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A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Parte
1) Um excelente estudo de Priscilla Wacker:
Resumo
A Psicologia do Kundalini Yoga
Esta monografia versa sobre os quatro seminrios apresentados por
Jung em 1932 nos encontros
que realizava no Clube de Psicologia, em Zurique. Nesses
seminrios, intitulados A Interpretao
Psicolgica do Kundalini Yoga, Jung abordou o simbolismo do
sistema de chakras do Kundalini
Yoga, entendendo-o como uma espcie de intuio da conscincia
coletiva oriental sobre a
existncia e o funcionamento do sistema psquico. Ou seja, Jung
enxerga no Kundalini Yoga uma
intuio de sua prpria teoria, e no despertar da kundalini, o
iniciar do processo de individuao.
Jung discorre sobre esse processo (do despertar da kundalini),
amplificando seus smbolos
atravs de mitos e imagens.
No presente trabalho, busco fazer uma releitura crtica dos
pensamentos de Jung a respeito desse
tema, com o intuito de renov-los e reposicion-los dentro de uma
perspectiva atual.
Palavras Chave: Psicologia Analtica, Kundalini Yoga, Chakra,
Individuao.
Introduo
H cinco anos venho intensificando meu contato com o Yoga e,
muitas vezes, fiquei
impressionada com as correlaes que poderia fazer com a
Psicologia Analtica. Permaneci
circundando o tema por muito tempo, sem conseguir encontrar uma
ponta que pudesse desfiar
para traar paralelos com os estudos de Jung a respeito do Yoga.
Finalmente, vencida pelo
cansao, desisti de me ocupar desta questo, e s voltei a pensar
nela aps uma viagem de 40 dias
ndia. Atravs do contato impactante com este pas, pude
experienciar o quanto o caldo cultural
-
atua na formao do ser, na interpretao das experincias vividas,
no estabelecimento dos
referenciais de si mesmo e do mundo.
Seria ento possvel tentar estabelecer pontes entre uma forma
ocidental e uma oriental de
enxergar o ser humano?
Em vrios momentos, Jung pergunta se deveramos nos aprofundar nas
tcnicas e conhecimentos
estrangeiros a ns, ou se o mais eficiente seria nos
concentrarmos em nossos prprios sistemas
de crenas e de conhecimento. Para ele, ao nos desenvolvermos
psiquicamente com referncias
ambientais, culturais, religiosas, familiares etc. relacionadas
ao Ocidente, enraizamo-nos em solo
ocidental e, assim, no seramos capazes de assimilar, e de sermos
transformados de fato, pelas
verdades do Oriente, e vice-versa. ?
Tal questionamento se manteve presente em muitas obras de Jung a
respeito do Oriente. Ao longo
deste trabalho, cito algumas delas.
Durante minha estadia na ndia fui fortemente tocada pelo
estrangeiro, pelo outro estranho a
mim; e desta forma, pude compreender melhor as reflexes de Jung
a respeito de se entregar, ou
de ser absorvido, por um sistema cultural diferente.
Se realizada de forma inconsciente, essa imerso em outra cultura
poderia levar, na concepo de
Jung, a consequncias desastrosas para o corpo e/ou psique. Em
suas memrias (Jung, 1964),
comentou o caso de seu amigo Richard Wilhelm, que, ainda jovem,
imergiu na cultura chinesa,
sendo totalmente impregnado pelo ponto de vista oriental. Quando
retornou Europa, Wilhelm
voltou a sentir as necessidades do esprito europeu, o que lhe
gerou um conflito psquico grave,
que Jung associou ao seu falecimento anos depois:
Essa mudana de Wilhelm e sua reassimilao do Ocidente
pareceram-me um pouco irrefletidas e, portanto, perigosas. Temia
que ele se encaminhasse para um estado de conflito consigo mesmo.
Ao que me parecia, tratava-se de uma assimilao passiva, isto , ele
havia sucumbido influncia do meio; havia, pois, o risco de um
conflito relativamente inconsciente, de um choque entre a alma
Ocidental e a Oriental. Ocorrendo um processo desse tipo, sem que
haja uma confrontao consciente profunda, h o risco de um conflito
inconsciente que pode tambm afetar gravemente a sade do corpo...
(Jung, 1964, p. 328).
Da mesma forma, antroplogos ou profissionais de sade mental que
trabalham com psiquiatria
tnica reconhecem o quanto pode ser desestruturante o choque
entre sistemas culturais
diferentes. H relatos de pessoas (brancos) que, ao permanecerem
por longos perodos em tribos
indgenas, precisaram de socorro mdico por sucumbir a uma vivncia
paranica. Provavelmente,
a experincia indgena com seus espritos e rituais, fragilizou o
sistema egico desses indivduos,
que no adaptado a essa forma de realidade. De modo inverso,
sabe-se da desestabilizao que
o lcool, introduzido aos ndios de uma forma no ritualstica pelo
homem branco, promoveu na
estrutura da sociedade tribal indgena.
Observando-se ento, a complexidade de se aventurar em outro
continente, retorno s minhas
prprias reflexes sobre os indianos. Eles se diferenciam de ns
(ocidentais) em muitas questes;
no tocante forma de se vestir, de comer, de se expressar, de
reagir, de relacionar-se com o
humano e com o divino, com a realidade e a fantasia. At mesmo
sua linguagem corporal
-
diferente; mexem a cabea com bastante frequncia, num movimento
regular de translao
lateral. No tenho certeza do significado de tal gesto, mas
transmite uma tentativa de cooperao,
podendo dizer sim, no ou talvez. Alis, essa cooperao, essa
abertura para o outro desconhecido,
mesmo que, muitas vezes, com o intuito de obter vantagens,
evidentemente oposta atitude
ocidental, fechada em relao a esse outro.
As reaes dos indianos, suas respostas, sua forma de viver a vida
so to diferentes das minhas
e das pessoas com quem convivo que, como mdica, comecei a
formular hipteses sobre possveis
diferenas biolgicas. Ser que com estmulos to diversos dos
nossos, seus crebros tambm no
podem funcionar, em nveis mais sutis, de uma forma diferente?
Sabe-se que aps o nascimento,
o crebro ainda no est inteiramente formado, tem apenas um tero
do volume que alcanar
um dia, e a comunicao neuronal, que se faz do ponto de vista
anatmico via sinapses (estruturas
que conectam axnios e dendritos formando uma rede neuronal),
tambm se encontra em
desenvolvimento (Kandel, 2001). Ser que este desenvolvimento no
poderia se orientar de forma
diferente, privilegiando ou negligenciando outros grupos
neuronais? Ser que anlises do
funcionamento cerebral, com tcnicas de mapeamento por meio de
ressonncias magnticas
funcionais [ Ressonncia Magntica Funcional uma tcnica de exame
de imagem em que no
somente a anatomia macroscpica cerebral visualizada, mas tambm
as regies cerebrais que
esto utilizando mais oxignio ou glicose. Dessa forma, podemos
observar quais regies esto
reagindo mais ou menos aos estmulos estabelecidos pelo
examinador, sejam eles fotos, sons,
palavras, cheiros, emoes... ] e testagens neuropsicolgicas [ A
neuropsicologia uma interface
ou aplicao da psicologia e da neurologia que estuda as relaes
entre o crebro e o
comportamento humano. Dedica-se a investigar como diferentes
leses causam dficits em
diversas reas da cognio. Para isso, faz uso de Testes
Neuropsicolgicos que avaliam,
identificam e detectam a integridade das funes nervosas
superiores (Ateno, Conscincia,
Memria, Linguagem e Cognio), atravs do exame de processos lgicos
e de linguagem.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicologia (acesso em dezembro
de 2010). ]
Tais especulaes mdicas e tcnicas invadiram meus pensamentos
quando ainda estava na ndia,
e as compartilho aqui para exemplificar caractersticas do
pensamento ocidental. De um modo
geral, nos parece mais natural e reconfortante acreditar e
incorporar o novo quando podemos
explic-lo no mundo concreto. Assim, se alguns dos caminhos
neuronais dos orientais fossem
diferentes dos nossos, como uma tcnica deles poderia caber em
ns? no apresentariam
padres diferentes daqueles encontrados entre possveis voluntrios
ocidentais?
Tais especulaes mdicas e tcnicas invadiram meus pensamentos
quando ainda estava na ndia,
e as compartilho aqui para exemplificar caractersticas do
pensamento ocidental. De um modo
geral, nos parece mais natural e reconfortante acreditar e
incorporar o novo quando podemos
explic-lo no mundo concreto. Assim, se alguns dos caminhos
neuronais dos orientais fossem
diferentes dos nossos, como uma tcnica deles poderia caber em
ns? no apresentariam
padres diferentes daqueles encontrados entre possveis voluntrios
ocidentais?
Para Jung (apud Aion, 1990, p.273):
No se pode comparar a evoluo histrica do esprito Ocidental com a
do esprito indiano. Por
isso, quem acredita que pode assumir diretamente certas formas
conceituais do Oriente,
desenraiza-se, pois estas formas no exprimem o passado
Ocidental; so simplesmente conceitos
tericos e sem sangue, incapazes de fazerem vibrar as cordas
profundas do nosso ser. Nossas
razes mergulham em solo cristo.
Para Hauer (apud Shamdasani,1996,p.xIii)
-
Esta questo, do quanto e em qual extenso o caminho de salvao do
Oriente vlido para o
homem Ocidental, continua em suspenso e me preocupa seriamente.
No seria um erro e at
perigoso se o homem Ocidental se dedicasse ao Yoga para obter a
salvao? Por que esse homem
no adere s pesquisas cientificas, a reflexes filosficas da
maneira Ocidental, como um caminho
de salvao? Ser que o Ocidental no tem seu prprio caminho mstico
que o leve ao encontro de
si mesmo, que seria de mais utilidade para ele do que o Yoga?
Por que a Psicologia Profunda e a
Psicoterapia em desenvolvimento no seriam suficientes para isso?
Ser que, de fato, precisamos
de um novo impulso do Oriente?
Apesar de entender e, at certo ponto, aceitar as observaes de
Jung sobre a no validade prtica
dos caminhos do Oriente para um ocidental, sentia em mim mesma
os efeitos do Yoga; tanto do
Hatha Yoga, que pratico h cinco anos, quanto do Kundalini Yoga,
que pratiquei por apenas seis
meses.
Atravs da prtica do Hatha Yoga, pude, aos poucos, acalmar minha
mente, alcanando mnimos
momentos de silncio. Quando esta se calava, parecia haver espao
para sons de outros
lugares, minha conscincia era ento tocada por imagens, emoes e
at sensaes fsicas antes
silenciadas pelo alto volume da mente. Esses novos sons podiam
ento ser reelaborados e
integrados pela conscincia.
Relato aqui uma dessas experincias para proporcionar ao leitor
uma maior clareza sobre o que
procuro descrever: aps uma prtica na qual alcancei um grau maior
de silenciamento da mente,
entrei em contato com a imagem de uma mulher que percebi ser
minha me. Ela segurava um
cartaz com letras grandes escritas: EU TE ENTENDI!. No pretendo
aqui dissecar a simbologia
dessa imagem por no ser esse o objetivo deste estudo, mas busco
demonstrar que atravs da
prtica do Yoga, me foi possvel, e para muitas outras pessoas que
vivem experincias similares,
entrar em contato com material inconsciente. O acesso da
conscincia s imagens inconscientes
um mecanismo psquico natural, compartilhado por todos ns, e que
tem sido utilizado desde
tempos ancestrais, por povos diferentes, de maneiras diversas,
com intuitos diferentes... Portanto,
um processo natural do psiquismo humano.
Essa profunda vivncia poderia ser trabalhada com o uso da
Imaginao Ativa, processo descrito
por Jung em 1916 (Jung, 2000, v. VIII), no qual o indivduo deve
concentrar-se em um ponto
especfico (o material de um sonho, ou no caso acima descrito a
prpria imagem), e, em seguida,
permitir que uma cadeia de fantasias associadas se desenvolva.
As imagens, aos poucos, ganham
vida de acordo com uma lgica prpria, criando cenas que suscitam
emoes e que podem, ento,
ser elaboradas pelo ego consciente. Este deve participar ativa e
criativamente da cena, gerando
uma nova situao psicolgica que pode estimular a cura de uma
neurose. No entanto, a questo
central neste momento no a Imaginao Ativa, mas sim o fato de que
uma tcnica oriental (a
prtica do Yoga) foi capaz de vibrar cordas profundas do meu
ser.... Desta forma, discordo de
Jung sobre a no validade prtica do Yoga para um ocidental, tema
que ser mais profundamente
discutido no decorrer deste trabalho.
Acredito que a forma de se estimular o sistema psquico varia de
mtodo para mtodo, mas a
reao desse sistema (neste caso, a de promover uma comunicao
entre conscincia e
inconsciente) deveria ser a mesma, se confiarmos na base
arquetpica da teoria junguiana. Assim,
teoricamente, imagino ser possvel a um ocidental caminhar em
direo individuao atravs
do Yoga, no entanto, talvez cada indivduo seja mais ou menos
tocado por uma ou outra tcnica,
dependendo de sua estruturao egica, de seus mecanismos de
defesa, dos traumas vividos, de
sua tipologia, de seu momento de vida, e etc. E por que no
acrescentar como uma hiptese a ser
-
refletida, que, possivelmente, tcnicas diversas toquem de formas
diferentes as estruturas egicas
defensivas, com isso, o ego teria que fazer um esforo novo para
tentar impedir a entrada desses
novos contedos, podendo com essa nova reao desestabilizar suas
defesas, e na sua
reestruturao acabar por integrar partes destes contedos.
importante ressaltar, que para que
isso ocorra necessrio um ego saudvel e flexvel, pois um ego
frgil, enrijecido poderia quebrar
frente a esta necessidade de reestruturao.
A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Parte
2) A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Part
1)
Continuao:
YOGA
O Yoga vem se tornando cada vez mais popular no Ocidente.
Ao mesmo tempo em que essa popularizao permite nossa sociedade
entrar em contato com
uma prtica milenar, que durante muito tempo foi mantida em
crculos fechados de eruditos,
tambm leva a distores e interpretaes equivocadas, j que se
dissemina em uma cultura
completamente diferente.
Assim, definir o Yoga no uma tarefa fcil, a comear por sua
origem: alm de muitos textos
terem sido perdidos ou destrudos, no passado esse conhecimento
era transmitido oralmente na
tradio Parampar [Parampar a cadeia de transmisso de poder e
conhecimento do mestre
para o discpulo (Feuerstein, 1997).].
Talvez o Yoga esteja ligado ao incio da prpria sociedade como a
conhecemos hoje. O Yoga nasce
a partir da compreenso das manifestaes externas da natureza e
suas influncias subjetivas
sobre a conscincia humana (Kupfer, 2001, p.12).
-
O Homem, desde o desenvolvimento da conscincia, tinha sede em
conhecer-se, e suas dvidas e
questionamentos levaram alguns a uma investigao quase (e para
muitos) exaustiva a respeito
de questes ontognicas: quem ou o que sou? Muitos se retiravam
nas florestas, cavernas e outros
lugares isolados para vivenciarem um mergulho em algo mais
profundo, procurando
experimentar, na prtica, estados de conscincia superior. Tais
experincias a respeito do Ser lhes
serviam de base para a construo de todo um conhecimento
filosfico/terico que pudesse ser
transmitido. Assim, primeiramente, surge o Yoga como algo
essencialmente prtico, adquirido
pela experimentao, e depois surge sua base filosfica (Kupfer,
2001). Nela, o discpulo
memorizava grande quantidade de versos que lhe eram passados por
seu mestre, e assim
sucessivamente, sem qualquer alterao, para manter preservados e
intactos seus conhecimentos.
As mais antigas evidncias histricas do Yoga associam-no ao
ritualismo dos povos pertencentes
a uma civilizao denominada Indo-Sarasvati, que habitava cidades
ao longo dos rios Indo e
Sarasvati (Feuerstein, 1997) [ Georg Feuerstein, Ph.D., doutor
em Histria da Religio e
desenvolve estudos sobre o Yoga. fundador e diretor do Yoga
Research Center e editor do
boletim bimestral Yoga World. Membro do conselho diretor da
Healing Buddha Foundation, na
Califrnia, e colaborador dos peridicos Yoga Journal, Inner
Directions e Intuition. Dr.
Feuerstein j publicou vrios livros, entre os quais, A tradio do
yoga, The Shambhala
Encyclopedia of Yoga, The Shambhala Guide to Yoga, Teachings of
Yoga e Yoga and
Health.]. Importantes registros desta civilizao foram
descobertos em escavaes do sculo
passado, em duas principais cidades, hoje no atual Paquisto:
Mohenjo Dharo e Harappa, que se
revelaram muito avanadas para seu tempo. Estima-se que viviam,
somente em Mohenjo Dharo,
mais de 200 mil pessoas. As cidades eram organizadas, havia
sistema de esgoto, ruas definidas e
outros indcios de planejamento urbano. Foi esse povo que deixou
um legado, no s para a ndia,
mas para a humanidade: os Vedas (Feuerstein, 1997).
Os Vedas, que em Snscrito significa conhecimento, so livros
sagrados da espiritualidade
indiana, considerados os mais antigos do mundo. Foram escritos
por volta de 3500 a.C., mas sua
composio parece ser ainda mais antiga devido perpetuao do
conhecimento via tradio oral,
estimando-se 6500 anos a.C. Nesses textos o Yoga j era citado,
mas no da forma como o
conhecemos hoje. O Yoga Vdico era ritualstico e envolvia ascese,
concentrao mental, cnticos,
adorao e controle da respirao (Feuerstein, 1998).
Em essncia, os Vedas acreditam que por trs de toda manifestao, s
existe um Ser, Brahman.
Tal idia mais bem desenvolvida nas Upanishads, outros textos
sagrados que vieram depois dos
Vedas, nos quais as diferentes realidades so emanaes de uma
realidade singular e
transcendente, Brahman.
Segundo Ravindra (2000, p.5):
Brahman o absoluto, supremo, impessoal, infinito, eterno. A
fonte pr-csmica da divindade, a
causa de todas as causas, sem comeo e sem fim, do qual tudo
emana e ao qual tudo retorna. Ele
no se manifesta, mas est presente no maior corpo celestial e,
tambm, na indivisvel partcula,
em tudo que animado e no animado. Ele a razo da conscincia e da
substncia.
Ento, Brahman a essncia no s de todo o universo como tambm do
manifesto e do
imanifesto. Segundo os textos hindus, no existe um conceito de
comeo ou fim do universo, o
mesmo seguiria um processo contnuo de expanso e retrao; quando o
ciclo tem incio o
universo comea a existir, expandindo-se, ao final desta expanso
se d uma retrao at a
dissoluo novamente no todo. Antes da criao do universo s existia
Brahman em sua forma
-
no manifesta, nem espao, nem tempo, nem sis nem planetas. Por
vontade prpria ele se
manifestou, e sua energia operativa entrou em ao, comeando o
ciclo de expanso (Ravindra,
2000, p.10).
A personalidade humana denominada atman tambm uma manifestao de
Brahman; no
entanto, presa ao corpo (matria), atman se confunde, atravs de
maya (iluso), com uma
conscincia inferior condicionada e distorcida, impossibilitando
a realizao em Brahman. A
iluso, maya, causa de sofrimento na medida em que confunde os
estados psicomentais
(conscincia inferior) com o Si Mesmo Transcendente. Com isto, a
conscincia inferior se
identifica com o corpo e suas dores, com a mente e suas aflies
(duhkha, sofrimento em qualquer
nvel), enquanto o estado de transcendncia, quando se retorna a
Brahman, representado por
Sat, Cit, Ananda (existncia plena, conscincia transcendente e
bem aventurana) (Eliade, 1998).
Si Mesmo Transcendente, ou Purusha na tradio Samkhya ou atman na
tradio vedntica o
mago do prprio ser. a identidade autntica de cada um, separada
de todos os papis, imortal
e imutvel. considerada supra-sensorial, conscincia pura.
Em todas as tradies hindus, a realizao do Si Mesmo
Transcendente o mais nobre e valioso objeto da aspirao humana.
Para Feuerstein, o Si Mesmo
Transcendente diferente da noo de Self de Jung, que
corresponderia mais a um chamado
controlador interior, sendo um dos aspectos do Si Mesmo
Transcendente (Feuerstein,1997). No
entanto, entendo que Jung no faz esta distino, usando a
terminologia Self, Si Mesmo, como
equivalente ao Si Mesmo Transcendente, Purusha e Atman do Yoga,
dessa forma, tambm usarei
esses termos como equivalentes no transcorrer do texto.
As linhas do Yoga podem receber influncias de duas correntes
filosficas distintas; o Samkhya
(que traz os conceitos de Purusha e de Prakrti) e o Vedanta (que
traz os conceitos de Brahman e
atman). Penso que Jung misturou essas duas filosofias em seu
texto. O mago desses conceitos,
quando misturados, poderia causar confuso naqueles versados no
Yoga, mas os termos usados
por Jung so compreensveis dentro do contexto da Psicologia
Analtica.
Em uma entrevista com Serrano, Jung deixa clara sua correlao do
Si Mesmo com Purusha ou
atman (Serrano, 1970, p. 67):
-
... Aquilo que chamo de Si Mesmo um centro ideal, equidistante
do ego e do inconsciente,
equivalendo, de certa forma, expresso mxima e natural de uma
individualidade, seu
complemento ou complementao, sua totalidade. A natureza anseia
por expressar-se esgotando
suas possibilidades. O Homem tambm. O Si Mesmo essa
possibilidade de complementao, de
totalidade. Por isso um centro ideal, uma criao, um sonho da
natureza. Os hindus so sbios
nesse assunto. O Purusha o Si Mesmo. Tambm atman algo
semelhante.
Mas, se a dissociao entre o todo, Brahman, e a personalidade
humana, atman, causa sofrimento,
o que fazer para cessar todas as aflies (duhkha)? para responder
a tal pergunta que surge o
Yoga.
Yoga vem do Snscrito, e significa unir, jungir, atrelar, cangar.
Sua traduo mais usual unio,
ou seja, uma tcnica para unir ou religar a conscincia inferior
Realidade (Brahman). Portanto,
Yoga tanto um estado, um fim, como um meio, ou uma tcnica
adequada para se alcanar o mais
nobre objetivo da vida humana: a libertao dos condicionamentos e
de todo o sofrimento
(Taimini, 2004).
Kundalini Yoga
O Yoga surgiu em uma cultura na qual os mestres se isolavam para
buscar seu crescimento pessoal
atravs da introspeco. Com a observao de si mesmo, desenvolveram,
ao longo dos anos,
diferentes tcnicas, todas com o objetivo de transformar e elevar
estados mais baixos de
conscincia.
Como o ser humano, em seus diversos perfis, aprende e apreende a
vida de forma distinta, muitas
tcnicas foram desenvolvidas, havendo mais de 200 escolas de Yoga
que se baseiam em sete
ramos principais: Raja Yoga, Hatha Yoga, Jnana Yoga, Bhakti
Yoga, Karma Yoga, Mantra Yoga e
Tantra Yoga. Existem, ainda hoje, definies discordantes sobre o
que seria Tantra Yoga,
-
Kundalini Yoga e Laya Yoga; alguns acreditam serem escolas
diferentes, ou seja, cada uma delas
conteria, em sua prtica ou em sua filosofia, algum quesito
diferente da outra linha; enquanto
outros estudiosos atestam que essas trs formas de Yoga seriam,
na verdade, o mesmo sistema de
pensamento e de prtica (Feuerstein, 2003).
Neste trabalho vamos seguir os estudiosos que unificam as trs
linhas (Tantra Yoga, Kundalini
Yoga e Laya Yoga). Para o Tantra Yoga, corpo e mente so
considerados unos, sendo o corpo um
veculo da mente para se atingir a transcendncia. O sistema de
trabalho com a kundalini
basicamente tntrico em sua origem; age atravs da unio da psique
com a matria, e da mente
com o corpo fsico
Conforme Shamdasani (1996, p.xxii): [ Traduo livre ]
O tantrismo foi um movimento religioso e filosfico que se tornou
popular a partir do sc. IV,
sendo influenciado pela filosofia, tica, arte e literatura
indiana. Segundo Agehananda Bharati, o
que distingue o tantrismo do hinduismo ou do budismo, sua nfase
na identidade do absoluto e
do fenomenal em suas formas de adorao. Em seus rituais so usados
elementos normalmente
banidos de outros rituais religiosos tradicionais, tais como o
vinho, a carne, o peixe, gros secos e
a relao sexual, pois o Tantra acredita no espiritual e sagrado
de todas as coisas. O tantrismo
anti-ascetismo* e anti-especulativo**, rejeita o sistema de
castas e celebra o corpo (reconhecido
como o microcosmo do universo), representando uma corrente
transgressiva ao hinduismo. No
Tantra, se reconhece pela primeira vez na histria da ndia a
importncia da deusa e a
redescoberta do mistrio da mulher***.
* Ascetismo o movimento no qual a iluminao deve se dar atravs de
uma forma de vida de
recluso dos prazeres do corpo e da matria.
** Anti-especulativo significa que o Tantra no se prope a
explicar nada, sendo eminentemente
prtico.
*** O Tantrismo deu legitimidade filosfica ao princpio
psicocsmico feminino (chamado
shakti), que j era reconhecido havia muito tempo nos cultos
locais a divindade feminina
(Feuerstien, 1998).
O sistema Tntrico prope sete centros de energia, com seus
respectivos campos de atividade,
denominados chakras.
Os chakras esto conectados entre si por canais de energia, as
nadis. So eles: Muladhara,
Svadhisthana, Manipura, Anahata, Vishuddha e Ajna, e o stimo
centro que transcende a
existncia corporal, denominado Sahashara, no topo ou acima do
topo da cabea (Feuerstein,
1997). [ Os chakras e as nadis so considerados por autores
ocidentais como Feuerstein (1989,
p.258): verses idealizadas de estruturas do corpo sutil, criadas
para guiar a visualizao do
yogue. ]
-
A kundalini representada na forma de uma
serpente que deita adormecida em Muladhara. Feuerstein (1989) a
define como uma
manifestao no microcosmo (o corpo) da energia primordial do
universo, que, atravs do corpo,
se conecta com o corpo-mente finitos. , estrutura que significa
canal, conduto, veia ou artria.
Portanto, nadis so qualquer uma das veias ou artrias por onde
circula o sangue e/ ou qualquer
um dos canais sutis por onde circula a fora vital. Afirma-se que
h 72.000 nadis, mas trs so
mais significativas para o Kundalini Yoga: ida (energia da lua,
representao do poder feminino,
conectada narina esquerda); pingala (energia do sol, representao
do poder masculino,
conectada narina direita) e sushumna (um canal neutro situado
empiricamente no centro da
medula espinhal, por onde a energia da kundalini pode subir
desde a base da coluna, localizao
emprica do primeiro chakra, at o topo da cabea, localizao
emprica do stimo centro
psicoenergtico, sahashara) (Pandit M. D., 2007).
Microcosmo significa pequeno arranjo ou pequeno universo, e
refere-se ao ser humano que a
imagem de seu criador. O microcosmo contm tudo que o macrocosmo
possui, parte inseparvel
dele; por isso, o microcosmo contm em si o evoludo e o no
evoludo, o implcito e o explcito, o
ativo e o latente, energia, fora, matria, substncia, qualidades
e tudo mais. A origem dos dois
a mesma e seu futuro tambm (Ravindra, 2000).
O objetivo do Kundalini Yoga despertar a energia da kundalini
atravs de tcnicas meditativas
e prticas especficas do Yoga. Assim, a energia ascende atravs de
uma passagem estreita na
medula espinhal (o sushumna nadi) [Sushumna nadi o canal central
atravs do qual a fora
vital flui do chakra na base da coluna at o topo da cabea. o
caminho secreto pelo qual se
transcende a dinmica da polaridade entre as correntes
psicoenergticas direita e esquerda,
conquistando a realizao do Si Mesmo (Feuerstein, 1997). ] e
passa pelos seis centros de energia
(os chakras), antes de atingir sua residncia final, o stimo
centro, sahashara. A se dar a unio
da energia feminina (a energia da kundalini, ou seja, a
manifestao da energia primordial do
universo) com a masculina (a energia da conscincia), e nesse
contexto, haver a transformao
da personalidade em um sentido evolucionrio de supraconscincia.
Aqui ambos os hemisfrios
cerebrais tornam-se calmos, cessa o dilogo interior, perde-se o
sentido de tempo e espao, e as
falsas noes do mundo fenomenolgico se fundem ao todo
(Johari,1990, p.106).
Para Pandit M. D. (2007, p.201):
-
O despertar da kundalini no se refere a uma simples modificao
glandular ou a um desvio
na atividade hormonal do organismo. Envolve, nitidamente, a
operao de um novo poder no
corpo, e a ativao de uma rea silente no crebro, chamada a
cavidade de Brahma (Deus).
o alvo da prtica do yoga e o verdadeiro objetivo das disciplinas
espirituais.
Segundo Avalon* (1964, nota da contra-capa):
A kundalini, a serpente de poder, mitologicamente falando, um
aspecto de Shakti**, esposa de Shiva***; filosoficamente a energia
criativa que forma a mente e a matria, o poder fundamental que d
vida a todo o organismo. Ela a energia csmica divina que repousa na
rea mais baixa ou densa da matria; no corpo estaria localizada na
base da coluna vertebral, em muladhara, o chakra da base. Ela o
poder da matria para se saber a si mesma. Ela a Deusa, o corao de
muitas religies Orientais, no somente do hinduismo.
* Sir John Woodroofe, pseudnimo de Arthur Avalon, foi Procurador
Geral em Bengali e diretor da Suprema Corte de Justia em Calcut, e
tambm lecionou advocacia na Universidade de Calcut. Quando voltou
para a Inglaterra, se tornou orador das leis indianas na
Universidade de Oxford. Alm de seus deveres judiciais, estudava o
Snscrito e a filosofia Hindu, especialmente o sistema Shkti Tantra.
Como o primeiro ocidental a ter um profundo conhecimento sobre o
Tantra, teve um importante papel na popularizao do assunto. Seu
mais popular e influente livro, uma grande contribuio ao
entendimento da filosofia e espiritualidade indiana, o The Serpent
Power_ The secrets of Tantric and Shaktic Yoga (1964), que a fonte
da maioria das prticas de Kundalini Yoga no Ocidente. ** Shakti o
princpio dinmico e criativo da existncia, feminino e personificado
por Shakti, a divina consorte de Shiva. (Feuerstein,1997). ***
Shiva um dos deuses da trindade da ndia medieval. concebido como o
destruidor do universo, mas, em uma perspectiva espiritual, seu
poder destrutivo tem como objetivo o descondicionamento do ego para
que ele se torne permevel luz (Feuerstein, 1997).
-
Para proporcionar ao leitor uma percepo mais clara do que se
acredita possvel com o despertar
da kundalini, cito a seguir um trecho do livro de Gopi Krishna
(2004) [Gopi Krishna (1903-1984)
nasceu prximo a Caxemira, ndia. Devotado ao Yoga e meditao,
escreveu 16 livros,
apresentando para o Ocidente uma viso clara do fenmeno da
kundalini (Krishna, G., 2004).],
no qual ele relata os sintomas pelos quais passou durante esse
processo, como alteraes bruscas
de humor, apatia, percepes estranhas de si e do mundo e etc. O
livro permeado de descries
suas e de outras pessoas que passaram por experincias
similares:
... Com o despertar da kundalini inicia-se uma espantosa
atividade em todo o sistema nervoso, do alto da cabea aos dedos dos
ps. O corpo se torna um laboratrio em miniatura, funcionando em
alta velocidade, noite e dia. Nos documentos chineses, tal fenmeno
descrito como a circulao da luz, e nos manuais indianos, como a
subida de Shakti, ou energia vital. Por todas as partes do corpo,
nervos cuja existncia jamais percebida ordinariamente, so agora
forados por algum poder invisvel, a um novo tipo de atividade, que
pode ser percebida pelo indivduo tanto de maneira imediata quanto
gradual. Atravs de todas as suas inumerveis terminaes, os nervos
comeam a extrair uma essncia semelhante ao nctar dos tecidos
vizinhos. Esta essncia apresenta-se de duas formas distintas, uma
como radiao, outra como essncia sutil, que flui para a medula
espinhal. Uma poro desta essncia inunda os rgos reprodutores,
tornando-os anormalmente ativos, como se para manterem o mesmo
ritmo de atividade de todo o sistema nervoso. A radiao, aparecendo
como uma nuvem luminosa na cabea, flui para o crebro, e, ao mesmo
tempo, corre atravs dos nervos, estimulando todos os rgos vitais,
em particular os da digesto, a fim de ajust-los s funes da nova
vida introduzida no organismo. Em outras palavras, o despertar da
kundalini denota o fenmeno do renascimento, aludido em termos
claros ou velados no saber religioso da humanidade[Esse fenmeno de
transformao ou renascimento mencionado por Cristo em linguagem
metafrica quando de seu dilogo com Nicodemus: Em verdade, vos digo
que aquele
que no nascer da gua e do Esprito no pode entrar no reino de
Deus. O que nascido da
carne carne, e o que nascido do Esprito Esprito. No vos
maravilheis em vos ter dito:
necessrio vos nascer de novo (Bblia Sagrada: Joo 3.6. apud
Krishna, G., 2004, p.52).]. Uma conexo mais poderosa e direta ento
estabelecida entre o indivduo e a conscincia universal (Gopi
Krishna, 2004, p.56)...
Ainda para Gopi Krishna (2004, p.126):
Minha humilde contribuio pessoal antiga tradio da kundalini - no
uma hiptese
especulativa, mas o resultado direto de minha experincia - que
esse reservatrio adormecido
de bioenergia no somente responsvel pela experincia mstica, e os
ainda desconcertantes
fenmenos psi, como pelo atualmente no localizado e ainda
questionado mecanismo
evolucionrio nos seres humanos, e tambm pela fonte originria do
gnio e do talento
extraordinrio.
Gopi Krishna deixa bem clara sua crena de que o despertar da
kundalini, possibilidade inerente
a todo ser humano, contm indicaes preciosas sobre as normas de
vida e organizao da
sociedade, necessrias satisfao do impulso evolucionrio da espcie
que caminharia na
direo de uma supraconscincia. Trata-se de uma conscincia csmica,
um estado perene de
percepo, isento de altos e baixos, desprovido de complexos,
tenses, ansiedades, neuroses e
medos, com um firme controle da mente e do corpo, um estado de
xtase inexcedvel e supra-
-
humano. [ O filme Ram Dass: Fierce Grace (2002) do diretor
Mickey Lemle proporciona uma
bela imagem dessa chamada conscincia csmica. ]
Jung e o Oriente
J em 1912, Jung fez interpretaes sobre os Upanishads [Os
Upanishads so consideradas a
essncia filosfica da mais antiga sabedoria dos Vedas; alguns
autores acreditam que foram
escritas mais de 1.180 Upanishads, com data de elaborao provvel
variando de 800 a 200 a.
C. No se admite que as Upanishads possam ser compreendidas da
mesma forma que um texto
de filosofia ocidental; ela entendida por meio de uma
transformao daquele que a escuta ou
l, uma vez que fala sobre aquilo que no pode ser descrito
(Brahman, Atman) e transporta o
leitor para vivenciar essa realidade (Tinoco, 2005).] e o Rig
Veda [Rig-Veda ou o
Conhecimento de Louvor a mais antiga das colees vdicas. No se
sabe ao certo, mas pode
datar de 3000 a.C. ou antes disso. Embora ainda no houvesse um
caminho sistemtico do
Yoga, vrias ideias e prticas importantes so prenunciadas nesse
hinrio, e seus ensinamentos
podem ser chamados de Yoga Arcaico (Feuerstein, 1997).], textos
ancestrais para o hindusmo,
em sua obra Smbolos da Transformao (Jung, v.V, 1986). A partir
de 1920, passou a
frequentar a Escola de Sabedoria [A Escola de Sabedoria foi
fundada em Darmstadt, na
Alemanha, em 1920. Era designada para facilitar e promover o
entendimento individual sobre
o sentido da vida numa abordagem holstica e multicultural. O
objetivo da Escola no era o
acmulo de conhecimento, mas a transformao do ser. Entendia a
aquisio de sabedoria
como uma percepo pessoal do seu papel no infinito e no mundo.],
fundada por Hermann
Keyserling [Hermann Keyserling foi o primeiro pensador ocidental
que concebeu uma
cultura planetria, alm do nacionalismo e da cultura
etnocentrista baseada no
reconhecimento da igualdade de valores das culturas e filosofias
no ocidentais.], onde
conheceu e realizou colaboraes com pensadores dos sistemas
orientais, tais como Richard
Wilhelm, Heinrich Zimmer, Walter Evans-Wentz, Wilhelm Hauer
entre outros. Em 1929,
publicou em conjunto com Richard Wilhelm O Segredo da Flor de
Ouro, um Livro de Vida
Chins [O livro contm a traduo de um velho texto chins ao qual
Jung acrescentou
comentrios europeus.] anteriormente, no mesmo ano, ambos haviam
publicado uma verso
resumida do mesmo livro Dschang Scheng schu: a Arte de Prolongar
a Vida Humana.
Entre 1930 e 1932, Jung realizou seminrios intitulados Paralelos
Ocidentais, nos quais
discorreu sobre os paralelos psicolgicos entre o Ocidente e o
Oriente, j abordando o Kundalini
Yoga e as interpretaes simblicas dos chakras. Em 1932, o
indologista Wilhelm Hauer, aps
uma frtil correspondncia com Jung, apresentou seis seminrios no
Clube de Psicologia em
Zurique, intitulados Yoga, significado dos chakras, sendo
seguido por Jung, que apresentou
quatro seminrios intitulados A Interpretao Psicolgica do
Kundalini Yoga. Nestes
seminrios, que so usados como referncia do presente trabalho,
Jung procura estabelecer um
encontro entre o sistema de chakras e a Psicologia Analtica,
aprofundando a ideia do Kundalini
Yoga como fonte de representao simblica da experincia interna e
do processo de
individuao.
Jung manteve por toda a vida uma produo dedicada ao tema:
comentou sobre o Yoga Sutra
dePatnjali [Patanjali foi uma grande autoridade em Yoga que
viveu provavelmente no sculo
II D.C.] ; o Amitayur-Dhyans-Sutra [Amitayur-Dhyans-Sutra um
texto do hindusmo
indiano]e o Shrichakrasambhara [Shrichakrasambhara um texto
tntrico que oferece
mtodos para a criao de imagens mentais mandlicas]
Em 10 de maio de 1930, em Munique, no discurso comemorativo de
morte do seu amigo pessoal
-
Richard Wilhelm, Jung (apud Shamdasani, 1996) pronunciou: ,
entre 1938 e 1939, em palestras
ministradas na Eidegnossische Technische Hochschule (Instituto
de Tecnologia Federal da
Sua). Tambm publicou dois artigos com suas impresses a respeito
da viagem que fez ndia -
O Mundo de Sonhos da ndia e O que a ndia Pode nos Ensinar (Jung,
v.X/3, 2000); artigos
especficos em relao religio indiana: Yoga e o Ocidente (Jung,
v.XI/5, 1980) e A Psicologia
da Meditao Oriental (Jung, v.XI/5, 1980) ), alm de um prefcio
para o trabalho de Heinrich
Zimmer, O Caminho para o Self (Jung, v.XI/5, 1980).
... Quando Roma subjugou politicamente o Oriente, o esprito do
Oriente penetrou em Roma;
assim, sem que os romanos percebessem, Mithras* se tornou seu
deus da milcia. ... Atualmente
a Europa subjuga politicamente o Oriente, ser que o esprito do
Oriente no estaria da mesma
forma penetrando em nossa cultura? Sei que nosso inconsciente
est abarrotado de simbolismos
do Oriente, e acredito que haver um grande impacto do pensamento
oriental sobre a psicologia
ocidental...
* As primeiras referncias ao deus Mithra foram encontradas na
sia e datam do sculo 14 a.C. As referncias mais antigas de uma
adorao ao deus no Ocidente datam do sculo 5 d. C. Mithras seria
considerado o grande mestre de dez mil olhos, o mais poderoso entre
os deuses, o mais forte dos mais fortes. Conta-se que teria sido
trazido a Roma, onde se tornou o grande deus das milcias, por
piratas da sia Menor no sculo 1 a.C.
Em 1938, foi convidado pelo governo britnico para participar das
festividades do 25 jubileu da
Universidade de Calcut, quando viajou por trs meses pela ndia.
Em suas memrias (1963),
conta que estava profundamente convencido do valor da sabedoria
oriental. Jung teve a
oportunidade de falar com representantes da mentalidade indiana,
evitando propositadamente
homens santos, por acreditar que devia contentar-se com sua
prpria verdade, no aceitando
nada que no pudesse atingir por si mesmo (Jung, 1963,
p.242).
Ele ficou muito impressionado com o fato de a espiritualidade
indiana conter tanto o Bem quanto
o Mal, uma vez que identificava na mentalidade crist uma busca
pelo Bem e uma averso ao Mal.
Assim, a espiritualidade indiana no lidaria com esta polarizao,
mas sim com o todo, estado que
procura obter atravs da meditao, ou do Yoga. Portanto, a forma
de se entender o mundo j
diferente desde o incio: ns (ocidentais) enxergamos os polos e
os orientais, o todo.
Em suas memrias Jung (1963) relatou que durante sua estadia na
ndia, aps ter sido internado
por uma crise de disenteria, teve um sonho (citado abaixo) que o
fez entender que deveria voltar
s preocupaes negligenciadas h muito tempo, e que interessavam ao
Ocidente. A apario
do mito do Graal no sonho sugeriu-lhe que deveria se voltar para
as coisas de sua prpria cultura:
era como se o sonho me perguntasse: que fazes na ndia? melhor
que procure para teus
semelhantes o clice da salvao, o salvator mundi de que tens
tanta necessidade. No est a ponto
de demolir tudo o que os sculos construram? (op. cit., p. 248).
Com esta concluso, conta que
optou por apagar suas impresses hindus, intensas como eram, e
mergulhar em seus textos
alquimistas latinos.
Apresento abaixo o sonho em verso resumida (Jung, 1963,
p.246):
Era uma ilha desconhecida perto da costa sul da Inglaterra,
estvamos (eu e um grupo de
turistas) no ptio de um castelo medieval; na sua frente
elevavam-se torres com escadas que
desembocavam numa sala com colunas iluminada por velas, onde
seria a Celebrao do Graal.
Tinha um professor alemo que impressionava pela sua erudio e
inteligncia, mas falava sem
-
cessar de um passado morto e expunha sabiamente as relaes entre
as fontes inglesas e
francesas da histria do Graal. Ele parecia ignorar o ambiente
imediato e real, comportava-se
como se estivesse em uma sala de aula, no via a escada, nem as
luzes, nem a festa que estava
por vir.
A cena mudou e todos ns, com exceo do professor alemo, estvamos
fora do castelo, amos
para o norte em busca do Graal; aps uma extenuante caminhada, j
era noite e s havia
rochedos, e o grupo se deitava sonolento. Descobri que um brao
de mar dividia a ilha em duas
metades, em sua parte mais estreita a largura do brao de mar era
de uns 100 metros, refleti
que eu deveria atravessar o canal a nado em busca do Graal, e
quando ia me despir, acordei.
Ao ler esse sonho e a respectiva interpretao de Jung, ficou
ainda mais clara sua dificuldade de se despir de seus valores e
ideias e mergulhar nas guas em
busca do Graal. O quanto, defendido, no pde se reconhecer no
professor alemo sbio e erudito
que no era capaz de ver toda aquela realidade impressionante que
se manifestava a sua frente?
Como Jung, que acredita em uma estrutura psquica arquetpica
compartilhada pela humanidade,
pde entender que a busca do Graal algo que s se relaciona com o
Ocidente?
Enfim, esses questionamentos, que so re-abordados no decorrer
deste trabalho, no tm o
intuito de desmerecer o mestre, mas sim de relativizar suas
consideraes sobre o Kundalini Yoga,
construdas sob a perspectiva de um ocidental que, aparentemente,
no se deixou tocar pelas
guas do Oriente. Mesmo assim, e apesar das crticas dos
pensadores orientais (abaixo citadas),
entendo que Jung pde dar ao Ocidente, como sempre, uma grande
contribuio em relao ao
sistema de chakras, ainda que de forma racional; afinal, a razo
uma funo da conscincia que
auxilia o ser humano, nesta grande obra da vida, que dar luz
escurido...
Ao ler sobre o Kundalini Yoga em textos de Yoga escritos por
orientais, tive a oportunidade de
conhecer suas opinies sobre a viso de autores da Psicologia
Ocidental frente a esse
conhecimento. Quando ns (ocidentais) nos deparamos com o
desconhecido, tendemos a
racionalizar, categorizar, julgar..., aes que talvez no favoream
o entendimento real da
sabedoria oriental, cujo grande valor est exatamente na no
racionalizao, na no
categorizao, no no julgamento, e sim na experimentao, na
aceitao, no todo...
-
Destaco a seguir algumas crticas de autores orientais:
Gopi Krishna (2004, p. 139):
Uma vez que a experincia mstica e os conceitos da religio no se
ajustavam sua hiptese,
Freud empreendeu tranquilamente a tarefa de demolir todo o
edifcio da religio e do
sobrenatural. Em sua opinio, as duas coisas nada mais eram seno
estados patolgicos da
mente, uma regresso ao narcisismo infantil...
Gopi Krishna (2004, p. 57):
...Uma antiga obra chinesa, O segredo da Flor de Ouro, contm
indicaes indiscutveis sobre o
processo do despertar da kundalini, e ningum com algum
conhecimento sobre o tema deixaria
de perceb-las. No obstante, C.G. Jung, em seu comentrio sobre o
livro, inteiramente
preocupado com suas prprias teorias a respeito do inconsciente,
encontra na obra apenas
material para confirmao de suas ideias, nada alm disso. O mesmo
aconteceu em um
seminrio feito por ele sobre o tema kundalini. Nenhum dos homens
cultos presentes, segundo
fica evidente pelos conceitos que expressaram, exibiu o menor
conhecimento sobre o real
significado do antigo documento que discutiam no momento.
Shankar (2008, p. 50):
Normalmente ns nos limitamos. Dizemos: - eu sou do Oriente, eu
sou do Ocidente. - Quando
nos identificamos com algo limitado, a habilidade para amar
tambm se torna limitada. O saber
tambm se torna limitado.
Jung e o Kundalini Yoga
Jung conta que teve seu interesse despertado pelo Kundalini Yoga
aps o atendimento de uma
paciente que crescera no Oriente, cujos sonhos e fantasias s
foram adequadamente entendidos
por ele aps seu contato com o livro de Avalon (1964), A Serpente
do Poder.
Jung insistia na tentativa de demonstrar de formas diferentes e
em culturas diferentes a dualidade
da psicologia humana - de um lado, o aspecto pessoal, no qual
somente as questes pessoais
teriam significado; de outro, uma psicologia na qual o aspecto
pessoal seria desinteressante e
ilusrio, valorizando-se a experincia humana impessoal, ou
arquetpica, ou seja, aquela que est
presente nas razes compartilhadas que formam a espcie.
Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.26):
Voc deve existncia destes dois aspectos (o pessoal e o
impessoal) o fato de ter conflitos
fundamentais, de ter a possibilidade de um outro ponto de vista,
de modo que voc possa criticar
e julgar, reconhecer e entender a si mesmo. Pois quando voc s um
com uma coisa, voc
completamente idntico, voc no pode compar-la, voc no pode
discriminar, voc no pode
reconhec-la... ...seria impossvel julgar este mundo (pessoal) se
voc no tivesse tambm um
ponto de vista de fora (impessoal), e isso dado pelo simbolismo
das experincias religiosas.
O despertar da kundalini pode ento ser percebido como esta
experincia religiosa ou mstica que,
de um ponto de vista simblico, alude ao processo do despertar da
parte impessoal que se passava
na paciente acima citada, e que se passa, potencialmente, em
todos ns. Portanto, para Jung, a
descrio do despertar da kundalini atravs do sistema de chakras
uma rica fonte de
-
representaes simblicas da experincia interna e do processo de
individuao, assim definindo-
o em termos psicolgicos:
O Kundalini Yoga foi originalmente um processo de introverso,
esta introverso proporcionou
a percepo e a caracterizao de processos internos de transformao.
Aps muitos milhares
de anos, esta percepo se tornou uma metodologia organizada que
atua atravs de vrios
caminhos diferentes. O conceito de kundalini tem para ns somente
um uso; descrever nossas
prprias experincias com o inconsciente, as experincias que tm a
ver com a iniciao dos
processos supra-pessoais (apud Shamdasani, 1996, p.xxix).
importante ressaltar que Jung sempre fez questo de reafirmar seu
posicionamento no tocante
a manter-se na interpretao psicolgica da filosofia yogue, no
acreditando que as tcnicas
yogues surtissem efeito prtico em um ocidental. Argumentava que
tais tcnicas no teriam
correlao com nossa (dos ocidentais) psique profunda; assim,
estaramos apenas imitando um
comportamento, sem sermos de fato tocados por ele. Jung
acreditava que a prtica do Yoga
poderia fazer mal a um ocidental, podendo, inclusive, causar
estados de loucura. Assim, os
Ocidentais criariam, ao longo dos sculos, sua forma prpria de
Yoga baseada nos princpios do
cristianismo (Jung apud Shamdasani, 1996, p.xxx).
Outros autores ocidentais que se interessavam pela cultura
oriental tambm no acreditavam que
os exerccios de Yoga, que estavam sendo popularizados por
Vivekananda [Swami
Vivekananda foi um monge, yogue e filsofo hindu. Propagador da
filosofia Vedanta, assim
como dos quatro principais ramos do Yoga, Karma Yoga, Bhakti
Yoga, Jnana Yoga e Raja Yoga,
alm de inovador no esforo de examinar os pontos de convergncia
do pensamento ocidental e
oriental acerca de temas ligados tica e espiritualidade.
Participou de um congresso de
Religies Mundiais em Chicago em 1893, onde conquistou
notoriedade.] na Amrica, estivessem
proporcionando um bem. Keyserling (apud Shamdasani, 1996, p.
xxxi), por exemplo, afirmou: ...
nenhum americano tinha, por conta dos exerccios de respirao,
atingido um estgio de
iluminao, mas, ao contrrio, muitos teriam ficado loucos.... Na
mesma publicao, Keyserling
acrescenta:
Os conceitos indianos so aliens para ns Ocidentais. A maioria
das pessoas incapaz de se
relacionar profundamente com eles. Alm disso, psicologicamente
ns somos cristos, tendo ou
no conscincia do fato, assim qualquer doutrina que estiver
embasada pelo cristianismo ter
uma chance maior de nos tocar internamente do que uma doutrina,
por mais profunda que seja,
mas estrangeira (op. cit, p.xxxi).
Continuao:
As Conferncias sobre o Kundalini Yoga
Como j relatado anteriormente, Wilhelm Hauer apresentou seis
seminrios intitulados Yoga,
Significado dos Chakras no Clube de Psicologia em Zurique, sendo
seguido por Jung, que
conduziu quatro seminrios, intitulados A Interpretao Psicolgica
do Kundalini Yoga, nos
quais discorreu sobre o simbolismo do sistema de chakras. Esses
seminrios foram compilados
por Mary Foote, e o material ficou acessvel por muito tempo
apenas em edies mimeografadas
privadas, sendo publicado em 1996 por Sonu Shamdasani, dando
origem ao livro: The Psychology
of Kundalini Yoga- Notes Of The Seminar Given In 1932.
-
O sistema de chakras
Partindo do princpio de que o microcosmo (o ser humano) surgiu
do macrocosmo (o Universo),
podemos aferir que ambos so a mesma coisa, compartilhando das
mesmas energias, elementos
e tudo o mais. Desta forma, o corpo humano troca continuamente
energia com o cosmo, que
processada por centros de energia, ou vrtices psicoenergticos
chamados de chakras (Ravindra,
2000).
Chakra em snscrito significa roda, crculo e ciclo. Os chakras se
localizam no corpo sutil [Corpo
Sutil: O Yoga concebe o corpo humano como um complexo sistema
hierrquico de invlucros,
cada um vibrando em uma frequncia ou grau de sutileza diferente.
No nvel mais baixo est o
corpo fsico, no mais elevado o corpo da Realidade Transcendente.
Entre esses dois extremos
h uma srie de involtrios corporais intermedirios, que no so
normalmente acessveis
percepo consciente (Feuerstein, 1997).]
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p.8): Para a mente
Oriental uma abstrao uma
realidade j em existncia completa, que poderia realmente
tornar-se visvel para eles, uma vez
que eles podem visualizar qualquer conceito, mesmo que abstrato.
do ser humano, formando o
corpo composto de energia vital. Por no serem tridimensionais no
podem ser observados
fisicamente no corpo. Atravs do Yoga e da meditao, seria possvel
visualiz-los em sua forma,
cor e outras propriedades. Os chakras so considerados por
autores ocidentais como Feuerstein
(1989, p.258): verses idealizadas de estruturas do corpo sutil,
criadas para guiar a visualizao
do yogue.
A representao grfica dos chakras usualmente feita por flores de
ltus, cujos crculos em cores
foscas contm de dentro para fora: uma letra do alfabeto
snscrito; um animal; uma forma
geomtrica; duas divindades, uma feminina e uma masculina; alm de
um nmero especfico de
ptalas para cada chakra, inscritas tambm com letras em
snscrito.
Cada detalhe grfico analisado nos textos clssicos (Avalon, 1964;
Leadbeater,1985), sendo um
rico material para amplificaes simblicas. A letra no centro do
chakra representa seu som ou
bija (a semente), ou seja, tudo que o chakra em potencial; o
animal denota o carter, a motivao
do respectivo chakra; j as formas geomtricas tm explicaes
extensas e variveis. Destaco
abaixo um trecho em que Leadbeater (1985, p.125) expe o seu
ponto de vista sobre elas:
...assim como existe um ter luminoso que transmite a luz aos
olhos, h uma modalidade especial
de ter para o olfato, paladar, ouvido e tato. Esses sentidos
estariam relacionados com as formas
geomtricas; o olfato com o elemento slido (quadrado), o paladar
com o lquido (meia lua), a
vista com o gasoso (tringulo), o tato com o areo (hexgono) e o
ouvido com o etrico (crculo)...
..., pois o som se propaga em crculos, a luz em forma de
tringulo, e as propagaes para as
vibraes do paladar, olfato e tato acabam gerando as formas
correspondentes nas representaes
dos chakras.
As Divindades variam segundo a fonte estudada, e carregam em
seus inmeros braos objetos
diversos que representam os atributos necessrios ao yogue para
conquistar a energia associada
ao chakra. O nmero de ptalas seria determinado pela potncia de
energia que passa pelo
-
respectivo chakra. As letras em snscrito desenhadas nas ptalas
indicam o som que o praticante
deve meditar, seguindo a sequncia na qual aparecem, da direita
para a esquerda (Avalon, 1964).
Leadbeater (1985) complementa relembrando que, para o Yoga, o
alfabeto snscrito inclui a soma
total dos sons da voz humana, podendo ser a manifestao material
da Palavra Criadora. O
alfabeto snscrito contm cinquenta letras - 49 e mais a letra
ksha - que esto presentes no
conjunto formado pelos seis chakras. A meditao sobre elas
(nota-se que medida que se
ascende na ordem dos chakras h maior nmero de ptalas, portanto,
maior nmero de
ramificaes da energia primria) influiria no alcance do som
interno que apagaria o som externo.
Para Avalon (1964), esses smbolos tm a funo de apresentar as
qualidades energticas que
reinam em cada um desses centros de energia. J Leadbeater (1985)
afirma que nem todos os
smbolos contidos na representao dos chakras seriam parte
integrante deles, uma vez que
smbolos de sabedoria e devoo apareceriam de forma recorrente,
com o intuito de lembrar ao
praticante dos esforos necessrios para se atingir o estado de
Yoga (unio da alma com Deus).
Seriam eles: o amor perfeito (devoo a Deus em todo o tempo), o
pensamento perfeito (estudo
das coisas espirituais) e a ao perfeita (esforos de
purificao).
Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.60-1):
Os chakras so smbolos; juntam na forma de imagem grupos de
ideias e fatos complexos e
mltiplos. ... Eles simbolizam fatos psquicos altamente complexos
que no momento presente no
nos possvel expressar, exceto em imagens. Os chakras so,
portanto, de grande valor para ns,
porque representam um esforo real de fornecer uma teoria
simblica da psique. A psique algo
to altamente complicado, to vasto em extenso e to rico em
elementos desconhecidos para ns,
e seus aspectos se sobrepem e se entrelaam em um grau to
surpreendente, que ns sempre nos
voltamos para smbolos para tentar representar o que sabemos
sobre ela. Qualquer teoria sobre
isso seria prematura, porque se tornaria emaranhada em
particularidades e perderia a viso da
-
totalidade que decidimos considerar. Os smbolos dos chakras nos
proporcionam um ponto de
vista que se estende alm do consciente, so intuies sobre a
psique como um todo, sobre suas
vrias condies e possibilidades. Eles simbolizam a psique de um
ponto de vista csmico.
Muladhara - o chakra da base
H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio da terra
abrange desde os ps at os
joelhos. de forma quadrada, da cor amarela e tem a letra Lam.
Deve-se meditar sobre esta regio
aspirando com a letra lam ao longo da regio dos ps at os
joelhos, e contemplando o
quadrifaceado Brahma cor de ouro (Upanishad Yogatattwa apud
Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em muladhara torna-se o lorde da palavra, o
rei dos homens, competente para
adquirir qualquer tipo de conhecimento. Ele tambm fica livre de
todas as doenas, e seu esprito
se enche de alegria (Avalon, 1964, p.354).
Muladhara tem como traduo literal o suporte das razes; onde se
localiza a raiz de sushumna
e de todos as nadis. tambm em muladhara que a kundalini,
representada na forma de uma
serpente enrolada trs vezes e meia ao redor de um linga [Linga a
representao da genitlia
masculina, a Deidade masculina associada Shiva. Metafisicamente,
representa a potncia ou
poder inimaginvel da criatividade antes da criao do mundo
(Feuerstein, 1997).]
Muladhara, localizado na base da coluna vertebral, representado
por uma flor de ltus com
quatro ptalas, nas quais h letras escritas em dourado (vam, sam,
sam e sam). Sua essncia
prthivi ou a terra. Seu centro est inserido em uma forma
quadrangular. Seu bija lam, que est
apoiado sobre um elefante e carrega a imagem de Brahma,
encontra-se adormecida, com sua
cabea apoiada na entrada de sushumna (Avalon, 1964). [Brahma o
criador na trindade
clssica do hindusmo, sendo os outros dois deuses Vishnu e Shiva.
No deve ser confundido com
-
Brahman, o absoluto impessoal alm de todas as distines
(Feuerstein, 1997).]
Abaixo do bija e sobre o elefante est o trikona ou tringulo
invertido, que uma representao
da Yoni, a genitlia feminina. O trikona aparece nos chakras da
base, no cardaco e no frontal.
Smbolo do princpio feminino, representa o poder da vontade, da
sabedoria e da ao. Em cada
trikona h trs ns especiais ou granthis, atravs dos quais a
kundalini tem que abrir passagem.
Compara-se a perfurao desses ns pela kundalini perfurao dos ns
de uma vara de bambu
por uma barra de ferro quente. (Feuerstein, 1997). O primeiro n
costuma ser chamado de o n
de Brahma; o segundo, o n de Vishnu, o criador. A deusa ao seu
lado a portadora da revelao,
do conhecimento e da essncia das coisas (Avalon, 1964). [Na
trindade da ndia medieval, Vishnu
representa o princpio da preservao (Feuerstein ,1997).]
Para Feuerstein (1997), esses ns significam desejo, ou mesmo
dvida, que devem ser removidos
para que ocorra a realizao do Si Mesmo. e o terceiro, o n de
Shiva.
Dentro de cada trikona, a Deidade masculina est representada na
forma de um linga (Avalon,
1964).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em muladhara a conscincia est
emaranhada nas razes
deste mundo, na realidade que tocamos, no aspecto sthula [O
aspecto sthula diz respeito s
coisas como as vemos, o mundo concreto, seria o que supomos das
coisas, as abstraes ou
concluses filosficas que tiramos a respeito do que foi observado
(Shamdasani, 1996). Para
Feuerstein (1997), sthula o denso, o aspecto mais externo,
visvel e material de uma coisa;
enquanto que suksma refere-se ao sutil, dimenso interior ou
psquica da existncia que no
visvel aos olhos fsicos, mas que pode ser experimentada na
meditao.]. Trata-se de um estgio
no qual os deuses dormem (na imagem da flor de ltus, a kundalini
est adormecida); ou seja,
aqui tudo que concerne aos deuses, a possibilidade de troca do
ego [A definio de ego para o
Yoga me parece concordante com a definio de ego para Jung.
Conforme Feuerstein (1997): o
ego se refere ao princpio psicolgico pelo qual a pessoa se
experimenta como um indivduo
separado de todos os outros seres. Por isso, usei o termo
livremente durante todo o texto.] com
o Si Mesmo est adormecida. Em muladhara o Homem parece ser a
nica fora ativa, e os deuses,
ou o impessoal, ou as foras de no-ego so foras ainda no
despertadas, em estado de energia
potencial.
Vivemos em muladhara, pois estamos emaranhados nas causalidades
terrestres, dependentes da
nossa vida consciente como ela realmente , e condicionados por
ela. Muladhara a conscincia
total de todas as experincias pessoais externas e internas (Jung
apud Shamdasani, 1996, p.12).
Tambm em muladhara, ou seja, nas razes, na terra sobre a qual
estamos, no mundo consciente,
em nossa existncia pessoal e corprea, quando estando cientes
apenas da realidade egica,
somos vtimas de tudo que seja no-ego. Tudo alm do ego escurido e
inconscincia, somos
vtimas dos impulsos, dos instintos, da inconscincia, da
participao mstica. Segundo Jung
(apud Shamdasani, 1996, p.15): ...somos apenas racionais, ou to
irracionais quanto animais
inconscientes....
Jung sugere que o elefante, animal ilustrado neste chakra,
representa fora, solidez e firmeza,
caractersticas necessrias ao ego neste estgio, para que ele no
sucumba e se dissolva no
inconsciente:
...o elefante representa aquele impulso tremendo que suporta a
conscincia humana, a fora que
nos faz construir tal mundo consciente. Para o hindu o elefante
funciona como o smbolo da libido
-
domesticada, como funciona conosco a imagem do cavalo. Ele
significa a fora da conscincia, o
poder da vontade, a capacidade de se fazer o que se quer fazer
(Jung apud Shamdasani, 1996,
p.51).
Em muladhara ainda no teria se iniciado o processo de individuao
[Para Jung o Processo
de Individuao inicia-se na segunda metade da vida, quando o
indivduo j adaptado ao meio
externo, poderia mobilizar energia psquica para sua individuao,
ou seja, para tornar-se o
que nasceu para ser de fato, um ser nico. No entanto h muita
controvrsia sobre o assunto,
autores ps junguianos discordam de Jung, entendendo que o
Processo de Individuao estaria
em funcionamento desde o incio da vida. Neumann, por exemplo,
acredita que o sistema
psquico tende a desenvolver-se desde o princpio para que ocorra
tanto uma adaptao ao
mundo externo, como ao mundo interno. Para isso existiriam duas
funes: a centroverso que
funcionaria no sentido de diferenciar o ego do inconsciente, e o
automorfismo, que seria uma
tendncia inerente ao sistema psquico de formar seu prprio ser a
partir de elementos
particulares que o constituem; independentemente, ou at mesmo,
em oposio coletividade.
Fordham, outro autor ps junguiano, teorizou o conceito de self
primrio, estrutura presente e
ativa desde a vida intra-uterina, dirigida por um padro que
emerge do self total. Por isso o self
primrio contm todos os potenciais arquetpicos inatos, que podero
ser deflagrados e
expressos ,no decorrer da vida atravs dos mecanismos de
deintegrao (o self em interao
com o meio ambiente, sofre divises espontneas em partes que se
projetam no objeto) e
reintegrao (introjeo das partes deintegradas como uma energia
que retorna ao self, agora
transformada pela experincia).] ; aqui o Homem individual, como
toda forma de vida na terra.
Mas a individuao s acontece quando voc est consciente dela,
enquanto que a
individualidade est sempre l, desde o incio da sua existncia
(Jung, apud Shamdasani, 1996,
p. 5). Jung afirma que as convices do mundo de muladhara so
extremamente necessrias. Para
ele, vital que se seja racional, e que se acredite na certeza
deste mundo concreto; caso contrrio,
no nos enraizamos em muladhara, no nos conectamos com esse
mundo. Somente nascendo
nele poderemos, ento, tomar conscincia do Self e, a partir da,
iniciar o processo de
individuao.
...se voc tocar a realidade na qual vive, e permanecer nela por
vrias dcadas, se voc deixar sua
marca, ento o processo impessoal pode comear. Deve-se entender
que o broto, o trao pessoal,
precisa penetrar no solo para dele sair (Jung apud Shamdasani,
1996, p.29).
Em Shamdasani (1996), Jung conta um mito cosmognico no qual o
homem teria sido gerado
muito abaixo da terra, numa caverna negra como piche. Com o
passar do tempo, foi subindo de
caverna em caverna at, finalmente, atingir a superfcie. A
histria uma aluso ao
desenvolvimento da conscincia em relao ao inconsciente, ou ao
caminho ascendente da
kundalini atravs dos chakras, que vai alcanando novos estgios e
se aproximando da luz. Dentro
do sistema de chakras, a experincia mstica central - atingir
sahashara - representada pela luz,
para a Psicologia Analtica, a luz pode ser entendida como um
aumento do grau de conscincia
reflexa: contedos anteriormente inconscientes so acrescentados
conscincia, aumentando seu
grau de percepo, ou de luz. Trata-se de um estado iluminado, em
relao relativa obscuridade
do estgio anterior (Jung 1980, v. XII-5, p. 828).
Jung (apud Shamdasani, 1996, p.30):
... o homem foi gerado bem em baixo da terra; depois de eras
incontveis de uma existncia
adormecida e absolutamente escura como a de um verme, dois
mensageiros celestes desceram a
eles e plantaram todas as plantas. Finalmente um tipo de junco
cresceu e juntou-se como uma
-
escada longa o bastante para ir atravs da abertura no teto; ento
os homens puderam subir e
atingir o cho da prxima caverna, mas ainda era escuro. Depois de
um longo tempo, puderam
subir da mesma maneira at a terceira caverna, e ento, novamente,
eras mais tarde, subiram
para a quarta caverna e l atingiram a luz; mas era uma luz plida
e incompleta. Esta caverna se
abria para a superfcie da terra, pela primeira vez o homem viu a
superfcie da terra, mas ainda
era escuro. Finalmente eles aprenderam a fazer uma luz
brilhante, da qual o sol e a lua foram
criados.
Jung v no despertar da kundalini o despertar dos deuses. Para
ele, o despertar da kundalini o
incio da relao ego-Self, o despertar da individuao, pois para
iniciarmos este processo temos
de ressoar com o Self, se no seremos apenas uma individualidade.
Assim, aps o enraizamento
em solo pessoal, muladhara, pode-se iniciar a relao com os
deuses. O ego comea a perceber um
poder alm dele mesmo, e entra em contato com a dualidade da
psicologia humana, seja ela
consciente e inconsciente.
Essa necessidade de desprender-se do mundo pessoal e conectar-se
ao suprapessoal tambm
sugerida no cristianismo:
No cristianismo esta viso se repete; o mundo na terra somente
uma preparao para uma
condio superior, e o aqui e agora, o estado de estar envolvido
neste mundo engano, pecado...
A transfigurao e a ascenso de cristo so a representao e a
antecipao simblica do desejado
fim, isto , ser elevado acima do pessoal (Jung apud Shamdasani,
1996, p.67).
Quando o ego se percebe no nico, entra em contato com as foras
no-ego, mergulhando nas
guas do inconsciente. Como um paralelo com o Kundalini Yoga,
samos de muladhara e
penetramos em svadhisthana.
Svadhisthana - chakra sacral
-
H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio da gua
estende-se dos joelhos ao nus.
Tem forma de meia-lua, de cor branca e seu bija vam. Aspirando
com a letra vam ao longo da
regio da gua, deve-se meditar no deus Narayana, que tem quatro
braos, cabea coroada, de
puro cristal, est vestido com roupas laranjas e no decai...
(Upanichade Yogatattwa apud
Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em svadhisthana torna-se imediatamente
libertado de seus inimigos, como a
culpa, o egosmo e assim por diante. Torna-se um lorde entre os
yogues e sua luz ilumina a
escurido da ignorncia (Avalon, 1964, p.364).
Svadhisthana localiza-se nas razes das genitlias e representado
por uma flor de ltus de seis
ptalas; em cada uma delas lemos as letras Bam, Bham, Mam, Yam,
Ram, Lam. A essncia dessa
flor de ltus a gua, e seu centro est inserido dentro de uma
forma de meia lua crescente. Seu
bija Vam, que se apia em um animal marinho, descrito como algo
parecido com um crocodilo,
com as mandbulas abertas mostrando seus dentes (Avalon,
1964).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em svadhisthana estamos no
mundo do inconsciente.
Inundado pelos contedos deste, o ego deve absorv-los e
integr-los, ou defender-se de alguma
forma, sob o risco de ser aniquilado pelo monstro marinho. A
fora que sustentou o ego em
muladhara, o elefante, em svadhisthana torna-se o leviat. Assim,
o poder que sustenta o ego no
mundo consciente torna-se seu pior inimigo quando o ego penetra
no inconsciente, pois aqui
estamos em outro mundo, e as foras que nos mantm conectados ao
mundo concreto agiro
contra o movimento necessrio para que a transformao acontea,
para que se possa abdicar do
velho e aceitar o novo, como o processo natural de uma psique
saudvel.
A simbologia da gua aparece frequentemente em sonhos nos quais
questes, valores e complexos
do analisando esto se dissolvendo nas guas do inconsciente
(morte simblica), para que algo
-
novo possa surgir (renascimento). Esse processo ao qual o ego
submetido pode ser ilustrado
pelo mito do sol:
...o sol tarde est ficando velho e fraco e, portanto, afunda no
mar ocidental, viaja por baixo das
guas (a viagem noturna no mar), e se ergue de manh renascido no
leste. Assim, o segundo
chakra poderia ser chamado o chakra do batismo, ou do
renascimento, ou da destruio, qualquer
que pudesse ser a consequncia do batismo (Jung apud Shamdasani,
1996, p.17).
A questo do renascimento aludida, em termos claros ou velados,
em todo o saber religioso da
humanidade. Assim, aps ter nascido na/da terra necessria uma
morte simblica e um
renascimento. Tal fenmeno de transformao ou renascimento
mencionado por Cristo em
linguagem metafrica, quando de seu dilogo com Nicodemus
(conforme j citado em nota de
rodap acima):
Em verdade vos digo que aquele que no nascer da gua e do Esprito
no pode entrar no reino
de Deus. O que nascido da carne carne, e o que nascido do
Esprito Esprito. No vos
maravilheis em vos ter dito: necessrio vos nascer de novo (Gopi
Krishna, 2004, p.56).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p.31):
A primeira exigncia de um culto de mistrio sempre foi entrar na
gua, na fonte batismal. O
caminho para qualquer desenvolvimento mais elevado conduz atravs
da gua, com o perigo de
ser tragado pelo monstro. No ritual catlico do batismo, o padre
se aproxima da criana com uma
vela e profere: Dono tibi lucem eternam; eu te dou a luz eterna,
assim a criana recebe a alma
imortal que no possua antes; nascida duas vezes.
Esse processo de afundar nas guas do inconsciente, enfrentar os
monstros, deixar que algumas
partes morram para poder renascer transformado no um processo ao
qual o ego se submete
voluntariamente. , na realidade, imposto por uma fora maior que
o conduz, o Self, e ativado
por uma grande descarga de energia psquica, a energia anmica.
Desta forma, o progresso para o
segundo chakra s possvel se houver o despertar da kundalini, a
energia divina que impulsiona
o ego em busca de tornar-se uma completa realizao de si-mesmo.
Jung (apud Shamdasani,
1996) sugere que a energia da kundalini seja a energia
anmica:
...uma centelha que guia, algum incentivo que o fora atravs das
guas e em direo ao prximo
centro, esta centelha a kundalini, algo absolutamente
irreconhecvel, que pode aparecer talvez
como medo, como uma neurose ou como um vvido interesse, mas algo
superior a sua vontade.
Caso contrrio voc no passa por isso, voc v o leviat e foge; mas
se esta centelha viva, este
impulso, esta necessidade o pega pelo pescoo, voc no pode
voltar, voc tem que enfrentar a
msica (Jung apud Shamdasani, 1996, p.21).
Jung (apud Shamdasani, 1996, p.17) questiona:
O que acontece quando travamos conhecimento com o inconsciente e
o levamos a srio? Desejo,
paixes, sexo, poder, todo o mundo emocional, todos os demnios de
nossa natureza se soltam...,
assim, se no sucumbirmos ao leviat, poderemos esperar a
manifestao de uma nova vida, de
luz, intensidade, de alta atividade, entramos ento em
manipura.
-
Manipura - o chakra umbilical
H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do fogo
est compreendida entre o nus
e o corao. de forma triangular, de cor vermelha, e tem por
semente a letra ram. Retendo alento
com a letra ram que o faz resplandecer ao longo da regio do
fogo, deve-se meditar em Rudra, que
tem trs olhos, concede tudo que se deseja, de cor do sol
meridiano, est todo tisnado de cinzas
sagradas e possui aspecto agradvel... (Upanichade Yogatattwa
apud Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em manipura adquire o poder da criao e da
destruio (Avalon, 1964, p.369).
Manipura situa-se na regio do umbigo, sobre o plexo solar, e
representado por uma flor de ltus
de dez ptalas com as seguintes letras escritas em cada uma
delas: Dam, Dham, Nam, Tam, Tham,
Dam, Dham, Nam, Pam, Pham. A essncia dessa flor de ltus o fogo,
e seu centro est inserido
em um tringulo do qual saem trs susticas, uma marca auspiciosa.
Seu bija Ram, e se apia
sobre um carneiro (Avalon,1964).
Manipura significa a cidade das joias, o centro do fogo, onde o
sol nasce, a abundncia da
fora divina que nunca acaba, a primeira luz que surge aps o
batismo (Avalon, 1964, p.367).
Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35), em manipura estamos no
centro das emoes: o
mundo todo est em chamas, e ns vazando o fogo do desejo. Nesta
jornada herica, o ego que
se libertou do aprisionamento no mundo concreto em muladhara, e
se dissolveu em svadhisthana,
enfrentando a perigosa viagem noturna sob o mar, pode renascer
como um novo sol. Aqui, a
energia emocional liberada, e se apresenta ao ego, que se torna,
ento, consciente de seus
desejos, seus medos, suas paixes... Quando o ego absorve
contedos do todo, torna-se parte da
substncia divina, pronto para o avano em direo ao prximo chakra,
ou correndo o risco de ser
-
queimado pelo fogo das emoes.
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35, grifos nossos), j
indicando o processo da sada
de manipura e a entrada em anahata:
Quando as pessoas travam conhecimento com o inconsciente elas
brilham subitamente, elas
explodem; antigas emoes enterradas reaparecem, toca-se o fogo
que estava esquecido embaixo
das cinzas. Aps ter cado no inferno e ter enfrentado um
redemoinho de paixes, instintos e
desejos, pode vir a descoberta de uma essncia impessoal. O ser
ento pode perceber que no
precisa estar identificado com seus desejos ou medos.
Em manipura o carneiro o animal simblico - ele no mais a fora
insupervel do elefante,
nem o leviat das profundezas do chakra anterior; o perigo
diminuiu. Ele um animal sacrificial.
Agora, o ego deve sacrificar seus desejos ou paixes
fundamentais, no h mais o risco de ser
afogado na inconscincia, ele superou o pior perigo ao tornar-se
consciente de seus desejos,
medos ou paixes.
Anahata - o chakra cardaco
H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do ar est
compreendida entre o corao
e a regio entre as sobrancelhas. hexagonal, de cor preta, e
brilha com a letra yam. Levando o
alento ao longo da regio do ar, deve-se meditar em Ishwara, o
onisciente, de rosto voltado para
todos os lados... (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985,
p.128).
Aquele que medita em anahata se torna o criador, o protetor e o
destruidor dos mundos, por ter
se identificado com a substncia de Brahman (Avalon, 1964,
p.379).
-
Anahata situa-se na regio do corao. Desde o tempo dos Vedas,
anahata considerado um local
especial do sagrado dentro do corpo humano, o assento secreto do
divino, o lugar onde o som
imortal om, que no produzido por nada, pode ser criado
(Feuerstein, 1997).
Anahata representado por uma flor de ltus de doze ptalas, com as
seguintes letras escritas em
cada uma delas: Kam, Kham, Gam, Gham, Nam, Can, cham, Jam, Jham,
Jnam, Tam, Tham. A
essncia dessa flor de ltus o ar, e seu centro est inserido numa
figura de seis pontas formada
por dois tringulos, um deles invertido. Seu bija Yam, que se
apia em uma gazela. Aqui
reaparece o trikona.
Em anahata, o linga que est dentro do trikona aparece em
dourado, o que, para Leadbeater
(1985), representa o embelecimento da deidade masculina (o
linga) pela presena de jivatman ou
tringulo invertido, o n ou granthi atravs do qual a kundalini
tem de abrir passagem. [Jivatman
a conscincia individual. Para o Vedanta e as escolas de Yoga, pr
e ps-clssicas, a libertao
consiste na fuso do si mesmo individual (Jivatman) com o Si
Mesmo Transcendente
(Feuerstein, 1997).]
Ningum vai ao Pai, seno por Mim (Jo 14,6)
Ao sair de manipura e entrar nos domnios de anahata, ocorre uma
grande mudana na relao
do ego com o todo. Cada vez mais consciente da existncia de uma
essncia impessoal, o ego pode
iniciar o processo de libertao do aprisionamento no corpo e nas
emoes, o que denota uma
sutilizao da capacidade de percepo egica, ou, em linguagem
psicolgica, denota o
movimento gradual e contnuo de ampliao da conscincia. , o ser
vivente ou o ego. Este se
apresenta como uma chama tranquila que no se perturba com o
vento, uma vez que, em anahata,
o ego torna-se completamente ciente de algo maior, purusha ou o
Self , e por isso adquire a
capacidade de no sofrer mais com as perturbaes da mente.
Em suas conferncias, Jung traa um paralelo com o corpo: em
anahata ultrapassamos a linha do
diafragma chegando regio dos pulmes. Aqui, teramos subido de
partes mais concretas no
corpo (rgos mais densos), para partes mais sutis (trax e pulmes,
regies menos densas).
Elevamo-nos da terra (muladhara) e entramos em contato com o ar
(anahata), com substncias
mais sutis, com o divino em si mesmo.
Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 31):
Voc agora parte daquilo que no est mais no tempo, no espao
tridimensional; voc pertence
agora a uma ordem das coisas tetradimensionais, onde o tempo uma
extenso, onde o espao
no existe e o tempo no , onde s h durao infinita;
eternidade...
Ou:
-
Purusha visto pela primeira vez em anahata. a essncia do Homem,
o Homem supremo, o
assim chamado Homem primordial. Este o primeiro pressentimento
de um ser dentro de sua
existncia fisiolgica, ou fsica, que no voc mesmo. Um ser no qual
voc est contido; que
maior e mais importante que voc, mas que tem uma existncia
inteiramente psquica (op. cit.,
p.39).
Portanto, em anahata, centro energtico localizado acima do
diafragma, na regio do corao, e
que tem como sua essncia (substncia) o ar, nos aproximamos das
questes abstratas:
...no diafragma cruzamos o limiar entre as coisas visveis e
tangveis e as coisas quase invisveis e
intangveis. Estas coisas invisveis em anahata so as coisas
psquicas, pois esta a regio do que
chamado sentimento e intelecto. O corao caracterstico do
sentimento, e o ar caracterstico
do pensamento... (Jung apud Shamdasani, 1996, p.44).
A importncia real dos nossos sentimentos e pensamentos s fica
clara para ns quando os
reconhecemos como foras propulsoras em nossas vidas. Quando o
homem atinge esse nvel na
civilizao, ou no seu desenvolvimento individual, podemos dizer
que ele est em anahata
(Shamdasani, 1996, p.45), o centro onde as coisas psquicas
comeam, onde se d o
reconhecimento das ideias e dos valores. Aqui, estamos mais
conscientes da substancialidade
e/ou da existncia real do mundo psquico.
Anahata traz a gazela como o animal que define suas
caractersticas. A gazela no um animal
domesticado, nem um animal sacrificial, nem agressivo, um animal
excessivamente cauteloso,
esquivo e veloz.
A gazela parece voar com grandes saltos; leve e s toca a terra
aqui e ali; Ela um animal da
terra, mas quase libertada da fora da gravidade. Tal animal
seria adequado para simbolizar a
fora, a eficincia e a leveza da substncia psquica: pensamento e
sentimento. A gazela tambm
denota que em anahata a coisa psquica um fator evasivo,
dificilmente apanhado (Jung apud
Shamdasani, 1996, p.52).
Mas que fora poderia nos elevar acima do diafragma, ou acima da
terra, nos aproximando do
divino? Para responder questo, Jung utiliza-se da mitologia
egpcia:
...no simbolismo religioso do antigo Egito, o fara morto vai
para o mundo de baixo e embarca no
barco do sol de R. Viaja atravs da noite, subjuga a serpente, e
ento se eleva novamente com o
Deus percorrendo os cus por toda a eternidade. O fara, sendo
idntico ao sol, ergue-se acima
do horizonte com o navio do sol, e viaja atravs dos cus.
Assim, o contato com o sol, em manipura, te ergue e te afasta at
uma esfera acima da terra.
Psicologicamente, esta sada da terra pode ser entendida como uma
retirada do mero
funcionamento emocional; a partir daqui voc comea a pensar, a
refletir sobre as coisas, ao invs
de seguir seus impulsos de uma maneira desenfreada. Voc pode
deter-se a si mesmo, e assim
desidentificar-se das prprias emoes. Em anahata surge a
possibilidade de se elevar acima dos
acontecimentos emocionais, e, desta forma, poder olhar para eles
(Jung apud Shamdasani, 1996,
p.39).
Para Jung, quando comeamos a nos diferenciar da exploso de
paixes, comeamos a pressentir
o Self. Nesse momento, o processo de individuao teria incio.
Aqui necessrio cuidado para
que no haja uma inflao, ou seja, o perigo do ego identificar-se
com o Self. importante manter-
se ciente que a individuao tornar-se algo que no ego; o ego se
descobre como um mero
-
apndice do Self, num tipo de conexo frouxa. (Jung apud
Shamdasani, 1996, p.39).
Mas, apesar de, em muitos sentidos, j termos como humanidade
atingido o estgio de anahata,
se observarmos nossa prpria forma de funcionamento, e a do
mundo, perceberemos que o
aprisionamento em manipura ainda muito frequente. Assim, quando
somos expostos a emoes
intensas, facilmente sucumbimos e esquecemos deste Ser maior,
tornando-nos refns de nossos
desejos e/ou medos: ...vocs veem que anahata ainda muito tnue, e
a psicologia de manipura
est muito perto de ns. Ainda temos que ser gentis com as pessoas
para evitar as exploses de
manipura ((Jung apud Shamdasani, 1996, p.41).
Vishuddha, o chakra larngeo
H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do ter
est compreendida desde a regio
entre as sobrancelhas at o alto da cabea. circular, de cor
esfumaada, e brilha com a letra ham.
Levando o alento ao longo da regio do ter deve-se meditar em
Sadashiva, considerando-o nos
seguintes aspectos: produtor de felicidade; em forma de gota
brilhante como puro cristal; com a
meia lua sobre a cabea; cinco rostos; dez cabeas e trs olhos.
Atitude pacfica; armado de todas
as armas; engalanado com toda classe de ornamentos; com a deusa
Uma numa metade de seu
corpo; disposto a outorgar favores; e a causa de todas as causas
(Upanichade Yogatattwa apud
Leadbeater, 1985, p.128).
Aquele que medita em vishuddha, torna-se um grande sbio
eloquente que usufrui de uma
ininterrupta paz em sua mente. Ele v os trs perodos (passado,
presente e futuro), o benfeitor
de tudo, est livre de doenas e dor, remove os perigos (Avalon,
1964, p.390).
Vishuddha situa-se na regio da garganta. representado por uma
flor de ltus de dezesseis
ptalas, com as seguintes letras escritas em cada uma delas: am,
am, im, im, um, um, rm, rm,
-
lrim, lrim, em, aim, om, oum, am, ah. Essas letras esto
brilhantes e visveis para aqueles cuja
mente ou intelecto est livre das impurezas do mundo. A essncia
dessa flor de ltus o ter, e
seu centro est inserido numa figura circular e branca, como a
lua cheia. Seu bija ham, que
branco, e se apia sobre um elefante. conhecido como o grande
portal para a libertao (Avalon,
1964).
No caminho ascendente dos chakras observamos uma espcie de
transformao do elemento, com
um aumento da volatilidade de sua substncia. Assim, o processo
iniciado em muladhara, a terra,
passou a svadhisthana, a gua, chegando a manipura, o fogo, e a
anahata, o ar. A ideia que
permanece a de que estamos transformando a matria bruta em
matria sutil, ou para Jung, em
matria psquica:
... a ideia da transformao dos elementos mostra a analogia do
Yoga Tntrico com nossa Filosofia
Alqumica Medieval. L se encontram exatamente as mesmas ideias: a
transformao da matria
bruta na sutil matria da mente, a sublimao do Homem (Jung apud
Shamdasani, 1996, p.43).
A partir de vishuddha o centro do ter, atingimos um ponto em que
o fenmeno se torna mais e
mais abstrato, ficando difcil para nossa conscincia ocidental
apreend-lo e evidenciar nisso
algum valor prtico. Apesar de j termos (como conscincia
coletiva) alcanado uma forma de
conscincia mais perspicaz (anahata) que reconhece um algo maior
(Self ou purusha), ainda no
confiamos na segurana da realidade no material; portanto, ainda
no alcanamos vishuddha.
Para Jung (Jung apud Shamdasani, 1996, p.47):
...Ns ainda acreditamos em um mundo material construdo de
matria, fora fsica, etc. E ns
ainda no conseguimos conectar a existncia ou substncia psquica
com a ideia de qualquer coisa
csmica ou fsica. Ns ainda no achamos a ponte entre as ideias da
fsica e da psicologia.
Este (vishuddha) o mundo das ideias abstratas e dos valores. O
mundo onde a psique existe em
si mesma, onde a realidade psquica a nica realidade, ou, onde a
matria somente uma fina
casca em volta de um enorme cosmos de realidades psquicas. A
matria a borda ilusria ao
redor da existncia real, que psquica. ...se nossa experincia
atingisse tal nvel, ns teramos
um panorama extraordinrio de purusha; a purusha seria realmente
o centro das coisas, no mais
uma viso plida, mas uma realidade fundamental (op. cit., p.47,
grifos nossos).
Quando Jung se refere a realidade psquica como a nica realidade,
ou a existncia real que
psquica, importante refletir sobre o termo psique ou
psquico:
A definio de psique para o dicionrio Michaelis (2009, ed.
Melhoramentos) : 1 a