UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO KARLA CHRISTINA NEVES DE SOUZA A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA POLITICA DE HABITAÇÃO BRASILEIRA: A GESTÃO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NO MUNICÍPIO DE ABAETETUBA NO ESTADO DO PARÁ BELÉM-PA 2013
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A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA POLITICA DE HABITAÇÃO … · a participaÇÃo social na politica de habitaÇÃo brasileira: a gestÃo do programa minha casa minha vida no municÍpio
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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
PROGRAMA DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
KARLA CHRISTINA NEVES DE SOUZA
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA POLITICA DE HABITAÇÃO BRASILEIRA:
A GESTÃO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NO MUNICÍPIO DE
ABAETETUBA NO ESTADO DO PARÁ
BELÉM-PA
2013
KARLA CHRISTINA NEVES DE SOUZA
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA POLITICA DE HABITAÇÃO BRASILEIRA:
A GESTÃO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NO MUNICÍPIO DE
ABAETETUBA NO ESTADO DO PARÁ
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Administração da Universidade da Amazônia como requisito
para obtenção do título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Desenvolvimento Sustentável.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria de Albuquerque
Vasconcellos.
BELÉM-PA
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
658.404
S729p Souza, Karla Christina Neves de.
A participação social na politica de habitação brasileira: a gestão do
programa Minha Casa Minha Vida no município de Abaetetuba no Estado do
Pará/ Karla Christina Neves De Souza. – Belém, 2013.
126 f.; il.: 21 x 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade da Amazônia, Programa de Pós
Graduação em Administração, 2013.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos.
FEHIS FUNDO ESTADUAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
FGTS FUNDO DE GARANTIA DE TEMPO DE SERVIÇO
FHC FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
FMHIS FUNDO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
FNHIS FUNDO NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
HIS HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
IAPs INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E PENSÕES
ICMS IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO E SERVIÇOS
LDO DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS
LOA ORÇAMENTO ANUAL
MAS MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL
MCIDADES MINISTÉRIO DAS CIDADES
MPO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO
MNLM MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA
ONG ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL
OGU ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO
OSC ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
PAC PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO
PEHIS PLANO ESTADUAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
PL PROJETO DE LEI
PLANHAB PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO
PLHIS PLANO LOCAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
PNH PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO
PMCMV PROGRAMA MINHA CADA MINHA VIDA
PNDU POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO
PNHR PROGRAMA NACIONAL DE HABITAÇÃO RURAL
PPA PLANO PLURIANUAL
SBPE SISTEMA BRASILEIRO DE POUPANÇA E EMPRÉSTIMO
SEAC SECRETARIA DE AÇÃO COMUNITÁRIA
SEHIS SISTEMA ESTADUAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE
SOCIAL
SEMEIA SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE
SEPURB SECRETÁRIA DE POLÍTICA URBANA
SFH SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO
SFI SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO
SM SALÁRIO MÍNIMO
SNDU SISTEMA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO
SNH SECRETARIA DE HABITAÇÃO NACIONAL
SNH SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO
SHHIS SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE
SOCIAL
SIMAHAB SISTEMA DE INFORMAÇÃO, AVALIAÇÃO E
MONITORAMENTO DA HABITAÇÃO
SNHM SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE MERCADO
UNMP UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
2 A GESTÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL 21
2.1 A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA GESTÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL A
PARTIR DA DÉCADA DE 1930 ATÉ O BNH
22
2.2 PERÍODO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988 30
2.3 A REFORMA GERENCIAL E O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA
POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL
35
2.4 APONTAMENTOS SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS 43
2.4.1 As estratégias de descentralização no âmbito da política nacional de habitação e
do sistema nacional de habitação de interesse social
47
2.5 A GESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO PMCMV 51
3 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA HABITACIONAL 57
3.1 O CONTEXTO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA 58
3.2 AVANÇOS NA POLÍTICA HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL NO
MUNICÍPIO DE ABAETETUBA
73
3.2.1 Cadastro para identificação do déficit municipal de moradias 78
3.2.2 Órgão de gestão da política habitacional 79
4 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS CONSELHOS GESTORES DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
89
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 100
REFERÊNCIAS 103
APÊNDICE A - Quadro 1 - Avanços e Limites da nova Política de Habitação de
Interesse Social e do PMCMV, a partir da visão dos atores entrevistados, segundo
número de respostas.
112
APÊNDICE B - Quadro 2 - Avanços e Limites do Programa Minha Casa Minha Vida
- PMCMV, a partir da visão dos atores entrevistados, segundo número de respostas.
116
APÊNDICE C - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DOS
CONSELHOS DE HABITAÇÃO
120
APÊNDICE D - ROTEIRO DA ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DA
PREFEITURA DE ABAETETUBA
121
APÊNDICE E - ROTEIRO DA ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DA
COHAB-PA
122
APÊNDICE F - ROTEIRO DA ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
123
APÊNDICE G - ROTEIRO DA ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DA
CAIXA EXCONÔMICA FEDERAL
124
APÊNDICE H - ROTEIRO DA ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DO
CONCIDADES/ABAETETUBA
125
14
1 INTRODUÇÃO
Em 2003, a partir do governo Lula, a política habitacional brasileira passou por um processo
de reestruturação, por meio da criação do Ministério das Cidades1, do Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social (SNHIS), do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
(FNHIS) e de seu Conselho Gestor (CGFNHIS), pela Lei nº 11.124/20052. O Estatuto das Cidades
3,
aprovado pela Lei Federal nº 10.257/2001, também contribuiu para o fortalecimento da nova
política, com base em projeto de lei que após 13 anos de tramitação pelo Congresso Nacional,
configuraram em um novo paradigma de gestão da habitação, a Nova Política Habitacional (PNH)4
para o país (BRASIL, 2010; MARICATO, 2005; MARICATO; SANTOS JÚNIOR, 2007).
Vale ressaltar que o embrião do novo modelo de política habitacional, a partir de 2003, é
fruto da discussão de vários especialistas e entidades de diversos segmentos do setor habitacional,
como governo, empresários, acadêmicos, profissionais e lideranças de movimentos populares. Após
um ano de debate, este grupo chega a um projeto consensuado de política habitacional para o país,
denominado Projeto Moradia, lançado em 2000 (INSTITUTO CIDADANIA, 2000; BONDUK,
2009).
A discussão em torno do Projeto Moradia incorporou a criação do Fundo Nacional de
Moradia Popular, PL 2.710/92, Projeto de Lei que foi aprovado após 13 anos de tramitação, com
assinatura de 800.000 eleitores de todo país (MARICATO, 1997). O Projeto constituiu a principal
base da nova política habitacional do governo Lula. Entre as principais propostas do Projeto
Moradia destacam-se: defesa da aprovação do Estatuto das Cidades, criação do Ministério das
Cidades, Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, Sistema Nacional de Habitação, Fundo
Nacional de Moradia, a ser operado pela Caixa Econômica Federal, criação de uma rede de agentes
promotores (destacando o papel das Cohabs) e agentes técnicos. Os recursos utilizados são,
principalmente o FGTS, para o enfrentamento do problema habitacional, ampliação do atendimento
1 O Ministério das Cidades foi criado pela Lei Federa nº 10. 863 de 2003, no início da gestão do governo Lula e representou o
reconhecimento de que os imensos desafios urbanos do país precisavam de enfrentados com políticas de Estado e por meio de uma
abordagem integrada (BRASIL, 2010, p. 16). 2 A Lei Federal nº 11.124/2005 instituiu o SNHIS, FNHIS e o CGFNHIS, sendo o SNHIS, voltado para exclusivamente para a faixa
de interesse social, definindo um modelo de gestão descentralizado, democrático e participativo que deve buscar compatibilizar e
integrar as políticas habitacionais federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, e as demais políticas setoriais de
desenvolvimento urbano, ambientais e de inclusão social (BRASIL, 2010, p. 17). 3 O Estatuto das Cidades foi criado pela Lei nº 10. 257/2001 fornecendo uma nova base jurídica para a política urbana no Brasil,
regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, no que se refere ao tema urbano (MARICATO, 2006). 4 Importantes autores da área de habitação abordam a expressão “Nova Política Habitacional” como uma mudança significativa de
paradigma na questão habitacional a partir de 2003 (MARICATO, 2005; SANTOS JÚNIOR, 2007; BONDUKI, 2008; BONDUKI
2009).
15
às classes com maior renda por meio do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Com isso, verifica-se
a abrangência do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) às classes média e média
baixa, para viabilizar o atendimento dessas classes e viabilizar o atendimento das classes com
menor renda através dos subsídios do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e
orçamentos públicos, vinculando receitas da arrecadação de 1% do ICMS de Estados para alimentar
o Fundo de Habitação (INSTITUTO CIDADANIA, 2000).
A nova PNH é fruto de um processo participativo e democrático, que reconhece a
participação da sociedade nas políticas públicas como direito dos cidadãos, e apresenta como um de
seus princípios, a gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da sociedade.
Todo esse processo possibilitou o controle social e transparência nas decisões e processos, assim
como, uma de suas diretrizes “estímulo à participação de todos os agentes públicos e privados, da
sociedade organizada, dos setores técnicos e acadêmicos na formulação e implementação da
Política Nacional de Habitação, com vistas à superação do déficit habitacional brasileiro” (BRASIL,
2004, p. 30-31).
O Ministério das Cidades e o SNHIS estabeleceram um novo arranjo institucional para o
enfrentamento da questão habitacional, baseados no fortalecimento da pactuação federativa e
integração das políticas federal, estadual e municipal, maior participação e controle social, por meio
dos órgãos colegiados, como o Conselho das Cidades (ConCidades)5, Conselho Gestor do FNHIS e
os Conselhos Gestores municipais de habitação. Esses arranjos foram representados por diversos
segmentos do poder público e da sociedade civil, sendo a maioria representada por movimentos
populares (HOLANDA, 2011).
Neste contexto, desde 2005, especificamente a partir de 2007, o governo federal
disponibiliza de forma significativa maior aporte de recursos para o atendimento ao setor
habitacional, e, em especial, às classes de renda mais baixa, por meio do FNHIS, e lança o Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC)6, com o objetivo de promover o crescimento econômico com um
ambicioso programa de investimentos em infraestrutura (CARDOSO et al, 2011).
Com o fortalecimento do novo desenho institucional da política de habitação, caracterizada
pela ampliação de recursos e pelo enfrentamento do problema habitacional no país, foram
5 O Conselhos das Cidades (ConCidades) está previsto pela MP 2220/01 e é o instrumento de controle social e participação com
maior repercussão, resultado do processo de luta por gestão democrática empreendida na luta pelo Estatuto das Cidades
(RODRIGUES; BARBOSA, 2010). 6 O PAC é um programa estratégico do Governo Federal que articula diversos programas federais. Com o objetivo de investir em
obras de infraestrutura logística e urbana (transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos). Sua gestão é realizada
pelo Comitê Gestor do PAC (CGPAC), composto pelos ministros da Casa Civil, da Fazenda e do Planejamento (BRASIL, [2013]).
16
estabelecidas regras aos estados e municípios para acesso ao FNHIS, tornando-se obrigatória a
criação de fundos e conselhos com participação social, assim como a elaboração dos Planos Locais
de Habitação de Interesse Social (PLHIS), em consonância com o Plano Nacional de Habitação
(PlanHab)7, que foi elaborado por meio de um processo participativo de debates ocorrido em todas
as regiões do país, entre agosto de 2007 e dezembro de 2008, além do diálogo com o ConCidades, o
Conselho Gestor do FNHIS e outras instâncias participativas (BRASIL, 2010; BONDUK, 2009).
Assim, o novo arranjo institucional da PNH, por meio do Ministério das Cidades,
caracteriza-se como um modelo participativo e democrático de gestão na área habitacional, que
reconhece a participação nas políticas públicas enquanto direito dos cidadãos (BRASIL, 2010). A
criação do SNHIS pode ser considerada um avanço para a política nacional de habitação, na medida
em que resulta da trajetória e do acúmulo importantes dos movimentos ligados ao diálogo com a
Reforma Urbana8 no país, baseado na maior participação e controle social, além do fortalecimento
da pactuação federativa, em que se verifica maior ampliação dos recursos. (MARICATO, 2005;
MARICATO; SANTOS JÚNIOR, 2007).
Desta forma, o novo paradigma de gestão habitacional traz em seu bojo a inclusão social,
gestão participativa e democrática da sociedade civil (BRASIL, 2004), por meio de novos atores
sociais, tais como, os Conselhos Gestores, as experiências dos Orçamentos Participativos na gestão
da cidade, as Organizações não Governamentais (ONGs) e os Fóruns Temáticos. Todo esse processo
se fortaleceu através dos movimentos sociais, que visam a redemocratização do país e seu
fortalecimento com a Constituição Federal de 1988, configurando novos formatos de participação
social, além de possibilitar a construção e ocupação da esfera pública, em que as demandas sociais
ganham legitimidade (KAUCHAKJE, 2002).
Millani destaca que o processo de reforma do Estado e a participação social vêm sendo
construídos como um dos princípios organizativos efetivos e essenciais dos processos de
deliberação democrática no âmbito da administração local, o que possibilita a participação do
cidadão e das organizações da sociedade civil no processo de planejamento das políticas públicas
foi transformado em modelo de gestão pública local contemporânea (MILLANI, 2008).
7 O PlanHab é um dos mais importantes instrumentos para a implementação da Nova Política Nacional de Habitação, previsto na Lei
11.124/05, que instituiu o SNHIS, por meio de um intenso processo participativo, que contou com a presença de todos os
segmentos sociais relacionados com o setor habitacional (BRASIL, 2009). 8 A Reforma Urbana é fruto do processo de reivindicação de vários movimentos sociais que somados aos movimentos da reforma
urbana, a partir da década de 60, lutavam por melhores condições de vida, pelo direito à moradia e o direito à cidade, tendo seu
ápice nos anos de 1990, com o primeiro Projeto de Iniciativa Popular do País que dispõe sobre a criação do Fundo e Conselho
Nacional de Habitação de Interesse Social, com mais de um milhão de assinaturas, aprovado em 2005 pelo Congresso nacional e
sancionada pelo presidente Lula em 2006 (RODRIGUES; BARBOSA, 2010).
17
Para Kauchakje (2002), os novos formatos de participação social e da organização da
sociedade civil no Brasil, como os movimentos sociais, conselhos gestores, fóruns e orçamento
participativo, são entendidos como formatos de participação e gestão social, atuando como resposta
à alternativa de ausência de interferência das políticas públicas e dos direitos relacionados à
igualdade, para a construção de laços sociais nas relações societárias. Gohn cita ainda que a
ampliação da esfera pública contribui para a formação de consensos alcançados
argumentativamente, numa “gestão social compartilhada, gestada a partir de exercícios públicos
deliberativos.” (GOHN, 2004, p. 10).
Deste modo, sob o novo regime democrático e com as reformas da Administração
Pública, o Estado teve inevitavelmente que modificar o modo de pensar e de gerir a coisa pública,
por meio de novos métodos e práticas de gestão, dando novos contornos às políticas públicas
sociais, em especial as políticas de habitação, na relação entre estado e cidadão, e a participação
popular tem-se apresentado elemento chave para esse processo, por meio dos canais de diálogo,
como os conselhos gestores, que se tornaram fóruns democráticos de inclusão e gestão social,
assumindo assim, o desafio de trabalhar para internalizar os novos valores da sociedade civil
(MOREIRA et al, 2013).
Para Tenório (2008), a gestão social na relação sociedade-estado ocorre somente quando
os governos institucionalizam modos de elaboração de políticas públicas que não enxergue o
cidadão apenas como meta para o alcance de suas ações, muito pelo contrário, o cidadão deverá
estar presente como participante ativo em todo processo de elaboração, execução e avaliação das
políticas públicas. O autor aponta que a gestão social na relação sociedade-estado ocorre por
meio da esfera pública, sob uma perspectiva descentralizadora, de concepção dialógica, que
identifica, compreende, problematiza e propõe soluções para os dilemas da sociedade, sendo estas
assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato
administrativo de governo (TENÓRIO, 2005).
Para o alcance e desenvolvimento das políticas de habitação, em especial, as de baixa renda,
categoria em que os projetos e políticas do governo federal tinham como meta seu atendimento, e,
no entanto, as classes de renda média sempre foram privilegiadas, vale destacar que, Abrucio cita a
descentralização da política habitacional como atrativa para os governos locais, pelo caráter
democrático e bom desempenho governamental, em resposta ao modelo centralizador de gestão e à
crise que os Estados da América Latina encontravam-se, e não restringir apenas a atenção do
governo à noção de déficit habitacional (ABRUCIO, 2006). Assim, o autor elucida que a
18
descentralização é caracterizada pela transferência ou conquista efetiva de poder decisório a
governos subnacionais por comandar diretamente sua administração e por elaborar uma legislação
referente às competências que lhes cabem e por cuidar de sua estrutura tributária e financeira
(ABRUCIO, 2006).
Neste cenário, em que a nova PNH estava sendo implementada por meio do PlanHab, o
Governo Federal anunciou em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)9, com o
objetivo de dar maior força à economia brasileira em face da crise financeira internacional que
eclodiu em 2008, além de criar condições de ampliação do mercado habitacional para atendimento
às famílias com renda de até 10 salários mínimos (SM) (CARDOSO et al, 2011). O Programa
significou novo aporte de recursos, da ordem de R$ 34 bilhões em subsídios à produção
habitacional de 1 milhão de habitações para o MCMV 1, idealizado como uma política anti-cíclica
diante da crise econômica (NAIME, 2010).
Diante do exposto, a presente dissertação tem por objeto o estudo de caso da gestão social
no Programa Minha Casa Minha Vida no município de Abaetetuba, no Estado do Pará. Esta
pesquisa pretende responder o seguinte problema: até que ponto a participação social tem sido um
diferencial na política de habitação pós 2003 e como tem sido considerada na gestão do Programa
Minha Casa Minha Vida – PMCMV?
Visando responder a pergunta, o trabalho analisa de que forma a política de habitação de
interesse social tem incorporado a participação social na gestão do PMCMV e como se dá a ação de
suas ações no município. Propõe-se, ainda, identificar os fatores que ampliam ou restringem a
participação social na gestão do PMCMV, levando-se em consideração a participação do poder
público municipal, foco da descentralização das ações de estratégias de gestão do governo federal
para atendimento da provisão por moradias. Leva-se em consideração o modelo participativo e
democrático de gestão, baseado no fortalecimento da pactuação federativa e integração das políticas
federal, estadual e municipal, com maior participação e controle social.
9 O MCMV foi lançado inicialmente por meio da Medida Provisória nº 459, de 25 de março de 2009, posteriormente instituído pela
Lei nº 11.977/2009 e alterada pela Lei nº 12.424/2011. Estava inserido em conjunto de medidas de estímulo à economia, buscando
minimizar os impactos da crise econômica internacional. Seu objetivo é viabilizar a produção de 1 milhão de unidades
habitacionais, impulsionando a indústria da construção civil, devido ao seu potencial de geração de empregos. Foram destinados R$
34 bilhões para o MCMV, sendo R$ 25,5 bilhões do OGU, R$ 7,5 bilhões do FGTS e R$ 1 bilhão do BNDES. Tem a finalidade de
criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e
produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (BRASIL, Lei nº
12.424/2011).
19
Assim, para o alcance dos objetivos propostos, a pesquisa foi orientada pelos seguintes
procedimentos metodológicos: pesquisa qualitativa, por meio do estudo de caso único, pesquisa
documental e pesquisa de campo.
O estudo de caso, do tipo único, está organizado a partir da estratégia de pesquisa
qualitativa. Segundo Martins, o estudo de caso tem o objetivo de estudar uma unidade social e que
se analisa profunda e intensamente. Assim, busca-se apreender a totalidade de uma situação e,
criativamente, descrever, compreender e interpretar a complexidade de um caso concreto, mediante
um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado (MARTINS, 2008). Para Yin, o estudo
de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu
contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são
claramente definidos (YIN, 2001). Neste sentido, o objeto desta pesquisa é a análise da participação
social na política de habitação brasileira: a gestão do Programa Minha Casa Minha Vida no
município de Abaetetuba no Estado do Pará, configurando a representação de um caso de habitação
de interesse social, que consiste no atendimento da construção de unidades habitacionais às famílias
de baixa renda.
A pesquisa documental tem como foco os relatórios de gestão e ações do Ministério das
Cidades, Plano Nacional de Habitação, legislações relacionadas à política habitacional, diversas
publicações do Ministério das Cidades e Plano Estadual de Habitação de Interesse Social do Pará.
A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e aplicadas à
Secretária Municipal de Assistência Social, Presidenta do Conselho Municipal de Assistência
Social, Coordenadora Municipal de Habitação, Coordenadora Técnica do ConCidades/Abaetetuba,
ao Presidente da Associação do Residencial Abaetetuba, Coordenador do Movimento Nacional da
Luta pela Moradia (MNLM) e do Movimento Nacional das Cidades/PA e Representantes da
Companhia de Habitação do Estado do Pará – COHAB e da Caixa Econômica Federal em Belém.
As entrevistas foram realizadas por meio de um roteiro de questões, com perguntas formuladas para
investigar como ocorreu a participação social quanto ao atendimento da habitação de interesse
social, totalizando oito entrevistados.
O município de Abaetetuba está localizado à 72 km de distância da capital Belém, à margem
direita do rio Maratauíra, um dos afluentes do estuário do Rio Tocantins e integra a Microrregião de
Cametá - Mesorregião do Nordeste Paraense (PPA 2010-2013 da Prefeitura de Abaetetuba).
Compreende uma área territorial de 1.611 km², na qual se concentra uma população para 2013 em
147.267 habitantes (71.630 Homens e 69.470 Mulheres). A população urbana é estimada em 82.998
20
pessoas distribuídas em 17 bairros em área de aproximadamente 15 km², enquanto 58.102 residem
na área rural, compreendendo a região do arquipélago (72 ilhas) e região das estradas, Distrito de
Beja, 49 colônias agrícolas e 1 vila (IBGE, 2010).
A densidade demográfica do município é de 87,6 habitantes por km², a taxa de crescimento
demográfico atual situa-se em 2,77%, possuindo o Índice de Desenvolvimento Urbano – IDH em
0,628, segundo dados do IBGE 2010. O município foi instalado em 01/01/1939 e pertence ao
Bioma Amazônia.
O Residencial Abaetetuba está localizado na Rua Raimundo da Conceição Pinheiro, s/n,
Bairro São Sebastião, município de Abaetetuba. O Residencial é composto por 500 apartamentos,
com 125 blocos, sendo que cada bloco contém quatro apartamentos, além de ter um centro
comunitário, local no qual ocorrem as reuniões dos moradores, uma praça com brinquedos e área
com equipamentos de academia para a realização de exercícios, assim como uma quadra esportiva.
A observação direta representou outro recurso metodológico importante da pesquisa de
campo que é o método que permite “as evidências observacionais para fornecer informações
adicionais acerca do tópico que está sendo estudado” (YIN, 2005, p. 119-120).
Para alcançar o objetivo proposto pelo estudo, percorreu-se uma literatura para discutir sobre
a gestão da política habitacional no Brasil, com ênfase na reforma gerencial do Estado, na qual a
administração pública procura atender às reivindicações das democracias de massa; o debate sobre a
construção de uma nova política habitacional com a ampliação dos direitos sociais, controle social e
participação social; a discussão da gestão social no contexto do PMCMV, enfatizando a participação
social, por meio do conselho gestor de habitação, a partir da articulação dos conceitos de
participação, cidadania, democracia, descentralização e controle social, uma vez que os mesmos
estão imbricados nas práticas sociais desenvolvidas tanto pelos governos quanto pela sociedade
civil.
Ressalta-se que inicialmente, o objeto de estudo da presente dissertação tinha como lócus de
pesquisa o município de Ananindeua. No entanto, em virtude da Universidade da Amazônia –
Unama ter celebrado o protocolo de cooperação técnica com a Prefeitura de Abaetetuba, o caso de
estudo foi mudado para este município, o que facilitou a coleta de dados da pesquisa de campo
junto aos gestores municipais públicos e lideranças comunitárias, por meio do Programa Integrado
Município Sustentável. O protocolo de cooperação da UNAMA com a prefeitura do município tem
a intenção de aperfeiçoar o atendimento às demandas sociais, a partir do planejamento estratégico,
por meio da atuação de professores e alunos na elaboração de um Plano Municipal de
21
Desenvolvimento Sustentável para Abaetetuba. O presente estudo faz parte do Programa de
Pesquisa do Núcleo do Mestrado em Administração da Universidade da Amazônia-Unama.
Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos, além desta introdução e das
considerações finais. O segundo capítulo apresenta o debate sobre a gestão da política habitacional
no Brasil, na qual demonstra como se desenvolveu a partir da década de 30 até culminar na nova
PNH, por meio da participação da sociedade civil como protagonista do processo democrático das
políticas públicas. O terceiro capítulo aborda a construção de uma Nova Política Habitacional. O
quarto capítulo discute a gestão social no contexto do Programa Minha Casa Minha Vida -
PMCMV.
2 A GESTÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL
O objetivo deste capítulo é analisar como se desenvolveu a gestão das políticas públicas de
habitação no país, com destaque para a participação da sociedade na gestão da habitação social a
partir da década de 1930. Sabe-se que as políticas de proteção social estatal vêm sendo executadas
no Brasil desde a década de 30 do século passado, com o governo populista de Getúlio Vargas
(ALLEBRANDT et al, 2012).
Historicamente, a regulação do Estado brasileiro tem sido descontínua, fragmentada e
pontual na política habitacional. Até a década de 80, o Brasil não conseguiu criar um modelo de
Bem-Estar Social, mesmo com as altas taxas de crescimento econômico na maior parte dos anos 70,
década do “milagre econômico”. Com a rearticulação da sociedade civil nos anos 80, por meio dos
movimentos sociais populares e do movimento da reforma urbana, viabilizou a conquista pelos
direitos sociais, consolidados pela Constituição Federal de 1988. A década de 90, caracterizada pelo
modelo neoliberal de Estado, exigiu um conjunto de reformas importantes para a adequação do
Estado brasileiro à nova dinâmica de uma sociedade globalizada e subordinada ao sistema
financeiro internacional (HOLANDA, 2011).
Nesta nova perspectiva, a partir da Constituição Cidadã de 1988, os espaços subnacionais
ganham espaço para o desenvolvimento socioeconômico e político do país, com destaque para o
processo de descentralização de atuação do Estado que toma grande impulso, por meio de um
conjunto importante de tarefas, antes de responsabilidades do poder central, e agora, passando para
a responsabilidade dos governos subnacionais, em especial, aos municípios (ALLEBRANDT et al,
2012).
22
Neste cenário, do processo de democratização que o país passava, a inserção dos municípios
no processo de descentralização da estrutura administrativa, que se destacava por mudanças na
forma tradicional de formular e executar as políticas públicas, a gradativa incorporação da cidadania
como elemento chave dos espaços locais ao mesmo tempo em que o processo de globalização
aumentava o contingente de excluídos, a incorporação efetiva da sociedade organizada como
protagonista no processo de gestão das políticas públicas se fazia e exigia para a garantia das
mínimas garantias de cidadania (HOLANDA, 2011).
Neste contexto, da década de 30 à década de 80, a participação social da sociedade civil no
processo de planejamento estatal por políticas públicas sociais voltadas a todas as camadas da
população, especialmente a de baixa renda, não existia espaços de diálogo com o Estado. A partir
da Constituição Federal de 1988 e do processo de redemocratização da gestão pública no país, a
população volta a se manifestar por meio dos movimentos sociais populares ligados à reforma
urbana, conquistando a inserção de seus direitos sociais na Constituinte, além de ter culminado com
o processo democrático, participativo e descentralizador da nova Política Nacional de Habitação do
governo Lula, em 2003. Destaca-se, neste período, o papel da sociedade civil como protagonista nas
relações entre Estado e sociedade, com articulação integrada nos três níveis de governo e com
atuação decisiva para elaboração e implementação da nova Política.
Desta forma, o capítulo será dialogado por meio de especialistas da área, em que as várias
intervenções estatais na provisão por moradia caracterizou-se como um dos entraves cruciais para o
desenvolvimento da habitação no país e da reforma urbana, contribuindo assim, para a ampliação ou
restrição do atendimento das políticas públicas sociais, mais especificamente as políticas públicas
de habitação de interesse social.
Este capítulo pretende discutir a gestão da política habitacional no Brasil, por meio da
participação da sociedade civil, e está organizado pelos itens: 2.1) a participação da sociedade na
habitação social a partir da década de 1930 até o BNH; 2.2) o período pós-Constituição de 1988;
2.3) a reforma gerencial e o processo de descentralização da política habitacional no Brasil; 2.4)
apontamentos sobre políticas sociais.
2.1 A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA HABITAÇÃO SOCIAL A PARTIR DA DÉCADA
DE 1930 ATÉ O BNH
A literatura aponta que até o governo Vargas, o Estado limitava-se a incentivar a produção
de mercado habitacional para os trabalhadores de baixa renda. A falta de interesse na
23
regulamentação da ação do mercado de locação residencial, prática exercida pelo mercado como
negócio das casas de aluguel, assegurava para o governo a forma mais segura e excelente de retorno
dos investimentos em habitação (BONDUKI, 1994).
Foi durante o governo populista de Vargas que a primeira política habitacional destacou-se
no país, mesmo que de forma incipiente, mas que já apontava sinais de sensibilidade do governo às
demandas dos trabalhadores, configurando-se na ampliação dos direitos trabalhistas e na influência
do Estado provedor dos países centrais (BEHRING; BOSCHETTI, 2010), assim como a indicação
de mobilizações e movimentos sociais despontavam como formas de participação popular
(CARVALHO, 1998).
O interesse pela questão habitacional de interesse social é assumido pelo Estado e sociedade
como uma demanda social, com o apoio das massas populares urbanas e classe trabalhadora.
Acadêmicos e empresários também discutiam a incapacidade do mercado responder pela questão da
habitação social, que se desenvolvia com o processo de urbanização e industrialização do país
(BONDUK, 1994).
Desta forma, a intervenção e produção do Estado na habitação social tem seu início, em
larga escala, com a produção dos primeiros conjuntos habitacionais, por meio dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs)10
, criado em 1937, que tinha o objetivo de produzir casas
populares que atendessem os trabalhadores contribuintes, seguida pela instituição da Fundação da
Casa Popular (FCP)11
, cujo marco foi a criação em 1946, constituindo-se no primeiro órgão
nacional voltado à produção de moradias populares, ações estatais caracterizadas como iniciativas
relevantes dos governos populistas no que se refere à habitação social. Embora as carteiras dos IAPs
e a FCP tivessem sido criadas com o mesmo objetivo de viabilizar a construção de moradia, a
diferença entre eles é marcante. Para os Institutos, a função de produção de moradias é secundária,
(já que seu primeiro objetivo é garantir pensões aos assalariados e aposentadorias), enquanto que o
objetivo da Fundação é produzir habitação para a população de baixa renda (BONDUKI, 1994).
O autor ressalta que, mesmo a proposta da FCP ter sido direcionada exclusivamente à
10
Em 1937 são criadas as carteiras prediais dos IAPs e autorizada a aplicação de parte de suas receitas na produção e
aquisição de habitações populares (IDESP, 1990; BONDUKI, 1994). Mais suas origens remontam a partir do Decreto
Nº 4682, de 1923, que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensão dos Trabalhadores das estradas de ferro do país e
através do Decreto n. 5.109, de 1926, ocorreu a ampliação para outras categorias profissionais e para o
funcionamento público (IDESP, 1999, p. 5). 11
A FCP foi criada através do Decreto-Lei n. 9.218, de 1946, como “uma resposta do Estado à crise de moradia no pós-
guerra” (BONDUKI, 1994, p.717) e o “ objetivo único é produzir moradia pra a população de baixa renda
(BONDUKI, 1994, p. 725).
24
promoção de moradias para população de baixa renda, não pode ser identificada como política
efetiva, destacando seu fracasso como órgão central e coordenador de uma emergente política
habitacional, visto a fragilidade e incipiência de sua estrutura, relatada a seguir: “A Fundação da
Casa Popular apresentava uma proposta política surpreendentemente ampla, na qual envolvia não só
o financiamento de moradias, mais o atendimento quanto à infra-estrutura, saneamento, indústria de
material de construção, pesquisa habitacional e até mesmo a formação de pessoal técnico dos
municípios. Mas, devido a carência de recursos, a desarticulação com outros órgãos, ausência de
ação coordenada para enfrentar de modo global o problema habitacional, mostram a grande
fragilizada institucional nesta política de habitação, agindo de forma pulverizada e atomizada, sem
constituir de fato uma política efetiva.” (BONDUK, 1994, p. 717).
Já a atuação dos IAPs na provisão por moradias, o autor destaca que não eram caracterizados
como órgãos destinados especificamente ao enfrentamento da questão habitacional, e sim,
constituídos com o fim de instituições previdenciárias que agiam de forma complementar dentro da
lógica de investir os imensos fundos de reserva da Previdência Social para preservar os enormes
recursos que afluíam aos cofres dos Institutos e para o pagamento futuro de aposentadorias e
pensões, seu objetivo final. Mas, por outro lado, apesar da crítica que o autor assume quanto à baixa
integração da ação governamental por meio da atuação dos IAPs e da FCP, a atuação dessas
instituições está longe de ser desprezível, por terem apresentado produção superior a 140.989
unidades habitacionais, sendo 124.025 de empreendimentos executados pelos IAPs e 16.964
executados pela FCP, além de ressaltar a qualidade, durabilidade dos conjuntos e a implantação de
uma arquitetura moderna promovidos pelo pioneirismo do poder público (BONDUKI, 1994).
Mesmo com o interesse e empenho do Estado populista em promover moradias à população
de baixa renda, Carvalho (1998) aponta que movimentos sociais, como o movimento operário,
camponês e urbano despontavam como questionamento das relações clientelistas, de tutela, de
concessão de favores no Estado populista, que se caracteriza como a principal forma de relação
entre Estado e sociedade, reivindicando maior abertura do governante ao diálogo e à negociação.
Bonduki (1994) destaca que apesar da ausência de uma gestão de política descentralizada e
desarticulada entre os diferentes órgãos, Ministérios, interesses políticos e a incapacidade do
mercado de produzir moradias, não obscureceu a importância da ação governamental no
enfrentamento por moradias, pois o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade da questão
habitacional como uma questão social, originando-se à ideia da habitação social no Brasil.
A FCP fez parte da primeira política nacional de habitação voltada à produção de moradias
25
populares e sua gestão se revelou ineficaz devido à falta de recursos e às normas de financiamento
estabelecidas, comprometendo seu desempenho no atendimento da demanda e evidenciando a
restrição de alguns Estados da federação pela produção de moradias, bem como apresentar uma
produção pouco significativa de unidades habitacionais (BRASIL, 2004), ainda assim, é
caracterizada como o início da ação estatal sobre a habitação de interesse social às camadas
populares, conforme segue o quadro 1.
Quadro 1 - Recuos e avanços na gestão pública da política de habitação no período de Vargas (1930-1954).
Recuos Avanços
Política centralizada e desarticulação entre os
diferentes órgãos e interesses políticos
Início à ideia da habitação social no Brasil
Com isso surge uma colcha de retalhos de
intervenções estatais
A questão habitacional é assumida pelo
Estado e sociedade como uma questão social,
dando início a uma incipiente política de
habitação no país e ampliação das demandas
trabalhistas
Incapacidade privada na produção por
moradias, em decorrência do crescimento nos
meios de governo, empresariais e acadêmicos
Mesmo com iniciativas dispersas de
intervenção, o governo passa a atuar na
construção de conjuntos habitacionais Fonte: Bonduki (1994).
As décadas de 50 e 60 são marcadas por intensa mobilização social que se expressa pelo
movimento sindical e pelas Ligas Camponesas que reivindicavam por Reformas de Base de cunho
democrático, popular e nacionalista. Nesse cenário, ocorre à implantação da ditadura militar,
resultando no fechamento de sindicatos, cassação, banimento de lideranças sociais e políticas,
censura de imprensa, fechamento do Congresso e dos partidos, o engessamento das eleições e da
política. Isto resulta na destruição e fechamento dos espaços públicos e de cidadania tão
custosamente construídos, mas que foram mantidos de forma precária pelo populismo
(CARVALHO, 1998).
Após o golpe militar de 1964 foi criada pela primeira vez no país a estruturação de uma
política nacional de habitação, como parte da estratégia de ampliação das políticas sociais em busca
de legitimação política (BEHRING; BOSCHETTI, 2010), o Banco Nacional de Habitação (BNH)12
.
O Banco foi uma resposta de o governo militar à intensa crise de moradia presente num país que se
urbanizava aceleradamente, mas que buscava, por um lado, angariar apoio entre as massas
12
A Lei nº 4.380/64 cria o BNH como modelo de política habitacional, para atender a habitação popular, mas acabou
atendendo o mercado de habitação para a classe média (BONDUKI, 2008).
26
populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentação do populismo
afastado do poder e, por outro lado, criar uma política permanente de financiamento capaz de
estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por
prevalecer (BONDUKI, 2008).
O BNH gerenciava o SFH por meio das fontes de recursos estáveis retornáveis como o
FGTS13
, gerado a partir das contribuições dos trabalhadores empregados no setor formal da
economia e com os recursos da poupança voluntária, as cadernetas de poupança e letras imobiliárias
formando o SBPE14
. Desta forma, a produção da habitação foi segmentada nesses dois grandes
eixos. O FGTS destinado à população de renda mais baixa e as operações eram operadas pelas
agências estatais, enquanto que o SBPE foi dirigido às classes de renda alta e média e sua produção
era realizada pela iniciativa privada (FERNANDES; RIBEIRO, 2011).
Cardoso (2006) baseia-se em um conjunto de características do BNH, que deixaram marcas
importantes na estrutura institucional e na concepção dominante de política habitacional nos anos
que seguiram: 1) a criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos
específicos e subsidiados por meio do FGTS e SBPE, que chegaram a atingir um montante bastante
significativo para o investimento habitacional; 2) criação e operacionalização de um conjunto de
programas que estabeleceram, a nível central, as diretrizes gerais a serem seguidas, e em nível
descentralizado pelos órgãos executivos; 3) criação de uma agenda de redistribuição dos recursos,
que funcionou principalmente em nível regional, a partir de critérios definidos centralmente; e 4)
criação de uma rede de agências em nível local, destacando-se o nível estadual, responsável pela
operação direta das políticas e fortemente dependentes das diretrizes e dos recursos estabelecidos
pelo órgão central (BONDUKI, 2008).
Neste contexto, Gohn (2004) destaca que a sociedade civil deveria se mobilizar e organizar-
se para alterar o status quo do planejamento estatal caracterizado pelo regime militar e não
democrático com políticas públicas que privilegiavam o grande capital, que considerava apenas as
demandas de parcelas das camadas médias e altas da população, responsáveis em alavancar o
processo de acumulação das emergentes indústrias filiais das empresas multinacionais. A autora
13
O FGTS, criado pela Lei Federal n 5.107, de 13 de setembro de 1966, é um “fundo contábil, de natureza financeira,
constituído pelo conjunto de contas vinculadas e individuais, aberta pelos empregadores em nome de seus
empregados” (CARVALHO; PINHEIRO, 1999, p. 3). Sua criação também tinha o objetivo de atender o
financiamento da habitação por meio do SFH entre outros e o seguro social (pecúlio ao trabalhador). 14
SBPE, foi constituído pelas Caixas Econômicas Federais e Estaduais, pelas Sociedades de Créditos Imobiliários (SCI)
e pelas Associações de Poupança e Empréstimos (IDESP, 1990, p. 13).
27
demonstra que este cenário foi estimulado no bojo de inúmeras práticas coletivas no interior da
sociedade civil, o surgimento de uma democracia mais direta e participativa, exercitada de forma
autônoma, de reivindicações voltadas por moradias, trabalho, estudos, bens e serviços públicos e
direitos sociopolíticos negados pelo regime político vigente, além de ter contribuído para o
surgimento de novos atores sociais, que buscavam mais liberdade e justiça social, caracterizando-se
pela ampliação e pluralização dos grupos organizados por lutas além de sindicatos, movimentos,
associações, instituições, Organizações não governamentais (ONGs) ou partidos políticos.
Mas, apesar do progresso de reconhecimento dos direitos sociais modernos dos movimentos
sociais urbanos populares, Fernandes e Ribeiro (2011) destacam que o resultado quantitativo da
ação desenvolvida pelo SFH, por meio do BNH, foi bastante expressivo, pois em vinte e dois anos
de funcionamento do banco, compreendido entre 1964-1986, o sistema financiou a construção de
4,3 milhões de unidades novas, sendo 2,4 com os recursos do FGTS, com destino ao setor popular,
e 1,9 milhões com recursos do SBPE, para o mercado de habitação para a classe média.
Embora os números da produção habitacional terem sido significativos, ela não conseguiu
acompanhar o acelerado processo de urbanização ocorrido no país, na segunda metade do século
XX, entre 1950 e 2000, em que a população urbana brasileira cresceu mais de 20 mil habitantes de
11 milhões para 125 milhões, já que o BNH foi criado com o objetivo de ser um banco de fomento
à formação de poupança, incentivo à indústria da construção civil, garantia do funcionamento do
mercado na promoção da habitação, além da aquisição pela moradia, princípio basilar que norteava
todo o sistema habitacional do regime político predominante (BONDUKI, 2008).
Cardoso (2006) ressalta que a estratégia utilizada pelo BNH estava centrada em alavancar o
crescimento econômico e o atendimento da demanda habitacional da população de baixa renda, o
que apresentou incapacidade neste atendimento, ao priorizar o financiamento para às camadas de
mais alta renda, que era a demanda que se configurava de forma efetiva ao atendimento da moradia
pela preferência dos setores da área. Enquanto que para atender o financiamento às camadas de
menor renda, que eram compreendidas na faixa de até 3 salários mínimos, cujo objetivo principal a
que se propunha a resolver desde sua criação, apresentou incapacidade no atendimento devido o
desenho institucional do banco, as consequências foram a favelização e o crescimento das
periferias, além de evidenciar o fracasso e ineficiência das ações de gestão do BNH.
Diante da dificuldade de atender as populações mais carentes, a partir da segunda metade da
década de 1970, surgiram os programas alternativos, baseados na autoconstrução e nos mutirões de
moradias, considerados como forma mais eficaz de atender as necessidades habitacionais dos
28
estratos inferiores da população (CARDOSO, 2006).
A incapacidade do sistema e do BNH atenderem as parcelas significativas da população de
mais baixa renda quanto à política de habitação estavam relacionadas aos pressupostos adotados
pelo próprio banco, característicos do regime militar, como a rigidez e centralização, bem como a
inexistência de participação na concepção dos projetos e programas, além da falta de controle social
na gestão dos recursos (BONDUK, 2008). Neste contexto, a existência de problemas no modelo
proposto ao longo de sua existência (BRASIL, 2004), somado à crise econômica mundial durante os
anos 1970, e que se agravou no Brasil a partir da década de 1980, gerou desemprego, queda dos
níveis salariais, recessão e inflação (VALENÇA, 2001).
Desta forma, a crise do modelo econômico implementado pela ditadura militar a partir dos
anos 80, causou grande repercussão no SFH, contribuindo para a redução da sua capacidade de
investimento, devido a compressão dos saldos do FGTS e do SBPE, o que provocou um forte
aumento na inadimplência entre o número de prestações que aumentava e a diminuição na sua
capacidade de pagamento dos mutuários (BONDUKI, 2008).
A falta de sustentação na gestão do governo militar abre espaço para a mobilização popular,
o movimento de moradia dos sem-terra e o Movimento Nacional dos Mutuários (ambos não
conseguiam pagar o financiamento da casa própria) e reivindicavam por melhores condições sociais
e reabertura política (VALENÇA, 2001).
Bonduki (2008) destaca que a conjuntura favoreceu para o acirramento das críticas ao BNH
e a luta pela democratização contra o regime militar autoritário, que teve seu fim em 1985,
culminando com a extinção do Banco, em 198615
. Apesar da desarticulação entre as ações de gestão
do BNH e o não atendimento à população de mais baixa renda, apresentou uma enorme experiência
acumulada na área, formando técnicos, financiando a maior da produção de habitação na história do
país, assim como ter sido uma política articulada e coerente, além de não desprezar os resultados
quantitativos da ação do Banco, demonstrado no quadro 2 a seguir:
15
O Decreto-Lei nº 2.291, de 21 de novembro de 1986 extingue o BNH e o incorpora à Caixa Econômica Federal.
29
Quadro 2 - Recuos e avanços na gestão pública da política de habitação no período do BNH (1964-1986).
Recuos Avanços
Política rígida e centralizada, características
típicas do regime militar e administração
autoritária
A Política produziu cerca de 4,5 milhões de
unidades, com 4,8% do total destinadas aos
setores médios, e 33,5% formalmente
destinadas aos setores populares
Inexistência de espaços para discussão e
participação da sociedade na concepção dos
programas e projetos
O SFH financiou a construção de 4,3 milhões
de unidades novas, das quais 2,4 com
recursos do FGTS, para o setor popular, e 1,9
milhões com recursos do SBPE, para a classe
média
Falta de controle social na gestão dos
recursos
Foram financiadas 6,5 unidades
habitacionais, por meio do SFH, que
continuou funcionando após a extinção do
BNH Fonte: Bonduki (1994).
Bonduki (2008) destaca os fatores que contribuíram para o fechamento do BNH como a
falta de reconhecimento por outras formas alternativas de enfrentar o problema habitacional na
gestão do BNH, ter desconsiderado as peculiaridades de cada região, resultando assim, na
reprodução à exaustão de modelos padronizados, gestão marcada pela rigidez e centralização das
decisões, sem admitir espaços para discussão e participação da sociedade, além da qualidade nas
intervenções habitacionais ter ficado comprometida pela sua produção massificada.
Maricato (1987) demonstra ainda que apesar das diversas dificuldades e fases percorridas
pelo BNH, com oscilações e percalços, a produção habitacional popular foi restrita, se comparado
aos investimentos em infraestrutura e grandes projetos de mineração e geração de energia. Apesar
do saldo de financiamento do Banco ter sido de aproximadamente 4,8 milhões de unidades
habitacionais entre 1966 e 1986, e que somente um terço do total supostamente foi destinado à
população com renda menor que salários mínimos, vale destacar a produção por moradias neste
período.
Neste cenário, a gestão adotada pelo BNH foi marcada pela rigidez e centralização das
decisões, não admitindo espaços para discussão e participação da sociedade, nem reconhecendo
formas alternativas de enfrentar o problema habitacional, além de não ter levado em conta as fortes
diferenças regionais (BONDUKI, 2008).
A expressiva centralidade16
das políticas públicas desenvolvidas durante a ditadura militar,
com total ausência de participação da sociedade civil, provocava a destruição de espaços públicos e
16
É a centralização decisória e financeira na esfera federal (FARAH, 2004).
30
de cidadania construídos ao longo do tempo, mas que a ausência desses canais de interlocução entre
estado e sociedade caracterizaram-se pela emergência de novos movimentos sociais, de novas
demandas sociais construtoras de uma nova esfera pública no Brasil, a participação cidadã,
caracterizada pela conquista do direito a ter direitos, do direito a participar da redefinição dos
direitos e da gestão da sociedade, culminando com o seu reconhecimento na Constituição Federal
de 1988 (CARVALHO, 2004).
2.2 PERÍODO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988
Foi no período da Nova República (1985-1990), que o governo Sarney assume em 1985, a
postura de discutir junto às instituições da sociedade civil soluções para a gestão do BNH e do SFH,
momento em que o governo enfrentava a grave crise institucional e financeira, resultante do
processo de transição do regime militar autoritário para a reabertura democrática do país
(HOLANDA, 2011).
A partir de 1985, com a saída dos militares do poder, o significado atribuído à sociedade
civil é modificado pela emergência de uma pluralidade de novos atores, decorrentes de novas
formas de associativismos que emergem do cenário político e do conceito de cidadania ao longo dos
1990 na esfera pública (GOHN, 2004).
Azevedo (1996) aponta como destaque na gestão do governo Sarney a provisão por
moradias com a criação do Programa Nacional de Mutirões Habitacionais da Secretaria de Ação
Comunitária (SEAC), programa alternativo, voltado para o atendimento de famílias com renda
mensal de até 3 SMs. A SEAC contou com a produção de 550.000 novas moradias, superando a
produção de 150.000 moradias pelas Companhias de Habitações (COHABS) no mesmo período de
seu governo, que correspondeu há apenas dois anos (1988-1990) de atuação, tornando-se uma
experiência de destaque na história da política habitacional popular brasileira, em que um programa
alternativo apresentou melhor desempenho quantitativo do que os programas convencionais.
Apesar da curta produção de moradias para a população de baixa renda, vale ressaltar
também que, a experiência da SEAC permitiu a construção de um novo modelo institucional de
habitação, sendo oportunizada a ação e uma maior autonomia das administrações locais e estaduais
na transição da política de habitação, extinção do BNH para a gestão da habitação a partir do
governo Sarney, cujas administrações municipais deixaram de serem meros executores na condução
do processo habitacional (CARDOSO, 2003). O modelo institucional adotado pela SEAC
31
privilegiou iniciativas de governos estaduais e municipais, como a ações de desenvolvimento locais,
baseadas em modelos alternativos e com elevado grau de financiamento (BRASIL, 2004).
Com a crise do Sistema Financeiro de Habitação e a extinção do Banco Nacional de
Habitação, em 1986, criou-se um hiato em relação à Política Habitacional no país, “causando a
desarticulação progressiva do governo federal, a fragmentação institucional, perda de capacidade
decisória e a significativa redução de recursos disponibilizados para investimento na área”
(BRASIL, 2004, p. 10).
Assim é que, entre a extinção do BNH, em 1986, e o início da reestruturação mais
consistente do setor habitacional, em 1995, referente à transição do regime militar autoritário para a
reabertura democrática do país, a gestão da política habitacional foi regida por vários órgãos que se
sucederam, subordinada a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, sem que se
conseguisse alcançar resultados efetivos, resultando assim, na descontinuidade e ausência de
estratégia para o enfrentamento do problema (FERNANDES; RIBEIRO, 2011).
Para Souza (2008), a nova conjuntura em que o país se apresentava com a reestruturação da
transição da política habitacional, após vinte e dois anos de atuação do BNH, somada às
insatisfações da sociedade civil, destaca-se o fortalecimento de entidades de profissionais,
comunitários, acadêmicos e mutuários em torno da discussão das lutas e conflitos urbanos, tomando
forma o Movimento de Reforma Urbana. A ideia de reforma urbana surgiu no país na década de
1950, com objetivo de discutir a questão da escassez de moradias, e passou a ganhar força e
ampliação de seu escopo na década de 1980, durante o processo de redemocratização do país.
Esse período foi marcado pelo ressurgimento dos movimentos populares, principalmente os
voltados para os programas ou políticas de habitação, que passaram a apresentar propostas voltadas
para a população, passando a ser sujeito decisivo quanto à sua definição e implantação no campo
movimentalista. Tais mudanças ocorreram no bojo do processo de redemocratização nos anos 90 e
com o advento da nova CF/88. Esses movimentos se somam ao movimento da reforma urbana,
destacando-se o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (NMLM), União Nacional por Moradia
Popular (UNMP), dentre outros, (RODRIGUES; BARBOSA, 2012) e que abrigavam diferentes
experiências de participação social (PAULA, 2005).
Maricato (1987) aponta que esses movimentos atuaram na elaboração, mobilização e
pressão pela Emenda Popular da reforma urbana e encaminhada ao Congresso Nacional contendo
160.000 assinaturas e apresentando as seguintes principais propostas: 1) a propriedade imobiliária
urbana, dizia respeito aos instrumentos de regularização de áreas ocupadas, captação da valorização
32
imobiliária, aplicação da função social da propriedade e proteção urbanística, ambiental e cultural;
2) a política habitacional, relacionada aos programas públicos habitacionais de regularização de
áreas ocupadas, ao aluguel ou prestação da casa própria, proporcional à renda familiar e a Agência
nacional e descentralização17
na gestão da política; 3) os transportes e serviços públicos se
relacionavam à natureza dos serviços sem lucro, com subsídios, aos reajustes das tarifas
proporcionais aos ajustes salariais e a participação dos trabalhadores na gestão dos serviços e por
fim, 4) a gestão democrática da cidade, que falava dos conselhos democráticos, audiências pública,
plebiscitos, referendo popular, iniciativa legislativa e veto às propostas do legislativo (MARICATO,
1997).
Desta forma, a emenda originou o Capítulo II – Da Política Urbana na Constituição Federal
de 1988, composto pelos artigos 182 e 183, institucionaliza para elaboração dos planos diretores
uma possibilidade de promoção da reforma urbana, sendo sua inserção constitucional um grande
avanço nas lutas sociais e urbanas. Vale ressaltar, que o direito à moradia somente é incluído na
Carta Magna, no ano 2000, contribuindo para o avanço das políticas sociais, o processo de
democratização e descentralização, promovendo assim, para o setor habitacional avanços e abertura,
como antes não se tinha (MARICATO, 1997).
Com a redemocratização do país e o advento da Constituição de 1988, o primeiro presidente
eleito pelo voto popular, Collor de Melo (1990-1992), apostou nas forças do mercado e sustentava
um discurso de que o caminho para o enfrentamento do problema da habitação popular estava em
atrair o setor empresarial, por meio de condições favoráveis para a construção civil (VALENÇA,
2001). Criou O Ministério da Ação Social (MAS), com o objetivo de gestar os recursos
orçamentários para a população de baixa renda, por meio de uma política de subsídios, estabelece o
Sistema Nacional de Habitação, mas a gestão da política de habitação em seu governo seguiu o
mesmo padrão que se institucionalizou no governo Sarney, dando ênfase aos processos
desenvolvidos para a alocação de recursos no setor habitacional, que obedecia aos critérios de
favorecimento de aliados do governo central ou às práticas clientelistas (FERNANDES; RIBEIRO,
2011). A Caixa Econômica Federal passa a assumir as responsabilidades do financiamento
habitacional e absorver de forma precária algumas atribuições pessoais e de acervo após o
encerramento do BNH (BONDUKI, 2008).
Nesse contexto, o resultado na gestão da política habitacional adotada pelos governos
17
Descentralização: transfere o poder de decisão para os níveis periféricos das cidades, mas não garante com as
políticas setoriais a resolução dos problemas setoriais (JUNQUEIRA, 1997).
33
Sarney e Collor, foi mesmo com a produção de moradias para as camadas populares, não foi
alcançada a meta determinada para a produção, assim como a utilização descuidada dos recursos do
FGTS nos programas habitacionais do governo Collor, sendo que foi no governo Itamar (1993-
1994) que seu governo se caracterizou dando outro rumo à política habitacional, que foi a
continuidade às obras inacabadas no governo anterior (VALENÇA, 2001).
Santos (1999) considera que a primeira experiência de indução à criação de conselhos e
fundos com participação social na política habitacional ocorre no Governo Itamar, que coincide
com a proposição e discussão da PL 2.710/92, momento de diálogo pela exigência da criação de
conselhos e fundos, apontada como uma experiência positiva para implementação de sua gestão. O
autor ainda destaca que essas mudanças aumentam significativamente o controle social e a
transparência da gestão dos programas em questão e constituíram-se em ponto de inflexão
importante na condução de políticas públicas na área de habitação popular.
Desta forma, a proposição dos conselhos nos programas do setor habitacional neste período
foi muito importante para sua institucionalização, mas Azevedo (2007) destaca algumas limitações
em seu arranjo como: com a política de descentralização, o governo federal pecava pela excessiva
padronização dos programas, ou seja, o atendimento não ocorria de acordo com a realidade de cada
município, devido a enorme diversidade entre os mesmos, mesmo sendo exigência de todos, a
formação de Conselhos e Fundos.
Nesse processo de instituição de conselhos e fundos, os pequenos municípios foram os mais
prejudicados, pois se corria o risco da criação apenas formal desses mecanismos, como ocorreu nos
últimos anos com outras exigências similares, feitas por leis federais e estaduais, como nos
Conselho de Saúde, Educação, Criança e Adolescente, Assistência Social. Apesar da criação de
fundos estaduais e municipais, o governo federal criou um fundo federal, pois os programas de
habitação dependem fundamentalmente de verbas orçamentárias ou de recursos subsidiados, o que
os fragilizou institucionalmente (AZEVEDO, 2007).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), (1995-2002), foi marcado pela
consolidação do pensamento neoliberal na condução das políticas públicas no Brasil, com forte
repercussão para as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). O Governo FHC
reestruturou o quadro institucional, por meio da criação da Secretária de Política Urbana
(SEPURB), vinculada ao Ministério do Planejamento (MPO), que substituiu o extinto Ministério de
Bem-Estar Social, articulando dessa forma, a política urbana e de saneamento ambiental
(FERNANDES; RIBEIRO, 2011). Azevedo (2007) destaca a descentralização na política
34
habitacional como incentivo na gestão FHC, confirmando o papel de estados e municípios enquanto
promotores de agentes por uma melhor condição de habitação.
Para Arretche (2000), é no governo de FCH que ocorre um esforço quanto à
descentralização das políticas de habitação e de saneamento básico, como uma forma de superar a
corrupção das gestões anteriores, além de ressaltar a importância da participação da iniciativa
privada no setor. As ações de estratégia de descentralização das políticas sociais contribuíram para
o alto grau de descentralização da política habitacional, na medida em que incentiva as instâncias
colegiadas de Estados a gerir os recursos do FGTS por unidade da federação, para execução dos
governos municipais e estaduais demandantes.
Desta forma, a política de habitação implementada pelo Governo Federal na era FHC, por
meio dos Programas, não significou a sua intervenção positivamente quanto ao enfrentamento do
déficit habitacional, em particular da população de baixa renda, segmento da sociedade mais
atingida pela falta de moradia, pois foi privilegiada a ação do governo para atendimento às camadas
de renda média, que entre 1995 e 2003, “78,84% do total dos recursos foram destinados a famílias
com renda superior a 5 SMs, sendo que apenas 8,47% foram destinados para a baixíssima renda (até
3 SM) onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo” (BONDUKI, 2008, p. 80).
Nesse sentido, seguem os avanços e recuos na gestão do Governo FHC, no quadro 3 a
seguir:
Quadro 3 - Recuos e avanços na gestão pública da política de habitação no período FHC (1995-2002).
Recuos Avanços
Atuação do governo por meio de política macro-
econômica, privilegiando o mercado
Por outro lado, a política habitacional
implementada neste período superou, de certa
forma, a fragilidade institucional que abalava o
setor desde o final do governo militar
Apesar da reestruturação da política, não foi
satisfatório o atendimento às frações das classes
trabalhadoras
No entanto, a frágil presença do governo federal
quanto ao enfrentamento do problema
habitacional do país ensejou a implementação de
intervenções diferenciadas por meio de governos
locais. progressistas
Operações de financiamento por meio de
recursos oriundos do FGTS foram bloqueados
para investimentos nas áreas de habitação e
saneamento
Após 13 anos de tramitação no Congresso
Constituinte, em 2001, foi aprovado e
promulgado o Estatuto das Cidades
Fonte: Holanda (2011).
É importante destacar que foi no Governo FHC que ocorreu a aprovação pelo Congresso
Constituinte e promulgação presidencial, do Estatuto das Cidades, em 2001, após 13 anos de
35
tramitação. O Estatuto das Cidades vem regulamentar a função social da propriedade, constituindo
um marco importante na questão habitacional no Brasil, e que fazia parte da proposta original do
Projeto Moradia, Programa que orientou a nova Política Habitacional de Interesse Social, por meio
do governo Luis Inácio Lula da Silva, e que será objeto de discussão no próximo capítulo
(BONDUKI, 2008).
2.3 A REFORMA GERENCIAL E O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA POLÍTICA
HABITACIONAL NO BRASIL
Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que ocorreu a reforma da administração pública
nos anos de 1995 e o processo de descentralização das políticas sociais para os governos estaduais
e municipais, como resposta ao regime militar e à “baixa centralidade das políticas sociais na
agenda dos governos locais” (ARRETCHE, 2002, p. 25).
A crise do endividamento internacional ocorrida na década de 1980, proveniente da crise
fiscal e reformas orientadas para o mercado (BRESSER, 1997), os movimentos sociais populares e
não populares articulados em nível nacional, tal como a luta pela moradia, que surgiram no fim da
década de 1970 e parte dos anos 1980, assim como os mutirões de casas populares, em oposição ao
regime militar, que representavam modelos de gestão centralizada e burocrática (GOHN, 2011),
reivindicavam atendimento às suas demandas enquanto cidadãos, culminando com a reforma
gerencial do Estado, no bojo do processo de redemocratização do país.
A reforma do aparelho do Estado surge como um modelo de gestão pública capaz de atender
às necessidades dos cidadãos, o interesse público, a coordenação dos serviços públicos com a
economia para que ocorram de forma eficiente, além da ênfase nas políticas sociais (PAULA,
2005).
As reivindicações democráticas da sociedade expressavam o descontentamento com a
excessiva centralização decisória do regime militar, modelo de gestão que produzia ineficiência,
corrupção e ausência de participação da sociedade no governo, além de ter se destacado a
descentralização das políticas públicas (ARRETCHE, 2002). No bojo deste processo de reforma e a
partir da Constituinte de 1988, a participação social vem sendo construída como um dos princípios
organizativos essenciais dos processos de deliberação democrática no âmbito local. Possibilitar a
participação do cidadão e das organizações da sociedade civil no processo de planejamento das
políticas públicas foi transformado em modelo da gestão pública local contemporânea (MILLANI,
2008).
36
Neste contexto, as reivindicações dos movimentos sociais e a ideia de participação vêm sendo
entendidas como uma forma mais ampla e genérica de discussão, de participar da redefinição dos
direitos e da gestão da sociedade, além de participar da definição do tipo de sociedade em que
querem ser incluídos, de participar da “invenção de uma nova sociedade” (CARVALHO, 1998, p.
4). A autora também destaca nesse novo reordenamento político e institucional, diversas lutas que
remontam desde a década de 60, em que pleiteavam as “Reformas de Base”, como a luta pela
Reforma Urbana que consagra a função social da propriedade e da cidade como um direito
conquistado e legitimado na Constituição Federal de 1988, que prevê o planejamento e gestão
participativa das políticas urbanas, espaços de cogestão das políticas urbanas em nível estadual e
municipal, em que a participação da sociedade organizada pressiona e constrói espaços de
cogestão, como os conselhos gestores e os orçamentos participativos.
Desta forma, a principal meta da reforma da administração pública, por meio de critérios
gerenciais, era a mudança na estratégia de gerência, ou seja, reformar a estrutura administrativa,
pela ideia geral da descentralização (BRESSER, 1997). Neste contexto, a administração pública
gerencial brasileira tem sua origem através da governabilidade e credibilidade do Estado na
América Latina, ideário que se originou durante os governos de Thatcher e Reagan, cuja concepção
de governo é o movimento internacional gerencialista no setor público (PAULA, 2005), e que
segundo Bresser, se caracteriza por algumas características básicas: “O modelo de gestão é
orientado para o cidadão, mas, sobretudo, para os resultados, eficiência, ou seja, avançar nos
modelos estritamente burocráticos de controle institucional para o enfoque baseado no alcance de
objetivos e resultados; tem como estratégia a descentralização, o incentivo à criatividade e à
inovação na gestão; em que o tratamento para políticos e funcionários públicos é limitado, mas de
confiança; além do contrato de gestão ser o instrumento realizado para o controle sobre os órgãos
descentralizados.” (BRESSER, 1997, p. 113).
A vertente gerencial tem o objetivo de reorganizar, reformar ou reconstruir o Estado, por
meio da transformação da cultura burocrática do Estado em uma cultura gerencial (PAULA, 2005),
através dos princípios do gerencialismo, como: novo modelo de gestão para os três níveis de
governo federal, estadual e municipal, profissionalização do serviço público e do uso de práticas de
gestão do setor privado, como programas de qualidade e reengenharia organizacional. Sua ênfase é
nas dimensões econômico-financeira e institucional, enquanto que a dimensão sociopolítica ocorre
predominantemente no âmbito do discurso (PAULA, 2005). A autora demonstra que a
administração pública societal, se origina dos movimentos da sociedade organizada nos anos 1960,
37
cujo objetivo é rearticular o Estado e sociedade, por meio da participação popular na gestão pública
e iniciativas locais de organização e gestão pública. Sua ênfase está principalmente na participação
social, em detrimento do modelo de desenvolvimento brasileiro, baseado na estrutura do aparelho
de Estado e do paradigma de gestão, caracterizada pelo papel centralizador do processo decisório.
Desta forma, ao passo que a reforma do Estado e o desenvolvimento da administração
pública gerencial passaram a orientar suas ações, a administração gerencial despreza a elaboração
de ideias, modelos e práticas administrativas que atendam as necessidades e especificidades da
demanda da participação popular. Já a vertente societal, ainda que pautada pelas experiências que
vão além das recomendações gerencialistas, como a construção de canais de participação, os
Conselhos Gestores de Políticas Públicas e o Orçamento Participativo, não conseguiu consolidar
alternativas para a gestão dos sistemas de gestão (PAULA, 2005).
Paula (2005) destaca que a vertente societal reivindica a participação social e relativiza o
conceito de eficiência como possíveis alternativas para romper com a lógica gerencialista, e assim,
se insere na perspectiva de uma gestão social, modelo de gestão que “tenta substituir a gestão
tecnoburocrática por um gerenciamento mais participativo, no qual o processo decisório inclua os
diferentes sujeitos sociais. Essa gestão social é entendida como uma ação política deliberativa, na
qual o indivíduo participa decidindo seu destino como pessoa, eleitor, trabalhador ou consumidor”
(TENÓRIO, 1998, p. 45).
Como cita Tenório (2008, p. 25), a gestão social, contrapõe-se à gestão estratégica à medida
que busca substituir “a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais
participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos
sociais”. Para o autor, a gestão estratégica é um tipo de ação utilitarista, baseada em princípios de
meios e fins e posta em prática pela relação de duas ou mais pessoas, na qual uma possui autoridade
formal que se sobrepõe aos outros indivíduos, como elucida nas relações ocorridas no âmbito das
empresas e que o Estado se impõe sobre a sociedade: “é uma combinação de competência técnica
com atribuição hierárquica, o que produz a substância do comportamento tecnocrático” (TENÓRIO,
2008, p. 23-24). Como explica este autor, a gestão social é um processo que se realiza com o agir
comunicativo, alcançado por meio da discussão crítica, da apreciação intersubjutiva. É definida pela
prática dialógica e que a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação.
Explica que “o adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como espaço
privilegiado de relações sociais no qual todos têm direito à fala, sem nenhum tipo de coação”
(TENÓRIO, 2008, p. 158).
38
A expressão gestão social vem se tornando a cada dia mais corrente, pois segundo França
Filho (2008) é utilizada tanto no âmbito acadêmico, para a formação de vários grupos de pesquisa e
de extensão que passaram a estudar as práticas de gestão social presentes na sociedade quanto no
âmbito das práticas sociais de atores não apenas governamentais, mas, sobretudo, das Organizações
Não Governamentais, associações, fundações, e inclusive iniciativas do setor privado que se
revelam nas noções de cidadania corporativa ou de responsabilidade social da empresa.
O estudo da gestão social aparece como prática de gestão nos processos de participação social
nos demais âmbitos de estudos da sociedade, contribuindo para os avanços produzidos em termos
de cidadania nos diferentes ambientes estudados, bem como nas demais relações participativas que
ajudam a construir programas que se refletem na realidade da sociedade (ALLEBRANDT et al,
2012).
Para Tenório (2007), o termo gestão social tem sido evocado nos últimos anos para destacar
a importância das questões sociais para os sistemas-governos, especialmente na instituição de
políticas públicas, bem como dos sistemas-empresa no gerenciamento de seus negócios. Os estudos
deste autor apontam que a gestão social contrapõe-se à gestão estratégica, à medida que tenta
substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo,
dialógico, no qual o processo decisório é exercido por diversos sujeitos.
Tenório (1998) estabelece uma perspectiva conceitual para explicar a gestão social com base
no paradigma habermasiano, em que recupera os conceitos de ação social da teoria comunicativa
em contraposição ao conceito de ação estratégica o de ação comunicativa. Para o autor a ação
estratégica é típica da gestão estratégica, pautada no cálculo de meios e fins, combinação de
competência técnica e hierárquica (comportamento tecnocrático), que enfatiza o modelo gerencial
do tipo monológico presente por excelência nos sistemas-governo e sistemas-empresa. Já a gestão
social caracteriza-se por pelo agir comunicativo, razão comunicativa, ressalta a ação gerencial
dialógica, participativa, em que o processo decisório é exercido por meio dos diferentes sujeitos
sociais, baseada no entendimento mútuo entre atores/sujeitos e atuação dos sujeitos com base na
cidadania deliberativa.
A literatura aponta alguns autores que demonstram como o conceito da gestão social
contribui para o desenvolvimento desta ciência enquanto paradigma de gestão nas novas relações
entre os sujeitos/atores de uma sociedade mais participativa, em contraposição às ideias da
administração gerencialista como:
Tânia Fischer (2002), que aborda a gestão social como um ato relacional estabelecido entre
39
as pessoas, em espaços e tempos relativamente delimitados, objetivando realizações e expressando
interesses de indivíduos, grupos e a coletividade.
Para Dowbor (1999), as tendências da gestão social alertam para repensar a necessidade de
formas de organização social e de redefinição da relação entre o político, econômico e o social. Este
autor entende que a gestão social é ainda um paradigma em construção que busca superar a visão
estadocêntrica ancorada na excessiva burocratização e centralização da máquina pública e de visão
de mercado que coloca o lucro e a competitividade acima de tudo e de todos.
Neste cenário, vale destacar que o tema gestão social tem sido objeto de estudo e prática
muito mais associada à gestão de políticas sociais, de organizações do terceiro setor, de combate à
pobreza e até mesmo ambiental, do que propriamente à discussão que se propõe, por meio do
diálogo e da possibilidade de uma gestão democrática, participativa, quer na formulação de políticas
públicas, quer nas relações de caráter produtivo. Daí o autor entender o termo gestão social é um
processo gerencial dialógico, no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes
da ação, que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social, seja público, privado ou de
organizações não governamentais (TENÓRIO, 2005, grifo do autor).
Ainda assim, França Filho (2003, 2008), demonstra que a gestão social é uma inovação na
disciplina da administração, por compreender a gestão da coisa pública não por orientação
econômica, já que desta maneira acaba contrariando, desconstruindo a tradição de desenvolvimento
das técnicas e metodologias gerenciais em administração.
Mesmo assim, dá-se a importância dos estudos acerca da gestão social cujo objetivo é
qualificar gestores que assumam atribuições, a gestão por processos e de organizações até então sob
a custódia da tecnoburocracia estatal. Ela traz em seu bojo, portanto, a construção de novas
estruturas de participação a fim de facilitar o processo de edificação de comunidades de prática
(CARRION, 2012).
Desta forma, apesar do gerencialismo enfatizar a adaptação dos princípios gerenciais para o
setor público e a gestão social enfatizar a elaboração de experiências de gestão focalizadas no
público-alvo, como a participação da sociedade (PAULA, 2005), ambos os modelos de gestão
priorizam a descentralização como ideia geral da estrutura administrativa reformada do Estado
(BRESSER, 1996), particularmente na área das políticas sociais (ARRETCHE, 2002a; 2002b).
A partir de meados dos anos 1990 foi implementado um amplo programa de
descentralização das políticas sociais, com objetivo de transferir aos estados e municípios
brasileiros grande parte das funções de gestão de políticas sociais, que foram recuperadas por meio
40
das bases do Estado federativo no Brasil, resultado da redemocratização que ocorria na década de
1990, em que a retomada pelas eleições diretas para todos os níveis de governo culminou com a
descentralização fiscal da Constituição de 1988, alterando profundamente as bases de autoridade
dos governos locais (ARRETCHE, 2002a, 2002b).
A partir de 1982, foram recuperadas as bases do Estado federativo no Brasil, eliminadas
durante o regime militar, e retomado o processo das eleições diretas em todos os níveis de governo,
com destaque para a descentralização da gestão municipal, pois a soberania que os governos locais
passaram a ter foi resultado do voto popular direto, da autonomia de suas bases fiscais e pelas
relações intergovernamentais que caracterizam as federações (ARRETCHE, 2002a, 2002b).
Cardoso e Ribeiro (2001) ressaltam a importância da descentralização das políticas sociais,
em especial as de moradia: “O processo de redemocratização e as eleições diretas para novos
governantes influenciou fortemente o processo de descentralização no país. A questão do voto
passou a ter uma grande importância para o país, à medida que a nova administração, especialmente
a de nível local, passou a ter com o processo de implementação das políticas sociais, entre elas, a
provisão de moradias para as camadas de baixa renda.” (CARDOSO; RIBEIRO, 2001, p. 23).
O autor aponta algumas características que marcam o processo de descentralização ocorrido
no Brasil a partir do final do regime militar, no campo da questão da moradia: “a política federal
muda de caráter, adotando um formato institucional marcado pela ampliação da iniciativa local, mas
limitado pela regressividade e clientelismo da distribuição de recursos; a retomada da eleição dos
governos locais nos estados e nas cidades gerou um processo espontâneo de formulação e
desenvolvimento de políticas habitacionais locais, cujo alcance real e cuja capacidade concreta de
implementação não é clara, independentemente dos rumos da política federal, sendo este processo
limitado, contudo, pela capacidade financeira dos municípios; a nova Constituição estabeleceu para
o campo temático da moradia, o que parece ser um modelo ambíguo de descentralização, ao por um
lado, ampliar as competências e atribuições municipais e, por outro lado, manter uma ambiguidade
de atribuições entre os níveis de governo e não estabelecer prioridades e critérios redistributivos
claros para a alocação dos recursos a nível federal” (CARDOSO; RIBEIRO, 2001).
O processo de descentralização político-administrativa e a municipalização das políticas
públicas impulsionaram a transformação e o fortalecimento das instituições democráticas no país,
pois o processo de mudança se caracterizou pela organização e funcionamento dos governos locais
e institucionalizou os canais de gestão democrática e dos instrumentos redistributivos da renda e
riqueza produzidas nas cidades brasileiras (ROCHA, 2009).
41
Abrucio (2006) destaca que a descentralização favorece o aumento da eficiência e
efetividade na administração pública, potencializando a participação popular nos processos
decisórios, na medida em que aproxima o governante e a população, contribuindo, desta maneira,
para o desempenho da democracia, além de aumentar a responsabilização (accountability) no
sistema político, os canais de debate, os mecanismos de fiscalização e controle social das políticas
públicas.
Apesar de a descentralização trazer progresso para a gestão pública e, em especial, para as
políticas sociais, pode também causar efeitos perversos nos processo de gestão, se algumas questões
não forem consideradas tais como: a constituição de um sólido pacto nacional; combate às
desigualdades regionais; democratização dos governos locais – é necessário considerar e
aperfeiçoar as capacidades administrativas e financeiras das instâncias subnacionais; criação de um
ambiente intergovernamental positivo –, pois segundo Arretche (1996), o alcance dos ideais
democráticos depende, em grande medida da natureza das instituições encarregadas pelas decisões;
construção de capacidades político-institucionais tanto do poder central quanto dos governos
subnacionais, é papel do governo central fornecer auxílio técnico e financeiro nos níveis inferiores.
Por outro lado, as instâncias subnacionais devem aprimorar sua estrutura administrativa e seus
mecanismos de responsabilização (accountability) (ABRUCIO, 2006; ARRETCHE, 1996).
Arretche (2004) aponta que apesar da CF/88 ter representado um marco para o processo de
descentralização, contribuindo para uma melhor coordenação e autonomia do federalismo e das
políticas sociais, caracterizado de um lado, pela redistribuição de recursos e, por outro, pela
redistribuição de funções aos demais entes federados, qualquer ente federativo estava autorizado a
implementar programas sociais, porém, nenhum deles estava constitucionalmente obrigado a fazê-
lo, além desse cenário só demonstrar que mesmo com o avanço na Carta Constituinte, “pouco se
alterou a estrutura institucional de gestão das políticas sociais, que é centralizada para as áreas de
saúde e desenvolvimento urbano e para a área da educação” (ARRETCHE, 2004, p. 5).
Desta forma, Arretche elucida que: “A Constituição Federal de 88 descentralizou receita,
mas não descentralizou encargos, ou seja, a distribuição de competências dada aos municípios pelo
Constituição é favorável a produzir os efeitos esperados pela literatura sobre federalismo e políticas
públicas; superposição de ações, desigualdades territoriais na provisão de serviços e mínimos
denominadores comuns nas políticas nacionais, efeitos estes que, por sua vez, são derivados dos
limites à coordenação nacional das políticas.” (ARRETCHE, 2004, p. 5).
42
Abrucio (2006), também ressalta que o processo de descentralização das políticas sociais
pode causar efeitos perversos como a alocação ineficiente de recursos devido a falta de preparo de
gestores locais, desigualdades em relação à qualidade e quantidade de serviços e a falta de controle
social, o que pode resultar em ações que visam atender interesses particulares e favorecem práticas
clientelistas e patrimonialistas.
Nesse cenário, ainda assim, foi significativamente importante a alteração de distribuição de
competências entre governo federal, estados e municípios para a provisão dos serviços sociais, com
enfoque para a política social de habitação, que deixou de ser dominantemente produzida por meio
das companhias municipais de habitação e passou a operar conforme linhas de crédito ao mutuário,
pois Arretche ressalta que das 44 companhias criadas pelo BNH, 12 fecharam e mais de 20
redirecionaram suas atividades para a área de desenvolvimento urbano (ARRETCHE, 2002a,
2002b).
Arretche (2002a, 2002b) destaca que o modelo de gestão para a política de habitação social
era caracterizado pelo modelo estatal e centralizador do regime militar, mas com a emergência da
agenda de reformas reivindicada pela sociedade no governo FHC, que teve como objetivo rever o
paradigma de gestão anterior por meio da descentralização dos recursos federais, introduzir os
princípios de mercado para a provisão de serviços e de uma política de crédito que atendesse ao
mutuário final, a descentralização passou a ser vista positivamente como modelo de gestão mais
ágil, democrático e eficiente para o atendimento dos usuários, além da adesão dos governadores ao
programa federal de incentivos à descentralização.
Desta forma, para que a descentralização da política habitacional seja atraente aos governos
subnacionais é necessária a atuação do governo federal, por meio de estratégias de indução que
minimizem as dificuldades fiscais e administrativas dos governos municipais, além de investir na
formulação de políticas ativas e continuadas de capacitação municipal para a transferência formal
de gestão para os municípios e o controle social nas ações que visam o interesse público, como
forma de combater os efeitos perversos que o processo de descentralização pode causar (MOREIRA
et al, 2012).
Portanto, a década de 90 foi marcada pela reivindicação articulada da sociedade civil no que
se refere à participação, cidadania, democracia e descentralização das práticas sociais desenvolvidas
tanto pelos governos quanto pela sociedade com a gestão social do desenvolvimento de forma
ampla. Pois, não se pode pensar no desenvolvimento de forma restrita, ou seja, limitado à ideia
43
centralizada de gestão, bem como limitado espacialmente a um único município, em virtude da
heterogeneidade socioespacial existente no Brasil.
2.4 APONTAMENTOS SOBRE POLÍTICAS SOCIAIS
A descentralização das políticas públicas foi uma das grandes reivindicações dos
movimentos sociais, que indicavam a forma de implementação dessas políticas com objetivo de
universalização de direitos. Todas as atividades relativas à gestão das políticas sociais eram
centralizadas pelo excessivo controle decisório do governo militar, o que resultava na ineficiência,
corrupção e não participação do processo decisório dessas políticas. Por outro lado, correntes
políticas de esquerda e direita, indicavam o processo de descentralização da gestão do governo
federal para os governos subnacionais, à luz da eficiência, participação, transparência, accoutability,
entre outras características esperadas pela mudança de paradigma do regime militar para o governo
FHC (ARRETCHE, 2002b).
Arretche (2000) desenvolveu uma pesquisa bastante coerente ao demonstrar que a
implementação de programas de descentralização de deliberação pelos governos nacional e
estaduais para os municípios são capazes de ampliar o alcance e os resultados das políticas sociais.
Desta maneira, o processo de descentralização depende, sobretudo, dos seguintes fatores: 1)
disposições constitucionais; 2) desenho do programa de descentralização pelo governo federal; 3)
modo efetivo de funcionamento deste programa e 4) ação dos executivos estaduais (ARRETCHE,
2000, grifos nossos).
No contexto brasileiro, a trajetória das políticas sociais tem suas particularidades, pois
apesar de ter iniciado a partir do governo de Getúlio Vargas, na década de 1930, por meio da
criação do sistema público de providências pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs),
regulamentação das relações de trabalho, e pela instituição de políticas de saúde e educação
(BONDUKI, 1994), foi nos anos de 1960, durante o governo militar, que as políticas sociais foram
expandidas, como estratégia de adesão e legitimação do bloco que ascendeu ao poder
impositivamente (BEHRING; BOSCHETTI, 2010), além de sua estrutura organizacional ter sido
profundamente redesenhada nos anos 90, através da implantação de programas de descentralização,
que transferem paulatinamente, um conjunto significativo de atribuições de gestão aos níveis
subnacionais de governo (ARRETCHE, 2002).
Arretche (1992, p. 1) destaca que “há expressiva variação no alcance da descentralização
44
entre cada uma destas políticas”. Neste período, ocorreu uma forte institucionalização das políticas
de saúde, previdência, habitação e, em menor escala, de assistência social, além da expressiva
variação do grau de descentralização alcançado por cada uma destas políticas entre os estados
brasileiros. Nesse cenário, Behring e Boschetti (2010), apontam que a crise econômica mundial da
década de 1970, abalou essa configuração das políticas sociais, sendo a década de 1980,
considerada perdida do ponto de vista econômico, agravando a questão social e urbana, além de ter
sido marcada por profundas mobilizações sociais que pressionaram o Estado para a
redemocratização brasileira, culminando com a Nova Constituição Federal de 1988.
Esse novo formato institucional da gestão das políticas públicas, legitimado pela
Constituição Federal de 1988, é marcado pela universalização dos direitos de cidadania,
descentralização, gestão democrática das políticas públicas, processo de deliberação, gestão e
controle social das mesmas, nas diversas áreas sociais e instituiu dois fatores como eixos centrais do
processo de democratização da gestão pública brasileira, nas três esferas de governos federal,
estadual e municipal, além de constituírem importantes mecanismos para a formulação,
implementação e avaliação das políticas sociais no Brasil: a descentralização e participação
(ROCHA, 2009).
O autor aponta os conselhos gestores como novas formas inovadoras de integração entre
governo e sociedade, atuando como canais de estratégias de participação social, previstos na CF/88
(ROCHA, 2009). Behring e Boschetti (2010, p. 178) alertam que apesar das potencialidades dos
conselhos gestores enquanto “arenas de negociação de propostas e ações que podem beneficiar
milhares, milhões de pessoas e de aprofundamento da democracia”, os mesmos apresentam limites
de atuação, como os padrões histórico-culturais da sociedade brasileira que criam obstáculos ao
exercício da democracia, revelando uma atuação de esvaziamentos e desqualificações da
participação, o que demonstra que o processo de democratização das políticas sociais trata-se de um
processo de aprendizagem a longo prazo: “A reforma democrática do país foi resultado da conquista
democrática dos trabalhadores e movimentos populares na década de 80, incluindo o novo estatuto
dos municípios e a revisão do pacto federativo no país.
Mas a transformação desse projeto em processo não pôde ser plenamente realizada, já que
veio se deparando com obstáculos econômicos, políticos e culturais, o que exige persistência, uma
vontade política forte e a compreensão de que estão empreendidas mudanças de longo prazo. Pois
qualquer expectativa de curto prazo pode ser frustrante para os que apostam nesse projeto,
considerando as forças que a ele se opõem.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 182).
45
Nesse cenário de inovações ocorridas no bojo da Nova CF/88, Arretche (1992) também
ressalta que apesar das políticas sociais terem avançado em diferentes níveis e velocidades, é
inegável, entretanto, o seu processo de redefinição ocorrido nas atribuições e competências na área
social, em resposta ao padrão centralizado do governo federal, característico do formato prévio do
Sistema de Proteção Social constituído ao longo dos anos 60 e 70. Mais que no início dos anos 90,
ocorre a transformação institucional que vem se operando nesse Sistema, que é a descentralização
de atribuições de gestão aos níveis subnacionais.
Mas essa mudança de paradigma de gestão que caracterizou a implementação de um
abrangente programa de descentralização das políticas sociais e que transferiu para estados e
municípios brasileiros, sendo que grande parte das funções de gestão dessas políticas, em especial,
aos municípios, que são os protagonistas da execução das políticas sociais, o que lhes constituiu um
enorme desafio tanto quanto comparado à grande diversidade das características políticas,
econômicas, sociais, culturais e institucionais dos municípios brasileiros (ARRETCHE, 2002b).
Assim, Arretche, desenvolveu uma obra consistente ao comparar o alcance dessas políticas sociais
no Brasil, por meio das estratégias de descentralização (ARRETCHE, 1992; 2000; 2002a, 2002b,
2004; 2010).
A autora baseia seus estudos por meio da descentralização das políticas sociais após a
Constituição de 1988, em que no Estado federativo brasileiro, “a autoridade dos governos centrais,
particularmente sua capacidade de mudar o status quo, isto é, produzir inovações e implementar
reformas de políticas” (ARRETCHE, 2002b), propõem aos estados e municípios, politicamente
autônomos, que assumam a gestão de políticas públicas, por iniciativa própria ou por adesão a
algum programa proposto por um nível mais abrangente de governo. Para isso, é necessário que o
governo federal incentive por meio de estratégias bem sucedidas de indução para obter a adesão dos
governos locais à gestão de determinada política social, por implicar em custos políticos e/ou
financeiros, além de considerar que esta tarefa anteriormente estava centralizada no governo central
(ARRETCHE, 1992; 2000; 2002a, 2002b, 2004; 2010).
A autora considerou e testou em sua pesquisa sobre a descentralização das políticas sociais
diferentes fatores que influenciavam de forma positiva ou negativa o processo de descentralização,
analisando tanto aspectos relacionados às políticas, como: legado das políticas prévias, regras
constitucionais, engenharia operacional e estratégias de indução, quantos fatores ligados às
características dos estados e seus municípios, a saber: estrutura político-administrativa, base
econômica e cultura cívica, que têm um peso determinante para a descentralização, para assim,
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destacar que são determinantes as estratégias deliberativas adotadas por uma política social para o
efetivo processo de descentralização (ARRETCHE, 1992; 2000; 2002a, 2002b, 2004; 2010).
Arretche (2000) demonstra que as estratégias de descentralização adotadas por uma política
social são capazes de compensar, até mesmo, limitações relacionadas à capacidade administrativa e
financeira das administrações locais, contribuindo, desta forma, para seu alcance e cobertura no
território nacional, isto é, a ação deliberada, vale dizer, estratégias de indução eficientemente
desenhadas para delegar a outro nível de governo a responsabilidade pela gestão destas políticas
podem compensar obstáculos à descentralização derivados daqueles fatores de natureza estrutural
ou institucional, conforme elucida abaixo: “A existência de políticas deliberadas explícita e
eficientemente desenhadas para obtenção da adesão das administrações locais passa a ser condição
necessária para o sucesso de um processo amplo e abrangente de transferência de responsabilidades
de gestão de políticas sociais. Isto quer dizer que, para se obter resultados na transferência de
atribuições e responsabilidades, a ação política deliberada pode alterar substancialmente o peso e a
importância de variáveis relacionadas aos atributos estruturais de estados e municípios e aos
atributos institucionais das políticas.” (ARRETCHE, 2000, p. 244).
Para a autora, os governos locais são politicamente soberanos para aderirem aos programas
de descentralização, baseando-se no cálculo em que serão avaliados os custos e benefícios
prováveis com vistas à tomada de decisão para assumir funções de gestão em cada política
particular. Destaca que quando se tratar de municipalizar atribuições de gestão, estratégias
eficientemente implementadas por parte do governo federal são decisivas para que seja maior o
alcance da municipalização de cada unidade da federação. Desta forma, o sucesso de um programa
abrangente de reforma do Estado que implique no (re)desenho do modelo nacional de prestação de
serviços sociais depende necessariamente da implementação de estratégias deliberadas e adequadas
de incentivo à adesão dos governos locais (ARRETCHE, 1992, p. 22).
Assim, foi durante o governo Fernando Henrique Cardoso que ocorreu significativa
alteração quanto à distribuição de competências entre governo federal, estados e municípios para a
provisão dos serviços sociais, em especial, a política social de habitação (ARRETCHE, 2002b). A
reforma de seu governo visou rever o paradigma anterior de gestão centralizada do governo federal,
por meio da descentralização da alocação de recursos federais e da introdução de princípios de
mercado na provisão de serviços e de uma política de crédito ao mutuário final (ARRETCHE,
2002a).
Neste contexto, com a nova Política Nacional de Habitação, a Lei nº 11.124/05, que instituiu
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o SNHIS, traz entre seus princípios a descentralização e a cooperação federativa no enfrentamento
das questões habitacionais e a ideia de estruturação de um sistema com participação das três esferas
de governo constantes entre objetivos, diretrizes e princípios que citam os termos descentralização,
integração, compatibilização e articulação como uma forma ideal de atuação das políticas federal,
estadual, do Distrito Federal e municipais, que será abordado subitem seguinte (HOLANDA, 2011).
2.4.1 As estratégias de descentralização no âmbito da política nacional de habitação e do
sistema nacional de habitação de interesse social
A Lei nº 11.124/05, que instituiu o SNHIS, aponta que o processo de descentralização da
política habitacional ocorre pela participação nos três níveis de governo. No desenho estabelecido
pela Lei e pelo Decreto nº 5.796/06, que a regulamenta, o SNHIS estabelece o processo de
descentralização da seguinte maneira: o SNHIS é capitaneado pelo Governo Federal, o Ministério
das Cidades é o órgão responsável por coordenar, gerir e controlar o sistema, instituindo
prioridades, estratégias e instrumentos, com atenção às diretrizes e princípios do ConCidades; deve
elaborar o PlanHab, programas de habitação e selecionar as propostas formuladas pelos outros entes
federados, assim como monitorar sua fiscalização; deve formular a proposta orçamentária do
FNHIS e monitorar sua execução junto ao Conselho Gestor; e através da CAIXA, que é o agente
operador do fundo, definir procedimentos operacionais e controlar a execução físico-financeira das
ações com recursos do fundo. Aos Estados está estabelecida a função de articular e apoiar as ações
dos Municípios, e aos Municípios a implantação dos programas de habitação e políticas de
subsídios18
(BRASIL/BRASIL, 2004; BRASIL/BRASIL, 2010a).
Para ocorrer a operacionalização dos recursos no SNHIS, os recursos do FNHIS são
compostos principalmente pelo Orçamento Geral da União (OGU) e outros fundos, como o Fundo
de Apoio ao Desenvolvimento Social. O SNHIS centraliza todos os programas de habitação de
interesse social, coordenando, além do FNHIS, ainda outros programas que utilizam os recursos do
FGTS, possibilitando um mix de recursos onerosos e não onerosos. Para Estados e Municípios
terem acesso aos recursos do SNHIS, deve constituir fundos e conselhos19
PARÁ. Governo do Estado. Diagnóstico habitacional: versão para discussão. Plano estadual de
habitação de interesse social. Belém: setembro de 2009. Disponível em: < http://www.idesp.pa.gov.br/pdf/artigos/PEHISDiagnosticoHabitacional.pdf>. Acesso em: 04 out
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PAULA, Ana Paula Paes de. Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão
social. ERA, v. 45, n 1, jan/mar. 2005. Disponível em:
<http://www.uece.br/cev/index.php/arquivos/doc_dowload/66-texto2>. Acesso em: 07 maio 2013.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ABAETETUTA. Secretaria Municipal de Assistência