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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA, CONSERVACÃO E
MANEJO DE VIDA SILVESTRE
A ICTIOFAUNA DO RIO SANTO ANTÔNIO, BACIA DO RIO DOCE, MG: PROPOSTA DE
CONSERVAÇÃO
FÁBIO VIEIRA
Belo Horizonte/MG 2006
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FÁBIO VIEIRA
A I C T I O F A U N A D O R I O S A N T O A N T Ô N I O, B A C I A D O R I O D O C E, M G: P R O P O S T A D E C O N S E R V A Ç Ã O
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre da Universidade Federal de Minas Gerais como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre.
Orientador: Prof. Dr. Francisco A. R. Barbosa
Belo Horizonte/MG 2006
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INSTITUIÇÕES PATROCINADORAS
“The origin of the diversity of tropical fish might be obscure, but the sources of biodiversity losses are clearer: exploitation, habitat destruction and the introduction of exotic species have all played a role in making fish one of the most threatened animal groups in the world” IUCN, 1996. Red List of Threatened Animals, IUCN (World Conservation Union)
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Dedico esse trabalho ao meu pai “in memoriam” e minha mãe, que mesmo com ínfimo conhecimento acadêmico se dispuseram a investir longos anos de suas vidas para que seus filhos pudessem trilhar melhores caminhos que os seus. Pai, embora você já não esteja mais fisicamente presente... nunca deixarei de sentir saudades!!!!
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AGRADECIMENTOS Certamente em um trabalho desenvolvido ao longo de um tempo extenso demais
para os padrões atuais, muitos tiveram participação direta ou indireta para que chegasse
a termo. Dessa forma, certamente será impossível agradecer a todos, razão pela qual
peço desculpas antecipadas por eventuais omissões.
A Fundação O Boticário de Proteção a Natureza pelo financiamento e apoio que
permitiram o início e conclusão desse trabalho.
Ao Programa Espécies Ameaçadas, subsidiado pelo Fundo de Parceria para
Ecossistemas Críticos (CEPF) e coordenado pela Fundação Biodiversitas e pelo Centro
de Pesquisas Ambientais do Nordeste (CEPAM), pelo financiamento dos estudos com
espécies de peixes ameaçados na bacia do rio Doce, parte dos quais ainda se continuam
nesse momento.
Aos Projetos NEODAT (The Inter-Institutional Database of Fish Biodiversity in
the Neotropics), Catalog of Fishes (California Academy of Sciences), Centro de
Referência em Informação Ambiental (CRIA) e FishBase pela possibilidade de acesso
irrestrito aos bancos de dados sobre espécies de peixes e exemplares depositados em
museus. A Agência Nacional de Águas (ANA), pelo acesso ao banco de dados
disponibilizado via Hidroweb: Sistema de Informações Hidrológicas, fonte da série
temporal de dados pluviométricos, de vazão e físicos e químicos da água na bacia do rio
Santo Antônio.
Aos amigos incondicionais de sempre, referindo-me aos primórdios desse
trabalho Carlos B. M. Alves (Cacá), Luiz A. Rocha (Muminha) e Gilmar B. Santos
(Ilgão).
Ao Paulo Pompeu, que além da grande amizade auxiliou nas coletas em campo e
fez a leitura crítica e sugestões em várias partes do trabalho aqui apresentado.
Ao Flávio C. T. Lima, José L. Birindelli e Edson L. Pereira pela ajuda em
solucionar algumas identificações, notadamente exemplares depositados no Museu de
Zoologia da USP (MZUSP) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
- PUCRS.
A Volney Vono, Márcia e Renê Hojo que confirmaram informações preciosas
sobre a ocorrência de espécies a jusante da UHE Salto Grande.
Alexandre L. Godinho (Sam) pelo espaço franqueado e uso incondicional do
laboratório e equipamentos.
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Ao Dr. Francisco A. R. Barbosa pela confiança e disponibilidade em aceitar me
orientar, pois mesmo não tendo os peixes como linha de pesquisa direta, sempre
defendeu a idéia de estudos integrados que permitissem uma visão mais completa e
abrangente dos sistemas aquáticos. Em particular durante os últimos tempos de
elaboração da tese, quando as coisas sempre pareciam intermináveis.
Ao “Gatulê” pela oportunidade de conhecer a região da Serrinha (Ferros-MG),
informações sobre peixes e pesca no rio Santo Antônio além da acolhida em seu sítio.
Célio Casemiro de Souza, que foi o primeiro a me falar o nome popular de
Henochilus wheatlandii (andirá), indicar locais e contar “causos” de pescadores vividos
no rio Santo Antônio.
João L. Gasparini (Gaspa) e Renato R. Souza (Galça), grandes amigos que
sempre deram força, mas refiro-me especialmente àquelas ajudas virtuais nos sábados e
domingos passados em frente a uma tela de computador, quando trocar um e-mail sobre
qualquer assunto já representava um alívio. Antônio P. L. S. Almeida (Toninho), pela
“saíra-apunhalada no pau-Brasil” que proporcionou risadas providenciais em
momentos críticos da redação da tese.
A João Pedro (Jota) e Maria Cecília (Ciça), que se dispuseram a “sofrer” minha
orientação durante esse período de tese... a chegada de vocês foi muito agradável e
recompensadora... bons frutos iremos colher!
Aos amigos de laboratório pela convivência, Gisele, Francisco Neto (Xico), Luiz
Gustavo (Luizão), Clarissa Chalub, Alexandre (Jequié).
Fábio C. Garcia (Capivara), amigo de bons papos, cafés e sofrimento conjunto
nessa reta final de tese.
Aos grandes amigos e excelentes pescadores Ivanildo A. Figueiredo (Moreno),
Ivo A. Figueiredo e Dedé (in memorian), sem os quais muitos peixes sequer estariam
figurando nesse trabalho.
À banca examinadora composta pelos professores doutores Ângelo Antônio
Agostinho, Francisco Langeani Neto, Paulina Maia-Barbosa e Alexandre Lima Godinho
pelas discussões e contribuições ao documento final.
Por último, mas não em último, a Queila agradecimento especialíssimo, pela
companheira inseparável e sempre disposta a ajudar, mas principalmente pela paciência
nos últimos tempos... que reconheço, se foram difíceis para mim... ela que o diga o
quanto sofreu!!!
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Sumário RESUMO ..................................................................................................................................... 8
ABSTRACT ................................................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO GERAL.......................................................................................................... 10
A BACIA DO RIO SANTO ANTÔNIO.................................................................................. 12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 20
CAPÍTULO 1.............................................................................................................................. 23
COMUNIDADES DE PEIXES NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO, BACIA DO RIO DOCE, MG................................................................................................................. 24
RESUMO ................................................................................................................................... 24
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 24
METODOLOGIA ..................................................................................................................... 26
ÁREA DE ESTUDO ................................................................................................................. 26
AMOSTRAGEM DA ICTIOFAUNA ..................................................................................... 28
QUALIDADE DA ÁGUA......................................................................................................... 29
ANÁLISE DOS DADOS........................................................................................................... 30
RESULTADOS.......................................................................................................................... 32
DISCUSSÃO.............................................................................................................................. 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 51
CAPÍTULO 2.............................................................................................................................. 59
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E ASPECTOS DA ECOLOGIA DE PEIXES AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO, BACIA DO RIO DOCE, MG................................................................................................................. 60
RESUMO ................................................................................................................................... 60
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 60
METODOLOGIA ..................................................................................................................... 62
RESULTADOS.......................................................................................................................... 65
DISCUSSÃO.............................................................................................................................. 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 80
CAPÍTULO 3.............................................................................................................................. 88
ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A CONSERVAÇÃO DA FAUNA DE PEIXES NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO, BACIA DO RIO DOCE, MG....................... 89
RESUMO ................................................................................................................................... 89
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 89
CARACTERÍSTICAS DA DRENAGEM E DA ICTIOFAUNA PARA DELINEAMENTO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO................................................................................... 91
AS ÁREAS SELECIONADAS PARA CONSERVAÇÃO .................................................... 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 99
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RESUMO Analisamos a riqueza, distribuição e aspectos biológicos das assembléias de peixes que
ocorrem na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG. Essa drenagem é
reconhecida como prioritária para conservação da diversidade de peixes em Minas
Gerais e no bioma da Mata Atlântica. Além da ampliação do conhecimento sobre a
ictiofauna, o objetivo do estudo foi selecionar áreas que possam manter a diversidade de
peixes nessa drenagem, atualmente ameaçada com a construção de barragens e outros
impactos antrópicos. Os dados foram obtidos em estudos de campo e complementados
com os registros de exemplares depositados em museus, cobrindo uma série temporal
entre os anos de 1989 e 2005. No total foram feitos registros da ictiofauna em 61
pontos, sendo 27 localizados em córregos e 34 na calha central do Santo Antônio e de
seus maiores afluentes. Nossos resultados indicaram que a bacia do rio Santo Antônio
abriga mais espécies de peixes nativas (57 sp.) que qualquer área de tamanho
comparável na bacia do rio Doce. Desse total, pelo menos dez são novas para a ciência.
A ictiofauna também inclui todas as espécies ameaçadas de extinção na bacia do rio
Doce, e para as quais são necessárias ações destinadas à conservação (andirá –
Henochilus wheatlandii; timburé – Leporinus thayeri; pirapitinga – Brycon opalinus;
piabanha – B. devillei e surubim-do-Doce – Steindachneridion doceanum). A maioria
das espécies exóticas apresentou distribuição restrita ao baixo rio Santo Antônio, a
jusante da UHE Salto Grande. Principais impactos antrópicos são a construção de
barragens, introdução de peixes exóticos, retirada da vegetação ciliar e assoreamento.
Atualmente, pelo menos duas subdrenagens (rios Guanhães e Tanque) e a parte baixa do
rio Santo Antônio não mantêm mais características apropriadas para o desenvolvimento
de programas de conservação. Com base nos resultados obtidos foram identificadas três
áreas distribuídas ao longo do canal principal e tributários, as quais em conjunto
deverão manter a maior parte da ictiofauna registrada na bacia. A estratégia de
conservação indicada para essas áreas foi a transformação em Áreas de Proteção
Ambiental (APA). Essa nova condição regional inviabiliza a implantação de quatro
pequenas centrais hidrelétricas, que em seu conjunto representam 16,4% do potencial
energético inventariado para a bacia. Entretanto, mesmo com implicações econômicas
negativas, essas obras devem ser consideradas fora de um planejamento regional onde o
objetivo seja a manutenção desse importante componente da ictiofauna neotropical.
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ABSTRACT
Species richness, distribution, and biological features of freshwater fish assemblages
were analyzed within the Santo Antônio River drainage, Doce River basin, Minas
Gerais state. Santo Antônio’s drainage is recognized as one of the conservation priority
areas for fish diversity in Minas Gerais state and Atlantic rain forest biome. In addition
to the increasing knowledge of its ichthyofauna, the aim of this study was to identify
significant areas that could support fish diversity in the drainage, which is threatened by
dam’s construction and other anthropogenic impacts. Data were obtained during field
surveys and complemented with those registered in museum, embodying a temporal
series from 1989 to 2005. Fishes were caught in 61 sampling sites, 27 of which in
streams and 34 in the main channel of Santo Antônio River and its tributaries. Our
results suggested that Santo Antônio River supports more native fishes (57 species) than
any other area of comparable size in the Doce River basin. We found at least ten new
species among the collected species, including also all threatened species from Doce
River, for which conservation measures are needed (andirá - Henochilus wheatlandii;
timburé - Leporinus thayeri; pirapitinga - Brycon opalinus; piabanha - B. devillei and
surubim-do-Doce - Steindachneridion doceanum). Most of exotic species were restrict
to low stretches of Santo Antônio River, below the Salto Grande Hydropower Plant.
The major impacts in the Santo Antônio River Basin are dam construction, introduction
of exotic species, clearing of the riparian vegetation and silting. Guanhães and Tanque
Rivers and the low stretch of Santo Antônio River were not considered for conservation
programs as they showed a relative high degree of degradation. Our results support the
selection of three areas in the main channel and tributaries that together can maintain
most of the ichthyofauna recorded in the drainage. As a conservation strategy we
suggest their establishment as Environmental Protection Areas (EPA). This new
regional scenario would not permit the implementation of four small hydropower
projects which together represents 16.4 % of the energy powerful in the Santo Antônio
River Basin.
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INTRODUÇÃO GERAL
Existe um consenso de que as possibilidades de manutenção da biodiversidade a
longo prazo aumentarão com o estabelecimento de um planejamento para conservação
em escala regional ou que contemple grandes unidades de paisagem (Conservation
International, 2000a). Estratégias para a conservação da diversidade biológica ao nível
global foram representadas pela Agenda 21 Global e pela Convenção sobre a
Diversidade Biológica (IUCN, 1994). Entre as metodologias empregadas estão aquelas
destinadas a definir hotspots, áreas de alta biodiversidade e sob alta pressão antrópica
(Myers, 1988, 1990; Myers et al., 2000), os programas de avaliação rápida (RAP’s),
desenvolvidos pelo Conservation International (Willink et al., 2000) e a realização de
workshops para definição de áreas prioritárias para a conservação.
Os workshops têm abordado unidades geográficas diferentes, incluindo grandes
biomas, subconjuntos regionais de ecossistemas ou países isoladamente. No Brasil,
foram realizados diversos eventos dessa natureza, sendo que dois destes abrangeram a
bacia do rio Santo Antônio (Figuras 1 e 2; Costa et al., 1998, Conservation
International, 2000b; Drummond et al., 2005), que foi objeto do presente estudo. Um
ponto comum desses workshops é que os mesmos representam uma importante
ferramenta para captação e aplicação dos recursos disponíveis para conservação, assim
como para direcionamento das atividades de pesquisa.
Figura 1 – Áreas prioritárias para conservação da fauna de peixes no estado de Minas
Gerais conforme definidas em 1998 (esquerda) e 2005 (direita). As áreas que abrangem
o rio Santo Antônio são indicadas pelas setas. Fonte: Costa et al. (1998), Drummond et
al. (2005)
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Figura 2 – Áreas prioritárias para conservação da fauna de peixes na Mata Atlântica e
nos Campos Sulinos, sendo que a drenagem do rio Santo Antônio está indicada pela
seta. Fonte: Conservation International (2000b).
Também deve ser considerado que na prática da conservação, informações como
riqueza de taxa indicadores, endemismos e riqueza total de espécies têm sido utilizadas
para identificar possíveis áreas de conservação (Landres, 1988; Curnutt et al., 1994; van
Jaarsveld et al., 1998). Adicionalmente, as características regionais das assembléias de
espécies e a probabilidade de ocorrência de uma dada espécie em reservas potenciais
também são consideradas em conservação da biodiversidade (Pressey et al., 1993;
Wahlberg et al., 1996; Margules & Pressey, 2000).
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Entretanto, se por um lado definições de diretrizes gerais para a conservação da
biodiversidade têm sido ampliadas, os esforços concretos para transformá-las em ações
efetivas para conservação ainda permanecem como um objetivo a ser alcançado. Esse
fato ficou muito evidente no estado de Minas Gerais, em que perdas significativas de
áreas consideradas prioritárias para conservação da fauna de peixes ocorreram no curto
espaço de sete anos (Drummond et al., 2005).
No que se refere a ictiofauna, a bacia do rio Santo Antônio atende a alguns
requisitos que justificam sua indicação como área prioritária para conservação,
destacando-se a ocorrência de diversas espécies endêmicas, ameaçadas de extinção
(Vieira et al., 2000; Vieira & Alves, 2001; Castro et al. 2005, Rosa & Lima, 2005) e por
apresentar elevada diversidade de espécies.
Neste contexto, definir as áreas que mantêm alta diversidade de espécies constitui
o elemento primário para a proteção da biodiversidade (Allan & Flecker, 1993), embora
determinar como essas áreas se originaram e são mantidas representa um considerável
desafio científico. Assim, após essas áreas serem identificadas serão necessários estudos
adicionais, que associados a ações legais, representarão uma forma efetiva de
proporcionar a sua manutenção em longo prazo.
Embora exista reconhecimento formal que a bacia do rio Santo Antônio seja uma
área de grande importância para peixes no bioma Mata Atlântica, faltam diretrizes
básicas para a definição de estratégias de conservação. Este estudo teve como objetivos:
i) inventariar e mapear a distribuição das espécies de peixes que ocorrem nessa
drenagem e ii) definir as áreas e estratégias de conservação que poderão mantê-las no
futuro.
A bacia do rio Santo Antônio
A bacia do rio Doce possui área total de aproximadamente 82.000 km2, dos quais
86% no estado de Minas Gerais. Suas nascentes estão em um dos contrafortes da Serra
do Espinhaço, no município de Ressaquinha, a 1220 m de altitude. Em Minas Gerais
seus principais afluentes pela margem direita são os rios Chopotó, Casca, Matipó,
Cuieté e Manhuaçu, enquanto pela margem esquerda são os rios Piracicaba, Santo
Antônio, Corrente Grande e Suaçuí Grande (CETEC, 1983).
O rio Santo Antônio nasce nas proximidades da Serra Tromba D’Anta, no
município de Conceição do Mato Dentro. Tem como principais formadores os rios do
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Peixe, Preto do Itambé, Guanhães e Tanque e uma área total de drenagem de 10.390
km2. A totalidade da drenagem do rio Doce encontra-se inserida no bioma Mata
Atlântica, atualmente reduzido a menos de 8% de sua área original (Conservation
International, 2000b). Segundo Espindola (2005), a cobertura vegetal da bacia do rio
Doce conservou-se de forma significativa até o início da década de 1930, concentrando-
se nas três décadas seguintes a fase de devastação generalizada. Esse processo resultou
em intensa fragmentação florestal, como pode ser observado na drenagem do rio Santo
Antônio, onde atualmente a maior densidade de remanescentes encontra-se nas
cabeceiras, principalmente em áreas elevadas na vertente da cadeia do Espinhaço
(Figura 3).
Figura 3 – Remanescentes florestais da mata atlântica na bacia do rio Santo Antônio. A
linha pontilhada indica a área principal de inserção da bacia. Fonte:
http://www.sosmatatlantica.org.br/?secao=atlas (outubro/2005)
Drenagens
Área Urbana
Remanescente florestal
Nessa bacia existem três usinas hidrelétricas (UHE’s) de médio e grande porte
em funcionamento: Salto Grande e Porto Estrela (calha do Santo Antônio) e Dona Rita
(rio do Tanque). Além dessas, pelo menos mais doze foram incluídas no inventário da
Eletrobrás (Eletrobrás, 1999) (Figura 4). Parte desses aproveitamentos já foi estudada e
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os processos de licenciamento encontram-se em tramitação na Fundação Estadual de
Meio Ambiente de Minas Gerais (FEAM-MG).
rio Piraci
rio
Doc
erio
Doce
rio
rio
CorrenteGrande
0 20
km
Cad
eia
doEs
pinh
aço
Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
Ferros
Guanhães
Ipatinga
Antônio DiasItabira
Senhora daPenha
Itambé doMato Dentro
BeloOriente
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Conceição doMato Dentro
rio
SantoAntônio
rio
rio doPeixe
rio
Guanhães
do TanquerioPreto
do
Itambév vv
v vv
v v
v v
v vv
v
v v
v v
vv
v
v v caba
v
18o30’
42o00’
19o30’
44o00’
Pauninhara
v vv
CidadesCursos d’águaUHE’s implantadas
Cadeia de montanhas
UHE’s em estudo
Figura 4 – Mapa de localização da bacia do rio Santo Antônio indicando os prováveis
eixos de usinas hidrelétricas conforme apresentado em Eletrobrás (1999
As UHE’s de Salto Grande e Porto Estrela foram construídas na calha do Santo
Antônio, em um trecho que pode ser considerado como um divisor do rio em porções
distintas com relação às suas características fisiográficas. O seu baixo curso, desde a
UHE Porto Estrela até a foz no rio Doce, com cerca de 47 km, apresenta menor
profundidade e leito recoberto predominantemente por areia. Essa condição fica ainda
mais evidente com a operação diária dessas usinas, quando parte do leito fica exposta
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pelo rebaixamento da lâmina d’água. No restante da drenagem, localizado acima do
barramento da UHE Salto Grande, o leito é predominantemente rochoso, apresentando
extensas áreas de corredeiras intercaladas com poções mais profundos. Nesse trecho,
existem afluentes que drenam diretamente da cadeia do Espinhaço e possuem
características únicas dentro da bacia, apresentando águas de cor escura e pH
ligeiramente ácido (Galdean et al., 2000) (Figura 5). A coloração da água foi elemento
preponderante na toponímia local, tanto no que se refere a nomes de rios como de
municípios. Na bacia do rio Doce, excetuando-se a drenagem do rio Santo Antônio, essa
característica (águas pretas) somente é observada em um pequeno afluente do rio Santa
Bárbara, drenagem do rio Piracicaba, e cujas nascentes estão na Serra do Caraça,
também na cadeia do Espinhaço.
Figura 5 – Visão geral de um trecho do rio Preto do Itambé, que possui águas de
coloração escura e leito rochoso.
A bacia do rio Santo Antônio ocupa uma área com precipitações totais entre 900
e 1500 mm anuais (Figura 6). O período de chuvas se estende de novembro a março,
com precipitação total mensal que pode superar 500 mm, enquanto o período seco
característico vai de maio a setembro, com meses sem qualquer chuva (Figura 7). Os
meses de abril e outubro podem ser caracterizados como de transição entre esses
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períodos. Conforme pode ser observado, os valores de precipitação total mensal são
semelhantes, seja na parte baixa, média ou alta da bacia.
Figura 6 – Precipitação total anual em milímetros para as séries históricas entre 1931 e
1990. A bacia do rio Santo Antônio está indicada pela seta. Fonte: INMET – Instituto
Nacional de Meteorologia, consultado em 2005
http://www.inmet.gov.br/climatologia/combo_climatologia_C.html
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Jan-1992Jan-1993
Jan-1994Jan-1995
Jan-1996Jan-1997
Jan-1998Jan-1999
Jan-2000Jan-2001
Jan-2002Jan-2003
Jan-2004Jan-2005
Mês/Ano
0
100
200
300
400
500
600
Figura 7 – Precipitação total mensal (mm) no período de jan/1992 a out/2005 em três
postos fluviométricos localizados nos trechos baixo (Naque), médio (Ferros) e alto
(Conceição do Mato Dentro) da bacia do rio Santo Antônio. Fonte:
http://hidroweb.ana.gov.br/
O regime pluviométrico resulta em vazões diárias que podem chegar até 2.658
m3/s próximo à foz, medidos na estação fluviométrica de Naque Velho. O padrão de
cheia no rio é similar, tanto nas cabeceiras como junto à foz (Figura 8). As duas UHE’s
existentes na calha do Santo Antônio não exercem regulação de fluxo sazonal, operando
com vazões que alteram somente as descargas diárias.
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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Meses
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Vaz
ões
(m3 /s
)
Mediana Percentis 25%-75%
Mín-Máx
A
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Meses
0
200
400
600
800
1000
Vaz
ão (m
3 /s)
Mediana Percentis 25%-75% Mín-Máx
B
Figura 8 - Vazões médias mensais obtidas para as séries históricas em dois postos
fluviométricos localizados na bacia do rio Santo Antônio: (A) Conceição do Mato
Dentro, cabeceira - jan/1947 a dez/2001 (B) Naque Velho, foz - jan/1975 a dez/2001.
Fonte: http://hidroweb.ana.gov.br/
A temperatura média anual está entre 21 e 24 ºC, enquanto as máximas chegam
a 30ºC e as mínimas a 15ºC (Figura 9).
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Figura 9 – Climatogramas referentes às temperaturas, máxima, mínima e média anual.
A localização da bacia do rio Santo Antônio está indicada por uma seta. Fonte: INMET
– Instituto Nacional de Meteorologia, acesso em 2005
http://www.inmet.gov.br/climatologia/combo_climatologia_C.html
ü
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ü
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O rio Santo Antônio, na região da sua foz, apresentou índice de qualidade das
águas (IQA) no nível médio em 2002, 2003 e 2004 (IGAM, 2005). Fatores que mais
contribuíram para estes resultados foram coliformes fecais e a turbidez. Como pode ser
observado na Figura 10, existe correlação negativa significativa entre o aumento da
vazão no período chuvoso e o IQA, condição verificada ao longo dos anos e que está
associada ao arraste de material para a calha do rio. Contaminação por tóxicos no rio
Santo Antônio foi detectada para fenóis, cujos valores estiveram acima do limite legal
nas duas campanhas realizadas em 2004 (IGAM, 2005).
0 50 100 150 200 250 300
Vazão (m3/s)
40
45
50
55
60
65
70
75
80
85
Índi
ce d
e Q
ualid
ade
de Á
gua
(IQA
)
r = - 0,77 p < 0,001
Figura 10 – Relação entre IQA e as vazões do rio Santo Antônio (estação RD 039) no
período de março/1998 a outubro/2004. Fonte: IGAM (2005) com modificações.
Referências bibliográficas
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identifying the major factors that threaten destruction of riverine species and
ecosystems. BioScience, 43(1): 32-43
Castro, R. M. C.; Vari, R. P.; Vieira, F. & Oliveira, C. 2004. Phylogenetic analysis and
redescription of the genus Henochilus (Characiformes: Characidae). Copeia, 2004
(3): 496–506
Cetec, 1983. Diagnóstico Ambiental do Estado de Minas Gerais. Série Publicações
Técnicas, 10. 158p.
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Conservation International, 2000a. Planejando paisagens sustentáveis: a Mata
Atlântica Brasileira. Conservation International & Instituto de Estudos Sócio-
Ambientais do Sul da Bahia. 28 p.
Conservation International, 2000b. Avaliação de ações prioritárias para a conservação
da biodiversidade da Mata Atlântica e Campos Sulinos. Ministério do Meio
Ambiente, Brasília, 40 p.
Costa, M. R. C.; Hermann, G.; Martins, C. M.; Lins, L. V. & Lamas, I. R. 1998.
Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para sua conservação. Belo
Horizonte: Fundação Biodiversitas, 94 pg.
Curnutt, J.; Lockwood, J.; Luh, H. K.; Nott, P. & Russel, G. 1994. Hotspots and species
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Drummond, G. M.; Martins, C. S.; Machado, A. B. M.; Sebaio, F. A. & Antonini, Y.
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24
COMUNIDADES DE PEIXES NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO,
BACIA DO RIO DOCE, MG
RESUMO
Foi realizado um inventário sistematizado da ictiofauna na drenagem do rio Santo
Antônio, segundo maior afluente do rio Doce, desde suas cabeceiras até a foz, com o
objetivo de determinar suas características de distribuição longitudinal, altitudinal e
entre ambientes. Os dados foram obtidos em trabalhos de campo e registros em museus,
cobrindo uma série temporal entre os anos de 1989 e 2005. Foram confirmados registros
de 71 espécies, das quais 14 são exóticas. Parcela considerável das espécies apresentou
algum grau de endemismo ou estão ameaçadas de extinção. Predominaram espécies
nativas de pequeno porte (< 20 cm), enquanto as exóticas atingem em sua maioria
tamanhos superiores a 30 cm. A diversidade de espécies apresentou diferenças
significativas entre seções da drenagem, com maiores valores a montante da UHE Salto
Grande, área que também mantém a maior riqueza de espécies nativas e menor número
de exóticas. A altitude, a área da drenagem e o tipo de curso d’água influenciaram
diretamente a riqueza e distribuição das espécies. Entretanto, o isolamento pela
barragem da UHE Salto Grande do trecho médio-alto do rio Santo Antônio, parece ter
sido o elemento fundamental para os resultados obtidos. A qualidade da água indicou
mudanças sazonais e entre áreas, podendo em algumas drenagens influenciar a
ocorrência de espécies. A bacia do rio Santo Antônio é a que abriga a maior riqueza de
espécies nativas por unidade de área dentro da bacia do rio Doce, confirmando sua
indicação como de extrema importância para conservação da diversidade de peixes do
leste brasileiro. Projetos de aproveitamento hidrelétricos propostos para a bacia
necessitam serem avaliados em um contexto mais amplo que a realidade local, pois
implicam na perda de qualidade ambiental e impossibilidade de manter a ictiofauna
registrada atualmente.
INTRODUÇÃO
Informações sobre a distribuição e requerimentos de hábitats das espécies ou
comunidades de peixes são necessárias para conservação, determinação do potencial
para restauração da biodiversidade e previsão dos efeitos do manejo de ambientes
aquáticos e terrestres em determinada drenagem (Jowett & Richardson, 2003).
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A região sudeste do Brasil possui diversos rios que drenam diretamente para o
oceano Atlântico e que foram agrupados em um contexto geral por diferentes autores
como “leste brasileiro” (Gery, 1969; Menezes, 1972; Ringuelet, 1975). Mais
recentemente, Paiva (1982) definiu como drenagens de leste aquelas existentes desde o
sul da foz do rio São Francisco até o Paraíba do Sul. Essas drenagens, embora tratadas
rotineiramente como grandes unidades, possuem características diferenciadas quanto à
composição da fauna de peixes, sendo que os estudos disponíveis demonstram que a
riqueza de espécies e o grau de endemismo por bacia são bastante diferenciados
(Menezes, 1988; Vari, 1988; Bizerril, 1994; Godinho et al., 1999; Bizerril & Primo,
2001; Oyakawa et al., 2006). Essa constatação indica que as estratégias
conservacionistas devem ser desenvolvidas para cada uma das bacias separadamente,
visto que as necessidades das comunidades locais podem ser diferenciadas.
Embora o leste brasileiro seja importante área mantenedora de diversidade de
peixes de água doce, ainda não foram realizados estudos completos sobre a composição
e distribuição dos peixes em grande parte das drenagens que compõem essa região. Essa
condição, que determina um conhecimento fragmentado acerca da distribuição das
faunas existentes, se reflete de forma negativa frente aos esforços conservacionistas,
impedindo que esse importante componente da biota neotropical possa ser mantido em
longo prazo.
Para o rio Doce, a maioria dos estudos com peixes disponíveis na literatura se
concentrou no seu curso médio, principalmente no sistema de lagos existentes dentro do
Parque Estadual do Rio Doce e entorno (Sunaga & Verani, 1991; Vieira, 1994;
Godinho, 1996; Vono & Barbosa, 2001; Latini & Petrere, Jr., 2004; Espíndola et al.,
2005), se estendendo ao seu maior afluente nessa região, o rio Piracicaba (Barbosa et
al., 1997, Vieira et al., 2000). Entretanto, devido a uma série de estudos ambientais
conduzidos para construção de usinas hidrelétricas na drenagem do rio Doce, pode-se
admitir que existe um conhecimento relativamente amplo sobre a composição das
espécies da bacia. As informações geradas nesses estudos, aliadas àquelas da literatura,
foram primordiais para uma estimativa inicial do número de espécies de peixes nativos
(64 sp.) que existe na porção mineira da bacia do rio Doce e fundamentaram a seleção
de áreas prioritárias para conservação da ictiofauna (Drummond et al., 2005).
Entre as áreas selecionadas como prioritárias para conservação da fauna de
peixes em Minas Gerais está a bacia do médio-alto rio Santo Antônio, segundo maior
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afluente do rio Doce e que abriga diversas espécies endêmicas, ameaçadas de extinção
(Vieira et al., 2000; Vieira & Alves, 2001; Castro et al., 2004, Rosa & Lima, 2005),
além de possuir elevada riqueza ictiofaunística. Embora essa bacia atenda a diferentes
requisitos para ser indicada como uma área prioritária para conservação, diversos
aspectos da sua ictiofauna ainda carecem de avaliação. Entre esses, está o conhecimento
ainda incompleto da distribuição das espécies na drenagem e a taxonomia em nível
específico, que segundo discussão apresentada em Vari & Weitzman (1990) e Vari &
Malabarba (1998), representam limitações importantes para os estudos de biogeografia
histórica com peixes neotropicais.
O objetivo desse estudo foi realizar um inventário sistematizado das
comunidades de peixes que ocorrem na drenagem do rio Santo Antônio, desde suas
cabeceiras até a foz, para determinar suas características de distribuição longitudinal,
altitudinal e entre ambientes. Adicionalmente, os resultados obtidos permitirão
estabelecer uma base de dados que no futuro poderá ser usada para avaliar mudanças
nas comunidades de peixes induzidas por ações antrópicas dentro da drenagem,
notadamente aquelas relacionadas aos barramentos.
METODOLOGIA
Área de estudo
O rio Santo Antônio nasce nas proximidades da Serra Tromba D’Anta, no
município de Conceição do Mato Dentro. Tem como principais formadores os rios do
Peixe, Preto do Itambé, Guanhães e Tanque e uma área total de drenagem de 10.390
km2 (Figura 1) (Cetec, 1983). Representa 12,6% da drenagem do rio Doce, sendo seu
segundo maior afluente (HIDROTEC – http://www.ufv.br/dea/hidrotec - outubro 2005).
Toda a bacia encontra-se inserida no bioma Mata Atlântica, formação florestal
que se encontra reduzida para menos de 8% de sua área original (Conservation
International, 2000a). Atualmente, os maiores remanescentes florestais existentes na
drenagem encontram-se nas cabeceiras, principalmente em áreas elevadas na vertente da
cadeia do Espinhaço (SOS Mata Atlântica -
http://www.sosmatatlantica.org.br/?secao=atlas - outubro/2005). Afluentes que drenam
essa região possuem características únicas dentro da bacia, com águas de cor escura e
pH ligeiramente ácido (Galdean et al., 2000). Na bacia do rio Doce, ambiente similar
ocorre somente na drenagem do rio Piracicaba, em um pequeno afluente do rio Santa
Bárbara, cujas nascentes também se encontram na cadeia do Espinhaço.
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Figura 1 – Parte dos pontos de amostragem da ictiofauna na drenagem do rio Santo
Antônio, bacia do rio Doce, MG.
O rio Santo Antônio pode ser dividido em duas seções com características
fisiográficas distintas: o baixo curso, da foz até cerca de 47 km acima, apresenta menor
profundidade e declividade, além de leito recoberto predominantemente por areia. No
restante da drenagem o leito é principalmente rochoso, com extensas áreas de
corredeiras intercaladas com poções mais profundos. Dividindo essas seções do rio
encontram-se as duas maiores usinas hidrelétricas da bacia, Salto Grande e Porto
Estrela, cujo funcionamento foi iniciado em 1956 e 2001, respectivamente.
As precipitações totais variam entre 900 e 1500 mm anuais (INMET – Instituto
Nacional de Meteorologia, ( INMET -
http://www.inmet.gov.br/climatologia/combo_climatologia_C.html consultado em
2005). O período de chuvas se estende de novembro a março, com precipitação total
mensal que pode superar 500 mm, enquanto o período seco característico vai de maio a
setembro. Os meses de abril e outubro podem ser caracterizados como de transição entre
esses períodos (Hidroweb, http://hidroweb.ana.gov.br/ consultado em 2005)
rio Piraci
rio
Doc
erio
Doce
rio
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Corrente Grande
0 20
km
Cad
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pinh
aço
Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
Ferros
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Ipatinga
Antônio DiasItabira
Senhora daPenha
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BeloOriente
Conceição doMato Dentro
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do TanquerioPreto
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42o00’
19o30’
44o00’
v vv
Cadeia de montanhasCidadesCursos d’águaUHE’s implantadas
Pauninhara
Pontos de coleta18o30’
rio Piraci
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Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
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Antônio DiasItabira
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BeloOriente
Conceição doMato Dentro
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do TanquerioPreto
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S. Sebastião doRio Preto
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rio
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Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
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Itambé doMato Dentro
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Conceição doMato Dentro
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Cadeia de montanhasCidadesCursos d’águaUHE’s implantadas
Pauninhara
Pontos de coleta18o30’
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Segundo a classificação de Köppen e de acordo com a distribuição regional de
climas em Minas Gerais (Antunes, 1986), na maior parte da bacia do rio Santo Antônio
predomina o clima Cwa, definido como temperado chuvoso (mesotérmico), com
inverno seco e verão chuvoso.
Segundo IGAM (2005), o rio Santo Antônio a montante da confluência com o
rio Doce (estação RD 039), apresentou índice de qualidade das águas (IQA) no nível
médio nos anos de 2002 a 2004. Coliformes fecais e a turbidez foram os fatores que
mais contribuíram para o decréscimo dos valores de IQA, o qual apresenta correlação
negativa com o aumento da vazão. Deve-se destacar que esses resultados se referem
somente uma estação de amostragem localizada próximo à foz, sendo que o restante da
drenagem pode apresentar condição diferenciada.
Amostragem da ictiofauna
A área de estudo compreendeu toda a drenagem do rio Santo Antônio, desde sua
foz até os afluentes localizados nas áreas mais elevadas próximo às nascentes (Figura
1). No total foram feitos registros da ictiofauna em 61 pontos, sendo 27 localizados em
córregos e 34 na calha tanto do Santo Antônio e de seus maiores afluentes. Os dados
foram obtidos em amostragens distribuídas em períodos distintos ao longo dos anos de
1991-1996, 1999 e 2000-2005, sendo que a intensificação dos estudos foi conduzida
entre 2002 e 2005.
Adicionalmente às amostragens em campo conduzidas especificamente para esse
estudo, foram levantados todos os registros disponíveis de peixes coletados na bacia do
rio Santo Antônio e que possuem exemplares testemunhos depositados em museus que
mantêm suas coleções disponíveis para consulta através da rede mundial de
computadores (Internet): Museu Nacional (MNRJ), Museu de Zoologia da Universidade
de São Paulo (MZUSP) e Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (MCP). Os dados foram obtidos através de consultas ao
Projeto NEODAT III (http://www.mnrj.ufrj.br/search1c.htm) e ao Centro de Referência
em Informação Ambiental, CRIA
(http://splink.cria.org.br/simple_search?criaLANG=pt).
Coletas quantitativas na calha dos rios foram realizadas com redes de emalhar
com tamanhos de malha de 24, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 100 e 120 mm (medidos entre nós
opostos). As redes sempre foram armadas à tarde e retiradas na manhã do dia seguinte,
permanecendo na água por aproximadamente 12 horas. Nos córregos e ribeirões as
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amostragens foram realizadas com peneiras (malha 2 mm) e tarrafas (malha 3 e 5 cm),
artefatos que também foram empregados em rios maiores.
Todos os exemplares capturados foram separados por local de captura e
acondicionados em sacos plásticos e imediatamente fixados com formalina a 10%. No
laboratório os peixes foram identificados ao menor nível taxonômico possível e
medidos (comprimento padrão em mm), sendo então transferidos para álcool 70° GL.
Para a determinação taxonômica foram utilizados trabalhos que abordam a
ictiofauna da bacia do rio Doce, além de comparações com material disponível de outras
bacias que abrigam espécies similares. Algumas espécies foram mantidas com a
designação “cf.”, pois as diagnoses não permitiram reconhecer com exatidão os peixes
analisados. Alguns exemplares, mesmo após consulta a especialistas, continuaram sem
determinação específica, razão pela qual foram mantidos no nível genérico ou em
categoria taxonômica superior. Os nomes científicos e autores das espécies seguem
aqueles empregados nas descrições originais, atualizados através de Reis et al. (2003) e
Eschmeyer (1998), cuja obra pode ser consultada em:
http://www.calacademy.org/research/ichthyology/catalog/fishcatsearch.html.
A diferenciação entre espécies exóticas e nativas foi feita com base na literatura,
principalmente os trabalhos de Reis et al. (2003) e Alves et al. (no prelo).
Qualidade da água
Dados relativos à qualidade da água foram obtidos junto ao Sistema de
Informações Hidrológicas (Hidroweb) mantido pela Agência Nacional de Águas (ANA)
em http://hidroweb.ana.gov.br/. Deste banco de dados foram selecionados o pH,
temperatura da água (oC), oxigênio dissolvido (mg/l), sólidos totais em suspensão
(mg/l), condutividade (µs/cm), turbidez (NTU), coliformes totais e fecais (NMP/100ml).
A série temporal utilizada abrange os anos de 1993 a 2005, sendo que os dados foram
obtidos com periodicidade mínima semestral em cinco pontos localizados ao longo da
drenagem (Tabela I).
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Tabela I – Características das estações onde foram realizadas amostragens para
parâmetros físicos, químicos e biológicos na bacia do rio Santo Antônio.
Nome original da estação Dom Joaquim Fazenda Barraca Senhora do Porto
Conceição do Mato Dentro
Ferros Naque Velho
Código adotado nesse estudo
Peixe Tanque Guanhães Sto. Antônio 1 Sto. Antônio 2 Sto. Antônio 3
Rio do Peixe do Tanque Guanhães Santo Antônio Santo Antônio Santo Antônio
Município Dom Joaquim Ferros Senhora do Porto
Conceição do Mato Dentro
Ferros Açucena
Responsável/Operadora ANA/CPRM ANA/CPRM ANA/CPRM ANA/CPRM ANA/CPRM ANA/CPRM
Altitude (m) 648 482 581 501 477 240
Área de Drenagem (km2) 972 1280 1521 301 4058 10170
Fonte: Sistema de Informações Hidrológicas (Hidroweb) em http://hidroweb.ana.gov.br/
Para efeito comparativo com os dados referentes a ictiofauna, também foram
registradas as características de cada ponto de amostragem no que se refere a tipo de
curso d’água (córrego/ribeirão ou rio1), altitude (m) obtida através de GPS e confirmada
em cartas topográficas do IBGE na escala 1:50.000 e coloração da água.
Análise dos dados
Como indicador de riqueza foi utilizado o número total de espécies registrado
em cada ponto de amostragem.
O comprimento total máximo das espécies foi obtido em Reis et al. (2003) e
Froese & Pauly (2005), e quando não disponível foi utilizado dos exemplares
registrados durante os trabalhos. Dados foram expressos com base na distribuição de
freqüência de espécies por classes de tamanho considerando-se exóticas e nativas
separadamente.
Para cálculo da diversidade de espécies foi utilizado o índice de Shannon,
H' =−=∑ ( ) * (log )pi piS
n
i 1, onde: S = número total de espécies na amostra; i = espécie 1,
2 ... na amostra; pi = proporção de indivíduos da espécie i na amostra (Magurram,
1988). Para essa análise, foram utilizados somente os dados de capturas com redes de
emalhar, padronizados através das capturas por unidade de esforço (CPUE), utilizando a
equação ∑=
=12
4,2100*)/(
mEPmNiCPUEi , onde: CPUE = captura em número por unidade
1 As denominações para córrego/ribeirão e rio foram tomadas nas cartas topográficas editadas pelo IBGE. No primeiro caso se referem de forma geral a cursos d’água que não ultrapassam 5 metros de largura e pequena profundidade, enquanto ambientes maiores são reconhecidos como rios.
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de esforço para a espécie i; N = número total de exemplares da espécie i capturados na
malha m; Epm = esforço de pesca, que representa a área em m2 das redes de malha m;
m = tamanho da malha (2,4 a 12 cm). Esse procedimento foi necessário para
padronização dos dados, visto que o esforço de pesca foi diferente entre pontos de
coleta.
As diferenças nos valores de H’ entre áreas foram verificadas através de testes
não paramétricos (Kruskall-Wallis e Mann–Whitney), visto que os dados não atendiam
aos requisitos de distribuição normal e homogeneidade das variâncias
(homocedasticidade) para emprego de análises paramétricas (Zar, 1999).
A contaminação da drenagem por espécies exóticas foi determinada conforme
proposto em Alves et al. (no prelo), cujos resultados variam de 0 em comunidades sem
espécies exóticas até 1, onde somente existem espécies exóticas. A razão é expressa por
IC = E/N+E onde: IC = índice de contaminação, E = número de espécies exóticas, N =
número de espécies nativas.
Esse mesmo procedimento foi utilizado com modificações (nesse caso
substituindo espécies exóticas por endêmicas/raras/ameaçadas) para determinar a razão
entre espécies endêmicas/raras/ameaçadas e a riqueza total de espécies nativas em cada
um dos pontos de amostragem.
Para verificação da similaridade na composição em espécies entre áreas foi
utilizada a análise de agrupamento (cluster) pelo método de ligação completa
(Anderberg, 1973), com base em uma matriz de presença/ausência das espécies em cada
uma das drenagens consideradas. Como coeficiente de similaridade (medida de
distância), foi utilizado a Distância Euclidiana. Deve-se destacar que esse procedimento
analisa somente a composição de espécies entre as áreas, pois é dado peso igual para
todas as espécies, independente da abundância de cada uma.
O coeficiente de correlação de Pearson foi usado para expressar as relações entre
os dados das comunidades de peixes, altitudes e área da bacia, as quais demonstram em
parte a distribuição das espécies no eixo longitudinal e altitudinal dentro das drenagens.
Todas análises foram conduzidas utilizando o pacote STATISTICA versão 6
adotando o nível de significância estatística de 0,05.
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RESULTADOS
Ao longo do período de estudos foram obtidos registros de 9.912 exemplares,
sendo 7.355 oriundos das capturas realizadas e 2.557 referentes a registros em museus.
Esses exemplares se distribuíram por 71 espécies, 19 famílias e cinco ordens (Tabela
II). Dessas espécies, pouco mais de 50% são comuns a outras drenagens do leste
brasileiro e 20% são exóticas, enquanto um percentual que varia entre 1,5 e 8,5%
apresentou algum grau de endemismo ou estão ameaçadas de extinção (Tabela II e
Figura 2). Pouco mais de 18% das espécies permaneceram com determinação em nível
de gênero ou categoria superior e não puderam ser incluídas nas categorias definidas.
Figura 2 – Percentual de espécies de peixes registradas na bacia do rio Santo Antônio
entre 1989 e 2005, distribuídas por diferentes categorias.
As curvas cumulativas de espécies demonstram que houve um incremento
constante no número de espécies registradas ao longo dos anos de amostragem e que o
número total de espécies que ocorre na drenagem pode ainda não ter sido estabelecido
(Figura 3). Entretanto, o processo de adição de espécies nos últimos anos é mais
evidente para as exóticas, cujo aumento é marcante após 2002, quando as amostragens
foram intensificadas e passaram a cobrir a parte baixa da bacia, principalmente a jusante
da barragem da UHE de Salto Grande.
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Figura 3 – Curvas cumulativas de espécies (nativas, exóticas e o total) registradas na
bacia do rio Santo Antônio entre 1989-2005.
Tabela II - Espécies de peixes registradas na bacia do rio Santo Antônio no período de
1989-2005, com suas respectivas categorias relacionadas à distribuição geográfica: (1)
comuns a outras bacias do leste brasileiro; (2) exóticas; (3) no rio Doce ocorre somente
no Santo Antônio; (4) ameaçadas de extinção; (5) endêmica do rio Doce; (6) endêmica
do Santo Antônio e (7) sem dados Ordem Família Espécie Autor / ano Categorias
Characiformes Anostomidae Leporinus conirostris Steindachner 1875 1
Leporinus copelandii Steindachner 1875 1
Leporinus macrocephalus Garavello & Britski 1988 2
Leporinus mormyrops Steindachner 1875 1
Leporinus thayeri Borodin 1929 1, 3, 4
Characidae Astyanax bimaculatus (Linnaeus 1758) 1
Astyanax fasciatus (Cuvier 1819) 1
Astyanax scabripinnis (Jenyns 1842) 1
Astyanax sp. - 7
Astyanax taeniatus (Jenyns 1842) 1
Brycon devillei (Castelnau 1855) 1, 4
Brycon opalinus (Cuvier 1819) 1, 4
Deuterodon pedri Eigenmann 1908 5
Hasemania sp. - 7
Henochilus wheatlandii Garman, 1890 4, 6
Knodus sp. - 7
Moenkhausia doceanus (Steindachner 1877) 1
Oligosarcus argenteus Guenter 1864 1
Continua...
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Tabela II - Espécies de peixes registradas na bacia do rio Santo Antônio no período de
1989-2005, com suas respectivas categorias relacionadas à distribuição geográfica: (1)
comuns a outras bacias do leste brasileiro; (2) exóticas; (3) no rio Doce ocorre somente
no Santo Antônio; (4) ameaçadas de extinção; (5) endêmica do rio Doce; (6) endêmica
do Santo Antônio e (7) sem dados. continuação....
Ordem Família Espécie Autor / ano Categorias
Characidae Piaractus mesopotamicus (Holmberg 1887) 2
Pygocentrus nattereri Kner 1858 2
Salminus brasiliensis (Cuvier 1816) 2
Serrapinnus cf. heterodon (Eigenmann 1915) 1
Characidae gen e sp. nova - 3
Crenuchidae Characidium cf. timbuiensis Travassos 1946 1
Curimatidae Cyphocharax gilbert (Quoy & Gaimard 1824) 1
Erythrinidae Hoplias lacerdae Ribeiro 1908 1
Hoplias malabaricus (Bloch 1794) 1
Prochilodontidae Prochilodus costatus (Cuvier & Valenciennes 1849) 2
Prochilodus vimboides Kner 1859 1
Cyprinodontiformes Poeciliidae Poecilia reticulata Peters 1859 2
Poecilia vivipara Bloch & Schneider 1801 1
Phalloceros caudimaculatus (Hensel 1868). 1
Gymnotiformes Gymnotidae Gymnotus carapo Linnaeus 1758 1
Sternopygidae Sternopygus cf. macrurus (Bloch & Schneider 1801) 1, 3
Perciformes Cichlidae Cichlasoma facetum (Jenyns 1842) 1
Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard 1824) 1
Oreochromis niloticus (Linnaeus 1758) 2
Tilapia rendalli (Boulenger 1897) 2
Sciaenidae Pachyurus adspersus (Steindachner 1878) 1
Siluriformes Auchenipteridae Glanidium cf. melanopterum Miranda-Ribeiro 1918 1
Pseudauchenipterus affinis (Steindachner 1877) 1
Trachelyopterus striatulus (Steindachner 1876) 1
Callichthyidae Callichthys callichthys Linnaeus 1758) 1
Hoplosternum littoralle (Hancock 1828) 2
Clariidae Clarias gariepinnus (Burchell 1822) 2
Heptapteridae Imparfinis sp. - 7
Pimelodella sp. - 7
Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard 1824) 1
Loricariidae Delturus carinotus (LaMonte 1933) 5
Harttia sp. - 7
Hemipsillichthys sp. A - 7
Hemipsillichthys sp. B - 7
Hemipsillichthys sp. C - 3
Hypostominae gên. e sp. novos - 7
Hypostomus affinis (Steindachner 1875) 1
Continua...
Page 35
35
Tabela II - Espécies de peixes registradas na bacia do rio Santo Antônio no período de
1989-2005, com suas respectivas categorias relacionadas à distribuição geográfica: (1)
comuns a outras bacias do leste brasileiro; (2) exóticas; (3) no rio Doce ocorre somente
no Santo Antônio; (4) ameaçadas de extinção; (5) endêmica do rio Doce; (6) endêmica
do Santo Antônio e (7) sem dados. continuação....
Ordem Família Espécie Autor / ano Categorias
Loricariidae Hypostomus luetkeni (Steindachner 1877) 1
Loricariichthys castaneus (Castelnau 1855) 1
Neoplecostomus sp. - 7
Parotocinclus sp. - 7
Pogonopoma wertheimeri (Steindachner 1867) 2
Rineloricaria sp. - 7
Pimelodidae Lophiosilurus alexandri (Steindachner 1876) 2
Pimelodus maculatus Lacepède 1803 2
Pseudoplatystoma sp. - 2
Steindachneridion doceanum (Eigenmann & Eigenmann 1889) 4,5
Pseudopimelodidae Microglanis sp. - 3
Trichomycteridae Trichomycterus cf. alternatus (Eigenmann 1917) 1
Trichomycterus cf. brasiliensis Lütken 1874 1
Trichomycterus cf. immaculatus (Eigenmann & Eigenmann 1889) 1
Trichomycterus sp. A - 3
Trichomycterus sp. B - 7
A ordenação das espécies mais abundantes é diferenciada entre as áreas de
jusante e montante da barragem de Salto Grande (Figura 4). Entretanto, nessas duas
regiões predominaram characiformes de pequeno porte (<15 cm), notadamente
Astyanax spp., Deuterodon pedri, Hasemania sp e Oligosarcus argenteus. Entre as
espécies exóticas, as que apresentaram maiores abundâncias foram o barrigudinho
(Poecilia reticulata) e a tilápia (Oreochromis niloticus), respectivamente a montante e
jusante da UHE Salto Grande.
Page 36
36
Figura 4 - Curva espécie-abundância em relação ao número total de indivíduos (%)
registrados na drenagem do rio Santo Antônio a montante (A) e jusante (B) da UHE
Salto Grande.
Os valores de diversidade de espécies, representados pelo índice de Shannon,
demonstraram diferença significativa entre as subdrenagens amostradas (Kruskal-Wallis
- Diversidade - H': (5,31) = 17,7, p < 0,05) (Figura 5). O rio do Peixe e a calha do rio
Santo Antônio a montante da barragem de Salto Grande se destacaram como os pontos
com maiores valores médios, enquanto os rios Guanhães e do Tanque registraram os
menores valores de diversidade. No rio Preto do Itambé e Santo Antônio jusante os
valores foram intermediários.
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37
Preto do ItambéPeixe
GuanhãesTanque
Sto. Antônio (montante)Sto. Antônio (jusante)
Rios
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
2,2
2,4
2,6
2,8
3,0
Div
ersi
dade
(H')
Média ± Desvio padrão Mín-Máx
b, c a, b
c
b, c
a
c
Figura 5 – Índice de diversidade de Shannon (H’) nos afluentes e na calha do rio Santo
Antônio, sendo que este último foi individualizado nos trechos de montante e jusante da
barragem da UHE Salto Grande. Letras diferentes indicam diferenças significativas
(p < 0,05) entre os pares.
Na bacia estão representadas espécies nativas com comprimentos totais quando
adultas que variam de 5 cm (ex.: Poecilia vivipara e Phalloceros caudimaculatus) a 1
metro (Steindachneridion doceanum), com maiores freqüências nas classes até 20 cm
(Figura 6). Para as espécies exóticas esse padrão é diferente, pois praticamente todas as
espécies quando adultas possuem comprimentos superiores a 25 cm. A única exceção é
representada pelo barrigudinho (Poecilia reticulata), que se encontra disseminado por
toda a drenagem, tanto nos rios como nos córregos.
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38
Classes de comprimento total máximo (cm)
Núm
ero
de e
spéc
ies
nativ
as
0
4
8
12
16
20
exót
icas
10 20 30 40 500
4
8
12
16
20
n = 14
n = 57
> 50<
Figura 6 – Distribuição de freqüência por classes de comprimento total máximo
alcançado pelas espécies nativas (A) e exóticas (B) registradas na bacia do rio Santo
Antônio.
Observa-se que o trecho localizado a montante da barragem da UHE Salto
Grande, que representa aproximadamente 83% da bacia do rio Santo Antônio, abriga
mais de 80% das espécies nativas e ameaçadas/endêmicas. Para as espécies exóticas
esse padrão é inverso, com somente cerca de 28% delas ocorrendo nesse trecho do rio
(Figura 7).
As espécies endêmicas/ameaçadas registradas exclusivamente a jusante da
barragem são a piabanha (Brycon devillei) e um pequeno bagre (Microglanis sp.), que
estão restritos a calha do Santo Antônio e ao ribeirão Pitangas, respectivamente. A
ocorrência do andirá (Henochilus wheatlandii) nesse trecho do rio foi considerada
acidental e relacionada às cheias, quando alguns exemplares passam para jusante do
barramento através do vertedouro, área onde não existem populações estabelecidas.
A jusante da UHE Salto Grande foram registradas todas as 14 espécies exóticas
confirmadas para a bacia, entre as quais estão o dourado (Salminus brasiliensis), o
pacumã (Lophiosilurus alexandri), a piranha (Pygocentrus nattereri), o bagre-africano
A
B
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39
(Clarias gariepinus) e o surubim-ponto-e-vírgula ou cachara (Pseudoplatystoma
corruscan X P. fasciatum), que são piscívoros de médio a grande porte. Entre as
espécies exóticas registradas a montante, somente o bagre-africano e o cachara
encontram-se na categoria de grandes piscívoros.
% d
e es
péci
esA
mea
çada
s/E
ndêm
icas
0
20
40
60
80
100
Exó
ticas
0
20
40
60
80
100
Área da drenagem (%)
Nat
ivas
0 20 40 60 80 100
.
0
20
40
60
80
100
montante jusante
n = 57
n = 14
n = 12
Figura 7 – Percentual de espécies nativas, exóticas e ameaçadas/endêmicas em função
da área total de drenagem do rio Santo Antônio e em relação ao trecho de jusante e
montante da UHE Salto Grande.
A riqueza de espécies nativas foi fortemente influenciada pela altitude, uma vez
que apresentou correlação negativa significativa tanto nos ambientes amostrados nas
calhas dos rios (r = - 0,59; p = 0,0003; n = 33) (Figura 8A), como nos córregos
(r = - 0,53; p = 0,0056; n = 26) (Figura 8B).
Page 40
40
100 200 300 400 500 600 700
Altitude (m)
0
5
10
15
20
25
30
35
Riq
ueza
de
espé
cies
r = - 0,5901 p < 0,001A
200 300 400 500 600 700 800
Altitude (m)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
Riq
ueza
de
espé
cies
r = - 0,527 p < 0,01
B
Figura 8 – Relação entre altitude e riqueza de espécies para os ambientes amostrados na
bacia do rio Santo Antônio: rios (A) e córregos (B)
A distribuição de espécies exóticas foi expressa pelo índice de contaminação
(IC), que mostrou correlação negativa significativa em relação à altitude para a calha
dos rios (r = -0,69, p < 0,001; n = 27). (Figura 9A). Porém essa condição não foi
registrada nos córregos (r = 0,09, p = 0,64; n = 27) (Figura 9B), onde foram registradas
somente duas espécies (Poecilia reticulata e Tilapia rendalli).
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41
100 200 300 400 500 600 700
Altitude (m)
-0,05
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
Índi
ce d
e co
ntam
inaç
ão p
or e
xótic
os (IC
)
r = -,695 p < 0,001
A
200 300 400 500 600 700 800
Altitude (m)
-0,05
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
Índi
ce d
e co
ntam
inaç
ão p
or e
xótic
os (IC
) r = ,093 p > 0,05
B
Figura 9 – Relação entre altitude e o índice de contaminação por espécies exóticas (IC)
para rios (A) e córregos (B) na bacia do rio Santo Antônio.
A razão entre espécies endêmicas/ameaçadas em relação à riqueza total de
nativas não mostrou correlação significativa com a altitude (r = 0,15; p = 0,42; n = 28)
(Figura 10). Entretanto, proporções de espécies endêmicas/ameaçadas superiores a 15%
da comunidade foram encontradas somente em pontos localizados em altitudes
superiores a 450 m, como o curso médio do rio Santo Antônio e o baixo de grandes
afluentes, como o rio do Peixe e Preto do Itambé. Estas regiões estão todas localizadas
acima do barramento da UHE Salto Grande.
Page 42
42
100 200 300 400 500 600 700
Altitude (m)
-0,05
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
Raz
ão
r = ,148 p > 0,05
Figura 10 – Relação entre a razão de espécies endêmicas-ameaçadas/nativas e a altitude
em ambientes localizados na calha dos rios amostrados na bacia do rio Santo Antônio.
A análise de similaridade indicou que a bacia do rio Santo Antônio abriga
assembléias de peixes distintas, as quais se distribuem de forma diferenciada nos
ambientes (córregos – rios – reservatórios) e ao longo do eixo longitudinal da calha
principal (Figura 11). Quatro agrupamentos foram evidenciados: 1) todos os córregos
localizados a montante da barragem da UHE Salto Grande mais os rios Guanhães e
Tanque; 2) O rio Santo Antônio a jusante desse barramento; 3) O reservatório de Salto
Grande, no braço alagado do rio Guanhães e 4) Os rios Santo Antônio, Preto do Itambé
e Peixe, mais os córregos que drenam diretamente para o Santo Antônio na parte baixa
da bacia.
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2 3 4 5 6 7 8
Distância Euclidiana
Sto. Antônio-rio-jus .
Guanhães-rio-mont .
Tanque-rio-mont .
Tanque-cór-mont .
Preto Itambé-cór-mont .
Peixe-cór-mont .
Sto. Antônio-cór-mont .
Guanhães-cór-mont .
Guanhães-reservatório-mont .
Sto. Antônio-rio-mont .
Preto Itambé-rio-mont .
Peixe-rio-mont .
Sto. Antônio-cór-jus .
Figura 11 – Dendrograma obtido através da análise de cluster baseada nos dados de
presença-ausência das espécies entre ambientes (rios – córregos - reservatório) nos
afluentes e na calha do rio Santo Antônio, sendo que este último foi individualizado nos
trechos de montante e jusante da barragem da UHE Salto Grande.
Dados físicos, químicos e biológicos referentes à qualidade da água na bacia
indicaram alterações marcantes entre os períodos de chuva e seca nos rios analisados
(Figura 12). Assim, temperatura da água, sólidos totais em suspensão, turbidez,
coliformes totais e fecais aumentaram com as chuvas, enquanto o pH e teores de
oxigênio dissolvido diminuiram. Dados de condutividade atingiram valores máximos
em todos os pontos sempre no período de seca, fato também registrado quando se
consideram os percentis 75%, exceto para os rios Guanhães e Peixe.
Em relação aos rios, são marcantes as diferenças na calha do rio Santo
Antônio, representado por três pontos de amostragem no sentido longitudinal, onde
todos os parâmetros avaliados tiveram seus valores aumentados no sentido da nascente
para a foz, padrão que se repete independente do período do ano. Nas demais drenagens,
rios do Peixe, Tanque e Guanhães, as alterações mais importantes foram para coliformes
totais e fecais, que apresentaram valores mais elevados nos dois últimos e sempre
relacionados ao período de chuvas (Figura 12).
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44
GuanhãesPeixe
TanqueSto. Antônio 1
Sto. Antônio 2Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
12
14
16
18
20
22
24
26
28
30
32
o C
A
Guanhães
PeixeTanque
Sto. Antônio 1Sto. Antônio 2
Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
6,0
6,5
7,0
7,5
8,0
8,5
9,0
9,5
10,0
10,5
mg/
l
B
GuanhãesPeixe
TanqueSto. Antônio 1
Sto. Antônio 2Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
5,6
5,8
6,0
6,2
6,4
6,6
6,8
7,0
7,2
7,4
7,6
7,8
8,0
pH
C
Guanhães
PeixeTanque
Sto. Antônio 1Sto. Antônio 2
Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
0
50
100
150
200
250
300
350
400
mg/
l
D
GuanhãesPeixe
TanqueSto. Antônio 1
Sto. Antônio 2Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
0
15
30
45
60
75
90
105
120
NTU
E
Guanhães
PeixeTanque
Sto. Antônio 1Sto. Antônio 2
Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
µS/c
m
F
GuanhãesPeixe
TanqueSto. Antônio 1
Sto. Antônio 2Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
90000
NM
P/10
0 m
l
G
Guanhães
PeixeTanque
Sto. Antônio 1Sto. Antônio 2
Sto. Antônio 3
Estações de coleta de dados (rios)
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
NM
P/10
0 m
l
H
Figura 12 - Parâmetros físicos, químicos e biológicos referentes à qualidade de água na bacia
do rio Santo Antônio (1993-2005). (A) temperatura da água, (B) oxigênio dissolvido, (C) pH,
(D) sólidos totais em suspensão, (E) turbidez, (F) condutividade, (G) coliformes totais e (H)
coliformes fecais. Barras transparentes (período chuvoso) e hachuradas (período seco)
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45
DISCUSSÃO
A drenagem do rio Santo Antônio, embora represente menos de 13% de toda
a área da bacia do rio Doce, abriga parte expressiva da fauna de peixes nativos, visto
que mais de 89% (57 sp.) das espécies registradas para o rio Doce em Minas Gerais
(Drummond et al., 2005) estão aí representadas. Essa situação contrasta com outros rios
afluentes do rio Doce que possuem inventários sistematizados da ictiofauna. Um desses,
o rio Piracicaba (6,7% da bacia do rio Doce), que drena áreas altamente populosas e
industrializadas abriga somente 25 espécies de peixes entre nativas e exóticas (Barbosa
et al., 1997, Vieira et al., 2000; obs. pes.). Mesmo sistemas localizados nas áreas mais
preservadas da bacia do rio Doce e estudados ao longo de vários anos, como os lagos
existentes dentro do Parque Estadual do Rio Doce e entorno (Sunaga & Verani, 1991;
Vieira, 1994; Godinho, 1996; Vono & Barbosa, 2001; Latini & Petrere-Jr., 2004;
Espíndola et al., 2005), não abrigam em seu conjunto mais que 38% da ictiofauna nativa
registrada na bacia dentro do estado de Minas Gerais.
Apesar do número de espécies não depender exclusivamente da área de uma
bacia, relações do tipo espécie/área foram demonstradas para diversos grupos (Ricklefs,
1996), representando um parâmetro útil para estabelecer indicativo inicial do número de
espécies passíveis de ocorrer em uma determinada área e para se identificar regiões
onde o esforço de coleta empregado não tenha sido adequado. Embora baseado em um
banco de dados hoje desatualizado, é possível avaliar quão expressiva é a riqueza de
espécies de peixes nativos na drenagem do rio Santo Antônio através da fórmula
proposta por Welcomme (1985), para rios sul-americanos {N = 0.169 x A0,552, onde: N
= número de espécies esperado para a bacia; A = área da bacia em km2}. O resultado
obtido com o emprego dessa equação indica um total esperado de 28 espécies de peixes
para o rio Santo Antônio (10.390 km2), enquanto os dados demonstraram valor maior
que o dobro (57 sp.).
Embora em uma bacia com este tamanho o inventário não possa ser dado por
encerrado com esse estudo, os dados expressos através da curva do coletor
demonstraram tendência à estabilização para o número de espécies nativas a partir do
ano de 2003, confirmando um esforço amostral compatível para a drenagem. O
incremento observado nos últimos três anos de amostragem se refere quase que
exclusivamente aos registros de espécies exóticas, em sua maioria ocorrendo à jusante
do barramento da UHE Salto Grande.
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46
Outro fato que deve ser considerado é que em toda a bacia do rio Doce, somente
no rio Santo Antônio existem registros atuais do timburé (Leporinus thayeri), do sarapó
(Sternopygus cf. macrurus), de um pequeno bagre (Microglanis sp.) e de um lambari,
cujo gênero e espécie ainda não foram descritos. Adicionalmente, abriga a maior
população conhecida da pirapitinga (Brycon opalinus) e do andirá (Henochilus
wheatlandii), ambos ameaçados de extinção (Rosa & Lima, 2005), sendo o último
endêmico dessa bacia e ocorrendo exclusivamente no trecho localizado a montante da
barragem da UHE Salto Grande (Vieira et al., 2000, Vieira & Alves, 2001; Castro et al.,
2004). Assim, independente dos novos registros de espécies que possam ocorrer, os
resultados obtidos corroboram a indicação de que parte dessa drenagem apresenta
elevada importância para conservação da diversidade de peixes do leste brasileiro
(Conservation International, 2000b; Drummond et al., 2005).
Não foi encontrada uma explicação a priori para o número relativamente
elevado de espécies endêmicas ou com registros exclusivos no rio Santo Antônio (H.
wheatlandii, L. thayeri, S. cf. macrurus, Microglanis sp. entre outras), condição que até
o presente não é aplicável a outras áreas estudadas na bacia do rio Doce e que pode ser
uma característica intrínseca da drenagem. Entretanto, a presença de parcela
significativa dessas espécies somente a montante da UHE Salto Grande foi um dos
elementos determinantes para os resultados obtidos, apesar de novos estudos serem
necessários em outras drenagens do rio Doce para corroborar os resultados aqui
encontrados.
A ictiofauna nativa do rio Santo Antônio foi representada predominantemente
por espécies de porte pequeno, ou seja, mais de 60% não alcançam tamanhos superiores
a 20 cm quando adultas. Entre essas, se destacam vários lambaris do gênero Astyanax,
que estão entre as espécies numericamente mais abundantes nas comunidades
amostradas ao longo da drenagem. O predomínio da ictiofauna de pequeno porte é uma
característica que pode ser estendida para a bacia do rio Doce e também é compartilhada
com outros rios do leste brasileiro, como o Mucuri (Pompeu, 2005), Paraíba do Sul
(Bizerril, 1994; Bizerril & Primo, 2001), Jequitinhonha (Godinho et al., 1999; Bizerril
& Lima, 2005) e Ribeira do Iguape (Oyakawa et al., 2006). Esse padrão só é alterado
em trechos dessas bacias mais próximos ao mar devido à ocorrência de peixes
diádromos de maior porte, como os robalos (Centropomus spp.), o tarpão (Megalops
atlanticus), os xaréus (Caranx spp.), entre outros.
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47
Nas bacias do leste brasileiro, a predominância marcante de espécies de
menor porte pode ter contribuído para inúmeras introduções de peixes exóticos ao longo
dos anos. Essa condição possui relação com os órgãos responsáveis pelo fomento da
pesca (e.g., antiga SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca), que
adotaram a premissa básica do aumento da produtividade pesqueira, obtida geralmente
com liberação de espécies que alcançam grande porte e proporcionam maiores
rendimentos com as capturas (Welcomme, 1988; Alves et al., no prelo).
Adicionalmente, a degradação ambiental dessas drenagens associada ao declínio das
espécies nativas exploradas na pesca artesanal também foram fatores que culminaram
para a situação presente (Alves et al., no prelo; obs. pes.). Como resultado, na
atualidade as espécies exóticas registradas no rio Santo Antônio são todas de tamanhos
superiores a 20 cm, exceção feita ao barrigudinho (Poecilia reticulata). Entre as
espécies de grande porte estão o bagre-africano (Clarias gariepinnus) e o cachara
(Pseudoplatystoma sp.), que atingem tamanhos máximos superiores à maior espécie
nativa do rio Doce, o surubim (Stendachneridion doceanum).
A substituição gradual e contínua da biota nativa por espécies cosmopolitas e
exóticas é um processo global, usualmente como um resultado de introduções por
humanos, que diminui a distinção da fauna e flora entre regiões e apresenta
conseqüências genéticas, taxonômicas e funcionais nos sistemas onde se processa
(Olden et al., 2004). Na literatura é tratado como homogeneização biótica (McKinney &
Lockwood, 1999; Rahel, 2002; Olden et al., 2005), constituindo um processo em
expansão e ligado diretamente ao domínio humano sobre praticamente todos os
ecossistemas (Vitousek et al., 1997). Segundo Angermeier (1994), a diversidade pode
ser ampliada artificialmente em qualquer nível organizacional, incluindo o genoma
(pela transferência de genes), comunidades (por espécies exóticas) e paisagens (por
fragmentação). Entretanto, mesmo quando se verifica que a biodiversidade foi ampliada
por introduções de espécies, esse aumento freqüentemente inclui taxa que já são
amplamente difundidos, tolerantes a hábitats degradados e em alguns casos
representando pragas (Angermeier, 1994, Pimentel et al., 2000; Scott & Helfman,
2001).
Na bacia do rio Doce, o longo processo de introdução de espécies exóticas
culminou com alterações substanciais nas comunidades de peixes ao longo de várias
drenagens formadoras, resultando em poucas oportunidades de selecionar áreas para
conservação e manutenção da ictiofauna nativa (Marques & Barbosa, 2002; Drummond
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48
et al., 2005). No rio Santo Antônio, isso ficou evidente no trecho localizado a jusante da
UHE Salto Grande, cujas características fisiográficas e ligação direta com a calha do rio
Doce permitiram a colonização por um elenco variado de peixes exóticos. Nessa área
não foram estabelecidas até o presente relações de causa-efeito em que essas espécies
alterassem as comunidades de peixes nativos, ou mesmo induzissem extinções locais.
Entretanto, essa constatação parece estar relacionada mais à ausência de estudos
específicos que uma realidade local, pois em áreas em que esses foram desenvolvidos
verificaram-se relações negativas advindas da substituição da fauna nativa por peixes
exóticos (Godinho & Formagio, 1992; Godinho et al., 1994; Alves et al., no prelo).
Desse modo, não é possível prever sob quais condições futuras serão mantidas as
comunidades de peixes nesse trecho da drenagem, principalmente após a disseminação
mais recente de grandes piscívoros como Clarias gariepinnus (Alves et al., 1999) e
Pseudoplatystoma sp. (Vieira & Pompeu, 2001).
A ictiofauna do rio Santo Antônio apresentou padrão de riqueza de espécies
nativas relacionado a altitude, independente do ambiente considerado, rios ou córregos.
Assim, constatou-se que o número de espécies nativas decresce à medida que se
direciona para as cabeceiras, padrão esse que tem sido descrito para diferentes sistemas
de rios (Balon & Stewart, 1983; Ibarra & Stewart, 1989; Fu et al., 2004; Braga &
Andrade, 2005). Entretanto, para as espécies exóticas foi registrada correlação negativa
do índice de contaminação (IC) e altitude somente nos ambientes de rios. Para essas
espécies, a dispersão ao longo da calha do rio Santo Antônio foi influenciada pela
presença da barragem da UHE Salto Grande, que representa o limite para os
deslocamentos de qualquer espécie que se distribua no baixo curso dessa drenagem e no
rio Doce, e em última análise determinou o grande número de peixes exóticos
registrados a jusante da mesma.
Nos ambientes de córregos, embora se tenham registrado valores de IC
maiores que os observados na calha dos rios, foram encontradas somente duas espécies
exóticas, a tilápia (Tilapia rendalli) e o barrigudinho (Poecilia reticulata). Dessa forma,
maiores valores de IC foram obtidos em função do menor número de espécies nativas
presentes nestes ambientes, e não pelo número elevado de espécies exóticas que os
colonizam. Esses resultados demonstraram que os córregos são restritivos para a
maioria dos peixes exóticos existentes na bacia, sendo essa restrição atribuida à
preponderância de espécies de porte grande que ocorrem na drenagem, as quais não
encontram condições adequadas para manterem populações em cursos de água menores.
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Apesar de se ter constatado que os córregos foram colonizados por poucas
espécies exóticas, em algumas situações os impactos negativos proporcionados por
essas espécies nesses ambientes podem ser mais acentuados para a fauna nativa que
aqueles registrados em rios. De modo geral, córregos possuem microhábitats específicos
e com espécies endêmicas, sendo muitas vezes de distribuição restrita a pequenos
trechos (Buckup, 1996), fato verificado na drenagem em estudo. Dessa forma,
alterações nas características ambientais originais desses ambientes podem favorecer a
expansão das populações de exóticos generalistas em detrimento das espécies nativas
com requerimentos específicos, condição que pode culminar com eventos de extinção
local, como relatado para outros sistemas (Bayley & Li, 1992; Scott & Helfman, 2001).
Para as espécies endêmicas/ameaçadas de extinção, a maior riqueza relativa
foi registrada em altitudes intermediárias (acima de 450 m), condição também relatada
em sistema distinto do estudado (Fu et al., 2004). No rio Santo Antônio esse resultado
guarda relações com os seguintes fatores: i) número relativamente elevado de espécies
com registros exclusivos em segmentos específicos da drenagem; ii) maior
complexidade estrutural em altitudes intermediárias; iii) qualidade ambiental e iv)
conectividade longitudinal da drenagem.
Ecossistemas lóticos são caracterizados por gradientes ambientais
multidimensionais (Ward, 1989), sendo que na dimensão longitudinal, a altitude e as
diferentes unidades fisiográficas conferem heterogeneidade espacial à bacia (Ward &
Tockner, 2001). Adicionalmente, a qualidade física e química das águas representa
outro fator responsável pela manutenção da biodiversidade dentro de uma drenagem
(Marques & Barbosa, 2002). O trecho a montante da UHE Salto Grande inclui rios de
diferentes dimensões e com um mosaico de ambientes (corredeiras, cachoeiras, poções,
reservatórios), que em conjunto conferem estrutura altamente heterogênea à paisagem.
Nessa região, a qualidade física e química da água mostrou diferenças mais acentuadas
no que se refere ao aspecto sazonal de seca e chuva que na zonação longitudinal,
embora essa tenha sido evidenciada nas três estações localizadas ao longo da calha do
rio Santo Antônio. As alterações longitudinais e temporais nos parâmetos físicos e
químicos estão de acordo com o previsto pelas teorias do “continuum fluvial” e do
“pulso de inundação”, as quais também incluem mudanças nas comunidades bióticas
(Vannote et al., 1980; Junk et al., 1989; Allan, 1995). Embora tenham sido verificadas
diferenças sazonais e na dimensão longitudinal, os valores obtidos para todos os
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50
parâmetros físicos e químicos não indicaram condições que possam ser caracterizadas
como limitantes para as espécies de peixes que ocorrem na bacia.
De uma forma geral, a melhor qualidade física e química da água pode ser
atribuída à baixa densidade populacional em grande parte da bacia, predominância de
atividades agro-pastoris e alta capacidade de depuração apresentada pelos extensos
trechos de corredeiras a montante da UHE Salto Grande. Entretanto, somente a
qualidade física e química da água adequada para peixes não representou
necessariamente maior representatividade da ictiofauna em uma determinada área. Esse
fato foi observado nos rios do Tanque e Guanhães, onde se constatou as maiores
diferenças para os coliformes totais e fecais e onde foram registrados os menores
valores de diversidade de espécies. Nessas duas drenagens, excetuando o trecho do rio
Guanhães alagado pelo reservatório da UHE Salto Grande, não foram registradas
espécies ameaçadas como H. wheatlandii, L. tahyeri e B. opalinus, relativamente
comuns nas outras seções de rio.
O último fator se refere à conectividade longitudinal, condição considerada
essencial para manutenção da biodiversidade em rios e cuja perda pode alterar a
viabilidade de populações de espécies nativas (Allan & Flecker, 1993; Abell et al.,
2002; Wiens, 2002). A construção de barragens representa um dos principais elementos
responsáveis pela perda de conectividade em ambientes de rios e está associada ao
declínio da biodiversidade em ecossistemas aquáticos continentais brasileiros
(Agostinho et al., 2005). Entretanto, no rio Santo Antônio, a descontinuidade
longitudinal proporcionada pela barragem da UHE Salto Grande, que entrou em
operação em 1956 e manteve o trecho médio-alto da bacia isolado, parece ter sido o
elemento de importância primária na manutenção de uma ictiofauna bastante
diversificada e com baixo grau de contaminação por espécies exóticas. Esse fato ainda
guarda estreita relação com a extensão do trecho de rio que ficou isolado, o qual
representa cerca de 80% da bacia e ao que tudo indica foi suficiente para que as espécies
nativas se mantivessem.
A importância desse barramento no processo de isolamento pode ser ilustrada
pela distribuição do dourado (Salminus brasiliensis = S. maxillosus), espécie
introduzida no rio Doce pelo Instituto de Caça e Pesca após sua aclimatação na estação
de piscicultura de Aimorés, MG (Ruschi, 1965). Sua dispersão se deu por praticamente
toda a bacia do rio Doce, excetuando-se algumas áreas de cabeceiras, cujo acesso foi
impedido por obstáculos naturais ou por barragens, caso do rio Santo Antônio. Dessa
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51
forma, até o presente a barragem da UHE Salto Grande representou um impedimento
efetivo na dispersão natural de qualquer espécie introduzida na partes baixas da
drenagem. Sob esse aspecto, o cumprimento literal da lei estadual sobre transposição de
peixes (Minas Gerais, 1997) representaria um fator decisivo na dispersão das espécies
exóticas para o trecho de montante do barramento, razão pela qual foi recomendado que
esse processo não fosse efetivado (obs. pes.).
Entretanto, a integridade da ictiofauna no alto-médio rio Santo Antônio,
proporcionada pelo isolamento foi alterada em anos mais recentes com a introdução de
grandes piscívoros como o cachara (Pseudoplatystoma corruscans X P. fasciatum) e o
bagre-africano (Clarias gariepinnus). A primeira é mantida em uma piscicultura
comercial na drenagem do rio do Tanque (Coelho & Cyrino, 2006), de onde se
disseminou para a drenagem após escapes dos tanques-redes, enquanto a segunda é
oriunda de fugas de tanques de criação e de estabelecimentos do tipo pesque e pague. O
impacto dessas espécies para a ictiofauna nativa nesse trecho do rio Santo Antônio
ainda é desconhecido e necessita de análises futuras.
Os resultados obtidos evidenciaram que o rio Santo Antônio embora
representando 12,6% da bacia do rio Doce, mantêm número de espécies de peixes mais
expressivo que qualquer outro afluente estudado até o presente. Entre essas espécies
várias, são endêmicas ou de ocorrência restrita à drenagem, fato que demonstra a
importância da mesma como área mantenedora de biodiversidade nas bacias do leste
brasileiro. Essa condição deixou claro que alterações como a construção de novas usinas
hidrelétricas, principalmente em algumas seções das drenagens a montante da UHE
Salto Grande, podem ter conseqüências que extrapolam análises de impactos ambientais
desenvolvidas em nível local e deverão representar o empobrecimento da ictiofauna ou
mesmo extinção de espécies. Adicionalmente, as estratégias atuais disponíveis e
adotadas para a mitigação dos impactos negativos de barragens (transposição de peixes,
repovoamentos e outros), não deverão ser suficientes para garantir a diversidade de
peixes atual. Essa constatação está relacionada às alterações estruturais na drenagem,
principalmente a fragmentação e supressão de áreas lóticas que, conforme demonstrado,
são requisitos essenciais para a maior parte da ictiofauna.
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DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E ASPECTOS DA ECOLOGIA DE PEIXES
AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO,
BACIA DO RIO DOCE, MG
RESUMO
Foram analisadas cinco espécies de peixes ameaçados de extinção que possuem
distribuição na drenagem do rio Santo Antônio. Os dados foram obtidos em trabalhos de
campo e registros em museus, cobrindo uma série temporal entre os anos de 1989 e
2005. Todas as espécies apresentaram distribuição restrita a ambientes lóticos, em rios
com larguras superiores a 10 m e em altitudes de até 670 metros. Brycon devillei e
Steindachneridion doceanum não foram avaliados quanto a aspectos da biologia por
serem muito raras e terem baixa representividade nas amostragens. Henochilus
wheatlandii é uma espécie de grande porte que possui crescimento isométrico e cuja
dieta muda de invertebrados bentônicos para frutos e podostemáceas ao longo do
desenvolvimento ontogenético. Brycon opalinus também apresenta crescimento
isométrico e apresentou dieta onívora incluindo principalmente recursos alóctones,
notadamente frutos e insetos que caem na água. Leporinus thayeri apresentou
crescimento alométrico negativo e hábito alimentar invertívoro, predando formas
adultas e larvais de insetos aquáticos bentônicos. As três espécies apresentaram ciclo
reprodutivo relacionado ao período de chuvas. Programas de conservação são viáveis
para as três últimas espécies, enquanto para as demais as perspectivas são menos
promissoras, pois as populações parecem estar em acentuado declínio, tanto no Santo
Antônio como no restante do rio Doce.
INTRODUÇÃO
Para uma parcela considerável das espécies, o risco de extinção está ligado ao
número total de indivíduos remanescentes, enquanto que para outras esse processo está
relacionado com a distribuição espacial e, por conseguinte, com a quantidade de hábitat
ocupado (Gaston 1994; Kunin & Gaston, 1997). Causas primárias do declínio da fauna
de peixes são atribuídas a cinco categorias principais: demanda pelo uso da água,
alteração de hábitats, poluição, introdução de espécies exóticas e exploração comercial
(Moyle & Leidy, 1992). Embora uma ou duas causas principais possam ser identificadas
Page 61
61
para cada espécie isoladamente, o declínio resulta quase sempre de efeitos múltiplos,
cumulativos e de longo prazo.
Apesar dos problemas metodológicos inerentes à elaboração de listas de espécies
ameaçadas de extinção (Regan et al., 2005), essas constituem uma das principais
ferramentas utilizadas atualmente para estabelecer prioridades para conservação (Mace
& Lande, 1991), representando uma informação imprescindível no estabelecimento de
critérios para uso dos recursos financeiros, que em sua maioria são bastante limitados
(Darwall & Vié, 2005; Grammont & Cuarón, 2006).
A primeira lista de animais ameaçados de extinção no Brasil foi formulada
somente ao final da década de 1960 (Coimbra-Filho & Magnanini, 1968), e não incluía
peixes. Esse resultado estava relacionado primariamente à falta de análise para o grupo
e não a uma realidade sobre melhores condições de conservação. Essa situação perdurou
nas demais listas de abrangência nacional publicadas posteriormente (IBDF, 1973;
IBAMA, 1989; MMA, 2003), cuja mudança ocorreu somente em 2004 (MMA, 2004;
Rosa & Lima, 2005). Nesse espaço de tempo, alguns estados com legislação mais
vanguardista listaram suas espécies de peixes ameaçadas (Machado et al., 1998; São
Paulo, 1998; Mazzoni et al., 2000; Marques et al., 2002; Abilhoa & Duboc, 2004),
permitindo a adoção de mecanismos para proteção efetiva, ainda que somente em nível
estadual.
Em Minas Gerais, a primeira lista incluia somente três espécies ameaçadas de
peixes (Machado et al., 1998): Zungaro jahu = Paulicea luetkeni (Lundberg &
Littmann, 2003), Brycon orbignyanus e Characidium lagosantensis, nenhuma das quais
com ocorrência na bacia do rio Doce. Com a publicação da lista nacional (MMA, 2004),
esse número foi significativamente alterado e passou a incluir 34 espécies para Minas
Gerais, das quais cinco distribuídas no rio Doce. Essas espécies foram relacionadas
como ameaçadas por serem raras ou possuírem populações extremamente reduzidas –
e.g., Steindachneridion doceanum e Brycon devillei (obs. pes.), ou apresentarem
distribuição restrita a uma determinada drenagem sob forte ameaça de alteração
ambiental – e.g., Henochilus wheatlandii, Brycon opalinus e Leporinus thayeri (Vieira
et al., 2000; Vieira & Alves, 2001; obs. pes.). As três primeiras espécies são endêmicas
do rio Doce, enquanto as demais apresentam distribuições mais amplas nas drenagens
do leste brasileiro.
No rio Doce, H. wheatlandii foi a única dessas espécies abordada em estudos mais
amplos nos últimos anos, primariamente em função de problemas de distribuição
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62
geográfica (Vieira et al., 2000) e interessse filogenético (Castro et al., 2004). A
pirapitinga (B. opalinus) teve populações da bacia do rio Paraíba do Sul, onde também
está distribuída (Lima, 2003), submetidas a estudos utilizando marcadores moleculares
do DNA mitocondrial, cujas informações foram utilizadas para planejar a formação e o
manejo dos estoques de reprodutores mantidos em cativeiro, indicar áreas para
conservação de populações isoladas geneticamente e orientar programas de
repovoamento (Hilsdorf et al., 2002; Hilsdorf & Petrere-Jr., 2002).
De uma forma geral, o desconhecimento sobre aspectos básicos da biologia de
peixes ameaçados de extinção constitui um dos grandes entraves para adoção de ações
de conservação, fato normalmente relacionado à baixa representatividade dos mesmos
em ambientes naturais. Dessa forma, oportunidades de estudos com essas espécies
devem ser aproveitadas em sua totalidade, fator preponderante para que as mesmas
possam ser melhor conhecidas e mantidas a longo prazo. Nesse contexto, foram
avaliadas características biológicas e de distribuição das cinco espécies ameaçadas que
ocorrem no rio Doce, algumas com ocorrência restrita a subdrenagem do rio Santo
Antônio.
METODOLOGIA Á área amostrada cobriu a drenagem do rio Santo Antônio, desde sua foz até os
afluentes localizados nas áreas mais elevadas próximo às nascentes totalizando 61
pontos de coleta, sendo 27 localizados em córregos e 34 nas calhas dos rios maiores
(Figura 1).
As amostragens foram aperiódicas e distribuídas ao longo dos anos de 1991-
1996 e 1999-2005, sendo que a intensificação dos estudos foi conduzida entre 2002 e
2005. Registros adicionais, referentes as cinco espécies ameaçadas, foram obtidos na
literatura e nos bancos de dados do Museu Nacional (MNRJ), Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo (MZUSP) e Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP), através de consultas ao Projeto
NEODAT III (http://www.mnrj.ufrj.br/search1c.htm) e ao Centro de Referência em
Informação Ambiental, CRIA (http://splink.cria.org.br/simple_search?criaLANG=pt).
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Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
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Conceição doMato Dentro
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44o00’
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Cadeia de montanhasCidadesCursos d’águaUHE’s implantadas
Pauninhara
Pontos de coleta18o30’
Figura 1 – Pontos de amostragem da ictiofauna na drenagem do rio Santo Antônio,
bacia do rio Doce, MG. Parte dos pontos não é apresentada em função da escala em que
se encontra o mapa, a qual não permite reproduzir cursos d’água de pequeno porte.
Em cada ponto foram registradas as características referentes ao tipo de curso
d’água (córrego ou rio), coloração da água (preta ou clara) e altitude (m) obtida através
de GPS e conferida em cartas topográficas do IBGE na escala 1:50.000.
Capturas foram realizadas com redes de emalhar com tamanhos de malha de 24
a 120 mm (medidos entre nós opostos). Nos córregos foram utilizadas peneiras (malha 2
mm) e tarrafas (malha 3 e 5 cm), artefatos que também foram empregados em rios
maiores. Os exemplares foram separados por local de captura e fixados em formalina a
10%. Em laboratório os exemplares foram medidos {comprimento padão (CP) e total
(CT) em mm}, pesados (precisão 1 g) e dissecados para separação dos estômagos e
posterior análise da dieta. O coeficiente intestinal foi determinado para cada exemplar
através da razão entre o tamanho do peixe (CP) e do intestino, medido em milímetros. O
coeficiente de correlação de Pearson foi usado para expressar as relações entre os
valores do coeficiente intestinal e o comprimento padrão para cada espécie
isoladamente.
A análise do conteúdo estomacal foi realizada sob estereomicroscópio e os itens
encontrados identificados até a menor categoria taxonômica possível. Foram utilizados,
Page 64
64
os métodos de freqüência de ocorrência e gravimétrico (peso úmido), segundo Hyslop
(1980). Freqüência de ocorrência é definida como a percentagem de estômagos
contendo determinado item, em relação ao total de estômagos com alimento. O peso
úmido foi obtido através da pesagem de cada item alimentar em balança Mettler P1210
com precisão de 0,01g, após o mesmo ter sido mantido sob papel de filtro para eliminar
o excesso de água.
Os dados das porcentagens do peso úmido e freqüência foram correlacionados
através do índice alimentar proposto por Kawakami & Vazzoler (1980), descrito pela
equação:
IAi =( * )
( * )
Fi Pi
Fi Pii
n
=∑
1
, onde:
IAi = índice alimentar; i = 1, 2,... n = determinado item alimentar; Fi = frequência de ocorrência (%) de determinado item; Pi = peso úmido (%) de determinado item.
Na apresentação dos resultados, alguns organismos foram agrupados em
categorias mais amplas, como por exemplo invertebrados aquáticos, que englobam
diversas ordens de insetos. Quando este procedimento foi adotado, os itens identificados
foram discriminados na apresentação dos resultados.
A relação peso-comprimento para cada espécie (machos e fêmeas agrupados) foi
estimada através do ajuste de uma curva exponencial, PC = a CPb (Ricker, 1975). Os
parâmetros a e b da curva exponencial foram estimados por regressão linear utilizando
os dados de comprimento e peso logaritimizados (ex.: ln PC = ln a + b . ln CP), onde
PC = peso corporal (g), CP = comprimento padrão (mm), a o intercepto e b a
inclinação, usando o método dos mínimos quadrados (Zar, 1999). O grau de associação
entre as variáveis ln PC e ln CP, foi avaliado pelo coeficiente de determinação (r2).
A hipótese nula de crescimento isométrico (Ho: b = 3) foi testada através do
teste t usando a equação ts = (b-3) / Sb, onde Sb é o erro padrão do coeficiente de
regressão, adotando o nível de significância estatística de 0,001 (Sokal & Rohlf, 1995).
As análises estatísticas foram conduzidas através do programa Statistica 6.0
(Statsoft, 2001).
Page 65
65
RESULTADOS Foram capturados 131 exemplares distribuídos entre quatro das espécies
ameaçadas (Tabela I). O surubim-do-Doce (S. doceanum) foi a única espécie registrada
somente através de dados secundários, nesse caso uma cabeça mantida sêca por um
pescador local, cujo exemplar foi pescado na calha do rio Santo Antônio abaixo da
confluência do rio do Tanque, no município de Ferros (Figura 2D). A piabanha (Brycon
devillei) foi outra espécie muito rara, com somente dois exemplares capturados a jusante
da UHE Salto Grande (Figura 2D). Embora restritas ao trecho de montante da UHE
Salto Grande, as demais espécies (andirá – Henochilus wheatlandii; pirapitinga –
Brycon opalinus e o timburé – Leporinus tahyeri) foram registradas em maior
abundância e em áreas mais amplas da drenagem (Figuras 2A, 2B e 2C).
Todas as espécies ocorreram exclusivamente em ambientes de rios (larguras
superiores a 15 metros e em altitudes de até 670 metros – Tabela I e Figura 3), que
incluem a calha do Santo Antônio e o baixo curso de afluentes maiores: Guanhães,
Parauninha, Peixe e Preto do Itambé. No rio Guanhães, a única espécie registrada foi B.
opalinus, representada por dois exemplares no reservatório da UHE de Salto Grande.
Steindachneridion doceanum e B. devillei tiveram os registros limitados à calha do rio
Santo Antônio. O rio do Tanque foi o único afluente de maior porte onde não foi
registrada nenhuma das espécies.
Henochilus wheatlandii, B. opalinus e o L. thayeri ocorreram tanto em rios de
águas pretas (Preto do Itambé e parte alta do rio Santo Antônio) como de águas claras
(Peixe e médio Santo Antônio), enquanto S. doceanum e a B. devillei estiveram restritos
a ambientes de águas claras.
Tabela I – Distribuição altitudinal, comprimentos totais e pesos máximos e mínimos
para as espécies de peixes ameaçadas de extinção na drenagem do rio Santo Antônio,
bacia do rio Doce, MG.
Espécie
Altitude (m) Comprimento
total (mm)
Peso (g) n mín. máx. mín. máx. mín. máx.
Leporinus thayeri 50 520 670 117 257 18 157
Brycon opalinus 45 382 670 89 296 8 364
Henochilus wheatlandii 34 449 591 102 320 10 376
Brycon devillei 2 194 220 227 330 247 410
Steindachneridion doceanum 1 - 440 - - - -
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Cadeia de montanhasCidadesCursos d’água
UHE’s implantadas
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Área de ocorrênciaBrycon opalinus
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Cadeia de montanhasCidadesCursos d’água
UHE’s implantadas
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Área de ocorrênciaBrycon opalinus
A
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Área de ocorrênciaLeporinus thayeri
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Área de ocorrênciaLeporinus thayeri
B
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Área de ocorrênciaHenochilus wheatlandii
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Área de ocorrênciaHenochilus wheatlandii
C
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Registros
Steindachneridium doceanum
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Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
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Guanhães
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Senhora daPenha
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42o00’
19o30’
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Pauninhara
Registros
Steindachneridium doceanum
Brycon devillei
D Figura 2 – Área de ocorrência das espécies de peixes ameaçadas de extinção na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG.
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Figura 3 – Ambientes de calha amostrados na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do
rio Doce, MG: A – Rio Santo Antônio a montante da UHE Salto Grande; B – Rio do
Peixe; C – Rio Preto do Itambé; D – Rio Guanhães no final do reservatório da UHE
Salto Grande; E – Rio Santo Antônio a jusante da UHE Salto Grande; F – Rio do
Tanque.
A B
C D
E F
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68
Os valores do IAi para os itens alimentares, utilizados pelas três espécies com
exemplares disponíveis para análises demonstraram dietas e estratégias de obtenção do
alimento diferenciadas (Tabela II).
Para Henochilus wheatlandii, foi verificada forte ontogenia trófica, com
exemplares menores que 15 cm de comprimento padrão se alimentaram basicamente de
invertebrados bentônicos (efemerópteros, hemípteros – Gerridae e larvas de dípteros), e
os exemplares acima desse tamanho passando a utilizar frutos (Moraceae – Ficus sp.) e
talos de Podostemaceae (Figura 4A). A categoria invertebrados terrestres incluiu
himenópteros (formas aladas de Formicidae), coleópteros e lepdópteros, todos com
baixa representatividade tanto nos exemplares de pequeno como de grande porte. A
mudança de hábito alimentar se refletiu no coeficiente intestinal, cujos valores
aumentaram significativamente com o crescimento dos exemplares (Figura 5).
Exemplares de maior porte e com hábito alimentar herbívoro apresentaram forte
infestação por nematóides, que em alguns preenchiam grande parte do intestino (Figura
4B).
A dieta de L. tahyeri foi composta quase que exclusivamente por invertebrados
bentônicos, sendo estes representados por Trichoptera, Odonata, Hemiptera –
Naucoridae e larvas de Diptera (Tabela II). Invertebrados terrestres foram ocasionais e
representados somente por coleópteros. Para essa espécie, não foi encontrada variação
significativa do coeficiente intestinal ao longo do crescimento (Figura 5).
Brycon opalinus apresentou hábito alimentar mais diversificado, embora com
predominância de invertebrados terrestres (Tabela II). Para essa espécie, também foi
verificado aumento significativo no coeficiente intestinal com o crescimento (r = 0,74; p
< 0,01; n = 15), embora bem menos pronunciado que aquele registrado para H.
wheatlandii (Figura 5). Frutos de Moraceae (Ficus sp.) foram registrados somente em
exemplares acima de 20 cm, enquanto que partes de sementes e outros frutos não
identificados estiveram presentes nos estômagos de exemplares desde 7,5 cm.
Invertebrados terrestres foram representados por coleópteros e himenópteros (formas
aladas ou não de Formicidae), enquanto que os aquáticos pertenciam às ordens Diptera,
Hemiptera e Odonata, esses ocorrendo em baixa freqüência e peso.
As três espécies utilizam diferentes táticas para obterem o alimento. Assim, L.
thayeri e exemplares de H. wheatlandii com tamanhos até 15 cm são predadores
bentônicos que exploram o substrato para captura de invertebrados aquáticos,
primariamente formas juvenis pertencentes a várias ordens de insetos; B. opalinus é um
Page 69
69
onívoro que utiliza itens alóctones de origem vegetal e animal e que são capturados na
superfície e coluna d’água; por último os exemplares maiores de H. wheatlandii (> 15
cm), aqui considerados como primariamente herbívoros e que exploram tanto vegetais
que caem na água (frutos e sementes) como partes de plantas aquáticas
(Podostemaceae). Invertebrados terrestres foram considerados como itens acessórios na
dieta.
Tabela II – Índice alimentar (IAi) para as espécies de peixes ameaçadas de extinção na
drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG.
Item alimentar / Índice de Importância Alimentar (IAi)
Espécie
Amplitude CP (mm)
n Invertebrados aquáticos
Invertebrados terrestres
Moraceae (Ficus sp.)
Sementes e frutos
Podoste-maceae
H. wheatlandii 80 – 145 8 0,975 0,024 - - 0,002
160 – 262 9 - 0,015 0,954 - 0,031
L. thayeri 94 – 209 30 0,999 0,001 - - -
B. opalinus 72-211 21 0,002 0,563 0,074 0,361 -
Figuras 4 – A) Estômago de Henochilus wheatlandii preenchido com frutos de
Moraceae (Ficus sp.) e partes de Podostemaceae B) Seção do intestino de um exemplar
de H. wheatlandii cujo lúmem encontra-se totalmente preenchido por nematóides.
A B
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Comprimento padrão (mm)
Coe
ficie
nte
inte
stin
al
60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 2800,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
2,2
2,4
2,6
2,8
3,0
Henochilus wheatlandii r = 0,96 p < 0,001Brycon opalinus r = 0,74 p < 0,01Leporinus thayeri r = 0,23 p > 0,05
Figura 5 – Relação entre o comprimento padrão e o coeficiente intestinal para três
espécies de peixes ameaçados de extinção na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do
rio Doce, MG.
As relações peso-comprimento, as equações correspondentes e os valores dos
coeficientes de determinação (r2) encontram-se na Figura 6. O teste t para o tipo de
crescimento das três espécies indicou crescimento do tipo alométrico negativo para L.
tahyeri e isométrico para H. weatlandii e B. opalinus (p < 0,001). O coeficiente de
determinação ficou acima de 98% para todas as espécies.
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71
0 25 50 75 100 125 150 175 200 225
Comprimento padrão (mm)
0
25
50
75
100
125
150
175
200
Pes
o (g
)
Leporinus tahyeri
Y = 0,00006 * X 2,792
r2 = 0,98
0 40 80 120 160 200 240 280
Comprimento padrão (mm)
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Pes
o (g
)
Henochilus wheatlandii
Y = 0,00001 * X 3,0895
r2 = 0,99
0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250
Comprimento padrão (mm)
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Pes
o (g
)
Brycon opalinus
Y = 0,00002 * X 3,0869
r2 = 0,99
Figura 6 - Relação peso comprimento para espécies de peixes ameaçados de extinção
na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG.
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DISCUSSÃO
As cinco espécies ameaçadas aqui analisadas representaram menos de 1,5% do
total de exemplares capturados na drenagem do rio Santo Antônio, incluindo todos os
dados das amostragens em campo e aqueles referentes ao material testemunho que se
encontra depositado em museus. Devido à raridade ou ausência nas amostragens, duas
espécies (B. devillei e S. doceanum) não puderam ser avaliadas quanto aos aspectos de
sua biologia na drenagem do rio Santo Antônio, embora os registros obtidos tenham
sido utilizados como um indicativo das áreas e hábitats que as mesmas utilizam.
O nome B. devillei tem sido utilizado para designar as piabanhas que ocorrem na
calha e nos lagos do médio rio Doce (Sunaga & Verani, 1991; Godinho, 1996), razão
pela qual foi utilizado na lista de espécies ameaçadas do Brasil (MMA, 2004; Rosa &
Lima, 2005). Entretanto, segundo revisão taxonômica do gênero, trata-se de uma
espécie nova ainda não descrita (Lima, 2001). Os poucos estudos com informações
biológicas indicam que alcança tamanho de até 60 cm e possui dieta que inclui frutos,
sementes, larvas de Odonata, camarões, insetos terrestres e peixes (Godinho, 1996;
Lima, 2001). Esses dados demonstram o hábito alimentar onívoro, condição também
relatada para outros Brycon de maior porte, tanto em rios amazônicos como no sudeste
brasileiro (Goulding, 1980; Lowe-McConnell, 1987; Lima & Castro, 2000).
Os dois registros obtidos no baixo rio Santo Antônio foram congruentes com os
dadso sobre a ocorrência da espécie somente em altitudes inferiores a 300 metros e nos
rios de maior porte da bacia do Doce (dados inéditos). Assim, a ausência de B. devillei
acima da UHE de Salto Grande parece estar relacionada à sua distribuição original e
não ao impedimento do deslocamento para montante proporcionado pelo barramento.
Embora não existam dados sobre abundância, trabalhos desenvolvidos no baixo rio
Doce na região de Aimorés (MG) demonstraram que a espécie já fez parte da pesca
artesanal local, desaparecendo da mesma durante a década de 1970 (Alves et. al., no
prelo). Atualmente, além dos exemplares obtidos no baixo Santo Antônio, os únicos
registros adicionais foram feitos em localidades específicas no rio Suaçui Grande e na
região da foz do Manhuaçu em Aimorés (obs. pes.), além dos lagos Dom Helvécio,
Carioca e Palmeiras (Sunaga & Verani, 1991; Godinho et al., 1994).
As causas do declínio populacional ao longo de toda a bacia são desconhecidas,
embora a expressiva supressão da vegetação com conseqüente redução da
disponibilidade de recursos alimentares alóctones e perda de hábitats por assoreamento,
pode ter sido a causa principal. Hipótese similar foi proposta para B. vermelha do rio
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Mucuri (Lima & Castro, 2000), e para outras espécies congêneres de grande porte
(Pádua & Audi, 1984; Agostinho et al., 2003). No rio Santo Antônio, o intenso
assoreamento do baixo curso pode ser a principal causa da baixa representatividade da
espécie ao longo dos estudos desenvolvidos.
No gênero Steindachneridion, estão incluídas seis espécies que possuem
distribuições restritas às drenagens costeiras do leste do Brasil, Alto Paraná e rio
Uruguai (Garavello, 2005), sendo que quatro encontram-se listadas como ameaçadas de
extinção (MMA, 2004). A não inclusão de S. melanodermatum e S. punctatum como
ameaçadas está relacionada a aspectos taxonômicos, visto que a primeira foi descrita
posteriormente à elaboração da lista de espécies ameaçadas, enquanto a segunda foi
revalidada no mesmo estudo de revisão do gênero (Garavello, 2005). Entre as espécies
oficialmente reconhecidas como ameaçadas, aquelas endêmicas do rio Doce (S.
doceanum), Jequitinhonha/Pardo (S. amblyurum) e Paraíba do Sul (S. parahybae) são as
que se encontram em situação mais crítica de conservação (MMA, 2004; Rosa & Lima,
2005).
Steindachneridion doceanum é a maior espécie de água doce nativa na bacia do
rio Doce, com relatos de peixes pesando até 17 kg (obs. pes.). De forma similar ao
relatado para a piabanha (B. devillei), já fez parte da pesca artesanal na região de
Aimorés, onde não é mais capturado desde o final da década de 1970 (Alves at al., no
prelo). Segundo relato de pescadores e observações em campo, é uma espécie que
possui como hábitats específicos os locais mais profundos na calha do rio Doce e de
seus maiores afluentes, primariamente em poções com fundos rochosos e localizados
abaixo de corredeiras e cachoeiras. O uso exclusivo desse tipo de ambiente também foi
descrito para as demais espécies do gênero (Garavello, 2005). Nenhuma informação
está disponível sobre aspectos da biologia da espécie, fato relacionado ao reduzido
número de exemplares disponíveis.
Os dados mais recentes sobre a distribuiçãode S. doceanum na bacia do rio Doce
se resumem a três exemplares capturados no rio Piranga e imediatamente abaixo da
confluência desse com o rio do Carmo, quando passa a ser denominado rio Doce
(Garavello, 2005), além do baixo rio Manhuaçu e médio Santo Antônio (obs. pes.). No
médio Santo Antônio o registro foi feito com base em material observado com pescador
e se refere somente a cabeça de um exemplar.
A raridade dessa espécie na bacia do rio Doce parece estar relacionada
primariamente à retirada da cobertura vegetal, com conseqüente assoreamento que
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74
eliminou grande parte de seus hábitats. Em anos recentes, a introdução do híbrido
resultante do cruzamento do surubim com o cachara (Pseudoplatystoma corruscans x P.
fasciatum), ocorreu por todo o rio Doce e representa uma ameaça potencial, mas sem
qualquer avaliação até o presente (Vieira & Pompeu, 2001; Alves et al., no prelo). As
formas de introdução do híbrido na bacia do rio Doce não estão registradas na literatura,
embora no rio Santo Antônio esteja relacionada aos escapes de tanques-rede usados para
criação. Essa constatação está embasada no fato de ser mantido dentro do rio do
Tanque, no município de Santa Maria do Itabira, o maior cultivo comercial da espécie
na bacia do rio Doce (Coelho & Cyrino, 2006).
O híbrido, conhecido popularmente como surubim-ponto-e-vírgula ou cachara, é
um piscívoro de grande porte (exemplares de até 25 kg já foram capturados no rio Doce
- obs. pes.) e nada se conhece sobre a suas relações com S. doceanum, apesar de
registros em ambientes similares àqueles originalmente ocupados pela espécie nativa.
Dados de campo indicam que o híbrido possui menores restrições ambientais que S.
doceanum, colonizando até mesmo rios de menor porte como o Matipó e áreas bastante
alteradas (obs. pes.).
As espécies com exemplares disponíveis para análises biológicas (H. wheatlandii,
B. opalinus e L. thayeri) apresentaram distribuições similares, as quais se resumem ao
trecho localizado a montante da UHE Salto Grande e incluiu exclusivamente a calha do
rio Santo Antônio e o médio-baixo curso de alguns afluentes maiores. Henochilus
weatlandii foi a única que teve exemplares registrados a jusante desse barramento
(Volney Vono & Renê Hojo, com. pes.). Entretanto, considero que esses eventos foram
ocasionais e estiveram relacionados a períodos de fortes chuvas, quando é possível a
passagem de alguns peixes através das comportas dos vertedores. Dessa forma, em
função de H. weatlandii não manter populações nessa região, os registros foram
considerados acidentais e não foram considerados como área de distribuição da espécie.
As três espécies ocorreram primariamente em ambientes lóticos de rios maiores,
sempre com larguras superiores a 10 metros, utilizando áreas com leito rochoso e
extensas áreas encachoeiradas, essas intercaladas por regiões de deposição de areia onde
são formados poções e remansos. A maioria das áreas mantinha vegetação ciliar
expressiva, entretanto, também ocorreram em trechos onde houve supressão e
substituição parcial por pastagens. A única exceção a esse padrão foram os dois
exemplares de B. opalinus coletados no braço do reservatório da UHE Salto Grande,
dentro do rio Guanhães. Esse reservatório recebe água do rio Santo Antônio através de
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um aqueduto, o qual pode funcionar como uma rota para chegada desses peixes a esse
ambiente. Entretanto, a baixa representatividade quando comparada as demais áreas de
distribuição é um indicativo de que a espécie talvez não estabeleça populações com
ciclo de vida completo nesse ambiente. Vieira et al. (2005) utilizaram a presença de
juvenis como indicativo para inferir que a reprodução deve ocorrer em áreas lóticas em
trechos mais elevados da drenagem.
As três espécies ocorreram indistintamente em ambientes de águas claras e
naqueles que possuem águas de coloração escura e pH ligeiramente ácido, como no rio
Preto do Itambé (Galdean et al., 2000) e trecho superior do rio Santo Antônio. Ao que
tudo indica, são as características fisiográficas da drenagem que determinam o padrão
de distribuição registrado para as três espécies.
O andirá (H. wheatlandii) foi descrito em 1890 com base em um exemplar obtido
na localidade de Santa Clara, bacia do rio Mucuri (Garman, 1890). Decorrido mais de
um século após a descrição e amplos esforços de coleta no rio Mucuri, nenhum outro
exemplar foi obtido. Esse fato culminou com a sua inclusão na lista de espécies
ameaçadas (Rosa & Menezes, 1996), sendo posteriormente considerado extinto no leste
do Brasil (Swerdlow, 1998). Em setembro de 1996, Vieira et al., (2000) registraram
dois exemplares no rio Preto do Itambé, bacia do rio Santo Antônio e propuseram duas
hipóteses para explicar a ausência da espécie no rio Mucuri: erro na designação da
localidade tipo ou extinção local. Essas hipóteses ainda permanecem sob debate (Castro
et al., 2004), embora o holótipo continue a ser o único exemplar conhecido proveniente
do rio Mucuri e o rio Santo Antônio a única área com registros atuais.
É uma espécie de porte grande (sensu Agostinho et al., 1995), que chega a mais
de 40 cm de comprimento total (holótipo) e cujo crescimento isométrico indica
proporcionalidade entre o aumento de tamanho e o ganho de peso. A primeira indicação
de hábito alimentar herbívoro foi feita por Garman (1890), posteriormente corroborada
com a análise de outros cinco exemplares (Vieira & Alves, 2001, Castro et al., 2004).
Entretanto, segundo Castro et al. (2004) a espécie passa por mudanças acentuadas na
dieta, tamanho do trato digestivo e dentição ao longo do desenvolvimento ontogenético,
mas devido ao pequeno número de exemplares analisados (3), indicaram que havia
necessidade de ampliar as observações.
A análise da dieta demonstrou a ontogênese trófica, permitindo inferir que a
mudança de hábito alimentar se processa em exemplares com cerca de 15 cm de
comprimento padrão. A partir desse tamanho ocorre um incremento acentuado no
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tamanho do intestino, o qual chega a atingir quase 3 vezes o comprimento padrão em
exemplares com 26 cm. Dessa forma, exemplares pequenos são predadores de
invertebrados bentônicos enquanto os maiores passam a utilizar quase que
exclusivamente vegetais superiores, incluindo plantas terrestres (Moraceae) e aquáticas
(Podostemaceae), além de insetos terrestres em pequena proporção.
Segundo Gerking (1994), nenhum peixe herbívoro adulto utiliza somente vegetais
na alimentação, fato demonstrado em diversos estudos de dieta. Entretanto, na maioria
dos casos, itens de origem animal foram interpretados como ingeridos acidentalmente
durante o forrageamento, o que parece não se aplicar a H. weatlandii. O registro
exclusivo de insetos alóctones e também grandes quantidades de frutos de Ficus sp., que
flutuam e são arrastados pela corrente, indica que é feita captura ativa, tática de
forrageamento que pode ser classificada como cata na superfície (“surface picking”
sensu Sazima, 1986) e alimentação de itens a deriva (“drift-feeding” sensu Grant &
Noakes, 1987). Dessa forma, os insetos terrestres utilizados pelos exemplares de maior
porte são intrerpretados como um complemento da dieta, cujo hábito alimentar é aqui
considerado como primariamente herbívoro.
No leste brasileiro, os relatos sobre o uso de podostemáceas como alimento por
peixes são muito raros (Vilella et al., 2002), contrastando com o uso de vegetais
terrestres, principalmente frutos e sementes (Araújo-Lima et al., 1995; Barrella et. al,
2000; Gomiero & Braga, 2003; Alvim & Peret, 2004; Bennemann et al., 2005). Na área
estudada, Ficus sp. representou o principal item alimentar dos exemplares de H.
wheatlandii com tamanhos superiores a 15 cm. Brycon opalinus também fez uso desse
recurso, embora os itens principais tenham sido invertebrados terrestres seguidos de
outros frutos e sementes diversas. Embora o uso de itens alimentares pelos peixes possa
mudar em função da disponibilidade local e temporal (Gerking, 1994), nossas
observações reforçam a importância da vegetação ripária como fonte importante de
recursos para as duas espécies.
Segundo Philbrick & Novelo (1995), a família Podostemaceae possui distribuição
principalmente tropical e ocupa ambiente único para as angiospermas, que são as rochas
em áreas de rios com corredeiras e cachoeiras. Em função de formarem extensos
estandes, essas plantas têm sido descritas como importantes hábitats para vários
organismos (Vadas & Orth, 2000; Hutchens et al., 2004), além de servirem diretamente
como alimento para diversas espécies de peixes, principalmente em rios amazônicos
(Santos et al., 1997; Horeau et al., 1998; Santos & Rosa, 1998; Zanata & Lima, 2005;
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Jégu & Keith, 2005). Nas drenagens do leste brasileiro, além do uso por H. wheatlandii,
o único relato adicional de podostemáceas como alimento de peixes foi feito para
espécies do gênero Astyanax (Vilella et al., 2002). Podostemáceas abrigam uma grande
diversidade de invertebrados aquáticos, alguns ocorrendo em altas densidades e que são
utilizados como fonte de alimento pelos peixes (Hutchens et al., 2004). No rio Santo
Antônio, esse recurso parece ser explorado pelos exemplares pequenos de H.
wheatlandii (< 15 cm de CP), que se alimentam primariamente de invertebrados
aquáticos e foram capturados principalmente junto às corredeiras onde essas plantas
crescem em abundância.
Segundo Winemiller (1992), a forma dos dentes dos Characiformes é um bom
indicativo sobre as diferenças no comportamento e no uso de recursos alimentares. Em
H. wheatlandii, além do aumento no tamanho do intestino, ocorrem mudanças no
formato dos dentes com o crescimento e estas também foram associadas à mudança no
hábito alimentar de invertívoros para herbívoros (Castro et al., 2004). Características
semelhantes (adultos com intestino longo e dentes com cúspides arredondadas) foram
descritas para Mylesinus paraschomburgkii e Tometes lebaili em rios amazônicos,
embora nessas espécies a alimentação dos adultos seja mais especializada incluindo
quase exclusivamente podostemáceas (Jégu & Santos, 1988; Jégu et al., 1989; Santos et
al., 1997; Jégu & Keith, 2005). Nas outras espécies, cuja dieta incluiu podostemáceas
(Vilella et al., 2002; Zanata & Lima, 2005), não estão descritas mudanças ontogenéticas
na dentição e trato digestivo, fato que pode estar associado as mesmas não serem
herbívoras quando adultas.
Entre os exemplares analisados de H. wheatlandii, os que estavam em estádio
avançado de maturação das gônadas ou desovados/espermiados, foram capturados em
março de 2005, com o menor peixe medindo 20 cm de comprimento padrão. Esse é um
indicativo que a repodução ocorre durante o período chuvoso, padrão descrito para
grande parte dos Characiformes da América do Sul (Vazzoler & Menezes, 1992). A
maturação sexual parece ser alcançada após as mudanças ontogenéticas descritas para a
dieta, embora não pareça ocorrer concomitantemente. Apesar desse indicativo, estudos
com maior número de exemplares são necessários para validar essas observações.
Da mesma forma que para M. paraschomburgkii (Thatcher & Jégu, 1996; Santos
et al., 1997), também em H. wheatlandii foi registrado que partes do intestino de todos
os exemplares grandes e com hábito alimentar herbívoro encontravam-se tomadas por
nematóides. Santos et al. (1997) colocaram em dúvida ser esse um caso de parasitismo,
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78
visto que todos os exemplares analisados estavam em excelentes condições nutricionais
e sem qualquer sinal de patologias. A mesma observação se aplica a H. wheatlandii,
restando estudos mais detalhados para definir a verdadeira relação entre o hospedeiro e
os nematóides encontrados em seu trato digestivo.
Tanto B. opalinus como L. thayeri foram descritos a partir de exemplares do rio
Paraíba do Sul (Garavello & Britski, 2003; Lima, 2003), sendo que mais recentemente
tiveram populações localizadas em outras drenagens do leste brasileiro (Vieira, 2005; J.
Birindelli, com. pes.; obs. pes.). Assim, a distribuição confirmada das duas espécies
abrange a área entre as drenagens que vão do rio Doce ao Paraíba do Sul, não sendo
válida a indicação de ocorrência de L. thayeri feita para o rio Jequitinhonha por
Garavello & Britski (2003). Na bacia do rio Doce, as únicas populações representativas
das duas espécies são as existentes no médio e alto rio Santo Antônio. Os únicos
registros adicionais estão restritos ao rio Piranga (B. opalinus – MZUSP 59287) e
córrego Taquaraçu (L. thayeri – MZUSP 41727), ambos os lotes representados por um
exemplar cada e que foram coletados há mais de uma década.
Brycon opalinus é uma espécie reofílica, necessitando indução hormonal para
desovar quando mantido em cativeiro (Narahara et al., 2002). No rio Santo Antônio,
foram registrados exemplares de até 30 cm e que no seu conjunto apresentaram
crescimento isométrico. O menor exemplar em atividade reprodutiva mediu 21
centímetros de comprimento padrão e foi registrado em março de 2005, semelhante ao
encontrado para H. wheatlandii.
A dieta foi composta quase exclusivamente por recursos alóctones (insetos, frutos
e sementes), caracterizando o hábito alimentar onívoro, padrão reconhecido para a
maioria das espécies desse gênero (Menezes, 1969; Goulding, 1980; Horn, 1997; Sabino
& Sazima, 1999; Lima & Castro, 2000). Embora o coeficiente intestinal tenha
apresentado correlação significativa em relação ao crescimento, o valor máximo de 1,2
foi inferior àquele relatado para B. guatemalensis, cujos exemplares adultos possuem
intestino maior que o dobro do tamanho e apresentam dieta composta quase
inteiramente por frutos e folhas (Drewe et al., 2004). Entretanto, esses autores
argumentaram que o aumento ontogenético no comprimento do intestino pode ser uma
característica comum para Brycon sem conexão com troca de dieta, sendo nesse caso a
quantidade de material vegetal ingerido o elemento crítico para a compreensão dessa
relação. Nossos dados corroboram essa premissa, uma vez que exemplares grandes de
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79
B. opalinus possuem dieta mais diversificada e relação intestino/comprimento menor
que B. guatemalensis.
Espécies de Brycon têm sido relacionadas a processos de dispersão de sementes,
principalmente em áreas de florestas alagáveis (Horn, 1997; Goulding, 1980; Banack et.
al., 2002; Drewe et al., 2004). Embora a possibilidade de dispersão de sementes por B.
opalinus não tenha sido avaliada, é possível que essa relação não seja tão efetiva na
região de estudo, visto que a maioria das sementes encontradas nos estômagos estava
quebrada. Entretanto, deve-se considerar que os estudos que comprovam a relação de
espécies do gênero Brycon como dispersoras foram feitos tendo como modelo Ficus
spp., que possui sementes muito pequenas e que não são trituradas para a ingestão
(Horn, 1997; Banack et. al., 2002; Drewe et al., 2004). Sob esse aspecto, tanto B.
opalinus como H. wheatlandii utilizaram Ficus sp. e podem ser dispersores efetivos,
uma relação que necessita maiores investigações. Como relatado para B. guatemalensis
(Horn, 1997), a dispersão seria particularmente importante para sítios a montante do
local onde se encontram as plantas em frutificação, condição provável de ocorrer pelo
menos com B. opalinus, para o qual existem indícios de deslocamentos para trechos
mais elevados da drenagem durante o período reprodutivo (Vieira et al., 2005).
Leporinus thayeri é um anostomídeo relativamente raro e com distribuição
disjunta em rios de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo (Vieira, 2005). No
final da década de 1970 foi considerado sinônimo de L. mormyrops (Garavello, 1979),
condição que perdurou até recente revalidação da espécie (Garavello & Britski, 2003). É
uma espécie de médio porte (maior exemplar com 26 cm) e apresentou crescimento
alométrico negativo, condição que se traduz em animais com corpo baixo e alongado.
Adicionalmente, esse formato de corpo é característico de peixes que vivem em trechos
encachoeirados e com forte velocidade da corrente, áreas onde a maioria dos
exemplares foi capturada.
Dados da dieta demostraram que é um ínvertivoro bentônico que utilizou quase
que exclusivamente formas imaturas e adultas de insetos aquáticos, notadamente
Trichoptera e larvas de Diptera. O uso intensivo de larvas de Diptera também foi
relatado para L. amblyrhynchus, outro anostomídeo com tamanho e características
morfológicas similares a L. thayeri, mas com distribuição geográfica distinta (Callisto et
al., 2002; Mendonça et al., 2004). Segundo Winemiller (1992), predadores bentônicos
tendem a possuir perfil ventral reto e dorsal convexo, boca orientada para baixo e
nadadeiras peitorais pequenas, todas essas características observadas em L. thayeri.
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Diferente de B. opalinus e H. wheatlandii, L. thayeri não apresentou variação
ontogenética nos valores do coeficiente intestinal, que esteve entre 0,73 e 1,11 para
exemplares de 9,4 a 20,9 cm de comprimento padrão. Exemplares em atividade
reprodutiva foram registrados em diferentes anos de amostragem sempre entre os meses
de novembro e março, coincidindo com o período de chuvas, uma característica comum
para Characiformes do leste brasileiro (Vazzoler & Menezes, 1992).
Todas as espécies aqui analisadas são reofílicas e demonstraram que as
particularidades na distribuição espacial, uso de hábitats e de recursos alimentares estão
intimamente relacionadas aos ambientes lóticos da drenagem do rio Santo Antônio. Pelo
menos três espécies mantêm populações significativas no trecho médio-alto da
drenagem, fato aqui atribuído a ser esse um sistema ainda pouco alterado em termos de
sua fisiografia. Esse fato indica que programas de conservação são viáveis e podem
garantir a permanência das mesmas a longo prazo. Para B. devillei e S. doceanum, as
perspectivas de conservação são menos promissoras, pois as populações parecem estar
em acentuado declínio, tanto no Santo Antônio como no restante do rio Doce.
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ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A CONSERVAÇÃO DA FAUNA DE PEIXES
NA DRENAGEM DO RIO SANTO ANTÔNIO, BACIA DO RIO DOCE, MG
RESUMO
Poucas áreas têm sido criadas primariamente para a conservação dos ambientes de água
doce, embora se reconheça que essas mantêm biodiversidade expressiva e grande parte
se encontre ameaçada por impactos ambientais diversos. Nesse estudo utilizamos a
fauna de peixes como modelo para definir áreas de preservação dentro da bacia do rio
Santo Antônio, segundo maior afluente do rio Doce e considerado de importância
especial para conservação de peixes em Minas Gerais. Os resultados obtidos indicaram
que a bacia constitui um mosaico com diferentes graus de modificação antrópica. Duas
subdrenagens (rios do Tanque e Guanhães) e o baixo rio Santo Antônio foram excluídos
da estratégia de conservação e para as mesmas são indicadas ações de recuperação
ambiental. Três áreas foram identificadas e delimitadas, estando distribuídas ao longo
do canal principal e nos tributários. No seu conjunto deverão manter a maior parte da
ictiofauna registrada na bacia, inclusive quatro espécies ameaçadas de extinção. A
estratégia de conservação indicada para os trechos de rios selecionados foi transformá-
los em Áreas de Proteção Ambiental (APA). Essa nova condição regional terá
implicações econômicas, pois inviabiliza a implantação de quatro usinas hidrelétricas,
que no seu conjunto representam 16,3% do potencial hidrelétrico inventariado para toda
a bacia. Entretanto, consiste na única forma para que a ictiofauna encontrada atualmente
possa ser mantida em longo prazo.
INTRODUÇÃO
Em um grande número de revisões recentes há o consenso de que a
biodiversidade existente em sistemas de água doce encontra-se altamente ameaçada,
sendo que para alguns autores, mais que em qualquer outro ecossistema (ex.: Allan &
Flecker 1993; Leidy & Moyle, 1998; McAllister et al., 1997; Ricciardi & Rasmussen,
1999; Malmqvist & Rundle, 2002; Saunders et al., 2002). As principais causas são
amplamente conhecidas e estão relacionadas a perda e degradação de habitats,
superexplotação das espécies, poluição, introdução de organismos exóticos e usos
diversos da água - abastecimento, geração de energia, irrigação, etc...(e.g., McAllister
et al., 1997; Revenga & Kura, 2003; Agostinho et al., 2005).
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90
Segundo Ravenga & Kura (2003), em relação aos vertebrados, avaliações
globais e regionais de biodiversidade em ambientes de água doce incluem mais
informações sobre os peixes que qualquer outro grupo, fato também constatado no
Brasil (Agostinho et al., 2005). Essa condição está relacionada a serem esses
organismos os componentes mais conspícuos da biota aquática, apresentarem grande
diversidade de espécies, além de serem utilizados como recurso econômico. Entretanto,
o maior conhecimento relativo ao grupo não significa que o mesmo esteja em melhor
situação de conservação. No Brasil, das 159 espécies de peixes relacionadas em alguma
categoria de ameaça de extinção, 135 (85%) são de água doce (Rosa & Lima, 2005).
Desse total, 119 espécies ocorrem no sul e sudeste, região com o maior índice de
desenvolvimento no país e, portanto, com maior pressão sobre os ambientes aquáticos
interiores. É importante destacar que esse número reflete uma análise ainda incompleta,
visto que nem todas as espécies existentes nessa porção do território brasileiro foram
avaliadas simplesmente pelo desconhecimento de aspectos básicos da biologia,
incluindo a distribuição geográfica.
Áreas protegidas representam uma solução parcial para a degradação ambiental,
entretanto, poucas têm sido criadas especificamente para ambientes de água doce e sua
biota (Saunders et al., 2002; Agostinho et al., 2005). No Brasil, essa é uma situação
marcante, visto que, apesar dos peixes constituirem o segundo grupo de vertebrados
com maior número absoluto de espécies ameaçadas de extinção (Machado et al., 2005),
nenhuma área protegida foi criada prioritariamente para manutenção desses organismos,
embora não faltem indicativos para tal (Agostinho, 1997; Marques & Barbosa, 2002;
Drummond et al., 2005).. Esse fato certamente guarda relação com a maior
complexidade em se preservar sistemas de rios, que se extendem por grandes áreas
sujeitas aos mais diferentes usos, tornando as ações de conservação mais difíceis e
dispendiosas (Moss, 2002).
O estado de Minas Gerais sempre se destacou em políticas conservacionistas, não
sendo diferente na definição de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade
(Costa et al., 1998; Drummond et al., 2005). Entretanto, apesar de contar com esse
instrumento de planejamento, a falta de ações concretas baseadas nos indicativos
apresentados tem levado a perda de importantes áreas para a manutenção da
biodiversidade de peixes no Estado. Adicionalmente, todas as áreas indicadas
necessitam avaliações subseqüentes detalhadas, o que permite traçar seus reais limites e
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91
definir a ações a serem tomadas, uma condição que não tem sido efetivada para os
ambientes aquáticos.
Em vista do exposto, são apresentados neste capítulo os critérios e o
delineamento das áreas para manutenção de peixes na drenagem do rio Santo Antônio,
bacia do rio Doce, uma área considerada de importância biológica especial para peixes
em Minas Gerais (Drummond et al., 2005).
CARACTERÍSTICAS DA DRENAGEM E DA ICTIOFAUNA PARA
DELINEAMENTO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Os dados obtidos acerca da distribuição da ictiofauna (capítulos 1 e 2)
mostraram padrões diferenciados para as espécies, além de indicarem que nem toda a
bacia do rio Santo Antônio apresenta o mesmo potencial para conservação. Essa
constatação está relacionada às condições e impactos a que estão submetidas
determinadas subdrenagens, especificamente os rios Guanhães e Tanque e o trecho do
rio Santo Antônio a jusante da UHE Salto Grande.
O rio Guanhães é o maior afluente do rio Santo Antônio e, cuja bacia possui a
segunda maior densidade populacional (Figura 1). Embora seja a maior subdrenagem,
encontra-se bastante alterado em termos estruturais e possui baixa riqueza de espécies,
não reunindo nesse momento características desejáveis para um programa de
conservação. Como as alterações estruturais estão relacionadas primariamente à
eliminação de vegetação ripária e assoreamento, agravado pelo lançamento de esgotos,
o mais indicado para essa drenagem será implementar um programa de recuperação,
incluindo a eliminação/contenção das fontes de assoreamento, tratamento de esgotos e
recomposição da vegetação ciliar.
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Figura 1 – Área percentual das subdrenagens do rio Santo Antônio e respectivas
densidades populacionais estimadas para 2005. Fontes de dados conforme especificadas
abaixo (consulta em fevereiro/2006). http://www.alemg.gov.br/index.asp?grupo=estado&diretorio=munmg&arquivo=municipios (população) http://www.ufv.br/dea//hidrotec (área das drenagens) O rio do Tanque representa pouco mais de 10% do total da drenagem e baixa
densidade populacional (Figura 1). Entretanto, foram registrados impactos que
contribuem para a perda continuada da qualidade ambiental, refletida na baixa
diversidade e ausência de todas as espécies ameaçadas de extinção.
O primeiro destes impactos se refere ao complexo de exploração de minério de
ferro existente no município de Itabira. Apesar de uma série de programas ambientais
em curso nessa região (obs. pes.), uma parcela da drenagem superior foi afetada
negativamente pela construção de barragens de contenção de rejeitos e assoreamento.
Deve-se destacar que embora Itabira seja o município mais populoso da bacia (106.016
hab. estimados em 2005), seu núcleo urbano que agrega cerca de 90% da população está
localizado na bacia do rio Piracicaba. Dessa forma, os problemas originados com o
lançamento de esgotos nos cursos d’água são refletidos em outra drenagem e não no rio
do Tanque.
O segundo é aqui considerado o mais importante e se refere à piscicultura
comercial do surubim-ponto-e-vírgula (Pseudoplatystoma corruscans X P. fasciatum),
implantada no município de Santa Maria do Itabira (Coelho & Cyrino, 2006). Após o
início desse cultivo e devido aos escapes dos tanques-rede, esse peixe alcançou a
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93
drenagem e se disseminou amplamente pela bacia. Segundo diversos autores (ex.:
Moyle & Light, 1996; Lozon & MacIsaac, 1997), o sucesso da invasão por organismos
exóticos tem maiores probabilidades de ocorrer em ambientes alterados. Entretanto, a
habilidade e o potencial dos peixes exóticos prosperarem em ambientes alterados e
impactarem a estrutura e função dos ecossistemas aquáticos, sugere que possam
representar tanto um sintoma como uma causa de declínio das comunidades nativas
(Kennard et al., 2005).
Nesse caso em específico, há necessidade de medidas efetivas para evitar que
os escapes continuem e o desenvolvimento de um programa de monitoramento da
espécie e seu estabelecimento na drenagem. Por se tratar de um híbrido (Coelho &
Cyrino, 2006), existe a possibilidade do mesmo não se reproduzir naturalmente no
ambiente, entretanto, essa hipótese necessita verificação. Desde que essa hipótese seja
verdadeira e havendo o controle rígido dos locais de criação e supressão de qualquer
nova introdução, a possibilidade de manejo e sua consequente eliminação da bacia
estaria assegurada.
Por fim, ainda existe marcante atividade relacionada ao desmate das áreas mais
íngremes da bacia, o que em última análise contribui para o assoreamento excessivo do
curso d’água e perda de qualidade ambiental.
A terceira área é representada pelo rio Santo Antônio a jusante da UHE Salto
Grande, região mais densamente povoada da bacia (Figura 1). Embora nessa área
tenham ocorrido espécies nativas exclusivas dessa porção da bacia (Imparfinis sp.,
Loricariichthys castaneus, Moenkhausia doceana, Pimelodella sp., Poecilia vivipara,
Rineloricaria sp., Trachelyopterus striatulus e Trichomycterus sp.), todas são
relativamente comuns e possuem distribuição ampla na bacia do rio Doce. As únicas
exceções são Microglanis sp. e a piabanha (Brycon devillei), a primeira representando o
único registro conhecido na bacia do rio Doce e a segunda ameaçada de extinção.
Apesar da ocorrência dessas espécies, essa área foi a que apresentou maior
número de peixes exóticos, praticamente todos conhecidos para a bacia do rio Doce
(Alves et al., no prelo). Adicionalmente, a implantação das duas maiores usinas
hidrelétricas (Salto Grande e Porto Estrela) nesse trecho da bacia, modificou
substancialmente o padrão diário de vazão do rio Santo Antônio. Em função dessas
características ocorreu uma perda considerável da qualidade ambiental, traduzida de
forma mais evidente no excessivo assoreamento que eliminou as características dos
hábitats originais.
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Para as cinco espécies ameaçadas de extinção os dados de campo foram
complementados com as informações da literatura e composta uma avaliação qualitativa
em relação ao risco de extinção ao qual estão submetidas na bacia do rio Santo Antônio,
cuja síntese é apresentada na Figura 2. A integração dos dados indicou que existe risco
de extinção decrescente entre as espécies, sendo S. doceanum e B. devillei as que se
encontram em condições mais críticas. As demais espécies, embora tenham sido
registradas com maiores abundâncias, possuem particularidades próprias que definem as
suas possibilidades de permanência na drenagem em longo prazo, em particular o uso de
hábitats mais específicos e área de ocorrência menor.
Distribuição na drenagem
Raridade
Háb
itats
utili
zado
s espe
cífic
osva
riado
s
restrita ampla
maior
menor
BryconBrycon opalinusopalinus
LeporinusLeporinus thayerithayeri
HenochilusHenochilus wheatlandiiwheatlandii
BryconBrycon devilleidevillei
SteindachneridionSteindachneridion doceanumdoceanum
menor
maior
Distribuição na drenagem
Raridade
Háb
itats
utili
zado
s espe
cífic
osva
riado
s
restrita ampla
maior
menor
BryconBrycon opalinusopalinus
LeporinusLeporinus thayerithayeri
HenochilusHenochilus wheatlandiiwheatlandii
BryconBrycon devilleidevillei
SteindachneridionSteindachneridion doceanumdoceanum
menor
maior
Figura 2 – Modelo indicando a probabilidade de extinção, que aumenta no sentido da
linha tracejada, ao qual estão submetidas espécies de peixes ameaçados de extinção com
ocorrência na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG
De especial importância para manutenção da fauna de peixes do rio Santo
Antônio será o seu uso futuro para geração de energia, possivelmente a maior ameaça
ambiental no curto e médio prazos. Na Tabela I são especificados todos os
empreendimentos para a bacia, incluindo os já construídos e em operação e aqueles
outorgados.
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Tabela I – Usinas hidrelétricas implantadas e em estudo para implantação na drenagem
do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce, MG. Usinas
hidrelétricas Situação Potência
instalada (MW)
Município Rio
Porto Estrela Em operação 112 Açucena, Braúnas e Joanésia Santo Antônio
Salto Grande Em operação 102 Braúnas Santo Antônio e Guanhães
Dona Rita Em operação 2,4 Santa Maria do Itabira Tanque
Dores do Guanhães Estudos 12 Dores de Guanhães Guanhães
Funil Construção 22,5 Dores de Guanhães Guanhães
Jacaré Estudos 10,5 Dores de Guanhães Guanhães
Senhora do Porto Estudos 9 Dores de Guanhães Guanhães
Brejaúba Estudos 11 Conceição do Mato Dentro Santo Antônio do Rio Abaixo
Peixe
Monjolo Estudos 15 Conceição do Mato Dentro Santo Antônio do Rio Abaixo
Peixe
Quinquim Estudos 14 Conceição do Mato Dentro Santo Antônio do Rio Abaixo
Santo Antônio
Sumidouro Estudos 13 Conceição do Mato Dentro Santo Antônio do Rio Abaixo
Santo Antônio
Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Banco de Informações de Geração – BIG. 2003. Disponível em: www.aneel.gov.br/15.htm (consulta em fevereiro/2006). Do potencial total de geração na bacia (323,4 MW), observa-se que 67% já se
encontram explorados, restando 33% (107 MW), parte dos quais já licenciados e parte
em análise nos órgãos ambientais do Estado. O nosso estudo indicou que desses 107
MW restantes é possível explorar 54 MW, distribuídos em quatro usinas, todas
localizadas no rio Guanhães, considerado aqui como menos importante para
conservação. As demais, localizadas na calha do rio Santo Antônio e baixo rio do Peixe,
são consideradas incompatíveis com a manutenção das áreas aqui identificadas para
conservação da ictiofauna, notadamente as espécies ameaçadas de extinção.
AS ÁREAS SELECIONADAS PARA CONSERVAÇÃO
Com base na exclusão de parte das drenagens e demais características discutidas
anteriormente, o restante da bacia foi analisado para definir duas questões fundamentais:
maior número de espécies de peixes mantidas em longo prazo X menor área
necesssária para proteção efetiva. Atendendo a essas premissas foram selecionadas três
regiões que em seu conjunto deverão garantir a manutenção de populações
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significativas da maioria das espécies de peixes conhecidas na bacia, cujo mapa síntese
é mostrado na Figura 3.
A primeira área é representada pela drenagem do rio Preto do Itambé. Aliado as
boas características ambientais e estruturais, essa drenagem abriga ictiofauna muito
diversa e com populações do andirá (H. wheatlandii), da pirapitinga (B. opalinus) e do
timburé (L. thayeri), embora somente as duas últimas sejam abundantes. Outras
condições positivas para a seleção dessa drenagem são:
Ausência de grandes fontes de impacto, excetuando-se aquelas representadas pelo
lançamento de esgotos.
Continuidade com a área do Parque Nacional da Serra do Cipó, onde está a nascente
do seu principal afluente, o rio do Peixe.
Não existirem aproveitamentos hidrelétricos previstos ao longo de toda a drenagem.
Ser a maior drenagem com águas de coloração escura, que embora não tenha
representado um ambiente específico para peixes, necessita de estudos detalhados
para os demais organismos aquáticos, parte dos quais podem ser exclusivos desse
tipo de ambiente. Um bom exemplo são as podostemáceas, plantas aquáticas
importantes para os peixes do rio Santo Antônio, para as quais recentemente foram
descritos gêneros e espécies endêmicas de rios de águas escuras na cadeia do
Espinhaço em Minas Gerais (Philbrick et al., 2004a; 2004b).
A segunda área em importância é o canal central do rio Santo Antônio e baixo
curso do rio do Peixe. Essa área compreende a região que se inicia a jusante da foz do
rio do Tanque e se estendende para montante até a foz do ribeirão Mata-Cavalos. No rio
do Peixe seu limite superior foi posicionado junto à foz do ribeirão Folheta, localizado
abaixo do núcleo urbano de Dom Joaquim. Essa área foi selecionada por ser a única
onde existem registros do surubim-do-Doce (S. doceanum), por manter as maiores
populações das espécies ameaçadas de extinção e pela maior riqueza de espécies.
Fator potencial de mudança ambiental está relacionado à existência de quatro
barramentos projetados e já em estudos (Tabela I). Apesar desse problema, essa área é
primordial no contexto de manutenção da ictiofauna da bacia.
A terceira área compreende a drenagem do rio Parauninha, que apresenta
comunidade de peixes bastante representativa. Adicionalmente, essa região encontra-se
pouco alterada e com baixa densidade populacional, condições desejáveis para uma área
a ser protegida. Essa drenagem também é utilizada como área para reprodução de L.
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thayeri, além de várias espécies de pequeno porte e que vivem associadas a trechos de
corredeiras.
Após a seleção das áreas procurei enquadrá-las dentro das categorias definidas
pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação Nacional (SNUC) (Costa, 2006)
Segundo as proposições apresentadas em Boon (1992), concluímos que a bacia do rio
Santo Antônio constitui um caso para conservação onde a estratégia a ser adotada será a
limitação de usos. Com base nessa premissa concluímos que as três áreas possuem
características adequadas para enquadramento como APA (Áreas de Proteção
Ambiental), cuja definição é apresentada a seguir. “As APAs são áreas submetidas ao planejamento e à gestão ambiental e se destinam a compatibilização
de atividades humanas com a preservação da vida silvestre, a proteção dos recursos naturais e a melhoria
da qualidade de vida da população local. Elas podem compreender uma ampla gama de paisagens
naturais, semi-naturais ou alteradas, com características bióticas, abióticas, estéticas ou culturais
notáveis que exijam proteção para assegurar as condições ecológicas locais. Podem conter ecossistemas
urbanos ou outras Unidades de Conservação mais restritivas em termos de utilização, e permitem a
experimentação de novas técnicas e atitudes que possibilitem conciliar o uso da terra e o desenvolvimento
regional com a manutenção dos processos ecológicos essenciais” (Costa, 2006).
Além de disciplinar o uso adequado da drenagem, a efetivação dessas áreas
como APA’s deverá ser capaz de conciliar as atividades econômicas com a conservação
da maior parte da ictiofauna encontrada na bacia. Por outro lado, evitará a necessidade
de exaustivos processos de desapropriação e uso de amplos recursos financeiros, em sua
maioria bastante limitados (Darwall & Vié, 2005; Grammont & Cuarón, 2006), que
tornam a implementação de UC’s no Brasil um processo muito lento.
Adicionalmente, ainda falta uma definição de atividades que poderão ser
compatíveis com os objetivos de uma APA, fato que demanda uma análise mais
criteriosa e particular em cada uma das áreas selecionadas, o que se traduz na
elaboração de seus respectivos planos de manejo. Apesar dessa informação não estar
disponível em sua totalidade, constitui um fato que as usinas hidrelétricas previstas nas
áreas selecionadas não são compatíveis com os propósitos de conservação aqui
apresentados. Dessa forma, embora com implicações econômicas negativas, essas
usinas hidrelétricas devem ser consideradas inviáveis dentro do planejamento regional
onde o objetivo seja a manutenção desse importante componente da ictiofauna
neotropical.
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rio Piraci
rio
Doc
erio
Doce
rio
rio
Corrente Grande
0 20
km
Cad
eia
doEs
pinh
aço
Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
Ferros
Guanhães
Ipatinga
Antônio DiasItabira
Senhora daPenha
Itambé doMato Dentro
BeloOriente
o
Conceição doMato Dentro
rio
SantoAntônio
rio
rioPeixe
rio
Guanhães
do TanquerioPreto
doItambé
v vv
v vv
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v v
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v
v v
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v
v v caba
v
18o30’
42o00’
19o30’
44o00’v vv
Cadeia de montanhasCidadesCursos d’água
UHE’s implantadas
Pauninhara
Áreas selecionadas
do
1
3
2
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Parque Nacional daSerra do Cipó
S. Sebastião doRio Preto
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UHE’s implantadas
Pauninhara
Áreas selecionadas
do
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3
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Figura 3 – Áreas prioritárias para a conservação da ictiofauna na drenagem do rio Santo Antônio, bacia do rio Doce,
MG. 1 = Rio Preto do Itambé; 2 = Rio Santo Antônio e 3 = Rio Parauninha.
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