60 Capítulo II A QUESTÃO DO SANEAMENTO ENQUANTO PARÂMETRO URBANÍSTICO 2.1 - As cidades e a peste O saneamento sempre esteve presente na história da humanidade. Segundo Glaucia Müller (2002, p.18), na China e Egito, por exemplo, já podiam ser encontradas grandes obras de infra-estrutura como as de adução de águas para irrigação de terras cultiváveis. Já na Grécia, as cidades eram abastecidas de água através de diques e canais. No entanto, com o desenvolvimento acelerado das cidades na Idade Média, os investimentos relacionados a questões sanitárias não acompanharam o aumento da população, sendo um dos fatores para o surgimento de constantes epidemias.
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Capítulo II
A QUESTÃO DO SANEAMENTO ENQUANTO
PARÂMETRO URBANÍSTICO
2.1 - As cidades e a peste
O saneamento sempre esteve presente na
história da humanidade. Segundo Glaucia Müller (2002,
p.18), na China e Egito, por exemplo, já podiam ser
encontradas grandes obras de infra-estrutura como as
de adução de águas para irrigação de terras cultiváveis.
Já na Grécia, as cidades eram abastecidas de água
através de diques e canais.
No entanto, com o desenvolvimento acelerado
das cidades na Idade Média, os investimentos
relacionados a questões sanitárias não acompanharam
o aumento da população, sendo um dos fatores para o
surgimento de constantes epidemias.
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Práticas sanitárias eram adotadas pelas
autoridades para conter a penetração da peste em
algumas regiões. O cordão sanitário, por exemplo,
estendia-se de um quarteirão às fronteiras nacionais. A
vigilância e o controle, quase sempre eram garantidos
pela força militar (Figura 34).
(...) o cordão sanitário, enquanto estratégia de
confinamento fazia de cada moradia uma prisão, a
prisão domiciliar. A eficácia, muitas vezes aparente do
cordão ou da quarentena – práticas sempre
associadas – faz com que até hoje, elas sejam
acionadas pelos serviços sanitários no caso de uma
ameaça epidêmica. De qualquer modo, o cordão
sanitário, como outras medidas de controle de
epidemias, reafirmava o poder do governo da cidade,
que a peste ameaçava aniquilar, tal qual fazia com um
número crescente de seus habitantes (ANDRADE,
1992, p.11).
Outras técnicas eram usadas para afastar a
indesejável peste da cidade, como quarentena,
fogueiras aromáticas, lavagens de cal branca, rituais nas
igrejas, entre outros. No entanto o recurso mais usado
pelos moradores era a fuga para outras cidades ou para
Figura 34 - Quadro “Death’s Dispensary” pintado por George John Pinwell. Publicado em uma revista inglesa durante a epidemia de cólera, em 1866. Fonte: WOOTTON, 2006, p. 197
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propriedades rurais. Muitas vezes esses fugitivos não
eram aceitos em outras cidades, fazendo com que
perambulassem em busca de algum abrigo.
A violência do mal era tal que não se sabia mais o que
fazer e perdia-se todo o respeito pelo que é divino e
respeitável. (...) Ninguém era contido nem pela crença
dos deuses nem pelas leis humanas; (...) antes de
sofrer, valia mais aproveitar da vida alguma alegria
(CANNETTI, 1996, p.289 apud ANDRADE, 1992,
p.13).
A medicina pouco sabia como lidar com as
epidemias, pois apesar de serem contagiantes, nem
todos que tinham contato com as pessoas infectadas
ficavam doentes. A ação da moléstia não possuía regras
e aparecia de maneira imprevisível. Algumas pessoas
infectadas conseguiam se curar, outras faleciam em
pouco tempo.
(...) a peste é urbana por excelência. Não apenas
porque dissemina-se pelo contágio promovido pelas
aglomerações urbanas, mas também porque segue as
trilhas da circulação dos homens, apoiando-se em
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redes de cidades, atravessando fronteiras,
desembarcando em portos. Mas ao afirmar sua
natureza urbana, a peste também a nega, por negar
toda e qualquer forma de sociabilidade (ANDRADE,
1992, p.15).
Entretanto, as constantes epidemias fizeram
com que médicos e autoridades municipais se
preocupassem com as condições de vida da população,
tentando criar uma cidade mais salubre. O autor
Andrade (1992, p.15) acredita ter sido o século XIX, o
século da higiene para o mundo europeu, pois diversas
ações médicas se desenvolveram, fomentando estudos
sobre a ressonância do meio sobre as pessoas, o
chamado higienismo.
[sobre as ações médicas] alterou hábitos arraigados,
redesenhando radicalmente a cidade e construindo
uma nova cultura técnica, a difusão do higienismo
implicou em enormes rupturas nas formas de
sociabilidade urbana que vigoravam até a Revolução
Francesa. Assim o movimento higienista do século XIX
foi, sobretudo, um movimento de reforma da vida
cotidiana (ANDRADE, 1992, p. 17).
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As ações higienistas baseavam-se na “teoria
dos meios”, criada por Hipócrates, em ar, águas e
lugares (ANDRADE, 1992, p. 19), onde “traçou os
contornos da higiene pública em relação à escolha dos
lugares e ao planejamento das cidades” (TOMÁS, Eliane
D, 1996, p.10 apud MÜLLER, 2002, p.19).
Hipócrates releva o caráter holístico de sua teoria,
ressaltando a importância da astronomia para a
medicina e indicando que as condições mesólogicas
devem, ao determinar as especificidades de uma certa
localidade, levar em conta a totalidade de seus
aspectos, dos mais próximos, como o clima e o solo
locais, ao mais abrangentes, como os astronômicos
(ANDRADE, 1992, p.19).
A “teoria dos meios”, que passou a ser
denominada assim somente no século XIX, estabelecia
uma relação com características do meio físico sobre as
condições de saúde, os aspectos físicos e os costumes
dos habitantes de certa localidade. Outra concepção da
teoria foi tratada pelo arquiteto romano Marco Lucio
Vitruvio, em sua obra “Os Dez Livros de Arquitetura”, em
que ele afirma:
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a medicina é necessária ao arquiteto para conhecer
quais são os aspectos do céu, que os gregos chamam
“clima”, as condições do ar em cada lugar; que
paragens são nocivas, e quais são saudáveis, e que
propriedade têm suas águas, porque sem o
conhecimento dessas circunstâncias não é possível
construir edifícios sãos (ANDRADE, 1992, p. 20 apud
VITRUVIO, 1986, p.17).
No capítulo III da sua principal obra, Vitruvio
expõe critérios de escolha de locais saudáveis e
aconselha a evitar cidades edificadas nos pântanos se
possuírem águas dormentes que não tem saída nem por
rios nem por canais, pois ficam estagnadas,
corrompendo e infectando o ar.
Outro discurso que influenciou a ação dos
higienistas na modificação do espaço urbano foi a
“teoria dos fluidos”, ou dos miasmas. Os estudiosos da
Europa do século XIX acreditavam que as febres e
outras doenças tinham origem nas emanações dos
gases produzidos pela matéria animal e vegetal em
putrefação e pelas águas estagnadas (MÜLLER, 2002,
p.20). Para os higienistas as águas das cidades
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deveriam fluir através de canalizações, impediam,
assim, sua ação destrutiva no caso de enchentes.
O movimento higienista, desde seu início, no fim
do século XVIII, “insistirá sobre os males advindos da
estagnação de todo o tipo – de água, lixo e homens -
desse modo fará da circulação a palavra de ordem que
formará a engenharia sanitária” (ANDRADE, 1992,
p.26).
Se a água deve circular de maneira salubre que faça
desaparecer suas qualidades mórbidas. É preciso
ordenar seu curso por canais e esgotos. Se o ar, cuja
qualidade também depende da boa circulação,
encontra-se bloqueado na cidade por acidentes
naturais e artificiais, tornando-se então veículo de
moléstias, é necessário não só destruir morros e matas
que impeçam a ventilação e sanear pântanos
produtores de miasmas, como também expulsar do
centro da cidade matadouros, fábricas e hospitais, e
impedir o sepultamento no interior das igrejas (BRITO,
1943, vol XXII, p. 43).
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O ideário sanitarista acarretava uma
reordenação total dos espaços e um processo de
“embelezamento da cidade”. A Intendência Municipal,
mais particularmente os Intendentes da Higiene,
propunham intervenções ditando nova estética e
racionalidade urbana. Os focos principais de ação dos
“homens da ciência” (LIMA, 2000, p. 69): médicos,
engenheiros e arquitetos que, baseados nas teorias
científicas da época, eram principalmente áreas críticas,
como os lixões e charco, que se localizavam em locais
nobres e centrais das cidades.
No Brasil, como pequeno atraso em relação aos
países europeus, um dos mais importantes
colaboradores da questão urbana, da “higienização”,
visando saúde e bem estar da população, foi Francisco
Saturnino de Brito. O trabalho do engenheiro foi pioneiro
no país, levando em conta as características específicas
de cada localidade e marcado pela racionalidade,
técnica e economia, buscando sempre modernizar e
embelezar as cidades brasileiras herdadas do período
colonial e imperial.
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Preconizando um urbanismo de cunho sanitarista, mas
sem desconsiderar a dimensão estética da cidade,
Brito foi, talvez, o principal responsável pela introdução
e difusão urbanística, enquanto uma disciplina
autônoma, no Brasil (ANDRADE, 1992, p.4).
Saturnino de Brito, na condição de Chefe do
Distrito da Comissão Sanitária do Estado de São Paulo,
fará propostas inovadoras sobre as redes de esgoto,
distribuição de água potável e a limpeza das áreas
públicas, no final do século XIX, afastando as ameaças
de epidemia, além de melhorar o bem estar da
população campineira.
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2.2 - A epidemia de febre amarela em
Campinas
Em meados do século XIX em Campinas, a
região passou por um processo intenso de
modernização com a consolidação do complexo
cafeeiro, abrangendo o transporte, serviços, comércio e
inúmeras atividades correlatas. Porém, as condições de
higiene eram precárias, agravando a disseminação de
surtos epidêmicos (Figura 35).
A salubridade nas ruas e praças, no período
imperial em Campinas, era angustiante. Carroças
removiam, diariamente, os lixos e dejetos dos bairros,
sem o menor cuidado. O mau cheiro era constante,
principalmente na época de calor. As autoridades
municipais impuseram diversas normas a todos os
moradores, que deviam ser observadas nos colégios,
nas casas de banho, nos hotéis, nas prisões, nos
quartéis, nas habitações coletivas, asilos, estalagens,
nos cortiços, entre outros.
Figura 35 - Vista parcial de Campinas, 1880. Fotógrafo: Nickelsen Julius Fonte: Acervo MIS
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As novas noções de medicina e higiene iam
contra as tradições que remontavam à Idade Média e
que perdura até hoje em alguns países. O banho, por
exemplo, foi aconselhado pelo Dr. Blach, “um dos mais
distinctos médicos de Londres” a ser tomado uma vez
por semana. Segundo ele “os banhos devem ter a
mesma temperatura do corpo. O banho abre os poros e
faz com que se desprendem matérias inúteis e gastos”
(LAPA, 1996, p.187).
As plantas das casas passaram a ter um
compartimento específico para as latrinas e um local
separado para o banho, que aos poucos foram
admitidos como prática cotidiana. Os banheiros, que
conhecemos atualmente, são incorporados às
residências juntamente com a instalação dos serviços
de água e esgoto na cidade.
Começa-se a valorizar, ou melhor, utilizar devidamente
o toilette, pouco a pouco, mais uma vez, das classes
mais ricas às mais pobres; a latrina, a casinha, privada,
antes localizadas nos fundos dos quintais, começam a
se aproximar da residência, acoplando-se às cozinhas,
compondo uma única área que deve possuir tubulação
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de esgotos, pisos e paredes laváveis e abastecimento
de água localizado (BATTISTONI FILHO, 2002, p.37).
A população apresentava-se relutante à nova
ordem social que se implantava. Era necessário
“mudança de costumes seculares, gastos permanentes
e interação entre o público e o privado” (LAPA, 1996,
p.184).
A imprensa colocou-se a serviço da higienização
da cidade, vigiando irregularidades e também
denunciando quem desrespeitasse as normas (Figura
36). Anúncios como este eram freqüentes:
Pedimos encarecidamente a todas as pessoas que se
interessam pela saúde pública, a trazer ao nosso
conhecimento nesta redação qualquer falta de asseio
de quem quer que seja, e qualquer violação das
medidas e disposições higiênicas por parte das
pessoas menos escrupulosas. Rogamos mais que não
façam comunicações anônimas como temos recebido
(MENDES, J. C., “Historia de Campinas”, Correio
Popular, Campinas 31.10.1968, Suplemento – apud de
LAPA, 1996, p.184).
Figura 36 - Charge sobre a febre amarela, São Paulo, SP, 1896 Reprodução da Revista Bohemia. Fonte: Lapa, 1996, p.264
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Entretanto, em 1870, a intendência municipal
precisou tomar medidas emergenciais devido a uma
grave manifestação de varíola. A arquiteta Siomara
Lima, explica que
A deficiência da limpeza pública era apontada como
uma das principais fontes de moléstias, sendo o
primeiro problema a ser enfrentado pelas autoridades.
Resoluções da Câmara Municipal e orientações do
Código de Posturas obrigavam a população a manter
limpas as ruas e remover o lixo para os locais
determinados (LIMA, 2000, p. 10).
O Código de Posturas de 1872 determinou que
os moradores levassem os lixos para pontos localizados
em áreas muito próximas do centro da cidade, porém a
prefeitura não conseguia recolher todo lixo e essas
áreas ficavam abandonadas, contribuindo para o
alastramento de doença e incomodando a população
que residia próxima a essas áreas.
Outro fator importante para as questões
sanitárias era o abastecimento de água através dos
córregos e nascentes da cidade. Após indicação da
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Câmara Municipal, 1873, foram colocados três
chafarizes, nos Largos do Teatro, Rosário (Figura 37) e
Matriz Velha e mais duas torneiras em pontos da região
central. Essa medida colaborou para o saneamento e
drenagem das regiões alagadiças, pois os chafarizes
aproveitavam as águas nascentes no Bairro Alto, no
largo do Tanquinho, e desciam por canaletas de pedra
na Rua Direita (atual Rua Barão de Jaguara) até o
principal ponto central da cidade, o Largo da Matriz
Velha.
No entanto, a deficiência na limpeza pública e
do abastecimento de água, propiciou que epidemias de
febre amarela se alastrassem sobre a cidade a partir de
1889 e por toda a década de 90, interrompendo o
processo de modernização. E foram ao todo três
grandes surtos consecutivos da epidemia, dizimando a
população e produzindo um êxodo da cidade para o
campo ou regiões próximas.
Esta (a epidemia de febre amarela) grassou em
Campinas devido ao mosquito transmissor o Stegonia
fasciata. A cidade, na ocasião da epidemia, em 1889,
contava com 22.000 habitantes e depois de sete anos
Figura 37 – Chafariz no Largo do Rosário. Fonte: RIBEIRO, 2006, p.127
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de epidemia, ficou reduzida a 5.000. O pânico tomou
conta de todos, muitos fugiram para outras localidades
(BATTISTONI FILHO, 2004, p.46).
A atuação da Intendência Municipal eliminou as
cocheiras da área central da cidade e a Cia Campineira
de Águas e Esgotos, fundada em 1887, passou a
fornecer, em 1891, água tratada captada nos riachos
Iguatemi e Bom Jardim, na Vila da Rocinha (atual cidade
de Vinhedo, a 18 quilômetros da cidade).
No antigo prédio do Mercado Grande foi
instalado o Desinfetório Central (Figura 38), com
estufas, incineradores, secção de profilaxia,
departamento de medicamento, baias para animais de
serviço, depósitos de carros de médicos e de transporte
de funcionários, doentes e cadáveres. Posteriormente
foi feito “o saneamento global abrangendo drenagem
para o centro histórico da cidade, reforço de capitação
de água dos riachos de Vinhedo, racionalização da
distribuição de água tratada com a introdução da técnica
dos hidrômetros, e finalmente, um intenso programa
público de pavimentação em granito do antigo rossio”
(SANTOS, 2002, p.185).
Figura 38 - Desinfetório Central. Campinas, entre 1896 e 1906, Julio Nickelsen Fonte: RIBEIRO, 2006, p. 34
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A lei no 43 de 1895 constituiu o primeiro código
da cidade do município, estabelecendo normas para as
edificações no perímetro urbano, evitando o
agravamento das condições de insalubridade.
Definiu dimensões mínimas para os recuos, áreas de
iluminação e ventilação, cômodos e janelas e altura
dos pavimentos e dos pisos assoalhados. Definiu
também a espessura das paredes e determinou seus
revestimentos. Proibiu ainda a construção em terrenos
alagadiços e pantanosos. Exigiu ligação de esgotos e
captação de águas pluviais, mantendo normas
anteriores que determinavam a aprovação prévia de
todas as plantas pelo engenheiro municipal (BADARÓ,
1996, p.80).
Equipes médicas vindas de São Paulo e Rio de
Janeiro tentaram socorrer os vitimados, mas a situação
só melhorou em 1896, com a criação da Comissão de
Saneamento do Estado, que, através da Intendência de
Obras Municipais, definiu a construção de um conjunto
de obras de drenagem e saneamento básico. A
comissão era composta por estado e município e tinha
como chefes do distrito Saturnino de Brito e o também
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engenheiro Alfredo Lisboa. Entre os anos de 1896 e
1897, o município executou um conjunto de obras
anteriormente projetadas, entre elas a canalização em
três cursos d’água, a criação de parques lineares ao
longo de avenidas, a recomendação de uso de
hidrômetros, entre outras.
Francisco Saturnino de Brito nasceu em
Campos dos Goytacases, no estado do Rio de Janeiro,
em 1864. Formou-se em engenharia civil em 1886 pela
escola Politécnica do Rio de Janeiro e, no ano seguinte,
iniciou a elaboração do traçado e construção de
ferrovias (Estrada de Ferro Tamandaré e Estrada de
Ferro Baturité), o que o ajudou na familiarização com
levantamentos topográficos. Em 1893, a pedido do
Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba, Sr. Luiz
de Moraes Barros, fez o levantamento da cidade,
visando o estudo da rede de esgoto, iniciando, assim,
seus trabalhos como engenheiro sanitarista.
O engenheiro aplicou suas idéias de
saneamento e embelezamento em 53 cidades
brasileiras, como mostra o quadro ao lado, em uma
época em que no país “não existiam linhas comerciais
DATA LOCAL ATIVIDADE 1887 -92 Minas Gerais, Pernambuco e Ceará Traçado e construção de ferrovias 1893 Piracicaba – SP Levantamento planta topográfica da cidade 1894 Distrito Federal e Rio de Janeiro Elaboração de Carta Cadastral 1894 -95 Belo Horizonte - MG Chefe da Seção de abastecimento d´água na
Comissão Construtora da Capital
1896 Vitória – ES Projeto de arruamento, saneamento e melhoramentos do “Novo Arrabalde”
1896 -97 Campinas, Ribeirão Preto, Limeira, Sorocaba, Amparo – SP
Proj. de saneamento como Engenheiro – Chefe na Comissão de Saneamento do estado de São Paulo
1898 Petrópolis – RJ Projeto de Saneamento 1899 Paraíba do Sul - RJ Projeto de Saneamento 1900 Itaocara - RJ Projeto de Saneamento 1902 -03 Campos – RJ Projeto de Saneamento 1905 São Paulo – SP Estudos para abastecimentos d`água 1905 Niterói - RJ Parecer sobre plano de execução de esgotos 1905 -09 Santos –SP Plano de extensão e de saneamento 1909 Rio Grande – RS Projeto de Saneamento 1909 São João da Boa Vista – SP Parecer sobre sistema de esgoto 1909 -15 Recife – PE Projeto de Saneamento 1913 São Paulo Parecer sobre abastecimento d´água
1913 João Pessoa - PB Projeto de Saneamento 1913 Pelotas – RS; Belém - PA Parecer sobre sistema de esgoto 1915 Juiz de Fora – MG Estudos preliminares para o saneamento 1918 Santa Maria – RS Projeto de Saneamento 1919 Cachoeira, Cruz Alta, Passo Fundo,
Rosário - RS Projeto de Saneamento
1920 Santana do Livramento - RS Projeto de Saneamento 1920 Iraí – RS Parecer de Saneamento 1921 Curitiba - PR Projeto de Saneamento 1921 Distrito Federal e Rio de Janeiro Projeto de proteção da Praia de Copacaba 1922 São Leopoldo – RS; Uberaba – MG;
Lagoa Rodrigues de Freitas - RJ Projeto de Saneamento
1923 Uruguaiana e São Gabriel - RS; Aracaju - SE
Projeto de Saneamento
1924 Paraíba do Norte Projeto ampliação do abastecimento d´água 1924 Iraí – RS Projeto de Saneamento 1924 -25 São Paulo Projeto de Melhoramento do Rio Tietê 1924 -29 Campos – RJ Projeto de defesa contra inundações 1926 -28 Pelotas – RS Projeto de Saneamento 1927 Teófilo Otoni – MG; Alegrete – RS Projeto de Saneamento 1927 Manguinhos – RJ Parecer sobre melhoramentos da Baixada 1927 Rio Trapicheiro - RJ Parecer sobre canalização 1928 Poços de Caldas – MG Projeto de Saneamento 1928 Salvador – BA Projeto de abastecimento d´água
Fonte: ANDRADE, 1992, p.103
77
de aviões e as comunicações eram difíceis. Seus
esforços foram imensos para dar cabo a todos os seus
trabalhos” (LEME, 1999, p.455). Além de atividades
práticas, o engenheiro publicou diversos trabalhos que
são usados como referência até os dias de hoje.
Faleceu em março de 1929.
Em Campinas, os moradores ainda se
recuperavam dos surtos consecutivos de febre amarela,
quando o engenheiro foi chamado para fazer o parecer
das condições das redes de esgoto, distribuição de água
potável e a limpeza das áreas públicas. Brito ingressou
na recém criada Comissão de Saneamento do Estado
de São Paulo, em 1896, sendo nomeado chefe do 2º
Distrito, cuja sede era a própria cidade.
Será na cidade de Campinas, entre os anos de
1896 e 1898, que o engenheiro alcança seu
amadurecimento profissional, que culminará com as
obras que realiza para a cidade de Santos, entre 1904 e
1910 (ANDRADE, 2002, p. 11).
78
2.2.1 – A presença de Saturnino de Brito na cidade
de Campinas
A situação de insalubridade da cidade de
Campinas acarretou devida a vários surtos consecutivos
de febre amarela, em 1890, 1892 e 1896, dizimando boa
parte dos moradores e produzindo uma migração da
população para o campo ou cidades vizinhas.
O engenheiro Saturnino de Brito (Figura 398), na
época chefe do 2º Distrito da Comissão de Saneamento
do Estado de São Paulo, foi chamado para fazer um
parecer da situação do sistema de saneamento da
cidade. A comissão instalou-se em Campinas a 6 de
agosto de 1896, em prédio cedido pela municipalidade,
o antigo Mercado Grande que foi adaptado para
Desinfetório Municipal
Logo que chegou a cidade, Brito iniciou uma
análise minuciosa de obras, projetos e orçamentos que
estavam em andamento. Verificou, também, as
condições das redes de esgoto, distribuição de água
potável e a limpeza e aspectos das ruas e praças.
Figura 39 – Saturnino de Brito Fonte: www.istitutohistoriador.blogspot.br
79
Seus melhoramentos concentraram-se mais
especificamente nas obras de saneamento, tendo
apenas a correção que faz no projeto de drenagem
que já vinha sendo executado, implicando em
modificação significativa da paisagem urbana
(ANDRADE, 2002, p.13)
O engenheiro propôs modificações nas obras de
drenagem dos ribeirões e córregos, nas canalizações e
construções de galerias de águas pluviais que estavam
em andamento. Propôs também a revisão de contratos
com empreiteiros, alterando custos e prazos.
Uma de suas intervenções foi a de reforçar a
captação d’água dos Ribeirões Iguatemi e Bom Jardim,
elevando a cota do ponto de captação, chegando até a
cabeceira do São Bento, melhorando assim a qualidade
da água e aproveitando a capacidade da adutora
existente, sempre tendo em vista “a impossibilidade de
despesas extraordinárias”.
A elevação da captação, de maneira a reunir as águas
à cota 140m, além do inestimável proveito de colhê-Ias
incomparavelmente mais puras e frescas que as que
80
abastecem presentemente a cidade, traz a ponderosa
vantagem de melhor se aproveitar a capacidade da
atual linha adutora (...) (BRITO, 1943, vol IV, p. 151).
Sugeriu a formação de novas represas cercadas
e arborizadas em uma faixa de 50 a 100 metros. Propôs
a implantação de caixa de decantação; saneamento dos
cursos nos trechos embrejados empregando manilha; a
criação de novos reservatórios permitindo lavagens
freqüentes e a desapropriação de área com intuito de
proteger os mananciais.
Sobre a rede de distribuição de água da época,
o engenheiro citou que havia “consideráveis perdas
pelas fugas e pelos lastimáveis abusos de deixar
abertas as torneiras, o que sempre tem lugar quando o
consumidor não é interessado na economia da água”.
Para sanar o desperdício Brito propôs reformar as bases
de fornecimento e introduzir os hidrômetros. Cobrar um
preço mínimo pelo fornecimento de água, de acordo
com o número aproximado de moradores, e elevar o
preço conforme o valor da propriedade.
81
Pensou, também, no caso da população
aumentar consideravelmente, sendo necessário
estabelecer as bases para o desenvolvimento do
abastecimento. Atualmente, o processo de expansão das
cidades não considera a fragilidade do ecossistema,
evidenciando seu caráter predominantemente quantitativo,
em detrimento do aspecto qualidade (ROGERS, 2001).
Com relação ao esgoto, Saturnino de Brito fez o
seguinte parecer, reiterando sua preocupação com as
futuras avenidas que provavelmente margeariam os
ribeirões canalizados da cidade:
Desconhece esta Comissão os detalhes da atual rede
de esgotos e não pode portanto avaliar a sua
suficiência nem sugerir proveitosos melhoramentos.
Atendendo a forte declividade de que se dispõem em
geral é de supor que tenha havido sempre um
funcionamento regular dos esgotos observando
apenas que alguns tampões tem saltado por ocasião
de fortes chuvas. No entanto havendo a Comissão
Sanitária mui judiciosamente determinado a
cimentação das áreas ou pátios em torno das torneiras
e debaixo das goteiras dos telhados obrigando mesmo
a cimentar completamente os pequenos pátios onde os
raios do sol dificilmente penetram e provindo daí maior
82
contribuição para os esgotos e talvez com o tempo a
insuficiência de vazão do atual coletor principal que é
de ferro; tornar-se-ia assim necessária a construção de
novo coletor, o qual poderia ser projetado sob as
avenidas que em futuro próximo provavelmente mar-
gearão os ribeirões canalizados (BRITO, 1943, vol IV,
p. 151).
Brito fez uma análise sobre o lixo dizendo que a
municipalidade gastava muito com a remoção do lixo, e
que este permanece em grande número de casos,
depositado durante quatro a cinco dias em áreas
reduzidas e úmidas. Em sua opinião, o lixo deveria ser
incinerado em um crematório e que se deveria procurar
utilizar industrialmente este serviço, ou “entrega-o à
lavoura, o que seria mais simples e econômico”.
O sanitarista propõe a alteração do projeto que
anteriormente estava sendo executado, deixando
descoberto o trecho do Ribeirão Anhumas, entre o
Ribeirão Tanquinho e o Córrego do Serafim (Figura 40).
83
Figura 40 – Circulada em vermelho a localização da proposta de Saturnino de Brito no mapa de hidrografia feito pela arquiteta Mirtes Maria Luciani Lopez e na foto aérea. A cima a área, inserida no perímetro urbano de Campinas. Fonte: LOPEZ, 2004, p.106, www.campinas.sp.gov.br e imagem gerada pelo programa Google Earth
84
Nos trechos em que os ribeirões banhavam os
fundos de quintais é mantida, por medida de higiene, a
galeria coberta. Nas áreas a céu aberto, o engenheiro
propõe avenidas arborizadas, “medida esta que
somente à municipalidade compete tornar em
realidade”.
(...) O lançamento destes canais e destas galerias
sugiro, porém, a idéia de fazê-los seguir de a avenidas
e ruas, abrindo-se assim para a cidade espaçosas vias
de comunicação, que ao mesmo tempo, possam
trazer-lhes os predicados estéticos de esplendidos
passeios a par de vantagens higiênicas que
desnecessário é fazer realçar aqui (BRITO, 1897 vol
IV, p. 151).
As avenidas marginais ficaram conhecidas como
Avenida do Saneamento (atuais avenidas Anchieta e
Orozimbo Maia) (Figura 41 e 42) e formariam um novo
eixo de circulação, “adicionando qualidades estéticas á
uma nova área da cidade, para onde estava se
estendendo um bairro residencial” (LIMA, 2000, p.91). O
projeto ao mesmo tempo em que era técnico com a
Figura 41- Foto do canal de saneamento na atual Avenida Orozimbo Maia (sem data) Fonte: ANDRADE, 2002, p.11
85
contenção dos taludes laterais e a drenagem das
margens úmidas, possuía a preocupação estética do
embelezamento das vias públicas.
A articulação urbanística proposta, por meio de bem
definidas regras de desenho e perspectiva,
consolidaria a construção panorâmica de uma solução
de townscape.
O canal de drenagem a céu aberto operaria muito além
do simples fluxo das águas, porque, através de uma
articulação das ruas existentes com a avenida
projetada faria circular a cultura urbana de sua época.
Uma paisagem assim desenhada por obras públicas
de saneamento básico organizaria, através da
maquinaria higienista adotada, relações novas entre a
vida privada do espaço da casa e a dimensão pública
do espaço urbano.
Esta obra pioneira de Saturnino de Brito delineia sua
primeira experiência concreta de uma townscape
dentro da melhor tradição pitoresca do jardim inglês,
da avenida-parque anglo-americana e do boulevard
francês. (SANTOS, 2002, p.186).
Figura 42 – Desenho do engenheiro Saturnino de Brito da do cruzamento da Avenida Orozimbo Maia com a Rua Dona Libania. Arquivo Histórico do CONDEPACC Fonte: SANTOS, 2004, p.120
86
A autora Siomara Lima (2000, p.91) defende que
os boulervards projetados por Saturnino, demonstram a
preocupação com o bem estar do pedestre, por utilizar a
água como elemento paisagístico, possibilitando um
percurso agradável pela cidade (Figura 43).
A maior parte de nossos parques públicos, praças e
ruas são um legado dos séculos anteriores. Nesta era
moderna da democracia, poderíamos esperara
acréscimos mais importantes ao âmbito público, mas,
de fato, nossa contribuição surge como um elemento
de destruição destes espaços, realizada pelo tráfego e
pela ambição pessoal. (ROGERS, 2001, p.71)
Por outro lado o autor Carlos Andrade defende
que as implantação das avenidas marginais aos cursos
d’água serem do ponto de vista paisagístico uma
solução de cunho modernizador, o boulevard sanitarista
de Brito promoveu um aproveitamento ecologicamente
prejudicial ao fundo de vale, sacrificando matas ciliares
e várzeas alagadiças em uma artificalização da
paisagem (ANDRADE,2002, p.20). Figura 43 - Foto do canal retificado do córrego Serafim, transformando-se no início do século XX em ponto de lazer da população da cidade (sem data). Fonte: ANDRADE, 2002, p.11
87
Figura 44 – Foto aérea da Avenida Orozimbo Maia, onde poucos trechos aparecem ajardinados como sugerido por Saturnino de Brito. No mapa menor, em vermelho destaca a Av. Orozimbo Maia. Fonte: www.campinas.sp.gov.br e imagem gerada pelo programa Google Earth.
88
Atualmente a Avenida Orozimbo Maia possui
grandes valetas cimentadas, pouquíssimos trechos
arborizados e sem a preocupação com o bem estar do
pedestre. O cenário atual é muito diferente do idealizado
por Saturnino de Brito (Figura 44).
Brito também propõe alteração no projeto de
uma grande lavanderia pública, proposto anteriormente
por uma Comissão no triangulo formado pelas ruas
Santa Cruz e D. Libânia e pelo rio Anhumas. O edifício é
descrito pelo relatório de Lisboa:
O edifício seria levantado sobre colunas de ferro
apoiadas nos encontros e sobre muros construídos
alem da crista dos taludes; e teria um só pavimento
sobre abobadilhas de tijolo, repousando em vigas
metálicas; as fachadas principais enfrentariam
pequenas praças ajardinadas de forma triangular
(BRITO, 1943, vol IV, p. 160).
Infelizmente, não foram encontramos os
desenhos referentes à lavanderia pública e sua
construção nos parece inconcebível nos dias atuais.
89
Segundo Andrade, engenheiros, como Francisco
de Paula Souza, também formularam, em 1880, projetos
de abastecimentos de água e esgotos para a cidade,
que só foram concretizados onze anos depois através
da Companhia Campineira de Abastecimento de Águas
e Esgotos. Nesse projeto não eram previstos
hidrômetros e diversos chafarizes públicos forneciam
água para a população.
É apenas com as obras de Brito que uma rede
enquanto sistema irá estrutura o traçado urbano,
anunciando a universalização de um serviço que
progressivamente assumirá a forma mercadoria e será
incorporado pelo Estado (ANDRADE, 2002, p.15).
O engenheiro Saturnino de Brito realizou obras
de drenagem e canalização do córrego Anhumas, a
construção de uma perimetral ao centro histórico da
cidade de Campinas. Esta transposição se tornou
fundamental para o futuro acesso em direção aos
bairros mais próximos.
90
As definições do programa de engenharia
sanitária a serem implementadas na cidade de
Campinas, propostas de Brito para Campinas, foi com
base na teoria dos meios. O autor Lapa explica que o
parecer do sanitarista faz analogia entre a cidade com o
meio natural que está inserida.
Percebe -se inclusive uma concepção organicista, que
de resto ocorre no urbanismo ocidental, que é o de
identificar a funcionalidade da cidade com a do corpo
humano. Como também é marcada a “teoria dos meios”
adequando Campinas ao meio natural em que foi
implantado, recuperando o que responde às suas
necessidades e rejeitando o que lhe é nocivo. Nesse
sentido, o Plano de Saturnino de Brito, fiel defensor
daquela teoria, procura justamente essa interação entre
a cidade de Campinas e o meio natural onde está
localizado o seu sítio. A aereação e a purificação do ar
correspondem com o dessecamento de pântanos
miasmáticos e a arborização. O tratamento e das águas,
com a proteção dos mananciais, retificação e
canalização dos córregos, como foi a construção do
Canal de Saneamento, na atual Av. Orozimbo Maia.
(LAPA, 1992, 48).
91
O controle técnico claramente encontrado nas
propostas de Brito aparece relacionado com qualidades
estéticas, como cita o autor Andrade.
As obras de saneamento que o Engenheiro Saturnino
de Brito projeta para a cidade de Campinas, em um
momento crítico de sua história econômica e social, ao
serem realizados, não apenas redefinirão radicalmente
as condições de salubridade urbana, afastando a
ameaça das epidemias, mas também introduzirão uma
nova concepção de cidade, na qual a funcionalidade e,
portanto, sua dimensão técnica, é valorizada em
detrimento das outras características, em especial de
sua forma, isto é, sua dimensão estética, que passa a
ser determinada pelas soluções técnicas de
saneamento (ANDRADE, 2002, p.20).
Apesar das limitações da época, o plano
proposto por Francisco Saturnino de Brito, foi a primeira
experiência em pensar a cidade de Campinas na sua
totalidade, prevendo os futuros problemas e propondo
soluções.
92
Os surtos epidêmicos, que se manifestavam
quase que uma vez por ano, na década de 90, só foram
desaparecer com as ações promovidas pela Comissão
de Saneamento. O plano contribuiu para o início da
reforma da cidade de final de século, adequando-a para
sua futura remodelação na década de trinta. Tratava-se
de um projeto urbanístico, elaborado em 1934, pelo
engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia com a
colaboração de engenheiros campineiros, na primeira
administração Miguel Vicente Cury (1948-1952).
93
Capítulo III
A QUESTÃO DO URBANISMO NA
MODERNIZAÇÃO DE CAMPINAS
3.1 - As cidades e o urbanismo
A palavra urbanismo, segundo a autora
Françoise Choay, é de formação recente. Seus
equivalentes em inglês, “city planning”, e alemão,
“Stadtebau”, são citados nos dicionários a partir do
século XX. Nas línguas latinas, o termo foi mencionado
pelo engenheiro espanhol Idelfonso Cerda (1816 –
1876), na obra Teoría General de la Urbanización,onde
indica que, a partir da raiz “urbs”, a palavra nova terá o
estatuto de uma “verdadeira ciência” (CHOAY, 1992,
p.18)
O urbanismo pode ser definido pela prática
social que, após a Revolução Industrial, procura
construir uma ordem espacial urbana, para uma nova
94
sociedade econômica e tecnológica. È uma prática
específica no processo de organização do espaço
urbano.
O autor Lucio Costa, na carta dirigida, em 1958,
ao engenheiro Israel Pinheiro, então presidente da
Novacap e transcita no “Correio da Manhã”, define
Urbanismo – o que se refere a urbs, não o “continental
ou o interplanetário” – é precisamente isto: empreender
desde logo as obras fundamentais, concebidas em
função do futuro e de tal modo que a ordenação clara e
harmônica do partido adotado se revele, de fato, uma
decorrência delas (COSTA, 2007, p.287).
A organização morfológica das cidades, até o
primeiro Renascimento, na Itália, e até o final do século
XVI em outros países da Europa, eram formas de
aglomerações reguladas por discursos religiosos,
jurídicos ou políticos. Porém, a concentração
demográfica e a transformação dos meios de produção,
impulsionarm surgimento do urbanismo.
95
(...) os romanos preparavam uma cidade não hesitando
em se submeter aos rigores e aos riscos de uma
previsão. Mais do que riscos, essa sabedoria lhes
fornecia certezas, elementos positivos de urbanismo, o
meio de colocar os moradores em condições favoráveis
(LE CORBUSIER, 2008, p.55)
O arquiteto Lucio Costa (2007, p.347) explica
no depoimento prestado ao jornalista Cláudius
Ceccon,em 1961, sobre a construção de Brasília, que “o
urbanista deve limitar-se a criticar condições para o
desenvolvimento regional e urbano se processe
organicamente, e a guiá-lo para que o crescimento
natural ocorra no melhor sentido, de acordo com as
necessidades de vida e as circunstâncias”.
Já o arquiteto Le Corbusier (2008, p.14), em
seu livro “Planejamento Urbano” faz uma comparação
entre o urbanista e o arquiteto. Trata-se de uma
premissa antiquada, pois acreditava que a cidade
deveria ser pensada e planejada funcionalmente como
uma edificação. Desconsiderando, assim, que as
atividades pudessem conviver harmoniosamente no
espaço urbano.
96
Urbanista nada mais que o arquiteto. O primeiro
organiza os espaços arquiteturais, fixa o lugar e a
destinação dos continentes construídos, liga todas as
coisas no tempo e no espaço por meio de uma rede de
circulações. E o outro, o arquiteto, ainda que interessado
em numa simples habitação e nesta habitação, numa
mera cozinha, também constrói continentes, cria
espaços, decide sobre circulações. No plano do ato
criativo, são um só o arquiteto e o urbanista
(CORBUSIER, 2008, p. 14)
A autora Choay (1992, p.18), defende que o
discurso urbanístico deriva de duas fontes distintas que
revelam suas diferentes tendências. Por um lado, o
urbanismo regularizador, que tem em Haussmann seu
mais importante expoente e, por outro lado, o urbanismo
tanto progressista como culturalista, definido pela autora
como pré-urbanistas, que descendem dos discursos
utopistas dos reformadores sociais do século XIX, como
Owen, Fourier, Morris. Este discurso pré-urbanista
provocou apenas aplicações pontuais e sem
conseqüências sócio-econômicas.
Hausmann transformou Paris em uma nova
cidade, melhorando os parques e criando outros,
97
construindo vários edifícios públicos, como a L’Opéra.
Em sua obra, motivo de inspiração para outras cidades
da Europa, Estados Unidos e inclusive Brasil, o
engenheiro arquiteto apresenta três redes de circulação:
dos homens, de ar e de circulação de fluídos
(abastecimento de água e eliminação de dejetos).
No Brasil, o papel do urbanista foi mais
difundido com a construção de Brasília, em 1957, porém
com as limitações impostas por um país em
desenvolvimento, de rápida urbanização e poucos
recursos, a profissão não teve o reconhecimento
merecido.
(...) Brasília contribuiu para a divulgação da existência
do planejador, do urbanista. O desenvolvimento de um
município não pode prescindir do urbanista, para
disciplinar-lhe o crescimento e prever soluções para
problemas que ainda surgiram, mas que virão com
certeza. Quanto ao urbanista em si, quem sabe deixará
de rodeios e de fazer da profissão um bicho-de-sete-
cabeças, tornando-se mais simples, direto e objetivo
(COSTA, 2007, p.287).
98
Campinas contou com o renomado urbanista
Francisco Prestes Maia, em 1934, fazer propostas
urbanísticas com o intuito de ordenar o crescimento
acelerado da cidade.
99
3.2 – O Plano Prestes Maia para Campinas
As rigorosas medidas de higiene e a execução
de importantes obras de saneamento, principalmente
após as medidas conseqüentes das epidemias de febre
amarela no final do século XIX, unidos ao desejo de
progresso, a crescente industrialização e o contato com
exemplos de urbanização norte americanos e europeus,
tornaram a população de Campinas mais consciente da
necessidade de contratação do plano de urbanismo.
Os novos loteamentos projetados por
companhias imobiliárias, em inúmeras vezes, não
respeitavam a um planejamento geral, surgindo, assim,
problemas de ligação viária entre os bairros e com
centro da cidade. O sistema de abastecimento de água
estava obsoleto e era necessário uma rede eficaz de
esgoto, obras viárias, pavimentação e transporte. Era,
portanto, fundamental a formulação de um plano que
ordenasse o crescimento da cidade (Figura 45).
100
Figura 45 – Mapa de Campinas com os loteamentos até 1900 (em vermelho) e de 1925 até 1929 (em laranja). Desenho do Arquiteto Ricardo de Souza Campos Badaró sobre base de 1929 elaborado para servir de base para os estudos urbanísticos do Plano de Melhoramentos Urbanos. Fonte: Fonte: FERREIRA, 2007, p. 16
101
Outros fatores que influenciaram a contratação
de plano de urbanismo, segundo o autor Badaró (1996,
p.38), foram de significação cultural: o orgulho da
cidade, o bairrismo; e o nível intelectual da elite
dominante. Fatores herdados do período cafeeiro,
quando a cidade era considerada por muitos a capital
agrícola do estado.
O sentimento bairrista, profundamente ofendido com a
destruição e a estagnação conseqüentes da epidemia,
associado às questões concretas que então se
colocavam, traduziu-se no empenho das autoridades
municipais em fazer de Campinas a cidade mais limpa
e salubre do país.
Por outro lado o urbanismo, uma disciplina nova,
dedicada à ciência e à arte da organização espacial
urbana, não era desconhecido da elite dominante que
não raro contava entre seus membros pessoas que
haviam estudado e se formado em países mais
adiantados.
Quando a recuperação econômica e o
desenvolvimento industrial impuseram à cidade um
novo ritmo de crescimento, prosperou a idéia de um
plano de urbanismo. (BADARÓ, 1996, p.38)
102
O prefeito Orozimbo Maia, em ofício dirigido a
Câmara Municipal em 1929, comprovou a necessidade
de se elaborar um plano de urbanismo e sua
preocupação com a expansão da cidade.
(...) Poderá parecer a muitos ser uma temeridade
cogitar-se deste assumpto em occasião de tamanhas
aperturas, de uma crise mundial, sem precedentes.
Não há tal, porém. Campinas por sua administração,
não pode descurar de um assumpto de tamanha
relevância.
Eu não penso positivamente em realizar tão grande e
indispensável empreendimento. É cousa para levar
dezenas de annos, ou séculos mesmo. O que eu
desejo; Exmos. Snrs. Vereadores, é organizar um
plano para ir, tendo execução paulatina, de accôrdo
com os recursos da occasião.
É claro, é evidente que Campinas progride, com
tendência a ser uma grande cidade, talhada a ser um
centro industrial privilegiado pela sua situação e vias
Anhaia Mello, o relatório com considerações gerais da
situação encontrada naquele momento sobre o
urbanismo e sobre a elaboração de um master plan para
Campinas. Segundo o autor Badaró a continuidade da
elaboração do master plan foi prejudicada pela
Revolução de 1930 e pelos seus desdobramentos na
esfera municipal.
Somente quatro anos depois, na administração
do engenheiro Perseu de Leite de Barros, foi dado
continuidade no desejo e necessidade de elaborar o
plano de urbanismo para Campinas.
Uma palestra proferida pelo engenheiro Carlos
William Stevenson, em 1933, na época membro do
Conselho Consultivo da cidade mostrou o anseio da
população de transformar Campinas, novamente em
uma grande cidade. A palestra foi o impulso
fundamental para a contratação do renomado urbanista
Francisco Prestes Maia, que havia desenvolvido o Plano
de Avenidas para a cidade de São Paulo.
104
E todos nós, campineiros natos e de adoção,
queremos ver esboçado o plano de uma nova cidade,
a Campinas de Amanhã, que possa abrir aos visitantes
os solares de hospitalidade, pelas portas largas de
bem traçadas avenidas, cheias de ar, de luz, de
elegantes prédios e bons edifícios públicos
(STEVENSON, 1933, p.6)
O Dr. Stevenson apresentou em sua palestra a
importância do urbanista em “saber preparar as cidades
de hoje para um tão dilatado amanhã” (STEVENSON,
1933, p.6). Apontou os principais problemas
encontrados como “ruas deselegantes; estreitas, mal
edificadas, cortadas de incômodas sarjetas” (idem,
1933, p.10) e também citou a necessidade de
contratação de um urbanista.
O contrato de um urbanista a fim de colher e coordenar
os dados e elementos necessários e orientar o traço da
cidade é medida que por si mesma se justifica, como
prudente e sensata, devendo ser talvez o primeiro
passo objetivo, no caminho que urge trilhar
(STEVENSON, 1933, p.9).
105
Atendendo aos conselhos do Dr. Stevenson, em
1934, o engenheiro e arquiteto Prestes Maia foi
contratado para realizar o plano urbanístico da cidade. O
plano apenas foi aprovado em 1938 e, segundo Badaró
(1996, p.50), a proposta se destacou por ser
“abrangente, técnico, prático e objetivar um período de
tempo dilatado”.
Francisco Prestes Maia possuía grande
prestígio, pois foi Engenheiro-Arquiteto da Diretoria de
Obras Públicas de Campinas, a partir de 1928. Foi
convidado para assessorar estudos sobre a circulação
de veículo no centro da cidade de São Paulo. E no
período de 1938 a 1945 foi prefeito da cidade de São
Paulo, quando executou o de “Plano de Avenidas”. Este
plano reformulava parte do centro da cidade, propunha a
construção de viadutos e túnel e alargamento de
avenidas (Figura 46).
O engenheiro apresentou uma exposição
preliminar sobre os estudos e serviços que iria
desenvolver (Anexo 2). Iniciou seu documento dizendo:
Figura 46 – Francisco Prestes Maia expondo sua proposta para São Paulo. Fonte: www.promemoriadecampinas.com.br
106
Na antiguidade a fundação duma cidade era uma
solenidade religiosa e não se realizava antes de
afirmarem os augures que os Deuses eram propícios.
Podemos fazer um paralelo: hoje é a inauguração dos
estudos urbanísticos que pode ser considerada
solenidade cívica, porque marca o inicio da vida
urbana consciente e perfeitamente organizada (MAIA,
1934, p. 89).
Ele cita, também, que o plano deve ser
compreensivo, isto é abranger todos os principais
aspectos gerais da vida da população e estender-se a
todo o município, embora dando o especial destaque á
cidade e aos aspectos materiais. Demonstrando a
preocupação em harmonizar as necessidades humanas.
Atualmente as cidades que ao serem planejadas
possuem “ampla compreensão das relações entre
cidadãos, serviços, políticas de transporte e geração de
energia, bem como seu impacto total no meio ambiente
local e numa esfera geográfica mais ampla” (ROGERS,
2001, p.32) são consideradas cidades auto-sustentáveis
e devem ser seguidas como exemplo.
107
A primeira medida tomada por Prestes Maia foi
organização de quadros técnicos convenientes com os
serviços que o engenheiro pretendia realizar. Foram
contatados profissionais para servirem à Diretoria de
Obras e Viação e Diretoria de Águas e Esgotos.
Prestes Maia, na apresentação do plano ao
prefeito, Sr. José Pires Netto e ao Conselho Consultivo
da cidade, que substituía a Câmara Municipal extinta
pela Revolução de 1930, explica que “o Plano De
Urbanismo [de Campinas] está longe de resumir-se a
um plano de ruas, pois todos os fatos e aspectos
urbanos e municipais se entrelaçam, deve ainda,
enquadrar-se num plano – embora muito sumário”
(BADARÓ, 1996, p.50).
Outro aspecto apontado pelo autor Badaró é a
praticidade como um requisito fundamental do plano,
levando em consideração aspectos econômico do
município e as necessidades e aspirações da
população, sem o “clamor por coisa grandiosa” (MAIA,
1934, p. 90).
108
O caráter técnico e científico do plano opõe-se ao
palpite ou ao sentimento e tem nas estatísticas e
investigações importantes auxiliares, que embora sem
determinar estreitamente as soluções, são
componentes importantes para a exata definição e
equacionamento dos problemas urbanos e de especial
utilidade para comparações futuras, nas revisões que
se fizerem necessárias (BADARÓ, 1996, p.50).
O engenheiro salientou que o plano atingiria de
20 a 50 anos, impondo diretrizes a serem cumpridas em
etapas em um extenso prazo. O plano não deveria ser
imediatista e nem se prender a problemas pontuais, mas
com o objetivo principal de antecipar problemas
decorrentes do crescimento urbano.
Maior ainda que a utilidade imediata será a sua
utilidade futura, como elemento comparativo, quando
se proceder á revisão do plano, - coisa necessária a
grandes intervalos para atender tanto á evolução
natural da idéias como á experiência local (MAIA,
1936, p.90).
109
Prestes Maia definiu as seguintes etapas de
trabalho:
a. Coleta de dados;
b. Inquérito cívico e técnicos (survey);
c. Elaboração e crítica dos resultados
anteriores;
d. Esboços preliminares;
e. Concursos auxiliares;
f. Plano propriamente dito;
g. Exposição de recursos;
h. Exposição geral ou relatório;
i. Propaganda; e
j. Estudos complementares e
eventuais questões gerais tais como
governo municipal e organização técnica
e administrativa, detalhes mais
importantes, adaptações, etc.).
Foi criada uma comissão, denominada
Comissão de Urbanismo, que tinha como foco principal
“zelar pelo interesse coletivo, levando à equipe técnica
as condições e aspirações gerais da comunidade, além
de estabelecer a comunicação desta com a prefeitura e
110
outras entidades interessadas na organização do plano”
(BADARÓ, 1996, p.53).
Os integrantes da comissão eram indicados e
representavam diferentes profissões da área de
economia, imprensa e entidades ligadas ao serviço
público. A comunidade era representada apenas por
indivíduos mais notáveis, escolhidos, principalmente
para fazer propaganda do plano junto à população.
A comissão era encarregada, após a aprovação
do plano, de levar ao conhecimento da população,
através de exposições, palestras e jornais os inúmeros
desenhos, perspectivas e a maquete da área central.
Prestes Maia trabalhou com valores universais
no Plano de Melhoramentos Urbanos: a higiene e a
saúde; o cultivo do corpo e espírito; a eficiência e o
rendimento – sobretudo do sistema viário. A antiga
cidade cafeicultora passou a ser pensada sob o aspecto
funcional, dividida em quatro funções: habitação,
recreação, trabalho e circulação.
111
O Plano de Melhoramentos Urbano, como já foi
mencionado anteriormente, abrangeria um período de
tempo situado entre 25 e 50 anos, imaginando que a
cidade atingiria cerca de 280 mil habitantes. A
preocupação com o crescimento em ritmo acelerado
também foi considerada pelo engenheiro Saturnino de
Brito ao fazer seu parecer sobre o sistema de
abastecimento de água e esgoto em 1896.
O projeto viário propunha uma extensa lista de
obras de alargamento e prolongamentos de ruas. Para
isso, vários edifícios foram demolidos, entre eles, a
igreja do Rosário (Figura 47). O plano constituía,
basicamente, de radiais e perimetrais, que circundavam
a cidade. De acordo com Badaró, as vias eram
concêntricas, contornando, assim, sucessivamente, o
centro histórico, o perímetro já construído, a nova
periferia em expansão, de modo a articular as radiais e
conectar as diversas porções da área urbana.
Perimetrais externas tinham funções
paisagísticas e de lazer, permitindo o passeio de
automóvel através de avenidas arborizadas,
tangenciando ou mesmo penetrando em belos parques
Figura 47 - Igreja do Rosário na Praça Visconde de Indaiatuba e quando foi demolida. Autor e data das fotos desconhecidos. Fonte: www.campinas.sp.gov.br/portal_2003_sites/conheca_campinas.htm
112
urbanos, os chamados “park-ways”. O engenheiro
Saturnino de Brito teve o mesmo cuidado ao projetar as
Avenidas do Saneamento (atuais avenidas Anchieta e
Orozimbo Maia), formando um novo eixo de circulação
com áreas verdes. As duas propostas, além de técnicas,
demonstram a preocupação com o bem estar do
pedestre e do motorista.
Foram propostas duas avenidas ortogonais, com
o reticulado retangular da área central, de tal maneira a
fazer conexão entre o centro principal e o centro
secundário.
Uma torre de 27 metros de altura foi projetada
em 1938 pelo urbanista no bairro Castelo. Inaugurada
dois anos depois, foi, além de um reservatório de 250
mil litros de água, o marco de triangulação geodésica do
município (ponto de referência para levantamentos
geográficos com elevada precisão) (Figura 48).
O urbanista sugeriu a criação de bairros que
fossem unidades habitacionais completas ou chamadas
de “self-sustaining”, garantido aos moradores à
proximidade ao comércio de primeiras necessidades, da
escola e da área de lazer.
113
Figura 48 – Fotos aérea da torre no bairro Castelo. Fonte:. www.campinas.sp.gov.br/portal_2003_sites/conheca_campinas.htm e imagem gerada pelo programa Google Earth.
114
As quadras residenciais seriam alongadas e
estreitas e as casas voltadas para vias mais espaçadas
e com pouco trânsito. As ruas transversais poderiam,
em alguns momentos, serem interrompidas por cul-de-
sacs e o trânsito principal concentrado nas vias de
contorno. Era proposto, também, espaço para play-
grounds internos que formariam faixas ajardinadas nos
fundo dos lotes, exclusiva para os pedestres e
interligando os diversos jardins do bairro.
A aplicação concreta destas concepções á zona de
expansão de Campinas seria uma das coisas mais
notáveis do urbanismo nacional. Temos vistos planos
de cidades nossas em que esta questão, de maior
alcance social, higiênico, estético, econômico e ao
mesmo tempo barato, no estrangeiro posto quase
sempre em primeiro plano, não era se quer lembrada,
as praças e pontos monumentais caríssimos figuravam
com estardalhaço (MAIA, 1935, p. 84).
A proposta, além de evitar a segregação
socioeconômica no espaço urbano, permite segundo
Maia, um zoneamento permanente e lógico.
Permanente por dispensar freqüentes alterações na
115
estrutura proposta e lógico por minimizar incertezas
sobre o crescimento futuro da cidade.
As unidades residenciais apresentadas sãos
semelhantes às cidades-jardins inglesas. Diferem
apenas “zona residencial no centro e comercial no
perímetro, ao passo que nas cidades-jardim verifica-se o
inverso” (MAIA, 1935, 83).
O autor Richard Rogers acredita que cidades em
que há proximidade com habitantes, espaços públicos,
paisagem natural e exploração de novas tecnologias
urbanas, as denominadas por ele de “cidade compacta”,
seria o habitat ideal para a sociedade.
As cidades devem estar próximas de seus habitantes,
propiciando o contato olho no olho, dispostas a agirem
como o fermento da atividade humana, da geração e
da expressão de uma cultura local. (ROGERS, 2001,
p.40).
116
A preocupação com as áreas verdes da cidade
também estava presente no Plano de Melhoramentos
Urbanos. Prestes Maia discordava dos índices de
correlação proporcional entre área verde e número de
habitantes, pois em Campinas era obtido o índice de 3
m²/habitante, enquanto urbanistas e higienistas
recomendavam de 30 a 60 m²/ habitante. Para aumentar
a relação de área verde o urbanista dotou a cidade de
amplos parques, com vegetação abundante e áreas
para prática de atividades físicas.
Ele acreditava que a “necessidade de parques é
pouco conhecida entre nós devido a hábitos viciosos e
idéias falsas. (...) O hábito vicioso é a relativa inércia e
má educação da raça em matéria positiva e de recreio.
(...) As idéias falsas versam, sobretudo sobre o
abandono dos parques existentes, argumentos contra os
novos (MAIA, 1934, p. 74).
Defendia também que os parques nas cidades
do interior são muito mais dignos de apreço,
comparados com os da capital.
117
Pessoalmente acho mesmo que as nossas cidades do
interior podem se notabilizar muito mais pelos seus
parques e por certas outras instituições que por suas
avenidas, praças e edifícios centrais, campo em que
nunca poderão lutar com a grandiosidade das grandes
capitais (MAIA, 1934, p.81).
A arquiteta Siomara Lima explica, no trecho a
seguir, que espaços abertos urbanos deveriam ser
projetados da mesma maneira que o sistema de
circulação.
O “sistema de recreio” deveria ser considerado da
mesma maneira que o sistema de ruas, de distribuição
de água, de transportes coletivos, etc., isto é, deveria
haver ‘um plano lógico, ordenado, de distribuição, uso
e ligação dessas áreas’. Para que o sistema
cumprisse seu papel demandaria diferentes tipos de
área verdes, com diferentes dimensões e
características, buscando abranger toda a cidade, os
quais ele define como: playgrounds, play-lot ou
kindergarten, para crianças até 5 anos de idade;
neighbrhood playground ou área de brinquedo distrital,
para crianças de até 12 anos ou 14 anos de idade,
playfield ou área de jogos organizados, para idades
superiores a 14 anos; margens de rios e lagos ou
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praias; campos de golfe; campo de atletismo;
acampamentos municipais; piscina de vários tipos;
clubes; teatros ao ar livre e outros; ovais, triângulos,
círculos e mais ‘jardinetes centrais’; parques urbanos;
grandes parques de periferia; parques exteriores e
reservas florestais, estaduais e nacionais; áreas de
paisagem dominante, mais de fim educativos: jardins
botânicos e zoológicos; e por fim, área de ligação
dessas unidades: parkway e pleasuredrives. (LIMA,
2002, p.112).
No Plano de Melhoramentos Urbanos aponta,
também, a criação de edifícios públicos, como a nova
sede do Paço Municipal, Fórum (Figura 49) e
Repartições Estaduais; Correios e telégrafos; hotel e
bairros industriais, tendo como referência os eixos de
transporte ferroviário. O principal dele, situado a
Noroeste, localizado no entroncamento das três
ferrovias, permitindo fácil acesso ferroviário. O segundo
bairro servido pela antiga Estrada de Ferro Funilense e
o terceiro na extremidade sul da linha de Ferro Paulista.
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Figura 49 – Perspectiva do Plano de Melhoramentos Urbanos - detalhe da Praça de Indaiatuba com o primeiro desenho do Palácio da Justiça ao fundo. Fonte : FERREIRA, 2007, p. 33
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Segundo o engenheiro as ferrovias,
normalmente, oferecem “oportunidades por vezes de
grandes e úteis metamorfoses, transformações radicais
e razoáveis, pois desde a implantação desse meio de
transporte, tudo mudou e cresceu espantosamente”
(MAIA, 1934, p.106). Porém, em Campinas, não havia
perspectiva favoráveis para transformações radicais no
sistema de ferrovias, pois a Mogiana atravessa zonas de
caráter residencial e a Sorocabana apresenta problemas
para realinhamento, exigindo altos investimentos. Já a
Estrada de Ferro Paulista dificilmente poderá ser
alterada no seu espigão obrigatório.
As avenidas de fundo de vale recomendadas por
Saturnino de Brito, em 1896, foram criticadas por
Prestes Maia. As “thalweggs” seriam empregadas
apenas se houvesse coincidência entre a geografia e as
ruas demandas de tráfego. Caso contrário, seriam feitas
simplesmente ruas comuns.
Pregou-o entre nós Saturnino de Brito. Alguns
discípulos exageram, porém, quando pedem
“avenidas” em todos os vales. Na realidade os
“thalweggs” aconselham simplesmente ruas. Se não
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coincidirem com necessidades muito fortes de
circulação e possibilidades de traçados de viação, far-
se-ão simplesmente ruas, o que será o caso normal
(MAIA, 1934, p. 109).
O engenheiro finaliza seu relatório explicando
que obras secundárias, de interesse local ou com custo
elevado, deveriam ceder o lugar ás de interesse mais
geral. E que a proposta, dentro das limitações
financeiras da cidade, possui os preceitos urbanísticos
mais modernos encontrados naquele momento.
(...) as condições do país não permitem ainda que as
nossas cidades, mesmo as mais progressistas, consigam
todas as perfeições que o urbanismo e o progresso
moderno têm inventado (avenidas, edifícios públicos
perfeitos, parques grandes e bem instalados, ferrovias não