A Hermenutica da Teologia da Libertao:
A Hermenutica da Teologia da Libertao:Uma Anlise de Jesus Cristo
Libertador, de Leonardo BoffAugustus Nicodemus Lopes*
Com a queda do muro de Berlim, a fragmentao da Rssia e a
derrocada do comunismo no mundo inteiro, as teologias que de alguma
forma estavam associadas ao marxismo caram em descrdito. A teologia
da libertao, em suas variadas formas, no foi exceo. Embora ainda
presente em alguns crculos acadmicos e eclesisticos, perdeu no
Brasil boa parte da influncia que dantes exercera, tanto na Igreja
Catlica quanto entre protestantes. O que justificaria, ento, um
artigo sobre a teologia da libertao? Ou mais ainda, um artigo que
aborda um aspecto dessa teologia, no caso, a cristologia? que os
princpios hermenuticos que produziram tal cristologia no
desapareceram. Continuam presentes e reaparecendo sob diferentes
formas.
Meu assunto neste artigo, portanto, muito mais a hermenutica e
os princpios interpretativos por detrs da teologia da libertao do
que propriamente o Cristo libertador social que ela produziu. O
ponto de partida no poderia ser outro seno a obra clssica de 1972,
escrita por Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador.1 Boff foi
sacerdote franciscano (atualmente est fora do sacerdcio catlico),
recebeu sua formao teolgica no Brasil, sua terra natal, e em
Munique, na Alemanha. Como professor de teologia em Petrpolis, ele
escreveu diversos livros sobre teologia da libertao, muitos dos
quais foram traduzidos para o ingls e outros dos principais idiomas
modernos. A sua influncia no movimento latino-americano da teologia
da libertao ficou evidente quando o Papa Joo Paulo II o penalizou
em 1985 com um ano de silncio por causa do seu livro Igreja,
Carisma e Poder. Atualmente, tendo abandonado a batina, o ex-frei
Boff continua escrevendo e publicando, embora tenha tambm
abandonado a militncia caracterstica de muitos telogos catlicos da
libertao. Da teologia da libertao, passou para a teologia da
ecologia e ultimamente publica livros de auto-ajuda, embora ainda
preserve vestgios da antiga preocupao social e da opo pelos
pobres.2 O ex-frei saiu do cenrio teolgico mas os livros que
publicou enquanto telogo da libertao continuam sendo usados e
estudados. Sua influncia persiste em muitos quartis da comunidade
evanglica. Esse fato talvez justifique o presente artigo.
Boff ganhou reconhecimento no cenrio acadmico, entre outras
coisas, atravs de seu livro Jesus Cristo Libertador. Por que Boff
escreveria uma cristologia da libertao? Primeiro, porque os telogos
da libertao no querem entender sua teologia simplesmente como um
outro ramo ou diviso da teologia, mas como uma nova maneira de
fazer teologia. Como Kloppenburg o exprime: "A idia de libertao
deveria estar presente em todos os pontos de todas as reas da
teologia e deveria ser um novo princpio de sntese."3Portanto, os
telogos da libertao gostam de escrever cristologias, eclesiologias
e at hermenuticas da perspectiva da libertao scio-poltica.4Segundo,
porque no incio do movimento, Boff e outros telogos da libertao
entenderam que podiam sustentar a maioria das suas asseveraes a
partir da figura do Jesus histrico. Juntamente com o xodo e o
ministrio dos profetas do Antigo Testamento, a carreira terrena de
Jesus vista como fundamental para a base bblica do movimento.
Telogos da libertao lem o texto a partir das necessidades da
sociedade contempornea em que vivem. Uma leitura dessa perspectiva
destaca os textos que tratam da libertao dos oprimidos. Um bom
exemplo a Revista de Interpretao Bblica Latino-Americana, editada
pela Editora Vozes e produzida por estudiosos catlicos da teologia
da libertao. Segundo est na contracapa, a revista "parte do
pressuposto que as dores, utopias e poesias dos pobres so uma
mediao hermenutica decisiva para a leitura da Bblia em nossas
terras." Alguns dos temas abordados pela revista so: "Mundo Negro e
Leitura Bblica" e "A Opo pelos Pobres como Critrio de Interpretao,"
entre outros. Essa leitura das Escrituras, via de regra, denuncia
as interpretaes tradicionais como sendo uma cortina de fumaa para
defender os interesses da classe mdia masculina, branca, saxnica e
americana.
A cristologia de Boff (uma cristologia escrita da perspectiva
dos oprimidos, trazendo esperana de libertao) acompanha normalmente
os principais postulados da teologia da libertao. O que torna
notvel o trabalho de Boff entre outras cristologias
latino-americanas , antes de tudo, o seu estilo fcil de ler e a sua
linguagem teolgica de "p no cho." Alm disso, Boff mais positivo e
otimista quanto ressurreio de Cristo que outras cristologias da
libertao.5E, ao contrrio de muitos dos seus colegas, ele por vezes
critica o uso do marxismo como uma ferramenta de anlise social.
Os compromissos hermenuticos de Boff so explicados e defendidos
na primeira parte de Jesus Cristo Libertador. Ali, ele dedica-se a
explicar suas convices e os mtodos de interpretao que usa. Existem,
evidentemente, vrias outras pressuposies que no so abordadas
diretamente. A segunda parte da obra trata do Jesus histrico. A
nfase mais no histrico do que no dogmtico vital para a teologia de
Boff. As ferramentas que ele usa para redescobrir Jesus so as
disciplinas do mtodo histrico-crtico, que tambm so discutidas na
primeira parte. A reflexo de Boff sobre a pessoa de Jesus, que ele
denomina o processo cristolgico, entra na terceira parte. A ltima
seo tenta relacionar os seus resultados com uma leitura
scio-analtica da sociedade latino-americana.
O propsito deste artigo entender as pressuposies hermenuticas de
Boff e como elas afetam a sua cristologia. Tambm objetiva analisar
criticamente algumas dessas pressuposies luz do que entendemos ser
uma hermenutica bblica, calcada nos fundamentos da Reforma
protestante. Uma das limitaes desta anlise que no ser tentada uma
avaliao e crtica dos compromissos filosficos de Boff. Ao adotar o
mtodo crtico-histrico de interpretao do Novo Testamento, Boff
basicamente est assumindo alguns elementos da filosofia de Kant.
Isto s ser mencionado de forma breve ao discutirmos a adoo, por
parte de Boff, de uma dicotomia entre f e razo.
I. Entendendo a interpretao de boffO enfoque da cristologia de
Boff, como tambm o de outras cristologias latino-americanas, est
posto sobre a vida e o ministrio de Jesus como pessoa humana. As
razes dadas por autores liberacionistas so estas: (1) meditar sobre
a vida humana de Jesus, em vez de especular sobre a sua divindade,
mais diretamente pertinente para uma situao de opresso; (2) o
contexto do ministrio de Jesus na Palestina, ocupada pelos romanos,
adequadamente semelhante ao contexto da Amrica Latina de hoje; (3)
a vida humana de Jesus fornece pistas sobre como os
latino-americanos podem realizar o seu potencial humano amordaado.6
Portanto, crucial para Boff apresentar Jesus como uma figura
histrica e concreta.
A. O Uso do Mtodo Histrico-CrticoDesde o incio de Jesus Cristo
Libertador, Boff deixa claro como ir empreender a sua busca do
Jesus histrico. Ele ir essencialmente seguir os mtodos e resultados
da crtica histrica e das vrias disciplinas relacionados com a
mesma, com respeito aos Evangelhos. O mtodo histrico-crtico uma
leitura do Evangelho que procura ver o texto sagrado como se fosse
um texto comum e o submete anlise racional quanto ao seu contedo, e
literria quanto sua composio. Como resultado do emprego dessa
ferramenta, para Boff, os Evangelhos no se constituem em biografias
histricas mas em testemunhos da f, o fruto da meditao piedosa e
subjetiva da comunidade primitiva. Os Evangelhos so uma interpretao
teolgica dos eventos, ao invs de uma descrio objetiva e
desinteressada do Jesus histrico de Nazar. Juntamente com outros
estudiosos histrico-crticos, Boff acredita que os Evangelhos so o
produto final de um longo processo de reflexo sobre Jesus e
representam a cristalizao do dogma primitivo da igreja. Eles contm
muito pouco do Jesus histrico (como ele era e como ele viveu), mas
muitas coisas relativas reao de f dos seus seguidores. Adotando os
pressupostos do liberalismo clssico, Boff afirma que a comunidade
primitiva de cristos tomou grandes liberdades ao defrontar-se com
as palavras de Jesus, interpretando-as e modificando-as e tambm
criando novos ditos, sempre no esforo de fazer Cristo e sua
mensagem presentes na sua vida (pp. 50-51). Chegaram mesmo a criar
interpretaes e coloc-las na boca de Jesus (p. 49); as predies de
Jesus quanto sua morte, foram vaticina ex eventu, isto , foram
colocadas na sua boca pelos discpulos, aps a sua morte (p. 128).7A
suposio explcita de Boff que, a fim de se conhecer Jesus, preciso
confrontar criticamente os relatos literrios sobre ele, os
Evangelhos, usando os mtodos da crtica histrica, para peneir-los em
busca do significado original do texto e ir alm das interpretaes
posteriores (ver pp. 46-51).
Severino Croatto, outro conhecido telogo catlico da libertao que
adota os pressupostos do mtodo histrico-crtico, mantm o mesmo
ceticismo quanto historicidade (veracidade) dos relatos sobre a
sada de Israel do Egito, como contidos no livro de xodo. Ele sugere
que o relato do xodo como o temos na Bblia, particularmente a vocao
de Moiss, as pragas do Egito, a pscoa apressada e a travessia do
mar "no so episdios do acontecimento da libertao, mas expresses de
seu sentido, como projeto e atuao de Deus ou como memria festiva."
Insiste em que no se deve ler os fatos narrados nos textos bblicos
"como se tivessem acontecido na forma em que esto contados."8 Numa
postura tpica de telogos liberacionistas, Croatto adere ainda a um
conceito de cnon onde a inspirao entendida como um fenmeno textual
apenas, resultado da tentativa da igreja crist de "fechar" o
sentido,9e o conceito de revelao reinterpretado para significar
toda manifestao de Deus na histria. "A Bblia a leitura da f dos
eventos paradigmticos da histria salvfica, a leitura paradigmtica
de uma histria de salvao que ainda no terminou," afirma Croatto.10
Ele afirma ainda que o fenmeno da revelao e sua interpretao um
ciclo que se repete na histria da igreja.11 Entretanto, ele deixa
sem resposta a questo se uma leitura paradigmtica moderna de
eventos supostamente pertencentes histria da salvao hoje, deveria
ser recebida pela igreja como Escritura.
A concepo das Escrituras por parte de telogos da libertao que se
utilizam do mtodo histrico-crtico geralmente a mesma: no reconhecem
atributos das Escrituras tais como inspirao, inerrncia,
necessidade, autoridade, perspicuidade e suficincia. Boff no
exceo.12Para ele, os Evangelhos no so investidos de autoridade em
sua forma cannica e nem so suficientes. Como ser discutido a
seguir, outros elementos tais como anlise social e compromisso com
a praxis so indispensveis, segundo Boff, para conhecer a
Jesus.13Essa abordagem histrico-crtica das Escrituras ir
influenciar toda a sua obra.
Os crticos em geral tm reconhecido que os telogos da libertao se
utilizam de vrias e diferentes fontes de anlise e conhecimento. A
sua abordagem mais "ecltica." Eles normalmente se utilizam de
diferentes mtodos, com pequena preocupao quanto a um sistema total
coerente. Por exemplo, Boff se utiliza de todo um espectro de
abordagens, como se pode observar facilmente na orientao bastante
divergente das obras citadas na sua bibliografia. Sem dvida, ele
tenta tirar proveito da erudio disponvel. Porm, o seu compromisso
com mtodos histrico-crticos tem levado os crticos a observarem que
ele est usando uma ferramenta desenvolvida na Europa para produzir
uma obra que se jacta de ser algo originrio da Amrica Latina.
Embora o prprio Boff faa uma ressalva (ver pp. 56-7), a literatura
predominantemente estrangeira citada na sua bibliografia confirma
essa crtica.14 Como um crtico comenta, "ao fim, a pessoa se
encontra dentro do mundo intelectual da teologia europia."15A
extrema dependncia de Boff de uma metodologia e teologia
estrangeiras, e a sua conseqente falta de originalidade, tem
suscitado a crtica de que a sua cristologia no nativa, sendo antes
uma aplicao da moderna cristologia europia a uma situao
latino-americana.16Deste modo, Boff inconsistente com a sua
reivindicao de ter produzido uma cristologia nativa.17
Essa inconsistncia tpica de telogos liberacionistas que insistem
na contextualizao da hermenutica latina mas que defendem suas idias
usando ferramentas trazidas da academia europia. A tese de Croatto,
por exemplo, de que cada leitura traz a produo de um novo
significado ardorosamente defendida a partir do estruturalismo de
Ferdinand de Saussure (suo), da filosofia hermenutica de Paul
Ricoeur (francs) e da hermenutica reader-response de Hans-Georg
Gadamer (alemo). O que esses europeus produziram, sendo o resultado
de suas prprias leituras, serviria como base para uma hermenutica
latino-americana? Para uma resposta positiva, preciso admitir que h
leituras e sentidos produzidos numa cultura que so vlidos para
outras, e que no precisam passar por uma releitura conceito que vai
de encontro tese de Croatto e de outros estudiosos liberacionistas
que se utilizam das mesmas fontes.
Boff est consciente de que a busca do Jesus histrico iniciada no
sculo XVII por estudiosos crticos produziu resultados extremamente
parcos. O Jesus da histria por eles reconstrudo no tinha qualquer
mensagem que pudesse ser pregada pela igreja crist. Boff est tambm
consciente de que o mtodo histrico-crtico pode apenas nos provar
que havia no sculo I vrios seguidores de Jesus que afirmavam que
ele ressuscitou. No pode provar a ressurreio como fato. Assim, Boff
destaca que a crtica histrica limitada, porque somente chega ao que
Mateus, Marcos, Lucas, Joo e Paulo pensavam acerca de Jesus. Dessa
maneira, ela inteiramente objetiva. Ela no pressupe f no
investigador e pouco se importa com a realidade que se oculta atrs
de cada interpretao (p. 51).18Para se conhecer Jesus, porm,
necessrio ir alm do esquema sujeito-objeto da pesquisa cientfica.
Como Jesus uma pessoa, necessria uma interao com essa pessoa antes
que se possa compreend-la (p. 37).
Seria de se esperar que Boff, ao criticar o carter "objetivo" do
mtodo histrico-crtico, no dependesse muito do mesmo. No entanto, a
sua anlise dos Evangelhos totalmente dependente da crtica da forma
e das fontes. Isto cria uma tenso interna na obra de Boff, pois
enquanto aceita uma ferramenta que considera objetiva, ele adota
uma abordagem hermenutica de Jesus que orientada para o leitor e,
portanto, inerentemente subjetiva. Isto introduz outra das
importantes pressuposies hermenuticas de Boff, que a do "crculo
hermenutico," conceito que comeou com F. Schleiermacher e recebeu
fundamentao terica do filsofo alemo Hans-Georg Gadamer.19
B. A Influncia de GadamerA teologia da libertao surgiu como
produto da hermenutica reader-response. Esse tipo de hermenutica
surgiu no final da dcada de 60 e tornou-se proeminente durante a
dcada de 70. Ela enfatiza a relao recproca entre o leitor e o
texto, como uma reao nova crtica literria e ao estruturalismo, que
ensinaram a autonomia do texto. Seu suporte filosfico vem das obras
do filsofo alemo Hans-Georg Gadamer. Elas so uma reao contra a idia
de que somente o mtodo cientfico totalmente objetivo e capaz de
chegar verdade. Em reao, Gadamer enfatizou o papel dos pressupostos
para a conscincia e a compreenso. As idias de Gadamer produziram
diversos tipos de abordagens dentro dos estudos bblicos acadmicos,
entre elas as hermenuticas liberacionistas. So aquelas hermenuticas
que lem o texto a partir de uma agenda definida, poltica ou
ideolgica, via de regra. Os "leitores ideolgicos" costumam apelar
para os princpios de Gadamer para justificar sua leitura do texto
sagrado.
Para entender Boff preciso entender um pouco os principais
conceitos de Gadamer. Primeiro, o conceito de fuso de horizontes.
"Horizontes" so os mundos vivos do autor e do intrprete que se
fundem quando os dois se encontram no texto. O leitor expande o
horizonte do texto ao apropriar-se dele em uma nova situao
histrica. O texto, em troca, questiona o leitor a desafiar e
expandir as estruturas e pressuposies que trouxe ao texto. Nesse
processo surge a fuso dos horizontes. Em resumo, a hermenutica de
Gadamer se move do autor e do texto para uma unio entre o texto e o
leitor, com razes no presente em vez do passado.
Segundo, rejeio da inteno autorial. O sentido de um texto no
encontrado na pesquisa diacrnica em busca do sentido original e
histrico mas atravs do dilogo com o texto no presente. Portanto, a
inteno do autor no decisiva para se estabelecer o sentido de um
texto para um determinado leitor.
Terceiro, a importncia das pressuposies do leitor. Ao contrrio
da perspectiva negativa que o racionalismo tinha sobre as
pressuposies do leitor na interpretao, Gadamer tem uma abordagem
bem apreciativa e at afirma que as pressuposies so a chave para a
compreenso de um dado texto.
Como resultado, o sistema interpretativo de Gadamer acaba
inexoravelmente no subjetivismo. Gadamer no estabelece qualquer
critrio para definir se uma interpretao falsa ou verdadeira. Na
verdade, todas so verdadeiras para quem l. Aqui a relativizao da
verdade alcana expresso clara. Portanto, seu mtodo
irremediavelmente subjetivo, ou seja, cada nova leitura pode
produzir sentidos diferentes e inovativos at para o mesmo leitor, e
nenhum deles conflitante com os demais.
A crtica clssica feita a Gadamer vem de E. D. Hirsch, em seu
livro Validity in Interpretation ("Validade na
Interpretao").20Hirsch critica Gadamer veementemente por rejeitar a
inteno do autor como norma para determinar o sentido do texto. Ele
defende que textos so expresses de pessoas individuais reais.
Portanto, o sentido dos textos no pode ser dissociado dos seus
autores. Hirsh tambm critica Gadamer por exagerar a influncia do
contexto do leitor na percepo do sentido do texto. O exagero de
Gadamer acaba por transformar o que apenas uma dificuldade numa
impossibilidade. Hirsch tambm aponta uma falcia da metodologia de
Gadamer, que confundir sentido com significado. O texto s tem um
sentido, que aquele conscientemente pretendido pelo seu autor, e
portanto uma entidade determinativa. Entretanto, o impacto desse
sentido nos leitores pode variar de contexto a contexto. isso que
chamamos de significado. Admiradores de Gadamer tm tentado
defend-lo da acusao de subjetivismo e relativismo, mas sem muito
sucesso.21O que prevalece a opinio generalizada de que seu mtodo
irremediavelmente relativista.22Os conceitos de Gadamer fazem parte
da matriz formadora da cristologia de libertao de Boff, como
veremos a seguir.
C. O Crculo Hermenutico Boff abraa a idia de que no h como
escapar ao "crculo hermenutico." De fato, ele torna esta premissa
uma das pressuposies fundamentais da sua hermenutica. Segundo Boff,
os historiadores se aproximam dos seus temas com os olhos da sua
poca, com os interesses ditados pelo conceito de erudio cientfica
que eles e a sua poca possuem. Por mais que tentem, eles nunca
podem escapar de si mesmos e chegar ao sujeito (pp. 16-19). O papel
do sujeito no processo interpretativo essencial:
Perguntar: Quem s tu, Jesus de Nazar? perguntar por uma Pessoa.
Perguntar por uma pessoa tocar num mistrio insondvel. Quanto mais
conhecido, mais se abre ao conhecimento. No podemos perguntar por
uma pessoa sem nos deixar envolver em sua atmosfera. Assim,
definindo a Cristo estamos definindo a ns mesmos. Quanto mais nos
conhecemos mais podemos conhecer a Jesus. Ao tentarmos num contexto
de Amrica Latina situar nossa posio diante de Jesus, inserimos
nessa tarefa todas as nossas preocupaes. Destarte ele prolonga sua
encarnao para dentro de nossa histria e revela uma face nova,
especialmente por ns conhecida e amada (p. 45).
Na citao acima podem ser observados os principais elementos ou
estgios do crculo hermenutico de Boff.23Primeiramente, a pessoa
aproxima-se de Jesus da perspectiva da f e inquire sobre ele. Em
segundo lugar, a pessoa tocada por Jesus e ento volta-se para si
mesma e para a sua situao. Ela aprende mais sobre si mesma e o seu
contexto e torna-se consciente da realidade ao seu redor. Em
terceiro lugar, ela insere as preocupaes do seu ambiente na sua
busca de Jesus, e novamente volta-se para ele. O crculo est
fechado. Ou, na colocao de Berryman, as pessoas das comunidades de
base "olham para a Bblia como um espelho para ver a sua prpria
realidade." Elas entendem a Bblia em termos da sua experincia e
reinterpretam esta experincia em termos dos smbolos bblicos. A
interpretao, assim, se move da experincia para o texto e deste para
a experincia. Neste tipo de leitura das Escrituras as pessoas
encontram tanto afirmao naquelas passagens que enfatizam o amor
preferencial de Deus para com os pobres quanto desafio como no
mandamento de Jesus de amar os inimigos.24Boff chama isto de
"hermenutica existencial." Segundo o seu entendimento, toda
compreenso sempre envolve um sujeito, que o leitor. impossvel o
acesso direto realidade sem passar por um sujeito, porque o sujeito
concreto, com os seus condicionamentos, possibilidades e limitaes
especficas, que vai at o objeto. Compreender significa interpretar,
sempre e inevitavelmente. Ns sempre vamos ao objeto (no caso, os
textos bblicos) com idias j concebidas, derivadas do nosso
ambiente, educao e da atmosfera cultural que respiramos (p. 51).
Ironicamente, Boff parece no estar consciente da influncia dos seus
prprios ideais de humanidade perfeita quando ele descreve o que
pensa ser o Jesus histrico. Como um crtico pondera, parodiando a
crtica famosa de Albert Schweitzer ao Jesus histrico reconstrudo
pelos liberais, Boff v o seu prprio rosto ou pelo menos o seu rosto
ideal no fundo de um grande poo, ao representar Jesus como "uma
pessoa de extraordinrio bom senso, imaginao criativa e
originalidade" (pp. 94ss).25Outro aspecto importante do crculo
hermenutico de Boff que o leitor no somente interage com o texto em
um nvel puramente terico, ele tambm interage com o seu contexto
social, comprometendo-se com a praxis, que normalmente orientada
para a atividade social. Desse modo, a praxis somada ao crculo como
um dos seus estgios mais importantes, uma vez que vista como
essencial para a compreenso. Assim, para Boff, a hermenutica no
pode ser entendida simplesmente como a arte de compreender textos
antigos; ela tambm significa compreender todas as manifestaes da
vida e saber como relacion-las com a mensagem evanglica (p.
54).
A utilizao da praxis como chave hermenutica defendida igualmente
por Croatto. Ele sustenta que entre os diversos eixos semnticos da
Bblia h o tema da liberdade, que se constitui num horizonte de
compreenso para uma releitura do xodo como contedo liberador pelas
comunidades eclesiais de base.26A posio metodolgica de Croatto com
respeito reserva-de-sentidos de um texto deveria pressupor que pode
haver uma pluralidade de possveis leituras e interpretaes de
qualquer texto bblico. Entretanto, ele privilegia uma leitura feita
a partir da situao do pobre, da perspectiva do oprimido.27Para ele,
uma leitura apropriada das Escrituras s possvel a partir da situao
do oprimido. Nesse caso, a mensagem da Bblia se torna inacessvel a
quem no for pobre? J que "liberdade" como tema ou eixo semntico da
Bblia tem seu contedo determinado pela perspectiva de quem l, como
defende Croatto, no tornaramos a Bblia, ao fim, em depositria de
mensagens para qualquer ideologia?28De acordo com Boff, h vrios
resultados da adoo consciente de um crculo hermenutico para a
cristologia. Primeiro, todo relato escrito da vida de Jesus, como
os Evangelhos cannicos, necessariamente refletir em parte a vida de
seu autor. A partir do exemplo dos autores dos Evangelhos fica
claro que no existe algo como uma biografia histrica de Jesus que
seja cientificamente clara. O que Mateus escreveu, por exemplo, foi
resultado de sua interao com Jesus, de suas prprias pr-concepes e
do ambiente em que vivia. A concluso que cada um procura responder
pergunta "quem Jesus" dentro das suas prprias preocupaes vitais
(pp. 17-19). Segundo, a fim de realmente compreender quem Jesus,
preciso aproximar-se dele como algum tocado e atrado por ele. Esse
"toque" de Jesus nada tem a ver com o conceito evanglico de um
encontro pessoal com Cristo atravs da pregao do Evangelho ou da
leitura das Escrituras. O Jesus de Boff pode ser encontrado fora
das Escrituras. Jesus penetrou no subconsciente da nossa cultura
ocidental. Ele est sempre presente ali e pode a qualquer momento
ser evocado e revivido como uma experincia de f. Somente dentro
deste arcabouo, declara Boff, podemos entender de certa maneira as
novas experincias de Cristo que esto ocorrendo entre jovens de hoje
(nas comunidades eclesiais de base?), sem a mediao da igreja e das
Escrituras. Tais experincias so mediadas pelo substrato da nossa
cultura, por meio da qual Jesus prolonga a sua encarnao (pp.
52-3).29O ensino de Boff, ento, que a interao com Jesus, que conduz
ao entendimento dentro do crculo hermenutico, no depende
necessariamente da revelao bblica.
Embora Boff esteja correto em reconhecer a influncia das
pr-convices na interpretao, ele pode ser criticado por ter
exagerado o valor da "autoconscincia hermenutica" como caminho para
se livrar do crculo hermenutico. Tem-se a impresso de que, para
Boff, a conscincia das prprias pressuposies libera o indivduo da
circularidade inevitvel da hermenutica da teologia da libertao e
possibilita um melhor entendimento de Jesus. Uma crtica que
geralmente se faz contra a adoo do crculo hermenutico como
fundamental, que aqueles que se ocupam com a luta social e com a
poltica, pela justia, ao lado dos marxistas e outros ativistas, no
tm nenhum modo de saber se esto agindo de acordo com os ensinos das
Escrituras, ou se, antes, esto usando-as para legitimar uma
instncia poltica ou ideolgica particular.30 Lendo-se a obra de
Croatto, fica-se com a ntida impresso de que sua hermenutica
conscientemente desenvolvida visando legitimar a causa dos pobres e
oprimidos. J que supostamente Deus est engajado na luta em favor
dos oprimidos, a Bblia deve ser lida dessa perspectiva. Apesar de
afirmar que o texto polissmico (comporta um nmero ilimitado de
sentidos), afirma tambm que a leitura mais apropriada da Bblia
aquela feita a partir da situao de opresso e pobreza. Aqui
percebe-se uma notvel semelhana entre o conceito do
"mais-que-sentido-literal" da proposta de Croatto (e das novas
hermenuticas em geral) e as alegorias de Orgenes e dos escolsticos
medievais: desprezam o sentido gramtico-histrico e valorizam um
sentido que est alm do texto, o qual alcanado atravs do horizonte
do leitor (no caso de Filo e Orgenes, o platonismo; no caso de Boff
e Croatto, a praxis liberacionista). Tal nfase, desprezando o
sentido histrico e gramatical, acaba por achar sentidos no texto
bblico que absolutamente no faziam parte do que era pretendido pelo
autor.31
D. Descontinuidade entre Modelos HistricosBoff ensina que, como
pessoas limitadas a um perodo histrico, nunca podemos compreender e
captar totalmente a proposta de Deus, nem a totalidade da realidade
como tal. Somente atravs de modelos histricos esta compreenso
torna-se possvel. Um modelo um mediador entre a proposta de Deus e
a resposta humana, entre natureza e liberdade, subjetividade e
objetividade, indivduo e sociedade. Para Boff, considerando-se que
a revelao est sempre em processo, um modelo sempre deve ser
confrontado com a realidade, enriquecido, criticado, corrigido e
mantido aberto ao crescimento interno (p. 55). As religies do mundo
so articulaes histricas dessa proposta-resposta dialtica. Desde que
ainda no foi obtida uma sntese completa, a revelao est sempre em
processo; ela tem de ser continuamente traduzida para novos
contextos histricos e sociais (p. 55; ver tambm pp. 277-8). Deste
modo, fica validado um modelo latino-americano de fazer
cristologia.
Por trs deste conceito est a suposio de Boff de que a histria da
salvao to extensa quanto o mundo e a histria da auto-comunicao de
Deus e da resposta humana proposta divina (p. 54). O que Boff quer
dizer com a "proposta de Deus"? No a revelao de Deus na Escritura,
mas na histria do mundo. Para se responder ao que Deus est propondo
dentro de uma determinada cultura, preciso desenvolver um modelo
compatvel com aquela cultura, a fim de se entender e responder a
Deus. Em termos de modelos religiosos, somente uma cristologia
desenvolvida a partir de um contexto de opresso pode habilitar os
pobres e os oprimidos a responderem proposta libertadora de
Deus.
As implicaes so bvias. Uma cristologia refletida e vitalmente
testada na Amrica Latina precisa ter caractersticas prprias; ela
deve reler os antigos textos do Novo Testamento com preocupaes
tomadas do contexto da Amrica Latina (pp. 56-7). A conseqncia da
pressuposio acima que, sendo a cristologia da libertao concebida a
partir de um contexto de opresso e dominao que prevalece na Amrica
Latina, ela requer um compromisso socio-poltico especfico para
romper com tal situao de opresso.32Ela procura criar um estilo e
desenvolver o contedo da cristologia de tal maneira que possa
destacar as dimenses libertadoras presentes na carreira histrica de
Jesus.33Este seria o nico modelo competente para fazer com que se
responda revelao de Deus num contexto latino-americano.
Ao assumir a concepo acima, Boff parece negar implicitamente
qualquer continuidade no conhecimento de Deus e na resposta a ele
entre diferentes geraes ou culturas separadas no tempo ou
geograficamente. Pode-se observar que uma das inferncias ltimas
desta concepo que fica impossvel a comunicao dos contedos teolgicos
de um modelo histrico entre diferentes geraes e culturas. Se a
revelao de Deus (proposta) somente pode ser entendida e
corretamente respondida dentro dos parmetros de um determinado
contexto (resposta), e se contextos variam e diferem entre si, os
contedos de um modelo cristolgico desenvolvidos em um certo momento
da histria e dentro de uma certa cultura, no sero comunicados
inteligivelmente fora do contexto original onde ele foi produzido.
Pode-se argumentar, ento, que a cristologia liberacionista do
prprio Boff fica isolada de toda a reflexo cristolgica anterior e
no pode ser julgada a partir de qualquer referencial histrico.
Olhando de outra perspectiva, no resta nenhuma base para Boff
criticar qualquer outro modelo cristolgico. Todavia, uma das
caractersticas destacadas na abordagem de Boff a crtica que faz s
cristologias tradicionais.
Este conceito pode ser levado um passo adiante. Desde que os
indivduos so diferentes e tm compromissos diferentes, com
pressuposies derivadas de diferentes contextos culturais e
histricos, tambm pode-se argumentar que no pode haver comunicao
inteligvel de um contedo teolgico entre duas pessoas. A implicao da
nfase na descontinuidade dos modelos histricos que somente Boff
realmente pode entender a sua cristologia da libertao e ningum
mais.
E. Dependncia da Anlise Social A fim de construir-se um modelo
para entender a Cristo, diz Boff, necessrio adotar uma mediao em
nossa leitura das Escrituras. O significado original das Escrituras
no mais imediatamente compreensvel a ns hoje, por causa da grande
distncia cultural e lingstica entre ns e a Bblia. necessrio
construir uma ponte, isto , interpretar, ou, em outras palavras,
ter uma mediao hermenutica. Por meio dessa mediao hermenutica,
desenvolvido um critrio teolgico com o qual se pretende ler o
texto. O critrio adotado por Boff a anlise social da
realidade.34Boff ensina que toda cristologia da libertao depender
de anlise social e de hermenutica. A anlise social enfoca a
realidade a ser mudada e a hermenutica considera a relevncia
teolgica de tal anlise. A anlise social considerada em termos de
Jesus Cristo e assim garante o carter teolgico da teoria e da
praxis da libertao.35Ele afirma:
A Cristologia da Libertao pressupe e depende de uma prtica
social especfica concebida para romper com o contexto existente de
dominao e dar aos grupos sociais oprimidos a oportunidade de se
libertarem das formas existentes de dominao.36Em outras obras, Boff
menciona a necessidade de "uma leitura analtica sociolgica e
estrutural da realidade que seja to cientfica quanto possvel."37Em
Jesus Cristo Libertador fica bvio que Boff adotou, como outros
telogos da libertao, algumas categorias seletas da tradio analtica
marxista. Por outro lado, no seria justo dizer que Boff utiliza o
marxismo in totum como um ponto de referncia determinante. O seu
propsito tomar qualquer verdade que possa ser encontrada no
marxismo e apropriar-se da mesma.38Muitos crticos duvidam que ele
tenha conseguido fazer isto.
Outra inconsistncia interna do pensamento de Boff torna-se clara
neste momento. Numa parte anterior do seu livro, ele faz a
tentativa de descartar o mtodo histrico-crtico por causa do seu
suposto carter cientfico e da sua conseqente objetividade. Parece
que Boff teve de fazer esta crtica a fim de alcanar um certo grau
de consistncia interna, desde que a sua hermenutica orientada para
o leitor (subjetiva). Porm, aqui Boff argumenta em favor de uma
ferramenta inteiramente cientfica de anlise social. Essa ferramenta
constitui, juntamente com a hermenutica, a base da sua cristologia.
A ferramenta adotada o marxismo, que v a si mesmo como uma
disciplina cientfica e objetiva. Alm de estar equivocado quanto ao
carter objetivo e cientificamente neutro do marxismo como
ferramenta de anlise social, Boff aumenta a tenso
objetiva-subjetiva inerente ao seu sistema.
F. O Leitor como Locus do SignificadoNo h uma resposta clara
pergunta "qual o locus de significado na cristologia de Boff?" Ou
seja, se existe sentido, onde ele se localiza? No texto? No leitor?
Por um lado, ao utilizar mtodos histrico-crticos para peneirar dos
Evangelhos os textos originais que no tinham sido editados, Boff
est assumindo implicitamente a pressuposio do mtodo histrico-crtico
tradicional, de que, em ltima instncia, o significado est
relacionado com a autoria.
Por outro lado, Boff acredita que o significado literal dos
textos no pode ser absolutizado, mas meramente entendido como uma
apreenso exemplar dentro de um modelo especfico. O texto deve estar
aberto a outros modelos que captam a realidade de um modo diferente
e assim enriquecem a nossa compreenso da revelao de Deus no mundo
(p. 55).
Assim, o significado original dos Evangelhos vlido para ns, no
como uma verdade universal, mas como um referencial histrico de
como a igreja primitiva entendeu Jesus. O texto ir fornecer outros
significados vlidos quando lido por latino-americanos. Boff sempre
insiste em que cada gerao, cada cultura e at mesmo cada grupo
social, deve entender os textos do Evangelho de maneiras
condicionadas pelo seu prprio contexto. Obviamente, ele segue um
modelo hermenutico mais orientado para o leitor e adota o conceito
de que o significado est localizado no leitor conceito central nas
hermenuticas do assim chamado ps-modernismo.
Isto se reflete na sua abordagem dos dogmas, que basicamente a
abordagem de Karl Rahner. Para Rahner, os dogmas so uma fixao
verbal e doutrinria das verdades fundamentais do cristianismo para
um determinado perodo de tempo, desenvolvida com o auxlio dos
instrumentos de expresso oferecidos por aquele ambiente cultural
(p. 197). Conseqentemente, conclui Boff, se desejamos ser cristos e
ortodoxos no basta simplesmente recitar frmulas antigas e
venerveis: ns devemos viver o mistrio que a frmula contm. Em outras
palavras, o que foi significativo como verdade para geraes
passadas, no o para as presentes.
Para ilustrar o seu conceito de significado, Boff utiliza o cone
de uma vasilha frgil que preserva uma essncia preciosa; a essncia
preciosa pode ser representada de maneira imperfeita com diferentes
aparncias, que so as nossas frmulas e dogmas, mas a essncia deve
ser preservada.
Croatto segue na mesma linha. A tese principal de sua obra
Hermenutica Bblica que a Bblia no deve ser vista como um depsito
fixo que j disse tudo o que realmente importa no o que ela disse,
mas o que ela diz. No ato de escrever sua mensagem, os autores
bblicos desapareceram. Sua morte, entretanto, traz riqueza
semntica. A tentativa que fizeram de enclausurar o sentido acaba
por abrir a possibilidade de novos sentidos. Croatto chega ao ponto
de afirmar que a tarefa do intrprete no fazer exegese a tarefa de
descobrir o sentido primrio do texto mas eisegese, isto , entrar no
texto com novas questes que produziro, por sua vez, novos sentidos.
Comentando esse aspecto da obra de Croatto, Moiss Silva
observa:
Apesar de ningum estar defendendo que devemos voltar aos tempos
da alegorese descontrolada de alguns intrpretes patrsticos e
medievais, a busca de um sentido no texto bblico que v alm do
pretendido pelo autor original certamente parece, primeira vista,
jogar fora sculos de progresso hermenutico.39Silva demonstra a
fragilidade das hermenuticas centradas no leitor dizendo que
Croatto ficaria profundamente ofendido (e com razo) se esse algum
lesse seu livro e afirmasse que Croatto defende que a melhor
hermenutica a fundamentalista ou concordista, ou ainda, que seu
livro oferece base para uma tica poltica que justifica presses
imperalistas dos Estados Unidos na Amrica Latina. Tal interpretao
do livro de Croatto seria quase um insulto pessoal ao autor,
comenta Silva. Croatto poderia dizer que o leitor no entendeu o que
ele quis dizer. Poderia at mesmo tentar processar tal intrprete por
difamao ou calnia. Entretanto, estaria sendo incoerente com sua
prpria tese.40
G. F e Praxis como Requisitos para a CompreensoUm aspecto
importante das pressuposies de Boff a prioridade no processo
hermenutico que ele atribui f. De acordo com ele,
no podemos simplesmente falar sobre Jesus como falamos sobre
outros objetos. S podemos falar a partir dele, como quem est tocado
pela significao de sua realidade. A ele vamos com aquilo que somos
e temos, inseridos dentro de um contexto histrico e social
inevitvel. Com os nosso olhos vemos a figura de Cristo e relemos os
textos sagrados que falam dele e a partir dele (p. 56).
Mais do que outros telogos da libertao, Boff afirma a primazia
da f na interpretao dos Evangelhos. Assim sendo, ele censura a
crtica histrica porque ela no pressupe a f no investigador (p. 51).
Em uma divergncia surpreendente da busca do Jesus histrico
empreendida na Europa, ele diz que qualquer cristologia que
enfatize o Jesus histrico s custas de um Jesus dogmtico inadequada.
O Jesus histrico s pode ser entendido na dimenso da f, da mesma
maneira que a Igreja Primitiva identificou o Jesus histrico fsico
com o Cristo ressurreto em glria. A histria, afirma, sempre vem a
ns em unssono com a f (pp. 25-6, 89-90).
Aqui Boff parece diferir dos seus colegas da Amrica Latina, que
normalmente tomam o contexto social como o ponto de partida. Essa
divergncia, porm, apenas superficial. No jargo teolgico de Boff,
"ser tocado pelo significado da realidade de Jesus" algo que pode
acontecer sem a mediao das Escrituras. assumir um compromisso ao
lado dos pobres e oprimidos, enquanto se reconhece que foi isto o
que Jesus fez. Falar tendo Jesus como um ponto de partida no
significa converso e submisso ao seu senhorio, como
tradicionalmente se entende; antes, significa falar a partir de um
compromisso com a libertao social ou a praxis. Assim, a f, na
teologia de Boff, no sustentada pelas Escrituras, mas pela praxis.
Para citar Berryman:
A firmeza da f no vem de conceitos particulares at mesmo aqueles
da teologia da libertao ou da prpria Bblia mas do compromisso com
um certo tipo de vida, exemplificada em Jesus Cristo e vivida nos
nossos dias por muitos homens e mulheres comuns da Amrica Latina.
No compromisso dos seus irmos e irms, os telogos vem a sua prpria f
fortalecida e validada.41
Conforme j destacamos, outro aspecto da hermenutica de Boff que
a correta interpretao dos textos bblicos vem atravs da praxis, ou
seja, do envolvimento social e poltico em favor dos oprimidos. Ele
diz: "Assumir uma clara posio social em favor dos oprimidos tem
exigido de muitos uma verdadeira converso hermenutica."42 somente
quando algum se compromete com o programa de libertao que ser capaz
de ter conhecimento de Cristo. Boff segue Bultmann na afirmao de
que compreenses preliminares provisrias so a maneira pela qual
algum se abre ao texto bblico.43Mas, como pondera Goldingay, os
telogos da libertao em geral acrescentam que essa abertura do
leitor ao texto no somente uma questo de mente, mas tambm de
vontade e de ao. O modo como algum vive influencia inevitavelmente
a sua maneira de ler a Bblia. Qualquer leitura da Escritura ocorre
no contexto de algum compromisso.44Portanto, o compromisso com a
libertao funciona como uma condio essencial para entender os
Evangelhos. Somente quando algum se compromete dessa maneira ele
ser capaz de ler as Escrituras de modo relevante para o homem
contemporneo que vive em uma condio opressiva.45O conceito de
praxis em Boff , em muitos aspectos, semelhante concepo marxista. o
poder humano bsico para transformar o ambiente pela atividade
criativa, que em grande parte determinado pelo modo existente de
produo econmica. A forma mais criativa de praxis a "praxis
revolucionria," que desafia e transforma a praxis poltica
conservadora das sociedades capitalistas.46Volf pondera que, ao
colocar a praxis como um pr-requisito essencial para o
entendimento, a teologia da libertao prope inverter a relao
tradicional entre teoria e prtica. At recentemente, a teologia
colocaria o entendimento antes da praxis. A teologia da libertao
coloca a praxis no centro, no qual a reflexo teolgica deve comear e
para onde ela deve retornar. Essa rotao na metodologia tem as suas
razes em Marx e Hegel.47 Volf destaca que existem duas pressuposies
bsicas por trs da nfase de Boff na praxis. Primeiramente, uma
aceitao implcita da concluso da sociologia do conhecimento de que
no h tal coisa como o "conhecimento autnomo." O conhecimento est
sempre ligado a uma determinada situao de vida. Isto forma a base
dos ataques de Boff contra as cristologias dominantes que no esto
conscientes da conexo entre teologia e prtica.48Em segundo lugar,
uma aceitao implcita do conceito marxista de que a verdade no est
no reino das idias, mas no plano da histria.49 Este ltimo ponto
ilustrado pelo conceito de Boff sobre "estrutura crstica." Ele fala
da "estrutura crstica" que existe dentro da realidade humana e foi
manifestada de maneira absoluta e exaustiva em Jesus de Nazar. Essa
"estrutura crstica" existiu antes do Jesus histrico; ela pr-existe
dentro da histria da humanidade. Toda vez que um ser humano se abre
para Deus e para o outro, ali ns temos o verdadeiro cristianismo e
a estrutura crstica emerge. Assim, o cristianismo pde existir antes
do cristianismo, de um modo annimo. Ele recebeu o seu nome com
Jesus Cristo. Assim, da mesma maneira que a terra era redonda antes
de Magalhes t-lo demonstrado, o cristianismo existiu antes de Jesus
Cristo e alcanou nele a sua revelao mais elevada (pp. 268-75).
Portanto, desde que a verdade existe na histria, particularmente
na "estrutura crstica," a essncia do cristianismo, para Boff, o
viver concreto e consistente numa estrutura crstica. Este viver
deve seguir a Jesus de Nazar: abertura total a Deus e aos outros. A
concluso inevitvel a seguinte: "No o que cristo e catlico que bom,
verdadeiro e justo. Mas o bom, verdadeiro e justo que cristo e
catlico" (p. 272).
II. OS RESULTADOS DA HERMENUTICA DE BOFFEm resumo, Boff prope
que leiamos os Evangelhos tendo os seguintes pontos em mente:
1. O Jesus que nos apresentado nos Evangelhos no corresponde ao
Jesus que realmente existiu. apenas o Cristo da f e da reflexo
daigreja.
2. preciso ler os Evangelhos com os olhos de latino-americanos
oprimidos e deixar que nossa experincia de opresso nos leve a
Jesus, e dele retornemos nossa realidade com esperana de
libertao.
3. Precisamos entender Jesus por ns mesmos e elaborar uma
cristologiacompatvel com nossa gerao, com nossa histria e nossa
situao. A reflexo sobre Cristo feita por geraes anteriores no pode
substituir a nossa prpria.
4. Devemos ler as Escrituras com a mente crtica de um analista
sociale ver os relatos em termos da luta entre opressores e
oprimidos. Paraisso, podemos usar a anlise crtica social do
marxismo.
A figura de Jesus Cristo como libertador social e suas implicaes
para a igreja latino-americana, conforme expostas por Boff, so
resultado dessas convices acima.
No que se segue, procurarei resumir as principais concluses de
Boff quanto aos pontos cruciais de sua cristologia. Uma anlise
crtica ser oferecida mais ao fim deste artigo.
A. O Jesus HistricoVirtualmente todas as cristologias
latino-americanas tendem a enfocar o Jesus histrico em contraste
com o Cristo da f. De acordo com elas, o lado humano de Jesus, e no
a reflexo da igreja sobre a sua pessoa e natureza, que inspira e
empolga a cristologia da libertao. Boff trata inicialmente do Jesus
histrico.
pergunta "O que Jesus Cristo realmente queria?", Boff responde:
Jesus no pregou nem a si mesmo, nem a igreja, mas o reino de Deus.
O reino de Deus a realizao de uma utopia fundamental do corao
humano, a transfigurao total deste mundo. Ele est livre de tudo
aquilo que aliena os seres humanos, livre da dor, do pecado, das
divises e da morte. O que Jesus queria era fazer as pessoas e os
seus discpulos entenderem que o contedo teolgico da expresso "reino
de Deus" era muito mais profundo do que eles imaginavam. Exigia
converso das pessoas e uma transformao radical do mundo humano.
Essa nova ordem j foi introduzida por ele (pp. 64-7).
De acordo com Boff, Jesus Cristo veio como libertador da condio
humana. Na religio judaica do tempo de Jesus, tudo estava prescrito
e determinado: primeiro as relaes com Deus e depois as relaes entre
os seres humanos. A conscincia sentia-se oprimida por prescries
legais insuportveis. Jesus levantou um impressionante protesto
contra toda essa escravizao humana em nome da lei. A sua atitude
fundamental foi de liberdade diante da lei. Essa liberdade era para
o bem, e no para a libertinagem.
preciso concordar com Frances Young que uma das decepes com a
obra de Boff que ela tem pouco a dizer que seja realmente novo. O
quadro do Jesus histrico que emerge da maneira como ele trata os
Evangelhos , em grande parte, dependente das idias dos estudiosos
alemes ps-bultmannianos, especialmente Bornkamm, que se dedicaram a
"redescobrir" o verdadeiro Jesus, busca esta iniciada no sculo 17,
com Reimarus, aps o surgimento do racionalismo. Sob este aspecto,
Jesus Cristo Libertador tem muitos paralelos com obras tais como
Sendo um Cristo, de Hans Kng. De acordo com Young, apesar de sua
erudio, o livro carece de coerncia interna e de rigor intelectual,
e mui otimisticamente apela ao Jesus histrico contra o Jesus do
cristianismo estabelecido.
A pesquisa e o relato de Boff sobre as vrias tcnicas empregadas
na busca do Jesus histrico so elucidativos. No obstante, s vezes o
quadro de Jesus que emerge da sua cristologia se baseia somente
numa simples citao de textos, e ocasionalmente at mesmo num
fundamentalismo baseado puramente na teologia de Lucas.50
B. O Cristo da F O significado do Cristo da f para a Amrica
Latina, especialmente para o Brasil, pode ser resumido no que ele
chama de "elementos de um cristologia em linguagem secular."
Destaco apenas trs desses elementos.
Cristo o ponto mega da evoluo, o homo revelatus, e o futuro como
presente. Aqui, Boff recorre especialmente a Teilhard de Chardin.
Como o homo revelatus, Cristo realizou as aspiraes messinicas do
corao humano (pp. 254-6). Este primeiro elemento est sujeito a
crticas em vrios aspectos. Um deles que Boff desenha um Jesus que
dificilmente acabaria rejeitado e crucificado por seu prprio povo.
Seu Jesus o cumprimento de tudo aquilo por que os seres humanos
naturalmente se esforam. Dessa perspectiva, acabam sendo
minimizados os conflitos que Jesus despertou. Para Boff, Jesus no
era "contra nada. Ele a favor do amor, da espontaneidade e da
liberdade" (pp. 81-2). Outro aspecto: Boff ignora totalmente a raiz
mais profunda dos problemas sociais, que a corrupo do corao humano.
Os seres humanos no so vistos como radicalmente escravizados por
foras hostis e pelo seu prprio pecado e assim necessitando de um
libertador distintamente divino com um poder redentor alm da
capacidade humana.51Cristo como conciliao de opostos e ambiente
divino. Como tal, Cristo mediador entre Deus e os seres humanos, no
no sentido evanglico tradicional, mas no sentido de realizar a
esperana fundamental que as pessoas tm de experimentar o
inexperimentvel. Ele tambm representa a conciliao de opostos
humanos, criando pela cruz uma nova humanidade, um milieu divin
(pp. 256-8). Aqui fica evidente como as pressuposies hermenuticas
de Boff o levaram a esta viso humanstica da mediao de Cristo. Ao
adotar a crtica da forma e das fontes, Boff conclui que as
passagens dos Evangelhos que tratam da expiao e da redeno, bem como
as passagens do Novo Testamento que afirmam que Cristo morreu pelos
nossos pecados, so interpretaes posteriores da comunidade
palestina. Elas no tm nenhuma raiz no Jesus histrico. Elas
simplesmente refletem a reao de f da igreja primitiva ao Senhor
ressurrecto. O conceito da morte vicria de Cristo apenas uma
interpretao entre outras muitas possveis interpretaes, que no deve
ser absolutizada (pp. 146-7). Ao enfatizar a libertao no nvel
social e estrutural, geralmente em categorias de opressor e
oprimido, Boff minimiza a implicao da morte de Cristo para expiar
os pecados individuais e pessoais. Pouca ou nenhuma ateno dada
justificao pessoal e ao perdo de pecados como resultados diretos da
morte de Cristo.
Como David Peterson observa, o mtodo de Boff o leva a depreciar
o significado de grande parte do material do Novo Testamento a fim
de obter a sua interpretao da relevncia de Cristo para a cultura
latino-americana. Diz Peterson:
Os leitores que permanecem convencidos de que a interpretao dada
pelo Novo Testamento sobre a pessoa e obra de Cristo continua
normativa para todas as geraes continuaro a buscar os melhores
mtodos para tornar o Cristo do testemunho apostlico relevante para
as pessoas do nosso tempo e de vrias culturas.52
Jesus Cristo o arqutipo da individuao mais perfeita. Baseado na
terminologia de Jung, Boff declara que a busca dos seres humanos
alcanar a integrao de todos os dinamismos da sua vida consciente,
subconsciente e inconsciente, que o processo de individuao. Cristo
a concretizao mais perfeita e completa do Selbst (arqutipo de
Deus). Como tal, ele assume um significado transcendental para a
humanidade, porque ele abre a possibilidade de uma realizao total
(pp. 260-2).
Uma vez mais pode-se concordar com Fingers, de que a nfase
humanstica na cristologia de Boff se parece com a desacreditada
abordagem liberal europia e norte-americana na qual a pessoa humana
evolui mui natural e suavemente at Deus, e a histria evolui mui
inevitavelmente para tornar-se divina.53Outros crticos consideram o
captulo 10 de Jesus Cristo Libertador, no qual Boff trata da
divindade de Cristo e do significado de Calcednia, como a parte
mais insatisfatria do livro (pp. 204-10). Existe um persistente
obscurecimento do problema da singularidade de Cristo e mesmo da
sua unio conosco em nossa humanidade. O problema mais fundamental
provavelmente a suposio de que escatologia e evoluo podem ser
igualadas.54
III. UMA AVALIAO DA HERMENUTICA DE BOFF a partir de UMA
PERSPECTIVA REFORMADA At agora temos procurado apontar algumas
incoerncias e inconsistncias internas na hermenutica de Boff, no
decorrer de nossa anlise. No que se segue, procuraremos oferecer
uma crtica externa da hermenutica de Boff. Faremos isto partindo do
que consideramos uma hermenutica comprometida com as Escrituras, e
com o sistema doutrinrio que elas nos ensinam, representado na
teologia reformada.
A. O Compromisso com o PelagianismoPara comear, a estrutura do
pensamento e da teologia de Boff (que inevitavelmente influenciam
sua hermenutica) basicamente pelagiana. Pelgio foi condenado por
heresia nos primrdios da igreja crist por ensinar que o homem nasce
sem pecado e sem qualquer inclinao pecaminosa inata, e que
essencialmente neutro, podendo conhecer a Deus e praticar o que
reto, sem que necessariamente necessite de uma interveno divina
para isto. A "neutralidade" do homem pressuposta na obra de Boff,
bem como nas obras dos eruditos liberais em todo mundo. No caso de
Boff, em particular, o pelagianismo era inevitvel, no s por causa
do seu background catlico romano, mas principalmente por causa da
integrao do seu pensamento com muito da erudio europia moderna,
cuja cosmoviso distintamente pelagiana
Em sua epistemologia, Boff assume o conceito de "conhecimento
inato." De acordo com esse conceito, todos os homens tm noes comuns
vagas sobre Deus, sobre si mesmos e sobre a realidade, que formam a
base de uma rea de concordncia para dilogo e interao entre sistemas
filosficos de homens no regenerados e uma viso crist do mundo.
somente a partir dessa base que alguns dos princpios hermenuticos
de Boff podem operar, especialmente o uso de uma ferramenta crtica
como o marxismo.
Da perspectiva do pensamento reformado, Boff evidentemente no
levou a srio o ensino das Escrituras acerca da queda do homem e
suas conseqncias para a epistemologia. De acordo com as Escrituras,
o intelecto do homem (como tambm a sua vontade e afetos) est hoje
em um estado anormal. O homem, como tal, no "neutro." A razo do
homem continua funcionando, mas funciona de forma errada (ver 1 Co
2.14). O homem natural se v, e ao mundo ao seu redor, atravs de um
conjunto de pressuposies. Entre elas est a convico de que o juzo
ltimo quanto ao que pode ou no pode ser realidade, jaz dentro dele,
na sua capacidade de raciocnio. Outra convico que sua prpria
interpretao da realidade vlida para si mesmo; e ainda, que os fatos
existem como bruta facta ("fatos brutos"), por si mesmos.55Acredito
que Cornelius Van Til est correto ao afirmar que todos os homens no
regenerados interpretam Deus, a realidade e eles mesmos de um modo
errado, porque rejeitaram a validade da interpretao de Deus contida
nas Escrituras. Qualquer sistema construdo pelo homem natural
necessariamente trar as marcas destas convices. Tudo no sistema ser
filtrado por estas pressuposies. E o marxismo no seria uma
exceo.
O marxismo um bloco indivisvel, portanto, cujos elementos no
podem ser separados um do outro. Teoricamente, Boff no poderia
quebrar o marxismo em pedaos e escolher tudo que julga ser verdade
nele, sem correr o risco de adotar categorias anti-crists.
Exatamente porque no reconhece que o nico verdadeiro conhecimento
inato que todos os homens tm em comum o conhecimento de Deus (um
contedo especfico que suprimido nos coraes dos homens cados, cf.
Romanos 1), Boff permanece sem qualquer base para uma confrontao
tica direta entre o homem e Deus, e assim, ele tambm permanece sem
um critrio pelo qual venha a diferenciar a verdade do que falso em
um sistema como o marxismo.
B. Cristo sem Escrituras Como foi mostrado acima, na hermenutica
de Boff a interpretao se move da experincia ao texto. H uma interao
ativa entre o leitor e as Escrituras, que mediada pela f e pela
praxis. Praxis o centro donde a compreenso vem e vai. O leitor
entende a Bblia em termos das suas experincias (praxis) e
reinterpreta o que experimenta em termos de smbolos bblicos. Boff
tambm insiste que ns s podemos falar tendo Jesus Cristo como nosso
ponto de partida (ver p. 43). Isto significa que, para ele, Jesus
Cristo a sua pressuposio mais fundamental.
Os reformados certamente admitiriam que Boff est correto ao
prestar ateno influncia das pressuposies no raciocnio, e ao
aceit-los positivamente em sua prpria interpretao. Ele aparenta
estar perfeitamente consciente de que no h algo como "linguagem
neutra" ou interpretao verdadeiramente objetiva.
A grande diferena, claro, que no sistema reformado o Cristo
atestado nas Escrituras que se constitui no ponto de partida de
toda a pregao,56enquanto que, na cristologia da libertao, o Jesus
histrico reconstrudo atravs do mtodo histrico-crtico e interpretado
luz do modelo cristolgico da teologia da libertao na Amrica Latina.
Assim, enquanto Boff enfatiza a praxis, a teologia reformada diz
que as Escrituras, em todos os seus atributos (necessidade,
autoridade, perspicuidade e suficincia)57 a pressuposio
fundamental.
Poderia ser argumentado que a nfase de Boff na praxis como uma
condio para o conhecimento no antibblica. Apoio para a conexo ntima
entre conhecer a Deus e fazer a sua vontade pode ser achado nas
Escrituras. S para mencionar um exemplo, Jesus diz em Joo 7.17:
"qualquer que fizer a sua vontade, conhecer a doutrina, se de Deus,
ou se eu falo de mim" (ver tambm Cl 1.9; Fp 1.9; Rm 1.18; Jo
3.20-21; 1 Jo 4.8). Porm, tem que ser notado que, em termos
bblicos, a pressuposio para o conhecimento correto a prtica correta
(e vice-versa). E como se pode definir a prtica correta? Aqui jaz a
diferena fundamental entre Boff e os reformados, neste aspecto.
Para Boff, uma anlise social da situao determinar os parmetros de
praxis, enquanto que no sistema calvinista as Escrituras so o nico
juiz de toda ao.
C. Deus Rejeitado como Fonte de Conhecimento Vejamos agora as
pressuposies de Boff sobre conhecimento. Como demonstrado acima,
para ele o conhecimento no autnomo, mas sempre amarrado a uma
situao particular da vida. A verdade, tambm, no reside no reino das
idias, mas no nvel da histria. Enfatizando este ponto, Boff est
criticando a cristologia tradicional que, segundo ele pensa, no v a
conexo entre teologia e prtica.
A rejeio da concepo platnica da realidade por parte de Boff
bem-vinda em alguns sentidos. Do ponto de vista bblico, entretanto,
sua conscincia da dependncia do conhecimento (em contraste com a
autonomia do mesmo), no radical o bastante. Tal conceito
simplesmente transforma o conhecimento em uma funo da histria e da
sociedade, e no em algo dependente do conhecimento de Deus. Na
hermenutica de Boff o conhecimento no autnomo porque est preso
histria; do ponto de vista bblico o conhecimento humano no autnomo
porque depende do conhecimento de Deus. Ou seja, ele , como
designou Van Til, analgico ou adquirido. Este aspecto desaparece na
epistemologia de Boff. Fica-se com a clara impresso de que o homem
pode conhecer, parte de Deus. Pode-se conhecer a Jesus atravs de um
compromisso com a libertao social, o que Boff chama de "converso
hermenutica." O papel de Deus como Criador, e portanto como o
fundamento de todo o conhecimento humano, est ausente no tratamento
que Boff faz do tema "como podemos conhecer a Jesus."
D. Separao Radical entre F e Razo O impacto da filosofia de
Immanuel Kant no pensamento e na hermenutica modernos maior do que
podemos perceber primeira vista. interessante que o prprio Kant,
refletindo sobre a interpretao bblica, chegou a sugerir o que
parece um retorno ao sistema alegrico de interpretao. Fazendo uma
distino entre interpretao autntica (literal e relacionada com a
inteno do autor bblico) e a interpretao doutrinria (obtida do ponto
de vista moral e prtico), Kant sustenta que somente a ltima, por no
estar preocupada com o sentido que o autor sacro quis transmitir
com suas palavras, que pode verdadeiramente ser considerada como "o
nico mtodo evanglico e bblico de ensinar ao povo a religio
universal, verdadeira e interior."58Kant influenciou os principais
responsveis pela formao das hermenuticas modernas, como F.
Schleiermacher, W. Dilthey, R. Bultmann, para mencionar apenas
alguns. No sem razo que as hermenuticas ps-modernas soam to
similares ao sistema alegrico antigo e medieval.59O conceito de
Boff sobre a relao entre f e razo kantiano. Seguindo a distino de
Kant entre nmeno e fenmeno, ele diz que conhecimento no pode ser
adquirido ou recebido somente pela razo e pela cincia.60Aqui a "f"
entra. F um modo positivo de se comportar diante das questes mais
cruciais da vida humana, do mundo e de Deus. Pela f, a dimenso do
conhecimento que vem somente pela razo cientfica transcendido e
penetra-se em outro domnio, onde decises livres so o fator
determinante sobre o qual se baseia outro universo de compreenso. F
e razo cientfica no so antagnicos; so apenas duas dimenses
diferentes dentro do mesmo domnio e no dois modos de conhecer (p.
31) Como Kant, Boff separa f e razo e as coloca em dois planos
distintos, para evitar a coliso entre ambas.
Duas crticas podem ser feitas a esta tentativa. Primeiro, o
dualismo nmeno-fenmeno, que a base para o dualismo f-razo aceito
por Boff, no pode ser mantido luz das Escrituras. O Deus da Bblia
no permanece somente no domnio do nmeno ele intervm e age tambm
dentro do fenmeno. Uma distino entre f e razo no deve ser forada ao
ponto de provocar uma separao radical entre ambas. Boff insiste
nesta distino para enfatizar a prioridade da f na reflexo
cristolgica. Porm, insistindo neste ponto, Boff est puxando o
tapete de debaixo dos prprios ps, pois, ao contrrio de Bultmann,
ele gostaria de ver uma continuidade entre o Jesus histrico e o
Cristo da f. Esta continuidade essencial para a sua cristologia,
visto que sua reconstruo de Jesus como libertador da condio humana
supostamente derivada do Jesus histrico.
Segundo, ao adotar implicitamente a distino de Kant entre f e
razo, Boff assume outro postulado da filosofia moderna, a saber, a
autonomia que o homem tem de, dentro do domnio do fenomenal,
conhecer e entender a realidade parte de Deus (o que tambm chega
bem perto da concepo catlica romana de revelao natural). Isto,
claro, vai de encontro ao ponto mais essencial da Escritura, isto ,
que Deus a condio primria para o conhecimento do homem.
Tambm, estabelecendo esta distino, Boff permite uma transferncia
de toda a reflexo sobre a cristologia do Novo Testamento doutrinas
como a encarnao, ressurreio, propiciao e redeno (que Boff considera
produtos da f dos apstolos) para o nmeno, causando em ltima anlise
uma separao entre elas e o Jesus histrico algo que Boff no
desejaria.
E. Falta de Base Escriturstica para a FO que f, para Boff? Ele
responde, citando Boaventura, que a f o poder da fala gaguejante,
quando o homem confrontado com o mistrio de Cristo como o futuro da
humanidade (p. 31). Na cristologia de Boff, a f no depende da
revelao de Deus (Escrituras), sendo somente uma resposta
existencial ao Cristo. Poder-se-ia inquirir como este Cristo pode
ser conhecido, parte das Escrituras? No h qualquer resposta clara
na cristologia de Boff para essa pergunta.
Tem-se a impresso de que para Boff o Cristo exaltado se tornou
uma realidade dentro da histria (a possibilidade de vitria sobre a
morte, alienao, opresso e pecado), realidade esta que pode ser
invocada ou reavivada por qualquer um, a qualquer hora, pela f.
Transparece do pensamento de Boff que s h converso quando algum se
entrega causa dos pobres e dos oprimidos. A f acontece quando algum
se conscientiza de que Cristo o futuro do homem e a esperana de
libertao.
F, como entendida por Boff, poderia ser descrita como uma "f
cega." No tem base bblica nem evidncia bblica para sua
fundamentao.61Alm disso, no considerada como um dom de Deus por
meio do qual o homem pode vir a conhec-lo. Ela nasce da autonomia
da razo, que caracterstica central do sistema de Boff.
F. Omisso da Obra Iluminadora do Esprito Santo Boff falha ao
admitir implicitamente a "razo em geral," no distinguindo entre a
razo do no regenerado e a razo do cristo. Conforme o ensino bblico,
a razo humana est em um estado de anormalidade por causa da queda,
e, portanto, no pode ser o juiz da realidade. A razo no homem
regenerado tem como seu propsito receber e reinterpretar a revelao
que Deus fez de si mesmo nas Escrituras.62Boff assume que a razo
humana natural pode captar a verdade sem o pr-requisito da
regenerao. Regenerao e iluminao do Esprito Santo com relao revelao
esto completamente ausentes da epistemologia de Boff.
A crtica que Van Til faz viso catlica romana da razo bem pode
ser aplicada a Boff aqui. Embora sustente que a razo est
enfraquecida e deve ser complementada para poder chegar a conhecer
os mistrios de Deus, o catolicismo romano continua a viver uma
tenso entre esta viso e a sua viso da autonomia da razo.63
ConclusOA cristologia de Boff, bem como a teologia da libertao
em geral, no desfruta mais do prestgio acadmico que gozou em dcadas
recentes. Entretanto, os pressupostos, mtodos e ferramentas
empregados continuam a ser usados em outras manifestaes teolgicas
modernas.
Para muitos, o liberalismo teolgico se extinguiu. De fato, ele
teve seu momento histrico. Mas os pressupostos que motivaram seu
surgimento, no somente os filosficos, mas especialmente os
religiosos (o atesmo, o evolucionismo e o agnosticismo so
religies!) continuam a operar por detrs de movimentos e sistemas
teolgicos contemporneos.
Mesmo sendo uma tentativa de reconstruir um Jesus histrico que
tivesse cara de latino-americano, a cristologia da libertao
empregou as ferramentas crticas nascidas no liberalismo alemo. O
retrato do Jesus Cristo libertador dos pobres latinos passou, mas
as ferramentas que o criaram continuam em atividade hoje.
ENGLISH ABSTRACTThis article is an analysis of the hermeneutic
of liberation theologian Leonardo Boff. Lopes critically reviews
Boffs most influential work, Jesus Christ Liberator, where his
hermeneutical assumptions and method are clearly exposed. According
to Lopes, the main hermeneutical assumptions of Boffs "liberation
christology" are: the validity of the historical-critical methods
to uncover the historical Jesus, the philosophical hermeneutic of
Hans-Georg Gadamer, the use of the hermeneutical circle in
interpretation, emphasis on the discontinuity between historical
christological models, dependence on social analysis as a
hermeneutical key, the reader as locus of meaning, and faith and
praxis as necessary for understanding Scripture. Lopes offers a
critical evaluation of each of these points, as he exposes and
discusses them. Also, similar views defended by Jose Severino
Croatto, another catholic liberation theologian, are evaluated.
After summarizing Boffs conclusions about the Jesus of history and
the Christ of faith, Lopes points out some theological reservations
that Reformed scholars certainly would posit against Boffs
theological assumptions: an implied semi-pelagianism, the idea that
Christ can be known outside Scripture, God rejected as the only
source of true knowledge, a radical Kantian separation between
faith and reason, the concept of faith without the Scriptures and
his omission of the work of the Holy Spirit in interpretation and
understanding.
NOTAS1 Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador: Ensaio de
Cristologia Crtica Para Nosso Tempo (So Paulo: Vozes, 1972). A
pesquisa para este artigo foi feita na sexta edio (1977). Outras
obras de Leonardo e Clodovis Boff aqui citadas foram pesquisadas na
biblioteca do Seminrio Teolgico Westminster (Filadlfia), onde os
livros de Leonardo e Clodovis Boff disponveis esto traduzidos para
o ingls.
2 Suas duas ltimas publicaes nessa linha so A guia e a Galinha
Uma Metfora da Condio Humana (So Paulo: Vozes, 1997) e O Despertar
da guia O Diablico e o Simblico na Construo da Realidade (So Paulo:
Vozes, 1998). Da sua fase ecolgica temos Ecologia Grito da Terra,
Grito dos Pobres (So Paulo: tica, 1996).
3 Bonaventure Kloppenburg, Temptations for the Theology of
Liberation, Synthesis Series n 65 (Chicago, 1974), 13.
4 O livro Hermenutica Bblica de J. Severino Croatto, telogo
catlico, um exemplo de uma hermenutica escrita dessa perspectiva:
Hermenutica Bblica: Para Uma Teoria da Leitura como Produo de
Significado (So Paulo: Paulinas-Sinodal, 1986). O original foi
publicado em Buenos Aires: Ediciones La Aurora, 1984.
5 Isso no significa que Boff creia na literalidade da ressurreio
de Jesus. Embora faa freqentes menes ressurreio de Jesus em Jesus
Cristo Libertador, ele no parece acreditar numa ressurreio fsica e
literal de Jesus. Ele insiste que no foi a revivificao de um cadver
mas a transformao radical e a transfigurao da realidade terrestre
de Jesus, a concretizao do Reino de Deus na vida de Jesus (p. 224),
seguindo assim a tendncia geral do liberalismo clssico de
espiritualizar a ressurreio. Harvey Conn comenta: "Boff no leva em
conta o tmulo vazio. Aceita as aparies de Jesus aps a morte como
sendo trans-subjetivas, isto , as histrias das aparies testemunham
de um impacto que o mistrio imps aos discpulos" (Harvey Conn e
Richard Sturz, Teologia da Libertao, Coleo Pensadores Cristos [So
Paulo: Mundo Cristo, 1984], 92).
6 Ver a resenha de Thomas Fingers sobre Jesus Cristo Libertador
em Sojourners 11 (Maio 1982), 36-37.
7 Ver Conn e Sturz, Teologia da Libertao, 92.
8 Croatto, Hermenutica Bblica, 37-38. Outra obra mais recente na
mesma direo Philip R. Davies, In Search of "Ancient Israel," em
Journal for the Study of the Old Testament, Supplement Series 148
(Sheffield: JSOT, 1992).
9 Croatto, Hermenutica Bblica, 43.
10 Ibid., 65.
11 Ibid., 65-66.
12 Ver a anlise de Conn e Sturz, Teologia da Libertao, 91.
13 Praxis, do grego pra/ssw, significa fazer, agir, praticar ou
exercitar um arte, uma cincia ou uma habilidade. Na teologia da
libertao, o termo usado para o engajamento scio-politico da igreja
em favor dos pobres e oprimidos.
14 Apenas como exemplo, nas notas referentes ao captulo sobre
hermenutica, Boff refere-se a diversas obras sobre o assunto,
especialmente a G. Stachel, R. Marle, H. Cazelles, F. Ferr, W.
Kasper, R. Bultmann (Glauben und Verstehen), J. Moltmann, L.
Wittgenstein (Tractatus Logico-Philosophicus), H. D. Bastian e Hans
Gadamer (Truth and Method). Boff parece ter sido influenciado
especialmente por Moltmann, Bultmann, Wittgenstein e Gadamer. A
influncia de Gadamer pode ter sido mais indireta, atravs do irmo de
Boff, Clodovis, que publicou o mais competente tratamento da
metodologia teolgica escrita por um latino-americano. Nesta obra
ele usa extensivamente as idias de pensadores como Bachelard,
Bourdier, Gadamer, Habermas, Ricouer, Piaget, e Foucault, bem como
dos principais telogos modernos (Phillip Berryman, Liberation
Theology: Essential Facts about the Revolutionary Movement in Latin
America and Beyond [Nova York: Pantheon Books, 1987], 81). Ver
ainda Conn e Sturz, Teologia da Libertao, 90.
15 Michael L. Cook, "Jesus from the Other Side of History:
Christology in Latin America," Theological Studies 44 (1983),
258-287. Ver p. 269.
16 Ibid., 270. Ver tambm as crticas de Robert Kress,
"Theological Method: Praxis and Liberation," Communio 6 (1979),
132. Defendendo Boff, Ferm responde que tais crticas no se
justificam, desde que Boff deixa clara sua discordncia de
pensadores europeus. "A teologia da libertao no indivisvel, mas
rica e variada" (Deane W. Ferm, Third World Liberation Theologies -
An Introductory Survey [New York: Orbis Books, 1986] 44).
Entretanto, apesar de discordar dos europeus, Boff utiliza-se
profusamente do que produziram.
17 Boff nega que a teologia da libertao tenha como mentores
Bultmann ou Marx (Leonardo Boff e Clodovis Boff, Liberation
Theology: From Confrontation to Dialogue (San Francisco: Harper
& Row, 1986), 19-20. Apesar disso, a influncia do pensamento
desses dois est indiscutivelmente estampada nessa obra de Boff.
18 Apesar de Boff reconhecer a realidade e a influncia de
compromissos bsicos para uma compreenso da pessoa de Jesus, ele
parece acreditar ingenuamente que existe neutralidade e
objetividade no campo da cincia. Para uma breve discusso do carter
subjetivo do mtodo histrico-crtico, ver Vern S. Poythress, Science
and Hermeneutics, Foundations of Contemporary Interpretation,
vol.6; ed. Moiss Silva (Grand Rapids: Zondervan, 1988),
especialmente pp.18-20.
19 Sua obra clssica Verdade e Mtodo: Traos Fundamentais de uma
Hermenutica Filosfica (Petrpolis: Vozes, 1997), original alemo
1986.
20 Eric D. Hirsch, Validity in Interpretation (New Haven: Yale
University Press, 1967).
21 Ver por exemplo o artigo de Oscar A. Campos, "Gadamer:
Subjectivismo y Relativismo en la Hermeneutica," Vox Scripturae 8:1
(1998), 73-93. Sua concluso de que Gadamer no subjetivista nem
relativista, na minha opinio, no ficou devidamente provada no
artigo.
22 Segundo Joel C. Weinsheimer, Gadamer chegou ao ponto de
sugerir que a verdade na interpretao questo de gosto pessoal
(Gadamers Hermeneutics: A Reading of Truth and Method [New Haven:
Yale University Press, 1985], 111).
23 A definio de crculo hermenutico adotada por Boff segue a
conceituao clssica de Juan Lus Segundo, em The Liberation of
Theology (Dublin: Gill and MacMillan, 1977), 8.
24 Berryman, Liberation Theology, 60-62.
25 Frances Young, resenha de Jesus Cristo Libertador, em
Theology 84 (1981), 57-59.
26 Croatto, Hermenutica Bblica, 47ss.
27 Ver J. Severino Croatto, Exodus: A Hermeneutics of Freedom
(Maryknoll: Orbis Books, 1981), 14-15 e 81-82.
28 Essa crtica feita a Croatto por M. Daniel Carroll, "God and
His People in the Nations History: A Contextualised Reading of Amos
1-2," Tyndalle Bulletin 47/1 (1996), 48-49. Ver tambm a seo sobre
teologia da libertao latino-americana na obra de Anthony Thiselton,
New Horizons in Hermeneutics: The Theory and Practice of
Transforming Biblical Reading (Grand Rapids: Zondervan, 1992),
313-557, 587-90, 602-19.
29 Esse ponto merece mais ateno do que pode receber neste
artigo. Basta notarmos, no momento, que Boff adota o pensamento de
que o Cristo csmico est encarnado na histria, sociedade e estrutura
humanas e, portanto, est presente em todas as formas de religio
(Leonardo Boff, New Evangelization: Good News to the Poor [Nova
York: Orbis Books, 1991], 71-72).
30 Esta a crtica de J. Emmette Weir, em "The Bible and Marx: A
Discussion of the Hermeneutics of Liberation Theology," Scottish
Journal of Theology 35 (1982), 337-350. Ver p. 347.
31 Para a relao entre a alegorese e as novas hermenuticas, ver
Joseph W. Trigg, Biblical Interpretation, Message of the Fathers of
the Church 9 (Wilmington, DE: M. Glazier, 1988), 50-55; John
Rogerson et al., The Study and Use of the Bible, The History of
Christian Theology 2 (Basingstoke e Grand Rapids: Marshall
Pickering e Eerdmans, 1988), 389-91.
32 Ver Leonardo Boff, Jesus Christ Liberator: A Critical
Christology for Our Time (Nova York: Orbis Books, 1978), 265. Nessa
edio inglesa do livro de Boff foi acrescentado material que no
aparece no original portugus.
33 Ibid., 266.
34 Leonardo Boff e Clodovis Boff, Salvation and Liberation: In
search of a Balance between Faith and Politics (Nova York: Orbis
Books; Melbourne, Austrlia: Dove Communications, 1984), 8-9, tambm
pp. 50-55.
35 Boff, Jesus Cristo Libertador, 272.
36 Ibid., 267.
37 Ver Leonardo Boff, Liberating Grace (Nova York: Orbis Books,
1979), 79.
38 Ver sua apologia veemente em Leonardo Boff e Clodovis Boff,
Liberation Theology: From Confrontation to Dialogue (San Francisco:
Harper & Row, 1986), 48-49; 65-72.
39 Ver Walter C. Kaiser, Jr. e Moiss Silva, An Introduction to
Biblical Hermeneutics: The Search for Meaning (Grand Rapids:
Zondervan, 1994), 234.
40 Ibid., 246.
41 Berryman, Liberation Theology, 60-62.
42 Boff, Jesus Christ Liberator, 267. Aqui se percebe
nitidamente a influncia de Moltmann: "Ler a Bblia com os olhos do
pobre algo diferente de l-la com o estmago cheio" (Jrgen Moltmann,
The Church in the Power of the Spirit [Londres: SCM Press, 1978],
17).
43 R. Bultmann, Essays Theological and Philosophical (Londres e
Nova York: SCM Press e Macmillan, 1955), 234-261. Ver a anlise de
Anthony Thiselton do ensino de Bultmann sobre pr-conhecimento ou
pressupostos em The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and
Philosophical Description with Special Reference to Heidegger,
Bultmann, Gadamer, and Wittgenstein (Grand Rapids: Eerdmans, 1980),
236-239.
44 John Goldingay, "Marx and the Bible: The Hermeneutics of
Liberation Theology," Horizons in Biblical Interpretation 4 (1982),
133-161. Ver especialmente pp. 133-4.
45 Steve G. Mackie, "Praxis as the Context for Interpretation: A
Study of Latin American Liberation Theology," Journal of Theology
of South Africa 24 (1978), 31-45. Ver pp. 40-41.
46 Ibid., 32-33.
47 Miroslav Volf, "Doing and Interpreting: An Examination of the
Relationship Between Theory and Practice in Latin America
Liberation Theology," Themelios 8:3 (1983), 11-12.
48 Ibid., 13.
49 Ibid., 14.
50 Frances Young, resenha de Jesus Christ Liberator, em Theology
84 (1981), 57-59.
51 Thomas Fingers, resenha de Jesus Christ Liberator, em
Sojourners 11 (Maio 1982), 36-37.
52 David Peterson, resenha de Jesus Christ Liberator, em The
Reformed Theological Review 39:2 (1980), 49.
53 Ibid.
54 Young, resenha, 57-59.
55 Ver Cornelius Van Til, Doctrine of Scripture (Nutley, NJ:
Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1967), 13.
56 Confira os argumentos de Cornelius Van Til, "My Credo," em
Jerusalem and Athens, ed. E. R. Geehan (Nutley, NJ: Presbyterian
and Reformed Publishing Co., 1971), 3.
57 Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology
(Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1974),
133-135.
58 Citado por James M. Robinson, no prefcio da obra de Albert
Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus (Nova York:
Macmillan, 1968), p.xvii.
59 Ver a anlise de Moiss Silva, Has the Church Misread the
Bible? Foundations of Contemporary Interpretation, vol. 1, ed.
Moiss Silva (Grand Rapids: Zondervan: 1987), 111-118.
60 Nmenos, na filosofia de Kant, so "as coisas em si mesmas",
que no podem ser classificadas de acordo com o conhecimento humano.
So as coisas que essencialmente escapam ao conhecimento humano, em
contraste com fenmenos, aquelas coisas que so aparentes conscincia
humana e objeto da experincia humana. O nmeno, entretanto, mesmo no
sendo perceptvel ao conhecimento e experincia humana, est por detrs
das coisas que aparecem (fenmenos), e a base da realidade.
61 Ver sobre isso C. Van Til, Christian Theory of Knowledge
(Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1969),
32.
62 Van Til, An Introduction to Systematic Theology, 24-26.
63 Ibid., 13.