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A importância do CPEU para o planejamento urbano no Brasil: da teoria à prática The importance of CPEU for urban planning in Brazil: from theory to practice Felipe Rainho 1 , IAU-USP, [email protected] Renato Anelli, IAU-USP, [email protected] 1 Felipe Rainho é arquiteto e urbanista, mestrando do programa de Pós-Graduação do IAU-USP, com orientação do Prof. Renato Anelli, docente do mesmo programa
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A importância do CPEU para o planejamento urbano no Brasil ...anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais... · e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Nov 20, 2018

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AimportânciadoCPEUparaoplanejamentourbanonoBrasil:dateoriaàprática

TheimportanceofCPEUforurbanplanninginBrazil:fromtheorytopractice

FelipeRainho1,IAU-USP,[email protected]

RenatoAnelli,IAU-USP,[email protected]

1FelipeRainhoéarquitetoeurbanista,mestrandodoprogramadePós-GraduaçãodoIAU-USP,comorientaçãodoProf.RenatoAnelli,docentedomesmoprograma

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SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

A rápidaurbanizaçãopela qual passou a sociedadebrasileira foi certamenteumadas principaisquestõessociaisdopaísnoséculoXX.Nesseperíodo,emSãoPaulo,nãoapenasacapital,masascidadesdointeriorcomeçaramaseexpandirrapidamente,dandoinícioaformaçãodeumaredede cidades. O problema urbano torna-se uma questão a ser tratada, enquanto a ideia deplanejamentoéincorporadanaspolíticaspúblicaseporórgãosquesetornaramresponsáveispelaelaboração de planos e propostas para as cidades, na qual destacam-se os Planos Diretoreselaborados pelo CPEU (Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos), a partir dos anos 1950. Osprofissionais ligados a essa instituição atuaram na assistência técnica às cidades do interiorpaulista,orientandoaelaboraçãodeplanoseorganizandoosetordeplanejamentonointeriordaestrutura administrativa. Com propostas influenciadas pelos ideais de Cidade-Jardim e ourbanismo norte-americano, os planos foram elaborados em oposição ao que estava sendoimplementadonacapitalerevelamque,adespeitodoquefoiimplantado,osplanostinhamumaabordagemalternativaaodeterminismotécnicodaépoca.

PalavrasChave:CPEU;PlanejamentoUrbano;PlanoDiretor

ABSTRACT

Thefastprocessofurbanizationthatbraziliansocietyhasbeenthroughwascertainlyoneofthemajorsocialissuesofthecountryinthe20thcentury.Duringthisperiod,inSãoPaulo,notonlythecapital,butalsotheinnercitiesbegantoexpandquickly,initiatingtheformationofanetworkofcities,whichmadepossibletoestablishtheconceptornotionofmediumcity.Theideaofurbanplanninghavebecomeembedded inpublicpoliciesand institutionsthatbecame responsible fortheelaborationsofurbanplansandproposalsforcities,inwichstandsouttheMasterPlansmadebyCPEU(ResearchCenterandUrbanStudies),intheyearsof1950,operatinginsidetheUniversityofSaoPaulo.Professionalsofthisinstitution,whichhadanuniversityextensioncharacter,workedintechnicalassistance,guidingtheelaborationofurbanplansandorganizingtheplanningsectorwithin the administrative structure.With proposals influenced by the ideals ofGarden City andnorth-americanurbanism,plansweredrawnupinoppositiontowhatwasbeingimplementedinthe capital, revealing that despite what was implemented, the plans were an an alternativeapproachtothetechnicaldeterminismofthatperiod.

Keywords:CPEU;UrbanPlanning;MasterPlan

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INTRODUÇÃO

Numaabordagemhistórica,aconstruçãodoespaçourbanosempreesteve ligadaaconstruçãodeumarededeinfraestruturas–abastecimento,circulação,comunicaçãoetransportes–emumprocessoquealteraoambienteurbanoeapaisagemnaturaldemaneirasincrônica.Essedeterminismotecnológico,porsuavez,nãoésuficienteparaumaleituraprecisa da história das nossas cidades, sendo necessário levarmos em conta questões sociais,políticaseeconômicas–fatoresindissociáveisequetornamesseprocessonão-linear.Nasegundametadedo séculoXX,oBrasilpassouporumadasprincipaisquestões sociaisque iriaenfrentarnaqueleséculo:oaceleradoprocessodeurbanizaçãoecrescimentodascidadesbrasileiras.Nesseperíodo, o Brasil deixa de ser um país tipicamente agrário para torna-se urbano. Como rápidoaumento da população nas cidades, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, as infraestruturasurbanasnãoforamcapazesdeatendertodoessecontingentepopulacional.ApartirdaimplantaçãodoPlanodeMetas(1956–1961),nogovernodeJuscelinoKubistchek,opaíssofreuumaprofundatransformaçãoeconômica,queaprofundouaatuaçãodoEstadonaeconomia,aumentandosuasaçõesplanejadoras.Emnossoestudo,partimosdeumaabordagemqueretomaesseperíodoemqueaideiaeapráticadeumplanejamentoedesenvolvimentopassaramaser incorporadosnaspolíticaspúblicas.EssacrençanoplanejamentosedeupelaspossibilidadesdoplanejamentocomoatribuiçãoprivilegiadadoEstadonoBrasil,nummomentoquetraziaumrepertóriodereferênciasurbanísticasdaEuropanopós-guerraedosEUAnoNewDeal.Apartirde1950,baseadonumapolítica keynesiana que previa uma forte regulação Estatal, surgem os planos elaborados pelosprimeiros órgãos de planejamento no país e que iriam abranger esse novo contexto urbanobrasileiro:ocrescenteprocessodeurbanizaçãoapartirdoêxodocampo-cidade.

Enquantonasáreasmetropolitanasessenovocontextourbanojávinhaseconstituindoemfunçãodaprópriaconcentraçãodemográfica,essemesmoprocessodeexpansãocomeçouaacontecerdeforma acelerada nas cidades do interior. As preocupações urbanísticas, portanto, não sãomaisencaradasapenascomoumproblemametropolitanoesevoltamparaascidadesdointerior,quepassaramareceberplanosetrabalhos,elaboradosporórgãoseinstituiçõesdeassistênciatécnicaqueatuavamjuntoàsPrefeituras.Nessemomento,observa-seumconjuntodemovimentosqueengendramumacadeiadedisseminaçãodeideiasedepráticasqueirãoapontaroiníciodeumamudança estrutural no ideário urbanístico brasileiro. Responsável por elaborar 43 planos paracidadesdointeriorelitoralpaulista,destaca-seoCentrodePesquisaseEstudosUrbanísticas(CPEU),criadoedirigidoinicialmenteporAnhaiaMello,noperíodode1957a1961,dentrodaFAU-USP,eposteriormentedirigidoporLauroBastosBirkholz,atéoencerramentodesuasatividades,em1969.

Fortemente inspirado na cidade-jardim de Howard, nos trabalhos de Saturnino de Brito eresponsávelpordifundirasideiasnorte-americanasdeplanejamentourbano,AnhaiaMello–eemparalelo,ostrabalhosdesenvolvidospeloCPEU–eramcontrapontoemrelaçãoàquiloqueestavasendoplanejadoepraticadona capitalpaulista. EnquantooPlanodeAvenidasdePrestesMaiaditava o tom técnico e desenvolvimentista das intervenções na metrópole paulistana, Melloressaltavaocarátercívicodacidadeeopapeldoplanejamentocomocapazdecorrigirosproblemasque ele identificava a partir da perda do interesse coletivo no espaço urbano. Além de serresponsávelpordifundirideaisurbanísticospeloEstadodeSãoPaulo,oCPEUfoicapazdecriarumametodologiadeensinoepráticadoplanejamentourbano.Issofoipossívelgraçasaseucaráterdeextensãouniversitária,umavezquefoiumórgãocriadodentrodaprópriaFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadedeSãoPaulo(FAU-USP).

PormeiodoestudodaspublicaçõesdoCPEU,buscamosanalisarhistoricamenteodiscursopropostoemrelaçãoametodologiadeplanejamentocriadaporesseórgão,emcontrapondoasaçõesque

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ditavam regra no planejamento urbano no Brasil. Esse trabalho, portanto, fundamentou-se emfunçãodequestões ehipótesesque relacionamanálises empíricas e teóricas. Construiu-seumaproblemática vislumbrando a interlocução de dois campos do conhecimento: a História doUrbanismo, tratandodesdeo idealdecidademodernaeo ideáriodeCidade-Jardim,abordandoaspectosdoplanejamentonorte-americanoesuasressonânciasnametodologiadopróprioCPEUeoutras instituições de planejamento do país; e a Geografia Urbana, abordando o processo deconstruçãodoespaçourbanoeaformaçãodeumarededecidadesnointeriordeSãoPaulo.

OINÍCIODOPLANEJAMENTOURBANONOBRASIL

Praticamentesóapartirde1940,quandoforamestruturadasváriastentativasparacoordenareplanejaraeconomiabrasileira,oplanejamentonacionalcomeçouasefirmar.Estesesforçospelodesenvolvimento de uma política de planejamento no Brasil são consubstanciados pelasproposiçõesde racionalizaçãodoprocessoorçamentárioedemedidas setoriais.Aspráticasdosórgãosdeplanejamentoquesurgiramnopaís,noiníciodadécadade1950,estavaminicialmenteligadas às práticas urbanísticas difundidas por urbanistas franceses. Leme (1999) identifica trêsmomentosdedifusãodessasideias:noiníciodoséculo,quandoomodelodecidadedifundidaeraParisdasExposiçõesUniversais;nosanos1920e1930,atravésdosplanosdosarquitetosligadosaSociétéFrançaised’Urbanisme,que referenciavamas ideiasde“reconstruçãodasociedade”pormeiodaarquitetura;eapósaSegundaGuerraMundial,quando forma-seumanovageraçãodearquitetos,sociólogosegeógrafosquevãoatuarnocampoprofissionaldoplanejamentourbanoeregionalcomgrandeinfluênciadadoutrinadoMovimentoEconomiaeHumanismo,trazidospeloarquitetoeurbanistafrancêsGastonBardetepelopadredominicanoJosephLebret.

Aideiade“reconstruçãodasociedade”,vigenteemalgunspaísesdaEuropaenosEstadosUnidos,foidifundidaporarquitetoscomoBrunoTaut,WalterGropius,LeCorbusiereErnestMay.Paraeles,a arquitetura e a organizaçãourbanadeixaramde ser o reflexoda sociedadepara se tornareminstrumentosdesuareconstrução,oqueremetiaàsestruturasdasociedadeeaoscomportamentoshumanos,principalmenteàquelesvoltadosparaoâmbitodavidacotidiana. Jáa“transformaçãosocial através do trabalho profissional” no Brasil, analisada por Leme (1999), era uma ideiadefendida por Lebret e que passou a circular entre “urbanistas” brasileiros que, até aquelemomento,aindaeramprofissionaiscomformaçãoemdisciplinasdiferentes.Suasideias,difundidaspormeiodoMovimentoEconomiaeHumanismo,colocavamoplanejamentocomouminstrumentoprivilegiadodeintervenção,demodoapromoverodesenvolvimentosocial.

Apartirdediscursoscaracterísticosnadécadade1950,tambémempaísesquepassavamporumprocesso de urbanização acelerado, é possível identificar a consolidação de duas propostasurbanísticasnacidadedeSãoPaulo:aprimeira,quetinhaafrentePrestesMaia,sintonizadacomas teorias desenvolvimentistas da época, colocava o Poder Público como responsável pelaadaptação às novas demandas e dimensões da cidade, de maneira a equacionar, de formaeconômica,asdificuldadesdecorrentesdoprocessodeexpansãoacelerado.Asegunda,deAnhaiaMello,queapostavana reversãodociclometropolitanopormeiodacontençãodocrescimentourbano,baseadonosideaisdeCidade-Jardimenoprocessodeordenaçãodascidades,combasenaspropostasurbanísticasnorte-americanasdaépoca.

Noperíodoentre1895a1930,cidadescomoSãoPaulo,RiodeJaneiroePortoAlegre,receberamum conjunto de propostas urbanísticas, ou “melhoramentos”, localizados nas áreas centrais ouportuáriasdessascidades.Nadécadade1920,PrestesMaiaeUlhôaCintraapresentamumasériedetrabalhosintitulados“Umproblemaactual.OsgrandesmelhoramentosdeSãoPaulo”(MAIA&

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CINTRA, 1924/1925). Utilizando novos conceitos, como “racionalidade”, “esquemas teóricos” e“metrópole”, estes artigos apresentavam o desenvolvimento da cidade de São Paulo emcomparaçãoaoutrascidadesnoexterior,alémdeproporumasériedeintervençõesque,paraosautores, a colocariam no caminho do progresso. Ulhôa Cintra, à frente da Comissão deMelhoramentosdoTietê,convocouMaiaparaintegrarsuaequipeeosestudosanterioresserviramcomobaseparaoPlanodeAvenidas,apresentadoem1929,porPrestesMaia.Entre1930e1950,foramelaboradosplanosdemaiorabrangênciaquetinhamporobjetooconjuntodaáreaurbana,com propostas de articulação entre os bairros, o centro e a extensão das cidades pormeio desistemasdeviasedetransportes.

AntesdePrestesMaiaassumiraPrefeituradeSãoPaulo,AnhaiaMello jáhaviapassadoporelarapidamenteemdoismomentosdistintos–dedezembrode1930ajulhode1931edenovembroadezembro de 1931. Neste curto espaço de tempo, ele implantou os princípios do zoneamento,regulamentandoousoeocupaçãodosoloparaalgumasáreasdacidade(LEME,1999).Mellofoicapazdeelaborarumavisãodaarquiteturaintegradaaosproblemasurbanose,consequentemente,dahabitação inseridanoplanourbanístico. Essaposiçãopode ser compreendida tantopela suaformaçãocomoengenheiro-arquiteto,nocursodaEscolaPolitécnicadeSãoPaulo,quantoporsuaposterioratividadecomoprofessordeArquiteturaeUrbanismonestaescolae,depois,naFaculdadedeArquiteturaeUrbanismo,FAU-USP.

AincorporaçãodaconcepçãodeorganizaçãoedasideiasdeAnhaiaMellonosetordeurbanismo,emqueasideiasdePrestesMaiaestavamseenraizandoentreostécnicosnacapitalpaulista,seviabilizoupelo crescentemovimento, iniciadonos anos 1930, de incorporaçãodoplanejamentocomo função de governo (FELDMAN, 2005). A própria história do CPEU (Centro de Pesquisas eEstudosUrbanísticos), fundadoe inicialmentecoordenadopelopróprioAnhaiaMello,dentrodaFAU-USP, no período de 1957 a 1969, é expressiva de uma visão de urbanismo vinculada aoplanejamento territorial, segundoprincípiosdefendidosporMello, queos consolidoudentrodaUniversidade.Observa-sequeosplanosqueesteórgãocoordenouparaosmunicípiosdointeriorapresentavam uma estrutura, que consistia na realização de pesquisas envolvendo diversosaspectosdomunicípio(urbanísticos,socioeconômicos,etc.)edeumconjuntodepropostastantoparaaáreaurbanaquantoparaaárearural.

EmboraostextosdeMellofaçamreferênciaadiversasteorias,deLeCorbusieraLewisMumford,deErnestBurguessaClarencePerry,seránaspropostasdeE.HowardeseuideáriodeCidade-JardimqueMelloirámergulhardemaneiraeloquente.Todasasteorias,porsuavez,apresentamateseessencial de que a teoria e a prática do urbanismo repousam na possibilidade de promover adescongestãodasmetrópolesmodernas.Aretraçãodasdimensõesurbanaséofocoemtornodoqualgiramtodasaspropostas.

Emseusartigos,Melloaindautilizavademaneiraenfática,emsuaargumentação,autoresnorte-americanosquenoiníciodoséculoXXestavamdiscutindoosproblemasdascidadesmodernasnaperspectivadaSociologiaUrbana.Estareferênciasefaznatentativadecompreenderaperdadosentidodavidaemcomunidade,ocorridanacidadeindustrial.AutorescomoRobertParkeLouisWirth,representantesdachamada“EscoladeChicago”,eGeorgSimmel,comoteóricodegranderepresentatividadeparaestes,sãotodoscitadosporMello.

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OIDEALDECIDADE-JARDIMDENTRODAPERSPECTIVAURBANÍSTICADEANHAIAMELLO

OaceleradoprocessodeurbanizaçãopeloqualoBrasil estavapassando tornava fundamentalareversãodociclometropolitanoparaAnhaiaMello.Paraele,“metropolistanismoéstandartização”(CPEU, 1963), e, portanto, as qualidades das cidades menores seriam justamente por seremmenores, mais acolhedoras, mais “brasileiras” e não apenas réplicas das metrópoles. Quandoquestionadosobreotamanhoidealdecidade,Mellorecorriaàfrasedonorte-americanoRobertPark,quedefiniaametrópolecomo“ummosaicodepequenosmundosquesetocam,masnãoseinterpenetram” (MELLO,1945,p. 272).AssimcomoPark, ele acreditavaquea vidanosgrandescentros urbanos dificultava o contatomais próximo entre as pessoas, que se fechavam em seumundoparticular,semtomarconhecimentodavidacoletiva.

Apresençadessespontosapresentadosnosseustrabalhosrevelavaasuasintoniacomascorrentesurbanísticaseuropeias. Paraele, a reversãodo ciclometropolitano, tendo comobase teórica aspropostassurgidasnaInglaterradofinaldoséculoXIX,foramdefundamentalimportância.Acidade-jardimcomoformadecontrolaraexpansãodeLondresfoiumdosparâmetrosutilizadosporMelloemsuasreflexõessobreocrescimentourbanodesordenado.Asnovascidadesinglesasdaprimeirageração de urbanistas – Harlow, Stevenage, Hemel Hampstead, Basildon – ditavam as regras:populaçãocontroladaemtornodeumnúmeroconsideradoótimo,crescimentosobaégidedeumplanoesetorindustrialcircunscrito.Mellocriticavaasquestõesqueconsideravamaisimportantes:congestão,deterioraçãodasáreascentraisedesequilíbrioentremetrópoleecampo.Essabuscapelo equilíbrio entre cidade-campo, em suas publicações, revelava a sua ideia de resgate danaturezadentrodourbano.Essedesejo,contudo,nãoerarecentenoâmbitodourbanismo,massetornourecorrentedesdeoséculoXVI,quandoascidadeseuropeiascomeçaramacresceralémdosseusmuroseaideiadecidadesconsideradas“ideais”tornou-secadavezmaispresente.

Apropostadecidade-jardimdescritaporHowardtratavadetrêsaspectosimportantes:aquestãofundiária,opapeldasferroviaseodesenhodacidade.Emseulivro,propunha,aaquisiçãodeumaglebadeseismilacres,emumdistritoagrícola,paraserconservadasobpropriedadeúnica.Umapequena parcela da área seria destinada a construções, enquanto o restante constituiria umcinturão verde. A cidade deveria possuir, em sua área, indústrias suficientes para proporcionarempregoaosseushabitantes,estabelecendo-seumlimiteparapopulaçãototal.DentrodosideaisdeHoward,odireitoaoespaçoeraomaisdefendidoporele,porinfluênciadocooperativismo,ondeasterrasagrícolasadquiridasparaainstalaçãodacidadeseriamregistradasemnomedeindustriaisrenomados, que arrendariam para os futuros moradores. O lucro comumente obtido peloempresário loteador serviria para amortizar a dívida do empréstimo e seria revertido para acomunidade, em forma de infraestruturas e edifícios públicos, como patrimônio coletivo. Ocomércio e a indústria seriam incentivados por meio de baixas taxas e longos prazos dearrendamento, para possibilitar a fixação de novosmoradores (HOWARD, 1996). Sua proposta,portanto,constituíanãoapenasummodelodecidade,masumareformulaçãoeconômicaesocial.Howardnãopensavaemumacidadeisolada,masemumafederaçãodecidades-jardins,conectadasentresiporumamalhaferroviária.Seusdiagramasrevelamodesenhodesuaproposta,cujotraçadomaisprecisodependeriadascaracterísticasdosítioaserimplantadaacidade.Destaca-senelesaforma circular da cidade-jardim, dividida por três eixos principais em seis setores iguais, quefornecema regrade seu crescimento, por seçõesdo círculo.Umavez completadoumcírculo eatingindoumapopulaçãomáxima–trintamilhabitantesnacidadeeoutrosdoismilnosterrenosagrícolas,queformavamocinturãoverdeemtornodela–umanovacidadedeveriacomeçaraseformar,estabelecendoumadescontinuidadenocrescimentourbano.

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ComaRevoluçãoIndustrialetodososproblemasurbanosdecorrentes,aInglaterraera,noiníciodoséculoXIX,umambientefértilparaimplantaçãodepropostasquebuscavamumacidadeabertaesalubre.ApropostadeHowardseconcretizacomaconstruçãodacidadedeLetchworth(1908),aprimeira cidade-jardim, e posteriormente Welwyn (1920), a primeira das cinco cidades domovimentonewtowns,propostoporCrombie,queseiniciavanaInglaterra.ApósaconstruçãodeLetchworth, o ideáriodeCidade-Jardim logo viraummovimento. Essaspropostasdo séculoXIXforam criticadas por não tratarem a cidade como um processo histórico,mas como um objetoreprodutível, extraído da temporalidade concreta, portanto, utópica, ainda que tratem depreocupaçõessociaiseeconômicas.Essemodelo,expressadonosdesenhosdeUnwineParkeremLetchworth, foi considerado culturalista, pois prevalece a visão cultural sobre a racionalidadeprogressista,ouseja,asnecessidadesespirituaiseartísticasrepresentadasporespaçoscomformasmenos rigorosas, com particularidades e variedades prevalecendo sobre a lógica racional dosespaçosaplicados.

No início do século XX, os EUA passaram a se preocupar com o planejamento urbano, emdecorrênciadosproblemasurbanosquesurgiramcomsua industrializaçãoeapopularizaçãodoautomóvel. As cidades-jardins inglesas tornaram-se inspiração no planejamento de novas áreasresidenciaissuburbanasdealtopadrãoedecomunidadesamericanas.Oprimeirosubúrbioaserconstruído, seguindo tais princípios, foi Radburn, em New Jersey (EUA), em 1929. O subúrbioamericanonasce,portanto,deumaquestãourbana:“como(con)vivercomoautomóvel?”

Noentanto,existemdiferençasmarcantesentreacidade-jardimeosnovossubúrbiosjardinsquecomeçarama surgir.Nãose trataapenasdeumadiferençadeescalas,mas simde funções.Emrelaçãoàcidade-jardim,ossubúrbiosjardinsnãocontemplavamocinturãoverde,aimplantaçãodeindústriasaoredor,baseavam-senousodoautomóvel(enãodaferrovia)eeramfinanciadosporcompanhiasprivadas.Trata-seapenasdeumaalternativaàexpansãodacidadecomqualidade.Aocontráriodacidade-jardimquepossuíaumideáriomoralistaemresolverosproblemassociais,nãose propunha a resolver os problemas da grande cidade,mas apenas sua expansão demaneiraequilibrada.Aadoçãodessemodelourbanodebaixadensidadesetornoualvodecríticas,umavezquedeuinícioaoprocessodesuburbanizaçãodascidadesamericanas.

NãosónosEUA,mastambémnoBrasil,omodelodesubúrbiojardimpassouaserimplantado.EmSãoPaulo,oescritóriodeParkereUnwinécontratadopelaCia.Cityparaprojetarnovosbairrosjardinsnacapitalpaulista,apósosucessodeLetchworth.Em1917,ParkervemparaoBrasil,fugindodaguerra,emumperíodoquepermitiuocontatodeprofissionaisbrasileiroscomoescritórioinglês,comoocasodeJorgeMacedoVieira,responsávelporformularplanosparanovascidades,comoÁguasdeSãoPedro(1937)eMaringá(1947).

NãofoinossubúrbiosoubairrosjardinsqueAnhaiaMelloseinteressou.MelloestavainteressadonarespostaapresentadaporHowardparaocrescimentodametrópole londrina,aoproporuma“federaçãodepequenascidades”(MELLO,1945).Suaideiaseaproximavadapropostadoinglês,quepropunhaacriaçãodecidades-satélites,emumatentativadereconciliarsociedadeenatureza,cujos símbolos seriam, respectivamente, a cidade e o campo. Além disso, também colocava aquestão da terra como problema central a ser resolvido. Enquanto Howard afirmava serfundamentalqueaterrafossemantidacomopropriedadeúnica,Mellodefendiaquesemantivessecomopropriedadepública.

Defendia que a formação de uma federação de pequenas cidades seria o contraponto àsmegalópoles e à concentração. A convicção de que existia um tamanho ótimo para as cidadessustentavaasuateoriadacongestão.Emsuaspropostas,Melloestabeleceupatamaresmáximose

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mínimos de crescimento ideal para as cidadesmenores, que não deveriam crescer demaneiraacelerada, como as metrópoles: de 30.000 até no máximo 100.000 habitantes, ouexcepcionalmente, 150.000 habitantes. Para a grande cidade, ele propôs um patamar dedesenvolvimentoemquea região industrial teriaumraiode100km,umapopulaçãodequatromilhões,eáreade30milkm2,incluindo40municípios.Aintençãoseriaqueametrópoleficasseestacionadanesseciclo.

Paracontrolarocrescimentodascidades,Mellonovamenterecorreuaomodelodecidade-jardim,propondoacriaçãodeumcinturãoverdequenãopoderiasersuperadopelacidade.Estesespaçosverdesdeveriamestarconectadosaumsistemadeespaçosrecreativos,presentesnointeriordascidades,edeveriamserincorporadosaosserviçosbásicosoferecidospelasmunicipalidades,comoosistemadedistribuiçãodeágua,deesgoto,detransportecoletivo.

OdesenhoidealdecidadedefendidoporMello,queaospoucosvaisendodelineadonestetrabalho,nemsempreestevetotalmentealinhadoaospreceitosestabelecidosporHoward.Asdiferençasnãoseencontramnaconcepçãodecidade,masmanifestam-seemrelaçãoàmorfologiaurbana.ApesardacidadedeHowardestardivididaemseções,seufragmentarismourbanísticoseaproximamuitomais da representação da cidade sitteana, enquanto espaço heterogêneo. Diferencia-semenospelas funções que abriga e mais pela sua qualidade urbana. Enquanto no lado oposto, Melloacreditava na ideia de zoning, formulada por Baumeister e defendida por Le Corbusier, que foiamplamente utilizada como instrumento no planejamento das cidades norte-americanas. Aimportância do urbanismo norte-americano para as concepções deMello, que veremos seguir,juntamentecomasconcepçõesdeCidade-Jardim,foramosprincipaispilaresquesustentaramaspropostaseplanosformuladosporMello,econsequentemente,peloCPEU.

ZONING,PLANINGEASPOLÍTICASPÚBLICASDOURBANISMONORTE-AMERICANO

OcontatodeAnhaiaMellocomapropostaamericanadecidade,aoquetudoindica,inicioucomaaquisiçãodolivroLandPlanningintheUnitedStatesforCity,StateandNation,deHarleanJames,escritoem1926eadquiridoporeleem1927,livroqueabordaoplanejamentomodernonascidadesamericanas no momento em que ele estava acontecendo. Os instrumentos de planejamentodescritosporMelloemsuaspublicaçõessão,sobretudo, referentesaosprincípiosdourbanismomodernista. O principal deles era o zoneamento, que viabilizaria a cidade funcional(macrozoneamento) e o estabelecimento de índices construtivos diferenciados por setores(microzoneamento ou zoneamento diferencial), interligados pelos meios de transporte ecomunicação.Osusosurbanosdeveriamestarpróximos,masnãomisturados:“éumproblemadeordem;umlugarparacadacoisaecadacoisanoseulugar”(CPEU,1963,p.18).Esseinstrumentovisavaprotegero“bemcomum”deinteressesprivados.Comoexemplo,oautorcitouanecessidadede “proteger a residência isolada, térrea ou de sobrado, contra a intromissão indébita dos deresidênciacoletivaouapartamentos,quevãoroubarosol,oarejamento,aboailuminaçãonatural,osossego,aprivatividadedasresidênciasisoladas”(Idem,1963,p.19)

Ozoneamentoamericanotinhaumcaráternitidamenteeconômico.Foiadotadocomoumamedidasistemáticadeurbanismoquepretendia satisfazer àhigienee comodidadedapopulação, comotambémorganizaracidade,relacionarbairrosdemaneiraeficiente,sobopontodevistadotráfegoedaespeculação(FELDMAN,2005).Melloacreditavaqueodesenhodacidadeprecisariaresolverumproblemadeordem.Paraisso,ozoneamentoseriaodispositivocapazdesituardevidamenteasáreasdecadafunção,demaneiraemqueasregiõesseconstituíssememáreasfuncionaisdeusoe

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especializaçãodosolo.Aodefenderqueacidadedeveestarequilibradaentre“asfunçõesdavidahumana: Habitação, Trabalho, Recreio e Circulação” (CPEU, 1963, p.19), Mello se aproxima dourbanismomodernista.

AlémdosinstrumentosurbanísticosqueinspiraramMellonodesenvolvimentodosseustrabalhos,haviaumaestreitasintoniadesuasideiascomaorganizaçãodoplanningamericano,quepodeserobservadaemsuaspublicações.Aideiachavequepassouadefenderparaaorganizaçãodosetordourbanismo,dentrodoâmbitomunicipal,foiacriaçãodeuma“ComissãodoPlano”,compostaporrepresentantesdasociedadeciviledesvinculadasdaorganizaçãofrenteaosembatespolíticos.

As comissões de plano semultiplicaram rapidamente nas cidades americanas, a partir de 1920,quando as organizações voluntárias se tornaram “semi-oficiais” e passarama ter funcionários eurbanistas de renome custeados por verbas especiais destinadas no orçamentomunicipal. Essaaproximaçãocomoexecutivomunicipal,nosEUA,sedeucomoumaestratégiaparaestabelecerumcompromissodasadministraçõesemrelaçãoaosplanosquepassaramaserdesenvolvidos.Melloreproduzestasmesmasrecomendações,emqueosmembrosdogovernomunicipalsejamminoria,paranãotornarsubalternaaComissãofrenteàAdministraçãoMunicipal.Opontocentraldadefesade uma Comissão do Plano da Cidade baseava-se na sua autonomia em relação ao podermunicipal(FELDMAN,2005).

AcriaçãodeumaComissãonosmoldespretendidosporMello,portadoradeamplospoderessobrearealizaçãodeumplanoecomparticipaçãominoritáriadoexecutivo,constituiumapropostaquevai contra a mentalidade vigente no setor de urbanismo da época e que desqualificava osengenheirosmunicipais.Aorganizaçãodoplanejamentocomopoderdiretivoou“Quartopoder”(MELLO,1945),constituiriaapeçaquefaltavanosistematradicionaldetrêspoderes:executivo,legislativoejudiciário.Talconcepçãoésemelhanteàquelarealizada,nadécadade1940,emNovaYork, mas que nunca foi implementada na integra. Para Mello, o Quarto poder teria, sobre oexecutivo, a vantagem da não representação de facção, região ou regime político e, sobre ojudiciário,adelidarcomleisdesequênciacausalenãocomprecedentes.Esteseriaumórgãoque,embora dentro da estrutura administrativa, deveria se manter fora da rotina diária daadministração,comfunçãostaff,juntoaoexecutivo,hierarquicamentesuperioratodososoutrosdepartamentosmunicipaisesubordinadodiretamenteaochefedoexecutivo.(MELLO,1947).

A FORMAÇÃO DE UMA REDE DE CIDADES E DO PLANEJAMENTOURBANOEMESCALAREGIONAL

Em1954,AnhaiaMellopublicaseuprincipaltrabalho,“OPlanoRegionaldeSãoPaulo”,umconjuntodetodosseusestudosapartirdeumapropostadeplanejamento,inserindoametrópolepaulistadentrodeseucontextoregional.Nestetrabalho,Mellofazumaleituradoespaçourbanopaulistanocomo aquele que estava prestes a chegar a um esgotamento estrutural e econômico de suacapacidadedeseadaptaràsnovasdemandasimpostaspelocrescimentodesenfreadodacidade.Paraele,nãohaviaplanodeobrascapazdeatualizarehabilitaracidadepararesponderàsnovasdemandas.Expansãoecongestão,alémdefenômenos intimamenterelacionados,eramtambémfenômenosdesejadospelaeconomiacapitalistametropolitana,reforçavaMello(FELDMAN,2005).

Mello apresenta sua proposta para reversão do ciclo metropolitano em que se encontrava oadensamento urbano paulistano, na década de 1950, a partir da contenção e retração docrescimento urbano. A contenção e a retração, por sua vez, passavam necessariamente pela“fixação”ou “congelamento”dasgrandes cidades,poisnãoexistiamaisespaçodisponível, nem

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esperançadeabastecimento,dedespejo,deenergia,dehabitações,nosespaçosqueocupavam.MasadespeitodapropostadeMelloterganhadoalgunsadeptos,elaiacontraodiscursoacercadasvantagensconstantementealardeadasdocrescimentosem limites.Suatesede limitaçãodocrescimentorepresentava,em1954,umaverdadeiraprovocação,poisserumadascidadesquemaiscrescemnomundoeramaisqueumlemaparaSãoPaulo,eraumametaasersustentadaeampliadapelasadministraçõesmunicipaisdaépoca.

Para tanto, Anhaia Mello investiu suas reflexões na elaboração de mecanismos para conter ocrescimentoeavelocidadedamudançademetrópoleparamegalópole.Suaprincipaltese,noplanointermunicipal,consistianaforteobstruçãoà instalaçãodenovas indústriasdentrodacapital.Oobjetivoúltimodessapropostaeraodeconterdoismales:aexpansãodesordenadadoscentrosurbanos e o estrangulamento da economia industrial. Declarava-se favorável ao incentivo deestabelecimentos industriais em outrosmunicípios do interior do estado,mas desde que estesrecebessem infraestruturas adequadas para a instalaçãodessas indústrias, caso o contrário, “osmales da capital, que constituem objeção à presença de indústrias, frequentemente sereproduziriamnointerior.AmaioriadascidadesdoEstadotambémnãotemenergia,nãotemágua,nãotemdespejos”(MELLO,1954,p.28).

OeixocentraldapropostadeAnhaiaMelloparacontençãodociclodecrescimentoanárquicoéoplanejamentoorgânico,fundamentadonalimitaçãoforçadaporfatosexteriores:oregionalismoeapolinucleação(FELDMAN,2005).Aaçãomaisapropriadaparaatingiroobjetivodesolucionaroproblemametropolitanopaulista, segundoseupontodevista, seriaa inserçãodametrópolenocontextoregional,estabelecendocomclarezaseuslimiteseminimizandoacentralidadeasfixiante.

Éprecisodestacarqueo“PlanoRegionaldeSãoPaulo”almejou,acimadetudo,aelaboraçãodeumCódigo de Uso Lícito do Solo. O desenvolvimento e o expansionismo – movimentos da esferaeconômico-industrial– sãocaracterísticas indissociáveisdoprocessodemetropolização.Deterocrescimentourbano,controlarsuasfontesdeexpansão,sãoopçõesquasesemprecontraditóriasemotivodeconflitoscomasmaisdiversasforçaseconômicas(FELDMAN,2005).Emresumodesuaspropostasapresentadasemseutrabalho,Mellodescreveuserpreciso:

1.Limitarocrescimentodaconurbepaulistana;2.Rearticularapopulaçãodaconurbecomasrespectivasatividades,relacionandodenovo“folk,workandplace” e reequilibrando as quatro funções: residência, trabalho, recreio ecirculação e os dois ritmos – o humano (4 km) e omecânico (100 km) ouocotidiano e o intermitente; 3. Regular e limitar o crescimento de todas ascidadese vilasdaárea regional.Asmaiores comoSantos,Campinase SantoAndrédevemestacionar,melhorarostandarddevidaemvezdecrescermais;4.Criarnovascidadestipocidade-jardimemsítiosadeterminar;5.Criartrading-estates;6.Reorganizartécnica,econômicaespiritualmentetodaaárearuraldaregião; 7. Conservar o primeiro, tornando-o acessível para o recreio ecomunhão com a natureza, revigoramento físico e espiritual das populaçõesregionais.(MELLO,1954,p.23).

Mellopensavaserpossívelestancarociclodereproduçãoefixarpatamarespassíveisdecontrole.SuasrecomendaçõesapontamparaumaSãoPaulometropolitanaquenegavasuaprópriaessência:adeseramaiormetrópoledaAméricaLatina.NoentantoascontradiçõesentreopensamentoexpressoporMelloeocontextovividopelopaíssãoextremamenteevidentes.Enquanto“OPlanoRegional de São Paulo” propunha estancar o crescimento, o País vivia a euforia dodesenvolvimentismodosanos1950.

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NoBrasil,adécadade1950foiummomentodeimportantetransformaçõesnocampodosestudosurbanos pela emergência de novos temas, a introdução de novosmétodos e a participação deprofissionaisdeoutrasdisciplinasque,atéaquelemomentonãohaviamseocupadodaquestãourbana. Essa temática regional, como objetivo de planejamento e intervenção, aparece nesseperíodoapósaSegundaGuerraMundial.Entre1950e1965sãoiniciadososplanosregionais,dandoconta da nova realidade que se configurava nesta época: amigração campo-cidade, o processocrescentedeurbanização,oaumentodaáreaurbanaeconsequenteconurbaçãourbana.Enquantonasáreasmetropolitanasosprocessosdeexpansãodacidade,eparalelamentedaredefiniçãodecentralidadeintraeinterurbana,jávinhaseconstituindodesdeopós-guerra,emfunçãodaprópriaconcentraçãodemográfica,essemesmoprocessoseacentuoudeformaaceleradanascidadesdointerior,quecresciamrapidamente(SPOSITO,2001).

AnhaiaMellofazumaleituramuitoclaradaformaçãodessarededecidadesnoEstadodeSãoPaulo.DentrodoCentrodePesquisaseEstudosUrbanísticos(CPEU),foramanalisadasocrescimentodascidadespaulistas,dofinaldoséculoXIXatéosanosde1960,apartirdolevantamentodarededeinfraestruturasdetransporteregionais(Figuras2e3).

Quase a totalidadedos 435municípios de SãoPaulo, existentes em1957, estavamà espera detrabalhosrelativosàsuaordenaçãoterritorial.Aprimeirainiciativadogovernoestadual,em1958,no campo do planejamento territorial, referia-se à elaboração de Planos Diretores para osmunicípiosconsideradosEstânciadoEstadodeSãoPaulo.Ajustificativaestavanointeressepúblicoquepoderiarepresentaraordenaçãoterritorialdessascomunaspaulistas,planejamentoestequetraria, indiretamente, grandes benefícios para o próprio Estado (BIRKHOLZ, 1964). O CPEU, quehaviainiciadosuasatividadesnoanoanterior,foioresponsávelporelaborarosprimeirosplanosparaascidadesdoLitoralNortepaulistaeoutrascomoSãoJosédosCamposeSocorro.

Contudo,noâmbitonacional,oprocessodecentralizaçãodaspolíticasurbanasnoBrasil sedeuapenasem1964,logoapósacriseeoGolpeMilitarde64,comacriaçãodoBNH(BancoNacionaldeHabitação)eoSERFHAU(ServiçoFederaldeHabitaçãoeUrbanismo).Esteúltimotinhacomofunção promover pesquisas relativas desde do déficit habitacional até assistir osmunicípios naelaboração dos seus Planos Diretores, além de ser responsável pela elaboração do Plano deDesenvolvimentoLocalIntegrado(PDLI).

ÉnestemesmoperíodoqueLauroBirkholzassumeoCPEUeumasériedenovosPlanosDiretoressãoelaboradosaté1969.AsinfluênciasdaspropostasdeAnhaiaMellosemantiverampresentes,masmudanças no SERFHAU, em1967, irão ressoar emmudanças nos planos.Oórgãonacionalafastou-sedassuasatribuiçõesligadasaosistemadehabitação,queficaramacargoexclusivodoBNH,paratransformar-senuminstrumentodeapoioaoplanejamentourbanoelocalnoBrasil.Paraisto,ficouaseucargoumfundoespecial,oFIPLAN(FundodeFinanciamentoparaPlanejamentoLocal), destinado a parcelar o custo dos planos, capacitando o SERFHAU a promover e apoiartecnicamenteumsistemanacionaldeplanejamentourbano.Em1972,éinstituídooPlanoNacionaldeDesenvolvimento,quetinhacomopropostamelhorarascondiçõesdeinfraestruturadascidades.Quatroanosdepois,em1976,oSERFHAUéextinto, sendooBNHresponsávelporassumir suasatribuições–queposteriormente iráencerrar suasatividadesem1986,aoser incorporadopelaCaixaEconômicaFederal.

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CPEU:METODOLOGIASADOTADASNOPLANEJAMENTOURBANO

AcriaçãodoCPEU,emjulhode1957,nãosetratoudeummovimentoisolado,masseinseriuemumprocessodeinstitucionalizaçãodocampodeArquiteturaeUrbanismo,atravésdaconsolidaçãodesuaentidadedeclasse,comacriaçãodoInstitutodeArquitetosdoBrasil(IAU),afundaçãoecrescimento de instituições de ensino, como foi o caso da FAU-USP, além de instituições deurbanismo externas às administrações, como a SAGMACS. Ao firmar convênio com diversasinstituiçõesgovernamentais,realizouosprimeirosPlanosDiretoresemnívelmunicipal.Seucaráterde extensão universitária permitiu que fossem realizados vários cursos de especialização, emdiversos níveis, com a finalidade de preparar profissionais necessários para a implantação dosplanos.Naexecuçãodestastarefas,oCPEUsempreutilizouosalunosdosúltimosanosdaFAU-USP,naqualidadedeestagiários.

Acriaçãodesteórgãosedeunomomentoemqueoplanejamentourbanopassavaaserdiscutidona América Latina. Em 1958, técnicos e funcionários que atuavam nas áreas de planejamento,realizaramumSeminárioparadiscutirquestões ligadasaestecampo,nacidadedeBogotá.Esteencontro produziu a “Carta dos Andes”, abordando uma série de conclusões e recomendaçõesurbanísticas. Neste documento, define-se planejamento como o processo de ordenamento eprevisão para conseguir, mediante a fixação de objetivos e por meio de uma ação racional, autilizaçãoótimadosrecursosdeumasociedadeemumadeterminadaépoca.

PodemosapontarduasorigensdoPlanejamentoUrbanoContemporâneo:Aprimeira,ideológica,criada e introduzida por pensadores teóricos comoOwen, Fourier, St. Simon e outros, com suainfluência política e prática nas formulações atuais. A segunda, tecnológica, decorrentes dasnecessidadesdosprópriosadministradoresurbanosefuncionáriosoficiais,quenaprocurademeioseficientesparacontrolarospreceitosdesaúdeeserviçospúblicos,lançaramefetivamenteasbasesdalegislaçãoatualdoPlanejamentoUrbano.

A partir da análise dos pontos definidos como principais dentro do Planejamento Territorial,presente na Carta dos Andes (1958), é possível encontrar pistas para o entendimento da baseconceitualmetodológicaestabelecidaCPEU,quesãodefinidosnaCartaapartirdequatropontosprincipais:1.Opontodepartidadoplanejamentodeveseroestabelecimentodemetassociaiseeconômicasadequadasparaelevaroníveldapopulação,ordenando,emíntimarelação,osrecursoseconômicos,sociais,físicosepolíticos;2.Oplanejamentodeveoutorgarprecedênciasdetempoehierarquia aos planos nacionais, que devem estabelecer e delimitar as regiões como áreas deplanejamento;3.Omeioemquesedesenvolveoprocessodeplanejamentoéogoverno,sejaestenacional, regional ou local. Os governos constituem-se em geral, de três poderes (executivo,legislativoejudiciário)comfunçõespróprias,estabelecidasparaconseguirumsistemadecontrolee equilíbrio. Este fato obriga que o processo de planejamento tenha lugar em cada um deles,especialmentenossetoresexecutivoelegislativo.Consequentemente,osórgãosdeplanejamentodevemter suaposiçãocomoamais convenientedentrodaadministração;4.Aexperiência temdemonstradoqueoplanejamentoconstituiumainsuperávelferramentadetrabalho,paraomelhoraproveitamentodosrecursoshumanosenaturais,eamelhoradequaçãodosistemaadministrativoparaalcançarumpatamardedesenvolvimento.

Com a Carta de Atenas, La Tourette-Rhone e a Carta dos Andes, as cidades passaram a serconsideradas,emtermosdeplanejamento,comopartedeumaregião.Dessamaneira,

[...] o planejamento deve ser antes de tudo uma função básica do governo,integrando-se nos diversos escalões governamentais, tanto nacional comoregional e local.Hánecessidadede consideraroPlanejamentoTerritorial no

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contextomaiordoPlanejamentoIntegradoeGlobal,evolvendoneste,tambémoPlanejamentoEconômicoeSocial,qualquerquesejaoescalãoconsiderado–nacional, regional,estadual,metropolitano,municipaleurbano(BIRKHOLZ,1967,p.35).

OCPEU,aoproporaelaborarosPlanosDiretoresparaascidadesdointeriorelitoraldeSãoPaulo,determinousuasdiretrizesapartirdadeterminaçãodosobjetivosgeraisdoplanejamento,comoumproblemadasciênciassociais,consolidadosna“elevaçãodeformaorgânica,dosníveisdevida”(MELLO,1961,p.4).Osplanos,resultadodoplanejamento,correspondiamaoscompromissosdeação resultantes de um processo mental de elaboração integrada e racional, que incluía,necessariamente,todasasvariáveisdoprogramaasolucionar,oudodesenvolvimentoaatingir.Oplanopoderiaserclassificadocomoumaprojeçãodeumestadodebem-estardeumasociedade,comrelaçãoaosmeiosdisponíveis.Eplanejamento,portanto,umprocessodopensamento,ummétodo de trabalho e um meio de propiciar o melhor uso da inteligência e das capacidadespotenciais do homem para benefício próprio e comum (BIRKHOLZ, 1980). Para se atingir comeficiência o desenvolvimento pretendido, o CPEU defendia a necessidade não só de cuidar daelaboraçãodoplano,mastambémdesuaimplantação.

Paraelaboraçãodeumplano,oCPEUdefiniumetodologiasdeplanejamento,queeramensinadasaosprofissionaisealunosligadosaoCentro.Seuprincipalobjetivoconsistianoplanejamentoemseuaspectofísicoouterritoriale,portanto,ametodologiadeveriaservoltadaparaoestudodosprocessosdeelaboraçãodeplanosdeorganizaçãoterritorialrurais,urbanoseregionais.Demaneiradidática, esse processo de ordenação territorial era dividido em três etapas fundamentais,classificadosemtrêsdiferentesfases:1.Elaboraçãodoplano(FasedeEclosão);2.Programaçãodaaplicação(FasedoProjeto);3.Aplicaçãopráticadoplano(FasedeExecução).Cadaumadasetapasabaixo foi transcrita de acordo com os textos encontrados, principalmente, no texto “Oplanejamentoesuasfases”,publicadopeloCPEUem1958.

Outro ponto importante defendido pelo CPEU dentro do planejamento territorial é a açãocomunitária.Temarecorrentenasdiscussõesatuaisdeplanejamentourbano,oCPEUdefendiaaaçãocomunitáriacomoinstrumentofundamentalparaoplanejamentomunicipal,namedidaemqueapopulaçãolocaltinhaaoportunidadedeparticipardasdecisõesquevisavammelhorarsuasprópriascondiçõesdevida.Seusobjetivos,portanto,eramfazerchegarasideiaspropostasatéapopulaçãoeutilizaressaprópriainiciativalocalparaalcançarosobjetivospretendidos.NavisãodoCentro,talaçãoconstituía-senumprocessodeaçãosocial,atravésdoqualapopulaçãolocalpoderiaseorganizarparaplanejar,definirsuasnecessidadesparticularesecoletivas,elaborarosplanosqueatendessemsuasnecessidadeseaindaajudaralevantarfundosparasuaexecução.

Noentanto,oCPEUreconheciaaslimitaçõesedificuldadesdaaçãocomunitária,sobretudoquandoascomunidadeseramgrandes.Por isso,defendiaqueestivessemclarososobjetivosquefossemrealmente possíveis de serem atingidos por meio da ação comunitária. Na publicação “Umaexperiência de participação comunitária no planejamento”, publicado em 1977, pelo CPEU, sãodescritosemlinhasgeraisasorientaçõesquedeveriamserseguidaspelosplanejadoresemrelaçãoàcomunidade:

a) Organizar a ação da população no planejamento do município,

medianteacriaçãodeumaComissãoMunicipaldoPlanoDiretorouComissão do Plano do Município, ou ainda Comissão dePlanejamento Municipal. Através dela, pretendia-se organizar epromover o interesse do público no Planejamento Territorial edivulgar entre os vários setores de atividade social as ideias do

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planejamento.Poroutrolado,suafunçãoseriatambémorganizaraparticipação ativa dos municípios na organização do plano,diretamentepormeiodecríticase sugestõese, indiretamente, porseusrepresentantesqualificados.

b) Utilizar-se da potencialidade técnica local, através daagregação dos elementos que possuíssem capacidade departicipar do planejamento, em uma Comissão Técnica doPlanoDiretor,encarregadadostrabalhosdenaturezatécnica,que exigiam formação profissional adequada por parte deseus componentes. Essa comissão se encarregaria dasupervisãodostrabalhosedeveriacontarcomelementosdaprópria cidade, recrutados dentre os responsáveis pelosserviços técnicos da Prefeitura, professores das Faculdade,técnicos de órgãos governamentais sediados na cidade (Casa daAgricultura, por exemplo) e profissionais residentes na cidade queestivessem dispostos a colaborar. Utilizaria também, em grandeparte, a realização de trabalhos materiais, como secretaria,datilografia, pesquisa e desenho, da própria administraçãomunicipal.

c) Organizar as atividades técnicas nos quadros da administraçãomunicipal,atravésdeumEscritórioTécnicodePlanejamento,capazde não somente responsabilizar-se pela elaboração do PlanoDiretor, em contato direto com a Comissão técnica, mastambémincumbir-sedasuaimplantação.

Emumdostextospresentesnapublicação“IntroduçãoaoPlanejamento”,organizadoporBirkholzepublicadoem1980,numperíodoposterioràatuaçãodoCPEUeelaboraçãodosPlanosDiretoresparaascidades,sãoanalisadasasdificuldadesqueforamenfrentadasnaimplantaçãodaspropostasde planejamento. Dentre elas, estão destacadas: a falta de compreensão por parte daadministração, em relação ao papel do planejamento como elemento essencial para aadministraçãopública;acarênciaderecursosparaexecuçãodosplanos;ainexistênciadetécnicosqualificados para execução das tarefas previstas nos planos; o próprio desconhecimento dametodologia adotada nos planos; a falta de base institucional, legislativa adequada, para oplanejamento; e ainda as falhas existentes nos próprios planos, resultantes de concepçõesultrapassadasouinexequíveisdeplanejamentoequeforamadotadas(BIRKHOLZ,1980).

NoBrasil,quandopromulgadaaLeiOrgânicadosMunicípios,aSecretariadoInterioreditouumapublicaçãosemelhanteparaorientaraelaboraçãodosplanosmunicipaispropostospelaLei,emquedescrevia um roteiro para a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI)(Figura4).Nessapublicação,sãodescritosaconceituaçãodediversosaspectosquedeveriamserestudados na elaboração dos Planos Diretores, justificando a necessidade desses planos seremintegrados,umavezquedeveriamapresentar“umconjuntointegradodediretrizeseprogramasdeação, nos vários setores da atividade municipal: econômico, social, territorial, administrativo efinanceiro”.(BIRKHOLZ,1967,p.12).

CONSIDERAÇÕESFINAIS

AsinfluênciasdeAnhaiaMellonoplanejamentourbano,noentanto,sãoevidentesemarcamumperíodo de intensa discussão sobre os rumos do planejamento urbano em São Paulo, comressonânciasatéosdiasdehoje.Asideiasdesseurbanistamantinham-seatualizadasemrelaçãoaosprincípiosdeplanejamentoedezoneamentonorte-americanoseaestruturaçãodosórgãosde

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planejamentopropostos por eles – a ComissãodoPlanoenquanto experiência de “participaçãocomunitária” e a Comissão Técnica (comissão staff) foram tentativas de reproduzir o próprioprocessonorte-americano.

Háqueseconsiderarque,emumperíododedezanos,foramdesenvolvidos,dentrodoCPEU,planosparamaisdequarentamunicípiosdeSãoPaulo.Tendoemcontaoportedocentrodepesquisa,trata-se de um volume significativo de planos. Ainda que parte não tenha ultrapassado a “fasepreliminar”,taiselementosmarcaramoprocessodeurbanizaçãodessascidades.Issoporqueemboapartedosmunícipios,osplanosdoCPEUforamosprimeirosplanosrealizados, inaugurandoumanovafasedoplanejamentomunicipalnoEstadodeSãoPaulo.

No entanto, ao analisarmos os trabalhos realizados pelo CPEU, é preciso tomar o cuidado emressaltarquesuaformadetrabalharnãoeraumconsensodentrodaprópriaFAU,sendopassíveldecrítica pelo próprio Artigas, que via como problemático o CPEU tornar-se um escritório para arealizaçãodeplanosdemunicípiosdointerior.Nessesentido,emumcontextodeconsolidaçãodocampodeArquiteturaeUrbanismoemSãoPauloapartirdaFAU-USP,oCPEUrepresentaapenasuma vertente – importante, porém não única – de pensamento que circulou naquele espaço,produzindotensõescomoutrasvisõesqueláseformularam.

Alémdisso,essa implantaçãodePlanosDiretoreseprojetosurbanísticosocorreunumcontextohistóricoquetevecomorespaldoumEstadoautoritário,quepraticamenteimpôssuaspropostas.Osdebatesqueaquidestacamosnãotraduziam,defato,contradiçõesaoprocessodesencadeadopeloEstado,masapenasvariaçõesemtornodosobjetivosquejáestavamprevistos.Hojeemdia,osPlanosDiretorespodemseruminstrumentoimportanteparaamelhoriadascondiçõesurbanasdascidades,masestãolongedecumpriressesobjetivosconstitucionaisquelheforamatribuídos.Oprocessodedemocratizaçãodopaíseaberturaeconômicaacarretouproblemasdeordemmaiorque,namaioriadasvezes,vãoalémdoâmbitoprofissionaldoarquiteto.Aparticipaçãocadavezmaisenfáticadomercadoimobiliárionosprocessosdeproduçãodoespaçourbano–aqualAnhaiaMellobuscouincansavelmenteapresentarpropostasdecontrolecomseuplanning–transformaacidadeemumcampoemumjogodeinteressesprivados.Essetipodereformaurbananacidade,secaracteriza pela expressão de uma nova classe que ascende ao poder,manifestando interesseseconômicos particulares. São, portanto, constitutivas do próprio processo de produção de umacidadecapitalista.

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