a
negação do outro, mas na comunicação entre homens compartilhando saberes a fim de
transformarem juntos, o mundo.
Paulo Freire ao definir o diálogo, relaciona-o com um conjunto de valores o qual
se concretiza em ações permeadas de amor, de humildade, de esperança, de fé, de
confiança. Segundo o autor:
E que é o diálogo? È uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (...). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só com o diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. (2007, p.115).
De acordo com Paulo Freire, o diálogo enquanto ato de amor expressa um
compromisso com os homens e com o mundo e não com interesses próprios, individuais.
Onde o processo de humanização depende do amor aos homens e ao mundo expresso no
fundamento de criação e recriação do mundo. Também condição de emancipação humana
ao colocar homens enquanto sujeitos da sua própria história e responsáveis pelo mundo.
Uma relação dialógica requer humildade, condição para que homens não
busquem agir sob soberba ou supremacia. O diálogo leva o humano a perceber o outro tão
humano quanto si próprio. A humildade exige uma relação de horizontalidade, pois a
80
pronúncia do mundo é atitude de todos e não privilégio de alguns. Freire (2005, p.79)
acrescenta ainda que:
(...) não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.
Para Paulo Freire, a vocação de ser mais fundamenta a fé nos homens. Pois a
possibilidade do humano vir a ser mais livre, mais crítico, mais criativo, mais transformador,
é acreditada. Assim, atitude de fé é escolha de vida que antecede o estar com o outro.
É através da confiança que as trocas de intenções ao se pronunciar o mundo
tornam-se mais claras. A confiança resulta do encontro entre homens enquanto sujeitos na
pronuncia e na transformação do mundo. E ainda, confiar é mostrar-se companheiro no ato
de pronunciar o mundo. É ser coerente ao aliar ação e discurso.
Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos (FREIRE, 2005, p. 94 – grifo do autor).
Na condição de inconcluso, o homem busca querer ser mais. Para Paulo Freire,
ter esperança não remete a uma atitude de acomodação em relação ao real, mas
impulsionará a lutar por uma sociedade mais justa, mais humana. Portanto, o humano nutre-
se de esperança, que é impulso vivo de otimismo. Para Freire (1995, p.87), “não é possível
buscar sem esperança; nem, tampouco, na solidão”.
Paulo Freire afirma que o diálogo, enquanto fenômeno humano se fundamenta
na palavra cuja pronúncia pode ser verdadeira ou inautêntica. A palavra verdadeira volta-se
à transformação do mundo e constitui-se de ação-reflexão que enquanto dimensões
intrínsecas são capazes de transformar o mundo. Já a inautenticidade da palavra inviabiliza
uma experiência dialógica. Tem na sua constituição dimensões dicotomizadas, perdendo
assim, seu caráter transformador. Ação separada da reflexão configura ativismo e ação que
penaliza ou sacrifica a reflexão perfaz-se verbalismo.
Assim, o diálogo, tem na palavra seu elemento constitutivo, numa dimensão de
reflexão-ação. Segundo o autor “(...) de tal forma solidária, e em uma interação tão radical
que, sacrificada uma delas, ainda que em parte, imediatamente ressente-se a outra”
(FREIRE, 2005, p.89). Acrescenta ainda:
81
O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu (FREIRE, 2005, p. 192 – grifos do autor).
Percebemos o quanto Paulo Freire enfatiza a práxis humana. De fato, a práxis é
uma dimensão humana caracterizada pela ação-reflexão. Reflexão e ação que ocorrem num
movimento dialético de ressignificação, produzindo conhecimento crítico do vivido e
transformador da realidade. Segundo Paulo Freire, não uma reflexão solitária, mas solidária,
junto com os outros. Aqui, o autor apresenta a colaboração como uma das características da
relação dialógica a qual é ação vivida pelos sujeitos através da comunicação.
Paulo Freire ressalta a importância fundamental da dialogicidade ao gerar
unidade entre homens que no exercício da tarefa comum a ação dialógica seja duradoura e
que os homens sejam comprometidos com o mundo e com o outro, que haja coerência entre
o falado e o vivido.
Em torno do tema diálogo, faz-se necessária a abordagem do papel da fala e da
escuta. É escutando que se aprende a falar com o outro e não a ele. Quando se fala ao
outro, assume-se uma relação de imposição, considerando o outro objeto do discurso. Do
contrário, aprende-se a falar com o outro quando se é capaz de silenciar, entendido aqui
como condição de abertura. De acordo com Paulo Freire ao se estabelecer enquanto sujeito
da escuta para com o outro, o homem se abre para a questão da “decisão humana”, para a
crença no potencial de criação do homem de (re)inventar novos caminhos para sua
condição existencial, para além de uma atitude conformista com a realidade dada.
A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém, procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem; de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora disso, fenece a comunicação (FREIRE, 1997, p. 132 – grifos do autor).
Desse modo, dialogar configura saber conviver com diferenças e que a ação de
escutar remete ao controle da necessidade de falar, pois se não calar, será o único a dizer.
De acordo com Freire (1997, p.136): “Se a estrutura do meu pensamento é a única certa,
irrepreensível, não posso escutar quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira que
não a minha”.
No contexto da prática clínica do profissional fisioterapeuta, percebemos que a
dialogicidade humana segundo as considerações de Paulo Freire configuram-se significativo
82
caminho de compreensão do sujeito-paciente em busca de transformação da realidade,
humanizando-o e aprendendo a humanizar mais o próprio homem.
6.2.1 A perspectiva da dialogicidade humana em Paulo Freire
Paulo Freire aponta que o homem ser de relação, estabelecendo-se como ser de
diálogo, busca perceber e compreender o mundo, o que o faz também ser de curiosidade.
Segundo o autor: “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a
relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento na História” (FREIRE, 1997, p.154).
O homem, ser de abertura ao outro e ao mundo, devido a sua condição de
inacabado historicamente e situado em um mundo em constante construção, confirma sua
finitude ao permitir-se questionar e deixar-se questionar sobre o sentido de sua existência
com o outro e com o mundo. Nesta direção, Freire (1997, p. 153) afirma: “seria impossível
saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de
respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna
transgressão ao impulso natural da incompletude”.
A dialogicidade exige que homens estabeleçam uma relação instituída pela
capacidade de comunicabilidade, onde homem-mundo configura-se uma relação
indissociável. O diálogo consiste numa relação horizontal entre homens na qual o saber de
todos, e por que não dizer o humano de cada um, deve ser valorizado, respeitado. O diálogo
produz a conscientização libertadora e transformadora, ou seja, dialógica.
O pensamento freiriano em relação à dialogicidade nos remete nesse trabalho
ao contexto da prática clínica do profissional fisioterapeuta e a relação fisioterapeuta/sujeito-
paciente, onde reportamos o universo da educação para o do atendimento fisioterápico.
Assim, um tratamento pautado na dialogicidade, fundado no diálogo, dá-se numa relação de
humildade e solidariedade. Sendo o diálogo, portanto, promotor de encontros onde a partir
de uma relação horizontal na qual a realidade social-político-econômico-social do sujeito-
paciente é considerada, gera-se confiança e esperança ao conduzir homens a serem mais
humanos.
Ao pronunciar o mundo, o homem amplia sua capacidade de pronunciá-lo. O
diálogo efetiva as experiências de trocas de ideias, de conhecimentos e saberes, de
opiniões corroborando para a ampliação do sentido que dão à sua compreensão de mundo
e de si mesmo.
83
O diálogo é, portanto, o indispensável caminho (...), não somente nas questões vitais para a nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtual da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eles mesmos (2007, p.115 -116).
Entendemos, a partir dessa reflexão, que, de acordo com o pensamento de
Paulo Freire, a relação homem-mundo é indissociável, onde o diálogo ocorre numa relação
horizontal permeada de solidariedade na busca por transformação e modificação do mundo
dado. O diálogo produz ainda uma conscientização libertadora e transformadora do real, ou
seja, a dialogicidade.
Em educação em saúde e para a saúde o diálogo apresenta-se como uma
ferramenta importante na viabilização das ações em saúde, uma vez que dialogando
respeitam-se os aspectos relativos a intersubjetividade, reconhecendo-se assim o paciente
enquanto sujeito participante e não apenas objeto da prática. O diálogo nessa perspectiva é
aproximador.
A partir dessa reflexão, Moretti-Pires (2008), ressalta que não se aprendendo de
modo democrático, não se poderá exercer democraticamente as práticas em saúde e daí a
importância de uma formação pautada em um ensino problematizado e democrático
implicados no processo de construção de uma prática profissional condizente com a
realidade em saúde. Ressalta também que um modelo formativo pautado em teorizações e
desarticulado dos contextos concretos vivenciados nos serviços em saúde é característico
do modelo tradicional de ensino que continua formando profissionais da área de saúde. E
ainda segundo o autor,
Problematizar é deixar de treinar (...) para atuarem como técnicos prestadores de serviços em saúde para então formá-los em sentido humano e não simplesmente adestrá-los em protocolos de saúde, respeitando sua vocação ontológica de ser mais (...).
Assim, apontamos a necessidade de uma formação acadêmica em Fisioterapia
que promova a delimitação de espaços dialógico-terapêuticos como parte do currículo, de
forma que os profissionais possam dar conta de seus pacientes não só de maneira técnica,
mas também e, sobretudo, como seres humanos que são no mundo e com o mundo.
De forma sintética, anunciamos as categorias conceituais de análise, definidas à
priori, decorrentes das teorias discutidas e que embasaram a análise dos dados desta
pesquisa, que foram: o diálogo, compreendido como fenômeno humano e facilitador da
compreensão do outro, sua história, posição e sua relação no mundo e com o mundo; a
subjetividade, entendida como a expressão diferenciada dos sujeitos; a prática profissional,
84
enquanto práxis; e a integralidade, que corresponde aos aspectos biológicos, psicológicos, e
sociais do indivíduo e seu contexto. Outras categorias empíricas surgiram no decorrer da
investigação, como, vínculo, racionalidade técnica, saberes da experiência, humanização.
No conjunto, elas nos ajudaram a compreender como durante a prática clínica, o
fisioterapeuta, a partir da relação dialógica estabelecida com o sujeito-paciente, aproxima-se
do seu mundo real e subjetivo, perfazendo assim, o foco desta pesquisa.
85
7 COLETA E ANÁLISE DOCUMENTAL: AS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO
DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA E O PROJETO PEDAGÓGICO.
O presente capítulo apresenta os documentos que regulamentaram a profissão.
Aborda em especial as Diretrizes Curriculares do curso quanto ao modelo de educação por
competências. Conceitua e estabelece a importância do projeto político pedagógico como
elemento estruturante do currículo. Por fim apresenta reflexões a partir da concepção de
currículo enquanto construção social e enquanto práxis. Para tanto utilizamos como
referencial teórico as obras de Rebelatto e Botomé (1999); Sacristán (2000); Silva (2010).
O fisioterapeuta, de forma geral, tem sido formado por um modelo de formação
caracterizado por um processo de ensino-aprendizagem baseado na fragmentação do
conhecimento, o que leva consequentemente à uma formação profissional fragmentada,
gerando um perfil de profissional baseado em uma visão de mundo cartesiana e mecanicista
(CAPRA, 2012).
A partir da aprovação das Diretrizes Curriculares, o Curso de Graduação em
Fisioterapia passa a contar com uma formação baseada em um perfil generalista,
humanista8, crítico e reflexivo; um profissional que detêm uma visão ampla e global, apto a
atuar em todos os níveis de atenção à saúde, baseado em princípios éticos e bioéticos. As
Diretrizes Curriculares propõe um novo perfil de profissional diferente do proposto pelo
Currículo Mínimo do curso de Fisioterapia que vigorou de 1964 a 2001 e que tal sistema de
acordo com o Parecer nº 776/97 foi considerado rígido.
Consideramos assim, que a formação acadêmica fragmentada que gerava um
perfil baseado em uma visão de mundo cartesiana e mecanicista advém da formação
representada pelo Currículo Mínimo, na qual fui formada.
A Fisioterapia enquanto profissão é relativamente nova, pois foi regulamentada
como curso superior somente em 13 de outubro de 1969, através do Decreto-lei, nº 938/69
(BRASIL, 1969). Portanto, os profissionais que se formaram antes da regulamentação da
profissão eram considerados técnicos em Fisioterapia, o que foi abolido após o referido
Decreto.
8 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia refletem uma abordagem
humanística de aprendizagem e, portanto tendem a formar indivíduos humanistas, por considerar uma aprendizagem holística representada no referido documento como visão global, crítica e reflexiva do futuro egresso. Tal abordagem envolve uma preocupação com o indivíduo e suas necessidades sociais, psicológicas, físicas e cognitivas (TEIXEIRA, 2004).
86
O Currículo Mínimo necessário para a formação acadêmica do profissional
Fisioterapeuta em Nível Superior foi aprovado em 1983 e vigorou até 12 de setembro de
2001, quando o Ministério da Educação através do Conselho Nacional de Educação
aprovou as Diretrizes Curriculares.
A leitura da Fisioterapia enquanto campo de atuação é apresentada nesse
trabalho a partir das contribuições da obra de Rebelatto e Botomé (1999), intitulada
Fisioterapia no Brasil. Esta escolha justifica-se por se tratar de uma obra de referência,
dentre as raras existentes, que contempla o desenvolvimento do campo da Fisioterapia,
desde a antiguidade até o Currículo Mínimo, vigente até 2001, quando da aprovação das
Diretrizes Curriculares do Curso de Fisioterapia.
A trajetória histórica de elaboração do documento das Diretrizes Curriculares dos
Cursos de Graduação, em específico, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Fisioterapia, é de suma importância para compreender como se processa e
em que está embasada a formação acadêmica do Fisioterapeuta. Além, de viabilizar a
análise do perfil deste profissional, no referido documento, a partir da análise textual do
mesmo, que permite desvendar e analisar o conteúdo latente e, por conseguinte, o perfil
latente do Fisioterapeuta.
7.1 Fundamentos legais da Fisioterapia: um breve resgate
A Constituição Federal de 1988 considera que “as universidades passam a ter
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial,
obedecendo ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Porém, o
cenário da Educação Superior no Brasil na década de 1990 não se mostrava condizente
com o princípio constitucional relativo à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, inclusive em relação à formação acadêmica do fisioterapeuta que segundo
Dourado (2002), as universidades e demais Instituições de Educação Superior (IES),
disponibilizavam uma formação acadêmica baseada apenas no ensino o que resultou em
prejuízo na qualidade da formação acadêmica em diversas áreas do conhecimento, entre
elas a Fisioterapia.
Dourado e Oliveira (1999), consideram que o processo de globalização e a
revolução tecnológica imersos num projeto neoliberal requerem uma nova concepção de
formação profissional voltada às leis do mercado, e ainda, a exigência de um novo perfil do
profissional, ou seja, um novo modelo de formação profissional que responda as demandas
do mercado. Estando a universidade inserida nesse contexto, sua função básica de
87
produção de conhecimento volta-se a criação de capital intelectual, a formação de
competências e a elevação da qualificação profissional o que torna a economia mais
competitiva. Já sua função de formação profissional, centraliza-se na operacionalização do
ensino, nas leis do mercado, em consonância ao capitalismo. Percebemos a prioridade ao
ensino em detrimento de pesquisa e extensão, o que tornou a educação superior, nesse
cenário, uma via de certificação (DOURADO, 2002). Nesse contexto, as instituições tendem
a não formação de profissionais críticos e reflexivos, mas sim, meros reprodutores de
técnicas com base no ensino e transmissão de conhecimento.
Percebe-se então que tal sistema educacional centrava-se na operacionalização
(reprodução de técnicas), certificação (para atender às demandas de mercado), banalização
(do conhecimento) e aligeiramento (no processo) da formação acadêmica. Desse modo,
para se alcançar a expansão qualitativa da educação superior no país, os princípios da
Universidade – ensino, pesquisa e extensão – deveriam ser de fato indissociáveis.
Assim, a aprovação e instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Fisioterapia sinalizou um crescimento no âmbito qualitativo na formação
acadêmica do Fisioterapeuta.
A Reforma do Estado Brasileiro, nos anos noventa, proveniente da implantação
de políticas públicas propôs a efetivação de exigências provenientes de organismos
internacionais e que acarretaram mudanças significativas nos rumos da saúde e da
educação. Rebelatto e Botomé (1999) descrevem a legislação da Fisioterapia com base nos
principais documentos existentes desde a década de sessenta até o final da década de
noventa. Foram analisados:
a) o Parecer nº 388/63, do Conselho Federal de Educação – CFE. Um dos
primeiros documentos oficiais que definem a ocupação do fisioterapeuta e os
limites de sua atuação, na época (BRASIL, 1981);
b) o Decreto-lei nº 938/69, de 13 de outubro de 1969, que regulamenta a
profissão de Fisioterapia. Assim, o profissional fisioterapeuta passa a ter
formação em nível superior agora regulamentada;
c) a Lei nº 6.316, de 17 de dezembro de 1975, decretada pelo Congresso
Nacional e sancionada pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel,
que se referia à criação dos Conselhos Federal e Regional de Fisioterapia e
Terapia Ocupacional (BRASIL, 2002);
88
d) a Resolução 10, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional
– COFFITO, de 3 de julho de 1978, publicado no Diário Oficial da União em
22 de setembro de 1978, que aprovou o Código de Ética do profissional de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional (BRASIL, 2001).
Importante salientar que a referida Resolução, estabelece a função do
fisioterapeuta, que deve ser de assistência ao ser humano, contemplando a promoção, o
tratamento e a recuperação de sua saúde. Considera ainda que este profissional deve
direcionar sua atuação a fim de prevenir e minimizar o sofrimento humano, através de
conhecimentos técnicos e científicos. O referido documento, também menciona a
participação do fisioterapeuta em programas de assistência à comunidade sejam em âmbito
nacional quanto internacional.
De acordo com Rebelatto e Botomé (1999) as limitações que o Currículo Mínimo
colocava ao profissional fisioterapeuta se davam quanto à concepção do objeto de trabalho
e do nível profissional do fisioterapeuta; e ainda em relação à conduta terapêutica seja
durante o tratamento de indivíduos já doentes, ou cuidados com a saúde da população em
geral. A vigência do Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia foi de 1964 a 1983,
enquanto o Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia vigorou de 1983 à
2001. Consideramos que muitas foram as limitações sofridas pelo profissional de
Fisioterapia durante a vigência do Currículo Mínimo e que estavam associadas a uma não
definição em relação à profissão, o que pode ter resultado numa atuação voltada à
aplicação de técnicas, desconsiderando um saber-fazer crítico e reflexivo. A partir desse
contexto, o perfil do fisioterapeuta se delineava baseado numa visão de mundo fundada
numa concepção cartesiana e mecanicista que não favorecia uma atuação que desse conta
dos problemas de saúde da sociedade.
Na vigência do Currículo Mínimo, o conhecimento era reproduzido e revelava
que a visão de mundo na formação acadêmica em Fisioterapia, tendia a ser tradicional,
cartesiana e mecanicista. Segundo Rebelatto e Botomé (1999, p. 74):
(...) quanto mais o conhecimento for apenas “reproduzido” e “transmitido”, ao invés de também produzido, levando-se em consideração a realidade circundante, mais distantes estarão os futuros profissionais de obterem a resolução dos problemas da população do país.
Assim, com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Fisioterapia pode-se perceber um processo de mudança na formação
acadêmica do fisioterapeuta que apontava para a superação da visão de mundo
89
fragmentada, cartesiana, reducionista e mecanicista, tão característica da formação
acadêmica desse profissional (CAPRA, 2012).
Rebelatto e Botomé (1999) consideram que a universidade ao invés de ser
considerada um local gerador de conhecimento, de debates acerca de soluções para os
mais diferentes enfrentamentos pelos quais a sociedade passa e, de emancipação humana
(alunos e instituição), revela-se reprodutora e transmissora de conhecimento.
Diante do exposto, percebemos que a partir da década de noventa, o cenário da
educação superior no Brasil, corresponde a uma concepção de formação acadêmica
pautada na reprodução e transmissão de conhecimento e de técnicas (onde o curso de
graduação em Fisioterapia também faz parte de tal concepção). Tal cenário é reflexo da
dissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o que favoreceu a expansão da
educação superior no país em termos quantitativos, consequência do grande número de
Instituições de Educação Superior (IES) que se voltavam ao ensino.
Nesse contexto, consideramos, portanto que a formação universitária, volta-se
de maneira geral, para as leis do mercado, ou seja, a formação profissional busca suprir as
demandas mercadológicas através da reprodução do conhecimento técnico.
O transculturalismo foi proporcionado a partir da instituição das Diretrizes
Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação nas diversas áreas do conhecimento e
com o surgimento dos Programas de Mestrado no Brasil, uma vez que houve acesso a
bibliografia nacional e estrangeira o que permitiu conhecimento e utilização de avanços
científicos nas mais diversas áreas de conhecimento. Diante disso, Rebelatto e Botomé
(1999), consideram imprescindíveis, além da assistência curativa e reabilitadora do
fisioterapeuta, a promoção e a manutenção da saúde, e a prevenção de doenças, sendo,
portanto inadequado atrelar a educação superior ao aprendizado e aplicação de técnicas.
Os autores apontam que a superação de tal concepção somente será alcançada a partir de
um saber crítico e reflexivo frente à realidade do mundo e da profissão inserida num dado
contexto social e histórico.
Rebelatto e Botomé (1999) pesquisaram os Currículos Plenos em vigor de todos
os Cursos de Fisioterapia existentes no Brasil bem como os planos de ensino das disciplinas
que contemplavam a aprendizagem ou a definição do objeto de estudo da Fisioterapia.
Perceberam que os objetivos propostos pelas disciplinas relacionadas ao objeto de estudo
do Fisioterapeuta não eram condizentes com a forma como foram propostos, o que
apontava uma ausência de objetivos de ensino. De acordo com os autores, o que precisa
90
estar claro é o que os alunos vão aprender nas atividades propostas, configurando assim, os
objetivos de ensino.
Na medida em que não existe um consenso, um “eixo” mais ou menos comum ou uma maior clareza sobre as disciplinas ou classes de aptidões que deverão compor a formação profissional do fisioterapeuta, menores serão as probabilidades de se ter definidas as características (ou o objeto de trabalho) desses profissionais enquanto tais. Da mesma forma, a ausência de uma formação científica do profissional que permita a elaboração de pesquisas (inclusive sobre o próprio objeto de trabalho da profissão) diminui a possibilidade de um desenvolvimento da profissão que seja pensado, estudado, adequado e suficiente (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999, p. 154).
Os autores concluíram que tanto o Currículo Pleno, quanto o Currículo Mínimo
do Curso de Graduação em Fisioterapia, condicionam uma formação acadêmica com
objetivo de ensino mal elaborados, o que pode ser aspecto determinante no que se refere às
indefinições quanto a atuação profissional do fisioterapeuta. Consideram ainda que a ênfase
na formação curativa e reabilitadora pode ser considerada insuficiente para a formação de
um profissional da Área da Saúde. Tal aspecto é considerado nas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, ao mencionar que o profissional
fisioterapeuta deve estar apto a atuar em todos os níveis de atenção a saúde.
Com o objetivo de favorecer a compreensão do documento das Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, descrevemos a seguir, os
aspectos históricos presentes na trajetória de elaboração do documento.
7.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais e o campo da Fisioterapia: contexto histórico.
O processo histórico de elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Fisioterapia (ANEXO I) aprovadas através do Parecer nº
1210/2001, em 12 de setembro de 2001, pelo MEC/CNE e instituídas pela Resolução
CNE/CES 4, em 19 de fevereiro de 2002, envolveu vários documentos que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a elaboração das referidas Diretrizes Curriculares.
O primeiro documento importante foi o Parecer nº 388/63, aprovado pelo
Conselho Federal de Educação (CFE), em 10 de dezembro de 1963, que deliberou que o
CFE fixasse o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia que, até então, apresentava-se
como um Curso Técnico, cujos profissionais eram considerados auxiliares médicos, que
atuavam sob orientação e responsabilidade de médicos.
A partir deste Parecer, a Portaria Ministerial nº 511/64, de 23 de julho de 1964,
fixou o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia para a formação do técnico em
91
Fisioterapia com duração de três anos letivos. Este currículo compreendia matérias gerais e
específicas. De acordo com o documento as matérias gerais eram: a) Fundamentos de
Fisioterapia; b) Ética e História da Reabilitação; c) Administração Aplicada; e, as matérias
específicas eram: a) Fisioterapia Geral; b) Fisioterapia Aplicada (BRASIL, 1981).
O Decreto-lei nº 938/69, de 13 de outubro de 1969, reconheceu o Curso de
Fisioterapia como Curso Superior através do, que estabelecia como atividade privativa do
fisioterapeuta, a execução de métodos e técnicas fisioterápicas com a finalidade de
restaurar, desenvolver e preservar a capacidade física do indivíduo.
A Resolução nº 4/83, de 28 de fevereiro de 1983, aprovada pelo presidente do
CFE, estabeleceu o Currículo Mínimo do Curso Graduação em Fisioterapia, em substituição
à Portaria Ministerial nº 511/64 (BRASIL, 1983).
Percebemos assim que durante catorze anos (1969 a 1983), a formação
acadêmica do profissional fisioterapeuta estava embasada no Currículo Mínimo do Curso
Técnico em Fisioterapia. Tal currículo passava a apresentar, de acordo com a Resolução nº
4/83, quatro ciclos apresentados no quadro 4:
QUADRO 4: Ciclos e respectivas matérias do Currículo Mínimo do Curso Técnico em
Fisioterapia
CICLOS MATÉRIAS
Ciclo I
Matérias biológicas
Biologia
Ciências Morfológicas: Anatomia Humana e Histologia
Ciências Fisiológicas: Bioquímica, Fisiologia e Biofísica
Patologia: Patologia Geral, Patologia de Órgãos e Sistemas.
Ciclo II
Matérias de
formação geral
Ciências do Comportamento: Sociologia, Antropologia; Psicologia,
Ética e Deontologia
Introdução à Saúde Humana: Saúde Pública, Metodologia da
Pesquisa Científica e Estatística.
Ciclo III
Matérias pré-
profissionalizantes
Fundamentos da Fisioterapia: História da Fisioterapia, administração
em Fisioterapia
Avaliação Funcional: Cinesiologia, Bases de Métodos e Técnicas de
Cinesioterapia: Exercícios Terapêuticos e Reeducação Funcional
Recursos Terapêuticos Manuais: Massoterapia e Manipulação
92
CICLOS MATÉRIAS
Ciclo IV
Matérias
profissionalizantes
Fisioterapia Aplicada às condições Neuro-músculo-esqueléticas:
Fisioterapia aplicada à Ortopedia, à Traumatologia, à Neurologia e à
Reumatologia
Fisioterapia aplicada às condições Cardiovasculares: Fisioterapia
aplicada à Cardiologia e à Pneumologia;
Fisioterapia aplicada às condições Gineco-obstétricas e Pediátricas:
Fisioterapia aplicada à Ginecologia e Obstetrícia, Fisioterapia
aplicada à Pediatria;
Fisioterapia aplicada às condições Sanitárias: Fisioterapia
Preventiva;
Estágio Supervisionado: prática de Fisioterapia Supervisionada.
Fonte: BRASIL, Ministério da Educação. Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia. Resolução nº 4/83.
Observamos que o Currículo Mínimo embasava-se numa visão de mundo
cartesiana e mecanicista, com disciplinas organizadas num sistema curricular fechado,
caracterizadas por uma não flexibilidade de ensino que condicionava a transmissão do
conhecimento. Tal modelo de organização curricular é característico do paradigma
biomédico no qual a formação apresenta-se tradicional, possibilitando a reprodução do
conhecimento em detrimento de sua produção.
O Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia vigorou até 2001,
quando foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do referido curso.
O Parecer nº 776/97 MEC/CNE, denominado: Orientação para as Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Graduação deu inicio às discussões para a criação das
Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. De acordo com o Parecer, o Currículo
Mínimo mostrava-se insuficiente para garantir a qualidade na formação acadêmica dos
egressos nas diversas áreas do conhecimento.
Diante desse cenário, a Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC), através
do Edital nº 4/97, de 10 de dezembro de 1997, convocou as Instituições de Ensino Superior
(IES) a apresentar propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores,
que seriam discutidas e elaboradas pelas Comissões de Especialistas da Sesu/MEC, nas
diversas áreas de conhecimento. O documento final das Diretrizes Curriculares Nacionais de
cada área específica do conhecimento foi sistematizado pelas Comissões de Especialistas
da SESu/MEC e aprovadas pelo MEC/CNE (BRASIL, 1997, SESu/MEC).
Baseado no Parecer nº 776/97, foi finalmente aprovado pelo MEC/CNE, no dia 4
de abril de 2001, o Parecer nº 583/2001, que contemplava a Orientação para as Diretrizes
93
Curriculares dos Cursos de Graduação. Este parecer consubstanciou a proposta de
adequação das Diretrizes para cada curso de graduação, que foi amplamente discutida pela
comunidade acadêmica, SESu/MEC e pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação –
ForGrad (BRASIL, MEC, 2001).
A partir desses debates surgem, enfim as Diretrizes Curriculares Nacionais dos
Cursos de Graduação nas diversas áreas do conhecimento. No documento que
estabelecem as Diretrizes Curriculares são propostos aspectos gerais que abordam o perfil
do egresso, suas competências e habilidades almejadas para os diferentes cursos de
graduação. As Diretrizes para o curso de graduação em Fisioterapia foram aprovadas em 12
de setembro de 2001 e instituídas em 19 de fevereiro de 2002.
Assim, no contexto das normatizações as Diretrizes Curriculares Nacionais para
os cursos de graduação para qualquer área de conhecimento no Brasil, apresentam-se
como orientações básicas para a formação de profissionais no ensino superior. Anunciam
ainda, a perspectiva inovadora por meio da flexibilização da formação acadêmica técnica e
científica:
Diretrizes curriculares tem por objetivo servir de referência para as IES na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilização na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas de conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas (BRASIL, 1996, SESu/MEC).
As Diretrizes Curriculares surgem como um marco na formação profissional ao
se apresentarem como uma proposta de currículo aberto onde cada Instituição de ensino
superior passa a planejar e elaborar seus próprios currículos com autonomia e flexibilidade.
Vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9, nº
9.394/96 de 20 de dezembro de 1996, do MEC/CNE garante às IES autonomia e
flexibilidade, inicialmente, estabelecidas pela Orientação para as Diretrizes Curriculares dos
Cursos de Graduação, e, posteriormente, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais que
passam a orientar o planejamento e a elaboração dos currículos dos cursos de graduação
em todo o país, oposto do que ocorria na vigência do Currículo Mínimo que estabelecia
detalhadamente as disciplinas que deveriam fazer parte de cada curso (BRASIL, MEC/LDB
9394, 1996).
9 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina no Art. 53, inciso II, no momento em que dispõe
sobre autonomia universitária, que é tarefa das universidades: “fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes”.
94
7.3 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia
O ensino de Fisioterapia no Brasil deverá atender às recomendações das
Diretrizes Curriculares propostas pelo Conselho Nacional de Educação do Ministério da
Educação (MEC). Tais Diretrizes:
Definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de Fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para a aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior (RESOLUÇÃO CNE/CES 4/2002).
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia
(ANEXO I) surgem para nortear a formação acadêmica no sentido esclarecer os objetivos da
formação profissional em especial no que concerne aos aspectos relacionados às
habilidades e competências desenvolvidas durante sua formação acadêmica. De acordo
com o Parecer nº 1210/2001, MEC/CNE, aponta que o objeto das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia deve:
Permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e
profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de
perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e
compatíveis com referências nacionais e internacionais, capazes de atuar
com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde
(SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira
(MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).
Percebemos que as Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em
Fisioterapia apontam para uma formação acadêmica do fisioterapeuta que favoreça o
desenvolvimento de perfil profissional baseado em competências e habilidades que deem
conta das demandas sociais, onde o fisioterapeuta possa exercer sua profissão com
qualidade e eficiência com o intuito de solucionar questões de saúde da comunidade.
O Parecer nº 1210/2001, do MEC/CNE que estabelece as Diretrizes Curriculares
dos Cursos de Graduação na Área da Saúde, onde se inserem as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, apontam como objetivos:
Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade (MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).
95
A educação por competências, tão citada nas Diretrizes Curriculares é fruto da
Reforma do Estado Brasileiro que trouxe nas suas propostas a efetivação de exigências de
órgãos internacionais que determinaram mudanças no cenário da educação e da saúde. A
Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI a qual foi organizada após a
Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), em novembro de 1991, foi presidida por Jacques Delors que também
deu nome ao Relatório do trabalho desta Comissão - o Relatório Jacques Delors10.
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda a vida de cada individuo, serão de algum modo os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente,
aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; e finalmente aprender a ser, conceito
essencial que integra os três precedentes. É claro essas quatro vias do
saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos
pontos de contato, de relacionamento e de permuta (DELORS, 2005, p.73).
Sobre uma formação baseada em competências, Rabelo (2005, p.58) afirma: “a
empreitada é de idealizar uma educação à prova da crise das relações sociais”, cujo modelo
de Educação consubstancia-se em competências e saberes, chamado de Modelo das
Competências, ou Pedagogia das Competências. A partir desse modelo surgiu a
necessidade de reorganizar a Educação em torno de quatro pilares do conhecimento. São
eles:
Aprender a conhecer (aprender a aprender): desenvolvimento de
instrumentos de compreensão do mundo;
Aprender a fazer: passagem da noção de qualificação para a de competência
frente às exigências dos sistemas de produção;
Aprender a conviver: compreendida como um dos maiores desafios da
Educação, ou seja, uma educação capaz de resolver os conflitos de forma
pacífica, a partir do conhecimento dos outros;
10 O Relatório Delors (1999), identifica a educação como chave do desenvolvimento. Este relatório interferiu de
maneira significativa na definição de ações políticas para o Brasil, sob a referência da concepção de “educação ao longo da vida”. No Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – Jacques Delors aponta para a necessidade de superação e distinção da educação inicial da educação permanente, uma vez que a educação e o prolongamento desse processo de aprendizagem é a chave para os desafios que a sociedade enfrenta no século XXI.
96
Aprender a ser: a Educação desenvolvendo a personalidade, a autonomia, o
discernimento e a responsabilidade pessoal, contribuindo assim com a
sociedade.
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Fisioterapia
estabelecem competências e habilidades gerais e específicas (ANEXO I). Segundo o
documento o desenvolvimento dessas competências configura-se aspecto fundamental para
que o fisioterapeuta possa exercer sua profissão com autonomia, com qualidade, garantindo
a integralidade e a humanização no atendimento em saúde, conferindo-lhe capacidade para
solucionar problemas de saúde da sociedade.
7.3.1 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia e o
Perfil do Egresso
A palavra perfil, considerada neste estudo as características de um indivíduo que
segundo o dicionário significa “pequeno escrito em que se faz o retrato de uma pessoa”. No
que se refere ao perfil profissional, consideramos as características de uma profissão
presente em seus integrantes. Mueller (1989, p.63), define a expressão perfil profissional
como:
(...) o conjunto de conhecimentos, qualidades e competências próprias dos integrantes de uma profissão. O Conceito assim entendido está intimamente ligado a ideia da função profissional - o perfil é delineado pelas habilidades, competências e atitudes necessárias para o desempenho da função profissional. A discussão dos problemas ligados ao perfil profissional é, na verdade, a discussão da função social da profissão, a qual, sujeita às influências do contexto, exige que a prática profissional se modifique, para atender expectativas novas e diversificadas que emergem da sociedade.
Rebelatto e Botomé (1999, p.79), consideram a consonância entre os objetivos
das disciplinas e a formação do perfil profissional do fisioterapeuta em relação às Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso, segundo os autores:
(...) os programas e planos de ensino das disciplinas dos cursos que formam fisioterapeutas, contêm um registro dos objetivos que são propostos para as disciplinas. No conjunto, esses objetivos constituem o perfil profissional que os responsáveis pela formação desse profissional propõem como conjunto de suas atribuições como fisioterapeuta.
Percebemos que o desenvolvimento do perfil profissional se dá também a partir
da determinação dos objetivos do curso, que são considerados competências mínimas que
o aluno deve amadurecer ao longo do curso, tais como técnicas e habilidades inerentes aos
sujeitos de uma determinada profissão. Rebelatto e Botomé (1999, p.139), afirmam ainda
que os objetivos do curso devem apresentar características tanto de correção quanto de
97
adequação de técnicas que “explicitem aquilo que se quer conseguir que o aprendiz seja
capaz de fazer, ao final de um processo de aprendizagem e em relação às situações com
que deve lidar como profissional”.
No entanto, pensamos que o perfil profissional não se restringe unicamente ao
desenvolvimento de competências ao conhecimento adquirido ao longo da formação, ou
ainda às atribuições que venha a desempenhar durante a atuação profissional.
Consideramos que todos os elementos do currículo e as condições de implementação –
desde o currículo prescrito até a sua ação – contribuem para o desenvolvimento do perfil
que inclui ainda a identidade profissional dos sujeitos. De acordo com Pimenta (1999, p.19),
essa identidade é construída a partir dos significados sociais da profissão:
(...) a identidade é construída a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas, também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.
Com a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Fisioterapia, tanto o perfil quanto a identidade do profissional Fisioterapeuta
sofreram alterações com objetivo de dar conta das exigências da nova concepção da
educação superior no Brasil. Percebemos que o desenvolvimento do perfil profissional deve
se dá a partir de novas tendências relacionadas a competências e habilidades que
promovam uma formação contínua. O profissional fisioterapeuta deve desenvolver
capacidade crítica e reflexiva de modo a ressignificar constantemente seus saberes e
conhecimentos na e sobre a sua prática profissional.
7.3.2 O Perfil do Fisioterapeuta: do Currículo Mínimo às Diretrizes Curriculares
Nacionais
O Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia através da Portaria nº
511/64, considera o Técnico em Fisioterapia um auxiliar, atuando sob a responsabilidade de
um médico. Ao fisioterapeuta cabia a realização de técnicas e exercícios terapêuticos
indicados e deliberados pelo médico. Assim, podemos perceber que o perfil do
fisioterapeuta, ou seja, um profissional de Nível Técnico restringia-se a execução de
técnicas. Um perfil alicerçado numa formação tecnicista que evidenciava a ausência de um
saber-fazer crítico.
98
A partir do Decreto-lei 938/69, que regulamentou a profissão, o fisioterapeuta
continuava a restringir-se a execução de técnicas fisioterápicas visando a restauração,
desenvolvimento e garantia da condição física do indivíduo. Portanto, apesar da
regulamentação da profissão, continuávamos reduzidos a meros executores de técnicas,
uma vez que o documento que serviu de base para a elaboração do referido Decreto-lei foi o
Currículo Mínimo que estabelecia os Cursos Técnicos em Fisioterapia. Percebemos que não
houve intenção em revisar ou reformular a definição das competências e habilidades que
deveriam ser contempladas durante a formação acadêmica do fisioterapeuta. Neste cenário,
a Fisioterapia foi então regulamentada como formação em Nível Superior, embasada
legalmente no documento que regulamentou a formação do Curso Técnico em Fisioterapia,
vigente até o ano de 1969, o que gerou limitações acerca da real definição do perfil
profissional do fisioterapeuta.
O Currículo Mínimo do Curso de Graduação em Fisioterapia, através da
Resolução nº 4/83, não alterou significativamente o cenário, uma vez que o Parecer nº
776/97, do MEC/CNE, considerou o Currículo Mínimo ineficaz na promoção da qualidade de
ensino almejada e ainda não incentivava a inovação da formação acadêmica. Diante disso,
consideramos que o perfil do fisioterapeuta não foi alterado em relação ao evidenciado no
Decreto-lei nº 938/69, que por sua vez apenas seguiu orientações propostas no Currículo
Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia.
Frente a essa realidade, a comunidade acadêmica levantou críticas em relação
aos modelos de currículos propostos pelo Currículo Mínimo, vigentes à época. O documento
da SESu/MEC, referente às Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação Propostas,
apresenta várias críticas. Entre elas podemos citar: “necessidade de melhor contextualizar o
perfil do diplomado frente às demandas e transformações das profissões” (BRASIL,
SESu/MEC, 1999, p. 6 - 7).
Iniciou-se então a reforma curricular, onde a SESu/MEC através do Edital de 4
de dezembro de 1997, solicitou que as IES enviassem propostas que embasariam o
trabalho das comissões de Especialistas de Ensino da cada área específica para posterior
elaboração das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação. De acordo com o Edital, a
ideia principal era adaptar os currículos às mudanças dos perfis profissionais. Para tanto,
princípios como: a) flexibilidade na organização curricular; b) dinamicidade do currículo; c)
adaptação às demandas do mercado de trabalho; d) integração entre graduação e pós-
graduação; e) ênfase na formação geral; f) definição e desenvolvimento de competências e
habilidades gerais foram orientadores para tais mudanças. Catani; Oliveira e Dourado (2001,
99
p.74) apontam que o objetivo geral que orientou a reforma foi “tornar a estrutura dos cursos
de graduação mais flexível”.
Na esperança de superação das dificuldades enfrentadas na vigência do
Currículo Mínimo, surgem as Diretrizes Curriculares em cada área específica do
conhecimento. Porém ao perfil profissional do fisioterapeuta não foi dispensada especial
atenção. Percebemos ainda certas restrições no que tange às competências e habilidades,
bem como às definições da profissão que não esclarece satisfatoriamente seu objeto de
trabalho, ou o(s) campo(s) de atuação profissional. Consequentemente nos deparamos com
um perfil limitado, proveniente de um sistema educacional consubstanciado numa visão de
mundo cartesiana, reducionista, mecanicista.
As Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia estabelecem
como perfil do formando egresso/profissional:
Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação.
Consideramos que a partir da instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Fisioterapia pode haver alteração na forma de desenvolver o perfil
profissional durante a formação acadêmica uma vez que a flexibilização curricular permite
às IES uma organização de disciplinas com conteúdos e objetivos estabelecidos que podem
contemplar abordagens contextualizadas que fomentem discussões embasadas em críticas
e reflexões acerca da realidade da saúde, o que possibilita uma formação que considera o
todo e suas partes. Do contrário, mesmo com a flexibilização curricular, algumas IES
podem manter seu caráter tradicional de ensino inviabilizando discussões durante a
formação que dificultem ou até anulem o desenvolvimento crítico e reflexivo de seus
formandos. Segundo Cabral Neto (2004), a perspectiva de flexibilização curricular supera a
condição de currículo meramente técnico e burocrático, para reconhecê-lo como artefato
construído a partir de condicionantes históricos, políticos e sociais vinculados às formas de
organização e relações de poder existentes.
100
7.4 O Projeto Político Pedagógico: pressupostos teóricos
Diante da complexidade da prática educativa, a partir de 1980, os espaços
educacionais constituem uma organização social, caracterizados cada vez mais como
campo de concretização de políticas de educação. Nessa direção, o projeto pedagógico se
afirma como elemento favorecedor do diálogo, revelando-se uma necessidade para os
sujeitos que integram as instituições de ensino. É ainda, instrumento que ao viabilizar o
diálogo, oportuniza o enfrentamento das questões que surgem no âmbito institucional em
relação à realidade contextualizada. Constitui-se ainda como expressão de autonomia
institucional no sentido de formular e executar uma proposta de trabalho.
Segundo Vasconcelos (2000), o projeto pedagógico é um plano global da
instituição que pode se consolidar como a sistematização de um processo de planejamento
participativo, que se aperfeiçoa e se define como o tipo de ação que se pretende realizar,
considerando o posicionamento do coletivo institucional. Percebemos que o projeto
pedagógico se identifica pela participação coletiva e democrática de caráter processual que
acontece na articulação entre ação e reflexão. De acordo com o autor, o projeto pedagógico
de um curso atua nas seguintes dimensões:
Psicológico: envolvimento do grupo na tarefa; inclusão, reconhecimento do sujeito no produto coletivo; epistemológico: parte-se de onde o grupo está; coloca-se o sujeito na condição de produtor de conhecimento (e não de reproduzir ou receptáculo); político: resgate da participação, da contribuição de cada um e de todos, exercício da decisão coletiva e o pedagógico: é um aprendizado de metodologia participativa, de diálogo, de respeito pelo outro, de tolerância (VASCONCELOS, 2000, p.21).
Vasconcelos (2000) aponta que as finalidades do projeto pedagógico são: o
resgate da intencionalidade da ação para somente assim se configurar como instrumento
transformador da realidade; a potencialidade da coletividade como referência para
superação de práticas educativas fragmentadas e não contextualizadas; a utilização dos
recursos de forma eficiente e eficaz; o fortalecimento do grupo no enfrentamento de conflitos
e pressões com vistas à autonomia e ainda a colaboração com a formação de todos os seus
participantes.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) de um curso é parte integrante do plano de
desenvolvimento institucional da Instituição de Ensino Superior. Sua fundamentação legal se
deu a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96, que
preconiza no artigo 12: “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as
do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta
pedagógica.” É ainda uma exigência a ser cumprida por determinação do Ministério da
101
Educação e Cultura (MEC), do Conselho Nacional de Educação (CNE) para reconhecimento
de cursos, depois de submetido à avaliação de especialistas na área onde ele se
desenvolve. Configura-se também um compromisso assumido pelo Fórum Nacional de Pró-
Reitores de Graduação, no Plano Nacional de Graduação. A fim de ilustrar a importância de
um Projeto Pedagógico, fazemos valer as palavras de Veiga (2004, p. 25):
O projeto político-pedagógico é mais do que uma formalidade instituída: é uma reflexão sobre a educação superior, sobre o ensino, a pesquisa e a extensão, a produção e a socialização dos conhecimentos, sobre o aluno e o professor e a prática pedagógica que se realiza na universidade. O projeto político-pedagógico é uma aproximação maior entre o que se institui e o que se transforma em instituinte. Assim, a articulação do instituído com o instituinte possibilita a ampliação dos saberes.
O Projeto Político Pedagógico deve estar de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação, no caso da presente pesquisa, o curso de
Fisioterapia, que devem ser observadas na organização curricular das instituições do
sistema de ensino superior do país. Assim, o currículo perfaz-se o eixo estruturante do
Projeto Político Pedagógico, e ainda, é ele que dá identidade à formação profissional de
determinado curso.
7.4.1 Dimensões Política e Pedagógica do Projeto Político Pedagógico
De acordo com Veiga (2005), o Projeto Político Pedagógico aborda diretamente
a relação entre as dimensões políticas e pedagógicas da instituição de ensino. Perfaz-se
pedagógico quando ao definir as ações educativas que serão desenvolvidas, com objetivo
de formar cidadãos críticos e participativos. É político ao tratar de interesses da coletividade,
principalmente ao comprometer-se com a formação de cidadãos em consonância com a
sociedade onde estão inseridos.
Portanto, o projeto assim concebido orienta práticas que produzem uma
determinada realidade. Para tanto, é necessário conhecer essa realidade, refletir sobre ela e
planejar ações para a construção da realidade que se deseja a partir de estratégias
adequadas e que atendam os anseios sociais e individuais de cada educando.
Sua função social se estabelece ao desenvolver relações democráticas no
cotidiano da instituição o que favorece a formação de sujeitos críticos e reflexivos de
maneira coletiva, estabelecendo uma conexão entre o papel pedagógico institucional e seu
papel na sociedade. Veiga (2003, p.50) afirma que “educar nessa perspectiva, é entender
que direitos humanos e cidadania significam prática de vida em todas as instâncias de
102
convívio social dos indivíduos”. Sujeitos que aprendem e participam na transformação da
realidade e não somente se coloquem como meros expectadores.
7.4.2 A Abordagem por Competências e o Projeto Pedagógico
Sabemos que a educação baseada no modelo por competências oferece como
subsídio para a especificação do perfil do egresso dos cursos de graduação, a indicação de
uma formação que deve articular os requisitos exigidos pela realidade do mercado de
trabalho ao compromisso com o desenvolvimento humano e social dos sujeitos. (Fig.4)
Figura 4 - Abordagem por competências e o projeto pedagógico de um curso de graduação
Fonte: CIDRAL, KEMCZINSKI E ABREU (2001).
Segundo Cidral; Kemczinski; Abreu (2001) o modelo de educação por
competências pode ser empregado na integração dos elementos de um projeto pedagógico
ao articular o compromisso com o desenvolvimento humano e social em consonância com
as necessidades do mercado de trabalho. Segundo os autores, os elementos do projeto
pedagógico podem ser caracterizados de forma sintética conforme o quadro abaixo:
103
QUADRO 5 - Elementos do projeto pedagógico
Fonte: CIDRAL, KEMCZINSKI E ABREU (2001).
Ao abordar as dimensões politicas e pedagógicas da instituição de ensino a qual
faz parte, o projeto político pedagógico perfaz-se orientador de práticas que produzem uma
dada realidade. E ainda quando os elementos desse projeto integram-se ao modelo de
abordagem por competências, o que percebemos é uma articulação entre a formação e sua
adequação às demandas mercadológicas. Assim, essa perspectiva restringe uma formação
que venha promover o desenvolvimento de uma visão de mundo originada a partir de um
pensar crítico e reflexivo do contexto a sua volta.
104
7.4.3 O Projeto Político Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UNIFOR
Em março de 1973 foi criado o curso de Fisioterapia da UNIFOR vinculado ao
Centro de Ciências da Saúde. O curso somente foi regulamentado em 24 de novembro de
1976, através do Parecer do Conselho Federal da Educação no 2953/76, reconhecido pelo
Decreto no 78813/76 e publicado no Diário Oficial da União, no dia 25 de novembro de
1976, que estabeleceu o Currículo Pleno do Curso, na modalidade de bacharelado sob
regime acadêmico de modalidade semestral (UNIFOR, PPP, 2012).
A UNIFOR foi a pioneira em sua criação no Estado do Ceará, respondendo a
uma demanda emergente na formação desse profissional. No inicio a oferta era semestral e
eram ofertadas 55 vagas para o turno integral (diurno), com duração de três anos e meio. O
público-alvo do curso é constituído de alunos egressos do Ensino Médio de escolas do
estado do Ceará e de diversos Estados das regiões Norte e Nordeste bem como de um
número significativo de alunos transferidos de outras Instituições de Ensino Superior – IES
(UNIFOR, PPP, 2012).
O Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia da UNIFOR (2012) aponta que
as propostas de mudanças no âmbito da formação profissional foram acompanhadas pela
valorização de conceitos relacionados ao binômio ensino-aprendizagem, evidenciando-se a
necessidade de aprender a aprender, de saber como, por que e para que utilizar a
informação recebida e, assim, ser capaz de decidir de forma inteligente (DELORS, 2000).
De acordo com o Projeto:
A velocidade de produção do conhecimento deu maior ênfase a esse processo de busca e domínio adequados da informação, de aquisição do conhecimento, ferramenta indispensável para a educação permanente, processo ininterrupto de aprendizagem do fisioterapeuta, que a graduação não esgota, devendo, ao contrário, favorecer com flexibilidade de raciocínio e capacidade de adaptação.
O projeto aponta que tais fatores justificam o desejo da Instituição em oferecer
um curso de Fisioterapia de qualidade com padrões modernos e globalizados.
De acordo com o Projeto Pedagógico da UNIFOR (2012), a habilitação curricular
teve seu início em 1973.1, com o fluxograma 32.1, contendo 150 créditos e que a
reestruturação de um novo currículo para o curso de Fisioterapia, iniciou-se em 1978,
seguindo a sequência de mudanças na busca de melhorias para o curso.
Em dezembro de 2011, por meio da Resolução nº 64/2011, o curso de
Fisioterapia da UNIFOR renovou sua proposta curricular. Com a implantação do fluxograma
32.10 o curso passou a contemplar todos os aspectos propostos pelo Ministério da
105
Educação e Cultura (MEC), Conselho Nacional de Educação (CNE) e comissão de
especialistas da área de Fisioterapia.
Assim, o Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia (2012) em consonância
com os princípios fundamentais da Instituição, tem como princípios norteadores:
I. Formação geral e sólida do aluno na valorização da criatividade, da cooperação e na
tomada de decisão;
II. Respeito pela pessoa humana e compromisso social;
III. Observância estrita às leis e aos regulamentos da instituição;
IV. Melhoria da qualidade de vida da comunidade interna e externa;
V. Integração entre o ensino, pesquisa e extensão, procurando refletir na articulação da
teoria e prática;
VI. Comprometimento com os valores e princípios éticos na formação do aluno;
VII. Preponderância no desenvolvimento e na multiplicação do conhecimento;
VIII.Comprometimento permanente com as transformações da sociedade, da cultura, da
política e nas transformações tecnológicas e econômicas.
De acordo com a Resolução CNE/CES 4/2002 que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Fisioterapia, no seu artigo 6º
determina que os conteúdos essenciais para o curso de Fisioterapia devem estar
relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade
integrado à realidade epidemiológica e profissional proporcionando a integralidade das
ações do cuidar em Fisioterapia. Estes conteúdos devem contemplar:
I. Ciências Biológicas e da Saúde, que são os conteúdos teóricos e práticos de base
molecular e celular englobando os processos normais ou alterados, da estrutura e
função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos;
II. Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais,
do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a
integração dos aspectos psicossociais, culturais, filosóficos, antropológicos e
epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar
conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração;
106
III. Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o
acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas
que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática
clínica fisioterapêutica; e
IV. Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos
na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os
aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de
intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da
cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem
sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e
terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de
atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção
fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do
desenvolvimento humano.
Em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, o fluxograma 32.10
do curso de Fisioterapia da UNIFOR, está organizado em relação aos conhecimentos
biológicos, humanos e sociais, biotecnológicos e fisioterapêuticos, assim apresenta a
distribuição da sua carga horária perfazendo um total de 3852 horas (CB + CHS + CBT +
CF). Ainda de acordo com o fluxograma 32.10 as disciplinas optativas equivalem a 180
horas e ficam a critério de escolha do aluno. Assim o total geral da carga horária do curso é
de 4032 horas segundo a tabela a seguir:
QUADRO 6 - Fluxograma 32.10 do curso de Fisioterapia da UNIFOR
CONHECIMENTOS BIOLÓGICOS
Módulo Carga horária
S002 – Dinâmica Celular 108 horas/aula S003 – Sistemas Reguladores 108 horas/aula S006 – Ambiente e Hereditariedade 108 horas/aula S007 – Sistemas de Defesa 108 horas/aula S386 – Análise da Postura e do Movimento Humano I 144 horas/aula S389 – Análise da Postura e do Movimento Humano II 144 horas/aula S396 – Análise da Postura e do Movimento Humano III 144 horas/aula
TOTAL CB 864 horas/aula
CONHECIMENTOS HUMANOS E SOCIAIS
S004 – Universidade, Saúde e Sociedade 72 horas/aula S008 – Diversidade Humana e Saúde Coletiva 72 horas/aula S388 – Pesquisa e Ações Integradas em Saúde I 72 horas/aula S395 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde II 72 horas/aula S568 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde V 36 horas/aula
TOTAL CHS 324 horas/aula
107
CONHECIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS
S398 – Pesquisa e Ações Integradas em Saúde III 72 horas/aula
S544 - Pesquisa e Ações Integradas em Saúde IV 108 horas/aula
S582 - Trabalho de Conclusão de Curso I em Fisioterapia 36 horas/aula
S586 - Trabalho de Conclusão de Curso II em Fisioterapia 36 horas/aula
TOTAL CBT 252 horas/aula
CONHECIMENTOS FISIOTERAPÊUTICOS S384 – Vivências Integradas em Fisioterapia I 72 horas/aula S385 - Vivências Integradas em Fisioterapia II 72 horas/aula S387 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas I 144 horas/aula S390 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas II 144 horas/aula S397 – Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas III 108 horas/aula
S399 – Fisioterapia na Saúde Funcional do Atleta 72 horas/aula
S539 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente I
108 horas/aula
S557 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso I 108 horas/aula
S559 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente II
108 horas/aula
S569 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso II 108 horas/aula
S574 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem I 108 horas/aula
S577 – Estágio Supervisionado em Fisioterapia I 144 horas/aula
S579 - Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso III 180 horas/aula
S583 - Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem II 72 horas/aula
S584 - Estágio Supervisionado em Fisioterapia II 360 horas/aula S585 - Estágio Supervisionado em Fisioterapia III 360 horas/aula TOTAL CF 2412 horas/aula
Fonte: UNIFOR, Curso de Fisioterapia, Projeto Político Pedagógico (2012).
Em relação às Diretrizes Curriculares para o Curso de Fisioterapia em seu artigo
4º aponta que a formação tem como objetivo dotar o profissional dos conhecimentos
requeridos para o exercício de competências e habilidades gerais, como:
I. Atenção à saúde: o profissional da saúde dentro do seu âmbito profissional deve estar
apto a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde,
tanto em nível individual quanto coletivo;
II. Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na
capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo efetividade, da
força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas.
Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar,
sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;
III. Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a
confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros
profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação
108
verbal, não verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma
língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;
IV. Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão
estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da
comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade
para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;
V. Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas,
fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e
materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem
empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e
VI. Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente,
tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde
devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação
e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando
condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais
dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/
profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.
Assim a formação de acordo com os conteúdos busca capacitar o fisioterapeuta
para tomada de decisões, liderança, trabalho em equipe, gestão e educação permanente no
âmbito de sua atuação profissional. Atualmente se requer do profissional, seja qual for seu
campo de atuação, um preparo não somente do ponto de vista do seu fazer profissional,
mas também para as mudanças que ocorrerão no mundo do trabalho e para isso é
necessária uma conscientização para uma formação continuada, ou seja, aquela que não
cessa tão somente pela aquisição de um diploma de graduação.
A UNIFOR em seu Projeto Pedagógico para o Curso de Fisioterapia tem como
objetivo geral “formar o fisioterapeuta de cunho generalista, crítico, reflexivo, com
habilidades e competências essenciais para atuar com autonomia, segurança,
responsabilidade, resolutividade e espírito de equipe em todos os níveis de atenção à
saúde, com base na ética, no rigor científico e intelectual, contribuindo para a cidadania e o
bem-estar social” (UNIFOR, PPP, 2012).
Em seu artigo 5º, as Diretrizes Curriculares para o Curso de Fisioterapia
apontam que a formação tem como objetivo também dotar o profissional dos conhecimentos
requeridos para o exercício de competências e habilidades específicas, como respeitar os
princípios éticos inerentes ao exercício profissional. A atuação do profissional deve
109
acontecer em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em programas de
promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e
comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o, além de atuar
multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema
produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de
ética.
O artigo 5º das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Fisioterapia preconiza o reconhecimento da saúde como direito e condições dignas de vida
e a atuação do profissional de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida
como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema, como habilidades e competências específicas, além de contribuir para a
manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade,
considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e
biológicas.
Quanto às ações do fisioterapeuta o referido documento aponta ainda que o
profissional pode realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados,
solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que
permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as
intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no
campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico,
reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica, e ainda elaborar criticamente o
diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo
espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais
implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas
áreas onde sua atuação profissional seja necessária.
De acordo com o artigo 5º, o fisioterapeuta deve exercer sua profissão de forma
articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição
social; desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de
saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito
de sua competência profissional; e ainda emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios,
além de prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus familiares
sobre o processo terapêutico. Salienta ainda a importância da manutenção da
confidencialidade das informações, na interação com outros profissionais de saúde e o
público em geral. E em casos específicos, aponta o encaminhamento do paciente, quando
110
necessário, a outros profissionais relacionando e estabelecendo um nível de cooperação
com os demais membros da equipe de saúde.
No tocante ao aparato tecnológico, o artigo 5º refere à manutenção do controle
sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo
sua qualidade e segurança e no âmbito da pesquisa, o referido documento sugere o
conhecimento de métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos
e científicos.
Perfazem-se ainda habilidades e competências específicas o conhecimento dos
fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes
modelos de intervenção.
E ainda em seu Parágrafo Único aponta que a formação do fisioterapeuta deverá
atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema
regionalizado e hierarquizado de referência e contrarreferência e o trabalho em equipe, o
que sinaliza a preocupação em formar profissionais que deem conta das demandas em
saúde atuais no contexto de práticas voltadas para a saúde coletiva bem como ações que
envolvam profissionais de outras áreas de atenção dentro de uma visão inter e
multidisciplinar.
Em relação às competências e habilidades específicas da formação, a UNIFOR
busca promover a formação de um profissional para uma atuação forma multi, inter e
transdisciplinar, a partir dos conhecimentos científicos básicos de natureza biopsicossocial e
ambiental vinculados à prática fisioterapêutica, reconhecendo a saúde como direito,
garantindo a integralidade da assistência fisioterapêutica. Quanto às ações próprias da
profissão o fisioterapeuta deve avaliar as alterações cinético-funcionais encontradas nos
diversos aparelhos e sistemas do corpo humano além de realizar ações fisioterapêuticas
nos três níveis de atenção à saúde, de forma humanística e global, a partir da realidade
sócio-político-econômico-cultural do ser humano. No âmbito social o profissional está apto a
participar ativamente nas instâncias de controle social, proporcionando o “bem viver”, o
saber fazer” e o “saber pleitear” os direitos da comunidade bem como atender ao cliente de
forma integral, ética e humanística, respeitando os limites da profissão, na busca da
resolutividade da disfunção do paciente diante das etapas terapêuticas (avaliação
Nas diversas áreas de atuação profissional, o fisioterapeuta planeja estratégias
de saúde funcional nas diversas áreas de atuação da Fisioterapia, baseadas nas evidências
111
científicas além de executar a prática fisioterapêutica em todos os ciclos da vida,
prevenindo, promovendo e recuperando a saúde, buscando o bem estar biopsicossocial. É
capaz ainda de exercer liderança, consultoria, auditoria e gerenciamento com
empreendedorismo nas diversas áreas de Fisioterapia e junto às entidades e serviços de
saúde, bem como executar métodos e técnicas fisioterapêuticas utilizando recursos com
habilidades e competências, observando as especificidades das disfunções cinéticas do
indivíduo.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da UNIFOR (2012), a formação do
fisioterapeuta baseada em competências e habilidades específicas prepara este profissional
para atuar com autonomia e segurança no processo de tomada de decisão junto à equipe
de saúde, respeitando a autonomia e competência dos outros profissionais; investigar e
elaborar pesquisas, considerando as mudanças do cotidiano, do conhecimento técnico-
científico dentro da realidade social, econômica, ambiental, cultural e política; comunicar-se
com os pacientes, familiares, membros da equipe de saúde, de modo a prestar
esclarecimentos, dirimir dúvidas, promovendo orientações acerca do processo assistencial
fisioterapêutico, usando técnicas apropriadas de comunicação.
O fisioterapeuta assim formado é capaz de, durante sua atuação profissional,
emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios técnicos para fins de acompanhamento
fisioterapêutico; buscar as informações necessárias a partir de laudos de exames
complementares para elaboração do diagnóstico e prognóstico cinético-funcional, auxiliando
na conduta fisioterapêutica; contribuir para sua capacidade de aprendizagem contínua,
mantendo o controle dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica,
garantindo sua qualidade e segurança; e conhecer os aspectos históricos, filosóficos e
metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes modelos de intervenção.
A atuação do fisioterapeuta ocorre em diferentes áreas de especialização, que
são: ortopedia e traumatologia, neurologia, pediatria, cardiologia, reumatologia,
pneumologia, gerontologia, ginecologia e obstetrícia, desportiva, oncologia, dermato-
funcional (estética), ergonomia, reabilitação de queimados. Por envolver uma gama de
conhecimentos, o fisioterapeuta poderá desenvolver sua prática profissional em hospitais,
clínicas, consultórios, centros de reabilitação, unidades de saúde coletiva, na educação, no
esporte, dentre outras. Daí a necessidade de uma formação com visão interdisciplinar, além
de uma formação generalista que dê suporte a uma atuação profissional nas mais diferentes
situações da prática.
A estrutura curricular do curso de Fisioterapia da UNIFOR atualmente apresenta
um desenho direcionado a três eixos de formação do profissional que perpassam os cinco
112
anos de graduação. São eles: Ser Humano e suas Relações; Cenários da Prática
profissional; Bases e Ações Técnicas Científicas da Saúde. Em cada um dos eixos há
módulos que contemplam áreas temáticas afins constituindo assim a proposta curricular do
curso. Cada módulo faz integração entre si dentro do mesmo semestre, bem como do
semestre anterior e posterior promovendo integração horizontal e vertical do processo
ensino aprendizagem.
A UNIFOR em seu Projeto Pedagógico do Curso de Fisioterapia (2012) forma o
profissional com perfil generalista, humanista, crítica e reflexiva capaz de atuar em todos os
níveis de atenção à saúde, com rigor científico e intelectual, apto a desenvolver: a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, com ênfase na promoção da saúde; a visão
global, respeitando os princípios éticos / bioéticos e culturais do indivíduo e da sociedade; a
capacidade para ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas
de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer
nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver e
restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico
físico e funcional; a eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a
cada situação.
Um dever do fisioterapeuta é conhecer e aplicar a ética em todos os seus
procedimentos. O Código de Ética do profissional fisioterapeuta e terapeuta ocupacional foi
aprovado pela Resolução COFFITO 10/1978. O Código de Ética representa um conjunto de
normas morais adotadas por um profissional para orientar escolhas consubstanciadas de
valores e de responsabilidade profissional. Assim, além do dever de exercer a profissão
legal e moralmente, o fisioterapeuta deve desenvolver uma consciência humana que o
permita ver no sujeito-paciente seu semelhante.
7.4.4 Estrutura Curricular do Curso de Fisioterapia da UNIFOR
O desenho curricular do curso de Fisioterapia da UNIFOR está direcionado por
três eixos de formação que perpassam os cinco anos de graduação (Ser Humano e suas
Relações, Cenários da Prática Profissional, Bases e Ações Técnicas Científicas da Saúde).
Em cada um dos eixos há módulos que aglutinam áreas temáticas afins que constituem a
proposta curricular do curso.
Cada módulo faz integração entre si dentro do mesmo semestre, assim como do
semestre ascendente com o descendente, promovendo a integração vertical e horizontal do
processo ensino-aprendizagem. A construção do currículo segue uma espiral ascendente de
113
complexidade dos níveis de atenção: da atenção básica para a atenção hospitalar, do
simples para o complexo, do geral para o específico.
O “currículo em espiral” apontado no Projeto Político Pedagógico da UNIFOR
(2012), significa que parte de uma intenção e o formando movimenta-se por diferentes
níveis de sequência e continuidade e esse movimento permite um avanço tanto progressivo
quanto gradual a níveis de conhecimento mais elevados. Traldi (1977) considera que esta
estrutura curricular apesar de estática é dinamizada pelas estratégias que forem colocadas
à disposição dos formandos. É “espiral” por que apesar de uma estrutura estática, torna-se
dinâmica pelas estratégias que permite que o formando avance em ritmo e em velocidade
de acordo com seu nível de amadurecimento. Acrescenta a autora ao referir-se a
organização do currículo em espiral nas escolas:
Desta forma, conhecendo o “quê” e o “como”, isto é, o conteúdo e as estratégias cuidadosamente selecionadas em função do “para quê”, isto é, das metas que a escola, como instituição social criada para transmitir-lhes conhecimentos, educá-los e levá-los a contribuir para com a sua realização pessoal bem como para o progresso da sociedade e do mundo em que vive, será possível fazer com que o educando adquira melhor domínio do conhecimento a ser adquirido, aprendendo os aspectos essenciais da matéria a ser estudada, fazendo melhor utilização dos conhecimentos adquiridos em situações novas e imprevistas, e oferecendo novos estímulos para novos descobrimentos desse domínio (TRALDI, 1977, P.213/214).
A inserção do aluno se dá desde o início do curso em sua prática profissional.
Essa inserção será realizada a partir de aproximações sucessivas às atividades práticas,
possibilitando a execução de tarefas de complexidade e responsabilidade crescente (PPP –
UNIFOR).
De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso de Fisioterapia da
UNIFOR (2012), cada módulo procura apresentar eixos integrativos do raciocínio do campo
de atuação da Fisioterapia com as necessidades de saúde dos indivíduos. Os três eixos
propostos, articulam-se orientados pela formação de profissionais fisioterapeutas
preparados para atuar adequadamente frente às necessidades da sociedade, capazes de
identificar sua história e seus determinantes e, acima de tudo, de se comprometerem
socialmente com esses indivíduos, atuando para a melhoria de suas condições de saúde e
de vida.
Observamos a proposta de ensino de Fisioterapia por módulos cuja proposição
curricular visa “liberar, o quanto possível, o trabalho do professor e dos alunos pela
flexibilidade e individualização de sua utilização”. Para tanto há a necessidade de um bom
planejamento do conteúdo programático assim como a boa definição de seus objetivos.
114
Sendo o ensino do curso de Fisioterapia da UNIFOR por competências, tal escolha de
organização curricular justifica-se. Segundo Traldi (1977, p.214):
(...) muitos classificam esse tipo de organização curricular como a do ensino por competência, porque nela, como facilmente se observa, a estratégia utilizada é a de se organizar sistemática e logicamente o ensino/ aprendizagem, com recursos e materiais adequados, níveis de dificuldades crescentes, objetivos claros para o aluno, fazendo com que ele cresça a seu ritmo próprio sem experimentar frustrações ou fracassos e caminhando com segurança na assimilação dos conteúdos previamente estabelecidos.
Traldi (1977) acrescenta ainda que os pressupostos básicos dos módulos de
ensino para competências são:
1. A aquisição de conhecimentos e/ou habilidades é mantida constante,
enquanto o tempo varia conforme as possibilidades, condições e/ou
capacidades do aluno;
2. A ênfase é colocada na saída;
3. O professor deve dizer claramente ao aluno o que quer e onde quer chegar;
4. O módulo de ensino é relativo ao critério mais ensino individualizado, em que
o aluno cumprirá ao máximo sozinho, uma série de atividades com um
mínimo de auxílio externo.
Os módulos ofertados no primeiro ano do curso de Fisioterapia da Universidade
de Fortaleza – UNIFOR apresentam um núcleo comum a oito cursos do Centro de Ciências
da Saúde – CCS, distribuído em seis módulos. Nos núcleos comuns, os estudantes se
organizam em turmas mistas, objetivando-se um maior conhecimento entre as diferentes
profissões e um preparo para o futuro trabalho em equipe (UNIFOR, PPP, 2012).
No 1º semestre tem-se como propósito inserir o estudante na Universidade, no
curso de Fisioterapia da UNIFOR, na dinâmica social das comunidades e aproximá-lo dos
diferentes cenários de práticas, que serão parte importante e ativa na construção do seu
conhecimento com os módulos Vivências Integradas em Fisioterapia I e Universidade,
Saúde e Sociedade. Nos módulos Dinâmica Celular e Sistema Reguladores serão
construídos o conhecimento sobre os fundamentos morfofuncionais do ser humano e sua
relação com o meio ambiente.
No 2º semestre, os módulos Ambiente e Hereditariedade e Sistemas de Defesa
dão continuidade à aprendizagem dos fundamentos morfofuncionais. Nos módulos
115
Vivências Integradas em Fisioterapia II e Diversidade Humana e Saúde Coletiva serão
fortalecidas a comunicação paciente-fisioterapeuta e a dinâmica biopsicossocial.
No 3º semestre iniciam-se os módulos Análise da Postura e do Movimento
Humano e Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas, que se repetem no 4º e no 5º
semestres, e o módulo I de Pesquisa e Ações Integradas em Saúde, que é uma sequência
dos módulos Universidade, Saúde e Sociedade e Diversidade Humana e Saúde Coletiva, do
primeiro ano do Curso, dando continuidade ao eixo Ser humano e suas relações, se
repetindo até o 8º semestre.
Em Pesquisa e Ações Integradas em Saúde, o aluno desenvolve atividades junto
à comunidade, havendo uma inter-relação entre os demais módulos do mesmo semestre.
Suas atividades vão variar em cada semestre, de acordo com o conhecimento construído
nas aulas. A interação com a comunidade ocorre em procedimentos na unidade, em
atividades de grupo nos diversos cenários sociais (escolas, creches, asilos, associações,
ONG, fábricas) e em visitas domiciliares.
Os três módulos de Análise da Postura e do Movimento Humano dão
seguimento aos quatro módulos (Dinâmica Celular, Sistema Reguladores, Ambiente e
Hereditariedade, Sistemas de Defesa) do eixo Bases e Ações Técnico-Científicas da Saúde,
aprofundando os conhecimentos da análise anátomofuncional, cinesiológica e biomecânica
do movimento humano, com ênfase nos elementos da unidade motora, biomecânica,
cinemática e cinética. O aluno terá oportunidade de estudar o movimento e a postura
humana e os aspectos correlacionados no contexto das atividades cotidianas, laborais e
esportivas, com relação aos seus componentes topográficos, funcionais, de avaliação e
imagem na elaboração do diagnóstico cinesiológico funcional.
Nos módulos de Recursos e Habilidades Fisioterapêuticas encontra-se um
espaço para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras, cognitivas e atitudinais em
situações simuladas, representando o cenário real e em prática real. Serão construídos
conhecimentos teóricos e práticos das técnicas e recursos manuais, físicos e equipamentos
utilizados na prática do profissional do fisioterapeuta, abrangendo terapias manuais,
cinesioterapia, hidroterapia, exercícios respiratórios, termofototerapia e eletroterapia, com
compreensão dos princípios biofísicos envolvidos, assim como os aspectos clínicos e os
efeitos fisiológicos destes sobre tecidos e sistemas, desenvolvendo as habilidades
fisioterapêuticas técnicas e cognitivas para a seleção destes recursos manuais e físicos, de
acordo com as fases de recuperação e faixa etária.
116
A partir do sexto semestre do Curso, dois módulos se repetem em cada
semestre até o oitavo: Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente e
Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso, que apresentam no eixo horizontal
uma integração entre si com os sistemas estudados no primeiro ano do Curso e com os
conhecimentos construídos nos módulos Análise da Postura e do Movimento Humano I, II e
III e Habilidades Fisioterapêuticas I, II e III e no eixo vertical, de acordo com a complexidade
do perfil do paciente e dos cenários de prática.
Nesses módulos, são observados aspectos integrativos e complementares das
áreas do conhecimento, e o foco continua sendo o ser humano como um todo,
biopsicossocial, e não um somatório de sistemas ou disfunções. Será dada ênfase ao
desenvolvimento de habilidades e competências específicas dentro da visão da assistência
fisioterapêutica.
Observamos a preocupação, registrada no Projeto Pedagógico, da compreensão
do sujeito-paciente enquanto ser biopsicossocial, o que revela a necessidade do olhar mais
atento as questões que extrapolam a esfera física, o conhecido, o palpável, o biológico, a
patologia, para um nível de entendimento fruto de uma reflexão crítica acerca da realidade
de vida desse sujeito-paciente e mais amplamente da realidade do contexto da saúde.
No módulo Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso I, o aluno, com
o conhecimento dos módulos anteriores, aprofundará sua habilidade na avaliação,
planejamento e intervenções fisioterapêuticas para adultos e idosos em atendimento
ambulatorial, a partir dos conhecimentos das afecções e alterações neurológicas,
ortopédicas, traumatológicas e reumatológicas (UNIFOR, PPP, 2012).
No módulo Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso II, mantém-se
a progressão relacionada à avaliação e a intervenções fisioterapêuticas, porém terá como
cenário de prática o ambiente hospitalar e aquático, com foco na saúde funcional do adulto e
do idoso em situação clínica e cirúrgica de origem neurológica, traumatológica, ortopédica,
reumatológica e tegumentar (UNIFOR, PPP, 2012).
O III módulo em Fisioterapia na Saúde Funcional do Adulto e do Idoso é
caracterizado pela inserção do acadêmico de Fisioterapia em atividades consideradas de
alta complexidade, necessárias para a formação do fisioterapeuta generalista que atuará na
assistência ao paciente crítico adulto e idoso, em unidade de terapia intensiva e no pós-
operatório de cirurgia torácica (UNIFOR, PPP, 2012).
Os módulos de Fisioterapia na Saúde Funcional da Criança e do Adolescente I e
II propiciam o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes relativas à saúde
117
funcional da criança e do adolescente, considerando os aspectos neuropsicomotores, a
avaliação fisioterapêutica, o diagnóstico e o prognóstico cinesiológico funcional, as ações
educativas, as doenças e os agravos clínicos e cirúrgicos no âmbito ambulatorial (módulo I)
e hospitalar (módulo II) (UNIFOR, PPP, 2012).
No penúltimo ano do Curso, inicia-se o estudo da saúde funcional da mulher e
do homem com os módulos: Fisioterapia na Saúde Funcional da Mulher e do Homem I e II.
O módulo I mantém a integração relacionada aos aspectos de anatomofisiologia do
assoalho pélvico, disfunções e afecções ginecológicas, uroginecológicas e do sistema
linfático, propicia o desenvolvimento de habilidades na avaliação do assoalho pélvico e das
disfunções dermato-funcionais faciais e corporais e a habilidade de promover assistência
fisioterapêutica ginecológica, uroginecológica e dermato-funcional e na saúde funcional do
homem (UNIFOR, PPP, 2012).
No segundo módulo, as discussões se intensificam com foco nas alterações do
ciclo grávidopuerperal e do climatério, a avaliação funcional e a assistência fisioterapêutica
obstétrica e ginecológica na atenção integral à saúde da mulher (UNIFOR, PPP, 2012).
Ao final do quarto ano do Curso, o acadêmico de Fisioterapia, pautado em uma
formação ética e humanística, deve ter a compreensão dos aspectos biopsicossociais do ser
humano e a integração do processo saúde e doença, estando aptos a cursar os Estágios
Supervisionados em Fisioterapia I, II e III, nos 8º, 9º e 10º semestres, respectivamente
(UNIFOR, PPP, 2012).
Os estágios são caracterizados por treinamento supervisionado em serviço, com
aspectos essenciais nas áreas de Fisioterapia Traumato-ortopédica e Reumatológica,
Fisioterapia Neurofuncional, Fisioterapia Gerontológica, Fisioterapia em Saúde do
Trabalhador, Fisioterapia na Saúde da Mulher e do Homem, Fisioterapia Cardiovascular e
Respiratória, Fisioterapia Pediátrica e Saúde Coletiva, devendo incluir atividades nos
diversos níveis de atuação (ambulatorial, hospitalar, comunitário), de complexidade e de
faixas etárias (UNIFOR, PPP, 2012).
Serão respeitadas as normas de supervisão de estágio de no máximo seis
alunos por turma, de acordo com as recomendações do Conselho de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (COFFITO) e do Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação
Superior do Conselho Nacional de Educação (CNS/CES) (UNIFOR, PPP, 2012).
Iniciando no oitavo e concluindo no último semestre do Curso, seguindo as
Diretrizes Nacionais, o estudante deverá elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso – TCC,
utilizando as experiências adquiridas nos módulos anteriores. O aprendizado da pesquisa no
118
currículo integrado do curso de Fisioterapia da Universidade de Fortaleza ocorre em todos
os módulos, nas atividades complementares e, principalmente, nos módulos de Pesquisa e
Ações Integradas em Saúde, que permeiam toda a matriz curricular. Neste percurso, várias
habilidades em pesquisa são exercitadas, como: definir problemas, elaborar hipóteses,
descrever justificativas, definir objetivos, construir instrumentos, conhecer os tipos de
estudo, organizar gráficos e tabelas, utilizar a estatística, discutir dados, analisar um artigo
científico e elaborar um projeto de pesquisa (UNIFOR, PPP, 2012).
Assim, à luz da organização curricular de Traldi (1977), podemos concluir que o
currículo do curso de Fisioterapia da UNIFOR segundo sua descrição e desenho
estabelecido pelo Projeto Pedagógico, é por competência, ou seja, requer ação. É saber
fazer sozinho e esta ação não é necessariamente motora, é também atitude. Esse currículo
apresenta-se com enfoque no conteúdo apresentando disciplinas integradas distribuídas em
módulos de ensino, tudo ocorrendo dentro de uma dinâmica, de um processo lógico e
sistemático de desenvolvimento no qual o formando aprenda por si. Esse currículo estrutura-
se em espiral, estático e dinâmico ao mesmo tempo, pois ao ser intencionalidade permite
que sujeitos “produzidos” por ele movimentem-se, experimentem diferentes possibilidades.
Desta forma, o currículo é produtor e produto ao estabelecer com a sociedade
uma responsabilidade de formar sujeitos para responderem a sua demanda, ao mesmo
tempo em que o campo de atuação nessa mesma sociedade vai determinando o perfil do
profissional formado por esse currículo. É um ir e vir. Dialética que ocorre. Por que não dizer
que há uma práxis? Teoria (currículo prescritivo) e prática (currículo em ação) que num
movimento dialético transformam e são transformadas.
119
8 RESULTADOS DA ENTREVISTA REFLEXIVA: A REALIDADE DA ATUAÇÃO
PROFISSIONAL EM FISIOTERAPIA E O CONFRONTO ENTRE FORMAÇÃO E
COTIDIANO DA PRÁTICA.
Este capitulo tem por objetivo refletir sobre a prática do profissional fisioterapeuta
e a percepção de integralidade do sujeito-paciente a partir da relação dialógica estabelecida
no contexto do atendimento clinico. Para tanto, realizamos uma pesquisa de abordagem
qualitativa do tipo fenomenológica. Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a
técnica de entrevista reflexiva com oito fisioterapeutas egressos da UNIFOR que atuam na
prática clínica. Os sujeitos estão assim apresentados: F1, F2, F3, F4, F5, F6, F7, F8.
Como dito anteriormente, o caminho percorrido para análise dos dados
coletados foi uma adequação da técnica de análise de conteúdo de Bardin, tal procedimento
exigiu uma leitura exaustiva e redução das falas dos entrevistados, com o objetivo de
organizá-las em unidades de significados, identificadas por eixos e por fim, em categorias, o
que facilitou a análise e o entendimento das mensagens. Importante ressaltar que no
momento de organização dos dados coletados para um melhor entendimento e apreciação
dos mesmos, enquanto pesquisadoras exercemos o pressuposto fenomenológico ao
estabelecer os eixos.
As categorias apresentadas a seguir foram construídas à posteriori e foram
oriundas da imersão no empírico. E ainda, tanto os eixos quanto as categorias foram
construídos mantendo a fidelidade às ideias expressadas pelos sujeitos, resultando na
construção do quadro apresentado a seguir.
120
QUADRO 7 – Unidades de significados, eixos e categorias gerais.
UNIDADES DE SIGNIFICADOS EIXOS CATEGORIAS GERAIS
- Experiência como ponto de partida para as ações da prática profissional;
- Significados atribuídos à prática clínica;
- Modelo biomédico de formação; - Formação pautada no tecnicismo; - Currículo prescritivo não prepara
para lidar com aspectos subjetivos; - Formação continuada; - Realização profissional.
- Limites e possibilidades do diálogo durante o atendimento clínico;
- A importância do vínculo; - O amadurecimento e a objetividade
na comunicação; - O sucesso no tratamento a partir de
uma empatia inicial.
Relação dialógica no contexto da prática
clínica em Fisioterapia
- Diálogo - Empatia - Vínculo - Somatização
- Compreensão das dimensões funcional, psicológica, afetiva, social e religiosa do sujeito-paciente;
- Visão do paciente de forma humanizada;
- Compreensão holística.
Dimensões biopsicossocial e
religiosa do sujeito-paciente
- Integralidade do sujeito-paciente;
- Humanização
Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).
Organizamos durante a segunda fase, as categorias e sua descrição analítica.
Para tanto foi necessária a identificação das sínteses, convergências e divergências de
ideias que estivessem ligadas ou não ao referencial teórico deste estudo. Assim, um novo
quadro foi construído, mantendo-se os eixos temáticos que desde o primeiro momento
nortearam as ideias e as mensagens, porém sintetizando as categorias (de gerais para
específicas), que a partir de então embasaram a análise dos dados desta investigação.
121
QUADRO 8 – Unidades de significado, eixos e categorias específicas.
UNIDADES DE SIGNIFICADOS EIXOS CATEGORIAS ESPECÍFICAS
- Currículo prescritivo não prepara para lidar com aspectos subjetivos
- Modelo biomédico de formação - Formação pautada no tecnicismo - Experiência como ponto de partida
para as ações da prática profissional - Formação continuada - Significados atribuídos à prática
clínica
Prática profissional em Fisioterapia
- Racionalidade técnica - Saberes da experiência
- Limites e possibilidades do diálogo durante o atendimento clínico
- A importância do vinculo - O amadurecimento e a objetividade
na comunicação - O sucesso no tratamento a partir de
uma empatia inicial
Relação dialógica no contexto da
prática clinica em Fisioterapia
Diálogo Vinculo
- Compreensão das dimensões funcional, psicológica, afetiva, social e religiosa do sujeito-paciente
- Visão do paciente de forma humanizada
- Compreensão holística
Dimensões biopsicossocial e
religiosa do sujeito-paciente
Integralidade do sujeito-paciente;
Humanização
Fonte: dados trabalhados pela pesquisadora (2015).
Optamos por aprofundar nossa análise a partir das categorias específicas
encontradas nesse estudo, extraídas dos discursos dos sujeitos. Apresentamos a seguir os
resultados, organizados em três eixos, a saber: prática profissional; relação dialógica; e,
integralidade, conforme as mensagens dos sujeitos.
I – EIXO: Prática Profissional em Fisioterapia
O primeiro eixo constitui o contexto da prática do profissional em Fisioterapia. O
âmbito da prática do fisioterapeuta nos remete ao currículo em ação11 onde observamos o
cotidiano do fazer profissional. Nesse momento percebe-se formação e ação num
movimento dialético, onde profissionais efetivam o aprendido através do currículo prescrito12
e a demanda da prática, ou seja, o escrito e o vivido de maneira real. Segundo Pimenta;
Anastasiou (2002, p. 182): “A realidade e as práticas são sociais, construídas, recriadas
individualmente e coletivamente. Na educação, a prática se constitui por meio da
11 O currículo em ação perfaz-se o currículo real que emerge no cotidiano de formação profissional/educacional a
partir do que é de fato efetivado 12 O currículo prescrito caracteriza-se como currículo oficial, regulamentado pela esfera político-administrativa responsável por uma estrutura organizacional escolar, ou seja, relaciona-se aos aspectos formais.
122
continuidade proporcionada pelo diálogo entre as ações presentes e passadas dos
indivíduos. A prática gera prática”.
É durante a prática que o fisioterapeuta vivencia o contato com o mundo da
profissão e seus significados. É nesse contexto que a relação com o paciente acontece.
Constatou-se aqui que os sujeitos ao falarem sobre a prática da profissão se remetiam a sua
formação no sentido de afirmarem que a demanda exige ações especificas que a formação
não deu conta. São aspectos subjetivos (relacionais) que o currículo formal não contemplou
e que só emergiram quando do contato com o paciente.
Percebemos ao longo dos depoimentos que os sujeitos se referiam à sua prática
como um momento de realização ou até de adequação de técnicas. E ainda ao abordarem
suas experiências enquanto fisioterapeutas lembravam-se de sua formação no sentido de
justificarem tal enfoque cujo conteúdo do ensino é embasado em conhecimentos científicos
e tem por finalidade a transmissão de conhecimentos produzidos pela pesquisa científica.
A relação terapeuta/paciente é uma relação delicada e que não fomos preparados para isso. Não fui formada para isso. Não tive uma formação específica. Na realidade quando muito você tem algumas disciplinas que te sensibilizam. A minha formação foi muito voltada para a parte técnica e você enquanto aluno começa a valorizar a parte técnica. F1 A prática tem uma dimensão muito grande para nós que somos fisioterapeutas e viemos de uma formação extremamente tecnicista. F3 A minha formação foi voltada mais pro pragmático. Foi mais tecnicista que humanista, com certeza. F6
Remetemo-nos, portanto à concepção de racionalidade que segundo Giroux
(1986), representa um conjunto específico de pressupostos e práticas dentro de um contexto
social que estabelecem a relação entre o micro (indivíduo ou grupo) e o macro (sociedade),
trazendo consigo um conjunto de interesses que orientam a maneira o mundo é visto e
compreendido.
Lira (2010), ao basear-se na teoria crítica de Giroux, aponta que os modelos
educacionais surgem permeados de três racionalidades, a saber: técnica, hermenêutica e
emancipatória. Segundo o autor, a racionalidade técnica considera as dimensões
controláveis assim como a perspectiva de certificação, caracterizando-se por validação
empírica; pretensão de neutralidade dos valores; lógica linear dos processos; possibilidade
de prognóstico do processo educativo. Assim a racionalidade técnica presente na formação
conduz a práticas também que priorizam a técnica como afirma F5:
A minha pratica clinica é voltada para o tratamento de dores físicas, dores
articulares na coluna. Trabalho com técnicas ditas globais que não
123
envolvem o psicológico. Durante a minha prática eu converso muito com
pacientes e identifico muitos problemas sociais e familiares, porém as
minhas técnicas, o meu atendimento é cem por cento tratamento físico me
volto a tratar aquela dor que o paciente apresenta no corpo. Muitas vezes
indico um psicólogo, alguém habilitado para trabalhar com esses outros
problemas apesar de muita conversa e de entender que existem outros
problemas associados, meu trabalho é puramente físico, cem por cento das
minhas técnicas são voltadas para reabilitação do corpo. F5
Percebemos aqui a presença do modelo biomédico de formação presente no
curso de Fisioterapia. Tal modelo de formação valoriza a dicotomia corpo/mente,
fragmentando assim o corpo e situando o olhar para tratamento de partes específicas. O
modelo biomédico encontra-se firmemente assente no pensamento cartesiano ao relacionar
ainda o corpo do paciente com uma máquina. Pensamos que ao concentrar o olhar em
partes cada vez menores, perde-se a visão do sujeito-paciente como um todo, ou até
mesmo enquanto ser humano.
A gente via pedaços do corpo, é uma dor no ombro, é uma dor no joelho. A gente sempre via como um corpo talvez desprovido de sentimento, mas com presença de dor, de limitação. A gente botava o foco mesmo pra esse tipo de reabilitação de uma parte do corpo como se fosse separado do emocional do paciente, do ser mesmo. A gente trabalha muito pedaços de corpos e foi pra isso que a gente foi treinado, na verdade foi formado. F5 A formação que eu tive sempre me dirigiu pra um olhar muito em cima de uma patologia especifica. Um joelho doente, uma coluna doente, um ombro doente. F7
Portanto, em se tratando de modelo biomédico, tanto o sofrimento quanto o
adoecimento são aspectos pouco explorados, uma vez que tal modelo e consequentemente
sua forma de abordagem terapêutica reduzem o humano a parte doente, ou seja, o mais
importante é a doença e não o todo. Assim, Cutolo (2006), aponta que ao comparar o
homem a uma máquina, tendo a definição de saúde enquanto ausência de doença e
voltando-se para a fragmentação do humano, perde-se a visão holística do homem, suas
dimensões psicológicas e sociais, voltando a atenção para a doença e sua cura.
O modelo biomédico tem se caracterizado pela explicação unicausal da doença, pelo biologicismo, fragmentação, mecanicismo, nosocentrismo, recuperação e reabilitação, tecnicismo, especialização (CUTOLO, 2006, p.16)
A prática mostrou uma realidade além daquela abordada durante a formação, o
que levou profissionais a ressignificarem suas ações a partir de formações continuadas e
saberes que são acumulados com a experiência profissional. Diante disto, concordamos
com Pimenta; Lima (2004) quando afirmam que a “dinâmica de formação contínua
124
pressupõe um movimento dialético, de criação constante do conhecimento, do novo, a partir
da superação (negação e incorporação) do já conhecido”.
Enquanto aluna eu me vi durante uma formação inteira sabendo o que precisávamos aprender o que era necessário para melhorar a condição de dor a amplitude articular caminhada equilíbrio e coordenação enfim todas as questões que eram voltadas, o que era relacionado a sua condição física. (...) por causa de um instinto de curiosidade ou de necessidade de algo mais, a vida foi me levando por alguns caminhos onde eu entendia que eu precisava conhecer um pouquinho mais aquele individuo que não era só um paciente ele era uma pessoa (...) o que me levou a uma trajetória onde a minha formação deixou de ser só na Fisioterapia, pois não existia essa possibilidade de fazer um tratamento e cuidar só das suas limitações físicas e que ele precisava de outro suporte que era exatamente estabelecido através dessa minha relação com ele. F3 Hoje com a minha formação de mais de dez anos eu consigo ter uma relação maior com o paciente. Hoje eu sinto que eu conheço mais o corpo humano e por isso eu mostro mais segurança, eu sinto hoje o paciente se mostra mais, se entrega mais, por eu ter esse acumulo de experiência nesses anos. F5 A prática clínica em Fisioterapia é um momento de grande crescimento pra mim por que eu atendendo aquele paciente idoso queira ou não queira eu me transporto para um dia estar naquele papel de paciente, de idoso e trabalhar dentro do possível a sensibilidade de saber lidar com ele. F7
Ao relatar sobre sua prática profissional, F3 mencionou o movimento que existe
entre a realidade do fazer da profissão e a bagagem teórica advinda da formação. Sua fala
nos remeteu ao movimento dialético presente entre teoria e prática e ainda ao papel da
teoria na epistemologia da prática, o qual proporciona condições de análise dessa mesma
realidade para que se possam compreender os aspectos relativos à sua prática, assim como
seus determinantes, o que se configura, a nosso ver, essencial. Assim, à luz da teoria é
possível desvelar o real a partir de subsídios para sua análise. Portanto, o papel da teoria é
oferecer perspectivas de análise de contextos sejam eles, históricos, sociais, culturais e
também àqueles próprios referentes ao como e onde se dá a efetivação do fazer profissional
em Fisioterapia.
Muitas coisas que a gente percebe no dia a dia em contato com essa relação sujeito-paciente elas vão se agregando aquilo que a gente traz da teoria então essa percepção de quem é essa pessoa que a pessoa necessita, o que a pessoa precisa é algo que não vem na teoria que a gente começa a perceber a partir da fala, da escuta que a gente faz a partir dessa relação então os saberes da experiência vão se agregar a prática e a partir do momento que a gente amadurece a escuta e a leitura que gente faz dessa escuta, esse pedido que muitas vezes é um pedido de ajuda que é uma saúde mental, emocional e que às vezes o trabalho que a gente faz ajuda a condição da alma. F3
125
Entre os sujeitos entrevistados, apenas um se reportou à realidade da
Fisioterapia enquanto categoria profissional. Seu sentimento de que a profissão não recebe
a valoração que necessita ficou muito claro no seu depoimento. Expressou ainda a
“subserviência” de fisioterapeutas a determinações de empresários de clínicas que não
garantem o salário desses profissionais em relação ao número de horas trabalhadas.
A nossa profissão ficou muito aquém da importância dela. Eu vejo que a Fisioterapia hoje não tem uma perspectiva, talvez com nossos egressos com uma luta muito grande, mas infelizmente nossa categoria talvez pelo que ela lutou ela ganhou muito pouco do que ela deveria. Eu não vejo esse profissional com boa perspectiva. F2
Este depoimento em especial nos chamou atenção e nos fez pensar acerca da
condição real de trabalho de muitos profissionais da Fisioterapia. Tal reivindicação é para
nós extremamente válida. Porém vale refletir sobre o papel do fisioterapeuta e seu campo
de atuação. É necessário fazer valer o reconhecimento e aqui abrimos para um
questionamento sobre que atuação este profissional desempenha que o faz importante e
organizado em categoria de classe que luta por seus direitos e garantias? Embora com o
advento do SUS que no campo paradigmático vem reorientando as práticas de atenção à
saúde, a Fisioterapia ainda concentra a grande maioria das suas ações na recuperação da
saúde dos indivíduos, ou seja, na reabilitação.
Acreditamos que a Fisioterapia não se resume ao campo de atenção terciária.
Apesar de somente a partir da década de 1980 a formação em Fisioterapia ter incorporado a
promoção à saúde e a prevenção de agravos, e assim redefinido seu objeto de trabalho.
Vale ressaltar que o que se espera é que esse profissional esteja apto a atuar nos diferentes
níveis de atenção. Devemos (e aqui me incluo), romper com essa concepção de reabilitação
enraizada nas nossas atuações e depoimentos advinda da própria história do surgimento da
Fisioterapia e também da cultura criada e recriada a partir das práticas da profissão.
Retomando a prática enquanto momento de contato com o sujeito-paciente e
pontuando a relação dialógica que ali acontece, a integralidade surge como aspecto também
importante em atuações que não se restrinjam a atendimentos dos já doentes. Ao promover
a saúde ou ao prevenir agravos, o fisioterapeuta aborda condições de saúde-doença
relacionadas ao contexto de vida daqueles que buscam atenção e cuidado, caracterizado
por Neves e Aciole (2010), enquanto uma compreensão filosófica e também uma atitude
prática em relação ao sentido de uma ação integral, pautada na construção de projetos
terapêuticos onde a relação profissional-paciente é dialógica, buscando ainda um tratamento
que seja relevante e possível de ser viabilizado, além de compreender o indivíduo no âmbito
familiar e no contexto social no qual está inserido.
126
II – EIXO: Relação Dialógica no Contexto da Prática Clínica em Fisioterapia
O diálogo no contexto da prática em Fisioterapia surge como facilitador de uma
compreensão do outro para além da condição clínica. Percebemos que o romper com a
distância compreendida entre a situação clínica e a condição de sujeito do paciente
requisitou atitudes advindas de um conhecimento que perpassa ambiente acadêmico. É no
dia a dia da profissão que o contato com o paciente acontece e com ele toda história de vida
desse sujeito-paciente e sua posição e relação no mundo.
O diálogo é um dos eixos principais e fundantes da teoria de Paulo Freire. De
acordo com Almeida (2008), diálogo em Freire é “nascido na prática da liberdade, enraizado
na existência, comprometido com a vida que se historiciza no seu contexto”. Para Paulo
Freire, o diálogo é tratado como fenômeno humano. Segundo o autor: “se nos revela como
algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na
análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar,
também seus elementos constitutivos” (FREIRE, 2005, p.89).
Almeida (2008) acrescenta que não há palavra que não seja práxis, ou que não
surja dela. Na dialogicidade estão sempre presentes as dimensões da ação e da reflexão,
pois ao pronunciarmos o mundo mostramos que humanamente existimos e, se existimos,
agimos e modificamos o mundo dado.
A Fisioterapia apresenta uma vantagem enquanto promotora de conhecimento
desse sujeito-paciente por ser uma profissão que permite na maioria das vezes, muitos
encontros e um tempo prolongado de terapia. O diálogo aqui é estabelecido evidenciando a
necessidade de aproximar-se com o outro e perceber o olhar que este sujeito tem em
relação à sua vida e seu mundo. Considerar tal momento perfaz um conhecimento conforme
expressado em falas anteriores, para além da formação acadêmica. É no ambiente da
prática que a intersubjetividade acontece. De acordo com Subtil et al., (2011):
Nesse panorama, o desenvolvimento do relacionamento entre fisioterapeuta e paciente apresenta-se como algo natural e muito provável de acontecer entre essas partes, visto que o tratamento em questão apresenta fatores favoráveis ao surgimento de um relacionamento interpessoal, tais como: longo período de convivência, estímulos táteis prolongados e comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico (p. 747).
Sabemos, no entanto que a relação estabelecida entre fisioterapeuta e sujeito-
paciente perfaz-se fator fundamental para o sucesso da reabilitação. É peça-chave para a
continuidade do tratamento e ainda que a relação que se constrói entre esses sujeitos, um
127
na posição de quem trata e o outro na de quem é tratado, deve ser permeada por respeito,
empatia, carinho atenção e capacidade de escuta.
De acordo com Freire (2005), o mundo humano, cultural e histórico, é postulado
como um mundo de comunicabilidade tendo como característica principal a
intercomunicação ou a intersubjetividade. Trata-se, então de uma comunicabilidade
relacional dialógica que implica numa “reciprocidade que não pode ser rompida” (p.67), uma
vez que não há nesta relação sujeitos passivos.
Antes havia uma barreira eu não conseguia me comunicar muito bem. A minha forma de abordar o paciente depois de toda a minha vivência e meu diálogo, é uma forma mais madura e objetiva. Então essa forma de ter um diálogo com ele eu vejo que amadureceu muito. F2 Na minha experiência ao tratar gestantes, vi que nenhum paciente deve ser tratado como outro. Uma gestante nunca é igual a outra porque traz consigo toda uma história de vida e muitas vezes eu tinha que parar o atendimento e sentar pra ouvi-la. Pra ouvir qual o problema dela, o que ela tava trazendo de casa, o que tava incomodando. Às vezes o paciente chega pra você com um histórico de muita dor e não sabe de onde é que vem e na verdade o que ele precisa é de ser escutado, de ser acarinhado com palavra. E eu já tive bons resultados. Já tratei uma paciente com síndrome do pânico e eu percebi que a grande necessidade dela era conversar, dialogar. F6 Então antes desse paciente fazer um exercício ele é questionado sobre como ele passou a noite, como ele está, qual a necessidade dele naquele momento e a partir daí eu consigo entender que a gente consegue estabelecer um vinculo de mais maturidade pra que essa dialógica possa começar a existir e esse papel de profissional que passa a ser um profissional que escuta, um paciente sujeito que pode falar dentro de um espaço que pode ter um diálogo quer dizer eu falo, alguém responde, alguém fala, eu respondo, ouvindo e trazendo respostas e dúvidas que tem espaço pra isso que favorece a terapêutica física porque a gente sabe que físico sem mente não funciona. F3
O diálogo perfaz-se uma exigência existencial. É encontro entre aqueles que ao
pronunciarem o mundo podem transformá-lo. Assim, quando não há um diálogo verdadeiro,
não há encontro, amorosidade e respeito. De acordo com Freire:
O diálogo é este encontro dos homens, imediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão porque não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito” (Freire, 2005, p. 91).
O diálogo por sua vez promove o aparecimento de uma característica tão
necessária e ao mesmo tempo tão presente entre os profissionais da Fisioterapia: o vinculo,
caracterizado como uma forma de se relacionar com o outro na perspectiva de manter-se
ligado seja emocional ou comportamentalmente. O vinculo afetivo apresenta-se aqui na
relação fisioterapeuta/sujeito-paciente como uma expressão de segurança e apoio no
128
momento de fragilidade quanto a situação de saúde ora enfrentada. Para que seja
estabelecido, o vinculo exige tempo, doação e muitas vezes resoluções de dificuldades por
parte daquele que trata, nesta pesquisa, o profissional fisioterapeuta. De acordo com
Berenstein (2004), vínculo é definido como uma ligação estável entre dois sujeitos, que leva
a privilegiar e dar status à presença do outro real como produtor contínuo de subjetividade.
Tal condição perfaz-se imprescindível para que os objetivos funcionais do tratamento sejam
atingidos.
Às vezes você tem um profissional que tecnicamente não é tão bom, mas tem uma capacidade de relacionamento com o paciente, uma conquista do paciente que faz toda a diferença e o paciente não quer aquele terapeuta e sim o outro, pois ele cria um vinculo, mas se tem que ter cuidado para que esse vínculo não rompa a barreira terapeuta/paciente, mas ao mesmo tempo é um vinculo de respeito de amizade de responsabilidade e com jovens muito imaturos é difícil trabalhar, formar a criatura durante um curso de cinco anos para isso, logo você tem que formá-lo tecnicamente bem. Se você vai tratar alguém que goste de você, que lhe respeita que reconhece você como um profissional cuidadoso que tem contato com você aí seu objetivo é alcançado mais facilmente e mais rapidamente. F1 Em todos os momentos se estabelece vinculo com o paciente. Desde o primeiro momento quando entra para avaliação no toque de mão se nota se a pressão está mais baixa, se tá com medo, se tá com medo da consulta. Alguns têm medo só em estar perto de profissionais da área da saúde. Então ai a gente já vai direcionando, já vai vendo também até que ponto a gente pode entrar um pouco na vida do paciente, na parte emotiva, ou não. O próprio paciente estabelece esse limite ao profissional. F4 Quando consigo mudar estilos de vida, hábitos, pensamentos, conceitos e quando necessário encaminho para psicólogo, nutricionista, educador físico, outros especialistas, acaba que quando o paciente percebe que você cuida realmente dele e tem toda essa atenção então se gera um vinculo que é pra vida toda. F8
Vamos criando laços desde o primeiro momento. Então há esse vinculo e a
gente procura compreender esse paciente e todo o contexto em que ele
vive e ai você vai desenvolvendo suas relações com ele e procurando
atender dentro do possível, as suas necessidades. F7
Percebemos que a relação é descrita como uma amizade com características
profissionais, com a formação de forte vínculo. Vale ressaltar que algumas falas abordaram
o cuidado de se estabelecer um limite acerca desse relacionamento, ou seja, que o mesmo
não deve ultrapassar a “barreira profissional”. Consideramos, no entanto, que independente
de como esse vinculo é caracterizado ele é percebido como fator essencial no processo de
tratamento.
Porém há situações em que a relação dialógica não é favorecida. Seja muitas
vezes pela condição clinica do paciente, seja pela característica do atendimento profissional
129
que, por produção, o fisioterapeuta não se permite longos períodos de escuta. Como
relatam os sujeitos a seguir:
Na nossa prática profissional quando se trabalha em hospital e a gente tem que ganhar por produtividade você não tem muito tempo pra isso e você chega pro paciente e dá um “bom dia, como o senhor está?” e o paciente quer contar toda a sua história de vida e se você for ouvir toda a história de vida de todos os pacientes num hospital, numa manhã, não dá. Às vezes eu ouvia, compreendia a necessidade dele e tentava fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ia conversando, dialogando e ia tratando. Eu não tinha como parar e somente dialogar e ia fazendo a fisioterapia motora e ia ouvindo. Isso ajudava. F6
Quando se trabalha em hospital a coisa fica mais limitada porque você tem um numero pré-estabelecido de atendimentos que são necessários e tanto os outros profissionais como os outros colegas cobram de você então termina que você não tem muito tempo para empregar, investir numa visão tão holística desse paciente. Você tem um trabalho muito pontual. Você chega e atende pacientes que não tem muita interação, pois são pacientes que estão entubados, estão ventilados mecanicamente, estão sedados e há uma dificuldade de se olhar esse sujeito de maneira integral. Você não tem muito tempo para ver uma visão muito holística do paciente. Você termina tendo o contato pele, contato manual, mas o verbal, o contato de cognição de troca de ideias é muito pouco. A não ser o trabalho em enfermaria e ainda assim é estabelecida a quantidade de pacientes para o tempo que você tem para isso, o número de atendimentos. Pode ocorrer numa clinica e dependendo da clinica e do objetivo da clinica. E lá você tem uma rotatividade muito grande, pois para se ter lucro você precisa atender muito em pouco tempo e aí como você vai dar tanta atenção assim? F1
É importantíssimo manter um dialogo com o paciente que às vezes com o dia a dia, com a correria das atividades a gente não consegue estabelecer um dialogo muito profundo, às vezes esse diálogo fica muito na superficialidade, mas é super importante sentar, conversar com ele, saber ouvir e por em prática o que se puder tirar daquela conversa para melhorar o tratamento dele. F4
Apesar de considerarem a importância do diálogo e a partir dele o entendimento
das dimensões físicas, psíquicas e sociais do sujeito-paciente, para que o cuidado integral
seja de fato efetivado, os sujeitos aqui demonstram a dificuldade e por que não dizer a
impossibilidade de realizar uma prática que favoreça a abordagem integral do sujeito-
paciente. Pois na realidade de trabalho exercido principalmente em âmbito privado, o tempo
dispensado aos pacientes é reduzido, pois a produtividade e o lucro são a prioridade nessas
esferas de atuação.
Percebemos um desencontro entre a fala e a prática da atividade profissional,
pois com vistas ao lucro não há tempo suficiente para uma anamnese13 mais detalhada ou
13 O termo anamnese segundo o dicionário Aurélio significa figura de retórica pela qual fingimos lembrar-nos de
uma coisa esquecida; reminiscência; restabelecimento de memória. Em situações de consulta com profissionais da saúde a anamnese é o momento o qual os pacientes referem sua história da doença atual, apontando queixas, princípio e evolução da doença.
130
ainda a oportunidade de dedicar alguns minutos a mais para escutar esse sujeito-paciente.
Tal desajuste explica-se a partir do momento em que um único profissional fisioterapeuta
tem que atender vários pacientes por hora de tratamento, o que torna difícil oferecer uma
abordagem efetivamente integral. Caprara e Rodrigues (2004) apontam que o ritmo intenso
de trabalho de profissionais de saúde aliado à necessidade de atender o maior número
possível de pacientes contribui para a perpetuação do modelo biomédico de atenção à
saúde.
III – EIXO: Dimensões Biopsicossocial e Religiosa do Sujeito-paciente
A noção de integralidade entre os sujeitos desta pesquisa os remeteu a
dimensão holística14 do sujeito-paciente. Ou seja, as dimensões biopsicossociais foram
apontadas por todos os sujeitos entrevistados e sua compreensão se estabelece a partir do
conhecimento das suas dimensões biológica (aqui, no contexto da realidade da prática em
Fisioterapia, nos remeteremos à funcionalidade), emocional, social e, religiosa. Pois em se
tratando de saúde, o aspecto religioso muitas vezes determina o olhar que o sujeito-paciente
tem em relação à sua condição clínica e como ele aceita o tratamento.
Várias foram as dimensões apontadas pelos sujeitos da pesquisa: funcional,
social, religiosa, psicológica. Sendo, portanto esta última a mais intensamente abordada
durante as entrevistas. Acreditamos por ser considerada absolutamente determinante de
situações clínicas que extrapolam o conhecimento técnico científico dos sujeitos.
Por conta do primeiro contato a primeira dimensão é a funcionalidade dele que foi interrompida por um problema biológico e físico. Mas ele é um ser humano que precisa de uma atenção que é a dimensão psicológica. F1 Como meus atendimentos se dão no domicilio do paciente, então observando todo o contexto de vida dele, como e que ele mora como se relaciona, como eles vivem, com quem eles vivem e na situação especifica dos idosos que eu atendo, eles passam muito tempo com o cuidador e a presença do familiar não que não queira, muitas vezes pela dinâmica da vida, sua família nuclear é muito reduzida no sentido de cônjuge, ou é viúvo ou é solteiro, se tem filhos, os filhos já constituíram família, então o que eu percebo é muita solidão. F7 Pensando de uma maneira macro, o paciente tem um problema e busca o profissional para resolver, porém o fisioterapeuta deve ter em mente o principal contexto em que vive o paciente na qual irá atender. Por exemplo, o paciente que tem um acidente vascular encefálico, pode ter condições financeiras e andar com um motorista para se locomover, mas ele poder ter um poder aquisitivo de baixa renda e andar de ônibus. As abordagens nos dois casos infelizmente por mais que a doença seja a mesma, o dia a dia de
14 Holismo, do grego holos: total, completo. É uma doutrina que considera que a parte só pode ser compreendida a partir do todo, que privilegia a consideração da totalidade na explicação de uma realidade sustentando que o todo não é apenas a soma das partes, mas possui uma unidade orgânica (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1989, p.122).
131
cada um não é. O fisioterapeuta deve compreender essas diferenças antes de tratá-los. F2 Se esse paciente mora sozinho porque os filhos moram fora; é uma família de poder aquisitivo alto e supre o material para que não falte nada esse paciente vai ter uma carência emocional por conta de viver muito só. Isso é fato. É o que a gente vê. Ou muitas vezes o paciente tem o suporte afetivo da família, mas não tem as condições materiais de manter aquilo que é necessário para o bem estar dele. A gente precisa saber aprender e manter esse equilíbrio. F3 Compreendo essa analise social dele, como faço atendimento assistencial, de paciente que nem sempre tem boa condição financeira, eu faço uma análise das condições dele, se ele vai ter condição de subir uma escada, se ele vem de carro, se vem de ônibus. F4 Se a gente não tivesse essa vivência ou forma de visão diferenciada. (...) se você me perguntar se eu tive essa visão na faculdade. Eu não tive. Criança era criança, o pé torto congênito era um pé torto congênito e aquela criança tinha alteração no desenvolvimento e só. Hoje eu entendo que essa criança vai sofrer bullying, aquela mãe vai sentir uma rejeição. Aprendi vivendo. F2
De acordo com os sujeitos a dimensão religiosa contempla a forma como o
sujeito-paciente encara a doença ou incapacidade; no que ele acredita e a partir disso
apostar no tratamento de maneira otimista.
Depende muito do humor dele e depende inclusive da religiosidade dele, de como ele encara a doença, a vida, as coisas se ele acredita que é um castigo, ou acredita que ele merece aquilo, se ele se revolta e não adianta fazer nada. F1 Compreender essas questões socioculturais, econômicas e às vezes até religiosa. A maneira que ele encara sua doença ou patologia pra dar continuidade ao tratamento sem interferir ou que essa condição patológica não venha intervir na vida social dele. F4
O cuidado integral perpassa aspectos que envolvem a tomada de decisões do
profissional. Segundo Subtil et al., (2011), cuidar integralmente de um indivíduo significa
percebê-lo como um ser social, físico e emocional, que carrega consigo todos os medos,
angústias e frustrações por estar doente naquele momento. Ainda segundo os autores:
(...) um indivíduo busca o serviço do centro de reabilitação carregando consigo uma série de sentimentos, perspectivas, emoções, dores e angústias que podem, na maioria dos casos, se aproximar ou estar relacionadas de alguma forma ao adoecimento de ordem física (2011, p. 750).
Assim, o sujeito-paciente apresenta-se como portador de uma história, uma
personalidade única e experiências de vida que também influenciam no seu modo de ser,
agir, sentir e reagir em relação à doença ou incapacidade ora apresentada. Considerar essa
junção de aspectos tão relevantes e determinantes no processo de adoecimento e
132
consequentemente no tratamento é essencial. Para Silva; Viana e Paulino (2011), o foco no
modelo biopsicossocial não é apenas a doença em si e o tratamento dela, mas todos os
aspectos que se encontram diretamente relacionados ao fenômeno do adoecer, sejam eles
fisiológicos, psicológicos, sociais, ambientais, dentre outros, os quais também devem ser
considerados para que o tratamento seja eficaz. Portanto quanto à noção de integralidade
do sujeito-paciente, os sujeitos apontaram:
É você olhar o paciente como uma pessoa e não como um problema focal. F1 Eu acho que é procurando dentro do possível atendê-lo em suas necessidades, em todas as suas dimensões, não só no biológico, mas no econômico, no social, no afetivo e emocional. F7 O compreender significa o entendimento do que a doença tá trazendo para esse paciente, de saber entendê-lo na sua patologia, a dificuldade que ele tá tendo não só na doença em si, o que ta incomodando, mas no todo dele, como aquela patologia tá influenciando na vida no dia a dia, no trabalho é preciso compreender esse paciente como um ser único, um ser todo, senão aquela doença vai atrapalhar as outras áreas, atividades, de estudo, dependendo do paciente, em casa na sua relação com o companheiro o que a gente identifica muito a esposa com dificuldade com o marido, com os filhos, por conta de uma doença. Dai a importância de entendê-lo como um todo e o meio em que ele vive. F4 É a resposta de um todo, um sujeito global, não dicotomizado, o sujeito como um todo que perpassa essa minha linha de trabalho hoje, social, cultural, mental e até espiritual, que traz a importância de onde e como esse individuo vive. F3
Apesar de expressarem a importância de um olhar mais abrangente tanto em
relação ao sujeito-paciente quanto às questões sociais tão determinantes em alguns dos
agravos a saúde, os sujeitos desta pesquisa afirmaram que tal noção das dimensões
biopsicossocial não toma lugar de destaque durante o atendimento fisioterapêutico. O
privilégio continua sendo dado ao emprego de técnicas que apontam para a resolução da
situação física, ou ainda, a utilização de recursos cada vez mais aprimorados
tecnologicamente com o intuito único e exclusivamente de reabilitação e consequentemente
o retorno desses indivíduos às suas atividades de vida diária.
A prática clínica deve priorizar que o indivíduo irá voltar a realizar as atividades de vida diária o mais rápido possível ou tentará realizá-las com limitações ou não. O fisioterapeuta deve unir ao tratamento respostas condizentes com o dia a dia do paciente de acordo com a especificidade que cada um vir a apresentar. A minha prática privilegia sim a técnica porque minha formação acadêmica foi bem conservadora e porque não dizer mecanicista. F2 No meu contato com o paciente eu tento ser o mais humanizada possível, tento trazer tudo o que eu traria como pessoa, o cuidado, a escuta do sujeito que tá na minha frente não só um paciente, um diagnostico, uma patologia. Claro que a técnica é o que toma maior tempo e se não aplicar a
133
técnica o resultado não será alcançado. Privilegio sim a técnica, mas sempre junto a escuta e ao cuidado. F6 Na realidade eu não priorizo uma coisa só. Eu tenho que ter a técnica, isso é uma base eu tenho que saber dominar bem a minha técnica, mas ela não é nada se eu não souber olhar, compreender o meu sujeito. Você tem que ter a técnica e ser bom, mas também não adianta nada se você não avalia e reavalia seu paciente e observa a resposta dele e contextualiza a resposta dele, como você deve mudar as condutas pra adaptá-las ao seu paciente. Na realidade você tanto tem que avaliar bem seu paciente e observa-lo e avaliar bem a técnica se tem resultado. Não existe vou priorizar só a técnica ou só o paciente. Se você prioriza o individuo, você esquece a técnica e ai não adianta nada. Se você prioriza a técnica você esquece do individuo e ai também não adianta nada. F1
Portanto, o cuidado integral do sujeito-paciente requer além das habilidades e
conhecimentos técnico-científicos, a capacidade de estabelecer uma comunicação
adequada entre os envolvidos no processo de tratamento no sentido de contribuir para uma
compreensão em maior profundidade daquele que é tratado, sendo este alguém que se
comunica e expressa das mais variadas maneiras a necessidade de uma atenção especial.
Tanto essa visão quanto a atenção dispensadas a esse sujeito-paciente precisam acontecer
desde o momento do acolhimento até o dia da alta fisioterapêutica.
É a busca pelo sentido que faz esta investigação caracterizar-se como uma
pesquisa cuja abordagem é fenomenológica. Portanto não poderíamos deixar passar a
intenção de percebermos qual o significado atribuído à prática em Fisioterapia na
perspectiva da integralidade do sujeito-paciente a partir do olhar dos sujeitos. Na
perspectiva de situarmo-nos quanto à conceituação de sentido e significado, recorremos a
Aguiar e Ozella (2013, p.304 - 305), pois segundo os autores:
Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. São eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. Muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantêm com o pensamento, entendido como um processo. Os significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades. Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz ante uma realidade. O sentido coloca-se em um plano que se aproxima mais da subjetividade15, que com mais precisão expressa o sujeito, a unidade de todos os processos cognitivos, afetivos e biológicos.
15 Subjetividade de acordo com Aguiar (2013) é entendida como uma possibilidade humana de organizar
experiências convertidas em sentidos, ou seja, é uma dimensão da realidade que podemos denominar dimensão subjetiva da realidade objetiva.
134
Nessa perspectiva, quanto à significação, os sujeitos apontaram que a prática
apresenta-se como um momento importante onde a necessidade de proporcionar o retorno
desse sujeito-paciente às suas atividades cotidianas configura-se o alvo.
Escutar um pouco esse paciente e compreendê-lo como sujeito me fez significar que essas várias atribuições e necessidades que ele vai sentindo eu vou agregando a minha prática clínica no sentido de entender os vários contextos que o paciente vive com qualidade de vida porque qualidade de vida significa viver melhor em todos os aspectos e não somente por que não sente uma dor. Significa sair um pouco dessa visão biomédica mesmo. F3
A prática clínica deve priorizar que o indivíduo irá voltar a realizar as atividades de vida diária o mais rápido possível ou tentará realizá-las com limitações ou não. O fisioterapeuta deve unir ao tratamento respostas condizentes com o dia a dia do paciente de acordo com a especificidade que cada um vir a apresentar. F2
A perspectiva da visão integral do sujeito-paciente serve muito pra você trabalhar com pessoas diferentes e ver essa analogia entre seres que tem doenças diferentes, problemas diferentes e que a gente precisa entender holisticamente e analisando todas as suas dificuldades e doenças não só as físicas. Na prática a gente visualiza muito o que o traz para a Fisioterapia e a necessidade dele em busca de alta, a ansiedade do prognóstico, e saber controlar isso e saber dar a previsão de quando ele vai sair da Fisioterapia ou não. F4
Percebemos que alguns sujeitos reportaram a significação da prática clinica na
perspectiva da integralidade do sujeito-paciente em relação ao conhecimento do seu
contexto de vida. Somente F3 conseguiu no seu depoimento abordar a intenção de fugir da
visão biomédica ao buscar compreender o sujeito-paciente, sua condição física e seu
contexto. Vê-se ainda o grande coro que se faz na direção do retorno desse sujeito-paciente
às suas atividades diárias através da resolução dos aspectos físicos e biológicos que o
levaram à Fisioterapia, perfazendo-se, portanto evidente, o caráter reabilitador.
135
9 CONCLUSÕES
Quando iniciamos estas conclusões, relembramos os momentos de encontro
com os sujeitos e suas expressões acerca da tarefa de nos mostrar um pouco de seu
universo profissional, seus significados acerca do cotidiano da profissão, bem como o
contato com o paciente. Esclarecemos que ao apresentar os achados desta pesquisa e sua
finalização, pretendemos contribuir para novas e sempre bem vindas reflexões acerca da
temática em questão.
Ao vivermos a experiência de pesquisa, durante as atividades ou disciplinas
cursadas no doutorado, até mesmo na interação entre colegas da Universidade Federal do
Ceará (UFC), percebemos que, à medida que nos aproximávamos do fenômeno estudado,
era suscitada em nós uma aprendizagem advinda do próprio processo de investigação.
Assim, aprofundamentos conceituais, debates e reflexões realizadas ao longo dessa
trajetória bem como saberes, experiências e conhecimentos compartilhados pelos
professores passaram a constituir o nosso arcabouço formativo, pessoal e intelectual.
Retomar o campo de formação e atuação em Fisioterapia, desta vez enquanto
pesquisadora possibilitou um novo olhar para o fenômeno que se perfaz durante a prática,
trazendo um mergulho em questões próprias que permeiam a formação e a atuação desse
profissional. Cada uma das reflexões que emergiram ao longo desta pesquisa pode
contribuir com o fazer da profissão assim como redimensionar aspectos formativos que
trafeguem em consonância com as demandas da realidade da prática em Fisioterapia.
Esta trajetória nos permitiu entrar em contato com a experiência de
subjetividade, como categoria que surge a partir das reflexões oriundas desta tese que não
é de fatos, mas sim de fenômenos. A subjetividade pode estar descrita nos inúmeros
depoimentos, mas deve ser sentida por aqueles que formam e ainda por aqueles que no
exercício do seu fazer profissional, tem nos encontros a possibilidade de exercê-la. Assim, a
subjetividade nesta pesquisa emerge como algo internalizado, sentido, enfim, vivido.
Consideramos importante desenvolver uma pesquisa relacionada à prática do
profissional em Fisioterapia, uma vez que pudemos abordar a formação desse profissional e
sua atuação bem como confrontá-las com um modelo de educação em saúde que privilegia
o sujeito-paciente, seus aspectos biológicos, psicológicos e seu contexto socioeconômico.
Ressaltamos que o último assume posição de destaque enquanto determinante de um
estado de saúde.
136
Ao contemplarmos a prática do profissional fisioterapeuta, percebemos a
necessidade de uma aproximação com o sujeito-paciente que ultrapasse a barreira da
condição biológica somente. Um olhar voltado para o todo desse sujeito demanda uma
formação pautada no modelo biopsicossocial o qual permite que a doença seja vista como
um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, interpessoais e ambientais,
apresentando assim, o ser humano de modo contextualizado em todos os aspectos
inerentes ao seu espaço vital, ou seja: orgânico, psicológico, cultural e socioeconômico onde
cada aspecto influencia e é por outro influenciado dinamicamente. Percebemos que os
discursos apontaram evidências da consciência da importância da visão integral do sujeito-
paciente, apesar da reprodução de técnicas e abordagens condizentes com o modelo
biomédico de educação em saúde que prioriza a doença em detrimento do doente, ou ainda,
o aporte técnico-científico em detrimento de ações que aliem a busca por uma compreensão
mais integral desse sujeito. Acreditamos que o desenvolvimento de tal consciência se dá a
partir do confronto com a prática a qual desvela uma realidade e uma demanda de atuação
profissional para além daquela abordada na formação. Consequentemente para dar conta
dessa realidade o fisioterapeuta busca ressignificar sua prática a partir de formações
continuadas aliadas ao conhecimento advindo da experiência profissional. Considerando tal
realidade pensamos ser o diálogo que se estabelece durante a prática clínica em
Fisioterapia, o agente mediador para esta compreensão do sujeito-paciente e seu contexto
de vida, ou seja, o diálogo perfaz-se, sim, uma exigência existencial.
Apesar dos relatos aqui apresentados apontarem a importância do diálogo na
compreensão do sujeito-paciente de maneira integral, a prática não conseguiu ainda
transpor a barreira da importância da aplicação de técnicas no tratamento, fruto de uma
formação embasada numa concepção técnico-científica do conhecimento.
No tocante aos documentos normativos que regulamentam a formação em
Fisioterapia, o Currículo Mínimo, vigente até a instituição das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, em 2002, embasava-se num sistema de
currículo fechado, o qual enfatiza aspectos técnicos (relacionados ao desenvolvimento de
competências), o conhecimento científico e as necessidades próprias da formação em
Fisioterapia. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Fisioterapia, documento que norteia o planejamento e a elaboração dos currículos dos
cursos de graduação em todo o país, enfatizam os aspectos formativos, sugerindo que o
profissional terá uma formação baseada não somente em conhecimentos científicos, mas
também pautada em valores éticos, em fundamentos sociológicos, psicológicos e políticos,
determinantes para o desenvolvimento do perfil profissional. Porém, de acordo com o
documento, a formação continua baseada em habilidades e competências, o que evidencia
137
a não superação do tecnicismo na formação do fisioterapeuta. Sabemos que tal modelo de
educação é condizente com o fato de articular uma formação que se volta para responder as
demandas do mercado de trabalho.
Percebemos, portanto uma incompatibilidade entre a formação para o
desenvolvimento de um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, e, o mundo
do trabalho, este por sua vez regido pelas determinações mercadológicas caracterizando
um modelo de ensino que enaltece a dimensão técnica sem a preocupação com “a pessoa
que queremos formar”.
Um currículo por competência não dá conta de formar um fisioterapeuta para
além do aporte técnico-científico, pois o diálogo necessário durante o atendimento não é
condição específica para o mercado. Tal abordagem se faz importante para os arranjos
sociais. Nessa lógica, o termo competência, polissêmico, aberto a inúmeras interpretações
apresenta-se mais adequado do que o de saberes (educação) ou ainda de qualificação (no
exercício profissional) para uma desvalorização do profissional em geral. Nesse sentido, o
discurso das competências vem anunciando ao longo dos anos uma espécie de novo
tecnicismo e ainda, ao aperfeiçoar o positivismo (com seu viés de controle) e
consequentemente do capitalismo, aponta de responsabilidade do profissional a busca por
novas competências sempre, através de diversos cursos.
Pelo que foi exposto ao longo desta investigação, podemos afirmar que a
resposta à grande pergunta anunciada no primeiro bloco de questões - qual a concepção do
profissional de Fisioterapia egresso da UNIFOR sobre as dimensões biopsicossocial do
sujeito-paciente na sua prática clínica? – está ancorada na compreensão acerca do objeto
de trabalho da Fisioterapia, que ainda traz uma concepção voltada para a reabilitação,
muitas vezes desconsiderando os aspectos subjetivos e sociais do sujeito-paciente. Tal
concepção ainda se faz presente no âmbito da formação pautada no discurso das
competências. A pesquisa qualitativa de abordagem fenomenológica hermenêutica-dialética
desenvolvida neste estudo levou-nos a perceber que todas essas dimensões foram
mencionadas e consideradas pelos sujeitos desta pesquisa, embora na maioria dos relatos
a necessidade de resolução dos casos de saúde apresentados pelos sujeitos-pacientes
configurou-se objeto prioritário.
Ao delimitarmos o objetivo geral que foi compreender como ocorre a
comunicabilidade relacional dialógica na prática clinica do profissional fisioterapeuta,
visando à identificação de aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão
integral do sujeito-paciente, percebemos que esse diálogo ocorre na perspectiva de
compreensão das dimensões biopsicossocial, a partir do interesse em aprofundar o
138
conhecimento do universo próprio do sujeito-paciente. E ainda que tal comunicação deve
ser feita com devido cuidado para não ultrapassar a barreira estabelecida muitas vezes pelo
profissional. Há também fatores característicos relacionados ao local do atendimento e
condição clínica dos pacientes que favorecem ou dificultam a promoção de um diálogo.
Portanto, pensamos que apreender a concepção sobre o fenômeno do diálogo, requer
contemplar este humano em sua relação com a realidade social e educacional de onde
emerge seu pensar.
Todos os sujeitos desta pesquisa apontaram que não foram preparados para a
compreensão de aspectos particulares dos sujeitos-pacientes. A formação foi caracterizada
como tecnicista e que o entendimento do sujeito e seu contexto, além do biologicamente
apresentado, eles aprenderam no cotidiano da profissão. Um dos sujeitos pontuou a
sensibilização para tais aspectos a partir de disciplinas das ciências sociais e humanas.
Outro apontou a necessidade de uma formação mais humanizada. Portanto, uma formação
cujo currículo contemplasse as disciplinas das ciências sociais e humanas e apresentasse
especialmente um viés humanista configurou-se uma proposta de formação experienciada
por alguns dos sujeitos. Pensamos ainda que tais disciplinas e enfoque humanista podem
fazer uma ligação entre a atuação profissional e o contexto, o que aproximaria mais o
profissional da realidade da saúde numa perspectiva que partiria de um entendimento amplo
das condições de saúde até chegar à especificidade de cada um dos sujeitos-paciente.
Quanto aos significados atribuídos à prática clínica na perspectiva da
integralidade do sujeito-paciente, percebemos que a prática constitui momento de
conhecimento dos aspectos relativos ao contexto dos sujeitos-pacientes. No entanto, a
busca por resolução dos quadros clínicos apresentados por estes e consequentemente a
possibilidade de retorno às suas atividades do dia a dia, configura-se aspecto relevante, o
que expressa a importância dada à dimensão física e/ou biológica, à doença em detrimento
do doente, o que ressalta o perfil reabilitador do profissional fisioterapeuta.
As experiências dos sujeitos no âmbito da formação apresentam forte caráter
técnico-científico. No tocante às vivências práticas, os sujeitos apontaram a dificuldade
inicial de desenvolver um olhar mais amplo exatamente porque a formação não deu conta
de apresentá-los tal realidade. Então a partir dessas lacunas, os profissionais buscaram
novos conhecimentos no sentido de aprimorar e desenvolver condições de lidar com o
sujeito-paciente e o todo ao seu redor. Muitos ainda relataram que aprenderam a
compreender e a valorizar o outro e seu contexto através de saberes da experiência, ou
seja, no dia a dia do fazer da profissão.
139
As reflexões surgidas ao longo desta pesquisa nos fizeram atentar para a
realidade das atividades formativas e de trabalho do fisioterapeuta. As relações de trabalho
da sociedade atual marcadas pelo mercantilismo transformam práticas emancipadoras e
humanitárias em cobranças de produtividade. Quando um dos sujeitos desta pesquisa
reconhece que “a profissão ficou muito aquém da importância dela”, percebemos a evidente
proletarização vivida pela Fisioterapia e seus profissionais.
Os achados e as conclusões obtidas por esta pesquisa ratificam os seguintes
argumentos levantados para a formulação da tese. São eles:
- Apesar do currículo prescrito anunciar a importância da formação generalista,
a prática clinica apresenta uma forte atuação tecnicista e fragmentadora;
- A presença da técnica e consequentemente de ações que privilegiam o físico
em detrimento de aspectos subjetivos do sujeito-paciente;
- Formação que não responde às demandas da realidade em saúde no que
tange às necessidades próprias do sujeito-paciente para além da condição
clinica física ou funcional.
Somente o argumento referente a não valorização da intersubjetividade como
aspecto importante para o tratamento, não foi confirmado a partir dos achados desta
pesquisa.
Portanto, os dados da minha pesquisa confirmaram parcialmente a tese de que
na relação fisioterapeuta/paciente há indícios da valorização da intersubjetividade
com forte presença de condutas clínicas que privilegiam o corpo físico não ocorrendo
uma comunicabilidade que supere a dicotomia corpo/mente. Os discursos dos sujeitos
desta pesquisa anunciaram uma conscientização acerca da compreensão dos aspectos
subjetivos dos sujeitos-pacientes evidenciando ainda a importância da perspectiva da visão
integral dos mesmos a partir da intersubjetividade. Tal consciência permite desvelar a
realidade ora apresentada e assim promover ações capazes de transformá-la.
Constatamos, ainda, não apenas indícios e sim afirmações que evidenciaram
que somente a utilização de condutas voltadas para a funcionalidade não dá conta da
demanda do cuidar no âmbito da prática em Fisioterapia e que a comunicabilidade exercida
durante a prática clínica promove o desenvolvimento da compreensão das dimensões
biopsicossocial daquele que busca tratamento.
Assim, o reconhecimento consciente da importância da compreensão das
dimensões biopsicossocial do sujeito-paciente a partir dos discursos dos sujeitos desta
pesquisa sinalizam uma transformação em processo, portanto não devem findar a busca por
melhoria na qualidade da formação do profissional fisioterapeuta.
140
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APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, Germana Albuquerque Costa Zanotelli, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará, estou realizando minha pesquisa de doutorado, intitulada provisoriamente de “A relação dialógica na prática clínica do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente”, que tem por objetivo geral compreender como ocorre a relação dialógica na prática clínica do profissional de fisioterapia, visando à identificação dos aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. Atesto que a realização dessa investigação observa as normas éticas nacionais e internacionais sobre pesquisa envolvendo seres humanos, particularmente no que concerne ao respeito à autonomia e à proteção das pessoas identificadas como potenciais participantes. Como parte das questões norteadoras da pesquisa, interessa-me conhecer a percepção do profissional fisioterapeuta sobre as dimensões biopsicossocial do sujeito-paciente na sua prática clínica. Para tanto, serão realizadas entrevistas de caráter reflexivo com profissionais que atuam na prática clínica em fisioterapia e que sejam egressos do referido curso da Universidade de Fortaleza – UNIFOR. As entrevistas serão conduzidas por mim e tratarão de questões concernentes ao diálogo estabelecido durante a prática clinica entre o profissional fisioterapeuta e o sujeito-paciente e de que maneira tal relação contribui para a compreensão integral desse sujeito que adoece. Informo que os dados colhidos através das entrevistas serão utilizados para fins de pesquisa e apresentação de trabalhos em eventos científicos. Ressalto que os nomes dos sujeitos que participarem das entrevistas serão mantidos em sigilo, portanto não serão divulgados. Os sujeitos estarão livres para consentir em participar da pesquisa. E em consentindo, terão ainda a liberdade de retirar o seu consentimento a qualquer tempo. Serão utilizados gravadores digitais para registrar as falas dos participantes, permitindo recuperar informações de relevância para a pesquisa. Enfatizo ainda que a participação nas entrevistas não trará nenhum risco aos participantes e também lucro algum. Desde já agradeço a colaboração daqueles que aceitaram contribuir para a efetivação dessa pesquisa. Consentimento pós-informado: Declaro que tomei conhecimento da pesquisa realizada por Germana Albuquerque Costa Zanotelli, que pretende compreender como ocorre a relação dialógica na prática clínica do profissional de fisioterapia, visando à identificação dos aspectos subjetivos e objetivos que estabelecem uma visão integral do sujeito-paciente. Compreendi seus propósitos e, concordo em participar da presente pesquisa, estando ciente dos direitos que ora me são assegurados.
____________________________________________ Assinatura do entrevistado
____________________________________________ Assinatura do entrevistador
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APENDICE B – DINÂMICA E ROTEIRO PARA A TÉCNICA DE ENTREVISTA REFLEXIVA
PESQUISA: A RELAÇÃO DIALÓGICA NA PRÁTICA CLÍNICA DO PROFISSIONAL
FISIOTERAPEUTA E A VISÃO INTEGRAL DO SUJEITO-PACIENTE
1. Contato inicial: Informações gerais sobre a temática da pesquisa e apresentação dos
objetivos do estudo onde buscamos esclarecer sua finalidade, e também esclarecimento
de dúvidas e perguntas que eventualmente surjam.
2. Aquecimento: delineamento da biografia do entrevistado, assim como o contexto de sua
vida, um entendimento da realidade do atendimento clínico de cada um dos sujeitos,
como, suas especialidades, o que gosta de fazer na área da Fisioterapia, suas condições
de trabalho, como se caracterizam seus sujeitos-paciente e as principais queixas
relatadas pelos mesmos.
3. Apresentar a questão desencadeadora e solicitar que o sujeito discorra livremente sobre
o tema.
4. A devolução: momento da apresentação do texto de referência que se refere à
compreensão do pesquisador sobre a experiência relatada pelo entrevistado. O texto de
referência inclui tanto a escrita das narrativas quanto as percepções do pesquisador
durante a entrevista ou a transcrição de cada depoimento. Neste segundo há a
oportunidade dos sujeitos de acrescentar ou explicitar algo que não ficou claro no
primeiro encontro.
QUESTÃO DESENCADEADORA: Considerando a demanda social, humana e relacional
emergente na realidade da prática profissional do fisioterapeuta, como a relação dialógica
favorece a compreensão do sujeito-paciente de maneira integral no contexto da prática
clínica?
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ANEXO I
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002.16
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.
O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CES 1.210/2001, de 12 de setembro de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 7 de dezembro de 2001, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Fisioterapia definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Fisioterapia tem como perfil do formando egresso/profissional o Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. Art. 4º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:
I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo
16 CNE. Resolução CNE/CES 4/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1,
p. 11. 136.
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capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo;
II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;
III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;
IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;
V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e
VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.
Art. 5º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas:
I - respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; II - atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em
programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;
III - atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;
IV - reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,
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individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
V - contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;
VI - realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;
VII - elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;
VIII - exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;
IX - desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;
X - emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios; XI - prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus
familiares sobre o processo terapêutico; XII - manter a confidencialidade das informações, na interação com outros
profissionais de saúde e o público em geral; XIII - encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais
relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;
XIV - manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;
XV - conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;
XVI - conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia;
XVII - seus diferentes modelos de intervenção. Parágrafo único. A formação do Fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.
Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar:
I - Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos;
II - Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psicossociais,
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culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração;
III - Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica; e
IV - Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano.
Art. 7º A formação do Fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Parágrafo único. A carga horária do estágio curricular supervisionado deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Fisioterapia deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região.
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Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente. Art. 13. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que:
I - as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínico-terapêuticas);
II - estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta; e
III - as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá-las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a novas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a formação generalista.
Art.14. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior