90 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 A (IN)IMPUTABILIDADE DO SERIAL KILLER NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Bárbara Sílvia Dias Do Nascimento 1 Cibele Mª Diniz Figueirêdo Gazzinelli 2 RESUMO: A pesquisa tem por objetivo discutir a imputabilidade do Serial Killer, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro. Considerando que crimes com essas especificações tem se tornado cada dia mais comum no país e no mundo, a pesquisa parte das seguintes questões: partindo de uma interpretação do ordenamento jurídico brasileiro e do serial killer, é possível afirmar que a justiça brasileira oferece ao serial killer o tratamento adequado? Seria o assassino em série um ser inimputável devido às condições psíquicas? Em que medida o tratamento oferecido ao serial killer tem se tornado eficaz? Por certo a resposta a esta pesquisa não encontra objetividade, mas sugere-se o caminho a ser trilhado que tanto respeite os direitos fundamentais dos assassinos em série, como garanta a segurança à sociedade brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Serial Killer. Imputabilidade. Justiça. Inimputabilidade. Direitos Fundamentais. ABSTRACT: The research have at it goal discuss the serial killer imputability, in view of the Brazilian legal order. Considering that crimes with that specifications has become every day more common in the country and in the wolrd, the research starts of the questions: Starting from a interpretation from the Brazilian legal order and from the serial killer, its possible to affirm that the Brazilian justice offers to 1 Graduanda do curso de Direito do IESI/FENORD - 2015 2 Mestre em Gestão Integrada de Território - UNIVALE, pós-graduada em Ensino de Língua Portuguesa – PUC-MG, Graduada em Letras – FAFITO/FENORD, Coordenadora do Núcleo de Iniciação Científica – IESI/FENORD e Professora de Língua Portuguesa e Orientação de Projeto de Monografia do IESI/FENORD.
25
Embed
A (IN)IMPUTABILIDADE DO SERIAL KILLER NO ORDENAMENTO … · 2017. 9. 6. · 90 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 A (IN)IMPUTABILIDADE
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
90 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016
A (IN)IMPUTABILIDADE DO SERIAL KILLER NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Bárbara Sílvia Dias Do Nascimento1
Cibele Mª Diniz Figueirêdo Gazzinelli2
RESUMO: A pesquisa tem por objetivo discutir a imputabilidade do
Serial Killer, tendo em vista o ordenamento jurídico brasileiro.
Considerando que crimes com essas especificações tem se tornado
cada dia mais comum no país e no mundo, a pesquisa parte das
seguintes questões: partindo de uma interpretação do ordenamento
jurídico brasileiro e do serial killer, é possível afirmar que a justiça
brasileira oferece ao serial killer o tratamento adequado? Seria o
assassino em série um ser inimputável devido às condições psíquicas?
Em que medida o tratamento oferecido ao serial killer tem se tornado
eficaz? Por certo a resposta a esta pesquisa não encontra objetividade,
mas sugere-se o caminho a ser trilhado que tanto respeite os direitos
fundamentais dos assassinos em série, como garanta a segurança à
sociedade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Serial Killer. Imputabilidade. Justiça.
Inimputabilidade. Direitos Fundamentais.
ABSTRACT: The research have at it goal discuss the serial killer
imputability, in view of the Brazilian legal order. Considering that
crimes with that specifications has become every day more common in
the country and in the wolrd, the research starts of the questions:
Starting from a interpretation from the Brazilian legal order and from
the serial killer, its possible to affirm that the Brazilian justice offers to
1 Graduanda do curso de Direito do IESI/FENORD - 2015 2 Mestre em Gestão Integrada de Território - UNIVALE, pós-graduada em Ensino de
Língua Portuguesa – PUC-MG, Graduada em Letras – FAFITO/FENORD,
Coordenadora do Núcleo de Iniciação Científica – IESI/FENORD e Professora de
Língua Portuguesa e Orientação de Projeto de Monografia do IESI/FENORD.
91
Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 91
the serial killer the right treatment? Would be the serial killer a
unimputable being because of his psychic conditions? In what size does
the treatment gived to the serial killer has become effective? Of Course
the answer to this research have no objectivity, but sugest the way to
be followed that respect the fundamental rights of the serial killers, as
garants the safety to the Brazilian society. Key-words: Serial
Killer.Imputability. Justice. Unimputability. Fundamental Rights.
KEYWORDS: Serial Killer. Imputability . Unimputability.
Fundamental rights. Justice.
1 INTRODUÇÃO:
Serial Killers é uma expressão inglesa que quer dizer
“assassino em série”. Esses são considerados agentes que praticam no
mínimo três homicídios, sendo eles dolosos, em determinado lapso
temporal.
Há um certo tempo, os casos de homicídio que tinham
como agente um Serial Killer eram vistos como uma realidade distante
dos brasileiros. Hoje a ocorrência de crimes com essas especificações
tem se tornado cada dia mais comum nos países e no mundo.
Entender as razões morais que levam o indivíduo a
delinquir, analisando sua personalidade e também a perspectiva
sociocultural em que está inserido, é fundamental para a aplicação da
lei penal ao caso concreto. Os juízes necessitam desta avaliação para
que possam, conjuntamente com outros indícios e provas, absolver ou
condenar, fixar a pena adequada e proporcional, se for o caso, ou
92 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016
aplicar uma medida de segurança (OLIVEIRA e STRUCHINER,
2010).
Considerando que existe dificuldade na abordagem do
tema tanto no que tange à psiquiatria, como à criminologia ( MARTA
E MAZZONI, 2009), bem como o fato de os assassinatos em série, no
Brasil, ter se tornado mais frequentes, faz-se necessário tomar o
“assassino em série” como objeto desta pesquisa.
Assim, partindo de uma interpretação do ordenamento
jurídico brasileiro, bem como da psiquiatria, a presente pesquisa busca
responder aos seguintes questionamentos: É possível afirmar que a
justiça brasileira oferece ao Serial Killer o tratamento jurídico
adequado? Seria o assassino em série um ser inimputável devido às
suas condições psíquicas? Em que medida o tratamento oferecido ao
“Serial Killer” condenado no Brasil tem se mostrado eficaz?
O presente estudo busca por meio de uma revisão
bibliográfica discutir a imputabilidade do Serial Killer, tendo em vista
o ordenamento jurídico brasileiro.
2 SERIAL KILLER: DEFINIÇÃO E REFERÊNCIAS
HISTÓRICAS
Nos últimos tempos, a humanidade tem se deparado com
tristes episódios envolvendo os chamados Serial killers3. Tais casos
3 Expressão inglesa para “assassinos em série”.
93
Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 93
chocam a população pela maneira cruel e fria em que ocorrem tais
homicídios. Para entender melhor do que se trata esse fenômeno, é
necessário abordar algumas definições sobre o referido assunto.
De acordo com o Manual de Classificação de Crimes do
FBI (1992) é definida a ação de um assassino em série, com três ou
mais eventos separados em três ou mais locais distintos com um
período de ‘calmaria’ entre os homicídios.
Para a autora Ilana Casoy (2004), pode ser definido como
assassino em série aquele que comete dois ou mais assassinatos,
envolvendo ritual com as mesmas necessidades psicológicas, mesmo
que com modus operandi diverso, caracterizando no conjunto uma
“assinatura” particular. Os crimes devem ter ocorrido em eventos
separados, em datas diferentes, com algum intervalo de tempo
relevante entre eles. As vítimas devem ter um padrão de conexão entre
elas e a motivação do crime deve ser simbólica e não pessoal.
No Brasil, a definição de Serial Killer pode ser encontrada
no Projeto de Lei do Senado nº 140/2010 (BRASIL. Senado, 2010),
que foi proposto pelo Senador Romeu Tuma. Segundo tal Projeto, os
Serial Killers são considerados agentes que praticam no mínimo três
homicídios, sendo eles dolosos, em determinado lapso temporal. Trata-
se de um indivíduo com problemas psíquicos cuja conduta social e a
personalidade do agente, as circunstâncias do crime e principalmente o
perfil das vítimas indicam que o modo operacional de efetuar o crime
sempre obedece a um procedimento criminoso padrão.
94 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016
3 IMPUTABILIDADE VERSUS INIMPUTABILIDADE
É necessário esclarecer que a imputabilidade é a
possibilidade de se atribuir, imputar fato típico e ilícito ao agente. Já a
inimputabilidade é justamente o oposto, sendo a incapacidade do
agente em responder por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não é
capaz de entender que o fato é ilícito e de agir conforme esse
entendimento. Nesse caso, a imputabilidade é regra e a
inimputabilidade é exceção.
Nas palavras do renomado doutrinador Fernando
Capez:
Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter
ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento. O agente deve ter condições físicas,
psicológicas, morais e mentais de saber que está
realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa
capacidade plena de entendimento, deve ter totais
condições de controle sobre sua vontade. Em outras
palavras, imputável é não apenas aquele que tem
capacidade de intelecção sobre o significado de sua
conduta, mas também de comando da própria vontade,
de acordo com esse entendimento (CAPEZ, 2014, p.
326-327).
Capez (2014) cita como exemplo um caso de um
dependente de drogas. Este por certo tem capacidade de reconhecer
como ilícito o furto que pratica, entretanto, não consegue controlar o
invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica.
95
Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 95
Tal dependência leva-o a buscar recursos financeiros para que possa
comprar a droga, tornando-o assim um escravo do vício, não podendo,
por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade.
Já para Rogério Sanches, imputabilidade:
É a capacidade de imputação, ou seja, possibilidade de
se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de
uma infração penal. A imputabilidade é elemento sem o
qual entende-se que o sujeito carece de liberdade e de
faculdade para comportar-se de outro modo, como o que
não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto,
inculpável. Assim como no Direito Privado se pode falar
em capacidade e incapacidade para realizar negócios
jurídicos, no Direito Penal, fala-se em imputabilidade
(capacidade) e inimputabilidade (incapacidade) para
responder penalmente por uma ação delitiva praticada
(SANCHES, 2014, p. 324).
Destarte, é válido ressaltar que todo agente é imputável, a não
ser que aconteça alguma causa excludente da imputabilidade, causa
essa que pode ser chamada de causa dirimente. A capacidade penal,
por conseguinte, é obtida por exclusão, ou seja, caso não se verifique a
existência de alguma causa que a afaste.
3.1 CAUSAS EXCLUDENTES DE IMPUTABILIDADE
Feito o estudo sobre o conceito de imputabilidade, faz-se
necessário elencar as causas que podem levar o indivíduo a ser
considerados como tal. Capez (2014) afirma que são quatro as causas
96 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016
que excluem a imputabilidade. A primeira, diz respeito à doença
mental. Tida como a perturbação mental ou psíquica capaz de eliminar
ou interferir na capacidade de entender a natureza criminosa do fato.
Capez (2014) cita “Compreende a infindável gama de moléstias
mentais, a epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia,
paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc.” (CAPEZ, 2014, 328).
A segunda causa de exclusão da imputabilidade diz
respeito ao desenvolvimento mental incompleto, que como o próprio
nome sugere, é o desenvolvimento que ainda não se concluiu. Isso pode
ocorrer devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta de
convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental e
emocional. Além desse, há ainda o desenvolvimento mental retardado,
que é o incompatível com o estágio de vida em que se encontra a
pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para
aquela idade cronológica.
Por fim, o autor fala da embriaguez como também uma
causa “capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e
vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória
causada por álcool ou qualquer substancia de efeitos psicotrópicos”
(CAPEZ, 2014, p. 332).
3.2 HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE
Como já foi exposto, as causas para exclusão de imputabilidade, em
sua maioria, estão diretamente relacionadas às questões de ordem
97
Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016 97
psicológica. Porém, além das causas, faz-se necessário utilizar critérios
que possam sustentar as hipóteses de exclusão. Sanches (2014)
apresenta os critérios Biológicos, Psicológicos e biopsicológicos. Para
o autor,
O critério Biológico : este critério leva em conta apenas
o desenvolvimento mental do agente (doença mental ou
idade), independentemente se tinha, ao tempo da
conduta, capacidade de entendimento e
autodeterminação. Basta ser portador de anomalia
psíquica para ser inimputável.
Critério Psicológico: O critério psicológico considera
apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha a
capacidade de entendimento e autodeterminação,
independente de sua condição mental ou idade. Não
precisa ser portador de anomalia psíquica para ser
inimputável.
Critério Biopsicológico: Sob a perspectiva
biopsicológica, considera-se inimputável aquele que, em
razão de sua condição mental (por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado), era,
ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento. Não basta ser portador de
anomalia psíquica para ser inimputável (SANCHES,
2014, p. 258-259).
É importante a compreensão da definição dos critérios supra,
visto que através deles é possível distinguir as condutas necessárias
para que o agente se enquadre ou não no perfil de imputável.
Sobre inimputabilidade tem-se o art. 26 do Código Penal
Brasileiro que trata do referido tema, onde dispõe que (BRASIL,
1940):
98 Águia Acadêmica - Revista Científica dos Discentes da FENORD - dezembro/2016
Art.26 do CP, caput - “É isento de pena o agente que,
por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da
omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com o esse
entendimento”.
Nota-se através do referido artigo que o ordenamento
jurídico brasileiro adotou o critério biopsicológico, visto que o doente
mental pode até ser considerado imputável, desde que sua anomalia
psíquica não se manifeste de maneira que comprometa sua
autodeterminação ou sua capacidade intelectiva, ou seja, sua
capacidade de entender o caráter ilícito do fato bem como sua
capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assim sendo, é oportuno elencar que a doença mental deve
ser tomada em sua maior amplitude e abrangência, sendo
compreendida como qualquer enfermidade que possa debilitar as
funções psíquicas do agente. Sobre tal assunto Paulo Queiroz dispõe:
A expressão doença mental deve ser entendida em
sentido amplo, a fim de compreender toda e qualquer
alteração mórbida da saúde mental apta a comprometer,
total ou parcialmente, a capacidade de entendimento do
seu portador, como esquizofrenia, psicose maníaco-