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A REFORMA DO ESTADO E A RECONFIGURAÇÃO DA GESTÃO
UNIVERSITÁRIA1
Maria Edilene da Silva Ribeiro 2
RESUMO
Neste trabalho abordamos, a partir de estudos teóricos, aspectos
relacionados a reforma do Estado e a reconfiguração da gestão
universitária. Primeiramente, discorremos sobre o reordenamento que
o Estado, nas últimas décadas lança para a educação superior e em
seguida, enfatizamos a gestão gerencial como modelo a ser adotado
pelas universidades. Na conclusão afirmamos a necessidade de
lutarmos pela universidade de qualidade social. Palavras-chave:
Estado. Universidade. Gestão.
ABSTRACT
This paper deals, from theoretical studies, issues related to
state reform and reshape the university management. First, we
consider reordering the state in recent decades launches for higher
education and then emphasize the managerial organization as a model
to be adopted by universities. In conclusion we affirm the need to
fight for social quality university. Keywords: State. University.
Management.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo visa, a partir de estudos bibliográficos, refletir
criticamente sobre a
gestão no âmbito das universidades, inserida no contexto da
reforma do Estado
brasileiro. Partimos do entendimento que, o reordenamento do
Estado interfere nos
direcionamentos da política educacional, fator este que,
dinamiza sua organização
acadêmica, perpassando pelo modelo de administração.
Considerando essa inter-relação, enfatizamos que a Reforma do
Estado
brasileiro vem nas últimas décadas consolidando um Estado
pautado na doutrina
neoliberal. Nesta direção, envolve a educação em todos os seus
níveis, dos quais 1 O projeto de pesquisa sobre a Gestão
universitária no âmbito da Universidade Federal do Pará, ao qual
este texto está vinculado, recebe apoio financeiro da Fundação de
Apoio à Pesquisa do Estado do Pará – FAPESPA. 2 Mestre.
Universidade Federal do Pará. [email protected]
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destacamos as universidades. Para estas instituições de nível
superior, as regulações
vêm apontando um modelo de gestão a ser implantado em seus
cotidianos.
Esse modelo de gestão carrega consigo as características
empresariais e
gerenciais. Características, estas, que, correspondem às novas
exigências do sistema
capitalista que busca, sobretudo, se fortalecer por meio de
reformas no âmbito dos
Estados nacionais. A gestão gerencial é um modelo que é
fundamentada nos
princípios basilares da moderna administração empresarial:
flexibilidade, eficiência,
eficácia e produtividade, desenvolvida no interior das fábricas
e transplantada para os
setores sociais.
Na construção de nossas reflexões, estruturamos o texto em dois
momentos.
No primeiro momento enfatizamos que a Reforma do Estado
brasileiro gera novos
redirecionamentos para a educação superior e no segundo trazemos
para o debate o
modelo de gestão gerencial disseminado para as universidades
brasileiras. E, por fim
apresentamos nossas considerações finais.
Teoricamente, nos subsidiamos em autores como István Mészáros,
Cabral
Neto, Alda Castro, Afrânio Catani, João Ferreira Oliveira,
Lucília Machado e Luiz
Carlos Bresser Pereira.
2. A REFORMA DO ESTADO E AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO S UPERIOR Nos
diversos estágios de desenvolvimento, o sistema capitalista,
vivencia
crises. Essas crises se manifestam como grandes depressões
geradas pela própria
natureza contraditória do sistema e atingem os Estados
nacionais. Como possibilidade
de superação das crises, dos Estados são exigidos reformas,
orientadas por
organismos multilaterais como o Banco Mundial.
Nesse sentido, afirma Mészáros (2009) que é o sistema
capitalista que gera
suas próprias crises, dada a sua natureza destrutiva, antagônica
e injusta. É um
sistema corrosivo que recorre ao Estado em busca de meios para
superar seus
colapsos e desiquilíbrios.
Para Mészáros (2009) essa prática perversa do capital ocorre com
frequência
nas políticas do Estado, interfere nos aspectos financeiros e
envolvem os setores
sociais, maiores prejudicados pelos cortes de verbas e pelas
carências de ações
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efetivas de fortalecimento de políticas voltadas para o
atendimento às demandas
sociais.
Nas últimas décadas, as políticas do Estado brasileiro, vêm
atribuindo
centralidade ao mercado, tido como inspirador das ações e
demandas sociais,
seguindo a lógica do empresariado e demais grupos dominantes
economicamente.
Sob as aspirações mercadológicas, as instituições sociais, como
as universidades são
repensadas, planejadas, estruturadas e administradas num
percurso reformista que
atende ideologicamente as pregorrativas do capital para além das
demandas
necessárias à maioria da população.
De acordo com Mészáros (2009) essa realidade não se concretiza
por acaso.
Para o autor se estabelece uma mediação entre o campo econômico
em expansão e
as práticas políticas dominantes a serem consolidadas. Essa
mediação ocorre através
da selva legislativa3, que desempenha o papel facilitador na
concretização do
atendimento do Estado ao mercado, na medida em que o primeiro
estabelece
regulações a serem adotadas nas instituições, legitimando, desse
modo, o ideário
mercadológico.
Nesse sentido, afirma Mészáros (2009, p.26) “Na verdade, a cada
vez mais
densa selva legislativa do Estado capitalista passa a ser o
legitimador “democrático”
da fraudulência institucionalizada nas nossas sociedades”
(grifos do autor!).
As legislações regulatórias para o setor educacional, derivadas
da Reforma do
Estado, tendem a respaldar o mercado como centralidade, cuja
lógica economicista:
consumista, competitiva, produtivista, advindas do modelo
empresarial, se reproduzem
nas instituições sociais. Neste sentido, Cabral Neto e Castro
(2007) explicitam que:
Os novos delineamentos relativos à gestão no campo empresarial
fornecem as bases para o modelo de gestão educacional formulado no
âmbito das diretrizes políticas da educação para os países da
América Latina. O argumento basilar para sustentar a necessidade de
elaboração de novas formas gerenciais funda-se na compreensão de
que se devem superar os antigos paradigmas centralizadores de
gestão, incorporando a noção de modernidade à gestão pública
(CABRAL NETO e CASTRO, 2007, p. 16).
Compreendemos que, por um lado, o Estado é reduzido em funções
de gerir e
fomentar as condições necessárias para o funcionamento com
qualidade das
3 Expressão utilizada por Mészáros (2009).
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instituições educacionais, e por outro, alarga os espaços para a
existência e
fortalecimento das iniciativas privadas, como do empresariado da
educação. O setor
privado também passa a regular os serviços sociais, lançando
indicadores de
qualidade mercadológica.
Na perspectiva de defender a reforma gerencialista, Bresser
Pereira (2006,
p.23) afirma que “A reforma provavelmente significará reduzir o
Estado, limitar suas
funções como produtor de bens e serviços e, em menor extensão,
como regulador”.
Ao justificar a ocorrência da reforma dos anos de 1990, Bresser
Pereira (2006)
pontua a centralidade do gerencialismo na gestão. Acredita que
essa concepção traz
consigo o objetivo de superar os problemas do modelo
burocrático, herdado do Estado
de Bem-estar social, na medida em que aumenta a eficiência e a
produtividade dos
setores estatais, melhora a qualidade das ações do governo,
diminui o quantitativo de
pessoal nos órgãos e agências governamentais, bem como, supera o
excesso de
burocracia.
Cabral Neto e Castro (2007), nos fornecem informações que
mostram outra
face da reforma e sua pseudo democratização. Para os autores a
reforma gerencial
traz como características:
a) a descentralização/desconcentração das atividades centrais
para as unidades subnacionais; b) a separação dos órgãos
formuladores e executores de políticas públicas; c) o controle
gerencial das agencias autônomas, que passa a ser realizado levando
em consideração quatro tipos de controles (controle dos resultados,
a partir de indicadores de desempenhos estabelecidos nos contrato
de gestão, controle contábil de custos, controle por quase mercado
ou competição administrada, e controle social); d) a distinção de
dois tipos de unidades descentralizadas ou desconcentradas,
compreendendo as agências que realizam atividades exclusivas do
Estado e as que realizam os serviços sociais e científicos de
caráter competitivo; e) a terceirização dos serviços e f) o
fortalecimento da alta burocracia (CABRAL NETO, ALVES, 2007,
p.16).
Percebemos, desse modo, a ênfase na responsabilidade atribuída
às
instituições, ao mesmo tempo, em que há o descomprometimento do
Estado sob o
indicador “descentralização”. Nessa lógica, os setores públicos,
por meio da gestão,
devem se comprometer em atender as orientações do Estado, sob o
quê são
avaliados e controlados. O “contrato de gestão” é um dos acordos
que serve a este
propósito.
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Outro fator que nos chama a atenção é quanto à expansão dos
serviços sociais
para a gestão privada, proporcionando a este setor condições de
se firmar no
mercado, inclusive oferecendo seus serviços e produtos ao
Estado.
É importante frisar que esse reordenamento na relação Estado e
educação, em
especial a superior, segue as orientações dos organismos
multilaterais, como o Banco
Mundial, que sob a ênfase economicista utiliza cada vez mais o
Estado para fortalecer
o setor financeiro que beneficia os países imperialistas como os
Estados Unidos.
3. A GESTÃO GERENCIALISTA NO ÂMBITO DAS UNIVERSIDAD ES
O modelo gerencial incorporado ao serviço público brasileiro,
por meio da
reforma do Estado, fundamenta-se em princípios e métodos
importados da iniciativa
privada e reveste-se, aparentemente, de maior autonomia e
responsabilidade para os
administradores voltarem a administração pública das
instituições educacionais, como
as universidades, para o atendimento do cidadão-cliente. É
importante enfatizarmos
algumas características marcantes da administração pública
gerencial. De acordo com
Bresser Pereira (2006):
É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados;
pressupõe que os políticos e funcionários públicos são merecedores
de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da
descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e
utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos
gestores públicos (BRESSER PEREIRA, 2006, p. 28).
As universidades públicas estão nesse processo. Das mesmas são
cobrados
resultados cada vez mais quantitativos, vive-se a cultura do
produtivismo, para tanto,
se ajusta o processo de produção no sentido de potencializar o
tempo para se produzir
mais com menos custos financeiros.
Cabral Neto e Castro (2007) afirmam que sob essa perspectiva é
redefinida a
gestão educacional. Essa redefinição perpassa pelo setor
financeiro, pela organização
acadêmica, pela estrutura física. As modificações são exigidas
como meio para que as
instituições se atualizem frente aos problemas e demandas
atuais, ou seja, de
correspondência ao modelo de mercado posto com suas nuances
competitivas. Desta
forma, a lógica econômica e produtivista, está exposta nos
princípios e ações
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inerentes as orientações políticas para a educação superior,
assim como, para os
demais níveis educacionais.
As universidades, de acordo com Catani e Oliveira (2002) vêm
gerando ações
que visam o enxugamento de estruturas acadêmicas e a implantação
de sistemas
gerenciais de informação, que objetivam, sobretudo, ampliar a
eficiência na gestão e
estimular a produtividade. Como forma de controle adentram
processos avaliativos
que também visam verificar resultados da produtividade docente e
institucional.
Esse reordenamento organizacional e administrativo altera o
perfil das
universidades. Enfraquecem a sua relação com a pesquisa e
descoberta de novos
conhecimentos, alargam-se as possibilidades de materialização
das universidades
operacionais, pautada, sobretudo, no saber fazer. Assim, para
além da formação
política a ênfase recai no conhecimento técnico como requer o
mercado.
Enfatizamos que a universidade, por sua natureza, é uma
instituição social,
científica e educativa como afirmam Catani e Oliveira (2002).
Nesta perspectiva, a sua
identidade deve se fundamentar em princípios, valores, regras e
formas de
organização que corresponda aos interesses da totalidade da
sociedade e que,
sobretudo, esteja voltada para a produção de conhecimentos que
visem a melhoria da
qualidade social.
Todavia, nos últimos anos vem se sedimentando um modelo de
gestão nas
universidades, que as aproximam das características do modelo de
administração
fabril. Desta forma tendem a corresponder ao setor empresarial e
ao desenvolvimento
do capitalismo. Seus pilares revestidos de flexibilidade,
eficiência, eficácia e
produtividade, demarcam, o modelo de produção que intensifica o
trabalho docente
nas universidades, gera adoecimentos, diminui o orçamento
financeiro para a
efetivação das demandas acadêmicas, dentre outros problemas. Uma
vez que:
A gestão gerencial caracteriza-se pela busca da eficiência, pela
redução e controle dos gastos públicos, pela demanda de melhor
qualidade dos serviços públicos, pela adoção de modelos de
avaliação de desempenho, pela proposição de novas formas de
controle de orçamento e dos serviços públicos e pela
descentralização administrativa (CABRAL NETO e CASTRO, 2007,
p.16).
Sob essa premissa há maior controle por meio de avaliações
estandardizadas
que tornam o processo educacional competitivo, além do que são
cobrados dos
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gestores habilidades e competências capazes de dinamizarem esse
processo
competitivo, cobrarem a intensificação dos serviços ofertados e
encontrarem as
soluções dos problemas.
Entretanto, acreditamos a gestão sob a perspectiva emancipatória
pode
contribuir para a consolidação da natureza social das
universidades, no processo de
promoção do bem da coletividade ao construir processos
formativos de qualidade
social.
Machado (2006) ao discorrer sobre a qualidade das instituições
educacionais
enfatiza que sua concepção não deve pautar-se, simplesmente, na
técnica ou nas
habilidades operacionais a serem adquiridas como critério de
adequação ao modelo
de empregabilidade exigido pelo mercado global. Mas deve
revestir-se de
significações ou a realização de re-significações dos princípios
e fundamentos que a
regem, em relação a sua função social e as formas mediante as
quais elas podem
realizar as missões para as quais são designadas.
4. CONCLUSÃO
A gestão em meio ao contexto da reforma do Estado gera
obstáculos para a
efetivação de instituições sociais a serviço dos interesses da
maioria da população,
uma vez que tende a satisfazer as classes hegemônicas, portanto,
ajusta-se ao
modelo gerencial seguindo à lógica neoliberal em curso.
Um dos problemas gerados por esse modelo diz respeito à
democratização,
pois este princípio é traduzido como aumento de atribuições e
responsabilidades às
instituições, responsabilizando-as pelo sucesso ou fracasso de
suas ações. Quanto ao
Estado, este, tende a ser isento de suas responsabilidades,
cabendo a si o controle
por meio de avaliações padronizadas.
Outro fator marcante é caracterizado pela função do
gestor/gerente, a quem
recai a responsabilidade, dentre outros, de incentivar a
produtividade e zelar pelo
consenso em torno das idéias produzidas externamente, mas que
internamente a
instituição deve concretizar. É de sua competência gerenciar uma
estrutura
organizacional e administrativa capaz de expressar a harmonia e
com isso evitar os
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debates e conflitos, que são gerados pelas contradições.
Contradições que são
sufocadas e negadas no processo de consolidação de ideários
políticos hegemônicos.
A identidade da universidade aproxima-se cada vez mais dos
interesses da
reprodução do poder e das estruturas opressoras do sistema
capitalista, distanciando
da luta pela transformação. Assim, a tendência é que se aproxime
cada vez mais do
mercado, tornando-se funcional, operacional e passiva, diante do
capital que se
fortalece na sua estrutura de poder, dada a aliança com o Estado
para a manutenção
da ordem mercadológica vigente.
Todavia, a universidade busca sobreviver em meio às
contradições, dando
sinais de resistências a essa política de mercado que restringe
a sua autonomia em
função do atendimento aos direcionamentos externos, dada as
aspirações de
modernidade, que atualmente é difundida em nível planetário. Na
contra corrente
dessa ideologia, há os que defendem a universidade de qualidade
social.
Segundo Machado (2006), instituições com qualidade social:
[...] reconhecem e praticam o principio de que sua finalidade é
indissociável de um projeto histórico para a humanidade como um
todo. Sabem que não há verdadeiro desenvolvimento institucional sem
desenvolvimento humano. Trazem, como projeto, a perspectiva
transformadora e entendem que suas funções educacionais são
indissociáveis de suas funções científicas, culturais e sociais
(MACHADO, 2006, p.19).
Concordamos com a autora, quando esta defende que a universidade
ao visar
a qualidade social, deve visualizar, consolidar e concretizar
uma missão com objetivos
e metas claros e coerentes, respaldados pelos projetos
acadêmicos que expressem as
demandas da sociedade. Nesta perspectiva, afirma Machado (2006)
que é pertinente
a articulação do ensino, pesquisa e extensão, aos ideais que se
quer alcançar
enquanto patrimônio da sociedade e não apenas de grupos
hegemônicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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estratégia e estrutura para um novo Estado. In: BRESSER PEREIRA,
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Políticas e gestão da educação superior: desafios e perspectivas.
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Leopoldianum, 2006.