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A Morte E O Seu Mistrio
Camille Flammarion
Volume II OS FATOS EXPOSTOS NO PRIMEIRO VOLUME PROVAM
IRREFUTAVELMENTE A EXISTENCIA DA ALMA? Tenhamos olhos para ver,
Esprito para julgar. As exigncias do mtodo experimental so a sua
fora. Quanto mais severos formos aceitao e na interpretao dos
fatos, mais solidamente estabeleceremos a nossa demonstrao. Antes
de irmos mais longe, no deixemos nenhuma dvida atrs de ns e
verifiquemos se absolutamente certo que as quatrocentas pginas
precedentes provam existncia da alma como entidade independente do
corpo e se as faculdades supranormais de que assinalamos as
manifestaes (pressentimentos, a viso do futuro, vontade atuando sem
o auxlio da palavra e sem nenhum sinal, telepatia, vista a
distncia, ao do esprito fora dos sentidos fsicos) no poderiam, em
rigor, atribuir-se a propriedades desconhecidas do nosso organismo
vital. O Homem conhece-se inteiramente a si mesmo? Completou-se a
sua evoluo? Estas faculdades psquicas transcendentes no poderiam
pertencer ao crebro? Tudo deve estudar com livre exame, com inteira
liberdade de conscincia, sem nenhuma idia preconcebida, sem peias
de qualquer sistema. Os fatos seguintes demonstraro, saciedade, a
verdade da nossa tese pelas manifestaes observadas volta da morte e
depois da morte. Mas parece-me til responder sem demora a algumas
objees possveis. Eis em primeiro lugar, a inicial, a do valor
contestvel do testemunho humano: Temos evidenciado mais duma vez a
frouxido cientfica desses testemunhos e sabemos que o nosso dever
desconfiar deles constantemente. So incertos, variam com o tempo, e
no se harmonizam mesmo com os acontecimentos atuais em que a
unanimidade devia ser habitual. V-se mal. Cada pessoa v com seus
olhos e com seu esprito (mesmo nas observaes astronmicas, to
exatas: o que se chama a equao pessoal). Os relatos das testemunhas
dum mesmo fato variam entre si e, por outro lado, as recordaes
modificam-se fcilmente, admitindo-se perfeita boa f e sinceridade
absoluta - o que nem sempre acontece. Reconhecemos tambm que, em
nossa singular espcie humana, se encontram inconscientes e
farsistas desprovidos de todo o escrpulo, de todo o sentimento de
honra ou de simples honestidade. Temos de guardar constantemente
extrema circunspeo. Mas, dai a recusar tudo, a
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tudo negar h um abismo que os negativistas intransigentes no
parecem medir. Apesar da reconhecida incerteza dos testemunhos
histricos, parece bem difcil duvidar de que o Rei Henrique IV
tivesse sido apunhalado em Paris, a 14 de Maio de 1610, na Rua da
Ferronnerie, por um indivduo chamado Ravaillac; de que o Rei Lus
XIV houvesse revogado o dito de Nantes, empobrecendo a Frana de
cidados excelentes; de que o corpo de Napoleo repouse hoje num
sarcfago de mrmore sob a cpula dos Invlidos, e de que certos
exrcitos se hajam entrechocado nas regies de Este, de 3 de Agosto
de 1914 a 11 de Novembro de 1918. Podemos todos convir, ao que
parece, sem nos comprometermos muito, em que Lus XVI foi
guilhotinado. Certos homens no podem formar uma opinio franca.
Teriam at medo de se expor a um desaire, afia mando que o leo de
rcino seja purgativo. H limites para o cepticismo e para a
incredulidade. As argcias e os sofismas da mais sutil dialtica no
impedem que os fatos existam. Por outra parte, objeta-se, s vezes,
que as narraes extraordinrias, de que aqui se discute o valor e o
alcance, so mais depressa assinaladas pelas pessoas vulgares que
pelos sbios costumados aos rigores do mtodo experimental. Que h
nisto de surpreendente? No ser a imensa maioria da espcie humana
composta de triviais ignorantes? Poder-se- contar, entre mil
pessoas, um esprito cientfico? Existiro, em Frana, quarenta mil
desses espritos e um milho e seiscentos mil em todo o globo?
Admitamo-lo. So poucos os pensadores na nossa Humanidade atual. O
que nela mais h so comerciante!... Pois bem, no ser esta proporo
comparvel das observaes psquicas? Infelizmente, em geral, as
pessoas que pertencem s classes superiores da sociedade - sbios,
eruditos, artistas, escritores, magistrados, sacerdotes, mdicos,
etc.- mantm-se em discreta reserva, como se tivessem medo de falar.
No so completamente livres, tm interesses a salvaguardar, e
cala-se, ao passo que os outros falam. Esta pusilanimidade, esta
cobardia, absolutamente desprezvel. De que que se tem medo? Negar
os fatos, por ignorncia, desculpvel. Mas, no ter a coragem de
confessar o que se viu, que misria! H mais criminosos alm dos que
esto presos: - so os homens cultos que conhecem as verdades e no
ousam revel-las por temerem o ridculo ou por interesse pessoal.
Tenho encontrado, durante a minha carreira, mais de um destes
homens de cincia, muito inteligentes, muito instrudos, que foram
testemunhas ou tiveram conhecimento de fatos metafsicos
irrecusveis, que no duvidam da existncia inegvel desses fenmenos, e
no tm a coragem de o dizer, por um sentimento de mesquinhez
imperdovel nos espritos de real valor, ou que cochicham
misteriosamente, com medo de serem ouvidos os seus depoimentos, que
seriam de considervel peso para a vitria da verdade.
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Tais homens so indignos do nome de sbios. Muitos pertencem ao
que se chama alta sociedade e receiam desacreditar-se, mostrando-se
crdulos, embora creiam, entretanto, em dogmas muito discutveis.
Poderia escrever aqui o nome dum membro do Instituto, de verdadeiro
mrito cientfico, que seria uma testemunha competente sobre os
fenmenos metafsicos estudados nesta obra, mas que no quer e nada
ousa confessar, porque catlico praticante e porque o seu diretor
espiritual lhe declarou que se deve deixar autoridade da Igreja o
domnio dessas questes. Uma parte do clero hostil a tal gnero de
estudos e entende que a Igreja deve conservar o seu monoplio. Esta
opinio data dos tempos bblicos. A evocao dos mortos era formalmente
proibida aos hebreus, e Saul infringiu seus prprios decretos, indo
consultar a pitonisa de Endor e convocar a sombra do profeta
Samuel. Talvez se justifique esta proibio ao vulgo incompetente,
que pode fcilmente propender para as mais funestas tolices; mas
impedir, em nosso tempo, as pessoas instrudas, refletidas,
ponderadas, de estudarem tais problemas, dizer-lhes que Deus lhes
no concedeu a inteligncia para que se servissem dela e que devem
humilhar a razo perante as afirmaes duma Revelao divina contestvel,
pretender que a questo da natureza da alma e da sua sobrevivncia,
que tanto interessa, pessoalmente, a cada um de ns, est reservada
para uma casta de casustas que se arrogam o direito de julgar e de
decidir entre o verdadeiro e o falso, entre Deus e o diabo,
representa realmente estranho raciocnio e um anacronismo que o
reconduz Idade Mdia. Quantos crimes no cometeram a Inquisio nos
seus numerosos processos de bruxaria! Nas idias atuais que dominam
ainda certa classe de homens e de mulheres, h um erro formidvel,
extremamente prejudicial investigao da verdade - erro tanto mais
inexplicvel quanto certo que os fenmenos de que nos ocupamos apiam
as narrativas dos Livros Santos, entre outras, as das aparies de
Jesus, desconhecidas ou negadas pelas nove dcimas partes do gnero
humano. Esta aberrao indesculpvel relembra aos astrnomos a interdio
feita, no sculo XVIII (a 21 de Janeiro de 1759), pelo diretor do
Observatrio da Marinha, Delisle, ao seu astrnomo adjunto, Messier,
de revelar a descoberta, que acabava de fazer, da volta do cometa
de Halley. Este escndalo cientfico impedia a averiguao da realidade
da atrao newtoniana. Proibir que fossem divulgados os fatos teis ao
progresso dos conhecimentos humanos! No ser isto um autntico crime?
E, contudo, incontestvel que determinado nmero de testemunhas dos
fenmenos de que nos estamos ocupando mantm obstinado silncio acerca
das suas experincias individuais. Obedecem uns a uma palavra de
ordem, temem outros a ironia dos conhecidos, julgam ainda outros
que a sua dignidade se comprometeria, muitos por simples timidez ou
por censurvel indiferena.
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Poderemos, sem dvida, reconhecer que as personalidades que
desempenham cargos oficiais no so, geralmente, independentes ou
porque para conquistar tais situaes tenham de ser dotadas de
caracteres particularmente submissos para com seus superiores,
timoratos ao menor alarme e assaz egostas para no perderem nunca de
vista os seus menores interesses pessoais e pondo tais interesses
acima de tudo; ou porque, tendo conquistado esses cargos, procuram
no os expor a qualquer perigo, pelo mais leve rasgo nas idias
reinantes, sacrificando tudo a esses propsitos - mesmo as suas
prprias convices, algumas vezes; ou, enfim, porque a comdia humana,
celebrada por Balzac, e a hipocrisia, fustigada por Molire, imperem
mais extensamente do que as pessoas ingnuas supem. Seja como for,
essas causas dominadoras estrangulam toda a liberdade. No h regra
sem exceo. Existem personalidades oficiais independentes. Por outro
lado, admitimos perfeitamente que o silncio se impe, em certos
casos: - dolorosos e profundos lutos de famlia, mortes trgicas,
situaes criticam desgostos pessoais que nenhuma indiscrio tem o
direito de contrariar. Esses casos particulares so altamente
respeitveis. Mas no ousar afirmar, sem razo plausvel, uma observao
cientfica de alguma importncia, no se ter a coragem de dizer em que
localidade tal observao se fez, no indicar seno as iniciais da
cidade, assinar X ou Y em vez dum nome honrado, ser diminuir o
valor da observao relatada. Pedir-se-nos para que no divulguemos
nomes admissvel em certos casos; mas, que justificar as revelaes
annimas? A objeo assinalada em outro lugar de que as comunicaes de
fatos anormais extraordinrios, premonies, advertncias de morte,
aparies, etc.. , so na sua maior partes transmitidas por criaturas
sem importncia e no por homens de cincia de alto valor pessoal, no
tem fundamento. Primeiro basta muitas vezes a simples observao para
que se comprove um fato, como por exemplo, a queda dum aerlito ou
duma fasca, um tremor de terra. Alm disso, como j notamos, tanto
para as narraes de que se trata como para a mentalidade geral, a
proporo sensivelmente a mesma. Notam-se, entre os observadores,
entidades de valor: - os nomes de Emmanuel Kant, de Goethe, de
Schopenhauer, de William Crookes, de Russel Wallace, de Oliver
Lodge, de Charles Richet, de Curie, de d'Arsonval, de Rochas, de
Edisson, de Vitor Hugo, de Victorien Sardou, de Lombroso, de
William James, e de alguns outros, no representam quantidades
desdenhveis; h observadores de todas as categorias. * A objeo
derivada da incerteza dos testemunhos humanos est ao que me parece,
inteiramente eliminada pelos raciocnios precedentes. Podemos - e
devemos - admitir esses fatos como reais, suficientemente
verificados,
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irrecusveis, depois de havermos tomado em linha de conta todos
os erros possveis, de qualquer natureza que sejam no excetuando
mesmo as fraudes - mais estudadas por mim que por todos os
dissidentes. Chegamos agora discusso fundamental das hipteses
explicativas, a fim de esclarecer inteiramente a nossa. Convico nas
faculdades intrnsecas da alma e na sua existncia independente do
corpo. Estes fenmenos que se nos atulham to extraordinrios no
poderiam ter uma causa fsica? Todas essas manifestaes de foras
estranhas, das quais muitas parecem atribuveis a um esprito
distinto do nosso organismo ou muitas vezes mesmo a espritos
exteriores, no poderiam ter por origem os nossos prprios crebros? O
homem conhece-se a si mesmo? No! Ignora-se; ele nunca avaliou o
reservatrio de energias, de foras desconhecidas que possui no seu
ser. A Biologia detem-se superfcie, nas manifestaes aparentes, e os
fisiologistas confessam que no analisaram seno incompletamente
certas peas da nossa mquina humana, sobretudo no que toca ao
funcionamento dos centros nervosos. Quando recapitulamos diante dos
nossos olhos as descobertas devidas ao gnio criador: - a inveno do
telescpio, o microscpio, os aparelhos acionados pelo vapor, as
aplicaes da eletricidade, a fotografia terrestre e celeste, a
anlise espectral, a navegao area, o telgrafo eltrico, o telefone, o
fongrafo, o cinematgrafo, a telegrafia sem fios, etc.. , no podemos
deixar de admirar a potncia do esprito humano e de pensar que essas
faculdades no foram ainda inteiramente exploradas. Muito
recentemente ainda (Maio de 1920) ouvi ao detector dum posto
receptor de telegrafia sem fios, no meu observatrio de Juvisy, os
estalidos secos, sucessivos, rpidos, produzidos pelas descargas
eltricas duma tempestade longnqua. De repente, deliciosa melodia
substituiu estes sons montonos. Primeiro foi uma sonata executada
ao piano; depois, foi toda uma orquestra que encantou o meu ouvido.
Ningum tocava, na vizinhana, qualquer instrumento; era um concerto
celeste evocando as suaves harmonias da msica dos anjos bblicos...
Cujos executantes se encontravam em Londres, diante dum posto
transmissor de radiotelefonia, e os espectadores em Roma, no posto
auditor. Assim voava muito para l da Frana este concerto de
alm-Mancha destinado Cidade Eterna!... Se o nosso ouvido fosse
dotado das propriedades do aparelho receptor dum posto
radiotelefnico, perceberamos essas vozes do espao, essas msicas
etreas que vo fazer-se ouvir a centenas, a milhares de quilmetros.
Se os nossos olhos fossem constitudos como a placa fotogrfica,
veramos as irradiaes para as quais o nosso nervo ptico se conserva
insensvel. O mundo seria para ns muito diversos do que . Se
possussemos todas as faculdades supranormais, particularmente
desenvolvidas em certos seres, as
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foras desconhecidas de que nos ocupamos neste lugar pareceriam
naturais e teramos outra compreenso do Universo e da vida. Estas
observaes induzem-nos a pensar que vivemos no seio dum mundo
invisvel, no qual andamos mergulhados como cegos em pleno sol ou
como surdos a aplicarem o ouvido atrofiado s harmonias dum
Beethoven ou dum Mozart: a cegueira do cego no obsta a que o Sol
brilhe, assim como a enfermidade do surdo no modifica, seja no que
for a beleza duma sinfonia musical. Desde que verificamos todos
estes progressos da Cincia, no podemos impedir-nos de v-los
continuar de futuro. Se estiver provado, por exemplo, que um
moribundo, nos Estados Unidos ou na China, anuncia a sua morte a um
amigo que vive na Frana ou na Inglaterra, e que um morto vem
revelar-nos em que condies faleceram como havemos de recusar-nos a
pensar na evoluo gradual dos conhecimentos humanos e de
perguntarmos a ns mesmos at onde chegaro, no porvir, as conquistas
mentais do habitante da Terra? At que ponto ir o homem no seu
progresso? No se conseguiu j, no s falar a distncia, mas ainda
escrever, desenhar e telegrafar um retrato? Quando eu publiquei o
meu livro O Fim do Mundo (1898), alguns crticos ignorantes dos meus
estudos classificaram de puramente imaginrias as figuras de pginas
273, 307 e 367 que representam: - a primeira, um habitante de Paris
vendo, do seu leito, uma bayadera danando em Ceilo, num cinema
improvisado; a segunda, uma apario devida transmisso de ondas
etreas; a terceira, mega chegando perto de Eva que o havia chamado
atravs da imensido do Oceano. Este progresso foi realizado
gradualmente, como foi tambm realizada a aeronave da primeira
pgina. Tudo acontece. Ante esta potncia do esprito humano, seria
lcito sustentar que os fatos transcendentes que constituem o objeto
dos nossos estudos metafsicos podem ser devidos, em parte, a
faculdades cerebrais ainda ignoradas. Examinemos esta objeo de
perto e sem qualquer idia preconcebida. A questo estabelece-se
claramente assim: os fatos observados devem ser atribudos a
faculdades conhecidas ou desconhecidas dum aparelho cerebral to
poderoso como se imagina? Analisemos, dissequemos um dos exemplos
apresentados no primeiro volume desta obra: seja, ao acaso, o da
pgina 355: A 27 de Junho de 1894, pelas 9 horas da manh, o Dr.
Gallet, ento estudante de Medicina em Lio, trabalhava no seu
quarto, em companhia dum companheiro de estudos, o Dr. Varay, para
o primeiro exame de doutoramento, e, muito absorvido no seu
trabalho, foi distrado imperiosamente por inquietante voz interior
que lhe repetia estas palavras: O Sr. Casimiro Prier foi eleito
Presidente da Repblica por 451 votos.
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O estudante escreve a frase num papel que passa ao companheiro,
lamentando-se da obsesso. Varay l, encolhe os ombros, ante a
insistncia do amigo que acredita numa premonio real, e pede-lhe
muito speramente que o deixe estudar em paz. Depois do almoo, os
dois companheiros encontra-se com dois outros estudantes, o Sr.
Bouchet, atualmente mdico na Alta Sabia, e o Sr. Deborne, ao
presente farmacutico em Thonon, e os trs camaradas riem de
semelhante profecia, pois que os candidatos provveis presidncia
eram os Srs. Brisson e Dupuy. A eleio realizava-se em Versalhes,
nesse mesmo dia, pelas 2 horas. Ora, no momento em que os
estudantes lioneses tomavam refrescos na terrasse dum caf, passavam
os vendedores de jornais, a gritarem: O Sr. Casimiro Prier foi
eleito Presidente da Repblica por 451 votos! Os cpticos mais
renitentes no ousaro contestar este fato de premonio precisa, cinco
horas antes de o acontecimento ter ocorrido, atendendo a que foi
confirmdo por um trplice atestado de trs testemunhas. No ver nisto
mais do que fortuita coincidncia inadmissvel. Se tratasse dum
clculo, poder-se-ia afirmar que nada havia de maravilhoso em se ter
acertado, como no circulo dos gros de trigo contidos numa medida de
litro; mas trata-se, neste caso, duma voz interior espontnea. E o
algarismo? A questo que se apresenta a de saber se nos dado
atribuir esta adivinhao do futuro ao crebro, a faculdades cerebrais
fisiolgicas, ou se somos levados a procurar, seja no homem seja
fora dele, a ao dum elemento psquico diferente do organismo
material. No se resolver tal questo por si mesma? Atribuir a um
agrupamento de molculas materiais, a uma ao qumica, mecnica, dum
formigueiro qualquer de tomos, a faculdade de ver o que ainda no
existe, o que acontecer depois de muitas horas, muitos dias, muitas
semanas, muitos meses, muitos anos, pura hiptese, que no se apia em
nenhuma base cientfica. Alm disso, hiptese absurda em si mesma. A
fora de se querer fazer cincia prtica, cai-se na aberrao, deixa-se
de raciocinar lgicamente. A nica evasiva, no caso da premonio que
acabamos de relatar, seria supor uma coincidncia fortuita: 1 para o
nome inesperado; 2 para o algarismo. Em rigor, embora haja milhes
de probabilidades a apostar contra uma, isso no talvez
absolutamente impossvel. Mas, ento, teremos o fato assinalado em
seguimento do precedente: - O Sr. Vicente Sassarli anunciando, com
muitos dias de antecipao, a derrocada duma casa que os arquitetos
consideravam muito slida, e fazendo fugir os seus habitantes
precisamente no momento da catstrofe. Aqui, seguramente, o acaso no
pode ser invocado. Procurar-se- uma outra hiptese, supor-se- que o
profeta era dotado da faculdade dos animais que pressentem os
tremores de
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terra; mas, esta hiptese insustentvel; no se trata de fenmeno
csmico, mas de prdio particular. Os nossos contraditores decididos
preferem aceitar hipteses inverossmeis a admitir a simples
realidade. E a criada de Schopenhauer, vendo, em sonho, com cinco
ou seis horas de antecedncia, o tinteiro entornado e a tinta a
correr da secretria para o soalho? Atribuir esta viso premonitria
ao crebro da serva do filsofo no ser o cmulo? E a criana de
Edimburgo, folgaz encantadora, vendo-se de repente num caixo
forrado de cetim branco e rodeada de flores, fato que aconteceu
oito dias depois? E a jovem Princesa de Radziwill recusando-se
sempre, desde a infncia, a passar. Por uma porta do salo sob a qual
foi esmagada quando se celebrava a festa dos seus esponsais? E a
Srta. Noell, de Montpellier, aparecendo a seu irmo no dia seguinte
ao da sua morte e noticiando-lha? Os meus leitores leram esta
dramtica narrativa em O Desconhecido; mais adiante voltarei a
referir-me a ela. No prprio caso da Sra. Constans, negando-se
obstinadamente a tomar o medicamento que a teria vitimado - em que
poderamos imaginar uma adivinhao misteriosa do organismo - sentimos
que h tambm uma causa subliminal. E cem outras observaes do mesmo
gnero'. Os pressentimentos so, por vezes, de tal preciso que certos
psiclogos pensam que a alma humana, reduzida s suas nicas foras, no
capaz de senti-los e que se torna necessrio associar-lhe a
interveno dum esprito exterior a ela. Estes analistas levam as
conseqncias espiritualistas ainda mais longe do que eu tenho feito
at aqui. Que nisto o crebro entre em jogo, muito bem; mas ele no
mais do que o instrumento. A locomotiva no se moveria sem o
maquinista. O aparelho eltrico no o telegrafista. O telefone no a
pessoa que faz a chamada. A cmara escura no o fotgrafo. H ainda um
outro aspecto do homem, de que no falei at agora e sobre o qual
nada tenho que dizer aqui - o carter moral. Como que combinaes de
molculas qumicas poderiam produzir a bondade, a devoo, o amor do
bem, a honestidade, a probidade, a virtude, o sentimento do
sacrifcio, o esprito de justia, a paixo da verdade, e todas as
faculdades espirituais que constituem o domnio moral da Humanidade?
As faculdades da alma so to diferentes como os indivduos: mas
existe uma semelhana comum entre todas as almas' - a conscincia,
para condenar o mal e louvar o bem. Alm do lado esprito da alma, h
tambm o lado moral que constitui o prprio fundo da psique humana.
Como ver nisto uma funo da matria cerebral?
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No! O homem no apenas o organismo fsico que os fisiologistas tm
explicado at hoje. E' mais complexo. Que ser ele, na sua
totalidade? E' o que, nestes estudos, pretendo apurar. Todavia,
certas personalidades supostamente cientficas no querem larga a
presa, no aceitam sob nenhum pretexto as nossas concluses, por mais
lgicas que sejam. H nisto uma negao sistemtica, deplorvel em
espritos ponderados. Para todo observador independente, o mtodo
positivo mais estrito estabelece com segurana que os fatos
supranormais estudados nesta obra no podero mais ser negados;
devem, para o futuro, ser inscritos no domnio, aumentado e
transformado, das cincias exatas; no so atribuveis s funes
cerebrais, e provam existncia da alma como entidade distinta do
organismo corpreo. * indispensvel um mtodo cientfico severo para
estabelecer os estudos psquicos sobre base positiva e faz-los
entrar no quadro da cincia moderna, continuamente ampliada pelas
novas descobertas que, h um quarto de sculo a esta parte,
transformaram o mundo. Mas, quando os fatos, de to longa data
discutidos - e mesmo negados - so demonstrados com clareza, no se
explica persistncia do cepticismo que continua a recusar-se a
reconhec-los. Ser razovel negao sistemtica obstinada? Crer em tudo
um, erro. No crer em nada ser erro tambm. No devemos admitir seja o
que for sem provera, mas devemos reconhecer lealmente o que se
provar. Confessemos, no entanto, que h temperamentos a tal ponto
rebeldes aos estudos especiais de que nos ocupamos neste livro,
que, apesar de todas as provas imaginveis, jamais acreditam em
alguma coisa. Encontramos muitas vezes, nossa volta, homens
incapazes de serem convencidos, a despeito da evidncia das
verificaes; homens excelentes, de resto, sob outros pontos de
vista, instrudos, agradveis, filantrpicos, mas de quem os olhos do
esprito esto dispostos de forma que no vem direito sua frente. (Os
caadores afirmam que acontece o mesmo com as lebres). Esses olhos
tm um prisma diante da' retina, em vez do cristalino normal; e tal
prisma desvia em alguns graus os raios luminosos, com refraes
diversas segundo os tipos. A culpa no deles. No somente no querem
reconhecer o Sol no meridiano, mas no podem faz-lo. Opem-se a isso
vrios modos de educao: uns, por credulidade, cega em certos
ensinamentos no inteiramente demonstrados, mas que os satisfazem;
outros, por incredulidade no menos cega. Carlos DuPrel conta em
qualquer parte que um pregador de Viena pronunciou do alto do
plpito estas assombrosas palavras: - No acreditarei
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numa sugesto hipntica seno quando a tiver visto, e no a verei
nunca, porque tenho por princpio no assistir jamais a tal gnero de
experincias. Que lgica! Que magnfico raciocnio! Os olhos no servem
de nada a um crebro cego, diz um provrbio rabe. Os negativistas
impenitentes, aqueles que de tudo riem, nem sequer suspeitam do
prazer que nos causam com as suas dissertaes. Encontram-se a
humoristas distintos e finos conversadores que imaginam percorrer
estrada realmente dominada pelo seu opulento automvel, quando a
verdade que rolam sobre pneumticos que uma pedra basta para
esvaziar. Afirma-se com tanta segurana nos princpios postos neste
livro, que a minha certeza absoluta, slidamente escorada pelo exame
imparcial e pessoal feito h mais de meio sculo. Os documentos que
publico no representam mais do que mnima parte daqueles que possui;
e todos os dias recebo mais! O meu primeiro volume desta obra
poderia ser duas, quatro, dez vezes maior do que , e as pginas que
se vo ler deveriam tambm ser multiplicadas por dez, para conterem
tudo. Mas, os cegos e os surdos nem por isso perdem a sua cegueira
e a sua surdez. E' to elegante sorrir superiormente de tudo. Ter
esprito excessivo , algumas vezes, prejudicial simples compreenso
das coisas, tais como so. Oh! Certamente esta argio no duma extrema
freqncia em nossa espcie humana terrestre; mas aplicvel, de quando
em quando, a espcimes clebres da Humanidade. Todos os que leram
Voltaire foram um pouco chocados pelas suas idia absurdas sobre os
fosseis, pelo seu irreverente poema da Virgem d'Orlees e pelos seus
gracejos de mau gosto sobre as coisas mais graves. Esprito
excessivo, na verdade! O melhor, mesmo, ser prejudicial ao bem. Um
telescpio seria um mau instrumento, aplicado vista para se escrever
uma carta. Um microscpio seria igualmente mau, diante da vista,
para se apreciar uma paisagem. Este provrbio bem conhecido: h algum
com mais esprito do que Voltaire toda gente justifica-se. O simples
bom senso no se deve desdenhar sempre. O ilustre sbio Henrique
Poincar, na sua quintessncia de raciocnio metafsico, no deu a
entender, certo dia, que duvidava do movimento da Terra? Este
escndalo cientfico e literrio ainda no foi esquecido. Os escritores
reacionrios apressaram-se a tirar dedues. Eduardo Drumont, frente
deles, escrevia em La Libre Parole de 9 de Janeiro de 1904: No est
inteiramente demonstrado que a Terra se mova como pretendia
Galileu, e que ela no seja o centro do sistema planetrio. O Sr. H.
Poincar que , atualmente, o primeiro dos gemetras fsicos franceses,
no tem, a este respeito, um tom afirmativo, e diz: Assevera-se que
a Terra gira, e, por minha parte, no vejo nisso inconveniente. E'
uma hiptese agradvel e cmoda, para explicar a formao e a evoluo dos
mundos, que no pode ser confirmada nem invalidada por nenhuma prova
tangvel. O espao absoluto, isto , o sinal que seria necessrio
juntar a Terra para saber se, na realidade, ela gira, no
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tem nenhuma existncia objetiva. Dai esta afirmao: A Terra
move-se, no tem qualquer sentido, pois que nenhuma experincia
permite fazer a verificao. Estas duas proposies: - A Terra gira e
mais cmodo supor que a Terra se move tem o mesmo sentido; no h
numa, para mim, mais do que na outra. Numerosos jornais cavalgaram
o Pgaso apanhado a lao por Drumont: L Eclair, La Libert, etc., de
Paris, em muitas folhas da provncia, sem contar as Croixp de todas
as dioceses... L-se na Croix du Nord de 22 de Fevereiro: Aqueles
que afirmam o movimento da Terra nada sabem a esse respeito. Dizem
que a Terra gira, por pensarem que isso aborrece profundamente os
catlicos. Semelhante demonstrao foi um fenmeno muito curioso, no
quarto ano do nosso sculo XX! Tenho descrito muitas vezes, nos meus
livros, os 14 movimentos principais da Terra, e no este o lugar de
exp-los. Todavia, os ignorantes e os sectrios replicam: No h 14
movimentos, no h nenhum, nem rotao em 24 horas, nem revoluo em 365
dias roda do Sol, nem transporte para a constelao de Hrcules, nem
oscilao secular do plo... nada. No entanto, toda gente se pode
convencer, por exemplo, do primeiro desses movimentos, da rotao
diurna, qual devemos sucesso do dia e da noite, por um raciocnio de
tal forma simples que chega a ser infantil e que resumiremos em
algumas linhas. No se pode contestar que vemos diriamente o Sol, a
Lua, os planetas, as estrelas, levantarem-se ao Oriente,
mostrarem-se no cu, chegarem a um ponto culminante, descerem,
sumirem-se ao Ocidente e reaparecerem, no dia seguinte, no
horizonte oriental, depois de terem passado por sob a Terra. S h
duas hipteses a formular para explicar esta observao universal e
perptua: - ou o cu que gira de Este para Oeste, ou o nosso globo
que se move sobre si mesmo em sentido contrrio. No primeiro caso,
temos de Supor os corpos celestes animados de velocidades
proporcionais s suas distancias. O Sol, por exemplo, est a uma
distncia de ns igual a 23.000 vezes o meio dimetro da Terra;
deveria, portanto, percorrer em vinte e quatro horas uma
circunferncia 23.000 vezes maior que a do Equador terrestre, o que
d uma velocidade de 10.695 quilmetros por segundo. Jpiter est
aproximadamente 5 vezes mais distante; a sua velocidade deveria ser
de 53.000 quilmetros por segundo. Netuno, 30 vezes mais longe,
teria de percorrer 320.000 quilmetros por segundo. A estrela
prxima, alfa do Centauro, situada a uma distncia 275.000 vezes
superior do Sol, deveria correr, voar no espao com a velocidade de
2 milhares 941 trilhes de quilmetros por segundo.
-
12
Todas as estrelas esto incomparvelmente mais afastadas ainda...
At ao infinito. E esta rotao fantstica teria de realizar-se volta
dum ponto minsculo, em redor do tomo terrestre, mais dum milho de
vezes menor que o Sol e invisivelmente perdido na imensidade dos
mundos! Pr o problema assim resolv-lo. A menos que se no neguem as
medidas astronmicas e as operaes geomtricas mais concordantes, o
movimento de rotao diurna da Terra uma certeza. Supor que os astros
se movem roda do nosso globo, ser supor, na frase dum autor
humorstico, que para assar um faiso se teria feito andar a volta
dele uma chamin, uma cozinha, uma casa, uma regio inteira. De
resto, o pndulo de Foucault mostra este movimento, e o achatamento
polar comprova-o. Apesar desta certeza, vemos escritores
continuarem a proclamar dvidas inexplicveis. A tal ponto que o
sucessor de Poincar na Academia Francesa, em 1917, o Sr. Capus,
pronunciou as seguintes palavras no seu discurso de recepo: Eis que
- disse ele - quatro sculos depois de Coprnico, um mestre do saber
nota que no existe em parte algum rio espao um lugar de dentro do
qual se possa observar se, na realidade, a Terra se move e que, por
conseqncia, esta afirmao: a Terra gira no tem sentido algum, pois
que nenhuma experincia permitir jamais verific-la. Mas a descoberta
de Coprnico pode resumir-se nestas palavras: mais cmodo supor que a
Terra gira, porque se exprimem assim as leis da Astronomia numa
linguagem mais simples. E logo adiante... Durante muito tempo, o
Sol fez crer que era ele que subia no horizonte; depois,
sugeriu-nos que era talvez a Terra que se movia suavemente para
ele, mas, numa e noutra hiptese, no nos deu a medida nem da luz nem
do calor. Aceitemos, pois, como a prpria condio do nosso destino, a
verdade aproximativa e o pouco mais ou menos da observao. Tal
linguagem proclamada na Academia e antes mais digna duma cena de
farsa de molde a espantar-nos; teria perturbado mais dum esprito se
fosse tomada a srio. Esta rotao da Terra est arqui-demonstrada;
neg-la, seria negar toda a astronomia e toda a matemtica celeste.
Da mesma forma que a Terra se move, tambm giram os outros planetas:
Marte, em vinte e quatro horas e trinta e sete minutos; Jpiter, em
nove horas e cinqenta minutos; Saturno, em dez horas e catorze
minutos. Um observador, colocado na Lua, veria o nosso globo
realizar a sua rotao diurna, etc. Poincar no havia enunciado, a
este respeito, seno dissertao metafsica sobre a relatividade dos
movimentos; lamentou muito, pessoalmente, os comentrios recreativos
com que uma parte da imprensa condimentou a sua dissertao.
-
13
Esforcei-me por destruir esta lenda, e o ilustre astrnomo a isso
me convidou por uma carta explicativa que reproduzo seguidamente e
que foi publicada no Boletim da Sociedade Astronmica de Frana, em
Maio de 1904: Meu caro colega: Comea a irritar-me um pouco todo o
barulho que uma parte da imprensa fez volta de algumas frases
respigadas numa das minhas obras - e das opinies ridculas que me
atribui. Os artigos de que essas frases foram tiradas apareceram
numa revista de Metafsica; falava ai uma linguagem bem compreensvel
dos leitores da revista mencionada. A que mais insistentemente
repetida foi escrita durante uma polmica com o Sr. Le Roy, de que o
incidente principal derivou duma discusso na Sociedade Filosfica de
Frana. O Sr. Le Roy dissera: - O fato cientfico criado pelo sbio. E
algum lhe havia retorquido: - Queira precisar; que entende o senhor
por um fato? - Um fato - respondeu ele - , por exemplo, a rotao da
Terra. Foi ento que veio a rplica: - No! Um fato, por definio,
aquilo que pode ser averiguado por experincia direta, o resultado
bruto desta experincia. Para este critrio, a rotao da Terra no um
fato. Dizendo: estas duas frases, a Terra gira e cmodo supor que a
Terra se move, no tm seno um nico sentido, falei a linguagem da
metafsica moderna. Na mesma linguagem diz-se, correntemente: - As
duas frases, o mundo exterior existe e cmodo supor que o mirado
exterior existe, tm uma e a mesma significao. A rotao da Terra ,
pois, certa, precisamente na mesma medida que a existncia dos
objetos exteriores. Penso que h a com que tranqilizar aqueles que
pudessem assustar-se com uma linguagem desacostumada. Pelo que toca
s conseqncias que disso quiseram tirar intil mostrar quanto so
absurdas. O que eu disse no poderia justificar as perseguies
exercidas contra Galileu, primeiro porque ningum deve jamais
perseguir, mesmo por erro, e depois porque, mesmo sob o ponto de
vista metafsico, no falso que a Terra gire, de maneira que Galileu
no errou. Isto no queria dizer tambm que se pudesse afirmar
impunemente que a Terra no se move, quando certo que a crena nesta
rotao instrumento to indispensvel a todo aquele que pretender
pensar cientificamente como o o caminho de ferro para o que quiser
viajar com rapidez. Quanto s provas desta rotao, so sobejamente
conhecidas para que eu insista nelas. Se a Terra no se movesse
sobre si mesma, seria preciso admitir que as estrelas descrevam, em
vinte e quatro horas, uma circunferncia imensa que a luz levaria
sculos a percorrer. Os que consideram a metafsica fora da moda
depois de Augusto Comte. ho-de, agora, dizer-me que no pode haver
metafsica moderna. Mas, a negao de toda a metafsica ainda uma
outra
-
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metafsica e isso justamente que eu chamo metafsica moderna.
Desculpe essa tagarelice. Todo seu POINCAR. Confesso, todavia, que
esta carta me no satisfez em absoluto. Nela persiste o cepticismo
do filsofo, o que est em contradio com a certeza que nos devem
merecer as demonstraes da Astronomia atual. Poincar pensava, como
Berkeley, que no temos a certeza de nada, mesmo da existncia da
Terra, do Sol e do mundo exterior ao nosso pensamento, que a nica
coisa que existe. Sobre este ponto, tive muitas vezes longas
discusses com ele. E eis o que me levou a afirmar, anteriormente,
que se deve preferir o simples bom senso quintessncia do esprito. *
Reconhecer, simplesmente, a realidade do que a experincia demonstra
tudo quanto pedimos. Que cada um se sirva tranquilamente da sua
razo! Que no se deixe lograr por qualquer iluso ou sofisma. Que
veja o Sol ao meio-dia. Que estude tudo sinceramente, francamente,
claramente, conscienciosamente. Bem considerado isto, porque nos
havemos de preocupar com os indiferentes, os negativistas, os
incrdulos? O desejo de convencer. O apostolado da verdade. A dita
de ser til, de fazer bem, de consolar os que sofrem, de espalhar
volta de ns os raios da esperana! Mas aqueles que se encontram
contentes, quer pela certeza do tranqilo nada depois da morte, quer
pela crena nos dogmas que satisfazem a sua mentalidade, no tm
nenhuma necessidade de levar as suas buscas mais longe. Toda
convico sincera respeitvel. A liberdade de conscincia antes de
tudo, seja esta conscincia, pouco importa, a de um cristo, de um
judeu, de um muulmano, de um budista, de um taosta, de um
teosofista, de um ateu. Cada um por si. Mas, como a conduta da vida
muito diversa, segundo admitam ou no a sobrevivncia e a
responsabilidade dos nossos atos numa justia imanente, aquele que
sabe que a alma existe e que sobrevive ao corpo considera como
dever o ser til aos rasos irmos. E' justo, todavia, notar que na
discusso analtica dos fenmenos fsicos a incredulidade encontra por
vezes ponto de apoio, mais ou menos slidos. A admisso destes fatos
extraordinrios no progride, com efeito, sem suscitar dificuldades e
objees de vrios gneros, para as quais o gesto do avestruz no
suficiente. Assim, por exemplo, no que concerne vista pelo esprito,
distncia, num compartimento fechado, sob um envelope igualmente
fechado, e mesmo no futuro, tais faculdades induzem-nos a inquirir
como que os seres que delas so dotados no se tornam os dominadores
do mundo. No podendo jogar sobre todos os valores financeiros,
conhecer os segredos de Estado que correm dum extremo ao outro do
globo, selados nas malas diplomticas? No podem
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igualmente, sem exploradores nem avies, surpreender os
movimentos de tropas numa guerra e determinar com antecipao as
batalhas do Marne? No lhes possvel descobrir os abrigos disfarados
da artilharia, os submarinos destruidores, e mesmo impedir as
guerras, revelando os planos concertados pelos potentados?
Ser-lhes- impossvel dizer-nos onde encontraremos ocultos nas
entranhas do solo, o carvo, os minrios, o petrleo que nos faltam?
Eis o que me perguntou, recentemente, em carta, um leitor do
primeiro volume desta obra, acrescentando: - Tenho a grande
felicidade de ser profundamente espiritualista e de pensar
exatamente como o senhor, mas julgo como o senhor tambm, que no
devemos recuar diante de qualquer problema e que nada haver mais
interessante no mundo que a investigao da verdade. A resposta a
essas objees to lgicas que as faculdades de que falamos no se
exercem normalmente, nossa vontade, mas em certas condies
indeterminadas, e, na maior parte dos casos, espontaneamente. So
espcies de inspiraes, de situaes hipnticas. Devem comparar-se s
criaes musicais. Beethoven poderia ter escrito, por encomenda,
qualquer das suas admirveis sinfonias? Acontece o mesmo com os
poetas. Concebeis um general ordenando a Beethoven que sonhe a sua
sonata Luar, ou a Dante a sua Viso do Paraso? So jogos de imaginao,
criaes do esprito. Rouget de Lisle escreveu, referindo-se
Marselhesa: Respirava a letra com o prprio ar. Tm-se encomendado
algumas vezes poemas para as cerimnias oficiais: obtiveram-se
resultados anlogos ao do clebre poema de Rostand sobre a recepo da
Imperatriz da Rssia no palcio de Compigne, em que o tapete em que
ela pisa, exclama imprevistamente: - Oh! oh! uma imperatriz! Que
tapete indiscreto! E que espanto da sua parte! Parece-me que este
acadmico no foi mais felizmente inspirado do que o sucessor de
Henri Poincar. As faculdades supranormais no esto s nossas ordens.
Exercem-se inconscientemente. Aquele que adivinha o futuro no o
sabe. E um tempo presente que ele contempla e que no considera
real. Quando o acontecimento ocorre, ele verifica a premonio, a
vista anterior. Por outro lado, estas previses no se produzem,
mesmo entre os sujeitos mais aptos, seno raramente na sua vida e
quase sempre uma nica vez. Por mais incontestvel que seja o fenmeno
da vista sem os olhos e do conhecimento do futuro um fenmeno
supranormal. o inconsciente que atua. No conhecemos as leis desta
ao. Os magnetizadores tm por vrias vezes obtido vistas a distncia,
notvelmente precisas, por meio de sonmbulos, mas prudente no
confiarmos sempre nisto. A tal processo junta-se, em muitos casos,
a influncia de espritos exteriores, como nas manifestaes espritas.
Tenho diante de mim, neste momento, uma centena de casos
intrincados do mesmo
-
16
gnero. O mais curioso, talvez, o que foi relatado por Maxwell,
da estatueta deslocada por um esprito que dirigiu durante muitos
meses as aes do observador estupefato e confiante, e que acabou por
arruin-lo no momento da guerra de 1870, da qual no tinha previsto
as conseqncias na Bolsa, embora at esse momento as suas predies
fossem de perfeita exatido. Em resumo, devem-se empregar, nos
estudos metapsquicos, as mesmas regras racionais que se empregam em
todos os ramos da Cincia, e o bom senso moral deve eliminar, para o
futuro, a incredulidade que, durante tanto tempo, se ops admisso
dos fatos mais nitidamente estabelecidos. Se insisti bastante sobre
o argumento relativo ao movimento da Terra, a respeito duma
indeciso inaceitvel, foi porque o conhecimento da posio do nosso
planeta no Universo constitui a prpria base de toda a Cincia - e
que importa julgar os inconvenientes graves, sob o ponto de vista
filosfico, das dvidas no motivadas, funestas investigao da Verdade.
* Uma objeo bem diversa das precedentes foi-me feita a propsito do
meu primeiro volume. Certa pessoa, que me pediu lhe ocultasse o
nome, dirigiu-me, dum palacete dos arredores do Mons, longa e
interessante carta, exprimindo-me os seus pesares pelo que eu disse
acerca de Lourdes e da apario da Santa Virgem, que essa pessoa
considera como autntica. Outras cartas me foram escritas no mesmo
sentido; destacarei sobretudo a dum eminente cnego da diocese de
Marselha. Se falei das curas de Lourdes, porque provam existncia da
alma, a potncia da idia, da exaltao mental, da f. Mas erro pensar
que a Igreja Catlica tenha o monoplio delas. H muitas outras no
mesmo caso que nada tm de comum com Nossa Senhora de Lourdes, ou de
la Salette, e que no so de forma alguma Catlica. Esta obra no
escrita para os casos religiosos, nem para os fiis convencidos e
satisfeitos duma religio qualquer, mas para os homens que pensam
livremente, querendo julgar as coisas em completa independncia de
esprito. Ora, ser razovel acreditar que a Me de Jesus - Cristo se
ocupa das curas de Lourdes, ou Esculpio das do templo de Epidauro?
Pode recusar-se a associao da Sra. P. viso de Bernadette, apesar da
anedota local que imediatamente se espalhou na regio, e no admitir
seno uma alucinao sem causa objetiva; mas supor uma ao direta da
Virgem Maria parece verdadeiramente extravagante. As religies (h
umas cinqenta em nosso pequeno globo) no parecem, na maior parte
das vezes, pardias da Religio? Como no admitir a existncia dum
Esprito universal regendo todas as coisas, tanto os tomos como os
mundos, tanto a menor planta como o mais pequeno animal, to
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magistralmente como os globos do sistema solar, as gneses de
nebulosas, os milhes de sis da Via-Lctea? A Religio, a crena em um
Deus infinito - e desconhecido para ns - impe-se a toda entidade
que pensa. Respondem-me que as religies so formas diversas desta
crena geral num Ser supremo, que estas formas esto ao alcance do
nosso entendimento, que so teis para os fracos de esprito, para os
preguiosos, para aqueles que no tm sequer a fora de vontade de
pensar e que encontram soluo fcil dos seus atos nas frmulas
dogmticas, que vedam toda a investigao e exigindo a submisso
passiva ao mistrio, sem procurar levantar-lhe o vu, o que seria uma
profanao. Mas as religies no daro, algum dia, lugar a Religio? No
se aperfeioaro elas, tanto as da China como as da Europa? Ser a
Humanidade incapaz de formar uma crena racional? As duas iluses e
as supersties sero indispensveis? Que as formas religiosas sejam
teis sob o ponto de vista social, que ensinem princpios de
honestidade, que sejam piedosamente consoladoras de misrias, de
injustias, de lutos, ningum pode contest-lo. Mas porque ser que
certos crentes imaginam que no devem ilustrar-se? Porque a
intolerncia religiosa de certos sectrios que probem e condenam a
livre busca e que no admitem que se possa raciocinar de maneira
diferente da sua? Ser justo pensar, no sculo XX, com a mentalidade
do ano mil? Sero precisas duas religies, uma para os seres
instrudos, capazes de refletir, e outra para o vulgo? At ao
presente, esta distino pareceu necessria. Mas, agora? No haver
utilidade em separar as escrias? O clero do tempo de Joana d'Arc no
cometeu um erro em declar-la bruxa e hertica e de fazer morrer no
suplcio de um infame braseiro esta virgem de 19 anos de idade? No
foi Galileu condenado como hertico? Etc., etc... Porque se no h-de
admitir um progresso nas idia? No insistamos. O lugar no prprio
para isso. Todos os homens que pensam atravessaram as agonias da
dvida, da incerteza, sucedendo s serenidades da f infantil. O
fundador das investigaes psquicas experimentais, na Inglaterra,
Frederico Myers, fez chegar at ns o eco duma crise anloga quela de
que falei nas minhas Memrias. A propsito da evoluo do seu
pensamento, conta o seguinte: Educado na Igreja Anglicana, fui um
dos membros fiis, mesmo intransigente, agresstively orthodox,
segundo sua prpria expresso at idade das crises inevitveis em que,
dilacerado entre uma necessidade absoluta de certeza, quanto ao
outro mundo, devoo da f no dogma tradicional e, douta parte, as
especulaes filosficas, decidi confiar as minhas perplexidades ao
professor Sidgwick. Durante um passeio sob um cu estrelado, que
jamais olvidarei, perguntei-lhe, quase a tremer, se ele pensava
que, em seguida
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falncia da tradio, da intuio e da metafsica para resolver o
enigma do Universo, haveria ainda uma probabilidade para que o
estudo de certos fenmenos observveis da atualidade - fantasmas,
espritos, seja o que Por - nos possa Fornecer alguns conhecimentos
valiosos relativamente ao mundo invisvel. Sidgwick pareceu-me ter j
meditado nessa possibilidade e, com segurana, revelou-me vrias
razes que justificavam uma esperana. Data dessa noite a minha
resoluo de me entregar a tais investigaes. Era a 3 de Dezembro de
1869; Myers tinha vinte e seis anos. O fim essencial da sua vida
encontrava-se fixado da para o futuro. Todos passam por isso. Mas,
o caminho de Damasco no o mesmo para toda a gente. Um eminente
historiador, autor contemporneo clebre, escrevia-me um dia: - Meu
caro amigo, para que h de preocupar-se com as crenas vulgares? Sabe
to bem como eu que elas no se baseiam em nenhuma realidade. Sabe to
bem como eu que Ado e Eva nunca existiram; que o dilvio no mais do
que uma inundao local exagerada; que jamais as guas subiram at ao
cimo do monte Ararat; que as montanhas que se levantaram. Sabe to
bem como eu que Jesus Cristo no pode arrojar demnios sobre varas de
porcos que se precipitariam no mar. Sabe to bem como eu que o Papa
Alexandre VI e o Cardeal Dubois, arcebispo da Regncia, eram ateus,
e que o anticlerical Voltaire foi o mais convicto dos destas, etc.,
etc. Nestes termos, deixe esses crentes tranqilos nas suas iluses.
Para que h de criarem-se inimigos, quando apenas se procura o
progresso da instruo geral? Sem dvida. O conselho ditado por
sincera amizade. Mas, seria possvel estudar o problema da morte sem
tocar nas crenas religiosas? No! Isso impossvel, desde que tal
problema o prprio fundamento da Religio. Respeitemos as crenas, as
iluses, mas esclareamo-las com novas luzes. O mundo marcha. Ad
veritatem per scientiam! * Os livres investigadores tm diante de si
duas espcies de adversrios: os crentes, num plo; os materialistas,
noutro plo. Quando redigia estas linhas, recebi uma longa e
sapiente dissertao do meu ilustre amigo Camilo Saint-Sans,
discutindo os meus argumentos, com a convico de que todos os
espiritualistas laboram em erro e nada encontraro: - Perdoa-me -
escrevia-me ele amvelmente -, mas apesar de todos os teus
raciocnios, apesar da tua grande autoridade devida ao teu
excepcional valor e tua inteligncia fora do comum, no creio na
alma. Quanto a Deus, quando vemos o que se passa... Esperar
convencer toda a gente uma utopia, confesso-o. Camilo Saint-Sans ,
seguramente, um dos maiores espritos do nosso sculo. Possui instruo
sobre todas as coisas, especialmente sobre astronomia,
-
19
histria das religies, telepatia, premonies, sensaes psquicas, e
aponta-me at o seguinte fato pessoal - Quando eu apresentei a
primeira vez a minha candidatura Academia das Belas-Artes, no fui
nomeado. Fiquei bastante contrariado e disse mentalmente,
contemplando os lees egpcios que to extravagantemente ornamentam a
Fachada do Instituto: - Tornarei a apresentar-me quando os lees se
voltarem. Tempos depois, os lees eram voltados! Respondi a
Saint-Sans: Es o mais encantador dos amigos, o mais poderoso dos
msicos, a glria do Instituto, um dos profundos pensadores da nossa
poca; mas, no s lgico. Como que um agregado qualquer de molculas
qumicas, no teu crnio, poderia segregar esse premonio estranha? Uma
idia no pode ser produzida por um aparelho material. Teu esprito
viu um aspecto do futuro, sem prever isso. E julgo o meu ilustre
amigo tanto mais ilgico quanto, alm da premonio de que acabamos de
falar - que, de resto, no era mais do que exaltao, mas exaltao do
esprito - foi objeto de outras manifestaes de ordem essencialmente
psquica, porque me escrevia tambm. Tive pessoalmente exemplos da
telepatia, a prescincia do futuro; apontar-te-ei alguns: Nos tempos
j distantes em que eu habitava uma casa no alto do bairro
Saint-Honor, trabalhava muito. Ora, quando eu estava completamente
absorvido no meu trabalho, acontecia-me, bruscamente, comear a
pensar numa pessoa conhecida. Instantes depois - o tempo de
atravessar o ptio e subir a escada - algum tocava campainha: era a
pessoa em que eu pensara. A princpio, acreditei no acaso; mas,
vigsima vez!... Este fenmeno durou muitos anos. Na minha juventude,
um pintor meu amigo mostrou-me um quadro que destinava exposio
anual. Nunca tinha exposto e ignorava se o seu trabalho seria
admitido. Ao olhar o mesmo quadro, vi na primeira sala do Palcio da
Indstria, ao cimo da escadaria, num certo lugar. No dia da abertura
do Salon fui l e encontrei o quadro no lugar previsto. No ser o
esprito que est em jogo aqui? Como ver nisto uma propriedade da
matria? Esses fatos psquicos so freqentes, o que os meus leitores
no ignoram. * Para resumir este captulo, parece-me que, levando em
considerao todas as objees, todas as dificuldades aparentes,
tomando a Humanidade tal como , com suas diversidades de carter, de
percepo, de entendimento e de interpretao, devemos reconhecer que o
homem no apenas um agregado de molculas materiais, mas que muito
mais complexo do que o ensina a
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Fisiologia clssica, e que portador de elemento psquico distinto
do organismo fsico, qumico, mecnico. Os fatos expostos em nosso
primeiro volume, assim como todos os congneres, provam
irrecusvelmente existncia da alma. Todas as argcias e todas as
sutilezas que se podem imaginar nas suas variadas discusses, no
neutralizam as conseqncias que se impem. Um fato de observao um
fato. Apesar do que possa pensar Henrique Poincar, o movimento da
Terra um fato. Todas as dissertaes metafsicas, em que nos
desviemos, no impedem o nosso globo de girar nem as faculdades
intrnsecas da alma de provarem a sua existncia, absolutamente
distinta de tudo quanto pode normalmente ser atribudo a um
organismo fisiolgico material. Temos contra ns, em nossas
investigaes, trs categorias de adversrios irredutveis ou pouco
menos - 1 os que escarnecem de tudo, no se interessando por nada;
2, os materialistas convencidos, por princpio, de que a matria tudo
produz; 3, as almas fechadas num dogma estreito (pertenam elas a
que religio pertencer), que esto seguras e satisfeitas das suas
crenas. Os adeptos da Verdade formaram sempre a minoria, apesar dos
mais perseverantes esforos dos investigadores independentes.
Guardemos, porm, esta perseverana. O bom gro termina por germinar.
Todavia, cada um de ns corre para a morte, inevitvelmente, e nenhum
est livre de pensar ou no pensar nela. Parece, no entanto, que a
razo deveria impor-se. No desesperemos nunca do progresso. O mundo
marcha. A verdade triunfa gradualmente. Quando fundei a Sociedade
Astronmica de Frana, em 1887, o diretor do Observatrio de Paris, o
Almirante Mouchez, declarou-me que tal tentativa no tinha futuro,
dada a indiferena geral, de um lado, e de outro as rivalidades
pessoais dos sbios entre si. No incio dessa fundao, ramos apenas
doze. Por mim, no duvidava de que os scios se contariam um dia por
milhares, de que os meus sucessores na presidncia dessa sociedade
seriam as glrias do Instituto, os astrnomos oficiais das Reparties
das Longitudes, os diretores dos Observatrios, as mais elevadas
autoridades da Universidade de Frana: Faye, Tisserand, Janssen,
Henrique Poincar, Deslandres, Puiseux, Baillaud, o Conde de la
Baume Pluvinel, Paul Appell, etc. , e que o oramento anual dessa
fundao ultrapassaria mais tarde a soma de cem mil francos. No! No
desesperemos jamais do progresso. E no nos surpreendamos nem nos
aflijamos com as diversidades de opinies. A discusso livre e leal
necessria para a conquista da Verdade. Penetremos, agora, um pouco
mais para frente acerca do conhecimento do homem. A marcha lgica do
nosso estudo vai conduzir-nos s manifestaes e aparies de moribundos
e de mortos. Mas h aparies de vivos que importa verificar primeiro,
como intermedirios entre os dois mundos.
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O ser humano compe-se de dois elementos distintos: a alma e o
corpo. O corpo visvel e pondervel. A alma pode manifestar-se
fsicamente nas duplas de vivos. Que a dupla? II AS DUPLAS DE VIVOS
Conhece-te a ti mesmo. O orculo de Delfos. Iremos estudar,
examinar, discutir numerosas aparies e manifestaes de moribundos e
chegaremos, depois, s aparies e manifestaes de mortos. Ora, h
aparies de vivos que se nos apresentam como introduo inteiramente
natural aos estudos mais complexos que se seguiro. Estes
desdobramentos do ser humano, estas bilocaes foram alvo de
observaes minuciosas. Certamente, contradisseram-nas, negaram-nas,
por efeito de raciocnios insuficientes, em virtude da recusa em se
admitir o que no se compreende. Sejamos mais independentes,
procuremos instruir-nos, no neguemos nada com antecipao, demo-nos
ao trabalho - ou ao prazer - de analisar com toda a liberdade do
esprito. Existem duas espcies de desdobramentos: - os inconscientes
e os conscientes. Ocupemo-nos, primeiro, dos desdobramentos
involuntrios. Examinaremos seguidamente as aparies experimentais
entre os vivos. Os meus leitores conhecem j muitos exemplos de
aparies de vivos publicados nas minhas obras precedentes, e seria
suprfluo repetir aqui esses exemplos diversos. Puderam ver, em
Urnia, a narrativa de Ccero acerca dum rapaz bem vivo, mas ameaado
de assassnio, aparecendo a um amigo seu e clamando por socorro; - a
histria de uma alsaciana mostrando-se, no Rio de Janeiro, a um
compatriota seu, apesar de encontrar-se, a bordo dum navio, a
centenas de quilmetros de distncia; - a de Robert Bruce vendo perto
dele, na embarcao em que viajava, um desconhecido, escrevendo numa
ardsia e reconhecendo, seguidamente, essa mesma pessoa, que se lhe
havia revelado durante o sono; - o Baro de Sulza, camarista do Rei
da Sucia, falando com seu pai, entrada do parque, ao passo que este
estava na cama, em sua casa. Puderam ver tambm, no Estela, a
histria do Bispo Afonso de Liguri, a transmisso do seu pensamento e
da sua forma corprea, do convento de Npoles, em que estava, para
Roma, para o leito de morte do Papa Clemente XIX, a quem assistiu
na hora extrema, em 1774, em pleno sculo da incredulidade. Podem
recordar-se igualmente de haverem lido, em O Desconhecido em a
visita da Sra. Vilmot, a seu marido, ento numa cabine de navio, em
pleno oceano longnquo, visita percebida ao mesmo tempo por um outro
viajante, no sem surpresa e corroborada por ele, e, ainda em Urnia,
a
-
22
observao pessoal que me foi narrada, em 1868, pelo frio e
arqui-ponderado J. Best, administrador do Magasin Pittoresque, de
ter visto passar diante dele, sendo criana, deitado no seu pequeno
bero, em Taul, sua me que, h essa hora, morria em Pau, observao que
pode ser multiplicada por cem, por mil. A dvida no possvel. Viu-se
mais, no' tomo I desta obra a apario da mulher do inspetor de
Instruo Pblica em Bombay e sua irm, Sra. Russell, ento na Esccia, e
a do amigo do Sr. Dutton. Todos estes fatos so observados hoje com
certeza irrecusvel. No voltarei a mencionar tais observaes, que
suponho conhecidas dos que me leram, e tenho, de resto, tantos
fatos a estudar, a comparar, que devo conceder preferncia aos
novos. Os exemplos de duplas, de bilocaes, de aparies, so de tal
forma numerosos que ser impossvel aniquil-los a todos e
suprimir-lhes a realidade. Ora, admitir um s desses exemplos ser
admitir a sua possibilidade. Outrora, os santos pareciam ter o seu
monoplio tais como Santo Ambrsio vendo, de Milo, a morte de S.
Martinho, em Tours; Santo Antnio de Pdua pregando em Montpellier;
Santa Catarina de Ricci, de Prato, conversando com S. Filipe Nery,
em Roma; S. Francisco Xavier dirigindo uma barca; Santo Afonso de
Liguri, de quem acima falamos etc. Outrora, acreditava. -se nos
milagres e os procuravam mesmo, na vida dos santos; hoje, os
laicos, como poderemos chamar-lhes, produzem idnticos fenmenos.
Relembremos o caso to notvel de Goethe O poeta passeava, por uma
tarde chuvosa de vero, com o seu amigo K. que tinha regressado com
ele do Belvedere, em Weimar. De repente, deteve-se, como diante
duma apario, e deixou de falar. O seu amigo de nada duvidava. A
certa altura, Goethe exclamou. - Meu Deus, se tivesse a certeza de
que o meu amigo Frederico se encontra neste momento em Frankfurt,
juraria que ele. No tardou a soltar uma grande gargalhada, dizendo:
- Mas , com efeito, o meu amigo Frederico!... Tu, aqui, em Weimar?
Mas, bom Deus, meu caro, que figura a tua, com o meu
robe-de-chambre, o meu barrete de dormir e os meus pantufos nos ps,
aqui, nesta estrada!... O companheiro do poeta, no vendo
absolutamente nada, atemorizou-se, julgando que Goethe tivesse
enlouquecido de repente; mas ele, abrindo os braos, bradou: -
Frederico, onde te escondeste?... Justos cus! Meu caro K., no notou
onde se escondeu a pessoa que acabamos de encontrar? K.,
estupefato, nada respondeu. Ento, o poeta, voltando cabea para
todos os lados, murmurou, com ar sonhador:
-
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- Sim! Compreendo! Trata-se duma viso!... No entanto, qual ser a
significao de tudo isto? Teria o meu amigo morrido subitamente?...
Seria, na verdade, o seu esprito?... Pouco depois, Goethe entrava
em sua casa, encontrando Frederico a. Levantaram-se-lhe os cabelos.
- Para trs, fantasma! - exclamou ele, recuando e plido como um
cadver. - Mas meu caro - replicou surpreendido, o visitante - por
essa forma que acolhes o teu mais fiel amigo? - Ah! Desta vez -
retorquiu o poeta, chorando e rindo ao mesmo tempo - no estou
diante dum esprito, mas dum ser em carne e osso. E os dois amigos
beijaram-se com efuso. Frederico havia chegado casa de Goethe
encharcado pela chuva, e vestira a primeira roupa do poeta que
encontrou; depois, adormecera numa poltrona, sonhando que ia ao
encontro do poeta e que ele o interpelava por estas palavras (as
mesmas, justamente, que Goethe pronunciara): - Tu, aqui, em Weimar?
O qu?... Com o meu robe-de-chambre, o meu barrete de dormir... Os
meus pantufos, na estrada?... Nestas incrveis histrias de duplas,
que s negativistas de m f se pode recusar a admitir, confesso desde
j que o que sempre me pareceu mais embaraoso, como nas histrias de
fantasmas, foi o vesturio. Inventaram-se h muito tempo o corpo
astral, o perisprito, o corpo espiritual (to velho como S. Paulo);
estas invenes no explicam os vestidos. Todavia, nem os vivos nem os
mortos se mostram nus. Comecemos a nossa discusso pela aventura de
Goethe. Creio que se trata aqui duma transmisso de imagens por
ondas psquicas entre dois crebros harmonicamente afinados,
desempenhando um o papel de aparelho emissor de ondas, e o outro o
de receptor. A fsica moderna oferece-nos exemplos que podem
colocar-nos no caminho da explicao, na telegrafia, na fotografia e
na telefonia sem fios. Neste ltimo caso, no a palavra que se
desloca dum ponto para o outro. Decompe-se em ondas hertzianas para
ir do ponto de partida para o ponto de chegada, onde o detector de
recepo a reconstitui pela audio. O sonho do amigo de Goethe pde
transmitir-se ao poeta sob a forma de ondas etreas, as quais,
impressionando-lhe o crebro, reconstituram a imagem real (todas as
imagens se formam, de resto, em nosso crebro). No temos o direito
de nos recusar a admitir no admirvel aparelho que o nosso crebro,
dotado de faculdades fsicas e mecnicas to extraordinrias, as
propriedades que utilizamos nos aparelhos cientficos que ns mesmos
construmos. Mas, o ator o esprito. Acerca desta narrativa de Goethe
e doutas idnticas, julgava-se, h cinquenta anos, que poderia
substituir-se toda a explicao por uma palavra, uma simples
frase.
-
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Ei-la: - Alucinao, Iluso, Nada. No se era muito exigente!
Podemos notar muitas outras observaes psquicas na vida de Goethe.
Aqueles que leram as suas Memrias viram a narrativa dos seus amores
com a encantadora filha do pastor de Sessenheim, perto de
Estrasburgo, idlio muito apaixonado, de resto, e que no seu corao
deixou uma lembrana imperecvel. Quando chegou a hora do adeus,
Goethe reentrou na Alemanha com a alma cheia da imagem da
francesinha. Era em 1771. Choraram copiosas lgrimas, mas era
necessrio que se separassem... Ouamos agora o que diz o futuro
autor do Fausto: Ao passo que me afastava lentamente da aldeia, vi,
no com os olhos da carne, mas com os da inteligncia, um cavaleiro
que, pelo mesmo trilho, avanava para Sessenheim; este cavaleiro era
eu mesmo. Envergava um fato de cor cinzenta bordado de galo
dourado, como eu jamais vestira; agitei-me para sacudir esta
alucinao e nada mais vi. E' extraordinrio que, volvidos oito anos,
encontrei-me nessa mesma estrada fazendo uma visita minha Frederica
com o mesmo vesturio com o qual apareci a mim mesmo. Devo
acrescentar que no era esta a minha vontade, mas que s o acaso fez
que eu vestisse tal roupa. Pensem os meus leitores o que quiserem
dessa viso estranha; a mim, parece-me proftica, e como disso me
resultasse a convico de que eu tornaria a ver a minha bem-amada,
deu-me a mesma viso a coragem de suportar a dor das despedidas.
Estes dois exemplos tirados da vida de Goethe indicam-nos,
imediatamente, que a questo das duplas em extremo complexa e
impelem-nos um pouco mais para frente no mundo novo que comeamos a
explorar com o nosso primeiro volume. Neste caso, trata-se no duma
dupla, mas duma dessas vises do futuro, cuja realidade foi
encontrada neste volume. Admitimos, pois, como reais, estes dois
fatos psquicos associados vida de Goethe. As observaes de duplas
foram freqentes em todos os sculos. O filsofo Jernimo Cardan, de
Pvia (1501-1576) que, a partir dos seus cinquenta e cinco anos,
podia, sua vontade, cair em xtases, descreve-nos pela seguinte
maneira essa exteriorizao psquica: Quando entro em xtase, tenho
muito prximo do corao como que o sentimento de que a alma ai
destaca do organismo, e esta separao produz-se seguidamente por
todo o corpo, especialmente pela cabea e pelo crebro. Depois disto,
no tenho a noo doutas quaisquer sensaes, exceto a de me sentir fora
do corpo. (Durante o xtase, ele no sentia a gota de que sofria
bastante, no estado normal, porque toda a sua sensibilidade estava
exteriorizada.). Alfredo de Musset via, s vezes, sentar-se a seu
lado um homem que se parecia tanto com ele como se fora seu
irmo.
-
25
George Sand afirma que tivera muitas vezes a alucinao visual e
auditiva da sua dupla. Guy de Maupassant, no incio da paralisia
geral que devia arrebat-lo, via com terror um duplo de si mesmo
sentado sua mesa, e foi nesta alucinao que se inspirou, ao escrever
a Horta. As manifestaes de duplas correspondem, na maior parte das
vezes, a certos estados psquicos anormais. Pode no haver a, em
grande nmero de casos, seno alucinaes, mesmo perigosas, interiores
ao crebro, subjetivas, sem nada de objetivo, de exterior. Mas,
essas iluses no suprimem as realidades. Penetremos esse curioso
estudo: Em 1845, existia na Livnia, a 58 quilmetros de Riga e a 6
quilmetros da pequena cidade de Volmar, um colgio para meninas da
nobreza, designado pelo nome de Pensionato de Neuwelcke. O diretor,
nesta poca, era certo Sr. Buch. O numero de alunas, quase todas
pertencentes a famlias fidalgas da Livonia, era de 42; entre elas,
contava-se a segunda filha do Baro de Gldenstubb, de 13 anos de
idade. Havia, entre outros professores, uma mestra de francs, a
Srta. Emilia Sage, natural de Dijon. Tinha o tipo do norte: era uma
loura de belssima carnao, com olhos azuis claros, elegante, de
altura um pouco maior que a mediana. O seu gnio era amvel, doce
alegre. Inteligente e de perfeita educao. Sua sade era boa. Os
diretores estavam inteiramente satisfeitos com o seu processo de
ensino. Contava ento trinta e dois anos. Poucas semanas depois da
sua entrada no colgio, comearam a circular, entre as educandas,
singulares boatos acerca da sua conduta. Quando uma afirmava t-la
avistado em tal parte da casa, garantia outra hav-la encontrado em
sitio diverso, no mesmo instante, dizendo. - No? Isso no pode ser.
Acabo de cruzar-me com ela na escada, etc. A principio,
acreditou-se numa confuso, num equvoco; mas, como o fato se
reproduzisse continuamente, as meninas deu-se a coment-lo. Os
professores declararam que tudo isto no tinha senso comum e que se
no devia ligar ao caso s menor importncia. Mas as coisas no
tardaram a complicar-se. Um dia em que Emlia Sage dava lio a 13 das
suas discpulas, entre as quais estava a Srta. de Gldenstubb, e que,
para mais ntidamente fazer compreender a sua demonstrao, escrevia a
passagem a explicar, numa lousa, as alunas viram de repente, com
grande terror, duas Sages, uma s lado da outra. Pareciam-se ambas
exatamente e faziam os mesmos gestos. Somente, a pessoa verdadeira
tinha na mo um pedao de giz com que escrevia efetivamente, ao passo
que sua dupla no possua giz e contentava-se com imitar os
movimentos que a outra fazia para escrever. Dai, resultou grande
sensao no estabelecimento, tanto mais que todas as educandas,
sem
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exceo, tinham visto a segunda forma e estavam absolutamente de
acordo na descrio que faziam do fenmeno. Mas, o incidente mais
notvel foi, certamente, o seguinte: Certo dia, todas as alunas, em
nmero de 42, encontravam-se reunidas num mesmo compartimento,
ocupando-se em trabalhos de bordados. Era uma grande sala no
rs-do-cho, com quatro grandes janelas; todas as pensionistas
estavam sentadas diante da mesa e podiam ver o que se passava no
jardim; ao mesmo tempo em que trabalhavam e viam a Srta. Sage
entretida a colher flores, no longe da casa. Na extremidade da
mesa, permanecia uma outra mestra, encarregada da vigilncia,
sentada numa poltrona forrada de marroquim verde. Em dado momento,
esta senhora saiu, e a poltrona ficou desocupada. Mas isto foi por
pouco tempo, porque as alunas no tardaram a ver ai forma da Srta.
de Sage. Imediatamente olharam para o jardim, vendo-a sempre
ocupada em apanhar flores; apenas os seus movimentos eram mais
vagarosos e mais pesados, parecidos com os duma pessoa cheia de
sono e esgotada de fadiga. Contemplaram de novo a poltrona,
deparando-se-lhes a dupla sempre sentada, silenciosa e imvel.
Habituadas um pouco a estas estranhas manifestaes, duas das
educandas aproximaram-se da cadeira e, tocando na apario,
experimentaram a sensao de encontrarem uma resistncia comprvel a
que ofereceriam um ligeiro tecido de musselina ou de escumilha. Uma
delas ousou at passar por diante da poltrona, atravessando, na
realidade, uma parte da forma. No entanto, isto durou ainda algum
tempo, dissipando-se depois gradualmente a imagem. Observou-se
desde logo que a Srta. Sage havia recomeado a colher as flores com
a sua costumada vivacidade. Os 42 pensionistas observaram., do
mesmo modo, o fenmeno. E' fcil de supor que semelhante estado de
coisas no podia ocorrer sem conseqncias num pensionato de moas. Os
pas retiraram grande nmero de alunas e, ao cabo de dezoito meses,
de 42 apenas restavam 12. O diretor teve de despedir a Srta. Sage,
apesar do seu valor profissional e da sua excelente conduta. A
Srta. de Gldenstubb ouviu-a exclamar, em desespero: - Ai! de mim!
E' esta a dcima nona vez, desde os meus dezesseis anos, que sou
forada a abandonar o meu cargo de professora! Este curioso exemplo
de desdobramento foi publicado em 1849 pelo Sr. Roberto Dale Owen
que dele havia sido informado em primeira mo pela Baronesa. Jlia de
Gldenstubb; pela revista Light (1883, pgina 366), com pormenores;
por Aksakof, que a testemunha, e pela maior parte dos escritores
psquicos. Conheci outrora (em 1862) o Baro de Gldenstubb e sua irm.
Eram extremamente sinceros, talvez um pouco msticos, mas duma
lealdade inatacvel. Viu-se mais acima, que a Srta. Sage era de
Dijon. Encontrando-me prximo desta cidade (no solar de Quincey) em
Agosto de 1895, procedi a
-
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investigaes para saber se uma famlia Sage ali existira ou
existia ainda; o resultado das buscas por mim realizadas acerca dos
registros do estado civil de Dijon no despido de curiosidade. Esta
professora tinha trinta e dois anos em 1845. Havia nascido,
portanto, em 1813. Nos registros civis de Dijon no se encontra
nenhuma famlia Sage; mas consignavam o nascimento, em 3 de Janeiro
de 1813, duma criana de nome Otvia Sagt, filha natural. Este nome
parece-se de tal modo com o da professora que se torna difcil
duvidar da identidade. A sua vida nmade na Alemanha e na Rssia no
se explicar pelo seu irregular nascimento? A memria da Srta.
Gldenstubb teria determinado ligeira confuso tanto no prenome como
na ortografia do nome? E' possvel, dado o fato de que todas estas
narrativas foram relatadas em lnguas estrangeiras. A professora,
alarmada com as suas dezoito mudanas de situao, no teria, de resto,
alterado um pouco o seu apelido? Carlos du Prel falou desta histria
de desdobramento na sua obra A Morte e o Alm (1905) e ortografou o
nome Emlia Sagt. Seu corpo astral - escreve ele - foi visto por
todo um pensionato de moas durante o tempo em que ela permaneceu no
Colgio. Ouvi vrias pessoas, convencidas do seu saber, pensar que
resolviam o problema por estas duas palavras: - Alucinao coletiva.
E' contentarem-se com pouco. Podemos repetia, com o professor
Morslli, diretor da clnica de doenas mentais na Universidade de
Gnova, o que ele dizia a propsito das sesses de Euspia: - Esta
explicao no una, atendendo a que as vises obedecem s leis normais
da ptica (perspectiva, perfis de face, oblquos, etc.) e, alm disso,
so discutidas por todos os percipientes. Seria belo caso para um
alienista habituado h muitos anos, como eu, a discernir, a
diagnosticar os estados ilusrios e alucinatrios, que grupos de
seis, de oito, de doze pessoas, de inteligncia s e na posse dos
seus sentidos regulares, permaneam todas e h um tempo, sem nenhum
processo patolgico ou por um processo mrbido incompreensvel que no
duraria seno alguns momentos, sob a forte impresso duma alucinao
sem causa, regressando imediatamente, como se nada houvesse
acontecido, sua plena sade funcional de nervos e de crebro. Era
inadmissvel! E depois, temos diante dos olhos muitos fatos
concordantes anlogos. No! No houve alucinao coletiva. A professora
perdeu o seu cargo dezenove vezes, por causa do seu desdobramento.
Esta dupla era real, objetiva. E' provvel que se tivesse podido
fotografar. (Fotografei, h trinta anos a esta parte, no meu
Observatrio de Juvisy, o arco-ris, que no existe, que no real, sob
o qual ningum poder passar, que no existe mesmo para dois
observadores prximos um do outro, e que nada mais representa que
aparncia ptica). A dupla de que vou falar no teria podido
fotografar-se, embora tenha sido vista por duas pessoas. Devo as
informaes ao General Serthaut, antigo
-
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diretor do Servio Geogrfico do Exrcito, antigo membro do
Conselho do Observatrio de Paris, que recentemente ma assinalou (2
de Abril de 1920), com as notas seguintes: Respondo inteiramente
pela sinceridade absoluta das observaes que vou submeter-lhe e
confio ao senhor tanto os nomes dos observadores como as
circunstncias em que tais observaes se realizaram; mas, se
reproduzir os fatos numa das suas obras, peo-lhe que elimine os
nomes mencionados; a publicidade que se lhes desse poderia ser
inconveniente para os amigos de que falo ou para os seus parentes.
Eis a observao, do mais alto valor: Em 1870, no cativeiro de
Mersebourg (Prssia), liguei-me a um oficial pertencente a outro
Regimento, um tenente de nome..., porque ambos nos dvamos pintura.
Ele era mais velho do que eu, tinha-se demitido, mas declarada a
guerra retomara o servio no seu antigo Regimento e fora feito
prisioneiro, em Sedan, como me acontecera. Interessava-se pelas
cincias ocultas e a esta circunstncia que eu devo o ter-me tambm
ocupado delas. Depois da guerra, o meu amigo voltou vida civil,
reentrando em casa de seus pais, em... Vinha ver-me a Paria e, por
minha parte, eu ia igualmente, muitas vezes, passar alguns dias com
ele. O pai do meu amigo era capito de Cavalaria, reformado, e sua
me, uma senhora muito digna e piedosa. Ambos possuam carter
benevolente, muito srio e honrado. Jamais lhes passaria pela mente
uma mentira ou mesmo uma brincadeira de mau gosto. A sua situao era
modesta, a sua vivenda muito simples. Reunimos num grande
compartimento do rs-do-cho, que servia de sala e de gabinete de
trabalho ao meu amigo. Era ai justamente que ele tinha os seus
livros, as suas telas, os seus cavaletes, e, num ngulo do salo,
esquerda de quem entrava, uma lousa. Na noite de 1 de Setembro de
1870, dia da batalha de Sedan, pelas 9 horas, os pais do meu
camarada estavam sentados, em face um do outro, dos dois lados do
fogo, no qual repousava um candeeiro. De repente, vira ambos
abrir-se a porta, e seu filho, fardado, entrar na sala, fechando
mesma porta. Em seguida, dirigiu-se para a lousa, pegou num pedao
de giz, traou um circulo com um ponto no centro. Depois disto e sem
uma palavra nem um olhar para seu pai e sua me, o meu amigo tornou
a abrir a porta, e saiu. Um momento surpreendido, os dois
terminaram por se levantar, e, pegando no candeeiro, puderam
verificar que, na ardsia, no havia nenhum trao do circulo desenhado
pelo fantasma de seu filho. Eis o fato. Um e outro o viram da mesma
forma; nenhum pormenor, nem do vesturio nem da atitude do filho,
discordante. O que o pai observou, voltando o rosto para a direita,
observou-o identicamente a me, voltando o rosto para a esquerda.
Comentamos esta histria, eu e o meu camarada, em presena dos
seus.
-
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Que o fazia, pelas 9 horas da noite, depois da batalha? No se
lembrava de nada. Provavelmente dormia. Estvamos ambos muito
fatigados. Pelo que me dizia respeito, havia passado doze horas a
cavalo, sem por p em terra uma nica vez. Pelas 9 horas, devia estar
a dormir; ele tambm. Mas, o que certo que o meu amigo nunca teve
conscincia de haver ido em esprito sua aldeia, de entrar em sua
casa e de traar um crculo a giz na sua lousa. Quanto a este mesmo
circulo, explicava-se. Queria dizer que ficara prisioneiro: um
crculo com um ponto ao centro. Mas, no conservava disto a menor
recordao. Deixei de estar em relaes com o meu camarada quando parti
para o Japo como chefe de misso militar em 1884, donde s regressei
em 1889. O pai e a me de meu amigo esto, evidentemente, mortos e
possvel que o filho tambm tenha morrido. (Carta 4.125.) No podemos
duvidar, de modo algum, da autenticidade da apario relatada neste
documento pelo General Berthaut. Os pais do tenente viram-no, na
realidade, o que se chama ver, no em sonho, mas bem acordados. No
entanto, o crculo que o filho traara no existia. Que concluir
disto? O oficial, adormecido, ao longe, no cativeiro, pensou na sua
famlia, transportou-se em esprito sua habitao, abriu e fechou a
parta, em esprito, tomou o giz e desenhou o crculo, sempre em
esprito, e estes atos atuaram no crebro de seus pais, sem que nada
houvesse a de objetivo, de material, de pondervel, de tangvel. Para
nos recusarmos a admitir esta autenticidade, ser-nos-ia preciso
supor que ambos foram ludibriados, no mesmo momento, por outra
alucinao sem causa, correspondendo todavia ao cativeiro de seu
filho, de que no podiam duvidar. A hiptese pareceria a mais provvel
h cinquenta anos e antes dos nossos conhecimentos atuais; hoje no
aceitvel. Esta dupla do tenente de 1870 era um pensamento-forma.
Que variedade, nas aparies de vivos! Uma dupla bem caracterizada de
vivo foi assinalada em 1905 pelos jornais ingleses, O Imprio, de 14
de Maio, o Daily News, de 17 de Maio, etc., e reproduzida nos Anais
de Cincias Psquicas, de Junho de 1905, sob o ttulo de Uma apario na
Cmera dos Comuns. Eis o relato publicado: Pouco tempo antes das
frias parlamentares da Pscoa, o Major Sir Carne Raschse teve um
ataque de influencia que se complicou de neurose. O seu estado,
muito trave, impediu-o de ir a Cmara dos Deputados, apesar do seu
desejo de apoiar o Governo na sesso noturna que precedeu as frias e
que podia ter srias conseqncias. Foi ento que o meu amigo Sir
Gilbert Parker
-
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ficou ao mesmo tempo surpreendido e cheio de tristeza ao ver
prximo do seu lutar habitual. Eis o que a este respeito diz o
prprio Sir Gilbert: - Eu queria tomar parte no debate. Os meus
olhos fitaram Sir Carne Raschse, sentado prximo do lugar que
costuma ocupar. Como sabia que estava doente, fiz-lhe um aceno
amigvel, exclamando: - Estimo que passe melhor. Mas, no me
respondeu o que me intrigou. O seu rosto estava muito plido.
Sentava-se, apoiando-se tranquilamente em uma das mos; a expresso
da sua figura era severa e impassvel. Meditei um momento no que
deveria fazer; quando me voltei para ele, havia desaparecido.
Lamentei-o e comecei desde logo a procur-lo, esperando encontr-lo
no vestbulo, nem Raschse estava a nem ningum o tinha visto. No
Daily News de 17 de Maio, Sir Artur Hayter juntou o seu testemunho
ao de Sir Gilbert Parker. Declarou que tambm vira Sir Carne Raschse
e que, alm disso, ele chamara com a sua presena a ateno de Sir
Henry Bannerman. Este parlamentar ficou muito surpreendido ao
receber, pouco depois, as felicitaes dos seus dois amigos que o
cumprimentavam por ter escapado morte; e espantou toda a sua famlia
com a histria da tal apario. Quanto a ele, no duvidava, realmente,
de haver ido, em esprito, Cmara, porque tinha estado preocupadssimo
com a idia de assistia sesso para intervir num debate que
particularmente o interessava. Esta dupla era bem real; duas, trs
testemunhas a viram. Eis uma outra que se lhe assemelha
singularmente. O jornal o Tempo, de 3 de Julho, narra o seguinte
fato: Correspondncia de Inglaterra - Corria h dias o boato de que a
parte do palcio dos Comuns que da para o ptio do speaker estava
assombrada. No se dizia se o espectro ai aventurara alguma vez
pelos corredores da Cmara. Muitos membros do Parlamento inquietaram
com isto. Acabou-se, finalmente, por descobrir a verdade. O
fantasma no uma alma do outro mundo, mas a dupla de pessoa ainda
viva. E essa pessoa a esposa dum dos principais funcionrios do
palcio de Westminster, o Sr. Archibald Milman, Secretrio da Cmara
dos Comuns (com o ordenado de trinta oito mil francos). A Sra.
Milman conta por esta forma a histria do seu espectro: - Por mais
estranha que se julgue, verdadeira. E j dura h anos. Aflige-me um
outro eu que se encontrar onde eu no estiver. H dias, um amigo
despediu-se de mim, na sala de trabalho em que me dedico a
encadernar livros. Logo ao sair, encontrou-me no patamar.
Intrigado, desvia-se, para me deixar passar. Ora, eu no me tinha
mexido. A cada momento so aventuras idnticas. Uma das criadas
abandonou o meu servio por estar muito nervosa, pois a freqncia
destas aparies tornava-a positivamente enferma. Ainda hoje, uma
senhora nova que vive conosco me viu no ptio sem que eu tivesse
abandonado a casa.
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Nunca vi a minha dupla. Mas, escutei-a. Uma noite, acabava de
entrar no meu quarto, quando ouvi ranger o soalho e sa ao patamar.
Todas as portas que eu acabara de fechar estavam abertas. Reentrei
precipitadamente e chamei ao mesmo tempo pela criada e pelo
mordomo. 56 h uma escada; a criada dorme nas guas-furtadas; o
mordomo, no subsolo. Deviam forosamente encontrar o intruso. E,
efetivamente, a serva nada vira, mas o mordomo ficou muito
surpreendido ao avistar-me no quarto, pois que, ao que afirmava, me
tinha visto abrir a porta do corredor do rs-do-cho. Neste como no
caso precedente trata-se duma dupla real, objetiva. Comparemos,
estudemos. Uma dupla que lembra o da Srta. Sage foi relatada pelo
Dr. Georges Wyld, investigador dos mais conscienciosos; publicou-se
no Light, em 1882 (pg. 26) sendo reproduzido por Aksakof . Eu tinha
- escreve ele - excelentes relaes de amizade com a Srta. Jackson e
sua me. A narrativa que me fizeram foi confirmada por uma das duas
criadas que dela fora testemunha. Quanto outra, no conseguiu
encontrar. Esta menina visitava muito assiduamente os pobres. Ora,
uma vez em que regressava a casa, depois dum dia empregado no
exerccio da caridade, sentiu-se fatigada e indisposta por causa do
frio e teve vontade de ir aquecer-se para junto do fogo, na
cozinha. Justamente no momento em que esta idia lhe passava pelo
esprito, duas criadas que se encontravam na cozinha mencionada vira
desandar o fecho da porta que se abriu para dar passagem Srta.
Jackson, que se aproximou para aquecer as mos. A ateno das servas
foi impressionada pelas luvas de pele lustrosa e de cor verde que
ela calava. Subitamente, diante dos olhos de ambas, a Srta. Jackson
desapareceu. Surpreendidas dirigiram-se me da Srta. Jackson,
contando-lhe o que acabava de suceder-lhes, no esquecendo mesmo o
pormenor das luvas. Esta senhora concebeu certas apreenses a tal
respeito, mas procurou tranqilizar as criadas, dizendo-lhes que sua
filha nunca tivera luvas verdes e que, por conseqncia, a sua viso
no podia deixar de ser ilusria. Meia hora depois, a Srta. Jackson
em pessoa entrava na vivenda, indo direita cozinha e aproximando as
mos do fogo, para aquec-las. Calava luvas verdes, por no haver
encontrado luvas pretas. Um inqurito extremamente severo, feito
pelo Dr. Wyld, verificou a exatido deste Pato. Uma dupla vestida
precisamente como a Srta. Jackson no momento da sua apario... E com
luvas verdes! Os vesturios fazem parte do desdobramento! Imaginar o
corpo fludico, o corpo astral, o corpo espiritual, todos os corpos
etreos que se admitirem, coisa que me parece no resolver o
problema. Negar a realidade de tais aparies impossvel. H muitas.
Certos espritas julgam explicar as aparies de defuntos, com as suas
vestes, supondo que o esprito que se manifesta pode igualmente,
como um corpo
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material aparente, criar vesturios, se assim o desejar, para
melhor estabelecer a sua identidade. Eis uma hiptese a discutir com
extremo cuidado. Todavia, ela no pode aplicai-se ao caso presente.
A menina, que tinha frio, pensou simplesmente em ir aquecer-se ao
fogo da cozinha, como de certo costumava fazer em circunstncias
idnticas, e dispunha-se a dirigir-se para esse lugar quando j l
estava em esprito. Mas como que este pensamento impressionou a
vista das duas criadas, a ponto de lhes mostrar as luvas que a
Srta. Jackson calava no momento? No foi apenas tal pensamento que
se transportou, mas a imagem, uma espcie de fotografia, um aspecto,
uma figura, um simulacro, afirmava Lucrcio e isto independentemente
de toda a idia de se revelar s servas. Conhecemos aparies
experimentais produzidas pela vontade: tais fenmenos so douta
ordem. Neste a que aludimos trata-se de imagem colorida e em
relevo, transmitida telepticamente, como o oficial de Sedan, com
seu uniforme. No a explicamos. Teria algum explicado os raios X, a
vista do nosso esqueleto atravs do vesturio, antes desta inveno? E
todas as outras descobertas cientificam? A Cincia dar conta, um
dia, de tudo isso. Em grande nmero de casos, a dupla parece ser
muito simplesmente, uma projeo da pessoa, no momento em que a
observamos, e tal como nesse instante. Uma projeo ptica.
Consagraremos um captulo especial ao pensamento produzido por
imagens projetadas a distncia. Estas observaes so de grande
variedade. Comparando-as, chegaremos talvez, a saber, alguma coisa.
Parece-me que no seria conveniente deixar de inscrever, no captulo
das duplas de vivos, a histria seguinte. A carta, que reproduzo
transcrita textualmente de uma correspondncia que recebi de Praga,
em 1902: Senhor astrnomo: Acedendo ao desejo do professor Hess,
tomo a liberdade de assinalar um acontecimento digno dos seus
estudos, de que eu garanto a autenticidade absoluta, sob a minha
palavra de honra e a da pessoa minha amiga que teve esta viso. Essa
pessoa chama-se Flora Kruby. Entre ns ambos no h segredos. A
senhora em referencia casada, sendo-me dedicada sinceramente. Um
cavalheiro do nosso conhecimento, que mdico, freqenta, de quando em
quando, a nossa companhia. Durante algum tempo, a Sra. Kruby
sentiu-se na impossibilidade de comparecer s nossas reunies, e eu
no a vi por espao de muitas semanas, no decorrer das quais ela nada
soube nem de mim nem do clnico mencionado. Um dia, quando me
encontrava reunido com o mdico e com vrias outras pessoas, tive uma
discusso com ele. Possui um corao excelente, mas exalta-se
violentamente com facilidade. Fiquei de tal maneiro melindrado que
tomei a resoluo de romper com ele e de nunca mais lhe dirigir a
palavra.
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No mesmo dia, devia o mdico referido empreender longa viagem,
para ir substituir certo professor durante muitas semanas. No dia
seguinte, a Sra. Kruby (que nada sabia da viagem do mdico) entrou
em minha casa ofegantemente, contando-me, toda tremula, com ar
consternado e desfigurado rosto, o que durante a noite lhe
acontecera. Entregou-me, para mim e para o senhor, esta narrativa
escrita: Minha amiga teve esta noite uma viso! At hoje, no havia
jamais acreditado em semelhantes coisas. Pelo contrrio, quando me
vinham contar tais histrias, eu desatava a rir. Posto isto, atenda,
escute. No havia adormecido ainda todas as portas estavam fechadas
chave. De repente, a porta do meu quarto de dormir abre-se de leve
e algum entra! Julguei, naturalmente, que fosse meu marido. Padecia
de dores de dentes h vrios dias e pensei que me viesse pedir um
remdio. Perguntei: - Es tu? Sofres? Nenhuma resposta; mas, uma
sombra aproximou-se rapidamente de meu leito, curvou-se sobre mim e
disse: - Sou eu, o Dr. B. Tenho um pedido a fazer-lhe. - Meu Deus!
- exclamei - ter o senhor morrido? - No! - replicou ele -; estou
bem vivo. Tenho que fazer uma viagem de algumas semanas e, como
somos todos mortais, ningum sabe o que acontecer. No poderei
sossegar enquanto lhe no solicitar uma coisa. Sei que uma das
melhores amigas da Srta. Lux e que exerce grande influncia sobre
ela. Pois bem! Suplique-lhe que me perdoe. No quis ofend-la, porque
a amo sem que ela o duvide. Mas, seja discreta. S lhe direi isto a
si. Inspira-me toda a confiana porque leal; as outras pessoas no o
so. E agora, desculpe o meu pedido. Em seguida a estas palavras,
desapareceu, partiu, mas meu marido, que ouvira o rudo da porta ao
abrir-se, despertou e exigiu-me explicaes do que se passava. No
tive coragem de falar, estremeci, estava profundamente perturbada -
e quando penso, ainda agora, em tal viso, comeo a tremer de novo.
Vi o doutor com toda a nitidez, dirigia-se-me vivamente, como
sempre; senti o seu hlito, porque falava em voz baixa, inclinado
sobre o meu leito e muito prximo de mim. J muitas semanas passaram,
depois desta viso. Eu e a Sra. Kruby ocultamo-la como segredo e,
quanto a mim, no podia impedir o cepticismo acerca da sua
realidade. Seguidamente ao regresso do mdico, perguntei-lhe como
passara a noite em que se dera a nossa disputa e ele respondeu-me.
- Apesar da minha grande irritao, adormeci profundamente no
comboio, pensando e sonhando com a sua pessoa. A sua recordao
perseguia-me e s me deixou no instante em que eu, durante o sono,
perdi todo o conhecimento.
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Querido mestre, comunicando-lhe este acontecimento, peo minha
amiga que o assine tambm, para garantia mais completa.
ANA LUX FLORA KRUBY.
Chegada ao fim da minha carta toma a liberdade de notar que
tenho pela sua pessoa e pelos seus trabalhos tal estima e tal
respeito que me seria impossvel ludibri-lo. (Carta 1.039.) Esta
epstola foi igualmente firmada pelo professor Hess, que certifica a
veracidade da narrativa. O meu primeiro pensamento foi o de no ver
nisto seno um sonho. As explicaes mais simples impem-se desde logo
nossa ateno. Que h de subjetivo e de objetivo nesta histria? Como
distinguir nela o que pertence ao crebro da narradora, ao seu sonho
pessoal e o que pertence ao teleptica do mdico? A impresso
complexa. No se v porque foi que o esprito do clnico,
transportando-se, durante um sonho, para junto da dama em questo,
teria necessidade de abrir uma porta. As radiaes psquicas passam
atravs das paredes, como as correntes eltricas, magnticas e outras
mais. Houve nisso, certamente, uma associao de idia. Mas, neste
caso, porque que a Sra. Kruby viu abrir-se a porta e seu marido
ouviu o rudo que ela fazia? Pode responder-se que a fasca, que
atravessa os muros, abre tambm as