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A Ocupação Da Planície Costeira Central Do Rio Grande Do Sul Por Fases Da Tradição Tupiguarani

Nov 15, 2015

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Erik Oliveira

A Ocupação Da Planície Costeira Central Do Rio Grande Do Sul Por Fases Da Tradição Tupiguarani
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  • Arqueologia Interpretativa

    O Mtodo Quantitativo para Estabelecimento de Sequncias Cermicas: Estudos de Caso

  • Fundao Universidade do Tocantins - UNITINS

    Governador do Estado do Tocantins Marcelo de Carvalho Miranda

    Reitora

    Jucylene Maria de Castro Santos Borba Dias

    Vice-Reitor Livio William Reis de Carvalho

    Pr-Reitora de PesquisaRoberto Antnio Penedo do Amaral

    Pr-Reitor de GraduaoGeorge Frana dos Santos

    Pr-Reitor de Ps-Graduao e ExtensoPaula Karini Dias Ferreira Amorim

    Pr Reitora de Administrao e FinanasEvandro Borges Arantes

  • Arqueologia Interpretativa

    O Mtodo Quantitativo para Estabelecimento de Sequncias Cermicas: Estudos de Caso

    Porto Nacional, 2009

    by 2009Betty Meggers

    Organizadora

    Marcos Aurlio Camara ZimmermannOndemar Ferreira Dias Junior

    Betty J. MeggersPedro A. Mentz Ribeiro

    Jorge A. RodrguezIgor Chmyz

    Pedro Igncio SchmitzEurico Thefilo Miller

    Mario SanojaIrailda Vargas Arenas

  • A772 Arqueologia Interpretativa: O Mtodo Quantitativo para estabelecimento de Sequncias Cermicas: Estudo de Caso / Organizadora: Betty Meggers; autor: Marcos Aurlio Camara Zimmermann... [et al] Porto Nacional, UNITINS, 2009.

    132P.; IL. ISBN - 978-85-89102-12-4

    1. Arqueologia - teoria. 2. Arqueologia - Mtodo Quantitativo. 3. Arqueologia Tupi-guarani. 4. Arqueologia e Seriao Cermica. I. Meggers, Betty. II. Zimmermann Camara, Marcos Aurlio. III. Ttulo.

    CDD 930.1

    Print in BrasilImpresso no Brasil

    2009

    Comisso de Publicao e Corpo EditorialMarcos Aurlio Camara Zimmermann

    Antnia Custdia PedreiraOndemar Ferreira Dias Junior

    Editor ResponsvelMarcos Aurlio Camara Zimmermann

    Reviso Marcia Bezerra de Almeida

    Editorao EletrnicaHeleno Manduca Ayres Leal

    Ncleo Tocantinense de Arqueologia - NUTACoordenador Geral

    Marcos Aurlio Camara Zimmermann

    Dados de Internacionais de Catalogao na Fonte - CUPFicha Catalogrfica elaborada pela Biblioteca da UNITINS,Bibliotecria Rosngela Martins da Silva - CRB2/1019

  • SUMRIOApresentao Antonia Custdia Pedreira

    Introduo........................................................................................................12 Marcos Zimmermann Ondemar Ferreia Dias Inferindo Comportamento Locacional e Social apartir de Sequncias Seriadas ...........................................................17 Betty J. Meggers

    A Ocupao da Plancie Costeira Central do Rio Grande do Sul, Brasil, por Fases da Tradio Tupiguarani ...........................35 Pedro Augusto Mentz Ribeiro

    La Ocupacin (Poblamiento) del Norte de Corrientes (Argentina) por Fases de la Tradicin Tupiguarani .......................................49 Jorge Amlcar Rodriguez

    Consideraes sobre as Sequncias Seriadas da Tradio Aratu/Sapuca em Minas Gerais, Brasil .........................................63 Igor Chmyz Eliane Maria Sganzerla Jonas Elias Volcov

    Populaes Ceramistas do Pantanal do Rio Paraguai, Mato Grosso do Sul, Brasil .....................................................86 Pedro Igncio Schmitz

    Pequisas Arqueolgicas no Pantanal do Guapor: A Sequncia Seriada da Cermica da Fase Bacabal......................................103 Eurico Thefilo Miller

    Seriacin Arqueolgica y Cronologa Relativa de Santo Tom, Antigua Capital de la Provncia Guyana (Venezulela): 1593-1818..............118 Mario Sanoja Iraida Vargas-Arenas

  • Apresentao A Fundao Universidade do Tocantins, atravs do Ncleo Tocantinense de Arqueologia, em setembro de 2002, organizou em parceria com a Smithsonian Institution, Washington, D. C., Estados Unidos, o I Seminrio Institucional de Estudos do Mtodo Quantitativo para Estabelecimento de Seqncias Culturais e Arqueologia, no Estado do Tocantins. Agora tem o privilgio de apresentar para a comunidade cientfica o presente livro, com o propsito de divulgar o ciclo de palestras conferidas durante o evento, acerca do Mtodo Quantitativo, a partir da contribuio de renomados arquelogos/pesquisadores de distintas instituies americanas que, socializaram suas experincias, aplicando e portanto, validando o mtodo de seriao Ford, em seus trabalhos, quando da anlise de materiais arqueolgicos, especialmente cermicos, para compreenso de estruturas sociais pr-histricas variante, na produo da cultura material. Nossa expectativa de que, as informaes trazidas por cada texto, no somente contribuam para ampliar a viso de muitos, mas faam avanar as discusses sobre o mtodo, tanto no sentido de prover sua magnitude e importncia, quanto de alcanar um pblico maior e interessado na busca de interpretaes mais elevadas na pesquisa arqueolgica.

    Antonia Custdia PedreiraProfessora da Fundao Universidade do Tocantins

  • 12 Arqueologia Interpretativa

    Em setembro de 2002 o Ncleo Tocantinense de Arqueologia, da Universidade do Tocantins, em cooperao com a Smithsonian Institution, e apoio do Instituto de Arqueologia Brasileira, reuniu em Porto Nacional, naquele Estado, um grupo de arquelogos experientes no uso do Mtodo Quantitativo para discutir a sua crescente complexidade e novas aplicaes. Considere-se que desde a publicao da proposta de aplicao pelo autor que lhe deu o nome James Ford, 1962, uma srie de novas propostas e perspectivas foi-lhe sendo anexada, proveniente da experincia a que vem sendo submetido desde ento, em diversas partes do mundo e, em especial, atravs dos estudos publicados pela Dra. Betty Meggers. De fato, a atuao desta ltima de tal monta que, no nosso caso pessoal, temos nos referido ao mesmo como Mtodo Ford-Meggers, tal o avano e o alargamento do campo interpretativo que tais novas contribuies vm permitindo.

    Daquela Reunio participaram, alm dos pesquisadores das instituies promotoras (3), a prpria Dra. Meggers (da Smithsonian Institution); o Dr. Pedro Mentz Ribeiro e o Dr. Pedro Igncio Schmitz, do Rio Grande do Sul; o Dr. Igor Chmyz do Paran e o Dr. Eurico Thefilo Miller, de Braslia. Do exterior vieram os Drs. Jorge Rodrguez, da Argentina e o Dr. Mario Sanoja da Venezuela. Durante alguns dias, totalmente dedicados ao evento, cada um dos participantes apresentou sua contribuio, foram discutidas as possibilidades interpretativas de cada caso, examinados e comparados exemplares arqueolgicos (em especial cermicos) e organizado o roteiro da divulgao dos principais resultados. Combinou-se que os artigos, agora divulgados, versariam sobre as novas perspectivas elaboradas a partir da anlise de material cermico das reas pesquisadas pelos autores.

    Pela leitura dos trabalhos aqui apresentados, o interessado poder acompanhar o alargamento das perspectivas que agora se torna possvel, desde as discusses que abrem a publicao, em que a Dra. Meggers demonstra como inferir comportamentos de ocupao locacional,

    passando pela anlise cultural dos povos da Tradio Tupiguarani do litoral gacho (Pedro Mentz Ribeiro) ao Norte da Argentina (Jorge Rodrguez). A regio do Pantanal foi tambm abordada e, nela, foram (re)construdas as bases de suas populaes ceramistas, no rio Paraguai (Pedro Igncio Schmitz) e no Guapor (Eurico Thefilo Miller). Pelos trabalhos de Igor Chmyz, o leitor poder acompanhar a descrio das caractersticas da Tradio Aratu-Sapuca em Minas Gerais e, com o casal Mario Sonoja & Iraida Vargas, se aprofundar na viso seriada da ocupao colonial de uma provncia venezuelana.

    Uma amostra da validade e da profundidade que o mtodo quantitativo permite, conforme comenta a Dra. Betty Megerrs em seu artigo, que somente atravs do uso das seqncias seriadas tais objetivos puderam ser atingidos. Neste mesmo texto a autora resume de forma magistral as principais bases metodolgicas e discute um breve histrico de sua aplicao no nosso pas.

    Aproveitando esta oportunidade, talvez seja hora de desfazer alguns enganos que cercam o mtodo, falhas de conhecimento que, vez por outra, tm sido colocadas como verdades por alguns crticos.

    A primeira delas se refere afirmao de que o mtodo est ultrapassado, pois, afinal, h mais de 40 anos vem sendo utilizado.

    Na verdade, so mais de 40 anos de constante experienciao e aperfeioamento, e no s no Brasil ou nas Amricas. Tal mtodo vem sendo posto em prtica em muitas outras partes do mundo, como no Egito, por exemplo.

    E no s isso: para que alguma coisa seja ultrapassada, necessrio que algo melhor, mais prtico, ou mais seguro, passe sua frente, permitindo melhores anlises ou concluses mais seguras. Pelo que temos visto, outros mtodos (o Clusters, por exemplo) se bem utilizados, podem ser teis para complement-lo em alguns aspectos, at mesmo refinando algumas das suas concluses. Mas longe esto de permitir substitu-lo, pois funcionam bem, repetimos, se aplicados sobre seqncias

    Introduo

    Marcos Zimmermann (1)Ondemar Dias (2)

  • Arqueologia Interpretativa 13

    estabelecidas adredemente por ele. E, claro, surgindo algo melhor, sem dvida poderemos acopl-lo e experienciar os resultados, pois a metodologia utilizada tem, entre suas vantagens, aquela de permitir constante renovao na experincia. E o mais interessante que muitos dos que condenam seu emprego, jamais sequer o experimentaram (algumas vezes, inclusive, sobretudo jovens iniciantes, que confessam repetir o que ouviram dos seus mestres), como se tal fosse um comportamento cientfico vlido.

    Mas, enquanto isto, sem dvida, ele se amplia, evolui e ainda insupervel como mtodo interpretativo.

    Segundo engano. Tambm no so poucos os que afirmam ser o mtodo quantitativo um mtodo de anlise e, alm disso, exclusivo para cermica:

    Duplo erro. O mtodo , sobretudo, uma prtica quantitativa que s pode ser aplicada sobre material previamente analisado. O problema que ele exige uma anlise acurada e profunda do material arqueolgico (qualquer material, em conjunto ou isoladamente) desde que devidamente esmiuado em todas as caractersticas capazes de serem observadas e quantificadas em laboratrio. Sendo possvel medir algum material, ou at mesmo estruturas ou eventos, sobre ele se pode aplicar o mesmo sistema interpretativo.

    A cermica, como no caso deste livro, a preferida para ser submetida ao mtodo, pois ele, antes de tudo, mede mudanas, diferenciaes ao longo do tempo e do espao, e nela tais configuraes se caracterizam tanto com maior rapidez, quanto mais claramente. Mas no complexo de qualquer stio, todo o material que a acompanha no acervo se presta da mesma forma para interpretao. Alis, no de hoje que se sabe disso. No prprio livro de James Ford (1962), ele demonstra sua praticabilidade sobre tumbas de cemitrio, entre outras aplicaes. Eliana Carvalho o utilizou comparando diferenas percentuais culturais entre camadas ocupacionais do stio Corond (1984) Llia Machado (1984) em relao s variaes dos padres de sepultamento do mesmo stio (em ambos os trabalhos, a cermica constituiu uma pequenssima parcela do material analisado). Recentemente um de ns (Dias Junior, 2003) o utilizou demonstrando as variaes culturais entre categorias de material colonial diferenciado em stios histricos de Itabora. Em sntese, se pode utiliz-lo sobre qualquer categoria ou classe de material, evento ou documento passveis de serem classificados.

    O terceiro engano mais comum diz respeito sua atrelagem corrente Histrico Culturalista ou Neo-evolucionista. Na verdade, como em arqueologia s se pode trabalhar sobre evidncias materializadas no acervo recuperado (mesmo em se tratando de idias ou pensamentos), sem dvida que os princpios conceituais estabelecidos h mais de cem anos para identificao e classificao prtica do material seguem vlidos. Isto, independentemente do fato de terem sido altamente desenvolvidos pela primeira corrente, ainda que com objetivos classificatrios e toda uma ideologia profundamente diferente da atual. Mas tal fato no exclusivo do mtodo em questo. Como se pode analisar ou classificar qualquer material arqueolgico sem aplicar tais princpios e abstraes, como o tipo, a classe, a categoria, ou outro qualquer padro taxonmico? Mesmo que disfarados sob outras terminologias ou tcnicas analticas? Mudar o nome, s vezes, confundido com mudana de conceito e, pior, como novidade...

    O mtodo permite medir as variaes, as mudanas e as derivas culturais que incidem sobre o acervo material de qualquer comunidade estudada ao longo do tempo e do espao. Sua interpretao posterior pode ser praticada por adeptos de qualquer das correntes em voga. Ele mostra as mudanas, cabe ao analista procurar explic-las segundo sua tica. E nos parece que ningum duvida que uma das caractersticas marcantes da cultura humana a sua mudana ao longo do tempo e de acordo com o lugar ou o meio ambiente em que se processa (desconhecer esta assertiva ignorar a Histria).

    Um quarto engano se relaciona a falsa idia de que ele se prende a sociedades de complexidade material equivalente aos bandos ou tribos e, em alguns casos extremos, a determinados povos da floresta tropical. Erro crasso, desde que todo e qualquer tipo ou padro de sociedade arqueolgica (ou mesmo histrica) que produza artefatos vem sendo submetida s suas interpretaes por este mundo afora. Repetimos que isto possvel porque se trata da aplicao de um sistema complexo de regras quantitativas ou percentuais que se aplica sobre material submetido aprofundada anlise de laboratrio, suficientemente representada por populaes de exemplares culturais mensurveis em unidades identificadoras.

    No entanto, verdade que ele se aplicado sobre material pobremente analisado ou descrito, e representado por um nmero insuficiente de exemplares, rende pouco

  • 14 Arqueologia Interpretativa

    ou quase nada. Mas est por existir algum outro sistema que possa superar a preguia do analista ou a pobreza de exemplares recuperados por um trabalho apressado, mal feito ou incompleto.

    verdade tambm que ele exige do pesquisador uma atuao atenta na coleta do material em campo com a sua clara identificao espao-temporal. Esta deve ser bem demarcada em setores ou reas territoriais amplamente dispostas sobre o stio e claramente definidas no espao. Exige tambm a exumao da totalidade de exemplares de todas as classes disponveis de material em suas posies estratigrficas, nos segmentos territoriais selecionados para abordagem. E coletas superficiais de setores amplos, divididos por reas, complementarmente quelas. O objetivo a ser alcanado a conformao de colees suficientemente completas para melhor significarem a produo cultural da sociedade estudada. S assim permite que o analista alcance a desejada exatido interpretativa ao nvel de micro variaes ao correr do tempo e ao longo do espao.

    Em outras palavras, todo um complexo comportamental de abordagem que assegure um profundo e acurado trabalho de anlise deste material em laboratrio.

    Mas tal anlise no o mtodo, nem pode ser com ele confundida. Ela pode ser oriunda de qualquer sistema consagrado pelo uso (novo ou antigo) e proposto pelos pesquisadores das mais variadas especializaes, seja de cermica, ltico, sseo, malacolgico, bioarqueologia, antropologia fsica, estruturas arquitetnicas, etc. Desde que, no entanto, garanta a existncia de colees com igual representatividade.

    Entenda-se, outrossim, que os autores dos artigos aqui expostos, valeram-se todos do sistema cautelar acima caracterizado, preocupados em recolher amostras dos stios analisados segundo uma metodologia de campo semelhante e por escolha livre. Ainda que existam pequenas variaes em tais procedimentos, eles se equivalem na segurana da obteno dos dados e no aprofundamento do sistema de anlise laboratorial da cermica.

    Isto porque todos compartilham da perspectiva que o trabalho do arquelogo uma construo; ele produz os documentos primrios que sero devidamente interpretados por ele mesmo ou por outros. Sabem, portanto, que erros, falhas, observaes malfeitas ou incompletas no campo, descuidos na documentao e cadastramento

    ou, ainda, anlises insuficientes de laboratrio conduzem obrigatoriamente a construes tambm falhas, incompletas ou viciadas. Da a associao do mtodo interpretativo a toda uma sistemtica de coleta e de anlise, j sacramentada pelo uso, mas, ainda assim, aberta a novas experincias. Todas as etapas, portanto, intimamente vinculadas.

    Outro erro, este de suma importncia, entende que o mtodo s pode ser explicitado pelo uso de um sistema grfico que expe as mudanas observadas no material atravs de uma sucesso de barras horizontais, as seqncias seriadas. Preliminarmente, deve-se entender que cada uma dessas barras representa 100% de uma populao de indivduos (de peas, artefatos, sepultamentos, estruturas, etc) situada (e, portanto, recolhida pelo arquelogo) num determinado espao. Este espao pode ser um setor de stio, uma rea de coleta, um cmodo de uma estrutura arquitetnica, etc.. Em seguida, entender que cada uma das barras representa um momento no tempo demarcado por um nvel escavado (desde uma camada natural a um nvel estratigrfico, seja de um stio pr-histrico a uma estrutura soterrada, uma cova, etc), conforme a metodologia acima abordada. Por outro lado, cada fragmento grfico (ou da barra) representa o percentual, ou a proporcionalidade, da ocorrncia de cada tipo, categoria, classe (ou qualquer outro elemento diagnstico detectado pelo pesquisador), cuja soma fecha nos 100%, independentemente dos numerais de cada um.

    o conjunto destes dados, de um ou, preferencialmente, vrios stios, que permitem a identificao de unidades culturais que se expressam no acervo cultural produzido. Cada pea, fragmento ou estrutura (enterramentos, padres de assentamento, locais de produo de artefatos, de coco, etc) traz dentro de si, um mundo de idias que o precedeu. Tal mundo significante tanto da tradio (ou do continuun cultural) que orienta o comportamento social de cada indivduo, at nas suas experincias particulares (inovaes), que, conscientemente ou no, reproduz ou trespassa ao objeto; ao local; ao smbolo desenhado; ao sepultamento praticado, etc. E o conjunto de tais elementos que ir constitui o universo intrnseco de cada uma destas seqncias seriadas.

    verdade sim, que o mtodo exige tais componentes, mas no que eles obrigatoriamente sejam expostos desta forma. O pesquisador tem a liberdade de

  • Arqueologia Interpretativa 15

    expor seus grficos em qualquer outro dos sistemas comuns (de barras, pirmides, elementos tridimensionais, pizzas etc). Na verdade, no se usa tais grficos, simplesmente pelo fato deles no permitirem visualizar as mudanas explicitadas com a mesma facilidade do sistema adotado pelo mtodo. Em certas condies ou ocasies em que os dados interpretativos podem ser expostos atravs de outros sistemas grficos, mais de uma vez o foram. O interessante que, nestes casos, muitos acreditam que no se trata de concluses obtidas pelo mesmo sistema quantitativo (como, por exemplo, no texto de Eliana Carvalho, op. cit.).

    Por outro lado no simplesmente expondo qualquer conjunto de idias no sistema de barras horizontais superpostas, que se est utilizando o mtodo Ford-Meggers. Se tais elementos no significam (e aqui a palavra deve ser entendida em seu sentido maior, de signo) realmente a soma de dados exigidos pela base terica metodolgica em causa, se tratar possivelmente de uma aberrao intil ou, no mnimo, equivocada.

    Mas importante entender que o lanamento grfico dos dados em figuras inteligveis e de fcil interpretao no uma exigncia exclusiva dos que trabalham com este mtodo. Se no , pelo menos deveria ser, um parmetro comum para todos, desde que sem a necessria facilidade de comunicao e de comparao no se consegue realmente construir coisa alguma. E uma das bases prticas da arqueologia a da possibilidade de comparaes entre os trabalhos disponveis, com a explicitao dos dados que permitiram as concluses expostas e passveis de re-elaborao por qualquer interessado capacitado a faz-lo.

    Apesar disso, nos ltimos anos tem sido abundantes os trabalhos expondo novas teorias, ou criticando os quadros tericos ou de construo existentes, sem que os autores explicitem claramente os dados em que se basearam para chegar a tais concluses.

    O mais importante, no entanto, compreender que as seqncias seriadas constituem uma ferramenta altamente eficiente, resultante de diversas anlises e de todo um processo cognitivo, terico-metodolgico, que capacita o analista a interpretar os eventos sociais e culturais produzidos pelas comunidades humanas (de quaisquer categorias ali representadas). No se pode, no entanto, confundir o sistema grfico de representao com todo o sistema terico que permite sua existncia.

    E, para terminar, que j nos alongamos muito

    nesta Introduo, outro erro muito comum, at certo ponto relacionado ao que discutimos acima, aquele que vincula o mtodo em questo a uma seqncia de parmetros estabelecidos pelos pesquisadores do PRONAPA, que definiram para uso comum e melhor compreenso inter-institucional toda uma terminologia especfica. O sistema de comunicao assim elaborado, associado ao emprego do mtodo e s discusses permanentes e coordenadas, atingiu uma invejvel capacidade de troca de informaes e uma estrutura descritiva to eficiente que configurou as bases da pr-histrica arqueolgica deste pas.

    Mas, verdadeiramente, se trata de um casamento feliz, pois mesmo em outros pases em que nunca se construiu este sistema de comunicao coordenado, o mtodo foi e vem sendo usado com os mesmos resultados.

    Tanto isto verdade, em nosso pas, que mesmo pesquisadores que discordam do mtodo, associam suas construes tericas quelas unidades definidas pelo mesmo. O surpreendente terem baseado tais construes em outros sistemas e tranquilamente vincul-las ao quadro construdo por uma metodologia em que no acreditam.

    de todo comum, hoje, aqueles que, de forma errnea ou incompleta, associam diretamente stios s Tradies mais diversas, sem reconhecimento de fases intermedirias. E como todos deviam saber, as Tradies constituem a maior das unidades culturais ainda conhecidas, formadas por conjuntos de fases associadas. E so estas, as fases, que por agruparem stios considerados da mesma cultura arqueolgica, cada um deles reunindo de dezenas a milhares de artefatos, tornam possvel a construo (ou identificao) das Tradies. Assim, relacionar a menor das unidades, o stio, maior, sem passar pela intermediria no s um erro interpretativo, seno uma clara demonstrao de pouco caso com a metodologia (alis, com qualquer metodologia) cientfica.

    Em suma, o fato de que o mtodo vem sendo usado h dcadas, em especial no Brasil, em nada diminui sua importncia ou o torna ultrapassado. Trata-se, aqui, de um grande laboratrio de experincias, seriamente conduzidas e que vm resultando num contnuo aperfeioamento metodolgico, ao contrrio do que afirmam alguns crticos. Certamente que algumas destas experincias, em especial aquelas conduzidas por pesquisadores mal informados, mal capacitados ou que no dominem as tcnicas de manejo do material podem resultar em construes capengas e

  • 16 Arqueologia Interpretativa

    incompletas. Este um risco, no entanto, que no lhe exclusivo. Qualquer mtodo de anlise ou interpretao mal conduzido, fatalmente resultar em aberraes.

    Uma conseqncia da sua constante utilizao em muitas partes do territrio latino-americano em especial , conforme destaca Dra. Meggers no primeiro artigo deste livro, o renovado interesse por profissionais dos Estados Unidos, que por sua vez refutando crticas inadequadas confirmam que no h nada inerentemente errado com qualquer das unidades (da seriao) ... O que est inerentemente errado o quo se faz mau uso delas... (OBrien & Lyman 2.000:393).

    Na verdade, este livro rene trabalhos que demonstram a validade da utilizao das seqncias seriadas, pois foram elas que asseguraram (e continuam garantindo) as bases de todo o edifcio terico ocupacional, construdo ao longo de mais de seis dcadas neste pas e sem as quais (e isto tem sido demonstrado na prtica), muito difcil colocar alguma coisa cientifica no lugar.

    Referncias Citadas

    Carvalho, Eliana1984 Estudo Arqueolgico do Stio Corond. Misso de 1978. Boletim do Instituto de Arqueologia Brasileira. Srie Monografias, N 2, Rio de Janeiro.Cheuiche Machado, Lilia M. 1984 Anlise dos Remanescentes sseos Humanos do Stio Arqueolgico Corond, RJ. Aspectos biolgicos e culturais. Boletim do Instituto de Arqueologia Brasileira, Srie Monografias, 1: 1 - 425.Dias Junior, Ondemar F.2003 ITABORA. Pesquisas Arqueolgicas do Projeto SAGAS e seu Contexto Histrico. IAB&CEG, Rio de Janeiro.Ford, James1961 Mtodo Cuantitativo para Establecer Cronologias Culturales Manuales Tcnicos, N 2. Pub. Union Panamericana Washington.

    OBrien, Michael & R. Lee Lyman e John Darwent2000 Time, Space and Marker Types: James Fords 1936 Chronology For the Lower Mississippi Valley Southeastern Archeology.

    Notas

    1. Coordenador Geral do Nucleo Tocantinense de Arqueologia da UNITINS e Prof da Universidade Federal do Tocantins - UFT.2. Presidente do Instituto de Arqueologia Brasileira.3. Alm dos autores aqui citados, tambm participaram do Seminrio Internacional de Estudos do Mtodo Quantitativo para Estabelecimento de Seqncias Culturais a Profa. Ms. Antonia Custdia Pedreira (atual Pr-Reitora de Pesquisas), a arqueloga especialista Eunice Helena Menestrino e o antroplogo Dr. Odair Giraldin, todos do NUTA/UNITINS.

    Anexo:

    Foi tambm organizado um Ciclo de Palestras, aberto ao pblico, no auditrio da Prefeitura Municipal e no Campus da UNITINS (NUTA - Laboratrio de Arqueologia) de Porto Nacional, assim desenvolvido:Dia 23 de setembro de 2002 1. Dra. Betty Meggers (Smithsonian Institution).O Mistrio Marajoara .2. Dr. Igor Chmyz (Universidade Federal do Paran).Vilas e Redutos Jesutas no Paran.Dia 25 de setembro de 2002.1. Dr. Pedro Igncio Schmitz (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS).Povoamento Antigo do Planalto.2. Dr. Mario Sanoja (Universidad Central de Venezuela).Seriacin en la Arqueologia Histrica.Dia 26 de setembro de 2002.1. Dr. Pedro A. Mentz Ribeiro (Fundao Universidade Federal do Rio Grande RS).Historia Pr-Colonial do Rio Grande do Sul.2. Dr. Eurico Thefilo Miller (Centrais Eltricas do Norte ELETRONORTE Braslia, DF).Problemas Burocrticos na Arqueologia .

  • Arqueologia Interpretativa 17

    Inferindo Comportamento Locacional e Social a Partir de Seqncias Seriadas

    Betty J. Meggers

    Introduo

    Reconstruir o desenvolvimento cultural pr-colombiano nas terras baixas um desafio maior que em outras partes da Amrica do Sul, na medida em que a maioria das habitaes e dos artefatos foram feitos de materiais perecveis que no sobrevivem no clima tropical, quente e mido. Salvo algumas poucas excees locais, tais como sambaquis, casas subterrneas, abrigos sob rocha e montculos artificiais, os vestgios de habitao consistem primariamente de acumulaes pouco espessas de fragmentos cermicos. O desafio, no caso, usar essa evidncia para definir as dimenses espaciais e temporais das comunidades pr-histricas, bem como reconstruir seus padres de assentamento e comportamento social.

    O primeiro esforo para construir uma cronologia relativa utilizando anlises quantitativas e seriao cermica teve lugar em 1948-49, durante prospeces feitas na foz do Amazonas (Meggers e Evans, 1957). Uma aplicao mais intensiva foi feita entre 1965-70, durante o Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas (PRONAPA), um programa de cooperao com cinco anos de durao, co-patrocinado pelo CNPq e pela Smithsonian Institution. Levantamentos arqueolgicos foram conduzidos pelos participantes brasileiros em partes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Esprito Santo, Bahia, Rio Grande do Norte e Par, que provavelmente serviram como rotas de migrao e difuso. A adoo de critrios e procedimentos uniformes para a coleta, classificao e descrio de amostras de cermica e a construo de seqncias seriadas permitiram identificar tradies ceramistas regionais contemporneas amplamente difundida Tradio Tupiguarani ao longo da Faixa Costeira, definir seus contextos ambientais, padres de assentamento e comportamento funerrio, reconhecer influncias ou comrcio de cermicas, e fornecer uma infra-

    estrutura preliminar para futura elaborao (PRONAPA, 1969).

    A partir de 1977, os mesmos procedimentos uniformizados foram tambm empregados durante levantamentos conduzidos ao longo de setores das bacias dos rios Tocantins, Xingu, Tapajs, Madeira, Guapor, Purus, Juru e Negro, bem como no Amazonas Central, sob os auspcios do Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas na Bacia Amaznica (PRONAPABA). Aqui tambm foram definidas numerosas fases, bem como foram estabelecidas suas relaes espaciais e cronolgicas atravs de seqncias seriadas baseadas em escavaes estratigrficas e em dataes radiocarbnicas. Alm de fornecer uma estrutura geral para reconstruir o desenvolvimento cultural pr-histrico, a existncia de um grande nmero de seriaes chamou a ateno para aspectos com significado terico no reconhecido previamente. Nesse perodo, a pesquisa de campo foi modificada para fornecer informaes mais detalhadas sobre a composio dos stios, e os critrios para seriao foram refinados para acomodar vrios tipos de descontinuidades com implicaes para o comportamento social e locacional. Embora alguns resultados preliminares tenham sido publicados (por exemplo, Meggers e Maranca, 1981; Meggers, 1990, 2000, 2001; Meggers et al. 1988; Miller et al. 1992; Perota, 1992; Simes e Arajo-Costa, 1987), descries detalhadas das interpretaes e suas justificativas tericas foram retidas de modo a minimizar a divulgao prematura de resultados que poderiam vir a ser alterados pelo refinamento dos dados e interpretaes.

    Por volta de 2002, os padres foram considerados suficientemente consistentes para justificar um exame mais detalhado. Um grupo de arquelogos que tm utilizado seriao foi convidado a participar do I Seminrio Internacional de Estudos do Mtodo Quantitativo para Estabelecimento de Seqncias Culturais em Arqueologia, realizado entre 19 e 29 de setembro de 2002 em Porto

  • 18 Arqueologia Interpretativa

    Nacional, Tocantins, co-patrocinado pela Fundao Universidade do Tocantins e a Smithsonian Institution. Foi solicitado a cada um que apresentasse um estudo de caso de sua prpria pesquisa para discusso. Na medida em que a pesquisa de campo e a anlise foram feitas previamente ao encontro, alguns no incorporaram todos os procedimentos que agora parecem importantes. Contudo, eles ilustram os tipos de interpretaes que podem ser feitas a partir de seqncias seriadas derivadas de uma variedade de stios arqueolgicos, perodos cronolgicos e contextos ambientais no nordeste da Argentina, no sul do Brasil e na costa oriental da Venezuela (Fig. 1).

    Na medida em que os procedimentos arqueolgicos e metodolgicos, a base terica para as interpretaes e a evidncia etnogrfica para a existncia do comportamento

    inferido no so discutidos pelos autores, suas descries permitiro aos leitores avaliar a confiabilidade das reconstrues.

    Procedimentos Arqueolgicos

    A disponibilidade de um grande nmero de colees de fragmentos obtidos a partir de critrios uniformes de escavao e classificao refuta algumas premissas consagradas pelos arquelogos. Em particular, fica agora evidente que as diferenas nos antiplsticos, usualmente consideradas como tendo apenas significado tecnolgico, so culturalmente distintivas e sujeitas a deriva evolutiva. Da mesma forma, diferenas nas freqncias relativas da decorao usualmente atribudas a erros de amostragem podem refletir comportamento social. As regras que se seguem tornam possvel o acesso a essas e a outras possibilidades.

    Amostragem.

    Para minimizar seletividade, compensar perturbaes errticas e maximizar evidncias cronolgicas, amostras de cermica devem ser obtidas por escavaes estratigrficas. Embora estratigrafias mtricas tenham sido criticadas, a experincia demonstra que escavaes em nveis de 10 cm freqentemente revelam mudanas sbitas nas tendncias e freqncias relativas de tipos cermicos que identificam episdios de abandono e reocupao no registrados na estratigrafia natural (Fig. 2). Duas ou mais escavaes estratigrficas em diferentes partes de um stio fornecem mais informao sobre a histria do assentamento que uma nica escavao ampla ou trincheiras. Suas dimenses devem ser suficientes para fornecer pelo menos cem fragmentos de cermica por nvel, de modo a minimizar a probabilidade de erro de amostragem. Na Amaznia, 1,5 x 1,5 m ou 2 x 2 m so em geral adequados. Dimenses maiores devem ser evitadas porque elas podem incorporar refugo de ocupaes no contemporneas. Se nveis de 10 cm no produzirem fragmentos suficientes, os contedos dos nveis adjacentes podem ser combinados em nveis de 20 cm. Todos os fragmentos devem ser recuperados e classificados.

    Figura 1. Distribuio geogrfica dos estudos de caso.

  • Arqueologia Interpretativa 19

    Classificao.

    Comparaes quantitati-vas e qualitativas dos tipos cermicos dependem da existncia de critrios uniformes para classificao. Na biologia, qumica, fsica, astronomia, geologia e nos demais campos da cincia, os investigadores

    devem se adequar a padres internacionais. Na arqueologia, ao contrrio, cada arquelogo livre para escolher sua prpria abordagem. Fragmentos no decorados podem ser ignorados, atribudos a um nico tipo, amostrados por peso, espessura, cor ou forma do vasilhame, ou, mais raramente, separadas pelas diferenas no antiplstico. Fragmentos

    Figura 2. Descontinuidades estratigrficas em tipos cermicos no decorados e decorados, em nveis consecutivos de 10cm de escavaes estratigr-ficas em stios de habitao no Jamar, um tributrio da margem direita do Madeira em Rondnia. A existncia de mudanas sbitas na presena e freqncia relativa da maioria dos tipos indica que 10cm de acumulao correspondem mais ou menos a um nico episdio de ocupao (cortesia Eurico Thefilo Miller).

  • 20 Arqueologia Interpretativa

    decorados e no decorados podem ser combinados em tipos definidos pelas caractersticas da pasta ou agrupados pela forma do vasilhame, obscurecendo diferenas nas tcnicas e freqncias relativas da decorao. A classificao pela forma do vasilhame mascara as diferenas temporais e espaciais no antiplstico, no acabamento de superfcie e na decorao.

    Alm disso, a maioria dessas abordagens emprega apenas uma pequena proporo da amostra cermica disponvel. Nas terras baixas sul-americanas, a decorao freqentemente est ausente e raramente excede 10% de uma amostra no selecionada de fragmentos, vulnervel perda por eroso, exibe pouca mudana cronolgica de curta durao, e falha em distinguir fases dentro da mesma tradio. Fragmentos de bordas so tambm escassos e formas de vasilhames reconstrudos so no apenas pouco confiveis (DeBoer 1980, Mello 2001), como tambm raramente distintivas do ponto de vista temporal, espacial ou cronolgico. J a composio do antiplstico, por contraste, pode ser identificada em todos os fragmentos, independente do seu tamanho ou condio. Alm disso, diferenas na presena e freqncia relativa distinguem assentamentos contemporneos e seguintes, dentro e entre fases da mesma tradio cermica, que partilham as mesmas formas e a mesma decorao (cf. Arnold III, 2003).

    Os tipos cermicos empregados nos estudos de caso baseiam-se em duas categorias primrias de tratamento de superfcie: (1) no decorados e (2) decorados. O critrio primrio para classificao de fragmentos sem decorao o tempero, que pode consistir em areia, cariap, cauixi, cacos triturados, conchas trituradas, pedras trituradas, etc., usados separadamente ou em combinao (cariap + cauixi). Pelo menos dois tipos geralmente podem ser distinguidos e as diferenas nas suas tendncias e freqncias relativas fornecem a base mais confivel para a construo de seqncias seriadas.

    Fragmentos decorados so classificados por tcnicas (inciso, exciso, ponteado, pintura, etc.) e suas variaes (incises finas e largas, pintura vermelha sobre branco e branca sobre vermelho, etc.), independente da composio da pasta, de modo a permitir reconhecer diferenas na sua presena e freqncia relativa. As formas dos vasilhames so reconstrudas para cada tipo, de modo a identificar possveis associaes com tempero

    e tratamento de superfcie. Os totais individuais so ento combinados para identificar as formas mais comuns da fase. Embora classificaes mais detalhadas de decorao sejam apropriadas para fazer vrios tipos de interpretaes cronolgicas e sociais, elas criam um tal nmero de pequenas categorias que acabam por obscurecer as tendncias gerais necessrias para a seriao.

    Seriao.

    A freqncia relativa dos tipos cermicos de cada nvel estratigrfico e coleo de superfcie deve ser calculada independentemente e os resultados devem ser plotados em papel milimetrado por corte e por coleo. Uma seqncia seriada criada intercalando-se os nveis de escavaes estratigrficas com tendncias e freqncias relativas compatveis nos tipos cermicos, utilizando-se como estrutura de referncia a escavao mais profunda com tendncias uniformes. Se a incompatibilidade de uma amostra no pode ser atribuda ao seu tamanho pequeno, incluso de muitos tipos raros sujeitos ocorrncia randmica, mistura ou outras formas de distoro, isto implica a existncia de uma comunidade endgama anterior, posterior ou contempornea, designada como uma fase.

    Reconstruo Cultural

    A existncia de numerosas seqncias seriadas em locais muito distantes uns dos outros nas Terras Baixas, chamou a ateno para padres de distribuio geogrfica e flutuaes cronolgicas com possvel significado cultural. O processo de confirmao dessa correlao pode ser ilustrado com uma retrospectiva das mudanas nas interpretaes da seqncia no baixo Tocantins.

    Definio de Fases.

    A correlao entre seqncias seriadas e territrios de populaes endgamas no baixo Tocantins foi primeiramente reconhecida por Mrio Simes, que conduziu um levantamento arqueolgico em 1976-78, antes da construo de uma represa hidreltrica em Tucuru (Simes e Arajo Costa, 1987). Ele registrou 37 stios de habitao, fez uma ou mais escavaes estratigrficas em

  • Arqueologia Interpretativa 21

    10 deles, e 23 coletas de superfcie no restante. Seguindo procedimentos aceitos para classificao, ele identificou dois tipos no decorados, um com antiplstico de cariap e outro com uma mistura de areia fina e grossa e cacos modos. Na medida em que se considerou como a principal funo das escavaes estratigrficas o estabelecimento das direes da mudana nos tipos cermicos, ele selecionou sete cortes de cinco stios para estabelecer as tendncias para seriao e combinou o contedo de nove outras escavaes com as colees de superfcie, para

    criar amostras nicas para intercalao. Este procedimento produziu trs sequncias seriadas, correspondendo a fases com distribuies contguas: Tau, abaixo da represa; Tucuru, de l at Jatob, seguido por Tauari. Todas se caracterizam por um tipo dominante sem decorao, que exibe mudana cronolgica mnima, e alguns raros tipos decorados que no mostram tendncias significativas (Fig. 3)

    Figura 3. Seriao original para a Fase Tauar no baixo Tocantins. A incluso de tempero de areia e caco moido no Tauar Simples produz um nico tipo no decorado dominante que mostra pouca mudana na freqncia. Potenciais informaes cronolgicas foram tambm obscurecidas pela combi-nao de nveis de escavao de alguns stios com as colees de superfcie, para produzir uma nica amostra para seriao (segundo Simes e Arajo Costa 1987, fig. 5).

    Por volta da dcada de 1990, o significado cultural das diferenas no antiplstico ficou claro. Para avaliar a possibilidade de se obter evidncias cronolgicas mais detalhadas, os fragmentos alocados ao principal tipo sem decorao foram separados por antiplstico, gerando dois

    tipos principais no decorados e alguns outros menos significativos, tambm sem decorao. As escavaes estratigrficas previamente combinadas com colees de superfcie tambm foram reclassificadas. Diferenas significativas na presena e nas tendncias do antiplstico

  • 22 Arqueologia Interpretativa

    Figura 4. Reviso da seriao original da Fase Tauar, baseada na subdiviso de Tauar Simples, de acordo com diferenas no tempero. Diferenas significativas nas tendncias e freqncias relativas dos tipos no decorados e decorados resultantes identificam trs fases, que correspondem a pores contguas do antigo territrio Tauar. Embora a Fase Marab seja definida por um nico stio, as freqncias relativas dos tipos cermicos so incom-patveis com a incorporao na seriao da Fase Itupiranga, implicando a existncia de uma comunidade endgama diferente. Descontinuidades nas tendncias de alguns tipos cermicos nas seqncias das fases Tauar e Marab sugerem breves rupturas da comunidade, possivelmente causadas por stress de subsistncia.

    produziram cinco seqncias seriadas que confirmaram as definies das fases Tau e Tucuru e dividiram a Fase Tauar em trs fases contguas, designadas Tauar, Itupiranga, e Marab (Fig. 4).

  • Arqueologia Interpretativa 23

    Territrios.

    As dimenses das reas ocupadas pelas quatro fases acima da primeira cachoeira diferem substncialmente (Fig. 5). O territrio da Fase Tucuru igual ao das fases Tauar e Itupiranga combinadas, e o territrio da Fase Itupiranga apenas a metade do da Fase Tauar. No h sobreposio nas fronteiras, nem mesmo entre as fases Tau e Tucuru, onde os stios esto em estreita proximidade. A localizao e a permanncia dessas fronteiras territoriais foram explanadas uma dcada depois da sua identificao arqueolgica, com a publicao dos resultados de um levantamento das condies ribeirinhas e da produtividade pesqueira antes da construo da represa (Merona, 1990). No territrio da Fase Marab, o Tocantins corre entre duas altas barrancas; no territrio da Fase Itupiranga, ele cruza uma estreita e arenosa plancie de inundao com um leve gradiente, que se torna mais largo no territrio da Fase Tauar; no territrio da Fase Tucuru, o rio cascateia pela margem rochosa do Escudo Brasileiro; no territrio da Fase Tau, ele penetra pela vrzea.

    Esses contrastes geogrficos esto associados a significativas diferenas nos tipos, abundncia e sazonalidade dos peixes, bem como nos seus mtodos de captura e sustentaram densidades demogrficas diferentes. A concentrao dos stios da Fase Tucuru nas adjacncias da fronteira norte do seu territrio e a ausncia de evidncias para uma expanso na direo norte sugerem que a reciprocidade durante o perodo de escassez foi uma estratgia de sobrevivncia mais produtiva que a invaso, e a mesma considerao se aplica aparentemente aos outros territrios.

    Comportamento Locacional e Social.

    Na medida em que uma seqncia seriada constitui uma cronologia, ela fornece a base para reconstruir o movimento da aldeia. Quando nveis sucessivos da mesma escavao estratigrfica esto separados por nveis de outros stios, eles identificam abandonos e reocupaes repetidas no local. No princpio, a similaridade entre freqncias relativas nos dois nveis mais antigos da seqncia Tucuru revisada sugeriu a existncia de duas aldeias contemporneas (Fig. 6; PA-BA-17 e PA-BA-27).

    Assumindo que cada uma se moveria para o prximo stio disponvel na seriao - exceto na circunstncia em que o primeiro grupo a ocupar um stio teria prioridade para reocupao - produziu-se um padro centrpeta de movimentos longos e curtos, similares aos reportados etnograficamente entre os Mekragnoti (Meggers, 1990).

    Um exame mais detalhado da seriao revisada revelou flutuaes menores nas tendncias e freqncias relativas de Tucuru Simples e Jatobal Simples, que podem ser atribudas a amostras que faltam ou composio no fortuita; mas as flutuaes errticas em alguns dos

    Figura 5. Territrios contguos de comunidades endgamas ao longo do Tocantins, identificados por seqncias seriadas. Descries das condies ribeirinhas e da produtividade pesqueira publicadas aps a interpretao arqueolgica ter sido feita revelam que essas fronteiras se correlacionam com significativas diferenas em tipo, produtividade e sazonalidade de peixes e mtodos de captura. Sua estabilidade implica que a maximizao da capacidade de carga em cada regio no foi transfervel para regies adjacentes e que a reciprocidade foi uma estratgia mais bem sucedida que a invaso.

  • 24 Arqueologia Interpretativa

    tipos menos populares, especialmente o Tucuru Pintado, parecem menos facilmente descartveis. Separando as amostras com base em uma freqncia relativa de mais ou menos 5% do Tucuru Pintado, produziram-se duas seriaes com duraes similares nos tipos no decorados, o que implica sua contemporaneidade (Fig. 7). Todos os

    stios, exceto trs, esto restritos a uma das seriaes e em duas das excees as pores dos stios ocupados so diferentes. Este padro pode ser atribudo ao isolamento das mulheres por residncia matrilocal e resultante deriva evolutiva independente na freqncia da decorao pintada.

    Figura 6. Seriao revisada para a Fase Tucuru. A subdiviso do Tucuru Simples criou trs tipos no decorados, dois dos quais mostram tendncias complementares de freqncia, decrescente e crescente. Embora as irregularidades nas tendncias do Tucuru Simples e Jatobal Simples sejam sufici-entemente menores para serem atribudas a distoro da amostra, as mudanas errticas nas freqncias relativas do Tucuru Vermelho e Tucuru Pintado so menos facilmente descartadas.

  • Arqueologia Interpretativa 25

    Figura 7. Subdiviso da seqncia seriada para a Fase Tucuru baseada em mais ou menos 5% da freqncia relativa do Tucuru Pintado, e a local-izao dos stios componentes. A similaridade na durao dos dois principais tipos no decorados implica que as duas seqncias so contemporneas e a teoria evolutiva indica que a diferena na popularidade do Tucuru Pintado o resultado de deriva evolutiva na produo da cermica por mulheres segregadas por residncia matrilocal. O fato de que todos os stios, exceto trs, esto restritos a uma das seriaes indica que eles foram ocupados e reocupados pela mesma metade. Os trs stios partilhados esto prximos fronteira norte do territrio, onde a reocupao parece ter sido mais intensa, provavelmente por causa do maior acesso aos recursos de vrzea.

  • 26 Arqueologia Interpretativa

    Figura 8. Mapa do RO-PV-54, um stio habitao no Jamari, tributrio da margem direita do alto Madeira, no sudoeste da Amaznia. A classificao da cermica a partir de seis escavaes estratigrficas filia o contedo dos cortes 2, 3, 4 e 6 metade B da Fase Jamar, e os cortes 1 e 5 metade B da subseqente Fase Matap. A evitao de locais previamente ocupados uma caracterstica do comportamento locacional pr-histrico amaznico e precisa ser levada em considerao na estimativa do tamanho da aldeia, a partir das dimenses da superficie do stio (cortesia de Eurico Th. Miller).

    Evitao de Stios Anteriores.

    Embora seja em geral assumido que os habitantes iniciais de uma regio ocupam os melhores locais e que estes, por sua vez, so igualmente favorecidos pelos grupos subseqentes, esta uma premissa que nem sempre sustentada pelo registro arqueolgico na Amaznia. Ao contrrio, stios mais antigos foram freqentemente evitados por grupos mais recentes. Esta situao est melhor documentada ao longo do Jamar, um tributrio margem direita do alto Madeira. Entre os 45 stios representados nas seqncias seriadas, 26 estavam restritos a uma nica fase cermica e apenas seis foram ocupados por todas as

    trs fases sucessivas (Miller et al., 1992). Entre 27 stios no baixo Xingu, tambm ocupados por trs fases sucessivas, somente um foi reocupado por duas fases (Perota, 1992). Quando ocorreu a reocupao, ela esteve em geral adjacente, em vez de no topo no refugo mais antigo, como exemplificado pelo RO-PV-54 (Fig. 8). Na medida em que todas as fases pertencem mesma tradio cermica, esta situao s pode ser reconhecida atravs de anlise quantitativa e seriao. Sua identificao significativa porque o tamanho e nmero de trechos de terra preta so geralmente assumidos como evidncia da existncia de aldeias contemporneas grandes e permanentes.

  • Arqueologia Interpretativa 27

    Consideraes Tericas

    A identificao de fases arqueolgicas definidas por seqncias seriadas como comunidades endgamas sustentada pela teoria evolutiva e a evidncia etnogrfica. A teoria evolutiva reconhece dois processos principais de mudana: (1) seleo natural, que opera em traos relevantes para a sobrevivncia e reproduo, e (2) deriva, que afeta traos com valor adaptativo neutro. A interao entre membros de uma populao endgama mantm uma nica combinao de genes e traos culturais que a distingue de outras populaes endgamas da mesma espcie ou tradio. Se a interao interrompida, os segmentos no possuiro idnticas propores do complexo ancestral e as diferenas inerentes neste efeito fundador so aumentadas pela subseqente deriva evolutiva independente.

    Deriva Evolutiva.

    A forma como a deriva opera em lnguas e em traos culturais tem sido freqentemente observada entre comunidades recentemente isoladas. Por exemplo, os grupos Akawaio na Guyana, que ocuparam territrios contguos, desenvolveram diferenas nas preferncias e mtodos de preparao de comida e bebida, modos de organizar festivais de dana e mitos de origem (Fig. 9; Colson, 1983-84:111). As comunidades Wari endgamas em Rondnia divergiram em hbitos alimentares, artesanato, repertrios musicais, lamentos de morte e doena, e detalhes de mitos e outras tradies orais ... e dialetos (Conklin, 2001:26). Pequenas diferenas em dialeto, parentesco, terminologia, estilos de vestir, ritos de puberdade e funerrios foram desenvolvidas entre trs populaes regionais Panare no sudeste da Venezuela, desde a sua separao e disperso da comunidade ancestral no sculo 19 (Henley 1982).

    Influncia na Cermica.

    O desenvolvimento de diferenas menores em detalhes da decorao cermica como conseqncia de deriva foi observada entre grupos locais de ceramistas da mesma tradio cermica nas terras altas do Peru. Embora os principais padres de simetria, combinaes de engobo e pintura, e motivos ocorram por reas muito

    amplas, cada comunidade difere no tamanho, localizao e subdiviso do campo decorativo, bem como em alguns poucos motivos e padres de simetria (Arnold, 1993:234-235). Uma anlise detalhada da decorao em vasilhames produzidos para uso domstico pelas mulheres Kalinga em regies endgamas adjacentes nas Filipinas particularmente interessante porque, tal como muitos exemplos arqueolgicos, as diferenas so expressadas nas freqncias relativas, mais que na presena e ausncia de diferentes combinaes de elementos decorativos, e porque seu significado terico sustentado pela anlise estatstica multivariada relativamente intrincada (Graves, 1994). A correlao entre seqncias seriadas e comunidades endgamas tambm tem sido demonstrada por simulao em computador e por seriao da cermica de stios pr-histricos no Mississippi inferior (Lipo et al., 1997:310). Finalmente, a deriva em detalhes da forma de vasilhames tem sido demonstrada experimentalmente (Hodges, 1965).

    Figura 9. Territrios de comunidades endgamas Akawaio no alto Mazaruni, na parte centro-oeste da Guyana. Similaridades com os ter-ritrios pr-histricos reconstrudos no Tocantins incluem biseco pelo rio, fronteiras nas intersees de tributrios, e diferenas de extenso. Conforme hiptese levantada para o Tocantins, as comunidades Akawaio obtm recursos de comunidades vizinhas por troca, mais que por roubo ou invaso. Enquanto o mapa do Tocantins mostra todas as aldeias encon-tradas arqueologicamente, independente de contemporaneidade, o mapa Mazaruni mostra apenas aquelas ocupadas simultaneamente (segundo Colson 1983-4).

  • 28 Arqueologia Interpretativa

    A existncia de diferenas menores na cermica produzida por mulheres isoladas por residncia matrilocal dentro do mesmo assentamento foi documentada entre comunidades Shipibo contemporneas, onde h intensa interao dentro das residncias ou conjuntos de cabanas matrilocais e pouca interao entre elas (...). Devido aos padres de residncia que asseguram que as meninas aprendem a arte com suas mes e outras mulheres co-residentes (...) cada conjunto se torna o foco de micro-estilos duradouros (Roe 1981:65). A classificao da cermica de uma aldeia Bororo recentemente abandonada tambm revela diferenas menores que se correlacionam com a diviso fsica entre as metades Ecerae e Tugarege (Wst 1994). Uma dicotomia espacial semelhante na distribuio de decorao pintada foi identificada na Aldeia da Queimada Nova, uma aldeia pr-histrica da Tradio Tupiguarani no Piau, implicando a existncia de metades matrilocais (Meggers e Maranca 1980).

    Analogias Etnogrficas

    O comportamento locacional e social inferido a partir de seqncias seriadas tambm foi reportado entre grupos indgenas contemporneos que preservam seu modo de vida tradicional. Na considerao dos exemplos seguintes deve se ter em mente que as interpretaes do registro arqueolgico so baseadas na aplicao da teoria evolutiva evidncia arqueolgica e no na projeo dos dados etnogrficos sobre o passado. O registro etnogrfico foi examinado posteriormente para avaliar a confiabilidade das reconstrues.

    Territrios Permanentes

    Territrios endgamos com fronteiras estveis, contguos ou separados por zonas no ocupadas, tm sido reportados entre numerosos grupos amaznicos, incluindo os Achuar (Iriarte, 1985:55-56; Descola, 1983), Siona-Secoya (Vickers, 1989), Akawaio (Colson, 1983-84), e Wari (Conklin, 2001). Os territrios Cubeo so ocupados perpetuamente pelo mesmo sib patrilocal. Fronteiras so respeitadas, mas no defendidas (Goldman, 1979:45). Os territrios endgamos Akawaio na Guyana ocidental assemelham-se a territrios pr-histricos no Tocantins, na

    biseco pelo rio e nas fronteiras nos tributrios (Figs. 5 e 9).

    Reocupao de Stios

    Entre os Kalapalo, no alto Xingu, os direitos aos locais de aldeias anteriores e recursos associados so detidos pelos residentes iniciais e seus descendentes (Basso, 1973:44-45). Os Piaroa na Guiana venezuelana e os Akawaio na Guyana ocidental retornam aos stios ocupados por seus pais ou avs, e os Akawaio detm a prioridade sobre as antigas roas (Zent, 1992:275; Butt, 1977: 5,7). Os Siona-Secoya, no leste do Equador, seguem um padro seqencial de movimento, reocupando locais de antigas aldeias em intervalos de cerca de 50 anos (Vickers, 1989:85), e a prioridade da reocupao pelos primeiros residentes tambm tem sido reportada entre outros grupos indgenas da regio (Cern Solarte, 1991:107). Entre os Cubeo do leste da Colmbia uma comunidade retorna para sua terra original depois de 10 a 15 anos (Goldman, 1979:9). Os Mekragnoti se moveram pelo menos 36 vezes desde 1900, reocupando cinco stios uma vez, alguns stios duas vezes, e um stio trs vezes (Verswijver, 1978).

    Foi sugerido, com referncia s reocupaes de stios pelos Mekragnoti e Xavante do cerrado, que plausvel que esses locais sejam aqueles que oferecem a maior abundncia de recursos (Gross, 1983:439). Contudo, o sepultamento no interior da casa praticado por muitos grupos amaznicos, inclusive os Makuna (Arhem, 1981:55,78), Ykuna e Tapirap (James, 1949), Cubeo (Goldman, 1979:39), Siona-Secoya (Vickers, 1989), Waipi (Gallois, 1981:16), e Achuar (Descola, 1994:124), sendo provvel que os descendentes desejem retornar para onde seus ancestrais foram sepultados.

    Evitao de Stios Anteriores

    A observao de que os contemporneos Arawet e Asurini reocupam stios arqueolgicos de grupos anteriores (Bale, 1987) e de que alguns colonizadores recentes cultivam a terra preta associada a antigas habitaes conduziu premissa de que a terra preta foi submetida a cultivo intensivo pelas comunidades pr-colombianas (Lehmann et al., 2003). Contudo, a evidncia arqueolgica

  • Arqueologia Interpretativa 29

    de que stios anteriores foram freqentemente evitados por imigrantes posteriores foi documentada etnograficamente. Os Tukano, que substituram os grupos Arawak no Vaups, leste da Colmbia, h algumas geraes, reconhecem antigas habitaes e stios de roas pela presena de terra preta e vegetao secundria e os olham com respeitoso medo. Embora exista a crena de que o consumo de vegetais desses stios cause sria disenteria, as sementes so consideradas como altamente produtivas. Antes de elas serem coletadas com segurana, contudo, palavras precisam ser ditas (e) restries alimentares devem ser seguidas (Reichel-Dolmatoff, 1996:80). Os Kalapalo, que substituram os Trumai na bacia do alto Xingu, sentem que as antigas aldeias Trumai deveriam ser evitadas mesmo que no haja chance de elas serem reocupadas pelos habitantes originais (Basso, 1973:45. No h evidncia etnogrfica ou arqueolgica de que a terra preta tenha sido criada intencionalmente ou cultivada por populaes pr-colombianas.

    Discusso

    Os sete estudos de caso que se seguem ilustram alguns dos tipos de resultados que podem ser obtidos a partir de seqncias seriadas produzidas mediante a anlise quantitativa de amostras de cermica no selecionada e interpretadas utilizando-se as predies da deriva evolutiva. Vale considerar as deficincias da evidncia arquelogica:

    1. Muitas vezes no h diferenas qualitativas na composio e decorao da cermica ou em outros restos para identificar a existncia de fases da mesma tradio.

    2. Tambm no h caractersticas fsicas para identificar as relaes cronolgicas entre stios com a mesma cermica.

    3. No h descontinuidade estratigrfica para separar episdios de abandono e reocupao do mesmo local.

    4. No h meios de identificar stios em diferentes contextos ambientais como pertencentes mesma comunidade.

    Na ausncia de anlise quantitativa e seriao, Rodrguez no poderia ter identificado comunidades locais endgamas da Tradio Tupiguarani ao longo do Paran

    ou reconhecido a localizao das casas dentro dos stios como seqenciais, em vez de contemporneas. Mentz Ribeiro no poderia ter diferenciado trs fases sequnciais da Tradio Tupiguarani e sua distribuio geogrfica na restinga da Lagoa dos Patos. Miller no poderia ter demonstrado as mudanas sazonais no comportamento de subsistncia e residncia no Pantanal do Rio Guapor. Schmitz no poderia ter reconhecido a existncia de comunidades contemporneas da Fase Pantanal, a leste e a oeste do Rio Paraguai. Chmyz no teria estado apto a identificar comunidades endgamas da Fase Araguari da Tradio Aratu/Sapuca en Minas Gerais e establecer sus relaes espaciais e cronolgicas. A aplicao da seriao a cermicas e outros tipos de restos provenientes de stios histricos na Venezuela permitiu a Sanoja /Vargas, avaliar e expandir a informao em registros escritos.

    A variedade e a relevncia das interpretaes que podem ser obtidas de seqncias seriadas tornam dignas de nota as crticas de arquelogos brasileiros ao mtodo (por exemplo, Barreto, 1999-2000:45; Dias, 1994; Funari, 2000; Noelli, 1999; Schaan, 2001:161; Soares, 1996). Muitas das crticas parecem baseadas na premissa errnea de que no h justificativa terica ou mrito cientfico, quando comparado arqueologia social, nova arqueologia, gnero, etnicidade, processualismo e ps-processualismo, os quais rejeitam a relevncia da evoluo e da ecologia para a compreenso do comportamento humano no passado.

    Ao mesmo tempo, arquelogos norte-americanos esto lanando um segundo olhar seriao. Ela foi recentemente caracterizada como uma brilhante ruptura no apenas em termos de ordenao cronolgica, mas tambm pelo que ela revela sobre mudana estilstica .... No h nada inerentemente errado com qualquer das unidades... O que est inerentemente errado o quo freqentemente se faz mau uso delas.... Parte da hostilidade contra a arqueologia evolutiva pode residir no fato de que a sistemtica de certo modo maante(OBrien, Lyman e Darwent, 2000:393). Testes na sua confiabilidade foram muito alm daqueles que ns fizemos ao revisar as seriaes sobre o Tocantins. Por exemplo, mltiplas re-seriaes das amostras do baixo vale do Mississipi, classificadas por James Ford, foram aperfeioadas utilizando-se avaliaes em computador do impacto de variveis tais como tamanho da amostra, componentes neutros versus funcionais,

  • 30 Arqueologia Interpretativa

    Figura 10. Seqncias seriadas identificando comunidades endgamas pr-histricas ao longo do baixo rio Mississippi e seus territrios, com base na reviso de seriaes produzidas por James Ford (segundo Lipo et al. 1997, Figs. 14 e 15).

    distncia versus relaes sociais, etc. O resultado final um conjunto de seis seqncias que correspondem a territrios descontnuos ocupados por comunidades endgamas parecidas s fases endgamas pr-histricas amaznicas

    (Fig. 10; Lipo et al. 1997; ver tambm OBrien, Lyman e Darwent 2000; OBrien e Lyman 2003).

  • Arqueologia Interpretativa 31

    Concluso

    Em vez de lamentar a ausncia de arquitetura monumental, arte espetacular, e outras realizaes pr-histricas em pases vizinhos, os arquelogos brasileiros deveriam aproveitar as oportunidades nicas que eles tm de contribuir para uma variedade de problemas tericos e metodolgicos. A relativa homogeneidade do ambiente e o nvel de organizao social relativamente uniforme das populaes indgenas pr-histricas e contemporneas proporcionam um laboratrio ideal para observar similaridades e diferenas na adaptao cultural e identificar suas causas. Os resultados preliminares da aplicao da teoria evolutiva interpretao de seqncias seriadas levantam a questo do que mais pode ser inferido. O registro arqueolgico pode tambm contribuir com informao valiosa no disponvel a partir de outras fontes para identificar a durao e a intensidade de eventos climticos passados, tais como as mega-secas do El Nio, e avaliar seu impacto sobre populaes humanas no passado e no futuro (Meggers 1994). Reconstrues do comportamento locacional e social pr-histrico so relevantes para estimar a capacidade de carga e o impacto de grupos humanos pr-histricos sobre a biota, ambos tpicos controversos entre eclogos e desenvolvimentistas.

    A contribuio da investigao arqueolgica no est limitada descrio de stios e artefatos pr-histricos, ou mesmo reconstruo de subsistncia, habitaes, padres de sepultamento e outras caractersticas materiais. Estes so pr-requisitos necessrios para compreender como as pessoas interagiram umas com as outras e com seus ambientes no passado. Como elas lidaram com as limitaes inerentes, as mudanas sazonais nos recursos de subsistncia, e as catstrofes naturais imprevisveis com as quais nos confrontamos hoje? H fatores limitantes na evoluo cultural comparveis queles na evoluo biolgica que afetam opes e resultados? Quo importante a difuso e o que determina a receptividade aos descobrimentos e comportamentos estranhos? A arqueologia brasileira est nicamente adequada para responder a essas e outras questes porque, tal como nos animais unicelulares estudados pelos bilogos, a dinmica cultural no obscurecida por epifenmenos. Tudo o que ela requer para explorar este potencial a incorporao

    e desenvolvimento de um corpo terico-metodolgico condizente com os problemas e condies especficas da arqueologia nacional (Barreto, 1999-2000). Esta uma oportunidade e um desafio importante demais para ser ignorado.

  • 32 Arqueologia Interpretativa

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    A Ocupao da Planicie Costeira Central do Rio Grande do Sul por Fases da Tradio Tupiguarani

    Pedro Augusto Mentz Ribeiro

    Introduo

    Consideramos o Mtodo quantitativo para estabelecer cronologias culturais ou Mtodo Ford, ou simplesmente seriao, uma eficaz ferramenta de trabalho. J o utilizamos em trs oportunidades, anteriores a presente, com timos resultados.

    As duas primeiras foram com cermica da Tradio Tupiguarani, particularmente utilizando os tipos decorativos. No vale do rio Pardo, RS (Mentz Ribeiro, 1981), entre outros resultados, definimos quatro fases: Trombudo, Botucara, Redues, esta ltima transicional entre as Tradies Tupiguarani e Neobrasileira ou Iberoindgena, e a Pardo, da Neobrasileira; os movimentos migratrios das duas primeiras fases; seqncia das fases com os respectivos detalhes das mudanas na cultura material (ltico, formas, decorao, antiplstico, tratamento da superfcie, na cermica, alimentao, etc.); dimenses e forma das casas e das aldeias; posio dos assentamentos, etc.

    A terceira experincia foi a orientao de um projeto (Klamt, 1986) entre o vale dos rios Taquari e Jacu, regio contgua ao vale do rio Pardo. Da mesma forma foi possvel observar as mudanas ocorridas, o movimento do grupo e a definio de uma fase, Itacolomi.

    Escavaes na Pedra Pintada (quatro cortes de 2 x 2m cada um), no estado de Roraima, proporcionaram a montagem de uma seqncia seriada. Alm da observao das mudanas no local, a partir delas conseguimos datar, relativamente, os stios da regio do cerrado ou lavrado (norte-nordeste do Estado). O elemento que nos garantiu alcanar resultados ou concluses foi o antiplstico, uma vez que a decorao cermica no atinge 1% (Mentz Ribeiro e outros, 1986; Mentz Ribeiro, Machado & Guapindaia, 1987; Mentz Ribeiro, Ribeiro & Pinto, 1989).

    No presente estudo selecionamos os stios ou amostras que nos permitiriam utilizar o mtodo Ford. A nica tradio que oportunizou a aplicao da referida metodologia, entre as duas ceramistas que ocuparam

    a regio, Vieira e Tupiguarani, foi esta ltima. Apesar dos seus vestgios ocorrerem em todos os tipos de stios, excepcionalmente num aterro ou cerrito, os stios erodidos sobre dunas foram os assentamentos caractersticos. Destes ltimos, conseqentemente, que provieram as amostras utilizadas, acrescido de um sambaqui marinho. Foram todas resultado de coletas superficiais sistemticas, pois no encontramos local que nos fornecesse, estratificado, fragmentos de cermica da tradio Tupiguarani.

    Geografia da Regio A restinga da lagoa dos Patos uma plancie

    sedimentar formada por sucessivos avanos e recuos do mar, cuja composio de areia quartzosa marinha devido sedimentao basltica. As coordenadas aproximadas da regio esto entre os 3030 e 3200 de latitude sul e 50/20 e 52/05 de longitude oeste. O clima do tipo Cfa II1d ou subtropical ou virginiano, plancie sedimentar litornea lagunar (altitude inferior a 100m). As temperaturas mdias anuais esto entre 17 e 18C e, a precipitao pluviomtrica de 1200 a 1300mm (Moreno, 1961). A regio est sujeita a geadas. Enquanto na Laguna-Barreira IV a vegetao dominante a rasteira ou gramneas, na III a arbustiva, apresentando alguns frutos comestveis como ara, pitanga, figo, etc. As altitudes, em, relao ao nvel do mar, variam entre 2 e 25m, predominando aquelas ao redor dos 10m. Os stios localizados na Barreira IV (aterros e sambaquis exceto um de cada tipo encontrados na III, no limite com a IV) no podero apresentar idades superiores a 5100 anos A.P., devido a sua total submerso durante o mximo transgressivo. Neste perodo, apenas as cotas mais elevadas (Laguna-Barreira III) permaneceram acima dos nveis dgua (Figura 1). Os ventos predominantes so os que sopram do nordeste e do sudoeste, ocasionando grande movimento de areia. Dunas so caractersticas na regio formando linhas prximas ao mar, mais ou menos 50m, e no limite das barreiras III e IV.

    A fauna rica devido a variedade marinha,

  • 36 Arqueologia Interpretativa

    lacustre e terrestre em peixes, crustceos, moluscos, aves, mamferos e rpteis. Durante o inverno, as praias ocenicas da regio recebem espcies vindas do sul, como cetceos

    (baleia-franca e golfinhos), pinpedes (leo-marinho e lobo-marinho) e aves (pingins).

    Figura 1. Perfil esquemtico da poro central da plancie costeira do Rio Grande do Sul e a posio dos stios arqueolgicos em funo da geomorfologia.

    Arqueologia

    Os estudos arqueolgicos na plancie costeira central do Rio Grande do Sul ou restinga da lagoa dos Patos desenvolveram-se entre 1994 e 1998. Tratando-se de regio indita, sob o ponto de vista arqueolgico, as atividades de campo resumiram-se em coletas superficiais sistemticas e cortes experimentais. Estes ltimos foram praticados nos sambaquis marinhos e lacustres e, ainda, nos aterros ou cerritos. Os stios erodidos sobre dunas no ofereceram condies para cortes. Foram localizados e estudados 64 (sessenta e quatro) stios assim distribudos: 46 erodidos sobre dunas, 11 sambaquis sendo 8 lacustres e 3 marinhos e, ainda, 7 aterros ou cerritos (Figura 2; Mentz Ribeiro & Calippo in Tagliani & outros, 2000). Os primeiros encontram-se no sistema deposicional Laguna-Barreira III, de idade pleistocnica e os restantes no Laguna-Barreira IV, de idade holocnica, exceto dois cerritos localizados no extremo da III. A distncia que os separa do mar ou da lagoa

    varia entre 100 e 9000m, aproximadamente, e a altitude, em relao ao nvel marinho encontra-se entre 2 e 25m.

    As tradies arqueolgicas que ocuparam a regio foram a pr-ceramista Umbu e as ceramistas Vieira, esta conseqente a Umbu, e a Tupiguarani, subtradio Corrugada. A primeira caracterizada por instrumentos e restos de alimentao que identificam seus portadores como caadores, coletores e pescadores. A exclusiva confeco de pontas-de-projtil triangulares, pedunculadas e com aletas, utilizando a tambm singular tcnica do lascamento por percusso e presso, e as bolas de boleadeiras polidas e com sulco, so seus utenslios mais distintivos. Outros instrumentos lticos caractersticos, regionalmente, so as pedras com depresso semi-esfrica polida (quebra-coco), lminas de machado polidas com entalhes laterais, lascas, batedores, polidores e pesos de rede. Um fragmento de zolito (roedor ?), de uma coleo regional, poderia pertencer Umbu ou Vieira.

    A cermica da tradio Vieira caracterizada por

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    pertencer vasilhas cuja tcnica de confeco acordelada ou modelada, pasta composta por uma areia fina e uma grossa ou areio, mau cozimento, sem decorao ou simples e ao redor de 1% decoradas (digitada, impresso de cestaria (esteira), ponteada, engobada, ungulada, escovada, roletada), contornos simples e inflectidos, formas simples, esfricas ou elipsides horizontais, razo largura-altura aproximada de 2:1.

    Por tratar-se de uma plancie sedimentar, o ltico, para confeco dos seus instrumentos era, portanto, obtido

    fora da regio. Observamos, ento, comparativamente a outras reas do Estado, pobreza de material ltico. Isto vem dificultar a distino entre a Umbu e Vieira, especialmente nos cortes experimentais, associado ao fato da ocorrncia de cermica apenas na superfcie destes locais e praticamente inexistente nos nveis inferiores. Por esta razo os temos definido como acermicos.

    Figura 2. Mapa geral da plancie central costeira do Rio Grande do Sul assinalando os stios das fases arqueolgicos em sambaquis.

  • 38 Arqueologia Interpretativa

    Em concha so registradas contas de colar, em osso pontas em meia-cana com uma ou dupla ponta, de corpo vazado, pontas em corpo cheio e, em dente de tubaro, uma conta-de-colar. Alm disso, so encontrados vestgios fitofaunsticos compostos de ossos de mamferos (dentes de roedores; chifres e dentes de cervdeos), peixes (otlitos, vrtebras, escamas, raios e espinhos de nadadeiras, vrtebras e oprculos); aves, carapaas e valvas de moluscos, quelas de crustceos e sementes.

    A chegada na regio da tradio pr-ceramista Umbu pode ter ocorrido antes do timo Climtico, isto , anterior a 5100 anos A.P., talvez em torno dos 10000 ou 11000 anos A.P. (Mentz Ribeiro & Vanz, 1999). Estes stios mais antigos estariam entre aqueles encontrados na Laguna Barreira III ou cobertos pelas guas da lagoa dos Patos ou, ainda, do Oceano Atlntico. A adoo da cermica foi ao redor de 2000 anos A.P. surgindo, portanto, a tradio Vieira.

    Em alguns locais, principalmente onde haviam fragmentos de cermica das duas tradies, particularmente em cerritos e sambaquis, foi constatado um processo aculturativo: fragmentos com e sem decorao plstica (no foi observado nas pintadas) e formas Tupiguarani e antiplstico Vieira (areia grossa ou areio).

    A distribuio das tradies culturais, nos diversos tipos de stios, foi a seguinte:

    1. Cerritos Tradio Vieira: 1 stio (1 fragmento encontrado no corte); Tradio Tupiguarani: 1 stio (4 fragmentos na superfcie) sem realizao de corte; Sem evidncias culturais identificadoras: 5 stios, assim distribudos: um apresentou 3 pontas de osso e uma conta de colar em concha no corte e superficial; trs, vestgios fitofaunsticos na superfcie; um stio, vestgios fitofaunsticos no corte e na superfcie. Estes stios e nveis acermicos provavelmente pertencem tradio Umbu ou Vieira. Total: 7 stios.

    O cerrito que apresentou cermica Tupiguarani, na superfcie, est situado no limite da barreira III junto, portanto, a barreira IV

    2. Sambaquis marinhos Tradio Tupiguarani e Vieira: 1 stio (7 fragmentos Tupiguarani e 114 Vieira na superfcie e, no corte, apenas vestgios fitofaunsticos; Tradio Tupiguarani: 2 stios, um com 2 fragmentos na superfcie e, no corte, vestgios fitofaunsticos e, o outro,

    1116 fragmentos na superfcie. Total: 3 stios.3. Sambaquis lacustres Tradio Vieira: 2 stios,

    1 fragmento na superfcie de ambos e 1 fragmento no corte de um deles; Tradio Vieira e Tupiguarani: 4 stios, todos na superfcie (Tupiguarani e Vieira, respectivamente: 12 e 26 stios; 1 e 3; 4 e 4; 6 e 13 fragmentos) e, no corte de um deles, apenas vestgios fitofaunsticos; Sem evidncias culturais identificadoras: 2 stios com vestgios fitofaunsticos na superfcie. Total: 8 stios.

    No foram realizados cortes experimentais em quatro cerritos porque trs se encontravam destrudos e um semi-destrudo com construes na sua superfcie, especialmente a rea mais elevada. Pelas mesmas razes, um sambaqui marinho e cinco lacustres deixaram de sofrer aquele tipo de interveno. Finalmente, em apenas um sambaqui lacustre no foi executado corte experimental porque se encontrava ao lado de outro (30m) onde tal atividade foi concretizada, alm de nada ter sido registrado na sua superfcie.

    4. Stios erodidos sobre dunas - Nos 46 stios erodidos sobre dunas no foi possvel realizar cortes estratigrficos, apesar de tentativas em alguns deles. Esto assim distribudos: 4 histricos, 1 da tradio Umbu, 1 da Vieira e 40 da Tupiguarani.

    Sintetizando, a relao dos stios que apresentaram vestgios somente de uma tradio a seguinte: tradio Umbu, 1 stio erodido sobre dunas; tradio Vieira, 2 stios, 1 cerrito e 1 erodido sobre dunas; tradio Tupiguarani, 2 sambaquis marinhos, 1 cerrito e 40 erodidos sobre dunas. Aqueles que indicam serem exclusivos ou puros so os erodidos sobre dunas, pois para os cerritos e sambaquis marinhos e lacustres, as explicaes foram fornecidas acima (respectivamente itens 1, 2 e 3).

    Tradio Tupiguarani

    A tradio Tupiguarani, subtradio Corrugada tem a sua origem na Amaznia. Como teria alcanado, inicialmente, o norte-noroeste do Rio Grande do Sul, uma incgnita, mas isto aconteceu por volta de 1500 anos atrs. Na regio em estudo no obtivemos dataes. Nas reas mais prximas, litoral sul e norte, existem dataes que variam entre 600 e 900 anos A.P. ou 1050 e 1350 D.C., perodo ao redor do qual devem ter atingido a restinga da lagoa dos Patos.

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    A maioria dos vestgios da tradio ocasionaram os stios erodidos sobre dunas. Tambm so registrados na superfcie de quatro sambaquis lacustres, nos trs marinhos e em apenas um dos aterros ou cerritos. Os seus locais preferidos foram os limites do sistema deposicional Laguna-Barreira III, de idade pleistocnica, contguo ao Laguna-Barreira IV, holocnica. Registra-se, nesta faixa, uma camada hmica, conseqncia da decomposio da vegetao arbustiva ou matas de dunas litoranias (Hueck, 1972), resultando, da, solos mais propcios horticultura.

    A mesma dificuldade que cerca a impossibilidade de distinguir, estratigraficamente, os limites entre Umbu e Vieira, acontece com a Vieira e Tupiguarani. As causas so as mesmas, ou seja, a no ocorrncia de traos culturais diagnsticos, especialmente a cermica, nos vrios nveis. Sabe-se, no entanto, que a tradio Tupiguarani foi a ltima a ocupar o Rio Grande do Sul no perodo pr-colonial. Como foi descrito no final do captulo anterior, entre a Vieira e Tupiguarani parece ter havido uma forma de contato, pois traos culturais de ambas so constatados na cermica.

    As caractersticas da cultura material Tupiguarani, na regio so quase as mesmas do restante registrado para o sul do Brasil. As vasilhas cermicas apresentam a mesma tcnica de confeco, da pasta, do tratamento de superfcie e das formas. As diferenas so a constatao de poucos tipos decorativos, a inexistncia de grandes urnas e a ocorrncia de grande quantidade de afiadores-em-canaleta sobre fragmentos de vasilhas em virtude da inexistncia de qualquer tipo de rocha, particularmente, neste caso, de arenito. O material ltico, portanto, escasso e, todo ele, extico. Os instrumentos registrados so as lascas de calcednia e de quartzo, polidores e afiadores-em-canaleta de arenito, fragmentos de matria corante de hematita e limonita, lminas de machado polidas, pedras com depresso semi-esfrica polida, batedores, alisadores e raros casos de pesos de rede.

    No que diz respeito ao material sseo, encontraram-se pontas ou agulhas e, em conchfero, contas-de-colar. Outra diferena, comparativamente a outras reas interioranas, quanto aos vestgios fitofaunsticos ou obteno dos recursos alimentcios. Na plancie central costeira, eles so basicamente provenientes dos recursos marinhos, lacustres ou de reas alagadias.

    Foram identificados quatro locais com sepultamentos, todos do tipo secundrio. Em trs deles

    apenas o crnio foi enterrado definitivamente. Em um destes trs e num quarto stio foi encontrado o clssico enterramento secundrio de alguns ossos e do crnio, um de adulto e outro de criana. Dois stios indicavam tratar-se de cemitrios e os outros dois, cemitrio e habitao, estes ltimos com fogueiras, vestgios fitofaunsticos, fragmentos cermicos variados, lascas (Ribeiro & Calippo, 2000).

    As discrepncias so, ainda, no que se refere aos vestgios fitofaunsticos encontrados no interior do Estado, pois na restinga da lagoa dos Patos os recursos aquticos e de reas alagadias superam, acentuadamente, os demais. Mesmo na prpria rea pesquisada nota-se diferena na cultura material entre os stios da Barreira III e IV.

    Seriao

    Conseguimos vinte e cinco (25) amostras cermicas passveis de serem utilizadas. Infelizmente no encontramos um local que permitisse corte experimental ou estratigrfico, da a dificuldade em posicionar a tendncia da seriao com exatido. Utilizamos a comparao com as tendncias ocorridas em outras regies do sul do Brasil, particularmente no Rio Grande do Sul, e, em alguns casos, com o material associado, a fim de propor uma ordem seqencial.

    A tcnica utilizada foi dominantemente o acordelado e o antiplstico areia fina com alguns esparsos e escassos gros de areia mdia. So destaques os tipos decorados corrugado-ungulado e o corrugado, seguidos do simples. As formas das vasilhas so esfricas, semiesfricas, elipsides horizontais, meia calota e ovides de bases arredondadas ou levemente cnicas.

    Definimos os seguintes tipos: um sem decorao (simples) e seis decorados (corrugado, corrugado-ungulado, ungulado, escovado, pintado (A vermelho ou preto sobre branco na face externa; B vermelho ou preto sobre branco na face interna e C vermelho ou preto sobre branco em ambas as faces) e engobe vermelho. Aqueles que apresentavam tcnica associada ou mista (corrugado-ungulado, corrugado, ungulado, escovado ou vermelho sobre branco na face externa e engobe vermelho na interna; escovado, corrugado-ungulado ou engobe externo e pintado vermelho sobre branco interno) foram classificados como pintados, seguido dos decorados plasticamente. Em outras palavras, os pintados foram classificados como tal e, como

  • 40 Arqueologia Interpretativa

    tcnica associada, o engobe vermelho ou as decoraes plsticas; estas ltimas foram assim classificadas e o engobe vermelho como tcnica associada. Os tipos com tcnica associada ocorreram em apenas 5 stios, variando seu percentual entre 0,2 e 8,6%. Os mais populares so o vermelho sobre branco externo com engobe vermelho interno seguido do escovado externo com vermelho sobre branco interno.

    Realizamos uma srie de tentativas para montar a seriao utilizando a decorao, o antiplstico e as formas. O antiplstico homogneo, ou seja, a utilizao de areia fina. Pensamos que os raros casos com tambm escassos gros de areia mdia, mal distribudos na pasta, no tenham sido intencionais. Quanto s formas, a relativa pouca quantidade de fragmentos de bordas no permitiram verificar uma tendncia. Conseguimos, atravs do tratamento de superfcie ou com os tipos decorativos e o simples, montar uma seriao. Tentamos com os tipos pintados (A, B e C) separados e depois juntos, tendo o segundo modelo apresentando melhores resultados. Os fragmentos de cermica da tradio Vieira e os aculturados (tratamento de superfcie e formas Tupiguarani e antiplstico de areia grossa ou areio Vieira) ficaram fora da tabela e, conseqentemente, da seriao.

    Num primeiro momento, foram estabelecidas duas fases da Tradio Tupiguarani que denominamos, inicialmente, de fases A e B. No Seminrio em Tocantins