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A Obsessão. Origem, Sintomas e Cura - Allan Kardec.pdf

Oct 13, 2015

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    ndice

    Prefcio dos editores belgas.............................................. 03

    Prefcio do tradutor......................................................... 05

    Mademoiselie Clairon e o fantasma (1) ............................. 17

    O Esprito batedor de Bergzabern.................................... 23

    Consideraes sobre o Esprito batedor de Bergzabern ........... 30

    O Esprito batedor de Bergzabern (II) .............................. 31

    O Esprito batedor de Bergzabern (III) ............................ 42

    Palestras familiares de Alm-Tmulo................................ 46

    Espritos impostores O falso padre Ambroise................. 54

    O Esprito batedor de Dibbelsdorf................................... 59

    Obsidiados e subjugados............................................ 63

    O mal do medo.............................................................. 78

    Teoria do mvel de nossas aes.................................... 80

    Palestras familiares de Alm-Tmulo II............................ 83

    Dificuldades com que deparam os mdiuns................... 85

    Espritos barulhentos como dialogar com eles................ 94

    Estudo sobre os mdiuns................................................ 98

    Mdiuns interesseiros...................................................... 102

    Processo para afastar os maus Espritos.......................... 104

    Manifestaes fsicas espontneas................................... 116

    Superstio..................................................................... 121

    O Livro dos Mdiuns...................................................... 122

    O Esprito batedor de Aube........................................... 124

    Epidemia demonaca na Sabia...................................... 132

    Estudos sobre os possessos de Morzine........................... 137

    Estudos sobre os possessos de Morzine (II) ................... 149

    Estudos sobre os possessos de Morzine (III) ................... 158

    Estudos sobre os possessos de Morzine (IV) ................... 167

  • 3

    Estudos sobre os possessos de Morzine (V) .................... 181

    Um Caso de possesso..................................................... 192

    Perodo de luta .............................................................. 197

    Instrues dos Espritos................................................. 200

    Os conflitos ................................................................... 202

    Um caso de possesso .................................................... 208

    Cartas de Alm-Tmulo ............................................. 216

    Variedades. Cura de uma obsesso ................................ 220

    Cura da jovem obsidiada de Marmande.......................... 220

    Novos detalhes sobre os possessos de Morzine............... 234

    Instrues dos Espritos ................................................ 242

    Os Espritos na Espanha ................................................ 242

    Curas de obsesses ......................................................... 253

    Sesso anual comemorativa dos mortos. ...................... 257

    Discurso de abertura pelo sr. Allan Kardec...................... 257

    Prefcio dos editores belgas

    Apresentando estas pginas escritas pelo mestre Allan Kardec,

    nosso propsito tornar conhecidos certos fatos que a maioria dos

    espritas, de modo geral, quase sempre desconhecem, uma vez

    que as fontes de onde foram colhidos so muito raras.

    Esses fatos curiosos, e, sobretudo instrutivos, serviram

    singularmente para fazer a cincia esprita avanar na

    compreenso do invisvel.

    Alguns captulos parecem ter pouca relao com o ttulo do livro,

    porm nem por isso deixam de conter instrues da mais alta

  • 4

    importncia para o leitor que medita e deseja se aprofundar no

    assunto.

    Quanto ao problema da obsesso, verificar-se-, pelos fatos

    relatados, que ela tanto pode atingir o profano quanto o esprita

    propriamente dito, e este at com maior facilidade.

    Essa doena moral existiu desde todos os tempos, mas o

    Espiritismo bem compreendido e bem praticado pode dela preservar

    a criatura e, se atingida, cur-la mais eficazmente do que qualquer

    outra cincia ou doutrina, uma vez que ele revela a verdadeira

    causa do mal, bem como a forma de nos livrarmos dele,

    apresentando uma imensa variedade de particularidades, conforme

    a cada caso.

    Assim sendo, este livro interessa muito de perto aos espritas, uma

    vez que, segundo as prprias palavras de Allan Kardec, a obsesso

    um dos grandes tropeos com que esbarra o Espiritismo.

    Verificar-se-, igualmente, a eficcia da prece e, sobretudo, da

    prece coletiva para combater a obsesso, por exemplo, atravs de

    algumas descries comovedoras que nos revelam o servio que

    nos possvel prestar se nos dispusermos a nos instruir a respeito,

    e, bem assim, o esforo que necessitamos fazer para nos

    elevarmos na hierarquia dos Espritos a fim de aceitarmos, sem

    susceptibilidade, a severidade das instrues morais dos Espritos

    Superiores, pois que eles nunca se dispem a nos engrandecer ou

    a nos embalar com iluses, ao invs de nos dizer a verdade.

    Fechamos este livro com um discurso do mestre Allan Kardec, no

    qual ele desenvolve o problema da comunho de pensamentos com

    o seu estilo sempre magistral, j que ningum, por maior tenha sido

    o seu trabalho, seu devotamente e seu talento, pode dar

    cumprimento a uma tarefa mais magnificamente do que ele o fez,

    auxiliado por uma pliade de Espritos que lhe colocaram nas mos

    todos os assuntos dignos de ser enfocados na justa medida do

    avano da cincia, para nos trazer as consoladoras verdades do

    Espiritismo.

  • 5

    Desejamos aqui prestar homenagem a nosso guia espiritual, Jean

    Baptiste Quimaux, bem como a seus colaboradores, ao auxlio de

    Espritos simpatizantes, familiares, protetores e superiores que,

    desde 1885, atravs de seus conselhos, sua perseverana e suas

    instrues reiteradas, sempre baseados nos Evangelhos e nas

    obras de Allan Kardec, mantiveram a coeso deste grupo em clima

    de harmonia moral e desinteresse material, para maior glria de

    Deus e felicidade de toda a Humanidade.

    A COMISSO

    Prefcio do tradutor

    O problema da obsesso problema de mente a mente ou de

    mentes para com outras mentes. , pois, uma questo de atitudes

    mutuamente assumidas. Para no repisarmos quanto vem sendo

    dito e escrito neste ltimo sculo e isto de valiosa maneira!

    gostaramos, alinhando estas consideraes despretensiosas, de

    nos atermos ao problema da atitude propriamente dita, encarada

    at os limites onde a Psicologia Social nos pode conduzir. Pois que

    atitude problema de Psicologia Social, cincia que mantm laos

    ntimos, vizinhana estreita com outras cincias, tais a Psicologia, a

    Sociologia e a Etnologia e, como tal, tem de ser reconhecida em

    sua originalidade, assim como a Fsica, a Mecnica ou a Qumica.

    J se disse que o Espiritismo ser cincia ou no ser. Ora, ele

    nunca recusou confronto com quaisquer outras cincias, pelo

    contrrio abraa-as prazerosamente e segue com elas renovando-

    se a cada dia. Mas aqui vale notar que a arquitetura geral traada,

    as articulaes estabelecidas entre diferentes noes j adquiridas

    sobre atitude, resultam, no o dissimulamos, de concepes

    prprias. Assim, pois, esto sujeitas tanto crtica quanto

    discusso, pois que, analisando o problema, os estudiosos

    sistematicamente tm-se negado a explorar o rico filo da mente

    desencarnada atuando sobre a mente encarnada, bem assim a

    questo reencarnatria, dois poderosos fatores que de nenhuma

    forma podem ser afastados cu ignorados ao exame das atitudes,

    sobre elas lanando uma poderosa luz.

  • 6

    J Paulo de Tarso escrevia: ... mas nada puro para os

    contaminados e infiis... (Tito, 1: 15), ao que Emmanuel, em

    FONTE VIVA, adita:

    O homem enxerga sempre atravs da viso interior. Com as cores

    que usa por dentro, julga os aspectos de fora. Pelo que sente,

    examina os sentimentos alheios. Na conduta dos outros, supe

    encontrar os meios e fins das aes que lhe so peculiares. Da o

    imperativo de grande vigilncia para que a nossa conscincia no

    se contamine pelo mal. Quando a sombra vagueia em nossa mente,

    no vislumbramos seno sombras em toda a parte. Junto das

    manifestaes do amor mais puro, imaginemos alucinaes carnais.

    Se encontramos um companheiro trajado com louvvel aprumo,

    pensamos em vaidade. Ante o amigo chamado carreira pblica,

    imaginamos a tirania poltica. Se o vizinho sabe economizar com

    perfeito aproveitamento da oportunidade, fixamo-lo com

    desconfiana e costumamos tecer longas reflexes em torno de

    apropriaes indbitas. Quando ouvimos um amigo na defesa justa,

    usando a energia que lhe compete, relegamo-lo, de imediato,

    categoria de intratvel.

    Quando a treva se estende na intimidade de nossa vida,

    deplorveis alteraes nos atingem os pensamentos. Virtudes,

    nessas ocasies, jamais so vistas. Os males, contudo, sobram

    sempre. Os mais largos gestos de bno recebem lastimveis

    interpretaes. Guardemos cuidado toda vez que formos visitados

    pela inveja, pelo cime, pela suspeita ou pela maledicncia. Casos

    Intrincados existem nos quais o silncio o remdio bendito e

    eficaz, porque, sem dvida, cada esprito observa o caminho ou o

    caminheiro, segundo a viso clara ou escura de que dispe.

    Em vista disto, prossigamos: Um esprito que assedia outro, com tal

    ou qual Inteno, oferece ao exame, via de regra, deformao de

    percepes ou de memria para isto que, em ltima anlise,

    nos desperta a ateno o comentrio de Emmanuel. Todavia, quais

    as causas que residem nessas deformaes? No livro que iremos

    ler, Kardec rene casos de obsesses manifestadas no apenas

    em indivduos mas tambm em grupos, tal o de Morrinhes. Trata-se,

  • 7

    pois, de um comportamento social, isto , de uma delicada textura

    tal as maneiras como seres humanos os espritos so seres

    humanos! se ajustam ou no se ajustam ao meio social, neste

    caso provocando toda a gama de desequilbrios que Kardec com

    to grande felicidade cataloga ao vivo.

    Mas, em particular, preciso que se focalize uma forma de

    ajustamento: os desenvolvimentos das atitudes. A anlise das

    atitudes apresentadas por Inteligncias desencarnadas ontem

    preocupava Kardec to seriamente quanto hoje, em criaturas

    encarnadas, a preocupao mais Importante dos psiclogos

    sociais. Ora, no vai um passo entre as atitudes assumidas por

    inteligncias encarnadas e as desencarnadas. Em ambos os casos

    o fenmeno psicolgico se reveste de tremendo significado social e

    foi precisamente por isto que Kardec nele to cuidadosamente se

    deteve.

    As atitudes afetam o comportamento e a personalidade. luz da

    Psicologia Social tentaremos, embora com simplicidade, explicar

    tanto quanto for possvel! como essas atitudes se formam, isto

    , como so aprendidas, nesta ou noutras vidas, e como talvez

    possam ser mudadas. Isto possivelmente poder nos auxiliar tanto

    agora quanto aps a nossa desencarnao.

    Mas o que uma atitude? uma maneira organizada e coerente

    de pensar, sentir e reagir em relao a grupos, questes, outros

    seres humanos, ou, mais especificamente, a acontecimentos

    ocorridos em nosso meio circundante. Neste livro Kardec rene

    exuberantes exemplos de tudo isto.

    Os componentes essenciais da- atitude do os pensamentos, as

    crenas os sentimentos ou emoes, e as tendncias para

    reagir. Diz-se que uma atitude est formada quando esses

    componentes se encontram de tal maneira inter-relacionados que

    os sentimentos e tendncias reativas especficas ficam

    coerentemente associadas com uma maneira particular de pensar

    em certas pessoas ou acontecimentos. Desenvolvemos nossas

    atitudes ao enfrentarmos e ajustarmo-nos ao meio social e uma

  • 8

    vez desenvolvida, emprestam regularidade aos nossos modos de

    reagir e de facilitar o ajustamento social.

    Nas primeiras fases do desenvolvimento de uma atitude, seus

    componentes no esto rigidamente sistematizados que no

    possam ser modificados por novas experincias. Mais tarde, porm,

    sua organizao malfica ou benfica, pode se tornar

    inflexvel e estereotipada, especialmente nas pessoas em que

    foram encorajadas, no decurso de grandes perodos de tempo,

    reencarnaes por exemplo, a reagir segundo processos

    padronizados ou aceitveis a determinados acontecimentos e

    grupos.

    Num como noutro caso os Evangelhos e o Espiritismo so capazes

    de poderosamente auxiliar.

    Se as atitudes de uma pessoa tornam-se inabalavelmente fixas,

    ela estar ento pronta para classificar pessoas ou acontecimentos

    em um dos seus padres emocionalmente elaborados de

    pensamentos, de modo que fique incapacitada para examinar ou

    reconhecer a individualidade dessas mesmas pessoas ou eventos,

    tudo conforme Emanuel deixa explcito em sua mensagem. E dessa

    maneira que as atitudes fixas ou estereotipadas reduzem a

    riqueza potencial e constringem as reaes.

    O estudo do processo obsessivo nos fornece ampla amostragem

    desse fato. Ocorrncia importante a ser enfatizada, principalmente

    no meio esprita, onde se tem por lema que o verdadeiro esprita

    reconhece-se por sua reforma ntima, que no estamos

    completamente cnscios da maioria das nossas atitudes nem da

    extensa influncia que elas tm sobre o nosso comportamento

    social. Mas, atravs da to citada vigilncia, numa anlise

    detalhada, podemos localizar o funcionamento de certas atitudes

    em ns mesmos. E no esqueamos de que j agora, ou amanh,

    na qualidade de espritos, poderemos, conforme nossa atitude, ser

    classificados como obsessores.

    Atravs de relampejos introspectivos das atitudes que funcionam

    em ns, tornamo-nos sensveis s atitudes de outras mentes,

  • 9

    vestidas de carne ou no. Mas sucede que num ou noutro caso

    nem sempre as pessoas revelam abertamente suas atitudes! De

    fato elas aprendem, atravs de experincias com outros, a manter

    algumas de suas atitudes escondidas dos conhecimentos casuais

    ou mesmo dos amigos mais ntimos. Em virtude desse fato vamos

    usar o termo tendncia de reao, em lugar de reao, apenas

    para o terceiro componente das atitudes, a fim de indicar que

    estas no se encontram necessariamente expressas no

    comportamento ostensivo. E porque isso se d, o xito da interao

    social redunda, frequentemente, no talento para inferir ou reduzir a

    natureza dos pensamentos, sentimentos e tendncias reativas dos

    outros, a partir de indcios muito sutis de comportamento. Na

    realidade uma caracterstica comum do pensamento humano

    fazer inferncias sobre as atitudes dos outros e regular nossas

    prprias aes em conformidade. Com base em limitadas e

    diminutas amostras do comportamento dos outros, poderemos

    concluir se, digamos, tratamos com pessoa liberal, compreensiva,

    destituda de preconceitos, e reagirmos, ento, de maneira que

    considerarmos mais apropriada. Mas, embora todos ns faamos

    dedues, as pessoas diferem na capacidade de faz-las

    corretamente.

    Os psiclogos sociais desenvolveram uma srie de tcnicas

    sistemticas para inferir e medir atitudes. Como as atitudes no

    podem ser diretamente medidas, as inferncias indiretas sobre elas

    requerem uma comprovao cuidadosa para que sejam vlidas, isto

    . Deve-se estabelecer que as medidas de atitudes realmente

    medem aquilo que pretendem e no algum outro processo

    psicolgico.

    As atitudes desempenham uma funo essencial na determinao

    de nosso comportamento; por exemplo, afetam nossos julgamentos

    e percepes sobre os outros, como to bem expressa a

    mensagem de Emmanuel. Ajudam a determinar os grupos com que

    nos associamos, as profisses que finalmente escolhemos e at

    mesmo a filosofia ou a religio sombra das quais vivemos.

  • 10

    Em nossa definio de atitudes preciso destacar que elas

    constituem organizados, coerentes, e habituais modos de sentir

    e reagir, em relao a acontecimentos e pessoas em nosso prprio

    meio-ambiente. Usamos esses adjetivos para indicar que as

    atitudes so modos aprendidos de ajustamento, isto , hbitos

    complexos. O desenvolvimento desses hbitos, portanto, deve

    obedecer a princpios fixos de aprendizagem. Essa aprendizagem

    por sua vez, ainda que os Evangelhos e a doutrina esprita sirvam

    de seguro roteiro, depende de fatores da vontade pessoal. O

    propsito seria ento apresentar trs princpios inter-relacionados

    que ajudam a explicar como se aprendem as atitudes, a saber, os

    princpios de: associao, transferncia e satisfao de

    necessidades.

    Em geral aprendemos sentimentos e tendncias reativas, dois dos

    componentes das atitudes, atravs da associao e da

    satisfao de necessidades, isto , aprendemos a temer, a evitar,

    a guardar rancores para com pessoas ou coisas associadas com

    acontecimentos desagradveis, a gostar e a nos aproximar das

    associadas com acontecimentos agradveis. Evitando no primeiro

    caso, e abordando no segundo, satisfazemos necessidades bsicas

    de prazer e conforto. Por exemplo, nossas atitudes mais bsicas

    so aprendidas ou despertadas na infncia, pela interao com os

    nossos pais, nesta ou em vidas pregressas. Tipicamente uma

    criana desenvolve fortes atitudes favorveis em relao aos pais,

    visto que, ao cuidarem das necessidades e conforto dela, sua

    presena se torna associada com o seu conforto e bem estar geral.

    Nisto tambm se oculta o mecanismo da harmonizao dos

    espritos, de que a Providncia Divina se serve, na sabedoria de

    suas leis. Todavia com o tempo, desavisados, os pais ficam

    associados tanto com os prazeres quanto com as punies. E as

    atitudes da criana adquirem ento uma natureza complexa e

    ambivalente.

    De fato as atitudes aprendidas por associao e satisfao de

    necessidades so, muitas vezes, categorizadas nas fases iniciais

    de seu desenvolvimento, pela incapacidade do indivduo para

    compreender porque ele se sente e reage assim. Essa

  • 11

    incapacidade de compreenso torna-o especialmente atento aos

    pensamentos e crenas dos demais e poder finalmente adot-los

    como um meio para justificar seus prprios sentimentos e

    tendncias reativas. Nosso propsito apresentar, neste ponto, o

    princpio de transferncia, que ajuda a explicar como aprendemos

    atitudes, especialmente os componentes pensa-mento-crena,

    com outras pessoas.

    Na realidade, aprendemos atitudes atravs de transferncia de um

    modo essencialmente idntico quele em que aprendemos o

    significado de conceitos: atravs da instruo. Por exemplo, uma

    criana desenvolve imediatamente um significado para zebra

    quando se lhe diz que um animal do feitio de um cavalo, com

    listras de cima a baixo. Neste exemplo duas idias no

    relacionadas na criana (cavalo e listras de cima a baixo), so

    levadas, pela primeira vez, a uma nova combinao. De modo

    semelhante aqueles que nos ensinam ou transmitem idias ou

    emoes podem transferir atitudes mediante a sugesto de como

    deveremos reorganizar e integrar algumas de nossas idias

    bsicas. Quando existe uma estreita relao entre transmissor e

    receptor, os sentimentos de tendncias reativas tambm podem ser

    transferidos juntamente com os pensamentos e crenas. Por

    exemplo, algum poderia transferir uma atitude completamente

    favorvel descrevendo os pretos como criaturas de pele escura,

    maltratados, trabalhadores no duro, amveis e agis. Ou

    poderia transmitir uma atitude totalmente negativa, descrevendo-

    os como dotados de pele escura, preguiosos, incertos, sujos

    e indignos de confiana.

    Todavia no incorporamos todas as atitudes dirigidas para o

    nosso caminho; o fato de selecionarmos quais as atitudes que nos

    interessam, indica no apenas que a satisfao de uma

    necessidade se encontra presente quando as atitudes so

    transferidas, mas igualmente que o mecanismo j pode ter sido

    acionado em uma outra encarnao. Em criana prestamos ateno

    e, usualmente, adotamos as atades de nossos pais, como parte

    normal de nos tornarmos educados, fato este que no deve escapar

    aos pais espritas, os maiores interessados e responsveis pela

  • 12

    modificao moral daqueles que a Divina Providncia lhes deu

    como tutelados. O fato ocorre porque ao sermos come nossos pais,

    em todos os aspectos garantimos a afeio deles, ao mesmo tempo

    que consolidamos nosso sentimento de pertencermos famlia. A

    necessidade de afeto e de pertencer, numa criana, nem sempre

    so satisfeitas na famlia, claro, e elas ento passam a exteriorizar

    sua hostilidade no adotando as atitudes dos pais na transferncia

    ou assumindo atitudes inversas.

    Tambm adotamos atitudes de outras pessoas importantes fora

    da famlia. medida que crescemos, vamos incorporando atitudes

    que nos parecem apropriadas para pertencer a grupos que

    reputamos importantes. Por vezes mudamos de atitude como

    meio de abandonarmos um grupo e nos integrarmos em outro.

    primeira vista a mudana de atitudes poder parecer uma

    questo simples, e este o erro em qu costuma incidir a maioria

    dos doutrinadores de sesses de desobsesso. Pensamos que,

    uma vez que as atitudes so aprendidas, deveria ser bastante fcil

    modificar a intensidade delas ou substituir uma atitude indesejvel

    mediante a aprendizagem de outra. O fato complicado porm que

    as .atitudes no so modificadas ou substitudas com a mesma

    facilidade com que so aprendidas.

    Como j vimos, as atitudes se desenvolvem, tornam-se aspecto

    integrante da personalidade de um indivduo, influindo em todo o

    seu estilo de comportamento. Mud-las no fcil e por isso raro

    ouvirmos falar de mudanas radicais tais as sofridas por Maria de

    Magdala ou Paulo de Tarso. As tentativas para modificar atitudes,

    por mais bem planejadas que sejam, s conseguem, muitas vezes,

    alterar o componente pensamento-crena, sem afetar sentimentos e

    tendncias reativas, de modo que, com o tempo, a atitude poder

    reverter ao seu estado anterior.

    Um grupo de pesquisadores da Universidade de Yale conseguiu

    esboar algumas das caractersticas da personalidade que

    distinguem a pessoa altamente persuadvel. Poucas pessoas,

    afirmam eles, reagem persuaso com flexibilidade discriminante,

  • 13

    isto , no so demasiado susceptveis nem demasiados

    resistentes. As poucas que possuem essa caracterstica esto

    suficientemente interessadas em seu meio social para darem

    ouvidos pelo menos a algumas idias dirigidas sua maneira de ver

    as coisas, mas esto igualmente habilitadas a distinguir e pr de

    lado o que para elas no oferece qualquer importncia. Todavia a

    maioria das pessoas varia em torno desse ideal na direo dos

    extremos. O indivduo crdulo caracteriza-se por uma acentuada

    dependncia de outras pessoas e uma incapacidade notria para

    apreciar de modo crtico as proposies alheias. Essa combinao

    de caractersticas torna-o especialmente inclinado a adotar as

    crenas dos outros ou quaisquer proposies apresentadas com

    autoridade. No outro extremo situa-se o indivduo altamente

    resistente persuaso, a quem falta, frequentemente, a capacidade

    de compreender o material comunicado. habitualmente negativo

    . Autoridade, rgido e obtuso em seu pensamento e

    voluntariamente desatento a novas idias, de onde a necessidade,

    per parte das Divinas Leis que nos regem, do imperativo da Dor

    como derradeiro recurso de persuaso para o Bem.

    Alguns psiclogos sociais dedicaram recentemente ateno ao

    estudo do desejo humano de ter atitudes logicamente coerentes.

    Esse novo interesse resultou das idias defendidas por Fritz Heider.

    Da Universidade de Kansas, que se convenceu de que as pessoas

    procuram relaes equilibradas ou harmoniosas, entre suas

    atitudes e conduta ficando psicologicamente perturbadas

    enquanto no se estabelecer um estado de equilbrio. Quando o

    significado dessa idia tornou-se patente, algumas das mais

    prometedoras teorias sobre a mudana de atitudes comearam a

    aparecer. Primeiro Charles Osgood e Percy Tanembaum, da

    Universidade de Illinois, demonstraram que as pessoas alteram

    suas atitudes quando se tornam bvias algumas incoerncias

    sobre as mesmas. evidente que uma pessoa muda suas prprias

    atitudes para reduzir a Incoerncia entre elas e seu

    comportamento. Desenvolvemos atitudes na medida em que

    lidarmos com o nosso meio social e, uma vez desenvolvidas, elas

    facilitam o nosso ajustamento, regularizando nossas reaes ante

  • 14

    acontecimentos recorrentes. Quando as atitudes esto

    rigidamente organizadas, entretanto, elas constringem a riqueza de

    nossas experincias, pois nos inclinamos, com excessiva rapidez, a

    atribuir categorias s pessoas e acontecimentos, dentro de padres

    de pensamento superestruturados, e os nossos sentimentos e

    reaes em face dos mesmos tornam-se rotineiros.

    Grande parte do nosso comportamento social influenciado pelas

    atitudes que sustentamos. Elas afetam nossos julgamentos e

    percepes, nossa eficincia no estudo, nossas reaes com

    relao aos outros e at nossa filosofia bsica de vida. Finalmente

    as atitudes numerosas que desenvolvemos acabam por unirem-se

    em padres caractersticos que ajudam a formar a base de nossa

    personalidade.

    Concebemos as atitudes como hbitos complexos e, como tal,

    esperamos que seu desenvolvimento obedea a princpios de

    aprendizagem, tal como sucede a muitos outros tipos de hbitos.

    Parece que aprendemos dois dos componentes das atitudes os

    nossos sentimentos e tendncias reativas atravs da

    associao e da satisfao de necessidades, isto , como j foi

    dito, aprendemos a temer e a evitar pessoas e acontecimentos

    associados com ocorrncias desagradveis; a gostar e acercarmo-

    nos daquilo que estiver associado com ocorrncias agradveis.

    Tipicamente adquirimos nossos pensamentos e crenas (o

    terceiro componente), atravs de pessoas importantes em nosso

    mundo social que transferem seus pensamentos e crenas para

    ns j prontos e por medida, se assim podemos dizer. Atravs, da

    comunicao social, no s recebemos componentes de atitudes

    por meio de transferncia, mas tambm transmitimos nossas

    prprias crenas aos outros.

    As tentativas de modificar ou substituir atitudes assentam nos

    mesmos princpios de aprendizagem. Mas evidentemente muito

    mais difcil mudar ou esquecer atitudes do que aprend-las.

    Porque isso assim parece ser, estamos comeando a apreciar o

    grande papel que a socializao inicial desempenha no

    desenvolvimento de atitudes.

  • 15

    Diversas estratgias para modificar atitudes esto sendo

    investigadas e comparadas. Um novo e prometedor critrio destaca

    o desejo normal das pessoas de serem logicamente coerentes em

    seus pensamentos e sentimentos. Os investigadores descobriram

    que quando um componente da atitude experimentalmente

    modificado, os outros parecem sofrer um realinhamento coerente.

    H mesmo indcios de que as pessoas mudaro suas prprias

    atitudes at sem se darem conta disso, quando as incoerncias

    lgicas, em suas crenas e sentimentos, so levados ateno

    delas.

    As atitudes desenvolvidas em casa, no seio da famlia, ou atravs

    das primeiras experincias em grupos so particularmente

    importantes na formao da estrutura de um complexo de atitudes

    e resistem bastante modificao.

    Os psiclogos sociais confessam que necessitam mais pesquisas

    para explicar tanto a persistncia quanto alterabilidade de atitudes.

    Embora no existam ainda respostas finais o Espiritismo

    prescreve preces, vibraes e dilogos em sesses para isto

    especialmente orientadas ou, entre os encarnados, o cuidadoso

    aprendizado de sentimentos e tendncias reativas , podemos

    prever que os estudos revelaro atitudes particularmente

    renitentes mudana se: A) tiverem sido aprendidas no incio da

    vida ou em uma sequncia de vidas pretritas; B) tiverem sido

    aprendidas tanto por associao como por transferncias; C)

    ajudarem a satisfazer necessidades; D) tiverem sido integradas na

    personalidade e estilo de comportamento de um indivduo. Por tudo

    isto Jesus prope to seriamente o orai e vigiai.

    Os psiclogos sociais so guiados por essas regras gerais em suas

    tentativas para modificar atitudes e elas devem ser levadas em

    conta tambm pelos espritas. Sabem que se quiserem substituir

    atitudes ou modificar sua intensidade, as novas idias e crenas a

    serem aprendidas devem ser engenhosamente apresentadas,

    usualmente na forma de comunicaes persuasivas. Se se quiser

    alterar modos habituais de sentir e reagir lembremo-nos aqui da

    afirmativa de Kardec, segundo a qual se reconhece o verdadeiro

  • 16

    esprita por sua reforma ntima , devem ser preparados

    enquadramentos sociais reais ou experimentalmente engendrados,

    de tal maneira que os novos processos de reao possam ser

    aprendidos. As tcnicas usadas em outras palavras devem facilitar

    a aprendizagem.

    Como seria de esperar, os componentes de novas atitudes so

    aprendidos de acordo com os princpios de transferncia,

    associao e satisfao de necessidades. Muitos psiclogos esto

    empenhados em pesquisas para determinar critrios e pena que

    no empreguem o rico veio que o Espiritismo lhes oferece, pois, tal

    como ocorre nas sesses de desobsesso, as concluses das

    pesquisas indicam que mais provvel que as novas atitudes

    sejam transferidas por intermdio de contatos face a face ou em

    discusses em grupos do que atravs de conferncias impessoais.

    Mas a personalidade daqueles que fazem os contatos pessoais

    fixam limites leia-se as obras de Andr Luiz e observe-se as

    personalidades dos encarregados de semelhantes tarefas , a sua

    eficcia como agentes de transferncia, uma vez que, como vimos,

    as atitudes so mais facilmente transferidas quando o indivduo

    que aprende atrado para um professor social e deseja ser

    como ele. Por exemplo, verificou-se que quanto mais digna de

    confiana e atraente uma pessoa, tanto mais haver possibilidade

    de sua mensagem penetrar e influenciar as atitudes existentes.

    Faz-se tambm largo uso do princpio da satisfao de

    necessidades nas tentativas de alterar atitudes. Por exemplo, as

    novas idias numa mensagem persuasiva podem ser apresentadas

    com o endosso de lderes de grupos ou de pessoas de elevada

    posio moral. Se os que recebem a mensagem forem levados a

    compreender que o serem aceitas por si mesmas ou por outrem

    depende de adotarem um conjunto diferente de atitudes as

    mudanas podem concretizar-se.

    A mudana de atitude poder tambm ocorrer se forem

    propiciadas condies adequadas para aprender-se. Novos meios

    de sentimentos e reao atravs da associao.

  • 17

    Enquanto extensa pesquisa sobre os mtodos de apreciao de

    comunicaes persuasivas ou de criao de contextos sociais para

    aprendizagem de novas atitudes continua sendo feita, outros

    grupos de investigadores esto concentrando a ateno sobre as

    caractersticas de personalidades daqueles cujas atitudes se

    pretenda mudar. Como vimos, as atitudes possuem razes slidas

    no sistema motivacional da personalidade; quaisquer tentativas

    para mudar atitudes sero limitadas enquanto no se souber

    mais sobre as relaes entre atitudes e personalidade.

    Contudo, para ns espritas, o estudo das obras de Andr Luiz, pela

    psicografia de Francisco Cndido Xavier; j provoca um grande

    avano na compreenso do problema. A obra do falecido Carl

    Hovland e seus associados, em Yale, bem como a de Leon

    Festinger, de Stanford, no devem ser postas de lado.

    Afinal, conquanto encarnados hoje, nem por isso poderemos deixar

    de ser, at inconscientemente, os obsessores de amanh. Por tal

    motivo e pelo lema esprita de progredir sem cessar, tal a lei,

    julgamos fazer sentido oferecer ao leitor do dia de hoje quanto a

    Psicologia Social nos pode proporcionar meditao, no tocante

    aos to pouco conhecidos mecanismos de nossas atitudes se

    que, sinceramente, a elas nos damos o trabalho de prestar alguma

    ateno.

    Araraquara, outono de 1969.

    Mademoiselle Clairon e o fantasma (1)

    Esta histria fez muita sensao em seu tempo, pela posio da

    herona e pelo grande nmero de pessoas que a testemunhou. A

    despeito de sua singularidade, ela provavelmente teria sido

    esquecida se mademoiselle Clairon no a tivesse consignado em

    suas Memrias, de onde extramos o relato que se vai fazer. A

    analogia que ela apresenta com alguns fatos que se passam em

    nossos dias d-lhe um lugar natural nesta coletnea.

  • 18

    Como se sabe, mademoiselle Clairon era to notvel por sua beleza

    como por seu talento, quer como cantora, quer como trgica. Havia

    inspirado a um jovem breto, o sr. De S..., uma dessas paixes que

    frequentemente decidem de uma vida, quando no se tem

    suficiente fora de carter para se triunfar sobre ela. Mademoiselle

    Clairon a ela correspondeu apenas com a amizade. Entretanto a

    assiduidade do sr. De S... tornou-se de tal modo importuna que ela

    resolveu romper essas relaes em definitivo. A mgoa que ele

    sentiu produziu-lhe uma longa enfermidade, de que veio a morrer.

    Isto se passou em 1743. Mas demos a palavra a mademoiselle

    Clairon: Dois anos e meio eram decorridos entre o nosso

    conhecimento e a sua morte. Ele mandou pedir-lhe que concedesse

    aos seus ltimos instantes a doura de me ver outra vez; meus

    amigos me impediram de comparecer. Morreu tendo em torno de si

    apenas os criados e uma velha dama, nica companhia que tinha

    desde muito tempo. Ele residia sobre o Rempart, perto da

    Chausse dAntin, que comeava a ser construda; eu, rua de

    Bussy, perto da rua do Sena e da abadia Saint-Germain. Estava

    com minha me e vrios amigos que vinham cear comigo...

    Acabara de cantar belas canes pastorais, que haviam encantado

    os meus amigos quando, ao soarem as onze horas, ouvimos um

    grito agudssimo. Sua modulao sombria e sua durao

    espantaram a todos; senti-me desfalecer e estive quase um quarto

    de hora desacordada.

    Todos os meus parentes, os amigos, os vizinhos, a prpria polcia

    ouviram o mesmo grito, sempre mesma hora, partindo sempre de

    sob minhas janelas e como que se viesse vagamente, do ar...

    Raramente eu ceava na cidade; mas nesses dias nada se ouvia e,

    muitas vezes, pedindo informes minha me ou aos meus, quando

    eu entrava em meu quarto, ele partia do meio de ns. Uma vez o

    presidente de B..., com quem eu havia jantado, quis me reconduzir

    casa para certificar-se de que nada me tinha ocorrido em

    caminho. Quando, minha porta, me dava as boas-noites, o grito

    partiu de entre ns. Como toda Paris, ele sabia da histria:

    entretanto foi posto na carruagem mais morto do que vivo.

  • 19

    Outra vez pedi ao meu amigo Rosely que me acompanhasse rua

    Saint-Honor para escolher tecidos. O nico assunto de nossa

    conversa foi o meu fantasma,

    como o chamavam. Este jovem, muito inteligente, no acreditava

    em nada, mas tinha ficado impressionado cem a minha aventura;

    aconselhava-me a evocar o fantasma, prometendo-me acreditar se

    ele me respondesse. Fosse por fraqueza ou por audcia, fiz o que

    ele me pedia: o grito se ouviu trs vezes, terrveis por seu estrepito

    e pela rapidez. De volta foi necessrio o auxlio de todas as

    pessoas de casa para sermos tirados da carruagem, onde

    estvamos sem nos apercebermos um do outro. Depois desta cena

    fiquei alguns meses sem nada ouvir. Julgava-me livre para sempre:

    puro engano!

    Todos os espetculos haviam sido transferidos para Versalhes,

    para o casamento do Delfim. Tinham-me arranjado um quarto

    avenida Saint-Cloud, que eu ocupava com madame Grandval. s

    trs da manh eu lhe disse: Estamos no fim do mundo; seria muito

    difcil que o grito nos viesse procurar aqui... Ele se fez ouvir!

    Madame Gradval pensou que o inferno inteiro estava no quarto:

    correu em camisola de alto a baixo da casa, onde ningum pde

    pregar olhos durante a noite; foi ao menos a ltima vez que

    ouvimos.

    Sete ou oito dias depois, quando conversava com pessoas de

    minhas relaes comuns, o relgio fez ouvir as batidas de onze

    horas; foi seguido de um tiro de fuzil, dado numa de minhas janelas.

    Todos ns ouvimos o tiro e vimos o fogo: mas a janela no sofrera

    nenhum dano. Conclumos todos que visavam a minha vida, que

    haviam errado o alvo e que era preciso, para o futuro, tomar

    precaues. O sr. De Marville, ento alferes de polcia, mandou

    visitar as casas fronteiras minha; a rua ficou cheia cie toda sorte

    de espias possveis; mas, por mais cuidados que se tivesse

    tomado, durante trs meses a fio este tiro foi visto e ouvido, sempre

    mesma hora, na mesma vidraa, sem que, entretanto, jamais

    algum tivesse podido ver de onde partia. O fato foi consignado nos

    registros policiais.

  • 20

    Acostumada ao meu fantasma, considerava-o um pobre diabo que

    se divertia com brincadeiras sem se importar com a hora. Como

    fazia calor abri a janela malsinada e com o intendente nos

    debruamos no balco. Batem as onze horas, ouve-se o tiro e

    ambos fomos atirados ao meio do quarto. Sentindo que nada nos

    havia ocorrido, examinamo-nos para constatar que ambos

    havamos recebido ele na face esquerda e eu na face direita a

    mais terrvel bofetada que jamais poderia ser aplicada: e rimos

    como dois loucos.

    Dois dias depois, convidada por mademoiselle Dumesnil para uma

    festa noite em sua casa, na barrierre Blanche, tomei um fiacre

    s onze horas com minha aia. Havia um belo luar e ns fomos

    conduzidas por bulevares que comearam a ser guarnecidos de

    casas. Perguntou-me a aia: No foi aqui que morreu o sr. De S...?

    Segundo as informaes que me deram, respondi-lhe eu, deve

    ter sido aqui e apontei uma das duas casas em nossa frente. De

    uma delas partiu o mesmo tiro de fuzil que me perseguia:

    atravessou nossa carruagem; o cocheiro disparou a viatura, crente

    de que era assaltado por ladres. Chegamos ao destino tendo

    apenas nos refeito e de minha parte devo confessar que durante

    muito tempo conservei uma impresso de terror. Mas esta faanha

    foi a ltima com arma de fogo.

    exploso sucedeu um bater de palmas, com certa medida e

    repetio. Este rudo ao qual a bondade do pblico me havia

    acostumado, passou-me despercebido durante algum tempo; mas

    os meus amigos o notaram. Disseram-me: Ns temos espreitado;

    s onze horas, quase a vossa porta, que a coisa se d; ouvimos

    mas no vemos ningum; no pode deixar de ser a continuao

    daquilo que a Sra. Tem experimentado. Como o rudo nada tinha

    de terrvel, no lhe guardei a data da durao.

    Tambm no prestei ateno aos sons melodiosos que depois se

    ouviram: parecia uma voz celeste dando o mote de uma ria nobre

    e tocante, prestes a ser cantada. Esta voz comeava no quarteiro

    de Bussy e acabava em minha porta; e como acontecera antes com

  • 21

    todos os outros sons, ouvia-se mas nada se via. Por fim tudo

    cessou durante pouco mais de dois anos e meio.

    Algum tempo depois mademoiselle Clairon teve, por intermdio da

    senhora idosa que havia ficado como nica amiga dedicada do sr.

    De S. . ., o seguinte relato de seus ltimos instantes:

    Ele contava os minutos quando, s dez e meia, o lacaio lhe veio

    dizer que, decididamente, a senhora no viria. Depois de um

    momento de silncio tomou-me a mo num impulso desesperado,

    que me apavorou, e disse: Que brbara!. .. nada ganhar com isto:

    eu a perseguirei tanto depois de morto quanto a persegui em vidai. .

    . Procurei acalm-lo; mas estava morto.

    Na edio que temos vista esta histria precedida da seguinte

    nota, sem assinatura:

    Eis uma anedota singularssima, que provocou e provocar sem

    dvida as mais diversas opinies. A gente ama o maravilhoso,

    mesmo quando no acredita nele: mademoiselle Clairon parece

    convencida da realidade dos fatos que descreve. Contentar-nos-

    emos em fazer notar que ao tempo em que ela foi ou se sups

    atormentada por seu fantasma, contava de vinte e dois a vinte e

    cinco anos. Que a idade da imaginao e que esta faculdade nela

    era continuamente exercitada e exaltada pelo gnero de vida que

    levava, no teatro e fora dele. preciso ainda lembrar que ela disse,

    no comeo de suas Memrias, que na infncia foi apenas entretida

    com aventuras de aparies e de feiticeiros e que lhe contavam tais

    histrias como verdicas.

    S conhecemos o fato atravs do relato de mademoiselle Clairon.

    Assim, s podemos julgar por induo. Ora, nosso raciocnio o

    seguinte. Descrito pela mesma mademoiselle Clairon nos seus mais

    minuciosos detalhes, o fato tem mais autenticidade do que se fora

    relatado por terceiros. Acrescente-se que quando escreveu a carta

    onde o mesmo vem descrito, ela tinha cerca de sessenta anos, e,

    pois, havia passado a idade da credulidade, da qual fala o autor da

    nota. Este autor no pe em dvida a boa f de mademoiselle

    Clairon quanto a sua aventura: apenas admite tenha ela sido vtima

  • 22

    de uma iluso. Que a tivesse sido uma vez, nada tem de

    extraordinrio; mas que o tivesse sido durante dois anos e meio j

    se nos afigura mais difcil; mais difcil ainda supor que tal iluso

    tenha sido partilhada por tantas pessoas, testemunhas auriculares e

    oculares dos fatos, inclusive a prpria polcia. Para ns, que

    conhecemos o que se pode passar nas manifestaes espritas, a

    aventura nada contm de surpreendente e a tomamos como

    provvel. Nesta hiptese no vacilamos em admitir que o autor de

    todos esses malefcios no seja outro seno a alma ou Esprito do

    sr. S. .., principalmente se atentarmos para a coincidncia de suas

    ltimas palavras com a durao dos fenmenos. Havia ele dito: Eu

    a perseguirei tanto depois de morto quanto a persegui em vida.

    Ora, suas relaes com mademoiselle Clairon haviam durado dois

    anos e meio, ou seja tanto tempo quanto as manifestaes.

    Ainda algumas palavras sobre a natureza desse Esprito. No era

    mau; com razo que mademoiselle Clairon o classifica de um

    pobre coitado; mas tambm no se pode dizer que fosse bom. A

    paixo violenta sob a qual sucumbiu como homem, prova que nele

    predominavam as idias terrenas. Os traos profundos dessa

    paixo, que sobreviveu destruio do corpo, provam que, como

    Esprito, ainda se achava sob a influncia da matria. Sua vingana

    por mais inofensiva que fosse, denota sentimentos pouco elevados.

    Se, pois, nos reportar-mos ao nosso quadro da classificao dos

    Espritos, no ser difcil determinar-lhe a classe; a ausncia de

    maldade real o afasta naturalmente da ltima ciasse a doe

    Espritos impuros, mas evidentemente tinha muito das outras

    classes da mesma ordem; nada nele poderia justificar uma posio

    superior.

    Digna de nota a sucesso das vrias maneiras pelas quais

    manifestava sua presena. No mesmo dia e no momento exato de

    sua morte, fez-se ouvir pela primeira vez e em meio a uma ceia

    despreocupada. Quando vivo, via mademoiselle Clairon por

    pensamento, cercada por essa aurola com que a imaginao

    envolve o objeto de uma paixo ardente; desde, porm, que a alma

    se desembaraa de seu vu material, a iluso cede realidade. E l

    est ele, ao seu lado, vendo-a cercada de amigos, tudo lhe

  • 23

    excitando os cimes; seu canto e sua alegria parecem um insulto ao

    seu desespero e este se traduz por um grito de raiva, que ele repete

    diariamente, mesma hora, como se para a censurar por se haver

    recusado a ir consolar seus ltimos instantes. Aos gritos se

    sucedem os tiros de fuzil, inofensivos, certo, mas que nem por

    isso denotam menos uma raiva impotente e o propsito de lhe

    perturbar o repouso. Mais tarde seu desespero toma um carter

    mais sereno; evoluindo para idias mais sadias, parece haver

    tomado uma resoluo: resta-lhe a lembrana dos aplausos de que

    ela foi objeto, e ele os repete. Mais tarde, enfim, diz-lhe adeus,

    fazendo-a ouvir sons que dir-se-ia o eco dessa voz melodiosa que

    em vida tanto o encantara.

    (1) O ttulo original Le revenant de Mademoiselle Clairon, que

    alteramos por uma questo de clareza. Mademoiselle Clairon

    nasceu em 1723 e faleceu em 1803. Estreou numa

    companhia italiana aos 13 anos e na Comdie Franaise em

    1743. Retirou-se do teatro em 1765, aos 42 anos de idade.

    O esprito batedor de Bergzabern

    J tnhamos ouvido falar de certos fenmenos espritas que em

    1852 haviam feito enorme celeuma na Baviera renana, nas

    cercanias de Spire; sabamos at que havia sido publicada uma

    brochura em alemo, com um relato autntico. Depois de longas e

    infrutferas buscas, uma senhora nossa assinante da Alscia,

    demonstrando grande interesse e perseverana, pelo que lhe

    somos imensamente agradecidos, conseguiu um exemplar daquela

    brochura e no-la ofereceu.

    Damos aqui a sua traduo in extenso, esperando seja lida com

    tanto maior interesse quanto mais uma vez vem provar que fatos

    desse gnero so de todos os tempos e pases de vez que os de

    que se trata ocorrem numa poca em que apenas se comeava a

    falar em Espritos.

    PROMlO

  • 24

    H vrios meses um acontecimento singular constitui o assunto de

    todas as conversas em nossa cidade e suas imediaes. Referimo-

    nos ao Batedor, como chamado na casa do alfaiate Pierre

    Snger.

    At aqui abstivemo-nos de qualquer relato em nossa folha o

    Jornal de Bergzabern das manifestaes que desde 1. de

    janeiro de 1852 se produzem naquela casa. Como, porm, excitam

    a ateno geral a tal ponto que as autoridades se sentiram no dever

    de pedir ao Dr. Bentner uma explicao para o caso e o Dr.

    Dupping, de Spire, chegou a ir ao local para observar os fatos, no

    nos podemos por mais tempo furtar ao dever de dar-lhes

    publicidade.

    Sentir-nos-amos muito embaraados se os leitores esperassem de

    ns um pronunciamento sobre a questo: deixamos essa tarefa

    queles que, pela natureza de seus estudos e por sua posio,

    esto mais aptos para a julgar, o que faro sem maiores

    dificuldades, se conseguirem descobrir a causa daqueles efeitos.

    Quanto a ns, limitamo-nos ao simples relato dos fatos,

    principalmente daqueles que testemunhamos ou que ouvimos de

    pessoas dignas de f: o leitor que forme a sua opinio.

    Redator do Jornal de Bergzabern F. A. BLANCK

    Maio de 1852.

    A 1 de janeiro, deste ano, em Bergzabern, na casa de sua

    residncia e no quarto vizinho sala de estar, onde habitualmente

    se reunia a famlia de Snger, ouviu-se um como martelar, que

    comeava por golpes surdos e como se viessem de longe, e que se

    tornavam progressivamente mais fortes e marcados. Esses golpes

    pareciam desferidos na parede, junto qual se achava o leito onde

    dormia sua filha de doze anos de idade. Habitualmente o rudo era

    ouvido entre nove e meia e dez e meia. A princpio, o casal no

    ligou importncia; como, porm, essa singularidade se repetisse

    todas as noites, pensaram que viesse da casa vizinha, onde talvez

    um doente se distrasse tamborilando na parede. Logo, entretanto,

  • 25

    se convenceram de que no havia tal doente, nem ele poderia ser a

    causa do rudo. Foi revolvido o cho do quarto, a parede foi

    derrubada, mas tudo sem resultado. A cama foi mudada para o lado

    oposto do quarto: ento coisa admirvel o rudo mudou de

    lugar e era percebido assim que a mocinha adormecia.

    Era claro que de algum modo a moa participava da manifestao

    daquele rudo e, depois das inteis pesquisas da polcia, comeou-

    se a pensar que o fato deveria ser atribudo a uma doena da

    menina ou a uma particularidade de sua conformao. Entretanto

    at agora nada veio confirmar tal suposio. ainda um enigma

    para os mdicos.

    Com a espera a coisa se desenvolveu: o rudo prolongou-se por

    mais de uma hora e os golpes eram vibrados com mais fora. A

    menina mudou de cama e de quarto, mas o batedor se manifestou

    neste outro quarto, debaixo da cama, na cama e na parede. Os

    golpes no eram idnticos: ora mais fortes, ora mais fracos e

    isolados, ora, enfim, sucedendo-se rapidamente e seguindo o ritmo

    das marchas militares e das danas.

    A menina j ocupava por alguns dias o dito quarto quando comeou

    a dizer palavras breves e incoerentes. Essas palavras se tornaram

    mais distintas e inteligveis; parecia que a menina conversava com

    outra pessoa sobre a qual tinha autoridade. Entre os fatos que se

    produziam a cada dia, o autor destas linhas lembra um do qual foi

    testemunha.

    A menina achava-se na cama, deitada sobre o lado esquerdo.

    Apenas adormeceu, os golpes comearam e assim principiou ela a

    falar: Voc! Voc! Bata uma marcha! E o batedor marcou uma que

    parecia muito com uma marcha bvara. ordem de Halte!, dada

    pela menina, o batedor parou. Ento a menina ordenou: Bata trs,

    seis, nove vezes. O batedor executou a ordem. A uma nova ordem

    de bater 19 golpes, ouviram-se 20 batidas, ao que retorquiu a

    menina adormecida: No est certo; foram 20 batidas. Logo foi

    possvel contar 19 golpes. A seguir a menina pediu 30 pancadas e

    as 30 foram ouvidas. ordem de 100 pancadas foi possvel contar

  • 26

    at 40, to rpidos eram os golpes. Soado o ltimo a menina disse:

    Muito bem; agora 110. Ento foi possvel contar at cerca de 50.

    Ao ltimo golpe disse a adormecida: No est certo; deu apenas

    106; e logo se fizeram ouvir as 4 pancadas que completavam

    aquele nmero. Depois a menina pediu: Mil. Foram batidas

    apenas 15. Ora, vamos! O batedor marcou ainda 5 golpes e

    parou.

    Ento os assistentes tiveram a ideia de dar ordens diretamente ao

    batedor, o qual executou as recebidas. Parava quando recebia a

    ordem de Halte! Silncio! Paz! Depois, por si mesmo e sem

    comando, recomeava a bater. Um dos assistentes avisou, em voz

    baixa, de um canto do quarto, que queria comandar apenas por

    pensamento, para que fossem dadas 6 batidas. Ento o

    experimentador postou-se junto ao leito e no disse uma s palavra:

    foram ouvidas as 6 pancadas. Ainda por pensamento foram pedidas

    4 e os 4 golpes foram ouvidos. A mesma experincia foi tentada por

    outras pessoas, mas nem sempre deu bom resultado.

    Em breve a menina espreguiou-se, afastou as cobertas e levantou-

    se. Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu

    que tinha visto um homem grande e mal encarado, junto a seu leito

    e que lhe apertava os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos

    joelhos quando o homem batia. A jovem adormeceu novamente e

    as manifestaes prosseguiram at que o relgio do quarto bateu

    11 horas. De repente o batedor parou, a menina entrou em sono

    tranquilo, reconhecido pela regularidade da respirao e naquela

    noite nada mais foi ouvido.

    Observamos que o batedor obedecia ordem de marcar marchas

    militares. Vrias pessoas afirmam que quando se lhe pedia uma

    marcha russa, austraca ou francesa, ela era marcada com muita

    exatido.

    A 25 de fevereiro, estando adormecida, a menina disse: Agora

    voc no quer mais bater; quer arranhar. Est bem! Quero ver

    como voc o far. Com efeito no dia seguinte, 26, em vez dos

    golpes ouvia-se um arranhar que parecia vir da cama e que se

  • 27

    manifestou at hoje. As batidas se misturaram raspagem, ora

    alternadas, ora simultaneamente, de tal modo que nas reas de

    marcha ou de dana a raspagem marcava os tempos fortes e a

    batida os tempos fracos. Conforme os pedidos, a hora do dia ou a

    idade das pessoas eram indicadas por golpes secos ou pela

    raspagem. Em relao idade das pessoas, s vezes h vi-a erros,

    logo corrigidos na segunda ou terceira tentativa, desde que se

    dissesse que o nmero tinha sido marcado errado. Algumas vezes

    em lugar de dar a idade pedida, o batedor executava uma marcha.

    Dia a dia a linguagem da menina, durante o sono, tornava-se mais

    perfeita. Aquilo que a princpio no passava de simples palavras ou

    de ordens rpidas ao batedor, transformou-se, com o tempo, numa

    conversa, encadeada com os pais. Assim, um dia se entreteve com

    a irm mais velha sobre assuntos religiosos, num tom de exortao

    e de ensino, dizendo-lhe que devia ir missa, fazer as preces todos

    os dias e mostrar submisso e obedincia aos pais. noite retomou

    o mesmo assunto. Em seus ensinamentos nada havia de teologia,

    mas apenas algumas daquelas noes que se aprendem na escola.

    Antes dessas palestras ouviam-se durante uma hera, pelo menos,

    pancadas e arranhes, no s durante o sono da jovenzinha, mas

    at em estado de viglia. Vimo-la comer e beber enquanto as

    batidas e raspagens eram ouvidas, do mesmo modo que, estando

    acordada, tnhamos ouvido a transmisso de ordens ao. Batedor, as

    quais foram todas executadas.

    Na noite de sbado, 6 de maro, vrias pessoas se reuniram em

    casa dos Snger, pois estando desperta a menina, havia predito

    durante o dia a seus pais que o batedor apareceria s nove horas

    da noite. Ao bater esta hora, quatro golpes to violentos foram

    desferidos na parede que os assistentes se assustaram. Logo e

    pela primeira vez, as batidas foram dadas na madeira da cama e

    exteriormente; o leito foi abalado completamente. Esses golpes se

    manifestaram de todos os lados da cama, ora num, ora noutro

    lugar. Pancadas e arranhes alternavam na cama. A uma ordem da

    menina e das pessoas presentes ora os golpes se ouviam no

    interior da cama ora externamente. De repente o leito levantou-se

  • 28

    em sentidos diferentes, enquanto os golpes eram desferidos com

    fora. Mais de cinco pessoas em vo tentaram repor o leito

    levantado; e quando desistiram da tentativa ele ainda se balanou

    por alguns instantes, depois do que tomou a sua posio natural.

    Este fato j havia ocorrido uma vez, antes desta manifestao

    pblica.

    Todas as noites a menina fazia uma espcie de discurso, de que

    falaremos de modo sucinto.

    Antes de mais nada preciso notar que a menina, assim que

    baixava a cabea, estava adormecida e comeavam os golpes e as

    arranhaduras. Com as batidas ela gemia, agitava as pernas e

    parecia sentir-se mal. J o mesmo no acontecia com as

    raspagens. Chegado o momento de falar, a menina deitava-se em

    decbito dorsal, o rosto tornava-se plido, assim como as mos e

    os braos. Acenava com a mo direita e dizia: Vamos! Venha para

    perto de minha cama e junte as mos. Vou lhe faiar do Salvador do

    mundo. Ento cessavam batidas e arranhaduras e todos os

    assistentes ouviam com respeitosa ateno o discurso da

    adormecida.

    Falava com vagar e de modo muito inteligvel em puro alemo, o

    que surpreendia tanto mais quanto se sabia que a menina era

    menos adiantada que seus colegas de colgio, o que certamente

    era devido a uma doena dos olhos, que lhe dificultava o estudo.

    Suas palavras decorriam sobre a vida e as aes de Jesus desde

    os doze anos, sua presena no templo entre os escribas, seus

    benefcios Humanidade e os seus milagres. Depois entretinha-se

    em descrever os seus sofrimentos e censurava duramente os

    judeus por terem crucificado a Jesus, apesar de sua imensa

    bondade e de suas bnos. Terminando, a menina dirigia a Deus

    uma fervorosa prece, pedindo que lhe concedesse a graa de

    suportar com resignao os sofrimentos que lhe tinha enviado, pois

    que a havia escolhido para entrar em comunicao com o Esprito.

    Pedia a Deus para no morrer ainda, pois era criana e no queria

    descer no negro tmulo. Terminadas as suas prdicas, recitava com

    uma voz solene o Pater noster, depois do que dizia: Agora voc

  • 29

    pode vir. Imediatamente recomeavam as batidas e arranhaduras.

    Ainda falou duas vezes ao Esprito e, a cada uma delas, parava o

    batedor. Dizia ainda algumas palavras e acrescentava: Agora voc

    pode ir, em nome de Deus. E despertava.

    Durante essas palestras os olhos da menina ficavam bem fechados;

    mas os lbios se mexiam. As pessoas mais prximas do leito

    podiam observar-lhe os movimentos. A voz era pura e harmoniosa.

    Despertando, perguntavam-lhe o que tinha visto e o que se havia

    passado. Ela respondia: O homem que vem me ver. Onde est

    ele? Perto de minha cama, com as outras pessoas? Viu as

    outras pessoas? Vi todos os que estavam perto da cama.

    fcil compreender que tais manifestaes encontrassem muitos

    incrdulos; chegou-se mesmo a pensar que toda essa histria era

    pura mistificao. Mas o pai era incapaz de palhaadas, sobretudo

    de uma palhaada que exigia toda a habilidade de um

    prestidigitador profissional. Ele goza da reputao de um homem

    decente e honesto.

    Para responder e fazer cessar a suspeita, a menina foi levada para

    uma casa estranha. Apenas l chegando, ouviram-se as batidas e

    arranhaduras. Alm disso, alguns dias antes ela tinha ido com a

    me a uma pequena aldeia chamada Capeie, a cerca de meia lgua

    de distncia, casa da viva Klein. Sentiu-se fatigada; deitaram-na

    num canap e imediatamente o mesmo fenmeno se produziu.

    Vrias testemunhas o podem afirmar. Posto tivesse um aspecto

    saudvel a menina devia ser afetada por uma doena que, se no

    ficasse provada peias manifestaes acima relatadas, ao menos

    pelos movimentos involuntrios dos msculos e dos sobressaltos

    nervosos.

    Para terminar, faremos notar que h algumas semanas a menina foi

    levada ao Dr. Bectner, com quem ficou, a fim de que esse sbio

    pudesse estudar mais de perto os fenmenos em apreo. Desde

    ento cessou todo o barulho em casa da famlia Snger, passando

    a se produzir na do Dr. Bectner.

  • 30

    So estes, com toda a sua autenticidade, os fatos passados.

    Entregamo-los ao pblico sem emitir opinio. Possam os homens

    da arte dar-lhes em breve uma explicao satisfatria.

    BLANCK

    Consideraes sobre o Esprito batedor de Bergzabern

    A explicao solicitada pelo narrador que acabamos de citar, fcil

    de ser dada: h uma nica, e s a doutrina esprita pode fornec-la.

    Esses fenmenos nada tm de extraordinrio para as pessoas

    familiarizadas com aqueles a que nos habituaram os Espritos.

    Sabe-se o papel que certas criaturas emprestam imaginao.

    Sem dvida se a menina apenas tivesse tido vises, os partidrios

    da alucinao teriam em mos um bom jogo. Mas aqui havia efeitos

    materiais de natureza inequvoca e que tiveram um grande nmero

    de testemunhas. Era preciso admitir que todos estivessem

    alucinados a ponto de pensarem ouvir aquilo que no ouviam e

    verem se mover peas de mobilirios imveis. Ora, nisso estaria um

    fenmeno ainda mais extraordinrio.

    Aos incrdulos resta apenas um recurso: o de negar. mais fcil e

    dispensa o raciocnio.

    Examinando as coisas do ponto de vista esprita torna-se evidente

    que o Esprito que se manifestou era inferior ao da menina, pois lhe

    obedecia; subordinava-se at aos assistentes, pois estes lhe davam

    ordens. Se no soubssemos pela doutrina que os chamados

    Espritos batedores esto no incio da escala, aquilo que se passou

    ser-lhes-ia uma prova. Realmente no se conceberia que um

    Esprito elevado, assim como os nossos sbios e nossos filsofos,

    viesse se divertir em bater marchas e valsas e, numa palavra,

    representar o papel de jogral ou submeter-se aos caprichos dos

    seres humanos. Apresenta-se com as feies de criatura mal-

    encarada, circunstncia que apenas corrobora esta opinio. Em

    geral a moral se reflete no envoltrio. Est, pois, demonstrado para

    ns que o batedor de Bergzabern um Esprito inferior, da classe

  • 31

    dos Espritos levianos, manifestou-se como antes outros o fizeram e

    ainda o fazem em nossos dias.

    Mas, com que propsito veio ele? A notcia no diz que tenha sido

    chamado. Hoje que estamos mais experimentados nestas coisas,

    no deixaramos entrar um visitante to estranho sem que ele

    informasse quais os seus propsitos. Apenas podemos fazer uma

    conjectura. verdade que nada fez ele que revelasse maldade ou

    m inteno; a menina no sofreu nenhum distrbio fsico ou moral:

    s os homens poderiam ter chocado a sua moral, ferindo-lhe a

    imaginao com os contos ridculos. E uma sorte que no o

    tenham feito. Esse Esprito, por muito inferior que fosse, no era

    mau nem malvolo; era apenas um desses Espritos to numerosos

    de que, por vezes a mau grado nosso, estamos rodeados. Ele pode

    agir naquelas circunstncias por efeito de um mero capricho, como

    poderia t-lo feito por instigao de Espritos elevados, com o fito de

    despertar a ateno dos homens e os convencer da realidade de

    um poder superior, fora do mundo corpreo.

    Quanto menina, certo que era um desses mdiuns de influncia

    fsica, dotados, mau grado seu, de tal faculdade e que esto para

    os outros mdiuns assim como os sonmbulos naturais esto para

    os sonmbulos magnticos. Essa faculdade dirigida com prudncia

    por um homem experimentado nesta nova cincia, poderia ter

    produzido coisas ainda mais extraordinrias e de natureza a lanar

    nova luz sobre esses fenmenos maravilhosos, que no so

    compreendidos ainda.

    O Esprito batedor de Bergzabern II

    Extramos as passagens que se seguem de uma nova brochura

    alem, publicada em 1853 pelo sr. Blanck, redator do jornal de

    Bergzabern, sobre o Esprito batedor de que falamos em nosso

    nmero de maio. Os fenmenos extraordinrios a relatados, cuja

    autenticidade no poderia ser posta em dvida, provam que, no

    particular, nada temos a invejar America. Observe-se no relato o

    cuidado minucioso com que os fatos foram registrados. Fora

  • 32

    desejvel que em casos semelhantes houvesse sempre a mesma

    prudncia. Sabe-se hoje que os fenmenos desse gnero no

    resultam de um estado patolgico: antes denotam naqueles em que

    se manifestam uma excessiva sensibilidade, sempre fcil de ser

    superexcitada, nas pessoas em que se manifestam. O estado

    patolgico no a causa eficiente; pode entretanto, ser-lhe

    consecutivo. Em casos anlogos a mania de experimentao mais

    de uma vez tem causado acidentes graves, que teriam sido

    evitados se se houvesse deixado a natureza agir por si mesma. Em

    o Livro dos Mdiuns encontram-se os conselhos necessrios para

    tais casos.

    Acompanhamos o relatrio do sr. Blanck.

    Os leitores de nossa primeira brochura intitulada Os Espritos

    batedores viram que as manifestaes de Philippine Snger tm

    um carter enigmtico e extraordinrio. Relatamos esses fatos

    maravilhosos desde o seu comeo at o momento em que a menina

    foi levada ao mdico real do canto. Vamos examinar agora o que

    se passou desde ento.

    Quando a menina deixou a casa do Dr. Bectner e regressou ao lar,

    as batidas e arranhaduras recomearam na casa dos Snger. At

    aquele instante e mesmo depois da sua cura completa, as

    manifestaes foram mais marcadas e mudariam de natureza (*).

    Neste ms de novembro de 1852 o Esprito comeou a assoviar; a

    seguir ouvia-se um rudo comparvel ao de uma roda de carrinho

    de mo, que girasse sobre o eixo seco e enferrujado; mas de tudo

    isto o que incontestavelmente era mais extraordinrio era a

    derrubada de mveis no quarto de Philippine, desordem essa que

    durou quinze dias.

    Parece-me necessrio fazer uma ligeira descrio do lugar.

    O quarto tem cerca de 18 ps de comprimento por 8 de largura e a

    ele se chega pela sala comum. A porta de comunicao entre as

    duas peas abre-se direita. O leito da menina estava colocado

    direita; ao meio havia um armrio e no canto esquerda a mesa de

  • 33

    trabalho de Snger, na qual h duas cavidades circulares, cobertas

    por duas tampas.

    Na tarde em que comeou o rebolio a senhora Snger e sua filha

    mais velha, Francisque, estavam sentadas na primeira pea, junto a

    uma mesa e se ocupavam em descascar vagens. De repente caiu a

    seus ps um pequeno fuso, atirado do quarto de dormir. Ficaram

    muito assustadas, tanto mais quanto sabiam que se no encontrava

    no quarto ningum alm de Philippine, ento mergulhada em sono

    profundo. Alm disso o fuso fora lanado do lado esquerdo, posto

    se achasse na prateleira do pequeno armrio, colocado direita. Se

    tivesse sido atirado do leito, teria sido interceptado pela porta. Era,

    pois, evidente que a menina nada tinha com o caso. Enquanto a

    famlia Snger externava a sua surpresa com o acontecimento, algo

    caiu da mesa no soalho: era um retalho de pano que antes estava

    mergulhado numa bacia com gua. Ao lado do fuso jazia tambm

    uma cabea de cachimbo, cujo canudo tinha ficado sobre a mesa.

    O que tornava a coisa ainda mais incompreensvel era que a porta

    do armrio onde estava o fuso, antes de ser atirado, achava-se

    fechada, que a gua da bacia no tinha sido agitada e nem uma s

    gota tinha cado sobre a mesa. De repente a menina, sempre

    adormecida, grita da cama: Pai! Saia! Ele atira! Saiam ele vos

    atirar tambm! Obedeceram ordem e assim que passaram

    primeira pea a cabea do cachimbo foi atirada com muita fora,

    mas no se quebrou. Uma rgua que Philippine usava na escola

    seguiu o mesmo caminho. O pai, a me e a filha mais velha

    olhavam-se com espanto e, como procurassem o partido a tomar,

    um grande cepilho de Snger e um grande pedao de madeira

    foram atirados da bancada numa outra pea. Sobre a mesa de

    trabalho as tampas estavam em seus lugares; entretanto, os objetos

    cobertos por elas tambm tinham sido em parte atirados ao longe.

    Nessa mesma noite os travesseiros foram lanados sobre um

    armrio e a colcha atirada sobre a porta.

    Num outro dia tinham posto aos ps da menina, debaixo das

    cobertas, um ferro de engomar de cerca de seis libras. Logo foi

    atirado na outra sala; o cabo havia sido tirado e foi encontrado

    sobre uma poltrona, no quarto de dormir.

  • 34

    Testemunhamos que as cadeiras colocadas a trs ps da cama

    foram derrubadas, as janelas foram abertas, quando antes estavam

    bem fechadas e isto assim que viramos as costas para entrar na

    sala. De outra feita duas cadeiras foram levadas para cima da

    cama, sem desarranjar as cobertas. A 7 de outubro tinha sido

    fechada a janela, diante da qual fora estendido um lenol. Assim

    que deixamos o quarto, foram dados golpes repetidos e com tanta

    violncia que tudo ficou desarranjado e as pessoas que passavam

    na rua fugiam espavoridas. Correram para o quarto: a janela estava

    aberta, o pano atirado sobre o pequeno armrio ao lado, as

    cobertas da cama e o travesseiro no cho, as cadeiras de pernas

    para o ar e a menina no leito, abrigada apenas pela camisa.

    Durante catorze dias a senhora Snger no fez outra coisa seno

    refazer a cama.

    Uma vez havia ficado uma harmnica sobre uma cadeira. Ouviram-

    se sons. Entrando precipitadamente no quarto, encontraram, como

    sempre, a menina tranquila em seu leito; o instrumento estava

    sobre a cadeira mas j no tocava. Uma noite, ao sair do quarto da

    filha, Snger recebeu nas costas, de arremesso, a almofada de uma

    cadeira. De outras vezes eram um par de chinelos velhos, sapatos

    que estavam debaixo da cama, ou tamancos que lhe iam ao

    encontro. Muitas vezes sopravam a vela acesa, sobre a mesa de

    trabalho. As pancadas e arranhaduras alternavam com essa

    demonstrao do mobilirio. A cama parecia movimentada por mo

    invisvel. ordem de: Balance a cama ou Nine a criana, a cama

    ia e vinha, num e noutro sentido, com rudo; ordem de Alto! ela

    parava. Ns, que vimos, podemos afirmar que quatro homens se

    sentaram na cama e nela foram suspensos, mas no conseguiram

    paralisar o movimento: eram levantados com o mvel. Ao fim de

    catorze dias cessou o rebolio dos mveis e as manifestaes

    foram substitudas por outras.

    Na noite de 26 de outubro achavam-se no quarto, entre outras

    pessoas, os srs. Luiz Sonee, bacharel em direito, o capito Simon,

    ambos de Wissenburg, bem como o sr. Sievert, de Bergzabern.

    Nesse momento Philippine Snger encontrava-se mergulhada em

    sono magntico. O sr. Sievert apresentou-lhe um papel contendo

  • 35

    cabelos, para ver o que faria com eles. Ela abriu o embrulho,

    entretanto sem descobrir os cabelos, aplicou-os sobre as plpebras

    fechadas, afastou-os como que para os examinar a distncia e

    disse: Eu bem queria saber o que est neste embrulho. . . So

    cabelos de uma senhora que no conheo. . . Se ela quiser vir, que

    venha. . . No a posso convidar, pois no a conheo. No

    respondeu s perguntas dirigidas pelo sr. Sievert; mas, tendo

    colocado o papel no cncavo da mo, o estendia e revirava, mas o

    papel ficava suspenso. Depois o colocou na ponta do indicador e,

    durante muito tempo, fez a mo descrever um semicrculo, dizendo:

    No caia. E o papel ficava na ponta do dedo. Depois ordem de

    Agora caia! ele se destacou,, sem que ela tivesse feito o menor

    movimento para lhe determinar a queda. Sbito, voltando-se para a

    parede disse: Agora quero pregar-te parede. E a esta aplicou o

    papel, que se lhe fixou durante 5 a 6 minutos, depois do que o

    retirou. Um exame minucioso do papel e da parede no permitiu

    descobrir nenhuma causa da aderncia. Parece-nos um dever

    advertir que o quarto estava perfeitamente iluminado, o que permitia

    que nos dssemos conta de todas essas particularidades com

    exatido.

    Na noite seguinte deram-lhe outros objetos: chaves, moedas,

    cigarreiras, relgios, anis de ouro e de prata. E todos, sem

    exceo, ficavam suspensos sua mo. Notou-se que a prata

    aderia mais facilmente que as outras substncias, pois houve

    dificuldade em retirar-lhe as moedas e tal operao causou-lhe dor.

    Um dos mais curiosos fatos nesse gnero foi o seguinte: sbado, 11

    de novembro, um oficial presente deu-lhe sua espada com o

    talabarde, tudo pesando 4 libras; constatou-se que tudo ficou

    suspenso ao dedo da mdium, balanando-se durante muito tempo.

    O que no menos singular que todos esses objetos, fosse qual

    fosse a matria, tambm ficavam suspensos. Tai propriedade

    magntica comunicava-se, por simples contato das mos, s

    pessoas susceptveis da transmisso do fluido. Disto tivemos vrios

    exemplos.

    Um cavalheiro, o capito Zentner, ento servindo na guarnio de

    Bergzabern, testemunhou esses fenmenos e teve a ideia de

  • 36

    colocar uma bssola perto da menina, para observar as variaes.

    Na primeira tentativa a agulha fez um desvio de 15., mas nas

    outras ficou imvel, posto a menina sustivesse a caixa numa das

    mos, acariciando-a com a outra. Esta experincia provou que tais

    fenmenos no se poderiam explicar pela ao do fluido mineral,

    mesmo porque a atrao magntica no se exerce indiferentemente

    sobre todos os corpos.

    Habitualmente, quando a pequena sonmbula se dispunha a

    comear a sesso, chamava para o quarto todas as pessoas

    presentes. Dizia apenas: Venham! Venham! ou ento Dem,

    deem! Muitas vezes s se tranquilizava quando todos, sem

    exceo, estavam junto ao seu leito. Ento pedia com solicitude e

    impacincia um objeto qualquer e, assim que lho entregavam, este

    se ligava aos seus dedos. Frequentes vezes acontecia que dez,

    doze e mais pessoas estavam presentes e cada uma lhe

    apresentava vrios objetos. Durante a sesso no admitia que lhe

    tomassem nenhum deles. Parecia preferir os relgios: abria-os com

    muita habilidade, examinava o movimento, fechava-os e os

    colocava prximo, para examinar outra coisa. Por fim devolvia a

    cada um o que lhe havia sido entregue; examinava os objetos com

    os olhos fechados e jamais lhe confundia o dono. Se algum

    estendesse a mo para receber o que lhe no pertencia, ela o

    repelia. Como explicar essa distribuio mltipla e sem erros a to

    grande nmero de pessoas? Em vo tentar-se-ia fazer o mesmo

    com os olhos abertos. Terminada a sesso e retiradas as pessoas,

    recomeavam as pancadas e arranhaduras, momentaneamente

    interrompidas.

    Acrescente-se que a menina no queria que ningum ficasse aos

    ps da cama, junto ao armrio, onde o espao entre os mveis era

    apenas de cerca de um p. Se algum a se metesse, afastava-o

    por meio de gestos. E se teimassem ela demonstrava uma grande

    inquietao e com gestos imperiosos mandava que sasse do lugar.

    Uma vez advertiu os assistentes a que jamais ocupassem aquele

    lugar proibido, porque, dizia, no queria que sobreviesse uma

    desgraa a algum. Este aviso foi to positivo que ningum o

    esqueceu da por diante.

  • 37

    Depois de algum tempo s batidas e arranhaduras juntou-se um

    zumbido comparvel ao som produzido por uma corda grossa de

    contrabaixo; uma espcie de assovio se misturava a esse zumbido.

    Se algum pedisse uma marcha ou uma dana, logo era atendido o

    seu desejo: o msico invisvel mostrava-se muito complacente. Por

    meio das arranhaduras chamava nominalmente as pessoas da casa

    ou os estranhos presentes. Todos compreendiam facilmente a

    quem era dirigido o apelo. A esse chamado, a pessoa designada

    respondia sim, para dar a entender que sabia tratar-se de si

    mesma. Ento era executada em sua homenagem um trecho de

    msica, que por vezes ocasionava cenas cmicas. Se outro que

    no a pessoa indicada respondesse sim, o raspador fazia

    compreender por um no, expresso a seu modo, que nada lhe

    tinha a dizer naquele momento.

    Estes fatos se produziam pela primeira vez na noite de 10 de

    novembro, e continuaram at o presente.

    Eis como procedia o esprito batedor para designar as pessoas.

    Havia muitas noites que se tinha notado, ao fazer um pedido para

    que fizesse tal ou qual coisa, que ele respondia por uma

    arranhadura prolongada. Assim que o golpe era dado o batedor

    comeava a executar aquilo que se desejava; ao contrrio, quando

    arranhava, no era satisfeito o pedido. Ento um mdico teve a

    ideia de tomar o primeiro rudo por um sim e o segundo por um

    no; desde ento tal interpretao foi sempre confirmada. Notou-

    se tambm que por uma srie de arranhes mais ou menos fortes o

    Esprito exigia certas coisas das pessoas presentes. fora de

    ateno e observando a maneira por que se produzia o rudo, pode

    compreender-se a inteno do batedor. Assim, por exemplo, o velho

    Snger contou que certa manh, ainda pela madrugada, ouvira

    rudos modulados de certa maneira. Posto lhes no tivesse ligado

    de incio nenhum significado, notou que no cessavam enquanto se

    achasse na cama, pelo que entendeu o sentido: Levanta-se!

    Assim, pouco a pouco familiarizou-se com essa linguagem e com

    certos sinais de reconhecimento de determinadas pessoas.

  • 38

    Chegou o aniversrio do dia em que o Esprito batedor se havia

    manifestado pela primeira vez: muitas mudanas se operaram no

    estado de Philippine Snger. Continuavam as pancadas, as

    arranhaduras e o zunido, mas a todas essas manifestaes juntou-

    se um grito especial, que ora parecia o de um ganso, ora o de um

    papagaio ou de qualquer outra ave grande; ao mesmo tempo ouvia-

    se uma espcie de picada na parede, semelhante ao rudo

    produzido pelas bicadas de um pssaro. Nesse perodo Philippine

    Snger falava muito durante o sono e sobretudo parecia

    preocupada com um certo animal, semelhante a um papagaio, o

    qual ficava ao p do leito, gritando e dando bicadas na parede.

    Quando desejvamos ouvir o papagaio, este soltava gritos agudos.

    Vrias perguntas foram feitas, tendo como resposta gritos do

    mesmo gnero; algumas pessoas pediram que dissesse

    Kakatos, e foi ouvida distintamente a palavra Kakatos, como

    se pronunciada pela prpria ave. Passaremos em silncio sobre

    fatos menos interessantes, limitando-nos a relatar aquilo que mais

    importante, no que diz respeito s modificaes sobrevindas ao

    estado fsico da menina.

    Algum tempo antes do Natal as manifestaes se renovaram com

    mais energia: os golpes e as arranhaduras tornaram-se mais

    violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume,

    muitas vezes Philippine pedia para no dormir em sua cama, mas

    na dos pais; rolava no seu leito, clamando: No posso mais ficar

    aqui; vou arrebentar; eles vo encerrar-me na parede; socorro! E a

    calma s se restabelecia quando a transportavam para outra cama.

    Apenas a se encontrava, ouviam-se no alto pancadas muito fortes,

    como se viessem do celeiro e como se um carpinteiro martelasse o

    vigamento. Por vezes eram mesmo to fortes que abalavam a casa,

    as janelas eram sacudidas e as pessoas presentes sentiam o solo

    tremer sob os ps; outras vezes pancadas semelhantes eram dadas

    na parede, perto da cama. As perguntas eram, como de hbito,

    respondidas pelas pancadas, sempre alternadas com as

    arranhaduras.

    Os fatos que se seguem, no menos curiosos, reproduziram-se

    inmeras vezes.

  • 39

    Quando havia cessado o rudo e a menina repousava

    tranquilamente em sua caminha, com frequncia a vamos

    prosternar-se, juntar as mos, de olhos fechados virar a cabea

    para todos os lados, como se algo extraordinrio tivesse atrado sua

    ateno. Um amvel sorriso ento se espalhava em sua face; dir-

    se-ia que se dirigisse a algum: estendia as mos e pelo gesto

    depreendia-se que apertava as mos de amigos e conhecidos.

    Tambm se via, depois de cenas que tais, recair na sua atitude

    splice, juntar novamente as mos, curvar a cabea at tocar as

    cobertas, depois endireitar-se e derramar lgrimas. Ento suspirava

    e parecia orar com grande fervor. Nestes momentos seu rosto se

    transformava: ficava plida e adquiria a expresso de uma mulher

    de 24 a 25 anos. Por vezes tal estado durava cerca de meia hora,

    durante a qual s dizia ah! Ah! Pancadas, arranhaduras, zumbidos

    e gritos cessavam at que ela despertasse. Ento o batedor

    novamente se fazia ouvir, procurando executar rias alegres, a fim

    de dissipar a penosa impresso deixada na assistncia. Ao

    despertar a menina achava-se muito abatida; apenas podia levantar

    os braos e os objetos que lhe eram apresentados no ficavam

    mais suspensos em seus dedos.

    Curiosos de saber o que experimentava, interrogaram-na vrias

    vezes. Somente depois de reiterados pedidos foi que se decidiu a

    contar que tinha visto conduzir e crucificar o Cristo no Glgota; que

    a dor das santas mulheres prosternadas ao p da cruz e a

    crucificao lhe haviam produzido uma impresso indescritvel.

    Tambm tinha visto uma poro de mulheres e de virgens vestidas

    de preto e mocinhas com longos vestidos brancos percorrendo

    como em procisso as ruas de bonita cidade e, por fim, viu-se

    transportada a uma vasta igreja onde assistiu a um servio fnebre.

    Em pouco tempo o estado de Philippine Snger mudou a ponto de

    causar apreenso quanto sua sade porque, estando desperta,

    divagava e sonhava em voz alta. No reconhecia os pais nem a

    irm, nem qualquer outra pessoa. A esse estado veio juntar-se uma

    completa surdez, que persistiu durante quinze dias.

  • 40

    No podemos silenciar sobre o que se passou nesse lapso de

    tempo.

    A surdez manifestou-se de meio dia s trs horas e ela mesma

    declarou que ficaria surda por algum tempo e que cairia doente. O

    que h de singular que por vezes recobrava a audio durante

    cerca de meia hora, com o que se mostrava contente. Ela prpria

    predizia o momento em que ensurdeceria e em que recuperaria a

    audio. Uma vez entre outras, anunciou que noite, s oito e

    meia, ouviria claramente durante uma meia hora. Com efeito,

    hora predita voltou a ouvir, o que durou at s nove horas.

    Durante a surdez os traos se lhe alteravam: o rosto tomava uma

    expresso de estupidez, que perdia assim que voltava ao estado

    normal. Outras vezes no lhe produzia impresso: ficava sentada,

    olhando os presentes fixamente e sem os reconhecer. Ningum

    podia fazer-se compreender seno por sinais, aos quais em geral

    no respondia, limitando-se a fitar os olhos na pessoa que lhe

    dirigia a palavra. Uma vez agarrou pelo brao a um dos presentes e

    lhe perguntou, enquanto o empurrava: Quem s tu? Nessa

    situao ficava por vezes mais de hora e meia imobilizada na cama.

    Seus olhos meio abertos paravam num ponto qualquer; de vez em

    quando giravam direita e esquerda, depois voltavam ao mesmo

    ponto. Toda a sensibilidade parecia ento embotada: o pulso

    apenas batia e, quando se colocava uma luz diante de seus olhos,

    no fazia nenhum movimento: dir-se-ia morta.

    Aconteceu uma tarde, durante a surdez, que estando deitada, pediu

    uma lousa e um lpis. Ento escreveu: s onze horas direi alguma

    coisa; mas exijo que fiquem tranquilos e silenciosos. Depois

    dessas palavras acrescentou cinco sinais semelhantes escrita

    ratina, mas que nenhum dos presentes pde decifrar. Foi escrito na

    lousa que ningum compreendia aqueles sinais. Em resposta ela

    acrescentou: No que no possais ler! E, mais embaixo: No

    alemo: uma lngua estranha. Em seguida, virando a ardsia,

    escreveu do outro lado: Francisque (sua irm), sentar-se-

    mesa e escrever o que eu ditar. Acompanhou as palavras por

    cinco sinais semelhantes aos primeiros e entregou a ardsia.

  • 41

    Notando que os sinais no eram ainda compreendidos, pediu

    novamente a lousa e acrescentou: So ordens particulares.

    Um pouco antes das onze horas, disse: Ficai tranquilos. Que todos

    se sentem e prestem ateno! e, ao soarem as onze, caiu no leito

    e entrou em sono magntico ordinrio. Alguns instantes depois

    comeou a falar; e isto durou, ininterruptamente, cerca de meia

    hora. Entre outras coisas declarou que durante o ano em curso

    produzir-se-iam fatos que ningum poderia compreender e que

    seriam infrutferas todas as tentativas feitas para os explicar.

    Durante a surdez da jovem Snger renovaram-se algumas vezes o

    rebolio dos mveis, o inexplicvel abrir das janelas, o apagar das

    luze sobre a mesa de trabalho. Aconteceu uma noite que dois

    bons que estavam pendurados num cabide do quarto de dormir

    foram atirados sobre a mesa do outro quarto e entornaram um copo

    de leite, espalhando-o pelo cho. As pancadas desferidas na cama

    eram to violentas que esta se deslocou de seu lugar: outras vezes,

    at, a cama se desmontava ruidosamente, sem que, entretanto, se

    tivessem ouvido as pancadas.

    Como ainda houvessem criaturas incrdulas ou que atribuam

    essas originalidades a uma brincadeira da menina que, em sua

    opinio, batia e arranhava com os ps ou com as mos, apesar de

    que os fatos tivessem sido verificados por mais de cem

    testemunhas e se tivesse constatado que a menina tinha os braos

    estendidos sobre as cobertas, enquanto se produziam os rudos, o

    capito Zentner imaginou um meio de as convencer. Mandou vir da

    caserna dois cobertores muito grossos, os quais foram postos um

    sobre o outro, e ambos envolveram o colcho e os lenis da cama;

    os cobertores eram muito felpudos de modo que era impossvel

    neles produzir o menor rudo por simples atrito. Vestindo uma

    simples camisa e uma camisola de dormir, Philippine foi posta

    debaixo das cobertas e, apenas agasalhada, os golpes e

    arranhaduras se produziram como dantes, ora na madeira da cama,

    ora no armrio vizinho, segundo a vontade que se manifestasse.

  • 42

    Acontece muitas vezes que quando algum cantarola ou assovia

    uma ria qualquer, o batedor a acompanha e os sons que se

    percebe como que vm de dois, trs ou quatro instrumentos: ouve-

    se, ao mesmo tempo, arranhar, bater, assoviar e murmurar,

    conforme o ritmo da ria cantada. Muitas vezes, tambm, o batedor

    pede a um dos assistentes que cante uma cano. Designa-o pelo

    processo j nosso conhecido e quando a pessoa compreendeu que

    a si mesma que o Esprito se dirige, por sua vez aquela lhe

    pergunta se quer que cante esta ou aquela cano. A resposta

    dada por