A LITERATURA DE AUTORIA FEMININANA AMRICA LATINALuiza
LoboUniversidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO:Este ensaio apresenta, concisamente, uma historia da
literatura de autoria feminina latino-americana comentada,
incluindo escritoras da America Hispanica e do Brasil. Dados
biograficos e referncias s principais obras publicadas por cada uma
delas, situados dentro do contexto historico-social de seu tempo e
seguidos de crtica, e a divisao das autoras pelos temas que melhor
as caracterizam visam a tornar transparente a importncia desta
literatura. Na introduo do ensaio busca-se, a partir da noo de
estudos de gnero, discutir o significado da escrita de autoria
feminina e como se estabeleceu a autonomia desta literatura na
America Latina, atravs dos seus poucos sculos de
existncia.ABSTRACT:This essay presents a concise information on the
history of Latin-American women's literature, including Spanish
America and Brazil. Biographical data and reference to their main
published works are situated within their contemporary
social-historical context and are followed by a short criticism
about them. Authors are grouped by the theme that best
characterizes their work. This aims to show their importance in
general literature and to situate them by the literary themes that
they employ. In the introduction of the essay, departing from the
notion of gender studies, there is a discussion of the meaning of
these women writers' production and how the autonomy of
Latin-American literature was established throughout its few
centuries of existence.
INTRODUONosso interesse neste trabalho demarcar o espao da
literatura de autoria feminina atravs da histria da literatura da
Amrica Latina em geral, as grandes linhas em que esta se divide e
que vias se abriram para a escritora contempornea. No entanto,
seria aconselhvel, inicialmente, definir o que literatura de
autoria feminina e em que consiste a postura feminista na
literatura de mulheres.Atualmente, extensa a discusso sobre a
teoria do "feminismo" enquanto "gnero sexual" (gender), que deve
ser compreendido no como um dado recebido da natureza no
nascimento, mas como uma "construo cultural", ou, na acepo
psicanaltica, uma "diferena sexual". Notamos, por outro lado, que
esta discusso faz parte do campo da antropologia cultural e da
sociologia. Ali se explica o feminismo a partir de embasamentos
supostamente mais "coerentes", atendendo a uma exigncia de
cientificismo racional, naquele sentido lgico e cartesiano que
constitui o pano de fundo das oposies dicotmicas ou binrias que
costumam nortear a sociedade em que vivemos. No entanto, nem sempre
esse binarismo contrastante responde a nossas dvidas ou corresponde
a nossa sensibilidade sobre o assunto. A principal origem dessas
dvidas repousa na desconfiana de que este propalado
"cientificismo", que eterniza as dicotomias contidas nas divises
entre homem, macho, e mulher, fmea, se baseia numa simples analogia
inconsciente entre o mundo natural - aparncia fsica - e o mundo
psquico e cultural.Hlne Cixous considera, em "Sorties" (verLa jeune
ne, Paris, 1975), que as oposies com que a filosofia metafsica
caracteriza o real so "clssicos pares heterossexuais da
filosofia"[1].Hlne Cixous chama este tipo de reducionismo de
"death-dealing binary thought" (pensamento binrio de transao com a
morte)[2].Toril Moi nos alerta sobre a necessidade da desconstruo
de oposies binrias tipo "macho", "fmea", "forte", "fraco",
"violento", "delicado", "pblico", "ntimo" etc. Jacques Derrida
tambm criticou as oposies binrias que constituem o quadro
epistemolgico de conhecimento do mundo no Ocidente:
espritoversuscorpo, culturaversusnatureza, razoversusemoo,
considerando-as um sistemafalogocntrico, isto , centrado
nologocentrismoe nofalocentrismo(Cixous, 1975, in Navarro, 1995, p.
186), duas fortes estruturas de poder na sociedade. Jacques Derrida
nos esclarece amplamente como tais polaridades foram estabelecidas
atravs da histria da sociedade greco-judaico-crist-ocidental a
partir dologocentrismo(evidentemente, contendo idias patriarcais),
e como elas se estabeleceram como verdade. No entanto, tais juzos
de valor podem ser desconstrudos a todo momento a partir de uma
escrita feminista crtica, por exemplo. Por outro lado, os estudos
feministas precisariam se descolar com relao a posturas
naturalistas, que encaram a situao dos seres humanos como analgica
natureza, como se v nos mitos e nas religies. O fato que todas
essas assertivas so construes culturais que tm tanta verdade em si
quanta f coloquemos nelas. Neste sistema falocntrico que
transmitido, logocentricamente, a partir da tradio oral da cultura,
institui-se um cnone que privilegia determinados seres - homens -
de determinada raa - brancos - e de uma certa classe social -
ricos. As mulheres, os negros, e outras "minorias" (nem sempre
numricas) vem-se excludos das posies sociais mais elevadas, dos
estudos acadmicos, das editoras, dos cnones literrios, e, assim, no
surgem como formadores de opinio.Do ponto de vista terico, a
literatura de autoria feminina precisa criar, politicamente, um
espao prprio dentro do universo da literatura mundial mais ampla,
em que a mulher expresse a sua sensibilidade a partir de umponto de
vistae de umsujeito de representaoprprios, que sempre constituem um
olhar dadiferena. A temtica que da surge ser tanto mais afetiva,
delicada, sutil, reservada, frgil ou domstica quanto retratar as
vivncias da mulher no seu dia-a-dia, se for esta sua vivncia. Mas o
cnone da literatura de autoria feminina se modificar muito se a
mulher retratar vivncias resultantes no de recluso ou represso, mas
sim a partir de uma vida de sua livre escolha, com uma temtica, por
exemplo, que se afaste das atividades tradicionalmente consideradas
"domsticas" e "femininas" e ainda de outros esteretipos do
"feminino" herdados pela histria, voltando-se para outros assuntos
habitualmente no associados mulher at hoje.Com relao s discusses
sobre a teoria da literatura de autoria feminina, o estudo e a
produo do texto literrio vivem diversos dilemas: 1) o propsito do
escritor, do crtico e do historiador da literatura ler ou criar o
escrito com uma compreenso que no violente o texto, mas oouacomo
depoimento pessoal e histrico, de modo que muitos conceitos
oriundos de diversas fontes tericas, seja dos campos citados acima,
seja da psicanlise ou da neurologia, da histria, etc acabam por
violentar a prpria essncia sensvel da obra literria; 2) muitas das
definies que encontramos partem de ensastas e tericas que vivem,
trabalham e escrevem em universidades do Primeiro Mundo, e so,
portanto, definies que derivam de observaes ligadas quele universo
conceitual e experincia, refletindo as relaes interpessoais que
ocorrem ali. Muitas destas definies vm se formando e se
transformando h muito mais tempo do que na Amrica Latina, devido a
se constiturem de culturas com um ndice de leitura e escolaridade,
acesso ao saber e nveis de desenvolvimento muito mais elevados que
os das culturas primordialmente orais em que vivemos no chamado
Terceiro Mundo. Isto mesmo se considerarmos, na Amrica Latina, a
burguesia, mdia ou alta, como praticamente a nica classe social que
tem uma produo intelectual ligada escrita, leitura e discusso de
textos literrios; 3) o fascnio que em geral sentimos pelas definies
antropolgicas ou filosficas externas ao campo da literatura pode
nos levar a fugir de nosso objetivo principal, que o estudo do
texto literrio em si, embora a partir dele se vislumbrem
possibilidades de intertextualidades. Contudo, estas s podem ser
objeto de estudo na medida em que o prprio texto abra essas
janelas, e no quando as comparaes textuais sejam impostas de fora
para dentro pelo terico da literatura, pois, neste caso, se
infringiria a conduta de "escuta" da fala do outro que caracteriza
o texto literrio criativo; 4) outra caracterstica dos estudos de
literatura de autoria feminina, mas que se apresenta antes como
armadilha num campo minado, o descritivismo biogrfico. A vida das
autoras, minuciosamente descrita, acaba se confundindo com sua
obra, cuja qualidade pouco discutida, ou cujas caractersticas so
pouco aprofundadas. Isto ocorre porque as autoras - especialmente
as latino-americanas, incluindo-se a as brasileiras, mas tambm as
de lngua francesa, inglesa e holandesa do Caribe, as que utilizam
oquchuae outras lnguas indgenas para se comunicarem e cujos textos
so anotados e traduzidos por outras pessoas - so muito pouco
conhecidas do pblico em geral. Assim, a biografia surge como um
recurso para avivar o interesse por suas obras, mas no se deveria
reduzir o estudo da literatura dessas autoras histria de suas
vidas.Portanto, definies "importadas" diretamente para nosso
contexto literrio causam inevitavelmente um mal-estar; o mal-estar
da sensao de subdesenvolvimento e da impossibilidade real de ver,
perceber, entender alm dos horizontes de nossa prpria cultura - a
qual, no atual perodo ps-moderno e de comunicao de massa, s pode
ser entendida em comparao com outras culturas. Por outro lado, o
estudo biogrfico das autoras tambm funciona como uma "importao"
quanto ao estudo e anlise da literatura, que consiste na leitura,
apreciao - enfim, na recepo do texto literrio pelo pblico leitor -
o que ainda no tem ocorrido em larga escala na Amrica Latina, com
algumas excees.POR UM ESBOO DE DEFINIOTecnicamente, no se poderia
falar em literatura "feminista" antes que o termo fosse cunhado, na
dcada de 60 deste sculo. O termo "feminino" vem sendo associado a
um ponto de vista e uma temtica retrgrados, o termo "feminista", de
cunho poltico mais amplo, em geral visto de forma reducionista, s
no plano das cincias sociais. Entretanto, deveria ser aplicado a
uma perspectiva de mudana no campo da literatura. A acepo de
literatura "feminista" vem carregada de conotaes polticas e
sociolgicas, sendo em geral associada luta pelo trabalho, pelo
direito de agremiao, s conquistas de uma legislao igualitria ao
homem no que diz respeito a direitos, deveres, trabalho, casamento,
filhos etc. Entretanto, o texto literrio feminista o que apresenta
umponto de vistada narrativa, experincia de vida, e portanto
umsujeito de enunciao conscientede seu papel social. a conscincia
que o eu da autora coloca, seja na voz de personagens, narrador, ou
na suapersonana narrativa, mostrando uma posio de confronto social,
com respeito aos pontos em que a sociedade a cerceia ou a impede de
desenvolver seu direito de expresso. Neste sentido, sempre houve
autoras "feministas" dentro do contexto de suas pocas, tornando-se
o termo imprprio apenas por uma questo cronolgica. Como exemplo,
Safo, Sror Juana Ins de la Cruz, Gertrudis Gmez de Avellaneda
mostraram uma conscincia poltica ou esclarecida de sua existncia em
face da histria excepcionais para seu tempo, e poderiam ser
eventualmente identificadas com o "feminismo".Aalteridadepode ser
vista no s como umoutroantropolgico (Lvi-Strauss mostra o selvagem
como um outro igual ao civilizado que deve ser conhecido) ou
umoutrofilosfico (a conscincia da diferena entre pessoas), mas
tambm do ponto de vista psicanaltico: neste caso consistiria no
confronto entre consciente e inconsciente, e, por conseguinte, na
conscincia de que no somos um eu total, sem arestas, como querem o
humanismo e a metafsica, mas um eu com fissuras, com
desdobramentos, que representado pela prpria entrada no universo da
linguagem atravs da fala que constitui, para Lacan, a entrada no
plano do simblico exterior. Esta alteridade do eu em relao a si
mesmo o ponto de partida da literatura contempornea, mas se torna
mais aguda quando a literatura, pelo menos desde 1970, percebe que
se comporta de modo logocntrico e etnocntrico, nas palavras de
Lvi-Strauss, no s a respeito de outros povos e raas mas tambm com
respeito ao outro sexo e s minorias sexuais. O cnone demarcado pelo
homem branco, de classe mdia, ocidental. A mulher insere-se nesta
cena a partir de uma ruptura e o anncio de
umaalteridadeoudiferenapara com esta viso "falogocntrica", na
expresso de Hlne Cixous.Aalteridadeda literatura de autoria
feminina tornou-se assim a base da abordagem feminista na
literatura. Ser ooutro, o excluso, o estranho, prprio da mulher que
quer penetrar no "srio" mundo acadmico ou literrio. No se pode
ignorar que, por motivos mitolgicos, antropolgicos, sociolgicos e
histricos a mulher foi excluda do mundo da escrita - s podendo
introduzir seu nome na histria europia por assim dizer atravs de
arestas e frestas que conseguiu abrir atravs de seu aprendizado de
ler e escrever em conventos. Por exemplo, na Alemanha, a freira
Hildegard de Bingen (1098-?). Na Colmbia, a Madre Francisca Josefa
del Castillo (1671-1742). No Mxico, a freira Sror Juana Ins de la
Cruz (1648?-1695). Esta, apesar de sua inteligncia privilegiada
(alm da beleza), precisou declinar da possibilidade de um casamento
ou do trabalho de dama de companhia na Corte do Vice-Reinado, s
para ter a liberdade de escrever e estudar na sua cela no Convento
das Dominicanas. Na Frana, a primeira escritora francesa, a poetisa
Marie de France (antes de 1170-?), embora no fosse religiosa, s foi
alfabetizada devido a sua alta posio social na corte do rei
Henrique II e da rainha Eleonor de Aquitnia. Seul'Ysopetfoi
amplamente aproveitado por La Fontaine, em suas fbulas. Na introduo
aos seusLais, tirou humildemente o valor original de sua produo,
dizendo que se originavam da cultura oral - como se as outras
produes da poca tambm no o fizessem.Na literatura de autoria
feminina, como na literatura de autoria negra ou africana,
percebe-se a existncia de um discurso de alteridade poltico, na
medida em que seus representantes se assumam e se declarem como
tal, isto , como negros, negras, africanos, africanas, ou seja,
como parte de uma etnia no prestigiada ou como mulheres. A
literatura de autoria feminina se constitui naquelas obras em que a
literatura se exerce como tomada de conscincia de seu papel social.
Ao contrrio, h uma postura de igualamento no-feminista ou no racial
com as outras vozes, ou seja, deapagamentodasdiferenas, e no como
uma voz alternativa ou a expresso de uma minoria. Neste caso, o
suposto humanismo que tentaapagar as diferenas na verdade temor de
acirr-las, ao fingir no v-las, como se no tivessem sexo ou cor, e
como se tudo fosse universal. Neste caso, no se pode destacar essas
autoras como parte representativa da literatura de autoria
feminina, uma vez que no tomam conscincia de sua posio em face do
todo social. como se essas "minorias" fossem perfeita e
placidamente contempladas pelo cnone literrio em geral.Para Luce
Irigaray, em "Une chance de vivre,"[3]a literatura sexuada, pois
"Como se pode expressar a sexualidade seno atravs da linguagem?"
Como pode haver "uma diferena sexual, mas no uma sexualidade do
discurso"? (1989, p. 50). A lngua tambm no neutra, segundo a
psicanalista, porque: a) o plural dos gneros sempre concorda no
masculino; b) as realidades de valor so freqentemente masculinas em
nossas culturas patriarcais; c) em francs, o neutro, que em geral
intervm no lugar de uma diferena sexual apagada, se diz com a mesma
forma que o masculino, no caso de fenmenos da natureza: "il tonne,
il fait soleil" etc, ou nas realidades concernentes ao dever ou ao
direito: "il faut, il est ncessaire" etc. (1989, p. 44-5).
Incidimos no aspecto ideolgico, quando percebemos que todas essas
afirmaes quanto ao gnero da palavra nos parecem verdadeiras,
incontestveis, sem que tomemos conscincia de que nossa lngua
resulta de acumulaes ideolgicas, constituindo discursos - e quando
esquecemos que todo discurso mutvel e historicamente datado (1989,
p. 45).A proposta de Luce Irigaray de que a maioria dos discursos
de cunho poltico vazio, e nossa tendncia projetar nele nossas
sensaes, pois o vazio, o nulo, inquieta e apavora (1989, p. 45).
Portanto, junto a um trabalho de autoconscincia coletivo, seria
importante que as mulheres se mantivessem ligadas a um discurso que
manifestasse sua experincia subjetiva como elemento do saber, e o
lugar/a origem da fundao deste saber, pois a cincia no neutra,
universal, perfeita e inacessvel, e sim relativa: caso contrrio, a
cincia se transformaria em um novo superego para as mulheres.
Irigaray prope tambm que a mulher no se abandone a sentimentos
espontanestas ou espontaneidade excessiva em pblico, expressando
agressividade, ingenuidade, como se estivesse excluda da cultura,
ou como se a verdade fosse independente da experincia do sujeito
(mulher); e que retomasse constantemente um trabalho de dialtica
subjetividade-objetividade, para sair da posio de objeto em que
constantemente colocada (1989, p. 47). Evidentemente, no basta
ter-se um sexo definido, ser-se "fmea" para se exercer uma posio
feminista na literatura, afirma Toril Moi.[4]No basta
umobjetoligado experincia da mulher ou ser-se do sexo feminino para
tornar o texto feminista; o que torna um texto feminista o seuponto
de vista(1989, p. 121). Aqui lembraramos, igualmente, a importncia
da adoo de umsujeito de enunciao, aconscincia deste eufeminista, de
que falvamos acima.Comment by Jucely Regis: !!!!!!!!A concluso a
que se chega de que a crtica feminista se insere no plano poltico,
uma vez que "se caracteriza por seu engajamento poltico contra toda
e qualquer forma de patriarcalismo e sexismo", como afirma Toril
Moi (1989, p. 120). Aqui se poderia alegar: a) uma contradio com os
pargrafos iniciais deste trabalho, em que se colocava a literatura
como o estudo do texto literrio autnomo, e no como apndice da
antropologia, da histria, da sociologia etc; b) que a literatura
deve ser poltica, livre, artstica. Ora, ambas as colocaes estariam
corretas se no houvesse uma situao atualmente insustentvel na
histria literria mundial. que a literatura foi at este sculo uma
atividade masculina, regida por princpios patriarcais e
falocntricos, assim como foi exercida quase exclusivamente por
nobres e por religiosos, durante os perodos medieval,
renascentista, barroco e neoclssico. Foi apenas com o Romantismo
que o discurso literrio se democratizou e pde ser escrito e lido
por outras classes sociais, inferiores, e no exercido
hegemonicamente pelo sexo masculino.A prtica e o estudo da
literatura sempre foram feitos por homens que estabeleceram os
conceitos tericos a respeito da posio da mulher na sociedade. Na
Antigidade, passando pela organizao das primeiras sociedades
no-nmades, a fora fsica era importante na guerra, na caa e nos
trabalhos pesados, enquanto o trabalho exercido pela mulher no
fabrico dos bens de consumo (tecidos, culinria e trabalhos
domsticos e com a prole em geral) pde ser substitudo pelo trabalho
de escravos. Na sociedade grega, o trabalho da mulher, ligado casa
- tecidos, culinria, organizao da casa - quando foi transferido
para os escravos capturados na guerra, foi igualado negativamente
ao trabalho escravo, e assim surgiu um simbolismo negativo com
relao a ambos que o exerciam. Assim, surgem, nos escritos da
filosofia platnica e aristotlica, opinies altamente negativas sobre
as mulheres, que depois vo fundamentar o cristianismo e o
pensamento ocidental, e os preconceitos patriarcalistas e
falocntricos at hoje repetidos sobre as mulheres. Essas idias
penetram na sociedade judaica e medieval atravs da Bblia, que j
reflete a passagem do estgio nmade para estvel, com a respectiva
diviso do trabalho entre posio de poder e posio de escravo. medida
que a sociedade passou de nmade a no-nmade, a diviso do trabalho
deixou mulher o trabalho domstico, no-remunerado, e os que gozavam
de maior prestgio social por suas atividades fora do mbito domstico
assumiram as melhores posies e ganhos sociais oriundos do trabalho:
rea jurdica, governamental, financeira etc. Tambem na sociedade
medieval, o trabalho feminino foi igualado ao do servo, no interior
do castelo.[5]A desigualdade social ampliou-se com o mercantilismo
e o capitalismo.O reconhecimento da literatura de autoria feminina,
a partir da conscincia feminista, que revolucionou a cultura atravs
da histria, ainda no terminou, e a literatura, hoje, no s atinge o
novo pblico produtor e leitor feminino, como tambm incorpora outras
vises de alteridade. Hoje esta noo inclui o continente africano,
asitico e da Amrica Latina, que rarissimamente obtiveram voz nas
histrias literrias cannicas do passado.[6]Seria importante estudar
a literatura feminista do ponto de vista da Esttica da Recepo e da
teoria barthesiana dacriture, pois, no contexto da Nova Histria ou
da histria das mentalidades, aescrita feministaimplica um corte em
relao s idias hegemnicas na sociedade patriarcal. As vivncias,
omodus vivendie as mentalidades no podem continuar os mesmos depois
da insero destediscurso da diferena, que lentamente estabelecer
novos cnones como conseqncia da introduo de outras formas de
expresso e de comunicao social. evidente que no h uma histria
feminista matrilinear ou matriarcal do passado, nem h teorias
puramente feministas - como apontou Simone de Beauvoir emO segundo
sexo, ou como exigiu Mary Jacobus, afirmando que as mulheres no
produzem teorias prprias. Para Toril Moi, apenas importam, na
sociedade ps-moderna multidisciplinar e multifacetada, a aplicao e
os efeitos que cada juzo ou cada teoria em particular possam
produzir, e no tanto a origem de uma determinada idia. Nesta
perspectiva, a reescrita, a reinveno, a recriao - sempre baseadas
na repetio, que nunca igual - so to vlidas quanto uma suposta criao
original - que desconfiamos que no exista, pois a linguagem se cria
a partir de uma cadeia discursiva incessantemente repetida e
diferenciada (ver Deleuze,Logique du sens, 1969).Luce Irigaray
retoma sua posio em "Comment devenir des femmes civiles?"[7]e prope
no uma dialtica dupla, uma voltada para o sujeito masculino e outra
voltada para o sujeito feminino, mas simuma dialtica trplice: a do
sujeito masculino, a do sujeito feminino, e a de suas relaes em
pares ou em comunidade.Como estamos distantes de todas essas
afirmaes na Amrica Latina! Ao mesmo tempo em que recebemos as
teorias que vm de outras culturas externas a ns, basicamente da
Europa e dos Estados Unidos, deparamos com o mais vil e mesquinho
ambiente social do ponto de vista econmico e cultural, que impede a
mulher do povo de crescer, de ter acesso ao saber e de desfrutar
dos direitos que a sociedade lhe deve, at mesmo antes de nascer,
durante a gravidez da me, que o direito alimentao, educao, sade e
moradia, enfim, ao bem-estar social. A literatura, entendida
enquanto documento escrito e publicado, na Amrica Latina, ser,
talvez, ainda durante um sculo, uma atividade de uma elite
intelectual e dirigida a um pblico intelectual. Apesar dos passos
gigantescos dados pela mulher latino-americana em termos de
liberdade, de direito ao trabalho e de escolha de sua vida, no que
diz respeito ao todo da sociedade no Terceiro Mundo, s basicamente
as mulheres da classe mdia tm condies de acesso escrita e leitura,
escola e universidade, leitura de jornais, revistas e livros.[8]Se
verdade que, por um lado, "o perodo de industrializao integrou a
mulher em todas as esferas do mundo do trabalho, e particularmente
no mundo operrio", como afirma Luisa Ballesteros Rosas,[9]por outro
so muito poucas as vozes femininas que conseguem superar a luta
pela sobrevivncia e escrever ou apreciar a literatura, pesando a o
influxo da mdia que tem desviado as populaes de um exerccio mais
crtico sobre a sociedade - funo que a literatura exerce de forma
primordial. Portanto, apenas num sentido genrico verdade que "Hoje
as autoras latino-americanas, libertadas do ostracismo dos sculos
passados, introduzem suas vozes em todos os registros da vida
intelectual. Suas obras abordam com xito os mais diversos gneros,
que elas enriquecem com mltiplas perspectivas" (idem, p.
277).CONTEXTO POLTICO-SOCIALDesde fins do sculo XIX e
principalmente no sculo XX, a principal transformao por que passou
a literatura de autoria feminina a conscientizao da escritora
quanto a sua liberdade e autonomia e a possibilidade de trabalhar e
criar sua independncia financeira - atravs, basicamente, do
trabalho jornalstico, diplomtico (na Amrica Hispnica,
principalmente na Argentina e Mxico) e o professorado. Ocorreu
assim uma paulatina mudana da condio "feminina" para a condio
"feminista". Desde a dcada de 1970, a conscincia do corpo e o
questionamento da existncia, com a macia entrada das escritoras na
Universidade, pelo menos desde a dcada de 1950, tornaram suas vozes
mais intensas. As escritoras passaram a expressar suas realidades
psicolgicas, interiorizadas, filosficas, introvertidas e superaram
o estgio em que repetiam o estilo dos homens, no sculo XIX. Para
Elaine Showalter houve trs fases neste tipo de literatura: 1)
feminina: aparecimento da produo na dcada de 1840 at a morte de
George Eliot, em 1880; 2) feminista: de 1880 a 1920, com obteno do
voto; 3) "fmea" (de cunho sexual assumido ou de gnero feminino): de
1920 at o presente, mas com novo estgio de autoconscincia por volta
de 1960.[10]Situaes polticas vividas na Amrica do Sul levaram ao
exlio muitas escritoras do sculo XX. Por exemplo, a chilenaIsabel
Allende(1942- ),Cristina Peri Rossi(Uruguai, 1941- ) eLuisa
Valenzuela(Argentina, 1938- ). No sculo passado, a poeta e
dramaturga cubana conhecida como "La Avellaneda" -Gertrudis Gmes de
Avellaneda(1814-1873). Ela viveu durante anos na Espanha, at mesmo
num convento num perodo em que ficou viva, mais tarde retornando
para Cuba, onde foi muito celebrada. As guerras nacionalistas
levaram a argentinaJuana Manuela Gorriti(1818-1892), em companhia
do pai, general Gorriti, derrotado pelo federalista Juan Facundo
Quiroga, e a famlia, a exilar-se na Bolvia. A peruanaClorinda Matto
de Turner(pseudnimo de Grimanesa Martina Mato Usandivaras,
1852-1909), depois de sair de Arequipa para Lima, ao casar-se, em
1885, teve de exilar-se no Chile, em 1895, aps a destruio de seu
jornal e casa devido subida ao poder de Pirola, quando ela havia
apoiado Cceres; depois de uma viagem pela Europa, em 1908,
exilou-se em Buenos Aires, j enferma de pneumonia, e ali veio a
falecer.No incio deste sculo, a porto-riquenhaJulia de
Burgos(1914-1953) viveu em constante conflito poltico, lutando pela
causa independentista de seu pas. Sofreu todo tipo de preconceito
racial, por ser mulata, como, por exemplo, no ser aceita em pblico
por seu amante, o poltico de So Domingos Jimnez Grulln. Por esses
motivos, veio a exilar-se em Nova York. Ali se casa, em l943, com
Armando Marn, muda-se para Washington e, voltando a Nova York,
morre extremamente pobre e abandonada, sofrendo discriminao racial,
sem conseguir obter trabalho, sendo enterrada como mendiga. S
posteriormente a famlia localiza seus restos mortais,
trasladando-os para Porto Rico[11].TambmMara Luisa Bombal, que
travou contato em Paris com Breton e foi amiga de Borges, quando
viveu em Buenos Aires, casa-se com um norte-americano e passa a
residir em Washington, onde traduz suas novelas. S retorna ao Chile
j viva e idosa, recebendo muitas honrarias. A chilenaGabriela
Mistral(pseudnimo de Lucila Godoy Alcayaga, 1889-1957),
inicialmente professora primria de origem humilde, e nascida numa
regio indgena pobre no norte do Chile, chegou a ganhar o Prmio
Nobel de literatura, em 1945, quando estava no Rio de Janeiro,
ocupando um cargo diplomtico. Tambm residiu no Mxico, a trabalho, e
termina por fixar residncia definitiva nos Estados Unidos, onde
veio a falecer.Rosario Castellanos, mexicana, dedicou-se igualmente
diplomacia, e foi num de seus cargos que faleceu em Israel, onde
vivia com o filho adolescente, vtima de um acidente domstico com
eletricidade.H casos, entretanto, de exlio (por vezes familiar)
seguido de retorno - como o da venezuelanaTeresa de la Parra(Ana
Teresa Parra Sanojo, 1889-1936), cujo pai era cnsul da Venezuela em
Paris, cidade onde a escritora nasceu. Com a experincia de vida que
trouxe da Europa, faz um confronto entre a "civilizao culta" e a
"vida na colnia" em seus dois brilhantes romances mesclados de
memrias,Ifignia(1924), antes intituladoMemrias de uma senhorita que
se enfastiavaeMemrias de Mama Blanca(1929). A brasileiraClarice
Lispector(1920-1977), chegada no Brasil aos dois meses com os pais,
judeus russos, depois de passar a infncia e a adolescncia em
Alagoas e no Recife, formou-se em Direito no Rio e, casada com um
diplomata por dez anos, passou longos anos na Europa e em
Washington. Utilizou suas sofisticadas leituras de filosofia e
literatura estrangeira para a criao de um estilo profundamente
pessoal de constante questionamento da existncia atravs da palavra,
a partir do ponto de vista existencialista e psicolgico.Nlida
Pion(Rio de Janeiro, 1937- ), descendente de galegos emigrados para
o Rio de Janeiro, hoje professora titular de Literatura Brasileira
da Universidade de Miami e membro da Academia Brasileira de Letras.
Beneficiou-se das inmeras viagens que fez ao exterior e do seu
aprendizado bilnge, que lhe proporcionaram grande conhecimento das
literaturas espanhola e latino-americana. O romanceRepblica dos
sonhostem como tema a emigrao de uma famlia galega para o Rio do
ponto de vista da narradora.Embora tais situaes polticas possam ter
sido pessoalmente benficas, a longo prazo, tornando essas autoras
mais conhecidas e traduzidas no exterior (caso deCristina Peri
Rossi, vivendo em Barcelona, eLuisa Valenzuela, em Nova York), por
outro lado provocaram seu descentramento com relao ao seu pblico
leitor de origem e a perda de contato com este, interrompendo uma
histria de vida e uma troca cultural, com o exlio.A constante
instabilidade poltica, acirrada na dcada de 1970, com a implantao
das ditaduras militares no continente, aliada inaltervel falta de
condies materiais para a sobrevivncia satisfatria e a um panorama
cultural em constante confronto com os pases mais ricos do
exterior, tornou-se tpica dos pases da Amrica Latina, seja no sculo
passado seja no presente, seja com relao Europa ou com os Estados
Unidos. A vida no continente sul-americano se tornou um constante
motivo para frustraes e descontentamentos, fazendo com que muitas
escritoras desejassem exilar-se.BERO DA LITERATURA
HISPANO-AMERICANA:O BARROCOO desenvolvimento da literatura feminina
na Amrica Latina como um todo era, inicialmente, no perodo
ps-descoberta, restrito devido s dificuldades do contexto social em
que viviam as mulheres, bem como s disparidades lingsticas e
culturais que distinguiam os diferentes grupos indgenas do
continente, que sofriam, ainda, a represso dos colonizadores
portugueses e espanhis. Na verdade, a Amrica Latina no o bloco
lingstico e cultural unificado que se subentende com a expresso
"latina", oriunda de uma raiz lingstica nica. O continente tem,
mesmo entre as lnguas europias, alm da espanhola (a maioria), e da
portuguesa, a lngua inglesa, francesa e holandesa; tem as lnguas
indgenas orais brasileiras, sendo o maior grupo tupi-guarani falado
no sul do pas e no Paraguai, falas de origem africana, em Cuba, e
outras, no Brasil, resistentes no candombl, umbanda, e seus
relatos. A literatura de origem africana ainda no recebeu registro
apropriado. Em Cuba, foi feito porLydia Cabrera(Havana, 1900- ),
uma antroploga que estudou em Paris e coletou muitas lendas e mitos
da literatura oral de origem africana, embora no particularmente de
relatos da mulher.[12]Assim, em que pese a fama de duas escritoras
annimas peruanas, a primeira delasAmarilis, provavelmente pseudnimo
de Doa Mara de Alvarado, e outra de nome desconhecido, que
publicaram em 1608 e 1621, respectivamente[13],foi no prprio perodo
Barroco, do sculo XVII, que surgiu a primeira escritora das
Amricas, na poesia, no drama e na autobiografia:Sror Juana Ins de
la Cruz(Juana de Asbaje y Ramrez de Santillana, 1648?-1695) tinha
origem indgena, por parte da me, e era filha ilegtima, embora de
boa linhagem - o que a impedia de conseguir um bom casamento.
Preferiu abandonar a posio de dama da Corte junto Condessa de
Laguna, no Vice-Reino de Nova Espanha (Mxico), onde sua inteligncia
e beleza eram por todos celebradas, e recolher-se para sempre na
Ordem das Dominicanas, para se dedicar escrita e vida intelectual.
Deixou obra abundante, de sonetos, villancicos, poemas dramticos,
um longo poema, "Sonho", de quase 1.000 versos, ensaios teolgicos,
peas teatrais, inclusive comdias. Tambm realizou pesquisas
cientficas em sua cela, onde chegou a reunir uma biblioteca de
4.000 livros, a maior do Vice-Reino. Recebia a visita de
intelectuais, nobres e figuras gradas da Corte, em sua cela, para
debates. Era j a aquisio do "quarto prprio", de que nos fala
Virginia Woolf, s que sob os auspcios da Igreja, mas ainda no com a
autonomia econmica que desejava a autora inglesa no celebrado
ensaioA room of one's own. Sua vida termina tragicamente, aps a
edio daCarta atenagrica(1690), em que o bispo de Puebla, sob o
pseudnimo de Sor Filota de Jess, publicou uma censura a sua produo
cientfica e literria, acusando-a de autora profana, e proibindo-a
de escrever. Esta carta provoca, por parte de Sror Juana, a famosa
carta "Respuesta de la poetisa a la muy ilustre Sor Filotea de
Jess" (1691). Este vem a ser o primeiro documento autobiogrfico da
literatura feminina na Amrica. Ali ela afirma que o conhecimento
lcito e proveitoso tambm s mulheres, as quais, assim como os
homens, s devem estudar se tiverem talento. Relata que aprendera a
ler aos trs anos, acompanhando a irm escola, e que expressara o
desejo de freqentar a faculdade vestida de homem - no que foi
impedida pela famlia (vivia ento com o av materno). Novamente,
prenunciava muitas idias expostas emUm quarto prprio, de Virginia
Woolf. Segundo a autora inglesa, se existisse a irm de Shakespeare,
ela jamais obteria o sucesso do irmo ou sobreviveria sozinha na
Londres elizabetana, como fez Shakespeare. Aps o terrvel documento
do bispo de Puebla, provavelmente inserto no contexto da Inquisio,
proibindo-a de escrever, Sror Juana praticamente levada ao suicdio.
Vende a biblioteca e os instrumentos cientficos e trata das irms de
caridade de sua Ordem, vtimas da peste, at se contaminar. Para no
quebrar o voto e pegar da pena, escreve na mo, no momento da morte,
com o prprio sangue: "Sou a pior mulher do mundo" - uma confisso em
que mostra a dissociao entre a liberdade de criao artstica e o seu
superego relativo ao dever assumido, talvez sem uma vocao
verdadeira.Madre Mara Francisca Josefa del Castillo y Guevara,
Madre Castillo, ou Josefa del Castillo, da Colmbia (Vice-Reino de
Granada, 1671-1742), autora de poemas, uma autobiografia,Vida(1.
ed. 1817) e uma segunda obra em prosa intitulada, nos manuscritos,
"Afectos sentimentales", mas que publicada com o ttulo
deSentimentos espirituales, apenas em 1843 (vol. 1) e 1945-1946
(vol. 2). Esta j foi comparada aos escritos da madre espanhola Sror
Teresa de Jess, Castillo interior, o tratado de las moradas(1588).
Ali se revela profundamente mstica, relatando suas iluminaes, que a
tornam "a esposa de Deus". As vozes que ouvia so atribudas ao diabo
por seu confessor. Aps trabalhar numa Ordem como simples leiga,
lutou contra muitos preconceitos para ser aceita como freira,
exercer cargos hierrquicos, chegando a madre superiora, por saber
ler. Por isto e por provir de origem humilde, despertou desconfiana
e despeito das outras freiras. Manteve, com elas, um pssimo
relacionamento, mas uma obedincia total para com os confessores.
Como est longe dostatusculto e refinado de Santa Teresa de la Cruz,
na metrpole, esta freira de Nova Granada (Colmbia)!BERO DA
LITERATURA FEMININA BRASILEIRA:O ROMANTISMOOs historiadores da
literatura brasileira costumavam considerar, erroneamente, a meu
ver, como a primeira autora brasileiraTeresa Margarida da Silva e
Orta(So Paulo, 1711? ou 1712?-Lisboa, 1793), pois publica a
novelaMximas de virtude e formosura(1752), que na segunda edio foi
intitulada por elaAventuras de Difanes(1773). O livro uma adaptao
deLes aventures de Tlmaque(1699), de Fnlon. Entretanto, embora
tenha nascido no Brasil - era irm do filsofo Matias Aires - foi
levada pelos pais, que eram portugueses, para Lisboa, onde se
casou, ficou viva e depois entrou para um convento, sem mais
retornar ao Brasil. Assim, deve-se considerar a primeira autora
brasileiraMaria Firmina dos Reis, uma vez queAna Eurdice Eufrosina
de Barandas(R. S. ?) escreveu uma novela de apenas 40 pginas, de
feio romntica, acompanhada de contos curtos, intituladaO ramalhete;
ou flores colhidas no jardim da imaginao(Porto Alegre, Typ. de T.
J. Lopes, 1845. 78 p.).Maria Firmina dos Reis(So Lus,
1825-Guimares, 1917) provavelmente a primeira romancista brasileira
e sem dvida a primeira maranhense, com seursula(1859). Este foi
tambm o primeiro romance abolicionista brasileiro.Era pobre,
mulata, solteira, e foi a primeira professora primria concursada no
Maranho. Adotou cerca de dez crianas, e morreu pobre, cega e
esquecida na cidade de Guimares, no continente, longe da
capital.rsulaemprega uma tica folhetinesca e europeizante, que nada
fica a dever Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, e se assemelha
ao idlio ingnuo e exacerbado dePaulo e Virgnia(1787), de Bernardin
de Saint-Pierre, obra que ela cita no captulo 13. Escreveu poemas e
contos noSemanrio Maranhensee outros jornais, e publicou o livro de
poemas de cunho lrico ou poltico,Cantos beira-mar(So Lus, 1871).
Escreveu tambm o primeiro dirio de mulher de que se tem notcia
(embora publicado apenas em 1975, pelo historiador Jos Nascimento
Moraes Filho, integrando o importanteMaria Firmina, fragmentos de
uma vida). Neste livro, Moraes Filho inclui suas composies enquanto
folclorista, autora de charadas e compositora.PRINCIPAIS TEMAS DA
LITERATURA DE AUTORIA FEMININA:1. SUBJETIVISMO:1.1. AUTOBIOGRAFIA,
MEMRIAS, CONFISSESrsula, no romance homnimo, descrita na cena final
de forma semelhante a Oflia, louca, delirante, vestida de branco e
segurando flores. O contexto do romance o "gtico" ultra-romntico:
vejam-se a morte da me da herona, enterrada num cemitrio com
lgubres alias de ciprestes curvados ao vento, o assassinato do
noivo na porta da igreja, momentos antes do casamento com rsula,
pelo prprio tio, que a amava, a recluso da noiva num convento, o
tema do quase incesto (entre tio e sobrinha), to ao gosto do
Romantismo, a converso do assassino (o tio de rsula) a padre e seu
arrependimento diante da loucura ofeliana da moa.Gertrudis Gmez de
Avellaneda, conhecida como La Avellaneda (Puerto Principe, Cuba,
1814-1873), passou parte da vida na Espanha. Escreveu poemas,
romances e dramas. Sua vida se tornou mais conhecida que sua obra.
Foi cercada de lances amorosos romnticos - chegou a se isolar num
convento, e se casou vrias vezes. AsObras(1914-1918, 4 vol.)
ePoesias seletas(Barcelona, 1966) foram publicadas na Espanha.
Retornou a Cuba coberta de fama, tornando-se uma das mais
importantes figuras do mundo literrio da ilha, ficando conhecida
tambm na Espanha.Dos mujeres(1842) um ataque contra o casamento,
eSab(1841) um libelo contra a escravido.Juana Manuela
Gorriti(Horcones, Argentina,1818-1892), a primeira escritora
argentina, era filha de um rebelde do pas. Emigrou para o Peru,
mantendo, em Lima, saraus literrios. considerada escritora de
reputao escandalosa e de excepcional talento, com os romancesOs
amores de Hortensia(1888),Sacrifcio erecompensa(1886)
eEleodora(1887), todos com grande sabor sentimental. SeuBlanca
Sol(1889) foi o primeiro romance naturalista peruano.Jlia Lopes de
Almeida(Rio de Janeiro, 1862-1934) tem ampla obra em prosa, em
diversos gneros, do teatro ao romance, seja didtico, lrico ou
epistolar.Correio da roa(1913) um romance epistolar, didtico e de
formao (Bildungsroman)- aqui centrado na educao das moas. A troca
de cartas entre duas amigas apresenta, por parte da amiga da
cidade, conselhos que permitem outra plantar e organizar um stio
para seu sustento e o de suas filhas, depois que ficou viva. A
educadora urbana caracterizada com o perfil da mulher "moderna",
dinnima, auto-sustentvel. A outra, do campo, viva, com dificuldades
de sobreviver, educar e casar as filhas, conforma-se com seu papel
de "educanda" e "rural". Este romance de formao (Bildungsroman) no
um convite aventura e manuteno da tradio familiar, como no romance
centrado no personagem masculino, mas antes se constitui num
romance de formao domstica, caseira.1.2. SENTIMENTALISMO
MSTICOGabriela Mistral(pseud. de Lucila Godoy Alcayaga,Vicua,
1889-Estados Unidos, 1957) foi a nica mulher na Amrica a receber o
Prmio Nobel. Seu principal livro foi o primeiro,Desolao(1922),
refletindo profunda tristeza pessoal pelo suicdio de seu jovem
amado. Talvez este livro nunca tenha sido superado pela autora,
devido a sua lrica e intensa dramaticidade afetiva. No traz as
marcas modernistas de outros grandes nomes da literatura de ento:
Joyce, Eliot, Pound, Gertrude Stein, nem os protestos nacionalistas
e programticos do Modernismo brasileiro, de um Oswald e de um Mrio
de Andrade. Muitos crticos tambm se indagaram se o uso imperfeito
da mtrica e da rima por Mistral era voluntrio ou se resultava do
desconhecimento das regras de versificao. Na sua obra, marcada pela
musicalidade, destacam-se a elegia dos pequenos momentos, o
despojamento, a sinceridade nos afetos, revelando o amor de
professora primria. No teve filhos, adotando uma criana que morreu
na adolescncia, o que provocou nova e profunda tristeza na
autora.Ceclia Meireles(Rio de Janeiro, 1901-1964) estria parnasiana
e segue, na sua poesia, o caminho do Simbolismo para penetrar no
Modernismo, alis, como o prprio Mrio de Andrade, que tambm partiu
das teorias musicais simbolistas de Ren Ghil. Ao contrrio deste,
contudo, desvia-se das ousadias experimentais e ideolgicas dos
modernistas, preferindo um mundo de sentimentalismo quase mstico -
como o doRomanceiro da Inconfidncia, no qual compara Tiradentes a
Jesus Cristo e os outros Inconfidentes aos Apstolos.[14]Pode-se
considerar a mineiraHenriqueta Lisboa(Lambari, M.G., 1904 - Belo
Horizonte, 1985) uma seguidora da poesia modernista e profundamente
lrica, mstica, pessoal e despojada de Ceclia Meireles e outros
poetas.Adlia Prado(Divinpolis, M.G., 1936- ) assume abertamente, em
seus livros de poesia, conto, pensamentos e memrias, seu misticismo
catlico, como Gabriela Mistral, Murilo Mendes, Jorge de Lima,
Ceclia Meireles e Henriqueta Lisboa, entre outros que a
antecederam, principalmente os poetas da fase mstica conhecida como
"gerao de 45".1.3. EROTISMOJuana de Ibarbourou(Melo, Uruguai,
1892-1979), pseudnimo de Juana Fernndez Morales, ganhou o ttulo de
"Juana de Amrica" em 1825, tal a riqueza da imagtica barroca e
requintada, de exuberncia ertica e exaltao da vida contida em sua
poesia. Era bela, teve fama. Escreveu a partir da matria das
recordaes da aldeia indgena da sua infncia. O narcisismo, a
alegria, a sensao de terra, de gua - o cntaro, o poo, o lago, os
cabelos negros, o prprio corpo a fizeram escrever, unindo o amor ao
momento da morte: "Caronte, yo ser un escndalo en su barca!"
Contudo, com o falecimento do marido e a perda da beleza,
entregou-se a uma poesia mais melanclica e pessimista,
encerrando-se em casa, como num tmulo. Suas principais obras
foramAs lnguas de diamante,Raiz selvagemeO cntarofresco.Delmira
Agustini(Montevidu, 1886-1914), culta e mimada menina rica, se
mostra ousada na sua potica da segunda dcada do sculo XX.
Desenvolve o verso branco, moderno e despojado emO livro
brancoeCorrespondncia, ambos influenciados pelo simbolismo
hispano-americano (chamado, na literatura hispnica, "Modernismo"),
de Julio Herrera Y Reissig, Leopoldo Lugones e Rubn Daro. Porm,
envolvendo-se num casamento mal-sucedido e condenado pela famlia,
pois ele era um negociante de cavalos, encontra a morte pelas mos
do prprio ex-marido. ODicionrio de literatura uruguaiainsinua que
um amante no meio literrio pode t-lo levado a assassin-la com um
tiro e a atirar em si mesmo em seguida, numa tragdia que at hoje
marcou a interpretao da vida e da obra da autora, devido ao mistrio
que a cerca.Alfonsina Storni(Sua, 1892-Rosrio, 1938), ativa moa,
filha de imigrantes suos (nasce naquele pas casualmente, numa
visita dos seus pais aos avs), comea a vida em Mendoza, na
Argentina, vive o drama da falncia da fbrica de cerveja do pai,
trabalha numa fbrica de toucas, torna-se atriz itinerante,
professora. Como Gilca Machado, Storni tambm viveu dificuldades
financeiras, sofreu preconceitos e teve de educar a uma filha
ilegtima sozinha, o que marcou excessivamente a orientao nas suas
peas teatrais com uma revolta quase pessoal contra o homem e o
machismo. Seus poemas so incisivos e eficazes. Mas pode-se dizer
que foi, na dcada de 1920-30, uma feminista. Suicida-se em Mar del
Plata, ao descobrir que tem cncer, tendo antes enviado, na vspera,
seu poema de despedida a um jornal. O suicdio corta muitas
carreiras de escritoras.Josefina Pl(Paraguai, 1909- ) tem uma
poesia ertica com uma forte relao com a terra, a lama, o amor, o
corpo, a vida. Suas peas teatrais mostram uma forte valorizao do
ndio guarani na cultura paraguaia.Dora Acua outra poeta paraguaia
profundamente marcada, em sua poesia, pela terra e a sensibilidade
sensorial, que se destacou com obras nas dcadas de 1930 a
1950.Gilca Machado(Rio de Janeiro, 1893-1980), de origem humilde e
funcionria da Estrada de Ferro Central do Brasil, sofreu toda sorte
de preconceitos da crtica por ter expressado na sua poesia a
linguagem do sentimento e do corpo. O lanamento de seu primeiro
livro,Cristais partidos(1917), firma sua qualidade de versificadora
e metrificadora e seu temrio fortemente subjetivo e ertico, ligados
com pureza ao eu lrico, a suas emoes e amores. Seus demais livros
no acrescentaram muito quela primeira obra - mesmo fenmeno que
ocorre com Gabriela Mistral. Tambm ela no se incorporou ao
vanguardismo ou ao Modernismo brasileiro nem na primeira nem nas
fases posteriores, permanecendo ligada ao Parnasianismo. Este no um
fato isolado na literatura feminina latino-americana, tendo
ocorrido tambm com Gabriela Mistral e em parte com Ceclia Meireles,
por exemplo. possvel que Gilca, j viva, falasse do imaginrio do
corpo - mas os crticos sempre leram sua obra no como metfora mas
como representao do real. Isso acabou por afastar a autora da
sociedade. At hoje a filha, detentora de seus direitos autorais,
cria obstculo para edies pstumas de sua obra, procurando preservar
uma imagem idealizada da me, ainda na perspectiva de que vida igual
a obra.Outras escritoras brasileiras que apontam para o
comportamento ertico da mulher, embora de modo velado e ligado
casa, soCarmen Dolores(pseudnimo de Emlia Moncorvo Bandeira de Melo
(Rio de Janeiro, 1852-1910), no livro de contosGradaes(1897) eMaria
Benedita Bormann(Porto Alegre, 1853-Rio de Janeiro, 1895), que
assinou com o pseudnimo deDliao romanceCeleste(1893), entre
outros.[15]2. POLTICA2.1. INDIANISMOGuatimozim, o ltimo imperador
do Mxico(1846), um famoso romance deLa Avellanedasobre este pas e a
conquista de Hernn Corts, em que defende ardentemente a civilizao
indgena, relembrando a triste lenda em que Marina, a indgena que
foi forada a ser amante de Corts e execrada entre o povo mexicano,
sonha em unir seu esprito ao do imperador indgena Guatimozim, aps
sua morte. No Mxico, a expresso "hijos de Malinche" (Marina)
refere-se aos traidores da ptria.Clorinda Matto de Turner(Cuzco,
Peru, 1852-1909), pseudnimo de Grimanesa Martina Mato Usandivas,
escreveAves sem ninho(1889), romance indianista, em que o ndio
aparece como vtima, sob o olhar protetor de um casal de origem
espanhola, refinado, branco e bondoso, os Marn. do ponto de vista
destes que se descreve a pobreza dos ndios da vila de Killac e,
como so assassinados, apesar de todo o esforo do casal em contrrio.
O ttulo se deve trama romntica em que dois jovens, filhos ilegtimos
do padre local e uma indgena, sem que o saibam, se apaixonam e se
transformam em "aves sem ninho". Ele se torna marinheiro e ela se
casar com outro rapaz, noutro romance da autora,Herana(1895). O
tema argumento para esta condenar a atuao do clero catlico junto
aos ndios, explorando sua pobreza e ignorncia. De-senvolve a mesma
tese emndole(1891). Isto lhe rendeu a perseguio da Igreja em seu
pas, contribuindo para seu exlio.Maria Firmina dos Reis, com o
conto "Gupeva" (publicado noSemanrio Maranhenseem 1870 e
republicado por Nascimento Moraes emMaria Firmina: fragmentos de
uma vida(So Lus, 1975), uma das raras autoras brasileiras que se
debruou sobre o indianismo. O enredo insinua um incesto, uma vez
que Gupeva, chefe indgena, apaixona-se por uma jovem que chega da
Europa, sem saber que ambos eram filhos de um mesmo nobre
francs.Isabel Allende, j no sculo XX, emA casa dos espritos, aps
apresentar o ndio arrasado no sul do pas, ao final do livro
introduz a misteriosa e mgica cultura dos ndios nos altiplanos ao
norte do Chile, atravs de rituais aterrorizantes e fantasmagricos -
um tom j presente na ltima fase da poesia de Mistral, quando ela se
volta para a mesma regio, envolta em sombras, onde nascera.Josefina
Pl(Espanha, 1909- ) emigrou da Espanha para o Paraguai em 1927, com
o marido, um ceramista paraguaio. Mesmo aps a morte deste,
continuou morando no pas. Foi importante figura cultural no pas,
tambm ceramista, poeta, ensasta e autora de vrias peas teatrais
premiadas. Entre estas,Cenculo Vy' Raity, ttulo que em guarani
significa "Ninho de alegria", centra-se num pai espanhol que no
queria legitimar os cinco filhos que tivera com uma ndia guarani. A
comdiaAqui no se passou nada(1942) considerada sua melhor
pea.Rosrio Castellanos(Mxico, 1925-Tel-Aviv, 1974) apresenta uma
importante obra ensastica, antecipando algumas propostas de Cixous
com relao escrita pelo intelecto e pelo corpo - a "criture femme".
Tambm poeta, foi no romance que continuou a tradio indianista
romntica, apresentando uma viso mais poltica do problema. conhecida
sua trilogia de romances centrados em sua vila natal, em Chiapas, e
em especialBaln Cann(1957). Considera importante, no indianismo, no
apenas a valorizao sentimental do ndio, como tambm a possibilidade
de analisar sua cultura como o bero civilizatrio do Mxico. Esta
trilogia constitui, assim, um assunto no s regionalista como
poltico de afirmao do nacional. um primeiro momento de identificao
da mulher com o mundo social que a cerca.2.2.
ABOLICIONISMOSab(1839), porGertrudis Gmez de Avellaneda, um romance
de tese em dois volumes escrito ao gosto deA cabana do Pai Toms, de
Harriet Beecher Stowe, mas se baseia numa lenda cubana, em que um
escravo apaixonado pela dona sacrifica sua vida por ela, ocultando
o caso amoroso desta com um cavalheiro indigno.Maria Firmina dos
Reisescreveu o conto abolicionista "O Escravo" (publicado
noSeminrio Maranhenseem 1870), reproduzindo uma conversa de salo na
qual um dos convivas culpava a escravido por ser um anti-humanismo
degradante para a sociedade.Julia de Burgos(Porto Rico, 1914-1953)
teve vida trgica, como relatado acima, em seu exlio em Washington e
depois em Nova York, vtima da pobreza e falta de trabalho, devido
ao preconceito racial. Seu poema "Ay ay ay de la grifa negra"
elogia os prprios cabelos de negra.2.3. DO REGIONALISMO NOVELA
URBANAEmbora o regionalismo tenha comeado no sculo XIX, com
ocostumbrismona Amrica Hispnica, entre as mulheres ele s se torna
tema literrio no sculo XX, j no estilo realista, e explorado, no do
ponto de vista do descritivismo paisagstico, mas como observao de
desigualdades entre as classes, no contexto poltico-social.Victoria
Ocampo(Buenos Aires, 1890-1979) foi editora da prestigiosa
revistaSurde 1931 a 1970. Por sua ousadia, foi vtima de
preconceitos sociais entre outros proprietrios da alta sociedade no
campo prximo capital, por ter construdo uma casa em estilo moderno.
Mulher rica, age como conquistadora e empreendedora mulher de
negcios. Publica ensaios e romances e retrata, nos sete volumes
deTestimonios, a vida e o mundo literrio na Europa e na Argentina,
por onde circula, ntima de intelectuais e homens de poder. Recebe
Keyserling e Rabrindanah Tagore na Argentina, tornando sua casa em
Buenos Aires um verdadeiro salo literrio. Traduz e escreve sobre
Virginia Woolf.Teresa de la Parra(Paris, 1889-Caracas, 1936),
depois de rf de pai, que era cnsul venezuelano em Paris, foi com a
famlia de Paris para Valencia, Espanha, onde estudou numa escola
catlica, e finalmente para Caracas. Permaneceu solteira, criou um
grupo de escritoras francesas e latino-americanas em 1924, foi
conferencista. Seu primeiro romance,Dirio de uma senhorita que se
entediava(1922), republicado comoIfignia(1924), um clssico
docostumbrismo, mostrando a vida em Caracas no incio do sculo a
partir de suas recordaes. AsMemrias de Mama Blanca(1929), com
depoimentos imaginados sobre a infncia de uma velha que vivia numa
fazenda de acar, considerado seu melhor livro, embora no a meu
ver.Ifignia um livro vivo, universal, retrato de uma poca em que o
"feminino" ocupava o procnio da vida da mulher burguesa. A
personagem mostrava uma preocupao exagerada com compras, faceirice,
narcisismo, casamento, vida em famlia, ao mesmo tempo em que
demonstrava um incio de tnue luta pela liberdade. A escritura
mostra, respeitando o contexto do seu tempo, a rebeldia e a
inteligncia como aspectos vivos e persistentes, apesar da represso
social, tornando a personagem, alm de verossmil, altamente
feminista, a seu modo. Escapa da fantochizao e da infantilizao do
personagem feminino, to comuns nos romances costumbristas ou "de
poca". A autora revela influncia das teorias racistas de seu tempo
ao criticar a figura fsica do negro em Bogot ou a petulncia da
mulher mulata do tio de Ifignia, que lhe roubou a herana
paterna.Poderamos traar um paralelo entreIfigniae o dirioMinha vida
de menina(1942, escrito entre 1893 e1895), de Helena Morley
(pseudnimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, Diamantina, M.G.,
1880-Rio de Janeiro, 1970). Este contm memrias de infncia em Minas
Gerais, redigidas em estilo cativante e cultivado, como o de Mme.
de Sgur, na Frana, mas destitudas da viso universal, de mundo e da
crtica urbana e social que encontramos na prosa de Teresa de la
Parra, principalmente emIfignia. O termo "costumbrismo" teria como
paralelo "romance de costumes" no Brasil, e, embora praticado aqui,
no sculo XIX, por Martins Pena, no teatro, e por Jos de Alencar,
essencialmente na prosa, no encontra o mesmo interesse por parte da
crtica brasileira que por parte da crtica de lngua espanhola.2.4.
ENGAJAMENTO POLTICOJulia de Burgos(Porto Rico, 1914-1953) escreveu
poemas polticos, de defesa da abolio da escravatura, da
independncia com relao Espanha, e poemas de negritude,
anunciando-se negra e elogiando os prprios cabelos, como em "Ay ay
ay de la grifa negra". "Rio Grande de Loza" um poema lrico que
todos conhecem de cor em Porto Rico e que se transformou numa
espcie de culto nacional, depois da grande destruio da natureza da
ilha, com o capitalismo selvagem do Terceiro Mundo. Poderamos traar
um importante paralelo entre Julia de Burgos eMaria Firmina dos
Reis, cujosCantos(1872) trazem inmeros poemas patriticos sobre
soldados retornados da Guerra do Paraguai, poemas abolicionistas,
alm do conto "O Escravo", e sua posio abolicionista e republicana
aprofundada emrsula(1859). Poucas escritoras desenvolveram o
esprito patritico no sculo XIX, como Juana Manuela Gorriti e
Clorinda Matto de Turner. No Brasil, o esprito poltico-patritico,
com a exceo de Maria Firmina dos Reis, encontra representao apenas
no sculo XX, com Patrcia Galvo (Pagu), que escreveParque
industrial(1933), um livro de feitio comunista.Isabel
Allende(Santiago de Chile, 1942- ) se exilou no Peru, como
jornalista, e se destacou com o romanceA casa dos espritos(1985),
ainda no superado quer por seu outro romance,De amor e de
sombras(1984), quer por sua novela,Eva Luna(1987), nem por suas
demais obras. Embora denote um forte parentesco comCem anos de
solido(Buenos Aires, 1967), de Gabriel Garca Mrquez, pois seu
estilo tambm emprega o realismo mgico, o livro traz, no entanto,
como marca de originalidade, um ponto de vista exclusivamente
feminino, delineando a ao real sempre a partir desta tica. Os
dirios da av Clara, localizados pela neta Alba, que conduz a
narrativa, servem de argumento e fio condutor para que esta
articule todo o discurso fragmentado das mulheres da famlia e
revele a alegria da descoberta do belo e da vida, que em geral o
reprimido e o recalcado no discurso feminino.Neste livro entre o
romance e o memorialismo, ressurge o recalcado do passado feminino.
Allende mostra as atitudes patriarcais e colonialistas do av
espanhol, Estebn Trueba, permitidas pela colonizao que arrasa os
ndios, no sul do Chile, suas atitudes autoritrias na fazenda,
reprimindo os empregados e seus familiares, e at sua prpria mulher,
Clara. Esta acaba se calando, deixando apenas os dirios para a
imaginao da neta Alba recortar na criao do romance. Da vida na
fazenda, o texto passa a incursionar pela atuao do av Esteban
Trueba na poltica, no centro urbano de Santiago, acompanha a vida
do casal dentro da casa cheia de recordaes e silncios e as
conseqncias da represso poltica da dcada de 1970 sobre a famlia de
Trueba. um verdadeiro "romance de fundao" da Amrica Hispnica, alm
de se constituir numBildungsromanfeminino. Pode-se comparar a ele,
em alguns aspectos, o romanceA Repblica dos sonhos(1984), de Nlida
Pion, mas no h muitos outros exemplos de romances semelhantes de
autoria feminina latino-americana, na atualidade. , portanto,
umatentativa de pica chilena, na tica feminina. Infelizmente, a
autora incide eventualmente no sentimentalismo novelesco ou na
vitimizao e dependncia da personagem Alba (neta e narradora). Estes
aspectos denunciam uma certa imaturidade desta obra, principalmente
no seu desfecho. Alba Trueba no exerce uma escolha consciente e
poltica, sendo presa pelo Exrcito no por sua atuao poltica, mas por
vingana pessoal familiar. Inicialmente, na priso, mostra um perfil
vitimizado, ingnuo e dominado. A motivao da priso de Alba a busca
de seu namorado, o ativista Miguel. Ela se mostra totalmente
despreparada para um acontecimento desses, em plena ditadura. A
dura realidade do golpe do Estado chileno de 1973 diluda nesta
trama novelesca que se reduz ao drama pessoal do neto ilegtimo de
Trueba, que pertence aos quadros da direita e quer se vingar da
neta legtima e herdeira. Esta trama pessoal pode at parecer
"justificar" torturas e choques eltricos, e a coincidncia dos dois
herdeiros se enredarem nesta situao bem ao gosto romntico e
inverossmil.Raquel de Queirs(Fortaleza, 1910- ) sempre ser lembrada
por seu primeiro romance,O Quinze(1930), que um dos melhores do
chamado "ciclo nordestino do romance de trinta". Relata os
problemas e a situao de pobreza atvica oriundos das constantes
secas e emigraes dos povos interioranos para as capitais do
Nordeste, num interminvel ciclo. Esta obra sobrepujaA
Bagaceira(1928), de Jos Amrico de Almeida, que, embora
cronologicamente anterior e inauguradora do ciclo da literatura
regionalista, guarda um indisfarvel tom sentimental romntico, e
muito pouca preocupao com o meio ambiente e a crtica social.Patrcia
Galvo(que tinha o apelido de Pagu, So Paulo, 1910-Santos, 1962),
teve destacada atuao no Partido Comunista Brasileiro. Foi
jornalista e figura importante entre os modernistas, chegando a
casar-se com Oswald de Andrade, com quem teve um filho. Jornalista,
viajou China, donde trouxe a semente de soja para o Brasil. Presa
por suas atividades comunistas na Frana, passou cinco anos
encarcerada, sendo deportada para o Brasil.A famosa revista(1945)
um livro escrito a quatro mos com o segundo marido, Geraldo Ferraz.
Deixou alguns poemas e manuscritos, e um romance proletrio,Parque
industrial(1933). Este era um retrato psicolgico original do
dia-a-dia das operrias numa fbrica (no qual o marido Oswald de
Andrade aparece como um burgus conquistador), e teve de ser
publicado com o pseudnimo de Mara Lobo, por exigncia do Partido
Comunista stalinista de ento, que o considerou excessivamente
intimista. Na verdade, a autora assumia ali, como ponto de vista,
os sentimentos das proletrias ingnuas que trabalhavam na fbrica e
eram enganadas pelos homens burgueses.3. A REVOLUO DA LINGUAGEM
POTICAMara Luisa Bombal(Santiago do Chile, 1910-EUA, 1980) provoca
uma virada da linguagem realista-regionalista para a literatura
surrealista do imaginrio, sob a influncia de Breton e Borges, tendo
com este travado contato pessoal. Contribuiu para a fixao da
escrita feminina enquanto expresso do imaginrio, seja enquanto
gnero testemunhal, seja na narrativa em prosa, subjetiva,
introjetada, enquanto poema em prosa ou romance lrico. Escreveu
contos e novelas to enigmticos quanto belos, de uma beleza s
explicvel pela simbolizao de elementos femininos recalcados.Alm de
imagens surrealistas, Bombal utiliza o mito, como no conto
"Tranas", em que a mulher perde sua fora ao cortar os cabelos. EmA
Amortalhada(1938), posterior aEnquanto agonizo (As I lay dying,
1930), de Faulkner, tambm uma mulher de dentro do caixo (apersonada
autora) que relata a estria, mas aqui em plano imaginrio e na
primeira do singular, e no como no escritor americano, no qual as
falas da me morta so dramatizadas e deslocadas para as pessoas da
famlia, sendo a ao que prevalece.Luisa Ballesteros Rosas lastima a
omisso de Bombal e outras escritoras dos livros que tratam doboomda
literatura latino-americana. Considera que a mulher sempre se
recusou a assumir uma posio militante nos movimentos modernistas
radicais, deixando aos homens a posio de liderana (ver comentrios
acima sobre Gilca Machado, Ceclia Meireles e Clarice Lispector, com
relao ao Modernismo/programtico).Silvina Ocampo(Buenos Aires, 1903-
), em parte ofuscada pelo sucesso literrio e brilho social da irm
Victoria e a atuao do marido Adolfo Bioy Casares, parceiro de
Borges, deixou contos preciosos no estilo do Surrealismo e do
Realismo mgico, embora no seja citada no movimento
doboomlatino-americano, como nos informa Ballesteros Rosas.Clarice
Lispector(Tchelchernik, Ucrnia, 1920-Rio de Janeiro, 1977) , hoje,
internacionalmente conhecida, em parte pela traduo e os estudos da
feminista francesa Hlne Cixous. Aparecendo em 1944 comPerto do
corao selvagem, ao lado de Guimares Rosa, revolucionou o modo de
narrar na fico brasileira. Mas ela assume o discurso tipicamente
feminino para desconstru-lo de dentro, enquanto prosa potica, ao
recriar a expresso do eu feminino, que se insubordina ao mesmo
tempo em que se autoquestiona, principalmente nos seus quatro
romances posteriores,A ma no escuro(1961),A paixo segundo
G.H.(1964),Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres(1969) eA hora
da estrela(1977). O grande avano e a originalidade de Lispector
foram a franqueza com que expressou seu eu, numa perspectiva
existencialista e psicolgica, dentro de um estilo em prosa potica,
centrado no esttico e na busca da identidade da mulher encerrada no
lar burgus. Esta constante busca de significados ocultos no
dia-a-dia leva descoberta do significante do eu feminino, a partir
da tica da linguagem, ou seja, mostra que a problemtica da mulher
no se esgota na aparncia do mundo, por mais que ela se veja isolada
do trabalho externo ou mesmo seja reduzida loucura (ver os contos
"Amor" ou "A imitao da rosa", de Clarice Lispector). Empregando a
sutileza do humor e da ironia, prpria do discurso modernista,
Lispector, como Guimares Rosa, enriquece a literatura brasileira de
uma dimenso vocabular extraordinria e valoriza o personagem
feminino e a escrita da mulher num nvel universal nico na
literatura brasileira.As constantes ambigidades e um jogo inventivo
entre real e simulado no se desprendem da verossimilhana, e passam
longe do realismo mgico. Este surge, por exemplo, na obra das
brasileirasNlida PioneLygia Fagundes Teles(So Paulo, 1923- ), que
faz incurses no plano do psicolgico e nas motivaes internas das
personagens, como no romanceAs Meninas(1973), e no realismo mgico,
como na coletnea de contos deSeminrio dos ratos(1977), entre
outros.Luisa Valenzuela(Buenos Aires, 1938- ) uma jornalista que se
exilou em Nova York desde 1979, onde mora e leciona. H em sua obra,
como nos mostra a intensa leitura de feministas, a partir dos
psicanalistas Deleuze e Guattari e dos escritos barthesianos, um
constante autocentramento na prpria linguagem. Suas tramas
enredam-se em metforas, jogos de palavras que se referem, sob
disfarces e de forma irnica, violncia na poltica e no
patriarcalismo da sociedade argentina. Gilles Deleuze afirma, a
respeito de Klossowski (verLogique du sens, 1969), que, na
literatura contempornea, o corpo desliza para a linguagem e esta
dramatiza a expresso do corpo, vivenciando-o. Noutros termos, uma
sintomatologia corporal repassada para a linguagem, tornando-a
ativa, libertria. EmRabo de lagartixa(1983), Valenzuela trabalha
temas polticos em estilo onrico, metafrico e lrico; emLivro que no
morde(1980), coletnea de alguns contos de outras antologias, exibe
a fragmentao de idias no uso da linguagem do cotidiano e d vida ao
significante, que ganha uma estranha independncia com relao ao
significado.Alejandra Pizarnik(Buenos Aires, 1936-1972), como
Virginia Woolf, Sylvia Plath, Anne Sexton, Ana Cristina Csar e, em
menor escala, Clarice Lispector, freqentou os hospitais
psiquitricos, sofrendo os tratamentos de choque-eltrico disponveis
na poca. Transforma os sintomas do corpo e do sentimento em matria
de poesia. Ironia, solido e metfora impregnamA terra mais
longnqua(1966) e seus quase dez livros de poemas. O apelo sem
resposta diante da perda da identidade est claro neste trecho
potico de Pizarnik: "alejandra, alejandra / por debajo yo soy /
alejandra" (La ltima inocencia, 1956, p. 27).Comparando-se este
trecho com o "Estou procurando, estou procurando", que abreA paixo
segundo G.H.(1964), nota-se que, apesar da constante busca de novos
significados para povoar um mundo existencialmente insatisfatrio e
aberto ao questionamento, Clarice Lispector jamais em sua obra
efetua a total dissociao entre o eu consciente e o eu inconsciente,
sempre se amparando no emprego do significado dicionarizado da
palavra. Em Pizarnik, ao contrrio, o significante psquico substitui
o uso denotativo e o significado vulgar dos vocbulos e o sentido
obtido atravs da associao de idias do leitor, que o deduz a partir
de metforas soltas e entrecortadas antes que de uma leitura lgica,
sintagmtica e racional do texto. Em Lispector, a linguagem vista
como o espelho do real em si, a partir do eixo da verossimilhana, e
a identidade de quem narra relativamente una e indivisvel, no
fragmentria e dissociada como no discurso ps-1980. Neste tipo de
prosa, a loucura invade o discurso e a fala do eu desintegra-se ao
ocorrer a identificao entre a subjetividade e a realidade, atravs
da linguagem metafrica. Na dissociao do eu e sua identificao com a
linguagem de expresso metafrica, Pizarnik compartilhava de um mundo
onrico e potico semelhante ao presente em Jlio Cortzar, emJogo da
Amarelinha(1963), Srgio Sant'Anna, emMemrias de Ralfo(1970), e
Carlos & Carlos Sussekind, emArmadilha para Lamartine(1976),
falso dirio no qual o filho Carlos questiona o mundo real atravs de
uma identificao manaca e psictica com o outro Carlos, seu pai,
homem poltico, a prpria Lei, cujo dirio reutiliza, em nome do
pai.Assim, para autoras contemporneas como Pizarnik e Valenzuela, a
linguagem vista como significante e no como significado. Esta
conscincia autodiscursiva, derivada dacriture femmede Hlne Cixous,
j presente no cotidiano da escrita dessas duas escritoras
argentinas, no tem correlato na escrita das brasileiras, cujo uso
da linguagem liga-se ao significado, com uma escrita em geral
colada verossimilhana na descrio do real.Ana Cristina Csar(Rio de
Janeiro, 1952-1983) e a poeta contempornea brasileiraElizabeth
Veiga(Rio de Janeiro,1941- ) apresentam a fragmentao do pensamento
racional, discursivo, na perspectiva esquizofrnica de outras
escritoras contemporneas que vivem a loucura e o exlio do social
atravs da interiorizao no eu. A fala da mulher transforma-se em
bode expiatrio social ou elemento de culpa, por ela no ter a
coragem de se rebelar, seja no plano potico, seja no familiar. O
medo de no exercer o papel de "uma moa bem comportada", nas
palavras de Simone de Beauvoir, acabam por transferir a rebeldia e
a violncia contra o mundo em fina ironia contra si mesma. um
processo de escritura igualmente empregado por Sylvia Plath, no
qual a florao do inconsciente pode levar autodestruio do suicdio.A
teus ps(So Paulo, Brasiliense, 1. ed. 1982) acentua a escrita
"feminina" de modo quase parodstico, exagerado, posto que o
discurso do imaginrio, vivido sintomaticamente na cena viva do
prprio corpo (que eventualmente se fragmenta e se mata, como a
prpria fala), situa-se na crtica irnica de contedos marcados
tipicamente como da mulher: luvas, ch, gentileza, suavidade,
sutileza, delicadeza, educao e finura. A violncia reprimida na fala
reaparece sob o fantasma da morte e da dissociao do eu.Cada vez
mais os meios de comunicao de massa afastam na literatura a
possibilidade de praticarem o experimentalismo na linguagem - como
ocorreu nas dcadas de 1960-70 na Frana e, entre ns, com Clarice
Lispector e Guimares Rosa.As autoras contemporneas brasileirasLygia
Fagundes Teles(So Paulo, 1923- ),Lya Luft(Porto Alegre, 1938- )
ePatrcia Bins(Rio de Janeiro, 1930- ), bem comoHelosa Maranho,Sonia
Nolasco,Sonia Coutinho,Helena Parente Cunhaso algumas das que tm
buscado encontrar, na tragdia individual urbana, uma leitura do
imaginrio feminino - suas crises existenciais, sua insegurana
social, psicolgica e financeira, seus traos de diferena com relao
ao patriarcalismo e a ordem estabelecida, mostrando coragem para
romper estruturas da sociedade falocntrica e patriarcal, expressas,
na literatura, atravs de um texto realista, linear e autoritrio, to
bem aceito pelas obras dirigidas ao sucesso editorial.CONCLUSODesde
o Barroco,morte e vida, erotismo, narcisismo e suicdiosurgem atravs
da busca da morte procurada por Sror Juana Ins de la Cruz. O gnero
"biogrfico" e "memorialista" (depoimentos, dirios, cartas,
testemunhos) que apareceu na Europa e outros pases, com George Sand
e Virginia Woolf, se expandiu no sculo XIX, e pode ser encontrado
em Anais Nn, Anne Sexton, Sylvia Plath; mas, na Amrica Latina, j
estava presente em Madre Castillo, Alfonsina Storni, Alejandra
Pizarnik e Ana Cristina Cesar - sendo o suicdio apenas uma faceta
externa da imagem de autosacrifcio e melancolia presentes nas
letras ps-simbolistas e decadentistas, onde o ego ertico no cabe em
si e se transborda na morte.Para alm da explicao psicanaltica, o
fracasso em se encontrar o sublime kantiano no perodo ps-romntico -
que no teatro e na poesia romntica autobiogrfica de La Avellaneda
puro sucesso - explica-se pela dificuldade que sentem as
escritoras, no mundo real contemporneo dofazer, quando j no possvel
continuar a exercer um papel puramente literrio no plano do
imaginrio e da sublimao. Superar a barreira do real e penetrar no
mundo do trabalho, do concreto, do reconhecimento literrio o lento
caminho da escritora contempornea. O fracasso da escritora em
conseguir penetrar no cnone literrio falocntrico - como no caso de
Gilca Machado, ou no suposto suicdio de Benedita Bormann - pode
lev-la denegao da vida e ao exlio social. Por outro lado, a atuao
de Victoria Ocampo, que fundou a revistaSure nos deixou o amplo
depoimento sociopessoalTestemunho, em seis volumes, mostra que a
escrita da mulher no precisar ser sempre umaVia-crucis do corpo,
para relembrar ttulo de obra de Lispector.O erotismo na poesia do
sculo XX esteve acompanhado de uma profunda conscincia da iminncia
da crise e da morte, em Alejandra Pizarnik e em Ana Cristina Csar,
com fragmentao, loucura, desespero, suicdio - mas j era trao
latente na poetisa Sror Juana Ins de la Cruz ou na vida social
reclusa de Juana de Ibarborou. Esta inclinao para a morte, a
auto-recluso, a auto-consumao com traos de expiao da culpa, que so
traos recorrentes na escrita feminina, que assassina aos poucos o
prprio corpo, tambm pode se deslocar simbolicamente para um objeto
imvel, como na identificao da narradora deLa ltima niebla(1935), de
Mara Luisa Bombal, com a rvore, o fruto, a terra, a
natureza.Umanova pica femininapode ser vislumbrada a partir do
romance de fundao de Isabel Allende,A casa dos espritos(1982),
paralelamente nova fico feminina negra brasileira da dcada de 1970.
A prosa e a poesia que tentam apresentar uma mulher ousada,
independente, no vitimizada pela sociedade patriarcal, na verdade
constituem uma tentativa de criar uma nova expresso rebelde ou
autoassertiva da mulher - enquanto grupo no passivo, e como uma
alteridade na sociedade ps-moderna. Esta nova linguagem empresta,
efetivamente, um papel ativo mulher na fico, e sem dvida ter um
efeito importante na sua relao com a histria da literatura escrita
por homens, como um todo.[16]Em meio a um panorama to pessimista na
literatura feminina da Amrica Latina, reprimido entre o narcisismo
e a viagem interior,[17]talvez sejam Allende e Lispector as
pioneiras na apresentao de um quadro mais combativo e revolucionrio
rumo a estanova pica, urbana e afirmativa para a mulher, afastada
do regionalismo ou do didatismo moralista doBildungsroman, que
ainda mascaravam a situao de dependncia psicolgica e econmica da
mulher. Neste caso, a forma didtica e distanciada de tratamento do
tema feminino no considera a subjetividade e a identidade da
mulher, afastando-se do ponto de vista feminista. claro que suas
heronas ainda no so modelos totalmente autnomos de mulheres, mas
tais modelos devero aparecer com maior freqncia, na medida em que
se estabelea uma sociedade menos patriarcal na Amrica do Sul, que
oferea a todos melhor acesso ao saber, ao trabalho, leitura e
escrita.
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literature of their own. London, Virago, 1982. 378 p.
Notas:[1]Ver Hlne Cixous, "Sorties", inLa jeune ne, Paris, 1975,
cit. in Rita Terezinha Schmidt, "Re-pensando a cultura, a
literatura e o espao da autoria feminina", p. 182-89, in Mrcia
Hoppe Navarro, org. (1995), p. 186.Retorna ao texto[2]Toril Moi,
"Feminist, female, feminine", in Moi,The feminist reader(1989), p.
117-32. p. 124.Retorna ao texto[3]Ver Irigaray,Le temps de la
diffrence(1989), p. 19-52.Retorna ao texto[4]Toril Moi, "Feminist,
female, feminine", in Moi (1989), p. 120.Retorna ao texto[5]Ver, a
respeito, Gerda Lerner,The creation of feminist
consciousness(1993). Lerner informa que, na metade do sculo XII, as
reformas da Igreja, e em especial do celibato clerical, o
refinamento da lei cannica e o seguro monoplio da Igreja sobre a
educao melhoraram a condio dos padres, mas ao mesmo tempo o papel
da mulher, pouco educada e considerada incapaz do ofcio clerical,
tornou-se inferiorizado. A situao era outra durante a fase pietista
e idealista da Igreja, no sculo XI, com as reformas gregorianas,
que tornaram a Igreja mais popular e concediam a padres e freiras
importncia igualitria dentro dela.Retorna ao texto[6]Ver Luiza
Lobo, "O Leitor", p. 231-51, especialmente p. 231, in Jos Lus
Jobim, org.,Palavras da crtica(1992), p. 231-51. Ver, para a
histria da literatura de autoria feminina europia, Gerda Lerner
(1993); norte-americana, Gilbert e Gubar (1984); francesa, Camille
Aubaud (1993); para a de autoria feminina da Amrica Latina, Luisa
Ballesteros Rosas (1994); para a literatura de autoria feminina
mundial,o Bloomsbury guide to women's literature(1992), para o qual
escrevi a introduo (captulo 23) e 150 verbetes sobre Amrica
Latina.Retorna ao texto[7]In Irigaray,Le temps de la
diffrence(1989), p. 53-78, p. 55; ver Irigaray,Speculum de l'autre
femme(1974), p. 277-79.Retorna ao texto[8]Ver Luiza Lobo, "Dez anos
de literatura feminina brasileira", in Luiza Lobo (1993); e Luiza
Lobo, "O Leitor", in Jos Lus Jobim (1992), p. 231-51, p. 231
ss.Retorna ao texto[9]Luisa Ballesteros Rosas (1994), p.
276.Retorna ao texto[10]Elaine Showalter,A literature of their
own(1982), p. 13.Retorna ao texto[11]Diana Vlez, "Julia de Burgos",
in Diane E. Marting, org.,Escritoras de Hispanoamerica(1990), p.
89-97. p. 91.Retorna ao texto[12]Sobre a literatura
afro-brasileira, ver meuCrtica sem juzo(1993).Retorna ao
texto[13]Diccionario Oxford de literatura espaola e
hispano-americana(1984), p. 47.Retorna ao texto[14]Ver meu "O
Romanceiro da Inconfidncia", inPerspectivas, Rio de Janeiro, UFRJ,
Depto. de Cincia da Literatura, 1984, p. 109-15.Retorna ao
texto[15]Tive a oportunidade de editar obras de autoras como Maria
Firmina dos Reis, Maria Benedita Bormann, Jlia Lopes de Almeida,
entre outras, atravs da Coleo Resgate, do INL-Pr-Memria com a
Editora Presena, entre 1987 e 1991.Retorna ao texto[16]Com respeito
ao papel de alteridade no mundo capitalista, ver, de
Baudrillard,L'change symbolique et la mort(1976). Baudrillard
atribui a mulheres e negros um papel importante na sociedade
capitalista, por estarem fora da cadeia sintagmtica reduplicadora
de signos que acabam por tender morte, na sua infinita
indiferenciao.Retorna ao texto[17]Ver, de Irma Garcia,Promenade
femmilire(1981).Retorna ao texto
Luiza Lobo professora de Literatura Comparada e Teoria da
Literatura na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Publicou, entre outros livros,pica e modernidade em
Sousandrade(1986),O haikai e a crise da metafisica(1992),Crtica sem
juzo(1993), e cerca de 30 tradues, entre as quais obras de Virginia
Woolf, Jane Austen, Edgar Allan Poe e Robert Burns, edio bilnge com
introduo e notas (1994). Seu ltimo ensaio publicado no exterior foi
"Sonia Coutinho revisits the city", emLatin American Women's
Writing. Feminist readings in theory and crisis (Oxford, Clarendon
Press, 1996).E-mail: [email protected]