1 A Macroeconomia da Moderna Economia EDMUND S. PHELPS * “O expressionismo estava enraizado na nova experiência de vida metropolitana que transformou a Europa entre 1860 e 1930. É uma expressão visionária de sentir-se à deriva, animado, aterrorizado em um mundo acelerado, incompreensível.” -- Jackie Wullschlager, “The Original Sensationalists”, Financial Times A moderna economia começou a suplantar a economia tradicional em diversas nações na segunda metade do século dezenove e, em muitas outras mais, na segunda metade do século vinte. Um sistema em que eram típicos o auto-emprego e o auto- financiamento deu lugar a um sistema de empresas com vários negócios e instituições correspondentes. Foi essa a “grande transformação” sobre a qual historiadores e sociólogos, assim como comentaristas de negócios, se debruçaram e escreveram volumes e mais volumes. A economia moderna, onde plenamente adotada, foi, de fato extremamente transformadora, no caso das nações 1 , mas muito menos para a economia enquanto área de estudo. Se existe uma linha condutora em minhas publicações, particularmente no presente trabalho, essa linha é a de que eu tentei assinalar a natureza distinta da moderna economia. 2 Que natureza é essa? I. As Economias Modernas e a Moderna Economia Muitos dos primeiros contrastes entre os dois tipos de economia foram traçados pelos sociólogos. Dizia-se que a economia tradicional se assentava em uma comunidade de conhecidos entre si, empenhados em apoiarem-se mutuamente – numa Gemeinschaft –, ao passo que a moderna economia era vista como baseada nos negócios, com a pessoas Este artigo é uma versão revista de uma conferência feita por Edmund S. Phelps, em Estocolmo, no dia 10 de dezembro de 2006, quando recebeu o Prêmio em Ciências Econômicas do Banco da Suécia em Memória de Alfred Nobel. O artigo está protegido por direitos autorais da Fundação Nobel 2006 e é publicado aqui, no número de junho de 2007 da American Economic Review, sob permissão da Fundação Nobel. A tradução é de Renato Mayer com revisão de Claudio M. Considera * Professor da Cátedra McVickar de Economia Política e Diretor do Centro de Estudos do Capitalismo e da Sociedade, Instituto da Terra, Universidade de Colúmbia. Pelas discussões relacionadas a esta palestra, algumas das quais remontam a décadas, sou grato a Philippe Aghion, Max Amarante, Amar Bhide, Jean-Paul Fitoussi, Roman Frydman, Pentti Kouri, Richard Nelson e Richard Robb. Raicho Bojilov e Luminita Stevens deram criativo apoio na pesquisa. 1 Várias nações européias enfrentaram crescente oposição ao modernismo no século dezenove e trataram, no período entre guerras, de manietar suas modernas economias com as instituições de um sistema “corporativo” do século vinte de licenças, consultas para autorização e vetos, tornando os negócios sujeitos e subservientes à comunidade e ao estado. 2 Esta retrospectiva enfatiza os meus principais trabalhos relacionados à informação incompleta e ao conhecimento incompleto. Isso deixa de fora inúmeros artigos, inclusive aqueles sobre acumulação de riqueza em condições de risco e sobre o viés poupador de fatores na mudança tecnológica. N.T.: A tradução de Gemeinschaft é associação, sociedade, comunidade.
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1
A Macroeconomia da Moderna Economia
EDMUND S. PHELPS
*
“O expressionismo estava enraizado na nova experiência de vida metropolitana
que transformou a Europa entre 1860 e 1930. É uma expressão visionária de
sentir-se à deriva, animado, aterrorizado em um mundo acelerado, incompreensível.”
-- Jackie Wullschlager, “The Original Sensationalists”, Financial Times
A moderna economia começou a suplantar a economia tradicional em diversas
nações na segunda metade do século dezenove e, em muitas outras mais, na segunda
metade do século vinte. Um sistema em que eram típicos o auto-emprego e o auto-
financiamento deu lugar a um sistema de empresas com vários negócios e instituições
correspondentes. Foi essa a “grande transformação” sobre a qual historiadores e
sociólogos, assim como comentaristas de negócios, se debruçaram e escreveram volumes e
mais volumes. A economia moderna, onde plenamente adotada, foi, de fato extremamente
transformadora, no caso das nações1, mas muito menos para a economia enquanto área de
estudo.
Se existe uma linha condutora em minhas publicações, particularmente no presente
trabalho, essa linha é a de que eu tentei assinalar a natureza distinta da moderna economia.2
Que natureza é essa?
I. As Economias Modernas e a Moderna Economia
Muitos dos primeiros contrastes entre os dois tipos de economia foram traçados
pelos sociólogos. Dizia-se que a economia tradicional se assentava em uma comunidade de
conhecidos entre si, empenhados em apoiarem-se mutuamente – numa Gemeinschaft
–, ao
passo que a moderna economia era vista como baseada nos negócios, com a pessoas
Este artigo é uma versão revista de uma conferência feita por Edmund S. Phelps, em Estocolmo, no dia 10
de dezembro de 2006, quando recebeu o Prêmio em Ciências Econômicas do Banco da Suécia em Memória
de Alfred Nobel. O artigo está protegido por direitos autorais da Fundação Nobel 2006 e é publicado aqui, no
número de junho de 2007 da American Economic Review, sob permissão da Fundação Nobel. A tradução é de
Renato Mayer com revisão de Claudio M. Considera * Professor da Cátedra McVickar de Economia Política e Diretor do Centro de Estudos do Capitalismo e da
Sociedade, Instituto da Terra, Universidade de Colúmbia. Pelas discussões relacionadas a esta palestra,
algumas das quais remontam a décadas, sou grato a Philippe Aghion, Max Amarante, Amar Bhide, Jean-Paul
Fitoussi, Roman Frydman, Pentti Kouri, Richard Nelson e Richard Robb. Raicho Bojilov e Luminita Stevens
deram criativo apoio na pesquisa. 1 Várias nações européias enfrentaram crescente oposição ao modernismo no século dezenove e trataram, no
período entre guerras, de manietar suas modernas economias com as instituições de um sistema “corporativo”
do século vinte de licenças, consultas para autorização e vetos, tornando os negócios sujeitos e subservientes à
comunidade e ao estado. 2 Esta retrospectiva enfatiza os meus principais trabalhos relacionados à informação incompleta e ao
conhecimento incompleto. Isso deixa de fora inúmeros artigos, inclusive aqueles sobre acumulação de
riqueza em condições de risco e sobre o viés poupador de fatores na mudança tecnológica. N.T.: A tradução de Gemeinschaft é associação, sociedade, comunidade.
2
concorrendo umas com as outras – ou seja, em Gesellschaft
(Ferdinand Tönnies, 1887)3
A hierarquia social poderia contar numa economia tradicional, mas não numa economia
moderna (Weber, 1921-22). Verdadeiros ou não, esses contrastes sociológicos obviamente
não implicavam uma revisão fundamental dos modelos econômicos padrão.
Os contrastes econômicos entre os dois sistemas foram traçados pelos historiadores
econômicos. Uma economia tradicional é uma economia de rotina. No caso
paradigmático, a gente do campo vem periodicamente trocar os seus produtos pelos artigos
da cidade. As perturbações, quando existem, não são causadas por essas pessoas e se
situam fora do seu controle: temperatura, chuva e outros choques exógenos. Uma
economia moderna é marcada pela viabilidade da mudança endógena: a modernização traz
uma miríade de arranjos, desde direitos expandidos de propriedade a leis societárias e
instituições financeiras. Isso abre a porta para os indivíduos se engajarem em novas
atividades na área de financiamento, desenvolvimento e comercialização de novos produtos
e métodos – as inovações comerciais. A emergência desse “capitalismo”, como Marx o
denominou, deslanchou na Europa e na América uma longa era de acelerada inovação
desde aproximadamente 1860 a 1940; ondas posteriores de inovação vieram a ocorrer a
partir daí. As inovações efetuadas foram exitosas o bastante a ponto de gerar uma rápida
mudança econômica cumulativa.
Alguns teóricos pioneiros, em sua maioria do período entre guerras, perceberam o
espírito inovador comercial e a mudança econômica em curso como capaz de produzir
impactos sistêmicos que modificaram a experiência do público com a economia.
A inovação gera incertezas. O resultado futuro de uma ação inovadora cria
ambigüidade:4 aplica-se a lei das “conseqüências não antecipadas” (Robert K.
Merton, 1936); os empresários agem com base em seus “estados de ânimo”
,
conforme exposto por John Maynard Keynes (1936); na visão de Friedrich Hayek
(1968), as inovações são deslanchadas primeiro, sendo o benefício e o custo
“descobertos” depois. A inovação em si e as mudanças que causa tornam o futuro
cheio de incerteza knightiana (Frank H. Knight, 1921) também para os não
inovadores. Finalmente, já que a inovação e a mudança ocorrem de forma desigual
de lugar para lugar e de atividade econômica para atividade econômica, existe
também uma incerteza em relação ao presente: o que está acontecendo em outras
partes, do qual muita coisa não se observa e do qual não dá para observar sem se
estar lá. Assim, mesmo se cada ator na economia moderna tiver o mesmo
entendimento (“modelo”) de como a economia trabalha, não se pode supor que o
entendimento dos outros seja igual ao nosso. Com a modernização, então, perde-se
N.T.: Geselslchaft traduz-se por companhia, empresa organizada.
3 Tönnies escreve sobre a “anonimidade” dos que transacionam no mundo da Gesellschaft, isto é, do
capitalismo. Trata-se de uma observação correta da concorrência perfeita clássica. Contudo, em minha obra
sobre as economias modernas, o empresário, o financista, o gerente, o empregado e o cliente não são
exatamente anônimos. As empresas adquirem empregados que são identificáveis e não substituíveis; as
empresas conhecem seus clientes e estes o seu fornecedor; e por aí vai. 4 Ambigüidade e vagueza entraram em uso com os artigos de Daniel Ellsberg (1961) e William J. Fellner
(1961).
N.T.: “Animal spirits” no original em inglês.
3
um outro traço da economia tradicional – o senso comum de que prevalece um
entendimento comum a todos.5
A inovação também transforma os empregos. Conforme observou Hayek (1948),
até mesmo os empregados no mais baixo grau da hierarquia possuem um
conhecimento específico difícil de ser transmitido aos outros, de modo que as
pessoas têm que trabalhar em colaboração. Gerentes e trabalhadores foram,
também, estimulados pelas mudanças e desafiados a resolver os novos problemas
que surgiam. Alfred Marshall (1892) escreveu que o emprego era, para muitas
pessoas, o principal objeto de seus pensamentos e a fonte de seu desenvolvimento
intelectual. Gunnar Myrdal (1932) escreveu que “a maioria das pessoas que se
situam numa condição econômica razoavelmente boa obtêm mais satisfação
enquanto produtores do que como consumidores”.
Com o século vinte já avançado, a economia, enquanto área de estudo ou ciência,
não havia ainda realizado sua transição para o moderno. A teoria econômica formal,
fundada no micro, permaneceu neoclássica, fundamentada nos idílios pastorais de Ricardo,
Wicksteed, Wicksell, Böhm-Bawerk e Walras, até os anos 1950. O projeto de Samuelson
de corrigir, esclarecer e ampliar a teoria colocou em foco seus pontos fortes6, como
também suas limitações: ele apartou-se do caráter distintivo da economia moderna – sua
incerteza endêmica, ambigüidade, diversidade de crenças, especialização do conhecimento
e resolução de problemas. Em conseqüência, não pôde capturar, ou endogeneizar, os
fenômenos observáveis endêmicos à moderna economia: a inovação, as ondas de
crescimento acelerado, as grandes flutuações na atividade dos negócios, os desequilíbrios,
o intenso engajamento dos empregados e o desenvolvimento intelectual dos trabalhadores.
Os melhores e mais brilhantes dentre os neoclássicos perceberam esses defeitos, mas lhes
faltava a microteoria para tratar deles. Para ter uma resposta de como as forças ou a
política monetária impactavam o nível de emprego, recorreram a construções mais ou
menos improvisadas sem qualquer microeconomia por trás, como a curva de Phillips ou
mesmo os preços fixos, ou a modelos nos quais todas as flutuações são meramente
distúrbios aleatórios em torno de uma média fixa.
Após alguns anos como neoclássico no início de minha carreira, comecei a construir
modelos que abordam esses fenômenos modernos. Assim também o fizeram vários outros
jovens economistas durante aquela década de fermento acadêmico, os anos 1960.7 Em
5 Não pretendo sugerir que a economia moderna tenha levado a um aumento líquido no risco total, tanto
mensurável como não. Meu sentimento é que muito do enorme ganho alcançado na produtividade deve-se
mais à modernização do que ao avanço científico e que este ganho, por sua vez, permitiu a mais e mais
participantes assumirem empregos que oferecem menores perigos físicos e riscos morais. As inovações
financeiras ajudaram a reduzir os riscos criados pela modernização. É plausível que as vastas variações na
atividade dos negócios que o capitalismo impõe não sejam piores do que as ondas de fome e doença que
afligiam as economias tradicionais. 6 Pode-se dizer que seu livro-texto de 1948 e o seu Foundations, de 1947, deram início a uma Restauração
que salvou a herança da economia dos keynesianos radicais, institucionalistas e behavioristas da época. 7 Espíritos assemelhados que prepararam e adubaram o campo ou campos próximos nos anos 1960 incluem
Robert Clower, Robert Aumann, Brian Loasby, Armen Alchian, Axel Leijonhufvud, Richard Nelson, Sidney
Winter, Arthur Okun e William Brainard. A eles se juntaram, nos anos 1970 e 1980, Roman Frydman, Steven
4
Yale e na Rand, em parte pelos meus professores William Fellner e Thomas Schelling,
adquiri certa familiaridade com os conceitos modernistas da incerteza knightiana, das
probabilidades keynesianas, do “know-how” privado de Hayek e do conhecimento pessoal
de M. Polanyi. Tendo até certo ponto assimilado esta perspectiva modernista, passei a ver
a economia de ângulos diferentes dos da teoria neoclássica.8 Eu poderia tentar incorporar
ou refletir em meus modelos o que faz um empregado, gerente ou empresário: reconhecer
que a maioria está empenhada em seu trabalho, formar expectativas e desenvolver crenças,
resolver problemas e ter idéias. Tentar colocar essa gente em meus modelos econômicos
tornou-se o meu projeto.
II. As Expectativas em Modelos de Atividade
A determinação do desemprego numa economia moderna constituiu a minha
principal área de pesquisa de meados dos anos 1960 até o final da década de 1970 e,
novamente, entre meados dos anos 1980 até o início dos 1990. A questão primária que
guiava minha pesquisa inicial era básica: por que uma onda de “demanda efetiva”, ou seja,
um fluxo de dinheiro para comprar bens, causa um aumento na produção e no emprego,
conforme pressuposto no grande livro de Keynes (1936)? Por que não simplesmente um
salto nos preços e salários monetários?
Surgiu imediatamente uma outra questão: como poderia haver desemprego
involuntário positivo em condições de equilíbrio, mais precisamente, ao longo de qualquer
caminho de equilíbrio? A resposta que meu modelo implica é que, se não houvesse
desemprego positivo, se generalizaria de tal maneira a prática de empregados largarem o
emprego que cada firma entraria em disputa com as outras para pagar mais a fim de cortar
as elevadas despesas com treinamento que decorrem de uma alta rotatividade. Segundo
meu ponto de vista, o argumento não se fundava na premissa da “informação assimétrica”,
de que um trabalhador poderia esconder de seu empregador a sua propensão a deixar a
empresa. (Os empregadores podem conhecer melhor quais taxas esperar de abandono de
emprego do que os próprios empregados.) Fundava-se na impossibilidade de um contrato
proteger o empregador de todas as desculpas que o empregado poderia alegar para deixar o
emprego. Há também as práticas abusivas que empregadores podem impor aos
empregados para forçarem-nos a demitir-se. Em uma economia moderna, portanto, os
contratos são não escritos, por conseguinte informais, ou, quando escritos, não são
inteiramente desprovidos de ambigüidade.
Minha abordagem da relação entre a “demanda (efetiva)” e a atividade econômica
partiu da observação que, diante de todo tipo de inovações e mudanças, o mercado da
economia moderna não era apenas “descentralizado”, como gostavam de dizer os
economistas neoclássicos. As crenças e respostas de cada ator na economia são
descoordenadas: o deus ex-machina de Walras, o grande leiloeiro de toda a economia, é
uma figura inaplicável à moderna economia, onde boa parte da atividade é movida pela
Salop, Brian Arthur, Mordecai Kurz e Martin Shubik. Nas décadas de 1990 e 2000, Amar Bhidé e Alan
Kirman fizeram parte do grupo e tanto Thomas Sargent como Michael Woodford testaram suas águas. 8 Introduzi menos desses conceitos modernistas nos modelos do que retirei algumas propriedades
neoclássicas para que os modelos se apresentassem mais compatíveis com o pensamento moderno.
5
inovação e na qual as inovações passadas nos deixaram uma vasta diferenciação de bens.
Isso levou ao ponto de que as expectativas dos indivíduos e, por conseguinte, seus planos,
possam vir a ser inconsistentes. Daí, as expectativas de algumas ou de todas as pessoas
serem incorretas, uma situação a que Marshall e Myrdal chamam de desequilíbrio.9
Assim, a economia – digamos que, para efeito de simplicidade, seja uma economia
fechada – poderia se encontrar com freqüência em situações nas quais cada firma (ou uma
preponderância de firmas) tem a expectativa corrente de que as outras firmas estão
remunerando os empregados a uma taxa menor do que ou, eventualmente, maior do que a
taxa de remuneração dela. No primeiro caso, cada firma acredita, que, ao escolher a sua
escala de pagamentos, está pagando mais (e levando a melhor com isso) do que as outras.
Em meu primeiro modelo, tendo um mercado de trabalho capaz de entrar em
desequilíbrio (Phelps, 1968a), o efeito de uma tal subestimação das taxas de salário fixadas
em outras partes é o de comprimir a taxa de salário que cada uma dessas firmas calcula
como tendo que precisar pagar para conter a saída de empregados em um nível suficiente
de modo a minimizar seu custo total (dado o atual nível de produção): a soma de seus
custos com a folha de pagamento mais os custos da rotatividade da mão-de-obra. Em
termos de uma construção posterior, a “curva de salários” é rebaixada pela subestimação,
pelas firmas, do que será o salário pago pelas suas concorrentes.10
Esse rebaixamento da
curva de salários serve para baixar as curvas de custo das firmas, por conseguinte, para
baixar os preços e, por meio do bloco monetário do modelo de 1968, para aumentar a
produção (o que se consegue, num primeiro momento, pela transferência dos empregados
do treinamento para a produção); o emprego gradualmente se expande graças à menor saída
de empregados, gerada pelas expectativas dos empregados de que os salários nas outras
firmas são mais baixos do que naquela onde está trabalhando. Posteriormente, as firmas
podem vir a aumentar as contratações (partindo do nível inicialmente reduzido) em
resposta aos custos reduzidos e, conseqüentemente, a maiores margens de lucro. O que
parecia ser um modelo simples revelou-se rapidamente pleno de sutilezas, de modo que
muito poucos alunos conseguiram dominá-lo em sua plenitude. Contudo, o ponto de que as
expectativas contam para os salários, preços e a atividade econômica, este tem sido bem
compreendido. A economia é estimulada quando há subestimação dos salários pagos pelas
concorrentes e quando as firmas subestimam os preços de suas concorrentes nos mercados
do consumidor (Phelps e Sidney G. Winter Jr., 1970). De forma similar, a economia é
puxada para baixo quando ocorre a superestimação.
O que aconteceria nesta economia, com o seu potencial de desequilíbrio e, digamos,
seu grau aumentado de desequilíbrio, caso a demanda agregada se deslocasse para um
patamar mais alto?11
Estudei com freqüência um choque de dispêndio não identificado no
9 Presumivelmente, forças aleatórias podem vir salvar a situação, mas as expectativas ainda assim seriam
incorretas ex ante. Em minha modelagem, sempre excluí tais forças aleatórias em benefício da clareza --
mas essas forças são a essência do modelo novo clássico. 10
Ver Carl Shapiro e Joseph E. Stiglitz (1984). Guillermo Calvo e Phelps (1983) derivaram uma curva de
salários em um contexto de contratação formal. 11
Sempre estive consciente de que, na versão do modelo na qual todas as firmas estão prontas a, sem mais
aquela, fazer subir preços e salários monetários, tal atitude não implicando custos, um choque de demanda
em alguns casos poderia teoricamente não ter qualquer efeito sobre as quantidades e os preços relativos.
Tome um anúncio súbito, pelo banco central, de que se está duplicando imediatamente a oferta de moeda. Se
6
setor privado que operava no sentido de aumentar a velocidade da moeda e, se o banco
central se mostrasse lento na resposta, empurraria tanto o nível de preços como o nível dos
salários monetários para patamares correspondentemente mais altos, fosse logo ou em um
processo mais arrastado. Eu supunha que este choque de velocidade seria neutro em
relação às quantidades e aos preços relativos, se e quando as firmas e os trabalhadores
formassem expectativas corretas das respostas do salário monetário e dos preços ao
deslocamento para cima no preço da demanda.12
No entanto, as firmas e os trabalhadores
não têm como perceber tal neutralidade logo no início.
O que se segue daí? Meus modelos implicavam o seguinte:13
toda firma infere
erroneamente, como ocorre com freqüência, que todo ou grande parte do aumento da
demanda que ela observa é única para o seu caso; assim, ao decidir de quanto aumentar os
seus salários, é levada a subestimar o aumento das taxas de salário nas outras firmas. Da
mesma forma, toda firma do mercado do consumidor, ao decidir de quanto aumentar seu
preço, é levada a subestimar a extensão do aumento do preço pelas outras firmas. Como
resultado, a firma eleva seu preço relativamente ao que crê que os outros estão fazendo,
mas de pouco – de menos que o faria se não subestimasse o aumento em outras partes e de
menos que o aumento em seu preço de demanda; da mesma forma, aumenta os salários que
paga de pouco – também de menos que o faria caso não subestimasse o aumento
promovido pelas outras firmas. Eu acrescento que a “incerteza” poderia induzir a uma
“resposta cautelosa, gradual, quanto à decisão sobre os salários da firma” (Phelps, 1968a, p.
688).14
Com relação às quantidades: o aumento, para cada firma, da demanda dos
consumidores acionado pelo choque de velocidade leva a firma a perceber que, no nível
inicial de preços e de produção, pode vender mais agora sem ter que baixar o seu preço. A
firma, que antes se mostrava indiferente acerca de um pequeno aumento da produção,
percebe a lucratividade contida em um aumento, de modo que passa a elevar sua
produção.15
Daí, há um aumento no estoque máximo de empregados prontos e habilitados
para o trabalho que a firma manteria como um todo, e, portanto, um aumento imediato em
seu número de vagas. Correspondentemente, a menor saída do emprego gerada por
percepções de um melhor salário relativo não é razão para a firma contratar mais
vagarosamente, de modo que há expansão do emprego. Quanto à resposta em termos de
esse choque for muito público (no sentido de que não pode ser desconhecido por ninguém) e suas
conseqüências de conhecimento comum, e se for neutro para os valores de equilíbrio, então, nos modelos que
eu estava estudando, resultarão na imediata duplicação dos salários monetários e dos preços, mantendo-se
sem alterações tanto a produção como o nível de emprego. Keynes (1936) também observou implicitamente
essas exceções. 12
Isso significa que, qualquer que seja o caminho de equilíbrio do emprego a partir do estado inicial da
economia, o choque de velocidade é neutro em relação a aquele caminho de equilíbrio e a qualquer outro
caminho de equilíbrio, quer tenha sido alcançado, quer não. 13
Refiro-me aqui a uma fusão do meu artigo de 1968 com o de Phelps-Winter (1970) e trabalho em cima de
análises e comentários contidos em Phelps et al. (1970), Phelps (1972a) e Phelps (1979). 14
Seria incorreto inferir que os efeitos sobre a quantidade dos deslocamentos da demanda efetiva estão
presentes porque uma espécie de “rigidez” dos salários é imposta ao final. Haverá, de todas as maneiras,
efeitos sobre a quantidade, embora menores e talvez menos prolongados. 15
Se, como em meu artigo de 1968, cada firma elevasse seu preço totalmente de modo a equilibrar o mercado
no nível inicial de produção, a maior margem de lucro produziria o mesmo efeito.
7
contratação, há um problema. A firma poderia buscar na reserva de desemprego qualquer
quantidade de novos empregados, mas a obtenção de um empregado pronto e habilitado
para o trabalho requer desviar empregados atualmente na produção para dar ao novo
recrutado o treinamento específico para aquele trabalho. Ao aumentar a produção, no
entanto, a firma efetivamente tira empregados do treinamento para colocá-los na produção.
Em conseqüência, o aumento na contratação tem que esperar até que a queda nas saídas
tenha permitido à firma restaurar e, então, aumentar a sua equipe de treinamento.16
O acima exposto trata dos efeitos de impacto do deslocamento da demanda. Segue-
se um processo de ajustamento. Em meus modelos, a firma iria, em algum ponto, observar
que o seu aumento cumulativo de preço não lhe custara qualquer erosão da base de
consumidores que havia esperado e que seu aumento de salários não lhe estava trazendo
nenhuma redução na taxa de saída do emprego, conforme chegara a esperar. Além do
mais, acompanhando o impacto inicial do choque de velocidade sobre os preços de
demanda, qualquer firma que oferecesse um sortimento especializado de artigos
experimentaria um aumento secundário em seu preço de demanda (no nível inicial de
produção), uma vez que os aumentos iniciais de preço, todos mais ou menos da mesma
magnitude, geralmente não têm o efeito substituição que havia preocupado a firma quando
de sua avaliação das primeiras respostas. Devido a todo este “aprendizado”, as firmas
elevarão seus preços e salários novamente, trazendo os níveis de preços e salários mais
perto dos seus níveis de equilíbrio. Mesmo se as expectativas da taxa de inflação
permanecerem iguais a zero, os preços e os salários seguirão se elevando até que a
magnitude do desequilíbrio – o hiato do aumento proporcional cumulativo do nível de
preços em relação ao aumento proporcional da velocidade – tenha-se erodido a ponto de
desaparecer. Ao longo deste caminho, a redução da subestimação do salário reverte a
diminuição das saídas do emprego que alimentavam a expansão do emprego, deixando que
a drenagem da reserva de desemprego provoque uma elevação líquida da taxa de saídas; e a
redução da subestimação, tanto do preço como do salário, retira o desejo das firmas de um
nível de emprego elevado, de modo que a contratação de empregados não aumenta de
maneira a compensar o maior atrito. Assim, o atrito elimina o aumento no número de
empregados agora vistos como supérfluos. O nível de preços, assim como o salário real e o
emprego, são todos levados aos seus novos valores de repouso. Esta recuperação
representa “restabelecer o equilíbrio”, no sentido de que as expectativas de aumento
cumulativo do nível de salários e do nível de preço são alinhadas aos aumentos efetivos.
(No entanto, o ponto de partida, que é também ponto de repouso, poderia não ser um
equilíbrio pleno em termos de expectativas, uma vez que as expectativas dos níveis de
preços e de salários podem estar consideravelmente distantes da referência em ambas as
condições.)
No entanto, meu artigo de 1968 sugeria que, a partir de cada nível de emprego
aumentado (tal como aqueles níveis alcançados durante a expansão), existe um caminho de
equilíbrio de volta ao estado inicial, um caminho no qual não apenas desaparece a
subestimação do aumento nos salários e nos preços, mas, além disso, o aumento esperado
do nível de salários e do nível de preços se iguala ao aumento real. Ao longo de tal
16
Acertos de horas-extra com os empregadores são, naturalmente, uma outra forma de poupar e até aumentar
a equipe de treinamento de modo a permitir uma acelerada nas contratações.
8
caminho, o desemprego, baixo no momento (mas em declínio), é contrabalançado
continuamente pelo nível de vagas para emprego, baixo no momento (mas em declínio), de
modo que as firmas não estão tentando pagar a seus empregados nem mais nem menos que
as outras.17
Nesse ponto, o modelo subseqüente de Robert E. Lucas Jr. (1972) diferiu do
meu trabalho, no sentido de que traz a implicação rígida de que, em seguida às
perturbações do período corrente considerado por Lucas, a economia salta imediatamente
para o equilíbrio em conseqüência dele ter imposto “expectativas racionais”.18
Em meu
modo de pensar, os participantes do mercado poderiam a qualquer momento ser capazes de
andarem na corda bamba do caminho de equilíbrio, se é que isso existe, que conduz de
onde eles estão no momento ao seu estado inicial; mas, de forma geral, não se pode supor
que encontrem seu rumo ao longo de tal caminho.
A. Relação com as “Expectativas Racionais”
A estrutura acima não é um modelo fechado. Não provê um estado estacionário
integralmente determinado e nem tem a intenção de fazê-lo. O nível corrente de vagas tem
um componente estrutural endógeno que é uma função do que os gerentes e
administradores imaginam ser o valor correto (isto é, o preço sombra) de admitir um outro
empregado; e esse preço sombra é variável, não determinado pelo modelo. Se aquele valor
der um salto, devido a impressões de alguns ou de todos os empresários de que as
perspectivas futuras se abrilhantaram, o aumento de vagas e de contratações ganhará ritmo,
aparentemente de forma inesperada.19
Este traço salva o modelo de ser um aparato
mecânico que não deixa margem à inovação e à mudança estrutural resultante.20
17
Ao longo deste caminho, o nível esperado dos salários monetários é sempre aquele necessário, dado o nível
esperado de preços, para o “equilíbrio do mercado de trabalho”, e o nível esperado dos preços é sempre
aquele tal que, dado o nível esperado dos salários, satisfaça a condição para o “equilíbrio do mercado de
produtos”. Uma análise explícita desse caminho de equilíbrio para um modelo não monetário sem um
mercado do consumidor é encontrada em Hian Teck Hoon e Phelps (1992). Uma análise desse caminho para
fazer de um mercado do produto um mercado do consumidor pode ser encontrada em Phelps, Hoon e Gylfi
Zoega (2005) e em Hoon e Phelps (a ser publicado).
Deve-se acrescentar que, para o equilíbrio do mercado de trabalho, existe ainda uma outra condição e uma
equação correspondente. A firma deve acertar o preço sombra que atribui ao fato de ter mais um outro
empregado pronto e habilitado para o trabalho, para assim acertar o cálculo de suas vagas de emprego. Isso
implica que a firma tenha expectativas corretas sobre o nível para o qual estão caminhando os salários de
mercado no próximo período, o que, por sua vez, significa expectativas corretas acerca da taxa pela qual os
salários nas outras firmas vão se elevar no futuro próximo e não apenas do seu nível corrente. 18
Esse é o salto para um ponto no modelo de Lucas, análogo ao salto para um estreito caminho de equilíbrio
em qualquer outro modelo. No modelo de período de Lucas, há um período de Lucas: antes do seu final,
nenhum dado nacional está disponível e, ao seu final, todos os dados nacionais já se encontram publicados.
Em meus modelos de tempo contínuo, pode haver dados defasados da inflação de salários, etc, mas não dos
níveis de salários e certamente não dos níveis nas firmas que servem de padrão de comparação. (Com efeito,
as firmas podem formar associações para partilhar entre si tais dados e os trabalhadores podem formar
sindicatos; eu tinha em mente, porém, uma economia de “livre mercado” sem qualquer dessas intervenções.) 19
A teoria “geral” de Keynes foi generalizadora em considerar as maneiras de ver dos empresários como
sujeitas a idas e vindas, como arbitrárias. A arbitrariedade dessas visões é vista como importante para o
contrato de salário das firmas em Calvo e Phelps (1977). 20
A projeção do modelo do caminho futuro „da economia depende da constância da parte endógena da função
de vagas, embora o caminho efetivo possa muito bem ser perturbado por mudanças exógenas nas vagas de
emprego.
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No modelo, em sua melhor interpretação, as firmas, ao imaginarem sua meta
desejada em termos de salários, têm que formar expectativas do salário médio pago pelas
concorrentes sem se beneficiarem da publicação recente (e menos ainda da adoção) dessas
taxas especiais de salários.21
Assim, de um modo geral, o mercado de trabalho tateia não
rumo ao equilíbrio, no qual se crê que o salário pago pelas concorrentes seja igual ao
salário real, mas sim, rumo a uma espécie de equilíbrio sucedâneo, no qual as expectativas
podem, digamos, subestimar o nível efetivo de salários (Phelps , 1972). Então, o ponto de
repouso do desemprego, dada a mesma taxa de vagas de emprego, fica abaixo daquele
nível constante, compatível com o equilíbrio (das expectativas). (É claro que o hiato entre
a percepção e a realidade varia.)
E, por último, mas não menos importante, postular o equilíbrio das expectativas
racionais não é inadequado apenas como forma de fechar o modelo no mesmo sentido que
postular uma escolha racional é considerado inadequado: o que é inapropriado é impô-lo
ao modelo. Em uma economia altamente inovativa e, por conseguinte, sujeita a mudanças,
as firmas – mesmo as firmas que atuam na mesma atividade econômica e na mesma
localização – estão todas pensando diferentemente. De modo que uma firma não teria
motivos para considerar, como faz implicitamente a teoria das expectativas racionais, que
“uma vez que eu fiz o cálculo de que devo elevar meus salários de tantos por cento, deveria
agora levar em conta que meus concorrentes planejam fazer o mesmo, de modo que devo,
agora, ajustar mais ainda o meu aumento de salário...” Esse tipo de raciocínio indutivo
para se chegar às expectativas corretas é inaplicável. Essa foi a tese defendida na minha
participação (Phelps, 1983) no volume editado por Frydman-Phelps em 1983.
De uma forma mais fundamental, o público não pode formar “expectativas
racionais” sobre futuras distribuições de probabilidades quando o futuro está sendo criado
neste momento por novas idéias e pelos conseqüentes planos de empresários aos quais o
público não tem acesso e dos quais os próprios empresários não têm certeza (Calvo e
Phelps, 1977). Se as firmas estiverem engajadas em atividade criativa, “fazer regressões”
com os dados do passado não dará à firma uma previsão aplicável do que essas firmas estão
planejando fazer, qualquer que seja seu campo de ação (ver Frydman e Michael D.
Goldberg, a ser publicado). Ao se compreender as probabilidades de Keynes-Fellner para
uso em condições de incerteza, atribui-se menos peso às projeções históricas do que as
firmas estão dispostas a fazer quando se percebe que elas preparam uma surpresa.
Assim, se me perguntarem se minha teoria foi superada pelo modelo de Lucas, eu
diria que, se uma economia possui dinamismo, de tal modo que novas incertezas afluem
incessantemente a partir de suas atividades inovativas e sua estrutura está sempre
cambiando, o conceito de equilíbrio das expectativas racionais não se aplica e que um
modelo de uma economia tal que imponha este conceito não pode absolutamente
representar o mecanismo de flutuações de tal economia.
21
Em algumas passagens, em meus artigos, admite-se que o nível médio de salários seja conhecido, como se
tivesse sido publicado recentemente, mas somente em um modelo com variações com um salário fixo por
determinado intervalo de tempo no futuro. (Esse ponto consta na p. 701 em Phelps, 1968a.) Se assim não for,
o salário não é conhecido, mas inferido a partir das evidências circunstanciais reveladas pela realidade.
10
B. Relação com o Modelo de Friedman de 1968
A teoria acima da “taxa natural” e seus desvios causados por deslocamentos e
perturbações mal compreendidas é freqüentemente vista como essencialmente idêntica a
aquela apresentada por Milton Friedman (1968). Os dois modelos são então tratados como
descobertas simultâneas da mesma coisa. Na verdade, representam a descoberta de dois
fenômenos distintos. O de Friedman é um modelo da taxa natural de participação da força
de trabalho, ao passo que o meu é um modelo da taxa natural de desemprego. Uma miríade
de diferenças deriva dessa distinção. Por exemplo, no primeiro modelo, um aumento não
percebido na demanda é um desvio indesejado do equilíbrio concorrencial, enquanto que
no meu esse aumento serve para moderar um volume geralmente oneroso de desemprego
involuntário (Mais abaixo, comentarei brevemente uma política monetária voltada para
manter elevado o nível de emprego.)
C. Relação com o Keynesianismo
Houve quem gentilmente comentasse que este trabalho e o texto correlato no
volume intitulado Microfoundations (Phelps et al., 1970) eram “revolucionários”
Obs.: Resultados dos levantamentos retirados de World Values Surveys 1981-2004, Ronald Inglehart et al..
“Receber ordens” e “concorrer com os outros” são medidos numa escala de 0 a 2,2 (sendo este o valor mais
alto).
É axiomático que o que uma pessoa concebe como uma boa economia depende de sua
concepção de uma vida boa. Para João Calvino (1536), a vida boa consistia de trabalho árduo e
acumulação de riqueza. Para Hayek (1944) e Friedman (1962), vida boa era uma vida de
liberdade. O apelo do trabalho e da liberdade pode significar que estes são requisitos para uma
vida boa.33
Mas qual é a sua substância, qual a sua essência?
Numa conferência de 2003, propus que é uma carreira de desafios e de desenvolvimento
pessoal o que compõe a essência de uma vida boa (Phelps, 2007). Comentou-se que esta é uma
visão “muito americana”. Em minha réplica, comecei por lembrar que esta visão é a teoria
clássica do que seja uma boa vida, uma teoria que se originou na Europa: Aristóteles declarou que
as pessoas em toda parte desejam expandir seus horizontes e “descobrir seus talentos”. O
personagem da Renascença Benvenuto Cellini descreveu as alegrias da criatividade e da
realização das ambições pessoais em sua autobiografia. Nos tempos do barroco, Miguel de
Cervantes e William Shakespeare dramatizaram a busca individual – uma visão moral a que
Jacques Barzun e Harold Bloom denominaram vitalismo. Essa visão se reflete, em uma certa
medida, em Thomas Jefferson e Voltaire, entre outras figuras do Iluminismo, e é interpretada
pelos filósofos pragmáticos William James e Henri Bergson.34
A “auto-realização” em Abraham
Maslow e em Rawls refere-se, em ambos os autores, a tudo isso, como também as “capacitações”
33
Em todo caso, essas concepções de uma boa economia não são ricas o suficiente para fornecer uma
economia política para nossos tempos. O calvinismo mostra-se compatível com o socialismo de mercado
com propriedade privada. À parte o imposto de renda negativo de Friedman e as várias exceções da obra dos
anos do meio da vida de Hayek, ambos se apresentam mais entusiasmados com uma economia de livre
mercado – governo pequeno e concorrência atomizada – do que com as oscilações especulativas e o
expansivo comercialismo do capitalismo de hoje (nos lugares onde prospera). 34
O filósofo francês Henri Bergson foi guindado à fama nos anos que antecederam imediatamente a Primeira
Grande Guerra com seu livro que afirmava a prevalência do “tornar-se” sobre o “ser” e do livre arbítrio sobre
o determinismo.
20
e o “fazer coisas” de Amartya Sen (1995). Esse conceito de realização humana obviamente difere
da teoria da felicidade de Jeremy Bentham ou de “bem-aventurança” e não precisa estar
correlacionado a uma felicidade reportada.35
TABELA 2A – ORGULHO E SATISFAÇÃO DERIVADOS DO EMPREGO (EM UMA ESCALA DE 1
A 10) E O NÚMERO REPORTADO DE PESSOAS SATISFEITAS (EM PERCENTUAL)
_____________________________________________________________________________________ Envolvimento com o Satisfação com o Sente satisfação Sente satisfação Satisfação
emprego (orgulho emprego com a vida com a vida resultante
Obs.: Resultados dos levantamentos retirados de Human Beliefs and World Values, Ronald Inglehart et al..
TABELA 2B – EVIDÊNCIAS CIRCUNSTANCIAIS E OUTROS INDICADORES DE DESEMPENHO
_____________________________________________________________________________________ Força de trabalho Força de trabalho Emprego em Remuneração Produção de
masculina em % feminina em % % da força do trabalho mercado por
da população da população de trabalho por trabalhador hora em
masculina em idade feminina em idade - 2003 - - 1996 - 1992