FERNANDO PERLI A LUTA DIVULGADA: UM MOVIMENTO EM (IN) FORMAÇÃO ESTRATÉGIAS, REPRESENTAÇÕES E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DO MST (1981 – 2001) Assis – SP 2007
FERNANDO PERLI
A LUTA DIVULGADA:
UM MOVIMENTO EM (IN) FORMAÇÃO
ESTRATÉGIAS, REPRESENTAÇÕES E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DO MST
(1981 – 2001)
Assis – SP
2007
FERNANDO PERLI
A LUTA DIVULGADA:
UM MOVIMENTO EM (IN) FORMAÇÃO
ESTRATÉGIAS, REPRESENTAÇÕES E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DO MST
(1981 – 2001)
Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de Doutor em História (Área de Conhecimento: História e Sociedade). Orientador: Dr. Frederico Alexandre de Moraes Hecker
Assis – SP
2007
FERNANDO PERLI
A LUTA DIVULGADA:
UM MOVIMENTO EM (IN) FORMAÇÃO
ESTRATÉGIAS, REPRESENTAÇÕES E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DO MST
(1981 – 2001)
COMISSÃO EXAMINADORA
TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR
Presidente e Orientador: Dr. Frederico Alexandre M. Hecker Unesp – Assis 2º Examinador: Drª. Tania Regina de Luca Unesp – Assis 3º Examinador: Dr. Paulo José Brando Santilli Unesp – Assis 4º Examinador: Dr. Marco Antonio Villa UFSCar 5º Examinador: Dr. Martin Cezar Feijó Mackenzie
Assis, 04 de abril de 2007
Para Emília (in memorian)...
... por contemplar este tempo.
Para Maria e Andréia...
... olhares complacentes.
AGRADECIMENTOS
Nas páginas desta tese estão inscritas muitas histórias, assentadas por
observações pertinentes e diversos apoios. De forma particular sou grato:
Ao Prof. Dr. Frederico Alexandre de Moraes Hecker, pela eficiente orientação,
marcada pela leitura rigorosa, sugestões e ponderações.
A Prof.ª Drª. Tania Regina de Luca que, para além da leitura crítica, legou o
exemplo do comprometimento profissional.
Ao Prof. Dr. Paulo José Brando Santilli, pelas precisas sugestões que ajudaram a
definir, com maior precisão, a proposta da pesquisa.
Aos professores, Dr. Marco Antonio Villa e Dr. Martin Cezar Feijó, pela
participação na banca examinadora e preciosas observações.
Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação e da Biblioteca da UNESP,
Campus de Assis, em especial, à Maria José, Zélia, Iria e Lucelena, pela paciência e
informações prestadas.
Agradeço à Débora Lerrer, Cristiane Gomes, Sérgio Carlos Canova, Lizete
Kummer, Daniela Stefano, Neuri Rosseto, Maristela Mafei, Jô Azevedo e Bernardo
Mançano Fernandes; pesquisadores e colaboradores do MST que auxiliaram com
informações e fontes.
Aos professores Marcos Martinelli e Fábio Augusto de Oliveira Santos, pelas
experiências compartilhadas no campo da história.
À Thaís Silva, Carlos Joviano e Marchetti que, perto ou longe, dividiram
expectativas e somaram na realização da pesquisa.
Aos meus alunos, desde o ensino fundamental aos cursos de capacitação e
especialização, a gratidão por me ensinar um mundo em suas múltiplas faces.
À Ana Laura e Cilene, pela presença e dedicação àqueles que tanto adoramos.
À Ana Luiza, Gabriel, Vitor, Mariana e Davi, tecendo representações num
“admirável chip novo”.
Aos irmãos, José Dinael e Luis Carlos, que ao enfrentarem os “dias de luta”
pelos quais passamos, possibilitaram-me percursos mais amenos.
À Eunice e Cido, por demonstrarem as coisas simples e o quanto a vida, em seus
percalços, nos oferece o valor de estar presente.
Ao meu pai Laurito (in memorian), que através de vestígios e fotos em preto e
branco, me trás exemplos de rara generosidade.
À Maria, minha mãe, devo a essência deste trabalho, rodeado de lápis, canetas e
papéis desde tempos da infância.
À Andréia, agradeço pela presença, dedicação e compreensão em anos de
convivência.
“Como é que faz para lavar a roupa?
Vai na fonte, vai na fonte
Como é que faz pra raiar o dia?
No horizonte, no horizonte
Este lugar é uma maravilha
Mas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte”.
A ponte (Lenine e Lula Queiroga)
PERLI, Fernando. A luta divulgada: um movimento em (in) formação. Estratégias,
representações e política de comunicação do MST (1981 – 2001). Assis, 2007. 333 p.
Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
RESUMO
Esta tese analisa as estratégias de divulgação, as representações e a construção de uma
política de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A
elaboração do Boletim Sem Terra por entidades solidárias na arregimentação de
movimentos sociais rurais no centro-sul do Brasil e sua transformação em Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, demonstram a função social destes meios de
comunicação e a participação de seus produtores na formação do MST. Com a
consolidação do Movimento, as estratégias foram direcionadas para a capacitação de
quadros, surgindo os Cadernos de Formação, materiais impressos que serviram para a
aplicação de cursos internos e métodos organizacionais. Ante o crescimento do MST,
aos impressos de Educação, Cooperação Agrícola e a Revista Sem Terra, somaram-se
novas alternativas de comunicação, como o ensaio fotográfico Terra, o CD Arte em
Movimento, a homepage, os programas gravados para rádios comunitárias e uma
multiplicidade de audiovisuais produzidos por simpatizantes e militantes. Nesse sentido,
entre a falta e o excesso de estratégias de divulgação, é analisada a participação de
entidades solidárias na organização dos sem-terra, os mecanismos de produção e
manutenção desses meios de comunicação enquanto espaços de representações políticas
e as implicações em padronizar idéias, difundidas por uma variedade de instrumentos,
na construção de uma política de comunicação do MST.
Palavras-chave: Política de comunicação; Representações; Movimentos Sociais Rurais;
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Perli, Fernando. The divulged fight: a movement in (in) formation. Strategies,
representations and communication politics of MST (1981 – 2001). Assis, 2007. 333 p.
Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
ABSTRACT
This thesis analyzes the divulgence strategies, the representations and the construction
of communication politics with the Movement of Landless Rural Workers (MST). The
elaboration of the Landless Bulletin, by volunteers, enabled the association of rural
social movements in the South-Center Brazil and helped formulate the Landless Rural
Workers Newspaper. These social functions were the means of communication and the
participation of its producers in the MST formation. With the consolidation of the
Movement, the strategies were directed to the enable of a group of people. These
Formation Notebooks, printed materials, served to the application of internal courses
and organizational methods. The expansion of the growing MST, reached the printed
papers of Education, Agriculture Cooperation, and the Landless Magazine. Other new
communications alternatives were also added, as the Land photographic training, the
CD Art in Movement, the homepage, the recorded programs to community radios and a
multiplicity of audiovisual were produced by sympathizer and militants. On this way,
between the lack and the excess of divulgence strategies, it is analyzed the participation
of volunteer entities in the organization of the landless people, the mechanisms of
production and maintenance of these means of communication as spaces of political
representations and the implications in standardizing ideas, spread out by a variety of
instruments, in the configuration of a communication politics from MST.
Key Words : Communication Politics; Representations; Social Rural Movements;
Movement of Landless Rural Workers.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
1. DIVULGANDO A LUTA...........................................................................................31
1.1. Dispersão e novos protagonistas...................................................................31
1.1.1. A carta dos colonos........................................................................44
1.1.2. O boletim........................................................................................46
1.2. Um lugar de sociabilidade............................................................................49
1.2.1. Conquistando apoio........................................................................52
1.2.2. Construindo notícias, definindo embates.......................................56
1.2.3. A seção Solidariedade...................................................................66
1.3. Entre a solidariedade e a representação........................................................71
1.3.1. Lutas de classificação e partidarização..........................................73
1.3.2. Ao abrigo do CAMP......................................................................78
1.3.3. Pela revogação da LSN..................................................................84
1.4. Leia, assine e divulgue..................................................................................90
1.4.1. O tablóide.......................................................................................93
1.4.2. Uma via internacional..................................................................102
2. DEFININDO A ORGANIZAÇÃO...........................................................................119
2.1. Aprofundando temas...................................................................................119
2.1.1. Os cadernos..................................................................................123
2.1.2. Dicotomias e intelectuais.............................................................135
2.1.3. A história “com os pés no chão”.................................................142
2.2.. Receituários...............................................................................................149
2.2.1. Um jornal diretivo........................................................................152
2.2.2. Os laboratórios experimentais......................................................160
2.2.3. Definindo a “(in) formação” .......................................................169
2.3. A multidão silenciada.................................................................................174
2.3.1. O “estrondoso silêncio”..............................................................179
2.3.2. Projetando o “sem-terra ideal”...................................................184
3. AMPLIANDO A COMUNICAÇÃO.......................................................................200
3.1. Cenas que se descortinam...........................................................................200
3.1.1. Entre a censura e a liberdade.......................................................204
3.1.2. De “Terra para Rose” a “Terra e vida Catarina”....................207
3.2. Identidade em movimento......................................................................... 211
3.2.1. A educação “Fazendo História”.................................................220
3.2.2. Rede internacional de solidariedade............................................235
3.2.3. Referendando a comunicação......................................................246
3.3. Sob a égide das imagens e representações..................................................251
3.3.1. A luta social no mundo da realidade virtual................................252
3.3.2. Projeto Terra................................................................................259
3.3.3. A revista.......................................................................................262
3.3.4. Arte, imagens e vozes da terra.....................................................268
CONCLUSÃO..............................................................................................................296
REFERÊNCIAS............................................................................................................304
ANEXO A – Lista de ilustrações..................................................................................320
ANEXO B – Lista de tabelas e gráficos........................................................................322
ANEXO C – Lista de abreviaturas e siglas...................................................................323
ANEXO D – Cronologia...............................................................................................327
12
INTRODUÇÃO
O estímulo dado por inúmeras entidades civis e ONGs à
produção de meios de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), o configurou numa rede de informações que abarcou uma série de implicações
conceituais. Ao analisar um extenso material produzido na formação, consolidação e
internacionalização do MST nos deparamos com as mudanças de significações do termo
sem-terra e a complexidade da definição de mediadores na organização.
Estudando a diversidade das experiências políticas na construção
de novos sujeitos históricos nos movimentos sociais rurais, José de Souza Martins usou
o termo sem-terra 1 para definir uma das frentes de luta no campo, no início da década
de 1980, juntamente com os assalariados e os posseiros. Os sem-terra foram
apresentados como trabalhadores rurais expropriados por um processo de mecanização
da agricultura no Brasil. 2
Em 1981, no município de Ronda Alta (RS), foi montado o
acampamento da Encruzilhada Natalino. Deste ponto de mobilização, iniciou-se uma
campanha de solidariedade aos agricultores acampados gerando uma arregimentação de
movimentos sociais rurais eclodidos nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. No âmago dessas lutas regionais, o conceito
sem-terra firmou-se como uma criação dos próprios trabalhadores rurais. A expressão
foi adotada de lutas pela terra ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, como o
1 O termo “sem terra”, desprovido de hifenização, é comum em citações anteriores a formação do MST, em 1984. Tal expressão refere-se aos trabalhadores rurais que passaram a reivindicar terra em vários Estados do Brasil antes da constituição de um movimento social rural de característica nacional. Ao usarmos o termo “Sem Terra”, com iniciais maiúsculas, estaremos nos referindo ao Boletim e Jornal Sem Terra, surgido em 1981 e transformado em tablóide em 1984. Quanto à expressão “sem-terra”, hifenizada, trata-se da categoria social e política que compõe o quadro histórico de luta pela terra, de maneira aleatória ou politizada, após a formação do MST. 2 MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1983.
13
Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), 3 desenvolvido no Estado do Rio
Grande do Sul e os resultantes de construções de barragens, como as de Sobradinho e
Itaparica, no rio São Francisco, e a de Itaipu, no rio Paraná.
Na organização dos sem-terra da Encruzilhada Natalino, Martins
identificou a presença de “agentes de mediação”, como a Igreja Católica – representada
pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Comissão Pastoral da Terra (CPT) –,
sindicatos de trabalhadores rurais, entidades estudantis e de direitos humanos. Estes
grupos passaram a ocupar funções de interlocutores entre os sem-terra e os órgãos
governamentais
Ao desempenharem papel de mediadores, adotaram estratégias de
comunicação com a finalidade de divulgar as reivindicações dos sem-terra. Nesse
sentindo, em 1981, surgiu o Boletim Sem Terra, um informativo organizado pela CPT,
Pastoral Universitária e Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do
Sul (MJDH). Ao abordarem a realidade dos trabalhadores rurais sob perspectivas
próprias, os grupos responsáveis pelo boletim produziram significados que implicaram
no uso de categorias de nomeação e interpretação, articulando movimentos sociais
rurais dos Estados do centro-sul do Brasil.
Num ambiente de luta pela informação e de necessidade de
comunicação com agentes externos, o papel da mediação foi exposto em vários estudos
como o traço singular na formação de movimentos sociais na transição das décadas de
1970 para 1980. O lugar ocupado por mediadores sustentou em várias pesquisas a
distinção entre “velhos” e “novos” agentes sociais do campo e da cidade.
3 O MASTER, organizado entre 1960 e 1964, atuou no denominado Movimento de Capão da Cascavel, ocorrido em 1962, resultando na desapropriação, pelo governador Leonel Brizola, da Fazenda Sarandi, um latifúndio de cerca de 22.000 hectares, no então município de Sarandi (RS), pertencente a estancieiros e industriais uruguaios.
14
Eder Sader, ao estudar novos significados dados às condições de
vida dos trabalhadores urbanos na segunda metade da década de 1970, considerou a
formação de um sindicalismo diferenciado das organizações anteriores ao golpe militar
de 1964, definindo o caráter fragmentário como peculiaridade dos “novos” movimentos
sociais. Defrontando-se quase sempre com a presença da Igreja Católica, através de uma
rede de agentes pastorais, o autor atribuiu às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
importante função social no processo de organização dos trabalhadores. 4
De acordo com Bernardo Mançano Fernandes, a relação entre as
paróquias das cidades e as comunidades rurais de potencial organizativo permitiu a
mobilização de trabalhadores para reivindicarem direitos e lutarem contra as injustiças.
Lutas isoladas de sem-terra firmaram vínculos e criaram uma espacialização de
mobilizações que culminou, em 1984, com a fundação do MST. 5 Em estudo posterior,
Fernandes ampliou o objeto, periodizando a luta dos sem-terra, articulando a
organização em todos os Estados do Brasil e demonstrando as dissidências decorrentes
das divergências políticas no processo de consolidação do Movimento. 6
Ilse Scheren-Warren, ao perceber a expansão de movimentos
sociais através da ampliação dos contatos políticos, inseriu o MST numa “rede de
movimentos sociais”, definida como um emaranhado de entidades, ONGs e
organizações populares articuladas sob aspectos políticos, sociais e culturais, com
pluralismo ideológico e transnacionalidade. Analisando o papel dos mediadores para
diferenciar os “velhos” e “novos” movimentos sociais na América latina, a autora
compreendeu que o “novo” em mobilizações camponesas – como Movimento das
4 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas de trabalhadores da grande São Paulo (1970 – 1980) 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. 5 FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. 1994. 285 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. 6 Id. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000.
15
Barragens (1976), Movimento dos Sem-Terra (1979) e Movimento das Mulheres
Agricultoras (1981) – estava na influência e no apoio recebido por uma corrente do
sindicalismo no campo. 7
Fluída e extremamente genérica diante do crescimento do MST, a
definição de mediadores mostrou-se complexa em meio às interpretações que o leque de
fontes nos ofereceu, sendo mais uma construção teórica dos que estudaram o papel
exercido por entidades solidárias no Movimento, do que expressão usada na gama de
materiais informativos ou, até mesmo, no cotidiano da luta dos trabalhadores rurais. As
limitações do uso do conceito ficaram evidentes ao percebermos, no início dos anos de
1980, a participação de entidades nas manifestações de agricultores do Rio Grande do
Sul que, ao contribuírem na arregimentação de movimentos sociais rurais regionais,
remodelaram seus papéis e posições diante da consolidação do MST no final da década.
A condição dos mediadores nem sempre foi mantida e definida
como prática de interlocução entre instituições governamentais e os sem-terra. Em anos
posteriores, as representações políticas da Direção Nacional do MST inseriram-se numa
rede de projetos de entidades civis, universidades e agências de cooperação
internacional que contaram com a participação de trabalhadores rurais das bases,
militantes, simpatizantes e ONGs, contribuindo, ainda mais, para a indefinição do
conceito, diluído num movimento social em rede e motivo de extensas discussões
teóricas. 8
Consideramos que a função dos mediadores, no sentido usado
para compreender a luta dos sem-terra no início da década de 1980, tornou-se
7 SCHERER-WARREN, I., Redes de Movimentos Sociais. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1999. 8 Para José de Souza Martins, os grupos de mediadores pertencem a classe média, intelectuais, agentes religiosos e partidários, educadores, que possuem “consciência de que a consciência dos próprios camponeses e trabalhadores rurais é limitadas ao imediato e à sobrevivência, uma consciência destituída de dimensão política”, fazendo da história das lutas camponesas recentes uma história da consciência política dos agentes de mediação. Cf. MARTINS, José de Souza. O sujeito oculto: ordem e transgressão na Reforma Agrária. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
16
insuficiente para explicar a complexidade do MST. A rede, como anteriormente
referida, foi tecida como um fluxo interno de informações, contribuindo na construção
de uma identidade sem-terra através da difusão de representações por diversos meios de
comunicação. Além disso, foi expandida com os contatos políticos estabelecidos com
movimentos sociais de diversos países, agregando à organização dos sem-terra uma
miríade de entidades solidárias, peças de uma engrenagem que se constituiu no próprio
Movimento.
Delimitando o campo da comunicação construído na organização
do MST, percebemos uma rede de entidades sociais, religiosas e partidárias que
configurou um amplo Movimento em suas ações e representações. A produção do
Boletim Sem Terra, em 1981, nos permite entender a função social da comunicação na
formação do MST através da participação de grupos de apoio. Com a consolidação do
Movimento foram elaborados e apropriados, pela Direção Nacional, uma variedade de
meios de comunicação com estatutos diversos na organização dos sem-terra.
Assim, consideramos o boletim uma estratégia adotada por
entidades solidárias aos acampados da Encruzilhada Natalino para divulgar a luta e
conquistar apoio da sociedade civil. A muitos audiovisuais que abordaram a história dos
sem-terra, não podemos conferir a condição de meios de comunicação do MST, pois
foram produzidos externamente à organização. Entretanto, foram assimilados pelo
Movimento e adquiriram função de instrumentos de difusão de idéias.
De maneira mais evidente, após a fundação do MST, quando o
boletim transformou-se no Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com a
condição de porta-voz da Direção Nacional, seguiu-se uma série de publicações para a
capacitação de quadros, como os Cadernos de Formação, os Boletins e Cadernos de
Educação, os Cadernos de Cooperação Agrícola e as coleções Fazendo História e
17
Fazendo Escola. Os recursos para estes impressos eram variáveis, desde os arrecadados
com a venda dos materiais até os conquistados com o apoio de ONGs e agências de
cooperação internacional que os direcionaram para projetos alternativos de combate à
miséria e de democratização da comunicação. O envolvimento destas entidades, por ser
múltiplo, construiu um movimento social em rede de informação que, através de outras
tecnologias, como a página virtual, o CD Arte em Movimento, o Projeto Terra, a
Revista Sem Terra e as rádios comunitárias, ampliou sociabilidades políticas dando
projeção mundial ao MST.
Destas questões emergiu como objetivo central da tese a análise
das estratégias de comunicação adotadas no processo de associação de diferentes grupos
de apoio à luta dos sem-terra e consolidadas na arregimentação do MST. Entendidos
como espaços de tensões e de luta simbólica, esses instrumentos de difusão de
representações políticas foram ampliados e configuraram uma identidade sem-terra,
colocando na pauta da Direção Nacional a elaboração de uma política de comunicação.
Ao invés de estudos que analisam periódicos específicos com a
preocupação de escrever suas histórias ou a história por meio das publicações,
propomos compreender o lugar social de variados meios de comunicação produzidos e
apropriados na organização do Movimento, sem perder de vista as representações, tarefa
que requer uma dada apreensão para tecer um emaranhado de relações políticas que
tornaram público o MST. A história dos meios de comunicação do Movimento não está
desvinculada das relações de poder entre entidades solidárias e lideranças sem-terra e,
muito menos, de circunstâncias históricas, como a abertura política, a Nova República e
o papel exercido pela mídia na política nacional. As condições materiais e técnicas dos
meios de comunicação são dotadas de historicidade, pertencem “a contextos
18
socioculturais específicos” e o conteúdo destas publicações não se dissocia das relações
sociais e políticas estabelecidas na produção. 9
A luta pelo poder, enquanto luta pelo domínio da opinião pública,
instigou-nos a examinar um extenso material publicado por entidades solidárias, pelo
próprio Movimento e por diversos profissionais que, ao realizarem projetos de
comunicação alternativos, tiveram seus trabalhos reconhecidos nos círculos da
militância. O elemento diferencial que procuramos dar a esta pesquisa em meio a uma
variedade de teses e dissertações sobre o MST, 10 apóia-se na tentativa de entender as
formas pelas quais as estratégias de comunicação e os debates sobre o papel da
informação, transitaram e constituíram a própria organização dos sem-terra.
Nos últimos anos, o papel da imprensa tornou-se tema destacado
na análise da formação e consolidação do MST, em sua maioria, através de estudos que
apontaram posições de empresas jornalísticas perante as ações do Movimento. Na
intenção de contribuir para esta discussão, partimos do pressuposto de que este combate
de significações é o fio condutor de uma política interna de comunicação projetada com
9 DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In. PINSKY, Carla Bassanezi. (Coord.) Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. 10 Num sentido geral, podemos apontar três tendências de estudos sobre o MST com características transdisciplinares. A primeira analisa as ações do Movimento associando seu potencial a preceitos e práticas revolucionárias, alinhando-se à própria literatura produzida no interior do MST, por suas lideranças, sem descartar a inserção do MST em questões mais amplas, assumindo a importância de compreender o Movimento pelo prisma interno da luta e a estreita relação da pesquisa com a militância. A segunda tendência de estudiosos é composta por uma infinidade de pesquisas acadêmicas sobre acampamentos e assentamentos, ou seja, por um grande número de produções desfocadas de questões mais amplas, como a questão agrária e o próprio Movimento sob uma ótica nacional. Mediante um mapeamento bibliográfico sobre as produções que envolveram o MST em programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil, percebemos a amplitude adquirida pelo tema nos últimos anos. São pesquisas diversas que enriqueceram o entendimento da luta pela terra a partir de análises que relevaram particularidades regionais e demonstram a variedade de fontes que os pesquisadores podem trabalhar. Partindo da compreensão do Movimento por uma ótica nacional e sua inserção num campo político mais amplo e estrutural, encontra-se uma terceira tendência de estudiosos que enfrentam dificuldades metodológicas por causa da gama de informações decorrentes de casos e fontes. Estes propõem estudos mais ambiciosos que interpretem o MST em seu espectro nacional à luz de processos sociopolíticos e econômicos, considerando temas e discussões de longa duração sobre a questão agrária. Composto por pesquisadores que não descartaram a importância da militância para um projeto de transformação da sociedade, seus posicionamentos variam entre a estreita relação com o MST e a crítica fundamentada a projetos de reforma agrária e à própria organização do Movimento, sendo a maioria dedicada a objetos de cunho social em que está inserido o MST.
19
a expansão e internacionalização do MST. Ante as dificuldades de veiculação das
reivindicações dos sem-terra pelos canais de comunicação locais, regionais e nacionais,
nos preocupamos com as relações políticas que criaram instrumentos de difusão para
conquistar apoio da sociedade civil e consolidar o Movimento.
A relação entre MST e mídia, comumente considerada atribulada,
construiu na organização dos sem-terra um campo de debates sobre estratégias de
divulgação da luta. Derivado de uma genérica contenda, o documento “Por uma
Política de Comunicação do MST”, elaborado em 1995, propôs conjugar normas, regras
e procedimentos de maneira harmonizada e coerente, visando reforçar a identidade sem-
terra e evidenciando a necessidade do cumprimento de medidas em duas dimensões. Na
primeira, foram apontados itens para orientar os militantes sobre a importância de
compreender o papel da comunicação na sociedade de classes. No que tangia à
divulgação da luta, a produção da notícia pelos veículos de comunicação do MST foi
colocada como alternativa de combate ao caráter pejorativo, dado pela mídia
tradicional, aos sem-terra. Na segunda dimensão, entendida como um processo de
demanda interna, a comunicação foi apontada como um dos elementos de
homogeneização de idéias e construção da identidade sem-terra. Para tanto, deveria
cumprir o objetivo de motivação da militância, através do enquadramento de todos os
meios de comunicação do MST numa linha política definida pela Direção Nacional. 11
Para Cristiane Gomes, integrante da Comissão Editorial da
Revista Sem Terra, a denominada grande imprensa, ao desmoralizar o MST com
“notícias manipuladas, editoriais raivosos, tiradas de foco e fotografias que
11 MST. Por uma política de comunicação. São Paulo: documento interno, 1995.
20
demonizaram dirigentes”, 12 fez crescer na organização as discussões em torno de sua
credibilidade na veiculação das notícias sobre os sem-terra.
Christa Berger, ao analisar o posicionamento do Jornal Zero
Hora, de Porto Alegre (RS), perante a organização do MST e as estratégias adotadas
pelo Movimento para divulgar a luta na imprensa, concluiu que o texto jornalístico,
além de ser um mecanismo de exposição dos sem-terra no espaço público, deslocou a
cena vivida no campo para o universo da cidade e para as esferas de poder. 13 A análise
de Berger nos revelou a produção da notícia num campo simbólico multiforme,
construído pela simbiose do que é ser rural e urbano. 14
Consideramos que a proposta de uma política de comunicação do
MST decorreu de uma resistência às informações e representações veiculadas pela
grande imprensa, notadamente urbana. Ao analisar como os sem-terra foram
representados na mídia, Raquel Bertol, baseando-se em jornais e revistas que
12 GOMES, Cristiane. Estratégias de comunicação do MST. In: SEMINÁRIO SOBRE POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO: ESTRATÉGIAS PARA O CONTROLE SOCIAL, 2004, Recife. Anais eletrônicos... Recife: ABONG, 2004. Disponível em: <http://planeta.terra.com.br/noticias/comunicação/programação .html>. Acesso em: 15 set. 2005. 13 BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. Porto Alegre: UFRGS, 1998. 14 Preocupado com o que denomina de “recriação camponesa no interior do capitalismo”, Ariovaldo Umbelino de Oliveira questionou as teses de José Graziano da Silva e de José Eli da Veiga. Ambas, ao enfatizarem a relação cidade/campo, geraram sérias implicações no que diz respeito às fronteiras dos espaços rural e urbano na organização social brasileira. Percebe-se que Silva fez uma interpretação em que a delimitação entre o rural e o urbano tornou-se complexa em decorrência da urbanização do meio rural brasileiro nas últimas décadas. Seu estudo baseou-se na descaracterização do espaço rural a partir do avanço do capitalismo mediante o fenômeno da urbanização e da influência das relações de produção do mundo urbano sobre o mundo rural. Sob o ponto de vista da legalidade e de inserção econômica e cultural nas engrenagens produtivas de grandes cidades, Veiga, por sua vez, considerou as pequenas cidades e os loteamentos clandestinos espaços que não integraram o universo urbano, sejam por suas diferenças culturais e numéricas ou pela ilegalidade em relação ao poder público. Ao estabelecer uma relação referente à densidade demográfica, o autor desconsiderou cidades pequenas e loteamentos clandestinos como espaços urbanos. A crítica de Oliveira aos dois estudos pautou-se na ausência de métodos que analisassem a complexidade desses espaços, todavia, defendendo uma interpretação da denominada “unidade contraditória cidade/campo”. Para o autor, assim como as lutas rurais tornaram-se mais urbanas, questões que passaram a afligir o urbano constituíam práticas e projetos notadamente rurais. Dessa forma, seria nas cidades que se revelariam contradições, existindo uma necessária análise dos processos que atuaram na construção/expansão das cidades e dos que atuaram no campo. A respeito das teses dos autores: Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino; MARQUES, Marta Inez Medeiros. (Coord.) O campo no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. Casa Amarela / Paz e Terra, 2004. Cf. SILVA, José Graziano. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp, 1996. Cf. VEIGA, José Eli. Cidades imaginadas: o Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Autores Associados, 2002.
21
enunciaram o “ponto de vista urbano” da questão agrária no Brasil, mapeou as
coberturas da imprensa escrita em torno do MST. Para a autora, esses veículos
construíram e manipularam a imagem do Movimento perante os leitores 15, sendo
produto da influência política que os meios de comunicação de massa – representados
por empresas de televisão, rádio e jornais de diferentes níveis de circulação – exerceram
sobre a cultura política nacional.
O enfoque dado pela mídia ao MST cresceu após os massacres de
trabalhadores rurais sem-terra em Corumbiara (RO) e Eldorado dos Carajás (PA).
Ocorridos, respectivamente, em 1995 e 1996, estes conflitos alavancaram o problema
agrário no horário nobre da Rede Globo de Televisão, por meio da exibição da novela
“O Rei do Gado”, 16 como também, impulsionaram pesquisas no campo judicial. 17
Nesse contexto, lideranças do MST defenderam um projeto mais
amplo de Reforma Agrária, capaz de proporcionar uma interação da sociedade civil e
ampliar as propostas de luta para além das reivindicações de acesso a terra. Em
contraposição, o crescimento do Movimento e a conquista de espaço na mídia fizeram
vir à tona contradições e tensões da própria organização. Embora primasse por uma
15 BERTOL, Raquel. Como os sem-terra se inventaram pela mídia: a novidade social nos anos 1990. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 31, p. 3-23, 2003. 16 A novela “O rei do gado” (1996) fez referência ao MST e contou com a presença de dois senadores da República no velório de um senador de ficção. Ao tratar de um tema polêmico da política nacional, a novela foi caracterizada pelo que Ester Hamburger denominou, em seu texto “Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas do cotidiano”, de “merchandising social”, ou seja, a incorporação por parte das novelas de assuntos relevantes no noticiário social. Cf. HAMBURGER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In. NOVAIS, Fernando Antonio; SCHWARCZ, Lilia Moritz. (Coord.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 439-87. 4 v. 17 No campo judicial o número de pesquisas cresceu em decorrência da própria demanda gerada pela temática da violência. Trabalho extenso sobre temas judiciais foi o livro organizado por Juvelino José Strozake, “A questão agrária e a justiça”, que contou com a participação de pesquisadores, em sua maioria, da área de Direito. Dentre vários artigos, podemos mencionar os que trataram da formação histórica do MST, da teoria da função social da propriedade rural, da legitimidade dos movimentos populares no Estado Democrático de Direito e do MST em face ao Direito Penal. Cf. STROZAKE, J.J. (Coord.) A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
22
estrutura com abrangência nacional, o MST apresentava uma consistência organizativa
diferenciada nos Estados, o que não evitou dissidências. 18
No documento “Pedagogia do MST: acompanhamento das
escolas”, publicado em julho de 2001, a afirmação “somos sem-terra do MST” 19
distinguiu o termo e a sigla em diferentes momentos no cenário de luta política pela
terra. Muitos que assumiram sua condição de lavrador/agricultor expropriado pela
modernização da agricultura, êxodo rural, industrialização e urbanização, não
pertenciam ao Movimento em decorrência deste não abarcar todos os interesses de
trabalhadores rurais. Situando-se num quadro histórico de organização e reivindicação
de um direito social e de trabalho, os “sem-terra do MST” formaram uma frente de luta
no campo que agregou assalariados agrícolas e posseiros de movimentos regionais. As
demandas específicas de diversas lutas foram unificadas, dando origem ao MST e
significado social aos sem-terra, entendidos como os que adquiriram vínculos com a
luta política pela reforma agrária e edificaram, juntamente com entidades de apoio, o
Movimento.
A afirmação “ser sem-terra do MST é estar em movimento”
evidenciou a condição histórica de ambas as categorias. As relações sociais entre os
sem-terra abriram discussões sobre a condição social dos trabalhadores rurais,
construindo uma identidade política inerente à dinâmica formativa do Movimento.
Roseli Salete Caldart, pedagoga e militante do Setor de Educação do MST, ateve-se a
esta questão chamando atenção para o estudo da identidade sem-terra. Para a autora, tal
18 Novas siglas como MLT (Movimento de Luta pela Terra), MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), MAST (Movimento dos Agricultores Sem Terra) e MUST (Movimento Unificado dos Sem Terra), condicionaram o estudo do MST para enfoques mais variados. 19 BOLETIM DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 8, p. 23, 2001.
23
tarefa seria impossível acaso não compreendêssemos seu vínculo histórico com a
cultura camponesa. 20
Para agregar diferentes situações que envolveram os trabalhadores
rurais, o processo de organização das reivindicações indicou uma coletividade
representada em caráter nacional por um tipo de trabalhador rural idealizado, bem
como, formou novos sujeitos sociais diferenciados de tantos outros sem-terra. A
afirmação de identidades e alteridades nos remete ao campo das representações para
esclarecermos os significados que a Direção Nacional do MST, as entidades solidárias e
a militância construíram do próprio Movimento, do seu passado, da sua formação, das
imagens e mitos no processo de organização.
Todavia, adquirir a identidade sem-terra não significou enquadrar-
se em pressupostos da organização e das lideranças, pois a mesma era fruto de debates
teóricos que escapavam, em grande parte, da realidade dos trabalhadores rurais. 21 Os
20 Na área da pedagogia o número de pesquisas sobre a educação do movimento cresceu em decorrência dos resultados verificados pelos projetos educacionais de assentamentos e acampamentos. Roseli Salete Caldart em seus livros “Sem Terra com poesia: a arte de recriar a história” ; “Educação em Movimento: formação de educadores e educadoras no MST” e “Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola”, analisou a relação do MST com a educação enquanto mecanismo para o desenvolvimento da luta, a formação de educadores dentro da proposta pedagógica do MST, o curso de Magistério e os desafios do movimento como “sujeito pedagógico”. Na mesma direção, podemos perceber o livro de Valter Morigi “Escola do MST: uma utopia em construção”, que analisa a educação rural na legislação brasileira, a formação de professores para o MST e confronta propostas de Escola do MST e da Rede Pública Municipal de Viamão (RS). Sua contribuição para o estudo do MST está nas observações e reflexões em torno do projeto pedagógico do movimento, deixando claro uma nova idéia de educação identificada com um projeto de sociedade que valorize o trabalho e a vida no campo. A construção de uma identidade sem-terra é um dos pontos fundamentais das estratégias educacionais propostas pelo MST. Sobre estas referências, Cf. CALDART, Roseli Salete. Sem Terra com poesia: a arte de recriar a história. Petrópolis: Vozes, 1987. Cf. CALDART, Roseli Salete. Educação em Movimento: formação de educadores e educadoras no MST. Petrópolis: Vozes, 1997. Cf. CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. Cf. MORIGI, Valter. Escola do MST: uma utopia em construção. Porto Alegre: Mediação, 2003. 21 Uma das primeiras pesquisas que abordou a construção da identidade sem-terra foi a Dissertação de Mestrado em Psicologia (PUC-SP) de Luís Carlos Tarelho “Da consciência dos direitos à identidade social: os sem-terra de Sumaré”. A idéia do autor parte do princípio de consciência e identidade como conceitos idealizados na organização dos sem-terra através de espaços comunicativos e de socialização política desenvolvidos pelos trabalhadores. No Estado de São Paulo, a organização dos sem-terra de Sumaré foi distinta de outras lutas por emergir de suportes diferentes. As leituras, debates, músicas, foram referências para os trabalhadores interpretarem e compreenderem a realidade. Além disso, no processo de socialização política, o Partido dos Trabalhadores (PT) ofereceu elementos para a compreensão crítica da situação política e econômica do país. Cf. TARELHO, Luis Carlos. Da consciência dos direitos à
24
sem-terra lutavam por objetivos imediatos, pela vitória de interesses momentâneos e,
através dos reprodutores culturais legitimados na luta, travou-se um combate pela
conquista do direito à comunicação.
Das mudanças decorridas desde a formação do MST, ser sem-terra
passou a ser sem-salário, sem-moradia, sem-educação, na medida em que o conceito
surgiu da comparação entre valores urbanos e rurais. Ao identificar no urbano as
condições que o mundo social rural não foi capaz de perceber, ocorreu um processo de
unificação do poder simbólico.
Dessa forma, ser sem-terra era, antes de tudo, ter consciência da
ausência de valores econômicos e simbólicos construídos no espaço urbano. Estes
valores não adentraram a economia rural, mas estavam espraiados nos gestos e
ambições de um futuro que era construído simbolicamente pelos agricultores. Como
sugeriu Pierre Bourdieu, a atração do modo de vida urbano unificou o poder simbólico
fundamentado no reconhecimento dos valores dominantes, gerando uma representação
citadina de camponês incutida na consciência do homem do campo. 22 Desta
representação citadina, anteriormente referida, foram elaborados meios de comunicação
para difundir o conteúdo político do MST.
Não obstante as ações coletivas dos sem-terra serem concretizadas,
em sua maioria, no espaço rural mediante as ocupações de terra e a organização de
acampamentos, toda uma estrutura de divulgação da luta e das representações da
Direção Nacional do MST fora montada em cidades como Porto Alegre (RS) e São
identidade social: os sem-terra de Sumaré. 1988. 175 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1988. 22 BOURDIEU, Pierre. O Campo Econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000.
25
Paulo (SP), com o apoio de ONGs e entidades solidárias. Questões como estas colocam
em cena as indefinições das fronteiras entre movimentos sociais rurais e urbanos. 23
O próprio termo sem-terra, diferido do uso de velhas concepções
camponesas, teve significações transformadas nas circunstâncias da luta, resultado de
uma relação paradoxal de ser sem-terra pelo estranhamento de si próprio diante do
envolvimento de entidades e o uso de instrumentos políticos notadamente urbanos. A
variedade dos meios de comunicação produzidos e apropriados pelo MST nos
apresentou públicos e suportes diferentes, estratégias, representações políticas e debates
sobre o papel da informação na organização dos sem-terra. 24
Zander Navarro, que ao longo dos anos tornou-se um crítico dos
métodos, posturas teóricas e opções políticas do MST, evidenciou que os atores sociais
urbanos, embora relacionados ao Movimento, desconheciam quase inteiramente o
interlocutor que representava os sem-terra. Como problema intrínseco aos mecanismos
23 José de Souza Martins aborda estas questões sob o tema da modernidade num contexto nutrido pela permanência do transitório e da incerteza, que cobra do homem o tributo da “coisificação, de seu estranhamento em relação a si próprio”. Para o autor, a modernidade só é possível como momento contraditório da humanização, pois exige do homem sua coisificação, ou seja, uma dada representação política criada não por ele próprio, mas por uma mediação alienadora que o faz reconhecer-se no grupo. Para elucidar este “estranhamento”, o autor exemplifica que nos acampamentos de sem-terra tornaram-se comuns jovens trabalhadores de famílias camponesas conservadoras se ressocializarem por força do convívio e dos enfrentamentos conjuntos com estranhos. Tal sociabilidade alargou horizontes por causa do contato destes jovens com diversas experiências de vida reconhecidas além do mundo rural. Esta ampliação, nos termos de Martins, gerou um efeito “anômalo” , ou seja, indecisão por parte dos trabalhadores rurais quanto ao que deviam fazer para garantirem a sobrevivência de suas famílias à medida que o horizonte de possibilidades se expandia em decorrência do alargamento das relações sociais. Ao mesmo tempo, percebeu-se um arraigamento nas práticas de familismo e vizinhança rural na organização de acampamentos/assentamentos. A convivência entre as famílias baseou-se em laços de confiança marcados por ajudas mútuas. O empréstimo de alimentos, ferramentas e utensílios caracterizaram a solidariedade nestes locais de luta pela terra, gerando a proximidade das famílias e o compadresco. Cf. MARTINS, Jose de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. . São Paulo: Hucitec, 2000. 24 Na Dissertação de Mestrado em História (UNESP/Assis-SP) intitulada “Sem Terra: de boletim a tablóide. Um estudo do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entre a solidariedade e a representação (1983 – 1987)”, procuramos analisar a formação de jornais de movimentos sociais rurais no Brasil enquanto instrumentos de organização da luta pela terra; a fundação em 1981 do Boletim Sem Terra; as tensões que envolveram a apropriação do meio de comunicação por lideranças de trabalhadores rurais sem-terra; a transformação do boletim em tablóide no ano de 1984 e as representações, através do jornal, que a Executiva Nacional do MST fez de uma “realidade como atuação”. A expressão “realidade social como atuação” foi usada por Ciro Flamarion Cardoso para compreender o cenário em que “tomam forma as representações que tem por objeto ações sociais” . Cf. CARDOSO, Ciro Flamrion; MALERBA, Jurandir. Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000.
26
de representação do MST, apontou uma dissonância entre o “MST real” e o “MST
virtual” na desinformação de setores sociais e agrupamentos partidários socialistas de
extração urbana acerca do mundo da política rural. Estes, ao serem motivados pelos
manuais da literatura clássica da esquerda pretenderam perceber, nas ocupações de terra
e no desenvolvimento do Movimento, potenciais políticos que, na opinião do autor,
inexistiram nas expectativas cotidianas dos trabalhadores sem-terra. 25
A dissonância entre o real e o virtual na configuração de uma
política de comunicação e as representações produzidas pelos meios de divulgação do
MST, encontrou nos trabalhos de Leonilde Servolo de Medeiros importantes
pressupostos. Bastante revelador foi seu artigo sobre a história da imprensa direcionada
para a organização política de camponeses, tema pouco lembrado em meio ao
manancial de trabalhos que analisaram a questão da terra e dos movimentos sociais
rurais. 26 Estudando o Jornal Terra Livre, publicado nas décadas de 1950 e 1960, sob
responsabilidade do Partido Comunista Brasileiro (PCB), apontou e problematizou o
papel de um veículo de comunicação organizado por uma estrutura partidária, suas
condições de produção, composição estética, circulação, difusão, os temas abordados e
uma prévia análise das representações deste periódico em anos antecedentes ao golpe
militar de 1964.
Os meios de comunicação do MST, analisados em suas dimensões
de produção, distribuição e função ocupada na organização, tornaram-se instrumentos
de construção, manipulação e reinserção de idéias no ambiente dos sem-terra através da
25 NAVARRO, Zander. Mobilização sem emancipação: as lutas sociais dos sem-terra no Brasil. In. SANTOS, Boaventura Sousa (Coord.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 26 MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Os trabalhadores rurais na política: o papel da imprensa partidária na constituição de uma linguagem de classe. In. COSTA, Luiz Flávio Carvalho; SANTOS, Raimundo (Coord.) Política e reforma agrária. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
27
concepção que o grupo estabeleceu sobre a leitura enquanto prática política e
edificadora de uma consciência. 27
Além de entender a própria trajetória dos veículos de informação,
propomos um estudo das diversas expressões e representações do MST como resultado
de experiências comuns que, no entender de Edward P. Thompson, ocorre efetivamente
nas relações humanas que articulam a identidade de seus interesses, diferindo daqueles
que se opõe. 28 Tomando a consciência sem-terra como experiências em termos
culturais, percebem-se tradições, valores, idéias e campos institucionais.
O estudo dos mecanismos de reprodução cultural do MST requer a
difícil apreensão das estruturas de sociabilidade que compuseram num sentido histórico
conceitos de compreensão e representação dos sem-terra. Estas variam de acordo com
as épocas e com os espaços que são propostos para análise. Um meio de comunicação é,
antes de tudo, um lugar de produção intelectual e de tensão, em suma, espaço de
sociabilidade. 29 Ao inventariarmos as solidariedades de origem desses espaços de
difusão política e cultural, nos deparamos com ricos fragmentos que apontaram para as
redes sociais e políticas tecidas por entidades que apoiaram o MST, além de
intelectuais, religiosos, ativistas, sindicalistas, estudantes e políticos que colaboraram
para divulgar e estimular as lutas dos agricultores sem-terra em todo o país.
Outra preocupação é compreender o “apelo ao passado”, sua
ressonância com integrantes-leitores e sua condição estratégica na organização do
movimento social, através do que Eric Hobsbawm denominou de “tradições
inventadas”. 30 Estas visaram, em grande parte, atingir o objetivo de construção de
27 SIRINELLI, Jean François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Coord.) Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 28 THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 29 SIRINELLI, op. cit, p. 248. 30 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
28
sujeitos históricos. Para tanto, a elaboração de datas comemorativas, heróis, festas e
rituais de manifestação, foram incluídos na agenda e na pauta dos meios de
comunicação do MST.
Nossa análise, parte da constituição de categorias de representações
coletivas através de variados elementos, como a participação de entidades e ONGs na
organização política dos sem-terra, a concepção de sociedade ideal difundida entre
integrantes, as estratégias de propagação de idéias e ações portadoras de significação
enquanto ritos e símbolos estabelecidos nos gestos e nas representações visuais.
Conforme apontou Roger Chartier, as representações do mundo
social, ao serem construídas, são determinadas pelos interesses de grupos que as forjam.
As percepções do social não são neutras, pois legitimam projetos elaborados num
campo de concorrências que classificam, dividem e delimitam, expressando uma luta de
representações. 31
Os meios de comunicação contam, nas sociedades contemporâneas,
com aparatos sofisticados que fabricam e manipulam símbolos e conceitos como forças
reguladoras do mundo social. 32 Além de tratarmos de tensões evidenciadas na produção
dos meios de comunicação do MST, localizamos estas publicações na história do
Movimento, apontando características materiais, a composição interna e seu conteúdo,
identificando os grupos colaboradores e responsáveis, os públicos-alvos, tendo como
problemática o uso e a função dos materiais informativos na organização, identificados
pela veiculação das representações da prática política dos sem-terra.
O que a análise das representações políticas nos sugere são as
condições sociais da produção e da reprodução, no dizer de Pierre Bourdieu,
respectivamente, da “invenção” e da “assimilação” que, entendemos, constituíram o
31 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Lisboa: Difel, 2002. 32 BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux. Paris: Payot, 1984.
29
MST. 33 A partir da produção, distribuição, circulação e função social dos meios de
comunicação do Movimento, propomos contribuir no entendimento das experiências
políticas num campo de representações e de poder simbólico. O que produziu e
oficializou uma invenção e assimilação sem-terra foram representações, em parte,
difundidas como projetos e idealizações 34 que perfizeram a história dos trabalhadores
rurais.
A análise dos vários meios de comunicação produzidos ou
apropriados na organização do MST permite apurar três momentos que se refletem na
divisão dos capítulos desta tese. O primeiro, “Divulgando a luta”, compreende o
período de formação do acampamento da Encruzilhada Natalino, as entidades
envolvidas na produção do Boletim Sem Terra, a função social ocupada pelo
informativo na conquista de apoio de entidades civis e na arregimentação de
movimentos sociais rurais de Estados do centro-sul do Brasil que formaram o MST, a
transformação do boletim em tablóide e a função do meio de comunicação diante dos
primeiros contatos entre o Movimento e entidades internacionais.
No segundo, “Definindo a organização”, nos detemos na
elaboração dos Cadernos de Formação direcionados para a capacitação de quadros, nas
mudanças de orientação das estratégias de comunicação em decorrência das posições
assumidas pela Direção Nacional, nas representações políticas construídas e difundidas
em nome das lideranças sem-terra, no papel do jornal e dos cadernos na consolidação
do MST.
Ao prepararem bases políticas, estes meios de comunicação
expandiram fronteiras. Assim, no terceiro capítulo, “Ampliando a comunicação”,
33 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 34 BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean Pierre; SIRINELLI, Jean François (Coord.) Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
30
analisamos o uso de novas tecnologias pelo MST, como audiovisuais, uma variedade de
cadernos que representaram diferentes setores organizativos, a publicação da Revista
Sem Terra, o Projeto Terra, a internet, o lançamento do CD Arte em movimento e a
gravação de programas para rádios comunitárias de acampamentos e assentamentos.
Apreendendo os efeitos desta multiplicidade de meios de difusão, lideranças sem-terra
propuseram uma política de comunicação interna visando o alinhamento dos produtores
culturais às diretrizes da Direção Nacional do Movimento.
A configuração do MST, através de fluxos de informação, nos abre
um leque de interrogações sobre o lugar social dado aos meios de comunicação na
organização de movimentos sociais contemporâneos. A formação de uma rede de
entidades de apoio aos sem-terra desvendou interesses políticos muito mais complexos,
compondo um labirinto de caminhos próprio da luta simbólica.
31
CAPÍTULO 1:
DIVULGANDO A LUTA
1.1. Dispersão e novos protagonistas
O uso de meios de comunicação direcionados para a organização
de movimentos sociais no Brasil constituiu-se numa tática corrente no início do século
XX, sendo creditada a grupos socialistas, comunistas e anarquistas, uma variedade de
publicações de impressos. 35 Entre as décadas de 1920 e 1940, o movimento operário
estreitou relações com os socialistas e comunistas, que mantiveram uma imprensa
ativa36 com a publicação de periódicos, cuja principal função era divulgar as doutrinas
partidárias.
Ao dinâmico manancial de publicações ligadas ao movimento
operário brasileiro contrapõe-se a debilidade de periódicos voltados para o movimento
camponês. Aos olhos de uma extensa lista, poucos são os veículos de comunicação
especializados em temáticas do campesinato. Dos que se encontram no contexto de
inserção do camponês no debate político estão o Terra Livre (1949), sob
responsabilidade do PCB, o Liga (1962), editado por intelectuais e estudantes
apoiadores das Ligas Camponesas, e o Sem Terra (1981), fundado como boletim por
entidades de apoio e transformado em tablóide, em 1984, para representar a Direção
Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
35 FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880 – 1920). Petrópolis: Vozes, 1978. 36 Deste número significativo de informativos regionais e estaduais organizados pelo PCB, podemos mencionar o Imprensa Popular, Hoje, Notícias de Hoje, Folha de Goyas. Apesar da ilegalidade após 1947, expressiva parcela da imprensa do partido manteve-se ativa, com um jornal de boa penetração popular, o Voz da Unidade que, ao ser substituído pelo semanário Novos Rumos, voltou a ser editado entre 1980 e 1991. Além destes jornais, circulou, em grandes cidades, revistas teóricas e culturais, como Fundamentos e Literatura, esta última com Manuel Bandeira e Arthur Ramos no Conselho Editorial. Nestes anos, escritores como José Lins do Rego e Álvaro Moreyra, também trabalharam em órgãos orientados pelo partido.
32
Por ter um público-alvo muito específico, marcado pela
mobilização em locais dispersos, pela distância de gráficas e pontos de distribuição dos
materiais panfletários, as organizações camponesas eram carentes de informativos.
Além disso, o hábito de leitura e escrita pouco se referia ao cotidiano dos trabalhadores
essencialmente braçais, pois a linguagem do homem do campo era mais prática, seja
através de gestos ou da fala. 37
Com a inclusão do camponês no debate político brasileiro, sob a
influência das propostas revolucionárias de reforma agrária que sustentaram
mobilizações de camponeses na América Latina, a partir da década de 1950, levantou-se
a questão do papel da imprensa na organização e consolidação de movimentos sociais
rurais. A instrução formal, necessidade sentida no diálogo dos trabalhadores rurais com
instâncias governamentais gerou a aceitação, por parte de lideranças e camponeses, da
presença de entidades dotadas de instrumentos que, usualmente, a cultura falada e
gestual tinha dificuldade de abarcar. 38
A grande temática desenvolvida após a década de 1950 foi a
afirmação do conceito camponês enquanto um objeto de busca de identidade e sentido
político nas lutas sociais. A discussão integrou a pauta de partidos políticos da esquerda
socialista e comunista, produzindo uma série de contradições entre o campo teórico
daqueles que se propunham pensar o camponês e a realidade dos trabalhadores rurais.
O conceito de camponês, por ser produção de um conhecimento
específico, não encontrou espaço no cotidiano do homem do campo, e tão pouco, os
excluídos encontraram com facilidade o caminho político institucional. A
sistematização de um conhecimento escrito das tradições e perspectivas do homem do
37 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra. Campinas: Unicamp, 1999. 38 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
33
campo não supriu demandas do mundo rural, tornando as idéias da luta distantes
daquilo que, historicamente, era a vida do trabalhador rural. 39
Em sentido variado, os problemas do campo brasileiro
constituíram-se num atrativo intelectual que promoveu discussões nos partidos políticos
e na academia. A publicação de idéias voltadas para a organização da luta camponesa
manteve-se em colunas de jornais socialistas que, fazendo prevalecer assuntos
institucionais, fossem partidários ou ideológicos, abriram espaços para a divulgação de
artigos dedicados à questão agrária.
Este foi o caso da Folha Socialista, fundada em 1947, como jornal
de divulgação das teses e propostas do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Ao longo de
suas publicações, apesar de não serem poucos os artigos que trataram da questão do
campo, os textos deram mais importância a assuntos teóricos do que à ação política no
mundo rural. 40 Os intelectuais urbanos do PSB, em sua maioria, tomavam o homem do
campo como um sujeito arredio e distante das expectativas políticas urbanas. As
palavras marcaram o descompasso entre a expressão daqueles que pensavam
politicamente as questões do campo e os trabalhadores rurais, alheios ao vocabulário
empolado dos socialistas democráticos.
Sob um ponto de vista mais ortodoxo, no PCB ocorreu intenso
debate sobre a postura partidária frente à atuação política do homem do campo.
Internamente, o partido era marcado pela presença ativa de facções cujo interesse era a
questão agrária no Brasil. De um lado, estavam aqueles que entendiam o trabalho
assalariado como uma discussão politicamente superior. Para esses, o camponês era
considerado uma categoria social limitada pelo objetivo fundamental de satisfazer as
39 MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 40 HECKER, Alexandre. Socialismo sociável: história da esquerda democrática em São Paulo (1945 – 1965). São Paulo: Unesp, 1998.
34
necessidades familiares, com sérias dificuldades para assimilar a consciência de luta de
classes. De outro, situavam-se os defensores da revolução social, propondo a eficácia
das lutas do campo no processo revolucionário. Concluindo os debates, muitas vezes, o
partido propôs uma luta pela reforma agrária radical, entendida pela conquista da terra
através de medidas parciais, dando atenção aos assalariados e semi-assalariados
agrícolas.
Com a intensificação dos debates, a finalidade do campesinato em
organizações partidárias notoriamente estruturadas no contexto urbano, apresentou-se
como um problema complexo de ser resolvido. Tendo como objetivo conquistar a
militância no campo, o PCB lançou, em 1949, o jornal Terra Livre, considerado o
principal meio de comunicação escrito para a divulgação das bandeiras comunistas no
mundo rural brasileiro.
Mantendo informativos desde o âmbito estadual/regional até
publicações com expressiva penetração nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Pernambuco, Bahia e Ceará, o PCB publicou o Terra Livre numa conjuntura de eclosão
de diversos movimentos camponeses, com o objetivo de orientar as lutas emergentes.
O público-leitor a quem o Terra Livre dirigia-se era
majoritariamente analfabeto. Para minimizar este problema, integrantes do PCB
estimularam a difusão de idéias em pequenos grupos, através da leitura em voz alta por
parte daqueles que eram alfabetizados. 41 Alcançando uma tiragem de 30.000
exemplares, sua penetração no universo rural se deu por “agentes”, considerados
quadros do partido e encarregados de sua distribuição.
41 Esta prática de leitura, como aponta Eric Hobsbawm, remonta ao século XIX na organização do operariado inglês. Como forma de minimizar as deficiências de leitura dos trabalhadores de fábricas, militantes socialistas e comunistas realizavam, respectivamente, propagandas do movimento sindical e do Partido Comunista. Transferindo esta discussão levantada pelo autor para o universo brasileiro, esta prática já era comum nas primeiras décadas do século XX. Cf. HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
35
Como aponta Leonilde Servolo de Medeiros, o Terra Livre retratou
a preocupação das fileiras partidárias comunistas em levar a mensagem do PCB para os
camponeses, servindo de instrumento para a criação de uma identidade da luta
camponesa. 42 Ao mesmo tempo em que difundiu uma imagem de camponês no meio
rural, a imprensa partidária trouxe para dentro do PCB a complexidade da ação política
no campo, aflorada com as Ligas Camponesas na década de 1960.
Em meio às divergências de opinião entre lideranças das Ligas
Camponesas, a partir de 1962 foi publicado o jornal Liga. Organizado por estudantes,
intelectuais e militantes que mantinham contatos, estimulavam e assessoravam o
movimento camponês, o Liga tinha a proposta de homogeneizar idéias decorrentes do
crescimento horizontal das Ligas Camponesas e das discordâncias entre várias
tendências que enfraqueceram a unidade do movimento. 43
O Liga tinha seções semelhantes ao do Terra Livre. Grande parte
do jornal era dedicada à divulgação dos conflitos pela terra, dando destaque para os
trabalhadores da cana-de-açúcar e do cacau, colonos do café, parceiros, arrendatários e
posseiros. Apesar das semelhanças na composição, o Liga tinha uma conduta mais
radical, voltada para a independência da organização camponesa. Suas mensagens
apelavam para a aproximação dos interesses das diversas lutas, produzindo um discurso
a favor da unidade em pleno processo de dissensão desses grupos.
Em face da diversidade das relações de trabalho do camponês e a
heterogeneidade das questões apresentadas conforme a região e as áreas em que
ocorriam mobilizações, as Ligas Camponesas espelharam os impasses e as contradições
42 MEDEIROS, 1999, p. 44. 43 ANDRADE, Manuel Correia de. Lutas camponesas no nordeste. 2 ed. São Paulo: Ática, 2000.
36
vividas pela esquerda brasileira. 44 O jornal Liga fora o retrato dos sérios problemas
internos enfrentados pelas Ligas Camponesas e seus desacordos com o PCB.
Com o golpe de Estado de 1964 e o enrijecimento da ditadura
militar no Brasil, os jornais de movimentos sociais rurais foram debelados ante a
oficialização do Estatuto da Terra 45 e o vazio da representação política estabelecida no
campo.
A elaboração do Estatuto da Terra orientou-se pela premissa de
desenvolvimento e proliferação da empresa rural, em detrimento dos valores do lavrador
apoiado no trabalho de subsistência da família. Procurava-se dotar o produtor agrícola
do espírito capitalista, tratando-o como empresário e organizador da sua atividade
econômica segundo os critérios do capital. 46 O Estatuto e a concepção dos militares de
racionalidade do capital sobre a terra geraram um processo de modernização da
agricultura brasileira, nos termos de José Graziano Silva, entendida como
“modernização dolorosa”. 47 Capitais provenientes do governo através de instituições
bancárias foram distribuídos para agropecuaristas com o objetivo de realizar a
modernização de suas atividades produtivas mediante a aquisição de implementos
agrícolas. Os reflexos dos investimentos foram sentidos na agricultura familiar,
tradicionalmente caracterizada pela necessidade de subsistência do camponês. 48
44 AZEVÊDO, Fernando Antonio. As ligas camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 45 O Estatuto da Terra foi criado pela lei 4.504, de 30/11/1964. Implantado no Brasil em 1965, sua elaboração esteve intimamente ligada ao clima de insatisfação reinante no meio rural brasileiro e ao temor, do governo militar e de setores conservadores que apoiaram o golpe militar, pela eclosão de uma revolução camponesa. A criação do Estatuto da Terra colocou no cenário rural perspectivas de uma reforma agrária e propostas de desenvolvimento da agricultura, com o objetivo político de apaziguar o clima de tensão entre camponeses e proprietários de terra. Dentre as metas estabelecidas, a reforma agrária foi protelada e as medidas de modernização da agricultura receberam grande atenção do governo, principalmente, durante a década de 1970, historicamente marcada pela modernização dolorosa que, ao gerar a mecanização das relações de produção no campo brasileiro, gerou desemprego e, em conseqüência, o aumento do êxodo rural. 46 MARTINS, 1983, p.33. 47 GRAZIANO SILVA, José. A modernização dolorosa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. 48 Id., O que é a questão agrária. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
37
Mais do que evidenciar a necessidade de racionalidade do capital
no meio rural, os militares colocaram em prática a concepção de reforma agrária a partir
do esvaziamento político no campo. Para José de Souza Martins, o vazio consistiu na
despolitização da luta pela terra, na desmobilização estratégica das manifestações de
cunho político e, portanto, como luta partidária. O vazio político era fundamental para a
sobrevivência da ditadura militar e seu projeto de desenvolvimento econômico. 49
No contexto de repressão política, entre 1964 e 1980, entrou em
cena a imprensa alternativa ou imprensa nanica. Adotando o formato tablóide
disseminou-se, principalmente, por ação de publicitários e jornalistas. Os vários ciclos
alternativos, conforme aponta Bernardo Kucinski, foram constituídos pelo satírico Pif-
Paf; a Folha da Semana apoiada pelo PCB; os jornais inspirados na Revolução Cubana,
como O Sol, Poder Jovem e Amanhã; os de resistência político-cultural, entre os quais
O Pasquim e Opinião; os caracterizados pelo humor pesado, Grilo e Balcão; os ativistas
políticos Versus e Movimento 50; os decorrentes de uma crise de padrão como De Fato e
Coojornal; os de campanha da anistia como Repórter, Resistência e Maria Quitéria. 51
Mudando de lugar social, parte da atividade jornalística alternativa
foi institucionalizada, em geral, com as oposições ao regime ditatorial do final da
década de 1970. Tal mudança ocorreu a partir das greves de 1978 e 1979 na região do
ABC paulista e da consolidação de entidades de apoio a movimentos populares, como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT).
49 MARTINS, 1983, passim. 50 Ao trabalhar as posições do jornal O Estado de São Paulo e do semanário Movimento perante a ditadura militar, no período de 1968 e 1978, Maria Aparecida de Aquino discorreu sobre o Movimento como importante veículo de contestação ao regime político, o considerando um meio de comunicação defensor da democracia e dos interesses populares que sofreu com a imposição dos órgãos censores. Cf. AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968 – 1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência – O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: Edusc, 1999. 51 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2003.
38
O sindicalismo combativo, marcado pela tomada dos sindicatos por
forças de esquerda ao regime militar, todavia, não reproduziu a articulação que definia a
imprensa alternativa, uma vez que os jornais de sindicatos e partidos políticos
propunham a defesa de interesses corporativos e institucionais específicos.
Para Eder Sader:
“... a emergência de uma corrente sindical renovadora,
nitidamente minoritária durante os anos 1970, começou a
questionar a organização sindical e a ser reconhecida como
‘sindicalismo autêntico’ ou ‘novo sindicalismo’. Na origem, pois,
dessa corrente, encontramos o impulso de um grupo de dirigentes
sindicais no sentido de superar uma situação de esvaziamento e
perda de representatividade de suas entidades e de estimular e
assumir as lutas reivindicativas de seus representados”. 52
A imprensa sindical ganhou novo enfoque, deixando a atividade de
doutrinação ideológica para constituir jornais encomendados pelas diretorias sindicais e
direcionados às classes trabalhadoras. Jovens e experientes jornalistas, formados por
escolas de comunicação, com passagem profissional pela grande imprensa e/ou
imprensa alternativa, passaram a integrar os sindicatos, produzindo significativas
mudanças num espaço político anteriormente ocupado por burocratas, médicos e
advogados.
A valorização de jornalistas dentro dos sindicatos retratava a
importância adquirida pelos meios de comunicação na organização sindical. Os
metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) valeram-se do uso moderno e massivo da
comunicação para mobilizar trabalhadores. Na greve de 1979, a Tribuna Metalúrgica
52 SADER, 1995, p. 180.
39
alcançou uma tiragem de cerca de 20.000 a 30.000 exemplares diários e, a Folha
Bancária, do Sindicato dos Bancários de São Paulo, chegou a 35.000 exemplares.
Nos movimentos populares do campo o papel assumido por
entidades solidárias também fez crescer a valorização de jornalistas em projetos de
elaboração de informativos. Fundada em 1975, a CPT consolidou sua representatividade
junto aos movimentos sociais rurais em 1978, com o lançamento de boletins e pequenos
jornais em vários Estados.
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), em que lideranças
populares desalojavam lideranças pelegas, passaram a publicar jornais inspirados, em
parte, pelo modelo alternativo. No Estado do Paraná, o Picareta da Justiça representou
nove sindicatos. Exercendo um papel de contra-informação, foram publicados, nesses
anos, jornais de diversos sindicatos, como o Enxadão, do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Macapá (AP); A Foice, do Sindicato de Correntina (BA); o Boletim
Informativo do STR de Colatina (ES) e o Lamparina, do Sindicato dos Trabalhadores
de Santarém (PA). 53
Esta multiplicação de jornais sindicais e de assessoramento a
movimentos populares, na transição da década de 1970 para 1980, foi apoiada
materialmente pela Igreja Católica, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e diversas
entidades da sociedade civil.
Kucinski retratou que,
“Nessa configuração, o jornalista é essencialmente assalariado
que precisa defender posições políticas e programáticas da
instituição que o emprega. O âmbito da decisão política é o da
instituição e não da redação do jornal. Surgem dezenas de jornais
53 KUCINSKI, 2003, p. 194.
40
e revistas desse tipo, institucionais, que continuam carregando
aparentemente algumas bandeiras da imprensa alternativa dos
anos de 1970”. 54
Com o processo de abertura política ofereceram-se novas
possibilidades táticas e estratégicas de atuação dos grupos políticos contrários à ditadura
militar. Apesar de a Lei de Segurança Nacional (LSN) impor uma série de restrições ao
jornalismo, dentre as quais, prisões aos profissionais da área que tecessem críticas ao
regime, uma relativa abertura dada à imprensa foi constatada com a pulverização de
jornais que representavam variadas entidades civis. O próprio Kucinski entendeu este
momento como de dispersão dos produtores e jornalistas da imprensa alternativa. Com
isso, os jornalistas que anteriormente dedicavam-se à publicações variadas, em meio ao
vazio da proposta dos alternativos em decorrência da abertura política, dispersaram-se
para jornais de inspiração partidária e/ou sindical.
Novos protagonistas também surgiram nesse período de
transformação da imprensa nanica. Jornais de sindicatos de trabalhadores rurais, da
CPT e de entidades de direitos humanos, em sua maioria, contavam com a participação
de jornalistas e estudantes. Tais publicações fizeram parte de um contexto marcado pela
eclosão de movimentos sociais de contestação à estrutura fundiária do país em diversos
Estados do centro-sul. Em meio às políticas isoladas de organização de trabalhadores
rurais, entidades civis que apresentavam propostas de atuação contra a ditadura militar
lançaram apoio à luta pela reforma agrária. Essas entidades, compostas por ativistas,
religiosos, advogados e sindicalistas, tinham em suas fileiras muitos jovens
universitários, principalmente da área de educação, ciências sociais, direito ou
jornalismo.
54 KUCINSKI, op. cit., passim.
41
Suas ações estiveram relacionadas com a atuação de organizações
não-governamentais (ONGs) instituídas em anos de abertura política da ditadura militar.
As fronteiras que separaram grupos religiosos de solidariedade, sindicatos e ONGs com
estatutos voltados para a assessoria de movimentos populares, eram muito imprecisas,
compondo um quadro de mobilização política contra o regime autoritário.
As ONGs tornaram-se atraentes na década de 1970 como
alternativa às práticas institucionais tradicionais. 55 Em grande parte, seus componentes
surgiram de partidos, organizações de esquerda, universidades e igrejas, assessorando
grupos considerados excluídos de direitos políticos e sociais básicos. Através da
influência desses militantes e o forte apoio de entidades religiosas, desenvolveram-se
ações políticas de combate à desigualdade social, consolidando movimentos populares.
No Estado do Rio Grande do Sul a contestação de entidades e
ONGs ao regime militar trilhou os caminhos de assessoramento e mobilização dos
trabalhadores rurais que organizaram acampamentos nos municípios de Ronda Alta
(RS) e Sarandi (RS). Montado em 1981 e considerado um dos marcos das origens do
MST, o acampamento da Encruzilhada Natalino ganhou apoio de entidades como a
CPT, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Pastoral Universitária (PU) e o
Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH). 56
55 WENDHAUSEN, Henrique. Comunicação e mediação das ONGs: uma leitura a partir do canal comunitário de Porto Alegre. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 56 O acampamento da Encruzilhada Natalino recebeu este nome por ser montado no encontro das estradas que ligavam os municípios de Ronda Alta (RS), Sarandi (RS) e Passo Fundo (RS). Sua formação decorreu de uma série de ocupações no final da década de 1970. Em 1978 ocorreu a expulsão de mais de mil famílias que vinham arrendando as terras da Reserva Indígena dos Kaingangs de Nonoai (RS). Conhecidos como os “Colonos de Nonoai” passaram a contar com o apoio de entidades religiosas da região do Alto Uruguai. A partir de reuniões foi planejada a ocupação de uma reserva florestal da fazenda Sarandi que ocorreu de maneira precipitada. Mesmo diante da falta de resultados, em 1979 a ocupação da Gleba Macali, explorada pela Madeireira Carazinhense Ltda. (MACALI), foi considerada bem sucedida pelos agricultores e apoiadores. No mesmo ano foi realizada a ocupação da Gleba Brilhante, localizada também no município de Ronda Alta (RS). Mesmo com a desapropriação das duas glebas, centenas de famílias continuaram remanescentes. A viabilidade da luta trouxe à tona a necessidade de ocupar novas terras. Em 1980, no município de Sarandi (RS), as famílias ocuparam a fazenda Annoni. No começo de 1981, após a reintegração de posse, os colonos formaram o acampamento da “Encruzilhada Natalino”.
42
Tanto o CIMI como a CPT tiveram suas origens vinculadas à
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e foram organizados com
propostas análogas na medida em que se direcionavam para os problemas de
sobrevivência na terra de peões, posseiros, indígenas e migrantes.
Criado em 1972 num contexto em que o regime militar defendia a
integração dos povos indígenas à sociedade brasileira, o CIMI, em sua atuação
missionária, favoreceu a articulação entre aldeias e povos indígenas na luta pela garantia
do direito à diversidade cultural. 57 Esta entidade teve importante papel de mediação
diante da expulsão, em 1978, de mais de mil famílias de agricultores que vinham
arrendando as terras da Reserva Indígena dos Kaingangs de Nonoai (RS), possibilitando
a organização de acampamentos na região de Ronda Alta (RS) e Sarandi (RS),
alternativa política encontrada para denunciar as condições de vida e de trabalho no
campo.
Também fundada em plena ditadura militar, a CPT propôs
desenvolver serviços de pastorais junto aos trabalhadores rurais, com o objetivo de
assessorá-los na conquista de condições dignas de trabalho e acesso a terra. Em seus
primeiros anos, a entidade garantiu suas ações e manutenção através da CNBB. 58 Na
década de 1980 adquiriu um caráter mais ecumênico com o aumento de articulações
eclesiais e da incorporação de agentes de outras Igrejas Cristãs, destacando-se a Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e a Igreja Metodista do Brasil
Cf. BRANFORD, Sue; ROCHA, Jan. Rompendo a cerca: a história do MST. São Paulo: Casa Amarela, 2004. 57 CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO: Quem somos: a origem e o princípio que fundamentam a entidade, 2005, São Paulo. Disponível em: <http://www.cimi.org.br>. Acesso em 15 nov. 2005. 58 COMISSÃO PASTORAL DA TERRA: O nascimento da CPT, 2004, São Paulo. Disponível em: <http://www.cprnac.com.br>. Acesso em: 15 jul. 2004.
43
que, em 1982, constituíram o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC)
juntamente com a Igreja Cristã Reformada no Brasil e Igreja Episcopal do Brasil. 59
Além destas entidades religiosas, outros grupos demonstraram
apoio aos trabalhadores rurais no Estado do Rio Grande do Sul. Estes tinham longa
história relacionada aos movimentos sociais e ao combate da ditadura militar.
Remanescentes da Juventude Universitária Católica (JUC), extinta em 1967 por causa
da repressão, os idealizadores da Pastoral Universitária identificavam-se com os jovens
da década de 1960. Compromissados em preencher o vazio político da juventude
católica, a Pastoral foi articulada em 1977 no Concílio de Jovens em Lins (SP) e
encorpou-se em centros universitários interessados num trabalho de evangelização dos
estudantes. No Rio Grande do Sul, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) foi
vista como um dos principais pontos de organização de universitários que transitavam
em torno de temas sociais. Defendendo uma universidade em favor da causa dos
empobrecidos, a Pastoral propunha atuar no espaço educacional, nos movimentos
sociais e na Igreja. 60
Os integrantes do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
(MJDH) do Rio Grande do Sul compartilhavam experiências com os jovens
universitários católicos em relação ao regime autoritário. Desde a década de 1960, o
movimento vinha operando na clandestinidade em vários países da América do Sul em
que perduraram regimes militares. Em meio ao clima de anistia, foi fundado em 1979
adotando como princípio a defesa dos oprimidos pela violência política. 61
59 CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL: Surgimento, 2005, São Paulo. Disponível em: <http://www.conic.org.br>. Acesso em: 10 abr. 2005. 60 FATEA PASTORAL UNIVERSITÁRIA: História da Pastoral Universitária no Brasil, 2003, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.fatea.br/pu/pu_cnbb.htm>. Acesso em: 23 nov. 2003. 61 MOVIMENTO DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS:História do Movimento de Justiça e dos Direitos Humanos, 2003, Porto Alegre. Disponível em: <http://planeta.terra.com.br/notícias/mjdh/frame1. html>. Acesso em: 28 set. 2003.
44
A estreita relação do MJDH com trabalhos de divulgação e de
promoção dos direitos humanos junto à sociedade civil e a organização que propunha
uma “isenção” de questões partidárias em prol de causas humanitárias, fez a ONG
conquistar espaço em veículos de comunicação impressos, nas rádios e redes de
televisão. Reclamações de cidadãos sobre fatos que afetavam os direitos humanos, eram
investigadas e organizadas por integrantes da entidade que, ao contatarem jornalistas ou
órgãos de imprensa, criavam canais de informações e aproximavam interesses.
A atuação destas entidades no acampamento da Encruzilhada
Natalino foi caracterizada por constantes assembléias que contaram com a orientação de
padres, universitários e advogados. Inseridas num contexto de aversão a ditadura
militar, as reuniões dimensionaram assuntos de cunho social e relacionaram problemas
enfrentados pelos acampados com realidades de trabalhadores rurais de diferentes
pontos do país. Questão importante foi a preocupação dos participantes das assembléias
em desenvolver estratégias para sensibilizar a sociedade civil.
1.1.1. A Carta dos Colonos
O envolvimento de entidades de apoio na organização dos colonos
da Encruzilhada Natalino possibilitou uma sistematização das experiências de luta
através de anotações e definições de metas. Os acontecimentos que envolviam os
colonos eram registrados num diário. As próprias histórias das famílias e do
acampamento eram escritas pelos agricultores que, ante as pressões e dificuldades de
vida na Encruzilhada procuravam recorrer aos sindicatos de Passo Fundo (RS) e Ronda
45
Alta (RS). Como estratégia para resolver problemas variados, os colonos tentaram
acesso nas emissoras de rádio locais para divulgar a causa dos acampados de Natalino.62
Essas ações marcaram, nos primeiros passos da organização dos
acampados, a importância do retrato dos fatos na construção de notícias e de uma
história de interesse dos agricultores, enquanto mecanismos de conquista de espaço na
sociedade civil para fortalecer laços políticos. Devido às poucas chances de veiculação
das reivindicações dos acampados nos meios radiofônicos da região, numa assembléia
realizada em 15 de maio de 1981, religiosos e trabalhadores rurais decidiram elaborar
um texto intitulado “Carta dos Colonos acampados em Ronda Alta”.
Com o objetivo de explicar os propósitos dos agricultores, a carta
dirigida à sociedade civil esclareceu a origem e a recusa das 500 famílias acampadas de
deslocarem-se para as cidades, pois reputavam o trabalho da lavoura como essencial na
vida de todos. Entre explicações das situações das famílias e justificativas para lutar
pela terra, evidenciou-se no documento a necessidade de conquistar apoios individuais e
de entidades coletivas. Mais do que uma exigência específica dos trabalhadores rurais, a
carta foi uma contestação às transformações modernizadoras que afligiam a atividade
agrícola tradicional. A frase que a finalizou, Terra para quem nela trabalha,
questionava o uso da mesma para fins especulativos e reivindicava condições básicas de
vida e produção.
Agricultores que se destacaram como lideranças no acampamento
defenderam a importância da sensibilização da sociedade civil como forma de
pressionar o governo. Alertavam para as dificuldades cotidianas e o aumento dos
problemas que seriam enfrentados com a chegada do inverno. Entendiam que a carta era
uma forma de demonstrar à população de municípios da região a importância da luta,
62 IOKOI, Z. M. G. As lutas Camponesas no Rio Grande do Sul e a formação do MST. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 11, n. 22, p. 49-70, mar./ago., 1991.
46
porém, não deixavam de evidenciar o isolamento dos colonos, o conservadorismo da
sociedade quanto ao tema e a falta de mecanismos dos acampados para reproduzirem e
distribuírem a carta.
Agentes de apoio, como padres da Igreja Católica, chamavam
atenção para a necessidade de dialogar com instâncias governamentais e estruturar o
acampamento através do fortalecimento dos laços organizativos e a solidez da
campanha. Defendiam que a formação de representantes de agricultores, dentro de uma
concepção cristã, era um passo significativo para a manutenção da luta, pois a
identificação de interesses deveria permitir a aproximação das famílias.
A proposta de fortalecimento, além de valorizar a formação de
lideranças, colocava as entidades solidárias numa condição estratégica entre os
agricultores, a sociedade civil e as instâncias governamentais. Nesse sentido, a CPT
esteve diretamente envolvida, encarregada de questões técnicas, de saúde e educação
para os acampados. A ausência de espaço nos meios de comunicação erigia como um
problema para os agricultores acampados, justificando no interior de um discurso pela
reforma agrária um projeto de divulgação da luta.
1.1.2. O boletim
A “Carta dos Colonos acampados em Ronda Alta” sustentou a
elaboração de um boletim, entendido como um material escrito mais amplo. Apesar da
reprodução da carta e sua distribuição serem uma alternativa simples de comunicação, a
montagem de um informativo requeria maior estruturação, tornando importante a ajuda
de entidades na produção. Em comunhão com a CPT, universitários de Porto Alegre
47
(RS) propuseram sistematizar idéias do acampamento e ganharam apoio do MJDH, que
cedeu espaço na sede localizada na capital gaúcha para confeccionarem o informativo.
Não recebendo ajuda do Estado e mantido por doações, o MJDH
tinha uma estrutura organizacional que não dispunha de funcionários ou associados,
contando com o trabalho de pouco mais de uma dezena de voluntários. 63 A experiência
de assessorar a elaboração de um boletim para os acampados da Encruzilhada Natalino
alentava a manutenção de um informativo para a própria ONG.
A edição nº. 1 do Boletim Informativo da Campanha de
Solidariedade aos Agricultores Sem Terra (BST) foi lançada com o propósito de
divulgar a carta dos colonos, esclarecer o andamento das negociações entre agricultores
e governo do Rio Grande do Sul, apresentar formas para os leitores apoiarem a luta e
organizar campanha de arrecadação de agasalhos e mantimentos. 64 Com frente e verso
mimeografado foram reproduzidos 700 boletins, apresentando o título Sem Terra e
contando na primeira página com a carta datilografada na íntegra. O boletim foi
composto apenas por textos, sem qualquer tipo de ilustração, imagem e publicidade.
(ver figura 1).
A princípio, as dúvidas dos elaboradores sobre a continuidade da
publicação eram grandes. A indefinição do lançamento da edição nº. 2 impossibilitava o
planejamento da periodicidade e da tiragem, totalmente dependentes dos
acontecimentos da luta dos acampados, da coleta de informações e da militância na
composição do informativo. Outro agravante para a continuidade da publicação era a
Lei de Segurança Nacional (LSN), motivo que dificultou a exposição dos colaboradores
e caracterizou a ausência no boletim de responsabilidade jornalística e de expediente,
assumidos coletivamente pela CPT, PU e MJDH do Rio Grande do Sul.
63 WENDHAUSEN, op. cit, p. 81. 64 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 1, p. 1, 1981.
48
Em decorrência da LSN, até 1983, nenhuma matéria foi assinada
no Sem Terra, prevalecendo a responsabilidade coletiva. Os produtores da notícia do
boletim preferiram o anonimato e apenas eram representados como integrantes dos
grupos responsáveis pela publicação.
Como proposta de organização do acampamento, agentes de apoio
sugeriram a inclusão do boletim como instrumento de assessoria aos agricultores.
Apesar de o termo assessoria ter implicações, pois para a maioria dos colonos
significava a organização do trabalho no acampamento e sua prática cotidiana, organizar
e publicar um boletim eram atividades vistas como secundárias diante da realidade dos
colonos.
Nascia uma proposta de meio de comunicação voltado para a
solidariedade aos acampados da Encruzilhada Natalino. O público a que se destinou a
edição nº. 1 do Sem Terra foi composto por lideranças sindicais, religiosos,
parlamentares, entidades civis, federações de trabalhadores e integrantes da sociedade
de Ronda Alta (RS). O objetivo do boletim foi alcançado na medida em que o
acampamento passou a receber correspondências de entidades civis de várias regiões do
Brasil que se sensibilizaram com os colonos.
Este resultado motivou e gerou, num período de dois meses, nove
edições. No segundo semestre de 1981, o boletim adquiriu periodicidade quinzenal e
tiragem de 1000 exemplares. Entre 1982 e 1983, chegou a 5000 exemplares mensais
com significativas mudanças na produção e na estética. (ver tabela/gráfico 1).
O meio informativo erigido como uma proposta para amenizar os
problemas de comunicação enfrentados no cotidiano da luta dos acampados tornou-se,
gradativamente, um projeto mais específico dos grupos de apoio que o entendiam como
um elemento colaborador no aperfeiçoamento da organização dos colonos. A função
49
atribuída ao boletim era de instrumento para a troca de experiências e socialização
política entre entidades civis, sindicatos, ONG´s e partidos políticos que agregavam-se
num projeto de fortalecimento de diversas lutas pela terra surgidas no centro-sul do
Brasil. Consideramos esta arregimentação uma rede de sociabilidade 65 que culminou
com a fundação, em 1984, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
1.2. Um lugar de sociabilidade
Com a distribuição do Boletim Sem Terra para entidades políticas e
sociais do Estado do Rio Grande do Sul, iniciou-se uma inter-relação dos responsáveis
pela publicação do informativo com instituições identificadas com a causa, produzindo
um efeito de solidariedade intensificado pela divulgação das cartas de apoio aos
agricultores.
A aproximação de diversas entidades e movimentos sociais –
paróquias, dioceses, sindicatos de agricultores e trabalhadores rurais, confederações
nacionais, partidos políticos, movimentos sociais rurais e urbanos, entidades sociais e
universitárias – com os acampados da Encruzilhada Natalino e seus grupos de apoio
ocorreu através de associações políticas firmadas por uma rede de sociabilidade
intensificada pelo boletim com a divulgação de cartas. Dessas correspondências, a rede
65 O conceito de sociabilidade adquiriu nas últimas décadas estatuto de legitimidade na historiografia. Antes, deixava dúvidas quanto aos métodos intuitivos que pesquisadores adotavam para trabalhar o tema. Porém, estudos de historiadores franceses, como Maurice Agulhon (1968 e 1977) e François Furet (1978) que recuperaram enfoques de Augustin Cochin (1925) sobre o papel das associações na eclosão da Revolução Francesa, deram às sociabilidades condição de instrumental teórico e metodológico. As sociabilidades, enquanto mosaicos políticos que constituíram agentes coletivos na história, operam num terreno estável através da análise da densidade das associações em suas relações múltiplas. Cf. FURET, François. Pensando a Revolução Francesa 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. O conceito também pode ser percebido nos estudos de Pierrre Bourdieu, através da noção de habitus, que viabilizou o retorno do sujeito enquanto matriz de disposições, percepções, apreciações e ações, adquiridas nas experiências sociais inculcadas, é “unificador e gerador” de práticas e ideologias, comumente descritas como “escolhas” ou “vocação”, que muitas vezes são consideradas efeitos da “tomada de consciência”. Tais práticas e ideologias, ao se atualizarem em ocasiões diversas, tomam posições e trajetórias determinadas no interior de um campo intelectual, gerando rede de sociabilidades entre instituições. Cf. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.
50
de associações foi ampliada e constituiu um movimento social rural que, além das
relações políticas estabelecidas com instituições de diferentes regiões do Brasil, teve
frutífero contato com entidades internacionais.
Conforme observou Jean-Pierre Rioux, pressupondo o estudo da
associação política, seria necessária uma investigação que avançasse sobre as dimensões
temporal, espacial e ideal, tentando evitar a interpretação linear. Todavia, o estudo da
rede de sociabilidade a partir de associações entre grupos de apoiadores de movimentos
sociais rurais, esclareceu uma história política preocupada com um modelo coletivo em
que confluíram entidades originadas ou fortalecidas por um “vazio de poder”. 66
No Brasil, isso ficou caracterizado com a organização de
trabalhadores rurais após o golpe militar de 1964. Nosso objetivo é realizar uma análise,
embora breve, das relações tecidas entre os acampados da Encruzilhada Natalino e
grupos de apoio, tomando por base as correspondências de solidariedade aos colonos
divulgadas pelo Boletim Sem Terra. Entendemos o informativo como um “lugar de
sociabilidade” entre os movimentos sociais identificados com a causa dos colonos de
Ronda Alta (RS), agregando objetivos e crenças que compuseram o MST no início da
década de 1980. 67
Tal enfoque parece proveitoso para compreendermos os laços
políticos, econômicos, culturais e religiosos que constituíram representações do MST
mediante a divulgação da luta pelo meio informativo. Ao inventariarmos os grupos que
66 RIOUX, Jean-Pierre. A Associação em política. In. RÈMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 67 O estudo da sociabilidade, para Jean-François Sirinelli, deve apreender redes políticas que se estruturam e são revestidas por “microclimas” , caracterizados por relações intelectuais particulares. A sociabilidade tem dupla acepção, ao mesmo tempo desvendando a associação política de entidades coletivas e a inserção de ambientes intelectuais ao contexto político e cultural de determinada época. Cf. RÈMOND, op. cit, p. 252. Através de arquivo pessoal, Ângela de Castro Gomes coordenou um trabalho de análise da correspondência privada do ministro Gustavo Capanema entendendo-a como um “lugar de sociabilidade” para a intelectualidade brasileira dos anos de 1930 e 1940. Compreendendo as relações tecidas entre ministro e intelectuais, desvendou um processo de construção identitária que abarcou a figura de Capanema. Cf. CASTRO, Ângela de Castro. Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
51
direcionaram diferentes formas de apoio aos acampados da Natalino, nos sujeitamos à
idéia de que o conceito de sociabilidade remete ao de solidariedade. Constituindo redes
enquanto produto de um efeito de institucionalização, a sociabilidade tem sentido
material e simbólico, seja através da proximidade física e freqüência regular dos
indivíduos em determinados lugares, seja com os laços de apoio firmados por
associações.
Importante notar o papel do boletim nesse momento de
aproximação entre diferentes entidades e a realidade dos colonos. Como meio que
divulgou inúmeras correspondências de caráter coletivo ou pessoal à organização,
percebem-se diferentes formas de sociabilidades que geriram um conjunto de idéias que
permearam a aproximação de movimentos sociais rurais eclodidos em diversos Estados.
Nesta direção, os vínculos ratificados compreenderam dois âmbitos
de tensões que sustentaram idéias da organização. Num primeiro, podemos apontar as
relações políticas e ideológicas daqueles que propuseram organizar o BST. Num
segundo, é perceptível a contribuição do meio de divulgação na organização dos
acampados e na aproximação de lutas regionalizadas em direção ao ideário de um
movimento social rural de caráter nacional. Além da função comunicativa que permitiu
a troca de experiências e apoios, no boletim constituíram-se representações – por parte
dos grupos envolvidos com a produção da notícia – do que era ser sem-terra68 e do
cenário político brasileiro.
A divulgação dos anseios e necessidades dos colonos à sociedade
civil contribuiu para a sociabilidade de diferentes entidades que se uniram em torno dos 68 No que concerne aos problemas de definição dos atores históricos, consideramos os sem-terra uma categoria formada por diferentes tipos de agricultores expropriados da terra sob orientação de instituições que se identificaram na Campanha de Solidariedade aos Acampados da Encruzilhada Natalino, no município de Ronda Alta (RS). Estas entidades contribuíram para fortalecer laços entre trabalhadores rurais de diversos pontos do Brasil, fundando e consolidando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Perante o cenário de luta pela terra no Brasil contemporâneo, o MST se constituiu num movimento social rural autodenominado de massa, possuindo um corpo político coletivo, atuante na mobilização, assessoramento e organização dos sem-terra.
52
acampados e passaram a demonstrar ações políticas que, mesmo diante das diferentes
formas de engajamento, deram uma noção de conjunto à luta. Nos laços de
solidariedade entre entidades, uma rede de relações experimentou historicamente a
condição do sujeito político sem-terra e a organização do sujeito coletivo MST.
1.2.1. Conquistando apoio
No lançamento da Edição nº 1 do Boletim Sem Terra, a Carta dos
Colonos foi acompanhada de inúmeras sugestões para leitores solidarizarem-se com a
luta. Distribuídos por correspondências postais para Federações dos Trabalhadores da
Agricultura (FETAGs) de diversos Estados, o boletim trouxe resultados significativos
para os acampados, pois em questão de uma semana dezenas de cartas recebidas de
grupos e entidades de apoio chegaram e serviram para a publicação do exemplar nº. 2.
Denominado de Movimento de Solidariedade aos acampados de Ronda Alta, estas
associações passaram a compor a maior parte dos boletins seqüentes.
Foi da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do
Paraná (FETAEP) a primeira manifestação de apoio aos colonos do Alto Uruguai,
mediante comunicado publicado no Boletim Sem Terra. Fundada na cidade de Londrina
(PR) em 1963, a FETAEP insere-se num contexto político de ampliação dos direitos dos
trabalhadores rurais. Neste ano, a eleição da primeira diretoria da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) possibilitou a agregação de
entidades estaduais, ocorrendo encontros que dinamizaram a unidade dos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STRs) do Estado do Paraná. Com o fortalecimento, a Federação
53
passou a ser sediada em Curitiba (PR) dando assistência trabalhista e demonstrando
solidariedade às causas de agricultores desempregados. 69
Alertando para a importância da organização dos trabalhadores
rurais nas conquistas diante da história, a direção da FETAEP informou que
encaminhara ofício ao Governador do Estado do Rio Grande do Sul, José Augusto
Amaral de Souza, solicitando apoio à desapropriação dos latifúndios improdutivos.
Além disso, enviou uma mensagem particular aos colonos:
“Nesse país, ultimamente, só conseguimos garantir os nossos
direitos com medidas de pressão e campanhas dessa natureza.
Poderíamos aqui, lembrar as conquistas dos suinocultores e dos
expropriados pela Itaipu Binacional, no Estado do Paraná, que só
alcançaram seus objetivos enfrentando o Exército Nacional e as
baionetas da Polícia Militar do Estado”. 70
Em nome dos “agricultores do Paraná”, a direção da FETAEP
produziu uma forte coesão com o discurso que emergiu dos acampados para pressionar
as autoridades quanto aos problemas da estrutura fundiária nacional. Verificou-se que o
objetivo da divulgação desses apoios institucionais era criar ações para sensibilizar a
sociedade e a classe política, bem como, angariar recursos para manter o acampamento.
Diante da necessidade, em Três Passos (RS), entidades civis reuniram-se para debater o
problema dos colonos, como também, a situação de milhares de “famílias de
trabalhadores rurais”, no Estado do Rio Grande do Sul.
A partir de agentes externos, as redes de sociabilidades
expandiram-se e agricultores que identificados com os problemas enfrentados pelos
69 NAVARRO, Zander (org.). Política, protesto e cidadania no campo: as lutas sociais dos colonos e dos trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1996. 70 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 2, p. 1, 1981.
54
colonos de Ronda Alta (RS) foram divulgados como “os sem terra”. O termo surgido
no exemplar nº. 1 do boletim – ainda na condição de título do informativo – conotava a
condição de despossuídos da terra, premidos do objetivo de adquiri-la por causa dos
laços firmados com a prática e o trato da lavoura. Mais do que ser “despossuído da
terra” , o conceito indicava que a posse era um fator relativo diante da necessidade de
conquista.
Conseguir terra para poder plantar representava manter vínculos
culturais agregados ao campo, tradição arraigada ao “pedaço de chão”, preservada
como direito de sobrevivência da família e das práticas culturais com a terra. 71 Mas esta
concepção não representava o estado pleno deste momento da organização, pois para
vários camponeses presentes na Encruzilhada ou em outros espaços de luta, a relação
com a terra já estava transformada. Muitos deixaram de ser lavradores autônomos, cuja
existência estava baseada no cultivo da terra e na subsistência da família, para se
tornarem o que José de Souza Martins denominou de “proletários rurais, trabalhadores
sem terra”. 72
Nesse sentido, ser “trabalhador sem terra” significava ser
empregado rural que não possuía sua propriedade agrícola e, portanto, deixara para trás
laços tradicionais de vínculo com a terra para sobreviver em meio às relações
trabalhistas e de capital firmadas no processo de expansão capitalista. Ninguém mais do
que o acampado para sentir os impactos e ambigüidades das relações baseadas no
capital, na medida em que, por estar num ambiente desfavorável para a produção de
alimentos que garantiam a subsistência, via-se obrigado a recorrer às leis de mercado ou
pedir doações para adquirir materiais e alimentos que garantissem a permanência no
acampamento.
71 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Plantar, colher, comer Rio de Janeiro: Graal, 1981. 72 MARTINS, 1986, p. 152.
55
O apoio de entidades de agricultores reunidas em Três Passos (RS),
em 1981, direcionou ações para a aquisição de recursos e, para tanto, foram divulgados
no BST a proposta de realização de pedágios em todos os municípios da região e
montagens de acampamentos em cada cidade, com espaço para tribuna livre, culto
ecumênico e coletas de recursos. A idealização de Três Passos (RS) representou os
primeiros efeitos da interação entre os colonos de Ronda Alta (RS) e trabalhadores
rurais de outras regiões.
Se por um lado a divulgação da aproximação de interesses gerou
resultados, por outro, o meio informativo dedicou-se a noticiar os novos apoios
advindos de diferentes pontos do centro-sul do Brasil. No ambiente urbano, o Sindicato
dos Metalúrgicos de Santos e o Sindicato dos Médicos do Espírito Santo manifestaram
apoio. Os operários santistas, após receberem o Boletim Sem Terra nº. 1 prestaram
solidariedade manifestando a convicção de que somente a reforma agrária solucionaria
os problemas do campo brasileiro. Os médicos, através do seu sindicato, direcionaram
aos “poderes constituídos” a necessidade de “tomarem medidas concretas de
atendimento às reivindicações dos colonos”. 73
A ampliação dos laços de solidariedade já era vista como
mecanismo importante para a sustentação dos acampados. Colonos, operários e agentes
da Pastoral da Terra da cidade de Santiago (RS) alertaram para essa questão e lançaram
um abaixo-assinado que foi remetido para o Palácio do Piratini, com 1415 assinaturas,
reivindicando ao governador terras para os colonos. 74
73 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 2, p. 1, 1981. 74 Exemplos como estes nos remetem aos estudos das solidariedades de origem, como propõe Jean-François Sirinelli. Ao analisar os participantes de um protesto, o historiador deve refletir sobre a formação de grupos de apoio. Propondo estruturas elementares de sociabilidade, aponta que “o abaixo-assinado é um bom sismógrafo para revelar e medir as ondas, os abalos e estremecimentos que percorreram a consciência nacional”. Nesse sentido, as reivindicações expressas por estes grupos de apoio são prova consistente de um problema secular que inflige o pacto de ordem social firmado entre classes dirigentes na construção de um ideário nacional. Cf. RÉMOND, op. cit., p.249.
56
1.2.2. Construindo notícias, definindo embates
As notícias divulgadas pelo BST sobre a situação dos acampados
da Encruzilhada Natalino e sobre os apoios de entidades à luta, além de gerarem uma
campanha de solidariedade aos colonos, evidenciaram embates entre o poder público e
os agricultores.
Nesse contexto, sobrou espaço para a divulgação da agudização dos
problemas das famílias, a cobertura do enterro da menina Loivaci Pinheiro e os embates
de grupos de apoio contra o relatório elaborado pela Fundação Sul-Riograndense de
Assistência (FUNDASUL), órgão da Secretaria do Trabalho e Ação Social, que
divulgou os antecedentes e a situação sócio-econômica dos agricultores.
A chegada do inverno e a situação dos colonos foram abordadas
como eventos que tenderiam à calamidade. Os barracos com armações de bambu,
cobertos de plástico, lonas e grande parte de capim, constantemente eram derrubados
diante das chuvas e ventos fortes. As mensagens do boletim apelavam para que os
colonos reconhecessem a necessidade de resistirem à situação e conclamavam a
constituição de outras formas de solidariedade com a finalidade de pressionar o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul para solucionar os problemas dos colonos da
Encruzilhada.
Na cobertura dada ao enterro da menina Loivaci, morta por falta de
cuidados médicos, criou-se uma situação emblemática da luta dos colonos de Ronda
Alta (RS), cuja dimensão foi reportada pelo Jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS).
Em foto do cortejo fúnebre, crianças de colonos aparecem levando o féretro e uma cruz
com coroa feita de flores naturais. Num segundo plano, o pai e a mãe da menina acenam
para o horizonte demonstrando angústia e, ao mesmo tempo, força para prosseguir na
57
luta. Ao fundo, centenas de acampados dão uma dimensão da união das famílias em
torno dos problemas enfrentados.
Na análise deste cortejo, é pertinente indagar como os colonos
empenharam, promoveram ações inovadoras para a luta e desencadearam através de
ações expressivas aquilo que Christine de Alencar Chaves denominou de “efeitos
criativos”. Para a autora, a conjunção entre “representação e ação presente nos rituais
desdobra-se em uma tensão entre reprodução e inovação” e, portanto, significativa foi
a escolha do símbolo da luta, uma cruz rústica e pesada que, para ser transportada,
dependia da união de força de muitos trabalhadores. 75
A atenção dada pelo boletim ao funeral de Loivaci, criando um fato
emblemático na luta dos acampados, retratou um contexto de celebração de datas
religiosas pelos agricultores e apoiadores. Uma manifestação que transformou-se numa
referência para os acampados foi a da “sexta-feira santa”, que tinha como ápice o
carregamento da cruz pelos colonos, simbolizando a união dos trabalhadores como
elemento mitigador dos sofrimentos vivenciados na luta. 76
Nesse quadro de adesão e embates políticos, o Boletim Sem Terra
divulgou as cartas de apoio, questionou medidas do governo consideradas prejudiciais
aos anseios dos agricultores, esclareceu a opinião pública quanto aos acontecimentos e
noticiou as ações e representações que operadas nas manifestações dos acampados.
O relatório apresentado pela FUNDASUL ao Governo Estadual
tornou-se o principal alvo de críticas do informativo. Traçando um perfil da realidade
sócio-econômica das famílias acampadas em Natalino, o relato, ao ser apresentado pelo
75 CHAVES, Christine de Alencar. A marcha nacional dos sem-terra: um estudo sobre a fabricação do social. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. 76 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 16, p. 1, 1981.
58
Governo do Estado, descontentou agricultores e agentes de apoio que o definiram como
injusto e preconceituoso.
Alegando que o Governo do Estado queria desunir os colonos com
a divulgação do Relatório da FUNDASUL, o boletim lançou a “2ª Carta dos Colonos
Acampados de Ronda Alta” incitando o Governo a esclarecer a campanha política de
1978, em que, na busca de votos, estimulou a invasão da Reserva Indígena de Nonoai
pelos colonos, “prometendo, muitas vezes, terras aos agricultores caso fossem
eleitos”.77
A intensificação das desavenças teve como causa o
pronunciamento de Adalberto Prates, secretário substituto do Trabalho e Ação Social do
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Com divulgação na imprensa gaúcha, dados
apontados pelo relatório foram defendidos pelo secretário que afirmou existir, entre os
colonos acampados, 43 que possuíam terras e outros bens e que “não mereciam a terra,
pois eram aventureiros e aproveitadores”. Além de denunciar a existência de colonos
com propriedades rurais, o relatório enumerou 16 agricultores que “tiveram
envolvimento em ocorrências policiais”. 78
Em tom explicativo, o boletim descreveu o relatório da
FUNDASUL na tentativa de minimizar interpretações advindas da divulgação na
imprensa. De maneira minuciosa apontou que 11 agricultores eram filhos de pequenos
proprietários que não conseguiam sustentar famílias numerosas, 12 possuíam pequenas
parcelas de terra que variavam de 0,2 a 5 hectares, 5 possuíam lotes urbanos dos quais
não podiam tirar o sustento da família, 3 possuíam terra de até 10 hectares e foram
obrigados a vender por problemas de doenças nas famílias, 2 possuíam um veículo
77 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 4, p. 5, 1981. 78 Id. nº. 5, p. 3, 1981.
59
usado em péssimas condições e 1 era filho de comerciante, mas sempre trabalhara na
terra.
Com relação às explicações dos casos de 16 acampados envolvidos
em “ocorrências policiais”, a defesa partiu do princípio de que todos passaram pela
justiça, mas os casos já tinham sido julgados e arquivados. A metade era de envolvidos
em “brigas de bailes ou festas”, 2 serviram de testemunhas, 2 foram acusados de roubo
e provaram inocência, 1 pagou dívida pré-datada rejeitada como “cheque sem-fundo” e,
o mais grave, praticou homicídio e fora absolvido em júri popular por legítima defesa. 79
As explicações criteriosas através do Boletim Sem Terra da
situação de cada agricultor denunciado pelo relatório da FUNDASUL, demonstram que
no jogo político da Reforma Agrária, as imagens que criaram dos agricultores, entidades
de apoio e poder público através da produção da notícia, travaram, além de um combate
físico e legal no campo, o combate da linguagem com a imprensa. 80
Essa problemática nos remete a Maria da Glória Gohn que, ao
analisar o papel da informação nos movimentos sociais, constatou que a força e a
expressividade da organização numa dimensão de produção e transmissão de imagens e
representações, ocuparam espaço relevante nas ações políticas destes sujeitos
coletivos.81
A informação produzida pelos meios de comunicação constituintes
da grande imprensa, politicamente cerceava a visão de acontecimentos de sujeitos
opostos por causa dos interesses econômicos. 82 Os agentes de produção do boletim, ao
não poderem expressar suas opiniões sobre os acontecimentos, criaram canais de
79 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 5, p. 3, 1981. 80 BERTOL, 2003, p.7. 81 GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e MST. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. 82 ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
60
comunicação que, por contestarem uma ordem produtora de notícias, estabeleceram
uma opção de informação doutrinária. 83
A dinâmica de informações criada com a divulgação das cartas dos
acampados pelo boletim, representou uma alternativa para os apoiadores expressarem a
situação dos trabalhadores rurais e as posições de entidades solidárias aos acampados da
Natalino. Assim, o lançamento da “3ª Carta dos Colonos Acampados de Ronda Alta”
teve como objetivo esclarecer entidades e sociedade civil sobre a “oferta de empregos e
a situação dos infiltrados no Movimento”. 84
Agricultores, religiosos e produtores do boletim, alegando que a
imprensa criava uma imagem pejorativa dos agricultores ao relacioná-los com
trabalhadores que negavam serviços oferecidos em cidades, alertaram sobre as
dificuldades encontradas para permanecerem na terra e as incompatibilidades
vivenciadas por camponeses para ingressarem no mercado de trabalho urbano. Ao tratar
da situação dos denominados “infiltrados” , a carta atentou para que a essência da luta,
neste caso, a conquista da terra, não fosse ofuscada por explicações de problemas
particulares de acampados, considerados assuntos que enfraqueciam a discussão sobre a
reforma agrária.
Por meio do embate político na construção da notícia cresceram a
rede de solidariedade em torno dos acampados e a divulgação de lutas similares que
surgiram no interior do Rio Grande do Sul, nos Estados de Santa Catarina, Paraná, Mato
Grosso do Sul, São Paulo, Espírito Santo e Bahia. Nesse sentido, movimento era
sociabilidade, socialização verificada nas ações e representações de trabalhadores rurais
e entidades solidárias em torno de objetivos e crenças comuns. O papel assumido pelo
boletim foi o de auxiliador na agregação de valores e de apoios institucionais através da
83 CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de Massa sem Massa. 3 ed. São Paulo: Summus, 1986. 84 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 7, p. 2, 1981.
61
promoção de contatos entre lideranças de acampamentos, sindicais, religiosas e
entidades que se associavam a causa política dos colonos de Ronda Alta (RS).
Para fortificarem objetivos e crenças, imagens de ambientes
coletivos foram testemunhadas pelo boletim enfocando depoimentos de lideranças de
agricultores e resoluções de Encontros. Estes eventos, marcados pelo fortalecimento de
elos políticos entre os participantes, emergiram tanto das instâncias internas de
organização dos acampados de Natalino como de outros locais em que se
desenvolveram mobilizações de trabalhadores rurais.
Dentre os grupos de apoio, a Federação dos Trabalhadores da
Agricultura do Rio Grande do Sul (FETAG-RS) tornou-se uma entidade relevante que
prestou assistência aos trabalhadores. No I Encontro Estadual de Trabalhadores,
realizado em Porto Alegre (RS), em junho de 1981, sindicalistas rurais deram um
ultimato para a entrega das terras reivindicadas pelos colonos de Ronda Alta (RS).
Estabelecendo um prazo até o dia 25 de julho, considerado Dia do Colono, o Encontro
foi divulgado pelo boletim como um marco na organização dos trabalhadores do campo
e um fator determinante para transformar a data numa das referências do calendário
histórico dos movimentos sociais rurais no Brasil. Como parte do Encontro, realizou-se
um show para arrecadar recursos que contou com a participação de artistas e conjuntos
musicais do sul do Brasil, abrindo espaço para a apresentação de danças e músicas pelos
colonos acampados.
No último dia, em missa realizada para aproximadamente 6 mil
pessoas no acampamento, o bispo de São Félix do Araguaia (MT), Dom Pedro
Casaldaliga, esclareceu as expectativas do clero quanto a situação dos colonos. Para o
religioso, o Mato Grosso não era “lugar para pequenos agricultores sem recursos”, por
isso, os colonos acampados na Encruzilhada Natalino não deveriam “aceitar a
62
proposta de transferência para lá”. 85 Esta questão foi o tema da “4ª Carta dos Colonos
Acampados de Ronda Alta”. Nela, foram justificados os motivos que levaram os
agricultores não aceitarem a proposta de deslocamento das famílias para o Estado de
Mato Grosso, dentre as quais, foram apontadas a tendência latifundiária da agricultura
do centro-oeste, a existência na região de posseiros e agricultores em condições de
exploração. 86
Centenas de entidades, associações e sindicatos de trabalhadores
rurais e urbanos prepararam as atividades para celebrar o Dia do Colono em 25 de julho.
Apresentada pela FETAG-RS, a proposta ganhou força com o apoio das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) da Grande Porto Alegre (RS) e de mais de 100 sindicatos
rurais que participaram de uma Assembléia Extraordinária, convocada pela Federação,
em que ficou decidido o apoio aos acampados e a participação na manifestação.
Da rede de sociabilidades firmadas com os acampados formaram-se
dois grupos expressivos de apoio. O primeiro era proveniente da denominada “Igreja
dos Pobres”, tendo à frente integrantes da CPT com o aval da CNBB, como também
componentes do CONIC. O segundo estava vinculado à estrutura sindical, cujo
envolvimento da FETAG-RS ganhou dimensões na vida dos acampados. Em meio ao
aumento de entidades solidárias, homogeneizar idéias da luta sem desmerecer a
diversidade de apoios tornou-se um dos principais desafios do Boletim Sem Terra.
José de Souza Martins, ao analisar a participação dos agentes
sindicais e os de inspiração religiosa, discorreu que tais grupos ao darem suporte à luta
admitiram que a consciência dos trabalhadores rurais limitava-se ao imediatismo da
sobrevivência e, dessa forma, sua destituição de uma dimensão política gerou uma
85 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 6, p. 35 1981. 86 Id. nº. 13, p. 2, 1981.
63
consciência vicária dos agentes de apoio que, em grande parte, movia-se sem uma
ligação consistente com os anseios daqueles que deveriam ser os efetivos atores. 87
Esta questão tornou-se mais evidente quando campanhas solidárias
aos colonos advindas de inúmeros pontos do país foram divulgadas pelo boletim. Desta
gama de entidades, podemos citar o apoio dado pelos sindicatos rurais do município de
Viamão (RS); do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais de São Paulo através
da FETAESP; do Comitê de Solidariedade aos Acampados Demitidos de São Paulo
(SP), Santos (SP), Santo André (SP) e Petrópolis (RJ); da CPT de Minas Gerais e
Paraná; das Arquidioceses de Porto Alegre, São Paulo, Olinda e Recife; das Igrejas do
município de Canguçu (RS); da Direção Nacional da CONTAG e da Frente Nacional do
Trabalho sediada na cidade de São Paulo (SP).
O protesto do dia 25 de julho de 1981 criou forte expectativa na
campanha de solidariedade aos acampados da Encruzilhada Natalino. Divulgado pelo
BST e por cartazes produzidos pela CPT e distribuídos às entidades sindicais, políticas,
sociais e religiosas, o evento foi organizado pelo “Movimento dos Sem Terra”, nova
denominação que substituiu o Movimento de Solidariedade aos Acampados de Ronda
Alta (RS). Com rica simbologia, a propaganda do protesto apresentava um trabalhador
rural amarrado a uma cruz, composta por uma pá fincada ao chão com a inscrição
“1981” , e uma “forca” , utensílio agrícola utilizado em trabalhos de silagem,
semelhante a um garfo. Ao lado da simbólica cruz, foi apresentado um poema de Dom
Pedro Casaldaliga e, abaixo, o lema “Terra para os que nela trabalham”, herdado do
Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), organizado na década de 1960 no
Rio Grande do Sul. 88 (ver figura 2).
87 MARTINS, 2003, p. 199. 88 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 9, p. 1, 1981.
64
Findada a divulgação, a comemoração contou com mais de 10 mil
manifestantes e ressaltou a importância da articulação entre os trabalhadores rurais, os
operários da cidade, a “Igreja dos Pobres” e o Movimento dos Sem Terra, cuja ação
deveria partir de práticas coletivas que pressionassem as autoridades políticas.
Nesse contexto de mobilização, 180 representantes dos acampados
foram reivindicar e negociar terra em Porto Alegre (RS) e receberam uma proposta do
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para se assentarem em terras de
outros Estados. Ao permanecerem durante uma semana na capital gaúcha, fazendo
refeições e ocupando dependências da Assembléia Legislativa, os manifestantes
descontentaram políticos governistas. 89
Ao dar cobertura ao manifesto, o Boletim Sem Terra serviu de
mecanismo de resposta a parlamentares que, em tribuna, criticavam a presença dos
trabalhadores rurais na Assembléia Legislativa. As refutações às posições de políticos
foram assumidas pela CPT e fortaleceram entre os acampados o suporte dado pela
entidade religiosa. O evento demonstrou no cerne da organização que os agricultores,
desprovidos da prática de leitura e escrita, admitiam o papel de grupos de apoio num
campo de assimilação, produção e divulgação de idéias. Nesse sentido, posições dos
acampados e das entidades representativas encontraram no Boletim Sem Terra um
importante instrumento de difusão. Este lugar social atribuído ao meio informativo na
89 Para o líder do Partido Democrata Social (PDS), Deputado Rubi Diehl, que teve seu discurso gravado por representantes de entidades de apoio aos acampados e publicado em fragmentos no boletim: “A Assembléia não é local para se fazer acampamento, cujo espetáculo, propositadamente deprimente, tolhe a normalidade dos trabalhos nos gabinetes, comissões técnicas, plenário e restaurantes e até nos sanitários, pelo barulho, choro de crianças, trovas, cantos e espetáculos gaudérios de gaitas (...) não culpo as infelizes criaturas, mas responsabilizo a administração da casa, por permitir que, em caráter continuado, dias seguidos, permita uma verdadeira usurpação e tomadas das dependências do Legislativo”. No mesmo exemplar, entidades de apoio aos acampados deram resposta ao deputado, lembrando o que estava escrito na entrada da Assembléia: “Povo sem Parlamento é Povo Escravo”. Complementando, “Os sem-terra vão à Assembléia na suposição de serem bem sucedidos na Casa que é do Povo. Se o espetáculo que constitui sua presença é deprimente, é porque até hoje o Governo, a cujo partido pertence o deputado Diehl, não se dignou a atender-lhes as justas e legais reivindicações, mentindo descaradamente sobre a existência de terras e recursos. (...) Se choram as crianças, é porque sua fome não pode, mercê da incompetência do governo, ser mitigada pelo trabalho de seus pais, homens da terra”. 89 Cf. BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 17, p. 10-12, 1982.
65
organização dos acampados da Encruzilhada Natalino e das demais manifestações de
trabalhadores rurais que eclodiram no centro-sul do Brasil, o fez ganhar a condição de
porta-voz do movimento social rural que se formava, numa evidente distância entre a
voz dos acampados e a voz dos interlocutores. 90
O recurso adotado pelos produtores do boletim em proferir idéias
sobre a reforma agrária no Brasil, a partir do princípio que polarizava o “bem” e o
“mal” 91, constituiu uma das principais tendências adotadas por este meio de
comunicação e os demais veículos de informação organizados na trajetória histórica do
MST.
Exemplo de outro contundente embate do boletim com o Estado foi
o da intervenção no acampamento pelo Exército e pela Brigada Militar. 92 Diante dos
poucos resultados, as tropas retiraram-se em meio à resistência e ao aumento da
solidariedade. Em manchete principal, o Boletim Sem Terra nº. 11 noticiou em clima de
euforia e vitória que “no sul quem canta ainda é o quero-quero”, frase gritada por um
colono em referência ao Tenente-Coronel Sebastião de Moura, conhecido como
“Curió” . 93
Abordagens como estas, além de apontarem a repressão contra os
acampados, retratavam a oposição à ditadura militar por parte das entidades de apoio,
servindo o boletim como mecanismo de contestação às questões políticas em que,
90 Para Pierre Bourdieu, “a palavra do porta-voz, deve uma parte da sua força de elocução à força do grupo para cuja produção como tal ele contribui pelo ato de simbolização, de representação; ela tem o seu princípio no ato de força pelo qual o locutor investe no seu enunciado toda força para cuja produção o seu enunciado contribui ao mobilizar o grupo a que ele se dirige, na medida em que os destinatários se reconhecem, conferindo-lhe a força simbólica e também material”. Cf. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. 91 SANTOS, 2002, passim. 92 Lideradas pelo Tenente-Coronel Sebastião de Moura, conhecido como “Curió” , as tropas militares mantiveram presença por 30 dias no acampamento da Encruzilhada Natalino na tentativa de convencer famílias de acampados a se deslocarem para os Projetos de Colonização no norte do país. 93 Fernandes (2000), afirma que “a vitória dos acampados da Encruzilhada demarcou a história das lutas camponesas (...), uma prova concreta de que a resistência e persistência eram as armas que o modelo econômico e a política dos militares não puderam vencer”. Cf. FERNANDES, 2000, passim.
66
contrariamente, organizaram-se estas entidades. Além disso, o elo entre as instâncias
internas formadas na Encruzilhada Natalino com várias entidades encontrou no Boletim
Sem Terra uma alternativa de assessoramento na consolidação de uma organização mais
ampla de trabalhadores rurais que, em sua complexidade, representava um conjunto de
grupos de apoio emergidos em contestação ao regime autoritário.
Um canal de divulgação das situações enfrentadas no acampamento
foi aberto entre os agricultores e os elaboradores do BST. Composto, em sua maioria,
por estudantes universitários da região do Alto Uruguai e da capital Porto Alegre (RS),
o grupo responsável pela coleta de informações no acampamento usava diferentes
táticas para conseguir a notícia. Uma delas, era a atribuição a líderes camponeses para
mapear os principais acontecimentos e encaminhar, através de correspondência postal,
por agentes de apoio que se deslocavam para a capital gaúcha, ou até mesmo, por
telefone, os principais fatos vivenciados pelos acampados em semanas ou quinzenas.
Outra consistia na visita de estudantes da região, designados pela comissão do boletim
ou por ato solidário, para informarem-se da realidade da Encruzilhada e encaminharem
notícias para Porto Alegre (RS). Também auxiliavam na coleta de informações padres
de paróquias regionais que, ao manterem contato com os produtores do boletim,
conseguiam notícias por participarem ativamente de reuniões de acampados e por terem
maior facilidade de descreverem fatos, o que contribuía para a redação do Sem Terra.
1.2.3. A seção Solidariedade
Num sentido geral, no ano de 1981, o conteúdo do boletim baseou-
se na divulgação de formas para os leitores apoiarem a luta. Fortificou-se uma proposta
voltada para a solidariedade aos acampados da Encruzilhada, evidenciando a CPT como
67
principal entidade responsável pela publicação. A Pastoral da Terra situava-se entre as
equipes de trabalho dos agricultores e as diversas entidades de apoio, respectivamente
instâncias de organização interna e de solidariedade aos acampados. As entidades
solidárias granjeavam apoio da sociedade civil, colaborando, recebendo e divulgando o
Boletim Sem Terra como instrumento na articulação da luta. As lideranças dos
acampados viam na CNBB, paróquias, prefeituras, cooperativas e sindicatos, entidades
que poderiam contribuir para as conquistas urgentes, necessárias à manutenção da
organização dos trabalhadores rurais. 94
Na identificação da CPT com os colonos da Encruzilhada, várias
igrejas passaram a declarar apoio às famílias através do CONIC. Mantendo uma estreita
relação com a CNBB, o Conselho visava fortalecer a solidariedade aos excluídos da
terra através da mobilização de entidades religiosas. A relação dos agricultores com o
CONIC integrou lideranças religiosas e a comissão de lavradores do acampamento para
visitarem igrejas como forma de ampliar a solidariedade. Assim, as formas de apoio
dadas por entidades aos acampados tornou-se extensa, demandando a elaboração de
novos espaços de divulgação da luta.
Devido o crescimento do envio de mensagens de apoio para Porto
Alegre (RS), os produtores do boletim criaram a seção “Solidariedade”. Sem definição
de responsável pela sua composição, em meio ao projeto coletivo de publicação, na
seção eram transcritas as cartas vindas de variados pontos do Brasil, desde pequenas
frases até detalhes do que haviam recebido de entidades ou trabalhadores rurais
identificados com a luta. As cartas com mensagens curtas e enfoques mais diretos eram
vistas pelos responsáveis do boletim como uma alternativa mais eficaz, importante para
a manutenção de grupos que propunham ocupar outras terras. (ver figura 3).
94 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 20, p. 3, 1982.
68
Além do caráter mais pessoal e sentimental, as cartas era um
elemento aglutinador dos trabalhadores rurais, pois também simbolizavam o tamanho
do apoio e o crescimento da luta em outros Estados. Muitas cartas eram selecionadas e
aquelas que possuíam uma mensagem coletiva integravam a seção.
O critério de seleção partia do princípio de aglutinar as cartas de
entidades, trabalhadores e opinadores que demonstravam simpatia pela causa, existindo
uma exclusão das mensagens que, na opinião dos produtores, não colaborariam para a
agregação de valores e de interesses do Movimento de Solidariedade aos Acampados de
Ronda Alta (RS). A divulgação das cartas construiu uma socialização política entre
manifestações regionais pela Reforma Agrária na medida em que produziu uma
identidade de luta.
Apesar de procedentes, em sua maioria, de sindicatos e igrejas, os
manifestos de apoio fortificaram-se através de entidades assistenciais, de simpatizantes
de diversas regiões do Brasil e da participação de personalidades nacionais e mundiais.
Para se ter idéia, data dos anos de 1981 e 1982 uma miscelânea de apoios, desde a
doação de leite em pó de telefonistas de Belo Horizonte (MG), a formação de grupos de
solidariedade em cidades como São Leopoldo (RS), Novo Hamburgo (RS), Viamão
(RS), Alegrete (RS) e Cascavel (PR), até os apoios verbais e de recursos das CEBs de
São Gabriel (RS), de entidades da área de assistência social dos Estados de São Paulo,
Goiás, Santa Catarina e Bahia, de operários de Nova Iguaçu (RJ), de professores do
Estado do Rio Grande do Sul, da 1ª Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras
(CONCLAT) e da Câmara de Vereadores do município de Bagé (RS). No que concerne
ao amparo dado por personalidades podemos apontar as demonstrações do bispo da
Diocese de Santo Ângelo (RS) Dom Stanislaw Kreutz; do bispo de Chapecó (SC), Dom
69
José Gomes; do bispo de São Félix do Araguaia (MT), Dom Pedro Casaldaliga; do
Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel e do Papa João Paulo II.
Vale mencionar que a visita de João Paulo II ao Brasil, em 1980,
levantou questões que envolviam os direitos humanos e corroborou na comunidade
católica nacional a crítica ao regime autoritário. 95 O bispo de Santa Maria (RS), Dom
Ivo Lorscheiter, após receber correspondência de Vossa Santidade pedindo
esclarecimento sobre a situação dos colonos da Encruzilhada Natalino, respondeu da
maneira mais original possível. Numa posterior “Carta dos sem-terra de Ronda Alta”
dirigida ao pontífice em meados de novembro de 1981, Lorscheiter e lideranças de
agricultores esclareceram o papel da Igreja Católica na organização dos acampados, a
situação do acampamento e a “má vontade do governo em solucionar o problema”.
Nesta carta, divulgada pelo Boletim Sem Terra, os colonos acusaram o governador José
Augusto Amaral de Souza de falso exercício dos deveres religiosos, de se dizer
“cristão, só porque vai à missa, mas pro acampamento ele manda a polícia e persegue
a igreja” , em referência às incursões de Curió no acampamento. 96
A influência cada vez maior da CPT na campanha de solidariedade
somou-se à emergência de lideranças de acampados que defendiam um projeto de
autonomia através da formação de um movimento social rural que agregasse as lutas
regionais pela terra eclodidas no centro-sul do Brasil. Numa atitude inovadora da Igreja
Católica montou-se o assentamento de Nova Ronda Alta, 108 hectares de terras
transferidos às famílias da Encruzilhada. 97
95 CAVA, Ralph Della. A Igreja e a abertura (1974 – 1985). In. STEPAN, Alfred. (org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 96 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 15, p. 2, 1981. 97 Diante da Assembléia da CNBB realizada em Itaici (SP), no mês de fevereiro de 1982, manifestou-se por unanimidade a solidariedade aos colonos de Ronda Alta (RS) através da compra destas terras. Cf. Id., nº. 19, p. 2, 1982.
70
Com o propósito de angariarem fundos que ajudariam a saldar a
dívida da compra das terras, formou-se o Comitê de Apoio aos Agricultores Sem Terra
do Rio Grande do Sul para suprir as necessidades de integração de novas entidades na
organização dos camponeses, idealizando a luta de um sentido local para um âmbito
regional.
Para dar representatividade coletiva das inúmeras entidades que
lançaram apoio aos trabalhadores rurais, o comitê foi constituído por representantes da
CPT e do CONIC, do MJDH e lideranças de agricultores do acampamento de Ronda
Alta (RS). Com esta composição abriu-se espaço para a participação de representantes
de outras entidades, principalmente, às ligadas ao sindicalismo rural.
Em março de 1982 o Comitê de Apoio assumiu a responsabilidade
do Sem Terra, recebendo contribuições de entidades religiosas, dos direitos humanos e
sindicais para manutenção do informativo. Com o Comitê organizado, o boletim
ampliou a tiragem e a circulação para os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Até 1983, quando deixou de atuar como
responsável do boletim, o Comitê de Apoio (RS) promoveu um aumento quantitativo e
qualitativo do Sem Terra, alcançando a tiragem de 3000 exemplares.
A responsabilidade do Comitê de Apoio (RS) sobre o informativo
remodelou as abordagens com uma linguagem mais crítica e de denúncia da violência
no campo. No período foi publicado o primeiro boletim em fotocomposição e o Sem
Terra tornou-se regional a partir do exemplar nº. 28. (ver figura 4).
O crescimento das tiragens e circulação do BST, além de ser
resultado da arrecadação de recursos por parte do Comitê de Apoio (RS), foi
71
conseqüência da arregimentação de movimentos sociais rurais eclodidos no centro-sul.98
Reuniões regionais, que contaram com a participação de agentes de apoio e lideranças
de trabalhadores rurais, formaram a Comissão Provisória dos Estados do Sul que
ampliou a dimensão da luta pela terra para além do regionalismo gaúcho. 99
1.3. Entre a solidariedade e a representação
Nos anos de 1982 e 1983, a solidariedade prestada aos acampados
da Encruzilhada Natalino adquiriu forças com a arregimentação de movimentos sociais
rurais de outros Estados do centro-sul. Em 1982, mediante a realização dos Encontros
dos Trabalhadores Sem Terra nas cidades de Medianeira (PR) e Goiânia (GO),
respectivamente, a organização ganhou traços regional e nacional. Lideranças de
trabalhadores rurais, estudantes, jornalistas, religiosos e ativistas, analisaram a função
do Boletim Sem Terra na organização.
No Encontro Regional de Trabalhadores Sem Terra em Medianeira
(PR), que reuniu cerca de 100 agricultores dos Estados do centro-sul, os participantes
fizeram uma avaliação dos diversos movimentos sociais e concluíram que seria
necessário promover outros encontros regionais e manter boletins informativos que
alguns movimentos possuíam. 100 Nas discussões sobre a articulação regional o Comitê
de Apoio do Rio Grande do Sul foi evidenciado como exemplo de organização, pela
ativa publicação do Boletim Sem Terra. Por estar mais estruturado perante informativos
98 Os encontros de trabalhadores rurais sem-terra no ano de 1982, nas cidades de Medianeira (PR) e Goiânia (GO), foram fundamentais para as articulações e o desenvolvimento de um projeto nacional de movimento pela terra. Cf. CADERNO DE FORMAÇÃO. Passo Fundo: MST, nº. especial, p. 24, 1986. 99 STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. . São Paulo: Perseu Abramo, 1999. 100 FERNANDES, 2000, p. 76.
72
de outros movimentos sociais rurais, o Sem Terra foi escolhido como órgão de
divulgação da luta nos Estados do centro-sul. 101
Representantes gaúchos e paranaenses apontaram que o cotidiano
dos trabalhadores rurais deveria contar com uma assessoria mais efetiva do Boletim Sem
Terra. Mudanças internas no informativo foram sugeridas, dentre as quais, a criação de
uma comissão responsável pela produção das notícias composta por representantes de
entidades e lideranças sem-terra dos cinco Estados. Além disso, a busca de apoios
financeiros e materiais para melhorar a qualidade de impressão e aumentar a tiragem, a
ampliação da distribuição em STRs e a possibilidade de transformar o boletim em
tablóide, foram indicadas como metas de divulgação da organização dos sem-terra.
O reconhecimento dado por lideranças e entidades solidárias ao
Comitê de Apoio na divulgação e articulação da luta regional, ganhou forças com a
proposta de formação da Comissão Provisória dos Estados do Sul, uma articulação de
lideranças de diferentes movimentos rurais do centro-sul, encarregada de representar os
sem-terra, da então denominada Regional Sul, em encontros de projeção nacional. 102
O que ficou evidente no Encontro de Medianeira (PR) foi a
preocupação de lideranças sem-terra em garantir a participação dos trabalhadores rurais
na elaboração e nas páginas do boletim. Assim, foi sugerida a transformação do órgão
de notícia produzido pelo Comitê de Apoio para informativo oficial do Movimento pela
Reforma Agrária.
A reivindicação de lideranças para aproximar o boletim dos sem-
terra integrou um contexto de debates sobre o papel de entidades de apoio na 101 O Encontro de Medianeira (PR), realizado de 9 a 11 de julho de 1982, tinha como parâmetros a obtenção de relatos das organizações e lutas desenvolvidas, a definição dos limites e do alcance das lutas encaminhadas, a análise dos movimentos buscando identificar suas causas, a definição dos tipos de apoio recebidos e quais as políticas de alianças deveriam ser firmadas. Além disso, perspectivas foram traçadas para a luta de curto prazo, como a definição de formas concretas de mobilizações para a continuidade dos diversos movimentos e de mecanismos de sensibilização dos sem-terra desprovidos da organização da luta. Cf. BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 24, p. 1, 1982. 102 CADERNO DE FORMAÇÃO. Passo Fundo: MST, nº. especial, p. 24, 1986.
73
organização dos trabalhadores rurais. Procurou-se, mesmo que timidamente, apresentar
no BST os interesses daqueles que divulgavam idéias dos e para os sem-terra. Nesse
sentido, foi lançado o primeiro editorial do Boletim Sem Terra, na edição nº. 25, que,
além de fazer referências à nova estética em fotocomposição, ressalvou as mudanças em
meio às dificuldades enfrentadas na publicação e anunciou a circulação regional. (ver
figura 5).
“A decisão dos colonos de indicar o Sem Terra como seu órgão
informativo dá um novo impulso ao boletim, mas os recursos
materiais disponíveis e as condições continuam precários.
Portanto, o leitor não deve esperar dos próximos números,
mudanças profundas em nosso informativo. Elas virão com o
tempo e será fruto da semente regada com o esforço e o sacrifício
de quem deseja melhorar cada vez mais esta contribuição à luta
dos trabalhadores rurais. Consideramos que a boa qualidade não
deve ser privilégio das classes dominantes, embora estas tenham
mais acesso à informação e às técnicas de comunicação, por isso o
desejo de aperfeiçoar”. 103
A melhoria da produção do Sem Terra foi verificada com a
aproximação entre o Comitê de Apoio e entidades sindicais que possuíam condições
para a produção gráfica. Os contatos com ONGs que iniciavam trabalhos de educação
popular, a abertura de espaço no boletim para publicidade, eram estratégias bem vistas
pelos integrantes do Comitê de Apoio.
1.3.1. Lutas de classificação e partidarização
103 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 25, p. 1, 1982.
74
Com a realização do Encontro dos Trabalhadores Rurais em
Goiânia (GO), organizado pela CPT e contando com a participação de 30 trabalhadores
rurais e 22 agentes de pastorais de 16 Estados, 104 integrantes do Comitê de Apoio
rediscutiram o papel do boletim na organização. Neste Encontro, a decisão de eleger
uma Comissão Nacional Provisória para articular outras reuniões nacionais, fortaleceu
lideranças sem-terra de diversos movimentos sociais regionais, dando mais autonomia
para representantes populares na organização dos trabalhadores rurais. 105
Na carta “Aos Companheiros sem-terra do Brasil”, escrita por
lideranças de trabalhadores rurais no final do Encontro e publicada pelo Boletim Sem
Terra, os rumos da organização de um movimento nacional eram traçados pela atuação
dos sem-terra nos sindicatos e associações populares locais. 106 O futuro da organização
estaria relacionado com as conquistas de espaços políticos por trabalhadores rurais em
entidades sindicais e partidárias. Para isso, a opção pela sindicalização e filiação foi de
oposição, em sua maioria, com lideranças sem-terra atuando em STRs de maneira
“combativa”, conforme sugeria a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ou
ingressando no Partido dos Trabalhadores (PT).
Adotamos de Pierre Bourdieu o conceito de “mundo social” para
compreendermos este período de agregação de movimentos sociais rurais regionais no
Brasil, marcado por lutas de classificação e partidarização de lideranças sem-terra.
Definimos “mundo social” como a realidade em suas ações práticas ou interpretadas
por diferentes grupos sociais, mediante uma luta de classificação de suas
representações. Assim, o que faz o “mundo social” ser percebido é sua distinção de
104 Entre os dias 23 e 26 de setembro de 1982, reuniram-se em Goiânia (GO) lideranças sem-terra e agentes de pastorais dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará, Maranhão, Goiás, Mato Grosso e Rondônia. In. FERNANDES, 2000, p. 76. 105 STÉDILE; FERNANDES. 1999, passim. 106 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 28, p. 8, 1982.
75
outros “mundos”, a partir da legitimação de “representações e vontades”. 107 Toda
tomada de posições por parte de grupos políticos que representam uma determinada
“região” , procura aspirar uma objetividade acerca da existência e potencial do grupo
que se afirma nas representações políticas ou partidárias locais. Presenciava-se, neste
campo de representação dos “mundos sociais” dos sem-terra, o que Bourdieu
denominou de “lutas de classificação”:
“as lutas a respeito da identidade regional, quer dizer, a respeito
de propriedades ligadas à origem através do lugar de origem e dos
sinais duradouros que lhe são correlativos(...), são um caso
particular das lutas de classificação, lutas pelo monopólio de fazer
ver e fazer crer, de dar a conhecer e fazer reconhecer, de impor a
definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio,
de fazer e desfazer dos grupos”.108
Pelo fato dos movimentos regionais surgirem sob aspectos políticos
e culturais diversos, compôs o boletim uma pluralidade de notícias da organização dos
sem-terra de variados pontos do Brasil. A divulgação de uma diversidade de fatos
representava o crescimento do movimento social integrado por simpatizantes,
colaboradores e trabalhadores rurais que fortaleciam laços políticos, identificando
pontos comuns perante a variedade de informações publicadas pelo Sem Terra. Esta
diversidade, se por um lado, identificava lutas políticas de sem-terra em diferentes
lugares do país, por outro, não escondia as tensões entre as igrejas, a estrutura sindical e
partidos políticos que se aproximaram dos movimentos sociais rurais.
A estrutura de conquista e produção em áreas rurais no Rio Grande
do Sul – e podemos estender a observação para outros Estados em que tais lutas se
107 BOURDIEU, 2000, p. 118. 108 Ibid., p. 113.
76
desenvolviam – criaram um vasto campo de novos interesses que os sindicatos rurais
não estavam preparados para incorporar. 109 Num clima em que germinaram as
primeiras iniciativas de oposição sindical à FETAG (RS), o boletim criticou
abertamente as posições da entidade com relação aos papéis exercidos por lideranças
sem-terra dentro dos STRs.
Sendo denunciada por adotar estratégias políticas para evitar a
conquista de espaço de lideranças sem-terra e agentes de apoio na direção dos
movimentos regionais, a FETAG (RS) foi divulgada no BST como uma entidade
sindical contrária à autonomia dos trabalhadores rurais, aos apoios de diversas
instituições para a afirmação dos sem-terra, e por promover o afastamento de entidades
que durante o período de organização em Ronda Alta (RS) estiveram ao lado dos
colonos. 110
Enfrentando oposição sindical de jovens líderes que integraram a
CUT, a FETAG (RS) foi noticiada como entidade pelega e moderada, inadequada para
as ações estratégicas que cresciam com a organização dos movimentos regionais.
Participantes das atividades usuais da Igreja Católica e filhos de pequenos produtores
que viviam o drama da crescente crise econômica, estes jovens sindicalistas formaram-
se em cursos rápidos promovidos pela CUT, representada por STRs de várias regiões do
Brasil. 111
Em meio ao aumento dos protestos dos sem-terra, estes jovens
tornaram-se militantes de um “novo sindicalismo” e exerceram papel de animadores de
109 NAVARRO, 1996, passim. 110 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 34, p. 3, 1984. 111 A formação de muitos jovens trabalhadores rurais que passaram a articular o “cutismo” resultou de reuniões promovidas pela CPT em comunidades rurais que auxiliavam o movimento de solidariedade pela luta dos sem-terra. Muitos destes jovens agricultores passaram a integrar uma oposição, originada do sindicalismo combativo, à política da FETAG adotada junto à organização de trabalhadores rurais. Outros tiveram uma atuação mais intensa na própria CUT, compondo quadros de oposição à direção da Central.
77
reuniões que estimularam a criação de oposições sindicais mediante o fortalecimento de
núcleos locais de movimentos e a participação ativa na política municipal. 112
O crescente envolvimento desta corrente sindical na luta de
trabalhadores rurais sem-terra possibilitou a aproximação do PT por meio da formação
de Diretórios Municipais que se inteiravam das situações localistas de luta pela terra. 113
Além disso, desde 1981, algumas CEBs haviam optado pelo Parido dos Trabalhadores
que, apesar de sua hostilidade inicial com a Igreja e os sindicalistas católicos,
identificou-se como o “partido da igreja” quando integrantes das CEBs defenderam
uma conduta política de apoio aos operários e ativistas de movimentos populares. 114
Nesse sentido, lideranças sem-terra da Regional Sul entendiam que
a formação de um movimento de bases deveria partir de sindicatos genuinamente de
trabalhadores rurais. A valorização das organizações locais era apontada como um
elemento propulsor para dinamizar uma rede de manifestações com o objetivo de
oficializar um movimento social rural com estrutura nacional.
Ao considerarmos que a organização interna do Boletim Sem Terra
configurava-se como um “campo simbólico”, para usar a expressão de Bourdieu, cuja
eficácia reside na possibilidade de ordenar o mundo social dos sem-terra através de
discursos, mensagens e representações que simulam a estrutura real das relações
sociais,115 pode-se perceber que a busca de participação de lideranças sem-terra em
sindicatos e partidos políticos encontrou no meio de comunicação uma estratégia para
divulgar suas ações, como também, um campo de tensões entre jornalistas, religiosos e
as próprias lideranças de trabalhadores rurais.
112 COMERFORD, John Comerford. Como uma família: sociabilidade, territórios de parentesco e sindicalismo rural. Rio de Janeiro: Relume Dumará/UFRJ, 2003. 113 HOUTZAGER, Peter P. Os últimos cidadãos: conflito e modernização no Brasil rural (1964 – 1995). São Paulo: Globo, 2004. 114 STEPAN, 1988, p. 256. 115 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.
78
Para Pierre Bourdieu,
“os sistemas simbólicos distinguem-se fundamentalmente conforme
sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto
do grupo, ou pelo contrário, produzidos por um corpo de
especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e
de circulação relativamente autônomo”. 116
O conhecimento do mundo social através das categorias que o
tornam possível, estava em jogo na luta política, ao mesmo tempo teórica e prática, pelo
poder de conservar ou de transformar a percepção deste mundo social. 117 Tais tensões,
muito características entre lideranças sem-terra e entidades de apoio, tornou-se evidente
num espaço de luta sobre o monopólio da autoridade daqueles que enunciavam o “ser
sem-terra”. Nesse sentido, em 1983, estudantes, religiosos e diversos profissionais com
inserção orgânica em movimentos sociais, dentre os quais, militantes e jornalistas que
contribuíram na elaboração do Boletim Sem Terra, fundaram o Centro de Assessoria
Multiprofissional (CAMP), uma ONG para atuar na educação popular e na organização
de movimentos populares.
1.3.2. Ao abrigo do CAMP
Em sua assembléia inaugural, o CAMP contou com a presença de
militantes de diversos movimentos e entidades confluídas em oposição à ditadura
militar. Da organização embrionária, marcada por reuniões desde 1981, participaram os
funcionários públicos Rolf Hackbart, Ricardo Franzói e João Pedro Stédile; os
116 BOURDIEU, 2000, p. 143. 117 Ibid., p. 12.
79
sindicalistas Jairo Carneiro, Selvino Heck e Natalício Correa; o ex-integrante da
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Laerte Meliga e a estudante de pedagogia
Conceição Paludo.
Como um Centro de Educação Popular, o CAMP dirigiu ações
apoiadas por uma miríade de organizações, do Brasil e de vários países. Os
financiamentos de agências de cooperação internacional foram direcionados para
atividades de combate a pobreza, geração de trabalho e renda e construção alternativa de
desenvolvimento. Essas atividades foram intensificadas através de parcerias com
universidades, ONG´S, governos e outras entidades. 118
O CAMP apoiou projetos envolvendo movimentos sociais
regionais e incentivou lideranças na discussão de temas relativos à organização popular.
Alguns integrantes tornaram-se profissionais na ONG, enquanto outros recebiam ajudas
financeiras e conciliavam o trabalho com a militância. Ricardo Franzói, então graduado
em Administração de Empresas com mestrado em Economia Política pela Universidad
Autônoma de México (UNAM), trabalhava em empresa estatal e militava à noite e nos
finais de semana junto ao CAMP. Em material de divulgação da ONG, o militante
afirmou que “foi possível levar conhecimento científico e assessoria especializada a
pessoas que não podiam pagar”. 119
Muitos integrantes do Centro de Educação Popular, por saírem das
universidades, levaram conhecimentos desenvolvidos no ensino superior para a classe
trabalhadora. Grupos de operários e trabalhadores rurais que não tinham condições de
118 O CAMP agregou forças ao seu trabalho através de agências financiadoras internacionais, como a Organização Intereclesiástica para a Cooperação ao Desenvolvimento (ICCO) da Holanda, a Katholische Zentralstelle für Entwicklungshilde (MISERIOR) da Alemanha, a Agência Britânica de Ajuda Humanitária (CHRISTIAN AID), a Fundação Católica para o Desenvolvimento (CAFOD) também da Inglaterra, a Development and Peace do Canadá e a Associação de Solidariedade Internacional (FRÈRES DES HOMMES) da França. 119 CENTRO DE ASSESSORIA MULTIPROFISSIONAL: Quem somos, 2005, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.camp.org.br/home.htm>. Acesso em: 15 ago. 2005.
80
financiar estudos e realizar seus trabalhos de maneira mais qualificada puderam contar
com a ONG recebendo, além de assessoria técnica, orientação política.
Aplicando cursos rápidos de política e organização sindical para os
trabalhadores rurais, o CAMP contribuiu para as primeiras reuniões de mulheres em
movimentos sociais rurais eclodidos no centro-sul do Brasil, discutindo questões
referentes à saúde, sexualidade, papéis desiguais no trabalho e a discriminação social no
universo feminino. Ligado ao sindicalismo combativo gaúcho, o CAMP também tinha a
finalidade de prestar serviços que incluía a produção de folhetos e manuais informativos
para a sindicalização. 120
A sede do Centro de Educação Popular abrigou o Comitê de Apoio
(RS) e a produção do boletim entre março de 1983 e fevereiro de 1985. Com o CAMP, o
Sem Terra deixou de ser uma publicação do Comitê e transformou-se num tablóide. A
contribuição da ONG na publicação do informativo evidenciou a mudança de orientação
da luta dos sem-terra, cada vez mais direcionada para o sindicalismo combativo e o
Partido dos Trabalhadores. 121
Em reunião realizada pela Comissão Provisória da Regional Sul
dos Sem Terra, em Cascavel (PR), no mês de junho de 1983, um dos assuntos que
integrou a pauta foi a situação do boletim no processo organizativo. Membros do
Comitê alertaram sobre as dificuldades da publicação e, até mesmo, sobre as pressões da
LSN. Num sentido geral, a imprensa escrita era considerada pela doutrina um campo
privilegiado de participação comunista. Além disso, o encontro enfatizou a “finalidade
120 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 35, p. 3, 1984. 121 A inserção de movimentos sociais rurais na política sindical foi considerada por José de Souza Martins “um atraso político”, pois os sindicatos negavam a criatividade de movimentos populares, ofuscando o que poderia servir de renovação dos partidos e sindicatos diante do que denominara de “limiar de uma nova era política”. Desta sindicalização e partidarização, brotou um dos obstáculos, construídos pelos próprios agentes políticos envolvidos na luta pela terra, para a realização de uma reforma agrária no Brasil. Cf. MARTINS, 1983, passim. Cf. Id., Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Edusp, 2000.
81
histórica” adquirida pelo Sem Terra, suas dificuldades e a importância de ampliar o
apoio para melhorar sua publicação e distribuição. A oficialização do boletim como
órgão de comunicação da Secretaria do Movimento da Regional Sul, resultou em
mudanças na composição do Comitê de Apoio (RS), que recebeu integrantes da
Secretaria e militantes que ingressaram no CAMP.
Com pauta mais específica, a reunião realizada em julho de 1983,
na cidade de Curitiba (PR), discutiu a organização interna do Sem Terra. Foram
atribuídas funções ao boletim para secretariar e assessorar os encontros da regional,
produzir informações para os lavradores sem-terra, articular apoios, facilitar e promover
intercâmbio entre os lavradores do sul e de outros Estados. Apesar de manter o Comitê
como instância de sua elaboração, o boletim tornou-se um espaço de difusão de idéias
da Comissão de Trabalhadores da Regional Sul e da Comissão Nacional Provisória de
Trabalhadores Rurais Sem Terra, cuja pauta deveria ser elaborada em comum acordo
entre elaboradores e lideranças de agricultores.
Nas discussões sobre estratégias para atingir um leitor ideal, neste
caso os trabalhadores rurais localizados em inúmeros pontos de mobilização do Brasil,
evidente era a ausência de definição do leitor do boletim que, em sua maioria,
constituía-se como assinante coletivo, tais como instituições sociais e políticas que, por
demandas próprias, agregavam-se à luta dos sem-terra.
A partir dessas entidades, fossem de inspiração religiosa ou
sindical, trabalhadores rurais recebiam o informativo de maneira deficiente, tendo em
vista que expressivo número de exemplares ficavam em paróquias ou STRs que, mesmo
distribuindo para os sem-terra, acabavam encontrando maior assiduidade de leitura num
público-leitor de simpatizantes. Assim, os olhares se voltavam para os leitores sem-
terra, num plano, em grande parte, ainda idealizado.
82
O parecer técnico e a escolha da melhor forma de expressão
jornalística ainda mantinham-se sob o arbítrio dos elaboradores, porém, a tarefa passava
pelo crivo das comissões que primavam pelas mensagens de fácil assimilação. Os
produtores do boletim, além de apontarem falhas no direcionamento da mensagem
jornalística ao público-alvo idealizado, admitiam a deficiente atuação do informativo na
organização cotidiana dos trabalhadores rurais sem-terra. Também alegavam ser o BST
mais destinado aos leitores que não eram do meio rural, do que propriamente àqueles
que deveriam constituir o público-alvo majoritário. 122
A tênue presença do boletim nos pontos de mobilização, além de
ser causada pelas dificuldades na distribuição, decorria do baixo índice de leitura e
desestímulo dos sem-terra com a linguagem do informativo. O problema da leitura,
prática quase restrita a lideranças e formadores de quadros foi percebido por assessores
do professor Paulo Freire, em visita ao acampamento de Ronda Alta (RS) em 1982,
quando constataram que cerca de 50% dos acampados não sabiam ler e escrever. Os
índices de analfabetismo diminuíam em faixas etárias mais novas, porém, integrantes
ativos na organização do acampamento estavam destituídos da prática de leitura e
escrita, o que significava um sério empecilho para a consolidação de quadros sob o
ponto de vista de lideranças sindicais e católicas. 123
Um dos pontos importantes que refletiu a presença de integrantes
do CAMP na organização do Boletim Sem Terra foi o debate sobre a adoção de critérios
para a obtenção de facilidade na leitura, exigindo mudança gráfica com uma
composição que pudesse chamar atenção dos leitores trabalhadores rurais. O BST
passou a contar com seções melhores definidas, fotos e ilustrações relacionadas com a
maioria dos textos. Estampou-se, neste momento, um dos maiores problemas dos meios
122 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 32, p. 3, 1983. 123 Id. nº. 23, p. 3, 1982.
83
de comunicação do MST: a questão da receptividade dos materiais escritos no cotidiano
organizativo dos sem-terra. Todavia, apesar de uma crescente preocupação dos
produtores da notícia e de um significativo aumento de leitores sem-terra, a leitura dos
trabalhadores rurais continuou a se constituir num sério agravante para a organização,
tendo em vista serem as soluções extremamente lentas.
Em reunião na cidade de Porto Alegre (RS), em setembro de 1983,
o Movimento de Trabalhadores da Regional Sul, composto por lideranças de lavradores
de cinco Estados, era o retrato da consolidação de uma rede de sociabilidade inscrita no
boletim. Lideranças sem-terra, como Antonio Campigoto, de Ronda Alta (RS); Plínio
Kirsch, representante dos sem-terra do Rio Grande do Sul; Dalésio Schimith, do
Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (MASTRO); Afonso Simão
de Lima, do Mato Grosso do Sul; Francisco Nascimento, da Comissão Estadual dos
Sem-Terra de São Paulo e Francisco Dal Chiavon, de Santa Catarina, compuseram um
ambiente de debates que contou com a participação de entidades de apoio aos
movimentos sociais regionais.
A presença de religiosos da CPT, de integrantes da CUT, da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e da Comissão de Direitos
Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), evidenciou nesta reunião quatro
eixos de entidades solidárias à formação de um movimento social rural. O primeiro era
composto por religiosos, tendo na CPT e no CONIC as principais entidades
representativas, defensoras da conciliação entre fé e política. O segundo, com certa
tradição na organização de movimentos populares, ante as demandas jurídicas,
encontrava em inúmeras entidades de direitos humanos agregadas à OAB, uma
importante assessoria na defesa dos interesses dos sem-terra no campo judicial. O
terceiro, era objeto de tensão perante a organização, marcado pela dissensão da FETAG
84
e o projeto de participação sindical combativa defendido por lideranças sem-terra e
entidades ligadas à CUT. Dessa distância entre os sem-terra e as FETAGs, conquistou
espaço de representação o sindicalismo combativo através da CUT, de estreita relação
com a formação do PT, quarto eixo que representava uma via partidarizada.
1.3.3. Pela revogação da LSN
No final de 1982, a prisão do jornalista Juvêncio Mazzarollo,
colaborador da CPT do Paraná e editor do Jornal Nosso Tempo do município de Foz do
Iguaçu (PR), sensibilizou os elaboradores do Boletim Sem Terra. Condenado a um ano e
meio de prisão, com base na LSN, por publicar no jornal matérias contendo críticas a
autoridades do Estado do Paraná, a repressão ao jornalista serviu de alerta para
integrantes do Comitê de Apoio (RS) que editavam o BST. Em março de 1983, o Sem
Terra lançou uma campanha de solidariedade ao condenado e pela revogação da Lei de
Segurança Nacional. 124
Em parceria com o Comitê Brasileiro pela Anistia (RS), o Sem
Terra lançou em Editorial a Campanha pela Revogação da LSN. No texto publicado, a
falta de liberdade do cidadão brasileiro foi relacionada aos problemas sociais existentes
no país.
“Qualquer cidadão – trabalhador rural, operário, padre,
jornalista, estudante – que se revoltar contra a exploração, as más
condições de vida, a falta de liberdade, está sujeito a ser preso,
julgado e condenado por tribunais militares que se julgam
‘salvaguardas’ da nação”. 125
124 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 28, p. 1, 1982. 125 Id., nº. 30, p. 2, 1983.
85
Criando uma ilustração que se tornou o material de divulgação da
campanha, com o slogan “Fim da Lei de Segurança Nacional: uma exigência da
nação”, o boletim abriu espaço para correspondências dos leitores e entidades dispostas
a participar. Em detalhes, foi explicada a LSN mediante comentários que relacionavam
eventos históricos enquadrados nos artigos. (ver figura 6).
Além de receber apoio de várias entidades do Brasil que tratavam
da questão dos direitos humanos, a campanha inseriu-se num período de
reconhecimento do boletim, por parte do Movimento da Regional Sul, como informativo
oficial dos trabalhadores rurais sem-terra.
O envolvimento do BST com a prisão de Mazzarollo e a campanha
pelo fim da Lei de Segurança Nacional gerou um momento de crise na publicação,
tendo em vista ameaças que participantes de sua elaboração alegavam receber. No
período de um ano o Sem Terra, que era publicado mensalmente, teve apenas cinco
edições. Apesar da crítica à LSN e das mudanças gráficas, os custos contribuíram para
esta situação.
Em novembro de 1983, sob o abrigo do CAMP, o Sem Terra
alcançou a tiragem de 5000 exemplares. Considerada histórica por produtores da notícia
e lideranças sem-terra, a edição nº. 33 deu cobertura à vitória dos lavradores de Ronda
Alta (RS), abordou a história da Encruzilhada Natalino, lançou uma proposta de embate
à LSN e publicou o Expediente com os nomes de jornalistas responsáveis e
colaboradores. A edição foi a primeira a descrever a responsabilidade jornalística de
Flademir Araújo, constando dados sobre o seu registro profissional. No setor de arte,
Humberto Monteiro, Laerte Meliga, Celso Schroder e Antonio Rocha, assumiram suas
86
participações. A distribuição ficou sob a responsabilidade de Marcelo Bonfler e os
colaboradores da edição foram Chico Daniel e Rafael Guimarães. (ver figura 7).
Os integrantes, em sua maioria, eram formados em Jornalismo ou
possuíam cursos superiores em áreas como História, Educação, Sociologia ou Ciência
Política. Seus vínculos com o movimento pela reforma agrária foram firmados nas
universidades em que estudaram, na participação em grupos políticos contrários à
ditadura militar, na militância sindical da CUT e no Partido dos Trabalhadores. As
condições profissionais destes jornalistas eram variáveis, pois alguns se dedicavam
quase integralmente à produção do Sem Terra e eram subsidiados pelo CAMP, como
Flademir Araújo e Humberto Monteiro. Outros, além de receberem pelo trabalho de
free-lancer junto ao Centro de Educação Popular exerciam profissões em jornais de
Porto Alegre (RS) ou de suas regiões, como também atividades na área de Educação. De
maneira geral, estes produtores eram recém-formados que agregavam à militância a
causa do Movimento dos Sem Terra e o combate ao regime autoritário.
Jornalistas com experiência política em sindicatos e entidades
contrárias à ditadura militar ocuparam os principais cargos na produção do boletim.
Flademir Araújo, responsável pelo Sem Terra, militava no Sindicato dos Jornalistas do
Rio Grande do Sul. Humberto Monteiro, integrante do CAMP, juntamente com Araújo
realizava um serviço permanente no Centro de Educação Popular, exercendo a atividade
de diagramador. 126
Laerte Meliga, além de ser um dos fundadores do CAMP, era um
jornalista que se destacava no círculo de produção do Sem Terra por ter participado da
luta armada contra a ditadura militar através da VPR. Outro jornalista de destaque era
Rafael Guimarães, cujo relacionamento com jornais contrários ao regime militar vinha
126 Lizete Kummer. Depoimento concedido, abr. 2006.
87
desde a década de 1970. Quando passou a integrar o Comitê de Apoio (RS) que
publicava o boletim, Guimarães guardava lembranças recentes de sua prisão junto com
jornalistas do Coojornal – Elmar Bones, Osmar Trindade e Rosvita Saueressig – que,
em meio a uma onda de protestos, viram o fim da cooperativa que sustentava o
alternativo. 127
Além de Meliga e Guimarães terem participado de ações políticas
em oposição ao regime autoritário, o colaborador Chico Daniel era considerado um
militante radical de esquerda que trabalhava na seção de Esporte do Jornal Zero Hora
(ZH) de Porto Alegre (RS), atuação que rendeu certa aproximação do Sem Terra com o
diário gaúcho quando da transformação de boletim em tablóide.
Para auxiliar Monteiro e Meliga no setor de arte, dois jovens
jornalistas integraram o Expediente do Sem Terra. Celso Schroder era recém-formado
em Jornalismo pela PUC-RS, apesar de atuar em jornais da capital gaúcha como
cartunista, ilustrador e chargista desde 1974. Antônio Rocha, graduado em Jornalismo
Gráfico e Audiovisual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), após
concluir o curso em 1982 trabalhava como redator da Rádio Atlântica FM.
Em números posteriores, o Expediente foi integrado por militantes
como Mário Milani, Maristela Mafei e Cácia Cortes, além dos repórteres que exerciam
atividades em seus Estados, em jornais-empresas regionais ou como colaboradores do
Sem Terra. Exemplos destes foram Liliana Lavorati, Jô Azevedo e Protásio Nenê.
Estes novos integrantes tinham perfis semelhantes aos dos
primeiros jornalistas. Mario Milani era formado pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL) e um dos fundadores do PT na cidade. Cácia Cortez, também militante
do partido no Estado do Mato Grosso do Sul, ao formar-se jornalista, dedicava-se ao
127 KUCINSKI, 2003, p. 282.
88
estudo de acampamentos de sem-terra, com ênfase para a ocupação da Gleba Santa
Idalina, município de Ivinhema (MS). Maristela Mafei, ainda no primeiro ano do curso
de jornalismo da PUC-SP, apresentava-se como uma jovem militante que buscava
experiência no campo jornalístico. 128 Liliana Lavorati, formada em jornalismo pela
PUC-RJ em 1978, escrevia matérias de cunho social e popular em jornais de pequena
circulação. Jô Azevedo, jornalista desde 1975, trabalhava no jornal “O São Paulo”
acompanhando CEBs e os movimentos sociais. 129 Como fotógrafo, Protásio Nenê
começou sua carreira na imprensa sindical, sendo militante do CAMP e diretor de
iconografia do Museu do Trabalho em Porto Alegre (RS), trabalhando com questões
sociais e cultura popular. 130
A participação de jornalistas de outros Estados na produção do Sem
Terra demonstrou que a constituição de um ideário nacional de movimento era um
importante fator para mudanças mais significativas na organização do boletim. A
responsabilidade jornalística abriu novas perspectivas para o projeto do meio de
comunicação despertando uma discussão para transformar o boletim em tablóide, ação
que demandou mais recursos e sugeriu novas formas de arrecadação para manter o meio
de comunicação.
Quanto ao uso de espaço no boletim para a veiculação de
propaganda, poucas seriam as empresas interessadas na divulgação de seus produtos
num veículo de informação destinado à organização de trabalhadores rurais, salvo
aquelas de entidades identificadas com a luta ou que possuíam como elo de
aproximação, estudantes, religiosos, jornalistas e educadores que militavam a favor dos
128 Maristela Mafei. Depoimento concedido, jun. 2006. 129 Jô Azevedo. Depoimento concedido, abr.2006. 130 Lizete Kummer. Depoimento concedido, abr. 2006.
89
sem-terra. Exemplo de publicidade desse gênero foi o Jornal Mundo Jovem, única
propaganda presente no boletim entre 1983 e 1984. 131 (ver figura 8).
Originado no Seminário Maior de Viamão (RS) que, desde 1963,
publicava a Revista SOS Vocações, um ano depois transformada na Revista Lançai as
Redes com finalidade de desenvolver trabalhos vocacionais em paróquias e escolas, o
Jornal Mundo Jovem foi publicado em 1967, tendo como proposta refletir questões
pertinentes às inquietações, ansiedades e esperanças da juventude. Em 1972, a
Faculdade de Teologia da PUC-RS assumiu a responsabilidade do Mundo Jovem. Sem
fins lucrativos, desprovido de publicidade e considerado um veículo de “denúncia” das
injustiças sociais, o Mundo Jovem era impresso em Porto Alegre (RS). 132 Seus
integrantes – estudantes, professores, padres e jornalistas –, em sua maioria da PUC-RS,
simpatizavam com a articulação das lutas de trabalhadores rurais. Vale mencionar que
jornalistas formados pela universidade integravam o Expediente do Boletim Sem Terra,
como Celso Schroder. Estudantes contribuíam com reportagens e padres, então
professores da instituição superior, participavam da CPT e tinham acesso direto aos
integrantes do CAMP. 133
Apesar da publicidade do Mundo Jovem representar a relação de
seus produtores com a organização dos sem-terra, o ambiente ficou nebuloso ante a
participação do Jornal Zero Hora na impressão do boletim. Esta contraposição de
interesses ideológicos não prevaleceu sobre a relação comercial, pois alguns jornalistas
do ZH eram simpatizantes do Movimento dos Sem Terra e contribuíram para esta
aproximação.
131 PERLI, F. Sem Terra: de boletim a tablóide. Um estudo do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Entre a solidariedade e a representação (1983 – 1987). 2002. 200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2002. 132 JORNAL MUNDO JOVEM: História do MJ, 2005, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.mundojovem.pucrs.br>. Acesso em 19 ago. 2005. 133 Lizete Kummer. Depoimento concedido, abr. 2006.
90
1.4. Leia, assine e divulgue
A participação do ZH na produção do Sem Terra gerou
controvérsias. Remanescente do Jornal Última Hora, que fora fechado com o golpe
militar de 1964, o Zero Hora integrava o complexo de comunicação Rede Brasil Sul
(RBS), afiliada à Rede Globo. Na década de 1980, a família Sirotsky – grupo detentor
do jornal – investiu em tecnologia tornando o ZH o segundo jornal diário de Porto
Alegre (RS) em número de exemplares-dia. 134 Em fevereiro de 1984, iniciaram-se as
negociações para a empresa Zero Hora Editora Jornalística assumir a impressão do
Sem Terra. O preço atrativo, comparado com os custos apresentados por outras
empresas, e a tecnologia da impressão do jornal foram fatores que contribuíram para
firmar esta relação comercial. O tipo de serviço prestado foi pago com recursos
angariados junto a entidades civis e simpatizantes que defendiam a consolidação do Sem
Terra, resultando no aumento da tiragem para 7.000 exemplares.
Para Christa Berger, no período de articulação das lutas pela terra
do Rio Grande do Sul com outros Estados do centro-sul do Brasil, o ZH não se mostrou
compreensível com os sem-terra, classificando-os de “foras da lei” . 135 Esta relação
pouco amistosa entre meio de comunicação e movimento social foi percebida pela
autora nos enunciados de reportagens que abordaram a luta a partir dos agricultores da
Encruzilhada Natalino, preservando o conceito de propriedade privada através do uso
do termo “invasão” , ao invés de “ocupação”. Nesse sentido, os sem-terra eram
constantemente colocados na condição de ilegalidade, sendo a “transgressão”
permissível de punição.
134 BERGER, 1998, passim. 135 Ibid., p. 135.
91
Mesmo diante do conservadorismo do ZH com as questões de
movimentos populares rurais, as coberturas dadas pelo jornal às manifestações dos sem-
terra renderam bons resultados ao meio de comunicação. Para a repórter do Zero Hora,
Ivone Cassol, em texto publicado pelo Boletim Sem Terra:
“A maioria dos jornalistas compreendeu a importância e a
perspectiva da trajetória de Natalino. (...) O esforço dos jornalistas
para que tudo isso chegasse ao grande público foi notável. Tanto
que a cobertura de Zero Hora sobre a luta dos sem-terra acabou
ganhando o Prêmio Esso Regional de 1981, o troféu mais
importante do jornalismo brasileiro. O aspecto a salientar é que a
conquista do prêmio de certa forma obrigou o jornal a manter o
noticiário sobre a luta dos agricultores sem-terra”. 136
Apesar de a jornalista destacar o esforço e o desespero dos
agricultores da Encruzilhada Natalino como fundamento da resistência dos acampados
e do crescimento da rede de solidariedade constituída entre movimentos populares de
diferentes Estados do Brasil, o que chamou atenção em seu texto foi a importância
atribuída à divulgação da situação dos acampados pelo Zero Hora, condição
imprescindível para a manutenção da luta.
“Qual teria sido o destino das famílias que se portaram na beira
da estrada, formando o acampamento de Encruzilhada Natalino, se
os meios de comunicação não as tivessem descoberto e divulgado o
movimento? Certamente teriam desaparecido da mesma forma que
surgiram”. 137
136 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 33, p. 13, 1983. 137 Ibid., p. 13.
92
Admitindo que a imprensa não criara o acampamento, Cassol já
evidenciava a expressividade da luta numa dimensão de produção e transmissão de
representações, elaboradas por produtores da notícia contrários e favoráveis à
organização dos sem-terra.
Os grupos opostos foram representados por jornais de circulação
regional e nacional. O papel da imprensa na divulgação dos sem-terra na primeira
metade da década de 1980, foi assunto analisado por Raquel Bertol. Para a autora, entre
1981 e 1984, a relação mídia e sem-terra esteve restrita a jornais de abrangência
regional. Porém, de 1984 a 1989, percebeu-se um relacionamento entre meios de
comunicação e movimento social, caracterizado pela demarcação do terreno simbólico
do MST. 138
A definição de um campo simbólico 139 do movimento social rural
na imprensa de grande circulação, tornou-se evidente com a cobertura dada por jornais
paulistas – como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde –, aos
conflitos pela terra em diferentes regiões do Estado, com destaque para o antigo
problema do Pontal do Paranapanema.
Muitos jornalistas da imprensa escrita, notoriamente contrária à
causa dos sem-terra, passaram a colaborar com o boletim e, posteriormente, com o
tablóide através de reportagens de interesse para a organização dos trabalhadores rurais.
Sobre estes repórteres e as contradições da luta, Cassol afirmou:
“À medida que conheciam melhor o acampamento, os repórteres
sentiam a falta de alternativas, o modelo fundiário e agrícola
empurrando os trabalhadores a uma atitude desesperada de se
expor ao relento, às críticas, à zombaria daqueles que não queriam
138 BERTOL, 2003, passim. 139 BOURDIEU, 2001, p. 16.
93
enxergar a realidade. Os jornalistas também foram percebendo os
diferentes interesses em jogo, a presença dos ‘aproveitadores’, o
despreparo de muitos e as contradições de um grupo que se
formara espontaneamente, com unidade apenas no objetivo maior:
a posse de um pedaço de terra”. 140
Como se vê, as estratégias de comunicação desenvolvidas por
entidades solidárias e lideranças sem-terra, não foram apenas direcionadas para a
organização de meios informativos próprios. A exposição das ações políticas dos sem-
terra na mídia, o contato de ONGs com a grande imprensa e seus projetos de
comunicação popular, também constituíram formas alternativas de informação na
organização de um movimento social rural.
1.4.1. O tablóide
A transição do Sem Terra de boletim a tablóide integrou um
momento decisivo de unidade das lutas regionais perante a constituição de um
movimento nacional. Organizado pela Comissão da Regional Sul, na cidade de
Cascavel (PR), em janeiro de 1984, o I Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra oficializou o MST. 141 Dando representatividade às lideranças sem-terra, foi
formada a Direção Nacional, composta pela Coordenação Nacional e a Executiva
Nacional. A Coordenação foi formada como um colegiado de líderes sem-terra,
representantes dos Estados em que a organização estava presente, tendo a finalidade de,
140 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 33, p. 13, 1983. 141 Contando com a participação de 92 pessoas, entre agricultores, agentes de pastoral, sindicalistas e assessores que representavam entidades, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), o Encontro direcionou a organização dos sem-terra para algumas ações de luta, como a troca de experiências entre lideranças regionais, a constante avaliação da organização e a unificação de procedimentos através da definição de uma linha de atuação nacional.
94
a partir das realidades regionais, debater e direcionar a luta num espectro nacional.
Como um corpo diretivo de lideranças sem-terra, a Executiva foi definida como
instância responsável pelas ações e representações do Movimento.
O Encontro, além de simbolizar a unificação das lutas regionais,
discutir temas relacionados à formação do MST, sua denominação, organização interna
e perspectivas de ação, idealizou o Sem Terra como um órgão de “divulgação forte,
amplo e que atingisse todo o país”. 142
Partindo deste princípio, uma reunião específica em Curitiba (PR),
no mês de junho de 1984, tratou da ampliação da tiragem – de 7.000 para 10.000
exemplares – com o objetivo de aumentar a circulação para diversas localidades do país.
A necessidade de recursos para quantificar a tiragem e dar conta da demanda no
crescimento da organização dos sem-terra era entendida, pela então definida Executiva
Nacional, como fundamental na consecução do Projeto Jornal, elaborado com a
finalidade de transformar o boletim em tablóide.
A realização deste projeto dependeu de contatos com simpatizantes
e profissionais jornalistas de diversos Estados, que já colaboravam com o boletim ou
mostravam-se comprometidos por algum tempo com a luta dos sem-terra. Além dos
jornalistas que compunham o boletim, passaram a integrar a produção da primeira
edição formato tablóide, Ulisses dos Santos (SP) para fazer cobertura no Estado de São
Paulo e, no planejamento, a graduada em História Lizete Kummer em parceria com
Humberto Monteiro. 143 Formada pela UFRGS em 1982, Kummer foi convidada para
trabalhar no tablóide devido experiência em revisão. Seus primeiros contatos com
integrantes do Sem Terra foram feitos no movimento grevista de jornalistas, gráficos e
142 JORNAL SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 36, p. 2, 1984. 143 Ibid., p. 2.
95
motoristas da Empresa Caldas Júnior. Esta paralisação, caracterizada por fugir dos
padrões das greves do período, marcou-se por ser o campo de luta a própria imprensa.
Assim como Lizete, funcionários da Empresa entraram em contato
com o Sindicato de Jornalistas do Rio Grande do Sul diante das negociações. Nesta
entidade sindical, a professora de História conheceu Flademir Araújo e Humberto
Monteiro, integrantes do CAMP e que tinham trabalho fixo na organização do Sem
Terra. Como outros produtores do tablóide, Kummer tinha uma vinculação profissional
e não decidia a pauta, tarefa do grupo fixo de jornalistas, de representantes do CAMP e
da Igreja Católica. 144
Lançado na reunião de Curitiba (PR), o Jornal dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (JST) contou na composição com a responsabilidade dos integrantes
do Jornal Mundo Jovem, na impressão com os serviços da Zero Hora Editora
Jornalística e, na produção gráfica com o apoio do CAMP. O exemplar nº. 36 fez um
retrospecto de “uma história de três anos” do meio de comunicação e expôs as razões
da mudança, enfocando as perspectivas de crescimento das tiragens. Além de evidenciar
a importância dos lavradores no Projeto Jornal, procurou-se dar ênfase à conquista de
novos leitores, a manutenção do tablóide e a contribuição do veículo de informação na
organização dos sem-terra. (ver figura 9).
“O jornal só será importante se efetivamente contribuir para um
avanço da organização dos sem-terra e para o sucesso de suas
lutas. Dos lavradores também depende que o jornal atinja um
maior número possível de leitores, nos locais mais difíceis e
distantes do país. O Movimento vai continuar crescendo na luta
pela Reforma Agrária e o jornal deve acompanhar este
crescimento, com a participação de todos”. 145
144 Lizete Kummer. Depoimento concedido, abr. 2006. 145 JORNAL SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 36, p. 2, 1984.
96
A mensagem “Leia, assine e divulgue” representou uma campanha
de ampliação de leitores. Com o objetivo de alcançar mais efetivamente os STRs
filiados a CUT e, a partir destes, operar uma distribuição em acampamentos e
assentamentos de diversas áreas sob influência do cutismo, a campanha visou atingir o
homem do campo assalariado ou minifundiário e simpatizantes pelo MST residentes em
cidades.
A ampliação de vendas tornou-se mais relevante para viabilizar
financeiramente a manutenção do jornal. Além de contar com a estrutura física e
contribuições financeiras, o tablóide foi patrocinado por entidades de apoio histórico na
luta dos sem-terra, dentre as quais, as relacionadas à Igreja, aos sindicatos combativos e
partidos políticos de esquerda. A aquisição antes gratuita, devido apoios suficientes para
a publicação, neste processo de ampliação e de estruturação do tablóide tornou-se mais
dispendiosa e, para tanto, a venda do jornal e a formação de grupos de leitores
mostraram-se como alternativas para manter o projeto de comunicação.
A regularidade na distribuição do jornal para variadas instituições
que se identificaram com a causa, contracenava com a deficiente presença do
informativo nas bases da luta. Cada vez mais, a intervenção do editorial sobre a logística
da divulgação direcionava a produção de materiais de informação para um centro
urbano mais dinâmico, tanto em oportunidades de composição e impressão, como na
viabilidade de circulação. Em 1985, a transferência para São Paulo do Jornal Sem Terra
e da Secretaria Nacional do MST foi entendida pela Direção Nacional como um
importante passo para o fortalecimento da luta. Assim, os Editores do Sem Terra,
Flademir Araújo e Sérgio Carlos Canova, justificaram que:
97
“A transferência para São Paulo, centro político mais importante
do país, indiscutivelmente, é explicada pelas facilidades que trará
a organização dos sem-terra, tanto do ponto de vista político, como
de estrutura e de divulgação do Movimento”. 146
Com a mudança para a capital paulista apostou-se numa nova etapa
de melhoras e consolidação do Jornal Sem Terra. Nesse sentido, a campanha de
contribuição dos leitores e simpatizantes partia de assinaturas, divulgação do jornal e
sugestões de notícias. Apresentando um cupom abaixo do Editorial que poderia ser
recortado e enviado para o novo endereço de produção, a assinatura poderia ser paga
com cheque nominal ou vale postal, sendo caracterizada como “normal” , com
recebimento de 12 edições, e de “apoio” , com valores mais significativos provenientes
de leitores-simpatizantes e entidades que quisessem apoiar a publicação.
Desta campanha que compreendia a importância da assinatura, do
ato de ler e divulgar, novos colaboradores passaram a integrar o tablóide. Ao lado do
experiente Flademir Araújo, integrou a edição Sérgio Carlos Canova. Canova, jornalista
formado pela PUC-RS, trabalhava de free-lancer para o Sem Terra desde 1984. Na
transferência do tablóide de Porto Alegre (RS) para a capital paulista, assumiu a
editoração juntamente com Flademir. Os Editores acomodaram as instalações de
produção do jornal no Instituto Sedes Sapientiae, conhecido por prestar serviços de
formação a movimentos sociais em São Paulo (SP).
Devido à reforma universitária exigida por lei federal, as
faculdades de São Bento e Sedes Sapientiae foram incorporadas, em 1970, à PUC-SP.
Em 1975, foi fundado o Instituto Sedes Sapientiae com princípios de defesa da
liberdade de expressão e dos direitos humanos. Ao adquirir estatuto jurídico em 1977, a
146 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 43, p. 2, 1985.
98
instituição passou a oferecer cursos de aperfeiçoamento nas áreas de filosofia e
psicologia, com forte atuação em cursos de expansão cultural na área de educação
popular. 147 Liderado por Madre Cristina – religiosa respeitada por estudantes da PUC-
SP, jornalistas que produziam o tablóide, lideranças sem-terra e intelectuais que se
aproximavam do MST ante as facilidades de locomoção às novas instalações – o Sedes
Sapientiae tornou-se referência na organização de movimentos populares abrigando,
além das instalações do Jornal Sem Terra, a Secretaria Nacional do MST, a União das
Nações Indígenas (UNI) e a CPT de São Paulo.
Com novas instalações, o Jornal Sem Terra recebeu outros
jornalistas e colaboradores, como Chile Ioles (RS), Dinah Lopes (SC), Isaac Akcelrud
(RJ), Paulo Tarso (MG) e Paulo Roberto Ferreira (PA). Beto Borges assumiu o setor de
artes, a Secretaria Gráfica ficou a cargo de Nando Borges e a Revisão para Simone
Fosalusa. Hélio Bianchi tornou-se responsável pela Administração Geral.
Esta equipe traduzia as mudanças internas operadas no tablóide
com o deslocamento da estrutura de produção. Num sentido geral, estes novos
jornalistas ampliavam a cobertura do Sem Terra para um maior número de Estados.
Suas trajetórias tinham pontos em comum, sejam alguns formados em jornalismo, sejam
outros que, ainda na universidade ou recentemente egressos, ajudavam na produção da
notícia voluntariamente. Numa nova situação, o jornal teve um administrador geral que
representava um elo entre o MST e as entidades solidárias. Hélio Bianqui, ingressara na
luta dos sem-terra por ser filho de pequenos proprietários do interior do Rio Grande do
Sul. Ao ser designado pela Direção Nacional para atuar no tablóide, coordenou a
questão financeira e representou de maneira mais incisiva a participação de lideranças
sem-terra na produção da notícia.
147 SEDES SAPIENTIAE, Carta de princípios, 2005. INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE: Carta de Princípios, 2005, São Paulo. Disponível em: <http://www.sedes.org.br>. Acesso em: 19 ago. 2005.
99
A transferência para São Paulo direcionou a composição,
montagem e impressão à Cia. Editora Joruês alcançando a tiragem de 20.000
exemplares. Diferentemente da relação comercial estabelecida com a Zero Hora Editora
Jornalística, o contrato firmado com a Joruês tinha tendência ideológica, o que facilitou
a questão financeira. Fundada por dois empresários que preferiam o anonimato e
simpatizavam com as causas de movimentos sociais, a Joruês foi carinhosamente
denominada pelos militantes da notícia como “Jornais Rurais Especializados” devido
os preços da impressão dados ao Sem Terra e aos informativos de Sindicatos de
Trabalhadores Rurais. 148 A empresa, detentora do jornal de bairro paulistano Gazeta de
Pinheiros e responsável pela revista cultural Leia, era notada pelos serviços de
impressão a órgãos políticos de esquerda, dentre os quais, os prestados ao semanário
legal dos comunistas, Voz da Unidade, na década de 1980. 149
A campanha de assinaturas do JST e os diferentes apoios
financeiros que partiram de simpatizantes e entidades solidárias à luta geraram recursos
para pagar os serviços de impressão prestados pela Editora. 150 A partir das primeiras
publicações impressas pela Joruês, o Sem Terra foi divulgado como uma publicação
mensal do MST.
Conforme o próprio Jornal Sem Terra apresentou em sua seção
Cartas, as opiniões dos leitores foram importantes para o fortalecimento do tablóide. A
seleção das cartas que seriam publicadas era feita por triagem das correspondências de
interesse da Executiva Nacional, de representantes de entidades de apoio e produtores
da notícia. Nas divulgações de cartas de apoio à continuidade da publicação verificou-se
a pluralidade de simpatizantes e temas tratados, constituídos sob feições individuais ou
148 Sérgio Carlos Canova. Depoimento concedido, jul. 2006. 149 MARTINI, S.R.M. Levantamento do Jornal Voz da Unidade. Campinas: Unicamp, 2003. Disponível em: <http://www.arquivo.ael.ifch.unicamp.br/pcb.br>. Acesso 15 set. 2004. 150 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 43, p. 3, 1985.
100
coletivas. De um comunicado de préstimo ao jornal vindo do simpatizante Assis Couto,
do município de Santa Cruz do Oeste (PR), até apoios de petistas como Paulo R.
Schilling, de Sindicatos de Trabalhadores Rurais de cidades como Caraí (MG) e dos
sem-terra de Tucunduva (RS), 151 um amplo espectro de leitores, constituídos em
espaços diversos, colocavam em questionamento a eficiência da distribuição do material
informativo.
Com uma característica mais local da luta, o simpatizante Assis
Couto sentiu-se sensibilizado com a chegada do jornal em sua residência tecendo breves
elogios à composição e salientando a importância do meio de divulgação para retratar a
“triste realidade em que vivem milhões de nossos irmãos”. Para Schilling, atuante na
Secretaria de Relações Internacionais do PT e autor de livros que abordaram a questão
agrária, a identificação de simpatizantes com os movimentos populares rurais do centro-
sul do Brasil, enquanto estratégia para aumentar o número de leitores do tablóide, era
tão importante quanto a organização de ações de trabalhadores rurais sem-terra. O
leitor, ao fazer alguns comentários sobre o JST, felicitou os produtores do jornal quanto
à publicação de um excelente material, apesar de demonstrar seu descontentamento por
não conhecer o trabalho do informativo na divulgação e articulação das lutas
regionais.152
Outras cartas retrataram o contentamento de leitores-militantes com
as mudanças do Sem Terra, a melhoria na distribuição e a função do meio de
comunicação na organização do MST. Para o sem-terra Luís Carlos Barros, de
Maravilha (SC), o recebimento do jornal em seu espaço de luta foi marcado pelas
mudanças gráficas. 153 Deixando evidente a viabilidade de usar Sindicatos de
Trabalhadores Rurais como pontos de recepção e distribuição do informativo para
151 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 41, p. 2, 1984. 152 Ibid, p. 2. 153 Id., nº. 45, p. 2, 1985.
101
lugares específicos, a publicação da carta que José Severino dos Santos, Secretário do
STR de Inhapi (AL), enviou à líder sindical Otília Maria Nogueira da Silva, de Itacaré
(BA), além de demonstrar confiança e solidariedade ao trabalho da sindicalista,
evidenciou a condição do jornal enquanto espaço de sociabilidade entre militantes de
diferentes regiões do país, mediante a informação dos acontecimentos da luta dos sem-
terra. Sob a ótica de Severino, o ato de informar os leitores sobre situações vivenciadas
pelos trabalhadores rurais significava um instrumento de “libertação” dos “pobres da
terra” contra a opressão exercida pela falta de informações e a manipulação dos
grandes meios de comunicação. 154
Tais informações também estavam chegando às cidades, como
aponta a carta de Walmir Feversani, do Jardim Sabará, em Porto Alegre (RS). Para o
leitor-simpatizante:
“Com relação a este jornal fiquei triste em saber das atrocidades
que estão praticando contra os trabalhadores sem-terra, desde o
mais simples despejo até as mortes. Por que isto não passa na
televisão?”. 155
Opiniões como estas atestam sobre a sobrevivência do tablóide para
além da questão financeira. Os produtores do Jornal Sem Terra debatiam a distribuição,
abrangência e finalidade do informativo na organização do MST como meio de criar
redes de sociabilidade e combater, como sugere Pierre Bourdieu, “efeitos de
autoridade” gerados pelo domínio da televisão. 156
154 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 47, p. 2, 1985. 155 Id., nº. 49, p. 2, 1985. 156 Para Pierre Bourdieu, os movimentos sociais devem combater a mídia “criticando as palavras, ajudando os não-profissionais a se municiarem de armas de resistência específicas, para combater os efeitos de autoridade, o domínio da televisão, que desempenha um papel absolutamente capital. Hoje, não é mais possível conduzir lutas sociais sem dispor de programas de luta específica com e contra a
102
A seção Cartas, além de assumir esta responsabilidade, também era
o filtro de todas as correspondências recebidas pelo jornal. Percebe-se, a partir da
triagem e síntese de mensagens, o caráter pluralista assumido pelo meio de
comunicação nos dois anos posteriores à fundação do MST. (ver figura 10).
Com a mudança da estrutura de produção para São Paulo, o jornal
iniciou uma fase de atuação na organização e consolidação do Movimento em âmbito
nacional. Nesse processo de ampliação do Sem Terra, Executiva Nacional do MST e
produtores do jornal entraram num embate contra forças políticas da Nova República
em decorrência de questões como o Pacto Social, o Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA) e a Assembléia Nacional Constituinte.
Mais do que noticiar a luta e divulgar cartas de leitores
selecionadas, o que estava colocado em pauta era a consolidação de um movimento
frente a questões de interesse nacional que envolvia, diretamente, a Reforma Agrária. O
desafio que se estampava para a Executiva Nacional era a manutenção de uma
organicidade interna, com debate intensificado a partir da fundação do MST. O Jornal
Sem Terra, ao adquirir uma tendência de informação que primava por uma linguagem
de fácil assimilação pelos trabalhadores rurais, abria uma lacuna no que se referia às
notícias de temas mais complexos, como a formação de quadros, os embates políticos
frente a temas nacionais e o internacionalismo que já se fazia presente na organização.
1.4.2. Uma via internacional
Além da presença óbvia de simpatizantes e militantes do MST na
seção Cartas, o que chamou atenção no Jornal Sem Terra, entre 1984 e 1986, foram as
televisão”. Cf. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
103
disposições de inúmeras instituições em colaborarem com a luta dos trabalhadores
rurais, algumas prestando agradecimentos pelo recebimento e a importância do JST na
organização, ou desejando obter o jornal para aproximar diferentes tipos de
mobilizações – seja do campo ou da cidade – e, outras, internacionalizando uma rede de
sociabilidade entre movimentos populares.
As ações de entidades sindicais e religiosas em promover um
intercâmbio entre líderes de movimentos sociais rurais e urbanos de vários países,
encontraram no Sem Terra um elemento de divulgação e incentivo desta prática política
para o crescimento e consolidação do MST. Para o padre Arnildo Fritzen, religioso com
participação relevante no movimento desde a Encruzilhada Natalino e um dos
precursores de contatos com entidades sociais de outros países, o aumento da rede de
apoios entre diversos agentes sociais com interesses que se aproximavam, poderia dar
mais experiência às lideranças sem-terra e, consequentemente, contribuir para a
consolidação do MST.
Em 1984, Darci Maschio, integrante da Comissão Estadual do
MST no Rio Grande do Sul, marcou presença no Encontro de Lavradores Latino-
Americanos, na cidade de Lima, no Peru. Antonio Campigotto, um dos mais destacados
líderes da Encruzilhada Natalino e então integrante da Comissão Nacional, juntamente
com o padre Arnildo Fritzen, viajaram para a Alemanha e participaram de encontros
com trabalhadores rurais, entidades de Direitos Humanos, Igrejas e Sindicatos. O
lavrador Agnor Bicalho Vieira, de Santa Catarina e também integrante da Comissão
Nacional, representou a luta no Encontro Internacional de Trabalhadores, na cidade do
México, promovido pela Coordenadoria Nacional do Plano de Ayala (CNPA), com a
presença de representantes de todos os países da América Latina e de alguns países
europeus.
104
Destas visitas, as propostas de intercâmbio cresceram e no I
Congresso Nacional do MST, realizado em Curitiba (PR), no mês de janeiro de 1985,
compareceram representantes estrangeiros. Contando com a presença de lavradores do
Peru, Equador, México e Bolívia, o Congresso abriu espaço para a troca de
experiências, com o objetivo de firmar laços de solidariedade para enfrentar o que os
trabalhadores rurais consideraram “inimigos comuns: o FMI, a política norte-
americana e os latifúndios”. 157 (ver figura 11).
Pierre Bourdieu, ao analisar o internacionalismo a partir das
origens do que denominou “movimentos sociais novos”, percebeu que a possibilidade
distintiva e comum entre eles, era a “exaltação a solidariedade”, princípio da maioria
das lutas, rurais e urbanas, organizadas na América Latina. Tal característica estava
presente nesses movimentos, tanto no exercício de suas ações como nas próprias formas
de organização. Diante da denúncia aos “inimigos comuns” dos lavradores latino-
americanos e da apresentação de questões individuais e coletivas que constituíam o
universo dos cerca de 1500 sem-terra que participaram do Congresso, foi estampado um
problema característico da articulação do internacionalismo: a delimitação dos níveis de
ação política em esferas local, nacional ou mundial. 158 Com merecido destaque ante a
questão, as estratégias de comunicação deveriam adequar-se a esta realidade.
Novas exigências de simpatizantes e entidades internacionais
desafiavam a distribuição do Jornal Sem Terra. Além das dificuldades do tablóide
chegar às bases da luta, o envio para outros países soava como muita pretensão. Mas
eram das reivindicações de leitores que se atestavam formas para enviar o jornal para o
exterior, neste caso, através da correspondência postal. Exemplo deste perfil de leitor
pode ser retratado com o padre Walter José Brito Pinto. Ao mudar para a cidade de
157 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 44, p. 7, 1985. 158 BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
105
Roma, na Itália, o religioso trabalhou no setor brasileiro da Rádio Vaticano, onde
divulgou o Jornal Sem Terra como um importante instrumento de comunicação “a
favor dos oprimidos”. Mediante uma carta, padre Walter escreveu que queria continuar
recebendo o tablóide, pois dizia ser um “leitor assíduo” e defensor da causa dos sem-
terra. Ao agradecer o interesse de tão longa distância, a equipe do jornal providenciou o
encaminhamento do informativo ao novo endereço do leitor. 159
Da seção Cartas foram anunciados os primeiros contatos de
agentes de apoio e lideranças sem-terra com simpatizantes e grupos internacionais. A
princípio, as entidades, fossem nacionais, com relevância no trabalho de intercâmbio,
fossem estrangeiras, com interesse de conhecer melhor a luta dos sem-terra através do
jornal, mantiveram contatos com o objetivo de edificarem uma política de interação e
ajuda mútua.
Para integrantes do Serviço de Intercâmbio Nacional dos Direitos
Humanos (SIN), setor articulado no início dos anos de 1980 dentro do Centro de Defesa
dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis (RJ), a publicação de um jornal, por parte
de um movimento social rural, era o fiel retrato dos bons resultados da luta e do
encantamento de entidades internacionais com os sem-terra.
“Estamos recebendo regularmente o jornal, que por sinal está
muito bom. Retrata toda a força da organização do povo da zona
rural. O conteúdo nos enriquece muito (...). Esperamos que o ano
de vocês seja fortalecido pela coragem e, sobretudo pela esperança
de que um dia haverá terra. Compromissos com a vida” . 160
159 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 63, p. 19, 1987. 160 Id., nº. 44, p. 2, 1985.
106
Ao crescimento dos apoios individuais e de entidades solidárias à
luta dos sem-terra somaram-se relações políticas além das fronteiras nacionais. Os
primeiros contatos de instituições de outros países voltadas para a organização da classe
trabalhadora, do campo ou da cidade, retratavam a repercussão que o MST estava
tomando no exterior. Redes de sociabilidades antes enrijecidas pela aproximação de
idéias e projetos de movimentos regionais, teciam as primeiras relações que deram a
luta dos sem-terra um significado internacional.
Em 1986, isso ficou claro em correspondências como a de Umberto
Giordano-Abano Terme, de Padova-Itália, representante da Confederazione Italiana
Sindicato Lavoratori (CISL). Para Terme, era desejo dos integrantes da CISL “receber
o jornal para poder dar divulgação nos periódicos ‘Brasile Informazione’”. 161
Também da Itália, cidade de Lecce, Giovani Di Miscia contatou o Jornal Sem Terra
para estabelecer troca de informações e experiências entre o MST e a Associazione
Controinformazione Terzo Mondo (CTM), entidade integrada ao Servizio
Internazionale Volontario (SIV).
Agregando uma rede de instituições cristãs italianas de
solidariedade ao “terceiro mundo”, o SIV despertou interesse pelo trabalho de
mobilização dos sem-terra no Brasil e, ao manter os primeiros contatos, abriu
perspectivas para uma ampla relação do Jornal Sem Terra e do MST com entidades
sociais italianas. Para Di Miscia:
“(...) abrimos há pouco ao público um centro de estudos e
documentação sobre os problemas do terceiro mundo. Para poder
oferecer um serviço de informação o mais amplo possível, estamos
161 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 50, p. 2, 1986.
107
interessados em receber o vosso jornal. Agradecemos desde já a
atenção e desejamos um bom trabalho”. 162
A CTM foi ativada em 1982 para promover um programa de
cooperação de informação e documentação sobre problemas do desenvolvimento e
marginalização social no mundo. Para tanto, sua atuação na América Latina estava
sendo fortalecida com projetos de solidariedade aos movimentos sociais rurais e
urbanos. 163 Data deste período, a inserção do tema América Latina na composição do
Jornal Sem Terra. Tal enfoque também foi decorrente dos contatos de lideranças sem-
terra com lavradores de outros países, cujo tablóide não deixou de noticiar.
Encontros internacionais de organizações camponesas de vários
países da América Latina tornaram-se freqüentes. Engajamento que merece nossa
atenção foi o das mulheres sem-terra. Após realizarem o I Encontro Nacional da
Mulher Trabalhadora Rural, em novembro de 1986, na cidade de São Paulo (SP), além
de defenderem, como era de se esperar, uma maior participação das mulheres nas
decisões do MST, lideranças femininas confirmaram e teceram relacionamentos
promissores com organizações camponesas latino-americanas. Este foi o exemplo da
participação das lideranças sem-terra Margarete Santim e Maria Izabel Grein, de Santa
Catarina, e de Luci Piovezan, do Rio Grande do Sul, no I Encontro Nacional da Mulher
Rural do Chile, em julho de 1986, realizado na cidade de Punta del Tralca. Para Izabel:
“Foi muito bom ter ido ao Chile. As discussões foram parecidas
com as que se fazem aqui. Os problemas são os mesmos, com o
acréscimo do problema da repressão de Pinochet”. 164
162 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 44, p. 2, 1985. 163 COMUNE DI MILANO / SOCI: Controinformazione Terzo Mondo, 2004, Milão. Disponível em: <http://www.soci.unimondo.org/ong/CTM.html>. Acesso em: 17 nov. 2004. 164 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 55, p. 16, 1985.
108
Afora identificarem-se com a causa das camponesas chilenas, as
representantes brasileiras agregaram à organização das mulheres sem-terra uma gama
de experiências políticas e culturais de outros países, promovendo uma sociabilidade
que rendeu a ampliação da divulgação do MST na América do Sul e, em contrapartida,
da Comissão Nacional Campesina (CNC) do Chile no Jornal Sem Terra. Com a frase
“Organicemonos y defendamos nuestros derechos”, o material publicitário integrou as
páginas do tablóide, contribuindo para a divulgação de uma rede de solidariedade
internacional com os movimentos camponeses da América Latina. (ver figura 12).
A rede de sociabilidade, entre MST e entidades internacionais, era
entendida pelos produtores do jornal como um ponto favorável na organização. Porém,
o aumento dos apoios poderia gerar implicações maiores na distribuição e abrangência
do meio informativo. Foi neste contexto que lideranças e agentes de apoio repensaram o
papel do Sem Terra e projetaram novos meios de comunicação para dar conta das novas
necessidades organizativas.
Em resumo, procuramos no presente capítulo demonstrar a
formação de uma política de divulgação da luta dos sem-terra e a construção, por parte
de entidades de apoio e lideranças sem-terra, de estratégias de comunicação que
possibilitou a aproximação de diferentes movimentos sociais rurais do centro-sul do
Brasil e constituiu, em 1984, o MST. A divulgação de cartas selecionadas e dos apoios
de simpatizantes e entidades solidárias à luta contribuiu para fortalecer uma rede de
relações entre movimentos que expandiram as fronteiras de ação política do MST,
expansão que delineou métodos de comunicação num constante reajuste, entre 1984 e
1990, às definições organizativas do Movimento.
109
Figura 1: Primeira Página do Boletim Sem Terra, nº. 1, 1981.
110
Figura 2: Divulgação do Manifesto de 25 de julho de 1981. Boletim Sem Terra, nº. 9, 1981.
111
Figura 3: Seção Solidariedade. Boletim Sem Terra, nº. 18, 1982.
112
Figura 4: Primeiro boletim em fotocomposição. Boletim Sem Terra, nº. 22, 1982.
113
Figura 5 – Primeiro Editorial do Boletim Sem Terra, nº. 25, 1982
114
Figura 6: Material de divulgação da Campanha pela revogação da Lei de Segurança Nacional. Boletim Sem Terra, nº. 30, 1983.
Figura 7: Primeiro Expediente com responsabilidade jornalística. Boletim Sem Terra, nº. 33, 1983.
115
Figura 8: Publicidade do Jornal Mundo Jovem. Boletim Sem Terra, nº. 37, 1984.
116
Figura 9: Primeiro exemplar formato tablóide. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 36, 1984.
117
Figura 10: Seção Cartas. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 41, 1985.
118
Figura 11: Charge: a solidariedade dos movimentos sociais latino-americanos contra o “inimigo comum”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 77, 1988.
Figura 12: Divulgação do I Encontro Nacional da Mulher Rural da Comissão Nacional Campesina (CNC) do Chile. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 55, 1986.
119
CAPÍTULO 2:
DEFININDO A ORGANIZAÇÃO
2.1. Aprofundando temas
A importância atribuída por lideranças sem-terra às estratégias de
comunicação integrou um conjunto de debates no I Encontro Nacional dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra e no I Congresso Nacional do MST. Como resultado, a consolidação de
um movimento social nacional demandava a elaboração de novas táticas de divulgação.
Estas deveriam ser direcionadas para quadros internos através da apresentação de teorias e
métodos de organização, como também, para propagandas no espaço público de eventos
coletivos.
Em 1984, no Encontro realizado na cidade de Cascavel (PR), um
documento final listou objetivos gerais para delinearem futuras ações políticas do MST.
Além das recomendações, o Encontro serviu para apresentar idéias de diversas lideranças
que apontaram particularidades e divergências dos movimentos regionais de luta pela
terra.165
Temas importantes para a confluência dos movimentos regionais
foram discutidos. Dentre vários, o que chamou a atenção foi o panorama traçado por
165 Os debates florescidos em mesas coordenadas tiveram a participação de lideranças como Afonso Simão de Lima, fundador e presidente do STR de Deodápolis (MS); Francisco do Nascimento, bóia-fria e militante da oposição sindical, em Flora Rica (SP); Otávio Félix Wieczorek, diretor dos pequenos proprietários rurais de Capanema (PR); Agnor Bicalho Vieira, militante da CPT, em Joinville (SC); Darci Maschio, militante de base do STR de Três Passos (RS); Felipe Brandão de Oliveira, secretário do STR de Boa Vista do Tupim (BA); Adelmo Escher, diretor do STR de Francisco Beltrão (PR); Silvio Manoel dos Santos, presidente do STR de São Matheus e membro da CUT do Espírito Santo; Geraldo Pastana, representante do STR de Santarém na FETAG (PA) e Antoninho Campigotto, líder do movimento vitorioso de Ronda Alta (RS).
120
lideranças quanto aos “amigos e inimigos dos sem-terra”. 166 Darci Maschio, militante de
base do STR de Passo Fundo (RS), ao discorrer no Encontro de Cascavel (PR) sobre os
“inimigos dos sem-terra”, evidenciou as discordâncias entre a CPT e a Arquidiocese de
Porto Alegre (RS). Para a liderança sem-terra, apesar do apoio da pastoral, o arcebispo
Dom Cláudio Colling não era porta-voz dos trabalhadores rurais, mas sim do Governo do
Estado, ante sua insistente defesa de levar agricultores para outras regiões do país.
Criticado nas páginas do Sem Terra como um religioso que nas mediações entre o poder
público e os acampados demonstrava propensões às propostas do Governo, Colling afastou-
se da organização ao ponto de não conceder entrevistas ao tablóide.
O distanciamento de Dom Cláudio dos trabalhadores rurais sem-terra
inseriu-se num contexto em que as divergências sobre a luta eram afloradas no clero. A
posição do bispo de Ji-Paraná (RO), Dom Antonio Possamai, sobre o mito da “terra boa e
barata” construído por políticos e pela imprensa, foi aclamada por lideranças sem-terra
que, desde os tempos da Encruzilhada Natalino, não aceitavam o deslocamento de
trabalhadores rurais para o norte do Brasil. O bispo distribuiu carta à população e
autoridades denunciando o que considerou “propaganda mentirosa veiculada na televisão
quanto à existência de terra boa e barata no Estado” . O Jornal Sem Terra publicou a nota
“Mentiras pela TV” para explicar a carta de Dom Antonio. O tablóide enfocou problemas
enfrentados por pequenos agricultores em Rondônia, como as péssimas condições das
estradas, o deficiente sistema de assistência médica, a baixa qualidade da terra, os altos
preços dos produtos, as dificuldades de financiamento e a forte influência política de
latifundiários. Neste período de organização interna do MST, a divulgação da luta foi
166 CADERNO DE FORMAÇÃO. Porto Alegre: MST, nº. 1, p. 5, 1984.
121
ampliada a partir de novos desafios como o embate aos meios de comunicação de
circulação nacional. 167
Este combate, além de ganhar espaço nas páginas do Jornal Sem
Terra, foi expandido através de outros meios, como propagandas em rádios locais, folder’s
e outdoors de eventos coletivos organizados pelo MST. Foi no I Congresso Nacional de
Curitiba (PR), em janeiro de 1985, que novas táticas de divulgação da luta foram usadas.
Na cidade, rádios compromissadas com a Igreja Católica fizeram propaganda do Congresso
e folder´s, apresentando as atividades, foram distribuídos no espaço público. Dez outdoors,
com recursos de STRs e da CPT, foram montados em pontos estratégicos para divulgar o
evento dos sem-terra “em meio às propagandas de multinacionais” , tendo como referência
um dos slogans mais difundidos perante a organização do MST: “Terra para quem nela
trabalha”. 168
As deliberações de Cascavel (PR) e Curitiba (PR) indicaram as
divergências da luta e a percepção de lideranças sem-terra de um quadro político mais
complexo na organização de um movimento social de estrutura nacional. 169 Apesar de
lançarem as opiniões e os debates travados entre lideranças sem-terra e agentes de apoio, os
produtores da notícia do Sem Terra eram enfáticos na divulgação de idéias que resultassem
na arregimentação da luta. Para tanto, procuravam valorizar os embates do MST contra
instituições públicas, entidades sindicais ou políticas, minimizando as divergências internas
em espaços de pouco destaque no meio de comunicação.
167 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 44, p. 15, 1985. 168 Idem., p. 15. 169 Sob um ponto de vista mais amplo, Afonso Simão de Lima apresentou três tipos de posições de políticos frente aos sem-terra: os “declaradamente contra”, “os indecisos em cima do muro” e os “declaradamente a favor” . Internamente, no MST, a formação de grupos também era evidente, conforme apontou a liderança: “Temos que saber trabalhar com as três posições que existem no Movimento: aqueles que ainda acreditam no governo; outros que acreditam na necessidade de lutar, mas dentro da Lei; e os mais conscientes, que acreditam na ocupação da terra”. Cf. BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 35, p. 12, 1984.
122
Tal tendência questionou o papel e a estrutura dos sindicatos, vistos
pela maioria das lideranças como distantes dos legítimos trabalhadores do campo e da
cidade. Adelmo Escher, diretor do STR de Francisco Beltrão (PR), contendo afirmações de
sindicalistas da FETAG sobre a possível tomada destas entidades pelo MST 170, colocou em
questão o distanciamento entre as Federações e o Movimento verificado no processo de
agregação dos sem-terra ante o surgimento de grupos de oposição inspirados pela CUT. 171
Discussões deste gênero colocaram a organização do MST num outro
plano. De um discurso que sustentava a luta a partir da “conquista de apoio” erigiram
novas representações políticas, com forte presença de lideranças sem-terra frente entidades
de inspiração sindical e religiosa, evidenciando-se uma oposição ao sindicalismo pelego. 172
Entidades sindicais, antes consideradas fundamentais na campanha de Ronda Alta (RS),
tornaram-se objeto de críticas.
Partindo das ações de luta propostas nestes eventos, tanto a
intensificação das “trocas de experiências” entre lideranças regionais, como a “avaliação
constante” da organização e a “unificação de procedimentos” para a atuação de um
movimento nacional, encontraram no Sem Terra uma estratégia de publicação e
assessoramento de práticas organizativas. Consideramos que na fundação do MST o
informativo saiu fortalecido por ser um veículo de difusão destas idéias, ao ponto de ser
deliberado o “Projeto Jornal” para transformá-lo em tablóide, medida no campo da
170 BOLETIM SEM TERRA. Porto Alegre: MST, nº. 35, p. 13, 1984. 171 ANTUNES, Ricardo. O novo sindicalismo no Brasil. São Paulo: Pontes, 1995. 172 A respeito dos valores que se travaram em torno da temática do sindicalismo no Brasil quanto às diferenciações de entidades originadas antes e depois do golpe militar de 1964, usamos no trabalho o termo sindicalismo combativo ou novo sindicalismo para distingui-lo do que comumente se denomina sindicalismo pelego. Entendemos que, o primeiro, originado com as manifestações urbanas do final da década de 1970, constituiu-se com uma proposta de atuação crítica e opositora às políticas governamentais, enquanto o segundo, característico da Era Vargas, criou uma política baseada no clientelismo e atrelada ao Estado, compreendendo nesta relação um importante fator para a manutenção de sua estrutura.
123
comunicação que, como anteriormente referido, tornou-se realidade com a edição do Jornal
Sem Terra em julho de 1984.
Entretanto, assim como ocorreu o fortalecimento do jornal, outras
questões foram abertas. Dentre várias, podemos apontar o assessoramento teórico das
reuniões em acampamentos e assentamentos voltados para a formação de quadros, neste
caso, entendidos como lideranças locais que integravam um corpo representativo dos sem-
terra da esfera regional até nacional.
Deliberações de reuniões, discussões de planos políticos e propostas de
reforma agrária, temáticas que envolviam o campo institucional através dos poderes
públicos constituídos e suas relações com o MST, foram exemplos de assuntos que
contracenaram com as informações cotidianas nas páginas do Sem Terra. Nesse sentido, em
fevereiro de 1984, foi lançado o primeiro Caderno de Formação do MST em Porto Alegre
(RS), composto por textos escritos por lideranças sem-terra, sindicalistas, religiosos e
intelectuais.
2.1.1. Os cadernos
Analisando a organização do MST através do apontamento de grupos
políticos favoráveis e contrários à Reforma Agrária, o Caderno de Formação nº.1,
intitulado “A organização do movimento: quem é quem na luta pela terra” , apresentou 27
páginas que sugeriram a discussão de temas referentes à organização das bases. 173 Com
recursos do CAMP, revisado e diagramado por seus integrantes, o material escrito
transformou-se numa cartilha que sistematizou posições de lideranças sem-terra e agentes
173 CADERNO DE FORMAÇÃO. Porto Alegre: MST, nº. 1, p. 1, 1984.
124
de apoio feitas no Encontro de Cascavel (PR). Ao citar entidades e grupos políticos com
suas posições quanto à luta dos sem-terra, o Caderno nº. 1 abriu uma discussão sobre o
papel da igreja e do sindicalismo na organização do MST, na medida em que foi distribuído
para inúmeras lideranças de acampamentos e assentamentos em diversos Estados do Brasil.
Considerados polêmicos, o apoio da igreja e o “paralelismo sindical”
eram temas que há alguns meses faziam-se presentes nas reuniões da Direção Nacional.
Preocupados com “conversas veiculadas em variados tipos de imprensa de que o MST era
da Igreja”, lideranças sem-terra, através do JST, dispararam contra atores políticos, então
denominados como “dirigentes sindicais pelegos”, “o governo” e a “esquerda
tradicional” . 174 Enquanto o apoio dado por católicos, evangélicos, padres, pastores e
bispos era entendido pela Direção Nacional como fundamental para a organização dos
trabalhadores sem-terra, tratando-se de um ato de coerência com a fé cristã, quando o
assunto era o sindicalismo a posição não era de apaziguamento.
Procurando esclarecer a difícil relação entre a formação do MST e a
participação de lideranças sem-terra nos sindicatos, o Jornal Sem Terra e o Caderno de
formação nº. 1 apontaram que sindicalistas pelegos e dirigentes ligados ao PCB acusavam o
Movimento de “paralelismo sindical”, por montar “comissões municipais de sem-terra,
dentro dos sindicatos e independentes das diretorias” . 175 Abordando esta questão de
maneira mais ampla, o Caderno caracterizou o MST como um movimento social que
174 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 39, p. 2, 1985. 175 O que se evidenciou entre 1984 e 1987, foi uma crescente participação dos sem-terra nos STRs, sob orientação do Movimento, para se associarem e lutarem por direitos dentro da estrutura sindical. Tratava-se, portanto, de uma tensão política entre lideranças sem-terra e dirigentes sindicais, que envolvia a disputa pelo poder de sindicatos, sendo notório, a conquista de STRs por um grande número de líderes do MST. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 48, p. 13, 1985.
125
possuía muitas lideranças sindicais que faziam oposição às diretorias consideradas
“pelegas”. 176
Para José Rainha Júnior, 177 liderança sindical e sem-terra que ganhava
cada vez mais as páginas do JST em decorrência dos trabalhos realizados junto ao STR de
Linhares (ES), muitas eram as dificuldades para a construção de um sindicalismo autêntico
nas bases da luta. Como obstáculo, apontou o governo da “Nova República” e as “centrais
sindicais da pelegada”, representadas pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT), União
dos Sindicatos da Indústria (USI) e Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG). Além disso, alegava que os dirigentes sindicais que derrubaram os “pelegos”
ainda estavam muito apegados à parte administrativa, não assumindo um “projeto político
para os trabalhadores”. Como princípio organizativo defendia que os sindicatos autênticos
seriam consolidados com uma forte política de bases, daí a importância da publicação de
um material consistente de cursos de formação de quadros. Em seu posicionamento,
sindicalismo autêntico e MST integravam um mesmo projeto, tendo papel importante o
Jornal Sem Terra e os Cadernos de Formação no trabalho, junto aos militantes sindicais e
176 Exemplos destes conflitos pela representatividade política dentro dos sindicatos chegaram às vias da violência. Em 1985, no Estado do Pará, então conhecido pelo alto índice de assassinatos no campo, STRs das cidades de Santarém, Bragança, Barbacena, Eldorado e Nova Timboteua, realizaram eleições marcadas por fraudes nas votações, tiros com armas de fogo, o assassinato da freira gaúcha Adelaide Mageirane e o incêndio da sede do Sindicato de Santarém (PA). Este palco de extrema tensão entre grupos políticos que disputavam o poder de sindicatos paraenses, ganhou dimensão nacional com a tentativa de assassinato do delegado sindical do STR de Marabá (PA), Arnaldo Delcídio, por um pistoleiro profissional. O tiro, desferido contra Arnaldo, despertou interesse de autoridades políticas de outros Estados porque atingiu a freira Adelaide Mageirane. A morte da religiosa gaúcha fez o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado José Ivo Sartori (PMDB), enviar telex ao ministro da Justiça, Fernando Lyra, solicitando a investigação do assassinato, por parte da Polícia Federal, e a punição dos responsáveis. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 48, p. 13, 1985. Cf. CADERNO DE FORMAÇÃO. Porto Alegre: MST, nº. 1, p. 6, 1984. 177 De inúmeras lideranças sem-terra que evidenciavam a multiplicidade de quadros do MST, José Rainha Junior ora nos interessa pela sua estreita relação com o sindicalismo rural. Nos anos iniciais da Nova República, além de integrante do STR de Linhares (ES), era membro da Executiva Nacional do MST e militante da CUT.
126
do Movimento, de “embasamento moral, de participação na divisão das tarefas, afinação
ao projeto ideológico dos trabalhadores rurais e a aceitação da direção coletiva”. 178
Através dos Cadernos de Formação lideranças sem-terra escreveram
textos sobre a organização do MST em suas diferentes instâncias, construindo um espaço
de divulgação que pudesse fortalecer nas bases as propostas de uma direção coletiva.
Dentre lideranças que se destacaram como elaboradores de textos para os Cadernos de
Formação, João Pedro Stédile, Ranulfo Peloso e Ademar Bogo tornaram-se referências.
Stédile, formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica
de Porto Alegre (RS), através de concurso público ingressou no Departamento Estadual de
Agricultura do Rio Grande do Sul, serviço que lhe proporcionou contatos com os
trabalhadores rurais sem-terra desde a ocupação, em 1979, da fazenda Macali, no
município de Ronda Alta (RS). 179 Com bolsa de estudo conquistada junto ao departamento,
realizou pós-graduação na Universidad Nacional Autônoma de México (UNAM). Em 1983,
participou em Porto Alegre (RS) da fundação do CAMP, contribuindo para o
desenvolvimento de projetos de capacitação e comunicação da ONG junto ao MST.
Peloso, educador popular e militante do STR de Santarém (PA), ficou
conhecido por aplicar cursos de capacitação sindical em vários Estados do Brasil. Ao
mudar para São Paulo (SP), Peloso dedicou-se à redação de textos e cursos direcionados
para sindicalizados e trabalhadores rurais sem-terra, militando na CPT e lecionando no
Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (CEPIS).
Ademar Bogo, ex-seminarista, ao participar da organização do MST no
Estado da Bahia, integrou a Direção Estadual e destacou-se pela facilidade de escrever
178 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 63, p. 17, 1987. 179 BRANFORD; ROCHA, 2004, passim.
127
poesias e textos transformados em livros e músicas. Em sua crescente produção que
retratava a realidade e os sonhos de trabalhadores rurais sem-terra, chamou atenção a letra
do Hino do MST, oficializado em 1989.
A prática de escrita destas lideranças era resultante de “atitudes de
leitura” 180 tomadas em ambientes universitários ou religiosos e na militância do
Movimento. Nos textos de Stédile são perceptíveis experiências históricas, como de
revoluções burguesas e socialistas, para fundamentar a organização dos sem-terra perante
os problemas sociais no Brasil. Além disso, seu conhecimento interno o inclinava para os
princípios organizativos, como as “lutas de massa”, a “divisão de tarefas”, a “direção
coletiva” e a “disciplina” . Nas páginas escritas por Peloso são mostradas em detalhes as
questões políticas do sindicalismo e as metodologias de educação popular, seja pela
constatação de propostas, pela aplicação de métodos, seja por suas relações com militantes
e entidades que colaboravam no processo organizativo. Nos escritos de Bogo é inerente sua
formação religiosa através da busca de um caminho de “libertação dos pobres da terra” e
da mística enquanto alimento para a organização. Apesar de tratarem de temas diversos,
estes estilos de escritas tinham em comum a busca da unidade dos trabalhadores rurais,
entendida como única alternativa para a conquista da terra e a consolidação do MST. Esta
unidade começava a ganhar contornos de identidade.
Como proposta, os Cadernos de Formação deveria publicar um
conteúdo referente aos problemas e desafios enfrentados pelo MST, com propensão a
divulgar questões de maior peso teórico. Assim, a condição do Sem Terra seria de resumir
180 Consideramos “atitudes de leitura” toda postura ou ordem que um autor impõe através do seu texto, produzida pela maquinaria do texto e que esboça seu leitor ideal. Tais atitudes se constituem como reflexos das experiências políticas e das práticas de escrita desenvolvidas pelo autor. Cf. CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
128
temas publicados nos Cadernos, divulgar os lançamentos, apresentar as opiniões de
lideranças regionais, tudo isso, mantendo sua linha de noticiário. Com características mais
metódicas, os Cadernos de Formação foram situados na luta como um manual informativo
da Direção Nacional do MST.
Estas medidas na área das comunicações estiveram ligadas à
confluência de diferentes lutas regionais, à sindicalização e partidarização de trabalhadores
rurais na formação do MST, representando uma mudança na relação entre lideranças sem-
terra e grupos de apoio. A elaboração dos Cadernos de Formação não desmerecia a
importância dada à produção da notícia, porém, abriu-se espaço para um novo campo de
informação, com uma proposta de divulgação de temáticas de corpo teórico voltadas para a
formação de quadros, questão premente para uma organização nacional que se estabelecia.
Os Cadernos de Formação, encorpados por opiniões sistematizadas,
divulgaram idéias e métodos voltados para a organização interna do MST, com as “ações
de massa” defendidas por Ranulfo Peloso, a articulação dos assentamentos para
desenvolver um projeto consistente de cooperação agrícola e os métodos organizacionais
apresentados pelo professor Clodomir Santos de Morais. O principal objetivo destas
cartilhas era consolidar concepções de organização de um corpo político representativo que
se formava com a oficialização do Movimento. Tanto a Executiva e Coordenação
Nacional, como líderes sindicais, religiosos e pensadores, compreenderam nesta nova
estratégia de comunicação uma alternativa para o fortalecimento dos laços entre integrantes
e instâncias que compunham o Movimento.
Todavia, na formação do Boletim Sem Terra, a conquista de apoio de
diferentes grupos políticos era condizente com um período de solidariedade à luta.
Entretanto, após a fundação do MST, a proposta estampada foi a de afirmação de idéias de
129
uma direção, sendo crescente, por parte de lideranças, o uso das cartilhas com o propósito
de fortalecer as bases políticas do Movimento através da formação de quadros. Para Stédile,
“nenhuma organização poderá ter sucesso se não preparar seus
próprios quadros. Ou seja, se não preparar com estudo e capacitação
seus membros, para lutarem para alcançar os objetivos sociais da
organização”. 181
Este tipo de posição ganhou forças entre as lideranças sem-terra a
partir do Encontro de Cascavel (PR) que, em suas avaliações finais, além de simbolizar a
fundação do MST, arrojou a existência de limites de entidades sindicais e religiosas no
campo de ações e representações políticas do movimento social. Nas páginas do Jornal Sem
Terra estas mudanças foram caracterizadas pela publicação de opiniões de Comissões
Regionais de Sem Terra sobre o sindicalismo, o apoio dado pela Igreja Católica e pelo
CONIC.
Esta conquista de espaço de lideranças sem-terra num campo de idéias,
para Zander Navarro representou a finalização de um período baseado na forte presença de
religiosos progressistas da Igreja Católica, que optavam com freqüência pela ação da
negociação. A conquista de STRs por lideranças sem-terra fortaleceu ações políticas do
MST que gradualmente tornaram-se de confrontação, retratando a descrença com a via
institucional de reforma agrária tanto cogitada ante a elaboração do Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA) e a formação da Assembléia Constituinte. Assim, apoiadores
181 STÉDILE, João Pedro (Coord.) A reforma agrária e a luta do MST. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
130
católicos antes influentes nas tomadas de decisões foram situados na luta como “quadros
auxiliares da organização”. 182
As elaborações sistemáticas das experiências e das leituras da história
da luta resultaram num conjunto de princípios que passaram a reger o MST, como a
“vinculação permanente com as massas, as lutas de massa, a divisão de tarefas, a direção
coletiva, a disciplina, a formação de quadros e a mística”. Stédile entendia que estes
princípios estariam na base do MST e possibilitariam o crescimento, a unidade política e a
consolidação de um movimento social nacional. 183
O processo de constituição do MST, marcado por ações e
representações que revelaram uma identidade entre os sem-terra e agentes de apoio, definiu
novas estratégias de luta. 184 Nesse contexto de construção de uma identidade sem-terra, os
Cadernos de Formação ocuparam uma função social de elaboração de conceitos e agendas
políticas próprias, escritos por lideranças sem-terra, religiosos, sindicalistas, intelectuais,
com o reconhecimento da Direção Nacional do MST. 185
182 SANTOS, 2002, p. 202. 183 STÉDILE, 1997, passim. 184 É deste acúmulo de experiências, tratado por Edward P.Thompson, que “homens sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem dos seus”. Cf. THOMPSON, 1987, p. 10. 185 Para elucidarmos como estas elaborações se transformaram em princípios de ações para o movimento social rural que se constituiu, recorremos a Hannah Arendt com o objetivo de dar luz a uma questão complexa no trabalho: a relação das ações e representações no processo de formação e consolidação do MST. Para a autora, quando as palavras e suas significações não se revelam por meios estratégicos e a revelação de idéias advém exclusivamente do próprio feito, não se desvendam distinções entre os agentes e a identidade de grupos sociais. Sem a revelação do agente social no ato, através da construção de discursos, a ação perde seu caráter específico e torna-se um feito como outro qualquer, perdendo-se na multiplicidade dos eventos cotidianos. Partimos do princípio de que a maior parte das palavras e atos, além de revelarem o agente que fala e age, refere-se a alguma realidade mundana e objetiva. Assim, a revelação do sujeito coletivo é parte integrante do intercurso entre a mediação física e a mediação subjetiva, esta última tão real quanto à primeira, pois está indissoluvelmente vinculada ao fluxo vivo da ação e da fala que só pode ser representado por uma espécie de repetição ou imitação. Atentamos que estas repetições se efetivam a partir da consolidação de discursos através de meios estratégicos de comunicação. Cf. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
131
Nas páginas do Jornal Sem Terra e dos Cadernos de Formação, o
MST foi divulgado pela Direção Nacional como “uma articulação de lavradores dentro do
movimento sindical”. Essa autodenominação consumou a posição de embate frente a
grupos político-partidários e entidades civis considerados conservadores. 186
Para a Executiva Nacional, dentre os principais grupos contrários à
realização de uma reforma agrária ampla e democrática, destacava-se o Partido da Frente
Liberal (PFL) que se aliou ao PMDB formando a Aliança Democrática, bloco político que
tomou frente no processo de redemocratização através de significativa representação na
Assembléia Constituinte. 187 Em 1985, na cidade de Presidente Prudente (SP), foi fundada a
União Democrática Ruralista (UDR), entidade classista com o propósito de defender
interesses de latifundiários e criar uma força contrária ao MST no jogo de relações políticas
evidenciado na Nova República. 188 Tanto o Jornal Sem Terra como os Cadernos de
Formação, combateram estas “forças conservadoras” mediante reportagens e textos que
procuravam diferenciar os interesses destes grupos e os do MST.
Além dos embates políticos, a publicação dos Cadernos de Formação
tinha como função aproximar bases e lideranças sem-terra. Efetivamente, a prática
cotidiana dos sem-terra em diferentes pontos de mobilização do país, seja em
acampamentos, assentamentos, CEBs ou sindicatos, era identificada por lideranças sem-
terra e dirigentes sindicais como um obstáculo na construção de um movimento de massas.
Isso decorria da resistência de muitos sem-terra em realizarem leituras sugeridas nas
reuniões locais. Nesses encontros, além da constatação e resolução de problemas do
186 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 48, p. 2, 1985. 187 SILVA, José Gomes da. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte. Petrópolis: Paz e Terra, 1989. 188 UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA: História da União Democrática Ruralista, 2004, Presidente Prudente. Disponível em: <http://www.udr.org.br>. Acesso em: 13 jan. 2004.
132
acampamento ou assentamento, difundiam-se deliberações e conceitos da organização do
MST.
Muitas questões referentes à conjuntura brasileira e as estratégias de
enfrentamento político sugeridas pelas lideranças nacionais, dirigentes sindicais, jornalistas
e intelectuais que dinamizavam círculos de discussões teóricas sobre a questão da terra no
Brasil, apresentavam grau de complexidade para as próprias lideranças sem-terra locais,
encarregadas de transmitir estes conteúdos nas reuniões de base.
Foi nesse contexto de estruturação interna e de representatividade
conferida ao MST num jogo político de transição democrática que lideranças sem-terra,
sindicalistas e religiosos, defenderam a produção dos Cadernos de Formação para um
público formador de opiniões nos acampamentos, assentamentos, CEBs e STRs. O público-
alvo era constituído por lideranças locais, jovens de pastorais, sindicalistas e outros que
exerciam atividade de persuasão nas bases da luta e contribuíam para a formação de
quadros.
Os Cadernos de Formação tinham uma estruturação e distribuição
interna de conteúdo baseadas em textos mais encorpados sobre a organização política do
movimento camponês, com freqüência, entremeados por ilustrações que retratavam um
padrão de comportamento dirigido aos sem-terra. Num período de consolidação do MST e
de publicação das opiniões da Direção Nacional, foram lançados Cadernos que abordaram,
dentre vários assuntos, os princípios organizativos, a história da luta pela terra, o PNRA, a
Reforma Agrária na Assembléia Constituinte e a relação Igreja-Sindicato-MST, esta última
temática muito bem tratada nos Cadernos de Formação nº. 8 e 14. 189
189 Respectivamente, os Cadernos de Formação foram intitulados “O papel da Igreja no movimento popular” (1986) e “construir um sindicalismo pela base” (1987).
133
Devemos considerar que o Jornal Sem Terra exerceu importante
trabalho de divulgação dos Cadernos de Formação, destinando a coluna “Vida em
Movimento”, criada para publicar questões de organização interna, para explicações sobre o
material de leitura na capacitação de quadros. Na publicação do Caderno nº. 3 – o primeiro
produzido em São Paulo (SP) – o jornal assim posicionou-se:
“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra também está se
integrando na campanha por uma Constituinte democrática e popular.
O primeiro passo é a edição de um livreto de 32 páginas em conjunto
com os Sindicatos de Trabalhadores Rurais dos cinco estados do sul.
O livreto tem o título “A Constituinte interessa aos trabalhadores
rurais?”,e é um resumo de quatro textos preparados para assessorar
os movimentos populares. O objetivo desta publicação é integrar os
trabalhadores rurais na discussão esclarecendo-os sobre a forma de
como eles participarão da Constituinte”. 190
Diferente da produção do Jornal Sem Terra, centralizado em cidades
consideradas estratégicas para a organização da luta – antes em Porto Alegre (RS), depois
em São Paulo (SP) – em seus números iniciais os Cadernos de Formação foram produzidos
nos locais em que se estabeleciam entidades colaboradoras. As influências políticas
exercidas por lideranças sem-terra dentro de STRs, da CPT e nas parcerias com o CAMP,
fizeram destas entidades os principais fornecedores de recursos para a publicação dos
Cadernos.191 Não obstante o grupo responsável pela publicação ser a Direção Nacional do
190 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 43, p. 3, 1985. 191 Sobre esta contradição na organização do MST, Stédile em entrevista a Bernardo Mançano Fernandes afirmou: “a partir de 1984, decidimos que o movimento deveria ter referências próprias. Mas ainda era um processo de construção. Éramos dependentes de quem nos apoiava. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, o Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp), que era uma entidade de apoio, cedeu duas, três salas para o movimento se formar. No Paraná, acho que a primeira secretaria funcionou junto com o Centro de
134
MST, os cooperadores assumiam a produção de acordo com seus interesses temáticos,
decidindo os assuntos considerados importantes para a formação de quadros em
determinados momentos organizativos.
Assim, os primeiros fascículos tiveram entidades colaboradoras e
serviços de impressão pulverizados. Isto ficou retratado por Cadernos patrocinados ora por
entidades católicas, como a CPT e a Pastoral da Juventude Rural (PJR); ora por STRs,
como o Sindicato dos Trabalhadores de Santarém (PA); ora pelas próprias instâncias
organizativas do MST, como a Coordenação Nacional e a Comissão Nacional dos
Assentados que já possuíam arrecadações junto a ONGs, assentamentos e cooperativas
agrícolas do Movimento.
Devido a essa descentralização na produção, os serviços de impressão
também foram diversificados. Quando a entidade colaboradora mantinha contatos com
ONGs, como foi o caso da Secretaria Nacional do MST e do STR de Santarém (PA) com o
CAMP, a impressão foi realizada na cidade de Poa (RS). Noutros casos, podemos perceber
a autonomia de entidades, como a PJR, que lançou cartilha através de recursos da Diocese
de Passo Fundo (RS). Ante a necessidade de contratar uma empresa para realizar a
impressão, o trabalho ficou centralizado em São Paulo (SP), destacando-se a Cia. Editora
Joruês e a Gráfica/Editora Peres.
Mesmo com a produção sendo realizada em variadas cidades, salvo
exceções, como o trabalho da PJR da Diocese de Passo Fundo (RS), era para São Paulo
(SP) que o material era deslocado e distribuído. Em 1985, a Secretaria Nacional do MST
adquiriu papel de instância organizadora e de distribuição dos manuais para militantes e
Formação dos Trabalhadores (Cefuria), também uma entidade de apoio, que existe até hoje. Era um centro de formação e alfabetização. Em Andradina (SP), era atrás da igreja daquela cidade. E assim por diante...”. Cf. STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 87.
135
simpatizantes. Além da correspondência postal, o telefone tornou-se o meio mais usual para
pedidos de Cadernos de Formação, cujo pagamento era por depósito bancário e o leitor
tinha autonomia para escolher o valor.
Com a centralização dos pedidos e distribuição, ficou clara uma
preocupação, por parte de lideranças sem-terra e dirigentes sindicais, quanto à entrega e
uso destes materiais nos locais de mobilização. Para solucionar problemas referentes à
leitura dos sem-terra nas bases, colocou-se uma questão igualmente complexa: a melhoria
na distribuição e a capacitação de lideranças de base para trabalharem estes materiais em
acampamentos e assentamentos.
2.1.2. Dicotomias e intelectuais
O uso dos Cadernos de Formação na divulgação de cursos de
capacitação aplicados por lideranças sindicais e sem-terra, tornou-se evidente com a
publicação periódica que abordou sobre assessoria popular, sindicalização e cooperação
agrícola.
Do curso de formação de lideranças do MST, realizado em dezembro
de 1984, na cidade de São Paulo (SP), sob a coordenação de Ranulfo Peloso, resultou o
Caderno de Formação nº. 7, denominado “Ações de Massa”. Nas aulas de formação
política que aplicou com o apoio da CPT, do CEPIS e do projeto de pedagogia popular do
MST, Peloso ficou conhecido por defender a mobilização de massas através da organização
136
de um movimento social nacional que pudesse, inclusive, realizar diálogos e articulações
com organizações camponesas e entidades solidárias de outros países. 192
Apostando que as questões levantadas nos cursos de Peloso
contribuiriam para uma melhor compreensão da história e organização dos sem-terra,
integrantes da Secretaria Nacional do MST, produziram o Caderno em estilo metódico
para o trabalho de massas, cuja proposta baseava-se em princípios organizativos do
sandinismo nicaragüense. 193 (ver figura 13).
As citações sobre o “trabalho sandinista de massas” amparavam-se
em movimentos camponeses nicaragüenses, como a Asociación de Trabajadores del Campo
(ATC), a Juventudes Empreendedoras Rurales (JER) e a Asociación de Mujeres
Nicaragüenses “Luiza Amanda Espinoza” (AMNLAE), que mantiveram contatos com
lideranças sem-terra.
A ATC, em carta publicada pelo Jornal Sem Terra, defendia a
“unidade e solidariedade internacional” entre os movimentos sociais rurais. Um de seus
pontos de combate era o financiamento feito pelo governo dos Estados Unidos aos
denominados “mercenários” contrários ao sandinismo.
“Nós trabalhadores do campo da Nicarágua, reafirmamos que nossa
firme e inquebrantável decisão de ser livres e independentes, responde
à doutrina latino-americanista, à doutrina de Bolívar, de Martí e de
Sandino, na qual estamos resgatando e que os Estados Unidos
pretende apresentar como antidemocrática e agressora” . 194
192 STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 49. 193 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 7, p. 11, 1985. 194 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 44, p. 2, 1985.
137
Num sentido geral, os princípios que norteavam essas associações
rurais era o combate aos latifundiários e a promoção de uma revolução camponesa. Os
exemplos de aproximação da Direção Nacional do MST com a situação política da
Nicarágua não eram novos e estendiam-se para outros países da América Latina, como El
Salvador, Paraguai, Bolívia e Chile. O Jornal Sem Terra publicou temas políticos
relacionados aos nicaragüenses através de reportagens que discorreram sobre o sandinismo.
Uma das mais importantes foi a concedida pelo sandinista Sérgio Ramirez Mercado, vice-
presidente da Nicarágua em visita ao Brasil, no mês de agosto de 1985. Nela foram
retratadas as ameaças de invasão norte-americana, a ação de grupos contra-revolucionários
e a importância da solidariedade de movimentos sociais de outros países a favor da
democracia nicaragüense. 195
No texto “Os métodos de planejamento na direção do trabalho de
massas”, que compõe o Caderno de Formação nº.7, Peloso baseou-se nos exemplos do
“trabalho sandinista de massa” para mostrar que um dos grandes desafios a serem
enfrentados pelo MST era mais complexo do que se apresentava. Referindo-se ao fluxo de
informações no MST como uma estratégia para consolidar princípios organizativos nas
bases da militância, Peloso descreveu:
“Impulsionar significa difundir mais a linha revolucionária entre os
quadros médios e de base, nos setores mais avançados e nos mais
atrasados. Impulsionar significa desenvolver uma moral e uma
195 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 48, p. 14, 1985.
138
disciplina sandinista, quer dizer uma mística revolucionária entre os
membros da organização de massas”. 196
Atrás do distanciamento entre lideranças e bases – entendido pelo
sindicalista como os conflitos entre “dirigismo e basismo” – desvendava-se um
emaranhado de dicotomias que precisavam ser superadas, como “quantidade x qualidade”,
“mobilização x organização”, “agitação x propaganda”, “bom x justo”, “massa x
vanguarda”, “direção x lideranças” e “imediato x estratégico”. 197 Estas tensões
enfrentadas na organização eram entendidas por Peloso como obstáculos para a
consolidação do MST.
Interessante compreender o papel proposto por lideranças sem-terra
aos intelectuais, considerados fundamentais na consolidação de um movimento de massas,
mediante um trabalho de exposição e superação destas dicotomias, e ao mesmo tempo,
questionados pela influência exercida sobre as lideranças sem-terra.
Para integrantes de coordenações do MST nos Estados e em nível
nacional, “direção” e “intelectuais” representavam, concomitantemente, os sujeitos que
projetariam novas lideranças, exercendo papéis de articuladores de um “movimento de
massas” que, para ser consolidado, deveria desencadear a formação de quadros com o
objetivo de elevar “a politização” dos sem-terra e sempre renovar os militantes. (ver figura
14).
No que se referia à “direção” , esta era pensada por integrantes da
Coordenação Nacional do MST como uma instância que deveria evitar o
196 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 7, p. 5-7, 1985. 197 Ibid., p. 5-7.
139
“operacionalismo das lideranças”, termo entendido como a centralização de muitas tarefas
nas mãos de poucos sem-terra. Nesse sentido, a “direção” deveria capacitar militantes
sem-terra para atuarem nas divisões de trabalhos específicas de cada acampamento e
assentamento. Percebe-se que a Direção do MST deveria ser uma representação que se
espraiaria do ideário nacional para inúmeras instâncias de participação local. A concepção
de “estar na direção” significava fazer-se presente na organização das bases e na
democratização de ações através da militância em diversas instâncias do Movimento.
Quanto à definição de lideranças sem-terra sobre o papel dos
intelectuais na organização da luta, as colocações beiravam o “intelectualismo orgânico” e
pareciam sugerir um obreirismo. 198 Segundo a concepção gramsciana, o intelectual
orgânico define-se pelo exercício de uma “função” nos processos de reprodução ou de
transformação social. 199 Ocupando uma “função” de mediação entre a pluralidade dos
eventos cotidianos e a sistematização de idéias decorrentes de um processo de interpretação
da realidade, os intelectuais desempenham, além do mundo letrado, um papel organizativo
em variadas dimensões da sociedade. 200
Para Ranulfo Peloso:
198 O termo obreirismo é aqui resgatado como o culto ao trabalhador em detrimento do papel dos intelectuais na organização da classe trabalhadora. Para os obreiristas, os trabalhadores, mais especificamente, os operários, assumem uma posição crucial porque, com a paralisação de seus trabalhos, podem destruir o capitalismo. Ao elogiarem os trabalhadores, que estão à frente da produção, como as peças fundamentais da organização do movimento operário, os obreiristas sugeriram um processo revolucionário através de uma escalada das lutas cotidianas dos trabalhadores. Para Leandro Konder, em “A derrota da dialética”, o obreirismo dominou o PCB após a queda de Astrojildo Pereira da Secretaria-Geral do partido, no final de 1930, preparando um terreno para uma ampla aceitação de uma teoria desprovida de sofisticação, extremamente pragmática, favorecendo a consolidação do stalinismo nos círculos do PCB. Cf. KONDER, Leandro. A derrota da dialética. Rio de Janeiro: Campus, 1988. 199 Para Antonio Gramsci, “a relação entre intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamentais, mas é ‘mediatizada’ em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os seus funcionários”. Cf. GRAMSCI, 1991, p. 10. 200 Id. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
140
“(...) intelectual é aquele que usa o intelecto. Por isso, não pode nem
deve ser um privilégio dos que tiveram a oportunidade de estudar. Há
trabalhadores intelectuais. Hoje, os que estudaram podem ser de
grande valia no trabalho: detém informações e técnicas ainda não
acessíveis aos trabalhadores. A contribuição desses intelectuais cresce
de importância, especialmente, pela estreita ligação que existe entre o
saber e o poder. Só dirige quem sabe, por isso os trabalhadores
precisam saber”. 201
O papel dos intelectuais, no sentido que Ranulfo lhes atribuía, estava
na difusão de idéias para a construção do conhecimento da luta pelos trabalhadores rurais
sem-terra. Assim, como na concepção gramsciana, a definição do conceito torna-se ampla e
vaga por colocar pessoas com pouca ou até nenhuma instrução formal na condição de
intelectual. Além disso, é possível considerarmos intelectuais como uma variedade de
militantes políticos – religiosos, sindicalistas, jornalistas e lideranças sem-terra –, definidos
por múltiplas “funções” e condições na organização do MST.
Há que se considerar que a definição de intelectual pensada por um
conjunto de lideranças sem-terra, em suas variadas “funções”, tinha pesos e valores muito
diferentes no processo organizativo do Movimento. Os próprios integrantes da Secretaria
Nacional do MST, em 1985, evidenciaram esta questão:
“Os padres, os jornalistas, os assessores nos mais variados campos,
etc... devem servir a organização dos trabalhadores, incentivar,
apoiar, ou até mesmo criar movimentos, capacitar os trabalhadores
nas técnicas: mimeógrafos, boletins, etc... dar elementos de
informações: teoria, história, conjuntura, metodologia... Mas devem
201 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 7, p. 8-9, 1985.
141
evitar toda tutela, ou seja, ajudar a autonomia dos trabalhadores
capacitados que poderão dirigir suas próprias organizações”. 202
Observe-se que para o conjunto dos sem-terra existiam intelectuais
que não eram trabalhadores rurais e, portanto, por mais que pudessem contribuir para a
organização do Movimento sempre seriam vistos de maneira diferente e, porque não dizer,
na condição de sujeitos que apenas transitariam pelo MST para realizarem um trabalho de
assimilação e reprodução de idéias.
Cumpridas as etapas de assessoria, a dinâmica de formação de quadros
defendida pela direção conduziria para essas funções trabalhadores rurais formados pelos
cursos e materiais produzidos por jornalistas, religiosos, sindicalistas e lideranças sem-terra
que constituíam uma vanguarda intelectual no Movimento. Este estado transitório dos
intelectuais perante a luta ficou evidenciado num fragmento do texto de Peloso:
“Uma boa assessoria é aquela que cava sua própria saída. O ‘zelo’ e
o ‘ciúme’ são formas de manter os privilégios sem ter as tarefas.
Lançar as sementes, capacitar, abrir espaços e ir em outro lugar...
começar tudo de novo”. 203
A conquista de espaço dos sem-terra em instâncias antes ocupadas por
agentes de apoio parecia ser uma questão de tempo dentro da organização e dos objetivos
que norteavam a política de formação de quadros. A busca de autonomia do MST tão
reclamada por lideranças sem-terra baseava-se numa concepção de que os intelectuais de
vanguarda integravam uma ação de luta transitória, ante a almejada conquista desses
202 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 7, p. 8-9, 1985. 203 Ibid., p. 8.
142
espaços de reprodução cultural, por parte de trabalhadores rurais sem-terra capacitados em
cursos de lideranças.
O Jornal Sem Terra, principal veículo de comunicação junto aos
trabalhadores rurais, simpatizantes e diversos setores da sociedade civil, apresentava-se
como um elemento de agregação desses diversos interesses que dinamizavam o MST,
dando uma roupagem mais homogênea do Movimento no contexto político em que se
definia. A condução da organização dinamizou um campo de debates teóricos nas
instâncias diretivas do MST, resultando em novos Cadernos de Formação, bem como, nos
primeiros textos e livros escritos por lideranças sem-terra, sindicalistas, padres e
intelectuais que apoiavam o Movimento.
2.1.3. A história “com os pés no chão”
Tão logo o papel dos intelectuais no MST foi colocado em questão no
material de formação, o frade franciscano Sérgio Antônio Görgen saiu em defesa de
entidades de apoio e de intelectuais. Görgen, integrante da CPT-RS, religioso atuante na
luta dos sem-terra desde o início da década de 1980, tornou-se referência nas discussões
sobre a organização do MST e de outros movimentos sociais rurais, participando do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (MMTR) e da criação do Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA). Seu trabalho de assessoria nos movimentos populares do campo ganhou destaque
143
com a publicação de vários livros. 204 Em 1986, um dos primeiros textos escritos por
Görgen sobre reforma agrária foi publicado na condição de Caderno de Formação, como
“número especial”, intitulado “Reforma Agrária com os pés no chão”. Nele, o religioso
contribuiu na definição do papel dos intelectuais e entidades de apoio no MST, arrefecendo
o debate. (ver figura 15).
Para Görgen, no Movimento existiam “setores intelectuais” que
somavam forças com a luta dos trabalhadores rurais. Estes intelectuais, entendidos pelo
autor como “cientistas, professores e estudantes”, juntamente com as “entidades da
sociedade civil”, contribuíam “para o não isolamento dos movimentos concretos,
auxiliando na discussão sobre as implicações políticas da luta pela terra, articulando a
solidariedade com vários setores da sociedade e ajudando a formar uma opinião pública
favorável à Reforma Agrária”. 205
A força dos sem-terra não foi desmerecida pelo religioso. Görgen lhes
atribuiu a principal energia, capaz de impulsionar a execução de uma reforma agrária
autêntica. Uma base social, composta pelas múltiplas faces do que era “ser sem-terra” –
meeiros, parceiros, bóias-frias, pequenos proprietários com terras insuficientes e
assalariados rurais –, uma vez organizada, teria condições de enfrentar as dificuldades e
realizar as transformações necessárias no campo. Os sem-terra, portanto, eram entendidos
como os principais protagonistas da luta, mas o papel dos agentes de apoio no campo da
comunicação e formação merecia as melhores considerações.
204 Dentre os trabalhos de Görgen, podemos citar “A Resistência dos Pequenos Gigantes” (1988), “O Massacre da Fazenda Santa Elmira” (1989), “Riscos dos Trangênicos” (2000) e “Marcha ao coração do latifúndio” (2004). 205 CADERNO DE FORMAÇÃO. Passo Fundo: MST, nº. especial, p. 49, 1986.
144
A despeito da defesa prestada aos intelectuais, Görgen não os isentou
de críticas:
“(...) há gente importante neste país, tidos como lideranças nacionais
da luta pela Reforma Agrária, que não acreditam na luta dos
trabalhadores rurais sem-terra. Esse equívoco é comum entre os
intelectuais de esquerda e alguns dirigentes sindicais que não
conseguem fazer com que a realidade se adapte a suas teorias
brilhantes ou a seus interesses pessoais”. 206
A relação entre teoria e prática estampava-se como um dos grandes
problemas a ser enfrentado pelos apoiadores e lideranças sem-terra no período de
definições organizativas. Difundir deliberações da Direção Nacional e o conhecimento da
luta aos sem-terra demandava um árduo trabalho de incentivo a leitura e reunião de grupos
nas bases do Movimento. Assim, mesmo abordando conceitos complexos, sejam de fundo
político ou histórico, os textos deveriam ser agradáveis.
A cartilha “Reforma Agrária com os pés no chão” sugeriu aos sem-
terra resistência perante as adversidades existentes na luta e aos agentes de apoio – como
jornalistas, padres, escritores, acadêmicos, professores e estudantes – a preparação de
materiais de fácil assimilação, capazes de incentivar a organização dos trabalhadores rurais.
Sua elaboração foi feita a pedido da Pastoral da Juventude Rural (PJR)
do Rio Grande do Sul e de várias lideranças de trabalhadores rurais que se envolveram em
reuniões e trabalhos de base.
206 CADERNO DE FORMAÇÃO. Passo Fundo: MST, nº. especial, p. 46, 1986.
145
A PJR, fruto de setores católicos progressistas preocupados em
estimular a organização dos jovens rurais, alcançou sucesso na mobilização da juventude
no norte do Estado do Rio Grande do Sul, promovendo os primeiros cursos de formação
política que despertou em muitos deles o interesse pelas atividades dos movimentos que
emergiam. 207 Como importante momento da pastoral, em 1985, um encontro da juventude
rural reuniu aproximadamente 45 mil pessoas em um estádio de futebol, na cidade de Passo
Fundo (RS). Deste processo de confluência de jovens rurais surgiram animadores de
reuniões que estimularam a criação de oposições sindicais e de influência nas políticas
locais que articularam o Departamento Rural da CUT.
Para divulgar parte do resultado desta força política adquirida pela
juventude, o Caderno de Formação procurou retratar as principais idéias debatidas nos
cursos de formação dos jovens rurais. O próprio Görgen salientou que o material não tinha
pretensão e nem preocupação acadêmica, devendo “ser apenas uma contribuição para um
debate mais profundo e mais sistemático sobre a questão da Reforma Agrária” 208, sendo
mais um instrumento para a formação política dos sem-terra.
Além destas questões, a cartilha tornou-se referência dentro do MST
por abordar a História do Latifúndio e da Luta pela Terra. Em sua composição, a História
do Brasil foi entendida a partir das origens da “grande lavoura”, com a implantação das
Capitanias Hereditárias e do regime de sesmarias. Apesar de não citar estudos clássicos que
interpretaram a formação do Brasil, o pensamento caiopradiano sustentou a primeira parte
do caderno, através da luta de classes, os elementos da estrutura colonial e a sua
207 NAVARRO, 1996, p. 84. 208 CADERNO DE FORMAÇÃO. Passo Fundo: MST. nº. especial, p. 3, 1986.
146
continuidade no desenvolvimento da sociedade brasileira. 209 Prosseguindo, Görgen
analisou a introdução da mão-de-obra escrava, a economia colonial de mercado externo, a
vinda de imigrantes e o cativeiro da terra, numa evidente relação com os estudos do
sociólogo José de Souza Martins. 210
Sob a perspectiva da história da luta pela terra, índios, negros e
mestiços foram inseridos em movimentos sociais – como os de Canudos, Contestado e
Cangaço – para assim, esclarecer a organização dos trabalhadores rurais entre as décadas de
1940 e 1960.
Estes últimos eram retratados através das Ligas Camponesas, do
Movimento de Agricultores Sem Terra do Rio Grande do Sul (MASTER) e da União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB). Toda esta abordagem histórica,
com característica didática, foi entendida por Görgen como “Lições da História”, tendo
como propósito a inserção do MST num espectro de lutas fundamentado no passado.
“Para colocar os pés no chão é necessário também conhecer a
história, as classes envolvidas e seus interesses, formular propostas,
estabelecer táticas e formas de luta, identificar os inimigos e as forças
209 As reflexões de Caio Prado Júnior apontam que a estrutura de produção agropecuária no Brasil esteve fundada na “grande exploração”, expressada na necessidade dos latifúndios, da função exportadora de produtos agrícolas e na subordinação e exploração, em vários aspectos, da massa de trabalhadores rurais. Em “Formação do Brasil Contemporâneo”, o autor descreveu: “é deste tipo de organização em que se constitui a lavoura brasileira que derivou toda a estrutura do país: a disposição das classes e categoriais de sua população, o estatuto particular de cada uma e dos indivíduos que as compõem. O que quer dizer, o conjunto das relações sociais no que tem de mais profundo e essencial, São este em suma, com o trabalho escravo, os elementos fundamentais e comuns da grande lavoura brasileira” . Cf. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 210 Em “O cativeiro da terra”, Martins analisou as contradições da instituição do regime de colonato na transição do trabalho escravo para o assalariado nas lavouras de café. Para o autor, “a Lei de Terras de 1850 e a legislação subseqüente codificaram os interesses combinados de fazendeiros e comerciantes, instituindo as garantias legais e judiciais de continuidade da exploração de trabalho, mesmo que o cativeiro entrasse em colapso. Na iminência de transformações nas condições do regime escravista, que poderiam comprometer a sujeição do trabalhador, criavam as condições que garantissem, ao menos, a sujeição do trabalho”. Cf. MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 8 ed. São Paulo Hucitec, 2004.
147
concretas capazes de impulsionar a luta, estabelecer objetivos e
estratégias políticas para alcançá-los”. 211
Em sentido inverso ao que Eric Hobsbawm definiu como “problema
de rejeição sistemática do passado” em grupos sociais e políticos, que viam na inovação
tecnológica algo inevitável e “socialmente desejável”, 212 a valorização e compreensão do
passado da luta pela terra representavam a insatisfação reinante no MST de um modelo de
sociedade construído por fenômenos como a industrialização e urbanização, em prejuízo
dos trabalhadores do campo.
Conhecer a história significava situar-se na luta e no contexto político
brasileiro. A compreensão do passado era uma ferramenta para os sem-terra localizarem-se
na trajetória dos movimentos sociais e, mediante a sistematização deste conhecimento,
acumular experiências e adquirir capacidade de persuasão, como também, de identificação
perante os grupos políticos envolvidos na questão da terra.
As bases de uma história de luta pela terra sob a perspectiva de agentes
de apoio e lideranças sem-terra foi seguida por um trabalho de divulgação da “Memória da
Luta do MST” mediante o Jornal Sem Terra e os Cadernos de Formação. No tablóide, a
seção Memória, presente entre 1988 e 1990, caracterizou a última página como um espaço
de “resgate do passado” 213 da organização dos sem-terra.
A seção foi constituída por breves textos de apresentação dos fatos
mencionados e por fotos com rápidas explicações, dando sentido cronológico aos eventos
211 MST., Caderno de formação: reforma agrária com os pés no chão, nº. especial, p. 3, 1986. 212 HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 213 A expressão “resgate” era entendida como o encontro de informações e sua descrição sistemática, através de um método, para “manter viva a memória do MST”. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 75, p. 20, 1988.
148
que, sob a ótica de colaboradores e lideranças, marcaram a história do MST. Ocupações,
acampamentos, conflitos com policiais, passeatas, encontros estaduais e nacionais, foram
celebrados com fotografias, sendo a última imagem a expressão do resultado positivo da
organização dos sem-terra. (ver figura 16).
Este “apelo ao passado”, notado por Eric Hobsbawm em movimentos
sociais, foi marcado pela “invenção de uma continuidade histórica”, por parte de
reprodutores culturais, configurada por imagens, símbolos, mitos, utopias e idéias. 214 Para
a publicação da seção Memória, produtores do jornal realizaram um trabalho de
mapeamento do material fotográfico. A equipe do Jornal Sem Terra, apesar de contar com
um pequeno arquivo de fotos, não dispunha da maior parte do material, propriedade de
grande número de jornalistas-colaboradores. Ao recorrer aos arquivos pessoais de
repórteres do tablóide, 215 foi possível delinear um importante material fotográfico para a
seção. A realização do trabalho de busca era o retrato de que, até 1987, pairava um
desinteresse de lideranças sem-terra e produtores da notícia em arquivar materiais de
composição do tablóide e dos referentes à história do MST.
Apesar da predominância de temas pragmáticos da organização dos
sem-terra, o “apelo ao passado” ocorreu para justificar ações e posturas no cotidiano da
luta. Além de tratarem de conteúdos históricos, os Cadernos de Formação usados nos
cursos de treinamento de lideranças sem-terra destacaram as qualidades que deveriam
possuir os líderes camponeses – compromisso político, competência, respeito de base,
214 HOBSBAWM; RANGER. 1997, passim. 215 Colaboraram com seus arquivos pessoais, Marcos Fernandez, Karine Emerich, Protásio Nenê, Antonieta de Santana, Douglas Mansur, Vanda Lúcia Ramos, Lewy Moraes, Maristela Mafei, Cássia Cortez, Itamar Garcez, Lourdes Maria Grzybowski, Neuri Rosseto, Regina Vilela, Carlos Ruggi, Arnaldo Alves, Lauro Beckers e Xico Tebaldi.
149
fidelidade com a causa popular e da organização – princípios que seriam fortalecidos com o
conhecimento do passado dos movimentos sociais rurais.
A formação da “consciência sem-terra”, englobava a ação e o discurso
destas qualidades. Através do discurso, as “distinções” 216 entre os sem-terra e outras
categorias sociais se definiam. Sua difusão dependia dos materiais de divulgação, condição
para a consolidação de uma identidade política.
2.2. Receituários
A transição do regime ditatorial para o democrático no Brasil abriu
possibilidades para a discussão de temas antes sufocados no cenário político autoritário.
Exemplo desta abertura foi verificado no processo de consolidação do MST, quando a
Direção Nacional apresentou propostas, ao Ministério da Reforma e Desenvolvimento
Agrário (MIRAD) 217, para a elaboração do PNRA.
Com a finalidade de explicar a importância do PNRA para os
trabalhadores rurais em reuniões de base, a Coordenação Nacional do MST lançou, em
1985, o Caderno de Formação nº. 4, com o título “O Plano Nacional de Reforma Agrária
e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Alertando os leitores, o livreto foi
assim apresentado:
“Para que os companheiros de base se conscientizem ainda mais de
que a reforma agrária só vai sair do papel com nossa organização,
216 ARENDT, 2001, p. 191. 217 O MIRAD foi criado em 1985, no governo de José Sarney, em substituição ao Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários (MEAF), com a proposta de dar uma outra dimensão à questão agrária, antes, tratada como assunto esporádico por parte dos governos militares. Cf. MARTINS, 1983, passim.
150
precisamos nos organizar nas bases (...) para poder conquistar a
reforma agrária e colocar em prática. Sem isso não vai adiantar nada
as ‘bonitas promessas’ de governo”. 218 (ver figura 17).
A publicação do Caderno de Formação teve o objetivo de informar os
militantes sobre a consecução do PNRA, retratando a preocupação da Direção Nacional
com o ordenamento das discussões sobre o tema nos acampamentos e assentamentos.
Ordenar, nesse momento, significava informar os sem-terra quanto à importância da
participação do MST no debate que se abria entre governo federal e entidades
representativas – tanto de trabalhadores rurais, como de fazendeiros – para a elaboração do
PNRA. 219 (ver figura 18).
As alianças políticas no Congresso Nacional e a influência do setor
ruralista no governo de José Sarney desencadearam a elaboração de um plano
extremamente questionado pelo MST. 220 Em suplemento da edição nº.48 do Jornal Sem
Terra, Plínio Arruda Sampaio, deputado federal pelo PT-SP e presidente da Associação
Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), retratou o desapontamento de lideranças e
apoiadores da luta quanto à assinatura do PNRA, em 10 de outubro de 1985, pelo
presidente José Sarney. Em seu texto, Sampaio discorreu sobre as manobras políticas dos
218 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº 4, p. 1, 1985. 219 O ministro do MIRAD, Nelson Ribeiro, e do INCRA, José Gomes da Silva, receberam em Brasília (DF) integrantes da Executiva Nacional do MST e de apoiadores do Movimento, como sindicalistas, deputados federais e o cacique Paulo Nonda, da União das Nações Indígenas (UNI). Na reunião, além das reivindicações entregues pelos sem-terra ao ministro, foram propostas formas de relacionamento entre o MST e o MIRAD, como “audiências regulares de 90 em 90 dias, acesso a todas as informações do INCRA e garantia de participações efetivas do Movimento nas discussões e elaboração das propostas de reforma agrária”. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 43, p. 8, 1985. 220 O texto do PNRA, 12 vezes modificado, que tinha a princípio um conteúdo elaborado com a participação de partidos políticos e entidades representativas, deixou de ter como objetivo a modificação do regime de posse e uso da terra no Brasil através da definição de áreas prioritárias para fins de reforma agrária e a desapropriação por interesse social, para se transformar num Plano em que a questão social da desapropriação perdeu forças e as áreas prioritárias tampouco foram demarcadas. Cf. SILVA, José Gomes. Caindo por terra: crises da Reforma Agrária na Nova República. São Paulo: Busca Vida, 1988.
151
ruralistas, baseadas em “influências pessoais junto à assessoria do presidente da
República”. 221
Um dos motivos apontados foi Fábio Luchési, autor da revisão final do
texto que regulamentou o PNRA e conhecido advogado de defesa da classe ruralista. O seu
nome revelado pela imprensa de São Paulo como partícipe decisivo na elaboração do
PNRA, causou reação de entidades, como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (IBASE), o CIMI, a CONTAG e a CPT, que compunham, desde 1983, a
Campanha Nacional pela Reforma Agrária (CNRA).
Em nota distribuída ao público e à imprensa, a CNRA declarou a sua
preocupação com fatos que identificavam a continuação do tratamento militar da questão
agrária e sua relação de dependência com “recentes manifestações de forças conservadoras
reacionárias”. Além disso, defendeu a “necessidade de uma explicação da Presidência da
República sob o risco de a nação inteirar-se de sua submissão a práticas” que
comprometiam o governo. 222
Para Sampaio, as entidades civis favoráveis a uma ampla reforma
agrária no Brasil haviam perdido a batalha para os ruralistas por não agregarem forças
trabalhadoras da cidade, como exemplo, os operários. Outra questão levantada pelo
presidente da ABRA tocou na ferida que ainda permanecia aberta no MST: a dificuldade de
unidade para mobilizar um maior número de pessoas e promover uma repercussão política
junto à sociedade civil. 223
Quanto à repercussão, os meios de comunicação do MST
apresentavam-se como um ponto nevrálgico na tarefa de divulgar e promover a unidade. O
221 JORNAL SEM TERRA: Suplemento. São Paulo: MST, nº. 48, p. 4, 1985. 222 Id., nº. 58, p. 12, 1986. 223 Id., nº. 48, p. 4, 1985.
152
resultado da decepção por parte de lideranças sem-terra com a via institucional da reforma
agrária, trouxe mudanças de orientação política caracterizadas pelo incentivo à
massificação das ocupações de terra. Em conseqüência desse posicionamento não faltaram
críticas da Direção Nacional aos produtores do Jornal Sem Terra e dos Cadernos de
Formação, desencadeando alterações em suas composições.
2.2.1. Um jornal diretivo
O aumento da tiragem e a facilitação da linguagem para tornar o
Jornal Sem Terra um veículo atuante nos pontos de mobilização, foram motivos para
vários encontros entre produtores da notícia e Direção Nacional do MST. Lideranças sem-
terra, como Isaias Vedovatto, Egídio Brunetto, Jaime Callegari, Walcyr Guzzoni, Osvaldo
de Oliveira, José Rainha Júnior, Milício Pereira da Silva, Armando Vieira Miranda,
Reinaldo Vieira de Jesus, Luiz Soares Filho, João Rodrigues de Santana e Valdecir Assis
de Andrade, em seus locais de militância ou nas reuniões da Executiva Nacional,
criticavam há certo tempo a atuação do tablóide na organização do Movimento. Além
disso, recebiam de outras lideranças sem-terra que representavam vários Estados na
Coordenação Nacional do MST um painel não muito agradável da distribuição e leitura do
jornal nas bases.
Procurando generalizar as discussões entre lideranças sem-terra e
jornalistas, o Editor responsável pelo Jornal Sem Terra, Flademir Araújo, justificou a
paralisação do tablóide, no bimestre de janeiro e fevereiro de 1986, para preparar um
projeto de reformulação, levando em consideração sugestões apresentadas durante as
avaliações do jornal nos últimos meses de 1985.
153
Como proposta em texto dirigido “Aos Leitores”, Araújo teceu
comentários sobre a ampliação do número de páginas do tablóide, de 16 para 20, para
atender a demanda dos acontecimentos em vários pontos do Brasil em decorrência do
crescimento do MST. O Editor, mais sujeito à Executiva Nacional, lembrou da disposição
da equipe do jornal em dar ao meio de comunicação uma nova apresentação visual,
incluindo novos assuntos e ampliando o espaço reservado aos leitores. Como problema
marcante em seu período de responsabilidade jornalística, Flademir admitiu a deficiente
distribuição do Sem Terra e o necessário empenho de todos os militantes para resolverem a
questão. 224
Esperando resultados daquilo que o Editor propôs, lideranças sem-
terra colocaram o jornal na pauta das reuniões da direção. Noutro encontro entre
integrantes da Executiva Nacional e representantes da equipe do jornal, realizado em agosto
de 1986, Flademir Araújo já demonstrava sinais de cansaço frente à organização do
tablóide. Três problemas básicos da comunicação interna do MST, no que se referiam ao
Jornal Sem Terra, foram apontados.
O primeiro era o distanciamento entre produtores da notícia e a direção
política nacional. Entendidos por integrantes da Executiva Nacional como “estrutura de
comando”, os cargos de Editor responsável e Editor, respectivamente exercidos por
Flademir Araújo e Sérgio Carlos Canova, como também, os da Redação, por Maristela
Mafei, Miguel Biazzo e Railda Herrero, foram considerados deslocados da linha política
adotada pela Direção Nacional do MST.
Tais tensões decorriam de um momento de transição de produtores da
notícia. Flademir, após acompanhar a estrutura do tablóide para São Paulo (SP), mostrava-
224 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 50, p. 2, 1986.
154
se apegado a classe jornalística de Porto Alegre (RS), dando a entender que se afastaria da
editoração. Canova, vindo para a capital paulista em tempos de mudança do Sem Terra, não
demonstrava o mesmo interesse em retornar para o Rio Grande do Sul. A redação,
fortalecida por profissionais que atuavam em São Paulo (SP), tinha em Mafei uma
referência de jovem militante, em Railda Herrero a experiência de editora do Porantin,
informativo do CIMI, e em Biazzo o profissionalismo exercido no jornal O São Paulo
confundido com o pouco interesse pela militância. 225
As dissonâncias entre Executiva Nacional e direção do jornal foram
refletidas no perfil do tablóide. Enquanto os produtores da notícia insistiam em conduzi-lo
por um prisma de noticiário plural, como até então era feito, lideranças sem-terra
defendiam mensagens mais diretas que apontavam, taxativamente, posições a serem
assumidas pelos leitores perante a organização. Nesse sentido, requeriam um jornal voltado
para a mobilização das massas através de um discurso que propunha a propaganda da
ocupação de terras, a resistência e a produção agrícola dos assentamentos.
O segundo problema levantado era a função do jornal na organização.
Lideranças sem-terra defendiam uma ampla discussão nas bases para compreenderem
melhor o papel exercido pelo tablóide junto aos trabalhadores rurais, tarefa considerada
difícil pelos produtores do Sem Terra que não dispunham de jornalistas para fazerem visitas
em pontos de mobilização. Uma das opções seria um trabalho da equipe do jornal, menos
abrangente e mais seletivo, de investigação em acampamentos e assentamentos espalhados
pelo Brasil, missão que exigia recursos. 226
225 Sérgio Carlos Canova. Depoimento concedido, jul. 2006. 226 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 53, p. 19, 1986.
155
Por fim, a distribuição fora indicada como o terceiro problema, pois o
veículo de comunicação estava chegando atrasado na maioria dos Estados. Apesar da
conquista da periodicidade regular, o Sem Terra ainda era distribuído de maneira deficiente.
Muitos exemplares, ao serem enviados por reembolso postal para todos os assinantes e
pontos de mobilização localizados em STRs, CEBs, ONGs e várias entidades solidárias,
mesmo chegando em seus destinos, ficavam à disposição nessas entidades e não tomavam
rumo até os acampamentos e assentamentos. A Executiva Nacional defendia a idéia de que
ao chegar nestes pontos de mobilização, o jornal deveria adquirir inúmeras funções na
organicidade, como o amparo na formação, atualização de lideranças e de professores
locais, práticas de leitura em grupos de estudo que discutiam temas presentes no jornal de
maneira interativa com os trabalhadores rurais sem-terra. 227
Para conseguir estes resultados os jornalistas teriam que desenvolver
outra forma de redação. Os mecanismos de recepção dos textos pelos camponeses eram
diferentes dos praticados pelos trabalhadores urbanos. 228 Talvez, por esta questão, o jornal
não ampliava sua influência junto aos trabalhadores rurais, conquistando mais leitores
urbanos.
227 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 57, p. 2, 1986. 228 Ao estudar as sociabilidades na organização camponesa, John Cunha Comerford percebeu as dificuldades de trabalhadores rurais de participação em reuniões. Perante os problemas de recepção enfrentados pelos produtores do Jornal Sem Terra, podemos estender essas dificuldades para a prática de leitura dos trabalhadores rurais sem-terra. Para o autor, “as dificuldades para promover a participação nas discussões, por exemplo, são vistas recorrentemente como um problema. É relativamente comum ver essas dificuldades atribuídas a alguma espécie de ‘carência’ do público que comparece a esses eventos (apatia, falta de consciência, falta de informações) ou à falta de técnicas ou métodos dos adequados para encorajar a fala dos participantes menos acostumados com discussões. (...) Com isso, uma fala que não consiga ligar-se de modo sistemático a esses vários contextos, e especialmente que se limite a fazer sentido no contexto mais imediato e ‘local’, parece ser deixada em segundo plano e acaba por ficar deslocada”. Cf. COMERFORD, John Cunha. Fazendo a luta: sociabilidade, falas e rituais na construção de organizações camponesas. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
156
Na coluna “Vida do Movimento”, foi relatado o andamento da reunião
com o texto “jornal em pauta”. Como resultado, a Direção Nacional avocou para si a
importância de “assumir com maior rigor o jornal”, estabelecendo estratégias de ação:
“A direção do Movimento deverá fazer uma avaliação permanente do
conteúdo do jornal para ir apontando e corrigindo seus erros;
promover discussões mais aprofundadas nas bases e também com a
equipe do jornal”. 229
O sistema de produção da notícia defendido pela Executiva Nacional
pressupunha a participação de responsáveis – nos acampamentos, assentamentos e
municípios – pela distribuição do material publicado, mapeamento de sugestões para o
jornal e de assuntos que serviriam de conteúdo. Criou-se a figura do “repórter popular”,
geralmente um simpatizante, colaborador ou sem-terra com representatividade local,
encarregado de produzir textos referentes às suas áreas de cobertura. Efetivamente, o
tablóide e as cartilhas foram assumidos como instrumentos de amparo à luta dos sem-terra
e de representação da Direção Nacional.
Como reflexo desta intervenção, tornou-se simbólico, ao lado do
espaço destinado ao Expediente do JST, um quadro que apresentava os integrantes da
Coordenação e da Executiva Nacional, marcando um momento de mudanças na
composição do periódico: de uma publicação plural que dava espaço para variadas notícias
provenientes das entidades de apoio, para um instrumento de comunicação da diretiva
nacional, sindicalizada e voltada para a mobilização de massas. 230
229 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 57, p. 2, 1986. 230 SANTOS, 2002, p. 209.
157
Apesar das críticas da Direção Nacional à “estrutura de comando” do
jornal, os resultados do informativo entre 1985 e 1989 foram positivos para a organização.
A conquista de regularidade das edições em decorrência do crescimento de recursos
provenientes de assinaturas, financiamento de entidades e de colaborações individuais,
aumentou a tiragem que, entre a primeira edição formato tablóide e o final do ano de 1985,
deu um salto de 10.000 para 30.000 exemplares, mantendo-se por toda a década de 1980.
(ver tabela/gráfico 2)
Os sucessos alcançados em torno de recursos, periodicidade e aumento
de tiragem, deram ao jornal em 1986, o VIII Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos
Humanos na categoria Imprensa Sindical e Popular. 231 O prêmio tinha por objetivo
reconhecer jornalistas e veículos de comunicação que se destacassem na defesa da
cidadania, dos direitos humanos e sociais. A cobertura da reforma agrária por um jornal de
movimento social rural num ano em que a violência no campo foi focalizada pela grande
imprensa, contribuiu para o Sem Terra receber o prêmio. Esse foi comentado pela liderança
sem-terra, José Rainha Junior, e pelo integrante da equipe do jornal, Isaac Akcelrud, como
motivação para o prosseguimento do projeto de comunicação do MST. 232
Mesmo sob aplausos do reconhecimento, as constantes atribulações
levaram, em março de 1987, Flademir Araújo a deixar a editoria por problemas
particulares, transparecendo que contribuiria ao Sem Terra através de matérias. Com a saída
de Araújo a estrutura da Comissão foi modificada com a ampliação do número de
repórteres e a criação do Conselho Editorial, integrado por Elza Gonçalves Siqueira, Maria
231 O Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, foi instituído em 1979, pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Comissão Executiva Nacional dos Movimentos de Anistia, Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), OAB/SP e Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. 232 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 58, p. 20, 1986.
158
Madalena de Santana e Carlos Carboni. O objetivo do Conselho era descentralizar, no
âmbito dos produtores da notícia, as propostas e discussões da pauta com a Executiva
Nacional. 233 Ao corpo de jornalistas remanescentes foram acrescentados “repórteres
populares” que, recrutados em pontos de mobilização, estenderam a cobertura do Sem
Terra para 14 Estados.
A despeito das tensões de um momento de mudanças, a equipe do
jornal passou por um processo de transição marcado pelo ingresso de novos integrantes,
pela permanência de colaboradores mais experientes e pela presença de jornalistas que,
embora não tendo experiência de longa data no meio de comunicação, assimilaram as
reivindicações da Direção Nacional do MST com relação ao tablóide.
Exemplo de colaborador que ingressou no jornal e conquistou certo
prestígio junto às lideranças sem-terra e ao corpo de jornalistas do tablóide, foi Isaac
Akcelrud. Jornalista com larga experiência na imprensa comunista em décadas anteriores,
acostumado aos embates travados no manancial de produtores da notícia do PCB, ao se
apresentar ao Editor do Sem Terra em meados de 1985, iniciou um trabalho de militância
para aproximar o jornal e as bases. Sobre a saída de Flademir Araújo, o jornalista teceu
comentário na coluna “Anotações do Repórter”:
“Está deixando seu posto na redação de nosso jornal o companheiro
Flademir Araújo. Jornalista veterano na luta pela reforma agrária,
organizou a equipe lançadora do Jornal Sem Terra e pôs seu talento e
capacidade profissional a serviço da causa dos trabalhadores rurais.
Por isso mesmo, continuará ligado ao nosso jornal e manterá sua
colaboração, ajudando a integração de novos participantes de nossa
233 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p. 2, 1987.
159
equipe. Registramos os serviços prestados e a dedicação militante de
Flademir Araújo que continua em nossas fileiras”. 234
Ninguém melhor do que Akcelrud para traçar um panorama destas
mudanças. Sua trajetória de colaborador não tinha mais de dois anos, mas a militância que
exercera na imprensa do PCB o habilitava a traçar um perfil do que deveria ser o tablóide
nas bases. Assim, iniciou um trabalho com forte presença no interior do Brasil, onde
entregou o jornal nas bases e procurou extrair desta convivência uma forma de escrita
jornalística mais adequada aos sem-terra. Akcelrud pode perceber nessas andanças que as
manchetes, leads, 235 editoriais e textos, além de não serem lidos por grande parte dos
trabalhadores rurais, quando lidos em grupos eram cansativos devido à extensão das idéias.
Por isto, passou a defender um jornal “para ser ouvido e não lido”. 236
A idéia trouxe transformações na composição do Jornal Sem Terra. O
espaço mais modificado foi a primeira página. As manchetes, antes reflexivas, tornaram-se
afirmativas, num estilo que para Zander Navarro representaram um “receituário
leninista”.237 Nelas, de maneira direta, foram apresentados resultados do MST ou lemas
que marcaram um momento de “definições organizativas”, como “Só a luta muda as leis”
ou “Reforma Agrária: na lei ou na marra”. 238
Nesse sentido, o jornal procurou retratar a intensificação da
mobilização frente à organização das forças políticas ruralistas na Nova República. Além
de enfocar o cenário político nacional, o Sem Terra levantou problemas referentes à
234 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p. 2, 1987. 235 Na linguagem jornalística, “lead” é o mesmo que “primeiro parágrafo, ou cabeça. Narra os principais acontecimentos em cinco ou seis linhas, respondendo às perguntas: que? quem? quando? onde? por que?”. Cf. BAHIA, J. Jornal, história e técnica. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1964. 236 REVISTA TEORIA E DEBATE. São Paulo: PT, nº. 18, 1992. 237 SANTOS, 2002, p. 209. 238 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 63, p. 1, 1987.
160
organicidade interna do MST, sendo um deles, os enfrentados por trabalhadores rurais em
assentamentos. Para isso, a publicidade do jornal era de materiais para a capacitação
política. 239 Os Cadernos de Formação ganharam destaque nas páginas do tablóide, ao lado
de livros que abordavam a questão agrária no Brasil.
2.2.2. Os laboratórios experimentais
Em que pesem as frustrações com o PNRA, com os resultados das
Eleições de 1986 e com a composição da Assembléia Constituinte, nada mais parecia
preocupar lideranças sem-terra e entidades solidárias do que os problemas enfrentados nos
assentamentos. Desde meados de 1985, o MST desenvolvia um trabalho de melhoria da
produção agrícola através de diferentes formas de cooperação e de valorização das
potencialidades locais, estimulando a criação de grupos de base nos assentamentos,
associações de produtores, grupos coletivos de trabalhos e de investimentos. Como
resultado de uma arregimentação de cooperados de várias regiões do Brasil, em 1986,
formou-se a Comissão Nacional dos Assentados, depois transformada em Coordenação
Nacional de Cooperação Agrícola.
No mesmo ano, foi criada a Associação Nacional de Cooperação
Agrícola (ANCA), entidade jurídica para receber doações de organizações nacionais e
internacionais, firmar parcerias educacionais e de formação política com universidades
públicas e privadas, fazer convênios com prefeituras e governos estaduais, celebrar 239 Maria Nazareth FERREIRA, em seu livro “A Imprensa Operária no Brasil: 1880 – 1920” nos chamou a atenção ao analisar a publicidade nos jornais combativos da época. Para ela, a ausência de publicidade era uma característica da imprensa combativa no início do século, pois nos poucos casos em que se encontravam produtos anunciados, a publicidade era acompanhada de recomendações do próprio jornal, dando um caráter de escolha política. Em certos casos, as recomendações eram contrárias, como forma de evitar o consumo de produtos de empresas que se encontrava em litígio com seus operários. In. FERREIRA, 1978, passim.
161
contratos de programas de créditos federais, assumir a administração financeira de
materiais de divulgação e de educação de movimentos populares.
Com a fundação da ANCA criaram-se mecanismos legais para doações
de entidades nacionais e internacionais, do Programa de Crédito Especial para Reforma
Agrária (PROCERA) 240 e da produção de cooperativas ligadas ao MST. A base das
arrecadações era de entidades de apoio tradicionais, destacando-se a CPT e Sindicatos de
Trabalhadores Rurais da CUT, porém, com os resultados das produções de assentamentos
cooperados, os recursos tenderam a crescer.
A princípio abrigada nas dependências do Instituto Sedes Sapientiae, a
ANCA tinha como fundamentos estatutários a democratização da comunicação e a
realização de cursos para militantes de movimentos sociais rurais, como o MST, o
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), a CONTAG e grupos de
pescadores. Procurando seguir a legislação nacional, a ANCA apoiou-se nas verbas da
cooperação internacional, de entidades solidárias brasileiras e no aumento de recursos
próprios para manter materiais, livros e cartilhas direcionados para a organização de
movimentos populares. Os pedidos de exemplares do Jornal Sem Terra e dos Cadernos de
Formação por militantes, simpatizantes e pesquisadores, passaram a ser feitos para a
ANCA, entidade responsável pela movimentação financeira dos materiais de divulgação do
MST. Nas estratégias de comunicação da ANCA, os Cadernos de Formação tornaram-se
240 Um dos principais benefícios recebidos por assentados era do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA). O PROCERA foi criado pelo Conselho Monetário Nacional em 1985. Segundo Gervásio Castro de Rezende, “com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade agrícola dos assentados da Reforma Agrária, com sua plena inserção no mercado, e, assim, permitir a sua ‘emancipação’, ou seja, independência da tutela do governo, com titulação definitiva”. In. REZENDE, Gervásio Castro de. Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA): institucionalidade, subsídio e eficácia. Rio de Janeiro: IPEA, 1999.
162
um importante instrumento de difusão de métodos organizacionais de assentamentos do
MST. Dos cadernos publicados em 1986, pelo menos três, trataram diretamente dos
assentamentos.
Problemas relacionados a estes espaços de produção e mobilização dos
sem-terra foram descritos no Caderno de Formação nº. 5, intitulado “Como se organiza o
MST”, primeiro material que evidenciou os assentamentos como locais estratégicos para a
divulgação da organização dos sem-terra. A ampliação do número de assentamentos criou
perspectivas de que os beneficiados com a terra, se não adquirissem consciência sobre a
importância do trabalho coletivo, poderiam perdê-las por causa das dificuldades de
aquisição de implementos agrícolas ou das intempéries naturais. 241
Em “A luta continua: como se organizam os assentados”, título do
Caderno de Formação nº. 10, a Comissão Nacional dos Assentados incentivou a discussão
nas comunidades e grupos de famílias sobre a permanência do homem no campo através da
melhoria de infra-estrutura e dos meios de cooperação entre os trabalhadores rurais. (ver
figura 18).
A apresentação, semelhante às cartilhas lançadas sobre “organização
dos assentamentos”, além de tratar do tema “cooperação agrícola”, vinculou o meio de
comunicação do MST à construção de laços de sociabilidade entre os sem-terra:
“Este é um primeiro passo para troca de experiências entre os
companheiros. Esperamos ter bons resultados e contamos com novas
sugestões dos companheiros para lançar novos livros e continuarmos
empenhados na luta por dias melhores”. 242
241 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 5, p.9, 1986. 242 Id., nº. 10, p.2, 1986
163
Baseada nas resoluções do “II Encontro Nacional dos Assentados”,
realizado na cidade de Cascavel (PR), em abril de 1986, o Caderno de Formação nº. 10 deu
ênfase às “vantagens do trabalho em conjunto” nos assentamentos sob o ponto de vista
econômico, político e social. A preocupação de lideranças sem-terra com a repercussão que
o fracasso de assentamentos poderia provocar junto à sociedade civil colocou em pauta o
desgaste político do MST, pois a viabilidade da reforma agrária estava no sucesso dos
espaços de produção agrícola. (ver figuras 19 e 20).
Roseli Salete Caldart, ao compreender os assentamentos como locais
para o desenvolvimento de práticas educativas inovadoras, percebeu que a produção e as
definições mais gerais da organização da vida dos sem-terra nos assentamentos,
relacionavam-se a própria estratégia de luta mais ampla do MST. 243 Nesse sentido, o
caminho da luta pela terra e de manutenção dos assentamentos tiveram nos Cadernos de
Formação um dos mecanismos de divulgação mais forte.
Mediante estes materiais foram difundidas regras básicas para serem
formadas novas lideranças, sendo os assentamentos considerados férteis terrenos para
brotar forças políticas do Movimento:
“Com o trabalho em conjunto se consegue formar mais lideranças.
Essas lideranças podem sair e ir ajudar outros assentamentos e outras
lutas pela terra, sem prejuízo na sua lavoura”. 244
243 CALDART, 2000, p. 121. 244 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 10, p.21, 1981.
164
A formação de lideranças sem-terra, a organização dos assentamentos
e as experiências compartilhadas entre movimentos sociais da América Latina,
aproximaram integrantes da Secretaria Nacional do MST e o professor Clodomir Santos de
Morais que, junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT/ONU), prestava assessoria
para o desenvolvimento de cooperativas agrícolas em países como Chile, Honduras, Costa
Rica, México, Nicarágua, entre outros.
Morais, ex-deputado federal, um dos dirigentes das Ligas Camponesas
nos anos de 1960, teve os direitos civis cassados e foi exilado pela ditadura militar. Em seu
currículo carregava uma vasta bibliografia produzida nos círculos acadêmicos e pelos
resultados de experiências daquilo que convencionou chamar de “Laboratório
Organizacional de Campo”. Editado em vários países, o texto “Teoria de la
Organizacion” transformou-se no Brasil no Caderno de Formação nº.11 do MST,
traduzido com o título “Elementos sobre a teoria da organização no campo”. (ver figura
21).
A cartilha, assim definida pela Secretaria Nacional do MST, foi
publicada para divulgar um método de organização dos assentamentos. Na apresentação,
enfatizou-se a finalidade do material para o Movimento:
“(...) consideramos esse texto de suma importância. Para que seja
lido, discutido e debatido por todas as lideranças de assentamentos,
pelas lideranças de movimento, pelos companheiros da área de
assistência técnica e agentes de pastoral que acompanham os nossos
assentamentos, para que possamos enfrentar com maior sucesso os
nossos problemas a partir da experiência resgatada nesse texto de
estudo. Sobretudo tendo em vista a clara e definida linha política do
165
Movimento Sem Terra de estimular e ajudar a organizar de todas as
maneiras a Cooperação Agrícola nos assentamentos, como a principal
forma de resolver os problemas econômicos, sociais, e manter os
trabalhadores organizados”. 245
A publicação do texto de Clodomir encontrou consenso nas instâncias
diretivas do Movimento, mas não entre as lideranças de base. Na essência, a proposta
defendia a organização dos assentamentos através da formação de “empresas”, entendidas
como unidades produtivas de assentados cooperados. Para o bom funcionamento da
“empresa” era necessário o desenvolvimento de cursos de capacitação dos trabalhadores
rurais, conhecidos como “Laboratórios Experimentais”.
Em matéria publicada no Sem Terra, a Executiva Nacional do MST
explicou a importância do lançamento da cartilha para combater “vícios determinados
pelas formas artesanais de trabalho” mediante estratégias de organização baseadas na
“vigilância, crítica e reuniões”. 246 A imposição de um método para solucionar problemas
de inúmeras faces, tendo em vista as múltiplas realidades sociais existentes nos
assentamentos, poderia resultar num conflito entre as famílias sem-terra e o MST. Assim
como Roseli Salete Caldart, entendemos que o Movimento ao construir uma visão das
alternativas mais promissoras para a viabilização dos assentamentos e repassá-las aos
assentados, poderia desconsiderar as contradições culturais em que viviam os sem-terra. 247
Este era um risco que a organização corria e que, conforme analisamos anteriormente, já
era sentido no âmbito da produção da notícia do MST.
245 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 11, p.1, 1986. 246 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 58, p. 2, 1986. 247 CALDART, 2000, p. 125.
166
Os motivos para certa suspeição de lideranças de base com relação ao
Caderno de Formação nº.11 estavam na enfadonha linguagem técnica. No primeiro
capítulo temas históricos remontavam à divisão natural do trabalho e o comunismo
primitivo, chegando às origens da economia mercantil e a transformação do trabalho em
mercadoria. A evolução do capitalismo e suas implicações no uso da terra pelo
campesinato, foram tratadas pelo autor, num segundo capítulo, para justificar o
comportamento ideológico dos denominados “estratos emergentes”, como os camponeses,
os assalariados agrícolas, os semi-assalariados agrícolas e o lumpen. 248
As formas artesanais de trabalho, como apontam Morais, ante o avanço
das sociedades tecnológicas passaram a determinar uma “série de vícios”, desde o
“individualismo” que colocava o indivíduo num plano superior ao da organização dos
trabalhadores, até o “espontaneísmo”, responsável pela resistência de trabalhadores ao
planejamento das ações coletivas. As posições disciplinares serviam de pressupostos para
combater qualquer tipo de teoria ou prática que desestruturassem os objetivos de
organização dos trabalhadores rurais. Dessa forma, teorias consideradas históricas na luta
248 Para Clodomir Santos de Morais, “o comportamento ideológico do camponês é um processo de organização de tipo artesanal, porque o camponês (este artesão do campo) opera em um processo produtivo único (sem divisão) no qual o produtor inicia e termina o produto. (...) O comportamento ideológico do assalariado agrícola em um processo de organização é do tipo operário, porque o assalariado agrícola (este operário do campo) opera em um processo produtivo socialmente dividido, no qual cada um faz uma parte do produto. (...) O comportamento ideológico do camponês-diarista em um processo de organização é do tipo intermediário, semi-assalariado porque o camponês diarista trabalha em sua empresa artesã, em sua parcela familiar e também (em certas épocas do ano) trabalha na empresa de tipo grande com processo produtivo socialmente dividido. (...) O Lumpen é contra qualquer tipo de organização, especialmente se esta tem fins produtivos. Vez que, geralmente se sustenta ou subsiste à custa do esforço alheio, o lumpen não consegue entender claramente o trabalho como uma necessidade e muito menos como um dever. Se em algum caso se deixa envolver em ações de caráter organizativo próprio dos outros estratos, o lumpen não o faz pela necessidade de produzir e sim pelo desejo de entreter-se ou apenas de subsistir”. Para José de Souza Martins, categorias como estas são os reflexos de um efeito “anômalo”. Suas significações se transformaram em decorrência de um processo de industrialização e urbanização, característico das sociedades modernas. Cf. MARTINS, 2000, p.19. Cf. CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 11, p.12-20, 1986.
167
de libertação das classes oprimidas, como o “anarquismo”, foram combatidas por
Clodomir:
“O anarquista não controla nem contabiliza os recursos. É um homem
desorganizado. Dirige uma empresa como se dirigisse uma bodega;
dinheiro entra, dinheiro sai e ele não anota nada. (...) Uma reunião
dirigida por alguém com tendência anarquista vira uma bagunça. Em
função da ausência de organização em que prima a tendência
anarquista, os participantes agem como se fossem um grande grupo de
‘baratas tontas’. Por isso ele nunca reclama quando vê as coisas
desorganizadas, pois é da organização, da confusão, que o indivíduo
anarquista consegue satisfazer seus interesses pessoais”. 249
Uma abordagem desta natureza sobre o anarquismo carregava consigo
grandes pretensões, por parte da Direção Nacional do MST, de realizar um projeto
pragmático de organização dos assentamentos. Nesse sentido, Clodomir defendeu a criação
do “Laboratório Experimental”, um método que incitaria a construção da teoria a partir das
experiências práticas dos assentados, desmerecendo ideários utópicos de complexa
assimilação na realidade:
“O que é um Laboratório Experimental? É um ensaio prático e ao
mesmo tempo real no qual se busca introduzir em um grupo social a
Consciência Organizativa que necessitam para atuar em forma de
empresa ou ação organizada”. 250
249 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 11, p.31, 1986. 250 Ibid., p.40.
168
Tratando a organização de movimentos sociais e assentamentos como
“empresa”, Morais defendeu a “consciência organizativa” a partir da disciplina e unidade
dos trabalhadores rurais. A advertência aos que fugissem às regras estabelecidas pelo grupo
era considerada prática fundamental na resolução de problemas. Num contexto político de
embates ao Congresso Constituinte e de formulação de um projeto de luta da classe
trabalhadora, 251 proteger as estruturas de produção agrícola coletiva significava manter e
nutrir o próprio MST.
A articulação entre prática e teoria era entendida como alicerce da
“consciência organizativa”. Porém, os elementos práticos deveriam ser colocados antes
dos teóricos, para evitar-se o risco de a “empresa laboratório” frustrar a capacitação dos
cooperados, fugindo de suas realidades. Em contradição, ao apontar a supremacia da prática
na aquisição da “consciência organizativa”, o método laboratorista foi apresentado com
uma linguagem pouco utilitária:
“(...) em nenhum caso os participantes do Laboratório Experimental
adquirem de maneira eficaz a Consciência Organizativa, se o
Laboratorista ou a Estrutura Primária não observar rigorosamente os
passos metodológicos. É importante que o Laboratorista saiba que o
conhecimento ou a consciência dos fatos avança à medida que a
prática gera a teoria e esta se enriquece toda vez que é explicada e
assim sucessivamente. Ou seja, que a consciência se forma a partir de
dois fenômenos integrados – o fenômeno ‘práxico’ seguido do
fenômeno ‘gnósico’. No laboratório não se deve inverter a ordem
desses fenômenos, senão não se processará a mentalização ou
‘internalização’ do conhecimento, já que neste vai e vem preconcebido
251 REVISTA TEORIA E DEBATE. São Paulo: PT, nº. 18, 1992.
169
e programado de prática e teoria é que o grupo, atuando entre coisas
e fatos individualizados, os converte em dados de percepção”. 252
Pelo vocabulário podemos perceber que a proposta de Clodomir não
teve o resultado esperado pela Direção Nacional. A escrita, além de pouco compreensível
aos olhos dos trabalhadores rurais sem-terra alfabetizados, deixou muitas dúvidas em
leituras coletivas desenvolvidas nas bases. Num primeiro momento de distribuição e leitura
do material, muitas foram as interrogações e raríssimas foram as conclusões e definições de
como organizar cooperativas através do método. Nesse sentido, foi realizado um trabalho
de capacitação de lideranças de base, com o objetivo de disseminar o método laboratorista
nos assentamentos.
2.2.3. Definindo a “(in) formação”
Através do Jornal Sem Terra, a Executiva Nacional propôs socializar a
“teoria da organização no campo” com reportagens descontraídas. Na tentativa de facilitar
a leitura do método laboratorista, o jornal inovou ao publicar o encarte “Sem Terra em
quadrinhos”. Em formato menor e inserido no tablóide por cinco edições consecutivas,
abordou a história da organização produtiva, a importância da “disciplina e unidade” para
o sucesso dos assentamentos, a “estrutura ideológica” e o método do “Laboratório
Experimental”. Com uma linguagem mais agradável em decorrência da expressividade das
figuras, “Sem Terra em quadrinhos” deu um tom mais simpático, aos olhos de muitos sem-
terra, à áspera teoria organizacional laboratorista. (ver figura 22).
252 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 11, p.40, 1986.
170
Este tipo de diálogo entre produtores do jornal e dos cadernos definiu,
em 1987, duas instâncias organizativas do MST: a de Comunicação e a de Formação. 253
A delimitação de setores retratou novas necessidades de divulgação da luta. Os
responsáveis pela comunicação mantinham o direcionamento do Jornal Sem Terra para
além da informação prestada a militantes, chegando às entidades solidárias e simpatizantes
do Movimento. A criação do Setor de Formação tinha como prioridade a capacitação
sociopolítica daqueles trabalhadores rurais que já estavam no processo organizativo, através
do acesso a textos sobre a organização interna do MST e sua relação com temáticas
políticas, sociais, culturais e econômicas que pudessem contribuir para o engajamento dos
sem-terra. 254 Para isso, o setor passou a valorizar, além da publicação dos Cadernos, a
organização de cursos periódicos de formação política, realizados em conjunto com a CUT
nos Estados em que o MST estava organizado. O objetivo central desses cursos era articular
estudos teóricos com ações na luta.
Como material destinado à militância, os Cadernos tinham uma função
metodológica perante projetos de capacitação definidos pela Direção Nacional. Assim,
além de material do Setor de Formação, cartilhas passaram a ser publicadas em outras
instâncias do Movimento, como o emergente Setor de Educação.
Nitidamente impulsionada pelo Setor de Formação, a articulação
nacional que gerou o Setor de Educação inseriu-se num quadro de definições organizativas.
Ante o contexto político de implantação da Nova República, práticas pedagógicas isoladas
passaram a integrar um conjunto de discussões que agregaram projetos educacionais com a
criação, em 1987, do Setor de Educação do MST. Como objetivo, o setor propôs implantar
253 MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. 254 Ibid., p. 205.
171
escolas públicas de 1ª a 4ª séries nos assentamentos, reunindo professoras e professores
com representantes das comunidades para discutir a construção da chamada “escola
diferente”. 255
Entre a metódica cartilha laboratorista e o lançamento do Caderno de
Formação nº. 18 – “O que queremos com as escolas dos assentamentos” 256 – foram
colocados em discussão a rígida organização em suas inúmeras instâncias, a construção de
um sindicalismo pela base, a importância do papel da mulher na sociedade e na luta pela
terra, o respeito ao método de formação e a definição de concepções e práticas pedagógicas
do MST.
Esta tendência do Movimento em incentivar a formação de instâncias
organizativas contribuiu para o lançamento de outros meios de comunicação com
finalidades mais específicas. Destes, podemos mencionar a publicação, em 1992, do
Boletim da Educação nº.1 que propôs explicar “Como deve ser uma escola de
assentamento” 257. No mesmo ano, foi lançado o Caderno de Educação nº.1, “Como fazer
a escola que queremos”. Este foi tão aceito pelas lideranças de base que chegou ser editado
três vezes, desencadeando a elaboração de uma série de cartilhas educacionais.
O Setor de Educação do MST foi erigido num ambiente de afinidades
com o método laboratorista. Há que se considerar que a “pedagogia da autonomia” de
Paulo Freire, metodologia defendida pelo setor para as escolas de assentamentos, possuía
semelhanças com a proposta laboratorista de Clodomir Santos de Morais, principalmente
no vínculo da educação com a formação política, através da valorização da reflexão do
255 CALDART, 1997, p. 31. 256 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 18, 1991. 257 BOLETIM DA EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 1, 1992.
172
cotidiano como elemento de construção do conhecimento. 258 O fortalecimento da política
de cooperação em muitos assentamentos teve como alicerce a educação dos sem-terra
baseada no método de Paulo Freire e a capacitação de lideranças de base através do
laboratorismo.
No município de Palmeira das Missões (RS), em outubro de 1988, foi
aplicado o Primeiro Laboratório Nacional Experimental para formação de quadros
organizadores de “empresas agrícolas”. Contando com a participação de 16 convidados e
88 agricultores assentados advindos de 15 Estados, o curso foi visto como uma experiência
inovadora, proporcionando aos agricultores informação para o trabalho coletivo nos
assentamentos.
Outros laboratórios foram realizados. Todos foram integrados por um
conteúdo baseado num método de aplicação de princípios e técnicas para acelerar a
capacidade organizativa no MST. Estes cursos procuravam evidenciar que a prática, além
de fundamental para diagnosticar o local de atuação da cooperação entre os agricultores,
produzia um conhecimento útil para o aperfeiçoamento da organização. As ações da
“empresa agrícola” conferiam às reuniões um papel essencial, pois era através delas que
ocorria um planejamento da luta em “movimento”. 259
258 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 19 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 259 Como dinâmica das aulas dos Laboratórios Experimentais, os participantes eram deixados numa sala vazia apenas com a instrução de que deveriam montar uma empresa em que todos dirigissem de acordo com suas competências. Este procedimento metodológico visava à apreensão do significado da construção de uma direção coletiva a partir de experiências práticas. Convivendo com problemas iniciais – como onde dormir, o que comer e produzirem –, os participantes eram obrigados a dar conta da tarefa sem nenhum tipo de instrução. Anteriormente, ficara definido que os capacitadores entregariam para os participantes os meios de produção quando a escolha coletiva de um responsável fosse efetuada, de acordo com a potencialidade de cada grupo. Quando definida a liderança, o ministrante do curso apresentava as teorias sobre a organização no campo. Muitos participantes percebiam que as experiências sociais que impediam o bom funcionamento da nova estrutura organizativa decorriam de apenas entender a organização pelo viés dos problemas práticos. Cf. JORNAL SEM TERRA: Encarte “Sem Terra em quadrinhos”. São Paulo: MST, nº. 84, 1989.
173
Dessa forma, o funcionamento da organização era atribuído à sintonia
de três níveis elementares do MST, assim definidos pelo Jornal Sem Terra em agosto de
1989:
“No cotidiano do Movimento lidamos com três níveis de organização:
massa, base e direção. A massa é o conjunto de trabalhadores
(homens, mulheres, jovens e crianças) que se mobilizam em torno de
um objetivo comum. Está continuamente em movimento, procurando
resolver os seus problemas do dia-a-dia. É uma fonte inesgotável onde
se forma continuamente o movimento. (...) A base são os que,
organizados, fermentam a massa, organizando, informando, reunindo,
tendo em vista a construção do movimento. É formada pelos
militantes, ativistas e famílias que já participam do Movimento. (...) A
direção são os responsáveis por pensar e orientar o todo do
movimento. Por isso deverão ser os que estão qualificados para
orientar, informar, criar, capacitar, dirigir. Devem estar ligados à
massa e ter a confiança da base”. 260
A expressão “movimento”, com inicial minúscula, representava a
dinâmica organizativa que dava vida ao sujeito político coletivo. Como mecanismo de
fortalecimento desta “realidade em movimento”, na definição da Executiva Nacional, os
cursos articulavam a formação de “militantes, dirigentes e massa” com o objetivo de
capacitar quadros que atuassem nas diversas instâncias do MST, desde reuniões dos
núcleos, nas comunidades, até a Direção Nacional.
Os “militantes” tinham tarefas nas comissões de luta, cursos, troca de
experiências, assembléias e leituras em pontos de mobilização. Os “dirigentes” eram
260 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 86, p.4, 1989.
174
formados pela discussão, disputas políticas, elaboração de propostas, cursos de capacitação,
leituras, visitas e assumiam a função de pensar e orientar o todo do MST. Ambas as
categorias eram ativas na base, pois tanto um militante quanto um dirigente exerciam
tarefas para continuamente despertar e alimentar na “massa” seu potencial de luta. 261
A “massa”, contrariando a posição do filósofo contemporâneo Jean
Baudrillard como “noção fluída, viscosa”, liberada de obrigações simbólicas e “fruto da
demagogia política”, 262 era entendida pela Executiva Nacional como um conjunto
dinâmico e participativo no processo de transformação da sociedade, dela extraindo-se a
força política dos sem-terra, representada em mobilizações “massivas” que simbolizavam
a luta pela terra e dava significado ao Movimento.
Para “construir o objetivo comum da massa”, lideranças do MST
apontavam os fluxos de informação como meio de organização. Esta noção era sustentada
pela mobilização social através de instrumentos que integravam seus participantes. A
representação de “massa”, enquanto nível da organização que deveria ser “fermentada”,
263 tinha sua força política condicionada pela comunicação e pela exposição dos sem-terra
na mídia. 264
2.3. A multidão silenciada
261 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 71, p.15, 1988. 262 BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas São Paulo: Brasiliense, 1985.. 263 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 86, p.4, 1989. 264 Adotando a concepção de Jean Baudrillard, percebemos um efeito contrário ao que lideranças sem-terra pensavam sobre a estruturação das massas através da quantidade de informações e a taxa de exposição. Para o autor, “Em vez de transformar a massa em energia, a informação sempre produza mais massa. Em vez de informar como ela pretende, isto é, dar forma e estruturar, neutralizar sempre mais o ‘campo social’, cria cada vez mais massa inerte impermeável às instituições clássicas do social, e aos próprios conteúdos da informação”. Cf. BAUDRILLARD, op. cit., p. 26.
175
Entre 1994 e 1990, a atenção dada pela mídia ao MST contribuiu para
a constituição de um capital simbólico da organização dos sem-terra. Em decorrência de
um dos principais focos da luta pela terra estar localizado na região do Pontal do
Paranapanema, o Movimento foi divulgado nas páginas de jornais paulistas com circulação
nacional. A Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde, atentaram
para a fundação do MST e o aumento da violência no campo em meio às frustrações de
lideranças sem-terra com a implantação do Plano Nacional de Reforma Agrária. Porém, as
fortes expectativas em torno da elaboração do PNRA e os resultados desalentadores aos
olhos de entidades representativas da classe trabalhadora rural, tornaram a reforma agrária
mais um assunto, diante de tantos, na consolidação da Nova República. Dívida Externa,
inflação e incidentes planos econômicos, eram os temas mais considerados pela mídia. 265
Em meio ao “esquecimento” da grande imprensa, as táticas do MST
para conquistar espaço na mídia foram a teatralização de reivindicações, a difusão através
de programas de rádio, materiais publicitários para televisão e outdoors patrocinados por
entidades solidárias.
Quanto à teatralização, Christa Berger defendeu que o reconhecimento
de agentes políticos passava pela legitimação dos jornalistas. Acontecimentos produzidos
pelo que denominou de “subgrupo do campo político” – neste caso, os movimentos sociais
– deveria se valer de uma “espetacularização” para constarem na pauta de jornais e
telejornais. 266 A organização de atos coletivos dos sem-terra – composto por passeatas,
refrões e músicas –, procuravam retratar a união dos participantes em torno de suas
265 BERTOL, 2003, p. 11. 266 BERGER, 1998, p. 27.
176
reivindicações, fortalecendo “valores, padrões de comportamento” 267 e expondo o
Movimento no espaço público. Esta se tornou uma via para despertar discussões junto à
sociedade civil e dialogar com agentes envolvidos na questão agrária, como exemplo, a
classe política. 268
A alternativa para divulgar a luta em rádio ou televisão encontrou
respaldo de entidades solidárias conhecidas pela defesa dos direitos humanos ou que
mantinham relação com o ramo das comunicações. Numa atitude inovadora do Instituto
Sedes Sapientiae, do Centro Santo Dias dos Direitos Humanos, da CUT e do Jornal Sem
Terra, em 1985, um audiovisual foi exibido nos horários comerciais das principais redes de
televisão do Brasil, em saudação ao Dia do Trabalhador Rural comemorado pelas
entidades do movimento sindical no dia 25 de julho. (ver figura 23).
Além dos trabalhos de assessoria prestados pelo Sedes Sapientiae ao
MST, a participação do Centro Santo Dias dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São
Paulo, fundado em 1979, tinha um objetivo mais específico: o de defender as vítimas da
violência policial. 269 Seja na organização do movimento social rural ou nas denúncias de
violência no campo, a ajuda financeira para a produção do audiovisual decorreu das
propostas políticas destas entidades solidárias, relacionadas com a promoção da
comunicação de movimentos populares.
A homenagem passou por um breve instante nas telas da televisão,
mostrando o problema agrário no país e suas relações com a desigualdade social e os
267 HOBSBAWM,; RANGER, 1997, p. 17. 268 BERGER, op. cit., p.27. 269 DIAS, Luciana; AZEVEDO, Jô; BENEDICTO, Nair. Santo Dias: Quando o passado se transforma em História. São Paulo: Cortez, 2005.
177
conflitos no campo. As dificuldades de exibição nas grandes redes de comunicação geraram
indignação expressada através do Jornal Sem Terra:
“Com a assinatura das principais entidades do movimento sindical e
popular, esses poucos segundos têm uma história. O Departamento
Comercial da TV Globo, em São Paulo, não quis a responsabilidade
de aceitar o anúncio. Nem o do Rio. Foram consultar diretamente
Roberto Marinho que estava em Brasília e queria ver a mensagem
para decidir. Burocracia total. Depois que passou na Globo, foi fácil
passar na Manchete e na TVS. Isto que é liberdade de informação”. 270
Diante do difícil acesso às grandes redes de televisão no Brasil, a
estratégia adotada por lideranças sem-terra e entidades solidárias foi a procura de rádios
locais. Em 1987, um dos projetos que ganhou repercussão no MST foi o Programa dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, na Rádio AM Aparecida. Com veiculação nacional, a
Rádio Aparecida tinha uma história de posições contrárias ao regime militar e, diante da
Nova República, abriu espaço para programas voltados para a cobertura de problemas
sociais. Muitos sem-terra em acampamentos e assentamentos puderam ouvir notícias e
histórias sobre o Movimento. Além disso, o programa informou ouvintes católicos sobre a
desigualdade da distribuição de terras no Brasil. 271 (ver figura 24).
A despeito das minguadas coberturas jornalísticas dadas à luta dos
sem-terra e das dificuldades de divulgação no rádio e na televisão, o crescimento do MST
foi significativo. Os anos de 1987 e 1988 ficaram marcados pela organização de grandes
manifestações. Nas primeiras páginas, o Jornal Sem Terra representou o clima de ação
270 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 55, p. 16, 1985. 271 Id., nº. 63, p. 19, 1987.
178
coletiva que tomou o MST nestes dois anos. Com manchetes panfletárias – como “Reforma
Agrária já” , “Vamos fazer a Greve Geral” e “Vamos ocupar Brasília” – acima de
imagens que retrataram ambientes coletivos, o tablóide incitou o leitor à mobilização. Esta
nova cara do Sem Terra refletiu os novos tempos de editoração, a cargo de João Caetano do
Nascimento, jornalista conhecido como militante petista nos círculos de jornais de
movimentos sociais e de partidos de esquerda.
Apesar da “mobilização de massas”, a indiferença dos jornais de
circulação nacional e das redes de televisão demonstrou para lideranças sem-terra a
situação do direito à comunicação no Brasil. Ao invés de refletir a opinião pública, a mídia
buscava criá-la gerando uma espécie de opinião publicada. 272
Questões como estas, para Hamilton Pereira – então Secretário Agrário
do PT e conhecido no MST como Pedro Tierra, pseudônimo usado para escrever poemas
sobre a luta dos sem-terra – lançaram luz no MST das mediações sociais e políticas
exercidas por meios de comunicação na sociedade brasileira. O “militante informal do
MST”, como então se auto-definia, entendia que devido à influência da grande imprensa na
vida política nacional, a questão agrária era tratada com pesos diferentes diante das
circunstâncias. 273 Seus argumentos partiam do princípio de que quando emergiam lutas
políticas institucionais pela reforma agrária, criando-se um clima de debates nas esferas do
poder, a cobertura dada pela mídia era muito mais intensa. Como exemplos, podemos
mencionar os casos do PNRA e da discussão política travada na Assembléia Constituinte
sobre os “fins da desapropriação”, reduzida ao fluído conceito de “terras
272 FERREIRA, Argemiro. As redes de TV e os senhores da aldeia global. In. NOVAES, Adauto. Rede imaginária: televisão e democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 273 REVISTA TEORIA E DEBATE. São Paulo: PT, nº. 18, 1992.
179
improdutivas”.274 Entretanto, quando eclodiam lutas pela terra representadas por inúmeras
mobilizações, desde ocupações até manifestos coletivos, pairava a indiferença.
2.3.1. O “estrondoso silêncio”
No final da década de 1980, a organização nacional dos sem-terra foi
reforçada com os vínculos políticos entre MST, CUT e PT. Tanto a central sindical como o
Partido dos Trabalhadores adquiriram estrutura nacional e projetaram o sindicalismo
combativo na cena política. Ambas as entidades abraçaram a causa da reforma agrária
radical controlada pelos trabalhadores, fortalecendo uma política organizativa do MST
baseada no sindicalismo cutista e na afinação política com o PT. Estas relações políticas
contribuíram para um alinhamento do MST com forças da esquerda, num cenário de
consolidação da estrutura nacional do Movimento. Os “rurais” , como ficaram conhecidos
os dirigentes de STRs e dos sem-terra dentro da CUT, em 1985, estabeleceram uma
Secretaria Rural que, no ano de 1989, foi transformada no Departamento Nacional dos
Trabalhadores Rurais, com forte influência dentro da central sindical. 275
A partir do III Encontro Nacional do MST, realizado na cidade de
Piracicaba (SP) em janeiro de 1987, contando com a participação de 200 lavradores de 18
Estados, um rico debate entre lideranças sem-terra, representantes de entidades solidárias à
luta, promoveu um engajamento político de organização interna do MST e de unidade entre
os trabalhadores rurais e urbanos. Vale mencionar que a unicidade era uma luta emergente
do sindicalismo rural organizado na CUT. Ricardo Antunes apontou que, juntamente com
274 SILVA, 1989, p. 171. 275 HOUTZAGER, 2004, p. 151.
180
os operários qualificados, os funcionários públicos e os trabalhadores em serviços, os
“rurais” representavam um dos pilares sobre o qual se assentava a central sindical. 276
Não obstante a representatividade dos “rurais” com o exercício da
vice-presidência da entidade por Avelino Ganzer, liderança sindical despontada no STR de
Santarém (PA), a recepção de dirigentes sindicais urbanos não era das melhores ante o
avanço da força do campo. 277 Como reflexo destas tensões, o sindicalismo rural insistiu
numa campanha de consenso, muito reivindicada por lideranças sem-terra em Piracicaba
(SP).
Durante cinco dias de encontro, repórteres do Jornal Sem Terra
organizaram debates sobre “Igreja, sindicalismo, eleições, mulheres, assentamentos e
violência”. Isaac Akcelrud, Flademir Araújo e Cácia Cortez, coordenaram os debates que
tinham como proposta “monopolizar a palavra pelos lavradores”. 278 Como resultado,
mais de 10 horas de gravação das conversas em torno dos problemas enfrentados pelos
trabalhadores rurais serviu para publicar um extenso material informativo no Jornal Sem
Terra, dando bases para as estratégias de luta dos próximos anos.
A mesa redonda que tratou da “violência no campo” contou com a
participação de lideranças como João Rodrigues, Luiz Soares, Isaias Vedovatto, José
Rainha Júnior, Zelito Moreira e do assessor dos sem-terra Carlos Massolo. Este debate nos
chamou atenção pelo anúncio, dado pelos participantes, dos principais inimigos do MST
276 ANTUNES, 1995, p. 63. 277 HOUTZAGER, 2004, p. 150. 278 A equipe do jornal, representada por Regina Vilela, Maria Fátima Ribeiro, Carlos Carboni, Elza Gonçalves, Madalena Rodrigues e Gilberto Nascimento, fez anotações, gravou os debates e estimulou a participação dos sem-terra. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p.4, 1987.
181
que ajudavam a difundir formas de violência no campo: “a UDR, governos estaduais e
federal, o PMDB e a imprensa”. 279
Na opinião destas lideranças uma teia de relações de poder foi firmada
pelos inimigos do MST, colocando em risco a consolidação da Nova República em
decorrência da violência instalada no campo. Para Isaias Vedovatto, a imprensa
demonstrava um posicionamento tendencioso perante a organização dos trabalhadores
rurais e as entidades representativas dos ruralistas. Os meios de comunicação locais e
regionais, como rádios e jornais de menor circulação, apresentavam um quadro de ataque
ou de indiferença frente à luta dos sem-terra. As posturas desses veículos de informação
estavam atreladas aos vínculos que seus proprietários possuíam com os políticos,
geralmente ligados aos partidos de situação e a estrutura fundiária local. 280
Em sua fala transcrita pelo Jornal Sem Terra, Vedovatto afirmou que:
“A imprensa sabe denunciar a invasão da terra. Mas quando foram
espancados mais de 50 camponeses e nós conseguimos laudo médico,
provando, isso quase não foi divulgado. Por mais documentada que
fosse a denúncia, só saiam umas poucas linhas. Mas os ataques e
calúnias contra nós, ocupavam páginas inteiras”. 281
O silêncio da imprensa também foi percebido, por lideranças sem-terra
e militantes petistas, em manifestações massivas dos trabalhadores rurais, como na 279 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p.16, 1987. 280 Sobre as concessões de rádios no Brasil durante a década de 1980, Bernardo Kucisnki as entendeu como “moeda de troca política”, sendo o rádio “usado como instrumento de controle político nas pequenas cidades com a mesma desenvoltura com que a Globo atua em âmbito nacional. Por isso, pouco mais de 3188 concessões de rádio foram outorgadas a políticos conservadores e nenhuma foi jamais outorgada a movimentos ou entidades populares”. Cf. KUCINSKI, Bernardo. Mídia e democracia no Brasil. In. KUNSCH, Margarida Maria Krohling; FISCHMANN, Roseli. (Coord.) Mídia e Tolerância: a ciência construindo caminhos de liberdade. São Paulo: Edusp, 2002. 281 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p.16, 1987.
182
Caravana à Brasília (DF), organizada em outubro de 1987. Composta por agentes de apoio,
trabalhadores rurais, simpatizantes e representantes de entidades solidárias, o manifesto
reuniu cerca de 6000 participantes.
A organização da grande Caravana dependeu da articulação entre
lideranças sem-terra e entidades solidárias de diversos Estados. Como orientações para
aqueles que iriam participar das manifestações, o Jornal Sem Terra conclamou a todos para
levarem bandeiras do MST, do PT e da CUT, faixas, instrumentos musicais, cartazes dos
denominados “mártires do campo” e ferramentas de trabalho, como foices, enxadas e
facões. 282
Como resultado de todas estas manifestações, 283 a cobertura dada pela
televisão restringiu-se ao breve momento da audiência que lideranças tiveram com o
presidente do Congresso Constituinte, deputado Ulysses Guimarães. Em referência a
“insignificante cobertura dada pela imprensa” à Caravana, Hamilton Pereira recorreu ao
romance “Garabombo, o invisível”, do escritor peruano Manuel Scorza, para dar luz aos
acontecimentos:
282 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 66, p.10, 1987. 283 Ao acamparem quatro dias no parque Rogério Pithom Farias e no alojamento da CONTAG, a multidão foi deslocada para várias manifestações. No Ministério da Agricultura, uma comissão de representantes entregou ao ministro Íris Rezende um documento reivindicando uma política agrícola voltada para o pequeno agricultor e a implantação imediata de uma reforma agrária. Em frente ao Ministério da Justiça, ficaram de plantão fazendo discursos a favor do fim “da violência do latifúndio e pela paz no campo” e se depararam com as portas fechadas, por ordem do ministro Paulo Brossard, que não recebeu as lideranças. Na entrada do setor de embaixadas, ao lado do Ministério do Interior, os trabalhadores rurais endossaram uma comissão de representantes da CUT, CPT, CONTAG e MST a encaminharem documento ao embaixador norte-americano, Harry W. Shlaudeman, denunciando a exploração que “as empresas, bancos e a própria moeda dos Estados Unidos submetiam a América Latina”. No MIRAD, ao serem recebidos pelo ministro Jader Barbalho, entregaram um documento que apontava o “aumento da concentração da propriedade rural nas mãos de uns poucos”. Acabaram ouvindo do ministro que “o Brasil estava enfrentando problemas mais sérios, como o pagamento da dívida externa”. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 67, p. 9-13, 1987.
183
“(...) compreendemos o significado mais profundo do que o peruano
Manuel Scorza nos conta em seu livro ‘Garabombo, o invisível’. Como
os índios peruanos, os camponeses brasileiros são invisíveis para a
sociedade dos ‘patrícios’. Milhares de lavradores acamparam na
capital da República e alcançaram o benefício dos holofotes das
emissoras de TV no breve momento da audiência com o deputado
Ulysses Guimarães. O resto foi um estrondoso silêncio” . 284
O texto de Hamilton Pereira foi escrito em 1992 e publicado na Revista
Teoria e Debate do Partido dos Trabalhadores que, fundada em 1987, tinha como proposta
proporcionar aos leitores o debate de “temas pertinente à esquerda brasileira e
internacional”. 285 A posição do autor foi de desalento com relação à mídia brasileira,
considerando o MST e os sem-terra vítimas de um campo jornalístico tendencioso. Além
dos problemas de leitura dos materiais informativos na organização dos sem-terra, o
Movimento posicionou-se ante a parcialidade da grande imprensa, questão que exigia a
construção de novas práticas de leitura a partir da reflexão sobre as fontes de informação.
O silêncio da mídia com relação ao MST deveria ter como resposta a
eficiência da organização dos sem-terra. Algo muito mais difícil para o Setor de Formação
estava por ser feito: elaborar materiais que tratassem de temas promissores na luta,
apresentassem um “calendário histórico” do MST 286 e incentivassem os sem-terra nos
284 REVISTA TEORIA E DEBATE. São Paulo: PT, nº. 18, 1992. 285 REVISTA TEORIA E DEBATE: Apresentação, São Paulo 2005. Disponível em: <http://www2. fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopi=468> Acesso em: 12 nov. 2005. 286 Inserido no Plano Nacional do MST (1989 – 1993) como instrumento para a organização dos sem-terra, o “Calendário histórico dos trabalhadores” foi publicado em 1993, trazendo uma descrição cronológica dos movimentos sociais rurais, os principais fatos históricos do MST sob o ponto de vista da Direção Nacional e o significado simbólico da bandeira do Movimento, oficializada em 1989. Para Maria Antônia de Souza, o calendário foi usado como material paradidático em escolas de assentamentos vinculados ao MST, “descrevendo fatos, lutas e assassinatos de camponeses que lutaram pela reforma agrária em outros países”. Cf. SOUZA, Maria Antônia de. Educação do campo: propostas e práticas pedagógicas do MST. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
184
estudos visando a melhoria da leitura de materiais publicados. Estas tarefas não poderiam
perder de vista as diretrizes de organização elaboradas a partir de 1989 e publicada no
Caderno de Formação nº. 17, intitulado “Plano Nacional do MST (1989-1993)”, que
traçou metas a serem alcançadas num prazo de cinco anos. 287
Propostas de aperfeiçoamento da escrita e leitura para fortalecer a
organização do Movimento foram sugeridas pelo Jornal Sem Terra e pelos materiais de
formação. Estas intenções pareciam bifurcar a luta para duas dimensões: uma apegada às
ações cotidianas dos trabalhadores rurais sem-terra e, outra, representando o “sem-terra
ideal” .
As representações de um “sem-terra idealizado”, difundidas pelos
meios de comunicação do MST, constituíram um quadro de “normas e valores” que
lideranças e produtores dos materiais informativos fizeram do passado e do futuro do
Movimento. Nesse sentido, as representações do “sem-terra ideal” resultaram de uma
“leitura do passado e uma projeção de futuro” que configuraram uma cultura política do
MST. 288
2.3.2. Projetando o “sem-terra ideal”
A organização de estruturas de comunicação foi apontada por Maria da
Glória Gohn como elemento central de inserção de movimentos sociais no cenário político
287 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 17, 1989. 288 De acordo com Serge Berstein, as representações definem uma cultura política através do conjunto de tradições e a projeção de futuro de grupos políticos e da sociedade, ou seja, “a cultura política supre ao mesmo tempo ‘uma leitura comum do passado’ e uma ‘projeção no futuro vivida em conjunto’”, inscrevendo-se “no quadro das normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma, do seu passado, do seu futuro”. Cf. RIOUX; SIRINELLI, 1998, passim.
185
contemporâneo. 289 Maria Helena Capelato, ao tomar como ponto de partida a fabricação e
uso das imagens e espetáculo do poder para idealizar e sustentar regimes políticos,
compreendeu que os meios de comunicação são responsáveis pela intensificação das
emoções ou, como evidenciou, “aquecimento das sensibilidades”. 290 Mas, para a autora,
os sinais emotivos e de sensibilização são captados e intensificados através de outros
instrumentos, como a literatura, teatro, pintura, arquitetura, comemorações, manifestações
cívicas, políticas ou esportivas.
Nesse sentido, no que concerne ao MST, os rituais que configuraram
cada manifestação e ocupação foram importantes estratégias para permear idéias ou, sob
uma perspectiva mais ampla, ideologias políticas que superaram as distâncias geográficas
entre as lutas regionais dos sem-terra. Além disso, em locais de mobilização foram
inculcadas práticas e representações que deram forma a identidade do Movimento. 291
A ideologia política contida no Jornal Sem Terra e nos Cadernos de
Formação expressou atos coletivos, fundamentou a organização e unificou um conjunto de
idéias como legítima manifestação de autoridade da Executiva Nacional sobre os meios de
comunicação. Pierre Ansart ao estudar os fenômenos modernos de propaganda, apontou
que a divulgação sistemática de ideologias fez da sensibilidade política um resultado de
múltiplas mensagens que fugiam de um estado de fato. De acordo com o uso das
289 Gohn apontou para a necessidade de movimentos sociais contemporâneos possuir mensagens com forte apelo comunicativo e criar assuntos de interesse público, idéias, símbolos e palavras-chaves, demandando, prioritariamente, a organização de uma estrutura de comunicação. Sem esta, raramente subsiste a concepção central de um sujeito coletivo num mundo de informações. Cf. GOHN, 2000, p. 44. 290 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e peronismo. Campinas: Papirus, 1998. 291 Sobre as mobilizações massivas dos sem-terra, Horácio Martins de Carvalho, Engenheiro Agrônomo e assessor de movimentos sociais rurais no Brasil, esclareceu que “ritos como esses, por vezes interpretados como cultos ao passado e ao anacronismo, são valorizados para que a ruptura e a reconstrução entre as utopias do passado, as que são construídas no presente e as que deverão florescer no futuro sejam referências”. Cf. SANTOS, 2002, p. 254.
186
mensagens, os sentimentos coletivos se mantêm ou se modificam, tornando confianças e
desconfianças, admirações e ódios, conseqüências de um trabalho de renovação ou
assimilação de idéias. 292
As idéias contidas nos meios de divulgação da luta integraram
conjuntos articulados de representações que consistiram na idealização de propostas para a
identificação do grupo social. 293 Diante dos embates políticos enfrentados pelo MST na
implantação da Nova República, a concepção de grupo foi divulgada segundo valores
construídos pelas lideranças sem-terra, agentes de apoio e produtores da notícia. Ao traçar
metas, a Direção Nacional pressupôs aos meios de divulgação a tarefa de representar
competências aos trabalhadores rurais das bases.
O lugar ocupado por diferentes seções no Jornal Sem Terra retratava
as diversas prioridades que a Executiva Nacional e a equipe de produção possuíam sobre o
que consideravam o “leitor ideal” para a organização 294, um tipo de receptor imaginado
através dos textos e imagens publicados pelos meios de comunicação do MST. Fotografias,
ilustrações, charges, cartoons uniram-se às manchetes, títulos, textos, legendas, não apenas
dando identidade aos meios de comunicação, mas também aos sem-terra. Os textos, neste
caso, retrataram os valores e a realidade dos trabalhadores rurais sob a ótica das lideranças
sem-terra e sindicais, militantes petistas e representantes de ONGs e entidades religiosas.
Apesar de a comunicação servir de fundamento na organização de um
movimento social, muitas lideranças sem-terra das bases reclamavam da falta de interesse
dos trabalhadores rurais pela leitura dos materiais de (in) formação em reuniões. Isto 292 ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 293 CHARTIER, 2002, p. 47. 294 Para Roger Chartier, a escrita gera um conjunto de dispositivos textuais desejados pelo autor, impondo “um protocolo de leitura, seja aproximando o leitor a uma maneira de ler que lhe é indicada, seja fazendo agir sobre ele uma maneira literária que o coloca onde o autor deseja que esteja”. Cf. CHARTIER, 1996, p. 98.
187
fundamenta a observação feita por Cristiane Gomes quanto ao papel dos informativos nas
ações políticas do MST. Para a integrante do Setor de Comunicação, preocupações
prementes no cotidiano de um acampamento, como exemplo, o trato com questões judiciais
e a necessidade de materiais para abrigo, alimentação e saúde, em momentos delicados da
luta faziam dos meios de divulgação instrumentos secundários na vida dos sem-terra. 295
Portanto, as noções de sujeito coletivo, de leituras comuns e normativas do passado
histórico e de sociedade ideal, eram representações que encontravam sustentação nas
entidades de apoio e lideranças sem-terra. 296
A despeito do trabalho dos setores de Comunicação e de Formação
terem sido objeto de críticas e indiferença por parte dos sem-terra, foram deles que
brotaram sistemas mais aperfeiçoados de organização e, todavia, a sistematização de idéias
em meio à multiplicidade dos eventos do cotidiano da luta. Atentos a esta questão, o Setor
de Comunicação e a Executiva Nacional do MST lançaram, na edição nº.71, um texto que
defendeu o papel do Jornal Sem Terra na organização:
“O jornal é uma das mais antigas ferramentas para a divulgação das
lutas dos trabalhadores. Quanto mais informadas forem as lideranças,
os militantes, o próprio povo, mais condições se terá para tomar
decisões mais acertadas. Daí a importância do jornal. Por outro lado,
o jornal também é um órgão para divulgar a proposta do Movimento.
O jornal é a voz do Movimento”. 297
295 Cristiane Gomes. Depoimento concedido, jul. 2005. 296 SANTOS, 2002, p. 254. 297 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 71, p.16, 1988.
188
A explicação inseriu o tablóide numa discussão mais ampla: o embate
à grande imprensa, considerada “voz da burguesia”. Noticiar, portanto, significava formar
opinião. Para lideranças sem-terra a veiculação de notícias sobre o MST na grande
imprensa servia para formar a “opinião do povo”, de acordo com os “interesses da classe
dominante”. Como objetivo, o texto diferenciou o papel do Sem Terra dos veículos de
“imprensa burgueses”, alertando o leitor para os devidos cuidados na interpretação do que
liam e sugerindo formas de leitura do jornal. 298
As orientações para os trabalhadores rurais sem-terra usarem de
maneira correta o tablóide foram iniciadas com explicações sobre a composição do
informativo:
“É preciso a gente conhecer as partes do jornal. No jornal, existe o
editorial, as notícias e as matérias de debate e estudos. O editorial é a
parte que traz a opinião do jornal sobre algum assunto ou
acontecimento importante. É onde se coloca a linha política do jornal
ou do Movimento. As notícias são o relato dos fatos mais importantes
do dia, do mês, etc. As matérias de estudo, de debate, são notícias
escritas para a gente estudar, conversar”.299
O principal problema apontado por produtores do tablóide quanto à
prática de leitura era o desestímulo ante tantas colunas, sendo freqüente a falta de
habilidade na seleção ou síntese de notícias de maior proveito para a organização das bases.
Num irônico paradoxo, a falta e o excesso da produção textual tornavam-se obstáculos ao
298 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 71, p.16, 1988. 299 Ibid., p.16.
189
conhecimento. 300 Para o leitor sem-terra não se perder em tanta informação, foi proposta
uma forma de leitura que deveria ser iniciada pela parte considerada mais importante, sob a
ótica individual ou de interesse do grupo. A leitura sugeria uma intertextualidade, ao incitar
o leitor a comparar notícias do Sem Terra com as dos meios de comunicação que
abordavam questões de interesses “dos mais ricos”. 301
Vale mencionar que as ilustrações que acompanharam textos de
orientação de leitura representaram leitores compromissados com a construção da luta
coletiva, de maneira geral, expostos como trabalhadores rurais sem-terra que dividiam o
jornal e o liam com ar de curiosidade. (ver figura 25).
Dentre as formas de leitura sugeridas, a coletiva foi a mais defendida:
“(...) de preferência, o jornal do Movimento não deve ser lido sozinho,
mas sempre em grupo: no núcleo do Movimento, na família, na
delegacia sindical, etc. Isto facilita porque a gente já pode ir tirando
as dúvidas, na hora, com outros companheiros e quem não sabe ler
tem também a chance de ficar informado”. 302
Além da leitura coletiva como forma de dinamizar os acampamentos e
assentamentos com as notícias da luta, colocou-se em questão o estudo das matérias do
jornal por grupos de reflexão e em cursos de formação. Como formas para difundir o Sem
Terra nos mais diversos pontos de mobilização, evidenciaram-se ações, como ler as
300 Em “A aventura do livro: do leitor ao navegador”, Roger Chartier alertou sobre o problema da recepção de textos diante da falta e excesso da produção. Para dominar a proliferação textual são necessários instrumentos “capazes de triar, classificar, hierarquizar” gerando, num irônico paradoxo, novos textos que se juntam aos outros. Cf. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp/Imprensa Oficial do Estado, 1999. 301 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 71, p.16, 1988. 302 Ibid., p.16.
190
notícias consideradas de relevância em rádios locais, encontros e assembléias. Considerava-
se que tais medidas poderiam ajudar o jornal a ficar mais conhecido no cotidiano da luta e
conquistar assinantes que, por ventura, simpatizavam com a causa dos sem-terra.
Inseridos num contexto de definição organizativa, o tablóide e os
cadernos enunciaram a “construção em movimento” de um “leitor sem-terra ideal”,
projetando a organização através de imagens que idealizavam um trabalhador rural
compenetrado com o sucesso da luta. Apesar da multiplicidade de assuntos tratados por
estes meios de comunicação, o retrato do “leitor sem-terra ideal” caminhava num
“imaginário de unidade”, 303 neste caso, propósito adequado para o convencimento que
mascarava divisões e conflitos existentes no MST. Em todas as configurações do sem-terra
idealizado tornou-se clara sua condição de “bem informado”, representado como um leitor
assíduo e dedicado na divulgação da luta e dos meios de comunicação. (ver figura 26).
Na década de 1990, as representações de um leitor sem-terra “bem
informado”, além de intensificadas pelo Jornal Sem Terra e pelos Cadernos de Formação,
espraiaram-se em novas formas de expressão da luta. A ampliação das estratégias de
comunicação do MST, como o uso de audiovisuais, de páginas virtuais, de CD com
músicas de compositores sem-terra e programas de rádios comunitárias, correlacionou-se
com a expansão da rede de sociabilidade de entidades solidárias que projetou o Movimento
internacionalmente. Nesse contexto, as estratégias de comunicação integraram um conjunto
de ações políticas que visaram definir uma política de comunicação do MST.
303 BALANDIER, Georges. El poder em escenas: de la representación del poder al poder de la representación. Barcelona: Paidós, 1994.
191
Figura 13: Caderno de Formação – Ações de Massa, nº 7, 1985.
Figura 14: Representação de intelectual para lideranças do MST. Caderno de Formação – Ações de Massa, nº. 7, 1985.
192
Figura 15: Caderno de Formação – reforma agrária com os pés no chão, nº. especial, 1986.
193
Figura 16: Seção Memória. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 91, 1990.
194
Figura 17: Caderno de Formação – O Plano Nacional de Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 4, 1985.
Figura 18: Uma representação das reuniões de base para se discutir propostas do PNRA. Caderno de Formação – O Plano Nacional de Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 4, 1985.
195
Figura 19: Caderno de Formação – A luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986.
Figura 20: Representação da cooperação agrícola. Caderno de Formação – A luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986.
196
Figura 21: O laboratorismo. Caderno de Formação – elementos sobre a teoria da organização no campo, nº 11, 1986.
197
Figura 22: Encarte “Sem Terra em quadrinhos”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 80, 1989.
198
Figura 23: Propaganda televisiva em homenagem ao Dia do Trabalhador Rural (Veiculação nacional nas grandes redes de televisão). Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 55, 1986.
Figura 24: Divulgação do Programa dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na Rádio AM Aparecida. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 63, 1987.
199
Figura 25: Representação de leitor sem-terra, assíduo e comprometido com a organização. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 71, 1988.
Figura 26 – Representação de leitor sem-terra ideal para a organização. Nela, o trabalho e estudo são apontados como chaves para o sucesso da produção agrícola e da organização do MST. Caderno de Formação – a luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986.
200
CAPÍTULO 3:
AMPLIANDO A COMUNICAÇÃO
3.1. Cenas que se descortinam
Na década de 1990, o MST ampliou seus meios de comunicação
através do uso de outras tecnologias. Estratégias visuais, fonográficas, radiodifusoras e
virtuais, passaram a integrar um mosaico de técnicas de comunicação na organização
dos sem-terra. Não sendo um fenômeno apenas do MST, movimentos sociais, entidades
civis e grupos políticos criaram mídias alternativas para divulgarem notícias e idéias,
registrarem experiências e tradições, lançarem representações que compuseram quadros
de identificação entre integrantes e simpatizantes. Ao citar o MST como exemplo mais
específico, Maria da Glória Gohn denominou de “mídia própria” toda estrutura de
comunicação do Movimento desenvolvida por várias modalidades. 304
Devemos considerar que esta “mídia própria” não foi apenas fruto
da produção interna do MST, pois sua construção dependeu de projetos de comunicação
desenvolvidos por simpatizantes e ONGs interessadas pela organização dos sem-terra.
Lideranças, ao perceberem a importância dessas novas técnicas no trabalho de
capacitação de quadros, promoveram o uso de materiais externos. Esta ação política
possibilitou contatos entre o MST, cineastas, artistas e ONGs, gerando um efeito de
produção de tecnologias de comunicação pelos próprios sem-terra.
Apesar de uma crescente produção de material escrito que
assessorou a formação e organização do MST na década de 1980, raríssimas eram as
referências de outros métodos de divulgação. A prática dos gestos e falas dos
304 GOHN, 2000, p. 24.
201
trabalhadores rurais, 305 em grande parte, não se identificava com o uso de impressos
que, embora ricos de uma simbologia formal, estavam distantes da dinâmica cotidiana
de acampamentos e assentamentos.
Conforme analisado anteriormente, as dificuldades de leitura dos
sem-terra colocaram em questão a abrangência desses instrumentos na luta. No final de
1989, Fátima Ribeiro, ex-militante da Executiva Regional da CUT no Espírito Santo e
então integrante da Direção Nacional do MST, apontou que o Jornal Sem Terra e os
Cadernos de Formação eram a voz dos trabalhadores rurais e tinham importância na
organização do MST, sendo distribuídos para STRs e, respectivamente, lidos e
estudados em grupos nos acampamentos. Os estudos coletivos constituíam uma
alternativa para vencer as dificuldades de leitura de inúmeros sem-terra, contribuindo
para socializar idéias da Executiva Nacional nas bases. 306
Através da posição da liderança sem-terra, compreendemos que os
acampamentos e assentamentos eram permeados por valores difundidos pelo rádio e
televisão. Notícias, ficções e histórias que compunham o mundo das imagens e sons
tornaram-se objeto de crítica de entidades de apoio e lideranças sem-terra no período de
definições organizativas do MST. Estes meios de comunicação reestruturaram o
universo das relações humanas, criando novos hábitos e comportamentos nos quais o
texto escrito perdeu a centralidade na divulgação das representações simbólicas.
Mudanças deste gênero modelaram as falas das pessoas criando uma “multidão de
telespectadores passivos e silenciosos”. 307
Para muitas lideranças sem-terra a cultura televisiva espraiava na
organização um conformismo que emperrava reflexões sobre questões mais amplas da
reforma agrária. Em detrimento da leitura de impressos, os iniciantes tinham
305 COMERFORD, 1999, p. 93. 306 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 84, p. 17, 1989. 307 GOHN, op. cit., p. 27.
202
dificuldades para construírem uma visão mais crítica de mundo, pois, além do
analfabetismo ou das parcas práticas de leitura, inclinavam-se às facilidades e à
fascinação alienante das imagens televisivas, fenômeno presente nos contrastes da
sociedade contemporânea.
Com freqüência, famílias então consideradas sem-terra por estarem
organizadas em acampamentos, traziam de suas experiências anteriores sociabilidades
que caracterizavam as novelas como um dos principais assuntos das conversas de todo
dia. Uma das dificuldades de mobilização dos trabalhadores rurais pelo MST estava no
que Esther Hamburger constatou como “fenômeno catártico”. Ao assistir novelas,
telespectadores pertencentes aos segmentos menos favorecidos da sociedade
imaginavam-se no universo social dos mais abastados, as representações de uma
“comunidade nacional imaginária” eram mais branca e sujeita à ascensão social, 308
inculcando padrões de vida, sonhos de consumo e linguagens que faziam a ilegitimidade
dos pobres pelos próprios pobres.
As dificuldades de instalação de televisores em acampamentos
desprovidos de recursos, deram ao rádio condição de destaque no entretenimento dos
sem-terra. Músicas e notícias variadas eram recebidas no cotidiano da luta, amenizando
a áspera rotina enfrentada nas moradias de lona dos acampamentos até as residências de
assentamentos desprovidas de energia elétrica.
Os aparelhos de rádio, geralmente movidos à pilha ou bateria de
carro, eram usados nos acampamentos por não dependerem da energia elétrica e pela
praticidade nos constantes deslocamentos a que estavam sujeitos os acampados, quando
das ações de ocupação e reintegração de posse. A aproximação que o rádio tinha da
realidade dos sem-terra gerou um desejo de atuação de lideranças de base em difusoras
308 NOVAIS; SCHWARCZ, 1998, p. 484.
203
regionais. Por isto, a participação de líderes de acampamentos em programas de rádios
locais tornou-se um importante instrumento para a manutenção do “imaginário de
unidade” 309 nesses espaços de luta. Além de serem requisitados por repórteres
interessados na questão da terra, muitos sem-terra considerados porta-vozes nos seus
pontos de mobilização, dirigiam-se às sedes de rádios locais para exporem idéias e
divulgarem notícias. 310
Outro caminho seriam ações que chamassem atenção da mídia para
divulgar o MST. Raquel Bertol denominou esse período de “demarcação de terreno”,
caracterizado pela preocupação por parte de lideranças em despertar a atenção da
imprensa e reverberar a expressão “sem-terra” no mundo urbano tomado pela difusão
das imagens televisivas. Esta estratégia significou uma prática de legitimação que
funcionou entre o universo dos trabalhadores rurais – organizados em seus códigos e
normas específicos – e os grandes canais de comunicação.
A problemática da relação do MST com a imprensa colocou no
debate a influência dos meios radiofônicos e televisivos. Em 1987, o francês Olivier
Colombani apontou esta questão quando estudou a luta dos sem-terra no Brasil.
“Rádios porta-vozes dos latifundiários, desinformação na
imprensa escrita, sensacionalismo ao vivo nas TVs, fazer entender
sua voz é para o MST um trabalho tão difícil quanto à conquista de
uma terra para viver”. 311
309 BALANDIER, 1994, p. 21. 310 Para o assessor técnico de movimentos sociais rurais, Horácio Martins de Carvalho, “desde 1987 o MST mantém programa de rádio de alcance nacional, com edições semanais. Em função da importância do rádio no processo de comunicação rural o MST adquiriu horários em várias rádios particulares ou vinculadas às igrejas nos diversos Estados do país, e passou a estimular a criação de rádios comunitárias”. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 61, p.16, 1987. 311 BERTOL, 2003, p.11.
204
Além da criação do MST enquanto notícia nas redes de televisão,
outra forma para dar representatividade ao sujeito coletivo estava na produção de
audiovisuais, considerada dispendiosa diante das históricas dificuldades de organização
de movimentos sociais. O que esperançava eram as intenções de instituições solidárias e
simpatizantes em divulgar ou produzir imagens que poderiam retratar a história dos
sem-terra.
3.1.1. Entre a censura e a liberdade
O uso de novas tecnologias para a divulgação da luta dos sem-terra
não foi uma prática corrente na década de 1980, restringindo-se a audiovisuais
idealizados por simpatizantes do MST ou de entidades solidárias à causa da reforma
agrária.
Além da consecução de projetos de comunicação advindos de
instituições de apoio, que consolidaram uma dinâmica de notícias e normas publicadas
pelo MST, não faltaram intenções em meio às poucas produções de simpatizantes que
contribuíram para uma maior abrangência da divulgação. Sendo resultado de diretores,
atores, músicos e escritores que não militavam, mas identificavam-se com a organização
do Movimento, a consecução da maior parte destes projetos de comunicação esbarrou
na questão econômica e na censura em vigor na década de 1980.
Um dos grandes exemplos de filmar os sem-terra e transformar
suas ações em documentário para divulgá-las, foi o trabalho dos jornalistas Guaracy
Cunha e Ayrton Centeno. Como projeto que contou com o apoio da Comissão Pastoral
da Terra, o documentário “Encruzilhada Natalino”, lançado em 1982, mostrou o
desencanto dos pequenos agricultores com a soja, cuja lavoura estimulou a concentração
205
da terra no Rio Grande do Sul, contribuindo para a favelização de 700 mil gaúchos. Os
autores demonstraram que a mecanização da produção agrícola aguçou as dificuldades
de arrendatários, parceiros e minifundiários que se transformaram em bóias-frias. As
mudanças decorrentes da modernização da agricultura foram compreendidas,
desembocando numa romaria ao acampamento dos sem-terra.
Com quatro meses de filmagem e várias viagens a Ronda Alta
(RS), o resultado foi um curta-metragem de 30 minutos que, com poucas apresentações
e um turbilhão de restrições para sua exibição, evidenciou o quão complexo era a
atividade cinematográfica no Brasil, principalmente, quando tratava de questões sociais.
Em meio às condicionantes, o filme “Encruzilhada Natalino” foi apresentado no 10º
Festival de Gramado de 1982, tornando-se vencedor na categoria documentário. 312
Mesmo tendo a produção vetada em Brasília (DF) pelo Departamento de Censura
Federal, Cunha e Centeno tentaram a liberação encaminhando recurso administrativo e
solicitando à Polícia Federal o envio de cópia do filme ao Conselho Superior de
Censura (CSC), composto por entidades públicas e privadas.
A tramitação não obteve o desejado efeito e o curta-metragem foi
indeferido, partindo os jornalistas para variadas instâncias de julgamento que não
liberaram a exibição, considerando-o subversivo. 313 Restou ao documentário o
deferimento simbólico dos ares da abertura política, consolidando-se como uma das
clássicas produções audiovisuais sobre o MST.
O envolvimento de Guaracy Cunha e Ayrton Centeno demonstra
como este tipo de produção germinou de uma aproximação política entre idealizadores e
a militância. Guaracy, com participação ativa na fundação do PT no Estado do Rio
Grande do Sul, destacou-se como jornalista diante das relações políticas do Movimento
312 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 19, 1982, p. 8 – 9. 313 Id., nº. 22, 1982, p. 2.
206
com o CAMP. Foi no Centro de Assessoria Multiprofissional que desenvolveu trabalhos
de capacitação junto a trabalhadores rurais, sendo um dos fundadores da ONG e
coordenador interno. Centeno, por sua vez, como jornalista colaborava com o CAMP,
envolvendo-se com projetos de comunicação que propunham maior visibilidade de
sujeitos sociais marginalizados através da produção de vídeos que retratavam
experiências populares. Também trabalhava como free-lancer em jornais de Porto
Alegre (RS).
Apesar de o documentário ter sido fortemente atingido pela
censura, num sentido geral, projetos que questionaram o regime militar desencadearam
outras produções sobre os sem-terra. Filmado em 1985 e lançado no ano seguinte, “A
Classe Roseira” de Berenice Mendes registrou o surgimento do MST no Estado do
Paraná em meio ao processo de migração de gaúchos para o Estado do Mato Grosso.
Mendes, militante cineclubista quando fazia Direito na
Universidade Federal do Paraná (UFPR), no final da década de 1970 fez um curso de
Cinema na Cinemateca de Curitiba (PR), engajando-se na luta pelo fortalecimento e
crescimento do cinema brasileiro, atuação política que incentivou a elaboração de
documentários de cunho social. 314 Procurando dar ênfase aos hábitos culturais, à árdua
sobrevivência dos trabalhadores rurais, à situação nos acampamentos à margem de
rodovias, “A Classe Roceira” conquistou o júri oficial e a crítica no Cine Ceará de
1987.
As produções de “Encruzilhada Natalino” e de “A Classe
Roceira” tornaram-se referências para o desenvolvimento de projetos cinematográficos
mais ousados. As conquistas de prêmios de expressão nacional demonstraram uma
314 CENTRO DE MÍDIA INDEPENDENTE DE CURITIBA: Mostra de documentários de Berenice Mendes, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-curitiba/2006-june/0612-5n.html>. Acesso em: 15 jul. 2006.
207
tendência de valorização da crítica aos documentários com enfoque social num contexto
de transição política. A abordagem da questão da terra enquanto um problema social e a
divulgação mais ampla de “A Classe Roceira” aproximaram empresas, ONGs e
projetos de cineastas que tinham interesse por esta temática.
3.1.2. De “Terra para Rose” a “Terra e vida Catarina”
No mesmo ano de conquista de “A Classe Roceira” no Cine Ceará,
o lançamento de um longa-metragem sobre a história dos sem-terra ganhou dimensões
internacionais. “Terra para Rose”, da jornalista e cineasta Tetê Moraes, com poucos
recursos financeiros demorou dois anos para ser produzido.
A trajetória de Tetê Moraes até chegar ao Cinema, confunde-se
com a luta contra a ditadura militar e pela democratização. Formada em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1966, dedicou-se ao jornalismo até
1970 quando foi exilada, trabalhando em vários países. Fazendo Mestrado em
Comunicação nos Estados Unidos pela Washington D.C The American University, ao
retornar para o Brasil lecionou no Departamento de Comunicação da PUC-RJ,
dedicando-se a direção e produção de documentários e reportagens.
Dentre seus inúmeros trabalhos, “Terra para Rose” sofreu
restrições por causa do seu apelo militante. Abordando a temática da reforma agrária na
Nova República, o filme teve como referência o processo de ocupação e conquista da
Fazenda Annoni, município de Sarandi (RS), que envolveu 1500 famílias. A história,
narrada pela atriz e simpatizante Lucélia Santos, foi contada a partir da experiência de
algumas mulheres trabalhadoras que participaram da ocupação, entre elas Roseli Celeste
Nunes da Silva.
208
Mãe de Marco Tiaraju, primeira criança nascida no acampamento
da Annoni, Rose ingressou no movimento de ocupação e apresentou suas angústias e
perspectivas. Com imagens da ocupação, acampamento, caminhadas, manifestações,
embates contra forças militares, evidenciou-se as diferenças de posicionamento da sem-
terra com o fazendeiro Bolívar Annoni. A defesa dos princípios de Rose quanto à
importância da conquista da terra foi focalizada de maneira objetiva procurando dar
ênfase para a segurança de suas palavras em contraposição ao fazendeiro que,
reiteradamente, teve exposto seus momentos de indecisão, esquecimento e tensão
através de respostas evasivas. 315
O que chamou atenção no meio das filmagens foi a morte acidental
de Rose, atropelada por um caminhão. Este fato fez a cineasta indagar, no epílogo do
documentário, “Quem matou Rose?”. Tais circunstâncias deixaram implícito que a
morte da sem-terra fora planejada, sugerindo uma relação do falecimento com as causas
estruturais do problema fundiário no Brasil. Após a finalização, Tetê Moraes lançou a
idéia de que retornaria ao local de conquista da terra para fazer um outro documentário
que demonstrasse as condições e resultados daqueles que participaram deste processo de
conquista.
Mesmo enfrentando dificuldades, Tetê conseguiu finalizar o filme
para ser apresentado, em 1987, no 20º Festival de Brasília, onde conquistou seis
prêmios. Em 1988, na 17ª Jornada de Cinema da Bahia, ganhou dois “Tatu de Ouro”,
um de melhor filme de preferência popular e, outro, de melhor documentário de longa-
metragem. A repercussão fez o trabalho ser exibido em outros países, como no Festival
do Novo Cine Latino-Americano realizado em Havana, no Festival de Cinema du Réel
em Paris e na televisão de Genebra e Roma.
315 TERRA para Rose. Direção: Tetê Moraes. São Paulo: Vem Ver Brasil, 1987. 1 videocassete (82 min), VHS, son., color.
209
A identificação do documentário com a Direção Nacional do MST
o fez ser exibido em vários cursos de formação que, gradativamente, passaram a usar
vídeos sobre o MST como metodologia de orientação de quadros. O projeto bem
sucedido serviu de fio condutor para outras gravações de simpatizantes e entidades
interessadas em divulgar a situação dos sem-terra através da produção audiovisual ou
assessorar o trabalho de formação nas reuniões de base. (ver figura 27).
Num sentido geral, estes vídeos eram pequenos documentários. Um
típico exemplo foi o trabalho de Murilo Santos e Vincent Carelli – “Qual é o jeito, Zé?”
– produzido em 1992 e com duração de 15 minutos. Os roteiristas, a partir da vida de
Luis Vila Nova, líder camponês de Buriticupu (MA), mostraram a ocupação das matas
por milhares de trabalhadores rurais sem-terra e os confrontos com jagunços e policiais
federais numa região marcada pela instabilidade fundiária, no eixo da ferrovia de
Carajás.
Os produtores deste documentário militavam em Sindicatos de
Trabalhadores Rurais e em projetos indigenistas. Murilo Santos trabalhava no Estado do
Maranhão junto aos STRs e a CPT. Realizador de outros vídeos, sua especialidade eram
as questões da posse da terra e da desapropriação em áreas de conflito inseridas no
contexto de migração nordestina para a Amazônia. Carelli, indigenista e
documentarista, criou o projeto Vídeo nas Aldeias em 1987. 316 “Qual é o jeito, Zé?”,
além de ser aproveitado na organização do MST, inseriu-se numa proposta de difusão
de trabalhos referentes aos problemas indígenas no Brasil através da exposição e
incentivo à produção de audiovisuais.
316 VÍDEO NAS ALDEIAS: Missão, Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.videonasaldeias.org.br/ home.htm>. Acesso em: 12 dez. 2005.
210
O Vídeo nas Aldeias transformou-se numa ONG com o objetivo de
promover o encontro do índio com sua imagem, tornando a produção um instrumento
de sua identidade. Ao equipar comunidades com aparelhos de vídeo, o projeto
estimulou a produção e exibição para promover o intercâmbio entre diversos povos
indígenas. Com o apoio da Agência Norueguesa de Cooperação para o
Desenvolvimento (NORAD), entidade agregada ao Ministério de Negócios Estrangeiros
da Noruega e atuante no combate à pobreza, 317 o Vídeo nas Aldeias formou
realizadores indígenas de documentários que serviram para expor os problemas da luta
pela terra no Brasil em cursos de formação do MST.
Na mesma linha dos conflitos pela terra, o professor Bernardo
Mançano Fernandes, da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Presidente
Prudente (SP), em 1993, enfocou a grilagem de terras no interior paulista. O
documentário “Tem grilo no pontal”, tocou no problema fundiário no Pontal do
Paranapanema, considerado um dos pontos de maior tensão entre o MST e a UDR no
Estado de São Paulo. 318 O professor, notabilizado pelas pesquisas sobre o MST e por
sua militância junto ao Setor de Educação, evidenciou que o complexo de terras da
região Pirapó-Santo Anastácio recolocou para o Estado e para a sociedade civil um
histórico problema fundiário, tendo em vista um assunto esquecido ou acobertado pelos
veículos de comunicação e pelas autoridades políticas.
Num sentido geral, as produções audiovisuais sobre o MST
valorizaram uma identidade sem-terra, pois retrataram experiências e realidades da luta
no Brasil, sendo instrumento para a assimilação de pontos comuns que constituíram
uma consciência política. Produções voltadas para a capacitação de quadros do MST
317 AGÊNCIA NORUEGUESA DE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO: Sociedade e Política, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://www.noruega.org.br/policy/humanitariam/norad/ norad.htm> Acesso em: 12 dez. 2005. 318 RASSEGNA AUDIOVISUALE SUL MST: A Terra Prometida – produção audiovisual sobre o MST, São Paulo, 2001. Disponível em: <http://comitatomst.it/rasso901.htm>. Acesso em: 10 dez. 2005.
211
contaram com o apoio de uma variedade de entidades. A memória coletiva através de
vídeos que abordassem temas do passado da organização era entendida por lideranças
sem-terra como um elemento na formação da identidade.
Partindo deste pressuposto, não faltaram documentários que
trataram do passado da luta para divulgar e constituir uma memória coletiva. Este foi o
caso de “Terra e vida Catarina: a história e a luta dos sem-terra de Santa Catarina”,
resultado da primeira oficina gravada e difundida pela ONG Diálogo – Cultura e
Comunicação e o MST/SC. Realizada em 1994, sob a coordenação dos jornalistas e
professores Márcio Vieira de Souza e Cristiana Tramonte, a oficina fez parte das
comemorações dos 10 anos de fundação do MST contando com a participação de
trabalhadores rurais na elaboração do roteiro, encenações e edição.
A trajetória da Diálogo confunde-se com a organização dos meios
de comunicação do MST, integrando uma rede de instituições interessadas em
democratizar a comunicação com trabalhos de intercâmbio entre entidades do Brasil,
Argentina, Uruguai e México. 319 Em busca da democratização da informação foi
formada a Rede Vozes, um espaço de integração coordenado pela ONG catarinense com
o apoio da Fundação para o Progresso do Homem, sediada na França. Tendo como
objetivo criar uma lista de discussão através da internet e em fóruns específicos, a Vozes
tornou-se uma conferência eletrônica com a finalidade de articular grupos de pessoas
interessadas no tema, trocando experiências, recontando, analisando e difundindo
práticas inovadoras de comunicação participativa através da produção de vídeos, teatro,
literatura popular e rádios comunitárias. 320
3.2. Identidade em movimento 319 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. 320 BOLETIM FAX FORUM: Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Florianópolis: FNDC, nº. 43, p. 2, 1996.
212
A multiplicidade de instrumentos de divulgação centrada em
materiais impressos e audiovisuais tornou público princípios e símbolos construídos na
organização do MST. Consideramos que a difusão de representações através desses
meios de comunicação constituiu uma identidade sem-terra.
Por identidade entendemos uma construção social num contexto de
relações de poder e propagada por meios estratégicos de comunicação. Em linhas gerais,
Manuel Castells definiu a identidade coletiva como uma edificação simbólica, através
de mecanismos de informação, nas relações sociais e políticas dos integrantes do
grupo.321 Nesse sentido, partimos da análise de uma das formas – os meios de
comunicação do MST – que reproduziu símbolos e valores na formação da identidade
sem-terra.
Ainda para Castells, não existe uma única forma de compreender a
construção da identidade, pois sua afirmação define-se em diferentes processos. O papel
exercido pelos meios de comunicação na delimitação de significações coletivas em
movimentos sociais do final do século XX, nos permite considerar duas formas de
identidade: a de “resistência” e a de “projeto” . 322
A “identidade de resistência” é definida:
“por atores que se encontram em posições/condições
desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação,
construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com
base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da
sociedade”. 323
321 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. 322 Conforme trataremos adiante, para Manuel Castells a identidade de projeto é uma construção que procura redefinir a posição de grupos sociais, traçando novos objetivos e idealizando a organização no futuro, através de meios de difusão de idéias. Cf. CASTELLS, op. cit., p. 24. 323 Ibid., p. 24.
213
A elaboração e divulgação dos símbolos tornaram-se alternativas
para expressar a condição e as intenções do MST, criando uma identidade sem-terra em
oposição às forças políticas conservadoras tradicionais. Desde o acampamento da
Encruzilhada Natalino, agentes de apoio e lideranças sem-terra procuraram dar
significado à luta através da construção de símbolos que identificassem os trabalhadores
rurais sem-terra. O primeiro símbolo adotado foi uma representação de lavrador
crucificado, elaborado sob forte influência da Igreja Católica. No início da década de
1980, os trabalhadores rurais usaram várias bandeiras, a princípio com fundo branco
com estampas verde e preto, simbolizando a luta através da cruz. Em outros momentos
da organização das lutas regionais, conquistou espaço a cor vermelha que abrigou frases
como “Terra para quem nela trabalha” ou “Terra e Justiça”.
Essas representações eram espontâneas e variadas, sendo
elaboradas e usadas em diversas circunstâncias. Tomando como referência Roger
Chartier, que entende as representações como designações do modo pelo qual em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada e
difundida por grupos sociais para impor uma autoridade, 324 consideramos que a
identidade é o resultado de uma relação de forças entre as definições arraigadas no
cotidiano dos sem-terra e as representações impostas por aqueles que detêm os
mecanismos de divulgação. Assim, a construção de símbolos do MST, além de
pressupor experiências práticas de acampados e assentados, conquistou a legitimação na
luta através de eventos coletivos que sistematizaram idéias e ordenaram propostas.
Em janeiro de 1987, no III Encontro Nacional do MST realizado
em Piracicaba (SP), três projetos foram expostos para a escolha da bandeira oficial do
324 CHARTIER, 2002, p. 17.
214
Movimento. Após várias propostas serem discutidas nos Estados, a identificação da luta
com o vermelho predominou, sendo inserido ao centro uma esfera de fundo branco e um
mapa do Brasil na cor verde com um casal de trabalhadores rurais empunhando um
facão, ilustração usada na divulgação, em 1985, do I Congresso Nacional em Curitiba
(PR). Na época, os ideais sandinistas difundidos nos cursos de Ranulfo Peloso
influenciaram a elaboração de uma representação de casal baseada num cartaz de
Encontro de camponeses nicaragüenses. 325 (ver figura 28).
Antes da oficialização do “hino dos trabalhadores rurais sem-
terra” , em 1989, no V Encontro Nacional do MST, realizado na cidade de Nova Veneza
(SP), os símbolos adotados pelo Movimento eram a bandeira e a música “A Classe
Roceira”. A composição foi um apelido dado pelos sem-terra aos versos de Goiá e
Francisco Lázaro, cantados na década de 1960 pela dupla sertaneja Zilo e Zalo com o
título “A Grande Esperança”. Apesar de tornar-se uma das principais referências
musicais em eventos coletivos ou reuniões de acampamentos e assentamentos rurais, 326
com o crescimento e as transformações do MST, “A Classe Roceira” deixou de
representar para a Direção Nacional a totalidade do que era a organização do
Movimento “enquanto sujeito coletivo”. 327 Nesse sentido, o V Encontro Nacional abriu
espaço para a escolha do hino oficial da luta dos sem-terra. Transformado em música
por integrantes do Movimento da Bahia, o poema de Ademar Bogo foi apresentado
junto com outras composições, tornando-se o hino oficial do MST.
Paulo Maldos, psicólogo e educador popular do CEPIS do Instituto
Sedes Sapientiae, entrou em contato com o maestro Willy de Oliveira, da Orquestra da
Universidade de São Paulo (USP), para dar ao hino escolhido a forma de marcha. Como
filho de agricultores familiares, o maestro aceitou o desafio de musicar a letra, fazendo a
325 STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 133. 326 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 84, p. 17, 1989. 327 Ibid., p. 17.
215
gravação final com o Coral da USP. 328 O uso da história, como ferramenta para definir
o papel do MST na sociedade brasileira, ficou assim descrito:
“(...) Braço erguido, ditemos nossa história
Sufocando com força os opressores
Hasteemos a bandeira colorida
Despertemos esta pátria adormecida
O amanhã pertence a nós trabalhadores.(...)”
O hino do MST contribuiu para difundir no cotidiano dos sem-terra
a importância do passado e dos símbolos da luta enquanto mecanismo de idealização de
um futuro. Por regra, o hino deveria ser usado de acordo com sua finalidade, tocado e
cantado nas “solenidades do MST”, como aberturas e encerramentos de encontros,
cursos e assembléias, em manifestações e ocupações, em programas de rádio
organizados por lideranças sem-terra difundidos em canais locais. 329
A divulgação destes símbolos em diversos pontos de mobilização
foi feita pelo Jornal Sem Terra, Cadernos de Formação e folhetos avulsos, geralmente
aplicados em cursos de capacitação de lideranças que instruíam trabalhadores rurais nas
bases. 330 Além de instrumentos escritos, foram confeccionados bandeiras, bonés,
camisetas e bastões, cuja venda e distribuição foram centralizadas na Secretaria
Nacional do MST, abrigada na ANCA.
Recorrendo a Eric Hobsbawm, a produção desses instrumentos
estabeleceu um “processo de formalização e ritualização” referente ao passado do
328 STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 134. 329 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 84, p. 17, 1989. 330 O uso de materiais avulsos caracterizou o aumento da comunicação do MST na década de 1990. Fazendo parte de um emaranhado de informes com, geralmente, uma única página, estes materiais foram usados para divulgarem notícias ou medidas de urgência por parte da Direção Nacional em pontos de mobilização. A princípio impressos, os informes ganharam espaço nas páginas da internet para maior agilidade na difusão da informação.
216
movimento social. Como símbolos, personificaram uma unidade política entre os
integrantes e as diferentes instâncias organizativas, através de acessórios que inculcaram
imagens representativas do Movimento. O uso de bonés, camisetas, botons e bandeiras,
ao integrarem caminhadas, marchas e eventos coletivos do MST, contribuíram para a
identificação e interação dos integrantes. 331
A confecção desses materiais simbólicos já era uma prática quando
foram realizados os primeiros encontros e congressos do MST. Anteriormente, muitos
agricultores para identificarem-se na luta, contornavam na parte superior de seus
chapéus de palha uma fita verde onde eram fixados pequenos pedaços de panos que
retratavam a cruz e a influência religiosa nos movimentos sociais rurais do início da
década de 1980. Porém, somente com a oficialização da bandeira, em 1987,
intensificou-se a produção em caráter industrial. Através de contratos comerciais com
empresas especializadas ou recebendo de entidades solidárias, os materiais foram
popularizados por um mercado variado de simpatizantes.
As referências sobre identidade sem-terra em materiais impressos
datam do ano de 1989, quando da apresentação do hino do MST na seção Formação do
Jornal Sem Terra. Com o título “Fortalecer nossa identidade”, o texto baseou-se num
Caderno de Estudos, ainda mimeografado, escrito por Cândido Grzybowski. Conhecido
por sua militância, Grzybowski era professor do Instituto de Estudos Avançados em
Educação da Fundação Getúlio Vargas (IESAE/FGV) com doutorado em Sociologia do
Desenvolvimento pela Universidade Sorbonne, na França.
Em um dos seus primeiros trabalhos, 332 o sociólogo entendeu os
movimentos sociais como espaços políticos em que trabalhadores rurais elaboravam
diferentes identidades, ampliando suas projeções políticas através do reconhecimento de
331 HOBSBAWM; RANGER, 1997, p. 12. 332 GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. 3 ed. Petrópolis: Vozes/Fase, 1991.
217
sua existência e cidadania. Grzybowski defendeu junto a lideranças de trabalhadores
rurais que a identidade sem-terra surgiu do processo de articulação de diversas lutas
pela terra ocorridas no centro-sul do Brasil. Desses movimentos regionais de
trabalhadores rurais surgiu a expressão sem-terra, construção imaginária de uma força
social na luta pela reforma agrária.
Em seu texto, parte integrante do Caderno de Estudo citado no
Jornal Sem Terra, o autor definiu que:
“a identidade sem-terra se forma na oposição, isto é, une, torna-se
um nome coletivo dos que sofrem na carne a situação de não ter
terra e, por isso, se opõem aos que controlam, usurpam,
monopolizam este meio de produção fundamental e, com base nele,
subordinam, excluem os trabalhadores”. 333
Sob o ponto de vista de Grzybowski compartilhado por lideranças
sem-terra que integraram a Direção Nacional do MST, o termo identidade era uma
significação que caracterizava a transformação de um enorme e diversificado número de
expropriados trabalhadores rurais em força social organizativa e atuante que se valia do
princípio da conquista da terra.
Interessante notar que a definição de uma identidade, em textos de
escritores e pesquisadores militantes, tinha um sentido dinâmico. Como uma
“construção em movimento”, a identidade sem-terra estava “enraizada na luta”, sendo
a prática política um elemento de invenção das tradições e de transformação de
significados dos sem-terra. 334 Assim, a identidade era entendida como uma construção
333 JORNALSEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 84, p. 16, 1989. 334 WOORTMANN, Ellen F. (Coord.) Significados da terra. Brasília: UnB, 2004.
218
sustentada pelos instrumentos que simbolizavam a unidade da luta. Em consideração à
importância dada aos símbolos do MST, o Setor de Formação considerou que:
“os símbolos são instrumentos privilegiados para executar essa
formação de massas. O símbolo é a representação material da
identidade, da ideologia. Expressam o que somos e o que
queremos. Servem para encorajar o povo na luta, e quando somos
vitoriosos é através deles que expressamos nossa alegria. Também
servem para que outros identifiquem o movimento nos
acontecimentos e lugares onde o movimento se faça presente”. 335
Através dos meios de divulgação do MST foi personificado o “ser
sem-terra”, a visão de passado e a projeção de futuro num conjunto de posições
internas. De acordo com Bronislaw Bazcko, o controle de meios de comunicação tem
como função política inculcar idéias, valores e crenças num universo social, sejam numa
dimensão individual ou coletiva. Por meio dos imaginários sociais, um sujeito coletivo
designa identidade elaborando representação própria, ordenada por elementos que tem
seu lugar, sua identidade e sua razão de ser, que organizam e controlam o termo
coletivo, a produção da memória e as visões de futuro. 336
A produção de representações depende de mecanismos que as
ordenam, as classificam e as fazem ser reconhecidas. 337 Grupos políticos acumulam
experiências que redimensionam suas ações e idealizam o futuro, constituindo uma
“identidade de projeto”, definida por Manuell Castells quando,
“atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural
ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir
335 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 84, p. 16, 1989. 336 BACZKO, 1994, p. 121. 337 BOURDIEU, 2000, p. 140.
219
sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação
de toda estrutura social”. 338
Própria de grupos sociais que se opunham às estruturas econômicas
e culturais, a “identidade de resistência” possibilitou novas perspectivas de luta na
dinâmica da organização do MST. As mudanças de concepções diante do
desenvolvimento político dos movimentos sociais constituíram a “identidade de
projeto” dos sem-terra. 339
Ambos os tipos integraram a identidade sem-terra difundida na
transição da década de 1980 para 1990, muito bem evidenciada no campo da educação
do Movimento. Para estruturarem o Setor de Educação, os sem-terra defenderam a
importância da educação enquanto identidade e fortalecimento da luta. Das ocupações
de terras no final da década de 1970, a posição política de que a luta pela terra reduzia-
se à “conquista de um pedaço de chão” foi questionada, 340 incluindo-se na pauta de
reivindicações a cidadania do trabalhador rural através do direito à educação e à escola.
A formação do Setor de Educação foi o resultado de um trabalho
de professores e pais nos acampamentos e assentamentos que passaram a assumir a
questão educacional das crianças e dos jovens como prioridade do MST. Com a criação
do setor ficou explícita a necessidade de titulação dos professores e a complexidade de
inserção dos sem-terra num projeto pedagógico que fosse diferente dos métodos
tradicionais da educação.
A resistência de muitos sem-terra à escola tradicional, entendida
como aquela baseada em conteúdos totalmente desvinculados da realidade dos
acampados e assentados, era uma reação ao método, não significando a desvalorização
338 CASTELLS, 2002, p. 24. 339 Ibid, p. 24. 340 CARTILHA DER/FUNDEP. Três Passos: MST, p. 3, 1990.
220
da educação. A busca por uma escola diferente integrava uma “identidade de
resistência” aos modelos institucionais de educação e uma “identidade de projeto” para
ampliar a luta do MST.
3.2.1. A educação “Fazendo História”
As delimitações dos setores de Comunicação, Formação e
Educação do MST, apesar de inseridas no processo organizativo em suas múltiplas
relações, possuem peculiaridades caracterizadas por diversos atores sociais em suas
legitimações.
Dos três, o Setor de Comunicação pode ser definido como um
espaço construído por entidades de apoio, de um sentido externo de solidariedade aos
sem-terra para a elaboração dos meios de comunicação que representavam a Direção
Nacional. Fruto da demanda interna e voltado para o assessoramento de quadros do
Movimento, o Setor de Formação foi o resultado de uma intensificação de agentes de
apoio e lideranças sem-terra que viram na política de capacitação um importante
instrumento de manutenção e consolidação do MST. 341
Com a conquista de escolas para vários assentamentos em meio às
contradições da oficialização de instituições formais em ambientes de suposta
ilegalidade e de conflito social – como era o caso de acampamentos –, iniciou-se a
reivindicação por professores com formação especial para educar crianças sem-terra.
Uma educação diferente, baseada nas propostas dos pais de que a
escola deveria servir para o avanço da luta, não podendo haver separação entre o que
341 Originado da mobilização para manter as crianças nas escolas e lutar contra o analfabetismo, sejam em acampamentos ou assentamentos, o Setor de Educação pode ser entendido como uma estrutura produzida além dos interesses de conquista da terra. Preocupados com a educação dos seus filhos, os sem-terra do Rio Grande do Sul, produziram uma luta política e pedagógica pelo direcionamento do processo educativo. Cf. CALDART, 1997, p. 63.
221
acontecia nos assentamentos com o que deveria ser ensinado nas salas de aula, exigiu
“uma nova formação para um professor novo”. 342 Com a criação do Setor de
Educação, a necessidade de titulação dos professores aprofundou a discussão sobre a
formação política, envolvendo os educadores num projeto ambicioso. A recorrência à
instituições que ofereciam curso de magistério esbarrava em problemas como a difícil
locomoção, as condições financeiras dos sem-terra e as metodologias tradicionais que
não correspondiam à proposta pedagógica do Setor de Educação.
Numa atitude inovadora, em busca de um curso de formação de
professores comprometidos com a discussão das experiências populares realizadas no
Rio Grande do Sul, o Setor de Educação integrou o projeto de uma instituição que se
formava no município de Três Passos (RS). A Fundação de Desenvolvimento, Educação
e Pesquisa (FUNDEP) foi instituída em 1989, mediante a articulação de movimentos
sociais da região Celeiro com setores da Igreja Católica e grupos de educadores
dispostos a empreender uma prática pedagógica progressista, defendendo uma educação
vinculada às necessidades e demandas de uma população regional organizada.
A FUNDEP, entidade educacional sem fins lucrativos e a serviço
dos movimentos populares, proporcionou um ambiente de reflexão sobre a educação
rural. Para lideranças sem-terra, os cursos de magistério de professores de escolas de
assentamentos deveriam ser diferenciados para consolidar a organização do MST
através da construção e fortalecimento de uma identidade sem-terra. À necessidade de
habilitar os professores do MST juntou-se o interesse da Congregação Mantenedora da
FUNDEP de ampliar o papel social da entidade. Aproveitando um seminário católico na
zona rural de Braga (RS), cujas instalações e os 100 hectares de terra eram pouco
utilizados, foi instalado o Departamento de Educação Rural (DER) da FUNDEP.
342 CARTILHA DER/FUNDEP. Três Passos: MST, p. 17, 1990.
222
Como projeto pedagógico do curso de magistério, o DER defendia
a integração entre teoria e prática. Sua proposta aproximou-se de interesses do MST, da
Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB), dos movimentos sociais de
mulheres rurais e do CIMI que, juntamente com pastorais populares da Igreja Católica e
prefeituras da região, passaram a definir os cursos prioritários e a seleção dos
estudantes. 343 Os recursos para manutenção do DER/FUNDEP, além de provir de
bolsas de estudo das prefeituras da região, tinham o amparo da Igreja Católica através
da CPT e de arrecadações das produções agrícolas de cooperados do Movimento.
Através do DER/FUNDEP foi elaborado e publicado um dos
primeiros documentos sobre a educação nos acampamentos e assentamentos do MST.
Em 1990, a cartilha “Nossa luta é nossa escola”, escrita pela pedagoga Roseli Salete
Caldart e a integrante do MST/RS Bernadete Schwaab, enfocou a história de formação
do Setor de Educação no Rio Grande do Sul. 344
Bernadete, professora dos acampados da Fazenda Annoni na
década de 1980, constituiu família e conquistou um pedaço de terra, contribuindo na
organização da escola do assentamento. Paralelamente à experiência de docente dos
filhos dos assentados, participou da formação do Setor de Educação gaúcho, tendo
contato com pedagogos e religiosos militantes.
Caldart, uma das referências no estudo da pedagogia sem-terra,
exerceu atividades como educadora de professores de acampamentos e assentamentos
do MST no DER/FUNDEP e, após 1995, no Instituto Técnico de Capacitação e
Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA), experiência que contribuiu na defesa da sua
343 Em 1990, o DER iniciou um curso supletivo de habilitação de professores da zona rural organizado em quatro etapas intensivas. Realizado nas férias escolares ao longo de dois anos e complementados por estudos à distância em escolas de acampamentos e assentamentos, seu direcionamento baseou-se num modelo de co-gestão entre alunos, professores, DER, Setor de Educação do MST e representantes de secretarias municipais de educação da região. 344 CARTILHA DER/FUNDEP. Três Passos: MST, p. 17, 1990.
223
Tese de Doutorado em Educação pela UFRGS. Na cartilha, tendo como base
depoimentos de professoras do recém-criado Setor de Educação, Caldart procurou
demonstrar o desejo de construção de uma pedagogia “diferente” , alteridade que definia
a identidade sem-terra no início da década de 1990.
Com recursos da FUNDEP e dos setores de Educação e Formação,
“Nossa luta é nossa escola” tornou-se referência para a inserção da temática no
“Documento básico do MST”. Elaborado no “VI Encontro Nacional” realizado na
cidade de Piracicaba (SP), em fevereiro de 1991, o documento descreveu a importância
de:
“estabelecer relações com entidades e instituições educacionais
próximas ao projeto político e pedagógico do MST, no sentido de
viabilizar programas de capacitação dos professores e também,
realizar intercâmbio para melhoramento crítico da proposta”. 345
A conquista de espaço do Setor de Educação na organicidade do
MST agregou educadores de acampamentos e assentamentos, lideranças sem-terra e
professores universitários, com o objetivo de discutir, planejar e publicar materiais para
a capacitação. Os encontros do Coletivo Nacional de Educação eram realizados na
ANCA, cujo trabalho de assessoramento oferecia espaço para reuniões e recursos para a
publicação dos materiais de educação.
Variadas organizações religiosas da Europa e América do Norte,
vinculadas às Igrejas Luterana e Católica, davam apoio financeiro à ANCA para
projetos de comunicação e educação popular. Outras entidades de cooperação, como a
345 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 13, p. 30, 2005.
224
Fundação Ford dos Estados Unidos e o Instituto Rosa Luxemburg Stiftung (IRLS) da
Alemanha, davam os primeiros passos para firmarem parcerias com a ANCA.
Desde 1936, privada e sem fins lucrativos, a entidade norte-
americana tinha longa história no apoio às instituições consideradas inovadoras e
comprometidas com a consolidação da democracia, redução da pobreza e da injustiça
social. Em condição diferente, novo e sem tradição, o IRLS foi fundado em 1990 para
promover educação política, atividades culturais e análises sociais, tendo como
princípios o socialismo democrático, o internacionalismo, o anti-fascismo e o anti-
racismo. 346
A aproximação entre o Instituto Rosa Luxemburg e a ANCA deu-
se através de projetos educacionais das duas entidades. Ambas, tendo por objetivo
fomentar uma releitura da formação histórica e social dos países latino-americanos,
passaram a incentivar atividades de intercâmbio cultural e político entre países
geograficamente próximos e com manifestações sociais e culturais muito distintas.
Foi na ANCA que os setores de Educação e Formação
aproximaram-se, pois a proposta de capacitação de educadores compreendia a tarefa
formativa, função exercida pelos produtores dos Cadernos de Formação desde 1984.
Retratando estes vínculos, em 1991, uma equipe de integrantes dos dois setores do
MST, identificada coletivamente, lançou o Caderno de Formação nº. 18, intitulado “O
que queremos com as escolas dos assentamentos”.
Nesta cartilha, os objetivos para a educação foram pontuados
priorizando a preparação de lideranças sem-terra e o futuro da militância. Sindicatos,
cooperativas de produção de bens e serviços, associações de bairros rurais e outros
346 Aproximando-se do Partido do Socialismo Democrático Alemão (PDS), a entidade recebeu subsídios do Governo Federal e compôs um grupo de seis fundações que integravam o sistema político educacional da República Federativa da Alemanha. Cf. INSTITUTO ROSA LUXEMBURG STIFTUNG: Instituto, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.rls.org.br>. Acesso 12 dez. 2005.
225
movimentos populares, foram apresentados como elementos que agregariam valores
para a formação da identidade sem-terra. 347
A escola deveria ser o “lugar da vivência e desenvolvimento de
novos valores” para alcançar uma “consciência organizativa”. O espaço de
aprendizagem dos sem-terra deveria “preparar igualmente para o trabalho manual e
intelectual”, ensinando a “realidade local e geral” e criando “sujeitos da história”.
Para a equipe dos setores de Educação e Formação, a “consciência organizativa”
estava relacionada à construção de “sujeitos históricos” por meio de comemorações de
datas importantes da classe trabalhadora e do cultivo de valores como “o cuidado com a
saúde, a livre expressão de idéias e sentimentos”. 348
O ensino de história nos acampamentos e assentamentos ganhou
relevância entre educadores do Setor de Educação do MST e do DER/FUNDEP quando
escreveram uma proposta pedagógica para os sem-terra, transformada em 1992 no
Caderno de Educação nº. 1, intitulado “Como fazer a escola que queremos”.
Diferentemente dos materiais de divulgação dos setores de Comunicação e Formação
que antecederam e sustentaram a consolidação dessas instâncias no Movimento, os
Cadernos de Educação originaram-se numa condição inversa na organização. Suas
bases foram estabelecidas para retratar os resultados de um setor configurado sem
publicações.
Na elaboração de uma proposta diferente de escola, como um
espaço que deveria ajudar os estudantes a “conhecer a realidade”, fundamentou-se um
“currículo centrado na prática” que, assim como a história do Setor de Educação,
deveria partir de experiências concretas para a busca de um conhecimento mais abstrato.
Nas bases do projeto pedagógico, o ensino de história estava relacionado com a
347 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 18, p. 3, 1991. 348 Ibid., p. 4.
226
compreensão do assentamento, através dos temas “Nossa luta pela terra” e “Nossa
cultura e nossa história de luta”. 349
Estes temas eram considerados elementares para um conhecimento
crítico da realidade dos sem-terra. A “memória da luta” significava uma ferramenta na
constituição de “sujeitos da história”.
“Um povo que não tem memória não é capaz de fazer a sua
história. Queremos que a escola crie oportunidades para as
crianças irem conhecendo, reconhecendo e registrando a sua
história, a história da luta de seus pais, a história de luta de outros
trabalhadores. As crianças participam da luta pela terra. É preciso
que elas entendam o porquê desta luta. Que carecem a conhecer
desde pequenas o MST como um todo e os principais fatos e dados
que rodeiam sua realidade específica”. 350
Para integrantes do Setor de Educação, “fazer a história”
significava construir uma “consciência organizativa”. Tomemos Edward P. Thompson
para entender que as experiências comuns entre os homens dão sentido e articulam a
identidade e a “consciência de classe”, formas como essas experiências são tratadas em
termos culturais, através de tradições, sistemas de valores e idéias. 351 Assim, conhecer,
reconhecer e registrar a história, além de prática social que constituía a memória
coletiva, era o “fazer” enquanto habilidade para articular e produzir a “consciência
organizativa”.
A “memória” definia-se por testemunhos do presente de
trabalhadores rurais sem-terra e pela apropriação, por parte de professores e de alunos,
de experiências que eram transferidas para o universo escrito. Sua legitimação dava-se
349 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, p. 39-42, 1992. 350 Ibid., passim. 351 THOMPSON, 1987, p. 10.
227
por depoimentos e práticas sociais que rememoravam eventos passados e traçavam
relações com o cotidiano e o futuro das ações políticas. 352 A construção da memória
coletiva do MST estava relacionada com o “fazer história” dos sem-terra, aprendizado
que aproximava prática e teoria. Esta inter-relação de dimensões concretas e abstratas
era considerada fundamental para a formação dos “sujeitos da história”, entendidos
como aqueles que, ao usarem o poder político da memória, eram capazes de “fazer suas
histórias” através do reconhecimento no grupo e da alteridade em relação a outros.
A “memória cultural da luta pela terra”, entendida como parte da
memória coletiva que fortalecia a identidade sem-terra, foi apresentada no Caderno de
Educação nº. 1:
“Que as crianças tenham a oportunidade de conhecer e refletir
sobre os símbolos, as canções, as histórias do MST. Que possam
sentir e pensar também sobre o lado poético e belo da luta de que
participam; que alimentem seu potencial criador; que aprendam a
se expressar cada vez melhor e que valorizem sua própria cultura:
que se preocupem em entender o jeito de viver e de pensar de seus
pais e que seus companheiros sejam estimulados a inventar novos
jeitos”. 353
A escola, enquanto espaço de produção de linguagens para
fortalecer a dinâmica organizativa, deveria estimular a vivência da fé e discutir a
dimensão da religião na vida e na luta dos sem terra. Nesse contexto, os papéis
exercidos pelos meios de comunicação como instrumentos de construção e divulgação
do MST, foram agregados às escolas.
352 LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3 ed. Campinas: Unicamp, 1994. 353 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, p. 39-42, 1992.
228
Apesar de o Caderno de Formação nº. 18 e o Caderno de
Educação nº. 1 tornarem-se referências para o desenvolvimento de uma “Escola
Diferente”, problemas metodológicos relacionados à prática como fundamento do
aprendizado das crianças sem-terra foram sentidos pelo Setor de Educação e o
DER/FUNDEP. Muitos professores que eram capacitados no curso de magistério de
Braga (RS), quando retornavam para os estudos em períodos de férias descreviam a
aplicação do método de ensino. Além das inúmeras dificuldades enfrentadas nos
ambientes escolares, pesava o arraigamento de práticas pedagógicas tradicionais entre
os professores.
A difícil realidade das escolas era percebida, pela Direção
Nacional, como um problema relacionado à organização dos assentamentos do MST.
Assim, educação e cooperação deveriam ser tratadas de maneira interligada, através da
publicação de materiais que abordassem a cooperação agrícola em suas múltiplas
relações com a educação dos sem-terra.
O cooperativismo tornou-se representado no MST em 1992, com a
formação da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda.
(CONCRAB) que, ao subordinar as cooperativas do MST, deu aparato legal e deliberou
o Setor de Cooperativas como contribuinte financeiro de todos os setores do
Movimento. 354 Os recursos da CONCRAB, advindos das cooperativas agrícolas do
MST, somados aos recebidos pela ANCA de programas públicos de créditos, 355 de
entidades solidárias e de institutos de cooperação, ampliou a dimensão política e os
mecanismos de divulgação da luta.
Em consonância com as mudanças, integrantes do Sistema
Cooperativista dos Assentados (SAC) elaboraram, com o apoio da Direção Nacional, o
354 MENEZES NETO, Antonio Júlio de. Além da terra: cooperativismo e trabalho na educação do MST. Rio de Janeiro: Quartet, 2003. 355 MEDEIROS, 1999, p. 53.
229
Caderno de Formação nº. 20. Publicado em 1993 com o título “A cooperação agrícola
nos assentamentos”, o impresso traçou um quadro de desenvolvimento da política de
cooperação no MST, apontando perspectivas com relação ao setor. Inseridos num
processo organizativo, trabalhadores rurais cooperados, técnicos agrícolas e agrônomos
contribuíram na elaboração de textos e na publicação dos Cadernos de Cooperação
Agrícola, de responsabilidade coletiva da Confederação.
Através do Caderno de Cooperação Agrícola nº. 1, “Uma
concepção de desenvolvimento rural”, amparado no Caderno de Formação nº. 20, a
CONCRAB demonstrou que o desenvolvimento do espaço agrícola dependia da união
de forças entre os produtores, incentivando a organização de sistemas cooperativistas. A
concepção de cooperativas da CONCRAB partia do princípio de que não existia um
único método de associação entre os assentados, mas sim, variadas formas que
surgiriam de acordo às realidades específicas mediante a aprendizagem teórica e das
experiências práticas. 356
Procurando relacionar as mudanças organizativas da produção dos
assentamentos vinculados ao MST com uma prática pedagógica adequada e inovadora,
o Setor de Educação e o DER/FUNDEP, através de Roseli Salete Caldart, lançaram
textos avulsos ou na condição de cadernos e boletins de educação. Em 1993, Caldart
escreveu “A importância da prática na aprendizagem das crianças”, com o objetivo de
desenvolver uma estratégia pedagógica baseada nas experiências construídas nas
escolas dos assentamentos. 357 Apesar de não ser publicado nas coleções do MST, o
texto de Caldart representou um momento importante da pedagogia sem-terra. Os
cursos técnico-profissional de ensino médio, iniciados pelo DER/FUNDEP,
356 STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 104. 357 DER/FUNDEP. Três Passos: MST, p. 2-3, 1993.
230
apresentavam resultados e sugeriam reflexões sobre a necessidade de metodologias de
ensino que dessem ênfase à capacitação e ao trabalho coletivo.
Recolocada na luta através dos históricos problemas enfrentados
por produtores do Jornal Sem Terra e dos Cadernos de Formação, a questão da
recepção de idéias era mais bem assimilada pelo Setor de Educação. A apresentação,
nos cursos de magistérios nas férias, do trabalho de professores e dos resultados de
aprendizagem nas escolas, permitia um retorno sobre o uso dos Cadernos de Educação.
Percebendo que as metodologias de ensino que partiam da prática
poderiam ser construídas com a compreensão e valorização do trabalho e da
cooperação, Caldart escreveu “Escola, Trabalho e Cooperação”, publicado em 1994 na
condição de Boletim da Educação nº. 4. Para a pedagoga, resultados de uma educação a
partir da prática seriam sentidos quando as escolas desempenhassem uma função
educacional dimensionada pelo trabalho e pela cooperação. Crianças, jovens e adultos
deveriam ser educados como trabalhadores para transformar a sociedade. Conhecendo a
“caneta e a enxada”, os estudantes teriam mais facilidade para afinarem “estudo e
trabalho”, “teoria e prática”. 358
Impressos desde 1992, os Boletins da Educação foram criados com
o objetivo de apoiar o trabalho nas escolas. Sua distribuição era feita diretamente aos
educadores de acampamentos e assentamentos, como forma de orientar ações
pedagógicas das equipes de educação das bases, enquanto os Cadernos de Educação
serviam ao conjunto da militância, como estudantes, pedagogos, professores
universitários, integrantes do DER/FUNDEP, representantes de entidades solidárias,
institutos de cooperação e ONGs.
358BOLETIM DA EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 4, p. 2, 1994.
231
No texto “O MST e a Escola do Trabalho”, que compõe o Boletim
da Educação nº. 4, Caldart propôs uma educação para a cooperação agrícola que
avançasse na viabilização da produção e do trabalho coletivo nos assentamentos,
preparando “as pessoas para a cultura, ou para o jeito de viver socialista”. 359
Tomando a cultura política no sentido em que Serge Berstein define, como uma leitura
do passado e uma projeção no futuro difundida por representações que desenvolvem
uma “noção de conjunto e diversidade”, 360 as diretrizes de uma “Escola Diferente”
transformada numa “Escola do Trabalho”, divulgaram através da prática pedagógica e
dos materiais impressos o socialismo defendido pelo MST. A ênfase para o sentido
social da escola, a educação para a cooperação agrícola, a capacitação para o trabalho, o
“desenvolvimento do amor pelo trabalho no mundo rural” 361 e a preparação das novas
gerações para as mudanças sociais, inseriam o projeto de educação do MST no ideário
de construção de uma sociedade socialista.
Nesse contexto, em 1995, a escola de Braga (RS) foi transferida
para o município de Veranópolis (RS), com a criação do Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA). Instalado nas dependências
cedidas pela Congregação dos Capuchinhos, o ITERRA consolidou-se como entidade
jurídica que representava a Escola Josué de Castro. Integrando as propostas políticas de
cooperativismo com a pedagogia do MST desenvolvida através do DER/FUNDEP, o
ITERRA abriu o curso Técnico em Administração Cooperativista (TAC). 362 (ver figura
29).
359 BOLETIM DA EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 4, p. 14, 1994. 360 RIOUX; SIRINELLI, 1998, p. 350. 361 BOLETIM DA EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 4, p. 15, 1994. 362 MENEZES NETO, 2003, p. 84.
232
Através deste curso, o instituto tornou-se referência no projeto de
educação do MST. Com recursos da CONCRAB, ANCA, 363 doações e parcerias de
uma variedade de entidades, o ITERRA foi organizado na forma de cooperativa,
contando com o trabalho de seus alunos na manutenção da escola e na administração de
todas as atividades.
Das práticas pedagógicas do ITERRA, Paulo Ricardo Cerioli
sistematizou experiências que fundamentaram novos textos. Educador popular,
sacerdote da Congregação Servos de Maria e envolvido com as causas dos sem-terra e
pequenos agricultores da região do Alto Uruguai do Rio Grande do Sul, Cerioli
aproximou-se do MST quando era padre em Novo Barreiro (RS) e teve contato com o
Primeiro Laboratório Nacional Experimental, realizado no município de Palmeira das
Missões (RS) em 1988. 364 Diante da organização do DER/FUNDEP nas instalações do
seminário de Braga (RS), o religioso envolveu-se com as propostas pedagógicas do
Setor de Educação. Ao participar do ITERRA, elaborou textos com as integrantes do
setor, Roseli Salete Caldart e Isabela Camini, e os religiosos da Congregação dos
Oblatos de São Francisco de Sales (OSFS), que integraram outros Cadernos de
Educação.
A participação de Camini no Setor de Educação deu-se pela
formação em pedagogia e pela dedicação à pesquisa. Depois de sua especialização em
Sociologia da Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC),
Isabela lecionou no ITERRA e ingressou no Programa de Mestrado em Educação da
UFRGS, escrevendo textos que integraram materiais de formação de professores e
militantes do MST.
363 CALDART, 1997, p. 19. 364 STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 99.
233
As recriações da pedagogia do MST retrataram o quanto o Setor de
Educação estava relacionado com as mudanças organizativas de acampamentos e
assentamentos. Uma dinâmica marcada pelo “fazer a história” na elaboração de uma
“consciência organizativa”, era sentida por aqueles que atuavam nas salas de aulas e
por aqueles que, através de textos, teciam representações.
Integrando um contexto em que as relações entre o trabalho, a
escola e o “fazer a história” constituíam uma engrenagem de organização, em 1995, foi
lançada a Coleção Fazendo História. O Setor de Educação tinha como proposta
difundir este material didático nas salas de aula das escolas de acampamentos e
assentamentos, como recurso pedagógico para o estudo da trajetória da luta pela terra no
Brasil. Entre 1995 e 2001, foram publicadas sete cartilhas que abordaram as origens do
latifúndio no Brasil, a história de Zumbi dos Palmares, movimentos sociais rurais, as
Ligas Camponesas, a organização das crianças sem-terra, a importância de cultivar
idéias e sonhos por meio da leitura. 365
No mesmo ano de publicação do volume 1 da Coleção Fazendo
História, a Equipe do Setor de Educação escreveu “Ensino de 5ª a 8ª séries em áreas de
assentamentos: ensaiando uma proposta”, defendendo a prática de leitura pelos
professores e alunos dos materiais produzidos pelo MST. Como parte das atividades de
leitura e reflexão, a equipe sugeriu o Caderno de Formação nº. 20 “A cooperação
agrícola nos assentamentos”, o Caderno de Formação nº. 21 “Questões práticas sobre
Cooperativas de Produção” e o Caderno de Cooperação Agrícola nº. 1 “Uma
concepção de desenvolvimento rural”. 366
365 No período delimitado, a Coleção Fazendo História foi composta pelas seguintes publicações: “A comunidade dos gatos e o dono da bola” (1995), “Zumbi: comandante guerreiro” (1995), “A história de uma luta de todos” (1996), “Ligas Camponesas” (1997), “Nossa turma na luta pela terra” (1998), “Semente” (2000), “História do menino que lia o mundo” (2001). 366 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 13, p. 137-145, 2005.
234
A leitura destes materiais foi apontada como um dos elementos
para alcançar uma sociedade democrática e socialista. Considerava-se que através dos
estudos, posições e argumentos, seriam produzidos efeitos de um convívio, base de um
mundo socialista. Os assentamentos deveriam ser valorizados como espaços de
elaboração desta cultura política, onde a identidade sem-terra seria manifestada nas
relações sociais, mediante os choques de diversas manifestações culturais, hábitos
alimentares, festas e costumes trazidos por assentados de diferentes lugares. Ao
sentirem esta diversidade, os sem-terra construiriam uma identidade a partir dos pontos
comuns que os agregavam, como a conquista da terra e a produção agrícola em
assentamentos, ocupando os materiais impressos uma condição estratégica na busca
desta similaridade. 367
Demonstrando ciência sobre a distribuição de materiais impressos
do Movimento, no Caderno de Educação nº. 9, publicado em 1996 com o título
“Princípios da Educação no MST”, Caldart comentou sobre a recepção das publicações
nas bases:
“Num levantamento que fizemos junto ao Coletivo Nacional do
Setor de Educação, no final de 1995, este boletim foi citado como
um dos materiais mais usados para o estudo e divulgação, interna
e externa, da proposta de Educação do MST nos Estados, e que por
isso deveria ser reeditado”. 368
Referindo-se ao Boletim da Educação nº. 1 – “Como deve ser a
escola de assentamento” – e de sua reedição, Caldart evidenciou a revisão e atualização
do texto original transformado no Caderno de Educação nº. 8. Em seu posicionamento
367 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 13, p. 137-145, 2005. 368 Id., nº. 8, p. 2, 1996.
235
inicial, esclareceu que o texto era uma análise sobre práticas pedagógicas desenvolvidas
durante quatro anos. Justificando o “fazer a história”, em que o passado não podia ser
desmerecido e o novo seria valorizado vinculando-se às experiências de luta, a
pedagoga militante manifestou-se quanto às mudanças do boletim:
“Não quer dizer que aquilo que está escrito lá, não vale mais. Vale
e muito! É marco histórico da nossa elaboração teórica sobre
educação. Só que hoje já temos um pouco mais de estrada, de
experiências, enquanto MST como um todo, e enquanto Setor de
Educação especificamente”. 369
Nas ações do Setor de Educação eram depositadas esperanças para
amenizar os problemas de recepção de leitura dos materiais impressos nas bases. As
propostas de mudanças de textos já publicados refletiam, aos responsáveis pela
elaboração de propostas pedagógicas do MST, os resultados do uso de materiais nas
escolas.
3.2.2. Rede Internacional de Solidariedade
Como vimos anteriormente, a ampliação dos meios de
comunicação do MST correlacionou-se com o aumento da rede de sociabilidade entre
entidades solidárias, de cooperação e movimentos sociais de outros países. Sem perder a
condição de porta-voz da Direção Nacional, o Jornal Sem Terra passou por mudanças
internas em meio ao crescimento do Movimento e a publicação de vários materiais
impressos.
369 CADERNO DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 8, p. 2, 1996.
236
Com a saída de João Caetano do Nascimento no final de 1988, o
tablóide viveu um período de instabilidade na editoração. Criou-se o Conselho Editorial
e de Redação composto por lideranças sem-terra e militantes. Ao nomearem como
editor o uruguaio Juan Pezzutto, a Direção Nacional fez o convite a Sérgio Carlos
Canova para exercer a função de jornalista-responsável.
Pezzutto, militante socialista formado em psicologia, apesar de
exercer a atividade como editor do Sem Terra, estava sujeito à Executiva Nacional que
nomeava os integrantes do Conselho Editorial e de Redação para discutirem a pauta.
Ademar Bogo, Egídio Brunetto e Uelton Fernandes, juntamente com o militante
uruguaio, compunham um conselho que controlava a produção e composição do
tablóide, dando à Canova apenas a condição simbólica de jornalista-responsável. 370
Os três integrantes do conselho representavam situações diferentes
da luta. Bogo era conhecido pela autoria da letra do hino do MST, de poemas e textos
de formação que tratavam da história e da mística do Movimento. Brunetto era uma
liderança que conquistou espaço na Coordenação Nacional, destacando-se na
organização dos sem-terra no Estado do Mato Grosso do Sul. Uelton Fernandes, o
mineiro, era o retrato da influência de forças partidárias na elaboração do jornal,
atuando como advogado, Assessor Parlamentar do PT na Câmara dos Deputados na área
de agricultura e prestando serviços no campo jurídico da CONCRAB.
A partir de 1990, a ANCA, antes entidade encarregada do setor
financeiro das publicações do MST, assumiu o Sem Terra, cuja periodicidade tornou-se
mensal. Promovendo a campanha “Assine o Sem Terra”, a ANCA manteve a tiragem
do jornal em 30.000 exemplares.
370 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 95, p. 2, 1990.
237
A seção Cartas ainda era o espaço para apresentação de trechos de
correspondências selecionados e que incentivavam a leitura e a organização dos sem-
terra. Diante do aumento das cartas de sindicalistas, simpatizantes, líderes de
comunidades de pescadores, trabalhadores rurais, intelectuais, religiosos e políticos, o
tablóide abrigou um maior número de opiniões de leitores. Em meio à diversidade de
recados, pontos em comum simbolizavam um conjunto de idéias que integravam uma
cultura política socialista. 371
A defesa do socialismo, após a queda do muro de Berlim em 1989,
foi publicada pelo jornal em reportagens, artigos de opinião, versos e ilustrações. Este
ideário característico dos que dirigiam o tablóide e o MST, apesar de encontrar
receptividade dos leitores, implicava muitas dúvidas junto aos trabalhadores rurais sem-
terra. Através da seção Cartas, o mundo socialista foi representado pelos leitores como
uma alternativa à expropriação capitalista da terra, porém, pairavam curiosidades e
interrogações.
Na carta do leitor João Laranjeira, de Altônia (PR), evidente era o
sentimento de conhecer melhor o socialismo:
“... no jornal, gosto muito das vitórias dos trabalhadores rurais, da
defesa do socialismo. Queria saber mais sobre Cuba, comparar a
vida dos trabalhadores lá com a nossa, sem casa, sem saúde, sem
transportes. Através da interpretação evangélica o socialismo está
vivo. Há que analisar a história, para não sair correndo e se atolar
no brejo”. 372
Em geral, as posições de leitores sobre o socialismo misturavam-se
com o “sonho de uma sociedade solidária”, frequentemente citada por representantes 371 HOUTZAGER, 2004, p. 101. 372 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 111, p. 2, 1992.
238
de entidades de apoio ao MST, dando forma a uma proposta socialista primária. A
expressão “solidariedade”, herdada do processo de arregimentação do MST, ainda
retratava a força do ideário cristão nas bases da organização dos sem-terra. Para o frei
Nelson Camello, de Curitiba (PR):
“Acredito na mudança da sociedade a partir dos pobres através de
sua luta e organização. Acredito no MST. O sonho de uma
sociedade solidária não acabou e será realidade na medida em que
a classe trabalhadora continue a luta”. 373
A continuidade da luta dos sem-terra dependia da organização, seja
em sua dinâmica interna, seja nas associações políticas internacionais. As sugestões do
leitor referentes ao socialismo fizeram parte de um contexto em que o Jornal Sem Terra
posicionou-se em defesa do regime político cubano, cuja situação era deteriorada diante
dos embargos econômicos de países capitalistas. Esclarecimentos sobre a viabilidade do
socialismo compuseram seções extensas dedicadas à da América Latina, marcando uma
fase de valorização de terrenos ideológicos com forte aspiração de transformação social
concebida por uma cultura política socialista. 374
A intensificação dos contatos entre lideranças sem-terra e de outros
movimentos sociais rurais da América Latina integrou um contexto político de
mobilização em torno de temáticas globais. Em 1992, com a Conferência ECO-92,
realizada na cidade do Rio de Janeiro (RJ), questões ambientais foram colocadas em
debate dimensionando o papel de ONGs em movimentos sociais e favorecendo a
arregimentação destas organizações num cenário internacional. Os encontros e
discussões promovidos no evento permitiram à ONGs ocuparem espaços na mídia,
373 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 112, p. 16, 1992. 374 HOUTZAGER, 2004, p. 203.
239
gerando oportunidades de atuação e demonstrando a complexidade dessas organizações
no mundo globalizado. 375
No mesmo ano, tendo na luta pelo socialismo um ponto comum,
movimentos sociais rurais da América Central e do Norte reuniram-se em Manágua,
capital da Nicarágua, no Congresso da Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos
(UNAG), criando a Via Campesina, movimento internacional de coordenação de
organizações campesinas.
O Congresso da UNAG possibilitou o intercâmbio entre lideranças
sem-terra e movimentos camponeses latino-americanos, direcionando uma nova etapa
de mobilização de trabalhadores rurais, de um sentido nacional para práticas políticas
com significação mundial. Na primeira metade da década de 1990, os recursos para
estas viagens de lideranças e militantes advinha de ONGs e entidades de cooperação
internacional interessadas na viabilização de encontros que pudessem promover a
identificação de princípios e a troca de experiências.
A Via Campesina ampliou laços políticos através da articulação
entre organizações camponesas da Ásia, Europa, América e África, com o objetivo de
responder a globalização da agricultura. Entendendo o neoliberalismo como um sistema
econômico que empobrecia a população do campo, lideranças da Via Campesina
defendiam a “soberania alimentar” através do direito da produção de alimentos
básicos, em conflito com grandes empresas do agronegócio.
Para Paul Nicholson, dirigente camponês basco da Espanha, a Via
Campesina propunha a criação de uma “rede de solidariedade camponesa” com dois
propósitos. O primeiro era o apoio aos movimentos sociais que estavam organizados
375 WENDHAUSEN, 2003, p. 19.
240
regional e nacionalmente. O segundo era a ampliação da mobilização e dos conflitos,
criando mecanismos globalizados de resistência camponesa. 376
Representando o MST em outros eventos, lideranças sem-terra
expuseram a história e perspectivas de luta do Movimento. As transformações
econômicas e culturais da globalização exigiam novas estratégias de comunicação para
a manutenção de projetos políticos de movimentos sociais. Para alcançar tais objetivos,
as estratégias de comunicação da Via Campesina deveriam fortalecer os vínculos entre
organizações camponesas de diversos países, divulgar metas do movimento
internacional, conquistar apoio e formar parcerias com ONGs.
Como referências, o Jornal Sem Terra e os Cadernos de Formação
e de Educação do MST serviram para representantes da Via Campesina discutir o papel
da comunicação na construção de uma rede internacional de solidariedade aos
trabalhadores rurais. A princípio, defendeu-se a divulgação da organização pelos meios
de comunicação dos movimentos sociais que a compunha, pois a própria estrutura da
campesina tinha um caráter descentralizado com a criação das “secretarias operativas”,
definidas como instâncias nacionais representadas por movimentos sociais rurais
integrados à rede. Aproveitando meios de divulgação já adotados por organizações
camponesas em seus países, foi estruturada uma rede de comunicação campesina em
defesa do socialismo e para combater a veiculação de informações favoráveis à
globalização econômica. 377
A alternativa de formação de um espaço de produção da notícia e
de materiais impressos da Via Campesina, diante da abrangência da organização,
tornaria a distribuição dispendiosa. Assim, optou-se pela colaboração descentralizada
dos meios de comunicação dos diversos movimentos sociais rurais envolvidos,
376 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 158, p. 11, 1996. 377 CASTELLS, 2002, p. 104.
241
respeitando a diversidade de métodos e de usos em condições específicas de
mobilização. 378
Na arregimentação de dezenas de organizações camponesas,
poucas apresentavam estruturas de comunicação equiparadas à do MST. Aquelas que
estavam mais consolidadas em seus países, como a National Family Farm Coalition
(NFFC) dos Estados Unidos, a canadense Union Paysanne, a Union Nacional de
Organizaciones Regionales Campesinas Autônomas (UNORCA) do México, a
Asociación Nacional de Mujeres Rurales e Indígenas (ANAMURI) do Chile e a
Federation of Indonésia Peasant Union (FSPI), produziam diversos materiais de
divulgação. 379
Os movimentos europeus, organizados em torno da demanda de
novas políticas agrícolas em favor dos pequenos e médios agricultores, em decorrência
de conquistas consolidadas desde a década de 1970, tinham meios de divulgação mais
estruturados. Num plano internacional, foram os primeiros a desenvolver políticas de
solidariedade visando unificar as lutas camponesas no continente europeu e no mundo.
A Coordinadora de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos (COAG) da Espanha, a
Coordination Paysanne Européenne (CPE) com sede na Bélgica e a francesa
Confédération Paysane, consolidadas pela atuação junto a militantes que já possuíam
terras, destinavam recursos para a elaboração de materiais voltados para a orientação
técnica e, consequentemente, política. 380
O Jornal Sem Terra divulgou a Via Campesina através de
reportagens sobre a internacionalização da luta. A participação do MST nesta estrutura
378 PERUZZO, Cecília K. Peruzzo; COGO, Denise; KAPLÚN, Gabriel. Comunicação e movimentos populares: quais redes? São Leopoldo: Unisinos, 2002. 379 LA VIA CAMPESINA: INTERNATIONAL PEASANT MOVEMENT., Our members, 2006. LA VIA CAMPESINA INTERNATIONAL PEASANT MOVEMENT: Our members, 2005. Disponível em: <http://www.viacampesina.org/main_en/index.php?option=com_wrapper&Itemid=60>. Acesso em: 23 jul. 2006. 380 Ibid., 2006.
242
organizativa inseriu reivindicações de cunho planetário, como a questão da violência e a
do meio ambiente, redefinindo a política do Movimento. Anunciando a projeção
mundial dos sem-terra, o tablóide publicou os objetivos de comunicação dos membros
da articulação, partindo do princípio do fomento de mecanismos de divulgação interna e
externa para promover “uma rede de solidariedade e resposta”. 381 Além disso,
denunciou e apresentou alternativas para questões como dos territórios indígenas, a
contribuição das mulheres na produção de alimentos e na criação de redes femininas de
organização, mudanças nos acordos internacionais de comércio em benefício dos
interesses dos camponeses, crítica às atividades do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) exigindo a proscrição das dívidas externas em favor de
projetos nacionais de valorização rural auto-suficientes, luta contra o processo de
privatização de patentes e os perigos existentes na pesquisa genética. 382
Em meio à construção de uma rede globalizada de solidariedade,
383 o Jornal Sem Terra teve sua produção e composição renovada com a editoração a
cargo de Débora Lerrer. Em 1992, ao se formar em jornalismo pela UFRGS, Lerrer
militou no Núcleo de Documentação da Secretaria Estadual do MST. 384 Ao ser
convidada pela Direção Nacional, a jovem jornalista iniciou um período de
remodelação do jornal, marcado por mudanças no projeto gráfico e pela realização de
uma campanha de apoio ao JST. Ao deparar-se com a produção e composição, Débora
percebeu que o tablóide estava confuso para os leitores, existindo muitas críticas de
militantes que o usava nas bases. 385 As posições frente ao socialismo deixavam mais
381 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 158, p. 11, 1996. 382 Ibid., p. 11. 383 TRAMONTE, Cristiana; SOUZA, Marco Vieira de. A comunicação na aldeia global: cidadãos do planeta face à explosão dos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. 384 Este projeto era coordenado pelo professor Zander Navarro que desenvolvia nos Estados Unidos, pelo Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), pós-doutorado em Ciência Política. 385 Débora Franco Lerrer. Depoimento concedido, jul. 2006.
243
dúvidas do que certezas e significavam, em muitos casos, desestímulo à leitura por
enveredar-se em análises teóricas que dificultavam a recepção.
Juntamente com o Conselho Editorial da Direção Nacional do
MST, representado pelos coordenadores João Pedro Stédile e Neuri Domingos Rosseto,
a jornalista-responsável passou a discutir a pauta, definindo objetivos das edições,
entrevistas e pedidos de artigos. Em parceria com a liderança exercida por Stédile em
longos anos, Rosseto era conhecido por elaborar materiais do Setor de Formação
durante a década de 1980. Ao formar-se em pedagogia, transitou por projetos
educacionais do MST, atividades que o consolidou na Coordenação Nacional.
Após observações preliminares, no decorrer de cada mês,
informações e textos de colaboradores chegavam à ANCA através de correio e fax.
Stédile e Rosseto contribuíam com a coleta de materiais que vinham de variados pontos
de luta e dos contatos que tinham, enquanto lideranças, nas bases. O acompanhamento
sistemático na produção do Sem Terra decorreu de um pedido da própria Lerrer que, ao
perceber muitas críticas vindas de leitores, sugeriu a participação destas lideranças no
fechamento de cada edição para dividir responsabilidades. Apesar de editar o tablóide
sozinha, a jornalista contava com a participação de muitos integrantes da Secretaria
Nacional que, nos momentos de expedição dos exemplares, reuniam-se para etiquetar e
envia-lo pelo correio. 386
Entre 1992 e 1996, o Sem Terra alcançou a tiragem de 35.000
exemplares devido o aumento de doações para a publicação. Iniciada em 1994, a
“Campanha JST” agregou à produção do jornal uma variedade de colaboradores de
caráter individual e coletivo. Contribuindo para a manutenção de um meio de
comunicação considerado histórico para o MST, as doações retrataram o quanto a
386 Débora Franco Lerrer. Depoimento concedido, jul. 2006.
244
questão da divulgação da luta e, em especial, a função social do Sem Terra no
Movimento, merecia considerações de militantes e simpatizantes. 387 Para muitas
lideranças sem-terra, na década de 1990, o jornal tornou-se, juntamente com o hino e a
bandeira do MST, um dos símbolos da luta por ter uma participação histórica na
organização e ser mais do que um meio de comunicação, cuja simbologia o identificava
ao militante. 388
Com a criação do Conselho Editorial e de Redação, o uso do jornal
foi ampliado. Através de pesquisas, estudantes do Ensino Médio e Superior recorriam à
STRs de cidades e regiões à procura de materiais para compreenderem a história do
MST. Além de entrevistarem lideranças sem-terra, religiosos e sindicalistas, muitos
estudantes usavam o Sem Terra como fontes para suas pesquisas.
Em correspondência enviada aos produtores do jornal, sindicalistas
do STR de Januária (MG) evidenciaram outros usos do jornal, demonstrando que a
história, a organicidade e o papel social do MST estavam ganhando espaço na estrutura
educacional brasileira, tornando-se objeto de estudo de componentes curriculares de
escolas públicas:
“os estudantes de nossa cidade tem nos procurado em grande
número para fazerem pesquisas sobre os trabalhadores rurais sem-
terra e o que tem servido para tal é o JST, este precioso
instrumento de luta e formação”. 389
Noutra correspondência, o professor Claudomir Tavares da Silva,
do município de Pitimbu (SE), deu mostras que o Jornal Sem Terra estava sendo usado
387 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 133, p. 16, 1994. 388 STÉDILE; FERNANDES,.1999, p. 132. 389 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 111, p. 8, 1992.
245
em Colônias de Pescadores. Referindo-se à leitura do tablóide no Núcleo de Apoio aos
Pescadores do Estado de Sergipe (NAPES), o professor assim descreveu:
“Já líamos o JST há alguns anos e uma das nossas primeiras
medidas no NAPES foi distribuir o Jornal Sem Terra entre os
dirigentes do Núcleo, diretorias de Colônias e outras entidades,
como Sindicato Rural e Câmara Municipal. Estamos entrando em
contato com o MST aqui em Sergipe para viabilizar a continuidade
dessa iniciativa entre a nossa categoria, que quer dar os primeiros
passos rumo a sua organização e, sendo os pescadores segmento
com problemas semelhantes aos dos sem-terra, entendemos ser
fundamental o contato mensal com este importante jornal” . 390
De maneira geral, os colaboradores que ajudaram na manutenção
do Jornal Sem Terra, entre 1994 e 1996, eram Deputados Estaduais e Federais do
Partido dos Trabalhadores que, diante do sucesso da campanha de apoio ao tablóide,
foram denominados “Amigos do JST”. 391 Na condição de instituições ou entidades de
apoio, colaboraram com o jornal sindicatos rurais e urbanos de vários pontos do
Brasil,392 mantendo o movimento sindical cutista como principal colaborador. O PT,
apesar de ter significativa participação na campanha através das ações individuais de
partidários, também era representado por governos municipais. Em casos inusitados, as
afinidades partidárias com o MST não eram prerrogativas para o apoio. Um destes, em
390 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 144, p. 16, 1995. 391 Foram considerados “Amigos do JST” políticos como Adão Pretto, José Dirceu, Luci Choinacki, Luciano Zica, José Barroso Pimentel, José Fritsch, Domingos Dutra, José Pimentel e Heloisa Helen. 392 Nestes anos, as entidades colaboradoras foram: o Sindicato dos Metalúrgicos de Canoa (RS), o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre (RS), a Associação dos Docentes da UFRGS (ADUFRGS), Sindicato dos Trabalhadores da Construção Imobiliária de São Bento do Sul (RS), Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários (DF), Sindicato dos Previdenciários de Santa Catarina (SC), Sindicato dos Metroviários de Porto Alegre (RS), Federação Única dos Petroleiros (DF), Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo, Sindicato dos Professores do Distrito Federal, Sindicato Unificado dos Trabalhadores Químicos e Plásticos de São Paulo, Sindicato dos Eletricitários de Santa Catarina, Sindicato dos Bancários de Alagoas e Associação Beneficente Cultural Petroquímica Araucária (PR). Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 133 – 164, 1992 – 1996.
246
1995, veio da Prefeitura Municipal do Balneário de Camboriú (SC), administrada por
Ainor Francisco Lotério, do Partido da Frente Liberal (PFL).
Essa miríade de colaboradores do jornal demonstra o quanto as
estratégias de divulgação do MST foi ampliada. Apesar disso, a predominância de
apoiadores sindicais ainda direcionava, em sua maioria, o jornal para um público-leitor
sindicalizado. A partidarização e sindicalização acompanhavam o crescimento do MST
em suas instâncias e na formação de uma rede de solidariedade internacional entre
movimentos sociais rurais.
3.2.3. Referendando a comunicação
A falta de integração entre os meios de comunicação do MST foi
um problema levantado por integrantes da Direção Nacional na primeira metade da
década de 1990. O crescimento de materiais para divulgação e organização interna,
colocou em questão a contribuição dessa variedade de materiais impressos na
consolidação da identidade sem-terra.
As intenções de orientar militantes sobre o uso dos materiais
produzidos pelo Movimento foram evidenciadas em 1994, quando a Secretaria
Nacional do MST publicou o Caderno de Formação nº. 22, intitulado “Dicas para
buscar a eficiência”, propondo a sistematização de procedimentos de leitura, escrita,
oratória, decisões e eficiência na organização. 393
Sob responsabilidade de Dulcinéia Pavan e Zenaide Busanello,
respectivamente, na revisão e editoração, a cartilha foi composta por textos de caráter
393 CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 22, p. 9-42, 1994.
247
motivacional e sugestões do integrante do Setor de Formação, Adelar João Pizetta, para
“delegar ações”. 394
Num diálogo entre o MST e estudos de administração empresarial,
a organização dos sem-terra foi apresentada como uma “empresa” sem a carga
ideológica dos “Laboratórios Experimentais” propostos por Clodomir dos Santos
Morais. Mantendo uma postura técnica, a publicação mostrou a integração do MST num
campo de sociabilidade mais amplo, de embate ao neoliberalismo e à globalização da
agricultura. 395
A conciliação entre estratégias de comunicação voltadas para a
dinâmica interna e a exposição de idéias do MST num cenário internacional, em meio a
falta de harmonia entre os setores de Comunicação e de Formação, tornaram necessária
uma política que estabelecesse um conjunto de normas e procedimentos visando
consolidar a identidade sem-terra. 396 Externamente, buscava-se a eficiência da
divulgação das conquistas do MST, principalmente as das áreas de educação e de
produção cooperativista, através da capacitação de lideranças sem-terra para
relacionarem-se com a mídia.
Em 1995, integrantes da Direção Nacional reuniram-se para
discutir uma política de comunicação do MST. Como resultado, um documento interno
de nove páginas foi redigido e apresentou diretrizes para o campo de (in) formação do
Movimento. Apesar do reconhecimento de lideranças sem-terra sobre o papel exercido
394 O Caderno de Formação foi composto por fragmentos da Revista Visão, do manual de redação da Empresa Ogilvy & Mather, do curso de Expressão Verbal do professor Reinaldo Pallito, dos textos sobre criatividade do professor Whitt N. Schultz, dos materiais de cursos do consultor de empresas Oscar Motomura, dos treinamentos sobre eficiência da Empresa de Consultoria e Planejamento Timing Desenvolvimento Operacional e das dicas de aproveitamento do tempo pelo professor Harrold L. Taylor. Cf. CADERNO DE FORMAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 22, p. 9-42, 1994. 395 Ibid., p. 9-42. 396 BERGER, 1998, p.111.
248
na luta, os meios escritos, simbólicos e audiovisuais ainda eram colocados numa
condição secundária. 397
Denominado “Por uma política de comunicação do MST”, o
documento interno estabeleceu a sujeição das estratégias de comunicação às diretrizes
da Direção Nacional. Assim, a política desenvolvida pelo Setor de Comunicação não
poderia desvincular-se da linha de atuação proposta pelos dirigentes.
A tendência à centralização e a inserção numa rede internacional de
movimentos sociais rurais apontava uma contradição. De um lado, a subordinação dos
produtores de materiais (in) formativos do MST às diretrizes da Direção e, de outro,
uma política que deveria fazer frente ao “Estado burguês” para promover a
democratização do campo de comunicação. 398
O documento também propôs a criação de um coletivo para dar
andamento às propostas, através da divisão de tarefas e da garantia de que um núcleo de
dirigentes estaria buscando conhecimento na área da comunicação. 399 Esta questão
ficou evidente no item “relacionamento com os meios de comunicação”, sendo
proposta a capacitação de lideranças sem-terra para lidar com a imprensa, mantendo
contatos com jornalistas e elaborando materiais de uso interno. 400
Num sentido geral, o documento deu os primeiros passos para
integrantes do MST serem formados como comunicadores, enfrentando o velho dilema
de quem deveria realizar as tarefas de comunicação popular em movimentos sociais: o
dirigente comprometido com a linha política ou o colaborador com o conhecimento
técnico.
397 MST. Por uma política de comunicação. São Paulo: documento interno, 1995. 398 Ibid., p. 6. 399 Ibid., p. 9. 400 Ibid., p. 4.
249
Esta situação tinha motivos históricos na organização do
Movimento. A construção da notícia e dos materiais de capacitação por jornalistas,
pedagogos, colaboradores e lideranças sem-terra, criaram um universo de mediação
entre a cultura escrita e a predominância da cultura oral no mundo dos trabalhadores
rurais. Recorrendo a Roger Chartier, para compreendermos uma questão recolocada
pelos movimentos sociais, uma “comunidade de leitura” projetou-se na editoração dos
primeiros textos quando, aqueles que escreveram, idealizaram um público-leitor. No
que se referia à dinâmica organizativa do MST, o público-alvo tendeu a se transformar
através da relação entre a editoração que representava a direção do sujeito coletivo e os
leitores que integravam uma “comunidade de leitura” composta por militantes e
simpatizantes receptores. Mediante estas relações edificaram-se “normas, regras,
convenções e códigos de leitura próprios de cada uma das comunidades de leitores”.
401
Diferentemente dos problemas de leitura levantados por lideranças
sem-terra na década de 1980, quando as dificuldades de distribuição do Jornal Sem
Terra e dos Cadernos de Formação deixavam os pontos de mobilização desamparados
de materiais informativos e de capacitação, a questão que se colocou com o documento
interno foi a utilidade de tantos meios de comunicação na organização.
Ao tratar do excesso de materiais escritos como promotores de uma
desordem, o próprio Chartier alertou sobre os obstáculos criados ao conhecimento pela
“proliferação textual”. Para o autor, a dominação deste excesso estaria na criação de
instrumentos capazes de “triar, classificar e hierarquizar” as produções que, num
paradoxo, seriam novos textos. 402
401 CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Artmed, 2001. 402 Id. 1999, p. 99.
250
Nesse sentido, “normas, regras e procedimentos harmonizados”
403 aplicados por uma política de comunicação tornariam as publicações mais racionais,
sugerindo um melhor aproveitamento no trabalho de formação de quadros e no uso de
recursos financeiros. Em contrapartida, a subordinação de publicações à Direção
Nacional implicava a capacitação de lideranças sem-terra no campo da comunicação
social. Ao referendar a produção de meios de divulgação como instrumentos
estratégicos, o documento esclareceu que o objetivo interno deste trabalho era motivar a
militância, enquanto o externo era divulgar as conquistas. 404
A política de comunicação do MST não deveria restringir-se
apenas à confecção de materiais impressos e audiovisuais, mas promover uma reflexão
sobre o papel da comunicação no mundo contemporâneo através da leitura de teóricos
que possibilitassem interpretações mais abrangentes sobre o assunto. Além de
reproduzir fragmentos do livro de José Marques de Melo – “Comunicação: teoria e
política” –, 405 as noções de organização operacional dos meios impressos, simbólicos e
audiovisuais basearam-se noutra referência, “Planejamento de relações públicas na
comunicação integrada” de Margarida Maria Krohling Kunsch. 406 No documento,
estes livros contribuíram para uma abordagem histórica e conceitual da comunicação,
pontuando noções de planejamento organizacional, estratégico e operacional num
campo integrado.
A busca de uma “comunicação integrada” mostrou-se necessária
tanto nas relações e afinidades entre os meios de divulgação do MST, quanto nas novas
sociabilidades políticas firmadas num contexto internacional. Estes contatos, ao ampliar
403 BERGER, 1998, passim. 404 MST, 1995, p. 4. 405 MELO, José Marques de. Comunicação: teoria e política. São Paulo: Summus, 1985. 406 KUNSCH, Maragarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. 2 ed. São Paulo: Summus, 2002.
251
o fluxo de comunicação do MST, colocaram em discussão a elaboração de novas
tecnologias que servissem públicos-leitores integrados à rede virtual de comunicação.
3.3. Sob a égide das imagens e representações
Na década de 1990, a extensa produção audiovisual que divulgou o
MST complementou cursos de capacitação de quadros e facilitou o esclarecimento de
questões mais complexas em acampamentos e assentamentos. Com freqüência,
sindicalistas e religiosos que assessoravam trabalhadores rurais sem-terra exibiram
produções que retratavam a história da organização do MST.
A publicação de materiais impressos, além de remodelar estratégias
e representações políticas decorrentes de relações entre direção, editoração e leitores,
sofreu influência de linguagens difundidas por novas tecnologias de comunicação, como
a enorme quantidade de audiovisuais e o fluxo de informações decorrentes da expansão
da internet, rede mundial de computadores. 407
Ao analisar o papel da mídia nos movimentos sociais, Maria da
Glória Gohn afirmou que “as representações simbólicas” tornaram-se um dos mais
fortes componentes da organização de movimentos sociais. Ao serem globalizadas com
as novas tecnologias, as informações contribuíram para mudanças no estilo de
comunicação e no perfil de lideranças e militantes, sendo “a força e a expressividade”,
desses grupos políticos, marcadas “mais pelas imagens e representações” que
conseguiam produzir e veicula-las “do que pelas conquistas, vitórias ou derrotas” que
acumulavam. 408
407 CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 408 GOHN, 2000, p. 23.
252
As observações da autora nos remetem aos interesses econômicos e
políticos do MST que, ao pautarem análises internas, configuraram um cenário de
informações em que a notícia instituiu-se como um mecanismo de formação de opinião.
Esse foi o caso das extensas reportagens do Jornal Sem Terra e dos textos de Cadernos
que divulgaram a oposição do MST à globalização econômica. Além da produção da
notícia interna, o acesso a outros canais de comunicação tornou-se fundamental nas
agendas políticas do Movimento.
3.3.1. A luta social no mundo da realidade virtual
O uso da internet por movimentos sociais, apesar das restrições
geradas pelas próprias condições de diferentes organizações, foi facilitado pela
mediação de ONGs voltadas para a democratização da comunicação. Estas ONGs
ganharam impulso através de ações que, na década de 1980, criaram as primeiras redes
de comunicação entre organizações não-governamentais de quatro continentes. Em
1984, através do Acordo Valletri, foi fundada a Interdoc, uma rede de ONGs que
utilizava linhas telefônicas internacionais para a comunicação por correio eletrônico. 409
Compondo a Interdoc, organizações como o IBASE do Brasil
utilizaram o serviço de correio eletrônico da rede comercial européia GeoNet.
Ambientalistas ingleses firmaram parceria com a GeoNet para operarem uma sub-rede
sem fins lucrativos denominada GreenNet. Com a ampliação de usuários, em 1987, a
409 O Acordo Valletri contou com a participação do International Documentation Centre (IDOC), do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), da International Coalition for Development Action (ICDA – Bélgica), da Council for the Development of Social Research in Africa (CODESRIA – Senegal), da Asia Monitor Research Centre (AMRC – Hong Kong), da Antenna (Países Baixos), da SATIS (Países Baixos), da Human Information and Documentation Systems (HURIDOCS – Noruega), do Instituto Latino-americano de Estudos Transnacionales (ILET – Chile), do DESCO (Peru) e do International Development Education Research Agency (IDERA – Canadá).
253
GreenNet obteve seus próprios equipamentos e passou a operar de maneira
independente da GeoNet.
Paralelamente à constituição desta rede de comunicação européia,
em 1985, ativistas norte-americanos fundaram a PeaceNet que, um ano depois, uniu-se
com a rede ecologista EcoNet para formarem o Institute for Global Communications
(IGC). O IGC foi formado como provedor alternativo para facilitar o acesso de
informações e os serviços da internet a particulares e organizações não-governamentais.
Dos contatos entre o IGC e a GreenNet, chamou atenção as semelhanças dos métodos
utilizados, elemento importante que aproximou os provedores e dimensionou uma rede
de comunicação transatlântica. 410
Devido os serviços prestados pela IGC e GreenNet terem custos
competitivos aos dos provedores comerciais, o aumento de usuários individuais e de
ONGs agregou muitas entidades interessadas no projeto. Nos Estados Unidos, a
Fundação MacArthur de Chicago, conhecida pela dedicação a grupos e pessoas em
condições desprovidas, efetuou uma doação à IGC que foi aplicada na instalação de
uma rede sem fins lucrativos de correios eletrônicos de ONGs, estendida pela América,
Europa, Ásia e África. 411
Em 1990, na Conferência da Interdoc realizada em Amsterdã, sete
ONGs fundaram The Association for Progressive Communications (APC). Divulgada
como uma rede internacional de organizações para assessorar e estruturar grupos que
lutavam pela paz, pelos direitos humanos, pelo desenvolvimento de regiões pobres e
pela proteção ao meio ambiente, a APC orientou representantes de ONGs e movimentos
sociais sobre usos estratégicos de tecnologias de comunicação. Além das orientações
410 THE ASSOCIATION FOR PROGRESSIVE COMMUNICATIONS: About APC, 2006. Disponível em: <www.apc.org/english/about/index.shtml>. Acesso em: 20 jul. 2006. 411 INSTITUTE FOR GLOBAL COMMUNICATIONS: PeaceNet and EcoNet, 2006. Disponível em: <http://www.igc.org/html/aboutigc.html>. Acesso em: 20 jul. 2006.
254
técnicas, a Associação ofereceu seu provedor para a criação de correios eletrônicos de
organizações populares. 412
A IGC dos Estados Unidos, a GreenNet da Inglaterra, a NordNet da
Suécia, a Web NetWorks do Canadá, o IBASE do Brasil, a Pegasus da Austrália e a
Coordinadora Regional de Investigaciones Econômicas y Sociales (CRIES) da
Nicarágua, valeram-se da formação da APC para consolidar redes de comunicação e
facilitar o trabalho de ONGs voltadas para movimentos sociais.
O envolvimento do IBASE neste projeto e a relação do Instituto
com movimentos sociais rurais através da Campanha Nacional pela Reforma Agrária
(CNRA) durante a década de 1980, inseriram o MST na internet através da criação, em
1996, do endereço eletrônico [email protected], sob controle da Secretaria Nacional
do MST. 413
Como ponto de contato do MST com entidades que integravam a
APC, o Setor de Comunicação foi beneficiado com o endereço eletrônico diante das
necessidades da Redação do Jornal Sem Terra. Esta ferramenta de comunicação
facilitou trabalhos que exigiam contatos com o exterior, intensificando sociabilidades
políticas. Os novos suportes tecnológicos, além de servirem de instrumental para a
relação do MST com movimentos sociais rurais que constituíram a Via Campesina,
possibilitaram novos contatos entre o MST e entidades de apoio, encurtando distâncias,
configurando redes de comunicação eficazes e articuladas. 414
Apesar de agilizar contatos e mobilizações entre o MST, ONGs e
movimentos sociais de outros países, a manutenção dessa rede mais ampla de relações
412 THE ASSOCIATION FOR PROGRESSIVE COMMUNICATIONS: About APC, 2006. Disponível em: <www.apc.org/english/about/index.shtml>. Acesso em: 20 jul. 2006. 413 Daniela Stefano. Depoimento concedido, mar. 2006. 414 PERUZZO; COGO; KAPLÚN, 2002, p. 85.
255
políticas era uma estratégia de comunicação distante dos sem-terra se comparada aos
tradicionais materiais impressos.
Em 1997, com a saída de Débora Lerrer da editoração do Sem
Terra devido compromissos no exterior, assumiu a responsabilidade Sinara Sandri,
jornalista e especialista em História do Brasil. Sandri adequou o jornal às mudanças
decorrentes da ampliação da comunicação do MST, promovendo o uso de novas
tecnologias e diminuindo a tiragem. No ano de seu ingresso na editoração, o Setor de
Comunicação criou o endereço eletrônico [email protected]. 415 A South
American Network (SANet) era um provedor especializado na criação e hospedagem de
sites, promovendo o desenvolvimento de redes e configurando-se pelas capitais do
Brasil.
O uso de e-mail, a princípio centralizado no Setor de Comunicação,
ao fazer parte dos setores de Formação, Educação e Cooperação, criou espaços de
atuação política num campo virtual. Apesar desses tipos de contatos não representarem
a realidade dos acampamentos e assentamentos do MST, integrantes do Setor de
Comunicação identificaram um público-leitor que poderia ser atingido por esta
tecnologia de divulgação. Adquirindo a condição de navegadores, eram considerados
leitores urbanos, em sua maioria estudantes, ativistas, advogados, intelectuais e
professores universitários. 416
Sinara Sandri encontrou na ajuda de Nilton Viana, Montse Poblet e
Sara Feitosa, ambiente favorável na Redação para desenvolver projetos mais ousados de
divulgação do Jornal Sem Terra. Viana, jornalista experiente e atuante nos movimentos
pela democratização da comunicação, participou da organização do Sem Terra ao lado
de Poblet, jornalista espanhola que projetava a implantação de rádios comunitárias em
415 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 169, p. 2, 1997. 416 Daniela Stefano. Depoimento concedido, mar. 2006.
256
assentamentos e povoados espalhados pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, Sara Feitosa
estudava jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e
colaborava com São Paulo (SP) no mapeamento de notícias. Os contatos com a SANet
possibilitaram o planejamento de uma página indexada ao endereço eletrônico
www.sanet.com.br/semterra/index.html. Hospedada no provedor da SANet, a página foi
considerada a primeira montagem da homepage do MST. Colocada na rede em julho de
1997, transcrevia notícias do Movimento sem interatividade com os usuários. 417
Apesar de simples e poucas vezes mudada, a página do MST foi
aperfeiçoada por integrantes do Setor de Comunicação. Diante das dificuldades de
manutenção e atualização, em fevereiro de 1998, a homepage www.mst.org.br passou a
ser acessada. O site fortaleceu a divulgação mundial da luta dos sem-terra, sendo
considerado, por lideranças e entidades solidárias, uma conquista política do
Movimento. 418
A divulgação do MST pela homepage contribuiu para expandir a
projeção e interação política junto a um público de maior renda e instituições mais
distantes. Para Manuel Castells, a influência de movimentos sociais diante da expansão
da internet dependeria de sua convivência com o paradoxo entre o real e o virtual, pois
tais organizações deveriam estar enraizadas em contextos locais e voltadas para ações
de impactos globais. 419 Nesse sentido, a Via Campesina estruturou sua política de
comunicação configurando redes operacionais de movimentos sociais, tornando-se uma
organização dependente da internet para exercer impacto sobre a mídia através de ações
simbólicas e práticas.
A inserção do MST na rede mundial de computadores e na Via
Campesina gerou um efeito político para temas mais abrangentes, como a fome, o meio
417 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 169, p. 2, 1997. 418 Id. nº. 177, p. 2, 1998. 419 CASTELLS, 2003, p. 118.
257
ambiente, a desigualdade social, a miséria, a educação e a democratização da
comunicação. O uso desta tecnologia, além de possibilitar novas pautas de luta,
suplementou a eficiência e relações de poder perante a organização. 420
Mediante a homepage do MST, informações anteriormente restritas
à assinatura do Jornal Sem Terra e ao recebimento dos Cadernos de Formação, de
Educação e de Cooperação Agrícola, foram expandidas para um público mais variado.
O acesso de leitores do Sem Terra ao novo espaço de divulgação da luta causou um
fenômeno inverso nas tiragens do jornal que, após a ascensão que alcançou 35.000 e a
elaboração da página virtual, oscilou entre 28.000 e 25.000 exemplares. Em 1998, com
a criação da homepage e a publicação da Revista Sem Terra, o jornal estabilizou a
tiragem em 20.000 exemplares. (ver tabela/gráfico 2).
Diante das novas perspectivas, lideranças sem-terra não deixaram
de discutir a distribuição do jornal em pontos de mobilização aonde a internet não
chegava. Apesar da ausência nos acampamentos e assentamentos do MST, integrantes
do Setor de Comunicação e da Direção Nacional alentavam o sonho de que um dia
estes lugares seriam aparelhados com um computador conectado à rede mundial.
A função política da internet foi objeto de considerações de Neuri
Rosseto. Para a liderança sem-terra:
“Uma coisa é ler uma notícia sobre a política de privatizações em
um meio de difusão controlado ou influenciado pelo governo, que
tem todo o interesse em promovê-las. Outra é ler essa mesma
notícia sob a ótica de quem se opõe a tal política. Uma homepage
feita pelas forças progressistas possibilita e muito, a divulgação de
seus pontos de vista. Os meios de comunicação massiva funcionam
como uma espécie de filtro entre o que deve ser noticiado,
420 TRAMONTE; SOUZA, 2005, p. 116.
258
destacado, deturpado ou ocultado. A internet rompe com essa
intermediação. Por isso, facilita que os agentes das notícias sejam
os agentes que fazem esse acontecimento chegar até o
conhecimento da sociedade”. 421
O olhar de lideranças sem-terra para a homepage do MST pautava-
se no interesse por uma tecnologia de informação, apesar de ainda restrita, que não
demandava impressão de materiais e tornava a difusão de notícias mais rápida e com
menores custos. Assim, em 1999, foi sugerida a revitalização do site, considerado
desatualizado diante das constantes mudanças que os mecanismos de comunicação
virtual estavam sujeitos.
Daniela Stefano, jornalista formada pela Universidade Metodista de
São Paulo e conhecida por produzir programas alternativos na extinta Rádio Mauá, na
Rádio Volkswagen e na Rádio Metodista, foi convidada para ocupar o cargo de redatora
do Jornal Sem Terra. Tornando-se editora/webmaster do site, Stefano iniciou a
remodelação do espaço de comunicação virtual.
As principais mudanças foram a atualização de conteúdos, a
interatividade com os usuários através da criação de murais e painéis de respostas aos
internautas, estruturação para updates que pudessem divulgar em tempo real eventos
coletivos do Movimento, formação de uma rede de usuários da internet para enviarem
notícias destinadas a organização e andamento de mobilizações nacionais e
internacionais. Procurou-se agregar voluntários que elaboraram páginas do MST em
vários países, objetivando a padronização de design e traduções de textos em idiomas
como o português, inglês, francês, italiano e alemão. 422 Num sentido geral, o conteúdo
421 MORAES, Denis. O ativismo digital. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pág/moraes-denis-ativismo-digital.pdf>. Acesso em 16 mar. 2006. 422 Daniela Stefano. Depoimento concedido, mar. 2006.
259
do site era parecido com os publicados em materiais impressos, tendo estruturas mais
resumidas.
A padronização de design daqueles que possuíam sites de apoio ao
Movimento no exterior, criou uma rede virtual denominada “Amigos do MST”.
Artistas, ativistas, jornalistas, advogados, professores, religiosos, juristas, parlamentares
e intelectuais, ampliaram a idéia lançada pelo Setor de Comunicação dos “Amigos do
JST”. Por terem acesso a homepage, enviaram mensagens de apoio à luta dos sem-terra
construindo uma rede de sociabilidade on-line. Destes contatos virtuais, em 1999, foram
realizados vários encontros dos “Amigos do MST” no Brasil e no exterior.
3.3.2. Projeto Terra
A manutenção da homepage ampliou a projeção internacional da
luta dos sem-terra e despertando projetos de divulgação que envolveu intelectuais,
políticos, músicos, jornalistas, fotógrafos e entidades de cooperação. Um dos trabalhos
que expressou o apoio de autores da literatura e da arte foi o Projeto Terra. Em 1997,
tornou-se referência na divulgação do MST ao lançar e expor obras do fotógrafo
Sebastião Salgado, do escritor português José Saramago e do cantor e compositor Chico
Buarque de Holanda.
Salgado, brasileiro residente na França, em 1996, iniciou um
trabalho que mapeou pelas lentes de sua câmera a realidade dos sem-terra. Imagens de
camponeses, bóias-frias, sertanejos, a desigualdade social em cidades como São Paulo
(SP) e as ações desenvolvidas pelo MST, foram agregados a um trabalho de 16 anos que
captou a exclusão social brasileira e compôs um mosaico de imagens exposto,
260
simultaneamente, em vários países. 423 Junto com a exposição de fotos que tinha como
pano de fundo a questão agrária, foi lançado o livro “Terra” no Brasil, Portugal, Itália,
França, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Suíça. Prefaciado por Saramago, o
ensaio fotográfico foi acompanhado por CD, com quatro canções de Chico Buarque de
Holanda. 424
Lélia Wanick Salgado, mulher do fotógrafo, assumiu a
coordenação do projeto contatando entidades de apoio para a edição do livro e para as
exposições. No Brasil, a Secretaria Nacional do MST encarregou-se da distribuição,
pontuando e negociando o envio de painéis e pedidos de instituições, como Centros
Culturais e Universidades. Na Europa, Ásia e nos Estados Unidos, entidades solidárias
como a francesa Frères de Hommes, a inglesa Christian Aid, a Central Geral dos
Trabalhadores (CGT) e o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas Suíços, ajudaram a
distribuir e divulgar as exposições.
Em março de 1997, no evento de lançamento do projeto, além dos
autores, participaram da coletiva o senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP) e as
lideranças sem-terra João Pedro Stédile e Gilmar Mauro. Como destaque da divulgação,
evidente era o estatuto internacional adquirido pelo Movimento. Para Salgado, o
objetivo do trabalho não era a questão financeira, mas sim, a projeção do MST pelo
mundo. A relevância estava em:
423 Neste ano, Salgado presenciou ações de massa do MST, como a chegada da Marcha pelo Emprego em São Paulo (SP) e as ocupações da fazenda Giacomet-Marodim, realizada por mais de 3000 famílias no município de Rio Bonito do Iguaçu (PR), das fazendas Cuiabá, no Estado do Sergipe, e da Rosa do Prado, na Bahia. Além de retratar estas ocupações, Salgado se deparou com a realidade fundiária das regiões de Paranacity, Itamaraju, Pontal do Paranapanema, Dionísio Cerqueira e testemunhou o enterro das vítimas de Eldorado dos Carajás. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 168, p. 3, 1997. 424 Compõe o CD Terra as canções “Fantasia” , “Brejo da Cruz”, “Levantados do chão” e “Assentamento”. Cf. JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 168, p. 3, 1997.
261
“criar uma pressão internacional nas autoridades brasileiras, no
sentido de realmente fazer uma reforma agrária e tentar criar um
movimento internacional e brasileiro em favor dos sem-terra”. 425
Defendendo o princípio de que o MST era um movimento mundial
de retenção das populações do campo para evitar migrações desordenadas às cidades, o
fotógrafo teve a concordância de José Saramago quanto à internacionalização. Para o
escritor português:
“O Movimento Sem Terra não é só brasileiro. O MST pode ajudar
a mudar outros lugares (...). A batalha não é só pela posse da
terra, pelo aproveitamento real da terra, é a batalha pelo próprio
futuro do Brasil e aí não pode estar só o MST, tem que estar todos
os cidadãos brasileiros, ou aqueles para quem efetivamente o
Brasil importa”. 426
Esta ampliação das relações políticas não esquivava o MST dos
problemas de recepção de idéias aonde os instrumentos de comunicação da Direção
Nacional tinham maior dificuldade de acesso. Chico Buarque, ao expressar a
importância do Projeto Terra, relacionou sua disposição com a experiência política
construída pelos contatos com o MST desde a década de 1980. O cantor enfatizou a
função dos mecanismos de divulgação para conquistar apoio, pois através do
recebimento de materiais impressos do MST foi informado sobre a luta dos sem-terra.
Ao relacionar sua participação no movimento pela democratização do Brasil com a
ajuda prestada aos acampados da Encruzilhada Natalino através da doação de cachê do
425 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 168, p. 3, 1997. 426 Ibid., p. 5.
262
show Canta Brasil, 427 Chico mostrou simpatia pela organização nas bases, satisfeito ao
saber que a canção “Cio da Terra” , em parceria com Milton Nascimento, era cantada
em acampamentos e assentamentos. 428
Apesar do Jornal Sem Terra definir o projeto como uma estratégia
“para divulgar mundialmente o MST”, os autores alertaram sobre a fundamentação das
mobilizações através de materiais informativos que pudessem quebrar barreiras e
preconceitos impostos pela mídia. Sobre a imprensa, Salgado fez um apelo:
“Convido todos os jovens, todas as fábricas de elite deste país, que
são as universidades, a ir visitar os acampamentos e
assentamentos, discutir e se inteirar de uma realidade brasileira,
porque às vezes a informação dada pela imprensa e por quem
controla a informação neste país é totalmente errada. A
informação dada pelo governo também. Imprensa é feita para um
grupo de pessoas que consome, que participa da sociedade”. 429
Questões deste gênero sustentaram projetos de divulgação da luta
que visaram outros públicos. Além de contribuírem com textos que colocavam em
debate a mídia, novos lançamentos demonstraram a ocupação do MST em outros
campos da comunicação. O uso articulado destes veículos possibilitou um confronto
mais visível com setores tradicionais da mídia e a compreensão de que o monopólio da
terra relacionava-se ao monopólio da comunicação. 430
3.3.3. A Revista
427 O show Canta Brasil foi realizado em São Paulo (SP) no ano de 1982. Reuniu cantores da MPB na luta pela abertura política e contou com uma média de 15.000 pessoas a cada noite do espetáculo. 428 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 168, p. 4, 1997. 429 Ibid., p. 5. 430 PERUZZO; COGO; KAPLÚN, 2002, p. 73.
263
A conquista de um público-leitor com atuação e formação
universitária, interessado pelo mercado cultural e das artes, com hábitos de compra de
materiais de leitura em livrarias e bancas de jornal, foi tema de alguns encontros entre
integrantes do Setor de Comunicação e lideranças sem-terra. Partindo desta idealização,
a ANCA e a Direção Nacional do MST confiaram a Alípio Freire a elaboração de uma
revista que agregasse material literário alternativo, estudos e agenda cultural, análise da
história econômica, política e da arte, divulgação de pesquisas acadêmicas e reportagens
com eminência aos problemas sociais.
Alípio Freire, ex-preso político na década de 1970, jornalista
militante no combate à ditadura militar, tinha experiência em entidades de luta pelos
direitos humanos. Após a projeção feita pelo editor, em 1997, a ANCA financiou a
publicação da Revista Sem Terra (RST) que, em sua primeira edição, aspirou a atingir
um público diferenciado:
“A Revista é a nova publicação trimestral que lançamos como
instrumento de comunicação e diálogo não apenas com os sem-
terra, mas com todos aqueles que apóiam ou simpatizam com a
nossa luta pela reforma agrária”. 431
Com tiragem inicial de 3.000 exemplares, distribuídos para 34
representantes em 23 Estados, a RST conquistou espaços inusitados aos materiais de
divulgação do Movimento. Nas primeiras edições, a estratégia adotada para conquistar
assinantes foi a tradicional. Baseada no slogan “Assine as publicações do MST”, a
propaganda atrelou a revista ao jornal, pautando-se na conquista do público-leitor mais
habitual. 432 (ver figura 30)
431 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 1, p. 1, 1997. 432 Id., nº. 5, p. 41, 1998.
264
De locais de vendas mais conhecidos, como Secretarias Estaduais
do MST, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Cooperativas e Centros de Formação, a
revista ganhou as prateleiras de bancas e livrarias, dando saltos na tiragem para 5.000,
7.000 e, alcançando no final de 1999, a quantia de 10.000 exemplares por edição. Neste
ano, a revista poderia ser encontrada em 9 bancas e livrarias nas cidades de São Paulo
(SP) e Campinas (SP) – como a GV, Hei de Vencer, Central, Vozes, Fnac, Hai Kai,
Asteca, Cortez e do Amaral –, motivo de comemoração diante das dificuldades de
distribuição e vendas. (ver tabela/gráfico 3). 433
Pouco semelhante ao jornal, a Revista Sem Terra contou com mais
publicidade. Além dos produtos do MST, integraram o conjunto de propagandas jornais
e revistas considerados alternativos e de oposição, projetos e programas de prefeituras
municipais e governos estaduais administrados pelo PT, cursos de especialização,
aperfeiçoamento e extensão da PUC-SP, gráficas e editoras que atendiam pedidos de
impressão de materiais de ONGs e movimentos sociais.
Com uma linguagem mais formal, a RST discutiu temáticas como
privatizações, neoliberalismo, reforma agrária e mídia nas sessões Política, Entrevista,
Memória, Cultura, Comunicação, Resenha e Estudo. Em seus exemplares iniciais, a
revista foi composta de entrevistas a políticos, economistas, intelectuais, juristas e
religiosos. Colaboradores como Alípio Freire, Otto Filgueiras, Holf Hackbart, Paulo
Maldos, Emiliano José e Sinara Sandri, escreveram artigos e entrevistaram
personalidades como Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola, o bispo Dom Demétrio
Valentini, Waldir Pires, César Benjamin, Reinaldo Gonçalves e Dirceu Cintra. Textos
redigidos por escritores, sociólogos, políticos, religiosos, historiadores e jornalistas,
dentre tantos, como Jacob Gorender, Plínio de Arruda Sampaio, Frei Betto, Emir Sader,
433 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 10, p. 2, 2000.
265
Wladimir Pomar, Marco Antonio Villa, Hamilton Otávio de Souza, Valter Pomar,
Renato Tapajós, Bernardo Mançano Fernandes e Horácio Martins, compuseram seções
com embasamento teórico e cultural.
Na sessão Memória, a história de movimentos sociais rurais, das
revoluções socialistas na Rússia, China e Cuba, os estudos de Karl Marx e Friedrich
Engels, a bipolarização do mundo através da Guerra Fria, as leis trabalhistas de Vargas,
a sociedade escravista do século XIX, o Messianismo e as práticas políticas do
coronelismo, foram tratados por jornalistas que recorriam a abordagens da historiografia
brasileira e inglesa, tecendo relações com a conjuntura política e econômica. Na seção
Cultura, artigos sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, o ultramodernismo e o
subdesenvolvimento, críticas ao cinema, divulgação de exposições de arte, lançamentos
de livros, misturaram-se com textos sobre a prática e sugestões de leitura.
A revista dedicou-se aos problemas da difusão de informações no
Brasil através da sessão Comunicação, com artigos que abordaram a omissão da grande
imprensa aos movimentos sociais, criticando posições de veículos que contribuíam para
a construção de uma imagem negativa do MST e de seus representantes, alertando sobre
manipulações de dados de institutos de pesquisa ligados às redes de comunicação e
apoiando o crescimento da denominada imprensa de oposição.
Em Editorial acompanhado de foto de Sebastião Salgado,
publicado na edição nº. 3 com o título “A batalha da (des) informação”, os produtores
da revista chamaram atenção para a posição de isolamento que o MST era colocado pela
mídia quando se aproximavam as eleições:
“os principais meios de comunicação do país, como uma orquestra
afinada, passam a divulgar ‘pesquisas de opinião’ em que o MST é
reprovado pela população em seus métodos de luta pela
266
transformação da realidade no campo. As posições assumidas pelo
movimento são contestadas porque, segundo eles, transcenderam a
luta pela reforma agrária, como se fazer política ou simplesmente
ter o direito de intervir nos destinos da nação fosse apenas
prerrogativa de alguns iluminados”. 434
A conquista da terra e a democratização da comunicação foram
entendidas como partes integrantes da mobilização dos sem-terra, considerados direitos
inalienáveis para a consolidação da democracia brasileira. A suposição de um
fortalecimento do regime político do país vinculava-se à construção de canais de
comunicação populares que, ao contribuírem para democratizar o campo jornalístico,
consubstanciariam uma imprensa de oposição e de criação de espaços simbólicos de
luta. 435
Hamilton Octavio de Souza, professor de Jornalismo da PUC-SP,
em artigo publicado pela Revista Sem Terra, fez uma análise do crescimento da
“imprensa militante”, composta por inúmeras publicações sindicais, partidárias, de
ONGs e de movimentos sociais que, depois de vários anos de refluxo, recomeçava a
conquistar leitores, ampliando sua influência e circulação através de assinaturas e
vendas em bancas e livrarias. Publicações como Teoria e Debate, Página 13,
Princípios, Caros Amigos, Reportagem, Bundas, Observatore, Correio da Cidadania e
revistas do meio acadêmico, como a Adusp e a PUC viva, foram delimitadas pelo
jornalista num campo de “imprensa independente, de esquerda, alternativa e de
oposição”. 436
Considerando a Revista Sem Terra integrante desse quadro de
jornalismo alternativo, seus produtores retrataram um clima de efervescência diante das
434 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 3, p. 1, 1998. 435 PERUZZO; COGO; KAPLÚN, 2002, p. 84. 436 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 9, p. 62, 1999.
267
imagens e reportagens publicadas por grandes veículos de comunicação. Jornais como
Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, as redes de televisão, com ênfase aos
telejornais da TV Globo, foram criticados por veicularem notícias que marginalizavam
os sem-terra. Destes embates, o que chamou atenção foi o travado entre a Direção
Nacional do MST e a Revista Veja. Tendo como base a capa de junho de 1998, que
expôs a imagem de João Pedro Stédile e a manchete “A esquerda com raiva”, as
observações da Revista Sem Terra sobre as publicações do semanário pautaram-se no
princípio da “demonização do MST”, caracterizado por reportagens que explicitavam as
ações do Movimento por uma “face violenta”. As expressões pejorativas usadas pela
Veja para descrever os sem-terra como “desempregados, analfabetos, agricultores
arruinados, comerciários sem eira nem beira, gente que foi bóia-fria, veio da favela nas
grandes cidades e massa de pés-descalços”, relacionaram a cor vermelha com
“bandeira arcaica” e trataram os objetivos do MST como “assunto do século passado,
fora de moda, insepulto”. 437
As observações sobre posturas de jornais como Folha de São
Paulo, O Estado de São Paulo, Revista Veja e telejornais da Rede Globo, foram
expressas em artigos da sessão Comunicação e no humor de Gilberto Maringoni. Em
“Agora falando sério...”, o chargista ridicularizou os jornais e revistas de grande
circulação com as denominações “O Estrago de São Paulo”, “Revista Caro”, “Isso é”
e “Veje” , relacionando o sensacionalismo publicado ao autoritarismo de um setor que
se julgava expoente da liberdade de expressão da democracia brasileira. Maringoni
apontou que:
437 SOUZA, Eduardo Ferreira de. Do silêncio à satanização: o discurso de Veja e o MST. São Paulo: Annablume, 2004.
268
“no céu, o dólar dispara, os juros estão na estratosfera, a recessão
se aprofunda, o desemprego atinge níveis alarmantes, a
quebradeira é geral e a economia é comandada pelo FMI. No
inferno é igualzinho. A diferença é que lá existe uma imprensa
dizendo que tudo vai bem”. 438 (ver figura 31)
A posição de Maringoni decorria de sua experiência de chargista
que conheceu os bastidores da produção da notícia de O Estado de São Paulo e da
editoração da Revista Atenção de Bauru (SP). As ações de combate do MST à mídia
tradicional caracterizaram-se pela criatividade e humor em charges, textos, fotografias e
nas práticas sociais dos sem-terra. Evidenciada não apenas nos meios impressos, mas
também nas manifestações artísticas que floresceram no contexto da organização, esta
inventividade resultou em músicas, danças e poemas compostos por sem-terra,
possibilitando a projeção de novas tecnologias de divulgação.
3.3.4. Arte, imagens e vozes da terra
A composição e interpretação de músicas e poemas no cotidiano de
acampamentos e assentamentos do MST era prática comum entre os sem-terra. Esta
sociabilidade que “fazia a luta” , 439 criava representações de unidade dos trabalhadores
rurais mediante imagens idealizadas e aceitáveis. 440
Edgar Jorge Kolling, integrante do Setor de Educação, entendia as
canções brotadas na organização do MST como ingredientes que “canalizavam
energias (...), unificando sentimentos, mantendo vivo o horizonte da luta e não deixando
438 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 6, p. 13, 1998. 439 COMERFORD, 2003, p. 58. 440 BALANDIER, 1994, p. 23.
269
o desânimo tomar conta nas horas de dificuldades e sofrimentos”. 441 Contudo, essas
produções populares, mesmo representando a vitalidade cultural das bases, prejudicava
a definição de um perfil político, questão percebida por João Pedro Stédile:
“no início do MST as músicas de sucesso eram as sertanejas,
tinham uma certa ingenuidade e as letras eram paródias sobre o
momento que o país vivia. Depois, quando a luta pela reforma
agrária cresceu, a música também evoluiu”. 442
A definição de um perfil político não significava a homogeneização
de estilos, mas sim, a afinação de discursos que enunciasse a história e perspectivas do
MST. Para alcançar a meta, era necessário um trabalho de mapeamento e catalogação de
produções de artistas sem-terra. Ações desse tipo foram iniciadas por Roseli Salete
Caldart, na década de 1980, quando em pesquisa de mestrado na área de Educação,
analisou poemas escritos por trabalhadores rurais sem-terra na região sul do Brasil,
explorando suas funções pedagógicas e políticas. 443 Na década de 1990, um trabalho
organizado pela integrante do Setor de Educação, Ires Silene Escobar de Campos, em
parceria com o Setor de Comunicação do MST e o apoio da Prefeitura Municipal de
Porto Alegre (RS), sob a administração petista de Raul Pont, apresentou 58 letras
cifradas produzidas por músicos sem-terra. 444
Com esta relação de letras, no ano de 1996, foi realizada em
Brasília (DF), a I Oficina Nacional de Formação de Músicos do MST, contando com a
participação de 30 artistas sem-terra, lideranças do Movimento e estudiosos de música,
como “o professor Badu, da Universidade Nacional de Brasília (UnB); Sérgio
441 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 3, p. 35, 1998. 442 Ibid., p. 35. 443 CALDART, 1987, p. 12. 444 CAMPOS, I.res Silene Escobar. Sem-Terra: as músicas do MST. Porto Alegre: Unidade Editorial/Prefeitura Municipal e Secretaria Municipal de Cultura, 1996.
270
Carvalho, cravista da orquestra da UNESP e Graciano Lorenzi, do coletivo de músicos
do MST”. 445
Integrada por momentos de estudo da história da música, análise de
textos, das letras, exercícios de voz, violão, viola e instrumentos de percussão, a oficina
abriu espaço para a reflexão do papel da mídia na produção fonográfica.
A negação aos gêneros difundidos pela mídia não era consenso
entre os participantes. Sob um ponto de vista acadêmico, Sérgio Carvalho entendia a
mídia e a indústria cultural como propagadores, “na maioria dos casos, de porcaria”.
Lorenzi, habituado ao cotidiano dos sem-terra e participante das discussões sobre a
organização de um CD do Movimento, tinha outra concepção:
“é importante usar os recursos e gêneros musicais que a indústria
fonográfica utiliza e que são difundidos pela mídia, mas com um
conteúdo diferente, que permite atingir um maior número de
pessoas”. 446
O músico sem-terra acreditava que era possível aceitar certas
tendências da mídia, aproveitando-as num conteúdo diferente que pudesse atingir um
maior número de pessoas. As posições de Lorenzi caminhavam ao encontro do
lançamento de um CD que agregasse músicas históricas da organização do MST.
Experiências adquiridas com as produções de artistas sem-terra e
com as oficinas de músicas, em 1998, contribuíram para o lançamento do CD Arte em
Movimento. Integrado por 20 faixas que retratavam a história do MST, todas as
composições eram de músicos e poetas sem-terra, em sua maioria, de Ademar Bogo e
445 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 3, p. 40, 1998. 446 Ibid., p. 41.
271
Zé Pinto, este último conhecido no Movimento por uma extensa produção daquilo que a
Revista Sem Terra denominou de “música insubmissa”. 447
Enquanto projeto de divulgação da luta, o CD Arte em Movimento
caracterizou-se pela rede de apoios da classe artística. Os cantores Antônio Gringo, Beth
Carvalho, Cida Moreira, Chico César, Dante Ramon Ledesma, Fábio Paes, Zé Geraldo,
Leci Brandão, Nil Bernardes, Pingo de Fortaleza, Vânia Bastos e o comentarista
esportivo de televisão, Joarez Soarez, interpretaram músicas e o poema “Terra
Sertaneja”. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e a Orquestra Municipal de
São Paulo, depois de terem gravado o Hino do Movimento, em 1989, tiveram o trabalho
remasterizado. 448 (ver figura 32)
Mesmo ficando o MST com dez mil CDs para vender e fazer
fundos, o material teve pouca penetração no meio rural por não dispor os sem-terra de
aparelhos de som. Devido essa dificuldade, a maior parte dos CDs foi vendida para
militantes, simpatizantes e trabalhadores urbanos, sendo gravadas fitas cassetes para
tocarem em encontros e rádios-poste de acampamentos e assentamentos.
Tornando-se estratégia comum de comunicação nestes espaços de
luta, as rádios-poste e comunitárias estavam dando certo por terem maior recepção no
cotidiano dos sem-terra, expressando situações políticas e a realidade local da
organização. Com baixo custo, as rádios-poste eram facilmente instaladas, servindo para
entreter os sem-terra e prestando serviços de utilidade coletiva. As rádios comunitárias
dependiam de uma aparelhagem mais sofisticada, o que não impediu a consecução de
alguns projetos. Um dos exemplos foi a Rádio Camponesa FM 96,7, do assentamento
447 REVISTA SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 3, p. 38, 1998. 448 MST. Arte em movimento. São Paulo: Estúdio Mickael Brasil Rural, p1998. 1 CD.
272
Pirituba, região de Itapeva (SP). Indo ao ar em 1998, a Camponesa tinha a proposta de
“informar, educar e difundir as manifestações culturais brasileiras”. 449
Sob a responsabilidade de trabalhadores rurais, o funcionamento da
rádio dependeu da realização do Laboratório Organizacional de Radiodifusão (LORD),
um curso de capacitação de 35 pessoas no assentamento. O LORD foi composto por
jornalistas recém-formados que defendiam a democratização da comunicação. O
laboratório, além de capacitar aqueles que iriam trabalhar na rádio, estendia o curso para
mais assentados com o objetivo de debater o papel dos meios de comunicação na
sociedade.
Alcançando significativo resultado na produção da notícia local, as
rádios comunitárias do MST espalharam-se por acampamentos e assentamentos. Devido
ao custo, muitos projetos de abertura de rádios ficaram apenas no papel ou nos cursos
do LORD. Outros, ganharam apoio de ONGs e Universidades interessadas pela
comunicação popular.
Na tentativa de encontrar meios de difusão da notícia mais baratos,
estudantes e recém-formados em jornalismo da Universidade Católica de Santos
(UNISANTOS) desenvolveram, entre 2000 e 2001, em parceria com o MST, programas
em CDs e fitas cassetes que pudessem ser transmitidos pelas rádios comunitárias e
rádios-poste em 16 Estados brasileiros. As inovações de projetos de comunicação a
partir da valorização e capacitação de produtores sem-terra resultaram em vários
programas de radiodifusão, denominados Vozes da Terra.
A atuação de ONGs nacionais e estrangeiras encontrou na
produção de audiovisuais um importante espaço para direcionar recursos à ampliação e
democratização de tecnologias de comunicação popular. 450 Pelas mãos de intelectuais e
449 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 185, p. 7, 1998. 450 WENDHAUSEN, 2003, passim..
273
ativistas ligados a organizações não-governamentais, multiplicaram-se os vídeos, suas
características e finalidades. Em sua maioria, os audiovisuais centraram-se no cotidiano
dos acampamentos e assentamentos do MST, entrelaçando temas como justiça social,
meio ambiente, integração social, mística e oficinas culturais.
As filmagens de atos coletivos fortaleceram-se com a realização da
Marcha Nacional de 1997. Este evento foi reproduzido em pelo menos dois vídeos, “A
tomada de Brasília”, de Alderon da Costa 451 e “Por longos dias”, de Mauro Giuntini
Viana. 452
“A tomada de Brasília”, documentário produzido pela Rede Rua de
Comunicação, abordou a ocupação pacífica da Esplanada dos Ministérios pelos sem-
terra depois de uma campanha de dois meses e 1200 quilômetros de caminhada. Como
empresa voltada para a produção, distribuição e venda de produtos de comunicação
popular, a Rede Rua de Comunicação compunha a Associação Rede Rua, uma ONG
fundada em 1991. A entidade visava ações junto à população adulta que utilizava
espaços públicos, sejam ruas ou albergues, para sobreviverem. 453 Atuando na área de
comunicação alternativa, educacional e de promoção social, a Rede tinha como
coordenador o jornalista Alderon da Costa. Vídeos com abordagens sociais foram
produzidos pela ONG, desde os que retrataram a organização dos sem-terra e os
agricultores atingidos pelas barragens até homenagens a religiosos da Igreja Católica. 454
“Por longos dias”, trabalhando fragmentos de textos e imagens do
Projeto Terra, relacionou a leitura poética da saga dos sem-terra à Marcha Nacional
451 A TOMADA de Brasília. Direção: Alderon da Costa, Produção: Rede Rua de Comunicação. São Paulo: Associação Rede Rua, 1997. 1 videocassete (16 min), VHS, son., color. 452 POR LONGOS dias. Direção e Produção: Mauro Giuntini. Brasília: UnB, 1998. 1 videocassete (13 min), VHS, son., color. 453 REDE RUA DE COMUNICAÇÃO: Quem somos?, São Paulo, 2005. Disponível em <http://www.rederua.org.br/narua.php>. Acesso em: 12 dez. 2005. 454 A Rede Rua, em parceria com a CPT, também produziu o vídeo “5ª Romaria da Terra no Estado de São Paulo” (2000), com o objetivo de contribuir para a construção da memória histórica do MST. O vídeo tratou da história das caminhadas e a simbologia destes manifestos na organização dos sem-terra, com ênfase para o assentamento da Fazenda Reunidas, município de Promissão (SP).
274
pela Reforma Agrária à Brasília (DF). 455 Seu produtor, Mauro Giuntini, era professor
substituto no curso de Comunicação Social da UnB. O vídeo lhe rendeu os prêmios de
melhor Filme, Documentário e Montagem no III Festival de Cinema e Vídeo de
Curitiba (PR), e o da Imprensa no I Festival Internacional de Cinema e Vídeo
Ambiental (FICA), realizado em Cidade de Goiás (GO). 456
Além das produções audiovisuais que abordaram as caminhadas
organizadas pelo MST e os eventos coletivos dos sem-terra serem gravados,
reproduzidos em VHS e distribuídos em pontos de mobilizações, 457 produções de
cineastas e empresas de televisão ganharam dimensão nacional e internacional.
Recorrendo à história dos sem-terra que acamparam na Fazenda
Annoni, município de Passo Fundo (RS), na década de 1990, Tetê Moraes retornou à
terra ocupada e transformada em assentamento, para produzir um documentário sobre a
situação dos trabalhadores rurais. Um diálogo entre as lutas do passado e a realidade das
famílias assentadas caracterizou o longa-metragem “O sonho de Rose... 10 anos
depois”. 458
Como elemento de agregação dessas diferenças, a história dos
acampados entrelaçou-se aos relatos dos agricultores assentados. O “apelo ao
455 Christine de Alencar Chaves, ao realizar um importante estudo antropológico sobre a Marcha Nacional dos Sem-Terra, considerou que o MST ao tornar-se o principal beneficiário do capital simbólico que as caminhadas acumularam, conduziu os manifestos com o propósito de chamar a atenção da sociedade para a necessidade de reforma agrária enquanto alternativa para diminuir problemas urbanos, como o desemprego e a violência. Assim, consideramos que nos atos coletivos a conjugação entre representação e ação desdobrou-se em uma tensão entre reprodução e inovação, criando aproximações e distâncias entre grupos políticos. Cf. CHAVES, 2000, passim. 456 FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA E VÍDEO AMBIENTAL: Anteriores, Cidade de Goiás, 2006. Disponível em: <http://www.fica.art.br>. Acesso em: 10 jan. 2006. 457 Estas produções cresceram após a elaboração de um registro feito pelo MST/SP do “XII Encontro Estadual” (1997) em Santo André (SP), contando com a participação de várias lideranças políticas e a realização de um ato público na praça Charles Müller, em São Paulo (SP). 457 Na mesma linha de produção e divulgação, ocorreu o registro do “I Encontro Nacional de Educadores de Jovens e Adultos da Reforma Agrária – ENEJA” (1999) e o “V Encontro dos Sem Terrinha” (2000), uma gravação do MST/PE do evento que reuniu cerca de 1500 crianças no Sindicato de Construção Civil no Recife (PE). 458 O SONHO de Rose. Direção: Tetê Moraes. São Paulo: Vem Ver Brasil, 2000. 1 DVD (93 min).
275
passado”459 construiu sujeitos históricos que vivenciaram os dois momentos da
produção de Tetê Moraes. A afirmação de uma identidade através da relação entre
passado e presente fortaleceu nos participantes a importância do MST nas suas vidas e
no cenário político brasileiro. Porém, a identificação de todos com um sonho passado
perdeu forças num presente marcado por contradições e pelas dúvidas quanto ao futuro
das novas gerações na luta. 460
“O sonho de Rose” foi patrocinado pelo INCRA com a
cooperação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A
parceria propôs o trabalho de capacitação de assentados para buscar alternativas
econômicas e a manutenção desses espaços de produção agrícola, sendo a proposta de
Tetê Moraes aceita por enfocar as experiências de trabalhadores rurais sem-terra. 461
Após ganhar o Prêmio Margarida de Prata da CNBB, em 1997, a
diretora resolveu mudar o formato do longa-metragem para ser exibido nos cinemas.
Para a versão finalizada em 2000, a cineasta conseguiu diversos apoios e o patrocínio da
“BR Petrobrás Distribuidora”, empresa estatal que fomentou a indústria
cinematográfica brasileira na década de 1990. Fazendo parte do projeto “Cinema BR em
movimento” 462 que exibiu o filme pelo Brasil, o patrocínio da Petrobrás gerou polêmica
por discutir uma temática histórica e ideológica.
459 HOBSBAWM, 1998, p. 25. 460 O trabalho de construção da memória daqueles que conviveu com Rose na década de 1980 e dos filhos de assentados que nasceram no acampamento da Fazenda Annoni mostrou interesses diferentes quanto à luta dos sem-terra. Para os pais de família, o que estava em jogo era a viabilidade da Reforma Agrária através da valorização dos assentamentos por políticas agrícolas mais consistentes. Para os filhos dos que lutaram, a permanência no campo e a contribuição para o MST misturavam-se com a vontade de estudarem e saírem do campo. José Corrêa da Silva, marido de Rose, não conseguiu terra e trabalhava como pintor de casas para sustentar seus três filhos. A filmagem gerou uma discussão entre os antigos acampados sobre o problema enfrentado pela família de Rose. Depois de pedidos junto ao INCRA do Rio Grande do Sul, os assentados da Annoni conseguiram um lote de terra para José Corrêa. Cf. DA TERRA ao sonho de Rose. Direção: Tetê Moraes. São Paulo: Vem Ver Brasil, 2000. 2 DVD (176 min.). 461 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO: Conheça o PNDU, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/pnud/>. Acesso em: 19 ago. 2005. 462 CINEMA BR EM MOVIMENTO: O Projeto, Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.cinemabr emmovimento.com.br/histórico.aspx>. Acesso em: 19 ago. 2005.
276
Ao falar sobre o filme de Tetê Moraes, o líder sem-terra João
Pedro Stédile demonstrou satisfação sem perder de vista um parecer crítico sobre a
cultura nacional:
“compreendemos que a cultura deveria ser democratizada
também, para que o povo pudesse se enxergar nas telas, e
saíssemos daqueles estereótipos de televisão, de Hollywood, em
que tudo é coisa de outro mundo”. 463
Para Stédile, a exibição de filmes em várias cidades do país
contribuiu para a divulgação da luta colocando na tela as dificuldades e ideais dos
trabalhadores rurais. Tanto “Terra para Rose” quanto “O sonho de Rose” tornaram-se
referências na organização interna do MST, muito utilizados em cursos de formação das
bases. Sua exibição em espaços públicos e a venda em VHS ou DVD ampliaram a
recepção dos sonhos e problemas enfrentados pelos sem-terra, porém, não foi motivo de
contentamento da cineasta que, em matéria publicada pelo Jornal Sem Terra,
manifestou surpresa pelo tablóide não ter enfatizado a dificuldade de distribuição de sua
obra, problema interno do MST e do projeto da Petrobrás. 464 (ver figura 33)
Este não era o mesmo rumo de projetos, em sua maioria de
documentários, produzidos e transmitidos por empresas televisivas do Brasil e exterior.
A história de acampamentos e assentamentos ganhou dimensão nacional com a
exibição, em 2000, de “Cooperunião”. Tratando a temática sobre meio ambiente, o
documentário integrou a série “Brasil Alternativo” da TV Cultura de São Paulo. Com
reportagem de Renato Levi, relatos de trabalhadores rurais foram relacionados a
fragmentos do texto, músicas e fotografias do Projeto Terra. Abordando os 12 anos de
463 MORAES, 2000, 2 DVD. 464 JORNAL SEM TERRA. São Paulo: MST, nº. 170, p. 2, 1997.
277
existência da cooperativa catarinense, o episódio da série tratou da substituição do
adubo químico pela adubagem verde. Por apresentar um assunto de enfoque ambiental,
a produção contou com um apoio inédito do Fundo Nacional do Meio Ambiente em co-
produção com a TV Cultura. Pela sutileza com que o MST foi divulgado,
“Cooperunião” teve veiculação nacional na “Semana do Meio Ambiente”. 465
A produção e exibição do documentário por uma TV brasileira,
todavia, não superou o interesse de produtores e entidades estrangeiras pelo MST.
Sendo visto como um movimento social diferenciado no contexto político da América
Latina, o MST despertou a curiosidade de documentaristas e canais de televisão
europeus, sendo divulgado em vários países. Contribuindo para uma projeção
internacional, a TV inglesa BBC, através de um documentário de 10 minutos
denominado “Lifeline” , em 1999, relevou a pobreza no Brasil, o MST e sua condição
de movimento social frente ao problema fundiário, ganhando as telas de canais pagos
europeus.
Outro documentário com ampla repercussão na Europa foi “Terre
Promisse”. Em 2000, seu produtor, Stéphane Brasey, trabalhou a migração de
trabalhadores rurais a partir da vida de Zé Carlão, 11 vezes despejado, a caminho de
uma ocupação no município de Bauru (SP). Brasey, conhecido na França por seus
documentários sobre cultura e questões sociais em diversos países, transitou pelo
interior paulista e deparou-se com a dura realidade da conquista da terra por
trabalhadores rurais. 466
Produções como estas revelaram uma aproximação mais intensa
entre documentaristas e o MST. Idealizados sem a posição prévia de lideranças sem-
465 ALCOVADO, Paulo. Terra prometida. São Paulo, 2001. Disponível em: <http.//antiga.bibvirt.futura. usp.br/textos/hemeroteca/sin/sin07/sin07_04.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2005. 466 Ibid., 2001.
278
terra e legitimadas pelo Movimento através de repercussões externas, tais registros
assumiram, em suas realizações, um discurso de cumplicidade com o MST.
Contando com a colaboração da Global Exchange, ONG norte-
americana dedicada à integração social e cultural entre os povos, Aline Sasahara e
Maria Luiza Mendonça produziram, em 2000, “Raiz Forte” . A proposta era assumir um
discurso que demonstrasse a relação da produção do documentário com o MST. Em seu
roteiro contemplaram-se experiências de acampamentos e assentamentos em 10 Estados
brasileiros através da inserção na luta de pessoas humildes do interior do país e a
transformação da produção dos assentamentos em agroindústrias. 467
A produção de “Raiz Forte” fortaleceu a mística nos audiovisuais
com um trabalho de colagem de imagens captadas durante a realização. Sasahara e
Mendonça, ao serem elogiadas pela Direção Nacional receberam o convite para montar
um documentário com a finalidade de ser exibido no IV Congresso Nacional do MST.
No mesmo ano da produção de “Raiz Forte” , surgiu desta proposta o vídeo “Um
homem, uma mulher, uma bandeira”. Nele, as imagens de acampamentos e
assentamentos de Estados ilustraram o poema de Pedro Tierra que exaltava o processo
de conquista da terra através da organização dos trabalhadores rurais. A exaltação da
conquista, desde a gênese da mobilização até a formação da cooperativa, culminou com
o verso de Tierra “este é o nosso país, esta é a nossa bandeira”. 468
467 Depoimentos de sem-terra sobre a superação da desconfiança existente no Movimento iniciam um roteiro marcado pelas conversas entre trabalhadores rurais e a necessidade de se organizarem. Como resultado, ocorreu o registro da reunião que estabeleceu a estratégia de ocupação. Ao mostrar o arrombo do cadeado da cancela de uma propriedade. o ritual de iniciação dos sem-terra no MST é realizado pela primeira vez através da entrada na terra. A partir desta ação, considerada essencial na formação da consciência de luta dos trabalhadores rurais, seguem-se imagens do início de uma cooperativa evidenciando a diferença com trabalhos de subsistência. Cf. RAÍZ forte. Direção e Produção: Aline Sasahara e Maria Luiza Mendonça. São Paulo: Global Exchange, 2000. 1 videocassete (42 min), VHS, son., color. 468 UM HOMEM, uma mulher, uma bandeira. Direção e Produção de Aline Sasahara e Maria Luiza Mendonça. São Paulo: MST, 2000. 1 videocassete (18 min), VHS, son., color.
279
A estreita relação dessas produções com a Direção Nacional, em
meio ao crescimento do número de audiovisuais sobre os sem-terra, instigou em muitos
integrantes do Movimento a produção de vídeos para retratar a história e construir a
memória coletiva do MST. 469 O contato com ONG´s, universidades públicas,
professores, estudantes da área de comunicação social e documentaristas receptivos à
elaboração de trabalhos que abordassem a luta, fez a Secretaria Nacional do MST
buscar estratégias de capacitação para o uso e a produção dessas tecnologias.
Simpatizantes do MST que produziam documentários, ao
demonstrarem interesse pela aplicação de oficinas de filmagem junto aos sem-terra,
intensificaram a fértil relação entre lideranças e produtores de audiovisuais. Inserida
numa tendência de divulgação que defendia vídeos simples e baratos para melhorar a
recepção dos princípios organizativos no cotidiano da luta, a política de capacitação
ganhou destaque com a 1ª Oficina Audiovisual do MST.
Realizado em maio de 2000, no assentamento paranaense
Dorcelina Folador, município de Arapongas (PR), o curso para integrantes do MST
produzirem audiovisuais foi ministrado por profissionais de cinema e vídeo. Num outro
projeto inovador, sob coordenação de Berenice Mendes e produção do MST, foi
elaborado um vídeo a partir das imagens gravadas na Oficina de Linguagem
Audiovisual, no 33º Festival Internacional de Londrina (FILO). A Universidade
Estadual de Londrina (UEL), promotora do evento, cederia suas instalações para a
469 Audiovisuais com rica simbologia integraram a construção da memória da luta com trabalhos que retrataram experiências da produção agrícola de assentamentos. Dentre uma multiplicidade, podemos apontar alguns documentários de relevância na divulgação e organização do MST que se basearam em situações cotidianas da produção agrícola de assentados. “Dois Assentamentos” (1997) de Patrick Parmegiani abordou a atividade produtiva nos assentamentos das Fazendas Timboré e Pirituba, respectivamente nos municípios de Andradina (SP) e Itapeva (SP). “O futuro da terra” de Werner Schüneman reportou a vida nos assentamentos gaúchos de Charqueadas e Itapuí, através de entrevistas com crianças e adolescentes. “Invasão ou Cidadania?” (2000), produzido pela Rede Rua de Comunicação com trabalhadores rurais assentados no Pontal do Paranapanema revelou a estreita relação dos sem-terra com as ruas e favelas da cidade de São Paulo (SP) mostrando as péssimas condições de sobrevivência no campo diante da falta de incentivos governamentais.
280
edição das imagens. Porém, por conta das dificuldades enfrentadas na UEL, Berenice
alojou em sua própria casa os 5 alunos-editores que finalizaram, em 2000, o vídeo
“Uma luta de todos – o MST pelo próprio MST”. 470
“Uma luta de todos” pode ser considerado um vídeo inovador na
política de comunicação do MST. Como conquista da linguagem, a Oficina Audiovisual
e o documentário inauguraram uma frente de luta marcada pela produção interna de
vídeos, feita por trabalhadores rurais e lideranças do MST, somada à multiplicidade de
produções que possuíam um caráter externo de interpretação. Nesse sentido, a
consciência de classe aplicada através de audiovisuais, além de servir como
metodologia de cursos de formação, gerou novas produções.
Foi no IV Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília (DF)
em agosto de 2000, que a produção interna de vídeos demonstrou sua potencialidade na
organização. Numa II Oficina Audiovisual aplicada no Congresso, Aline Sasahara,
Maria Luísa Mendonça e Jovana Costile, então integrantes do Setor de Comunicação,
ministraram um curso de formação de jovens documentaristas do MST. Como produto
final da oficina, os participantes lançaram o vídeo “IV Congresso Nacional do MST”.471
A memória da luta, elemento de identificação entre os sem-terra,
permeou outros documentários. Em “O arquiteto da violência”, 472 trabalho realizado
pela CPT e MST, em 2000, foi denunciado a morte do trabalhador rural Antônio
Tavares no conflito entre policiais e sem-terra na rodovia paranaense BR-277,
possibilitando a produção de outro vídeo: “O Sonho Concreto”. Este último, um novo
registro de Berenice Mendes, produzido em 2001, retratou a história da construção do
470 UMA LUTA de todos – o MST pelo próprio MST. Direção: Berenice Mendes. Londrina: MST/FILO, 2000. 1 videocassete (27 min), VHS, son., color. 471 IV CONGRESSO Nacional do MST. Direção: Aline Sasahara, Maria Luísa Mendonça e Jovana Costile. Brasília: MST, 2000. 1 videocassete (18 min), VHS, son., color. 472 O ARQUITETO da violência. Direção e Produção de Berenice Mendes. Curitiba: MST/CPT, 2000. 1 videocassete (17 min), VHS, son., color.
281
Memorial às Vítimas da Reforma Agrária, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer às
margens da rodovia onde faleceu o trabalhador rural. 473 (ver figura 34).
O documentário de Mendes relacionou “o sonho” de conquista da
terra pelos trabalhadores rurais ao “concreto” do monumento. A metáfora, além de
deixar implícito que a reforma agrária no Brasil apenas foi “concretizada” com a
construção de memoriais, alimentou a importância de espaços que representasse a
memória do MST, enquanto estratégias de divulgação e fortalecimento da organização
dos sem-terra. A construção do monumento foi coordenada pelo Sindicato dos
Engenheiros do Estado do Paraná com a participação voluntária de diversos militantes
do Movimento. A idealização do projeto aumentou a simpatia de Niemeyer que, numa
aproximação mais intensa com a Direção Nacional, planejou outros monumentos em
homenagem à luta pela reforma agrária. 474
Considerando a expressão “monumento” como uma obra de
arquitetura ou escultura cuja finalidade é recordar eventos que constituem uma memória
coletiva, 475 “O Sonho Concreto” tornou-se uma referência entre lideranças sem-terra
para discutir a função dos monumentos no fortalecimento da organização. Tanto os
monumentos como os símbolos elaborados no processo organizativo dos sem-terra
criaram ambientes favoráveis para a produção de audiovisuais com forte apelo à
espetacularização, 476 relacionando ao cotidiano ou a história de acampamentos e
assentamentos, poemas e músicas elaboradas em homenagem ao MST.
De analfabetos a leitores, de leitores a escritores, de ouvintes a
músicos e radialistas, de espectadores a produtores, muitos trabalhadores rurais puderam
473 CENTRO DE MÍDIA INDEPENDENTE DE CURITIBA: Mostra de documentários de Berenice Mendes, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-curitiba/2006-june/0612-5n.html>. Acesso em: 15 jul. 2006. 474 MST INFORMA. São Paulo: MST, nº. 47, p. 2, 2003. 475 LE GOFF, 1994, p. 525. 476 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
282
perceber o quanto, em sua dimensão política, o MST expandiu fronteiras, fazendo da
luta pela terra um labirinto em que os caminhos levam para outros latifúndios.
283
Figura 27 – Divulgação do documentário “Terra para Rose”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 75, 1988
284
Figura 28 – Bandeira do MST, aprovada no III Encontro Nacional do MST, realizado em Piracicaba (SP), em 1987
285
Figura 29 – Slogan do ITERRA. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 156, 1999
286
Figura 30 – Capa da Revista Sem Terra, nº. 5, 1998
287
Figura 31 – Coluna “Agora falando sério...”. Revista Sem Terra, nº. 13, 1998
288
Figura 32 – Capa do CD Arte em Movimento, 1998
289
Figura 33 – DVD duplo “Da Terra ao Sonho de Rose”, 2000
290
Figura 34 – Monumento “O Sonho Concreto”, projeto de Oscar Niemeyer
296
CONCLUSÃO
A busca de alternativas de divulgação das ações políticas dos sem-
terra nunca esteve dissociada do MST. Estratégias de comunicação adotadas em seu
percurso nos demonstram a dinâmica simbólica que permeou o Movimento, fazendo da
luta pela reforma agrária uma luta pela informação. As múltiplas relações políticas
estabelecidas entre entidades solidárias, ONGs e agências de cooperação internacional,
constituíram um movimento social rural com o apoio e a militância de religiosos,
ativistas, intelectuais, sindicalistas, jornalistas, artistas e produtores culturais.
Estes colaboradores – entendidos como produtores da notícia e de
diversos materiais de formação – permearam a articulação política entre trabalhadores
rurais que originaram o MST, inserindo-se num projeto de contestação à estrutura
política do país e travando um combate de linguagem que fez da divulgação o centro do
embate ideológico de luta pela terra.
Como resultado, a elaboração de uma variedade de meios de
comunicação, o uso de tecnologias produzidas externamente e a relação estabelecida
entre MST e mídia, integraram a formação do Movimento que, no decorrer dos anos,
passou a debater a importância da informação e da construção de uma política de
comunicação como parte intrínseca de sua estrutura.
A elaboração do Boletim Sem Terra, antes mesmo da fundação, em
1984, do MST, nos permite apurar que o uso do informativo para divulgar a luta pela
terra no centro-sul do Brasil e arregimentar entidades e ONGs solidárias, esteve incutido
nas ações políticas dos agentes de apoio. Correspondendo a um instrumento de projeção
de idéias, o boletim serviu de referência na difusão de representações e na produção de
outras formas de comunicação.
297
Ao analisarmos a formação do MST sob o enfoque da luta
simbólica, compreendemos o papel de uma miríade de entidades coletivas que, em suas
relações políticas e contribuições específicas na organização dos sem-terra,
estruturaram um movimento social em rede, tecido pela difusão de representações e
contatos políticos. Os meios de comunicação do MST descortinaram um cenário de
lutas marcado por debates de idéias veiculados por estratégias alternativas e populares
para a militância dos sem-terra, entidades de apoio e sociedade civil.
Com a delimitação de representatividade da Direção Nacional e
dos setores organizativos, os meios de comunicação do Movimento adquiriram uma
condição política de (in) formação. Além de propagar a notícia, função dada à
publicação do Jornal Sem Terra, a capacitação de quadros exigiu a elaboração dos
Cadernos de Formação. Na trajetória da luta, estes instrumentos serviram de referência
para vários projetos de comunicação desenvolvidos pelo MST que, em anos de
formação, não desvinculou de suas bases o espectro da distância entre os produtores
culturais e os leitores sem-terra.
A (in) formação, entendida como prática política de capacitação
dos sem-terra mediante a organização de meios de comunicação, sustentou e projetou o
Movimento, estabelecendo contatos que produziram e difundiram idéias e criaram redes
de sociabilidades entre trabalhadores rurais, lideranças, agentes de apoio, entidades
solidárias, ONGs, agências de cooperação internacional e movimentos sociais de
diversos países.
Do isolamento dos agricultores de Ronda Alta (RS), em 1981, à
consecução de projetos que divulgaram os sem-terra mundialmente, as estratégias de
comunicação do MST serviram de pontes para mediar diversos contextos, aproximar
lutas distantes e formar uma identidade.
298
A veiculação de métodos organizativos e de representações
políticas pelos Cadernos de Formação, envolveu Centros de Educação Popular, como o
CAMP e o Instituto Sedes Sapientiae. Ao abrigarem a estrutura de produção de
materiais informativos do MST, estas entidades contribuíram na definição da Secretaria
Nacional e no incentivo às lideranças sem-terra para elaborarem textos que seriam
publicados nos Cadernos. Através destes impressos, teorias da organização do campo
foram difundidas, criando um ambiente de debates sobre a aplicação prática, questão
clássica recolocada nos movimentos sociais.
Das representações divulgadas pelo Jornal Sem Terra e Cadernos
de Formação emergiu a identidade sem-terra, fortalecida pelo Setor de Educação do
MST. Colocada em discussão no final da década de 1980, a construção da identidade
sem-terra estruturou-se com a invenção de símbolos, como a bandeira e o hino do
Movimento. Escolas de acampamentos e assentamentos, ao serem oficializadas, foram
entendidas como espaços ideais para consolidá-la. Por meio das ações políticas que
elaboraram os materiais impressos do Setor de Educação, o uso da história enquanto
disciplina, direcionava-se para a politização dos sem-terra.
Contudo, as ações de formação política não ocuparam apenas as
salas das escolas, espraiaram-se no cotidiano de acampamentos e assentamentos por
meio de novas tecnologias de comunicação. A produção e recepção de audiovisuais
integraram cursos de capacitação de quadros, também servindo para difundir a história
do MST, com suportes e públicos mais amplos.
Num primeiro momento, as experiências de documentários como
“Encruzilhada Natalino”, “A Classe Roceira” e “Terra para Rose”, abriram espaço
para outros vídeos que tiveram a contribuição de ONGs e um crescente trabalho de
simpatizantes e militantes. Porém, foi na segunda metade da década de 1990, através de
299
uma variedade de produções, que o MST foi mostrado em filmes, documentários
independentes ou de redes de televisão, possibilitando uma política de formação de
produtores sem-terra.
Assimilando audiovisuais compatíveis ou descartando aqueles que
contradiziam a linha política assumida pelo Movimento, a Direção Nacional incentivou
a realização de oficinas que inseriram trabalhadores rurais sem-terra num universo de
produção, desmitificando representações impostas pela mídia e criando ambientes que
experimentaram as tensões políticas por de trás das aparências de programas de rádio e
televisão.
As formas de representação pelas quais o MST foi propagado
expandiram fronteiras, criando relações políticas que projetaram a luta dos sem-terra de
um sentido local para uma agenda de inserção internacional. Um movimento em rede,
interligado pelo fluxo de informações operado por uma multiplicidade de meios de
comunicação foi integrado a Via Campesina, também estruturada pela conexão de idéias
através de estratégias adotadas por movimentos sociais de vários países. Desta
miscelânea, o excesso de informações desordenadas aportou como um problema tão
complexo quanto à ausência de instrumentos de difusão.
Nesse sentido, a política de comunicação do MST, delineada em
1995, apesar das dificuldades práticas, demonstrou a preocupação de lideranças sem-
terra com o tema, contribuindo para o conjunto de movimentos sociais pautarem a
problemática e produzirem ações reivindicadoras e simbólicas. Internamente, o
documento deu o primeiro passo para a profissionalização do Setor de Comunicação e
para a politização dos comunicadores, enfrentando o desafio característico na
comunicação popular de mediatizar a postura profissional de tarefas técnicas e o
compromisso com a linha política definida pelos dirigentes.
300
Mesmo diante das relutâncias de implantação da política de
comunicação, o documento de 1995 fortaleceu a presença de lideranças sem-terra no
campo jornalístico, possibilitando um debate interno sobre a relação entre o Movimento
e a mídia. Após o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, o MST posicionou-se,
numa carta enviada ao 27º Congresso Nacional de Jornalistas, realizado em Porto
Alegre (RS), frente à influência política exercida pela mídia na sociedade brasileira.
Representada por Gilmar Mauro, a Direção Nacional agradeceu a repórter Marisa
Romão e o cinegrafista Oswaldo Araújo, da TV Liberal – afiliada da Rede Globo no
Estado do Pará –, por filmarem o massacre e inibirem uma ação militar que poderia
levar a uma tragédia de proporções maiores.
“É pelo olhar de vocês e pela indignação que ele reflete que mais
este massacre não está passando despercebido pela sociedade. (...)
quando vocês pautam e descrevem a nossa luta, vocês a iluminam
tornando-a conhecida para o povo brasileiro”. 477
Diante da posição da Direção Nacional sobre o papel exercido pela
imprensa, a prática política dos sem-terra imbricava-se ao espaço ocupado na mídia,
pois a veiculação de imagens era condição estratégica nas relações de forças, cada vez
mais relegadas ao combate das linguagens e aos fluxos de informação. Pelos olhares
daqueles que escreveram textos, tiraram fotos, produziram imagens, símbolos, músicas
e expandiram o MST num campo virtual, o “ser sem-terra” tornou-se um conceito em
constante mudança, sendo lhe atribuído diferentes representações consubstanciadas
numa identidade em movimento. Compulsando o documento “Pedagogia do MST:
acompanhamento das escolas”, publicado em 2001, encontram-se informações que
477 CARTA. Aos Companheiros Jornalistas e Fotógrafos. São Paulo: MST, 1996.
301
permitem traçar um panorama das mudanças do conceito “sem-terra” na dinâmica
interna do MST.
“Ser sem-terra hoje é bem mais que ser um trabalhador ou
uma trabalhadora que não tem terra ou mesmo que luta por
ela. Sem-terra é uma identidade historicamente construída.
Primeiro como afirmação de uma condição social, sem-terra, e
aos poucos, não mais como uma circunstância de vida a ser
superada, mas sim como uma identidade de cultivo: somos
sem-terra do MST. (...) Talvez a melhor definição dos sem-terra
neste momento histórico seja a seguinte: ser sem-terra é estar
em movimento permanente pela transformação do atual estado
de coisas”.478
Na construção da identidade em movimento, os símbolos e os
meios de comunicação foram inseridos num mesmo processo quando lideranças deram
ao Jornal Sem Terra o estatuto de símbolo da luta. O tablóide foi considerado “um
patrimônio político do MST e da classe trabalhadora” por resistir ao tempo e “às
imposições da comunicação burguesa”, conforme apontou, em 1999, a sem-terra Judite
Strozake. A comunicação popular, entendida como uma ferramenta de educação
revolucionária deveria criar um sistema eficiente em que seriam entrelaçados os
diversos meios de comunicação do MST, tendo como princípio, a formação de jovens
para operacionalizar os instrumentos:
“O nosso jornal é o registro histórico escrito da retomada da luta
pela terra, (...) que culminou na criação do MST. (...) O Jornal Sem
Terra é a cara do MST. Alimentar na luta este sonho escrito é a
razão maior de nossa militância. (...) Os meios de comunicação
478 BOLETIM DE EDUCAÇÃO. São Paulo: MST, nº. 8, p. 23, 2001.
302
são nosso patrimônio. A comunicação é para salvar a honra de
nosso Movimento, o prestígio e a continuidade do trabalho em
todos os momentos da história. (...) Nossa juventude tem um papel
central nessa área. Podemos potencializar os grupos de jovens
para desempenhar os trabalhos de comunicação do MST. A
História nos reservou o tempo de lutar e construir”. 479
A comunicação, além de preservar a história do MST, passou a ser
entendida como o combustível que movimentava a organização. Códigos culturais
presente na construção da identidade sem-terra foram alimentados pelos fluxos de
informações e de símbolos que aproximaram trabalhadores rurais, militantes,
simpatizantes, lideranças, agentes de apoio, constituindo uma vasta relação de ONGs,
entidades solidárias e de cooperação internacional, que integraram um movimento em
rede, ao invés de uma organização de massa.
Costuma-se afirmar que a luta dos trabalhadores rurais sem-terra
pautou-se contra o latifúndio. A posição é correta, porém, insuficiente para pensar a
complexidade do MST. Das estratégias de divulgação da luta dos sem-terra à
preocupação da Direção Nacional em definir uma política de comunicação, desvendou-
se, além da ocupação de terras, o compromisso do movimento social rural com a luta
simbólica de ocupar outro latifúndio, aquele cujo domínio pertence aos grandes grupos
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_________; FERNANDES, B.M. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra
no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 1999. 166 p.
STROZAKE, J.J. (Coord.) A questão agrária e a justiça. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2000. 488 p.
TARELHO, L. C. Da consciência dos direitos à identidade social: os sem-terra de
Sumaré. 1988. 175 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1988.
TRAMONTE, C. et al. A comunicação na aldeia global: cidadãos do planeta face à
explosão dos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. 307 p.
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 204 p.
VEIGA, J.E. Cidades imaginadas: o Brasil é menos urbano do que se calcula.
Campinas: Autores Associados, 2002. 304 p.
WENDHAUSEN, H. Comunicação e mediação das ONGs: uma leitura a partir do
canal comunitário de Porto Alegre. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 138 p.
WOORTMANN, E. F. (Coord.) Significados da terra. Brasília: Unb, 2004. 290 p.
320
ANEXO A: Lista de Ilustrações
Figura 1 – Primeira Página do Boletim Sem Terra, nº. 1, 1981.....................................109 Figura 2 – Divulgação do Manifesto de 25 de julho de 1981. Boletim Sem Terra, nº. 9, 1981...............................................................................................................................110 Figura 3 – Seção Solidariedade. Boletim Sem Terra, nº. 18, 1982...............................111 Figura 4 – Primeiro boletim em fotocomposição. Boletim Sem Terra, nº. 22, 1982.....112 Figura 5 – Primeiro Editorial do Boletim Sem Terra, nº. 25, 1982...............................113 Figura 6 – Campanha pela revogação da LSN. Boletim Sem Terra, nº. 30, 1983.........114 Figura 7 – Primeiro Expediente com responsabilidade jornalística. Boletim Sem Terra, nº. 33, 1983....................................................................................................................114 Figura 8 – Publicidade do Jornal Mundo Jovem. Boletim Sem Terra, nº. 37, 1984......115 Figura 9 – Primeiro exemplar formato tablóide. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 36, 1984.........................................................................................................116 Figura 10 – Seção Cartas. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 41, 1985...............................................................................................................................117 Figura 11 – Charge: a solidariedade dos movimentos sociais latino-americanos contra o “inimigo comum”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 77, 1988............118 Figura 12 – Divulgação do I Encontro Nacional da Mulher Rural da Comissão Nacional Campesina (CNC) do Chile. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 55, 1986...............................................................................................................................118 Figura 13 – Caderno de Formação – Ações de Massa, nº. 7, 1985..............................191 Figura 14 – Representação de intelectual para lideranças do MST. Caderno de Formação – Ações de Massa, nº. 7, 1985......................................................................191 Figura 15– Caderno de Formação – reforma agrária com os pés no chão, nº. especial, 1986...............................................................................................................................192 Figura 16 – Seção Memória. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 91, 1990...............................................................................................................................193 Figura 17 – Caderno de Formação – O Plano Nacional de Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 4, 1985.....................................194
321
Figura 18 – Representação de reuniões de base. Caderno de Formação – O Plano Nacional de Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 4, 1985...........................................................................................................................194 Figura 19: Caderno de Formação – A luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986....................................................................................................................195 Figura 20 – Representação da cooperação agrícola. Caderno de Formação – A luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986...........................................195 Figura 21 – O laboratorismo. Caderno de Formação – elementos sobre a teoria da organização no campo, nº. 11, 1986.............................................................................196 Figura 22 – Encarte “Sem Terra em quadrinhos”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 80, 1989.................................................................................................197 Figura 23 – Propaganda televisiva em homenagem ao Dia do Trabalhador Rural. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 55, 1986......................................................198 Figura 24 – Divulgação do Programa dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, na Rádio AM Aparecida. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 63, 1987.................198 Figura 25 – Representação de leitor sem-terra, assíduo e comprometido com a organização. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 71, 1988.....................199 Figura 26 – Representação do leitor sem-terra ideal para a organização. Caderno de Formação – a luta continua: como se organizam os assentados, nº. 10, 1986.............199 Figura 27 – Divulgação do documentário “Terra para Rose”. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 75, 1988......................................................................................283 Figura 28 – Bandeira do MST, aprovada no III Encontro Nacional do MST, realizado em Piracicaba (SP), em 1987.........................................................................................284 Figura 29 – Slogan do ITERRA. Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nº. 256, 1999...............................................................................................................................285 Figura 30 – Capa da Revista Sem Terra, nº. 5, 1998.....................................................286 Figura 31 – Coluna “Agora falando sério...”. Revista Sem Terra, nº. 13, 1998...........287 Figura 32 – Capa do CD Arte em Movimento, 1998.....................................................288 Figura 33 – DVD duplo “Da Terra ao Sonho de Rose”, 2000.....................................289 Figura 34 – Monumento “O Sonho Concreto”, projeto de Oscar Niemeyer................290
322
ANEXO B: Lista de tabelas e gráficos
Tabela 1: Tiragem do Boletim Sem Terra (1981 – 1984).............................................291 Tabela 2: Tiragem do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (1984 – 2001).......292 Tabela 3: Tiragem da Revista Sem Terra (1997 – 2001)..............................................293 Gráfico 1: Tiragem do Boletim Sem Terra (1981 – 1984)............................................291 Gráfico 2: Tiragem do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (1984 – 2001).....293 Gráfico 3: Tiragem da Revista Sem Terra (1997 – 2001).............................................294 Gráfico 4: Meios de comunicação do MST (1981 – 2001)...........................................295
323
ANEXO C: Lista de abreviaturas e siglas
ABRA = Associação Brasileira de Reforma Agrária
ADUFRGS = Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
AIB = Associação Brasileira de Imprensa
AMNLAE = Asociación de Mujeres Nicaragüense “Luiza Amanda Espinoza”
ANCA = Associação Nacional de Cooperação Agrícola
ATC = Asociación de Trabajadores del Campo (Nicarágua)
BST = Boletim Sem Terra
CAFOD = Fundação Católica para o Desenvolvimento (Inglaterra)
CAMP = Centro de Assessoria Multiprofissional
CD = Compact Disc
CDDH = Centro de Defesa dos Direitos Humanos
CEBs = Comunidades Eclesiais de Base
CEPIS = Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae
CGT = Central Geral dos Trabalhadores
CRISTIAN AID = Agência Britânica de Ajuda Humanitária
CIMI = Conselho Indigenista Missionário
CISL = Confederazione Italiana Sindicato Lavoratori
CNC = Comissão Nacional Campesina do Chile
CNPA = Coordenadoria Nacional do Plano Ayala
CNBB = Confederação Nacional dos Bispos no Brasil
CNRA = Campanha Nacional pela Reforma Agrária
COAG = Coordinadora de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos (Espanha)
CONCLAT = Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras
CONCRAB = Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda.
CONIC = Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
CONTAG = Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPE = Coordination Paysanne Européene (Bélgica)
CPT = Comissão Pastoral da Terra
CRIES = Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales (Nicarágua)
CSC = Conselho Superior de Censura
CTM = Associazione Controinformazione Terzo Mondo
CUT = Central Única dos Trabalhadores
324
DIEESE = Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DPC = Development and Peace Canadian
EJA = Educação de Jovens e Adultos
ENEJA = Encontro Nacional de Educadores de Jovens e Adultos da Reforma Agrária
FASE = Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FENAJ = Federação Nacional dos Jornalistas
FUNAI = Fundação Nacional do Índio
FETAG = Federação dos Trabalhadores de Agricultura
FETAEP = Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Paraná
FICA = Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental
FILO = Festival Internacional de Teatro de Londrina
FUNDASUL = Fundação Sul-Riograndense de Assistência
FETAESP = Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de São Paulo
FMI = Fundo Monetário Internacional
FSPI = Federation of Indonesia Peasant Union (Indonésia)
IBASE = Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
ICCO = Organização Intereclesiástica para a Cooperação ao Desenvolvimento
(Holanda)
IECLB = Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
IESAE / FGV = Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio
Vargas
INCRA = Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IRLS = Instituto Rosa Luxemburg Stiftung
ITERRA = Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
JER = Juventudes Empreendedoras Rurales (Nicarágua)
JUC = Juventude Universitária Católica
JST = Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
LSN = Lei de Segurança Nacional
MAB = Movimento dos Atingidos por Barragens
MACALI = Madeireira Carazinhense Ltda.
MASTER = Movimento dos Agricultores Sem Terra
MASTRO = Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná
MAST = Movimento dos Agricultores Sem Terra
MIRAD = Ministério da Reforma Agrária e Desenvolvimento Agrário
325
MISEREOR = Agência de Desenvolvimento da Igreja Católica da Alemanha
MIT = Massachusetts Institute of Tecnology
MJDH = Movimento de Justiça e Direitos Humanos
MLST = Movimento de Libertação dos Sem Terra
MLT = Movimento de Luta pela Terra
MMC = Movimento das Mulheres Camponesas
MMTR = Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais
MPA = Movimento dos Pequenos Agricultores
MST = Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MUST = Movimento Unificado dos Sem Terra
NFFC = National Family Farm Coalition (Estados Unidos)
NORAD = Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento
OAB = Ordem dos Advogados do Brasil
OIT = Organização Internacional do Trabalho
ONG = Organização não-governamental
ONU = Organização das Nações Unidas
OSFS = Congregação dos Oblatos de São Francisco de Sales
PU = Pastoral Universitária
PCB = Partido Comunista Brasileiro
PDS = Partido do Socialismo Democrático Alemão
PDS = Partido Democrata Social
PDT = Partido Democrático Trabalhista
PFL = Partido da Frente Liberal
PJR = Pastoral da Juventude Rural
PNRA = Plano Nacional de Reforma Agrária
PNUD = Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PMDB = Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSB = Partido Socialista Brasileiro
PT = Partido dos Trabalhadores
PUC-RJ = Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-RS = Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PUC-SP = Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RBS = Rede Brasil Sul
RST = Revista Sem Terra
326
SAC = Sistema Cooperativista dos Assentados
SIN = Serviço de Intercâmbio Nacional dos Direitos Humanos
SIV = Servizio Internacionale Volontario
STR = Sindicato dos Trabalhadores Rurais
TAC = Curso Técnico em Administração Cooperativista
UDR = União Democrática Ruralista
UFPR = Universidade Federal do Paraná
UFRGS = Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ = Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB = Universidade Nacional de Brasília
UNESP = Universidade Estadual Paulista
USP = Universidade de São Paulo
ULTAB = União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícola do Brasil
UNAG = Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos (Nicarágua)
UNAM = Universidad Nacional Autónoma de México
UNI = União das Nações Indígenas
UNISANTOS = Universidade Católica de Santos
UNORCA = Union Nacional de Organizaciones Regionales Campesinas Autônomas
(México)
USI = União dos Sindicatos da Indústria
VPR = Vanguarda Popular Revolucionária
ZH = Jornal Zero Hora
327
ANEXO D: Cronologia
Capítulo 1: Divulgando a luta 1922 - fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB); 1932 - Congresso Revolucionário e fundação do Partido Socialista Brasileiro que
reunia grupos tenentistas; 1947 - fundação do Partido Socialista Brasileiro (PSB); - fundação da Folha Socialista, jornal de divulgação das teses e propostas do
PSB; 1949 - publicação do Jornal Terra Livre, sob responsabilidade do PCB e
especializado em questões do campo; 1952 - fundação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); 1962 - publicação do Jornal Liga, por intelectuais e estudantes que apoiavam as Ligas
Camponesas; 1963 - fundação da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Paraná
(FETAEP), na cidade de Londrina (PR); - fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG); 1964 - Golpe Militar e elaboração do Estatuto da Terra; 1965 - fundação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul
(FETAG-RS); 1967 - publicação da edição nº. 1 do Jornal Mundo Jovem; 1970 - incorporação das Faculdades São Bento e Sedes Sapientiae à PUC-SP; 1972 - criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); - publicação do Jornal Mundo Jovem sob responsabilidade da Faculdade de
Teologia da PUC-RS; 1975 - fundação da Comissão Pastoral da Terra (CPT); - fundação do Instituto Sedes Sapientiae; 1977 - organização do Concílio de Jovens de Lins (SP) e da Pastoral Universitária
(PU); 1978 - lançamento dos boletins informativos regionais da CPT; - expulsão de agricultores arrendatários das terras da Reserva Indígena dos
Kaingangs de Nonoai (RS); - fundação do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae;
328
1979 - ocupação da fazenda Sarandi, município de Sarandi (RS), por agricultores; - fundação do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH); - ocupações das glebas Macali e Brilhante, nos município de Sarandi (RS) e
Ronda Alta (RS), por agricultores remanescentes de Nonoai (RS); 1980 - ocupação da fazenda Annoni, município de Sarandi (RS), por agricultores; 1981 - formação do acampamento da Encruzilhada Natalino, entre os municípios de
Ronda Alta (RS), Sarandi (RS) e Passo Fundo (RS); - elaboração, por parte de religiosos e trabalhadores rurais, da “Carta dos
Colonos acampados em Ronda Alta”; - confecção da edição nº. 1 do Boletim Informativo da Campanha de
Solidariedade aos Agricultores Sem Terra (BST), com apoio da CPT, MJDH e PU de Porto Alegre (RS), periodicidade quinzenal e tiragem entre 700 e 1000 exemplares;
- I Encontro Estadual de Trabalhadores do Rio Grande do Sul, realizado por entidades sindicais em Porto Alegre (RS);
- mobilização de agricultores no Dia do Colono (25 de julho) no acampamento da Encruzilhada Natalino, organizado por uma rede de entidades sindicais e religiosas denominada de Movimento dos Sem Terra;
1982 - formação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), integrado pela
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Metodista do Brasil, Igreja Cristã Reformada no Brasil e Igreja Episcopal do Brasil;
- periodicidade mensal do Boletim Sem Terra e tiragem entre 1.000 e 2.500 exemplares;
- I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT); - formação do Comitê de Apoio aos Agricultores Sem Terra do Rio Grande do
Sul, constituído por representantes da CPT e do CONIC, do MJDH e lideranças de agricultores do acampamento da Encruzilhada Natalino;
- formação da Associazione Controinformazione Terzo Mondo; - o Comitê de Apoio torna-se responsável pela publicação do Boletim Sem Terra; - Encontro dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Medianeira (PR); - Encontro dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Goiânia (GO). 1983 - aumento da tiragem do Boletim Sem Terra, entre 3.000 e 5.000 exemplares, e
ampliação da circulação para Estados do centro-sul do Brasil (RS, SC, PR, SP e MS);
- formação da Comissão Provisória dos Estados do Sul, responsável pela articulação de lutas pela terra regionais;
- organização do Movimento dos Sem Terra da Regional Sul; - fundação do Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP) de Porto Alegre
(RS), por jovens estudantes, religiosos, sindicalistas, ativistas e diversos profissionais inseridos em movimentos sociais;
- início da assessoria do CAMP ao Comitê de Apoio e a produção do Boletim Sem Terra;
- reunião da Comissão Provisória da Regional Sul dos Sem Terra em Cascavel (PR);
329
- oficialização do Boletim Sem Terra como órgão de comunicação da Secretaria do Movimento Regional Sul dos Sem Terra e da Comissão Nacional Provisória de Trabalhadores Rurais Sem Terra;
- campanha do Boletim Sem Terra, em parceria com o Comitê Brasileiro de Anistia (RS), pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN);
- lançamento da edição nº. 33 do Boletim Sem Terra, que publicou o Expediente com os nomes do jornalista-responsável Flademir Araújo e dos colaboradores.
1984 - prestação de serviços de impressão do Jornal Zero Hora de Porto Alegre (RS)
ao Boletim Sem Terra, alcançando a tiragem de 7.000 exemplares; - I Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Cascavel (PR) e
fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); - reunião em Curitiba (PR), entre produtores do Boletim Sem Terra e lideranças
sem-terra, religiosos e sindicalistas, para lançar o Projeto Jornal, com o objetivo de transformar o boletim em tablóide;
- lançamento da edição nº. 36 do Sem Terra, formato tablóide, denominado Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (JST);
- o Jornal Sem Terra tem tiragem de 15.000 exemplares; - Encontro de Lavradores Latino Americanos em Lima, Peru; 1985 - I Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em
Curitiba (PR); 1986 - I Encontro Nacional da Mulher Trabalhadora Rural em São Paulo (SP); - I Encontro Nacional da Mulher Rural do Chile em Punta del Tralca. Capítulo 2: Definindo a organização 1979 - instituído o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos pelo
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo; 1981 - criação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas; 1983 - organização da Campanha Nacional pela Reforma Agrária (CNRA), integrada
pelo IBASE, CIMI, CONTAG e CPT; 1984 - publicação do Caderno de Formação nº. 1, “A organização do movimento:
quem é quem na luta pela terra”, sob supervisão e recurso do CAMP, Porto Alegre (RS);
1985 - publicação do Caderno de Formação nº. 3, “A Constituinte interessa aos
trabalhadores rurais?”, primeira cartilha produzida em São Paulo (SP); - lançamento do Caderno de Formação nº. 4, “O Plano Nacional de Reforma
Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” , em nome da Coordenação Nacional do MST; - publicação do Caderno de Formação nº. 7, “Ações de Massa”, baseado no conteúdo aplicado nos cursos de formação de lideranças do MST, ministrados por Ranulfo Peloso; - O Jornal Sem Terra, com periodicidade regular, alcança a tiragem de 30.000 exemplares, número mantido por toda a década de 1980;
330
- veiculação nacional pelas redes de televisão Globo, Manchete e TVS, da propaganda em homenagem ao Dia do Trabalhador Rural (25 de julho), produção da parceria entre o Instituto Sedes Sapientiae, o Centro Santo Dias dos Direitos Humanos, CUT e Jornal Sem Terra;
1986 - lançamento do Caderno de Formação nº. especial, “Reforma Agrária com os
pés no chão”, com textos escritos pelo frade franciscano Sérgio Antônio Görgen;
- conquista, pelo Jornal Sem Terra, do VIII Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Imprensa Sindical e Popular, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo;
- II Encontro Nacional dos Assentados do MST em Cascavel (PR); - formação da Comissão Nacional dos Assentados, transformada em
Coordenação Nacional de Cooperação Agrícola; - criação da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (ANCA); - publicação do Caderno de Formação nº. 5, “Como se organiza o MST”,
primeiro material impresso que projetou a organização do Movimento em instâncias;
- publicação do Caderno de Formação nº. 10, “A luta continua: como se organizam os assentados”, pela Comissão Nacional dos Assentados, orientando a organização dos assentamentos do MST;
- lançamento do texto “Teoria de la organizacion” do professor Clodomir Santos de Morais, na forma de Caderno de Formação nº. 11, “Elementos sobre a teoria da organização no campo”;
1987 - criação do Setor de Educação do MST; - veiculação nacional pela Rádio AM Aparecida, do Programa dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra; - III Encontro Nacional do MST em Piracicaba (SP); - debate entre lideranças sem-terra, no III Encontro Nacional do MST, sobre a
omissão da imprensa em relação aos sem-terra e a importância da organização de meios de comunicação do MST;
- oficialização da Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; - realização da Caravana dos Sem-Terra à Brasília (DF), organizada pelo MST,
PT e CUT; - lançamento da Revista Teoria e Debate do Partido dos Trabalhadores (PT); 1988 - realização do Primeiro Laboratório Nacional Experimental para formação de
quadros organizativos de “empresas agrícolas” do MST, no município de Palmeira das Missões (RS);
1989 - publicação do Caderno de Formação nº. 17, “Plano Nacional do MST (1989 –
1993)”, traçando metas para serem alcançadas em cinco anos.
Capítulo 3: Ampliando a comunicação 1982 - produção do documentário “Encruzilhada Natalino”, dos jornalistas Guaracy
Cunha e Ayrton Centeno;
331
1984 - firmação do Acordo Valletri, fundando a Interdoc, rede de ONGs que utilizava linhas telefônicas internacionais para a comunicação por correio eletrônico;
1985 - ativistas fundam a PeaceNet, rede de comunicação alternativa norte-americana; 1986 - lançamento do documentário “A Classe Roceira”, de Berenice Mendes; 1987 - lançamento do documentário longa-metragem “Terra para Rose”, de Tetê
Moraes; - criação do projeto Vídeo nas Aldeias que transformou-se em ONG com a
cooperação da Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD);
- fundação do Institute for Global Communications (IGC); -formação da rede de comunicação alternativa GreenNet; - lançamento da série Cadernos Vermelhos; 1988 - saída de João Caetano do Nascimento da editoração do Jornal Sem Terra; - Juan Pezzutto, Ademar Bogo, Egídio Brunetto e Uelton Fernandes, integram o
Conselho Editorial e de Redação do Jornal Sem Terra; 1989 - V Encontro Nacional do MST em Nova Veneza (SP); - oficialização do Hino do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; - publicação no Jornal Sem Terra do texto “Fortalecer a nossa identidade”, do
professor Cândido Grzybowski; - formação da Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa (FUNDEP)
no município de Três Passos (RS); - instalação do Departamento de Educação Rural (DER/FUNDEP) no município
de Braga (RS); 1990 - fundação do Instituto Rosa Luxemburg Stiftung (IRLS) da Alemanha; - publicação da cartilha DER/FUNDEP, “Nossa luta é nossa escola”; - realização da Conferência da Interdoc em Amsterdã, Holanda; - fundação da The Association for Progressive Communications (APC); 1991 - VI Encontro Nacional do MST em Piracicaba (SP); - elaboração e publicação do “Documento básico do MST” no VI Encontro
Nacional do MST; - fundação da ONG Associação Rede Rua; - publicação do Caderno de Formação nº. 18, “O que queremos com as escolas
dos assentamentos; - lançamento da Coleção Saber e Fazer; 1992 - lançamento da proposta pedagógica para os sem-terra pelo Setor de Educação
do MST e DER/FUNDEP, publicada como Caderno de Educação nº. 1, “Como fazer a escola que queremos”;
- formação da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda. (CONCRAB);
- lançamento do vídeo “Qual é o jeito Zé?”, de Murilo Santos e Vincent Carelli; - publicação do Boletim de Educação nº. 1, “Como deve ser uma escola de
assentamento”;
332
- Conferência ECO-92 no Rio de Janeiro (RJ); - Congresso da Unión Nacional de Agricultores e Ganaderos (UNAG) em
Manágua, Nicarágua; - criação da Via Campesina; - Débora Lerrer assume a responsabilidade jornalística do Jornal Sem Terra; - João Pedro Stédile e Neuri Domingos Rosseto assumem o Conselho Editorial
da Direção Nacional do MST; 1993 - publicação do Caderno de Formação nº. 20, “A cooperação agrícola nos
assentamentos”, por integrantes do Sistema Cooperativista dos Assentados (SAC);
- lançamento do documentário “Tem grilo no pontal”, de Bernardo Mançano Fernandes;
- publicação do Caderno de Cooperação Agrícola nº. 1, “Uma concepção de desenvolvimento rural”;
- lançamento do texto “A importância da prática na aprendizagem das crianças”, pelo Setor de Educação do MST e DER/FUNDEP;
1994 - publicação do Boletim de Educação nº. 4, “Escola, trabalho e cooperação”;
- publicação do Caderno de Formação nº. 21, “Questões práticas sobre Cooperativas de Produção”, pelo MST e CONCRAB; - “Campanha JST”, com o objetivo de conquistar colaboradores individuais e coletivos para o Jornal Sem Terra; - formação dos “Amigos do JST”, grupo de colaboradores do Jornal Sem Terra; - produção de “Terra e vida Catarina: a história e a luta dos sem-terra de Santa Catarina”, resultado da oficina de audiovisuais promovida pela ONG Diálogo – Cultura e Comunicação e o MST/SC; - publicação do Caderno de Formação nº. 22, “Dicas para buscar a eficiência”, propondo procedimentos de leitura, escrita, oratória, decisões e eficiência na organização;
1995 - fundação do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
(ITERRA) no município de Veranópolis (RS); - elaboração do documento interno “Por uma política de comunicação do
MST”; - lançamento da Coleção Fazendo História. 1996 - publicação do Caderno de Educação nº. 9, “Princípios da Educação no MST”,
escrito por Roseli Salete Caldart; - criação do endereço eletrônico [email protected], sob controle da
Secretaria Nacional do MST; - o Jornal Sem Terra alcança a tiragem de 35.000 exemplares; - realização da I Oficina Nacional de Formação de Músicos do MST em Brasília
(DF). 1997 - criação do endereço eletrônico [email protected], hospedado no
provedor da SANet, especializado na elaboração e manutenção de sites; - primeira página virtual do MST, www.sanet.com.br/semterra/index.html,
hospedada no provedor da SANet;
333
- lançamento do Projeto Terra, ensaio fotográfico de Sebastião Salgado prefaciado pelo escritor José Saramago, acompanhado por CD com quatro canções de Chico Buarque de Holanda;
- lançamento da edição nº. 1 da Revista Sem Terra, com periodicidade trimestral, tiragem inicial de 3.000 exemplares e distribuição para 23 Estados;
- produção do vídeo “A tomada de Brasília”, filmagem da Marcha Nacional à Brasília (DF), de Alderon da Costa;
- lançamento do documentário “O sonho de Rose... 10 anos depois”, de Tetê Moraes;
- a tiragem do Jornal Sem Terra é reduzida a 25.000 exemplares; 1998 - elaboração da homepage www.mst.org.br; - lançamento do CD Arte em Movimento; - realização do Laboratório Organizacional de Radiodifusão (LORD),
capacitando 35 trabalhadores rurais do assentamento Pirituba, Itapeva (SP); - funcionamento da Rádio Comunitária Camponesa FM 96,7, do assentamento
Pirituba; - lançamento do documentário “Por longos dias”, de Mauro Giuntini Viana; - o Jornal Sem Terra estabiliza a tiragem em 20.000 exemplares; - lançamento da Coleção Fazendo Escola. 1999 - revitalização da homepage www.mst.org.br, por Daniela Stéfano; - criação da rede virtual “Amigos do MST” e realização de encontros; - a Revista Sem Terra alcança a tiragem de 10.000 exemplares e passa a ser
vendida em bancas e livrarias das cidades de São Paulo (SP) e Campinas (SP); - exibição do documentário curta-metragem “Lifeline” , produção da TV inglesa
BBC; 2000 - início do Projeto Vozes da Terra, programas de rádio gravados em Cds e fitas
cassetes para rádios comunitárias e rádios-postes do MST; - participação do documentário “O sonho de Rose... 10 anos depois”, no projeto
“Cinema BR em movimento”; - produção do documentário “Terre Promisse”, de Stéphane Brasey; - exibição do documentário “Cooperunião” na série “Brasil Alternativo” da TV
Cultura de São Paulo (SP); - produção do documentário “Raiz Forte” , de Aline Sasahara e Maria Luiza
Mendonça, com a participação da ONG norte-americana Global Exchange; - realização da I Oficina Audiovisual do MST; - IV Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília (DF); - apresentação do vídeo “Um homem, uma mulher, uma bandeira”, de Aline
Sasahara e Maria Luiza Mendonça, no IV Congresso Nacional do MST; - II Oficina Audiovisual do MST, aplicada no IV Congresso Nacional do MST; - lançamento do vídeo “IV Congresso Nacional do MST”, produção final da II
Oficina Audiovisual do MST; - lançamento do documentário “O arquiteto da violência”, produzido pela CPT
e MST; 2001 - construção do monumento “O sonho concreto”, projetado pelo arquiteto Oscar
Niemeyer às margens da rodovia BR-277, no Estado do Paraná; - produção do vídeo “O sonho concreto” de Berenice Mendes.