UMA CRÔNICA OU A HISTÓRIA DAS SETE TRIBULAÇÕES DA ORDEM DOS FRADES MENORES ÃNGELO CLARENO
UMA CRÔNICA
OU
A HISTÓRIA DAS
SETE
TRIBULAÇÕES
DA ORDEM
DOS
FRADES MENORES
ÃNGELO CLARENO
Quatro notáveis pessoas escreveram vidas do pobre e
humilde homem de Deus, Francisco, fundador de três ordens.
Esses irmãos, notáveis por seu conhecimento e santidade, foram João e
Tomás de Celano, Irmão Boaventura, um ministro geral depois do bem-
aventurado Francisco e Irmão Leão, um homem de admirável simplicidade
e santidade e um companheiro do bem-aventurado Francisco. Qualquer um
que ler e estudar diligentemente essas quatro histórias e as coisas que eles
narram se tornarão, no mínimo em parte, cientes do chamado, da conduta,
da santidade, da inocência, da vida e a primeira e a última intenção do
seráfico homem. Eles conhecerão como Cristo o amou de um modo
singular e como se mostrou amavelmente e com familiaridade a ele,
purificando-o, iluminando-o e o informando. E eles saberão como Cristo
puxou Francisco para o próprio caminho de Cristo, de modo que Francisco
pudesse prosseguir nas pegadas da perfeição de Cristo. Cristo, aparecendo
a Francisco como alguém que tinha sido crucificado, transformou
completamente o seráfico homem de tal modo que desde então Francisco
não viveu mais para si, mas totalmente crucificado em Cristo.
Cristo era a essência de Francisco, a ação, os sentidos, a luz e a vida, estava
ardentemente gravado na memória do santo, no entendimento e no desejo.
Francisco estava unido a Cristo cruciformemente e implantado
secretamente em Cristo. Tudo o que Francisco foi, tudo o que ele queria,
pensava, falava, veio a ele de Cristo. Francisco preparou e
perseverantemente levou a cabo sua vida de acordo e por causa de Cristo,
com vigilância, humildade e santidade. Cristo Jesus o encontrou fiel,
obediente, agradecido, simples, íntegro e humilde segundo seu próprio
coração. Ele lhe revelou sua primeira e última perfeição, a vida evangélica
de sua mãe, de seus apóstolos e evangelistas. Ele abriu os ouvidos de
Francisco e o instruiu com uma sólida compreensão acerca das celestiais,
incorruptíveis e perfeitas operações. E Cristo se alojou no coração, na boca
e nos braços de Francisco.
E Cristo disse a ele:
Tome o livro da minha mão, a lei da graça, da humildade, da pobreza, da
piedade, do amor e da paz, a forma de viver a qual eu mantive com meus
discípulos, a regra que dá a vida imaculada e a plenitude da graça. Esse
livro providenciará um caminho certo para a alma alcançar e possuir a
glória, direcionando-a ativamente e inteligentemente e elevando-a as
alturas das coisas celestiais e divinas.
Eu dei a posse desse livro aos santos desde o começo e o mostrado como a
forma da perfeição. Depois de nascer nu, de uma maneira inefável da
Virgem, fui envolvido nos panos da pobreza e colocado na manjedoura da
humildade, eu não quis ter um quarto na estalagem, de modo que eu
pudesse mostrar em mistério que a pobreza é o caminho certo para o reino
dos céus. Eu confirmei por obras e palavras que os humildes amantes e
servos da pobreza são os herdeiros e governantes daquele mesmo reino,
instituído por meu Pai da eternidade.
Eu enviei João Batista, um forte mensageiro, como Elias em espírito e
virtude, para ser o profeta do meu advento. Enviei João para preparar meu
caminho, fazer minha senda reta, pregar a penitência e dar o
conhecimento da salvação na remissão dos pecados por obras e pela
palavra. Enviei João a fim de que todos pudessem acreditar em mim
através dele e que todos que desejam vir depois de mim crendo, amando e
servindo o perfeito exemplo da minha pobre, misericordiosa e humilde
conduta e da minha diviníssima vida possam ter um piedoso e certíssimo
diretor, iniciador e patrono desde então e até mesmo até o fim do mundo.
Portanto, logo depois de ter sido batizado por esse mesmo João, fui levado
pelo Espírito Santo ao deserto, de modo que eu pudesse dar aquelas
pessoas que escolheram vir depois de mim um caminho fora das sombras
do erro e da condenação da eterna confusão e morte. Também pedi para
preparar para eles um caminho ao reino de Deus, depois de terem
renascido da água e do Espírito Santo. Em jejuns, vigílias e oração, eu
passei quarenta dias como um exemplo; ensinando por isto que a vida
inteira do batizado deveria ser consagrada inteiramente e perfeitamente ao
culto divino. E assim, ao me seguirem e pelo meu poder, meus seguidores
puderam vencer o príncipe da morte, o governante desse mundo de
sombras. Morrendo para o mundo e para tudo o que é do mundo, eles
puderam viver para Deus apenas, buscando e conhecendo aquelas coisas
que estão acima, não as coisas dessa terra.
Como um corredor levemente vestido, eu preguei a penitência e o reino dos
céus usando uma túnica e um manto desprezível, abrindo caminho o
caminho da vida aos meus discípulos, caminhando como um com eles sem
dinheiro, sapatos, bolsa ou alforje. Carecendo de abrigo, eu, que fiz os
céus, não tenho lugar onde reclinar minha cabeça, de modo que pude
mostrar aos meus imitadores que o mundo e todas as coisas que são do
mundo são para serem consideradas e rejeitadas como coisas gastas e
como estrume.
Passei noites em oração e vigília. Por dias nas sinagogas e no templo, eu
ensinei o ódio do desejo, da avareza, da hipocrisia, da mentira, do
orgulho, do mal e do mundo, a fim de que o povo pudesse reconhecer em
mim o messias prometido a seus pais, Deus encarnado, Emanuel e
pudessem receber-me para a sua salvação. Por meu próprio poder,
expulsei os demônios, purifiquei os leprosos, despertei os mortos, perdoei
os pecados e sarei a todos os fracos e os doentes.
Aqueles que escolhi do mundo, os fiz desapegados do mundo pela graça,
pela minha palavra e pelo exemplo da minha pobreza, humildade e vida
celestial e “Eu não perdi ninguém dentre eles”, mas “eles permaneceram
comigo em minhas tentações” e eu os santifiquei. E, quando estava vivendo
no mundo, eu os recomendei ao meu Pai, porque eles eram meus e não do
mundo e, segundo o meu exemplo, eles estavam vencendo o mundo por um
caminho não mundano. E em toda a terra dos Judeus e Gentios eles foram
pregar o ódio e o desprezo do mundo por causa de meu nome e
confessaram minha fé e proclamaram a glória eterna e a honra do meu
reino, o qual não é desse mundo.
Eu confirmei o meu sermão em meu sangue, pela morte da cruz. Fui
pendurado nu, fora dos portões, entre dois ladrões, abandonado em
vergonha e no mais amargo, mais inumerável e imenso esforço, a fim de
que pelo preço do meu sangue e o poder de minha morte, eu pudesse remir
aqueles a quem o orgulho, as vaidades e as coisas carnais haviam
depravado e que haviam sido condenados a segunda morte. Fui
crucificado para que eu pudesse fazê-los os mais fervorosos amantes das
minhas tribulações, cruz e morte. Eu venci o mundo e o demônio quando
sacrifiquei minha alma para a honra e glória do Pai e para a salvação da
humanidade; assim aqueles a quem eu redimi puderam sacrificar suas
almas à honra e glória de meu nome. Eles puderam usar como seus
recursos minha cruz e morte, pelas quais o mundo, como príncipe da
morte, tem sido vencido e pelas quais a graça é possuída no presente e a
glória no futuro.
Eu os fiz parecidos comigo em minha morte e os uni por meio de minhas
dores e padecimento. Fiz isto de modo que eles pudessem entender o
caminho para dentro do livro da vida e de modo que eles pudessem
compreender naquele livro a porção inscrita do meu imenso amor. Esse
livro podia tornar-se para eles uma porta se abrindo para dentro do
esplendor de minha sabedoria, bem como uma chave que abrisse o oculto
clarão luminoso de minhas obras, palavras, ordens, conselhos, sinais e
promessas e a segura revelação de minha gloriosa beatitude. Por essa
revelação os filhos da luz e da minha graça são separados dos filhos das
sombras e do pecado, os cidadãos do reino, dos cidadãos da Babilônia e
do inferno.
Francisco, esse Benjamim, compreendeu e aceitou essas coisas que Cristo
disse, do mesmo modo que Paulo, o menor dos santos, as tinha recebido,
não dos homens nem por homens, mas através da revelação de Jesus Cristo.
Cristo apareceu para Francisco, habitou nele seraficamente e falou a ele
como se da cruz, comunicando a ele todas aquelas coisas que Francisco
escreveu na Regra, o Testamento e as Admoestações e o que Francisco
pregava em abertos, breves e claros sermões e fiéis obras, e
completamente cumpridos.
Francisco tinha ficado tão ardentemente inflamado pelo fogo do Espírito
Santo desde que Cristo Jesus, sob o aspecto do Crucificado apareceu a ele
que, de acordo com o exemplo de Jesus Cristo, o Redentor, que tinha sido
pregado na cruz e morrido nu entre dois ladrões, Francisco firmemente se
propôs a que, nu e separado do mundo ele serviria a Cristo até a morte,
mesmo que todos o ignorassem como se lê no caso de Maria Madalena e
muitos outros santos. Francisco determinou oferecer a si mesmo para a
pregação da fé e como um testemunho de Jesus Cristo entre os Sarracenos
e outros infiéis , aceitando as duras penas do martírio. Convertido a Cristo
por sinceras orações e ardentes desejos, Francisco pediu com insistência
para ser iluminado e estar certificado pela direção de Cristo, de quem todo
o bem e todo o dom tem sido livremente dado e sem quem nada pode ser
feito que seja agradável a Deus.
Cristo Jesus, nosso Salvador, numa aparição a Francisco disse:
Francisco, me siga e te mantém fiel aos símbolos da minha vida, a pobreza
e a humildade. A meta de toda a minha promessa e a consumação da
minha graça e glória, é que você seja configurado e equiparado a mim
visivelmente, intelectualmente e efetivamente. Se você se mantiver fiel a
mim com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua mente e
com toda a sua força, de modo que todo o seu pensamento possa estar em
mim e ao redor de mim e todas as suas palavras possam ser de mim, para
mim e na minha frente e todas as suas obras possam sempre ser feitas por
conta da honra e glória de meu nome, você será meu servo e eu estarei
com você. E falarei através de sua boca; todo aquele que escutá-lo,
escutará a mim; todo aquele que recebê-lo, receberá a mim; todo aquele
que abençoá-lo, abençoará a mim; e todo aquele que o amaldiçoar será
amaldiçoado.
De fato, você e todos os irmãos que eu lhe der, vivam como forasteiros e
peregrinos mortos para o mundo semelhantes a mim, devendo estabelecer
vocês mesmos, sua Regra e sua vida na pobreza e na nudez de minha cruz,
porque a substância transmissível de todas as minhas riquezas de graça e
glória foram edificadas e fundadas sobre a pobreza. Além disso, o infinito,
santificado deleite de todos os meus bens é possuído na verdadeira
extensão da minha humildade. A altura da humildade é imensa e nos
verdadeiros amantes e possuidores da minha pobreza e humildade, a
paixão por meu desejo e boa vontade é repouso e habitação.
Por isso, a congregação de sua irmandade será chamada a religião dos
menores, a fim de que do nome mesmo os irmãos possam entender que eles
mesmos devem ser em seus corações, mais humildes que qualquer um.
Humildade é o pallium (manto) da minha honra e louvor e é o hábito,
vestido no qual, qualquer um que passar para o outro lado dessa vida,
encontrará os portões do meu reino abertos.
Eu pedi para o meu pai me dar nesta hora derradeira um tipo particular de
povo, isto é, pessoas pobres, humildes, gentis e pacíficas. Esse povo deve
ser em tudo como eu, em pobreza e humildade. Eles devem ficar satisfeitos
em ter somente a mim. Este será um povo no qual eu poderei repousar e
permanecer, exatamente como meu pai repousa e permanece em mim. Esse
povo deve descansar e se conservar em mim, exatamente como eu
permaneço no pai e me abrigo no seu espírito. E meu pai deu você, irmão
Francisco, para mim, junto com aquele povo que todo o coração, fé
genuína e perfeito amor, se manterão fiéis a mim através de você. E eu os
governarei e alimentarei. Eles serão meus filhos e eu serei o pai deles. E
“quem quer que receba você, receberá a mim”. Quem quer que persiga
você, perseguirá a mim. Meu juízo se erguerá contra qualquer um que o
perseguir e o desprezar, e minha benção permanecerá com qualquer um
que o receber e o abençoar.
Possa meu evangelho ser a sua regra e minha vida a sua vida. Deixe minha
cruz ser o seu descanso e meu amor sua vida. Possa minha morte ser sua
esperança e ressurreição. Possam os sarcasmos, blasfêmias e zombarias
feitos a mim serem suas honras, bênçãos e louvores. Possam a sua vida,
alegria e glória, ser para suportar a morte e os tormentos por mim.
Possam os seus dotes e suas riquezas ser para não ter nada sob o céu. .
Possam sua sublimidade, revigoramento e júbilo, ser par ser humilhado
por todos e em alegria ser afligido e desprezado por meu nome.
Os lugares onde, como forasteiros e peregrinos, os irmãos habitarem a fim
de adorar e louvar a mim devem ser vis, pobres, construídos de galhos
secos e barro, separados dos tumultos e vaidades do mundo e livre de
qualquer direito de propriedade. Como forasteiros e peregrinos deixe os
irmãos receberem esses lugares com obediência e livremente sob a boa
vontade dos bispos e clérigos. Deixe-os morarem nesses lugares somente o
tempo em que a sua residência lá seja agradável aos senhores dos lugares
e aos bispos. Deixe os irmãos sempre preparados para deixar livremente e
afavelmente aqueles lugares onde seus receptores os mandam abandonar.
Os irmãos serão parecidos comigo e em conformidade comigo quando,
atentos a minha adoração, eles habitarem em lugares como forasteiros,
pregando pelo exemplo e por ações meu nome. Os irmãos também serão
como eu quando, como estrangeiros e peregrinos, afastarem-se
bondosamente daquele que deu a eles a licença para habitarem em um
local. Eles demonstrarão mais perfeitamente por sua feliz e humilde
partida que eles mesmos não tem nada lá e não desejam possuir nada lá.
Em seu Testamento, o qual ele ditou perto de sua morte,
Francisco disse que: Depois de o Senhor me dar irmãos e companheiros, ninguém me mostrou o
que eu deveria fazer, mas o Altíssimo revelou a mim que eu deveria viver
de acordo com a forma do santo evangelho. E eu em poucas e simples
palavras fiz esse escrito no papel e o senhor papa confirmou pra mim.
Francisco fez seu Testamento perto do fim de sua vida por conta da pura e
católica interpretação da vida evangélica. Em seu Testamento ele mostrou
ter recebido o começo, o desenvolvimento e o fim de sua conversão de
Jesus Cristo por revelação. Francisco, iluminado por Cristo, confessou que
mantinha fé e obediência à Igreja Romana. Ele tinha tal reverência por
todos os sacerdotes ordenados pela Igreja –por mais que muitos daqueles
sacerdotes pudessem ter pecado - que mesmo que ele, Francisco, tivesse
tanta sabedoria como Salomão, ele nunca pregaria nas paróquias nas quais
eles serviam sem seu consentimento ou salvo em obediência a eles. Ele
também disse que temia, amava e honrava os administradores dos
sacramentos da Igreja como seus senhores e que ele se sentia obrigado a
venerar e honrar sobretudo mais esses mesmos sacramentos e as palavras
divinas , bem como os professores e doutores da sagrada teologia. Por isto,
ele disse, nós partilhamos do ministério de espírito e vida deles. Francisco
ensinou seus irmãos a dizerem o ofício de acordo com o costume da Igreja
Romana. Ele também os ensinou que por conta da verdadeira observância
da pobreza, eles deveriam ficar contentes com uma única túnica,
remendada por dentro e por fora e que eles não deveriam querer nada
mais. De coração, eles deveriam estar sujeitos a todos, demonstrando pela
maneira de viver e pelo trabalho, a pequeneza de sua humildade,
trabalhando com suas mãos para dar um exemplo, mostrar amor à virtude,
repelir a ociosidade e obter as necessidades corporais para eles mesmos e
seus confrades evangelicamente. Francisco disse que quando o custo do
trabalho não for dado, os irmãos deveriam recorrer a mesa do Senhor e
solicitar esmolas de porta em porta, indicando que tal súplica demonstra
grande humildade, inefável dignidade e uma porção na mesa do rei da
glória.
O bem-aventurado Francisco aprendeu de Cristo que para os homens
evangélicos implorarem esmolas pelo amor do Senhor Deus era uma
grande dignidade e uma incomparável honra aos olhos de Deus e dos
homens, porque nada criado nos céus ou na terra pode ser comparado ao
amor de Deus. Todas as coisas as quais o pai celestial, por conta de seus
amados filhos, criou para o uso da humanidade depois da queda, tem sido
concedidas como esmolas para o digno e o indigno. A súplica era
especialmente honrosa porque quando os filhos, os irmãos, pediam esmola
pelo amor do Senhor Deus, esmolas eram dadas por conta do amor de Jesus
Cristo, que tinha se feito pobre por nós, de modo que ele pudesse nos fazer
ricos em sua graça e pobreza no presente mundo e pudesse nos fazer santos
e abençoados pela sua glória no futuro. Portanto tais esmolas poderiam ser
chamadas de comida dos anjos antes que alimento do corpo.
De acordo com o que ele tinha recebido de Cristo, Francisco escreveu em
sua Regra:
Os irmãos não devem se apropriar de nada para eles mesmos, nem uma
casa, nem um lugar, nem nada; mas como peregrinos e forasteiros
servindo ao Senhor neste mundo em pobreza e humildade, eles devem sair
para esmolar com confiança. Eles não devem ficar envergonhados por
suas necessidades, porque o Senhor fez a si mesmo pobre neste mundo por
nós. Este é o peso da mais alta pobreza que fez de vocês meus mais
prezados irmãos, herdeiros e reis do reino dos céus, fez vocês pobres em
coisas e os exaltou em virtudes. Essa é a parte de vocês que os guia na
terra da vida. Aderindo completamente a tal pobreza, mais amados irmãos,
vocês não desejarão ter nada mais sob o céu em nome do Senhor Jesus
Cristo pela eternidade.
Portanto, Francisco ordenou firmemente e sem dúvida a todos os irmãos no
poder do espírito de Cristo, a fim de servir a perfeição da mais alta pobreza
evangélica, que Cristo tinha revelado a ele pura e inteiramente que:
Onde quer que os irmãos possam estar, eles não devem ousar pedir por
carta a Cúria romana diretamente ou através de um intermediário por
qualquer igreja ou lugar, nem sob a desculpa de pregação ou por
perseguição aos seus corpos. Mas onde quer que os irmãos não sejam
recebidos, eles devem fugir para outra terra a fim de fazer penitência com
a benção de Deus.
No fim, Francisco acrescentou que seu Testamento não era uma outra
Regra, mas uma exortação e recordação de seu primeiro e último objetivos
que haviam sido revelados a ele por Cristo. Francisco fez esse testamento
final para seus abençoados irmãos de modo que eles pudessem observar
mais catolicamente a Regra que ele tinha prometido ao Senhor. A Católica,
fiel e pura observância estava contida no sentido literal do Testamento e no
entendimento da Regra, os quais textos ele havia recebido de Cristo. Pelo
qual ele ordenou firmemente por obediência que na Regra e no Testamento
eles não deveriam por glosas, dizendo: “Assim isto deve ser entendido”.
Mas como o Senhor havia concedido a ele falar e escrever a Regra e o
Testamento pura e simplesmente, assim eles deveriam entendê-los pura e
simplesmente, sem glosa, e servi-los pelo santo trabalho mesmo até a
morte.
Ninguém que possua a fé de Cristo e a verdade do amor, pode deixar de
reconhecer quão insensatos e quão impróprias são aquelas pessoas que tem
tentado enfraquecer São Francisco e tentado fazer com que Francisco ele
mesmo, sua Regra e seu Testamento sejam ineficazes, porque suas
declarações são contra Cristo, os apóstolos, os discípulos, os evangelistas,
os anacoretas, os cenobitas e os primeiros fundadores das igrejas e de todas
as ordens do perfeito e também contra a Igreja Romana mesmo.
Cristo era tão familiar a Francisco como um pai com seu amado filho.
Cristo falava a Francisco acerca dos misericordiosos propósitos de sua
vontade. Ele revelou informações úteis à época, bem como coisas que se
tornariam pertinentes e convenientes no futuro, especialmente a prevista
tribulação. Cristo esclareceu a preparação prévia necessária para alcançar
um estado de perfeição em contemplação até o fim através de Francisco, e
nele no céu da Igreja. Mas “os seus não o receberam”.
Seus companheiros, nomeadamente, Bernardo, Egídio, Ângelo, Masseo e
Irmão Leão, disseram que São Francisco uma vez falou com cinco deles em
segredo:
Irmãos, talvez eu seja o homem mais indigno e a menos virtuosa das
criaturas de Deus. Todavia, a fim de que vocês possam aumentar sua
reverência e fé em seu chamado e na prometida vida e regra que o Senhor
revelou a mim, vocês precisam saber que Cristo amavelmente e
familiarmente mostrou sua presença a mim. Especialmente, não obstante
muitas vezes eu clamasse a ele para o proveito da religião, ele me
satisfazia completa e claramente acerca de todas as coisas que eu lhe
perguntava. O Senhor mesmo disse-me em uma ocasião que extremamente
poucos dos santos, na verdade para muito poucos, ele deu tanto de sua
presença. Ele que por sua bondade e graça chamou-me só e revelou-se a
mim, também me disse que eu deveria solicitar a confirmação de sua
imaculada vida da igreja e do senhor papa. E Cristo predispôs o senhor
papa e seus irmãos, os senhores cardeais, favoravelmente e eles
entenderam que eu tinha sido enviado a eles pelo Senhor Jesus Cristo
mesmo. E o senhor papa concedeu a mim tudo o que solicitei.
Felizes são aqueles irmãos que desejam fiel e devotadamente viver de
acordo com seu chamado e que servem aquelas coisas as quais eles
prometeram ao Senhor pura e simplesmente até o fim, porque “deles é o
reino dos céus” de uma única forma. Infortúnio para aqueles irmãos que
usam sua própria inteligência para esvaziar o significado das coisas que o
Senhor se dignou revelar a mim para a glória de sua graça, para o uso
presente e futuro de toda a religião e para a salvação das almas e de todos
os irmãos. Tais frades privam a si mesmos da graça, puxam outros para
longe da salvação e fazem a si mesmos devedores de mais agudos
sofrimentos do inferno.
Cristo não queria esconder de Francisco quais coisas eram boas e quais
eram más, quem não conseguiria e quem avançaria, os enganos e quedas,
os aborrecimentos e as tribulações, as batalhas e as revelações que viriam a
seguir e ocorrer na religião mesmo até o fim.
Depois essa miraculosa visão impactou cada coração individualmente,
enquanto Francisco estava fisicamente ausente dos irmãos, ele apareceu no
meio deles num carro de fogo. Então a consciência de cada irmão foi
exposta diante dos outros irmãos , como o santo homem, irmão João de
Celano escreveu em sua Legenda. Francisco, retornando aos irmãos, os
confortou primeiro a cerca da visão que tinha sido mostrada a eles do céu.
Em segundo lugar, Francisco, profetizando de forma ordenada as coisas
que iriam acontecer na religião, disse:
Não deixe que isso os faça desistir irmãos, que vocês são poucos em
número e ignorantes porque em breve muitos homens virão para essa
religião: eles incluem não só o ignorante, mas o sábio, o nobre, o rico e o
pobre. Não só os italianos virão, mas também franceses, espanhóis,
ingleses, irlandeses, alemães e pessoas de outras nações. Vejam!, eu posso
ouvir o som de seus pés em meus ouvidos.
Portanto, sejam agradecidos a Deus e com toda a força zelem para fazer
seu chamado e segura escolha na frente dele, com obras e santos desejos
ardentes. Deus, nesta última hora nos fez, que somos ignorantes,
desprezíveis e miseráveis, os fundadores de um humilde, empobrecido,
primeiro e último estado. Mas por causa disso devemos ser ainda mais
humildes e devemos trabalhar nossa salvação com temor e trêmulos e “dar
frutos dignos da penitência” diante de Deus, que nos chamou somente por
conta de sua bondade, para a meta celestial de sua vida.
E porque “muitos serão chamados , mas poucos serão escolhidos” mesmo
nessa religião, especialmente até o fim dos dias quando o tempo da
tribulação se aproximar, conheçam a verdade sobre os eventos futuros.
Por agora, no início da religião,o Altíssimo nos preencherá, quem já tem
experimentado os dons e as graças prevenientes, com a suavidade de sua
benção e os frutos do amor. E como pessoas que foram convidadas a sua
mesa, ele nos alimentará com o pão da vida e do entendimento; ele nos
dará alegria espiritual e felicidade para beber; e ele nos acalmará com o
inefável gosto de sua paz e sabedoria.
Mas o homem hostil tentará semear joio na religião. Muitos entrarão na
religião que começarão a viver não por Cristo, mas por eles mesmos e que
seguirão a prudência carnal mais do que a obediência à fé e a Regra. Eles
darão muito para a carne e pouco para o espírito. Eles se justificarão
pelas fragilidades da natureza. E fechando os ouvidos de seus corações à
graça, eles se descuidarão de introduzir essa força para dentro deles
mesmos, com a qual eles poderiam se apoderar do Reino de Deus. Por
conta disso a religião será diminuída e declinará de sua perfeição e o
ardor do amor perfeito se tornará morno. Haverão alguns irmãos depois
de nós, que serão inocentes e que caminharão fielmente, mas eles serão
afligidos e oprimidos pelo pesar e a fadiga causados pela lembrança do
bom estado do começo e de como as coisas se tornaram diferentes. Então,
depois daquela má tribulação e infortúnio, a religião irá piorar e se
tornará mais amarga. Maus espíritos lutarão contra a religião e muitas
pessoas se erguerão contra isso. O número daqueles que viverão como
animais carnais na religião multiplicará e eles serão apanhados numa
armadilha e se tornarão prisioneiros dos deleites e cuidados da vida.
Eles se permitirão receber dinheiro, testamentos e até legados e
consequentemente descaradamente entrarão em litígio. Eles se afastarão
do amor a santa pobreza e humildade. Eles perseguirão e atormentarão
aqueles na religião que resistirão a eles. Por essa razão suas palavras e
obras tanto interna como externamente serão muito cruéis. Internamente
eles se distanciarão da pobreza, humildade e oração e se darão
ambiciosamente ao conhecimento e a erudição.
Eles preferirão as palavras do que as virtudes, o conhecimento do que a
santidade, a soberba e arrogância do que a humildade. Eles chamarão isso
uma obrigação para confundir e oprimir qualquer um que os censure ou
contradiga e pregarão que isto é justo para fazer guerra contra seus
críticos. Eles perturbarão os clérigos e declinarão de sua reverência por
eles em contradição a promessa dos irmãos de humildade. Eles
escandalizarão o leigo por sua cupidez pelas coisas. Eles vão servir de
exemplo por sua freqüente mudança de um lugar ao outro, por seu fausto e
curiosidade- originando edifícios e por sua leviandade e vaidade. E eles
morderão e devorarão uns aos outros. Eles aspirarão às dignidades
eclesiásticas e lutarão entre eles mesmos a cerca de quem deveria
aparecer e ser superior aos outros. Eles desprezarão como insanos aqueles
irmãos que desejam aderir à humildade e que se esforçam para conquistar
o céu pela pura observância de suas promessas. Eles olharão com
desprezo os santos irmãos como inúteis e como sem importância. Ao invés
disso eles louvarão aqueles que investigam sublimes mistérios e aqueles
que eles tem em alta conta e consideram como sábios e eles louvarão sua
prudência.
Como resultado sua conduta e vida parecerão extremamente amargas e
impermanentes aos olhos de todos. Eles perturbarão, perseguirão e
difamarão uns aos outros. O cheiro pestilento de sua conduta não será
capaz de ser escondido. Então a religião amada de Deus será tão difamada
pelos maus exemplos que os bons irmãos ficarão envergonhados de
aparecer em público. Então todo homem mal atribuirá o mau cheiro de sua
malícia ao exemplo dos irmãos e começarão a se desculpar e diminuir seus
próprios crimes comparando com os atos dos irmãos, dizendo que “os
irmãos fazem coisas piores do que as que temos feito”.
Realmente, poucas pessoas se converterão sinceramente a Cristo e a
observância de seu chamado com as muitas tribulações e contradições. Os
noviços que entrarem na religião naquele tempo, vivendo sem qualquer
exemplo ou direção de seus superiores, ficarão estupefatos pelo que verão.
Seu entusiasmo pelos vivificantes desejos que procuram a vida eterna e por
obras que merecem graça secarão completamente e eles olharão para trás.
Alguns desses noviços, entretanto, clamarão em orações a Cristo e,
estando sem liderança dos mestres, eles serão precedidos por dádivas e
bênçãos da irresistível graça do Senhor e ascenderão as alturas da
suprema perfeição. No fim isto acontecerá àqueles maus irmãos como
geralmente acontece entre os pescadores que lançam uma rede no mar e
puxam um grande número de maus peixes entre os quais existem uns
poucos bons. O pescador arrastará a rede para a praia e procurará os
poucos peixes bons os quais eles porão em seus cestos jogando fora os
peixes maus na praia, onde os pássaros irão devorá-los.
Esse será o destino da religião no fim dos dias.
Uns poucos dias depois, quando o número de frades chegou a 12,
Cristo apareceu a Francisco e disse:
Escreva a vida que eu revelei a você e apresente isto ao meu vigário. Peça
a ele que confirme isto em meu nome para você e seus companheiros e
para todos que queiram assumi-la. Quem quer que receba isto
reverentemente e humildemente e observe com simplicidade e fielmente,
tomará parte no espírito da vida e será coberto pela luz do meu esplendor.
Quem quer que desdenhe disto será coberto pela escuridão das sombras.
Os falsos irmãos serão muito piores do que outros homens porque eles
terão caído de um estado tão sublime.
Porque as coisas que Francisco pediu pareciam excessivamente duras e
também impossíveis para o Supremo Pontífice, dado os fracos e mornos
homens daquele tempo, o papa exortou Francisco a assumir outra ordem ou
regra que já tinha sido aprovada. Mas Francisco, sabendo que tinha sido
enviado por Cristo para esta vida, permaneceu obstinado em seu pedido,
afirmando repetidamente que ele não podia pedir por qualquer outra vida.
Então o senhor cardeal João de São Paulo , bispo de Sabina e o senhor
cardeal Hugo, bispo de Óstia, foram movidos pelo espírito de Deus. Eles se
levantaram logo depois de Francisco e apresentaram sensatos e
extremamente efetivos argumentos para a vida que Francisco solicitou na
frente do senhor papa e dos outros cardeais . Na noite seguinte o Supremo
Pontífice sonhou que um certo homem pobre , que em todos os aspectos era
parecido com São Francisco, usava seu ombro para manter erguida a igreja
do Latrão, a qual parecia estar se inclinando e ameaçando desabar. De fato
o homem com uma exibição de força reergueu a igreja. No dia seguinte São
Francisco, tendo sido instruído pelo espírito de Cristo, falou diante do papa
uma parábola a respeito de uma pobre e linda mulher que concebeu e deu à
luz filhos com grande semelhança ao rei. Ela os educou no deserto. Algum
tempo depois o rei, passando de novo pelo deserto, viu os filhos que ele
tinha gerado, os reconheceu como seus próprios e os trouxe para sua
própria mesa, fazendo deles seus herdeiros e co-governadores de seu reino.
O Supremo Pontífice, Inocêncio, entendeu que o que Francisco buscava
vinha de Cristo e não dos homens e, dando graças a Deus, ele concedeu
suas demandas. Por sua autoridade, ele fez Francisco e os irmãos
pregadores do evangelho e prometeu que no futuro, se eles fizerem novas
petições, ele lhes daria com liberalidade e com bondade.
Após a Regra ter sido confirmada, enquanto os irmãos estavam voltando
para Assis e a hora para a refeição tinha passado, os irmãos ficaram fracos
e exaustos pela dificuldade da viagem. Eles estavam numa área deserta,
longe de qualquer habitação humana, quando inesperadamente um belo
moço se juntou a eles no caminho e lhes ofereceu os pães que carregava.
Discutindo muitos temas com eles sobre a perfeição da vida evangélica de
Cristo, ele provocou neles um forte ardor de amor pela força de suas
palavras. Ele logo depois desapareceu, os deixando estupefatos pela
maravilha de suas palavras. Ele também os deixou incendiados pelo
vivificante amor de Cristo.
Todos os irmãos reconheceram igualmente que um anjo de Deus tinha
oferecido a eles os pães. Espiritualmente e fisicamente revigorados, eles
agradeceram grandemente a Deus por suas dádivas e por sua bondade.
Todos eles juntos dobraram seus joelhos em fervor espiritual e elevando
seus sentimentos e seus corações a Ele, prometeram e juraram nunca recuar
de sua promessa da santa pobreza por causa de qualquer necessidade ou por
causa de qualquer perseguição. Eles entenderam, pela providência de Deus
e pelas palavras do anjo, que Deus tinha maior cuidado pelos corpos e
almas de seus seguidores do que uma mãe por seus filhos. Realmente, Deus
tinha maior cuidado por eles do que tinha pelo céu e a terra. E, eles também
souberam, que é impossível á Deus não ouvir os votos dos pobres e não
realizar os santos desejos que ele mesmo somente havia inspirado. Deus
também disse: “Eu não os deixarei nem os abandonarei”. Ele também
disse: “Não tema, pequeno rebanho, porque agrada a meu Pai dar a vocês o
reino”. Quanto mais lhes daria as necessidades da vida?
O próprio São Francisco disse que o onipotente Deus manifestou e mostrou
a si mesmo na fé e paciência dos santos, porque pela fé “fomos salvos”.
Francisco também disse que todas as obras feitas por Deus devem ser feitas
na fé e que “sem fé é impossível agradar a Deus” porque “quem hesita”
acerca da divina providência, de acordo com o que foi escrito: “é como
uma onda do mar que é movida e atirada de um lado para o outro pelo
vento. Tal homem não deveria pensar que ele possa receber qualquer coisa
de Deus porque semelhante alma é falsa e inconstante para seus atos.
Além disso, para uma pessoa que ama Deus e “que acredita que todas as
coisas são possíveis” todas as coisas, por mais amargas, serão doces e
suaves. Os apóstolos, mártires e os padres, nus, não viveram para si
mesmos, mas serviram a Deus fora do mundo pela fé e o amor de Cristo.
Tendo o exemplo de Cristo como testemunho, como uma nuvem de eterno
revigoramento diante de seus olhos, eles “circularam em peles de carneiro e
peles de cabra e sofreram penúria, aflições e provações dos quais o mundo
não era digno.
Todos os santos, na medida em que tenham sofrido tormentos, estão a salvo
justamente por esta medida quando eles chegam ao reino com a palma dos
mártires. Aqueles santos que participam do sofrimento de Cristo, que são
deixados no meio das tentações, das debilidades, das necessidades e da
perseguição dos demônios e dos homens e que são provados e testados
como se pelo fogo na estrada da tribulação, serão incluídos entre os santos
que reinam com Cristo no reino dos céus. As grandes e imensas dádivas do
espírito e as bondades do Senhor irão a nossa frente na hora em que nós
formos perseguidos e tentados, de modo que nós, provados pela paciência,
possamos vir a Cristo com a palma do martírio.
Devemos nos alegrar sempre que atrairmos sobre nós a escassez das coisas,
fraqueza e morte enquanto vivendo justamente em um santo caminho por
conta da observância da obediência, pobreza e castidade, “olhando em
direção a ele que, por causa da alegria que estava diante dele, sustentou a
cruz, desdenhando a vergonha”. Assim, aquelas pessoas que ganham uma
vitória sobre seus adversários se rejubilam e descobrem as coisas preciosas
que eles tem há muito tempo procurado e desejado. Tomando a pobreza,
cada um dos santos veste uma ajustada, bela e incorruptível roupa da glória
eterna. Esse mesmo santo é colocado na morada dos bons imortais, onde,
por causa da imitação e confissão da vida de Cristo, ele morre para os
vícios. Ele liberta a si mesmo dos desejos mundanos, de baixo para cima,
quem quer ser libertado do corpo e quer por meio de castigos e torturas
passar para Cristo, que deixou se perfurar com o sofrimento e a morte da
cruz por nós, quando éramos inimigos de Deus e servos do pecado, mais do
que tudo merecendo a morte eterna.
Cristo Jesus realizou obras em seu servo Francisco parecidas com as que
ele fez em seus primeiros servos. E muitas pessoas afluíram juntas em
direção ao suave aroma da vida que Francisco e seus companheiros viviam
e essas mesmas pessoas foram levadas pelo poder do espírito de Cristo de
forma eficaz em direção aos amorosos e perfeitos atos celestiais.
No fervor do espírito de Cristo, eles pregaram o evangelho pelo exemplo e
pela palavra e converteram os corações daqueles que os viam. Cristo, por
meio de Francisco, realizou sinais e inumeráveis milagres diariamente em
ordem a confirmar a vida e o sermão dos irmãos. Tendo concebido o
espírito de Deus, eles desprezaram o mundo com suas concupiscências. E
vendendo, de acordo com o conselho de Cristo, tudo o que eles tinham e
distribuindo o lucro aos pobres, eles se uniram a pobreza de Cristo pelo
coração e pelo hábito.
Depois que o número de irmãos tinha multiplicado em pouco tempo, eles
foram colocados em distintas províncias Cristãs, submetidos a ministros e
custódios. Mas o esforço requerido para se tornar um discípulo de Cristo e
buscar aquelas coisas que são necessárias para tal profissão, não é pouca
coisa. Muitos começam a fazer o bem, mas poucos, contudo, perseveram
mesmo no objetivo da perfeição. É um dom de Deus mortificar os
sentidos, silenciar a língua e o coração de acordo com o conselho
evangélico, oferecer o corpo e a alma continuamente de um modo
cristiforme à Deus, dirigir e aperfeiçoar exterior e interiormente as obras de
acordo com a boa vontade do propósito de Deus e ter paciência nessas
coisas até o fim. Estes objetivos não são obtidos e cumpridos sem grande
agonia e, se posso falar desse modo, suor sangrento e participação nas
dores de Jesus na cruz.
Nossa fraqueza física é grande e todos nós retornamos facilmente aos
prazeres sensuais. Prudência carnal sob o manto da discrição parece o
impulso de um espírito violento que nos impele fortemente em direção aos
deleites físicos. Nem correntes de ferro nem gaiola de bronze podem
resistir ao nosso consentimento as primeiras de nossas fraquezas e nossa
busca pela segunda delas, a prudência mundana. O irmão que seguir
ambos, o caminho da fraqueza ou o impulso da prudência, não atingirá a
condição dos santos.
O primeiro homem concebeu o começo de sua ruína através dessas faltas,
tendo sido envolvido nos piores pecados, a saber, amor de si mesmo e
complacência. Alguns irmãos, sob aparência de discrição, começaram a
abrir seus olhos e aceitar como exemplo o modo de vida de outros
religiosos. Compreendendo entre eles que esses outros estilos de vida
eram mais seguros e mais úteis, os sugeriram aos mais simples frades. Os
falsos irmãos, não pesando o pecado de sua presunção, infidelidade e
desobediência, provaram coisas que eram contrárias a Cristo, ao fundador e
a prometida Regra, puxando outros irmãos depois deles pela palavra e obra.
Esses atos chegaram aos ouvidos do pai deles, Francisco, que proferindo
duras reprimendas contra aqueles que estavam fazendo essas coisas, se
voltou a Cristo e suplicou que ele os orientasse.
E “eis que um anjo do Senhor apareceu a ele” enquanto Francisco orava. O
anjo era maravilhoso com respeito a sua forma e aparência. Sua cabeça era
de ouro, seus braços e peito de prata, seu estômago de bronze, suas pernas
de ferro, seus pés de terra e barro. Seus ombros estavam cobertos por um
reles e grosseiro pano. E o anjo indicou ao bem-aventurado Francisco que
ele, o anjo, tinha uma certa vergonha por conta de seu pano desprezível.
Vendo isso, Francisco ficou estupefato. E o anjo lhe disse:
Por que você ficou mudo de admiração? Essa forma, na qual fui enviado
para aparecer a você, significa o começo, o meio e o fim que sua religião
está prestes a experimentar até o tempo de vir à luz a reforma da vida de
Cristo e do estado eclesiástico.
Você e todos os seus companheiros que carregam Cristo e sua morte
inscritos em seus corações, que sinceramente desejam manter-se fiéis as
suas pegadas e não querem ter nada em perpetuidade sob o céu por conta
do seu amor a ele, são as cabeças de ouro. Mas como a prometida semente
de Abraão veio através de Isaac e não através de Ismael, assim a semente
de seu nome não virá através dos filhos da carne, mas através dos filhos do
espírito, do trabalho e da verdade.
Os irmãos levarão a estátua de ouro da vida de humildade e pobreza, a vida
na qual os irmãos não tem nada e não querem nada, buscando e amando
somente Cristo. Não fazendo caso da oração e devoção , eles voltarão
àquele conhecimento que infla e desejarão estudar e acumularão um grande
número de livros sob o pretexto de edificar seu próximo e de salvar almas.
E porque eles preferirão palavras a virtudes e conhecimento a santidade,
eles ficarão interiormente frios e vazios de amor. Assim o ouro se
transformará numa fria e porosa prata.
E vendo que os falsos irmãos falarão muitas coisas mas farão pouco, eles
começarão a solapar a fundação da humilde vida e de sua substância
básica, a saber, a fidelidade a pobreza. Tomando cuidados em atividades
que causam dissipação, aqueles irmãos converterão prata em bronze. Eles
não se preocuparão acerca dos bens anteriores, isto é, acerca do retorno ao
fervor pelos anseios celestiais, mas eles se fingirão religiosos, humildes e
extremamente santos, enquanto interiormente eles se vestem com
hipocrisia. Eles desejarão ser louvados e honrados, querendo ter reputação
e parecerem ser mais superiores e mais santos do que os outros enquanto
que na realidade não desejam tal santidade. Assim, os falsos irmãos
correrão para as piores coisas; e para seu grande detrimento, como maus
comerciantes, eles permutarão a prata da eloqüência e conhecimento, por
uma falsa e hipócrita reprodução feita de bronze. Eles realizarão suas obras
na esperança de obter o louvor humano.
Mas seu engano e hipocrisia não permanecerão escondidos por muito
tempo. Quando os irmãos forem desmascarados, percebendo que eles estão
se tornando indignos aos olhos de seus louvadores e sabendo que dia a dia
sua imagem está deteriorando, eles ficarão raivosos e indignados por conta
de sua perda de reputação. Eles perseguirão aqueles que eles queriam tanto
satisfazer. Eles procurarão oportunidades para atormentar aqueles que
pararam de os reverenciar e elogiar. Desse modo eles transformarão seu
sonoro e avermelhado bronze, num sólido e duro ferro. E tendo sido
transformados em inflexíveis essências, eles ficarão ansiosos e ousados em
defender a si mesmos e rápidos em infringir maldades; mas eles ficarão
medrosos, fracos e extremamente impacientes em suportar as maldades
infringidas por outros.
E como você vê ferro misturado com terracota em meus pés, assim no final
os irmãos serão rápidos e cruéis em infringir maldades como o ferro e
impacientes e frágeis em tolerar os outros como terracota. E assim, aqueles
irmãos que eram considerados por estarem revestidos do mais puro ouro do
amor de Cristo no começo, serão considerados vasos de barro no fim dos
dias, quando a religião que você fundou der a luz.
O hábito de penitência, aliás, pelo qual estou coberto e por conta do qual
estou envergonhado, é a humildade e austeridade da pobreza, a qual os
irmãos prometeram ao Senhor que carregariam gloriosa e alegremente.
Mas depois de deixarem seu primeiro amor pelo qual estavam unidos a
Deus, eles pensavam que ter e servir a humilhação da humildade e pobreza
em tudo, seria uma antecipação da honra celestial e uma garantia da glória
eterna. Mas eles interiormente evitavam trazer os labores e inconvenientes
da pobreza, enquanto que exteriormente eles toleravam isto e verbalmente
transmitiam isto se ruborizando.
O anjo o deixou, depois de dizer essas coisas. Francisco, cheio de profundo
pesar sobre as coisas que tinha visto e ouvido, começou a lamentar
ansiosamente diante do Senhor. E Cristo apareceu a ele e disse:
Por que você está tão perturbado e triste, Francisco? Eu o chamei do
mundo, embora você fosse inculto, frágil e simples, de modo que eu
pudesse demonstrar em você minha sabedoria e virtude. E todo o bem será
atribuído a meu nome por causa das coisas que você iniciará e realizará
na igreja e na religião. Eu sou aquele que criou o homem e o tenho
livremente assumido, redimido, reparado e reconciliado. Eu tenho
chamado a penitência, orientado, protegido e zelado aqueles que eu elegi.
Ninguém pode desejar ou aperfeiçoar o bem sem mim. Eu mesmo chamei
você para fora do mundo enquanto você estava em pecado e eu iluminei
você e o ensinei a levar o leve jugo da minha vida em cima de você e
carregá-lo humildemente. E eu mesmo protegerei e servirei você e todas as
coisas que fundei e implantei em você; eu edificarei o prostrado e
repararei o dilacerado. E substituirei os outros quando alguns tiverem
caído assim, de modo que farei alguns nascerem mesmo que eles não
tenham nascido. E mesmo que a sua religião diminua para apenas três
irmãos, ela permanecerá no mesmo lugar até o fim do mundo, por minha
dádiva.
A palavra de Deus não pereceu porque os Judeus não me receberam,
embora me perseguissem e matassem meus discípulos. Um remanescente
dos meus eleitos foi e será salvo e meu nome será louvado entre os gentios.
Portanto, o principal fruto realizado pela minha permissão e intenção, o
fruto o qual decretei ser criado por você nesta última hora, não será
impedido ou destruído por qualquer hostilidade humana ou satânica.
E o espírito de Francisco foi consolado pelas palavras de Cristo. E
Francisco cumpriu em si mesmo o que ele pregou aos irmãos e pelo
exemplo de seus feitos confirmou o que ele tinha ensinado com suas
palavras, de modo que os irmãos pudessem ficar indesculpáveis diante de
Deus. Francisco os entusiasmou a pura observância da Regra que o Senhor
havia revelado a ele. Diante dos seus olhos, Cristo multiplicou virtudes e
sinais através de Francisco, de modo que o Senhor pudesse aumentar neles
a fé interna e o amor por sua vida e a prometida Regra e consolidou neles a
aversão as coisas contrárias a sua vida e a Regra.
Enquanto Francisco estava na caverna de St.Urban chamada “Speco”, Jesus
Cristo enviou a ele um anjo com uma brilhante aparência. O anjo revelou
privilégios e graças especiais que tinham sido criadas para aqueles que
amavam e simplesmente serviam a Regra até o fim, os quais privilégios e
graças Deus tinha concedido nos céus. O anjo induziu Francisco a anunciar
aos irmãos a incomparável glória que Cristo tinha preparado no céu para
aqueles que cumprissem a vida e a Regra fielmente e devotadamente. Ele
também disse para Francisco descrever a feliz ascensão ao reino, uma
passagem sem qualquer impedimento e sem qualquer detenção nos castigos
do purgatório, onde os irmãos habitariam com os discípulos de Cristo em
resplandecentes e transparentes casas. O anjo instruiu Francisco a dizer que
os irmãos desfrutariam de uma notável defesa e proteção durante seu exílio
e peregrinação das perfídias dos demônios e da queda no pecado. Os
irmãos servindo a Regra pura e fielmente receberiam uma agradável e
“Cristiforme” morada de Cristo e seu espírito em suas almas e corpos.
Aqueles irmãos que ficaram na religião e vestiram o hábito da humildade e
da pobreza receberiam uma indulgência por todos os seus pecados de
comissão e de omissão, porque eles possuíam ambas as coisas em prova e
em verdade. Por isso, finalmente, eles encontrariam e receberiam seu fim
misericordiosamente. Aqueles que mostram devoção aos servos de nossa
Regra e a religião, bem como aqueles que piedosamente acolheram os
irmãos e amavelmente os assistiram, receberão uma maior quantidade de
bens da graça , bem como proteção de seus inimigos e liberação de seus
pecados. No fim eles receberão misericórdia e o revigoramento do
descanso eterno, se ouvirem os irmãos e perseverarem na reverência e
afeição que eles começaram até o fim.
Aqueles que perseguem, lutam contra e odeiam os irmãos e sua religião, na
presente vida serão privados da graça, cegados em suas mentes,
embrulhados em seus pecados e receberão amargura em seus corações e
impiedade. Se eles não se arrependerem e recuperarem seu senso antes de
morrerem, a maldição de Cristo e a condenação eterna virão sobre eles.
Instruído, portanto, por Cristo e seu mensageiro celestial, Francisco, pelo
poder do Espírito Santo, anunciou aos irmãos a incomparável dignidade e a
misteriosa glória e sublimidade da imitação da humilde e pobre vida de
Cristo por meio de sinais e irresistíveis obras. Pela sua viva e poderosa
palavra, os irmãos foram incendiados com sentimentos virtuosos em
direção ao comportamento puro da vida que eles haviam aceitado e
confirmado em reverência à prometida Regra.
Além disso, Francisco compartilhou os segredos de seu coração e as coisas
que ele tinha recebido somente de Cristo com aqueles irmãos que ele sentia
serem mais perfeitos em amor. Ele disse que amor, junto com fidelidade e
completa observância da pobreza e humildade de Cristo, eram a fundação,
substância e raiz da vida evangélica e a Regra que Cristo tinha revelado a
ele. Jesus, o Filho de Deus, tinha consagrado essa vida, tendo nascido numa
gruta de uma pobre mãe, colocado numa manjedoura , coberto com fraldas,
porque não havia quarto na hospedaria. Ele foi circuncidado, ofertado,
levado em fuga para o Egito e então trazido de volta a Nazaré onde viveu.
Esse Jesus suplicou, jejuou, pregou, agonizou, foi enterrado num sepulcro
alheio e ergueu-se da morte no espaço de três dias. Imitação desse Jesus,
Francisco disse, era a raiz da obediência, a mãe da reverência, a morte da
egoísta satisfação consigo mesmo, da cupidez e da avareza. Isto era a fonte
da obediência e a operação da fé, a manifestação da esperança, a prova da
humildade e o progenitor da paz de Deus, a qual supera todo o
entendimento.
E Francisco disse aos irmãos:
Se a fundação da pobreza for retirada da religião, fui assegurado por
Cristo que a religião será indignamente e miseravelmente derrubada. A
religião inteira foi consagrada de um único modo para a manutenção da
humilde pobreza e o compromisso com as ordens de Cristo. Essa religião
foi escolhida de modo que pudesse espiritualmente conceber e dar a luz a
Jesus Cristo no estábulo da igreja no fim dos dias, como se fosse outra
Virgem Maria em espírito. Além disso, os irmãos são escolhidos de modo
que ao promover, amar e servir a pobreza na terra, eles possam carregar
Jesus Cristo e seu espírito reverentemente e humildemente. E perseverando
até o fim, eles possam ir para longe para a vida segura e certa do reino
dos céus.
Por causa disso, Francisco queria que todos os irmãos tivessem e
soubessem a Regra e, o que é mais, serem obrigados a morrer com ela.
Obediente a esta admoestação, um santo irmão menor, que sempre
carregava uma couraça de couro junto a pele, foi sentenciado pelos
Sarracenos a execução por causa de sua pregação da fé e sua constância em
confessar a fé. Tendo nas mãos a Regra a qual ele sempre carregava e
levantando seus olhos e mãos com a Regra ao céu, ele disse: “Em suas
mãos Jesus Cristo, eu encomendo meu espírito. E se eu tiver pecado em
qualquer coisa contra essa Regra, como um homem, seja misericordioso
comigo, seu amante inteiramente”. E, depois de ter dito essas coisas, ele foi
decapitado e migrou para Cristo com a palma do martírio.
Francisco chamou sua Regra de árvore da vida, o fruto da sabedoria, a
fonte do paraíso, a arca da salvação, a escada que ascende ao céu, o pacto
de aliança eterna , o evangelho do reino e “a breve sentença que o Senhor
pronunciou na terra” com seus discípulos. Através dessa Regra Francisco
ensinou aos frades que eles podiam encontrar o verdadeiro descanso para
suas almas e corpos, experimentar a abençoada doçura do agradável fardo e
suave jugo de Cristo e encontrar um valor que pudesse levá-los aos céus.
Depois Francisco, na medida em que podia por palavras divinas e
exemplos, demonstrou, instruiu abundantemente, consolidou e confirmou
os irmãos na direção de venerar e pura e fielmente servir a vida da
prometida perfeição, Francisco, movido por vivo fervor daquele seráfico
amor pelo qual ele, posto em chamas, nasceu para Cristo, escolhendo
oferecer a si mesmo como um vivo sacrifício a Deus pelo fogo do martírio,
tentou três vezes fazer uma viagem às terras dos infiéis; mas a divina
providência proibiu duas vezes em ordem a testar a chama de seu ardor
mais plenamente.
Na terceira tentativa, depois que Francisco sofreu muitos opróbrios,
grilhões, açoites e padecimentos, ele foi conduzido ao Sultão da Babilônia
pela providência de Cristo. De pé na frente do Sultão, completamente
incendiado pelo Espírito Santo, ele pregou Cristo Jesus e a fidelidade de
seu evangelho com tal poder, vivacidade e eficácia, que o Sultão e todos
aqueles que estavam presentes ficaram atônitos. Por causa do poder das
palavras que Cristo falou através de Francisco, o Sultão, convertido em
brandura, contra o decreto de sua ímpia lei, de bom grado ouviu as palavras
de Francisco e logo convidou Francisco para permanecer em sua terra por
mais tempo. Finalmente, o Sultão determinou que Francisco e seus irmãos
podiam visitar o sepulcro de Cristo em Jerusalém sem pagar qualquer
tributo.
A PRIMEIRA TRIBULAÇÃO
Enquanto o pastor Francisco estava longe no Egito, um lobo voraz
tentou saquear e dispersar seu rebanho e o portão foi aberto a ele por
aqueles ministros que deveriam fazer oposição a sua zombaria e que mais
que os outros se imaginava que resguardariam contra suas armadilhas.
Estes ministros que presidiam sobre os outros e pareciam ser mais
prudentes assim como mais experientes, confiaram na sua própria
presunção.
Escondendo a infidelidade morna do lobo debaixo do disfarce da discrição,
eles pregaram, sagazmente por palavras e ações, um diferente modo de vida
daquele que foi transmitido a eles do céu pelo pastor, justificando isso com
citações bíblicas e o exemplo de outros religiosos.
Eles não entenderam que confiando na prudência humana, a qual o
apóstolo chamou morte, eles cavaram para si mesmos um lago no qual
caíram e fabricaram um bezerro idólatra, depois de terem se retirado do
cume da perfeição a que eles tinham jurado.
Os ministros julgaram que seria impossível, perigoso e tolo imitar e
simplesmente e obedientemente seguir Cristo que tinha falado com eles em
Francisco e tinha aberto para eles os caminhos da vida.
Os filhos de Israel depois do êxodo do Egito e o cruzamento do Mar
Vermelho se tornaram incrédulos e complacentes sobre sua própria auto-
suficiência, abandonando como nada, tudo aquilo que eles experimentaram,
viram e ouviram, quando Deus falou com eles através de Moisés.
Similarmente, aqueles ministros, que tinham saído do mundo, renunciaram
sua própria vontade e assumiram a cruz da vida evangélica, pensaram que
era menos útil para eles e outros humildemente e obedientemente seguir
Cristo que estava pregando e atuando no homem enviado do céu,
Francisco. Então, os ministros pensaram conveniente, meritório e justo
arrastar com eles os freis que estavam caminhando pura e fielmente.
A audácia dos ministros presunçosos cresceu tanto que, enquanto
Francisco estava peregrinando pelas terras alem dos mares para visitar os
lugares santos, a fim de pregar a fé de Cristo para os infiéis e merecer uma
coroa de mártir, como eu disse, em muitas províncias eles trataram severa e
cruelmente aqueles frades que resistiram as suas tentativas e afirmações e
que continuavam a seguir devotadamente as pegadas e ensinamentos do pai
deles. Os ministros não só impuseram injustas penitências, como também
expulsaram os freis de sua congregação e comunidade como se eles fossem
heréticos.
Por essa razão, os ministros recusaram receber muitos frades,
especialmente aqueles que eram ferventes em espírito, os julgando
desobedientes.Vários outros frades, avisados do furor, perambulavam pra lá
e pra cá, como ovelha que foi separada do rebanho. Lamentando a ausência
do seu santo pastor e diretor, eles rogaram em prantos ao Senhor com
orações contínuas para o seu retorno.
Deus no alto, ouvindo suas solicitações e votos e sendo
simpatizante das suas aflições, apareceu para São Francisco depois do
sermão que ele havia pregado ao sultão e sua corte dizendo:
Francisco, retorne, porque o rebanho de irmãos pobres que você tem
trazido unido em meu nome está tomando a estrada errada e necessitam sua
orientação para se unirem, fortalecerem e aumentarem. Já seus irmãos
começaram a deixar o caminho para a perfeição que você passou para eles
e estão perdendo o desejo ao amor, a humildade e a pobreza como também
o tipo de comportamento reto e inocência nos quais você os enraizou e
plantou.
Depois dessa visão e após visitar o sepulcro do Senhor em Jerusalém,
Francisco retornou imediatamente para as terras cristãs.
Encontrando seu rebanho, que ele havia deixado unido, dispersado como a
palavra do Senhor havia descrito, ele chamou seus irmãos para junto de si
procurando com muita dificuldade e lágrimas. Quando os irmãos
perseguidos ouviram falar do retorno de Francisco, eles se uniram depressa
a ele, motivados por forte desejo e imensa, sincera alegria; e dando graças à
Deus, lançaram-se aos seus pés e seguiram as pegadas de seu muito
desejado pastor. Ele exortou o fraco, consolou o afligido, corrigiu o
inquieto, apontou a culpa dos dispersadores e uniu dispersadores e
dispersados no amor.
Ele os inspirou e os inflamou por exortações e advertências, a observar a
Regra não só nos fáceis mas também nos casos difíceis e mesmo com
alegria suportar a morte por Cristo.Todos admiraram as palavras de graça
que fluíam de sua boca; e se maravilharam quando contemplaram a
perfeição de sua vida, a excelência de suas virtudes e os inumeráveis sinais
e milagres que o Senhor diariamente realizava através dele. E aqueles freis
que preferiram seu próprio senso de prudência não se atreveram
abertamente a resistir as suas advertências e exortações ou responder aos
seus sermões com razões contrárias.
Então, todos mantiveram silêncio e aparentemente o seguiram e o
obedeceram com reverência. Alguns motivados por pureza de coração, boa
consciência e fé genuína, enquanto outros foram induzidos pela prudência
humana e a necessidade do voto do que por espontaneidade, temendo
incorrerem na infâmia dos homens e especialmente aos olhos dos prelados.
Dentro de si mesmos eles estavam determinados que quando viesse uma
oportunidade, eles regrariam a si mesmos e outros de acordo com seu
próprio plano e com seus seguidores, desdenhando da honra, santidade e
integridade. Eles seguiriam sua própria prudência e se afastariam da
intenção e boa vontade do seu fundador.
Eles temiam e se humilhavam na presença dele, exibindo externamente
excessiva familiaridade e devoção a ele nas suas palavras e ações. Neste
caminho, eles encobriam os conselhos de sua própria vontade debaixo da
santidade do manto dele.
Porque esses irmãos sabiam que o pai e senhor dos Cristãos, o Supremo
Pontífice, e seus irmãos, os senhores cardeais, reverenciavam Francisco,
singularmente o amando, perseguindo-o com favores generosos
considerando seus méritos e sua santidade e o venerando com sincera
afeição. Aderindo a ele em amor, reverência, fé e obediência, eles
desfrutavam de sua boa vontade e livre acesso, enquanto, se eles preferiam
o caminho contrário, desagrado e exclusão de sua intimidade seguiria.
O Senhor Cardeal, por causa de sua devoção, quis estar presente ao
capítulo geral que então era mantido cada ano em santa Maria da
Porciúncula ou Santa Maria dos Anjos. Os ministros e custódios bem
como irmão Elias e seus seguidores- a quem os ministros astutamente e
sagazmente ofereceram incentivos à descrença, irreverência e
desobediência contra o fundador- cautelosamente sugeriram ao Senhor
Cardeal que São Francisco, por causa de sua extraordinária pureza e
inocência, não queria se preocupar com os irmãos e dirigir aqueles assuntos
que eram convenientes e apropriados a religião. Além disso, eles
insinuaram que Francisco era incapaz de satisfazer e prover tal multidão de
irmãos convenientemente porque ele era iletrado. Em comparação, os
muitos irmãos que eram sábios e extremamente perfeitos em santidade e
vida honesta e conhecimento, mas a quem Francisco mantinha sobre sua
governança, eram hábeis a dirigir e ajudá-lo em muitos assuntos, enquanto
ele, Francisco, estava enfermo e fraco de corpo. Os ministros advertiram o
Senhor Cardeal que ele não deveria deixar Francisco saber que aquelas
palavras vinham deles. Mas o Senhor Cardeal haveria de recomendar
Francisco a discutir com seus irmãos a profissão que pertencia a religião e
fazer uso dos conselhos deles e assistência, em ordem a prover uma mais
sólida e certa direção para toda a religião.
Aquelas palavras pareciam agradáveis, sensatas e muito oportunas para o
Senhor Cardeal. O Senhor Cardeal estava acostumado a discutir assuntos
espirituais frequentemente com São Francisco e após uma dessas
conversas, ele falou de improviso com ele para congratulá-lo dizendo:
-Você deveria se regozijar grandemente e agradecer imensamente a Deus,
irmão Francisco, porque Deus tem feito com que a religião se expanda e
tem dado a você muitos sábios e santos irmãos, que são hábeis não só para
regrar e governar sua religião somente, mas o igreja de Deus inteira.
Portanto, você deveria louvar a Deus grandemente por isso e você deveria
seguir o conselho deles e usar a prudência e a discrição de tais homens para
o bom governo, a continuidade e a solidez da religião inteira.
Através do Espírito de Deus, São Francisco entendeu o peso das palavras
do Senhor Cardeal e a fonte da qual elas vieram. Ele lhe disse: “Vem,
Senhor, para que eu possa falar aos irmãos em sua presença”.
O bem-aventurado Francisco falou estas palavras para os irmãos, enquanto
o Cardeal ouvia:
Cristo chamou a mim, uma ignorante e simples pessoa, a fim de que eu
seguisse a loucura de sua cruz. E ele me disse: “Eu quero que você seja
um novo louco no mundo e que pregue por obras e palavras, a loucura da
minha cruz. Meu desejo é que você e seus irmãos façam aquilo que vocês
podem ver em mim e juntem-se a mim, dispensando o exemplo das regras
de Agostinho, Bento e Bernardo. Mas vocês querem ir e me arrastar junto
de acordo com seu juízo e ciência; e a sua ciência finalmente confundirá
vocês”.
Francisco então se virou e falou para o Senhor Cardeal:
Meus sábios irmãos, a quem você elogia, pensam que podem enganar a
Deus, a você e a mim com sua prudência humana, quando enganam e
seduzem a si mesmos, opondo-se e atacando aquelas coisas que Cristo fala
e tem falado através de mim para eles para a salvação de suas almas e
para proveito de toda a religião. Eu tenho dito e nada digo de mim para
eles, exceto aquilo que tenho recebido dele em espírito por certeza se sua
graça e bondade somente. Mas esses irmãos, para grande perigo de suas
almas, preferem seu juízo do que o juízo de Cristo e sua vontade do que a
vontade de Deus. Eles regram mal a si mesmos e aos outros que acreditam
neles. Eles não edificam, mas tentam derrubar e destruir aquilo que Cristo
tem estabelecido e construído somente por sua bondade e amor em mim e
neles, para a segura salvação de nossas almas e a edificação da igreja
inteira.
O coração do Senhor Cardeal foi mudado pela força e eficácia das palavras
de Francisco e ele soube que o que Francisco tinha dito era verdade.
Quando chamou os irmãos que o induziram a falar aquelas palavras para
São Francisco, ele lhes disse:
- Irmãos, ouçam-me e prestem atenção, de modo que vocês não possam
enganar a si mesmos e serem displicentes com a bondade de Deus, porque
Deus verdadeiramente está neste homem, e ambos Cristo e seu Espírito
falam por ele, e quem quer que o ouça , ouve não um homem, mas Deus.
Quem realmente o despreza, despreza a Deus, não um homem. Humilhem
seus corações e obedeçam-no, se vocês querem agradar a Deus e fazer
aquilo que é agradável a Cristo. Ofendendo-o e pensando e fazendo coisas
contrárias as suas ordens e conselhos, vocês privarão a si mesmos da
salvação e do fruto do seu chamado e baixarão o estado de sua religião,
encobrindo o coração dela e mostrando sua cobertura com as imperfeições
e sombras de vocês. “Em nome da palavra viva de Deus” que tem saído da
boca de Francisco “afiada como uma espada de dois gumes” segundo a
palavra do apóstolo. Esta palavra não pode ser enganada pela astúcia
humana, porque ela tem o espírito de Deus em si, a qual “escrutina lombos
e corações” e “igualmente a profundeza de Deus”.
Além disso, antes de sua partida, o Senhor Cardeal pregou a palavra de
Deus para toda a assembléia, para os irmãos que tinham vindo para o
capítulo em grande número, para o povo piedoso e para a população da
cidade de Assis. Por ser um homem de sabedoria, conduta e vida honesta,
depois de ter falado sabiamente, eficientemente e persuasivamente sobre a
instrução das almas e dos princípios morais, finalmente alterou sua
recomendação e louvor em um sermão, no comando dos irmãos. Exaltando
a vida e perfeição deles com muitos comentários elogiosos, o Senhor
Cardeal tentou atrair e inflamar por suas muitas exortações todo o povo que
estava presente a reverenciar e ter devoção pelos irmãos e sua sagrada
religião.
Depois do Senhor Cardeal ter terminado seu sermão, São Francisco
ajoelhou-se frente a ele e pediu permissão para falar algumas breves
palavras em sua presença para os irmãos e para o povo com sua benção.
Tendo recebido a benção do Cardeal, Francisco falou para todos desta
maneira:
Nosso reverendo pai e Senhor Cardeal, por conta de sua imensa bondade
e amor por nós, tem sido muito enganado, porque ele acredita e supõe que
grande santidade, perfeição sem igual e amor impecável está em nós. Mas
nós não devemos criar tão falso engano, porque vocês e ele, se vocês
acreditam que tais perfeições e excelências existem em nós como vocês nos
atribuem, estão enganados e esse engano é um ensejo para a danação e
risco perigoso para vocês e para nós. Tal engano faz-nos ingratos a Deus
por nosso chamado. Enganando a nós mesmos nesse caminho, não
possuiríamos nem quereríamos possuir as obras e os efeitos da genuína
pobreza humilde, a qual pobreza é a virtude dos verdadeiros irmãos
menores que nós professamos ser. Por isso quero que o senhor cardeal e
todos vocês saibam que obras, palavras e desejos os verdadeiros irmãos
menores devem fazer e mostrar, de modo que vocês possam não ser
enganados sobre eles e eles na possam enganar e seduzir eles mesmos e
vocês. Quando vocês virem os irmãos menores não recomendando os
noviços a quem eles recebem a dar tudo o que possuem para os pobres do
mundo de acordo com a forma do evangelho, como eles haviam prometido,
mas sugerindo que os noviços reservem alguma coisa ou para livros, ou
para a igreja, ou alguma outra ocasião, ou para eles mesmos, ou para as
necessidades dos irmãos; ou de novo, quando vocês virem os irmãos
procurando bens temporais antes das coisas necessárias a sobrevivência
do dia-a-dia de seus corpos, para eles mesmos ou suas moradias; ou
quando virem os irmãos pedindo por dinheiro ou buscando doações e
legados em testamento para construção de igrejas de qualquer modo sob
qualquer pretexto, então vocês devem saber que esses irmãos tem sido
enganados e seduzidos. Verdadeiros irmãos menores são enviados de
Cristo para mostrar sua humildade e pobreza por ação, mais do que por
palavra.
Quando vocês virem os irmãos deixando as empobrecidas, miseráveis e
pequenas casas que estão situadas longe do mundo e comprando e
trocando casas nas cidades e fortificadas casas; ou quando vocês virem os
irmãos construindo belas e suntuosas estruturas- usando a desculpa de que
essas construções servirão para o bem do povo, aumentando a pregação-
ou quando vocês virem os irmãos omitindo a oração sagrada e a devoção e
em vez disso dando-se à leitura e aquisição de livros, possuindo
sepulturas, querendo e obtendo abundante uso de todas as coisas, e, a fim
de obter e adquirir todas essas coisas, buscando privilégios da cúria
Romana e conduzindo ações judiciais para proteger os privilégios, então
abram seus olhos e prestem atenção e não sigam eles e nem os ouçam,
porque muitos frades são só irmãos menores em nome. Por ações e
palavras eles destruirão e lutarão contra a pobreza e humildade, as quais
eles prometeram a Deus. Eles serão a causa de muitos males na religião e
na igreja.
Eu estou prevendo estas coisas para vocês antes do tempo, de modo que
vocês e os irmãos estejam prevenidos sobre as armadilhas demoníacas, os
atos pecaminosos dos homens perversos e a vinda dos malignos e de modo
que vocês não se tornem vítimas. O tempo de numerosas tribulações e
tentações está se aproximando. A deserção dos irmãos do amor e da
observância da vida de Cristo e do evangelho, será o primeiro sinal de que
essas coisas estão para acontecer. Nenhuma ciência, nem sabedoria, nem
eloqüência arrastará o mundo para Cristo, mas um puro e sagrado
caminho de vida e a perfeita observância das ordens e conselhos de Cristo
farão isto.
E o senhor disse a ele mais tarde: - Por que, irmão Francisco, você
contradisse meu sermão e predisse tantas faltas futuras entre seus irmãos na
sua religião? E irmão Francisco respondeu a ele:
Eu honrei o seu sermão,citando modestamente as verdadeiras coisas sobre
mim e os irmãos e, a fim de poupar a mim e a eles, opondo os obstáculos
desastrosos para a palavra da verdade e lutando por meus irmãos por
razão da salvação e da necessidade de conduzir seu louvor da prece
cautelosamente, porque eles não estão ainda firmados na humildade e
pobreza.
Aquelas coisas que São Francisco falou vieram para ele de Cristo
“pareciam geralmente incômodas e insuportáveis” para aqueles que eram
prudentes de acordo com a carne. Eles fizeram com que os ministros
retirassem a primeira Regra do capítulo sobre as proibições do evangelho
sagrado, como Irmão Leão escreveu.
Embora Francisco proclamasse fervorosamente para os irmãos as coisas
que o Senhor revelou a ele e colocasse um exemplo perfeito em suas obras
das coisas que ele pregava, aqueles irmãos mundanos fecharam seus
ouvidos às palavras do santo e desviaram seus olhos das suas obras. Eles
tentaram antes arrastá-lo, contudo, relutantes para consigo mesmos, antes
acederam com sua salvação e conselhos e ordens divinos, isto é, adaptando-
se saudavelmente ao exemplo de suas obras perfeitas.
Quando Francisco retornou de além-mar, um certo ministro falou com ele –
como Irmão Leão contou – sobre o capítulo da pobreza, em ordem que ele
queria entender plenamente a vontade e a compreensão do bem-aventurado
Francisco. E o bem-aventurado Francisco disse a ele:
Eu entendo o capítulo sobre a pobreza conforme literalmente está escrito
no evangelho sagrado e na Regra. Os irmãos não podem possuir nada,
nem devem possuir nada, exceto uma peça de roupa com uma corda e
calções e, quando eles forem compelidos pela necessidade, ele podem usar
calçados, como está incluído na Regra.
E o ministro disse a ele: - O que devo fazer, vendo que tenho muitos livros,
os quais são avaliados em cerca de 50 denari ?
Ele disse isso, aliás, porque ele queria ter os livros com a permissão de
Francisco, porque sua consciência o incomodou por ter muitos livros,
quando soube que Francisco interpretava rigorosamente o capítulo sobre a
pobreza.
O bem-aventurado Francisco disse a ele: “ Eu não posso, irmão, nem devo
fazer nada ou ir contra minha consciência e a profissão do evangelho
sagrado que nós prometemos por causa de seus livros”.
Ouvindo isso, o ministro ficou contristado. O bem-aventurado Francisco,
vendo ele perturbado, disse-lhe com grande fervor espiritual na frente de
todos os irmãos: “Vocês, irmãos menores, querem parecer e ser chamados
observadores do evangelho sagrado pelos homens, e por suas obras vocês
demonstram que querem ter tesouros”.
Eu, irmão Ângelo, vi um irmão que ouviu Francisco pregando em Bolonha.
Ele que viu isso disse que Francisco, entrando na cidade, quis ir para a casa
dos irmãos, mas viu lá uma casa em construção a qual excedia os limites da
pobreza que os irmãos haviam prometido. Retirando-se as cercanias,
Francisco foi para a casa dos pregadores, que o receberam com grande
alegria.
Um certo irmão pregador, ilustre por santidade e conhecimento, ouviu as
palavras de São Francisco devotadamente e humildemente. Conhecendo a
razão porque São Francisco estava pouco disposto a ficar com os irmãos
dele e, tendo simpatia pelo sentimento de desolação deles, o Dominicano
tentou persuadi-lo a que ele deveria ir a eles e ter piedade deles, se eles o
ofenderam em alguma coisa. E o bem-aventurado Francisco lhe disse:
Misericórdia não é bom se por meu ato eu parecer aprovar tais notórias
transgressões contra a pobreza prometida, e eu ofenderia a Deus ficando
com eles enquanto eles persistem na falta”.
E quando o frei pregador viu que não conseguiria persuadir Francisco, lhe
disse:
- Por conta de seus outros irmãos, temendo que eles incorram na infâmia
por causa de seu afastamento deles, vamos a eles e você pode admoestá-los
amorosamente acerca de suas ofensas e deste jeito você cumprirá os
deveres de seu ofício. E se, por conta de sua consciência, você não quiser
ficar em tal casa, nós podemos voltar para cá. Desse jeito a reputação de
seus irmãos será conservada e eles corrigirão seus pecados.
O bem-aventurado Francisco aceitou o conselho do Dominicano. Ele
encontrou os irmãos prontos para receber a penitência que ele desejava
impor a eles e ele os tratou com indulgência.
Francisco foi informado de que um certo irmão, que tinha sido um doutor
das leis no mundo e cujo nome era Pietro de Stacia, tinha uma teimosa e
inflexível mente. Quando o Espírito falou para Francisco de que modo a
consciência de Pietro, atos e instrução eram contrários a pureza da Regra,
ele o amaldiçoou. Pietro era famoso no mundo e muito amado pelos
ministros por conta de sua erudição. Perto do fim da vida de São Francisco,
os irmãos pediram para Francisco ser piedoso para tal homem que ele havia
amaldiçoado e dar a ele uma benção misericordiosa, e Francisco respondeu:
“Filhos, eu não posso abençoar aquele a quem Deus amaldiçoou e que é
amaldiçoado”.
O que mais? Em breve, o sobredito irmão ficou doente e perto da morte.
Enquanto os irmãos estavam de pé ao seu redor, ele começou a falar numa
terrível e estremecida voz: “Eu sou maldito. Olhem, os demônios aos quais
eu fui entregue estão carregando a mim, que sou amaldiçoado, para os
tormentos da eterna danação e maldição”.
Depois de experimentar o assustador e doloroso espetáculo e o horrível,
terrível julgamento, todos que estavam presentes foram informados que
ele, a quem Francisco amaldiçoou, já estava amaldiçoado eternamente pelo
Senhor. Para que Francisco abençoasse ou amaldiçoasse uma pessoa, não
era por conta de um motivo ou sentido humanos, mas porque, tendo sido
feito semelhante a Cristo, ele manifestava os segredos dos divinos
julgamentos e decretos e ele via o futuro como se fosse já passado na
Palavra.
Uma vez, ouvindo sobre os enormes excessos de alguns irmãos – como
Tomas de Celano escreve – e o mau exemplo dado por eles para o mundo e
ficando afligido por esmagadora dor, Francisco entregou-se totalmente a
Cristo. E quando outras pessoas chegavam falando sobre a conduta e a vida
sagradas de alguns outros irmãos, sua edificação do mundo e a conversão
de muitos ao estado de penitência, Francisco exultava ouvindo sobre tais
bons freis. Ele entendia em espírito a virtuosidade da justiça divina,
misericordiosamente aceitando e abençoando o bom e expulsando e
maldizendo o mal com justiça.
Francisco, fortalecido pela eficácia e virtude do espírito, amaldiçoou
aqueles que renegaram a profissão de vida prometida e aqueles que
difamaram a religião por seus atos perversos. Da mesma maneira ele
abençoou aqueles que serviram e edificaram seus semelhantes pelo
exemplo da sagrada conduta e quem fez a religião perfumada pelo aroma
de sua boa fama. Todos os ouvintes souberam que a benção e a maldição
que Francisco deu e anunciou na terra, tinham procedido de Deus e tinham
sido confirmadas nos céus.
E todos os sábios irmãos, que amavam Cristo em verdade, sabiam que as
palavras e obras de Francisco procediam de Cristo e seu Espírito e que
qualquer um que recebesse e ouvisse Francisco, recebia e ouvia Cristo
falando por ele. O justo e o puro de coração não hesitavam escutar e segui-
lo.
Mas aqueles que amavam a si mesmos e eram inflados pelo conhecimento
humano, de modo que procuravam as coisas “que eram deles mesmos e não
as coisas que pertenciam a Jesus Cristo”, “estavam amedrontados pelo
medo onde o medo não existia”, e, por isso, não o recebiam, porque não
invocavam a Deus. Como pode aquelas pessoas que buscam e perseguem a
glória humana, e não procuram unicamente a glória que vem de Deus, ter
fé? “Deus espalha os ossos daqueles que buscam agradar os homens: eles
serão confundidos porque Deus os rejeitou”. “Todo aquele que prefere o
conhecimento a santidade”, São Francisco dizia para os irmãos, “nunca
prosperarão; e ele que ama os elogios do homem serve a uma mentira.
Deus, além disso, que é verdade, destruirá aqueles que cultivarem
mentiras”. Francisco, conhecendo as coisas futuras através do Espírito
Santo, disse:
Irmãos, usando a desculpa de que eles estão pregando e edificando aos
outros, eles sairão de sua vocação, isto é, da pura e sagrada simplicidade,
sagrada oração, humildade e a sagrada pobreza de nosso Senhor. E isso
acontecerá a eles quando eles tiverem acreditado que eles mesmos estão
inflamados por sincero amor de Deus, eles ficarão frios e vazios de amor.
Assim eles serão incapazes de retornar para a sua vocação, porque eles
terão errado o tempo para viver de acordo com o seu chamado. Eles
temerão que aquilo que eles pareciam possuir seja tirado deles e eles
poderão encontrar suas mãos vazias no dia da tribulação. Aquelas pessoas
que eles pensam estar convertidas por seus sermões, serão convertidas
pelas orações de seus sagrados irmãos, que nas casas isoladas choram
pelos próprios pecados e de outros. Por isso é dado por Cristo para os
verdadeiros irmãos menores saberem “o mistério do reino de Deus, aos
outros por parábolas”. Tantos de boa vontade se elevam à sabedoria e
serão abençoados os que fizerem a si mesmos estéreis pelo amor de Deus”.
Além disso, irmãos vieram da França e falaram a Francisco, contando
como naqueles dias em Paris os irmãos hospedaram um célebre homem,
um mestre da sagrada teologia, que grandemente edificou o povo e o clero.
Quando Francisco ouviu isso, ele suspirou e respondeu:
Eu temo, filhos, que tais mestres finalmente destruam meu movimento. Os
genuínos professores são aqueles que demonstram seu modo de vida para
seus semelhantes por boas obras; e o religioso somente é um bom orador
na medida em que ele alcance executar fiel e humildemente as boas coisas
que ele conhece.
Um certo santo irmão, alias, veio neste tempo da Alemanha, um
mestre em Teologia, para ver Francisco, desejando um acurado
conhecimento da intenção e entendimento de Francisco da Regra.
Diligentemente este santo irmão aprendeu de Francisco seu completo
propósito naquela vida regular que tinha sido inspirada e revelada para
Francisco por Cristo. Então a mente desse irmão obteve paz e consolação
pelas palavras e razões de São Francisco, como se o irmão tivesse ouvido
Jesus Cristo mesmo falando, não um homem.
E quando Francisco terminou de falar, curvando seus joelhos
humildemente diante dele, o irmão disse: - Em suas mãos eu prometo a
Deus mais uma vez a vida e sua Regra evangélica, conforme a fiel e pura
intenção a qual o Espírito Santo, através de sua boca, tem falado
claramente. Eu as servirei pura e fielmente até o fim da minha vida, tanto
quanto a graça de Cristo permitir-me. Mas eu peço uma graça de você. Se
acontecer em meus dias que os irmãos declinem muito da pura observância
da Regra – exatamente como você através do Espírito Santo tem predito
que acontecerá – que, em virtude da oposição deles eu seja incapaz de
servir livremente com eles, então de acordo com a santa e perfeita intenção
revelada a você pelo Senhor, permita que eu possa me separar daqueles
ímpios irmãos sozinho ou com alguns irmãos que desejam servir a Regra
puramente sob sua obediência e servir a vida perfeitamente.
Tendo ouvido essas palavras, o bem-aventurado Francisco ficou
extremamente deleitado e abençoando-o, colocou sua mão direita em sua
cabeça e disse:
“Você é eternamente sacerdote de acordo com a ordem de Melquisedec.
Saiba que aquilo que pediu foi concedido a você por Cristo e por mim”.
Desse modo Francisco mostrou que todas as promessas feitas por Cristo
concernentes a sua religião seriam finalmente completadas naqueles irmãos
que desejarem servir a Regra com simplicidade e ao pé da letra sem glosa,
com contentamento e toda a sua força.
Aqueles que carregam o jugo macio da vida e regra de Cristo como vilões,
são filhos carnais e sempre desviam o santo e piedoso entendimento da
Regra aos seus pensamentos carnais. E como Ismael, nascido conforme a
carne, oposto a Isaac, que nasceu de acordo com a promessa do Espírito
Santo e que viveu espiritualmente e piedosamente, assim será nessa vida e
religião, porque os filhos carnais perseguirão os filhos espirituais. Mas
Deus que separou os filhos de Israel dos egípcios “com uma mão forte e
um braço estendido”, separará os verdadeiros filhos da Regra dos filhos da
prudência carnal. Deus, despachando estes para as sombras do erro e da fria
indiferença da ambição e do amor próprio e conduzindo os primeiros ao
esplendor da luz divina e da cruciforme perfeição do amor seráfico, os
submeterá ao seu esplendor, por meio da força pela qual ele é capaz de
sujeitar tudo a ele mesmo.
Assim, durante a vida de Francisco havia aparente unidade entre os irmãos
quanto ao hábito, moradia em comum e obediência, enquanto que por baixo
havia divergência e divisão relativamente a pureza, observância, amor,
obediência e sincero seguimento da Regra e da intenção do fundador. Um
comum conhecimento, um amor compartilhado e uma única mentalidade
haviam desaparecido deles. Eles não podiam evitar a existência de
discutidores buscando a glória vazia, pensando ser melhores do que eram,
desejando coisas que não eram deles próprios em vez de buscarem as
coisas de Cristo, as quais eram consolação, o benefício dos outros e a
edificação mútua, como o fundador deles fez.
Irmão Elias, que era fascinado pelas sutilezas da filosofia e que
atraiu atrás de si uma multidão de seguidores que tinham sido
subvertidos pelo espírito da cupidez e vaidade, cavou e encheu um lago
para si mesmo dentro do qual ele foi tentado, derrubado e derrocado. Ele
não entendeu os conselhos, astúcia e planos de Satã, a quem devido a
ignorância ele preparou rotas, facilitou as jornadas e direcionou os
caminhos, expulsando Cristo do fundador.
Cristo milagrosamente revelou este abandono de sua graça a um certo santo
e venerado sacerdote em Massa Trabaria, o reitor de uma paróquia
chamado Bartolo, a quem São Francisco tinha usado como seu
representante em muitas instâncias. Ele era um homem extremamente
discreto, um consolador das mágoas, compassivo e cheio de piedade e
amor. Irmãos aproximavam-se dele com confiança, como se para o mais
bondoso pai e professor de suas almas. Ele acolhia irmãos na religião. Ele
reconciliava os proscritos e os apóstatas. E ele demonstrou por piedosas e
claras razões e o exemplo de sua vida que os conselhos daqueles que eram
humanamente prudentes e que estavam em desacordo com o caminho da
perfeição e intenção do fundador não eram só inúteis, mas estavam
infectados por um veneno mortal. Esse homem a quem Deus aceitou, tendo
sido transportado ao estado de êxtase enquanto rezava, foi conduzido as
mais baixas regiões do inferno por ordem de Cristo, onde viu Lúcifer em pé
em seu trono de punições e a volta dele todos os chefes dos espíritos
infernais ordenados. O príncipe das sombras falou com ele formulando uma
queixosa questão e pedindo um conselho:
-Nós recentemente recebemos notícias do desolado mundo sobre aqueles
que nós nomeamos nossos representantes, não de favor, mas de desagrado
excessivo. Inesperadamente apareceram homens no mundo , desprezando e
menosprezando o mundo e sua sensualidade e vícios, tomando posse das
cortes e lugares de nosso domínio, pelos quais, se nenhuma resistência for
feita contra eles, sofreremos muitas injúrias e perdas. Portanto, pense
cuidadosamente o que nós devemos fazer contra eles. Você pode ouvir a
respeito da disposição deles daquelas pessoas que vieram de lá.
Ao comando de Lúcifer, o chefe dos espíritos começou a falar e recitar
sobre a vida e perfeição dos mais novos recém chegados. E um certo chefe
demoníaco ergueu-se , quem contra o bem-aventurado Francisco e sua
religião tinha guerreado uma luta sem igual com seus subordinados, os
espíritos malignos. E ele disse:
-Como nosso príncipe expressou, recentemente muitos tem se levantado
contra nós de diferentes modos. No entanto um certo homem cuja posição é
extrema para ser desprezado, iletrado e ignorante, com um pequeno grupo
semelhante a ele mesmo, tem se levantado contra nós com muita força de
espírito, que parece como se não fosse só um homem, mas como se Jesus
de Nazaré pessoalmente estivesse nos atacando por eles. Por nenhuma de
nossas artes sutis ou nossas ameaças – não importa o quão veementemente
insultando- enganamos ou iludimos qualquer de seus seguidores. Somos
incapazes de apanhar qualquer um nas armadilhas que colocamos nos lados
direito e esquerdo do caminho. Mas o que é mais doloroso é, se algum dos
nossos leais servidores se aproxime deles, que o servo ou servos se tornem
nossos adversários e resultando inimigos, mas nós não temos sido capazes
de capturar nem sequer um dos seus servos.
Depois dos tentadores demoníacos terem sugerido numerosos e diferentes
caminhos envolvendo determinados vícios e terem introduzido exemplos
na discussão para mostrar como por seus caminhos propostos eles tinham,
como eles pensavam, conquistado inesperadas vitórias sobre santos
pretensamente invencíveis, o segundo de Lúcifer no comando falou:
- Todos vocês tem apresentado sutis e efetivos planos, mas nenhum de
vocês tem dito ou pensado no modo pelo qual, se vocês confiarem em mim,
nós podemos conquistar uma notável vitória sobre aqueles homens.
E quando todos os demônios estavam esperando ansiosamente escutar seu
conselho e opinião, ele começou por dizer:
- Nós só podemos ganhar um triunfo sobre aqueles irmãos se nós
direcionarmos toda a atividade, cuidado, astúcia e trabalho que nós
possuímos induzindo e implantando por todos os meios para dentro de
todos os orgulhosos, arrogantes, descansados, engenhosos, embusteiros,
ambiciosos, invejosos, presunçosos e falsos homens, que sabemos ser
nossos, o desejo de arrepender-se e servir ao Senhor nas fileiras desses
irmãos. Quando nós tivermos nosso grupo entre eles e nos esforçarmos
diariamente para aumentá-lo, seremos capazes de perturbá-los. E nós
contaminaremos a religião deles e subverteremos seus votos, palavras,
costumes e obras. Faremos sua reputação feder no mundo, de tal modo
que por causa daquela infecção fétida, eles exalarão o cheiro da morte
àqueles que aproximarem-se deles e não irradiarão um perfume estimulante
àqueles que se aproximarem deles.
O sermão com este argumento de subversão agradou Lúcifer e todos os
seus príncipes e eles decidiram seguir este último conselho com todas as
suas forças. Com a permissão de Deus e de acordo com o secreto e oculto
julgamento de seu conselheiro, os demônios motivaram os homens que
estavam dispostos a aprovar suas novidades e prontos a ir em frente com
seus objetivos maliciosos para entrar naquela religião a qual eles
principalmente detestavam e contra a qual eles faziam muita oposição com
todas as forças.
No começo, quando somente São Francisco recebia irmãos, os
demônios não eram capazes de executar suas promessas malignas pela
trapaça, porque Francisco, instruído como um querubim pelo Espírito
Santo, podia ver na frente e atrás, interiormente e exteriormente. Depois
que o número de ministros provinciais multiplicou, aqueles ministros não
tiveram a dimensão da perfeição espiritual de Francisco, embora eles
tomassem as necessárias precauções contra as ocultas trapaças demoníacas.
Cada ministro estava impelido pelo desejo espiritual de ampliar o número
de irmãos, no sentido de alargar o ministério para a salvação das almas e
expandir a própria religião. Os ministros multiplicavam as pessoas, mas
não a felicidade. Misturando muitos homens perversos com o inocente,
aqueles irmãos, acreditando em sua própria prudência, buscavam governar
antes de estarem regrados. Eles arrogantemente interpretavam a Regra por
si mesmos e outros de acordo com sua própria maneira de pensar e seus
próprios desejos antes de humildemente observar a regra mortificando seus
desejos.
Por causa desses ministros, tépidos perigosos, deleitados na inquietação e
crentes naqueles irmãos malignos que estavam atuando mal, aumentaram a
fadiga, a dor e a aflição espiritual do fundador e dos outros irmãos que com
simplicidade o seguiam. Esses problemas aumentaram muito antes da
morte de São Francisco que ele, que era a habitação do Espírito Santo, não
pode realizar corretivo por suas palavras, seu exemplo, seus sinais e suas
curas milagrosas. Portanto, depois de súplicas proféticas, ele preferiu
devotar-se ao mais seguro dever, libertar-se para Deus, e renunciar a
liderança dos irmãos.
Depois dele ter feito isso, um de seus companheiros lhe disse: “Pai, perdoe-
me, visto que tudo o que quero dizer-lhe, muitos irmãos já consideraram”.
E o mesmo companheiro disse:
Você sabe como outrora a religião inteira crescia e se conservava em um
estado de pureza e perfeição: como todos os irmãos fervorosa e
zelosamente observavam a humildade e a pobreza, vivendo em pequenas,
pobres edificações, usando pequenos, pobres livros e vestindo desprezíveis
e empobrecidos trajes. E você sabe como nessas e em outras aparências
externas eles eram vigilantes para manter um só desejo e cuidado para
observar todas as coisas que pertenciam ao nosso chamado, profissão e
bom exemplo. Desse modo eles eram unânimes em seu amor a Deus e ao
próximo. Agora, contudo, de um tempo recente, essa pureza e perfeição
começaram a ser alteradas de diferentes modos. Na verdade, muitos irmãos
acreditam que o povo é edificado mais por essas mudanças do que pelos
velhos modos e parece para eles mais honesto viver conforme essas
alterações. Por isso, eles já desprezam esse caminho da simplicidade e
pobreza, os quais foram o começo e fundação de nossa religião. Por causa
disso, considerando essas coisas, nós acreditamos que você deva estar
descontente; mas nós estamos imensamente admirados, porque, se essas
mudanças o desagradam, você as permitiu e não as corrigiu?
O bem-aventurado Francisco disse a ele: O Senhor o perdoe irmão, visto
que você quer ser diametralmente oposto a mim e ser meu adversário e por
você querer me enredar nestes assuntos que não pertencem ao meu ofício.
E Francisco disse:
Até agora eu mantive o ofício sobre os frades e os frades se mantiveram
firmes no seu chamado e na sua profissão. Embora desde o começo de
minha conversão a Cristo eu tenha estado enfermo, com meu pequeno
cuidado eu os satisfiz pelo exemplo e pregação. Mas eu considerei o
quanto o Senhor estava multiplicando o número de irmãos diariamente e
como isso começou a dispersar do reto e seguro caminho, ao longo do qual
eles estavam acostumados a caminhar. Eu vi como eles estavam preferindo
embarcar na estrada larga, como você mencionou, não prestando atenção
ao seu chamado, profissão e bom exemplo. Eu percebi que eles não
deixarão o caminho ao longo do qual eles já começaram por causa de
minhas pregações e exemplo, então eu recomendei a religião aos ministros
dos irmãos e ao Senhor. No momento em que renunciei e deixei o ofício
dos irmãos durante o capítulo geral, desculpei-me por conta da minha
enfermidade. Por essa razão eu fiquei incapaz de ter cuidado e solicitude
por eles. Contudo, enquanto meus irmãos caminhavam e estavam
caminhando de acordo comigo e a vontade de Deus, por conta de sua
consolação, eu relutava em ter outro ministro exceto eu mesmo, até o dia
de minha morte. Desde que o fiel e bom subordinado saiba e observe a
vontade de seu prelado, o prelado só precisa ter uma pequena solicitude
em relação a ele. Pelo contrário, eu ficaria contentíssimo e consolado por
conta da virtude dos irmãos por minha causa e pelo proveito deles.
Embora eu estivesse estirado na cama por conta da doença, isto não me
sobrecarregaria para satisfazê-los.
E ele disse:
Meu cargo é espiritual, pelo qual eu devo superar e corrigir os vícios. Se,
para esse fim, eu for incapaz de dominar os vícios e corrigi-los pela
pregação e o exemplo, a Regra pode ensiná-los. Não tenho vontade de me
tornar um carrasco que persegue e flagela, como os poderosos desse
mundo, mas eu confio no Senhor. Agora inimigos invisíveis que são as
milícias do Senhor, a fim de punir aqueles neste mundo e no próximo que
transgrediram os comandos do Senhor Deus, estão se vingando nos falsos
irmãos, fazendo-os sujeitos a correção pelos homens desse mundo. E, para
a vergonha e lástima dos irmãos, retornarão para sua profissão e seu
chamado. Todavia, até o dia da minha morte, pelo exemplo e trabalho, eu
não cessarei de ensinar os irmãos a caminharem pelo caminho que o
Senhor mostrou para mim. Tenho mostrado para eles e tenho ensinado a
eles de tal modo que eles não possam ter desculpas diante do Senhor e por
isso eu não estaria seguro de dar qualquer outra explicação para eles ou
para mim mesmo.
Nós que estávamos com ele quando escreveu a Regra e quase todos os seus
outros escritos oferecemos testemunho que ele escreveu muitas coisas na
Regra e em seus outros ditados, os quais certos irmãos se opuseram durante
sua vida, mas que agora depois de sua morte aparecem para serem
extremamente úteis a toda a religião. Por isso ele frequentemente falava
para seus companheiros:
Eu me aflijo e sofro porque alguns irmãos querem esvaziar de sentido
aquelas coisas que eu obtive, com dura labuta na oração e meditação, da
graça de Deus para a utilidade de toda a religião no presente e no futuro.
Embora eu tenha garantido que essas coisas estão de acordo com a
vontade do Senhor, esses irmãos preferem confiar em sua sagacidade e
prudência científica. Por isso, esses irmãos se opõe a mim, dizendo:” esses
itens são para serem estudados e observados e aqueles não são”.
Esses irmãos apunhalaram e irritaram a alma de Francisco,
saboreando coisas que eram opostas a Deus e ao seu santo. Por
suas astúcias, inovações e desobediências, eles o exasperaram de tal modo
que ele renunciou no capítulo geral do ofício de ministro que Cristo e seu
vigário haviam imposto a ele. E, de acordo com seus votos e méritos, como
Samuel tinha permitido aos filhos de Israel ter Saulo, assim Francisco
concedeu a eles Elias, o alquimista, um respeitável ministro para os
respeitáveis.
Depois que fez isso, Francisco devotou-se completamente a oração, tanto
que, absorvido em Deus, ele parecia quase como um homem de outro
mundo. Os irmãos que estavam observando e ensinando coisas contrárias a
ele, afligiam-se pela retidão e pureza de seus sermões e do zelo ardente que
Francisco demonstrava em suas eloqüentes declarações contra as maldades
já disseminadas na religião. Eles não permitiam os noviços e as pessoas
devotadas a eles se aproximarem dele. Eles os impediam tanto quanto
possível de várias maneiras, mas cautelosamente porque Francisco pregava
tudo que estava vindo a religião até o fim tão claramente e abertamente que
parecia como se ele tivesse visto aquelas coisas, como se elas já tivessem
acontecido. Portanto, Francisco com jejuns, preces e indescritíveis
gemidos pleiteava incessantemente com Cristo Jesus, que é capaz de fazer
todas as coisas além do entendimento de nossas mentes e que podia prover
apropriados e convenientes corretivos contra as maldades que já tinham
começado e aquelas que Francisco discerniu com seu olho profético que
estavam para ocorrer no futuro.
Quando, por esse motivo, Francisco incessantemente clamou à
Deus com preces humildes e sentimentos ardentes para a
preservação da sua religião que era prezada por Deus e pela salvação de
todos os seus presentes e futuros irmãos, o Altíssimo ouviu as preces do
seu servo e o Senhor disse a ele:
“Francisco, vá e retire-se durante 40 dias em um lugar deserto e de acordo
com a palavra que Eu lhe direi, você porá sua Regra em ordem. E,
conforme ao que você solicita, Eu lhe darei claros e seguros corretivos que
você pode por nela pelos quais os pecadores serão convencidos de seus
crimes em suas próprias consciências e ficarão sem qualquer desculpa
diante de mim e da minha igreja. E os puros e fiéis amantes e observadores
da Regra comprovarão testemunho no que diz respeito a pura e fiel
observância e eles serão deixados sem dúvidas de que suas intenções
agradam bem minha vontade”.
Esses eventos aconteceram antes que Francisco, querendo libertar-se a
Deus, renunciou o ofício de ministro e recomendou sua religião aos
ministros, como foi descrito anteriormente.
Obedecendo a revelação que o Senhor lhe tinha feito, Francisco logo se
retirou e se encerrou em um eremitério em Fonte Colombo, numa cela
localizada numa rocha quebrada embaixo daquele local. Somente dois
freis, Irmão Leão de Assis e Irmão Bonizio de Bolonha, os quais ele tinha
escolhido como companheiros, ousaram ir com ele. Então, com Cristo lhe
revelando o que dizer, Francisco escreveu a Regra, não pondo nada de si
próprio, mas só aquelas coisas que Jesus Cristo lhe revelou desde o céu.
Irmão Elias, seus seguidores e alguns dos ministros começaram a ficar
raivosos e perturbados, enquanto esse Moisés, Francisco, escutava Deus.
Porque eles não ousavam se opor a Francisco abertamente, eles
furtivamente e secretamente pegaram e esconderam a Regra do homem de
Deus, Irmão Leão, que a tinha guardado depois que tinha sido confiada a
ele pelo santo. Desse modo Elias e os outros esperavam impedir os planos
de Francisco, temendo que ele seguisse a palavra revelada do céu por
Cristo e apresentasse a Regra para o Supremo Pontífice e o papa a
aprovasse. Os mesmos que faziam essas coisas eram incapazes de
compreender a seriedade de seu audacioso crime, porque sombras tinham
obscurecido seus intelectos. Eles não podiam compreender como por
proferir suas próprias vontades contra as ordens inspiradas divinamente e
não aquiescendo as palavras e comandos de seu santo preceptor, dado a
eles por Deus, eles praticavam o pecado de consultar oráculos e idolatria e
resistiram a obediência.
O homem santo entendeu que inveja demoníaca estava por baixo da
depravação do crime cometido pelos irmãos e, inspirado por Cristo, a quem
a virtude não poderia ser vencida pela malignidade dos homens, foi para o
mesmo lugar na montanha uma segunda vez. Ele consagrou outra
Quaresma a Deus, durante a qual, sendo ensinado por Cristo nas mesmas
palavras e sentenças, Francisco escreveu outra Regra similar aquela que
havia sido erroneamente aprisionada pela transgressão deles. Como outro
Moisés, Francisco uma segunda vez escreveu uma Regra, uma, realmente,
escrita pela orientação do dedo do Deus vivo.
Enquanto Francisco estava elevado a Deus por seu divino e ardente desejo
e enquanto ele pedia a Cristo pela reposição da Regra roubada, o demônio
recomendava e incitava os ministros de várias províncias. Eles, excitados
pelo espírito do norte, reuniram-se com irmão Elias. Em ordem a fazer sua
reclamação pública, atrevidamente subiram a montanha até Francisco, de
modo que ele a quem tinham sido incapazes de revogar ou confundir sua
intenção escondendo a Regra, eles pudessem conter, segurar e tirar do
rumo, por suas reprovações. Parando a uma longa distância, os ministros
gritaram, mostrando que queriam obedecer sua ordem de que ninguém
ousasse aproximar-se dele antes do fim da Quaresma. Clamando, eles
mostravam que tinham necessária e urgente causa por conta da qual,
unindo-se, eles tinham subido a fim de encontrá-lo.
O santo Francisco fez seu costumeiro sinal para irmão Leão e o ordenou a
descobrir quem eram os irmãos que estavam protestando e a razão por que
tinham vindo ali. Irmão Leão respondeu a ele: - Pai, os ministros vieram
com Irmão Elias, querendo discutir urgente assunto com você. O santo
Francisco disse-lhe: Deixe-lhes dizer o que querem e eu os ouvirei. No
entanto, eles não vão se aproximar de mim.
Os ministros e Elias ficaram em frente mas abaixo da cela, num lugar de
onde suas vozes podiam ser claramente ouvidas. E Elias falou para ele
como representante de todos:
Irmão Francisco, esses irmãos ouviram em suas províncias que você havia
se determinado a fazer adições e mudanças na Regra, em ordem a alcançar
mais completa observância da prometida vida. E eles consideraram, aliás, a
debilidade deles e dos irmãos que estão abaixo deles e o fervor de espírito
que o Senhor deu a você, pelo qual você tem sido fortalecido. Eles
consideraram como as coisas que são árduas e difíceis parecem suaves e
fáceis para você que é tão amado por Deus. Portanto eles vieram a você
tanto por eles mesmos, quanto pelos irmãos que estão abaixo deles para
dizer a você e relembrá-lo que aquelas coisas que eles já prometeram servir
supera suas fracas capacidades. Eles querem dizer que condescendência e
desobrigação com quanto as promessas são mais necessárias a luz de suas
fraquezas, do que obrigações em relação a mais perfeita vida, por mais
meritórias que elas sejam, que estão além de suas capacidades.
Tendo ouvido esse discurso, Francisco calou-se. Movido internamente por
profundo pesar, ele não deu resposta a solicitação; mas logo voltou para
dentro da pequena cela , no lugar onde estava acostumado a rezar, estendeu
seus braços ao céu e clamou a Cristo com todo o seu coração, dizendo:
Senhor Jesus Cristo, tenho seguido você, nunca me opondo a você e tenho
sido obediente ao que você tem me mandado fazer. Eu não sou nem de um
tipo ou de tal magnitude que seja capaz de alcançar tudo o que seja
agradável a você ou proveitoso e saudável para eles sem você. Você que
me ordenou fazer e escrever essas coisas as quais eu escrevo e tenho
escrito para o seu louvor e a salvação deles, de acordo com sua vontade e
ensinamento, responda a eles por mim e mostre que essas coisas são suas e
não minhas.
Depois de Francisco ter falado a Cristo com o coração confiante, uma voz
soou no ar de um modo maravilhoso, falando na pessoa de Cristo mesmo,
do lugar onde Francisco estava orando e dizendo:
“Esse é meu servo Francisco, que eu escolhi e em quem tenho
depositado meu espírito; e o tenho ordenado fazer o que ele tem feito e
escrever a Regra a qual ele escreveu e a vida e a Regra que ele escreveu
são minhas. Isso vem de mim não dele. Todo aquele que ouvi-lo, ouve a
mim ; e quem o despreza, despreza a mim. E aqueles a quem eu
chamar que podem servir a essa vida e Regra, eu darei o espírito e a
força necessárias para servir. E eu desejo que essa Regra seja
obedecida ao pé da letra, ao pé da letra, ao pé da letra”.
Elias e os ministros, tendo escutado essas palavras, ficaram estupefatos e
cheios de admiração e retornaram para suas províncias. Depois disso eles
cessaram de tentar parar Francisco de fazer aquelas coisas que ele tinha
assumido.
O piedoso Francisco, tendo completado a Regra, seguiu a ordem
que Cristo havia lhe dado. Foi com seu companheiro, Irmão Leão, ao
Senhor Honório, então o Supremo Pontífice. Honório amava e abençoava
Francisco de um jeito único e o estimava com uma especial afeição, porque
por uma certa experiência ele sabia que o espírito de Cristo repousava
completamente em Francisco.
O Supremo Pontífice alegrou-se com a chegada de Francisco, o homem
pobre de Cristo. Honório, como um piedoso, bondoso e amoroso pai, sua
face iluminada com alegria e sua alma com felicidade, recebeu e abençoou
sumamente atento, a tudo que Francisco propôs e solicitou a ele em nome
de Cristo. O papa acolheu e olhou a Regra que Francisco tinha escrito. Ele
a considerou cuidadosamente e a examinou diligentemente. Depois de ter
inspecionado atentamente e examinado habilmente, de acordo com o
exemplo de seu antecessor de boa memória, Papa Inocêncio, e com o
consentimento de seus cardeais, ele aprovou e afirmou a Regra.
Mas, de acordo com o testemunho de Irmão Leão que estava presente neste
momento, depois do Supremo Pontífice ter contemplado diligentemente e
atentamente tudo o que estava contido na Regra, disse ao irmão Francisco:
- Será abençoado quem tiver servido essa vida e Regra, fortalecido pela
graça de Deus, fielmente e devotadamente até o fim. Tudo o que foi
fielmente escrito nela é piedoso e perfeito. No entanto, aquelas palavras do
décimo capítulo, isto é: “Onde quer que haja irmãos que saibam e
reconheçam que eles não conseguem observar a Regra literalmente, eles
devem e podem recorrer a seus ministros. Os ministros são obrigados a dar
para esses mesmos irmãos de obediência a licença solicitada
misericordiosamente e generosamente. Ainda que os ministros recusem dá-
la, esses irmãos podem ter licença para obedecer literalmente a Regra,
porque todos os irmãos, ministros e súditos, devem estar sujeitos a Regra”.
Essas palavras poderiam ser ocasião de ruína e uma fonte de divisão dentro
da ordem, no caso de irmãos que não estão completamente fundados no
conhecimento da verdade e no amor a virtude. Por isso, eu quero as
palavras desse capítulo modificadas , de tal modo que qualquer
oportunidade para o perigo e divisão possam ser retiradas da religião e dos
irmãos.
O bem-aventurado Francisco respondeu a ele:
Eu não coloquei essas palavras na Regra, Cristo sim. Ele sabe melhor tudo
o que é útil e necessário para a salvação dos irmãos e o bom estado e
conservação da religião. Para ele tudo o que está para acontecer na igreja
e na religião é bem visível e presente. Por isso eu não devo nem posso
mudar essas palavras, porque acontecerá que ministros e aqueles outros
que dirigem a religião imporão muitas e duras tribulações naqueles que
querem observar literalmente a Regra de acordo com a santa vontade de
Cristo. Portanto, porque Cristo quer e exige obediência que essa Regra e
vida, as quais são dele próprio, sejam literalmente servidas, desse modo
sua vontade exige literal obediência.
Então o Supremo Pontífice disse a ele:
- Irmão Francisco, eu agirei de tal modo que, o significado das palavras
sendo inteiramente servido, eu mudarei a letra da Regra nessa passagem,
de modo que os ministros possam entender que são obrigados a fazer o que
Cristo quer e a Regra ordena. Além disso, eles entenderão que os irmãos
tem liberdade para servir a Regra e nenhuma oportunidade será dada
aqueles que frequentemente buscam uma ocasião para pecar sob a proteção
da observância da Regra.
Logo o Supremo Pontífice mudou as palavras daquele capítulo dizendo:
- Onde quer que haja freis que saibam e reconheçam que são incapazes de
observar a Regra espiritualmente , eles devem ir e são autorizados a ir aos
seus ministros. Os ministros devem recebê-los com amor e piedade e ter
tanta familiaridade com eles que os irmãos possam lhes falar e ajam
como um senhor com seus servos. Porque desse modo deve ser que os
ministros são serventes de todos os irmãos.
O bem-aventurado Francisco, a fim de remover qualquer dúvida dos
corações de todos os irmãos, abertamente declarou a verdade de sua
intenção na Regra, como ele tinha recebido de Cristo, quando quase no fim
do seu Testamento Francisco ordenou todos os irmãos, clérigos e laicos,
firmemente por obediência, não colocar glosas junto a Regra, nem nas
palavras desse Testamento, dizendo que desse modo eles deveriam ser
entendidos, somente entendê-los e servi-los pura e literalmente até o fim,
exatamente como o Senhor tinha dado a ele escrevê-los pura e
simplesmente. Francisco abençoou todos aqueles que serviriam desse
modo. E pela mais rigorosa ordem ele proibiu os irmãos de pedirem cartas
ou privilégios da cúria Romana, ou pelos seus próprios esforços, ou por
meio de um agente interposto, contra a pura e literal observância da Regra
transmitida por Cristo a ele.
Conforme as ordens e as palavras do santo mesmo está claro que ele
recebeu a Regra e o Testamento por revelação de Cristo e que a própria,
verdadeira, pura, fiel e espiritual observância e entendimento da Regra é a
literal observância. Outras declarações na verdade são concessões piedosas
para o adoentado feitas por médicos piedosos, e são desobrigações úteis
necessárias para a salvação de almas incapazes ou sem vontade de ser
obrigadas à árdua e perfeita observância da Regra, a qual o fundador
ensinou e cumpriu e recebeu diretamente de Jesus Cristo.
Mas a reforma da Regra, revelada para São Francisco, a qual
acontecerá depois do mistério mostrado em seu sofrimento, será na
pura, simples e literal observância da Regra e do Testamento. O Espírito
Santo depois do gênero dos serafins, dos querubins e dos tronos,
preencherá aqueles que ele desejar chamar e escolher para pregar a vida de
Cristo por palavras e ações.
Como serafins, eles carregarão o Cristo cruciforme no corpo e na alma,
estando certos de sua habitação, em sinal da qual, de antemão na alma,
posteriormente na carne um serafim crucificado apareceu para Francisco,
prefigurando uma condição contrária em seus adversários. Como
querubins, o Espírito Santo os preencherá, porque a inteligência incriada,
eternamente gerada do Pai, entrará no entendimento dos humildes menores
eficientemente e virtuosamente. O Espírito esclarecerá e confirmará a
autenticidade deles, fazendo deles sabedores da luz. Ele os comunicou
figurativamente na sétima Francisco figuratum, quando numa carruagem de
fogo, como outro Elias, Francisco apareceu para seus irmãos e a
consciência de um irmão foi revelada para outro. Como os Tronos, o
Espírito Santo preencherá os irmãos porque a força do onipotente Pai se
meterá dentro deles vigorosamente provendo clareza na fé e efetiva ajuda
para a vida. De tal maneira eles serão preenchidos e suas petições serão
respondidas, seus votos completados, suas ameaças e desgraças temidas e
suas bênçãos mantidas no amor e reverência. Os irmãos não seriam capazes
de sustentar o peso da perseguição final a qual o eleito incorrerá, quando a
força do dragão desatrelado estiver erguida e exaltada no homem de
perdição, que exibe a si mesmo sentado no templo de Deus, que acima de
todos é chamado e venerado como Deus, a não ser que Jesus Cristo na
maneira do serafim quiser habitar neles, iluminá-los como um querubim e
como um trono repousar e sentar com eles.
Quanto a vida, pregação, sofrimento, morte, ferimentos, sepultamento,
ressurreição e ascensão de Cristo e todo o resto de seus feitos e
ensinamentos (Latim: documenta ), passado, presente e futuro,
simultaneamente todas as coisas juntas e individualmente, humanamente e
divinamente iniciadas e perfeitas, dada e anunciada, simboliza e abre desse
modo a dignidade e majestade da sua graça e glória reveladas e seus
conselhos secretos comunicados de um modo ordenado por dispensação,
aparecerá em seus santos de modo que todas aquelas coisas de Cristo as
quais estão nos membros individuais de Cristo podem brilhar e o particular
no todo pode ser iluminado mais gloriosamente por efeito e por força.
Jesus Cristo é verdade, sabedoria eterna, incriado, gerado, criando todas as
coisas, contendo todas as coisas e completando todas as coisas. Ele
transfere a si mesmo inteiramente para dentro das pessoas e de tudo como
ele quiser, de muitos modos diferentes e várias formas, humanamente e
divinamente, de acordo com a capacidade das pessoas em recebê-lo, por
causa da consumação de seu corpo místico. Por seu espírito, por sua
glorificação, por sinais inovadores e alteração de milagres , ele deseja dar
uma única lembrança dele e de suas maravilhosas obras a todos em
Francisco. Por isso, depois de ter dado através dele a Regra e o
ensinamento de sua vida, ele o vestiu com o sinal de sua carne e cruz, de
modo que os últimos membros deveriam reconhecer que eles devem ser
conforme a cabeça.
A altura das riquezas, a sabedoria e o conhecimento de Deus e seus
incompreensíveis julgamentos, fechados por selos, são abertos e revelados
pelo Pai através do Espírito Santo em Cristo; quando a operação da
misericórdia de Deus cria o gracioso escolhido através de Cristo e quando a
escolha predestinada é perfeita e declarada abertamente nos santos. A
retidão da justiça de Cristo e a equidade de seus julgamentos é louvada e
mostrada no réprobo e perverso quando nesta última hora Cristo pôs o
sinal da cruz no firmamento da igreja; e o qual ele desejou mostrar em
Francisco, de modo que aqueles que contemplá-lo em Francisco podem
assumi-lo e segui-lo e fugir da face do homem infernal diante de quem
conduzem uma espada e não são capturados na armadilha de seus erros e
pela operação da mentira, aderindo a falsidade, cair da verdade.
Lúcifer, louvando a si mesmo, foi derrubado do céu; e Adão, seduzido pela
mulher contou uma mentira; e os filhos de Seth pervertidos pelas filhas dos
homens, pereceram no dilúvio. Desse modo também os filhos de Noé
orgulhosamente se opondo a Deus, foram envolvidos em confusão e
lançados na idolatria. Ao tempo do pai de nossa fé, Abrão, Ismael, o
primeiro nascido de carne, perseguiu Isaac, o filho da promessa e foi
expulso pelo espírito para que ele, Ismael, não fosse o herdeiro. Esaú
perseguiu Jacó e imitou Caim, o assassino do inocente Abel; os filhos de
Jacó venderam José, que era amado por Deus e pelo pai deles Jacó. Pela
falsa palavra e ação, eles enganaram Israel que ainda podia ver. Dois de
seiscentos mil homens acreditavam em Deus; os outros tinham sido
excluídos de entrar na terra prometida. Saul perseguiu Davi e, exceto
Ezequias e Josias, todos os reis pecaram e mataram os profetas enviados do
céu. E finalmente eles cortaram a cabeça do precursor, um santo homem
desde o ventre. Os pontífices, escribas e Fariseus levantaram o messias,
Deus e Senhor dos profetas na cruz, do lado de fora da cidade entre dois
ladrões. Para a lista de todas as suas perversidades eles acrescentaram a
blasfêmia do espírito de Cristo, por conta da qual a cólera de Deus virá
sobre eles para exterminá-los até o fim.
Alguém disse:
Finalmente, quem pode dizer e quem pode compreender quão remoto foi de
Francisco ser glorificado exceto na cruz do Senhor? A ele sozinho tinha
sido permitido experimentar isto. E talvez por isso que teve que se tornar
visível na carne, o que não podia ser explicado em palavras. Somente o que
pode ser anunciado para os ouvidos humanos, o que ainda não se tornou
claramente visível. Por isso, esse sacramento apareceu no santo, como tinha
sido revelado a ele por Cristo, de modo que ele pode entender a razão dos
acontecimentos futuros. Ele a quem a natureza, a lei e a graça serão
testemunhos, finalmente será verdadeiro e digno de fé, porque o sinal exige
um selo e quando a palavra é escassa, o silêncio fala.
Desde aqueles eventos finalizados que já passaram, os segredos começam
a se tornar claros, os quais o serafim revelou a Francisco mesmo e as coisas
ocultas começam a ser reveladas nos sinais dos ferimentos. Jesus Cristo,
Deus e o homem verdadeiro, o começo e o fim da natureza criada, da lei,
da graça e da glória, cercado e confinado na cruz da imensidão de sua
onipotência, a infinitude de sua sabedoria, a largueza de sua graça e a
inefável bondade de seu amor. Pela morte Cristo destruiu a morte e
iluminou a vida e a incorrupção pelo evangelho; do qual o professor,
Francisco, foi feito arauto, através de Cristo na Igreja, por palavras e obras.
Depois que Cristo foi crucificado, ressuscitou dentre os mortos e deu o
Espírito Santo para os apóstolos, o espírito da vida emanou da morte da
letra. A sinagoga, aderindo a letra, continuou morta e sepultada, envolvida
por um mau cheiro infernal e assediada por vermes como demônios. E
como Eva, tendo transgredido a ordem, perdeu a inocência, a dignidade, a
graça e a imortalidade da natural condição e atraiu sobre si a morte do
corpo e da alma, assim a sinagoga, por conta da morte de Cristo, ficou
despida das dádivas e boas promessas da escritura e dadas pela graça, e se
tornou a eterna vítima da morte, do inferno e dos demônios.
Cristo, tendo aceitado essa revelação da morte da parte do Pai,
ressuscitando dos mortos , transmitiu isto aos seus servos, os apóstolos e
eles entenderam e pregaram que a mãe deles, a sinagoga, estava morta; e
pela morte da carne, eles compreenderam que eles mesmos tinham recebido
vida da vivificante vida de Cristo. E pela mão direita da santificação, tendo
sido feitos santos dos santos pelo seu espírito, eles pregaram com um
debate acalorado a vivificante fé contra a mortificante e destrutiva
infidelidade.
E suas línguas foram transformadas em uma chave celestial de Deus,
abrindo para o digno e o fiel os caminhos da vida, a exterminação do
mundo e mostrando para os amantes do mundo a morte e a eterna perdição
por sinais, obras e sermões. Eles separarão o precioso do vil, a verdade da
mentira, a bondade da maldade e foram feitos a boca de Deus e o carro de
guerra da sua onipotência contra o mundo e o príncipe do mundo.
Eles evangelizaram os crucificadores de Cristo e aquelas arrogantes e
orgulhosas pessoas que, tendo desprezo por sua humildade e mostrando o
zelo deles pela lei de Deus e a honra à sinagoga, consideraram eles mesmos
terem a chave da autoridade divina e do conhecimento. E eles salvaram
aqueles que tinham caído por pecar pela inveja, em infidelidade e
desobediência em relação a Deus. E pelo amor celestial eles atraíram de
volta para a amizade, complacência, imitação e confissão de Cristo aqueles
que por voraz avareza tinham estabelecido o ódio de Deus sob o pretexto
de servir ao culto divino e ao estado mundano da sinagoga. Deus irá
triturar e dispersar aqueles que atulharam até em cima suas orelhas como
um somador e ampliará seu nome entre as nações.
Quando, portanto, a perfeita vida evangélica for solenemente introduzida e
inovada na igreja de Cristo através de Francisco, os irmãos recusarão e se
oporão por palavra e por obra as artimanhas dos demônios e os sofismas e
erros dos precursores do anticristo. E quando aqueles que eram freis só no
nome tiverem convencido ambos os clérigos e os leigos a perseguir, odiar e
rejeitar aquela vida; e quando eles tiverem separado seus verdadeiros
amantes e servos com o acordo da autoridade eclesiástica como
desobedientes e insubordinados irmãos a fim de matá-los, então o sinal de
seus ferimentos clamará e denunciará a malignidade dos perseguidores
simbolizado nas feridas. E isto proclamará pela palavra silenciosa a
inocência, perfeição e verdadeira existência daqueles que são os que
suportam a perseguição.
Fé, quando é uma experiência indubitável de Deus, não tendo princípios
demonstráveis, como aquelas matérias que superam a mente e o intelecto, é
uma substância existente e trabalha acima da natureza no verdadeiramente
fiel. Aqueles irmãos falsos, que foram excitados por Satã e que confiam
nas razões da filosofia humana, tentarão derrubar a fé e puxar para trás
aqueles que foram edificados e enraizados sobre tal fé. Eles tentarão
mostrar artificialmente que viver fiel contraria as escrituras e os exemplos
comuns e documentos dos pais antigos. Os falsos irmãos argumentarão
que o fiel atua loucamente, ousadamente e irracionalmente segundo o falso
senso do frei, presumindo fazer voto e observar coisas impossíveis para a
natureza humana. Os falsos irmãos argumentarão que o fiel diverge
intensamente do costume comum e da tradição dos pais anteriores,
transmitido à geração seguinte nos santos e pelos santos até o tempo
presente. Pelo que os Cristãos pensarão que eles oferecem obediência a
Deus quando eles matam aqueles Cristãos que estão se esforçando com
todas as suas forças para atingir a verdadeira perfeição.
Por isso, o irmão que escreveu a primeira legenda disse que “ele será
verdadeiro e merecedor de fé a quem a natureza, a lei e a graça serão
testemunhos”, porque a inocência de Abel, a benignidade e humildade de
Moisés e a bondade e o amor de Jesus Cristo, testemunharão para aqueles
mais novos pobres, que são humildes na mente e no coração, que eles são
verdadeiramente abençoados. Como os primeiros santos, que antigamente
serviram ao Senhor sob a lei da natureza e a lei de Moisés e a lei da graça,
eles padecerão até o fim dos tempos dos gentios.
Depois da serpente antiga ter caído do apogeu do seu estado por causa de
sua própria soberba, ela seduziu o primeiro homem; lutou contra Moisés,
tentou Cristo e foi a causa dele ser crucificado. Aquela serpente será
libertada no final da entrada da plenitude dos Gentios para atuar como uma
tentadora. Muita iniqüidade transbordará quando ela for libertada – isto é-
abundará e o amor crescerá tão frio que o orgulho, a traição, a heresia, a
esterilidade e a insensatez serão considerados como humildade, fé, pobreza,
pureza e amor de Cristo.
Também Irmão Pacífico em estado de êxtase viu e ouviu que o primeiro
assento de Lúcifer tinha sido reservado para o humilde Francisco e Irmão
Salvus viu São Francisco eleito por Deus para fazer uma incomparável luta
contra Lúcifer e que outro irmão viu que Lúcifer tinha entrado na religião
dos menores e tomado o hábito de modo que ele pudesse mais facilmente
ser capaz de lutar contra Francisco. Essas e todas as outras visões
similares, se elas indicam alguma verdade, principalmente indicam isto que
Cristo disse no evangelho: “o último será o primeiro e o primeiro será o
último”; e que “muitos serão chamados, poucos escolhidos”: e que “os
inimigos do homem”, vestiram o hábito de Cristo, mas não a ação, “são
seus servos domésticos”. Os filhos de Abraão e da circuncisão negarão
Cristo. Os sucessores de Cristo e do humilde Pedro se envergonharão da
pobreza e humildade quando o tempo da desolação se aproximar. Aqueles
que são por hábito e nome menores lutarão e perseguirão a “minoria” na
coisa em si e na ação. Eles odiarão isto imaginativamente e amargamente.
Seguindo o hostil Lúcifer, o líder da fraqueza perversa, do erro e da
incredulidade, por quem aqueles filhos da carne foram seduzidos à
irreverência, a descrença e a desobediência, eles irritaram e provocaram
Francisco, o mais humilde e mais pobre dos imitadores de Cristo, desde
que ele existiu.
A primeira guerra foi travada pela incredulidade, irreverência e
desobediência contra o fundador, Francisco, o servo de Cristo, e aqueles
que cordialmente e verdadeiramente aderiram a ele. Contra aquela guerra,
Cristo em Francisco e seus companheiros resistiram e saíram vencendo, em
ordem que eles puderam vencer pela verdadeira pobreza e humildade e
reinam em paz e amor triunfalmente.
Que assim seja, amém.
Finalmente quando a hora da travessia do humilde e pobre servo
de Deus, Francisco, se aproximou, ele fez com que todos os irmãos
que viveram naquele local fossem chamados e ele lhes falou palavras de
consolação por conta de sua morte. Ele os exortou com afeição paterna e
palavras eficazes para observarem a prometida vida e Regra, divino e
mútuo amor e reverência e obediência para a santa mãe a Igreja Romana e
todos os clérigos. Legando e deixando para eles a posse da pobreza,
humildade, paz e mútuo amor como herança, ele falou com as mais efetivas
e fiéis palavras para inflamá-los em direção ao seguimento ardente das
pegadas de Jesus Cristo e em relação ao desprezo e aversão ao mundo.
Com os irmãos de pé ao redor dele, Francisco ordenou um breve
Testamento para ser escrito, no qual ele recordou toda a sua primeira e
última intenção para a religião, revelada a ele por Cristo, a pura e clara
verdade. Francisco fez isso para aqueles que estavam presentes, para
aqueles que estavam ausentes e para todos aqueles que viriam até o fim do
mundo. E ele ordenou na forma mais severa possível que isto seja mantido
e servido fiel e reverentemente sob a benção do mais sublime e divino Pai e
seu abençoado Filho, Jesus Cristo nosso Senhor, e sua benção. E depois de
ter estendido suas mãos em forma de cruz sobre eles, aquelas mãos que
foram imprimidas com os estigmas de Jesus Cristo e tendo seus braços
cruzados, ele abençoou todos os irmãos presentes e ausentes no poder e em
nome de Jesus Cristo, o crucificado.
E ele fez que Bernardo de Quintavalle fosse chamado até ele, quem tinha
sido o primeiro irmão e pondo sua mão direita em cima de sua cabeça na
frente de todos os irmãos, ele o abençoou com profunda e única afeição. E
tendo dado a benção, o bem-aventurado Francisco ordenou um dos seus
companheiros dizendo:
Escreva o que eu digo a você. O primeiro irmão que o Senhor me deu foi
Irmão Bernardo e ele foi o primeiro que começou a realizar mais
perfeitamente a perfeição do santo evangelho, distribuindo todas as suas
posses aos pobres. Por conta da qual e também por conta de muitas outras
prerrogativas que Deus lhe deu, eu sou obrigado a amá-lo mais do que os
outros irmãos da religião inteira. De onde eu desejo e ordeno, em tanto
quanto sou capaz, que todo aquele que for o ministro geral da religião, o
ame e o honre como fariam a mim mesmo. E também todo o ministro
provincial e os irmãos de toda a religião devem mantê-lo em meu lugar.
Francisco tinha profetizado que próximo a morte de Irmão Bernardo, a
Bernardo seriam dadas de antemão muitas graças e dádivas da parte de
Jesus Cristo, e que em maravilhosa paz e descanso para seu corpo e alma,
ele atravessaria dessa vida para Cristo. Bernardo estaria seguro e
preenchido com a unção do Espírito Santo, como depois de sua morte ficou
claro para todos os irmãos que estavam presentes .
Finalmente, os irmãos de Francisco vendo no momento de sua morte a
devoção fiel de Francisco a Cristo, extremo quase até o ponto da expiração,
eram incapazes de conter suas lágrimas, mas disseram com rara alegria e
admiração: “Realmente ele não foi reconhecido como um santo”.
Na verdade, depois de sua morte eles o olharam como um santo de Deus,
exibindo uma certa alegria e felicidade, com admirável fragrância e única
beleza, a qual beleza, enquanto ele vivia, ele não tinha. E eles se
encantaram com sua aparência, porque um tipo de poder veio dele,
agradando aqueles que estavam ao redor olhando para ele e preenchendo-os
com uma doce e espiritual consolação.
A SEGUNDA TRIBULAÇÃO
O inimigo de todo o bem decidiu e iniciou a segunda perseguição
contra Bernardo, este homem de Deus, que era santo e ardente de
amor, e contra os outros fervorosos irmãos e filhos de São Francisco.
Aquele anjo selou com os estigmas, Francisco, um fiel profeta no espírito e
virtude de Elias, tendo sido enviado para os pobres homens, havia migrado
do mundo e a maior parte dos irmãos que tinham os espíritos ardentes o
haviam precedido a Cristo. Então uma multidão de ministros e guardiões
unanimemente concordaram sobre Irmão Elias, por causa de seu ilustre
conhecimento e notável prudência e, depois que o santo morreu, eles o
escolheram como reitor e governador.
Elias recebeu o ofício de geral pela concordância e eleição de todos os
irmãos. Estando livre – como ele erroneamente pensava – do excesso de
indiscreto fervor e do ímpeto de espírito que havia no fundador, Elias
julgou de acordo com o senso humano e a prudência carnal.
Audaciosamente ele começou a fazer e ensinar a discórdia e oposição
contra aqueles que o santo tinha amado. Elias tinha muitos falsificadores,
mais ainda promotores e numerosos invisíveis e astutos instigadores, cujas
armadilhas e intervenções ele não somente negligenciava vigiar contra e
repelir, mas recebia espontaneamente e cumpria com satisfação.
Não admira então o que o grande doutor Gregório de Nazianzus disse:
- O depravado modo de vida de alguém que preside é e deveria ser
chamado de pestilência. Porque nada é mais eficaz para infectar e
corromper subordinados, do que um líder no qual o mal se tornou
verdadeiramente maior, quanto mais pessoas sobre as quais ele mantém
dominante autoridade. A malignidade é muito maior que atinge a maioria,
do que a que acontece só para um. Não é fácil tingir uma roupa com uma
cor que se opõe a original e num vaso que tem um odor podre é difícil fazer
uma fragrância. É muito mais fácil corromper alguém que é puro do que
perseguir o bem. A coisa mais apropriada para enganar a virtude é a
malignidade, e que, quando eu considero isto, me aborrece mais, porque o
ofício na mão é agradável, ciumento e sensual. ; e nada mais facilmente
pode tornar-se mal, ainda que isso fosse bom, do que quando nós agimos
desse modo. A posse do bem é rara e poucos são atraídos em direção ao
bem, ainda que muitas coisas causem a sua atração e a recomendem. É
uma dificuldade para a natureza humana apreender o bem, assim como para
o chão úmido pegar fogo. Em minha opinião, muitos estão tão prontos para
aceitar o mal e a má conduta, como um pedaço seco de palha queima se
uma fagulha encosta nele e é levado pelo vento. Qualquer um aceitará uma
dose moderada de malícia mais rapidamente e mais amplamente do que
uma gradual e estável probidade. Da mesma maneira, um pouquinho de
vinagre mais rapidamente azedará o mel do que o dobro de mel adoçará o
absinto. Semelhantemente um moinho de água, por menor que seja, pode
chupar um rio inteiro, o qual, porém, uma forte represa dificilmente será
capaz de deter e conter.
Assim, Irmão Elias entregou ao esquecimento muitas daquelas coisas que
ele tinha visto em Francisco, o homem de Deus. Ele as considerava tão
insignificantes quanto as imundícies que fazia para serem pisadas pelos
pés. Elias foi seduzido pelas palavras e pelo erro de seus aduladores e seus
partidários e exaltado pela reputação e obséquio do imperador e do
supremo pontífice e outras pessoas ilustres, que o consideravam acima de
todos os outros por seu conhecimento, natural prudência e da aparente
honestidade de seus costumes. Portanto Elias começou a por diante de
todos os irmãos decretos de seu próprio coração, como sendo certos e úteis
para a salvação e como possíveis e prudentes coisas a fazer.
Neste tempo, muitos dos companheiros do bem-aventurado Francisco ainda
viviam. Entre eles estava o acima mencionado Irmão Bernardo e Irmão
Cesário, um homem honrado por seu conhecimento e especialmente pela
santidade de sua vida. Os companheiros incluíam Irmão Ricério, Irmão
Simão de Contessa, de uma nobre linhagem e de agradável santidade,
Irmão Ângelo e Masseo, e não poucos outros, entre os quais eu vi alguns.
Deles, que devotadamente mantinham-se ocupados servindo fiel e
simplesmente as promessas reveladas para o pai e líder deles e já
confirmadas pela autoridade da igreja, eu escutei o que tenho narrado. E
eles eram incapazes de conservar o silêncio sobre as obras de Elias,
decretos, desvios e dissonâncias dos mandatos e tradições do fundador.
Portanto eles sofriam por conta da ofensa dada à Deus e a danação das
almas. Com palavras simples e piedosas obras, cordialmente se mantendo
fiéis as ordens e exemplos de seu pai, eles mostraram que seguir as
relaxações e impurezas que estavam sendo lançadas envolviam um não
pequeno perigo.
Elias na companhia de seus seguidores estava agitado, mas ele dissimulou
por algum tempo a impaciência e a raiva que estava em sua mente. Ele
tramava meios para lançar trevas e astuta e enganosamente difamar por
calúnias e acusações ao supremo pontífice aqueles irmãos que estavam
progredindo simplesmente, diante de quem ele os perseguia e oprimia.
Elias queria uma desculpa aos olhos daqueles que seriam afligidos e
perturbados pela pressão sobre os santos irmãos. Portanto ele mostrou estar
fazendo tais coisas e estar perseguindo eles com justiça sob o comando do
pastor e somente para o bem daqueles que estavam sendo controlados.
Finalmente, aproveitando uma oportunidade, ele aproximou-se do
vigário de Cristo, então Papa Gregório e, como habitualmente
acontece em tais instâncias, Elias diante dele expôs um lamento fictício,
tingido de grande santidade, discrição e honestidade e na aparência
benéfico para a Igreja e para toda a religião, dizendo:
- Santo Padre, em toda esta vasta corporação, especialmente dos irmãos
pobres, muitas coisas acontecem frequentemente de indiscrição sobre o
disfarce de um bom e fervente espírito, os quais, embora possam parecer
insignificantes, a não ser que sejam prontamente corrigidos, tomando
profundas raízes enquanto o tempo passa, dá origem a grandes males.
Alguns irmãos entre nós são reverenciados pelo povo e o clero como muito
santos por conta do companheirismo que eles tiveram com São Francisco.
Esses irmãos, regrando a si mesmos de acordo com seu próprio senso, tem
desprezado a rédea da santa obediência e tem circulado de um lado pro
outro e acolá, como se eles não tivessem chefe. Eles falam e ensinam coisas
que finalmente se tornarão um escândalo para toda a religião, a não ser que
pela sua paternidade, o mal tendo já começado, um corretivo seja posto
nesta situação. Além disso, eu, impelido pela consciência, fiz esse lamento
diante de sua santidade temendo que alguns sérios e terríficos escândalos
sejam propagados por eles, embora eu preferiria ter mantido silêncio ou tê-
los conduzido nas costas e os reprimido por minhas ternas e piedosas
exortações e correções.
O Supremo Pontífice, que tinha Irmão Elias em grande estima, firmemente
acreditou que o que ele falou era verdade. O papa, movido por sincera e
amorosa afeição e ardente zelo espiritual, os quais o moviam totalmente a
conservar e promover o bom estado da religião de uma forma única, disse a
Irmão Elias:
- Vá, e de acordo com o espírito e prudência que foram dados a você,
corrija aqueles irmãos que, sob a aparência do espírito, tendo rejeitado a
disciplina da Regra e a rédea da santa obediência, vagueiam aqui e acolá.
Assim, nenhum escândalo será capaz de germinar deles na religião, nem
um exemplo de algum tipo de contágio e divisão será dado por eles para o
mais simples, obediente e fiel dos irmãos. Frequentemente as maldades,
que tem sido consideradas insignificantes, se são negligenciadas, serão
fortificadas e reforçadas pela passagem do tempo e se tornarão
incorrigíveis.
Papa Gregório de santa memória firmemente confiou em Irmão Elias, por
conta da grande moral e honestidade que o papa discernia nele e pela rara
prudência e sabedoria as quais ele pensava ser preeminente entre todos os
irmãos da religião daquele tempo. O supremo pontífice não sabia como
Irmão Elias tinha se oposto a São Francisco e como ele tinha se dedicado a
curiosidades. Gregório também estava desapercebido de que Elias tinha
dado ao curioso uma abertura e tinha ensinado muitas coisas secretamente.
O papa não sabia que Elias tinha incitado e semeado oposição e dissensão
da perfeição da Regra e que ele tinha sido um incitador e autor das
relaxações e impudicícias. Tampouco Gregório sabia que Elias tinha
tentado com seus seguidores extinguir e sepultar o espírito e intenção do
fundador e por as coisas mundanas no lugar das divinas com suas
imaginações recentemente introduzidas.
Elias conscientemente foi o primeiro engendrador dessa fraude ante o
Supremo Pontífice. Elias acreditou mais em seu próprio senso e prudência
do que na santidade, benevolência e comando de Deus, os quais ele tinha
ouvido e recebido do perfeito Francisco, que tinha sido enviado do céu para
ele e os outros. Portanto Elias, tendo imitado a cegueira de seu próprio
senso e tendo sido algemado e capturado pela armadilha de sua
complacência, foi feito um príncipe como Nero para a perseguição dos
santos. Finalmente, Elias golpeou e matou a si mesmo e seus partidários
com a espada com a qual ele tinha golpeado os santos irmãos.
Elias foi excomungado pelo mesmo pontífice Gregório, por conta do apoio
do ministro ao imperador. Elias morreu naquele estado de excomunhão por
causa do pecado e negligência de seu sucessor, Irmão Alberto, que
descuidou de apresentar as cartas de desculpa e de reparação que Irmão
Elias tinha enviado por ele para o papa, como Alberto tinha prometido
fazer a Elias. Finalmente, só uns poucos dias após o sucessor do Irmão
Elias, a saber Irmão Alberto de Pisa, morrer, e as cartas de reparação
enviadas ao papa foram encontradas dentro da aniagem que ele usava como
um hábito. Assim como a verdade sobre os costumes dos santos irmãos
tinha sido ocultada do Supremo Pontífice por Elias e sua persuasiva
falsidade, assim suas cartas de reparação, declarando sua intenção e
obediência, foram retidas por assim dizer e não chegaram ao Supremo
Pontífice. Mas Elias morreu como um desobediente à igreja e separado da
religião ao mesmo tempo com seus irmãos.
Mas vamos retornar às coisas que ele fez contra os primeiros
irmãos de São Francisco e outros homens espirituais. Fortalecido pela autoridade de tal pontífice, Elias fez por si mesmo uma
regra de retidão e virtude a partir de seu próprio desejo e vontade. Da
mesma fonte ele converteu santidade em insensatez e a verdade em mentira
diante do Supremo Pontífice. Da ousadia e da temeridade Elias criou
magnanimidade e fé e da impiedade e justiça cruel o rigor da equidade.
Doravante como um leão – mas não da tribo de Judá – Elias se ergueu
contra os cordeiros; e, tendo retornado para o rebanho, ele tomou para si
alguns irmãos, que em tudo eram conforme a sua vontade e “insuflou
ameaças de morte contra os discípulos humildes” do fundador.
Em nome do Supremo Pontífice e em virtude da santa obediência, Elias
ordenou os irmãos que ele tinha escolhido de levarem a cabo seu desejo de
não poupar ninguém, mas manter os discípulos que tinham sido capturados
sob guarda e castigá-los pela disciplina e grilhões e apresentá-los diante
dele despojados de seus hábitos. Aqueles irmãos espontaneamente
exageraram suas ordens no preenchimento das injunções, desejando
agradar seu preceptor. Sendo impelidos pela necessidade de satisfazer sua
inveja e raiva – as quais eles tinham livremente concebido contra os santos
irmãos por conta de sua santa conversão e vida – eles trataram
impiedosamente e afligiram cruelmente aqueles irmãos que eles odiavam.
A raiva do louco é selvagem e diabólica. Eles tentaram exterminar e
dispersar todos que discordavam de seus desejos e vontades.
Verdadeiramente, dar autoridade para tais pessoas, ou confiar a execução
de qualquer tipo de justiça para elas, é favorecer as inovações de Satanás e
perverter a retidão da justiça e derribar os limites da equidade.
Os adeptos de Elias capturaram, retiveram, fustigaram e despojaram os
inocentes de seus hábitos. Então os agrilhoados irmãos, como feiticeiros e
ladrões, eram apresentados diante de um padre, empurrados com fúria,
diante de um juiz motivados por ódio e diante de um subversor da causa
dos pobres humildes. Elias exasperava os irmãos apresentados a ele com
ofensas, os censurava com acusações e os repreendia com maldições. Ele
os fez serem tratados tão cruel e terrivelmente que ele parecia mais como
um tirano e juiz de feiticeiros do que um ministro dos servos humildes de
Cristo ou o pai dos pobres.
Elias ordenou que Irmão Cesário de Spira, um inocente homem
que era prudente e santo em todas as coisas, fosse algemado em
correntes de ferro e conduzido a uma cela. Lá Cesário foi confiado a um
certo irmão leigo que era cruel por educação e por natureza e que odiava
Irmão Cesário e seus companheiros sinceramente. A esse irmão foi dada a
incumbência da guarda de Cesário e foi instruído a guardá-lo
vigilantemente para que não fugisse e o observasse cuidadosamente
temendo que alguém fosse capaz de se aproximar para falar com ele.
Quando o inverno chegou e a porta da cela ficou aberta, Irmão Cesário saiu
da cela. Quando aquele irmão leigo, o sentinela, o viu fora da cela,
pensando que Cesário estava fugindo, ficou furioso, agarrou uma clava e o
golpeou fortemente. No que diz respeito ao ferimento deixado por aquele
golpe, o santo homem, um pouco mais tarde, rezando disse: “Pai, perdoa-
os, porque eles não sabem o que fazem”. Dando graças e recomendando
seu espírito à Cristo, ele morreu enquanto rezava. Cesário foi o primeiro
irmão sacrificado a morte por conta de seu fraternal zelo pela regular
observância. Como o proto-mártir Estevão, Cesário rezou por seus
perseguidores, deu testemunho da verdade, derramou seu sangue e como
uma fidedigna revelação demonstrou, ele foi recompensado com a coroa do
martírio no reino dos céus.
Na mesma hora que a alma de Cesário saiu de seu corpo, o santo Papa
Gregório, arrebatado num êxtase espiritual, viu uma certa alma sendo
carregada por anjos ao céu com grande glória e a coroa do martírio.
Estando estupefato com a visão, Gregório se voltou para o anjo que tinha
lhe mostrado a visão e lhe perguntou dizendo: “Quem é esse que ascende
ao céu com tanta glória e a coroa do martírio?”
O anjo lhe respondeu:
Esta é a alma daquele inocente homem, Irmão Cesário da Alemanha, pela
qual você, no dia de sua morte, terá que dar justificação perante Deus,
porque agindo em sua autoridade ele foi morto pelos irmãos dele, depois
dos grilhões, da cela de prisão e de muitas aflições as quais ele suportou
pacientemente pela fiel e pura observância da Regra dele. E, por isso, ele
entra no céu bem guardado e feliz com a palma do martírio.
Por conta dessa visão, o Supremo Pontífice, cheio de admiração e ansioso
pelo medo, parecia um tolo. Depois, tendo ordenado um diligente inquérito
na verdade da situação, ele descobriu que na mesma hora que ele ,
Gregório, tinha tido a visão, a alma de Irmão Cesário tinha migrado para
Cristo. E, compreendendo que ele tinha sido induzido ao erro por Irmão
Elias e seus aliados, retirou-se depois de ouvir as artimanhas deles. Não por
muito tempo ele manteve uma discussão familiar com eles e a única fé que
o tinha motivado a confiar neles estava acabada.
E tendo convocado os irmãos, que naquele momento viviam perto dele,
disse-lhes o que tinha visto e falou com profunda amargura e indignação na
sua alma, dizendo:
Como é que , declinando tão rapidamente e espontaneamente da inocência
e retidão, vocês tem se voltado uns contra os outros? Tendo abandonado o
amor e depreciando e perseguindo uns aos outros, vocês tem mutuamente
mordido e devorado vocês mesmos. Assim como vocês não se importaram
a respeito do perigo para suas próprias almas, apegando-se obstinadamente
a suas próprias vontades, assim vocês não temeram a sentença posta em
suas testas pelo sangue de um inocente homem. Vocês inverteram
injustamente a gentileza de seu amor e autoridade contra um santo homem.
Ah! Como rapidamente vocês começaram a declinar da perfeição legada a
vocês por seu pai e da piedade e humildade, as quais vocês enxergaram
nele. Olhem para vocês mesmos e busquem a perfeição do seu chamado,
cumprindo isso sinceramente, vigilantemente e perseverantemente. Não
desdenhem disto ou negligenciem por conta da ingratidão, porque o seu
chamado é o mais perfeito e santo, o pior será a sua subversão e a sua
queda e a sua condenação será pior agora e no julgamento futuro.
Mas essa é uma suficiente comemoração a Irmão Cesário por hora.
Agora de fato alguma coisa deve ser dita sobre Irmão Bernardo, a
quem o agonizante São Francisco abençoou com tanta
familiaridade, como foi mencionado anteriormente e a quem ele tinha
recomendado a todos os irmãos e ao ministro geral, que deveria ser
escolhido após sua morte. Alguma menção também deve ser feita de seus
outros companheiros.
Primeiro, Elias e seus seguidores aprisionaram Irmão Cesário, que foi mais
famoso do que os outros por sua virtude e sabedoria e que foi acorrentado
numa cela e afligido com os mais severos métodos e disciplinas a fim de
aterrorizar todos aqueles que tinham sido orientados por seu exemplo e
iluminados por seus sermões. Em seguida, Elias e seus seguidores voltaram
a atormentar e castigar os outros irmãos.
O santo homem Irmão Bernardo ouviu acerca do tratamento de Irmão
Cesário. Bernardo, mais do que todos os outros, tinha longa e segura
experiência da teimosa e obstinada alma e endurecida mente do Irmão Elias
e assim ele pensou que seria melhor evitar sua fúria e ir embora de sua
insana cólera. Retirando-se do lugar onde estava, Bernardo se transferiu
para áreas montanhosas inabitadas e construiu uma choça empobrecida na
encosta do Monte Sefro e residiu lá, devotando-se completamente a
contemplação. Lá ele foi encontrado por um certo carpinteiro que
freqüentava a montanha a fim de cortar material necessário para seu ofício.
O carpinteiro perguntou a Bernardo quem ele era e por que estava se
escondendo em um lugar tão rude e depois que ele ouviu o objetivo e o
motivo de Bernardo, ele o assistiu por 2 anos. Bernardo, permanecendo
irreconhecível por outros homens, fez uso do vôo evangélico e da licença
do fundador, até Irmão Elias ter sido deposto de seu ofício de ministro e
excomungado pelo Papa Gregório por conta de sua adesão e lealdade ao
imperador Frederico.
Elias, realmente, não tocou no Irmão Simão de Contessa por medo de seus
parentes, mas o atormentando com abuso verbal, tempestades de injúrias e
sonoros gritos de ameaças, ele o prendeu num certo lugar longe dos outros
homens e sob certas leis e estatutos. De fato, ele isolou uns dos outros e
dispersou de um lado para outro, outros doze companheiros dos Irmãos
Cesário e Bernardo, despojando de seus hábitos e punindo-os com
disciplinas e espancamentos. Outros que partilhavam o mesmo pensamento
deles foram atormentados com diversas penitências e duras punições.
Santo Antônio, de fato, cujos restos mortais estão em Pádua, não deixou de
ser atingido por essa tribulação. Quando ele veio a Assis da Sicília para
visitar as relíquias de São Francisco, ele foi apanhado e saqueado por
agentes do Irmão Elias. Antônio foi açoitado até o sangue correr.
Pacientemente recebendo os golpes, açoites e as ameaças como uma forma
de hospitalidade, Antônio retribuiu as chibatadas com louvor e benção à
Deus, dizendo: “Deus seja bendito! Possa o Senhor poupá-los, irmãos!”.
Perturbados pela força da fúria insana, eles completaram o delírio de sua
crueldade rapidamente, de modo que saquearam e aprisionaram um irmão
peregrino de uma nação e língua estrangeira, desconhecida deles. Sem
qualquer investigação completa ou qualquer conhecimento seguro sobre a
verdade das coisas, eles o acorrentaram cruelmente, fizeram ameaças e o
torturaram com comentários insultuosos.
Trazer à mente o julgamento e recordar o fim do promotor dessa tribulação,
Elias. Ele “não estava firme na verdade” e era um mentiroso na ação e na
palavra, insolente e irreverente a seu pai. Ele foi o sedutor do vigário de
Cristo e o perseguidor de seus irmãos. Todo aquele que relembrar Elias
obterá proveitoso conhecimento tanto quanto medo e o desejo pela
humildade. Ele também chegará a odiar o orgulho e desconfiar de seus
próprios sentimentos. Qualquer um que lembrar Elias se tornará mais
inflexível, etc. Recordar Elias o fará mais firme na pura observância da
prometida Regra e mais sincero e cheio de reverência ao fundador. Porque
Elias foi relutante em receber e imitar o poder e sabedoria de Deus como
Francisco realizou, por causa de seu orgulho e confiança em seus próprios
juízos, ele foi entregue ao falso senso de infidelidade, desobediência,
irreverência, impiedade e intolerância. Nele mesmo e na religião, ele
recebeu e semeou sementes que geraram uma amarga colheita em seus
descendentes.
Essa segunda vexação ou tribulação foi suportada até a eleição de Irmão
João Parenti como ministro geral, o qual se mantinha em conformidade
com São Francisco em obras, palavras e sentimentos em todas as coisas e
por todas as coisas. Embora Papa Gregório tenha deposto Irmão Elias do
posto de ministro e o excomungado, aquela tribulação não cessou
inteiramente porque aqueles que estavam em custódia, a saber os ministros
e guardiões, partilhavam as visões de Elias. Eles não mudaram suas mentes
por conta daquele procedimento do supremo pontífice, mas amavam Irmão
Elias da mesma forma que antes. Eles não pararam de tentar
engenhosamente e habilmente com infâmias e calúnias, atormentar e
obscurecer os imitadores daquela pobreza e humildade que São Francisco
serviu e ensinou e tinha mandado que fossem observadas na Regra e no
Testamento e em outros de seus escritos. Eles continuaram mesmo até a
chegada e eleição do anteriormente mencionado ministro geral, que era
agradável à Deus e chegou no momento mais importante para a religião
fundada por Francisco.
A inveja dele, que o derrubou, provocou aquela tribulação na ordem e
aqueles que sofreram isto, os companheiros do fundador, Irmão Egídio e
Ângelo e os outros que sobreviveram, relataram isto em meus ouvidos. Eles
queriam por suas palavras gravar nos corações dos seus ouvintes que o
príncipe do inferno abominava e odiava nada mais do que aquela pobre,
nua, humilde, piedosa e pacífica vida de Cristo, a qual o Pai das graças e
das luzes inovou por Francisco no último momento, a fim de dar o
conhecimento ideal e o ensinamento necessário para a salvação contra a
cobiça, a vaidade e o orgulho, levantados nos últimos dias pelo
exterminador de todas as coisas boas na Igreja.
Essa segunda tribulação foi provocada por um homem que presumia
muitíssimo sobre sua própria auto-suficiência e que confiava mais
completamente em sua própria prudência. Ele almejou aquelas coisas que
estavam acima dele e esqueceu-se de se estender na direção das coisas
melhores. Ele pensou irrefletidamente, aspirando aquelas coisas que eram
inferiores, pensando humanamente. Ele sentiu e ensinou coisas contrárias à
pobreza evangélica, isto é, caminhar entre os vaidosos e grandes coisas
opostas a humildade, ao amor e a verdade de Cristo. Ele igualou e preferiu
a si mesmo do que o simples e pobre Francisco, quem desse modo causou a
ruína e exterminação dele e de seus seguidores, naquele tempo, agora e
mesmo até o fim.
A multidão desses males, semeados no princípio, germinaram e brotaram,
exatamente como a geração de filhos de Lamech fizeram contra os filhos
de Set, como os Ismaelitas e Moabitas e os filhos de Esaú contra os filhos
de Isaac e Jacó, os filhos de Israel contra Moisés e os profetas e como os
escribas e Fariseus, os sacerdotes e os líderes dos sacerdotes “vieram
juntos como um contra o Senhor e contra seu Cristo” . “Aquele que é
espiritual não vem em primeiro lugar, mas aquele que é animal”, e aquele
que é realmente espiritual, não é desse mundo, mas é do reino dos céus.
Todos nós estamos sofrendo sob a imagem e a tirania do reino animal, pelo
que devemos chegar e direcionar todo o nosso ser para os primeiros moldes
para sempre, por amor da verdade, com toda a sinceridade da humildade e a
integridade da fé. “Nem todo aquele que me diz, “Senhor, Senhor”, entrará
no reino dos céus, mas quem fizer a vontade de meu Pai que está nos céus”.
Não é aquele que ensina, mas aquele que ensina e pratica, “não é
verdadeiro judeu quem é no exterior, nem a circuncisão é a circuncisão
exterior da carne. É judeu aquele que é no interior e a circuncisão é a do
coração segundo o espírito e não segundo a letra. O louvor deste judeu não
provém dos homens, mas de Deus”.
Pois é nada mais do que o aumento da condenação de alguém que assumir
o hábito da humildade e lutar contra a humildade; professar a pobreza
publicamente e solapar os pobres e a prática da pobreza; proclamar e
recomendar em sermões a castidade, o amor e a paz e depois executar
ansiosamente e servir de conduta, ações e sentimentos, a hostilidade, o ódio
e as impurezas. “Você tem odiado todos aqueles que fazem iniqüidade e
você tem arruinado todos aqueles que falam mentiras”. Quando ele disse
“todos”, ele não excluiu ninguém. “Toda a árvore que não der bons frutos
será cortada e lançada ao fogo”. Pois,se aquele que não carrega bom fruto
será enviado para o fogo sem qualquer compaixão – sem levar em conta a
condição e o hábito do homem – então como se manifestará aquele que tem
feito o mal e negligenciado o bem?
Agora, além disso, todos nós como um grupo criamos para nós mesmos
uma larga rua e seguimos Elias e o espírito mundanos de Elias em vez do
espírito de Cristo em Francisco. Nós queremos a designação de humildes,
Cristãos não mundanos em vez da realidade; e nós amamos chamar a nós
mesmos filhos de Francisco, não de Elias. Nossas obras, contudo, se opõe
as nossas pretensões. Até os dias de hoje que aquilo é dito: “Na montanha
será visível” continua verdadeiro e será confirmado. O Senhor sabe quem é
dele. “Afastem-se da iniqüidade todos os que invocam o nome do Senhor”.
Pois, “quem é de Deus faz o bem e quem faz o mal não conhece Deus”. E
as ações do mal não podem ser dissimuladas até o fim porque a verdade
preserva todas as coisas inalteráveis e visíveis e, quando a verdade de
Cristo aparecer, tudo será revelado. E será abençoado quem não parar de
seguir Cristo por causa dos homens e confiar na fé, pobreza e humildade no
coração dele e não tiver vergonha de professá-los por palavra e obra,
porque Cristo o reconhecerá diante de seu Pai e dos anjos.
Elias sucedeu São Francisco; Alberto, que viveu pouco, Elias. João Parenti,
um Romano, verdadeiramente glorificado na confissão da pobreza e
humildade sucedeu Alberto e João aspirou seguir ardentemente os passos
de seu pai com todo o seu ser e chamou a todos para a pura observância da
Regra por sermões e por atos. E no seu tempo aqueles que eram prudentes
segundo a carne, mantiveram-se calados. Aiman de Favershan, o inglês,
que era um homem educado, santo, prudente e humilde e que fez muitas
coisas boas, tanto quanto pode na Ordem, sucedeu João Parenti. Depois da
morte de Aiman, Irmão Crescêncio das Marcas de Ancona foi feito geral,
sob quem a terceira perseguição teve seu começo e seu fim.
A TERCEIRA TRIBULAÇÃO
Infidelidade, presunção, confiança na auto-suficiência,
complacência e irreverência em relação ao espírito e a percepção de
Cristo e desobediência ao fundador causaram a primeira perseguição.
Depois, falsidade, fraude, ira, intolerância e crueldade provocaram a
segunda perseguição. No tempo do Irmão Crescêncio, que ardentemente
seguia os sentimentos e costumes de seu predecessor, Irmão Elias, todos os
pecados anteriores deram nascimento a um certo tipo de insaciável, curioso
desejo por conhecimento, ser visto, ter, adquirir. Solitários e empobrecidos
lugares foram trocados por edifícios suntuosos. Legados e funerais foram
obtidos e os direitos clericais arrebatados. Desejo de aprender as ciências
seculares multiplicou o número de estudantes nas escolas de tal modo,
especialmente nas províncias italianas, que irmãos não se envergonhavam
de granjear e receber dinheiro abertamente e fazer solicitações e tomar
providências nos tribunais contra quaisquer pessoas que tivessem dívidas
com eles em ordem a executar suas intenções.
Incompatibilidade com o estado de perfeição prometido e enormes
relaxamentos multiplicados a um grau tal que os irmãos que entendiam e
eram zelosos pela observância do voto regular compreenderam o perigo
para a salvação de suas almas. Eles temiam veementemente que eles
mesmos seriam considerados culpados na visão de Deus e seriam
sentenciados a morte eterna se eles mantivessem silêncio sobre o que
estava acontecendo. Eles consideravam, portanto, o perigo para a religião
inteira, a irreparável queda e a injúria e ofensa sendo dadas à Deus. Em
conformidade, os santos irmãos com angústia e espíritos ardentes,
incessantemente apresentavam diante do ministro geral e daqueles que
eram governantes dos irmãos vivificantes razões e efetivos exemplos e
argumentos contra a magnitude e enormidade das coisas que os ministros
estavam fazendo. Os piedosos irmãos também incessantemente traziam
consigo a vista e apresentavam as regras da Ordem, um eficaz corretivo
sustentado com argumentos irrefutáveis.
Naqueles tempos haviam muitos homens na religião que tinham um
incomparável domínio do conhecimento divino e cuja vida, pureza e
santidade eram celebradas, por conta das quais eles se distinguiam por
milagres durante suas vidas e depois de suas mortes. Também muitos dos
principais companheiros de São Francisco estavam ainda vivos, os quais se
angustiavam e gemiam por causa da torrente de maldades e dos enormes
relaxamentos da perfeição prometida. Além disso, todos juntos se afligiram
num mesmo grau porque o ministro e os superiores não deram ouvidos para
as admoestações e correções dos seus santos irmãos. Em vez disso, aqueles
oficiais começaram a conceber desagrado e aversão contra aqueles que
amavam aquela perfeição que preservavam; e pagando de volta detração
por amor, aqueles superiores tentaram secreta e publicamente fazer e
ensinar imediatamente e arrogantemente coisas contrárias às promessas e
votos de seus irmãos.
Os santos irmãos viram que seus esforços nada ganhavam e consideraram
que suas palavras estavam piorando as coisas. Em lugar da verdadeira e
pura observância da Regra, benefícios irregulares, trocas de casas e
edifícios dentro dos limites das cidades e casas fortificadas estavam sendo
introduzidos que escandalizavam o clero e o povo. Os santos irmãos
compreenderam que os líderes, tendo abandonado a oração, preferiam a
curiosidade intelectual e a estéril sabedoria de Aristóteles e ansiavam
avidamente escutar os mestres das ciências naturais e da dialética e
fundaram escolas nas quais pudessem obter e multiplicar o ensino dessas
ciências. E os santos irmãos sabiam que os ministros aceitavam essas
inovações e mudanças próprias deles indiferentemente, como se as
mudanças viessem de uma nova inspiração para promover um mais perfeito
e mais útil modo de vida para os maiores bem como para os menores. Eles
também sabiam que os ministros comumente pregavam estas mudanças e
com exceção de uns poucos irmãos que tinham sido instruídos pelo espírito
de Cristo, os líderes decretaram a necessidade de apelar para a Igreja
Romana e o Supremo pontífice por privilégios.
Setenta e dois irmãos, que eram mais eminentes do que outros em
conhecimento e santidade, depois de falar antecipadamente com os
companheiros sobreviventes do abençoado Francisco e deliberado
cuidadosamente, foram eleitos para ir ao Supremo Pontífice e ao sacro
Colégio de Cardeais. Os irmãos foram escolhidos para apresentar em geral
e em particular as absurdidades que estavam sendo executadas na religião e
tornar conhecido clara e francamente a deformação e a destruição do estado
deles. Com razão eles temiam ser julgados culpados por manterem o
silêncio perante Deus e a igreja em face a tais excessos, se eles
negligenciassem, tão rápido quanto possível, denunciá-los.
Somente a denúncia poderia remediar a relaxação desenfreada e castigar a
notória transgressão.
Entrementes, o ministro geral, Crescêncio, temia a proposta e intenção
daqueles irmãos . Ele sentia que eles eram zelosos pela sincera e fiel
observância dos prometidos votos, temia que os abomináveis excessos, os
quais tinham sido executados e não podiam ser defendidos, fossem levados
à atenção da igreja e do Supremo Pontífice. Se aquilo acontecesse, os
irmãos seriam obrigados pela sé apostólica a retornar a servir os seguros e
estimulantes modos de vida de seus pais e recuar das práticas pecaminosas
que eles tinham perversamente ousado adotar.
Crescêncio chamou um grande grupo de ministros dos irmãos que sentiam
do mesmo modo que ele e que estavam corajosamente incitando as
impurezas e as relaxações acima mencionadas. Ele procurou conselho
deles, o mais silenciosamente possível, acerca do que deveria ser feito
contra a intenção proposta pelos supracitados irmãos.
Além disso, o ministro geral tinha um certo companheiro perito em
jurisprudência, cujo nome era Bonadies, que era muitíssimo respeitado,
como os irmãos Pedro de Stacia e Bonocortesio. Depois dos ministros
terem deliberado, Crescêncio, atuando com base nos conselhos de
Bonadies, escolheu seu único refúgio, o qual era repetir as ficções e
mentiras que seu predecessor tinha usado.
Irmão Bonadies engoliu fraudes e mentiras como água de modo
que pode aprovar e confirmar por lei seus desvios da honra e da
reputação da religião. Crescêncio, com seus companheiros e este Bonadies,
rapidamente e silenciosamente procuraram o Supremo Pontífice. Na frente
do papa, Crescêncio propôs mentiras e meias-verdades em ordem a enganar
e conquistar o pontífice. Crescêncio de fato usou um raro tipo de
honestidade moral e simulou retidão e equidade em suas palavras. Desse
modo, ele afirmou que tinha em certas províncias alguns irmãos que eram
aparentemente santos em reputação e aparência aos olhos dos leigos, mas
que, se a verdade do fato for contada, eram supersticiosos, orgulhosos,
buliçosos, desobedientes, buscadores de novidades, audaciosos e
presunçosos em seus discursos:
Eu tenho hesitado em aplicar remédios salubres que poderiam corrigir tais
irmãos sem a sua licença e santa obediência. O povo é devotado a eles e
poderiam incitar um tumulto ou uma perturbação. Assim nesse ofício,
como em todos os outros nos quais possa estar envolvido, eu confiarei em
seu santo conselho e procederei de acordo com o seu comando, obediência
e autoridade.
Depois do Supremo Pontífice ter escutado essas coisas, ele acreditou
firmemente que aquilo que Crescêncio tinha dito na sua frente era
verdadeiro e fiel. Inocêncio concedeu a Crescêncio, com sua benção plena,
livre autoridade para punir e corrigir os desobedientes, importunos e
cismáticos irmãos desse tipo, para que o povo não possa ser contaminado
por eles e um cisma se espalhe dentro da Ordem a partir dessa fonte. Por
isso ele ordenou que para o resto, as oportunidades para tais cismas e
escândalos deveriam ser erradicadas completamente. Crescêncio,
fortificado, como ele pensava, pela palavra autorizada do Supremo
Pontífice, deixou o papa tão prontamente e discretamente quanto ele tinha
secreta e rapidamente vindo. Como uma impiedosa, variadamente colorida,
ágil e traiçoeira pantera, ele agiu contra os piedosos, simples irmãos que
estavam firmemente estabelecidos na verdade e fixados no amor.
Armado pela autoridade papal, Crescêncio astuta e sagazmente
fez com que os caminhos os quais os acima mencionados 72 irmãos
estavam acostumados a usar fossem tomados antecipadamente. Os irmãos
já tinham começado confiantes a sua jornada ao longo desses caminhos a
fim de se apresentarem perante o Supremo Pontífice. Eles planejavam
descrever a ele os santos, verdadeiros e apropriados assuntos que diziam
respeito a salvação das almas de todos os irmãos e do santo e sólido estado
da religião inteira. Crescêncio pensou cuidadosamente em todos os meios
pelos quais podia impedi-los e mesmo detê-los, de tal modo que nenhum
deles fosse capaz de escapar e aparecer diante do Supremo Pontífice ou
algum cardeal. Crescêncio também pensou cuidadosamente como ele
poderia evitar a disseminação da causa pela qual eles estavam viajando ou
de divulgar suas consciências por um intermediário ou por meio de uma
carta. Assim, Crescêncio teve todos os irmãos detidos, tanto que nenhum
deles foi capaz de efetuar nada em relação as propostas que eles tinham
concebido e planejado propor para o proveito da religião e a salvação das
almas.
Os irmãos, tendo sido apanhados prisioneiros e tratados severamente,
foram oprimidos por diversas e variadas aflições e insultos. Eles foram
separados uns dos outros e em pares foram enviados para diferentes e
remotas províncias da Ordem, levando cartas difamatórias como se eles
fossem homens perniciosos, ambicionando a destruição da Ordem. As
cartas os descreviam como cismáticos e heréticos a quem todos deveriam
vigilantemente observar e sobre quem todos deveriam estar diligentemente
prevenidos. Suportando nas mãos ordens que continham claramente
especificadas as penalidades, os irmãos eram obrigados a se apresentarem
aos ministros das províncias as quais eles foram enviados , como se para
um exílio perpétuo e para uma punição digna de suas impurezas, dentro de
um certo prazo determinado. Eles também receberam cartas que os
difamavam e prescreviam penas a eles. Eles eram ordenados a dar essas
cartas aos ministros, cartas que não podiam ser destruídas, alteradas ou
corrompidas.
Depois disso ter sido feito, Crescêncio e seus companheiros puseram de
lado a piedade e se voltaram para os outros frades que aderiram aos irmãos
exilados e que partilhavam e amavam as mesmas coisas que eles. O
ministro geral os torturou e os afligiu com a mais severa fúria. Usando
arrogante e venenosa palavra, os ministros se vingaram de vários modos
injuriando inocentes irmãos. Agindo impiedosamente, eles oprimiram e
esmagaram os amantes da piedade. Confiando numa soberba mentira e na
maldade e usando fraudes e invenções, eles impuseram silêncio por um
tempo ao chefe da sua acusação, Francisco, e igualmente em Cristo, na
pessoa dos membros de Francisco e daqueles devotados a eles. Os
ministros fizeram isto a um tal nível que ninguém abertamente ousou
resistir ou atreveu-se a se opor aos seus desejos e esforços, por mais
perversos que eles fossem, por causa do medo e da pressão das ameaças.
Contudo, o Deus do céu, a quem tudo aquilo que atua tiranicamente e
excede os limites da equidade é desagradável, tornou a perseguição e
dispersão dos antes mencionados santos irmãos em bem para eles e para
toda a religião. No começo, os irmãos a quem os santos frades tinham sido
enviados com as tais cartas de horrível testemunho, os consideravam como
extremamente suspeitos e fugiam deles como contaminados pela mácula da
depravação herética. Mas a luz não pode ser oculta nas sombras e toda a
árvore é reconhecida por seus frutos e seu odor aromático que não pode ser
escondido. Com o tempo, os santos irmãos vieram a ser tão venerados por
sua santidade e tão admirados pela perfeição de sua força e moral, que todo
o pensamento de má suspeita foi rejeitado, irmãos foram as pressas a eles
fervorosamente, como para a mais doce fragrância e como para luminares
doadores de vida. Estando convencidos de que eles tinham Jesus Cristo e
seu espírito neles, eles se regozijaram em seu companheirismo e ficaram
assombrados com suas angélicas e celestiais conversações e maravilhados
com a eficácia de suas palavras.
Os frades estavam magoados pela injúria que a inveja demoníaca tinha
feito para os santos irmãos que tinham sido condenados injustamente e
apressadamente. Os anfitriões não se entristeceram nem um pouco sobre a
pecaminosidade e a cegueira dos perseguidores. Eles foram encorajados em
direção a maior perfeição. Os frades, reconhecendo a inquebrável paciência
e a invencível perseverança dos santos irmãos, foram encorajados a maior
perfeição. Para todos, aqueles 72 irmãos inspiraram admiração. Irmão
Simão de Assis foi em todos os aspectos de sua conduta, contemplação,
palavra e outras virtudes, como o santo Irmão Bernardo. Os santos irmãos
também incluídos Irmão Mateus de Monte Rubiano, James, Manfred,
Lucidio e os outros participantes nesta terceira tribulação, que, como um
grupo, possuíam uma perfeição e excelência que estavam além da crença e
de fácil descrição verbal.
Irmão Crescêncio, o ministro geral, foi eleito bispo de Assis pela
dispensação de Deus e pelo apoio daqueles que desejavam bens
terrenos e honras. Ele aceitou a eleição de bom grado e conseguiu sua
confirmação rapidamente. Subindo ao posto de general, ele foi elevado ao
bispado por um breve período, deixando um mau odor para os santos
irmãos e para toda a religião.
Depois desses eventos os irmãos vieram juntos ao capítulo geral e todos
concordaram por unanimidade ter como ministro geral o homem de Deus,
Irmão João de Parma, que era notável tanto por sua sabedoria como por sua
santidade. João, no mesmo dia em que foi eleito, chamou um escriba e
ditou eficazes e piedosas cartas que transmitiam sua compassiva e sincera
afeição, sua reverência e seu espírito benevolente para aqueles irmãos aos
quais seu predecessor havia enviado ao exílio perpétuo em diversas
províncias como heréticos, cismáticos e irmãos empenhados em destruir a
Ordem. Ele elogiou os exilados com verdadeiras proclamações de seus
louvores para os irmãos daquelas províncias no meio dos quais eles tinham
sido difamados. E João, depois de ter louvado e aprovado o zelo por conta
do qual eles tinham padecido, os absolveu das injustas sentenças que
tinham sido decretadas e os mandou voltarem para suas próprias
províncias.
Aqueles irmãos de quem eles estavam se despedindo se contristaram, sendo
privados do consolo e direção daqueles homens; mas a alegria logo
expulsou a tristeza, os irmãos se deleitaram mais abundantemente na
consolação dos homens aos quais eles sinceramente consideravam caros.
Os frades que estavam prestes a recebê-los, tendo sido privados por tão
longo tempo de qualquer visão ou audição deles, exultaram com todos os
seus pensamentos e deram graças à Deus, que “conduz para baixo ao Sheol
e conduz para cima de novo”, que bate e açoita, que sara e cura. Os
primeiros irmãos exilados aguardavam seu retorno e a visão deles como se
estivessem esperando receber, ver e participar de um dia de festa com
Maria e os apóstolos de Jesus Cristo erguendo-se da morte. Pelo longo
tempo que os irmãos tinham pensado no retorno dos exilados, mais ardente
se tornou o desejo deles de recebê-los e vê-los.
Esses homens de Deus, carregando Jesus Cristo em seus corpos e almas
com santidade e devotadamente, tinham sido dispersos pelo lobo, reunidos
pelo pastor e feitos um rebanho uma vez mais. O retorno deles fez a alegria
no céu nos corações de todos os santos irmãos felizes e novos, todas as
primeiras tristezas foram expulsas e eliminadas, de modo que eles não
tivessem lembrança dos primeiros fatos e possuíssem completo deleite
pacificamente.
Sob o homem parecido com o sol, Irmão João, todos se regozijavam e eram
felizes. Ele consolava o pesaroso. Ele repreendia o inquieto. Conduzia o
vacilante. Animava o fraco. Feliz e alegremente ele ensinava o simples. Ele
transformava os irmãos moderados em inimigos do vício e em amantes da
virtude. Ele estimulava os prudentes pelo exemplo de sua vida e os movia
pela força de suas palavras para terem e possuírem resistência na
humildade e amor. Ele atraiu todos os frades eficazmente para a
observância da pobreza prometida, para a sobriedade e para a continência
em suas ações. Tendo o dom do espírito da discrição, ele conhecia a falta
sob a qual uma pessoa estivesse trabalhando e administrava o remédio
verbal que curaria as feridas causadas pelos vícios.
Os companheiros de São Francisco que continuavam vivos, a saber, Irmão
Egídio e outro Egídio, Masseo e Ângelo e outro Ângelo e Irmão Leão e os
outros se alegraram e ficaram felizes porque eles pensavam que viam São
Francisco espiritualmente ressurreto em João. Esses companheiros,
recordando as raízes dos pecados na religião e o recente turbilhão da
perseguição, disseram: “Nós damos graças a vós, ó Cristo, porque tens
lembrado de nós e nos enviou um homem de luz e força que pode nos
corrigir e nos iluminar, e nos guiar nos caminhos de suas leis”.
Irmão Egídio, de fato, inspirado pelo Espírito como um vidente das coisas
futuras, disse: “Você chega bem e num tempo oportuno, mas você chega
muito tarde”. Irmão Egídio disse isso, aliás, porque ele sabia que a volta
dos irmãos para as sólidas e seguras origens do primeiro e santo modo de
vida começada por São Francisco era impossível, apesar de que Irmão João
aspirava com toda sua força chamar de novo os irmãos para as suas
origens. Egídio viu que a maioria dos irmãos , tendo abandonado a
obediência e o fiel seguimento da Regra que eles haviam prometido,
tinham dedicado suas mentes à curiosidade e ao amor ao conhecimento,
embora amor e conhecimento de Deus são provados por atos da fé ao invés
de colocar junto palavras.
Como o primeiro homem, movido à desobediência pela
curiosidade, tinha perdido a visão de Deus, bem como a inocência,
conhecimento sobrenatural, a graça e a imortalidade, tal homem foi
conduzido de volta à graça pela fé e não pela dialética, geometria ou
astrologia. “Pela graça de Deus nós somos salvos pela fé e isso não vem de
nós mesmos; isto é um dom de Deus. Isto não é uma recompensa pelas
obras de uma pessoa, para que ninguém se glorie. Nós fomos feitos por
Deus, criados em Jesus Cristo para boas obras, de modo que podemos
caminhar no meio deles”.
A segura e verdadeira percepção e conhecimento de Deus vem da fé e das
obras da fé inspirada e não das palavras e da ciência natural. Juntos as
palavras e o desenvolvimento de argumentos baseados na sabedoria
mundana são supérfluos para qualquer um que deseja ter em sua alma o
sentido essencial e o funcionamento da fé. “ Pois, Paulo disse, “Deus fez a
sabedoria desse mundo louco” pela loucura da cruz. As obras da
consciência são mais seguras do que a fraudulenta conclusão dos sofismas.
Como o grande Antônio disse, nós Cristãos temos o mistério de nossas
vidas não depositado na sabedoria do mundo, mas na força da fé a qual é
um atributo que Deus nos deu através de Cristo. “O Reino”, disse Cristo,
“está dentro de nós”, e a força está em vós. No entanto, isto requer uma
consciência humana. Quem pode duvidar que a pureza natural da alma é a
fonte e o começo das virtudes, se ela não tiver sido poluída pela imundície?
Os gregos ansiosamente procuram estudos no além-mar e buscam
professores em outro continente que sejam exímios na vaidade das letras.
Não temos proveito em atravessar o oceano. O reino dos céus está
estabelecido em qualquer lugar terreno. Portanto, põe teu coração no
caminho reto ao Senhor, o Deus de Israel. E de novo: Dirija seu caminho
ao Senhor, siga os caminhos retos de nosso Deus.
Portanto, o teólogo Gregório, louvando o caminho da simplicidade e das
obras da fé inspirada, disse:
É o orgulho ambicioso louvável? Que cai como uma pessoa que foi
elevada pela vanglória? Que não conhece a humildade da ascensão
humana e não compreende quanto lhe falta em verdadeira altura, quem
pensa que é supremo sobre todos? Ele, além disso, que é comum e modesto
em pensamento e deficiente em linguagem não conhece os hábeis modos de
falar. Ele não estudou os discursos do sábio, as alegorias, as objeções e
resultantes de Pyrrho, as soluções silogísticas de Chyrsippus ou a
pecaminosa atividade das artes de Aristóteles ou a doce sedução da
eloqüência de Platão, coisas que tem sido introduzidas em nossa igreja
perversamente e pervertidamente, como as pragas egípcias. Para o simples
e justo homem há um caminho para ser salvo e as palavras pelas quais ser
salvo. Opulência verbal não é graça. Isto não é apropriado, o apóstolo
disse, “quem subirá ao céu? Isto é, para fazer descer Cristo. Ou quem
descerá ao abismo? Isto é, para fazer Cristo subir dos mortos.” A mente e a
língua tem esse tesouro. A palavra, disse Gregório, está perto de você em
sua boca e em seu coração. “A justificação da fé vem do coração, a
confissão que conduz a salvação vem da boca”. “Todo aquele que acreditar
nele não será confundido”. O que pode ser mais sucinto do que esses sábios
versos? O que é mais fácil do que esta dádiva? Você procura um grande
caminho para ser salvo e para aquelas coisas que estão lá, glória e
esplendor. O mais que eu quero é ser salvo e apreciar os benefícios da
salvação e não suportar tormentos. Você parte num inacessível e incerto
percurso; eu, de mais a mais, confiando em poucas palavras e
conhecimento transmitido em simples sermões, fui salvo por esses como se
por uma estreita ponte. Entre os depravados, agindo insensatamente com
seus lábios, confiando em demonstrações lógicas e esvaziando o sofrimento
de Cristo, o argumento dialético é melhor do que a coisa em si, por causa
da força que está nas palavras, onde a fraqueza da demonstração é a
diminuição da verdade. Por que você tenta voar para o céu, você que
caminha com seus pés no solo? Por que você começou a edificar uma torre,
se você não tem recursos para finalizá-la? Pode você medir as águas com
sua mão e o céu com sua palma da mão? Por que você tenta pesar e segurar
no ato de agarrar de seus dedos a terra e os numerosos elementos , os quais
somente podem ser medidos pelo seu criador?
Conheça a si mesmo primeiro. E assim por diante.
Os santos irmãos, fortificados pelas doutrinas e os exemplos destes e de
outros santos e instruídos pelas admoestações e outros escritos do bem-
aventurado Francisco, fizeram para eles mesmos como que uma parede
contra o dilúvio de transgressões e transgressores, temendo que o sangue
das almas de seus irmãos seja exigido nas mãos deles pelo Senhor. Mas os
santos irmãos tinham sido condenados, como os profetas por aqueles
mesmos falsos irmãos para quem a salvação os santos frades foram feitos
para atender.
São Francisco disse muitas coisas para seus companheiros e para os mais
velhos irmãos, as quais foram esquecidas. Isto aconteceu em parte porque
aquelas coisas tinham sido escritas na Legenda Prima que foi determinado
que fosse suprimida e destruída no comando do Irmão Boaventura, que
tinha editado uma nova vida. Essas declarações foram perdidas também em
parte porque aquelas coisas eles mesmos desprezavam. Elas pareciam ser
opostas ao fluxo geral, modo de vida e sensibilidade dos homens modernos
que botam as matérias humanas a frente do divino e que sonham que
podem ser salvos por uma fé morta, desprovida de obras.
São Francisco, instruído por Cristo, declarou aos irmãos que no momento
em que Adão, por comer a maçã da árvore do conhecimento do bem e do
mal, pecou contra a ordem de Deus, assim os irmãos tinham caído do poder
da verdade e do amor e da operação da humildade e pobreza por causa do
seu amor ao saber. Por conta desse amor à ciência os irmãos deixaram seu
chamado e foram incapazes de retornar a ele; mas esse amor tinha se
tornado uma ocasião de muitos males para eles mesmos e outros do mesmo
modo que as causas da presente tribulação e do supremo perigo. Eles não
tinham dado os frutos que Deus solicitou a eles, os quais mesmos frutos
eles lutaram contra nos outros, no momento em que eles não tinham
produzido eles mesmos.
A lei de Adão foi colocada e estabelecida pela ordem de Deus nos céus;
isto é, a lei que, seja qual for a razão, o amor da fé comunicada por obras e
do amante do Cristo cruciforme tem preferência sobre o amor do
conhecimento e das posses. Por seu aprendizado os irmãos destruirão a luz
da graça, a qual luz tem sido dada a eles de acordo com a medida da dádiva
de Cristo a fim de que os irmãos possam remodelar a vida dele na Igreja. E
eles não chegarão ao mais perfeito estado de graça e virtude os quais eles
deveriam ter atingido em razão da perseverança, segundo as regras da
justiça de Deus, um estado preparado para a glória de seu nome. Mas em
conseqüência da perda da graça eles serão privados de tal estado de glória
por carecer de mérito e suas coroas serão dadas a outros.
Por essa razão São Francisco e seus sucessores, por amor do espírito e da
virtude, lutaram com obras e palavras, a fim de que Cristo sozinho, sua
pobreza e sua humildade, pudessem ser amadas e servidas. Tal observância
e amor por toda a sabedoria e conhecimento necessário à salvação e vida
eterna é criativa, promovedora, governadora, conservadora e perfeita. Por
isso o espírito de Cristo disse à Francisco:
Para você é dado saber o mistério do reino de Deus. Para os outros, por
outro lado, isto tem sido dado somente em parábolas, a fim de que vendo
eles não possam ver e ouvindo eles não possam ouvir e entendendo eles
não possam entender e ser convertidos; e Eu os cure. Você, realmente,
como um arauto fiel, clama em voz alta nos quatro cantos da cidade:
“Muitos são chamados, mas poucos, entretanto, são escolhidos”; “Todo
aquele que perseverar até o fim, será salvo”.
A julgar pelo que está dito acima, qualquer pessoa humilde e solícita pode
simultânea e claramente ver as causas e razões para essa terceira tribulação
na Ordem dos Frades Menores. A tribulação originou-se dos corações
orgulhosos, da vaidade, da curiosidade cega pelo saber, do amor pela honra
e fama e pelo desejo de ter coisas deleitosas. Amor de saber, no entanto
inconvenientemente e indignamente, foi dado preferência sobre o fruto da
pobreza, humildade e piedade- um fruto que conduz a todo o bem- e sobre
a prática da prece cruciforme. Mas tampouco a malignidade dos demônios,
as fraudes humanas e as ações do mal, foram capazes de triunfar e causar
aquelas coisas que são de Deus e pelas quais a promessa da perfeição
perece pela sufocação na religião. Verdade, tendo sido calcado debaixo do
pé e afligido por um tempo sob o inverno daquela amarga tribulação,
ornou-se de flores de novo e germinaram ternos e jovens brotos e folhas
sob o comando do homem de Deus, Irmão João de Parma, como se
verdadeiramente sucedendo.
Todas aquelas coisas que dizem respeito a direção das virtudes e da
disciplina dos santos hábitos e para a pura e fiel observância da prometida
vida e Regra foram aumentadas na religião pela ordenação e providência de
Deus. Ansiando pelas coisas celestes sem qualquer oposição ou
impedimento daqueles pensamentos e amores diferentes, os irmãos
esforçaram-se para encher a si mesmos da prometida virtuosidade das
santas ações e terna fidelidade a Deus pelo incansável exercício da oração.
A multidão de frades que desejavam e queriam viver de acordo com os
relaxamentos recentemente adotados, embora eles não pudessem ser
arrastados de volta espontaneamente para coisas melhores pelo pastor fiel,
não obstante, tendo sido efetivamente punidos pelo exemplo de suas obras
e palavras ardentes, foram contidos fortemente e se mantiveram em silêncio
sob pressão.
Durante os primeiros 3 anos de administração de João de Parma,
portanto, estando coberto com um simples hábito de tecido vil, que também o serviu até o fim de sua vida, ele visitou toda a Ordem. Ele
nunca montou um asno, um cavalo ou numa carroça. Ele ficava contente
com um companheiro , ou, no máximo, dois. Ele caminhava humildemente
com sua cabeça curvada, de modo que, saudando, como acontecia, por
acaso, pessoas ilustres indo em direção oposta, ele parecia indigno de uma
saudação de volta.
Ele nunca deixava os irmãos saberem sobre sua vinda antecipadamente,
mas ele entrava nas moradas dos irmãos como um simples frade e de jeito
nenhum ele permitia que seu nome ou ofício fossem anunciados por seus
companheiros. Ele dizia suas horas canônicas apesar de estar fatigado por
qualquer tipo de viagem, estando deitado, sentado ou encostado a uma
parede, mantendo sua cabeça ereta e descoberta. A fim de que sempre
pudesse levar a vida comum, ele se satisfazia com somente uma porção de
comida, não obstante fraca ou insossa, qualquer que fosse a primeira
colocada diante dele. Com respeito a certas iguarias suplementares, ainda
que parecesse prová-las por conta das aparências, no entanto ele as deixava
onde elas tinham sido postas ou as doava aos outros. Ele nunca disse que a
comida era saborosa ou insípida, nem jamais expressava preferência por
isto ou aquilo.
Desse modo ele freou sua língua desde o tempo em que assumiu o hábito
da religião, de modo que nunca conscientemente permitia que uma mortal
ou ociosa palavra passasse por seus lábios. E ao tempo de sua morte, ele
disse que estava com mais medo de ter de dar conta daquelas coisas sobre
as quais ele havia se mantido calado do que a cerca de qualquer coisa que
ele tenha dito.
Tendo sido enviado pelo Supremo Pontífice como núncio para os gregos no
sétimo ano de sua administração, ele era tido em tal reverência e estima
pelo imperador por causa da santidade de sua vida e sua divina sabedoria, e
por religiosos entre eles e todos do clero e o povo, que eles pensavam que
não viam só um prudente e instruído homem, mas um dos antigos pais e
doutores, ou um dos discípulos de Cristo. Sem dúvida, o completo acordo e
unidade que tinham sido realizados primeiro com o Papa Clemente e depois
com o Papa Gregório, os quais foram mostrados e proclamados em
confissão aberta no concílio geral pelo imperador e os gregos, foi dado seu
nascimento a partir do Irmão João e seus companheiros.
O principal companheiro de João, Irmão Geraldo de Borgo San Donino,
enquanto ele estava pregando ao povo no fórum de Constantinopla, olhou
para os céus e brevemente parou o sermão e tendo voltado em direção ao
povo e derramando copiosas lágrimas clamou: “A águia foi capturada”.
Então , tendo se voltado de novo para o povo, ele explicou a si mesmo
dizendo: “Agora o Rei da França, o santo homem Luis, foi capturado.
Rezem a Deus por sua libertação e a salvação de todos que estão com ele”.
Eles tomaram nota do dia e hora e descobriram que naquele mesmo dia e
hora o Rei Luis, agora um santo, tinha sido capturado pelos sarracenos. Eu
ouvi isso uma vez, depois uma segunda e uma terceira vez, do venerável e
reverendo homem, o bispo de Bondunuzia, que estava presente no sermão
de Geraldo e anotou o dia e a hora e descobriu a verdade com outros.
Irmão João enviou esse irmão para visitar os irmãos na província da
Romania. Um navio veneziano deu a ele a passagem com o acordo de que
os venezianos deveriam pô-lo em terra firme no porto de Corinto. E quando
o barco chegou ao lugar acordado, Irmão Geraldo perguntou a guarnição se
permitiam a ele desembarcar de acordo com a promessa no sobredito lugar.
A tripulação, entretanto, apreciando um favorável tempo, afirmou que eles
não podiam manter o acordo por causa do grande risco e perigo. Quando o
homem de Deus ouviu isso, ele se afastou deles por um curto tempo e orou.
Imediatamente por um milagre, Deus ouviu a prece de seu servo e mandou
um vento contrário, sob a força do qual a tripulação voltou para o porto
prometido e pondo ele num esquife enviou-o para a costa. Geraldo então
falou para os marinheiros que o tinham transportado para a costa:
“Retornem tão rápido quanto possam e digam aos marinheiros deste navio
que eles cumprirão sua viagem . Este vento não foi um vento natural, mas
foi enviado por Deus, a fim de que eu pudesse completar minha obediência
ao meu prelado”. Os marinheiros, ouvindo sua fala e vendo as ondas do
mar, souberam que as coisas eram como Geraldo tinha dito e alçando as
âncoras, eles recomeçaram sua viagem. Os marinheiros, aliás, e o Senhor
Rafael Natalis, quando estávamos navegando em frente aquele lugar, se
referiram ao grande milagre que tinha acontecido para aquele irmão ali.
O santo homem João desejava ter companheiros que fossem como ele, de
modo que pudesse atrair os irmãos que ele estivesse visitando para o bem
pelo exemplo do santo modo de vida deles.
João tinha feito o que devia e tinha desejado fazer tanto quanto fosse
possível por ele durante aqueles nove anos que ele tinha governado a
Ordem. Ele tentou igualmente induzir e conduzir todos os frades que ele
governou para o amor e observância da prometida perfeição. Por fim,
depois de despender muito trabalho, João reconheceu que era impossível,
pelo exemplo de sua conduta ou a força de suas palavras, levar a Ordem
inteira para a obra e a vida de perfeição evangélica que a Regra requeria e
que Cristo tinha revelado ao fundador. Por isso, desejando dar-se
inteiramente a Deus, João anunciou um capítulo geral em Roma e entregou
seu ofício, afirmando que de nenhum modo, salvo o testemunho de sua
consciência, pôde tolerar sob o estandarte de sua liderança os muitos e
sérios excessos que estavam inundando a religião e aumentando
diariamente.
João disse:
Particularmente tenho visto e tenho vindo a saber pela minha própria
experiência que, exceto por uns poucos irmãos, todos os frades estão
correndo com descaramento e corações endurecidos deliberadamente e sem
freio, em direção aos maiores excessos e os mais indisfarçados pecados. Já,
tendo transgredido contra as ordens, vocês tem espezinhado em todos os
principais capítulos da Regra. Vocês não querem corrigir sua má empresa
ou mudar seus corações e sentimentos por causa das exortações e
repreensões, mas vocês estão constantemente descendo para coisas piores,
se tornando incorrigíveis, para o perigo de suas almas.
E quando ele enumerou em efetivos detalhes todas as coisas que tinham
sido feitas contra todos os capítulos da Regra, João acrescentou: “De mim,
por isso, com respeito ao governo e liderança, vocês não devem esperar no
futuro, mas eleger para vocês um homem que estiver de acordo com seus
sentimentos e pontos de vista”.
Todos os irmãos, vendo sua intenção e sua deliberação, perguntaram a ele
unanimemente se ao menos ele podia aconselhar a eles um competente e
apropriado homem, porque ele conhecia todos os irmãos da religião inteira.
João designou Irmão Boaventura como o frade mais conveniente e
apropriado para governá-los e todos concordaram, depois de ouvirem o
parecer de Irmão João, no Irmão Boaventura. E ele foi feito geral, sob
quem a quarta perseguição começou.
A QUARTA TRIBULAÇÃO
Uma breve explanação deve ser dada do porque líderes em toda a
Ordem se queixaram contra aquele homem de Deus, João de
Parma e seus adeptos a fim de relembrar a tribulação que ocorreu na
Ordem naquele tempo e também destacar as perfeições de João. A principal
razão para a perseguição foi que João era um homem ardente, zeloso em
observar a perfeição que tinha prometido, um fervoroso e franco pregador
que não adulava ninguém. Porque ele mostrou tudo a eles usando fortes,
sólidos argumentos, do modo como a Ordem inteira tinha decaído, eles
desenvolveram contra ele e seus adeptos uma forte indignação unida a um
implacável ódio. Também não aceitaram o que ele disse com toda grande
equanimidade.
Na verdade, o que ele disse a eles foi que, desde que o estado de
perfeição evangélica prometido pelos irmãos era o mais alto, Deus
exigiu o mais alto grau de fé, amor e obras deles. Isto não era suficiente
unicamente para se abster do pecado. Todo Cristão no mundo deve fazer
muito isso. Os irmãos também tinham que executar obras de perfeição
apostólica conforme com o que eles tinham prometido, pois Deus solicitou
deles evidência da mais alta pobreza, a mais profunda humildade, ardente e
incessante oração e todas as outras virtudes. Deus esperava que eles
concentrassem todas as suas forças em atingir as coisas eternas e celestiais,
em seus desejos e em suas ações, de modo que não houvesse nada
mundano, carnal ou terreno ao redor deles, nem que eles desejassem tais
coisas. Em vez disso, morressem para o mundo, despidos eles suportassem
a cruz nua, olhos fixos em Cristo, vivendo evangelicamente como ele fez.
Agora, porém, agindo não como pastores que entram pelo portão, mas
como sedutores e subvertidos da pureza da Regra, os irmãos ensinavam por
palavra e ação que é lícito viver não evangelicamente, mas de uma maneira
mundana para sua própria vantagem. Agora quem vem para a Ordem, em
vez de dar seu dinheiro para o pobre e necessitado como a Regra manda,
retinham-no para comprar livros para si mesmos ou davam para os irmãos
de modo que eles pudessem gastar na construção de igrejas ou casas, ou de
outros modos. Assim, ao receber novos irmãos ilegitimamente e mostrar tal
desprezo pela ordem evangélica, os freis os perderam e realmente não os
fizeram irmãos de todo, porque eles não lhes ensinaram a pobreza
evangélica e o desprezo pelas coisas, conservando algumas coisas para si,
como Ananias e Safira.
Nem estão os irmãos satisfeitos em ter duas túnicas de material barato e
remendá-las com saco de aniagem e outro material com a benção de Deus.
Em vez disso os frades conseguem para si roupas que são caras, suaves e de
dupla grossura. Aqueles que amam a pobre e barata roupa e pregam a
observância da Regra, eles consideram estar indiscretamente se gabando
sobre sua pobreza e chamam tais pessoas hipócritas.
Os irmãos tem repetidamente abreviado o Ofício Divino, arrancando
permissão da cúria, apresentando enganosos em vez de válidos
argumentos. Desde então seus corações estão distraídos, oprimidos e
confusos por vários desejos e ocupações, eles não se esforçam a orar sem
cessar e render graças ao Senhor por tudo em todas as situações, mal
conseguem recitar as horas e mesmo neste caso eles parecem enfadados e
distraídos.
Eles não falam e nem tem relações dóceis com todas as pessoas como os
mansos, pacíficos, modestos e humildes homens deveriam fazer e como a
Regra exorta e ensina, mas preferivelmente os frades demandam com
superiores e clérigos sobre corpos, túmulos, heranças, esquecidos de seus
votos. E por razões similares eles fazem a mesma coisa com as pessoas
seculares, procedendo todos o mais audaciosamente no nível em que eles se
sentem legitimados, desprezando o leigo porque ele sabe menos.
Quem não está espantado pelos muitos meios pelos quais, na sua súplica,
os frades ousam solicitar, pedir e receber dinheiro? Desde então eles
recebem e conseguem isto tão abertamente e de tão diversos modos, é
como se eles tivessem prometido ao Senhor conseguir e receber isto de
todas as maneiras, com essa única limitação apenas, que eles não toquem
nele com suas mãos.
Trabalhar com as próprias mãos, desejar não ter nada permanentemente sob
o sol e mostrar afeição em direção ao outro e em direção aos outros e todas
as outras coisas ordenadas na Regra e no Testamento – de que modo os
irmãos amam e observam essas coisas estarão claras às suas próprias
consciências e para aqueles que amam e escutam eles. E isto é tão claro a
partir de seus trabalhos e solicitudes, que nem um montante de sagacidade
verbal será suficiente para desculpá-los. Mas querendo encobrir tais coisas
ou ocultá-las eles simplesmente abrem a porta para o maior mal:
intencionalmente se afundam ao usar da linguagem astuta num esforço para
justificar os pecados.
Quando eles criam pretextos a fim de evitar a desonra, eles se rendem a
vaidade, dizem mentiras, maculam suas consciências e perturbam os anjos
assim como o Espírito Santo. E ao mesmo tempo, por causa de seus
pecados (os quais são abertos e óbvios), os frades são piores que os
seculares, não obstante, iludindo a si mesmos, eles se consideram santos
em comparação com tais pessoas e acreditam ser muito estimados, mesmo
venerados. Uma vez que o espírito de temor a Deus e o salutar
arrependimento foram extintos nos irmãos, eles se tornaram insensíveis e,
para o grau a que eles se extraviaram mais distante do amor da confissão e
a habilidade de reconhecer sua própria insignificância e indignidade, para
esse grau eles mais ardentemente ansiavam por ouvirem-se elogiados e
louvados.
Ou os frades não consideram a vida de Cristo, a humildade prometida, o
exemplo dos santos e o testemunho das Sagradas Escrituras no todo, ou se
curvam para as suas próprias opiniões e desejos, fazendo deles servos de
seus próprios interesses. A luz da consciência está extinta neles e eles
repousam facilmente em sua própria tibieza e depravação. Não cuidam de
lembrar de sua própria e iminente morte, eterna punição e o abismo do
julgamento de Deus, eles entregam a si mesmos a misericórdia de Deus e a
predestinação, mas descuidam-se de cooperar com a graça divina, a maior
dádiva dada a nós nesta vida.
Cheios de orgulho e com ambição, os irmãos acham que eles são
singularmente dignos do exercício do cuidado pelas almas e eles pensam
que aspirar ao benefício eclesiástico e cargos honoríficos é um sinal de
perfeição. Eles comparam suas próprias capacidades para o que eles
consideram as menos importantes qualificações das outras pessoas e
reivindicam que estão fazendo grandes coisas. Mas desde então eles estão
sem virtudes e distraídos pelos negócios externos, quando conquistam as
posições que eles solicitam, eles apresentam a todos um exemplo de
depravação, cobiça e soberba.
Os frades gostam de sua própria tranqüilidade e trabalham duro para
protegê-la, enquanto contribuem para sua própria perdição negligenciando
vigílias, trabalhos e outros exercícios virtuosos através dos quais, purgados
por amargas penitências, nós alcançamos os divinos deleites do amor de
Cristo. Em vez disso, eles ansiosamente se dedicam a rogar por prazeres
corporais. A fim de obter mais facilmente as coisas que eles solicitam e
desejam, eles se tornam comerciantes e negociam coisas espirituais por
bens temporais, os quais eles então convertem para seu próprio uso
acreditando que é um ato de justiça fechar as entranhas da compaixão para
os outros que são necessitados.
Aqueles Franciscanos que pensam de outro modo eles consideram ser
desobedientes e destruidores da Ordem. Aqueles irmãos que são
insaciavelmente dedicados a adquirir e acumular coisas, contudo, os frades
chamam de amantes e zelosos sustentadores da Ordem. Nem aqueles que
os governam cuidam que espécie de perigosas e ilícitas práticas eles
empregam no ganho de rendimentos. Em vez disso, com voraz sagacidade,
eles simplesmente se regozijam por tudo que é oferta que eles recebem de
tudo quanto é fonte, convictos a não recusar nada, mesmo que possa ter
vindo através de extorsão.
Os frades trabalham duro para aparecerem bons e santos, mas fazem pouco
esforço para serem assim. Um coração sem temor e amor de Cristo não
pranteia sobre ofensas ou sentimento de dano resultantes para si mesmo.
Em vez disso, sepultado na ilusão criada por sua própria vaidade, ele pulula
com os vermes de seus vícios e seu mau cheiro. Assim, faz grandes
reivindicações acerca de si mesmo, exaltando seus enormes e maravilhosos
atos; contudo, é preenchido pela cobiça, malícia, inveja e pretensão. Os
irmãos não podem ouvir pacientemente a verdade sobre suas próprias
transgressões, mas antes se sentem justificados em combater as obras e
intenções daqueles que pensam diferentemente deles. Eles consideram
inimigos aqueles que lhes esclarecem os inefáveis bens que eles estão
perdendo e os inumeráveis erros que eles estão incorrendo.
Os irmãos não podiam suportar a eloqüência ardente de João com
equanimidade, mas em vez disso se tornavam indignados; e embora quando
eles ouviam não podiam refutar (porque ele firmemente reprovava o que
tinha se transformado o curso comum das coisas), ele atraiu sobre si o ódio
da Ordem, especialmente de seus líderes.
Numa ocasião um leitor de nossa província, ao retornar de Roma, relatou
que Irmão João, pregando em Roma, tinha falado tão duramente contra
todas as categorias – especialmente os mendicantes – que os frades nas
Marcas de Ancona jamais teriam suportado tal fala de um irmão. Os outros
leitores a quem ele disse isso perguntaram “Por que os irmãos que estavam
presentes não contestaram o que ele disse?” . O leitor respondeu “Um rio
de fogo corria de sua boca”. Os mestres e todos mais ficaram espantados
por suas palavras. Parecia a eles que toda a escritura prestou testemunho ao
seu depoimento e que ele expressou através de suas palavras a sua mais
pura interpretação e intenção final.
João também disse que o Testamento e a Regra eram substancialmente os
mesmos e que os irmãos tinham que mostrar a mais alta reverência em
relação ao Testamento, por causa da benção e da ordem dadas pelo santo
mesmo e também por causa do Espírito de Cristo, que viveu ainda mais
plenamente e perfeitamente em Francisco depois que os estigmas tinham
sido impressos nele, disse no Testamento.
A pura e fiel intenção da Regra é manifestada e definida mais clara e
abertamente no Testamento e o mais alto nível de sua observância é
explanado e especificado com sólidas ordens. O Espírito Santo, que ditou a
Regra em primeiro lugar, não disse nada no Testamento diverso ou
estranho a Regra; mas antes, no Testamento, o Espírito exclui qualquer
interpretação que desvie do verdadeiro, espiritual e puro significado da
evangélica Regra. Na realidade, o Testamento colocou uma sólida muralha
de proteção e defesa ao redor da Regra.
Se ninguém despreza ou corrige o testemunho de uma pessoa humana,
quanto menos poderia alguém desprezar e corrigir as palavras do Espírito
Santo falando por Francisco, que está agora pregado na cruz com Cristo?
Desdenhar tais palavras é insultar o próprio Espírito Santo, desonrar o Pai,
incorrer no curso da lei e, através do desprezo envolvido na desobediência,
perde a herança do reino celestial prometido para aqueles que perseveram
até o fim.
Passando desta vida para Cristo, o santo fez seu Testamento. Mas ele nunca
teve uma maior plenitude do Espírito Santo do que teve na morte e é
impossível que na morte ele pudesse ter presunçosamente ordenado alguma
coisa falsa ou imprudente. Um santo não se torna mentiroso no seu leito de
morte. Se ele afirmou que tinha recebido a Regra e o Testamento de Cristo,
então seus filhos são obrigados a mostrar o maior respeito, fé, amor e
absoluta obediência para com suas palavras finais e ordens do que a
quaisquer outros, porque naquele ponto ele teve a mais plena dádiva do
Espírito Santo.
Nós vemos que todo o fiel mostrava publicamente especial devoção para as
últimas palavras de Moisés e para todo o livro de Deuteronômio e nós
lemos que os patriarcas mais ardentemente e devotamente solicitavam as
bendições finais de seus pais. Eles sabiam que o Espírito Santo falava por
seus pais e desse modo todos eles escutavam o mais atenciosamente para o
que Deus dizia através deles no fim. Aqueles que eram abençoados pelos
patriarcas firmemente acreditavam que eles eram abençoados por Deus.
Pela mesma razão, todo o Cristão concentra sua inteira atenção e emoção
nos mistérios da Última Ceia de Cristo, seu discurso final, seu mandamento
de amor e as palavras que ele disse enquanto pendurado na cruz.
E quando todos da lei, profetas e o evangelho se apóiam no mandamento e
sacramento do amor, a inteira perfeição, intenção e a espiritual
interpretação da Regra é incluída dentro do Testamento. Tampouco isto é
possível para alguém que despreza o Testamento entender a Regra
espiritualmente ou observá-la fielmente.
E porque a vida evangélica revivificada através de Francisco (à ordem de
Cristo) deve finalmente ser reformada, o Espírito Santo ofereceu o
Testamento no fim, depois da Regra, de modo que aqueles que professam a
Regra devessem ser aclarados tanto para o que isto significa, como isto é
para ser observado espiritualmente e por isso eles podiam ter no
Testamento um seguro, inalterado, claro e católico modelo da reforma que
eles podem aceitar e firmemente observar.
E porque Irmão João lança escárnio naqueles que queriam apresentar outras
declarações do que as do Testamento e Admoestações de São Francisco,
porque tais declarações poderiam lançar dúvidas no claro e certo
entendimento da Regra e desviar o mandamento do pai de acordo com os
desejos de suas próprias vontades tépidas, os irmãos tomaram o que ele
disse de maneira ruim. Assim, aproveitando a oportunidade apresentada
por uma outra controvérsia, eles acusaram João e seus principais
companheiros como estando manchados pela mácula da depravação
herética e severamente os puniram porque eles defendiam uma certa tese.
João e seus companheiros insistiam que Joaquim tinha sustentado
uma santa e católica opinião no que diz respeito a Trindade e a
unidade de sua essência e que ele não tinha escrito nada que não fosse
de acordo com os santos irmãos, nada que contradissesse as mais recentes
intenções e ensinamentos. De acordo com João a Igreja e o decretal de
Inocente não condenaram Joaquim e seu ensinamento no assunto da
Trindade, mas em vez disso condenaram o tratado que o abade de S.
Giovanni escreveu contra Mestre Pedro (Pedro Lombardo) porque Joaquim
acreditava que Pedro estava errado acerca da Trindade, o que não era o
caso. Esse é o motivo porque o tratado foi condenado, porque difamava o
Mestre. Assim a decisão promulgada pelo decretal em defesa do Mestre,
não foi direcionado contra Joaquim, mas antes ao que ele disse.
Em outras palavras, Mestre Pedro não acreditava em algo diferente do que
os pais acreditavam, como Joaquim afirmava. Hilário, Ambrósio,
Agostinho, Jerônimo, Gregório, Gregório Nazianzus, Basil, Dídimus,
Maximus, João de Damasco, Bede, Rabanus, Anselmo, Ricardo e outros
doutores, do mesmo modo que os decretos dos concílios, foram todos
citados por Joaquim. Ele os citou abundantemente em seu tratado a fim de
refutar a opinião a qual, ele afirmou, o Mestre e muitos outros mantinham
contrário ao correto e católico pensamento dos doutores da Igreja.
Os irmãos, ostensivamente movidos por essa segunda questão,
recomendaram com insistência ao Irmão Boaventura examinar a doutrina
religiosa de Irmão João e seus companheiros. Assim eles puseram o filho
contra o pai, o promovido contra o promotor, o ao mesmo tempo amado
discípulo e subordinado contra o amável mestre e líder. De acordo com o
relato do próprio João, Boaventura falhou grandemente naquela ocasião,
porque quando ele estava na cela posterior ele concordou com João,
mostrando que ele mantinha a mesma visão; mas depois aos irmãos em
sessão aberta ele se apresentou como acreditando o contrário. Assim, Irmão
João temeu muito que, como um homem amedrontado de desagradar os
outros, Boaventura pudesse incorrer na cólera de Deus, negando o que ele
sabia ser a verdade.
Existiu, contudo, ainda uma terceira razão para a perseguição: a
composição de dois trabalhos por dois companheiros de João. Um
louvava os ensinamentos e a pessoa de Joaquim excessivamente e, eu
poderia dizer, imprudentemente. O segundo empregou todas as principais
passagens da escritura para recomendar a Regra de São Francisco e
remontar a origem da instituição, a decadência e a renovação da vida
evangélica dentro dela. Quando Irmão Boaventura leu aquele livro, é dito
que ele tenha suspirado e derramado lágrimas, porque ele sabia que aquilo
poderia ser aplicado especialmente para ele.
Pode-se oferecer uma quarta razão, isto é a sublime, oculta no
plano divino o qual envolve todos os filhos de Adão do primeiro
ao último sob o pecado, em ordem que Deus possa ser
misericordioso para com todos. Portanto as revelações a São Francisco no
que diz respeito a queda dos irmãos da perfeição e a reforma definitiva
deles, bem como aquelas misericordiosamente concedidas a outros entre os
primeiros irmãos – Gil, James de Ósimo, James de Massa, Irmão Hugo,
Borromeo e outros – concordam neste ponto. Pondo de lado aquelas
revelações já citadas acima, São Francisco claramente predisse os males
que aconteceriam aqueles dos seus sucessores que seguissem seu exemplo,
males vindo de dentro e de fora da Ordem, incluindo a excomunhão por um
Supremo Pontífice. Francisco acrescentou que abençoado seria aquele que,
não intimidado pelas tribulações e oposições ser visitado por demônios e
homens sobre aquele que desejasse seguir o modo de vida revelado a
Francisco pelo Senhor, rejeitasse ser escandalizado e continuasse fiel e
pacientemente naquele caminho.
Santo Gil, o terceiro irmão a entrar na Ordem, iluminado por certas e claras
revelações, disse, “O ataque está em cima e não há nem força, nem tempo,
nem sabedoria para repelir isto. Abençoado é aquele que , dando terreno a
frente do inimigo e se escondendo, pode salvar sua alma”.
Irmão Bernardo, esclarecido por muitas graças, dádivas e iluminações
divinas disse:
A religião descerá de um nível a outro até o sétimo e quem estiver no
segundo não terá fôlego para retornar ao primeiro, nem do terceiro para o
segundo, do quarto para o terceiro, do quinto para o quarto, nem do sexto
ou sétimo para o quinto, mas haverá constantemente uma queda para algo
pior ainda; por um grande e estupendo milagre, a Ordem será reparada por
aquele que a edificou e reformada por aquele que a criou e fundou.
Irmão James de Ósimo, que era frequentemente visitado por Cristo através
da contemplação e transportado para outro mundo, seguindo Cristo e
entrando no palácio da luz de Cristo, perguntou, depois de muitas coisas
dignas de admiração que tinham sido mostradas a ele, que a ele fosse
mostrado seu pai, São Francisco. O anjo o levou para dentro de uma sala
secreta na qual Francisco cuidava de um certo leproso que estava coberto
de feridas do topo da cabeça a sola dos pés. Quando viu São Francisco,
James se lançou a seus pés chorando e lamentando porque ele viu em que
miserável estado estava aquele que ele acreditava estar na glória. São
Francisco disse: “Você sabe, Irmão James, quem é o leproso, quem está
tão terrivelmente ferido e a quem eu cuido?” James respondeu, “Não, pai”.
Francisco falou de novo:
Esta é a minha Ordem a qual eu cuido ao comando de Cristo e pela qual eu
constantemente intervenho diante de Deus. Se não fosse pelo auxílio que
ela recebe através do cuidado que Cristo tem imposto a mim, ela
rapidamente decairia e produziria um intolerável mau cheiro perante Deus
e a humanidade. Se meu cuidado fosse retirado por Deus, ela
imediatamente decairia e suas feridas cheirariam mal.
Assim Irmão James disse que, se a sinceridade e a integridade do amor
forem removidos da vida religiosa ou de qualquer outra alma humana, isto
é morte, por mais ilustre ou exuberante que a sabedoria possa ser, e isto
causará um intolerável mau cheiro perante os anjos e Deus.
Outro irmão, James da Massa, foi um homem a quem Deus abriu a porta
dos seus segredos. Irmão Gil de Perúgia e Irmão Marco de Montino
reconheciam que eles não conheciam ninguém nesse mundo que o
superasse. Irmãos Junípero e Lucido sentiam o mesmo sobre ele. Consegui
encontrá-lo enquanto eu estava sob a direção de Irmão João, um
companheiro de Irmão Egídio. Como eu estava questionando este Irmão
João acerca do desenvolvimento espiritual, ele me disse:
Se você quiser aprender sobre assuntos espirituais, fale com Irmão James
assim que puder, porque Irmão Giles (Egídio), ele mesmo, quis ser
esclarecido por ele. Nada pode ser adicionado ou subtraído de seus
eloqüentes ensinamentos, pois sua mente eleva-se a esferas ocultas e suas
palavras são aquelas do Espírito Santo. Não há um homem na terra a quem
eu gostaria tanto de ver.
Por volta do início dos tempos de Irmão João como ministro geral, esse
Irmão James uma vez ficou enlevado numa experiência visionária por três
dias, tanto que os irmãos começaram a se perguntar se ele estava morto. O
conhecimento da escritura e das coisas futuras foram dadas a ele. Eu lhe
supliquei: “Se o que eu tenho ouvido sobre você é verdade não esconda
isso de mim. Eu ouvi que durante aquele tempo em que você deitou por três
dias como se estivesse morto, Deus lhe mostrou o que estava para ocorrer
na Ordem”. Irmão Mateus, que era então ministro nas Marcas de Ancona,
convocou-o depois que seu êxtase havia terminado e exigiu sob obediência
que ele dissesse o que tinha visto. Irmão Mateus era notavelmente dócil,
santo e humilde homem e em suas conversações com os irmãos ele
frequentemente dizia: “Eu conheço o irmão a quem Deus revelou tudo que
estava para acontecer na Ordem e se as extraordinárias coisas ocultas que
ele foi informado fossem para serem relatadas, elas pareceriam, não digo
dificilmente compreensíveis, mas apenas acreditáveis”.
Entre as coisas que Irmão James me contou, havia algo absolutamente
extraordinário, isto é, que depois das muitas coisas que tinham sido
reveladas a ele sobre a situação da igreja militante, ele viu uma árvore, de
grande estatura e linda. Suas raízes eram douradas, seu tronco e galhos
prateados e suas folhas prateadas, pecado com ouro. Sua fruta era humana,
todos frades menores, e o número dos principais galhos era o mesmo que o
número das províncias da Ordem. Cada galho tinha tanta fruta quanto havia
irmãos naquela província. Ele sabia o número de irmãos na Ordem inteira
assim como em cada província, assim como seus nomes, rostos, idades,
características, ofícios, postos, dignidades, pecados e graças. Ele viu Irmão
João di Parma no topo do galho central daquela árvore. No topo dos galhos
circundantes estavam os ministros das próprias províncias.
Depois disso ele viu São Francisco com dois anjos, enviados de Cristo, que
estava sentado num grande trono branco e o céu e a terra desapareceram de
sua presença. Um cálice cheio com o espírito de vida foi dado a Francisco e
ele disse: “Vai, visita seus irmãos e oferece a eles esse cálice do espírito da
vida para beber, porque o espírito de Satã está aumentando e tomando ação
dentro deles. Muitos cairão e não encontrarão meio para subir de novo”.
São Francisco veio para administrar o espírito de vida para seus irmãos,
como ele foi ordenado a fazer. Começando por Irmão João, ele lhe deu o
cálice cheio com o espírito de vida. João imediatamente aceitou o cálice de
São Francisco e devotamente bebeu tudo. Quando bebeu, ele tornou-se
luminoso como o sol. Então Francisco deu o cálice do espírito de vida para
todos os outros. Houve poucos que o tomaram com a reverência apropriada
e o beberam todo. Aqueles poucos que devotamente beberam tudo
assumiram uma luz solar, enquanto aqueles que derramaram tudo ficaram
escurecidos. Eles se tornaram sombrios, deformados e hediondos, horríveis
de olhar, como demônios. Alguns beberam uma parte e derramaram o resto
e cada um estava iluminado ou obscurecido de acordo com quanto de
espírito da vida ele havia bebido ou derramado do cálice.
João era o mais resplandecente com a luz do que todos os outros na árvore.
Voltado inteiramente para a contemplação do infinito abismo da verdadeira
luz, ele soube acerca da tempestade que seria lançada contra a árvore e
descendo do topo do galho de onde estava, na verdade abandonando todos
os galhos, ele se escondeu num lugar mais seguro, no tronco da árvore.
Enquanto João esperava vigilantemente lá, Irmão Boaventura –que tinha
tomado uma parte do cálice dado a ele e derramado uma parte – acendeu ao
lugar do qual João havia descido. Unhas de ferro tão afiadas quanto
navalhas tinham sido dadas a ele. Lançando-se do seu lugar, ele tentou
atacar Irmão João. João clamou ao Senhor e Cristo, escutando seu clamor,
chamou São Francisco e lhe deu uma pedra da mais afiada pirita, do gênero
de coisa que eles chamam pederneira. “Vá a Irmão Boaventura”, Cristo
disse, “e corte as unhas com as quais ele quer rasgar Irmão João, de modo
que não possa feri-lo”. São Francisco veio e cortou as unhas de ferro do
Irmão Boaventura. Irmão João permaneceu em seu lugar, incandescido
como o sol.
Então uma violenta tempestade ergueu-se e sacudiu a árvore. Os irmãos
caíram dela e os primeiros a cair foram aqueles que tinham derramado
inteiro o espírito de vida. Irmão João e os outros que tinham bebido todo o
espírito de vida foram transferidos por uma força divina a uma região de
vida, luz e esplendor. Os irmãos que tinham ficado escurecidos caíram e
foram transportados por ministros da escuridão para lugares de escuridão e
miséria.
Ele que viu a visão entendeu que tinha visto de um jeito muito peculiar, de
modo que ele claramente discerniu os nomes, identidade, localização, idade
e ofício de todos, quer luminosos ou escuros e ele lembrava essas coisas.
Aquela feroz (mas justamente permitida) tempestade continuou até que a
árvore estivesse extirpada, caída por terra e, rasgada em pedaços pela força
da tormenta, foi completamente arrancada por ela. Quando o vento e a
tempestade desvaneceram, uma planta dourada cresceu de uma raiz
dourada. As flores e frutos produzidos por ela eram inteiramente dourados.
No que diz respeito a extensão, profundidade, peso, odor, beleza e virtude,
é melhor permanecer em silêncio do que falar.
No entanto, eu não quero omitir uma coisa dita por ele que contemplou
essa verdadeira visão, porque isso pareceu muito importante pra mim.
“Uma vez que é reformada” ele disse, “nunca será a mesma como era
quando foi fundada, mas muito diferente”. O Espírito de Cristo escolherá
jovens incultos sem um guia, simples, modestos, pessoas desprezíveis
destituídas de qualquer exemplo ou professor, pessoas de fato que são
opostas as visões e o comportamento dos instrutores. Ele os preencherá
com o santo temor e o mais puro amor de Cristo. E quando ele tiver muitas
de tais pessoas em vários lugares, ele os enviará um guia e líder,
inteiramente divino, inteiramente santo, inocente e em conformidade com
Cristo.
João Batista primeiro agiu e ensinou e então, depois de ter feito isso, ele
teve discípulos. A mesma coisa claramente aconteceu com nosso Senhor e
mestre Jesus Cristo. Ele também primeiro agiu e ensinou e então escolheu,
chamou e reuniu discípulos. Agora, contudo, nos últimos dias, em oposição
ao exemplo dado pelos trabalhos atuais e os testemunhos dados nos
ensinamentos atuais, Cristo através de seu Espírito, pôs a verdade de seu
temor e amor em humildes jovens, para a honra e glória de seu nome.
Finalmente, por uma dádiva de sua graça, ele enviará um líder e guia ao
grupo que ele criou e ele os regrará e os conduzirá mais perfeitamente para
as fontes de vida ao longo dos caminhos da pobreza, humildade e justiça.
Irmão Borromeo, que tinha perdido sua visão por muito chorar e pela idade
e a quem Irmão Boaventura ouvia de bom grado, anunciou na forma de
uma alegoria (a qual omito a fim de ser breve) que no fim a Ordem seria
dividida em três partes. A primeira, como ele disse, consistirá de poucos,
perfeitos imitadores de São Francisco. O segundo será composto daqueles
que fogem dele, voltando para as delícias terrenas e o alimento da carne e
do sangue. A terceira parte consistirá daqueles que nem lutaram nem
fugiram, mas simplesmente esperaram pela guerra acabar. Cada grupo
alcançará um diferente fim e receberá uma diferente retribuição. O primeiro
jantará com o rei e tomará parte com ele em seu reino. O segundo vagueará
por vários caminhos e finalmente, preso numa prisão, será severamente
punido. O terceiro grupo foi também desancada uma grande parte porque
eles eram tímidos, mas Cristo não os incluiu entre os apóstatas, mas os
deixou sozinhos, considerando-os já estarem julgados e pertencentes a
nenhum dos outros dois grupos.
Irmão Hugo de Digne pensava o mesmo que Irmão João de todos os modos
em todas as questões. Enquanto ele estava viajando por Orvieto e Viterbo
ele disse para João: “Em tal e tal dia, a tal e tal hora, um anjo do Senhor
apareceu pra você em sua cela e lhe revelou tal e tal entendimento do
Salmo 43”. Naquele ponto Hugo narrou precisamente o que o anjo tinha
dito a João. E em Lyons, Hugo profeticamente anunciou o seguinte:
O papa morrerá logo e a Cruzada não acontecerá. A terra além-mar mantida
pelos Cristãos será perdida. Accon será abandonada e a Ordem dos
Templários será destruída. Irmão Boaventura ascenderá a nenhum nível
superior. A Ordem dos Frades Menores será dividida. A Ordem dos
Pregadores solicitará ter posses. Uma Ordem de irmãos acorrentados
surgirá que são de tal perfeição, que a perfeição de todos os outros perfeitos
(exceto aquela dos Pregadores e Frades Menores) parecerá desprezível e
sem valor.
Irmão João predisse três coisas em particular. Primeiro, haverá uma
reforma de acordo com o espírito do fundador, com a pura e simples
observância da Regra e Testamento. Desse modo, haverá necessariamente
uma divisão entre aqueles que desejam observar a Regra e o Testamento e
aqueles que desejam viver de acordo com os privilégios e declarações
papais as quais eles tem obtido para si mesmos. Mas antes desses
acontecimentos haverá, em segundo lugar, um conflito de línguas no qual
os toques da flauta do dogma serão anunciados, levando a uma dispersão.
Depois da dispersão haverá, em terceiro lugar, uma reunião da santa
pobreza. Deus visitará aquele grupo com sua luz e fará conhecido para eles
o que é para ser feito. A partir desse ponto no caminho da reforma estará
claro para eles. Eles todos provarão uma única coisa e pensarão do mesmo
modo. Eles por unanimidade buscarão subir para as mais perfeitas coisas.
Nenhum pedirá para si próprio, mas antes o que é para o maior louvor de
Jesus Cristo, assim como o que envolve a mais profunda humildade, a mais
alta pobreza e a maior paz. Cada um e todos buscarão e provarão aquelas
coisas que estão acima, não aquelas que são terrenas.
Irmão João não permaneceu em silêncio acerca da hipocrisia
dentro da Ordem. Ele anunciou a chegada da reforma e provou que
Joaquim tinha dito o mesmo. Explicitamente pela terceira razão, mas
realmente por todas as três razões, Irmão Boaventura e os outros ministros,
assim como os outros a quem Boaventura consultou, decidiram conduzir
um inquérito acerca de Irmão João e seus companheiros. Eles foram
tratados como se fossem um perigo para a Ordem e em perigo de ferir,
mesmo condenar ao inferno, suas próprias almas. Eles estariam em erro a
respeito da fé católica se não renunciassem as suas visões.
Eles primeiro intimaram os dois principais companheiros de Irmão João,
Leonardo e Geraldo, ambos estavam longe de ser pobremente instruídos na
escritura. Os investigadores exigiram que eles jurassem dizer a pura e
simples verdade acerca de tudo que fosse perguntado deles. Depois de
perguntar a eles o que eles pretendiam das muitas coisas que eles tinham
dito em seus tratados e não encontrando nada que permitisse os
investigadores condená-los de depravação herética, eles lhes pediram que
respondessem a questão da divina essência, o assunto acerca do qual a obra
de Joaquim tinha sido condenada. Os dois disseram que neste assunto eles
acreditavam no que os doutores da igreja e os santos concílios tinham
determinado e que Joaquim nem acreditava e nem ensinava qualquer coisa
diferente daquelas.
Irmão Geraldo tinha uma excelente memória, grande eloqüência e um fino
intelecto. Um rio de autoridades recebido dos santos jorrou de sua boca e
eles não puderam condená-lo por meio de argumentos ou jurisdições. Além
disso, pacífica e humildemente ele lhes disse: “Mostrem-me, se vocês
podem, citando as palavras dos santos doutores ou os decretos dos
concílios, que o que vocês dizem tem alguma validez. Eu acho que essa
questão tem sido definida por todos os principais doutores e concílios. Nem
precisa ser estabelecida de novo, os modernos não excedem os antigos em
santidade e sabedoria”.
Visto que eles não conseguiram satisfazer sua solicitação (nem sabiam
como fazer isso), eles lhe falaram que ele poderia simplesmente acreditar
em tudo o que era comumente mantido pela Ordem e não deveria querer
saber mais do que fosse necessário. Geraldo respondeu: “Já que tenho
ensinado muitos outros sobre coisas divinas, sou solicitado a confessar a fé
e as coisas concernentes a isto não implicitamente, mas explicitamente”. Os
irmãos disseram a ele: “A igreja e o decretal dizem, “Nós confessamos com
Pedro (Lombardo) e condenamos o livro de Joaquim”. Geraldo respondeu:
“E eu confesso com a Igreja e com o Apóstolo Pedro tudo o que os santos
doutores e os cânones dos santos concílios tem pronunciado e definido
concernente a essa questão e todas as outras”.
Os irmãos, vendo que ele permanecia estabelecido em sua visão,
condenaram ele e seus companheiros à prisão perpétua. Tendo entrado na
prisão, Geraldo disse: “Ele me colocou num verde pasto”. Ele passou
dezoito anos lá em tanta alegria e contentamento que alguém poderia
imaginá-lo continuamente abençoado com toda a espécie de coisas
maravilhosas, contudo ele foi privado do consolo dos livros, conversação
com outros irmãos, confissão e os sacramentos. Ele viveu lá como um
herético, excomungado e até no fim ele foi privado do sepultamento
eclesiástico.
Irmão Leonardo viveu e morreu sob a mesma sentença e com a mesma
pena. Mais tarde Irmão Pedro de Nubilis morreu na prisão de forma
semelhante porque recusou dar aos irmãos um tratado do Irmão João.
Depois dos dois companheiros de João terem sido examinados e
condenados, ele mesmo foi intimado a presença de um capítulo ou
assembléia dos discreti e principais irmãos na Cittá della Pieve. Todos
estavam chocados de ver como eles ousavam tratar tal homem tão
desrespeitosa e injustamente, causando pesar e escândalo a todos que
ouviram acerca disso, para o opróbrio e confusão da Ordem inteira. Irmão
João chegou e foi forçado a jurar como um suspeito de heresia. O sábio
homem foi questionado por aqueles menos sábios, o velho homem pelos
jovens. Alguém cheio do Espírito Santo foi examinado por aqueles que não
eram devotos e que estavam seguindo os desejos de seus próprios corações.
Então a sabedoria e santidade do Irmão Boaventura foram eclipsadas e
obscurecidas e sua suavidade tão transformada por uma mente perturbada
em fúria e raiva que ele disse: “Se eu não estivesse preocupado com a
honra da Ordem, eu o teria punido abertamente como um herético”.
Irmão João ficou de pé diante de seus verdadeiramente ingratos filhos e
porque eles não tinham nada contra ele, lhe perguntaram o que ele
acreditava a respeito da sobredita questão. Em sua resposta ele assumiu o
papel do inocente homem Cristo, afirmando que ele acreditava (na verdade,
sempre acreditou) naquela questão e todas as outras somente o que a Igreja
mantém e os santos doutores ensinam. Depois de ter respondido a um
grande número de questões e ter dado muitas pequenas respostas, tendo
agüentado pacientemente a raiva e a estúpida hostilidade daqueles que
desrespeitosamente o interrogavam, ele finalmente gritou: “Eu acredito
num único Deus, Pai todo-poderoso!”. Isto fez os irmãos ficarem ainda
mais irados com ele e –para resumir em poucas palavras- depois de muito
interrogatório e respostas, Irmão Boaventura decidiu com o parecer do
conselho dos irmãos e do consentimento do Senhor Giovanni Gaetani de
querida memória (que era então protetor da Ordem), sentenciar João a
prisão perpétua, exatamente como ele tinha aprisionado seus companheiros.
Quando aquilo chegou aos ouvidos do Senhor Cardeal Ottoboni, que foi
mais tarde papa, ele escreveu ao Senhor Giovanni, Irmão Boaventura e
aqueles a quem ele tinha consultado, dizendo a eles que repensem o assunto
diligentemente e vigilantemente, re-examinando a decisão que eles tinham
feito tão precipitadamente e com tão grande falta da devida consideração
no que diz respeito a Irmão João. Ottoboni disse que:
Porque a fé de Irmão João é a mesma que a minha e sua pessoa o mesmo
que a minha pessoa, onde ele estiver, lá estarei com ele. E não pensem que
com suas hábeis artimanhas vocês podem facilmente apresentá-lo como um
herético, porque não somente depois que nos tornamos cardeais, mas muito
tempo antes, nós tínhamos certo conhecimento de sua santidade e
fidelidade, nem há, nós sabemos, ninguém na igreja de Deus mais fiel e
Católico do que ele. Portanto vocês deveriam parar de aborrecê-lo, porque
fazendo desse modo vocês também estão nos aborrecendo.
Logo que essas cartas foram recebidas e lidas cuidadosamente, o Senhor
Cardeal Giovanni mudou sua opinião e Irmão Boaventura, junto com seus
conselheiros, moderaram sua raiva e amavelmente (ao menos em
aparência) falaram com Irmão João. Eles chegaram a um entendimento de
acordo com o qual, com a permissão deles, ele escolheu a província de
Romania e, dentro da província de Romania, Greccio, como o melhor lugar
para o sossego espiritual. Lá ele se concentrou em si mesmo e no Senhor
por trinta anos, levando uma vida que era mais angélica do que humana.
Quando ele tinha mais de oitenta anos de idade, porém, ardendo de desejo
pela salvação das almas, ele solicitou ao Senhor Papa Nicolau IV de
bendita memória, permissão para ir à Grécia a fim de tentar conduzir os
gregos de volta a uma harmonia com a igreja, como ele já tinha tentado
uma vez antes. Uma vez no caminho, ele previu que sua partida desta vida
era iminente. Ele informou seus companheiros de viagem que tal era o caso
e lhes pediu para prosseguirem para o convento mais próximo. A cidade de
Camerino era a mais próxima para eles. Entrando lá ele disse: “Aqui é o
meu lugar de descanso, aqui eu ficarei, porque eu escolhi esse”.
Uma coisa maravilhosa aconteceu quando ele entrou na cidade. Embora
estivesse nublado, ele era desconhecido de todos e ninguém podia ter
sabido nada antecipado sobre a sua chegada, imediatamente toda a cidade
estava excitada e começaram a gritar: “Porque esse que entrou na casa dos
irmãos é um grande santo, vamos ir e escutar a palavra de Deus dele e ele
rezará por nós e nós receberemos sua benção”.
Ele não esteve doente por muitos dias antes de pagar o débito devido por
toda a humanidade, brilhando de ora em diante na morte com tantos
milagres que não somente aquela cidade, mas todas as vilas e cidades ao
redor dela estavam sacudidas pelo espanto e admiração. Mesmo os
inimigos foram convertidos por admiração e foram mudados para melhor;
aqueles que tinham falado mal dele, uma vez que viram os milagres que
Deus realizou através dele, reconheceram sua culpa e vieram com fé e
reverência, venerando suas pegadas. Eles foram forçados a confessar e
reconhecer a inveja do demônio, os artifícios do mal e as ações
condenáveis através das quais eles foram seduzidos a querer condenar
como um herético esse apostólico homem de Deus, através de quem Deus
estava curando o mudo, o mutilado, o paralítico e aqueles sobrecarregados
com as mais variadas enfermidades, até mesmo erguendo o morto.
Essa quarta tribulação reduziu ao silêncio todos os homens santos e
tementes a Deus na religião. Isso trouxe de volta ao coração de muitos a
solidão e voltaram as mentes aos desertos. Essa reduziu a língua daqueles
que testemunharam a secura. Essa prendeu os afetos como se com uma
corrente de ferro. Essa dobrou os joelhos dos fracos até a água e
enfraqueceu as mãos dos fortes. Essa foi como se uma vara de ferro de
malícia, ódio, indignação, rancor e vingança tivesse sido colocada nas mãos
de um forte homem agitado pelo calor do vinho e levado pra cá e pra lá
num círculo, atacando de todos os lados contra aqueles dentro do seu
alcance, infringindo feridas profundas, cruéis e que eram incapazes de
serem curadas. O morto foi sem sepultamento. Aqueles que fugiram
retiraram-se por causa do medo. Eles morreram de fome. Os que tinham
ido antes foram tirados da memória da nova geração, que anunciava com
grande fanfarra que eles tinham retornado aos costumes do passado,
alcançando as coisas anteriores tendo mudado do vento sul para o vento
norte.
Nenhuma pessoa inteligente deixou de ficar assombrada e terrificada pela
magnitude da mudança e do julgamento que aconteceu. Apesar disso, o
homem carnal e tolo preferiu risada, segredo e desprezo a simplicidade. De
onde os fatos no quinto período (os quais tem diversos começos, meios e
fins, como veremos) que foram piores do que os que tinham ocorrido antes,
realmente cresceram a partir do que havia começado a brotar na Ordem
durante essa perseguição.
A QUINTA TRIBULAÇÃO
Quando Irmão Boaventura se tornou um Cardeal (contra sua
vontade) por causa de sua reputação para a erudição, eloqüência e
santidade, Irmão Girolamo sucedeu-o no ofício de ministro geral. Quando
Girolamo se tornou papa, ele foi chamado Nicolau. Ele era um dócil
homem, modesto e lento para se irar ou para se ofender, mas descuidado e
morno quando veio a trabalhar para o aperfeiçoamento.
Enquanto Girolamo era ministro geral, o santo homem de Deus
Pedro João Olivi da província de Provença e o custódio de
Narbone, um nativo da cidade chamado Serignon, foi acusado (por
aqueles que queimavam de inveja quando viam a realização de outra
pessoa) de ter audaciosa e pretensamente escrito certas questões contendo
alguma impressionante nova visão. Quando Irmão Girolamo ouviu sobre
isso, ele chamou Irmão Pedro João a si e lhe falou para trazer junto as
questões que ele tinha escrito sobre Nossa Senhora, a Virgem Maria.
Quando rapidamente Irmão Pedro o fez, Irmão Girolamo as leu e ordenou
que fossem queimadas. Quando isso foi feito, Olivi, com expressão
inalterada e a alma tranqüila, como se tivesse recebido alguma grande
honra, lavou suas mãos e celebrou a Missa.
Quando alguns daqueles que admiravam as virtudes de Irmão Pedro João
notaram o que tinha acontecido, procuraram um momento conveniente para
questionar Olivi. “Irmão Pedro”, disseram, “depois de tal injúria feita a
você pelo ministro geral, como pode imediatamente e, sem passar pelo
sacramento da confissão, celebrar a Missa?”. Ele respondeu:
Eu aceitei aquela injúria como uma honra e desse modo não tomei aquilo
como mal, nem fiquei exasperado por isso. Absolutamente o contrário, eu
me senti jubiloso. E se vocês pensam que a destruição daquelas questões é
algo para se lamentar, não é nada. Seria fácil pra mim reproduzir as
mesmas questões ou escrever outras como aquelas, igualmente úteis, no
mesmo tema.
Quando Girolamo se tornou papa, os inimigos de Olivi, relembrando o
insulto feito a ele por Girolamo quando era ministro geral, foram ao papa e
argumentaram que Olivi deveria ser perseguido de novo. O papa
respondeu:
Possa Deus afastar de nossos corações a idéia de que nós ou outros
possamos infringir qualquer injúria ou prejuízo em tal homem, que excede
quase todos os outros em devoção, reverência e amor quando vem honrar a
Cristo e sua mãe. Tal ação poderia atrair a ira de Cristo e sua mãe sobre
nós. O que nós uma vez fizemos não se destinava a injuriá-lo, mas adverti-
lo, para seu próprio bem, de modo que através do processo nós pudéssemos
induzir sua excelente alma e agudo intelecto a conquistar maior gravidade
e humildade. Aquelas questões não continham nada suspeito ou incorreto,
mas estavam bastante de acordo com a fé, sutil, piedoso e muito digno de
louvor.
Irmão Pedro João era suave, dócil, humilde homem, devotado a Cristo e
sua mãe e a São Francisco, com uma sabedoria divinamente inspirada bem
como adquirida. Ele era prolífico e eloqüente, além de todos os outros de
seu tempo, superior a muitos de seus contemporâneos (e talvez de todos
eles). Olivi estava cheio de sabedoria espiritual, conhecimento divino,
graça e verdade, transbordando de amor por sua Ordem. Ele era
compassivo, cuidadoso, bondoso, piedoso, discreto, prudente e
profundamente entregue a tudo o que era bom. Tendo a graça da profecia,
ele vaticinava muitas coisas e falava muito do que era útil, bem como
muito do que era necessário no tema dos perigos da evasão espiritual e a
ascensão às novas, verdadeiras, mais altas virtudes. Ele mesmo, como
Domingos e Francisco, tinha previsto e profetizado desde os primeiros
tempos por muitos testemunhos dignos de confiança.
Na verdade, o abade da Ordem Florense profetizou a respeito dele, e ele foi
profetizado também pelos antigos e por outros que tinham o espírito da
profecia. Assim, toda a primeira parte da profecia de São Cirilo, em quem o
Abade Joaquim cumulava grande louvor, tratava primeiramente de Irmão
Pedro João, seu local de nascimento, a Ordem a que ele se uniu e todas as
perseguições as quais ele, junto com seus seguidores, sofreria nas mãos de
seus inimigos. Até previa – em parte enigmaticamente e em parte
historicamente – os anos, tempos, caminhos e lugares desses eventos.
O Espírito Santo, a quem tudo é presente e nada é passado, fez isso a fim
de mais facilmente guiar o fiel, puro no coração e corpo, que era eleito a
erguer-se da prisão do tempo e da cruz da vida sensual. Eles podiam
aprender a provar e entender de forma preliminar, através de um
enigmático espelho, a predição das coisas boas que viriam. E, uma vez que
esses fiéis foram conduzidos, como foi, através de uma porta secreta, o
Espírito Santo solicitou a eles através dessas profecias a comerem e
repousarem para que eles não enfraquecessem no deserto desse mundo. O
Espírito também desejava que eles tivessem uma fé segura, porque Deus
devota o mais especial cuidado a essas pessoas, embora humildes elas
possam ser.
Quem entre os infiéis podia aceitar facilmente que, mil anos antes do
advento de Cristo, a Sibila Eritréia pudesse predizer inumeráveis eventos
futuros, bons e maus, mesmo incluindo aqueles que podiam parecer de
mínima importância para as criaturas humanas? Quem pode acreditar que
ela profetizou eventos tais como a simplicidade, inocência, pontificado,
abdicação e captura de Pedro de Marrone, mesmo o lugar de sua captura e a
identidade daqueles que o capturaram? Da mesma forma que aprouve a
Deus predizer específicos feitos de Pedro João e muitos outros que
espiritualmente compreendem seu corpo e alma e em espírito são
considerados um com ele. Assim, o que é predito de uma pessoa é
completado em muitos e sobre um período de tempo e desse modo nós
vemos mais fácil e completamente a verdade histórica e o sentido
espiritual.
A profecia transmitida pelo anjo a São Cirilo chama Pedro João “o sol” por
causa da sublimidade de suas virtudes e sua famosa, incansável
incorruptibilidade, por causa da mais extraordinária multiformidade de sua
divindade inspirada de sabedoria e conhecimento e por causa da verdade de
seu ardente e Cristiforme amor à Deus e ao próximo. Ela descreve seus
inimigos como “escorpiões”, nascidos e reproduzidos de escorpiões,
imitadores de escorpiões. Hipócritas são comparados com escorpiões,
porque eles assumem feições encantadoras, dizem todas as coisas certas e
fingem agir por puro amor, de modo que eles possam ganhar o elogio e o
favor dos homens e levar a cabo suas intenções malignas. Eles picam com
suas caudas e injetam veneno, corrompendo aqueles que os ouvem através
da perversão de suas palavras e ações, contaminando aqueles que os
seguem com dissimulada imundície e corrupção. Eles odeiam e perseguem
terrivelmente aqueles dos seus seguidores que desaparecem, se eles tiverem
tempo e ocasião. Eles mentirosamente os difamam, ardentemente os
caluniam, agem traiçoeiramente para com eles e cruelmente se esforçam
contra todos que impedem seus esforços, quer verbalmente ou em ações, ou
se opõe a eles de qualquer modo. Eles não desistem daquilo que eles
pretendem até que possam levar a cabo suas más pretensões e castigar seu
alvo perversamente.
A quinta vexação ou tribulação decorrente da má vontade daqueles que
buscam o louvor e o favor dos homens, o hipócrita, sombrio grupo de
pessoas que odeiam e perseguem o sol e seus raios solares, começaram no
tempo do concílio de Lyon.
Quando Cristo nasceu, uma estrela no oeste apareceu aos reis, guiando e
conduzindo eles de modo que pudessem encontrar e adorar Cristo, o
verdadeiro e eterno sol. Mas quando os reis entraram em Jerusalém a
estrela desapareceu e, depois de inquirir os reis, Herodes ficou abalado e
toda a Jerusalém com ele. De uma maneira semelhante, depois de um sol
ter nascido no Governo da religião evangélica e ter estendido os raios de
seu ensinamento, a luz, a infusão da nova graça e a verdadeira e vivificante
devoção atraiu muitas das variadas classes da Igreja que procuraram
governar bem sobre os reinos de seus corpos e almas. Aquele sol também
induziu essas mesmas pessoas a procurarem, seguirem e louvarem o
conselho, exemplo e ensinamento do já citado homem e seus adeptos. O
louvor devoto e a imitação deles perturbaram as emoções e o coração
daquele bastardo, hipócrita e fraudulento pretendente a santidade e a
virtude, que tinha usurpado tiranicamente a cátedra de ensino. Os devotos
seguidores de Olivi também encheram com inveja e maligno temor as
emoções e corações daqueles que, em seu vício e malícia, no entanto
pretendiam ter uma visão do rei e da paz. Ocultando sua impiedade e
malícia com corações maus e intenções traiçoeiras, eles trabalharam na
aparência para assemelharem-se com aquelas devotas pessoas de modo que
pudessem arruiná-las.
E porque não existe conhecimento ou sabedoria contra Deus, que governa e
protege o homem solar, os filhos da escuridão não recebem a força e ação
de seus raios, nem lhes é permitido extinguir e arruinar sua luz como eles
desejavam. Assim, eles voltaram para perseguir as emanações de seus
raios. Com a espada de uma má língua eles assassinaram os jovens que
estavam se esforçando para se adaptarem totalmente com sua vida e
ensinamentos, sujeitando eles a hostil inquérito e duvidoso e artificial
interrogatório, como se eles os estivessem marcando mortalmente através
da impiedade da herética depravação. Eles os jogaram para dentro das
tumbas - ou fosso- de suas prisões e os esconderam lá; mas, temendo os
raios dos brilhantes argumentos e o calor do amor chamejante do criador
deles, o sol, e sendo incapazes de ficarem em sua presença, eles não
ousaram os confrontar com um sério inquérito.
Pedro João de Olivi então, estando iluminado pela luz de Cristo,
considerando vergonhoso o espetáculo de crueldade que estava tomando
lugar ante seus olhos, tomou um companheiro e foram sem ser convidados
ao ministro geral, Irmão Bonagrazia que estava então em Avignon. Quando
o ministro geral e os inimigos de Irmão Pedro (que incitavam e
provocavam o ministro geral com importunas e satânicas sugestões a fim
de fortalecer a causa deles quanto as acima mencionadas perseguições)
ouviram sobre a vinda de Olivi, ficaram extremamente perturbados.
O ministro geral convocou o ministro provincial e, mais do que um pouco
raivoso, disse a ele: “Eu não lhe dei uma ordem que nenhum irmão ousasse
vir a mim a não ser que fosse explicitamente ordenado a fazer tal? Por que
então, você deu permissão ao Irmão Pedro João vir sem meu conhecimento
de nada sobre isso?” O ministro provincial respondeu: “Ele não recebeu
minha permissão e nem perguntou a qualquer outro”. “Descubra”, o
ministro geral disse, “como e porque ele veio”.
Irmão Pedro disse ao ministro provincial:
Diga ao ministro geral que vim porque fui forçado a fazer por manifesta e
urgente necessidade e vim às pressas aqui para expor meu caso perante ele
e todos vocês até o limite de minhas capacidades. Reúna alguns dos irmãos
sem demora, porque o assunto acerca do qual eu vim é de comum
importância, vital e necessário a todos.
Querendo tratar rapidamente com Irmão Pedro e querendo repreendê-lo
severamente e impor punição por sua desobediência em vir sem permissão,
o ministro geral rapidamente convocou um capítulo. Quando eles estavam
reunidos, Pedro João propôs a radiante espada da palavra a eles como um
tema, dizendo: “O espírito de sua boca mata os ímpios”. Ele apresentou seu
caso com tal fervor de espírito e tão efetivamente, que todos ficaram
espantados pela força de suas palavras e ficaram lá, silenciosamente
abalados na mente e no coração. Ninguém ousou responder ao seu discurso.
Ferido em seu coração, o ministro geral nem respondeu por sua vinda e
nem deu a ele uma penitência. Ele escondeu qualquer hostilidade que sentia
por Pedro João. O superior, contra sua vontade, sentou e escutou seu
subordinado o corrigindo. Tendo autoridade, ele, no entanto, não se atrevia
a repreender o homem que ele odiava sem boa razão. Depois de uns poucos
dias o ministro geral, arruinado por sua própria raiva, começou a
enfraquecer e, caindo doente, morreu, assim como dois dos principais
adversários de Pedro, que, mais do que os outros, tinham inflamado o
ministro geral a fim de favorecer a loucura daquela infame perseguição.
E todos sabiam que a autoridade de Olivi para denunciar como ele fez,
aqueles que tinham agido com iniqüidade derivava do fato de que ele era
iluminado pelo espírito profético.
Esses são os milagres, Cristo, que você realizou por seu servo, coisas que
parecem desprezíveis para o tolo, mas para o sábio e o temente a Deus,
muito adorável e digno de veneração. Um simples subordinado apareceu
livre e espontaneamente perante aqueles muitos que o detestavam, tinham
autoridade e poder sobre ele e buscavam a ocasião para prejudicá-lo e
persegui-lo. Tendo vindo sem ser convocado, ele infringiu a lei. Ele não
tinha solicitado permissão para fazer tal coisa. Os superiores botaram sua
autoridade a parte, se submetendo a vontade de um subordinado que eles
consideravam execrável e rebelde. Eles não assumiram uma postura
adversária. O desejo pelo poder foi inibido ou impedido neles. Eles
ouviram uma desagradável mensagem de um homem que eles
consideravam desagradável. Eles odiaram o que ouviram, mas não
reassumiram a posição de superiores e retaliaram imediatamente. Em vez
disso, embora estivessem furiosos, eles se recusaram a impor a pena que
antecipadamente aguardavam com prazer. Na presença de um homem que
era sujeito a eles, silenciosamente ferviam. Ele era um homem que
dificilmente eles eram capazes de olhar, contudo não o repreenderam.
Esses injustos homens sábios perderam sua sabedoria e não puderam
oferecer palavras justas contra o homem justo. Em vez disso, eles se
apressaram em despedir o homem que eles não podiam suportar.
Mas uma alma depravada e maligna pode cegar os olhos da mente e induzir
insensibilidade nos homens perversos, levando-os a não considerarem o
julgamento de Deus ou serem conscientes do mal que estão fazendo.
Assim, seus inimigos não pararam de difamar, se opor e perseguir, secreta e
publicamente, ele e seus seguidores dentro e fora da Ordem, com
engenhosas artimanhas, ardilosas mentiras, calúnias e injustas perseguições
antes e depois de sua morte.
Nem é possível explanar em poucas palavras o que foi feito e o que ainda
está sendo feito contra ele, seus imitadores e seus ensinamentos. E, embora
enquanto ele vivia, ele poderosamente e de forma clara, oralmente e por
escrito, em Paris e em toda a parte, mostrou que seus detratores eram
injustos, inverídicos e incorretos em suas visões; a perversidade das
vontades de seus perseguidores triunfou muitas vezes, de tal modo que eles
continuaram a atacar sua pessoa e doutrina. Eles desenterraram seus ossos,
furiosamente desmantelaram seu túmulo, destruíram os sinais de sua
santidade e da devoção do fiel oferecida a ele, e lançaram todas as suas
energias para extinguir a operação do espírito no fiel.
Prisão, ferro, grafite, pena, papel, raio, trovão, fogo, movimento rápido,
falso testemunho, um irmão que toma o lugar, um juiz que odeia, a divisão
da luz, a noite interrompida, terra, vento, sangue e dispersão do rebanho –
todos permanecem fixos no silêncio contudo gritam, lembram o passado e
mostram o que está por vir como se isso fosse presente. O compromisso
restringe o agitado e o rompimento dos laços; o recíproco ataca e contradiz
do fim; a conversão para a oposição e a túnica do leproso; o veneno e o
livro; a repressão dos excrementos, expansão do lodo e absorção da terra;
esses darão testemunho ao sol em seu tempo. Agora só uns poucos o dão,
quem renuncia o tempo e seus sentidos quando o espírito sopra. E eles
vêem certas coisas ainda invisíveis aos sentidos através de aberturas
momentaneamente acesas por um clarão de raio. Estes mantém um sentido
fixo do fim e assim não hesitam ou pensam em tempos longos. Tudo o que
é longo é atualmente curto, isto passa através do tempo e, quando a rotação
cessa, voa para o eterno e é unido com a cabeça, em ligação com a cruz
através da qual ele reina no céu.
A fim de reinar com ele, permita-nos aceder a ele com um coração puro e
refletir sobre as razões porque alguém que amava seus irmãos, um defensor
e expoente deles que aspirou e promoveu a honra deles e louvor, pôde ter
sido tão cruelmente atacado e odiado sem razão. Os motivos devem ser
buscados na pessoa que foi perseguida, embora aqueles que fizeram a
perseguição ofereceram outros pretextos forjados, fingidos.
As razões pelas quais demônios e homens que eram vazios de qualquer
amor pela verdade o odiassem era porque ele amava Cristo e o próximo
com perfeito amor e porque ele mais ardentemente desejou e mais
solicitamente procurou, pregou e se esforçou para iluminar todas as coisas
pela luz da sabedoria espiritual, assim como atrair outros para o amor de
Cristo e para a imitação da vida de Cristo. Ele ensinou também o fiel e
Católico entendimento daquela vida, porque ele conhecia e expôs
(oralmente e em seus escritos) as atividades sombrias, as fraudes e as
trapaças dos demônios, enquanto elucidava para o grande e o pequeno, por
claros e compreensíveis argumentos, no nível em que era capaz, as coisas
ocultas da sabedoria Cristã.
Ele abriu a um exame minucioso as ofensas dos religiosos pseudo-profetas
e doutores carnais, os filósofos verbosos que estavam vivendo vidas
carnais, os clérigos que estavam corrompendo e maculando as coisas
sagradas e o estado eclesiástico com cobiça e simonia, corrompendo,
devorando e dispersando o rebanho de Cristo. Ele mostrou seus crimes,
proclamou os perigos, advertiu do julgamento e condenou a corrupção que
eles tinham introduzido. Ele dissolveu suas desculpas e mostrou a danação,
justa retribuição e a eterna punição que eles possuiriam como seu
patrimônio, a privação da graça e o crime que eles incorreriam ao
desonrarem e irritarem a Deus.
A prerrogativa da graça de singular sabedoria, na qual ele excedeu todos
seus contemporâneos e a qual ele recebeu do Senhor através da infusão,
inspirou inveja e ódio naqueles que amam ter a reputação de nascerem
doutos. A incrível devoção mostrada por todos os fiéis e especialmente os
devotos e os amantes da verdadeira pobreza e humildade e a imaculada
virgindade, aumentava o ódio e a inveja dele.
Acima de tudo, se deveria considerar seu ardente zelo pela honra da Ordem
e a Igreja inteira; sua extraordinária devoção e sincero amor por São
Francisco e pela Regra evangélica e a vida apostólica a qual Jesus Cristo
tinha havido por bem revelar; a pura defesa, declaração e observação as
quais, tão longo quanto ele viveu, ele incessantemente trabalhou através de
sua oração, sua conduta, sua pregação, seu debate, seu ensinamento e seus
escritos.
Ele odiava impurezas, relaxamentos, excessos e todo comportamento,
tradições ou ensinamentos que comprometessem e ofendessem a pura e fiel
observância necessária para a salvação. Ele refutava estas questões com
verdadeiros e claros argumentos, empregando a mais inquestionável
autoridade da Sagrada Escritura e os santos doutores para provar que eles
estavam errados.
Esta foi a principal e maior causa e ocasião – a causa de seu lado e a
ocasião no de seus inimigos – de todas as suas dificuldades, a questão que
os motivou a botar madeira no seu pão, ou seja, a detração apontada na sua
vida, a carga de depravação herética apontada em seus ensinamentos e a
provação da perseguição dirigida a ele, assim como aqueles que aderiram a
ele, o imitavam, o amavam e o defendiam de qualquer jeito.
Essa vexação pelos espíritos da escuridão, motivado pela inveja, foi e é
amarga, múltipla, constante e muito sutil, afetando muitos irmãos, devotos
seculares e desprezíveis e humildes penitentes. Isto é muito parecido com a
perseguição dirigida contra a vida, a moral e o ensinamento de João
Crisóstomo, ele da boca de ouro (de acordo com seu santo nome). Naquele
tempo, santos lutavam contra um santo e mais do que uma vez um concílio
de santos levantou-se contra ele, condenando-o ao exílio. O grande doutor
Santo Cirilo é dito ter comentado: “Como Judas estava entre os apóstolos,
tal João está entre os bispos”. Tampouco ele cessou sua detração, mesmo
depois da morte de João, até que São João apareceu a ele numa visão e lhe
deu um pontapé na boca tão vigoroso que sua mandíbula ficou toda rachada
até os ouvidos. Como uma penitência por seus pecados ele permaneceu
daquele jeito até sua morte. Ainda assim, os inimigos do Irmão Pedro João
nunca cessaram sua detração e perseguição e continuarão até seu pecado e
maldade serem punidos por algum castigo óbvio que durará, uma entrega
do céu por Cristo através daquele mesmo santo homem.
Os irmãos se opunham a ele e tentavam manchar seus ensinamentos por
meio de contendas, cortando pela raiz com críticas, deformando com
calúnias, especialmente aquela parte que se relacionava com a vida
religiosa. Enquanto ele estava vivo, seus inimigos tendo chamado a
julgamento muitos artigos de seu ensinamento, ele foi intimado pelo
ministro geral a aparecer em Paris e responder aos ataques contra ele ante
os Mestres e outros irmãos reunidos lá. Ele respondeu a todas as acusações
tão sabiamente, tão eloquentemente e tão abundantemente, que aqueles que
estavam presentes ficaram espantados e maravilhados. Eles reconheceram
que suas afirmações a respeito das sobreditas matérias eram Católicas.
Aqueles inimigos que tinham feito as acusações não ousaram proferir uma
palavra.
No tempo em que Irmão Arlotto era ministro geral, Pedro João, então em
Paris, estava caminhando sozinho pelo claustro ou quarto onde o ministro
estava sentado com dois mestres (a saber Ricardo e João de Murrovale)
quando o ministro, que era um bondoso e humilde homem, chamou-o e
disse-lhe: “Irmão João, porque todos nós ouvimos que você diz algumas
coisas singulares sobre o tema da essência divina, eu gostaria de ouvir você
explicar ante esses Mestres que visão você pensa seria considerada nesta
questão”. Pedro João respondeu: “Pai, sem procurar sustentar minha visão
com referências aos santos doutores, presentemente lhe darei sete
argumentos, cada qual tem sete argumentos vinculados, defendendo minha
visão”. Começando pelo primeiro, ele continuou até o último.
Tendo ouvido tudo isso, o ministro, rindo, disse para os dois Mestres (que
eram muito opostos aquela opinião): “Irmão Ricardo e Irmão João,
respondam a ele”. Nenhum deles atreveu-se a dirigir qualquer resposta a
ele, apesar de que o ministro os tenha solicitado a fazer.
Assim era com todos os outros assuntos nos quais os irmãos se opunham a
ele. Eles eram incapazes de resistir a sabedoria e ao espírito que falava por
ele. Ele provou sua causa aos irmãos, demonstrando com os mais claros
argumentos e a autoridade de muitos santos doutores. Além disso, ele
escreveu vários tratados nos quais ele fortemente refutava os argumentos e
autoridades que seus adversários ofereciam contra ele, mostrando que eles
não estavam no ponto. Ele afirmou que a abdicação de toda a jurisdição e o
uso restrito (usus pauper) dos bens eram substancialmente partes da vida
apostólica e da vida, Regra e profissão do Bem aventurado Francisco.
Ele descreveu usus pauper como a utilização que, todas as coisas
consideradas, deveria ser apropriadamente considerada pobre em vez de
rica, tampouco causando uma extrema necessidade que pudesse tornar o
estado de religião perigoso, nem excluindo tampouco as necessidades da
vida ou aqueles objetos necessários para a execução dos ofícios pertinentes
ao estado da mesma. Os irmãos não deveriam ter o uso de todas as coisas,
como já foi dito; nem deveria haver qualquer superfluidade ou riqueza em
seu uso, os quais depreciassem a pobreza. Nem sequer os irmãos deveriam
armazenar coisas, recebendo-as com a intenção de alienar ou vender, ou
com a desculpa que estão providenciando para o futuro ou alguma outra
circunstância especial. Ao contrário, em seu comportamento deveriam
parecer ter (na verdade, deveriam ter) completa abdicação da propriedade
(dominium) e necessidade do uso. Tudo isso, contudo, deveria estar
determinado na compreensão das necessidades individuais.
Ele ensinou e sustentou isso para resguardar das impurezas que poluem,
obscurecem e danificam a pobreza prometida pelos Franciscanos e a
perfeição da Regra como se essas práticas fossem boas, forçar tal
observância nos outros e impugnar os zelosos irmãos que falam contra as
impurezas e desejam observar a Regra puramente implica ou pecado mortal
ou o grande perigo do pecado mortal, particularmente onde as impurezas de
nossa Ordem são óbvias. Nem tampouco esse comportamento pode ser
desculpado pela crassa ignorância, muito menos pela fingida ignorância.
Pelo contrário, que o torna pior. Ele disse, também, que era muito pior
introduzir e defender as impurezas universais – que são aquelas espalhadas
por toda a multidão – do que impurezas particulares, significando aquelas
que tocam somente poucas pessoas. Similarmente, é pior introduzir ou
defender impurezas que duram um longo tempo ou para sempre do que
impurezas que duram somente um breve tempo. É pior também introduzir
impurezas que escandalizam o mundo ou obscurecem e escondem a luz e o
exemplo da vida perfeita do povo, do que outras espécies de impurezas.
Assim, ele disse que os exageros em edificações, quer isto envolva
materiais raros, modelo e decoração incomuns, exagerado tamanho ou
despesa, ou excessivo esforço dedicado a levantar o dinheiro necessário
para eles, é uma perigosa impureza, especialmente para aqueles que
defendem isto e forçam outros a participar disto, porque elas duram um
longo tempo (praticamente para sempre), afeta o grupo inteiro, dá ao
mundo um mal exemplo e obscurece o exemplo da vida de Cristo. De
forma semelhante, litígio ou contenda por sepultamento ou funeral
apropriado, ou por qualquer outra questão temporal é uma notável
impureza, especialmente se acontece frequentemente, dura um longo tempo
e incita um grande número de irmãos a se tornarem ardentemente
envolvidos nisso. Mesmo entre os seculares esta é uma imperfeição maior
do que possuir propriedades ou envolver-se em negócios para tirar
proveito, exceto em certos casos e sob certas circunstâncias as quais
poderiam em grande parte desculpar essa imperfeição. Além disso, fazer
isso através dos seculares, instigando e dirigindo eles, pagando todas as
suas despesas, controlando e aconselhando eles, como nós geralmente
vemos isso acontecer hoje, não é simplesmente uma impureza, mas, num
sentido, uma fraude perpetrada na Regra e sua pureza.
De forma semelhante, obtendo ninharias anuais , solicitando contribuições
anuais, indo além do que é o mais necessário ser feito no presente para
prover as necessidades futuras, acumulando e preservando o que sobrou, ou
adquirindo bens de modo que os irmãos possam ganhar dinheiro deles, quer
eles recebam eles mesmos, quer através de alguém que receba para eles, é
uma notável impureza e uma enorme transgressão da Regra.
Dizer e manter que nossa Ordem pode ordinariamente usar calçados, ou
montar cavalos, ou vestir escarlate, ou igualmente roupas preciosas como
os Cânones Regulares, ou ter o uso de campos ou vinhedos ou coisa
parecida, é uma enorme blasfêmia concernente a Regra e a vida apostólica
que nós prometemos. De modo semelhante, nossa Ordem aceitar
sepultamentos em troca de pagamento de bens temporais (sepultamento que
nós de outro modo cuidaríamos pouco ou nada acerca de recebimento) ,
assegurar contratos em retribuição por eles, obrigando a outra parte a
pagamentos anuais ou doações e dizer Missas em retribuição por pequenas
quantias diárias ou anual é comprometer a sublimidade da perfeição da
nossa Regra e o estado da nosso Ordem inteira, levando-nos aos perigos
horrendos da simonia e nos apanhando numa armadilha lá.
Ele ensinou e disse que os apóstolos e bispos, que na imitação dos
apóstolos professavam a vida evangélica na medida em que é uma parte do
voto e profissão evangélicos, são requeridos para observar usus pauper,
como está claro a partir de Martin, Basil, Gregório de Cezaria, Maurilius,
Germanus, Ammonius e similares, que mostraram e ensinaram por suas
palavras e obras que eles eram ligados a isso do mesmo modo que os
apóstolos tinham sido, embora alguns deles em alguns tempos devem ser
desculpados por não terem reconhecido isso devido a ignorância comum no
que diz respeito ao direito evangélico nesse assunto. Isto é parecido com o
caso de Cipriano que, de acordo com Agostinho em seu livro sobre batismo
escrito contra os Donatistas, argumentava que heréticos convertidos a fé
Católica tinham que ser re-batizados . Cipriano poderia ser desculpado do
pecado mortal dizendo que é porque ele fez a matéria antes de ter sido
definida clara e explicitamente por um conselho geral. No entanto, na
medida em que o direito evangélico estava em causa, este sempre foi
genericamente um pecado mortal e herético.
Pedro Olivi ensinou que nós deveríamos nos manter fiéis somente a
escritura sagrada e a fé Católica ou a fé da Igreja Romana como a
verdadeira fé, também não deveríamos aderir a qualquer opinião humana,
fosse a dele própria ou aquela de qualquer outro grande doutor, a menos
que fosse primeiro mostrada segura e fielmente que a opinião está em
conformidade com a fé da Igreja Romana. Somente essa deveria ser
mantida com fé.
Olivi afirmava que é diabólico apegar-se inabalavelmente a alguma opinião
humana como se fosse uma parte da fé e ninguém deveria ser solicitado a
concordar necessariamente com qualquer um que determine que isto ou
aquilo seja da substância da fé Católica, exceto ao pontífice Romano ou a
um conselho geral ou na medida em que a razão e a autoridade da sagrada
escritura ou da fé Católica definam a matéria e obrigue alguém.
Ele dizia que os irmãos não podiam possuir privilégios que depreciassem a
pureza da Regra, como aqueles que deixaram a Ordem para se envolver
direta ou indiretamente em demandas seculares e similares e ainda assim
preservar a pureza da Regra. Muito menos podem extorquir tais privilégios
do Supremo Pontífice através de impróprias e importunas solicitações.
Ainda menos, tendo as recebido, eles as deveriam usar.
Apelar aos procuradores ou oficiais do papa ou dos bispos ou de qualquer
outro, de modo que através de tais recursos os oficiais são levados a iniciar
disputas e litígios envolvendo legados, doações prometidas aos irmãos,
sepultamentos, funerais ou semelhantes, laivos de impurezas quanto a
Regra que nós prometemos. Uso de tais oficiais é sem dúvida uma fraude
perpetrada não somente contra a pobreza do estado evangélico através do
qual todos os irmãos deveriam se manter fora das disputas temporais e
litígios, mas também é uma fraude contra a humildade, simplicidade e
tranqüilidade as quais, além de todas as outras coisas, os irmãos estão
limitados na promessa da Regra evangélica.
Todos os assuntos mencionados acima são claros e sem dúvidas: quando
alguém faz uso de tal comportamento, o clérigo e o leigo ficam
escandalizados e a perfeição da vida evangélica é denegrida em seus olhos.
Através de tal conduta os freis naquela casa e em toda a Ordem se tornam
odiosos e pesados para todos.
O modo de vida permitido aos irmãos é expressamente dado na Regra; isto
é, aquela que nós deveríamos viver daquela que é livremente oferecida,
daquela que é humildemente obtida através da súplica, ou daquela que é
adquirida através do trabalho. É óbvio que nenhuma dessas três envolve o
ganho de coisas através de litígio ou por negociações conduzindo ao litígio
levado a cabo por outros. Como a alma realiza obras exteriores através do
controle sobre seu corpo, certos irmãos não desejam ser o corpo numa
causa secular, mas completamente felizes de ser a alma, incitando e
dirigindo a solicitação, conseguindo o dinheiro e os advogados exigidos
para isso, etc. Ele afirmava que tal comportamento é não apenas uma
impureza de acordo com a Regra, mas também fraudulento.
Dar garantias e contrair empréstimos não é permitido ao estado evangélico
a menos que seja requerido por evidente necessidade, doações que
acabaram, e isto é recebido de pessoas piedosas sem qualquer vínculo de
obrigação. De modo semelhante, fazer arranjos para funerais ou qualquer
outra atividade secular – se “fazer arranjos” é tomado no sentido pleno –
cheira a uma certa jurisdição na pessoa que faz tais arranjos e os observa.
De outro modo o termo “fazer arranjos” seria usado inadequadamente,
porque ninguém faz arranjos acerca de uma coisa sobre a qual ele não tem
autoridade. E portanto Olivi dizia que tal comportamento não era permitido
aos homens evangélicos.
Devotar-se a tais tradições e documentos que foram dados de modo que as
pessoas pudessem continuamente servir a religião na verdade de toda a
perfeição e santidade e multiplicar o talento dado a eles por Deus e por seu
sincero amor e zelo pela salvação das almas à honra de Cristo, Olivi
suportou muitas adversidades e muita oposição e retaliação dos seus
detratores. Seu coração foi habilmente trespassado por dolorosos
aborrecimentos, várias e amargas punições e o encarceramento de seus
santos irmãos executado contra eles pelos inimigos da verdade porque eles
aderiram a sua vida e doutrina.
Mesmo enquanto ele estava vivo, os santos irmãos João do Valle, João
Julian, Francisco Lenet, Remond Auriole, João Primi e muitos outros
estavam presos. Então aquele homem de singular perfeição, Pons Bautugat,
poderoso em obras e fervorosamente eficaz na palavra, foi aprisionado.
Aqueles cães raivosos trataram-no cruel e impiedosamente porque ele não
quis entregar alguns tratados escritos pelo santo pai, Irmão Pedro. Os
perseguidores queriam recolhê-los a fim de queimá-los. A selvagem
crueldade mostrada para com Pons perturbou as almas daqueles que
ouviram falar disto, enchendo o coração dos ouvintes com assombro pela
impiedade dos perseguidores e admiração pela invencível paciência
daquele que suportava tal tratamento pelo amor a justiça.
Acorrentado com grilhões de ferro e uma corrente de ferro , Pons foi
colocado numa fétida, pequena e escura prisão. Afixando a corrente ao
tronco de uma árvore, os perseguidores o confinaram e limitaram tanto que,
prostrado pelo ferro, ele só podia satisfazer as suas necessidades
fisiológicas no lugar onde ele estava sentado. Ele jazia esticado na terra nua
que estava coberta com sua urina e fezes ao nível de seus pés, mal cheiroso
e imundo, envolvido num sórdido lodo. Enquanto jogavam com desdém
escasso pão e pouca água a ele, os carcereiros desviavam suas faces. Mais
cruéis do que bestas e mais nocivos do que serpentes, eles não
manifestavam bondade na palavra ou ação a um homem que, eles sabiam,
era verdadeiramente santo, mesmo no momento de sua morte.
Finalmente, Pons quedou doente. Enquanto ele deitava, ou melhor, sentava
numa posição reclinada no fedor de suas fezes e urina, regozijava-se em
sua alma e aquecido pelo fogo do amor, dando infinitas graças à Deus, ele
devolveu seu espírito à Deus, deixando para todos um exemplo e modelo
de insuperável fortaleza e imperturbável paciência.
Maldito seja o porco maligno que matou esse Irmão Pons, um cordeiro em
sua bondade e inocência e verdadeiramente um pequenino cordeiro na
perfeição de todas as virtudes. Ninguém que tenha um verdadeiro senso da
luz do perfeito amor de Cristo e sabedoria e traz isto dentro de si mesmo,
de fato nenhum Católico Cristão que simples e fielmente acredita em deus
e segue Cristo, aprovaria, mas, antes condenaria aquela crueldade e
selvageria do porco. Aqueles que são aquecidos pelo consolo da caridade
de Cristo e tem um sentido de Cristo e entranhas de compaixão o
amaldiçoarão. Eles fugirão, abominarão e temerão a impiedade depravada
dos filhos da perdição, porque eles entendem que a doença do orgulho e a
imundície da impiedade tem entrado mascaradas no vestuário da santidade
e trazendo o nome de humildade. Eles sabem que a figueira da falsa
religião, com o luxuoso crescimento dos galhos, tem sido completamente
seca e privada dos frutos do Espírito através da força da palavra de Cristo,
antes da final, futura exaltação de sua cruz. Antes do tempo de seu
sofrimento, Cristo não deu aos apóstolos mais sinais evidentes do
julgamento a ser retribuído contra a sinagoga do que a dessecação da
luxuriante figueira, seca subitamente pela sua palavra de maldição. Se os
fariseus , anciãos, doutores e padres tivessem vivido a vida da fé a qual age
através do amor, eles não teriam crucificado Cristo o Senhor da glória, nem
teriam atraído sobre si o julgamento que eles mesmos seriam exterminados.
Portanto, agora, se aqueles que professam a pobreza evangélica tivessem
procurado amar e verdadeiramente cumprir a promessa da perfeição, eles
não quereriam ter, privados da graça, perseguido pessoas inocentes ou,
negando a fonte de sua perfeição, ter impugnado eles. Nem quereriam ter
preparado o caminho e aberto a porta dos males futuros; nem quereriam ter
experienciado a vingança do julgamento e exterminação serem exercitados
neles.
O carcereiro daquela cruel prisão encontrou o santo homem Irmão Pons
morto, e rapidamente anunciou a sua morte ao guardião daquela casa. O
segundo ordenou dois fortes irmãos leigos cavarem um buraco num valo do
jardim, lançar seu corpo secretamente ali e cobri-lo com sujeira. Os irmãos
vieram executar suas tarefas e, enquanto eles trabalhavam para livrar o
corpo, agora em parte mergulhado em vermes e sujeira, dos grilhões de
ferro, eles descobriram que do lombo para baixo estava em grande parte
comido por vermes. Olhando para sua face, contudo, eles ficaram
espantados ao descobrir que estava abrasada com uma luz que excedia
qualquer coisa natural, uma luz antes angélica do que humana.
Como o corpo, mesmo coberto como estava com fezes, não emitia cheiro
desagradável, mas um odor que sobrepujava o mau cheiro, causou
assombro e encheu a mente dos irmãos leigos com não pouca admiração.
Suas mentes ficaram clareadas da cruel selvageria que tinha caracterizado
suas atitudes em relação a ele, antes de morrer e eles levaram a cabo suas
tarefas, impostas a eles com benevolentes intenções. Assim, aqueles que,
convencidos pelo que viram, estavam agora forçados a reconhecer sua
santidade, o lançaram dentro da vala, como se ele fosse um animal e
cobriram seu corpo em decomposição com imundície como um ato
humanitário e também a fim de manter as ações impiedosas empregadas
contra ele de serem divulgadas ao povo.
Essa quinta tribulação também começou na província das Marcas
de Ancona. Por aquele tempo (1274) quando o conselho geral invocado
pelo santo papa (de bendita memória) Gregório X estava sendo celebrada,
um rumor se espalhava pela Itália de que o Supremo Pontífice havia
decretado nesse Concílio que aos Frades Menores, Pregadores e outros,
deveriam ser dadas propriedades. Ouvindo isso, muitos dos frades
aceitaram, enquanto alguns – embora poucos – sentiram isso muito mal e
incapazes (de fato, não querendo) de esconder o que estava em seus
corações, revelaram seus sentimentos para seus confrades, supondo que
acontecesse do assunto ser discutido em público. Quando seus irmãos
disseram que estavam prontos a aceitar posses e rendas regulares em
obediência ao papa e ao conselho geral, eles responderam que fariam
oposição. Ambos grupos, na maneira de disputa, apresentaram argumentos
e autoridades sustentando sua posição.
Aquelas discussões tornaram evidente que havia uma diferença de opinião
dentro dos frades e um forte compromisso de cada lado por sua escolha.
Como resultado, depois do Concílio ter acabado, o grupo majoritário sentiu
que era melhor e mais seguro receber propriedades e rendas regulares. Essa
maioria pensava que o argumento enunciado pela minoria estava errado.
No primeiro capítulo realizado após o Concílio, a maioria decretou uma
investigação daqueles irmãos em minoria como se eles fossem cismáticos
ou sustentassem uma errônea opinião. Se eles não se retratassem, eles
seriam punidos severamente como se fossem heréticos. Uma vez que a
investigação foi levada a cabo, todos, exceto três confessaram sua falta
como os irmãos desejavam. Eles sentiam que , uma vez que o papa não
tinha dado propriedade aos irmãos, era inútil e um desperdício de tempo
argumentar com os superiores sobre a questão.
Os outros três irmãos - Tramondo, Tomas de Tolentino e Pedro Macerata –
firmemente mantiveram (com autoridades e argumentos) que o papa e o
concílio geral nunca tomariam tal decisão porque isso não só seria
impróprio, mas também prejudicial, levando a apostasia e portanto não
fazem parte do poder deles. Os irmãos na maioria, por mais instruídos que
fossem, não podiam ou não sabiam como resistir a força de seus
argumentos e perderam o debate. Assim, ainda mais furiosos pelo
resultado, eles rasgaram as roupas dos três irmãos e os confinaram como
cismáticos em eremitérios.
Quando um ano havia passado eles novamente convocaram os três para um
capítulo. Quando, após três dias de discussão, os irmãos ainda não tinham
sido capazes de refutar os argumentos desenvolvidos pelos três, um certo
sábio irmão chamado Benjamin, que excedia os outros em prudência,
santidade e idade, chamou Irmão Pedro de Macerata e secretamente lhe
disse: “Filho, não é bom continuar esta resistência verbal contra os irmãos.
Quando eles chamarem vocês, diga-lhes que vocês deixaram o acordo da
questão ao meu julgamento e consciência, que vocês confiam em mim e
desejam fazer o que eu decidir, porque minha consciência não varia da de
vocês próprios”.
Assim, três anos passaram sem qualquer penitência ser prescrevida a eles;
no entanto os dois lados ainda diferiam no que eles acreditavam e
desejavam. Um grupo sentia que a estabilidade, vitalidade e sobrevivência
da Ordem dependiam da edificação de casas dentro das grandes e pequenas
cidades; atraindo seguidores entre os leigos; incentivando enterros, sendo
incluídos em testamentos e recebendo outras espécies de legados;
multiplicação de livros, estudantes e escolas; perseguição de estudos
profanos; solicitando privilégios e coisas dessa natureza.
O outro grupo sentia exatamente o oposto. Com todo o coração, mente e
força, eles queriam se manter fiéis à consciência e ensinamento do
fundador. Dentro de poucos anos o número deles aumentou tanto que os
outros irmãos começaram a sentir que o resto da Ordem poderia se
converter a visão e ao modo de vida deles. Naquele ponto a minoria
poderia se sentir encorajada a resistir as práticas correntes e isso poderia
não muito longe facilmente forçar o consentimento da parte deles.
Quando, com a permissão de Deus, esse humano ou antes farisaico temor
tinha sido estabelecido na maioria por um espírito perturbando as Ordens
da igreja e os corações humanos, cinco ministros se encontraram em
segredo e, depois de discussão, unanimemente determinaram que não havia
um efetivo remédio para a situação, exceto um processo dirigido aos líderes
do grupo. Esse processo iria puni-los, sem executar qualquer exame formal,
como cismáticos corrompidos pela mácula da heresia e como destruidores
da Ordem, desse modo aterrorizando os outros.
O que mais pode ser dito? O que os ministros tinham impiedosamente
decidido foi executado no próximo capítulo provincial. Espezinhando todas
as leis humanas e divinas, eles determinaram que os Irmãos Tramondo,
Thomas de Tolentino (que agora, tendo recebido a palma de mártir em
Tana na Índia, passou alegremente para Cristo) e Pedro de Macerata, junto
com alguns outros – sem qualquer pecado específico sendo mencionado em
suas cartas de sentença – deveriam ser sentenciados a prisão perpétua como
heréticos e destruidores da Ordem. Eles deveriam ser privados da
confissão, de todos os sacramentos da Igreja e do uso de todos os livros
(menos um breviário). Quando eles morressem deveria lhes ser negado o
sepultamento eclesiástico apropriado. Os irmãos designados a dar a eles o
que fosse necessário para permanecerem vivos – e nada mais – estavam
obrigados por obediência a não falar com eles sobre quaisquer condições,
mas antes conferir suas prisões e seus grilhões dia e noite, temendo que
eles encontrassem um meio de escapar. A fim de aterrorizar os outros, eles
acrescentaram esta tirânica ordem: que se qualquer irmão ousasse dizer que
a sentença era cruel, injusta, imprudente ou imperfeitamente executada, ele
mesmo poderia receber uma punição similar como um defensor dos
heréticos e um destruidor da Ordem.
Aconteceu que um certo santo irmão chamado Tomás de Castello d´Emilio,
tendo escutado a impiedosa, cruel e terrível sentença – a qual era lida a
todos os irmãos todas as semanas em seus encontros capitulares – ficou
inflamado pelo fervor do espírito e zelo pela verdade. Ele replicou: “Eu não
considero minha vida mais preciosa do que a mim mesmo. Estou certo que
essa condenação é iníqua, injusta e aplicada sem temor a Deus ou amor.
Isto desagrada a Deus e todos os santos”.
Quando essa confissão foi feita diante de todos, Tomás foi imediatamente
detido de acordo com aquela lei tão parecida com a lei Islâmica. Despojado
de seu hábito e amarrado com duros grilhões de ferro, ele foi preso numa
escura prisão onde, após poucos meses de tratamento inumano, ele
adoeceu. Mas com uma crueldade como a dos Sarracenos os irmãos
cerraram seus olhos ao homem doente e, rejeitando o pedido de amor de
Cristo, eles executaram ao pé da letra aquela cruel lei.
Feliz e preenchido com Deus, dando graças apesar de seu confinamento
físico, Tomás entregou seu espírito. Como foi no caso de Irmão Pons
Bautugat, eles jogaram seu corpo numa vala e cobriram com imundície,
como se fosse o cadáver de um animal feroz.
Tais são os julgamentos que caíram sobre os humildes, pobres adeptos de
sua vida e Evangelho, doce Jesus, vós que de boa vontade entregou sua
vida para salvar aqueles que o odiavam. Esquecidos de vossa misericórdia
e de vosso grande amor, seus juízos despudoradamente pregam que tal
ação, em consciente violação da natureza, lei e graça e com crueldade e
ferocidade superando a dos Sarracenos e Tártaros, é para agir em vossa
honra. Eles afirmam que fazendo assim, eles estão oferecendo uma grande
e especial obediência a vós.
Seus juízos consideram que é lícito inventar regras baseadas em
julgamentos pervertidos de suas próprias vontades, eles que tem prometido
seguir e cumprir o Evangelho e as santas inspirações de seus corações.
Eles fazem uma demonstração de assumir o incorruptível manto da justiça
próprio daqueles que oferecem o sacrifício eterno, de modo que através da
malícia e da perversão eles possam ganhar uma reputação de santidade e
justiça. Estabelecer mentiras no lugar da verdade, substituir o zelo pela
oração divina, pelo zelo pela oração a si mesmos, fazer leis baseadas nos
caprichos e considerações de seus próprios corações, as sustentando com
autoridades impropriamente interpretadas, é colocar o retrato do Anticristo
no templo de Deus mesmo antes dele vir, introduzir sua seita antes dele
pregar e combatê-lo antes dele chamar de novo.
Em tempo, pela disposição misericordiosa do Pai dos aflitos pobres
homens, o ministro geral morreu e seu sucessor foi Irmão Raimundo
Gaufredi , da província de Provença, um gentil, piedoso homem e um
amante de todas as boas coisas. No processo de visitar as várias províncias
da Ordem, ele afinal veio para as Marcas. De acordo com o costume, um
capítulo provincial foi reunido e depois da proclamação de várias correções
lá, ele começou a examinar e perguntar acerca dos irmãos aprisionados. Em
que erro ou seita, superstição ou depravação estavam eles envolvidos de tal
maneira que eles pudessem ser punidos com tão severa sentença? Ele leu a
sentença, mas não pode encontrar nenhum crime específico, heresia, ou
outra má ação especificada. Quando ele ouviu do ministro, definidores do
capítulo e custódios que aqueles irmãos não eram culpados de nenhum
outro crime a não ser o excesso de zelo e observância da pobreza, ele
replicou: “Se apenas a Ordem inteira fosse culpada de tal crime!
Então ele imediatamente ordenou que todos eles fossem libertados de suas
prisões e trazidos a ele. Ele os recebeu graciosamente e lhes falou com
afabilidade, os exortando a perseguir o santo desejo deles com paciência e
perseverança. Ele de bom grado os concedeu tudo o que eles pediram para
a salvação de suas almas.
E visto que aquele devotado homem de Deus, Barão Hetun, rei da Armênia,
tinha solicitado através de seus mensageiros e cartas especiais que o
ministro geral enviasse a eles irmãos cujas vidas fossem santas de modo
que ele e outros líderes principais do seu reino assim como o clero e o povo
pudessem ser edificados por suas palavras e exemplo, o ministro enviou ao
Rei Hetun os irmãos libertos da prisão, a saber, Ângelo e Tomas de
Tolentino (agora martirizado), Marco de Montelupone, Irmão Pedro de
Macerata e outro irmão chamado Pedro (obs do tradutor: este é o próprio
Ângelo Clareno). Ele acreditava sem dúvida que em fazer tal coisa ele
satisfazia a solicitação do rei. Tampouco foi equivocado o ministro geral
em pensar tal coisa, pois ele contentou o Rei, os barões, religiosos e o clero
mais do que ele podia ter acreditado.
Aqueles na Armênia sentiram que acolheram e encontraram neste grupo
não homens comuns, mas verdadeiros discípulos de Cristo e dos apóstolos.
Quando eles estiveram na Armênia por um tempo, o rei enviou ao ministro
geral, através de mensageiros e cartas especiais, reiterados agradecimentos
por ter enviado tais pessoas a ele. Quão efusivamente ele elogiou aqueles
irmãos luminosos para todos no capítulo geral em Paris, onde a carta foi
lida a fim de refutar certos inimigos da verdade que estavam murmurando
contra o ministro por causa de sua decisão de enviá-los.
Além disso, dois grandes barões e outras pessoas importantes foram
enviados aos reis da França e Inglaterra. Era um grupo que conhecia
perfeitamente a língua francesa. Eles disseram mais coisas boas sobre os
irmãos do que as cartas haviam dito. Aquilo acabou com o murmúrio. O
ministro geral exultou, se encheu de alegria e admiração por como o
trabalho da Divina Providência fez as cartas e os embaixadores
contribuírem neste assunto. Como resultado o ministro não só foi
desculpado perante todos, mas elogiado por ter agido de tal modo santo e
com bom resultado. O rei, o clero e todo o povo louvaram o
comportamento dos irmãos.
A reputação deles para a santidade e bom comportamento se estendeu aos
irmãos na Síria. Estes, em vez de ficarem alegres por isso como deveriam
ficar, foram tomados por tal raiva (particularmente os irmãos no convento
em Accon, onde o guardião era um certo Irmão Paulo, que tinha sido o
companheiro do ministro provincial nas Marcas quando a impiedosa
sentença foi passada contra os irmãos) que o ministro provincial,
pressionado pelos irmãos, escreveu cartas difamatórias ao rei e barões,
falando não só por si mesmo, mas por todos os irmãos na Terra Santa. Eles
admoestaram que os irmãos que eles tinham recebido e dito que eram
santos (de fato, acreditavam ser assim), deveriam ser vigiados com a maior
cautela, porque eram homens perversos que tinham sido separados do resto
da Ordem, condenados como cismáticos e heréticos e sentenciados a prisão
perpétua.
O rei discutiu com seus sábios conselheiros a carta que tinha sido enviada a
ele e em seguida convocou os irmãos. Primeiro ele pediu para ver suas
ordens e as cartas comuns que eles trouxeram com eles. Então ele lhes
mostrou a carta difamatória enviada pelo ministro e irmãos da Síria.
Quando eles leram esta carta, eles honestamente narraram a ordem dos
eventos a ele. Quando o rei ouviu a explanação deles, uniu-se a eles por um
mesmo forte vínculo de amor. A raiva da comunidade de irmãos contra eles
era implacável, embora o ministro provincial, tendo encontrado e ouvido
dois irmãos que vieram a ele por causa das cartas que ele havia enviado,
reconheceu sua culpa e prometeu que no futuro suas palavras a atos seriam
favoráveis a eles.
Mas a raiva dos outros irmãos continuamente aumentava. Irmão Pedro de
Macerata foi para Chipre e foi recebido de modo cordial e amoroso pelo
ministro na casa em Nicosia. Num certo dia de festa o ministro pediu a ele
para pregar aos irmãos, ao rei e a outros que estavam presentes. Quando
Pedro foi para a casa em Paphos, o guardião e certos irmãos com ele, em
desprezo as ordens do ministro, o detiveram como um excomungado e,
embora o tenham recebido no refeitório, não o deixaram entrar na igreja,
especialmente para celebrar a Missa.
Por isso, sentindo que os irmãos na Síria estavam continuamente
exasperados pela estada deles com o rei, os irmãos foram ao rei e
explicaram porque eles tiveram que partir (algo que o desagradava muito),
então divididos. Alguns tinham apelado ao ministro geral enquanto outros
retornaram as suas províncias. Quando o Irmão Pedro de Macerata e seu
companheiro, frágil de corpo e doente, viajaram através das Marcas de
Ancona, eles não conseguiram por nenhum meio obter do Irmão Monaldo,
vigário do ministro provincial das Marcas, permissão para demorar-se em
qualquer casa da província antes de se apresentarem ao ministro geral.
Pedro Marrone tinha a pouco se tornado papa. Portanto isso parecia bom
para o ministro geral e todos os principais irmãos nos quais Cristo e seu
Espírito habitavam em seus pensamentos , especialmente de Conrado de
Offida, Pietro de Montecchio, Jacopone de Todi, Tomaso de Trevi,
Conrado de Espoleto e outros que aspiravam observar a pureza da Regra,
que Pedro de Macerata e seu companheiro iriam ao Supremo Pontífice.
Ambos haviam estado em condições familiares com ele antes de sua
eleição e ele foi confidente de suas boas intenções. Eles lhe perguntaram se
a eles e a outros irmãos que desejavam e amavam observar a Regra pudesse
ser dada permissão para fazê-la sem aborrecimento e interferência de
outros que por sua própria escolha tinham caído da fiel e pura observância
da Regra exigida por São Francisco em seu Testamento e outros escritos.
Senhor Celestino sabia dos muitos santos irmãos do passado e era um
sincero, ardente amante e observador de toda a pobreza, humildade e
perfeição evangélica. Ele sinceramente amava e admirava cada verdadeiro
servo de Cristo e amante da perfeição. Ouvindo deles sua presente situação,
seus objetivos, as aflições que eles sofreram, seu desejo para observar a
Regra e a natureza de seus votos, ele aprovou neles o que ele mesmo
ardentemente amava e plenamente servia. Ele louvou suas metas, aceitou
seus votos e ordenou Irmão Liberato e seu companheiro tentarem observar
a Regra e o Testamento fiel e sinceramente como São Francisco desejava
que fossem observados, de fato tentar adicionar mais se eles fossem
capazes de fazer isso. Ele lhes disse que ele sempre tinha amado
semelhante pobreza e tentava observá-la com seus próprios irmãos. Mas
pela ordem do papa e do concílio ele foi mandado a aceitar propriedade se
ele desejasse aumentar o número de irmãos.
Ele absolveu Irmão Liberato e seus companheiros de toda a obediência aos
irmãos e deu a Irmão Liberato plena autoridade para absolver os outros
irmãos ao mesmo tempo da culpa e da punição. Ele o ordenou a exercer
cuidado sobre todos aqueles que desejavam observar semelhante vida. Ele
ordenou os outros a submeterem-se ao Irmão Liberato como se eles
estivessem obedecendo ao papa mesmo. Para preservar a paz e a honra dos
Frades Menores e a Ordem eles não deveriam chamar a si mesmos Frades
Menores, mas sim seus frades e pobres eremitas. Ele os recomendou ao
Senhor Napoleone Orsini , cardeal da Santa Igreja Romana, porque ele era,
como Celestino explicou-lhes, um solícito e liberal promotor de piedosas
causas.
Quando os irmãos ouviram que o Supremo Pontífice havia absolvido o
grupo de sua obediência a Ordem, eles procuraram o lugar onde o grupo
estava parando, alugaram uma turba de homens mundanos e, mesmo
enquanto o papa ainda estava em L´Aquila, em consciente desprezo pela
ordem do Supremo Pontífice e respeito devido a ele, pondo de lado
qualquer senso de temor a Deus, bem como todo o respeito ao amor e a
honra, eles foram armados e tentaram capturá-los.
Uma vez que o Senhor Celestino tinha renunciado ao papado, parecia
conveniente e proveitoso que o grupo devesse se afastar da cólera dos
irmãos e, para a maior paz e bem estar deles, que eles devessem se retirar
para lugares afastados onde, sem causar tumulto ou escândalo, eles
pudessem livremente servir o Senhor.
Nesse meio tempo, Papa Celestino foi capturado por Standardo numa
região conhecida como Vieste (Hestia, em latim) e então levado ao Monte
Santo Ângelo pelo Senhor Patriarca e muitos outros. Os Frades Menores
pediram insistentemente que a eles fosse permitido vê-lo lá. Quando foram
levados ao local, esquecendo toda a modéstia e benignidade, eles
começaram a dirigir tantas maldições, impropriedades e blasfêmias a ele
que o senhor patriarca, que estava presente, ficou transtornado e
imediatamente mandou que eles se retirassem e fossem expulsos do lugar
sem demora.
Quando eles foram expulsos o senhor patriarca perguntou a Celestino: “O
que você fez aos Frades Menores para que eles o odiassem tanto?”
Celestino respondeu na presença do Irmão Nicolau, agora Arcebispo de
Salona, aquilo que mais tarde tantas vezes repetiu aos cardeais e outros
grandes homens da corte papal (eu escutei ele fazer isso):
“Eu nunca fiz aos Frades Menores ou sua Ordem qualquer injúria. Ao
contrário, eu os honrei e considerei como filhos. Mas embora eles
devessem me amar, eles me insultam, me odeiam sem causa e injustamente
me criticam. Havia na Ordem certos santos irmãos cujas vidas e
comportamento eu mesmo há muito tempo sabia com certeza pela
experiência pessoal. Eu dei a esses irmãos a permissão para observarem sua
Regra perfeitamente de acordo com a intenção e a ordem de seu fundador
sob obediência a nós, sem adotar o nome de Frades Menores. Eu queria
exatamente a mesma coisa para meus próprios irmãos quando eles tiveram
um desejo semelhante e verdadeiramente aspiravam elevar-se a semelhante
perfeição”.
Uma vez que Irmão Conrado suportou o peso dessas cinco
tribulações na Itália, exatamente como Irmão Pedro fez além das
montanhas, seria frutífero e proveitoso para todos que amam servir a
Cristo perfeitamente, se nós relatarmos a paciência com que ele suportou a
adversidade e perseverou no bem. Ele juntou-se a Ordem mais cedo que
Pedro João e passou para Cristo no tempo do Papa Clemente. Depois de
sua morte (12/12/1306) ele resplandecia com milagres e enquanto vivo seu
comportamento era celestial. Chamado do mundo para um maravilhoso
caminho, instruído mediante a unção pelo espírito de Cristo, ele viveu
inteiramente em Cristo e sua fé. Assim ele firmemente seguiu nos passos de
São Francisco e adaptou-se inteiramente aos modos de Francisco, tanto que
todos os irmãos que o encontravam afirmavam que eles enxergavam outro
Francisco.
Por mais de 55 anos ele se contentou com apenas uma túnica, que era de
um velho e vil material, remendado com saco e outros pedaços de tecido.
Ele sempre andava de pés descalços. Durante toda a sua vida ele somente
quis ter uma túnica e um cordão. Sua cama era a terra nua coberta com
palha, uma esteira de junco, ou talvez um pano duro. Ele nunca deixava de
orar, vigiar e jejuar. Seguindo o exemplo de São Francisco ele jejuava
durante toda a quadragésimas , isto é, aqueles da Epifania, dos apóstolos,
da Mãe e dos anjos. Até onde podia, ele jejuava longe de todo ruído e
contato com outros.
Ele foi favorecido com a graça divina mesmo em sua infância. Muitas
vezes ele se erguia do solo enquanto rezava, como eu escutei
frequentemente daqueles que o viram de tal modo elevado e em êxtase.
Irmão João de Parma e Pedro João o mantinham em tão grande reverência
que quando ele estava presente eles preferiam ouvi-lo do que eles mesmos
falarem. Conrado mesmo, através do exemplo de sua vida e do puro, fiel
ensinamento que transmitia em suas palavras, tinha gerado em Cristo os
irmãos que estavam sujeitos a tribulação. Além disso, ele tinha feito mais
do que eles e falado mais do que eles em oposição a vida dos outros irmãos
e o estado da Ordem, contudo seus inimigos, contidos e limitados por
alguma força ou por reverência a ele, não deixaram tocá-lo ou afligi-lo de
nenhum jeito.
Quando João de Murrovalle sucedeu Raimundo Gaufredi como ministro
geral e gravemente perseguiu os ensinamentos do Irmão Pedro de Olivi,
seus discípulos e todos que o defendiam de qualquer modo, Irmão Conrado
de Offida foi acusado perante ele de muitas sérias ofensas. Os irmãos se
opuseram a ele apresentando provas na forma de escritos e testemunhos.
Eles o acusaram de louvar e aconselhar o afastamento da Ordem a fim de
observar melhor a Regra; de dizer que nem as declarações nem a Regra
estavam atualmente sendo observadas; de dizer que os irmãos impediam
enquanto podiam aqueles que queriam observar isto; de louvar e promulgar
outra Ordem a qual ele considerava a verdadeira Ordem dos Frades
Menores, e de muitas coisas similares. O ministro geral ficou muito
perturbado.
Quando convocou Conrado, João primeiro leu tudo o que os irmãos tinham
dito e documentado em relação a ele. Então, com grande emoção,
mostrando o intenso pesar que ele sentiu sobre o que Conrado tinha feito,
ele disse: “Eu mal posso conter a mim mesmo de rasgar minhas roupas em
pedaços, exatamente como você dilacerou meu coração!” Conrado viu que
ele estava profundamente comovido e, tendo oferecido uma sincera oração
a Cristo em seu nome, de tal modo o acalmou com um pouco de palavras
humildes e simples, que ele abandonou todas as amarguras em relação a
Conrado. O amor e reverência de João por ele aumentou e desde então até
o afastamento de Conrado de sua vida, João o convocava frequentemente
por causa do conforto espiritual que ele recebia ao vê-lo e ouvir suas
palavras.
Junto com Irmão Giácomo de Monte e Tomás de Tolentino, Conrado
obteve permissão do Irmão João para irem no meio dos infiéis com doze
companheiros que esses três escolheriam e julgariam estar preparados para
a tarefa. Giácomo de Monte, um homem de admirável pureza e santidade,
seria o ministro geral do vigário no oriente. Esses irmãos tinham ouvido
acerca de várias tribulações sofridas por aqueles que tinham ido a Acaia e
Tessalônica no tempo da renúncia do Senhor Celestino. E eles pretendiam
levar o grupo das Marcas de Ancona junto na jornada as terras dos infiéis e
observar a Regra em toda sua pureza com eles, de acordo com a graça dada
a eles pelo Altíssimo. Desse modo eles poderiam libertar esses irmãos das
perseguições que eles sofriam e fortalecerem-se eles mesmos pelo auxílio e
conforto que o grupo ofereceria enquanto eles estivessem juntos entre os
povos infiéis.
Essas foram as tribulações e aborrecimentos sofridos pelo Irmão Liberato e
seus companheiros, as tribulações das quais, movidos por verdadeiro amor,
os três desejavam livrá-los. De fato, Irmão Conrado, contido por não sei
qual oráculo, permaneceu com seus companheiros e não viajou com eles.
Irmão Liberato viveu por dois anos numa pequena ilha, bem adaptado ao
culto divino. Lá ele desfrutou mais do que uma pequena paz espiritual no
Senhor. A fama de santidade deles – a maior causa dos ataques aos servos
de Cristo – se espalhou para outros.
Quando os Frades Menores vivendo naquela região ouviram
acerca do estilo de vida do grupo pelos comerciantes, marinheiros
e daqueles que algumas vezes visitaram a ilha buscando conforto ou
para mostrar sua devoção, eles começaram a se angustiar como se a
própria reputação deles para a santidade tivesse sido tomada deles por
roubo ou violência. Eles não tiveram interesse em buscar a verdade do
assunto, mas para aquietar o pequeno povo (a quem invejavam e feriam)
eles inventaram mentiras e atormentaram de longe o grupo de irmãos com
acusações difamatórias perante os bispos e os barões da região, afirmando
que os irmãos eram Maniqueistas. Por isso, eles disseram, eles não comem
carne ou bebem vinho e porque eles vivem longe dos homens, de modo que
eles não tem que assistir a Missa. Nem acreditam no sacramento do altar
ou acreditam que o papa é o papa real ou a Igreja a verdadeira Igreja. E a
inveja, a pior e mais injusta de todas as maldades, ensinou os frades
Franciscanos a dizerem muitas outras coisas parecidas acerca deles.
Quando os bispos e príncipes ouviram os discursos difamatórios dos frades,
embora eles não acreditassem neles, começaram a ficar alarmados; e,
querendo se certificar sobre o grupo, duas vezes enviaram homens sábios a
ilha. Eles ficaram por um tempo e diligentemente examinaram o que o
grupo estava fazendo. Quando eles viram quão reverente e devotadamente
eles celebravam a Missa, como eles diariamente incluíam em suas Missas
orações para o Supremo Pontífice e a Igreja, e como solícita e
atenciosamente eles diziam as horas canônicas, eles souberam que o que os
frades disseram a cerca deles procedia da inveja e falsas suspeitas.
Retornando a seus senhores, eles relataram o que tinham visto,
brilhantemente exaltando a moral, as convicções e o comportamento dos
irmãos.
Os príncipes e bispos pediram que membros do grupo conduzissem Missas
públicas para o clero e o povo a fim de apagar a infâmia imposta a eles e
que eles pregassem a fé Católica para o povo. Além disso, os bispos
disseram aqueles que jantaram com eles que eles beberiam vinho e
comeriam carne , bem como tudo o que fosse colocado diante deles.
Quando eles reverentemente cumpriram todas as ordens dadas, os
representantes dos bispos revelaram porque eles os tinham ordenado a fazer
aquelas coisas.
Mas os frades de Achaia estavam transtornados pelo que tinha ocorrido e
seu humor mudou da alegria e contentamento para tristeza, amargura e uma
raiva implacável. Tendo determinada a verdadeira situação do grupo, eles
decidiram ir ao papa e difamar o grupo com tão grande e tantas acusações e
acusá-los de tantos crimes que, se o papa quisesse ou não fazer isso, ele
seria forçado a passar uma sentença contra eles como contra os heréticos.
Os irmãos Franciscanos então tinham em João de Murrovale, um cardeal da
Santa Igreja Romana, que tinha sido seu ministro geral, um defensor
disposto a tudo o que eles solicitavam. Com sua ajuda eles foram capazes
de se encontrar com o Supremo Pontífice. Primeiro eles explicaram:
Certos apóstatas da Ordem vieram a província de Achaia e, devido ao
singular modo de vida que eles levam, as austeridades que eles praticam e a
permissão que o Senhor Celestino deu-lhes para fazê-lo (as quais eles agora
sustentam ter e exibir), muitos príncipes e todo o clero mostram a eles tal
devoção que nós não podemos ser bem sucedidos em administrar a justiça
neles.
O referido papa, Senhor Bonifácio, respondeu (como foi relatado pelas
pessoas que estavam presentes, pessoas dignas de fé), “Deixem eles
sozinhos para servir a Deus, eles estão fazendo melhor do que vocês”.
Então os irmãos se refugiaram numa mentira que tinham inventado de
antemão, uma com que eles estavam familiarizados. Sem temer pronunciar
tal falsa afirmação diante de tal homem, eles disseram: “Senhor Santo
Padre, essas pessoas que Sua Santidade prefere a nós são heréticos e
cismáticos. Eles pregam e argumentam por toda a terra que o senhor não é
o papa e que a Igreja não tem autoridade”. E disseram muitas outras coisas
parecidas calculando perturbar a mente do papa.
Enganado por suas mentiras, ele concordou com o pedido perverso e
ordenou que cartas fossem escritas de acordo com o que eles tinham
solicitado. Ele obrigou três prelados a executarem as punições contidas
nestas cartas: o Senhor Pedro, patriarca de Constantinopla e dois arcebispos
de Atenas e Patras.
O patriarca, demorando-se em Veneza, entregou as cartas papais aos dois
arcebispos , cada um dos quais tinha pleno poder para agir. Contudo, o
arcebispo de Tebas, que era um homem instruído, disse quando viu as
cartas enviadas para os irmãos: “Eu não acredito que tais cartas injustas
pudessem ter sido enviadas em nosso tempo da cúria Romana”.
Quando teve oportunidade, ele falou com Tomás de Sola, soberano da ilha
na qual os irmãos residiam, e, repetindo seu comentário acerca da injustiça
das cartas, ele pediu ao soberano que expulsasse os irmãos da ilha e
informasse Irmão Liberato e seus companheiros sobre o conteúdo das
cartas sem demora.
Tendo ouvido sobre o assunto, os irmãos procuraram mais uma vez
apresentarem-se diante do arcebispo de Tebas, mas ele, levado por sua
consciência, desviou sua face deles, e através de seus familiares
secretamente informou-lhes que eles nunca deveriam ousar aparecer
perante ele. Falando de novo com o senhor de Sola, ele o ordenou sob pena
de excomunhão, expulsar os irmãos de seu território tão rápido quanto
possível.
O arcebispo de Patras, que era parente do papa, descobriu como as cartas
tinham sido obtidas e de nenhum jeito quis recebê-las. Ele desenvolveu
uma forte aversão pelos irmãos Franciscanos que as tinham obtido por tais
meios.
O que mais pode ser dito? Os irmãos de Ancona foram forçados a deixar os
territórios sob o domínio Latino num tempo de extrema escassez, na qual
mesmo os ricos estavam limitados no que eles podiam adquirir. Não tendo
nada, eles viajaram pelas proximidades e chegaram no meio das pessoas
que os evitavam como heréticos. Eles tinham ficado lá por dois anos
padecendo muitos trabalhos, muita pobreza e muitas provações, quando o
senhor patriarca retornou de Veneza a Negroponte. Imediatamente os
irmãos da Ordem Franciscana vieram a ele e – para expor brevemente –
obtiveram dele um acordo que os irmãos que tinham sido expulsos
deveriam ser excomungados mais uma vez e uma segunda vez. A carta de
excomunhão foi lida, com o ressoar dos sinos por toda a parte e os freis
eles mesmos, como os procuradores dos patriarcas, apressados aqui e ali
proclamando a sentença. Mas por divino julgamento, quanto mais eles
mostravam a profundeza de sua hostilidade em relação aos irmãos ausentes,
mais eles atraiam sobre si o desagrado daqueles senhores e outros que
tinham algum discernimento.
No fim, depois de todas as más tentativas e manipulações, os frades
ficaram constrangidos de procurar a ajuda dos irmãos mencionados no
começo – Giácomo do Monte e seus companheiros, que já estavam em
Tebas e Negroponte – solicitando que eles tentassem estabelecer a paz
entre os irmãos daquela província e que eles deviam ir aqueles cuja
expulsão e excomunhão pelo Senhor Patriarca eles tinham conseguido.
Aquele senhor, através de uma terrível punição divina, foi removido da
vida uns poucos dias depois da excomunhão (ele morreu em 23 de
dezembro de 1301 –nota do tradutor) . Eles deviam tratar com tantos
quantos deles que soubessem e encontrar algum jeito de alcançar unidade e
concórdia e desse modo parar a difamação entre o clero e os leigos e a
perseguição que tinham produzido. Assim, todos seriam edificados por sua
prudência e amor, através das quais o escândalo seria facilmente finalizado
e o bem piedosamente alcançado.
Respondendo ao pedido dos frades, Giacomo e seus companheiros vieram
aos irmãos, a quem eles há muito tempo desejavam ver, e aquele santo
homem velho foi recebido junto com seus companheiros como se ele fosse
um anjo vindo do céu. Eles se alegraram nas refeições e acomodação - os
quais revelavam verdadeira pobreza – oferecidos a eles pelos irmãos e
proclamaram com satisfação que eles tinham companheiros cujos
propósitos eram os mesmos que os deles. Eles enviaram mensageiros a
João de Murrovalle, que governava a Ordem naquele momento, cumprindo
as funções de ministro geral pela autoridade pontifical. Eles rapidamente
enviaram as cartas de Irmão Giacomo, que era vigário de João e outras do
ministro e irmãos da Província de Romania, suplicando que a Irmão
Giacomo fosse permitido levar Irmão Liberato e seus companheiros juntos
na missão as terras dos infiéis. Tal concessão produziria grande paz entre
os irmãos daquela província. O resultado seria bom para a Ordem e
produziria não pouca edificação entre os leigos e os clérigos.
No entanto, João não seria persuadido a conceder esse pedido nem pelas
cartas enviadas a ele ou tampouco pelas solicitações de Irmão Conrado e
seu companheiro, Irmão Tadeu, a quem João amava acima de todos os
outros no mundo. Ele enviou uma carta a seu vigário ordenando justo o
oposto. Irmão Tadeu sugeriu em sua própria carta que tão grande bem não
deveria ser abandonado pela decisão do senhor cardeal.
Embora o conselho de Irmão Tadeu não ter sido atendido, não obstante
Irmão Liberato e seus companheiros decidiram ir ao papa e demonstrar sua
obediência à Igreja e ao Supremo Pontífice através de suas palavras e
ações, confiando o cuidado de seus corpos e almas a Divina Providência.
No futuro eles nunca , em nome da prudência, escolheriam a fuga da face
dos seus perseguidores como uma solução, mas doravante bravamente se
apresentariam aos seus perseguidores.
Logo, quando Irmão Gonzalvo, o ministro geral, descobriu que Irmão
Liberato tinha retornado com seus companheiros e estavam vivendo num
certo eremitério no Regno, ele foi ao ilustre Rei Carlos da Sicília armado
com as papais e patriarcais cartas de condenação e excomunhão. Ele
conseguiu cartas similares fortes contra os mencionados irmãos de Carlos.
Tommaso de Aversa, inquisidor da heresia, foi chamado por ordem do rei
(a pedido do ministro geral) para iniciar um processo inquisitorial contra
Irmão Liberato e seus companheiros. Isto começou na vila de Frosolone na
diocese de Trivento.
Na vigília de Pentecostes, Irmão Liberato e treze companheiros
voluntariamente se apresentaram ao inquisidor, prontos para apresentar
uma prestação de contas de sua adesão a fé católica. Tendo diligentemente
investigado eles, o inquisidor lhes disse: “Estou perto de deixar essa vila>
Não exigirei que vocês venham comigo, mas vocês devem saber que
passarão por grande tribulação se ficarem e menor se virem conosco”.
Dirigindo-se a Irmão Liberato ele disse: “Palavras não podem expressar o
ódio que os Frades Menores tem mostrado em relação a vocês. Se quisesse
vender você, nunca a carne de qualquer animal em qualquer açougue
alcançaria o preço que eu poderia obter pela sua.
Alguns dias depois o inquisidor partiu com sua família e companheiro. Em
sua viagem ele passou pelo lugar deserto onde Irmão Liberato esteve
residindo com seus companheiros. E eis que subitamente o tempo mudou e
havia uma grande quantidade de trovões e raios. Um raio de luz desceu do
céu e caiu perto do cavalo do inquisidor. Ele parou onde estava e voltou-se
para Irmão Liberato, dizendo: “Irmão Liberato, estou convicto de sua fé e
da dos seus companheiros. Não estou forçando vocês a virem junto
conosco. Veja, nós estamos muito perto de sua morada. Volte para lá se é o
que você quer fazer. Eu o aconselho a vir comigo porque isso significaria
menos tribulação para vocês”. Irmão Liberato respondeu: “Eu prefiro
seguir o seu conselho”.
Quando o inquisidor chegou a Teano com eles, contudo, ele ficou exposto a
repetidas investidas dos frades que – algumas vezes com rogos, algumas
vezes com subornos e algumas vezes com ameaças – insistentemente
exigiam que ele entregasse Irmão Liberato a eles imediatamente porque ele
era o maior apóstata. Embora completamente golpeado por seus ataques, o
inquisidor se manteve em seu propósito. Querendo salvar Irmão Liberato
de suas ciladas, falou secretamente com ele num entardecer depois que o
sol tinha se posto: “Encare, disse ele, que você fique no Regno não por
muito tempo. Parta essa noite pelos mais encobertos caminhos que você
possa encontrar. Se você decidir permanecer no Regno, no entanto, tente
conseguir cartas de recomendação endereçadas a mim da cúria Romana, ou
de algum cardeal. Se você as tiver, então desde que eu seja inquisidor, eu o
defenderei”. Irmão Liberato seguiu o conselho do inquisidor e foi as
pressas com um companheiro a cúria Romana, mas adoeceu gravemente no
caminho e permaneceu incapacitado em Viterbo, na casa de Armênios, por
muitos meses, ignorado por todos. Depois de dois anos o angélico homem
morreu no eremitério de Santo Ângelo em Vena.
Outros irmãos divergiam de qual seria o mais rápido caminho para fora do
Regno a fim de informar seus companheiros que eles estavam partindo e
assim eles permaneceram por alguns dias no Regno. Nesse meio tempo, o
inquisidor retornou a Nápoles e, levado por não sei quais razões ou causas
depois de seis dias ou tanto enviou cartas de piedosa fraude por seu
mensageiro pedindo aos companheiros de Irmão Liberato que
permanecessem no Regno por uns poucos dias (se se pode descrever como
“piedosa” alguma coisa que engana o piedoso e mata de maneira suave as
pessoas). Ele confessou que não tinha feito bem quando deu a Irmão
Liberato e seus companheiros permissão para partirem. Como um pai, ele
pretendia exercitar melhor cuidado sobre o assunto no futuro. Ele
fortemente exortou aqueles companheiros de Irmão Liberato que
permaneceram a não partir, mas em vez disso para enviar a Irmão Liberato
e aqueles que partiram com ele, suas cartas chamando-os para retornarem
tão cedo quanto possível; sua intenção era recomendá-los como fiéis e
Católicos homens ao clero e ao povo e cuidá-los de modo que desde então
eles não sofreriam dificuldades em seu serviço a Deus.
Eles obedeceram as cartas do inquisidor e, enviando mensageiros com sua
mensagem fraudulenta, mandaram voltar todos os companheiros de Irmão
Liberato, que naquele momento estavam se apressando em se afastarem do
Regno, conforme a ordem dada a eles. Então, viram que o inquisidor
retornou com um bando de homens impiedosos e uma vez que os
companheiros de Irmão Liberato os quais ele tinha primeiramente mandado
embora tinham sido mandados de volta a vila de Frossolone, no primeiro
sermão de Tomaso para o povo ele os elogiou e muitos outros que serviam
ao Senhor em vários lugares. Ele conseguiu juntar 42 irmãos lá.
Quando eles estavam reunidos e ele tinha determinado que Irmão Liberato
não poderia ser encontrado, ele pregou outro sermão ao povo mostrando o
que estava atualmente em sua alma. Com abundante fúria e trovões de
ameaça ele denunciou como heréticos todos que ele tinha reunido lá e
avisou o povo daquela vila que eles arriscavam por em perigo suas pessoas
e propriedades por serem julgados defensores e protetores de heréticos.
Então ele ordenou que eles fossem capturados e mantidos com a máxima
diligência temendo que algum escapasse. Ele também pôs penas específicas
por descumprimento. Daquele ponto, sob o pretexto de exercer sua função
inquisitorial, ele voltou com tamanha fúria e animosidade para extorquir
dinheiro descaradamente do clero, leigos e monges que ele parecia a todos
impelido por um espírito maligno antes do que regrado pelo senso ou
vontade humana. Ele prendeu o prior de Santo Onofre, o filho de um
cavaleiro, no alto de uma torre de um castelo Capuan, junto com um certo
sacerdote principal. Ele afirmou que o prior tinha murmurado contra o papa
Bonifácio e que o sacerdote principal havia concedido hospitalidade ao
Irmão Liberato e seus companheiros.
Eles fez muitas outras coisas cruéis e impiedosas parecidas, tantas que para
explaná-las, exigiria um tratado de grande tamanho. Colocando de lado
toda modéstia e retidão moral e pisando sob os pés todos os estímulos da
consciência, ele descaradamente devotou toda a autoridade e força de seu
ofício à crueldade e à extorsão de dinheiro.
Além disso, envolvendo a si mesmo em mentiras, ele enviou cartas ao
senhor rei e outros príncipes por especial mensageiro, avisando-os que
tinha capturado quarenta heréticos da seita de Dolcino, Lombardos de
nacionalidade, que recentemente tinham entrado no Regno, a fim de
espalhar o veneno de seus erros. Quando Senhor Andrea di Isernia leu essas
cartas, ele as enviou para dois dos companheiros de Irmão Liberato e
perguntou a eles: “Havia algum irmão lombardo com vocês?” Eles
responderam: “Não, Senhor, nem o inquisidor detém qualquer um nascido
na Lombardia, exceto um certo irmão apóstolo a quem ele por acaso
encontrou vagando e prendeu”.
Então o Senhor Andrea escreveu ao inquisidor informando-lhe que pessoas
dignas de confiança tinham lhe dito que entre todos aqueles que o
inquisidor tinha capturado havia somente um lombardo. Ele o aconselhou a
cuidar da dignidade de seu ofício inquisitorial. Ele lhe recomendou como
um bom amigo a aderir a verdade ao cumprir seus deveres, porque sem isso
nem o julgamento humano nem o divino é executado com justiça. Quando
o inquisidor leu a carta do Senhor Andrea, ele ficou furioso e
vingativamente voltou toda a sua indignação e raiva aos pobres irmãos que
ele tinha prendido, aos quais o referido príncipe tinha também dado um
lugar para viverem.
E ele enviou aos homens daquela cidade, que amavam os pobres irmãos
profundamente, uma convocação para aparecerem perante ele na cidade de
Trivento depois de um certo número de dias, com uma multa fixa como
pena se eles deixassem de aparecer. Quando eles vieram no dia apontado,
ele os encerrou numa velha cisterna e os manteve lá por cinco dias, com
nenhuma ventilação a mais do que se ele os tivesse prendido num barril de
vinho, nem mesmo os deixando sair para atenderem as necessidades da
natureza. Depois de cinco dias esse novo Dacian tinha um certo lugar na
cidade rapidamente preparado de modo que eles pudessem ser torturados
pelos executores.
Mas quando ele viu que o bispo e outras pessoas importantes na cidade
acompanhavam o espetáculo de tais homens sendo torturados muito
abjetamente, ele mudou seu propósito e, passando através de Boiano, subiu
ao castelo de Maginolfi, um lugar remoto perfeitamente adaptado aos
malfeitores, com um senhor corrupto o suficiente para conspirar com seus
próprios planos malignos. Pra lá ele mandou os prisioneiros, os quais ele
tinha arrastado junto com ele atrás, acorrentados e que estavam exaustos
pela viagem, colocados sob guarda pesada. No dia seguinte ele os visitou e,
comprometendo-se com uma terrível praga disse: “A não ser que vocês
confessem a mim que são heréticos, possa Deus fazer assim e do mesmo
modo a mim se eu não matar todos vocês direito aqui com uma variedade
de torturas e tormentos. Se, como eu peço, vocês confessarem a mim que
erram ou erraram em alguma ou outra, eu os darei uma pena leve e os porei
livres imediatamente”. Os irmãos responderam que ele não deveria lhes
pedir que dissessem alguma coisa que não fosse verdadeira. Dizer uma tal
mentira pecaminosa causaria morte a suas almas e ofensa a Deus. O
inquisidor furioso escolheu um deles que parecia mais ardente do que os
outros e que era um sacerdote e ordenou que ele fosse torturado. O
torturador entrou com seus assistentes e amarrou as mãos do prisioneiro
atrás de suas costas. Então ele o ergueu para cima por meio de uma roldana
fixada no telhado da casa, que era muito alta. Depois que o prisioneiro
tinha ficado pendurado lá por uma hora, a corda foi solta repentinamente. A
idéia era que, quebrado pela intensa dor, ele estivesse derrotado e
confessasse que ele tinha sido uma vez um herético. Depois de ter sido
levantado e subitamente baixado muitas vezes, eles perguntaram se ele
confessaria que ele era ou tinha sido um herético. Ele respondeu:
Eu sou um fiel e Católico Cristão, sempre fui e sempre serei. Se eu disser
alguma coisa além, você não deve acreditar em mim, porque somente teria
dito isso para escapar da tortura. Deixe essa ser minha confissão perpétua
para você, porque essa é a verdade. Qualquer coisa a mais seria uma
mentira arrancada por tortura.
Fora de sua consciência pela raiva, o inquisidor ordenou que, vestido com
uma curta túnica, o prisioneiro fosse posto primeiro num banho de água
quente e em seguida num frio. Então, com uma pedra amarrada a seus pés,
ele foi levantado de novo, mantido lá por um espaço de tempo e baixado de
novo e em suas canelas foram enfiados juncos tão afiados como espadas.
De novo e de novo ele foi puxado para cima até que na décima terceira
elevação a corda se rompeu e ele foi lançado por terra de uma grande altura
com a pedra ainda amarrada a seus pés. Enquanto aquele destruidor da fé
ficou em pé olhando pra ele, ele ficou deitado lá meio vivo, com seu corpo
destruído. Os serventes do homem pérfido tomaram o corpo e livraram-se
dele numa cloaca.
Aquele inquisidor, embora fosse um homem instruído e de nobre família,
estava tão demente pela fúria que começou a infligir tortura com suas
próprias mãos. Quando um dos irmãos que estava para ser torturado
devotamente recomendou a si mesmo a Cristo, ele ficou tão louco com
raiva que deu uma pancada na cabeça do homem e no pescoço. Ele golpeou
o homem tão forte que o derrubou no chão como uma bola. Dias depois o
pescoço e a cabeça do homem estavam feridos e suas orelhas zumbindo.
Outro irmão teve sua cabeça amarrada na presença do inquisidor e a
amarração foi apertada até que os torturadores ouviram os ossos de sua
cabeça estalarem, após o que eles finalizaram a tortura e o retiraram para
morrer.
O inquisidor encontrou dois meninos no grupo. Um ele levou consigo para
jantar depois de tê-lo torturado com carência de comida. Tendo feito ele
beber um vinho sem água, extraiu dele – e naquele estado ele não sabia o
que afirmava ou negava – um testemunho de que os irmãos que ele
defendia eram heréticos. Uma vez que ele tinha obtido essa declaração dos
dois, os outros disseram pra ele: “Nós lhe dissemos que somos fiéis e nós
repetimos isto agora. Escreva o que você quiser”.
Agora, saciado pelas torturas que tinha infligido neles, ele deixou Irmão
Vicente, o primeiro que ele tinha torturado, para morrer. Certos outros que
eram conhecidos de todos, pessoas das quais ele tinha sido incapaz de
extrair qualquer espécie de confissão, ele ao açoitou publicamente e então,
tendo mutilado suas roupas, ordenou que eles retornassem a suas casas.
Para envolver ele mesmo num espetáculo e amontoar opróbrio nos servos
de Deus, ele tinha os irmãos avançando vagarosamente por toda parte atrás
dele em grilhões. Ele ordenou certas virgens e mulheres de penitência
serem levadas para Isernia como heréticas. Incapaz de induzi-las por
qualquer ameaça ou tortura a denunciar a si mesmas ou outros como
heréticos, ele as surrou em público e então as mandou para casa.
Por acaso, um dos companheiros de Irmão Liberato, um homem chamado
Tomaso, que tinha sido libertado, se reuniu a outros e, tendo escutado que
eles tinham dito ao inquisidor que escrevesse o que quisesse (protestando
no entanto que eles eram Católicos), ficou fortemente movido pelo espírito
para dizer a eles:
Vocês recusaram a Cristo e sua verdade e mataram a si mesmos junto com
todos os seus companheiros que vocês acusaram de serem heréticos,
embora eles sejam Católicos. Deus nunca terá piedade de vocês a menos
que vocês publicamente retirem o que disseram e digam ao inquisidor que,
temendo sua impiedosa vontade, vocês disseram aquilo a fim de salvar a si
mesmos da força de sua fúria, temendo que ele matasse vocês. Agora falem
com coragem e comuniquem a ele que, se ele quiser ser o assassino de seus
corpos, ele pode realizar seu desejo, porque vocês se recusam a entregar
suas almas ao demônio pela confissão.
Na próxima manhã, quando o inquisidor veio a eles, todos protestaram de
uma só vez:
Nunca em nossas mentes ou fala, nós confessamos ser heréticos. Nós
dissemos – e isso é a verdade – “Nós somos Católicos! Escreva o que você
quiser!” Desde que você tinha planejado matar nós todos num lugar
abandonado, nós tentamos adiar que fizesse isso com essas palavras, que
são mais uma indicação de sua vontade do que nossa confissão. Agora,
contudo, destrua até a extinção como lhe for agradável! Nós confessamos e
afirmamos a inteira verdade que diz respeito a nós mesmos e a todos os
nossos companheiros, a verdade como se mantém aos olhos de Deus, em
nossas consciências e, estamos certos, em sua própria consciência também,
isto é, que nós verdadeiramente fiéis, sempre fomos e sempre seremos até o
fim, além disso nós acreditamos, sempre acreditamos e sempre
acreditaremos até a morte. Escreva o que nós agora confessamos e então
estamos confessados. Retire o que lhe dissemos no começo, “Escreva o que
você quiser”.
Tendo ouvido isso, o inquisidor se voltou para Irmão Tomaso e disse:
“Essa é a sua pregação, Irmão Tomaso! Mas eu estropiarei tanto sua carne
e ossos que a sua insolente soberba não terá força para ensinar e falar de
tais assuntos”.
Ele ordenou que Irmão Tomaso fosse afligido com várias torturas, mas o
castelão do rei, que tinha estado presente quando o inquisidor falou tão
enfurecidamente, disse pra ele: “Por cima de meu cadáver! Tal injustiça
não será perpetrada neste castelo, aqueles homens que mantém a fé católica
e confessam isto deveriam ser torturados de modo que eles negarão isto”.
E temendo que a verdade do caso pudesse chegar aos ouvidos do rei, o
inquisidor desistiu de seu plano maligno e não ousou aborrecê-los mais
adiante com tais tormentos ou conduzir uma investigação inquisitorial
adicional que dissesse respeito a eles. No entanto, da vigília de Pentecostes
a natividade de Nossa Senhora, um espaço ao redor de cinco meses, ele os
perseguiu e afligiu de várias maneiras, de modo que muitos morreram do
que tinham sofrido na prisão ou fora dela.
Durante a semana na qual estava para pronunciar a sentença final, o
inquisidor adoeceu, de maneira que outro a proclamou. Eles primeiro
seriam conduzidos nus e amarrados pelos quarteirões da cidade de Nápoles.
Então seriam açoitados, marcados com uma cruz e expulsos do Regno.
Nenhum erro específico foi atribuído a eles na sentença, nem foram
corrigidos ou admoestados pelo inquisidor no que diz respeito a qualquer
pecado ou imperfeição na palavra ou ação que eles devessem evitar no
futuro.
Deus, contudo, não deixou de espalhar os ossos daquele que tinha tratado
seus pobres fiéis tão cruelmente e de tão terrível maneira, mas quebrantou
os dentes de sua boca e quebrou suas fauces. Vendo que era chamado para
um terrível julgamento, ele mentalmente retratou o erro que tinha cometido
e ordenou que parte do dinheiro que ele tinha injustamente tomado do
prior, do arcebispo e outros com prejuízo as suas reputações e figuras, fosse
restituído a eles. Em pouco tempo ele restituiu tudo. Deitado no leito de sua
amargura, ele suspirou dizendo:
É bom que eu esteja fazendo a restituição de um pouco do dinheiro que
tomei dos outros, pelo menos tanto quanto eu possa; mas o que direi à Deus
no que diz respeito ao fato que, simplesmente pela perversão de minha
vontade, eu perversamente oprimi, mentirosamente difamei, cruelmente
tratei e injustamente passei julgamento em alguns dos melhores servos de
Deus que vi em minha vida?
E com essas palavras – não ditas muito tarde, esperemos – como se em
desespero ele se apresentasse a sentença e julgamento de Cristo, o mais
justo juiz, deixando nas mentes de todos os presentes pesar e dúvida no que
diz respeito a sua salvação. Ele se apresentou a Cristo, a quem ele tinha
aprisionado e traído em seus pobres, buscando agradar aqueles que ele não
amou – isto é, os Frades Menores – a quem ele tinha sempre combatido e
por aquela oposição que ele tinha sofrido com não pouca pressão do Papa
Nicolau III. Cristo, a quem ele tinha aprisionado, crucificado com várias
torturas de um modo novo, desconhecido e extremamente perverso,
buscando estabelecer um ídolo de mentiras no templo dos corpos e almas
de seus servos, subvertendo seu ofício da inquisição. Portanto, o inquisidor
foi feito um corruptor de almas e genuíno pregador do Anticristo sob o
nome de Cristo. Ele que estava servindo como um legado de Cristo
procurou exterminar os servos de Cristo e assim astutamente perseguiu
Cristo neles.
A esse respeito ele excedeu os judeus e pagãos em maligna maldade,
porque (como o apóstolo diz) os judeus, se eles tivessem sabido com
certeza que Cristo era o senhor da glória, nunca o teriam crucificado. Os
reis dos pagãos, em obediência aos demônios que eles cultuavam em ídolos
como verdadeiros deuses, pensavam que estavam agindo justamente
quando combatiam os Cristãos, a quem os pagãos viam como pessoas
orgulhosas cheias de superstição mágica. Mas esse inquisidor, embora um
Católico Cristão, astutamente perseguiu e torturou pessoas inocentes num
esforço de fazer que eles negassem a fé em Cristo que eles tinham. Ele
tentou fazê-los confessar algumas heresias do demônio e que adoravam o
demônio nessas heresias. Desse modo, foi justo que seu fim fosse amargo e
inesperado, porque ele implacavelmente provocou a cólera de Deus. Assim
ele foi tirado mais dolorosa e repentinamente da vida, porque Jesus Cristo
em seu julgamento dele ofereceu uma prévia do julgamento que ele
passaria em todos os outros semelhantes a ele. Ele virá sobre eles como um
ladrão na noite, enquanto eles descansam seguros em suas falsidades e
depravações. Excluirá pela mais dolorosa morte, serão separados e seus
destinos determinados junto com os hipócritas.
A quinta tribulação da Ordem tem um fim particular na morte do santo
homem Pedro João e na deposição do ilustre homem Irmão Raimundo
Gaufride do ofício de ministro geral e na renúncia e morte do Senhor Papa
Celestino V (que foi um monge no hábito e no nome, verdadeiramente um
dos pobres evangélicos em seu comportamento e atitude e um verdadeiro
Frade Menor em sua humildade).
Contudo, na medida em que os remanescentes desta tribulação são
afetados, houve um fim comum na perseguição cruelmente lançada contra
o antes mencionado homem por João de Murrovale e todos os irmãos na
província de Provença que se opunham a Pedro João, condenando seu
pensamento pela autoridade própria do ministro e pela autoridade da
Ordem inteira, bem como nas perseguições sofridas por Irmão Liberato
com seus companheiros só por observar a Regra e a vida prometidas no
voto, uma perseguição que durou até a morte do referido corruptor da fé.
Tampouco é a visão contrária a que uma certa pessoa é dito ter recebido de
um anjo do Senhor antes da eleição do Senhor Celestino, isto é, que por
vinte e oito anos após sua renúncia uma grande tribulação perduraria. Além
disso, cada uma das três tribulações finais ambas da igreja e da Ordem é
dito serem grandes. Então as sete tribulações da Ordem estão para serem
completadas durante a sexta tribulação da igreja. A seguir o começo da
seguinte tribulação sucede enquanto a anterior está ainda em meio-curso.
Notavelmente, a pessoa que viu aquela visão também ouviu alguns detalhes
particulares os quais ele não comunicou (nem comunicou a ninguém).
Quando perto do fim do sétimo ano do Papa Bonifácio, aquela pessoa foi
informada sobre aquele período de vinte e oito anos, disse (tendo sido
colocado no meio de muitos servos de Deus) uma extremamente notável,
específica questão esclarecendo os períodos da Ordem no sexto dia e na
sexta hora do dia.
No centro de uma certa casa de hóspedes de um monastério dedicado ao
grande nome de Nossa Senhora, onde haviam quarenta ou mais religiosos,
ele repentinamente viu que uma mesa de leitura coberta com um pano tinha
sido posta. E eis que um diácono vestido em paramentos levíticos apareceu
carregando um livro com sete selos e o colocou na mesa. E um diácono
veio para abrir o livro e abriu o sexto selo do livro a fim de ler o que estava
na sexta parte do livro.
E quando ele viu o que estava contido na sexta passagem, transformado em
mente e corpo, ele não pode conduzir a si mesmo a ler o que tinha vindo
para ler e, dissolvendo em lágrimas, em silêncio e inexprimível gemido, ele
mostrou ao vidente o que estava contido no livro. Dizia respeito
inteiramente ao que ocorreria na sexta tribulação da Ordem, coisas a serem
feitas pela Ordem mesma ou pela autoridade dos superiores, todas elas
dignas de lamentação e tristeza, como nós mesmos agora discernimos das
coisas que nós vemos acontecendo, tampouco eu penso que eles pudessem
ficar ocultos de qualquer um que tinha o espírito de Deus, mesmo se ele
pudesse desviar seus olhos deles.
Talvez seja melhor ficar calado do que dizer alguma coisa sobre os eventos
ocorridos no fim dos vinte e oito anos ou mais ou menos incidentes que
dizem respeito a sexta tribulação, eles com dificuldade poderiam ser
explicados, mesmo com muitíssimas palavras. O diácono os descreveu
melhor pelo silêncio do que pela linguagem, e melhor pela lamentação do
que pelo escrito. Assim, para relatar todas aquelas ocorrências que
pertencem a sexta tribulação e a sétima (as quais começam enquanto os
vinte e oito anos estavam além, no vigésimo nono ano e que envolveu,
expressou e manifestou a sabedoria do mais alto julgamento de Deus, bem
como seu inescrutável conselho) fatos visíveis e claros suficientes em si
mesmos, acontecimentos incluídos dentro do âmbito da sexta tribulação da
igreja – de modo que todos possam ver o modo como as sete tribulações da
Ordem são distinguidos – significará a obediência a ordem dada a mim, não
conseguindo de nenhum jeito satisfazer a expectativa dele que expediu a
ordem. Em fim, contudo, somente uns poucos eventos serão recordados dos
muitos que tiveram lugar durante as sete revoluções pelas quais a Ordem é
revolvida em direção ao seu fim terreno.
A SEXTA TRIBULAÇÃO
Hipocrisia produz cegueira da mente e do coração e falsidade está
associada à vaidade. Quando um hipócrita busca consideração e louvor
humanos, inveja escoa dentro de seus ossos, corroendo e devorando eles
por dentro como a ferrugem faz no ferro ou uma traça na roupa. De fato,
aqueles que empregam a hipocrisia para revelar a verdade são duplamente
destruídos. Reconhecidos pelo que são, eles no entanto espalham seu
veneno como uma geração de víboras. Inveja produz todo o grande mal no
céu e na terra. Ela obscureceu a mente de Lúcifer e gerou o desejo de ser
exaltado, o que o lançou para baixo do seu lugar da mais alta dignidade.
Ser divino não foi suficiente para ele; ele não podia suportar isso a menos
que ele também fosse considerado ser Deus. Isto é o que introduziu morte e
todo o mal no mundo.
A inveja detesta a verdade e extingui a caridade. A inveja acometeu a
substância, a luz e a vida da humildade, verdade e amor nos professores da
mais nova Regra, tanto os escureceu e danificou que o clero e o povo
recebem deles incitamento, exemplo e encorajamento para o orgulho, a
falsidade e o ódio. A fim de minimizar o mal os irmãos, se alguém os
confronta a respeito disso, criam desculpas para eles mesmos sem nem
mesmo ruborizar.
O coração da pessoa invejosa é cheio de malevolência e traição. Para sua
couraça e escudo, ele põe malícia e estupidez. Quando ela tiver
insidiosamente destruído uma pessoa inocente, ela assume que, no
momento em que ela esconde o crime dos humanos, ela esconde o crime de
Deus também. Mas a pessoa invejosa carrega desespero dentro do seu
peito. Tendo sido entregue às depravações de sua própria vontade e tendo
endurecido seu coração, ela mostra desprezo pelo julgamento de Deus e
considera levemente o peso da justa retribuição. Impugnar a verdade
conscientemente e tornar isto uma mentira é, em sua opinião, proveitoso e
deleitoso para uma amante de si mesmo, alguém motivado por um aguçado,
prudente e rigoroso apetite natural. Ela segue o desejo de sua própria
vontade perversa como se isto fosse regra da equidade. Ela persegue
impiedosamente aqueles que discordam dela e diz que é justo. Sempre que
a inveja se apodera completamente de algum homem que possui a condição
ou autoridade ou poder para perseguir aqueles que ele odeia, então nem
lança ou armadura serão suficientes para protegê-lo. Aos olhos daqueles
com entendimento, contudo, tal comportamento mais claramente mostra de
antemão a forma e a semelhança da fraude do anti-Cristão. Aquilo que
alguém executará pensando, dizendo e acreditando que é piedoso, santo e
justo, uma pessoa invejosa procura chamar de um crime contra a lei e a
majestade e pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo.
Todos os autores e promotores da sexta tribulação estavam maculados e
manchados pela lesiva, corrosiva e consumidora ferrugem do seu maligno
vício, a inveja. Isso foi especialmente verdadeiro daqueles irmãos que , no
tempo do Papa Bonifácio, após o ministro geral ter sido removido,
conseguiram o aprisionamento de muitos santos freis na província de
Provença, perversamente condenaram o pensamento daquele santo homem
Pedro João e , comportando-se como ministros das trevas, violaram seu
sepulcro, ossos e outras relíquias sob a proteção das trevas.
Então aqueles que queriam fugir da destruição pela espada dos
perseguidores ficaram silenciosos, se esconderam ou fugiram. Eles
suportaram o peso da perseguição até Deus ajudá-los através da influência
daquele amante da verdade, Mestre Arnaldo de Villanova, um médico que
falou com Carlos, o Rei da Sicília e o induziu a escrever cartas consistentes
ao ministro geral em defesa dos freis que suportavam injustamente
tribulação na província de Provença.
Naquelas cartas ele informava o ministro geral que se ele não fornecesse
um rápido corretivo para as injustas tribulações, o rei garantia que o
Supremo Pontífice forneceria um. E o mencionado Mestre Arnaldo, ansioso
pela reforma do estado evangélico, secretamente persuadiu o Papa
Clemente a chamar diante dele os freis Raimundo Gaufredi, Gui de
Mirepoix, Ubertino de Casale, Bartolomeu Siccard e o resto de seus
virtuosos companheiros, homens de santa vida e ilustre erudição, como até
mesmo seus inimigos admitiam. Eles foram ordenados, sob estrita
obediência, a informar o papa por escrito acerca de tudo o que eles estavam
cientes na Ordem que deveria ser corrigido.
Tudo isso ocorreu no cumprimento da profecia do santo frei João de Parma,
que predisse e declarou entre outras coisas: “Antes da Ordem poder ser
reformada, precisará existir uma guerra de palavras e um choque de
opiniões”. Isto foi perto do começo da sexta tribulação, a qual é estimada
ter alcançado um fim 28 anos depois da renúncia e prisão do Papa
Celestino. Isto cumpriu as palavras de São Pedro a Cristo: “Encha suas
faces com desonra e eles buscarão seu nome, Senhor”, e a resposta de
Cristo a sua mãe quando ela implorava a ele que reformasse o estado
evangélico: “Eles não deixarão meu povo ir, a não ser que sejam forçados a
fazer por uma mão forte”. Além disso, isto completava aquela fábula do
rústico São Martin a qual São Francisco, de acordo com o testemunho de
Frei Leão, recitava frequentemente e com grande zelo. No ingrato rústico
ele viu uma ingrata Ordem e em São Martin, o Supremo Pontífice. A fábula
significava que a Ordem teria finalmente que ser humilhada e forçada a
confessar e persistir na sua original humildade.
E talvez aquele pontífice que regenerará e os tornará humildes apesar de
suas vontades, será aquele profetizado martelo de ferro que golpeará e
despedaçará o cárcere de bronze, libertando aqueles que estão dentro, de
modo que a luz oculta da lâmpada brilhará forte, iluminando todos e a
beleza do altar escondido na prisão se tornará claro. E o povo dos santos,
fechado na visão, se acercará do lugar secreto descoberto antecipadamente
e receberá a pedra branca e um novo nome de sua mão. E a águia entrará na
caverna com sua prole e governará tranqüila, de um modo desconhecido.
No começo da sexta luta um novo raio, por assim dizer, do sol da verdade e
graça originado de Cristo o sol, criando em diversos lugares muitos
verdadeiros e fiéis confessores e amantes do novo tipo de vida. Então a pior
espécie de homens e mulheres, manchados pela perversa heresia dos
“spiritus libertatis” , vieram adiante como uma turba com espada da boca
do inferno e do príncipe das trevas e entregou as almas de muitos ao
demônio.
Naquele tempo, um tempo no qual Deus enviou ilustres e
apostólicos homens ao mundo, nomeadamente Domingos e
Francisco, Amalric foi enviado pelo demônio para subverter muitos e
arrastá-los para o impuro partido do anti-Cristão “spiritus libertatis”. Eles
foram removidos e exterminados naquele tempo pelo ilustre Rei Felipe da
França com a ajuda do Mestre Raidulphus (que contribuiu com argumentos
inteligentes e autoridades). Eles vieram à vida agora outra vez, quando o
tempo para a reforma da vida de Cristo está perto, à mão, mas foram
descobertos, refutados e erradicados num curto tempo pelo Irmão Ubertino,
com a ajuda do Supremo Pontífice (ou seu legado), algo que nenhum
inquisidor até aquele ponto tinha ousado tentar.
Ubertino, pela devoção e profunda reverência que sentia em relação a
Francisco, o renovador da vida de Cristo, passou um tempo no Monte La
Verna. Foi naquela montanha que um serafim ferido a maneira de Cristo
apareceu a São Francisco e o marcou com cinco ferimentos semelhantes
aos de Cristo. Este até então inédito milagre aconteceu dentro da comunhão
dos santos. Os estigmas marcaram Francisco como um homem a ser
venerado e imitado por todos os fiéis.
Lá, o Espírito de Jesus Cristo ungiu Ubertino e transformou-o a partir da
clareza que ele tinha precoce e livremente recebido de Cristo numa grande
claridade; e em poucos dias ele escreveu naquela montanha um curto,
devoto livro sobre o nascimento, a vida, a pregação, a morte, a ressurreição
e ascensão de Cristo, o envio do Espírito Santo, o governo da Igreja e o
reino da glória. O livro contém a sabedoria e a luz de Cristo e expõe esses
assuntos com fidelidade e pureza. É um trabalho guiado pela sabedoria de
Cristo e escrito de acordo com sua vontade, contendo assuntos necessários
aos simples e proveitosos aos cultos.
O homem que introduziu aquela seita maligna dos “spiritus libertatis” na
Itália foi Gerardo Segarelli. Presunçoso e guiado pelo demônio, ele foi o
fundador daquele grupo chamado “Apóstolos”. Ele teve como discípulo um
certo Stefano que, inspirado pelo demônio e sua própria malícia, foi
perpetrador, profissional e ardente pregador daquela pestilência. Os freis
pregadores o queimaram enquanto seu mestre ainda estava vivo.
Eles foram seguidos por Dolcino, um homem irritado e transtornado pelo
demônio, duplamente contaminado por um outro veneno. A sedução e
perigo fornecidos por ele tinham sido profetizados a muito tempo antes
dele aparecer ou foi mencionado entre os Cristãos. Um dia enquanto ele
estava pregando, um servo de Deus em uma terra além mar viu toda a sua
futura sedução, seu fim e o extermínio que cairia sobre ele e todos os seus
seguidores. Ele também ouviu o nome do anjo que o dominaria e seu
mestre. (ele e seu mestre Gerardo eram ambos possuídos, transtornados e
dirigidos a executar suas novidades pelo mesmo anjo chamado Furio).
De fato, o santo homem Frei Leão, companheiro do Bem-aventurado
Francisco, ficou aterrorizado e estupefato quando viu Dolcino pela primeira
vez. Ele disse:
Esses são aqueles apóstolos preditos por nosso santo pai Francisco, homens
que, tentados eles mesmos, seduzirão muitos outros, falarão das coisas com
orgulho e viverão como animais, atacando o espírito da obediência e
humildade de Cristo. Vivendo sem ocupação lucrativa, eles vaguearão
através das cidades e vilarejos, tendo sua própria vontade como mestre.
Eles entrarão nas casas e serão apanhados em relações familiares com as
mulheres. Ensinando, embora eles mesmos sejam incultos e destituídos da
verdade, prepararão o caminho por mentiras e aceitarão as mentiras
pensando que são a verdade. Infortúnio para o mundo agora que tais
apóstolos apareceram, maldades serão lançadas ao vento.
Um membro da seita dos Apóstolos, um homem chamado Bentivenga,
entrou nos Frades Menores e disseminou na província do Bem-aventurado
a mácula sórdida do diabólico “spiritus libertatis”. Ele aparentava ser um
homem de grande probidade moral, por sua reputação de grande santidade,
atraiu a si muitos seculares, religiosos e clérigos. Ele logrou muitas pessoas
devotas com suas astutas palavras e, cego pelo orgulho de sua própria
reputação, ele se gabava de superar todos os outros em conhecimento no
que diz respeito as coisas ocultas de Deus. Ele não temeu de propor as
errôneas sutilezas de suas loucas idéias a Frei Ubertino, falando a ele como
se Ubertino fosse menos inteligente do que ele.
Quando ouviu o que Bentivenga dizia, Ubertino (que homem Católico!)
quis fazer público as tortuosas insinuações e falsidades daquela serpente de
modo que ele não causaria dano a ninguém mais. Prudentemente, Ubertino
ocultou seus verdadeiros sentimentos e fingiu ser um ávido ouvinte
desejoso de escutar a visão de Bentivenga e assim induzi-lo a vomitar para
fora todo o veneno que ele normalmente mantinha escondido, mas revelado
aqueles que ele considerava seus seguidores devotos. Ubertino então
mostrou a ele e a todos os outros que Bentivenga era vergonhosamente
falso. Daquele ponto em diante Bentivenga, desmentido, perdeu sua
reputação, sua ousadia e sua força todas juntas e foi constrangido a revelar
as insanidades e erros de seus seguidores.
Este Frei Ubertino,vivendo no Monte Alverne na província da Toscana, era
devotado ao fundador São Francisco. Ele foi um fiel testemunho da original
e fundamental perfeição da Regra assim como um sincero e ardente
pregador da verdade evangélica. Por seu exemplo e palavra, animou e
inspirou muitos religiosos, particularmente na província da Toscana, Vale
do Espoleto e nas Marcas de Ancona, guiando-os a pura e fiel observância
da promessa de perfeição. Do verdadeiro amor, ele concordou com os
conselhos de certas santas pessoas e abandonou o silêncio ao qual ele
chegara tão realizado – o qual o tinha capacitado a se concentrar em Deus e
nas coisas celestiais somente – a fim de auxiliar algumas pessoas
espiritualizadas e freis que estavam suportando muitas coisas de seus
inimigos na Toscana e no Vale do Espoleto. Fazendo tal coisa ele
conscientemente atraiu muitos perigos e trabalhos.
Ubertino foi difamado por seus inimigos e acusado de muitas coisas diante
do Senhor Papa Benedito de ilustre memória. Chamado a Roma por aquele
papa na insistência daqueles inimigos, Ubertino foi libertado de um jeito
miraculoso, pela proteção e auxílio de Jesus Cristo, das calúnias dirigidas a
ele e das armadilhas insidiosamente preparadas para ele. Embora ele
mesmo estivesse inconsciente do que estava ocorrendo, depois de alguns
dias os Perugianos enviaram solenes embaixadores ao referido Supremo
Pontífice. Eles vieram com dois pedidos. O primeiro era que ele se
dignasse a devolver a eles aquele luminar de sabedoria e clareza, Ubertino,
que iluminou toda a cidade deles e levou todos a Deus de um modo
especial. O segundo era que eles livremente ofereciam a si mesmos e sua
cidade ao papa como pai e senhor, implorando que ele venha e more lá com
seus senhores irmãos cardeais. Ele, sorrindo, lhes disse: “Vocês preferem
Frei Ubertino do que nós e nossos irmãos e assim mostrado quão pouco
vocês nos amam”. Eles responderam: “Nós estamos mostrando como nós
preferimos mais o espiritual do que as coisas mundanas, porque nós
amamos ambos vocês e ele fielmente e na maneira correta”.
Porque Irmão Ubertino teve que suportar os ataques, a força e o abuso da
sexta tribulação e luta, o Senhor deu a ele conhecimento das Escrituras e
uma aguçada inteligência. Além disso, ele encheu Ubertino com as águas
da sabedoria do Salvador, Jesus Cristo, de modo que ele podia dissolver os
argumentos de seus inimigos como nuvens da face do sol. Isto tornou-se
claro antes, durante e depois do Concílio, porque ele sozinho entre os
escolhidos desviou a investida dos trinta mil, dividindo do começo ao fim
sua rede de sofismas como se fosse uma teia de aranha, refutando seus
ostensivos argumentos e seus tratados com palavras de visível verdade.
Nem foram capazes de apanhar em armadilha o inocente desde que ele
discutiu a matéria.
Os frades enfurecidos pelas respostas apresentadas por aqueles irmãos que
tinham sido convocados e ordenados pelo papa para entregar escrito as
declarações, começaram a afligi-los e caluniá-los de várias maneiras,
iniciando investigações no que diz respeito a eles e seus adeptos. Os frades
apresentaram várias recomendações no que diz respeito a eles aos auditores
e ao Supremo Pontífice, agindo contra eles com mais hostilidade do que
por qualquer motivo racional. Por essa razão o papa começou a olhar os
frades com mais desconfiança, especialmente quando ele averiguou
cuidadosamente a reputação, estado, comportamento e atividade daqueles
irmãos que ele tinha convocado e diligentemente questionou o ministro
geral e sua comitiva acerca deles em sua ausência, particularmente no caso
de Ubertino de Casale, visto que ele era um italiano.
Clemente recebeu testemunho afirmando que todos os irmãos eram pessoas
firmes em sua fidelidade aos seus votos religiosos e seu caráter moral,
homens ilustres em sua erudição, especialmente Frei Ubertino (a cerca de
quem ele tinha especialmente perguntado). Então ele decidiu que todas as
recomendações feitas pelo ministro geral e a Ordem contra aqueles que ele
tinha convocado deveriam ser consideradas como não tendo força.
Em resposta a essa decisão os frades simplesmente se tornaram ainda mais
exaltados e, em vez de obedecer como eles deveriam, trataram de insistir
que perseguir e injuriar os irmãos era “um sacrifício da manhã ao
entardecer”. Isto chegou ao ponto onde um dos mais audaciosos entre eles
não se envergonhou de anunciar publicamente que ele tinha envenenado os
Freis Raimundo Gaufreddi, Gui de Mirapoix e Bartolomeu Sicard do
mesmo modo que outros freis. Esta história se espalhou pela corte papal
inteira. O papa muitas vezes se queixou – especialmente no Concílio de
Viena – no que diz respeito a desconsideração e desobediência mostrada
pelos frades.
Se alguém procurasse (eu não digo explicar, mas simplesmente registrar)
tudo o que procedeu no período da sexta tribulação, esse alguém teria que
preencher muito papel. Mesmo o que foi feito por Frei Ubertino ou Frei
Bonagrazia não poderia ser explicado num grande volume. Bonagrazia foi
derrotado por Ubertino em todas as batalhas verbais, mas o resultado foi
que ele simplesmente se tornou mais furioso. O Senhor Papa Clemente,
embora fosse de temperamento pacífico, um homem simples e lento para se
irar, finalmente expulsou Frei Bonagrazia da corte papal e o enclausurou de
modo que ele não pudesse por muito tempo se envolver em tal
comportamento litigioso. Uma vez que o papa estava morto, Bonagrazia
imediatamente violou a ordem dada a ele e veio para Lyon. Punido pelo
Senhor Hostiensis, de abençoada memória, no que diz respeito a sua
desobediência e modos litigiosos (nos quais ele se envolveu sob o pretexto
de defender a Ordem), ele respondeu:
Senhor, vós sabeis muito bem que, mesmo que eu devesse ser condenado
por isto, era conveniente pra mim defender a Ordem de todas as injúrias
infligidas a ela pelos frades que o papa convocou e seus adeptos e pelos
defensores das visões de Pedro João e pelos beguinos e fraticelli e todos
aqueles como eles.
Foi como se Bonagrazia pensasse que os irmãos, por obedecerem o
supremo pontífice, por dizerem a ele a verdade no que diz respeito aos
assuntos acerca dos quais ele perguntou, por levantarem-se pela verdade
através do amor e por manterem a humildade no pensamento, teriam de
algum modo proferido uma horrenda e sem precedente calúnia dirigida a
Ordem.
Se realmente a Ordem é a guardiã de seus membros e se esse papel exige
que o rebanho seja subordinado ao pastor e os membros ao chefe, então
difamar e buscar vingança contra aqueles em obediência ao pastor e chefe,
capciosa e fraudulentamente introduzir falso testemunho contra eles, matá-
los com veneno, defender a injustiça como se fosse justiça e mentiras como
se fossem verdades, é certamente – não importa quem faça isso – subverter
a estabilidade da Ordem e destruir sua própria existência. Tais ações não
podem ser consideradas qualquer coisa mais ou menos do que, como
Haman o Agagite, buscar de uma enganosa e injusta maneira, a definitiva
exterminação dos oprimidos em injúria e sofrimento.
Por conta disso o rei passará a noite de tribulação sem dormir e – a verdade
intervir – Haman atrairá para si o pesar que ele tinha preparado para
Mardoqueus. O coração do rei será convertido e ele dirigirá a dor de volta
sobre aqueles que tem causado isso injustamente. Sob o olhar atento do
justo juiz, que se descontenta por qualquer ultrapassagem dos limites de
equidade, um manancial de graças será aberto para os pobres. Depois de
Deus ter por muito tempo observado enquanto aqueles que odiavam e
atacavam sem motivo a justiça de sua lei terem semeado suas sementes
durante seis revoluções dos tempos, na sétima ele os verá obedientemente
recebendo os frutos das sementes que eles semearam, de modo que eles
considerarão e distinguirão a mudança dos tempos na qual, por um
movimento retrógrado, eles mudarão do celeste para o mundano, do mais
alto ao mais baixo, do incorruptível ao corruptível e do eterno para as
coisas transitórias e temporais.
Os remanescentes dos humildes receberão uma benção pela qual “eles terão
descendência mesmo numa velha idade e eles serão vigorosos a fim de que
eles possam dar testemunho”. O povo justo dos santos multiplicará suas
raízes e espalharão seus galhos como um plátano, florescerão como uma
palmeira e darão frutos abundantemente como um vale cheio de trigo. Eles
cantarão um cântico de louvor.
A fim de entender como as pessoas que perseguem aqueles irmãos que se
esforçam para edificarem a si mesmos e seguirem a intenção e perfeição do
fundador, todos afastados da verdade, justiça, graça e amor, especialmente
na quinta e sexta tribulações; e entender igualmente a insignificância,
imperfeições, defeitos e ignorância daqueles que mantém a perseguição,
isso ajuda a conhecer os eventos que ocorreram. Voltar, com todas as
nossas forças, com todo o nosso coração, mente, emoção e atenção, para a
tarefa de entender o caminho no qual a humildade, o amor da verdade e a
confissão é o trabalho da perfeição Cristã, através da qual Deus é
magnificado e inclinado a clemência e ao perdão e assim ter um sentido de
humildade, amor da verdade e confissão em todas as coisas e em toda a
parte, verdadeiramente levar a habitação segura de Cristo dentro de nós; e
também levar a incontestável posse do Espírito Santo, os quais são exigidos
se nós estamos a perseverar no mantenimento de tal estado. Liberto das seis
tribulações, nós oramos que Deus nos livre do mal na sétima.
Até agora, de acordo com a sua solicitação (a qual eu sou obrigado a honrar
por várias razões) tenho relembrado, como você pediu, as passadas
tribulações na Ordem, relatando o que ouvi acerca delas daqueles que as
suportaram e também incluindo algo do que fui informado das quatro
legendas que vi e li. Não tenho feito tão ordenado e de uma maneira
adequada como elas merecem, porque não possuo nenhum conhecimento
nem habilidades retóricas (nem eu mesmo aprendi tais coisas); mas narrei a
história fielmente e intencionalmente omiti muitas coisas, de modo que
você, que sabe melhor do que eu o que você quer, possa acrescentar,
corrigir ou destruir o que eu em minha ignorância tenha relatado
imperfeitamente e incorretamente, uma vez que você recebeu de Deus uma
excelente memória, conhecimento e inteligência, bem como habilidade em
falar e escrever.
Senhor, tenho ouvido sua palavra e temido; tenho considerado suas obras e
ficado aterrorizado; tenho notado os sinais e prodígios da força inimiga e
estado assombrado. Tenho visto o enorme nascimento do século e as dores
de parto da virgem diante da sétima que segue a sexta, a transformação da
pomba em corvo, do corvo em víbora, da víbora em salamandra, o veneno
da figueira e a fonte da água da vida, a transformação do galo em um
basilisco atolado na lama, a morte dos pássaros ao olhar rápido dele, a
impiedade da cidade, a agitação das sujas e insensíveis esculturas,
movimento, palavras e som, transmigração sem movimento, escravidão
complacente, oculta e invisível inquietação, o reino infernal se espalhando
além das fronteiras do Filho de Deus, a fortaleza em fuga e a liberdade na
servidão, o rico reduzido a penúria, o erudito feito tolo e o prudente louco e
guiado por ilusões e aqueles que eram usados para uma abundância de boas
coisas, destruídos por maldades ainda não afligidas.
Quanto tempo, Senhor, forte guerreiro, vós que enfraqueceste a morte e o
príncipe da morte, quebrou e abriu os portões da prisão e despojou o reino
dele, o abandonado gritará em seus membros e vós não escutais? Ele
chorará como se sofresse violência e vós não o salvareis? Por que vós
tendes mostrado a ele iniqüidade e fadiga, deixais ele ver rapina e injustiça
dirigidas contra ele? Por que vós tendes visto seus opressores e contudo
conservais calado, enquanto o homem profano espezinha o melhor dele sob
os pés? E vós fazeis homens como peixe do mar e como répteis sem um
guia. Um julgamento legal tem tomado lugar e o conflito tem se
demonstrado mais poderoso. Isto é porque a lei tem sido mutilada e não
tem prosseguido o julgamento, porque o ímpio tem prevalecido sobre o
justo, resultando numa sentença obstinada no erro.
Observe o povo. Olhe, maravilhe-se e fique assombrado, porque uma obra
tem sido feita em seus dias que ninguém acreditará quando for relatada. Eis
que de um rochedo no vale vem o fogo profetizado para o julgamento, as
ramificações tem sido incendiadas e o fogo tem sido dirigido contra todos
os habitantes do rochedo. Seus rostos foram queimados e suas peles
ressequidas como madeira. O fogo estendeu sua chama e queimou as
árvores da floresta. Medo e fraqueza vencem sobre a audácia e a força. A
unidade dos ímpios não sobreviverá. Justiça e julgamento são a preparação
do trono. Realmente, a honra do rei requer justiça.
Vou por em fuga, ele disse, o círculo das mentiras e a obra do erro e eles
serão findados. Eu criarei uma serpente e expandirei suas asas para o oeste,
sul e norte. Ele será erguido e humilhará muitos dos orgulhosos. Ele
seguirá a força da razão impelida pela espada e saberá como mudar tempos
e leis e os estatutos dos velhos tempos; e estragará a natureza, a lei e o
Evangelho. Ele subverterá jovens e velhos, simples e sábios, ricos e pobres,
livres e servos, líderes e seguidores, voltando-os todos à malícia e
concupiscência. Nós todos desceremos ao abismo.
E depois disso nosso Deus apiedar-se-á de nós e nós seremos salvos. Nós
oraremos a ele e a criança de Eva seguirá e amará aqueles que o imitam.
Haverá pestilências, aborrecimentos e alucinações de Satã. O espírito de
Jesus e seus profetas, a miséria e o clamor dos pobres, as orações do
simples soarão contra ele quando a serpente se erguer e dominar, quando o
dragão ambicionar governar, junto com a besta, o tirano desavergonhado, o
homem das mentiras e o filho da perdição. Então Cristo reinará, Cristo
reinará! Amém
O grito da pomba vem do conhecimento das coisas maiores e das coisas
que se aproximam. Depois de tornar conhecido o que ocorreu, atingido o
silêncio ela diz:
A serpente foi e agora vem Fy, a rocha, Fy, a serpente, e Fy, a sabedoria, o
fim, a letra, o espírito, Fy a rocha, Fy a serpente, a conclusão da sexta luta,
morte e vida, em hábito e cinzas e sangue, a realidade da paz e a realidade
das mentiras. Maldades ocorrem ao bom e duplas maldades ao mau. Haverá
santidade e abominação. Haverá uma forte tempestade e uma grande
batalha entre os testemunhos e a besta, a qual Cristo matará através do
espírito de sua boca. Ignorância será substituída pela sabedoria, o cordeiro
nascerá do rochedo e nele ocorrerá a mudança de trono. Depois disso vem
o melhor final que já foi escrito.
Observar a segunda metade do mar, da segunda era. Isto marca o começo
da terceira roda, o começo do ar. O povo virgem está próximo e a primeira
ressurreição brilhará por diante. As coisas velhas passarão. O carro Hebreu
de guerra de Elias atravessará as eras. Na linda luz dos céus, o sopro da
palavra reinará e o emprego da letra cessará. Amor e o gosto da sabedoria
nos ensinarão todas as coisas. A palavra e o espírito nutritivo serão mestres.
Na virgem não existe fluxo mensal de ostentação. Vestida com bom gosto,
puro púrpura, ela aguardará a vinda do cordeiro no fim, como foi
prometido do céu aos santos.
Fy é um duplo gama, figurado por dois gamas, indicando o número seis.
No alfabeto grego, é a vigésima primeira letra e precede a Grega Chi (X).
No alfabeto Latino essa letra X é a vigésima primeira e é seguida pelo Y,
ao qual Fy corresponde no alfabeto Grego. Fy significa Francisco, no qual
a pobreza, humildade e obediência foram atacadas muitas vezes e de muitas
maneiras durante o sexto período da Igreja pela serpente que foi derrubada
do céu, por seus próprios e por aqueles de fora da Ordem, assim como a
Igreja, durante esse mesmo período, terá que suportar ataques da serpente e
várias guerras daqueles que consideram eles mesmos seus familiares. Eles
desejam reinar carnal e orgulhosamente, contra ela e nela, quer eles sejam
Cristãos seculares ou clérigos.
E esses são representados pelos réprobos imperadores, especialmente por
Frederico, que governou no tempo de Francisco, bem como por Saladin e
pelos Tártaros, que ocuparam a Ásia no tempo de São Domingos e
Francisco e causaram inumeráveis maldades no mundo, Saladin no reino de
Jerusalem e Tártaros no leste. Agora, aumentando em número, eles
governam na Ásia, África e uma boa parte da Europa e eles aguardam a
corrente do Jordão em suas margens. Quando a velha serpente tiver se
erguido no filho da perdição, a fim de governar, “então haverá tribulação
como nunca havia ocorrido desde o começo do mundo”. Na letra Chi,
depois das tribulações precederem isto na letra Fy como se no sexto dia, no
qual a iniquidade inunda, especialmente naquelas coisas que trazem os
sinais da justiça, o enfraquecimento da fé e amor aparecerá em quase todos.
Um aumento do vão conhecimento terá silenciosamente substituído o
cultivo da piedade entre aqueles que praticam a penitência. O desejo de ser
considerado instruído é exibido ardente e descaradamente por aqueles que
tinham prometido sempre buscar e amar somente Cristo e ele crucificado.
Cismas e divisões nos leigos, clérigos e religiosos, multiplicação das lutas
no reino de Cristo, apostasia e afastamento de toda autoridade, abstenção
das virtudes, uma diminuição do grupo do santo, de tudo aquilo que alguém
pode ver mais claramente do que a usual liberdade de Satã, como se pode
ver do aumento do erro herético e a divisão da Ordem dos Frades Menores
fosse prevista e profetizada por São Francisco, uma divisão e ser seguida
em breve pela vexação anticristã, exatamente como o mencionado santo
profeticamente predisse. Então seguirá a restauração de todas as coisas
através de Elias, bem como o completo e perfeito aumento do estado
seráfico entre Hebreus, Gregos e Latinos no Fy e X.
Mas a fim de apreciar a estupidez, a fúria e a crueldade de Lúcifer, o
amargo e orgulhoso, certos detalhes devem ser notados, isto é, aqueles
fatos ocorrendo no santo dos santos, no reino da França e na Ordem dos
Menores, que é o humilde oposto a soberba de Lúcifer. Dos primeiros dois
nós não diremos nada, mas somente do terceiro tocando em parte o que
ainda não foi coberto.
Quando o Supremo Pontífice convocou os santos bispos, o douto na lei
canônica e muitos mestres da sagrada teologia no Concílio de Viena para
ouvir e examinar aquelas questões que tinham sido propostas para a
reforma da Ordem inteira pelos irmãos que tinham sido dispensados desta
disciplina, a saber por Ubertino e seus parceiros, de acordo com o mandato
que eles tinham recebido do mesmo papa, líderes da Ordem mostraram tal
crueldade e ódio para com o dispensado e seus adeptos na Provença,
Toscana e no Vale do Espoleto que ficou claro para todos como eles
mostravam pouca ou nenhuma reverência à obediência em relação ao
Supremo Pontífice. Eles mostraram tal ódio implacável em relação aos
irmãos que eles foram forçados por várias perseguições a retirarem-se da
comunidade dos frades e se separarem dela. Eles foram forçados cada um a
sofrer a morte nas mãos deles ou desaparecer da face e do domínio
daqueles que perseguiam eles.
Quando os irmãos que estavam solicitando reforma foram exortados por
eminentes pessoas que amavam eles e a Ordem a por um fim a tal divisão e
conflito verbal, eles responderam com os corações puros que eles estavam
prontos para fazer qualquer coisa que não acarretasse pecado mortal a fim
de ir ao encontro do pedido dos frades e estar em paz com eles. Mas o
restante dos frades se manteve inflexível e eles não podiam ser persuadidos
nem pelos cardeais nem por outros a consentir a reforma do estado regular.
Esses frades sustentavam com persistência que eles observavam a Regra,
deveras mais do que a Regra e que nem na base da intenção do fundador
(visto que eles entendiam a Regra bem como o fundador mandou), nem na
base da declaração dos quatro mestres, nem na base das declarações papais,
nem na base das constituições do Irmão Boaventura, nem na base do que
foi dito por qualquer um mais, por maior que pudessem ser, eles
tencionavam continuar com qualquer espécie de reforma, visto que eles não
necessitavam reforma, de fato a Ordem estava no presente vivendo mais
perfeitamente do que em qualquer tempo no passado.
Assim eles prosseguiram a entrar num litígio e a quarta declaração papal
foi promulgada, uma declaração a qual pairava sobre os outros como uma
águia, de tão sufocante em relação a intenção do fundador. Os bispos e
mestres tiraram a substância dessa declaração do que Ubertino tinha
proposto em defesa de si mesmo e de seus parceiros. Aquela justificação,
embora o resto da Ordem mostrasse aceitar a declaração, em seus corações
e almas eles a odiaram. Por isso eles imediatamente conseguiram do
sucessor do Papa Clemente, Papa João, outra declaração a qual concedia a
eles adegas de vinho, celeiros de grãos e depósitos de óleo, coisas que a
outra declaração proibia inteiramente.
Nesse meio tempo, antes do afetuosamente lembrado Papa Clemente fechar
o assunto, irmãos na Toscana viram claramente que eles eram o alvo do
ódio e da raiva dos frades que não levavam as vontades do papa em
consideração e que esses frades desejavam vê-los mortos e varridos da face
da terra. Por isso esses irmãos toscanos pediram conselho de um certo
cônego regular, um santo e sábio homem chamado Martin, um Sienese, e
então decidiram fugir.
De fato Senhor Martin, tendo escutado sobre o comportamento violento dos
frades e mesmo tendo testemunhado algo disto e sabendo acerca dos irmãos
que eram os objetos desta perseguição – sabendo com certeza, isto é, que
eles eram homens de santa vida e sempre tinham sido assim – disse a eles:
Irmãos, acreditem em mim, os frades perseguem vocês até apanhá-los e não
obedecem a autoridade da Igreja. Pelo contrário, eles intencionalmente se
opõe a isto. Mesmo se existisse só três de vocês, vocês seriam capazes de
eleger um ministro geral para vocês mesmos. Estou disposto a argumentar
perante o Supremo Pontífice, todos os cardeais e qualquer doutor que a
separação de vocês do resto é justa e sacrossanta e que a eleição que vocês
levarem a cabo é canônica e corretamente feita.
Acreditando nas palavras deste sábio e justo homem (embora ele não
soubesse todas as circunstâncias dessa questão), eles elegeram um ministro
geral e outros líderes de acordo com a Regra. Suas ações resultaram em
escândalo para eles e para todos os seus companheiros.
O Supremo Pontífice e todos os cardeais, mesmo aqueles que defendiam os
irmãos perseguidos, ficaram perturbados e facilmente capazes de acreditar
em todo o mal que tinha sido dito acerca deles por seus inimigos durante o
processo de julgamento. Embora Senhor Clemente estivesse perto de
morrer, os irmãos que tinham fugido enviaram a ele uma carta expressando
sua prontidão a obedecê-lo em todas as coisas e se submeterem a sua
correção, esta carta nunca foi entregue ao papa porque os defensores dos
irmãos não quiseram apresentá-la depois do que eles tinham feito. Nem
seus mensageiros mais tarde conseguiram entregar ao papa João, porque
naquela ocasião eles eram interceptados e aprisionados pelos freis como
excomungados e heréticos.
Entre as acusações feitas ante os auditores e outros prelados contra os
irmãos dispensados e aqueles que clamavam por reforma foi a acusação :
“Eles proclamam por reforma mas vivem mais relaxadamente do que nós”.
Os irmãos que invocavam por reforma estavam portanto movidos a se
vestirem com roupas vis e praticar a regra ao pé da letra como tinha sido
solicitado. Por causa disso os frades ficaram ainda mais exasperados e
somavam descontentamento com descontentamento, ódio com ódio. Por
outro lado, aqueles que vestiam roupas vis e praticavam pobreza
começaram a sentir tal prazer nisto que eles se regozijavam no corpo e no
espírito, louvando a Deus porque eles tinham sido conduzidos neste
caminho para a verdadeira regular observância.
O Concílio tinha acabado, mas o problema dos irmãos continuava não
resolvido e mesmo que os bispos e mestres apresentassem uma
determinação estabelecendo oito questões ou dúvidas levantadas pelo
sentido literal da Regra, não obstante o Senhor Papa reservou a decisão
final para ele mesmo. E porque os frades reagiram negativamente – de fato,
eles não podiam mesmo suportar olhar para os irmãos que tinham mudado
suas vestimentas e tinham clamado por reforma – e porque esses segundos
tinham aprendido da experiência que vivendo perto dos outros envolvia
perigo físico, os irmãos reformados fundaram uma certa igreja erma perto
de Malaucene com cavernas e água muito próximas. Com a permissão do
proprietário daquela igreja, os frades dispersados se reuniram lá, vivendo
na verdadeira e pura observância da Regra.
O inverno seguinte eles permaneceram no convento de São Lázaro no
Avignon até que o Supremo Pontífice emitiu sua decisão definitiva.
Naquela ocasião ele enviou recado a todos, ordenando a eles tão
precisamente quanto pode que todos deveriam tomar cuidado de observar a
Regra em conformidade com a declaração publicada no Concílio pelos
bispos e mestres de acordo com seu comando. Ele ordenou os ministros e
custódios a tratar gentil e amavelmente aqueles irmãos que ele tinha
chamado, bem como seus parceiros por toda a Ordem, considerando-os
como seus verdadeiros e obedientes filhos, porque como bons filhos da
Igreja eles tinham agido em plena obediência.
Assim Clemente ordenou que esses irmãos fossem tratados com respeito
por seus líderes e por todos os outros frades e que eles fossem promovidos
ao ofício mais do que os outros e mais honrados. Reciprocamente, ele
ordenou esses irmãos a obedecerem seus líderes humildemente, tomarem
cuidado de viver em paz e harmonia com os outros e observar a declaração
devotadamente. Eles deveriam se comportar de tal modo a não causar
escândalo, contendas e divisões no futuro. E assim ele os dispensou.
Irmão Ubertino, contudo, nessa ocasião clamou ao Senhor Supremo
Pontífice em defesa de todos, apresentando as palavras do salmista:
“Recompensa seu servo, vivifica-me de acordo com a tua palavra”. Ele
lembrou o papa que, como ele sabia bem, eles tinham suportado muitas
tribulações graves a fim de obedecê-lo. Muitas, mesmo mais graves podem
ser armadas a frente, aos irmãos no futuro, Ubertino observou, a menos que
o papa desse a eles uma firme garantia de que ele iria prover medidas
seguras pelas quais aqueles que desejavam observar a Regra da maneira
necessária a salvação, o modo ordenado na declaração promulgada no
concílio pelos bispos e mestres de acordo com o seu comando, fosse dada
adequada e conveniente proteção e defesa contra as opressões e injustas
cargas as quais seriam aplicadas neles por aqueles que não querem observar
o salutar modo de observância colocado na declaração. Deixado sem
controle, esses mais tarde inteligentemente deixariam de obedecer a
declaração e perseguiriam aqueles que a obedecem. Se o papa descurasse
tomar tais precauções, Deus exigiria dele responder pelo sangue de todos
aqueles que foram injustamente perseguidos e oprimidos.
O Supremo Pontífice, mostrando sua confiança de que os frades o
obedeceriam e porque não quis ofender os frades, decidiu fazer o que Irmão
Ubertino insistentemente suplicou para ele fazer a fim de desviar os
escândalos futuros. De acordo com as ordens do papa, todos os irmãos
partiram da corte papal e obedeceram seus superiores, pacientemente
agüentando as injúrias amontoadas sobre eles contra a ordem de Deus e do
Supremo Pontífice.
(1314 – 1316)
Uma vez morto o Papa Clemente, os frades começaram a tratar
cruelmente os irmãos, os afligindo corporal e espiritualmente com
astúcia, modos engenhosos, os forçando através de severas e impiedosas
obediências, estatutos e penitências para fazer coisas que eram contra a
Regra e a declaração, os perseguindo e aborrecendo de várias maneiras,
tanto que os perseguidos irmãos deliberadamente se renderam as suas
furiosas maldades e abandonaram o insuportável peso do tirânico e cruel
domínio deles.
Quanto os irmãos se enfastiaram e como impiedosa e cruelmente eles
foram tratados, só pode ser relatado por aqueles que gemeram sob a
implacável perseguição, isto foi experimentado por eles, então seu
testemunho é digno de fé e certo. Eles aprenderam do que eles sofreram
que o comportamento daqueles frades que os odiavam e perseguiam era
mais a ação de demônios do que seres humanos.
Por isso, separando-se das perseguições dos frades, os irmãos se reuniram
nas cidades de Narbone e Béziers. O povo daquelas cidades olhavam os
irmãos com grande reverência e devoção por causa da santidade que eles
reconheciam neles e também por causa do poder sobrenatural e sinais que
eles viam se manifestar todos os dias no túmulo daquele santo homem
Pedro de Olivi, que tinha os instruído durante sua vida com seus
ensinamentos e com o exemplo de suas boas obras.
Havia naqueles dois conventos, cerca de 120 irmãos que, de acordo com o
nível de suas habilidades, concentravam-se em observar as suas promessas
fiel e piedosamente. Seus adversários não paravam de persegui-los e de
prosseguir judicialmente contra eles, apontando várias acusações;
expedindo ordens em nome do ministro geral, ministro provincial, ou do
protetor da Ordem; mandando-os comparecer em juízo para se tornarem
visíveis; excomungando-os como insubordinados e desobedientes; e
conspirando de várias maneiras com prelados e com o Rei da França para
os capturarem como apóstatas, cismáticos e rebeldes contra a Ordem. Por
causa de seus molestamentos e aborrecimentos eles foram forçados (depois
de se consultarem com o sábio) a apelar ao futuro supremo pontífice contra
tudo o que os frades foram impondo-lhes.
Naquele tempo, o colégio dos cardeais reunido em Lyon estava
seriamente dividido em três facções pelo trabalho de um mal
espírito; mas pela vontade de Deus aquele ilustre Católico e sábio homem,
Rei Filipe da França, conseguiu persuadi-los de que eles deveriam entrar
num conclave e eleger um papa. Não muitos dias tinham decorrido antes
que eles todos estivessem de acordo no Senhor Jacques de Cahors. Eles o
elegeram no dia da festa de São Donatus e ele foi nomeado João, como se
ele tivesse sido dado e enviado por Deus. Graças ao que ele tinha visto e
ouvido, ele estava completamente informado quanto ao que estava
passando entre os Franciscanos. A divisão o irritava muito.
Quando os Irmãos Menores se aproximaram do papa ele ordenou que o
ministro provincial mandasse os irmãos em seu nome abandonarem as
casas que eles estavam ocupando e, conforme com o restante dos irmãos
em vestimenta e comportamento, fossem para as casas as quais o ministro
provincial designasse a eles, simplesmente obedecendo todas as suas
ordens. O segundo grupo decidiu ir rapidamente ao papa, implorando que
ele permitisse a eles a pura observância da Regra. Os irmãos explicariam
porque eles estavam apelando diretamente a ele, solicitando uma decisão
dele antes da dos frades, que tinham desenvolvido um ódio mortal em
relação a eles.
Nesse meio tempo, os frades apresentaram ao papa petições contendo
calúnias e distorções sem fim. Eles disseram pouco ou nada do que era
verdade acerca de Ubertino, dos irmãos na Toscana, aqueles nas casas de
Narbone e Béziers, os Irmãos de Penitência (eles chamavam beguinos),
Irmão Liberato, Irmão Ângelo e seus companheiros.
O papa abominou os graves pecados, atividades criminais e heresias
atribuídas a todos aqueles indivíduos e grupos e especialmente aos fraticelli
e beguinos. Querendo aceitar as petições dos frades, pelo menos em parte
como se eles fossem piedosos e justos e querendo anuir a seus pedidos, ele
começou por realizar seus desejos em relação aos fraticelli e beguinos,
atacando e anulando seu estado oralmente e em escrito. A pedido dos
frades e com eles presentes (armados com suas acusações, inquéritos e
cartas todas as quais eles oferecem para provar suas acusações), aqueles
que os frades tinham acusado, a saber, Ubertino, Geoffroi e Ângelo, foram
convocados a parecer perante o papa.
E quando Ubertino de Casale refutou todas as acusações feitas pelos
frades, mostrando como tudo o que eles tinham dito procedia da malícia e
da inveja, o pontífice questionou Irmão Ubertino quanto a se ele tomava o
partido dos irmãos de Narbone e Béziers e se ele queria defender a
doutrina de Pedro João de Olivi. Ubertino respondeu:
Santo Pai, tudo o que eu outrora fiz naquele caminho foi realizado pela
obediência ao seu predecessor e nada foi feito pela minha própria
iniciativa. Assim, se esta é agora a vontade do santo Papa que pela sua
ordem eu deva falar em defesa dos irmãos de Narbone ou da doutrina do
Irmão Pedro, então veja, estou pronto a obedecer sua vontade em todas as
coisas.
Ao qual o papa respondeu: “Nós não queremos que você envolva a si
mesmo. Não queremos de modo algum!” Mais tarde ele interrogou Irmão
Geoffroi de Cournon, perguntando-lhe se ele queria defender o apelo que
os irmãos de Narbone e Bézier tinham apresentado. Irmão Geoffroi
respondeu: “Santo Pai, eu estava e ainda estou com o Senhor Felipe; não
tenho parte no apelo deles e não estou inteiramente informado nestas
questões. Não desejo defender assuntos que não dizem respeito diretamente
a mim”. Irmão Felipe de Caux respondeu que, embora esses assuntos não
digam respeito diretamente a ele tampouco ele estava querendo defender
todas aquelas coisas que levariam a reforma do estado Franciscano.
Quando Irmão Ângelo veio à presença dele, o papa perguntou se ele era um
Franciscano e ele respondeu que era. E o papa lhe perguntou: “Por que
então você os deixou?” Irmão Ângelo respondeu: “Santo Pai, eu não os
deixei. Pergunte a eles por que eles me tem rejeitado”. O papa ficou calado,
então disse a ele: “Eu o ordeno a dizer-me se você tem mesmo ouvido
confissões”. Irmão Ângelo respondeu: “Santo Pai, eu não sou um padre e
uma das razões porque eu não quis me tornar um é porque eu não desejo
ouvir confissões. Portanto, eu não ouvi uma só confissão.”
Depois de perguntar algumas outras questões, o papa ordenou aos frades
lerem algumas cartas do Papa Bonifácio e do Senhor Patriarca de
Constantinopla. Quando elas foram lidas, ele disse ao Irmão Ângelo:
“Irmão Ângelo, você é excomungado”. Irmão Ângelo respondeu: “Santo
Pai, eu não sou excomungado e nem excomungável, porque sempre
obedeci ao Papa Bonifácio, o patriarca e outros líderes da Igreja”. E ele
começou a falar, mostrando como as cartas tinham sido obtidas e
preservadas mal intencionadamente e fraudulentamente. Mas o papa não
agüentou escutá-lo e o impediu de completar o que ele tinha começado a
dizer. Então Irmão Ângelo disse: “Santo Pai, vós tendes escutado as
mentiras dos frades, no entanto não podes suportar ouvir a verdade que
tenho falado a vós”. Mas isto era ao redor da sexta hora e o papa ordenou
que Irmão Ângelo fosse detido por conta daquela excomunhão até que a
verdade acerca disso pudesse ser ouvida mais inteiramente. Ele ordenou
que Ângelo fosse despedido e dispensado por segurança.
O papa queria que Ângelo ou retornasse aos Franciscanos, ou entrasse em
uma das outras Ordens aprovadas, enquanto Ângelo suplicava uma vez,
duas vezes e uma terceira vez, oralmente e escrevendo, que a ele e seus
irmãos fosse permitido seguir o caminho de observar a Regra, já conferido
a ele pela autoridade papal. Ângelo sabia as razões porque o papa não
concederia seu pedido, mas ele respondeu ao papa que ele já estava numa
Ordem aprovada e aquele era o caso por duas razões. Em primeiro lugar,
Papa Celestino o tinha recebido dentro de sua própria Ordem. Em segundo
lugar, pela autoridade de Celestino ele tinha assumido a vida eremítica, que
é a perfeição da vida cenobítica e, por assim dizer, seu objetivo final. Então
Papa João ordenou através do Cardeal Napoleão Orsini que Ângelo
aceitasse o hábito daqueles irmãos. Ele o fez e prometeu seguir a vida do
Papa Celestino ou São Pedro de Morone, uma vida que, pelo testemunho
daquele mesmo São Pedro, pretendia viver e morrer na mais alta pobreza
de Cristo.
Perto da festa de Pentecostes, sessenta e quatro irmãos das casas de
Narbone e Béziers vieram ao papa. Ao invés de se hospedarem na casa
Franciscana, eles foram diretamente para o palácio papal e esperaram toda
a noite em frente aos portões do palácio. Não saíram até que o papa
concedesse a eles uma audiência.
Um deles, um homem chamado Bernard Délicieux, quis servir como porta-
voz deles. Ele era um homem muito modesto, de muito conhecimento e
eloqüente. Ele falou diante do papa e dos cardeais tão prudentemente,
cuidadosamente e convincentemente, que os seus adversários não puderam
apresentar nenhuma resposta racional. Eles estavam certos de que ele
refutaria todos os seus sofismas e dissolveria todos os seus argumentos
vazios. Enquanto ele estava defendendo os irmãos de Narbone e Béziers e
recebendo audiência, os líderes da Ordem estavam destinados a perder.
Assim, os líderes evitaram falar diretamente para o desfecho recorrendo em
vez disso à fraude, a acusação injusta e mentiras. Eles disseram:
Santo Padre, o homem que agora audaciosamente apresenta esses
argumentos perante Sua Santidade é um homem pestilento, maligno, que
tem realizado inúmeras más ações. Ele não é apropriado para ser ouvido ou
posto em julgamento numa Ordem contendo tantos homens de tão grande
santidade. De fato, ele não é apropriado para discutir com qualquer um em
qualquer assunto. Ele ousou impedir o ofício da inquisição nas regiões que
estavam decidindo assuntos da fé erradamente.
E gritando muitas outras acusações contra ele que eles tinham forjado e
planejado antes do tempo, eles injustamente o excluíram do procedimento,
um procedimento no qual eles previam que eles seriam com razão
derrotados, se Bernardo tivesse o direito de falar por justiça.
Até aquele ponto Irmão Bernardo não tinha dito nada em sua defesa eu em
defesa de outros irmãos exceto aquela a qual não podia ser negada com
justiça. Ou seja, ele tinha falado somente acerca da fiel e pura observância
da regra que eles tinham prometido e o afastamento daqueles que se
opunham a qualidade da observância necessária a salvação. No entanto,
quando ele tentou refutar as calúnias contra ele e atraiu seus oponentes de
volta para as reais questões que os tinham trazido diante do papa, seus
adversários simplesmente lançaram novas acusações contra ele até que
finalmente o papa, convertido para o lado deles, disse a Bernardo: “Nós o
prenderemos por causa das muitas coisas más que temos ouvido acerca de
você”.
Uma vez que ele tinha sido eliminado desse jeito, Irmão François Sans quis
assumir a tarefa de esclarecer a posição de seus confrades. Então os
Franciscanos protestaram de um jeito parecido: “Senhor, este não deveria
ser ouvido tampouco, porque ele tem ousado ensinar e pregar e atacar a
Ordem com todo o seu poder, contra as ordens de seu ministro”. Por causa
disso, o papa ordenou aos irmãos que o encarcerassem.
Quando o Irmão Guillaume de Saint-Amans então quis apresentar aqueles
assuntos os quais pareciam oportunos para o caso deles, os frades o
interromperam e o acusaram, afirmando que ele tinha esbanjado e dissipado
bens concedidos a Ordem pelo papa para o uso deles e que tinha fugido do
convento de Narbonne. Na intensidade dessas acusações, o papa
imediatamente o prendeu.
Irmão Geoffroi de Cournon vendo que aqueles três tinham sido excluídos
do processo por tais meios, em seguida assumiu como porta-voz e
eficientemente argumentou pela pura observância da Regra em sua defesa e
na defesa dos outros. O papa ficou descontente que Irmão Geoffroi tivesse
inserido ele mesmo na discussão, especialmente em vista do fato de que
Irmão Geoffroi era um homem discreto, nobre, de quem os costumes e vida
estavam acima de qualquer ataque; um homem que, apesar da saúde fraca e
debilidade, sempre levava uma vida austera. Desse modo os frades não
tinham nada a dizer através da qual eles pudessem acusá-lo ou difamá-lo
como eles tinham feito com os outros.
Assim o Supremo Pontífice, a pesar do fato de que estava em relações mais
familiares com Irmão Geoffroi do que com os outros, disse a ele: “Irmão
Geoffroi, estou mais do que um pouco surpreso de que você demande
estrita observância da Regra, já que você mesmo tem cinco túnicas”.
Geoffroi respondeu: “Santo Pai, vós estais enganado neste assunto, não é
verdade que eu tenha cinco túnicas, com todo o respeito a vossa
reverência”. O papa disse: “Então, em outras palavras, nós somos
mentirosos”. Irmão Geoffroi disse: “Santo Pai, eu não disse e nem diria que
vós sois mentirosos. Eu simplesmente disse e ainda digo que não é verdade
que eu tenha cinco túnicas”. O papa disse: “Nós o prenderemos e
averiguaremos se você tem cinco túnicas”.
Os outros, vendo que não receberiam audiência, gritaram: “Justiça Santo
Padre, justiça!”. Então o papa ordenou a todos eles que retornassem a casa
dos frades e ordenou os Franciscanos manterem guarda sobre eles até que
ele tivesse pensado mais cuidadosamente acerca do que deveria ser feito
com eles.
O camarista do papa tomou os Irmãos Bernard Délicieux, Geoffroi e
Guillaume de Saint-Amans a sua custódia, enquanto os Franciscanos
colocaram Irmão François Sans numa prisão perto das latrinas. Depois de
uns poucos dias eles também aprisionaram os Irmãos Guillaume Giraud e
Felipe.
Quando, pela ordem do papa, os irmãos de Narbonne e Béziers foram
submetidos a inquisição, todos, menos vinte e cinco deles aceitaram o
parecer e a vontade dos frades. Os frades impuseram uma penitência neles
de acordo com o rigor da justiça Franciscana, mas entregaram os vinte e
cinco para o inquisidor. Quatro deles foram queimados porque eles
afirmaram que a Regra de São Francisco era a mesma que o evangelho de
Cristo e que, uma vez solenemente prometida, a Regra entra na categoria
de preceito de tal modo que o voto tem a força de um preceito,
especialmente naqueles assuntos nos quais a Regra exige por norma ou
proibição; e que é portanto, além do poder de ninguém da dispensação.
Eles também afirmaram que o Supremo Pontífice não podia conceder
adegas, celeiros e instalações para a armazenagem de óleo para os Frades
menores, que tinham prometido observar o evangelho de Cristo; e que o
papa tinha pecado em conceder tais coisas, assim como os frades em aceitá-
las.
Porque não podiam ser persuadidos a abandonar essas opiniões, eles
receberam a sentença de morte pelo fogo. Um deles porém, foi sentenciado
a prisão perpétua porque, embora ele finalmente se retratasse, ele defendeu
sua posição obstinadamente por muitos dias. Todos os outros foram
forçados a abjurar e pregar ao povo que eles tinham defendido esses erros.
Eles receberam do inquisidor penitências em conformidade ao grau ao qual
eles tinham aderido e defendido as mencionadas heresias. Além disso, eles
foram forçados a renegar suas opiniões anteriores publicamente diante do
povo nos muitos lugares onde eles tinham outrora as pregado. Se eles
negligenciassem fazer isto, eles poderiam ser punidos como heréticos
reincidentes e mais uma vez seriam apreendidos e julgados de acordo com
as leis canônicas promulgadas concernentes a tais assuntos. Tudo isso foi
decretado pelo inquisidor, que tinha sido excepcionalmente incumbido para
essa tarefa pela autoridade da Sé Apostólica.
O acima mencionado Irmão Bernardo Delicieux foi preso em grilhões de
ferro e alimentado com água da angústia e pão da tribulação. Tudo o que
ele sofreu nas mãos de seus perseguidores ele aceitou como se não fosse
nada para ele. Eles por sua vez, dedicaram todas as suas energias para
escutar ou extorquir algum comentário dele que permitisse a eles proceder
contra ele como um herético. O príncipe dos que demandaram o litígio,
Irmão Bonagrazia, veio a ele armado com advertências e conselhos de seus
anteriores colegas mundanos. Ele realmente pensava que só ganharia a bem
aventurada glória se, pelos seus astutos e fraudulentos inquéritos, pudesse
enganar Bernardo de algum jeito. Mas o homem de Deus, preenchido pela
mansidão e sabedoria Cristã, respondia a Bonagrazia e seus auxiliares de
tal maneira para mostrar que o que Bernardo acreditava era não somente
católico, mas necessário para a salvação, bem como isto era tão consistente
e ortodoxo que não poderia ser negado sem negar e atacar a fé Cristã
também.
Aconteceu, contudo, que os frades descobriram uma carta enviada por
Irmão Bernardo a certas pessoas devotas que continha algumas palavras as
quais os frades, de acordo com sua prática comum, deram uma má
interpretação. A fim de tornar o papa contra Bernardo, eles o apresentaram
com a carta e alimentaram suas suspeitas com a interpretação perversa
deles sobre isto. Além disso, incapazes de se conterem em sua alegria, eles
espalharam por toda a Avignon que em poucos dias Bernardo seria
queimado como os quatro em Marseilles. Todos esperavam sua
condenação, porque Bernardo tinha sido convocado a aparecer perante o
papa no consistório na sexta-feira seguinte, para responder perante todos
em relação à intenção e o conteúdo da carta.
Quando a carta foi lida na sua presença, o Supremo Pontífice perguntou a
Bernardo se ele tinha escrito aquilo. Ele disse que tinha e ele quis explicar
ao Supremo Pontífice, diante de todos, sua intenção ao escrever aquilo.
Quando o fez, o papa ficou satisfeito com sua explicação e não quis dizer
nada contra ele por causa da carta. Então três cardeais, os Senhores Vital,
Hostiensis e Guillaume Pierre, o questionaram e receberam respostas tão
satisfatórias que nenhum deles teve qualquer razão para contestar sua
resposta. Pelo contrário, todos sabiam que haviam poucos homens tão
idôneos na Ordem.
Porque, por esse motivo, os Franciscanos não encontraram meio de
proceder contra ele como eles tanto desejavam fazer, os Dominicanos
trouxeram a lembrança como, no Reino da França, Bernardo tinha
desmentido um inquisidor pertencente a Ordem deles que tinha citado o
ministro de Provença a aparecer diante dele e como Bernardo argumentou
contra o inquisidor diante do rei, provando ele ter sido culpado de fraude
no cumprimento de seus deveres. Eles sabiam que os irmãos Franciscanos,
embora liberados por Bernardo de uma grande vergonha, o tinham acusado
perante o Supremo Pontífice de por em dúvida o ofício inquisitorial e
favorecer heréticos; então eles pediram ao papa que entregasse Bernardo
pra eles.
O papa viu que os Dominicanos buscavam justiça de acordo com o ataque
já feito contra Bernardo pelos Franciscanos, e assim, entregou Bernardo a
eles. Eles mal tinham o recebido em suas mãos quando, como cães que
dilaceram com fúria a besta que eles capturam , eles o torturaram com
várias aflições e crueldades. Vendo, contudo, que nem os seus inquéritos e
nem os seus tormentos estavam atingindo o efeito positivo que eles
buscavam entre o povo, eles o cerraram numa cela estreita, o tratando mal
de tal maneira que em poucos meses, como se passando através do fogo e
da água, ele foi libertado da prisão da carne e de ambos, Franciscanos e
Dominicanos. Gloriosamente triunfando sobre o príncipe do mundo, ele
viajou ao céu.
Ele recebeu o mal de seus próprios em retribuição a todo o bem que ele
lhes tinha feito. Pela glória e a honra que ele tinha conseguido pra eles ao
enfrentar perigos e uma grande quantidade de trabalho duro, ele foi
recompensado com um sem fim de infortúnios. Em retribuição a obediência
e testemunho a verdade que ele fielmente se entregou, a ele foram dadas
acusações e mentirosas incriminações. A ele foi dado ódio em troca de
amor e morte em troca de submissão. Como Bernardo de Quintavalle na
segunda tribulação, Bernard Délicieux no sexto ou penúltimo período foi
alimentado com absinto e cheio de mágoas, como se ungido com mirra e
aloé. Agora, colocado no sepulcro imortal da eterna quietude, ele
alegremente aguarda o grande dia do Senhor, quando aqueles que o
afligiram vão se ruborizar em pé diante dele.
A SÉTIMA TRIBULAÇÃO
Uma vez que aqueles que na Ordem tinham conquistado a vitória
que eles desejavam sobre seus próprios irmãos, eles voltaram a
descarregar sua vingança, por eles mesmos ou por outros, naqueles que
tinham amado aqueles irmãos e os mantido em devoção, quer eles fossem
seculares, beguinos ou fraticelli e quer eles fossem mulheres ou homens.
Eles estavam mais interessados em vingança do que correção, mais
interessados em extorquir dinheiro deles do que guiá-los da ignorância e
erro à luz e o conhecimento da verdade. Eles perturbaram muitos, afligiram
alguns e atormentaram outros, impondo nenhum limite na sua fúria.
Aqueles que tinham agido em total simplicidade eram acusados de ter feito
isso mal intencionadamente e aqueles que tinham obedecido eram acusados
de desobedientes. Fiéis Católicos eram marcados como infiéis cismáticos.
Os líderes agiam como cães e lobos que, consumidos pela raiva, queriam
somente perseguir e morder os animais e os homens, indiferentemente,
continuando a atacar sem medo ou pausa até eles morressem pelos seus
próprios esforços ou encontrassem alguém mais que os matassem.
Assim, uma vez que eles tivessem aprisionado alguém, cobrado dinheiro de
outros e atormentado muitos de ambos os sexos de várias maneiras, eles se
encontraram num capítulo geral e pelo comum consentimento e vontade de
todos, eles condenaram as idéias de Irmão Pedro João como manchadas
pela mácula da heresia. Eles também disseram ter que exumar o corpo de
muitos santos irmãos que tinham sido enterrados no cemitério deles. Esses
irmãos tinham sido isentados da punição pelo Supremo Pontífice durante
uma investigação, tinham morrido como verdadeiros Católicos obedientes a
Igreja, do mesmo modo que verdadeiros filhos do Supremo Pontífice e
receberam (isto deveria ser piedosamente acreditado) um lugar entre os
santos no eterno descanso.
Depois disto, uma questão despertou – como foi dito – em Narbonne entre
os Pregadores e os Menores, se Cristo e os apóstolos mantinham
propriedade em comum, uma questão que o santo homem de Deus, Pedro
João, tinha tratado profundamente e solucionado. Pela vontade de Deus os
Frades Menores levantaram-se pela verdade, uma verdade a qual aquele
grande herético (aos seus olhos, uma vez que ele tinha sido naquele tempo
declarado anátema por eles), tinha provado mais claramente, sustentando
isto com inúmeros argumentos e citações de santos.
Jesus Cristo deu a eles a força para levantarem-se firmes e fielmente por
essa verdade na palavra e na ação, com o coração puro, boa consciência e
fé sincera, até o fim. Foi ele quem apareceu para o pai deles e o tinha
marcado com o selo de seu seráfico e cruciforme amor, iluminando-o pela
unção de seu Espírito e ensinando-o a viver cruciformemente. Além disso,
Jesus ensinou Francisco a carregar a cruz nua depois dele mesmo e nunca
desejar ter nada sob o sol, exceto a pobreza de Jesus Cristo mesmo, a
humildade e se crucificar pela humanidade.
O demônio (em pessoa, bem como através de seus sequazes e seguidores)
verdadeiramente nunca tentou com tanta força erradicar alguma coisa como
ele fez na religião fundada por Francisco, porque esta envolve a nudeza da
mais alta pobreza. Ele concentrou toda a sua astúcia maligna em inspirar o
medo, o horror e o desagrado em relação a cruciforme e evangélica pobreza
na mente e nos corações dos frades – de tal modo que eles não tinham
medo de se opor a São Francisco mesmo, nesta questão durante sua vida.
Eles asseguraram a anulação de seu Testamento e até o presente tem
afligido e amargamente perseguido seus seguidores. Essa é a máxima razão
para temer que o mesmo espírito que os impeliu a resistir ao fundador e
perseguir aqueles cujo amor os levavam a observar sua promessa de
pobreza fiel e sinceramente, agora os impele a luta e a defender a nudez da
pobreza evangélica.
No momento em que não há servidão pior do que a servidão ao pecado,
assim o amor do louvor e glória humanos e a reputação de santidade e
sabedoria criam, mais do que outros pecados e vícios, confusão e cegueira
na mente e transformam aqueles que são infectados por elas em adversários
da verdade, privando-os da vida da graça. O que os frades estavam
perseguindo em seus pais e irmãos Cesar, Bernardo, Simão, Mateus, João
de Parma, Pedro João, Pons Bautugat, Raimundo Gauffredi e Ubertino,
exceto a fé e a confissão e o cumprimento da pobreza evangélica? Esta é
justamente a mesma coisa pela qual eles agora unanimemente e com todos
os seus corações lutam com seus adversários de modo que eles não percam
a reputação do estado evangélico, embora aquele estado esteja agora
despojado de seu conteúdo. Aqueles a quem perseguiam estavam
amedrontados com a glória vazia no nome sem possuir o significado disto,
eles sabiam que o nome não tinha valor se a realidade estava destituída.
Argumentando de amor e dando testemunho da verdade, esses fiéis irmãos
atraíram para si o ódio e o desagrado dos outros que buscavam o louvor e a
aprovação do mundano.
Esses outros temiam que no futuro Irmão Ubertino falasse contra eles,
embora ele fosse excluído pela ordem do Supremo Pontífice de envolver-se
nos assuntos deles e cuidar de seu próprio ofício depois da decisão papal,
não tomando interesse no conflito deles. Eles desenvolveram uma tão forte
animosidade em relação a ele que tudo o que ele tinha feito aos outros
parecia para eles ser nada, tanto tempo quanto ele permaneceu vivendo na
terra. Todos os dias eles importunavam o papa e incessantemente o
fatigavam com petições importunas e solicitações, pedindo que Ubertino
fosse devolvido a eles, visto que isto trouxe grande vergonha sobre a
Ordem e prejuízo porque ele vivia na corte papal.
Pela insistência dos frades, o Supremo Pontífice convocou Irmão Ubertino
e pediu a ele que ficasse uns poucos dias com os frades, então
imediatamente – uma vez que os frades tivessem ficado satisfeitos por essa
estada – o papa tomaria providências para Ubertino de modo que ajustasse
sua situação. Ubertino respondeu: “Se eu permanecer com eles por mesmo
um dia, não precisarei ter a sua ou qualquer outra providência para meu
futuro nesta vida”. E porque as palavras de Irmão Ubertino estavam
temperadas com o sal da sabedoria e apresentadas discreta e humildemente,
o coração do Supremo Pontífice foi tocado e ele por muito tempo não
procurou satisfazer o pedido dos frades.
Mas, inspirados por um desejo ardente por vingança e ódio frio, os frades
continuaram a apresentar petição ao papa em momentos convenientes e
inconvenientes, suplicando-lhe que os apóie e finalmente esperando se
livrar de seus insistentes pedidos, Papa João decidiu que Ubertino deveria
fazer uma das duas coisas: “Ou”, ele disse, “Ubertino retornará a vocês, ou
ele aceitará a regra e o hábito de outra Ordem”. Quando a Ubertino foram
apresentadas essas opções, ele escolheu a segunda, esperando que ele
pudesse conseguir uma mudança na mente do papa. O Supremo Pontífice,
esperando que a segunda opção fosse satisfazer os frades porque esta tinha
a aparência de justiça, emitiu uma carta sob seu selo permitindo a
transferência.
Ubertino, contudo, aceitou o hábito monástico como se fosse a mais
amarga cruz. Ele foi designado a um monastério na Alemanha de modo que
ele não permanecesse em Provença ou Gaul. Os frades regozijaram-se e
celebraram com tal detração verbal e fátuo, insultos mundanos, que todos
os espectadores discretos reconheceram pelas suas ações e palavras que
eles estavam privados do sentido e do espírito Cristão.
E veja, depois de apenas alguns dias, quando os frades viram que os
cardeais e outras pessoas eminentes honravam e reverenciavam Irmão
Ubertino mais em seu hábito monástico do que anteriormente quando ele
estava em seu hábito Minorita e que eles o amavam mais sinceramente e o
ouviam com mais boa vontade, seus corações ficaram tão cheios de amargo
remorso que eles publicamente reconheceram que eles tinham agido
estupidamente. Apesar disso, isto não evitou que eles continuassem a
persegui-lo e buscar sua morte, o atacando como bestas selvagens ou
preparando emboscadas para ele na forma do dragão. Assim, eles
prepararam uma armadilha para ele e a cobriram por cima, em seguida
caíram dentro da cava que eles mesmos tinham cavado.
E ele, Ubertino, confiará na justiça do Senhor e cantará louvores ao nome
do Senhor Altíssimo. Pois esse Senhor é verdadeiramente Deus e
verdadeiramente homem, rei dos reis e senhor dos senhores, o bem maior,
que por si só é sábio, que nos últimos dias tem ensinado aos corações dos
homens humildes a mais divina e a mais alta sabedoria da pobreza
evangélica. Tomando a carne, ele desposa essa pobreza e unido com ela na
cruz, retorna ao Pai. Enterrado no sepulcro de outro, ele o consagrou e o
selou como o lugar de seu descanso e glória, através de sua bendição,
diligência, palavra e arcano silêncio, nos ensinando a seguir depois dele
enquanto estamos em nossa peregrinação corporal. Através da pobreza nós
penetramos nele que está sentado à direita de Deus, ele que despiu a si
mesmo, tomando a forma de um servo, se fazendo similar aos homens ao
assumir a forma de homem. Ele humilhou a si mesmo até morrer, morrer
numa cruz, santificando a pobreza em humildade por meio da cruz e da
morte. Morrendo, ele consumou sua obediência ao Pai, em ordem a que nós
pudéssemos santificar nossas vontades as pondo em obediência, nossos
intelectos os pondo na pobreza e nossas memórias as pondo na humildade.
Quem quer que ponha e use esse hábito até o fim, será salvo.
São Francisco, ensinado por Cristo, quis que seu hábito fosse literalmente
cruciforme. Assim, por palavra e exemplo ele ensinou qual o comprimento,
o pano, a qualidade, a vileza e a cor do seu hábito deveria ser, de acordo
com o testemunho dos Irmãos Leão, Bernardo, Gil (Egídio), Masseo e
outros de seus companheiros, que disseram que tinham tomado a forma de
seus hábitos dele e forneceram visível testemunho de como o hábito
parecia.
Como material, ele ensinou que deveria ser feito de vil tecido, cinzento ou
desbotado, representando a mortificação do corpo de Cristo. Ele seria do
tamanho suficiente para esquentar o corpo e para um saudável irmão uma
túnica deveria bastar, remendada por dentro e por fora de tal comprimento
que quando ele for apertado firme sem qualquer excesso de material acima
do cinto, ele não tocará a grama. As mangas deveriam se alongar até o fim
dos dedos, de modo que cobrisse as mãos, mas não se estender além deles.
A largura delas deveria ser tal que as mãos possam facilmente entrar e ser
retiradas delas. O capuz deveria ser quadrado e longo o suficiente para
cobrir a face, de modo que o hábito deveria representar a forma da cruz e
por sua vileza deveria exortar ao desprezo por toda a glória mundana e
ornamentação. Ele deveria mostrar que os irmãos estão crucificados ao
mundo e mortos a ele. Ele deveria cobrir a nudeza de um enquanto servo
como um incitamento para a pobreza necessária para aqueles que amam
isto e como um sinal daqueles que professam a humildade e como uma
verdadeira marca daqueles que nasceram do opróbrio da cruz de Cristo.
Muitos eventos na vida de São Francisco aconteceram atrás de sombras ou
véus, escondidos do mundo e de pessoas mundanas e foram somente
parcialmente visíveis, mesmo para os poucos que não viam as coisas de um
jeito mundano. Esses eventos incluíam: a anteriormente prevista
reprodução das chagas de Cristo em Francisco; o aviso na cidade de sua
morte, de sua aparência e do retardamento de seu enterro; a sua fama
enquanto vivo e depois de morto; o traslado de seu corpo; o místico
testemunho de sua palavra; a colocação de vestes mundanas e a roupa
daqueles que lamentavam; sua adoção por Bento quando ele estava caído
do lado do Cristo crucificado e em seguida ele ser levado de volta ao seu
verdadeiro estado; a remoção de sua sórdida e lúgubre roupa; a sua re-
assunção em limpa e luminosa veste; e a oculta, velada abertura do sinal
recebido do céu.
Depois do sepultamento de Laurenzia, a pecadora e da vingança a ser
cumprida pelos três anjos expedida do céu naqueles que a queimaram e
depois do mundo invisível ter sido queimado, coisas ocultas começarão a
ser pregadas e reveladas por aqueles que vêem. Finalmente, depois de vinte
e oito revoluções solares de anos terem sido atribuídas aos trabalhos da
sexta roda do ciclo vivo do pobre peregrino reprovado em julgamento, com
mais nove somados a sétima revolução da mesma roda, o amanhecer de um
novo tempo será visto com uma santa mudança para melhor. Cristo, o rei
dos reis e senhor dos senhores brilhará. Ele tem poder para renovar e atrair
as afeições e os corações de seus santos para o alto em direção aos
celestiais e verdadeiros benefícios; cumprir suas promessas; dar vida por
seu santo e onipotente olhar atento voltado sobre Pedro e sobre o amado
discípulo reclinando adormecido em seu peito; apagar a culpa, criar
esperança, dar maior virtude, revelar as coisas ocultas e abrir os mistérios;
e fazer a gente correr e voar para as coisas divinas.
Das grandes promessas e profecias feitas sob a lei, quantas foram
realizadas antes do nascimento de Cristo em comparação com o que foi
realizado por Cristo feito humano? Do mesmo modo, até agora poucas das
promessas feitas a São Francisco foram cumpridas em comparação com o
que é para ser executado por Cristo através do Espírito Santo nos últimos
dias. É como se milhares de livros tivessem sido prometidos e até agora
apenas um só uncial apareceu, uma só parte do que aparecerá no estado
evangélico iniciado no pai dos pobres, Francisco, marcado pelo selo.
Aquelas coisas que foram iniciadas por Jesus Cristo serão realizadas
através dele e nele. Elas serão cumpridas, não pelo conhecimento humano,
ou pela sabedoria humana, ou pela força, mas por Deus e o homem Cristo
com tão completa transmissão de suas dádivas e graça que todos
conhecerão que Jesus mesmo indubitavelmente é descendente diretamente
dos efeitos espirituais que ele apresentou.
Então aqueles vão corar, os que, mostrando desprezo por ele, seguiram o
que suas próprias mentes consideraram ser o caminho prudente, adoraram
os ídolos da sabedoria terrena e erigiram os altares do saber profano. Cristo
manifestará a eles as obscuras e ocultas coisas de sua sabedoria. Eles
ouvirão palavras de assuntos ocultos de sua boca, olharão para dentro das
profundezas dos mistérios e serão saciados pelas frutas do amor. Eles
agarrarão os despojos das mãos do forte e conquistarão a vitória sobre o
dragão por meio da morte e derramamento de sangue. Eles entrarão em seu
estômago e o destruirão por dentro, eles esmagarão sua cabeça. Eles
afugentarão para longe as sombras da noite final e construirão o
tabernáculo do amor em seu meio. Satã não triunfará contra eles, mas em
vez disso será espezinhado debaixo de seus pés. E o Senhor será o Deus
deles e Cristo e seu Espírito serão os seus mestres, a quem é toda honra e
glória, agora e para sempre. Amém.
Aqui termina a crônica da Ordem dos Menores .