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1 A PARTÍCULA HÓTI NO GREGO ANTIGO: UM CASO DE GRAMATICALIZAÇÃO ESPAÇO> (TEMPO)> TEXTO Simone de O. Gonçalves Bondarczuk Auto Lyra Teixeira O presente capítulo é resultado da pesquisa de mestrado e dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Discurso e Gramática (D&G), sob a orientação do nosso saudoso professor Mario Eduardo Toscano Martelotta, e da co-orientação do professor Auto Lyra Teixeira, professor integrante do grupo de pesquisa Discursos na Antiguidade Grega: Texto, Contexto e Memória (DAG). O interesse renovado do professor Martelotta pelos estudos linguísticos históricos e interdisciplinares proporcionou a possibilidade de trabalhar com o grego antigo, abrindo novas perspectivas no campo da linguística e dos estudos clássicos no Brasil. A pesquisa em questão trata da partícula neutra 1 hóti, que passou por um processo de gramaticalização no decorrer do desenvolvimento da língua grega, seguindo a trajetória polissêmica do tipo espaço > (tempo) > texto. 1. A gramaticalização espaço > (tempo) > texto A trajetória de gramaticalização da partícula hóti se enquadra na gramaticalização do tipo espaço > (tempo) > texto. O que temos nessa escala é uma trajetória unidirecional do tipo + concreto > - concreto, na qual um elemento espacial externo (geralmente dêitico) vai se distanciando do seu valor mais concreto e passa a assumir funções referentes à organização textual, podendo, ao longo desse percurso, vir ou não a expressar uma noção temporal. Um exemplo desse processo, comum a várias línguas, é a transformação de elementos adverbiais de valor espacial em conjunções. Tal mudança pode ser considerada uma extensão analógica da organização espacial para a organização do 1 As partículas gregas originalmente eram identificadas como uma verdadeira pontuação oral, marcando e destacando palavras ou grupos de palavras dentro da frase, de maneira a sugerir a ligação entre elas no enunciado como um todo. No período clássico da literatura grega, com o desenvolvimento da prosa ática, essa classe de palavras vem a assumir um papel muito mais significativo no modo de expressão da estrutura frasal, sendo usada numa série de combinações e gerando uma polissemia em seus diversos usos. Não se pode falar em classe de palavras no sentido aristotélico, uma vez que seu significado e função precisos surgem nos contextos de uso; no entanto, podemos, inicialmente, definir as partículas como su/ ndesmoj - amarra, ligação, conectivo.
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A Gramaticalização da partícula HOTI no Grego Antigo

Jan 15, 2023

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Estêvão Senra
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Page 1: A Gramaticalização da partícula HOTI no Grego Antigo

1

A PARTÍCULA HÓTI NO GREGO ANTIGO: UM CASO DE

GRAMATICALIZAÇÃO ESPAÇO> (TEMPO)> TEXTO

Simone de O. Gonçalves Bondarczuk

Auto Lyra Teixeira

O presente capítulo é resultado da pesquisa de mestrado e dos trabalhos

desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Discurso e Gramática (D&G), sob a orientação

do nosso saudoso professor Mario Eduardo Toscano Martelotta, e da co-orientação do

professor Auto Lyra Teixeira, professor integrante do grupo de pesquisa Discursos na

Antiguidade Grega: Texto, Contexto e Memória (DAG).

O interesse renovado do professor Martelotta pelos estudos linguísticos

históricos e interdisciplinares proporcionou a possibilidade de trabalhar com o grego

antigo, abrindo novas perspectivas no campo da linguística e dos estudos clássicos no

Brasil. A pesquisa em questão trata da partícula neutra1 hóti, que passou por um

processo de gramaticalização no decorrer do desenvolvimento da língua grega, seguindo

a trajetória polissêmica do tipo espaço > (tempo) > texto.

1. A gramaticalização espaço > (tempo) > texto

A trajetória de gramaticalização da partícula hóti se enquadra na

gramaticalização do tipo espaço > (tempo) > texto. O que temos nessa escala é uma

trajetória unidirecional do tipo + concreto > - concreto, na qual um elemento espacial

externo (geralmente dêitico) vai se distanciando do seu valor mais concreto e passa a

assumir funções referentes à organização textual, podendo, ao longo desse percurso, vir

ou não a expressar uma noção temporal.

Um exemplo desse processo, comum a várias línguas, é a transformação de

elementos adverbiais de valor espacial em conjunções. Tal mudança pode ser

considerada uma extensão analógica da organização espacial para a organização do

1 As partículas gregas originalmente eram identificadas como uma verdadeira pontuação oral, marcando e

destacando palavras ou grupos de palavras dentro da frase, de maneira a sugerir a ligação entre elas no

enunciado como um todo. No período clássico da literatura grega, com o desenvolvimento da prosa ática,

essa classe de palavras vem a assumir um papel muito mais significativo no modo de expressão da estrutura frasal, sendo usada numa série de combinações e gerando uma polissemia em seus diversos

usos. Não se pode falar em classe de palavras no sentido aristotélico, uma vez que seu significado e

função precisos surgem nos contextos de uso; no entanto, podemos, inicialmente, definir as partículas

como su/ndesmoj - amarra, ligação, conectivo.

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universo textual. Segundo Heine et al. (1991), trata-se de um processo eminentemente

metafórico e que está presente na função anafórica do pronome hóti, o qual faz

referência a um elemento já mencionado na oração principal. As funções anafóricas ou

catafóricas mostram que o falante usa o mesmo padrão de organização espaço-temporal

do mundo concreto para organizar o mundo abstrato do texto.

Na história da língua grega, entre as diversas formas de pronome relativo,

somente hóti, a forma neutra do pronome relativo indefinido, tende a se especializar

como um subordinador geral não flexionado, perdendo, assim, as suas características

sintático-semânticas originais.

O caminho para essa especialização passa pela supressão do pronome

demonstrativo catafórico na oração principal. Quando o correlativo de hóti é suprimido,

a tendência é a perda das características morfossintáticas desse pronome relativo

indefinido, uma vez que já não existe antecedente formal na oração principal, com o

qual ele tenha que concordar. Hóti perde, portanto, as suas marcas morfossintáticas -

caso e concordância de gênero com o antecedente, passando por um processo de

descategorização. Torna-se, consequentemente, uma forma gramatical restrita e,

funcionando como conjunção integrante, sofre uma redução semântica, ou seja, perde

seu referente e, dessa forma, o conteúdo lexical. Esse processo é caracterizado como

dessemantização. Os exemplos abaixo ilustram esses processos de mudança:

(1) Ístō toûth’ hóti nō =in anḗkestos khólos éstai.2

Sabe isto que em nós dois implacável a fúria será.

(toûtho - pronome demonstrativo neutro)

“Sabe que fúria implacável se apossará de nós.”

(Ilíada, Canto XV, v.217)

(2) Óphra ídē=is glaukō =pi hóti àn sō =i patrì mákhēai.3

Para que saibas, olhos claros, que contra teu pai combates.

“Para que saibas, Olhos Claros, que contra teu pai combates.”

(Ilíada, VIII, v. 420)

2 i)/stw tou=q” o(/ti nw=in a)nh/kestoj xo//loj e)/stai. (P, 217)

3 o)/fra i)d$=j glaukw=pi o(/ti a\)n s%= patri\ ma/xhai. (Q,420)

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3

No exemplo (1), Possêidon indigna-se contra Zeus, seu irmão, por este,

malgrado a vontade dos outros deuses, querer manter incólumes os muros de Ílion.

Nesse verso, o pronome demonstrativo (toûto) exerce uma função catafórica, uma vez

que o seu referente não é nenhum ser específico no contexto, mas a proposição seguinte,

o que ocorre toda vez que o antecedente do pronome relativo é uma forma pronominal

neutra.

No exemplo (2), Íris adverte a Olhos Claros, Palas Atena, para que esta não

desobedeça ao pai, prestando auxílio aos gregos, e sofrendo com isso as consequências

dessa rebeldia. Percebe-se, nesse exemplo, que o pronome demonstrativo já foi apagado

da oração principal, enquanto hóti torna-se uma verdadeira conjunção integrante.

Tornando-se conjunção, hóti perde a liberdade sintática inerente ao pronome

relativo. Dessa forma, a oração iniciada por hóti fixa sua posição sempre como segunda

oração do período, perdendo a mobilidade que tinha potencialmente, quando hóti era um

pronome relativo.

Outro mecanismo de mudança, não mais de base metafórica, mas de base

metonímica, é o princípio de inferência por pressão de informatividade (Traugott e

König, 1991:194). Tal princípio ocorre quando os falantes/ouvintes, por

convencionalização de implicaturas conversacionais, reanalisam, em determinados

contextos, os valores textuais das orações, atribuindo um novo valor ao elemento

linguístico conectivo. Por exemplo, ao analisarmos a frase - “Quando seu filho morreu,

ela perdeu a motivação para viver”, percebemos que a conjunção temporal quando pode

ser reinterpretada pelo ouvinte como causal, devido ao contexto em que é usada.

Esse processo, aparentemente, também ocorre com hóti, em orações

complemento, que passam a ser reanalisadas como orações causais, quando os verbos

das orações principais são verbos que expressam um sentimento (como, por exemplo,

admirar-se e surpreender-se).

Todos esses desdobramentos da gramaticalização vêm a corroborar a noção de

unidirecionalidade das mudanças, do discurso para a gramática; entretanto, a

gramaticalização não deve ser pensada como uma trajetória linear, dando-se apenas

numa sucessão temporal.

Martelotta (2003) apresenta-nos uma visão um pouco diferenciada em relação ao

conceito de unidirecionalidade:

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4

“Se de um lado os estudos diacrônicos apresentam evidências da

unidirecionalidade da mudança, também levam à constatação antagônica

de que o conjunto de usos atuais de determinados elementos linguísticos

também se encontra em estágios anteriores da língua. A segunda

constatação leva-nos irremediavelmente à noção de uniformitarismo ou, em

termos saussurianos, ao conceito de pancronia.” (p. 59)

O conceito de pancronia evidencia o fato de que o mesmo tipo de transformação

pode ocorrer repetidamente na sucessão temporal, rompendo assim com a dicotomia

estruturalista sincronia x diacronia. A unidirecionalidade não deixa de ser considerada,

mas assume um novo status, não mais relacionado às mudanças necessariamente

sucessivas de uma determinada forma, e sim “aos processos relacionados à produção e à

transferência de informação entre diferentes domínios conceptuais” (Martelotta, 2003:

59).

Isso significa que as mudanças não são necessariamente unidirecionais, podendo

ou não ocorrer. São os processos cognitivos, subjacentes a essas mudanças, que se dão

numa direção específica de associações e transferências metafóricas mais ou menos

recorrentes na mente humana. Assumimos, então, com Labov (1994), a hipótese

neogramática, segunda a qual os mesmos tipos de mudança podem ocorrer em todas as

fases da história da língua.

Concluindo, podemos definir a gramaticalização como um processo gradual,

onde um dado item lexical assume um status gramatical, envolvendo uma série de

mudanças, as quais não ocorrem necessariamente em conjunto, numa sucessão linear,

mas seguem uma direção única, baseadas numa trajetória metafórica ou metonímica que

se estende dos usos mais concretos até os mais abstratos, num nível crescente de

abstração. A motivação por trás dessa mudança, ainda segundo Martelotta (2003), é

discursiva, refletindo três aspectos diferentes: o tempo, a cognição e o uso – sobretudo a

cognição e o uso.

2. Os usos de hóti no grego antigo

O grego passou por mudanças desde sua origem, e seu estudo pode ser

apresentado em dois períodos bem distintos do ponto de vista linguístico: o período dos

dialetos antigos e o da língua comum (koinḕ diálektos).

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No período dos dialetos antigos (VIII ao V séc. a. C.), tem-se, de fato, uma

variedade de dialetos locais com uma base comum (grego comum primitivo). Os três

grupos dialetais principais atestados literariamente são: o ático-jônico, o eólico e o

dórico.

O período da koinḗ tem início com as campanhas militares de Alexandre Magno

(335-323 a.C). Nas regiões conquistadas pelo macedônio, o grego ático veio a tornar-se

o idioma comum dos povos helenizados. Nesse período, que viria a ser denominado

helenístico, a língua grega passou por diversas mudanças, em contato com a grande

variedade linguística das etnias que viriam a integrar os reinos helenísticos.

Pode-se traçar uma linha do desenvolvimento histórico-linguístico do grego

antigo da seguinte forma:

Língua homérica4 o ático clássico koinḕ alexandrina koinḕ romana koinḕ bizantina grego moderno

(mescla dialetal)

Ilíada e Odisseia Diálogos platônicos LXX5 Evangelhos

VIII séc. a.C V-IV séc. a. C. III séc. a. C I séc. d. C. V ´sec. d. C XV séc. d. C

As obras selecionadas para exemplificar o processo de gramaticalização de hóti

no grego antigo foram: a Ilíada de Homero, o Eutífron de Platão e o Evangelho de

Lucas.

Hóti é a forma neutra do pronome relativo indefinido masculino hóstis. Este

pronome, segundo Humbert (1997: 38), designava um tipo de ser, caracterizado por

certa qualidade. Por isso hóti pode ser traduzido como “qualquer que seja”,

expressando a generalidade de um tipo existente. Por essas características, ele foi

considerado um pronome de generalização. Consideremos o seguinte excerto, como

exemplo de pronome relativo indefinido masculino:

(3) Óphra ké ti gnō =men Trṓōn nóon (Ac.–antecedente do pronome)

Para que conheçamos, dos troianos, a intenção

hóntin’ékhousin6.

4 A língua homérica é um amálgama artificial de elementos de diferentes regiões e diferentes períodos, incluindo muitas formas inventadas pelo(s) próprio(s) autor (es). 5 Sigla referente à tradução do Antigo Testamento, atribuída a setenta e dois filólogos da biblioteca da

Alexandria, no III séc. a. C.

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qualquer que eles tenham.”

(Il. Canto XXII, v.383)

No exemplo acima, Aquiles, depois de ter matado Heitor, exorta seus

companheiros a se aproximarem dos muros de Troia, para descobrir o que pretendiam

fazer os troianos, agora privados de seu maior defensor. A forma acusativa do pronome

– hóntina (no texto, com elisão da vogal final breve, que é morfema de acusativo),

concorda em gênero com o seu antecedente masculino - nóon (aqui traduzido como

intenção), e mantém o seu valor de pronome indefinido, uma vez que a reação dos

troianos à morte de Heitor ainda era desconhecida.

O uso do pronome relativo indefinido hóstis foi mantido até o período do grego

koiné7. No entanto, devido à complexidade de sua composição, pois ele é formado pela

justaposição de duas formas pronominais de declinações diferentes (hós – segunda

declinação, e tij - terceira declinação), a sua flexão foi se reduzindo cada vez mais.

Porém, ainda encontramos, no período da koiné, as formas de nominativo masculino

(hóstis) e feminino (hḗtis), usadas como pronomes relativos, enquanto a forma neutra

(hóti), de maneira geral, ia perdendo as características morfossintáticas de pronome

relativo.

A origem da conjunção integrante estaria no uso da forma neutra hóti do

pronome relativo em contextos nos quais ele servia como anáfora para um acusativo de

relação (Murachco, 2001: 671; Chantraine, 1963: 288). O acusativo de relação era,

basicamente, uma função adverbial, mas que também podia funcionar como

complemento nominal de um adjetivo.

2.1 - O acusativo de relação

Esse uso do pronome decorre do próprio valor semântico do caso acusativo, que

expressava, em sua origem, “a extensão no tempo e espaço, marcando a direção, ou o

movimento que tende para um ponto, vindo frequentemente em expressões que

indiquem o termo do movimento” (Horta, 1983: 134; Murachco, 2001: 97). Mais tarde,

essas noções circunstanciais de tempo, espaço e movimento passaram a ser expressas

6 o)/fra ke\ ti gnw=men Trw/wn no/on, o(/ntin” e)/xousin. (X, 383)

7“Koiné é uma língua de civilização que se constituiu por volta da época em que começou a influência

macedônia e que perdurou por todo o Império Romano, chegando até o período bizantino.” (Meillet,

1948:26).

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por determinadas preposições antepostas ao caso e, cada vez mais, o acusativo foi

assumindo apenas a função de complemento verbal de verbos transitivos.

O acusativo de relação pode ser complemento de um adjetivo ou de um verbo

que expressa estado (verbo intransitivo ou verbo na forma passiva), para precisar-lhes o

sentido ou para indicar outras características: o ponto de vista, a relação, a parte do

corpo ou do ser que determina a qualidade ou modo de ser da ação. Consideremos os

exemplos abaixo (Murachco, 2001: 100-101):

a) Parte do Corpo:

Ho ánthrōpos tòn dáktylon (acusativo de relação) algeîn.

O homem no dedo (advérbio de lugar) sente dor.

b) A relação:

Deinòs eînai tḕn mousikḗn (acusativo de relação)

Ser hábil em relação à música (compl. nominal do adjetivo)

c) Qualidade ou modo de ser da ação:

Beltíon esti sō =ma ḕ psychḗn (acus. de relação) noseîn.

Melhor é, em relação ao corpo, que em relação à alma, sofrer.

Observa-se, nos exemplos acima, que a polissemia do acusativo de relação tanto

admite uma interpretação adverbial quanto uma substantiva. Tal característica é básica

para entendermos as funções derivadas desse uso. O exemplo abaixo é elucidativo da

polissemia envolvida na função do acusativo de relação; trata-se de uma cena da Ilíada,

onde a deusa Atena, indignada, se volta para Zeus e lhe pergunta:

(4) Zeû patḕr ē rhá tí moi kekholṓseai hótti8

“Zeus pai, não ficarás enfurecido comigo, em relação àquilo

(antecedente) que

kèn eípō;

eu disser?”

(Canto V, v. 421)

O verbo kholoûn (enfurecer-se), aqui empregado na forma de futuro perfeito

kekholóseai, é intransitivo, mas a oração principal, na qual ele está inserido, tem um

acusativo neutro marcado pelo pronome indefinido tí (algo). Não sendo complemento

obrigatório do verbo, essa forma pronominal é interpretada como acusativo de relação,

pois tem a função adverbial de indicar o motivo pelo qual Zeus se enfureceria. No

8Zeu= pa/ter h)= r(a/ ti/ moi kexolw/seai o(/tti ken ei)/pw; (E, 421).

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entanto, o pronome tí é o correlativo de hótti (pronome relativo neutro), e tem valor

catafórico, apontando o que vai ser dito na oração seguinte. Esta segunda oração é

relativa e equivale a um acusativo de relação; por conseguinte, ela também pode ser

interpretada como uma oração adverbial declarando o motivo da fúria; mas,

diferentemente da nossa oração subordinada adverbial hipotática, ela teria uma

característica de completiva causal, como explicaremos mais adiante. Nota-se, então,

que a oração subordinada tem dupla interpretação, pois tanto pode ter valor completivo

quanto adverbial. No grego, os verbos que exprimem um sentimento ou um estado

geralmente vêm acompanhados de uma oração completiva de sentido causal.

2.2 – O pronome relativo

O pronome relativo indefinido hóti, como acusativo de relação, aparece em

construções gramaticais mais antigas, referindo-se anaforicamente a um termo neutro

da oração precedente e introduzindo uma especificação centrada neste último. Tal

contexto sintático específico do uso do acusativo de relação, onde ele assume um valor

relativo, constitui o ponto de partida do processo de gramaticalização aqui estudado.

Meillet (1927: 576) sugere que, no indo-europeu, as frases relativas não

apresentavam nenhuma particularidade específica no emprego dos tempos e dos

modos, e que o grego antigo construía orações relativas com os tempos e os modos das

orações principais como se elas fossem orações relativas paratáticas.

Segundo Chantraine (1963: 232), as construções paratáticas são frequentes em

Homero, o que seria outra marca de oralidade (geralmente se relaciona a simplicidade

da parataxe com a linguagem oral).

Os pronomes relativos derivados da raiz indo-europeia *yo, como é o caso de

hóti, costumavam, originalmente, vir associados a um pronome demonstrativo

correlativo de base *to, gerando uma série de estruturas correlativas (como, por

exemplo, tósos...hósos; tóte...hóte, as quais podem ser traduzidos, respectivamente,

como “tanto...quanto” e “neste momento...quando”). Praticamente, para cada forma

pronominal demonstrativa que a língua grega gerou a partir de *to, havia outra

correspondente de base *yo, formando verdadeiros pares correlatos.

Meillet (1927: 570), por outro lado, afirma ser provável que no indo-europeu a

correlação pudesse ser expressa também pela repetição do tema *to-; assim, os

dialetos gregos antigos apresentam exemplos do emprego de *to- em função de

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relativo. Segundo Humbert (1997: 37): “é possível que a ordem mais antiga seja

precisamente *yo...*to, mas a ordem inversa *to...*yo não tarda a aparecer, tanto que

não se percebe a diferença de natureza entre os dois elementos pronominais”.

O processo de relativização de hóti se coaduna com o tipo de mudança no qual

um elemento de origem dêitico-espacial passa a cumprir no texto funções de

organização das informações (anafóricas e catafóricas) e se transforma em pronome

relativo.

O uso de hóti como pronome relativo se caracteriza pela presença de um verbo

transitivo na oração principal, geralmente, cognitivo ou dicendi, como atestado no

excerto abaixo:

(5) ísto toûth’ hóti noîn anékestos khólos éstai9.

Sabe isto que em nós implacável a fúria será.

(pronome demonstrativo neutro de base *to- e pronome relativo

de base * yo-)

“Sabe que fúria implacável se apossará de nós.”

(Canto XV, v. 217)

No exemplo (5), como já mencionamos acima, Possêidon se opõe a Zeus, por

este, malgrado a vontade de outros deuses, querer manter incólumes os muros de Ílion.

Quando o pronome é catafórico, a informação torna-se redundante e, por

economia discursiva, a tendência do falante é apagar a informação contida no pronome

demonstrativo. Tal constatação abre um caminho viável de explicação para o fato de a

forma neutra do pronome relativo se tornar conjunção integrante, e não as formas

masculinas e femininas.

2.3 - Conjunção integrante

Segundo Liddell e Scott (1968), o emprego de hóti como conjunção integrante é

corrente após verbos de cognição, como, por exemplo, gignṓskō (conhecer) e oîda

(saber), verbos de atividade verbal, como, por exemplo, légō (dizer), laléō (falar) e

euangelízō (proclamar a boa notícia), e verbos de percepção como, por exemplo, horáō

(ver), noéō (perceber) etc.

9 i)/stw tou=q” o(/ti nw=in a)nh/kestoj xo//loj e)/stai. (P, 217)

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No exemplo a seguir, emprega-se um verbo de percepção, horáō, exigindo uma

oração completiva de onde decorre o uso de hóti. Neste excerto, Possêidon se dirige a

Zeus, reclamando, por causa do muro que os gregos (Acaios) haviam construído na

praia para proteger suas embarcações e, temendo também que esse muro venha a ser

ainda mais famoso que as próprias muralhas de Troia, de cuja construção ele havia

participado com Apolo.

(6) Oukh horáais hóti d’ aûte kárē komóōntes Akhaioì10

Não vês que, novamente, os, de cabelos longos, Acaios

teîkhos eteikhíssanto neō =n hypér,...

um muro construíram acima das naus, ...

“Não vês que, novamente, os Acaios de cabelos longos um muro acima das

naus construíram”,...

(Canto VII, verso 448)

2.4 - Conjunção causal

Para Chantraine (1963: 288), as orações completivas causais não são idênticas às

subordinadas causais hipotáticas do português, pois foram desenvolvidas a partir de

verbos expressando um estado ou sentimento, como, por exemplo, khōlésthai

(enfurecer-se), khaírein (alegrar-se), thaumázein (admirar-se). Nessas orações, o

estado ou evento é codificado pela oração principal. Existe uma estreita conexão entre

as orações completivas com conjunção integrante e as orações causais, como podemos

ver no seguinte excerto da Ilíada, no qual Odisseu repreende Tersites:

(7) Tòi nûn Atreídēi Agamémnoni, poiméni laôn,11

Agora, ao Atrida Agamémnon, pastor de guerreiros,

ēsai oneidízon, hóti mala pollà didoûsin herōes Danaoí.

Estás reprovando que (porque) muitas coisas dão os heróis dânaos (a ele).

“Agora estás reprovando ao Atrida Agamémnone, pastor de guerreiros,

porque os heróis Dânaos lhe dão muitas coisas”.

(Canto II, v. 254)

10

Ou)x o(ra/#j o(/ti d” au)=te ka/rh komo/wntej )Axaioi\ tei=xoj e)teixi/ssanto new=n u(/per,(H,

448). 11

T%= nu=n )Atrei/d$ )Agame/mnoni poime/ni law=n h)=sai o)neidi/zwn, o(/ti ma/la polla\

didou=sin h)/rwej Danaoi/ : (B, 254)

Page 11: A Gramaticalização da partícula HOTI no Grego Antigo

11

2.5 - Elemento de valor catafórico

O uso catafórico de hóti é muito frequente no corpus bíblico em geral12

. Por

isso, torna-se necessário distingui-lo dos demais usos até aqui estudados. Como

tradicionalmente não havia classificação para tal uso, cunhamos o termo elemento de

valor catafórico na tentativa de melhor expressar sua função. Alguns autores

consideram-no mero expletivo ou o chamam de hóti recitativo13

.

Designamos esse uso de partícula catafórica, porque une duas orações distintas:

a primeira, uma oração principal com verbo dicendi; a segunda, uma proposição

ilocucionária. No exemplo que se segue, a conjunção é catafórica porque cumpre a

função de apontar para o que dizem os discípulos e, também, grande multidão, diante de

uma ação extraordinária de Jesus:

(8) Légontes hóti Prophétēs14

mégas ēgérthē en hēmîn15

...

dizendo: “Um grande profeta se levantou entre nós...”

(Evangelho de Lucas, c. 7, v.16)

Essa partícula tem a função de apontar para o que é dito depois, e pode ser

traduzida como dois pontos ou ser omitida na tradução. Não deve ser entendida como o

that do inglês, uma vez que este pronome é usado no discurso indireto. Quando se diz,

por exemplo, “He Said that I will go”, não significa o mesmo que, “He said, ‘I will

go’”.

O dicionário padrão do grego clássico faz a seguinte consideração sobre esse uso

da partícula: “mas hóti tem sido, com frequência, inserido erroneamente pelo copista

como se eîpen ou légousin devem-se ser seguidos por ela”. Entende-se, porém, neste

trabalho, que um uso recorrente como esse não deve ser considerado, necessariamente,

erro do copista, mesmo porque na Antiguidade, o ofício de copista era um trabalho

minucioso e feito por poucos que detinham uma tékhnē (habilidade ou técnica

específica).

12 Aproximadamente 20% dos exemplos de hóti constatados no Evangelho de Lucas são de valor catafórico. 13

Lasor, 1973: 145; Horta, 2v. 1983: 165. 14 As edições críticas do Novo Testamento costumam assinalar o discurso direto iniciando a frase depois de hóti com letra maiúscula por mera convenção, uma vez que os manuscritos mais antigos eram todos escritos com letras maiúsculas. 15 le/gontej o(/ti Profh/thj me/gaj h)ge/rqh e)n h((mi=n. (Lc 7,16).

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Quando o Novo Testamento estava sendo escrito, o verbo légein (dizer),

associado a hóti, formava um tipo de construção (mesmo quando o verbo aparece em

formas nominais), tanto seguido de discurso direto quanto indireto, pois são raros os

exemplos em que esse verbo aparece sem a conjunção nos corpora abordados. Tal

construção já aparece no período do grego clássico (V e IV sécs. a. C) em autores como

Xenofonte e Platão.

A maior dificuldade nesse tipo de construção é distinguir quando se usa o

discurso direto ou indireto. Não é muito fácil diferenciá-los em grego helenístico, já

que o tempo e o modo da citação original são comumente retidos no discurso direto,

enquanto no grego clássico eram determinados pelo verbo da oração principal.

Contudo, Horta (2° tomo, 1983: 139) afirma que, já desde o período do grego clássico,

“também é comum, num mesmo texto, passar, indiferentemente, do estilo indireto ao

direto, assim como passar da construção pessoal para a infinitiva e vice-versa.”

O que se pode destacar como uma característica marcante no texto de Lucas é

que a forma verbal légō (eu digo), forma de primeira pessoa do singular do presente

ativo do indicativo de légei (dizer), aparece sempre num tipo de construção que assinala

uma contra-expectativa como, por exemplo, légō gàr hymîn hóti, pois eu vos digo, ou

então, asseverativa, como, por exemplo, amḗn lego hóti, em verdade eu digo.

(9) Légo gàr hymîn hóti ou mḕ phágō autò16

Eu digo-vos, pois, que (eu) não mais a comerei (a páscoa)

Héōs hótou plērṓtē=i en tē=i basiléiai toû theoû.

Até que (ela) se cumpra no reino de Deus.

“Pois eu vos digo que não mais comerei a páscoa até que ela se cumpra no

reino de Deus”.

(Evangelho de Lucas, 22:16)

No exemplo acima, vemos que não há mudança na pessoa verbal nem discurso

reportado, mas uma afirmação introduzida por uma expressão formular que gera no

ouvinte uma expectativa contrária ao que ele pretendia ouvir. O fator inesperado aqui é

16 le/gw ga\r u(mi=n o(/ti ou) mh\ fa/gw au)to\ e(/wj o(/tou plhrwq$= e)n t$= basilei/# tou= qeou=.

(Lc.22:16).

Page 13: A Gramaticalização da partícula HOTI no Grego Antigo

13

a afirmação de Jesus de que esta seria a última páscoa judaica que ele tomaria com seus

discípulos.

2.6 – A expressão adverbializada dē=lon hóti

Essa expressão provém do predicado impessoal, dē=los eimì hóti, eu estou certo

de. Segundo Smyth (1920:583), ela também é frequentemente usada, tanto como

construção parentética, quanto elíptica, tornando-se assim mera expressão formal sem

verbo. Nesse caso, hóti perde toda força conjuntiva, e a expressão pode ser

adverbializada. A partícula hóti, portanto, não é o elemento central na formação desse

predicado impessoal que pode se adverbializar em alguns contextos. Liddell e Scott

(1968: 1265) endossam esta descrição ao dizerem também que o hóti pode substituir

uma sentença completa, especialmente em respostas curtas afirmativas, e que desse uso

teria surgido a prática de se usar dēlonóti adverbialmente.

Vejamos nos seguintes exemplos extraídos do Górgias e do Eutífron de Platão:

(10) Oukoûn kakō=i hyperbállon tò adikeîn kákion an eíē toû

adikeîsthai.17

Certamente, eles excedem em maldade, e injustiçar mau (errado) não

seria aquele que é injusto.

“Eles excedem em maldade, e, portanto, não seria errado ser injusto

com aquele que é injusto.”

Resposta: dēlôn dḕ hóti.

É evidente. (fica subentendido: que não seria errado)

(Platão, Górgias, 475d)

(11) Toûto oúpō oîda, allá sý dē=lon hóti epekdidáskseis

Isso ainda não sei, mas tu, é evidente que, ensinarás com mais detalhes

hōs estin alēthē = hà légeis. 18

que é verdadeiro o que dizes.

“Isso ainda não sei, mas é evidente que tu ensinarás com mais detalhes

que são verdadeiras as coisas que estás dizendo”.

(Eutífron, 7a)

(12) Epeì ekeínois ge endeíksēi dē=lon hóti hōs ádika te estin

17

Ou)kou=n kak%= u(perba/llon to\ a)dikei=n ka/kion a/)n ei)/h tou= a)dikei=sqai.

Resposta: dh=lon dh\ o(/ti. (Pl. Górgias, 475d) 18 Tou=to ou)/pw oi)=da, a)lla\ su/ dh=lon o(/ti e)pekdida/ceij w(j e)stin a)lhq$= a(\ le//geij. (Eutífron,

7ª).

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14

Pois para eles demonstrarás evidentemente que injustas são

Kaì hoi theoì hápantes tá toiaûta misoûsin.19

E os deuses todos tais coisas odeiam.

“Pois, é verdade que, para eles, evidentemente, demonstrarás que isso é

injusto e que todos os deuses odeiam coisas semelhantes.”

(Eutrifon, 9b)

No exemplo (10), Sócrates leva o interlocutor Polo à conclusão mais plausível,

obrigando-o a responder positivamente; observa-se, então, que hóti realmente perde sua

função conjuntiva, pois a oração completiva está subentendida, e esse tipo de resposta

curta é inerente à própria forma dialógica do texto. Já no exemplo (11), em que Sócrates

se dirige a Eutífron, após este ter dito que “o que é agradável aos deuses é piedoso, e o

que não lhes é agradável é ímpio”, hóti é usado parenteticamente, ou seja, como um

parêntese entre o sujeito e o seu predicado. No terceiro exemplo (12), em que Sócrates

se dirige ironicamente a Eutífron, hóti perde seu valor conjuntivo e forma com o

adjetivo uma expressão única de valor adverbial, uma vez que vem imediatamente

seguido de outra conjunção – hōs, que no período do grego clássico também podia ter

função de conjunção integrante em contextos não-factivos. Dessa forma, parece que o

falante reconhece dē=lon hóti não mais como um predicado, mas hóti já se havia unido a

dē=lon de tal forma que a expressão formava uma unidade, mantendo o valor de um

adjetivo que podia ser adverbializado.

Essa trajetória de mudança não está relacionada necessariamente ao processo de

gramaticalização de hóti, mas parece estar relacionada a um processo de discursivização

da expressão impessoal como um todo.

3 - A trajetória polissêmica dos usos de hóti

Concluímos que todos os usos de hóti aqui descritos parecem estar implicados,

direta ou indiretamente, na polissemia do acusativo de relação. O uso de hóti como

pronome relativo, em contextos nos quais servia como anáfora para um acusativo de

relação, parece ser a categoria central que determina as possibilidades de extensão dos

usos da partícula. A possibilidade de exercer uma dupla função, adverbial ou

19

e))pei\ e)kei/noij ge e)ndei/c$ dh=lon o(/ti w(j a)/dika\ te/ e)stin kai\ oi( qeoi\ a(/pantej ta\

toiau=ta misou=sin. (Eutífron, 9b)

Page 15: A Gramaticalização da partícula HOTI no Grego Antigo

15

substantiva, possibilita a transformação do pronome relativo hóti, tanto em conjunção

causal, quanto em conjunção integrante. Esses dois usos seriam as duas subcategorias

principais, a partir das quais os outros usos surgiram. Chegou-se, desse modo, à

seguinte hipótese de derivação dos usos de hóti, partindo de seu uso como pronome

relativo em contextos nos quais servia como anáfora para um acusativo de relação.

CONJUNÇÃO CAUSAL (em or. completivas causais) CAUSAL (em or.

subordinadas causais)

PRONOME PARTÍCULA

ANAFÓRICO PRONOME RELATIVO CONJUNÇÃO INTEGRANTE CATAFÓRICA DE UM - em orações correlativas do tipo *to...*yo/ - em or. completivas

ACUSATIVO - com antecedente ADVÉRBIO

DE RELAÇÃO substantivo neutro NA EXPRESSÃO Dēlonóti

Na proposta de derivação acima, constatamos, basicamente, que a categoria

central – pronome relativo como anáfora de um acusativo de relação – quase pode ser

interpretada como conjunção integrante-causal e como pronome relativo, ou seja, as

duas subcategorias principais. A primeira subcategoria seria conjunção integrante-

causal, pois as orações introduzidas por hóti tanto podem ser (1) interpretadas como

orações completivas de verbos expressando um estado ou sentimento, quanto (2) como

causais, uma vez que elas expressam o motivo, isto é, a causa daquele estado ou

sentimento. A segunda subcategoria aparece em orações cujo antecedente era um

pronome demonstrativo de função catafórica que poderia cumprir na oração principal a

função de acusativo de relação; teríamos, assim, uma oração relativa expressando um

acusativo de relação.

Com o apagamento do pronome correlativo catafórico neutro na oração

principal, surge a função de conjunção integrante, principalmente com verbos de

cognição, verbos de percepção e verbos dicendi na oração principal. A função de

partícula catafórica, por sua vez, decorre do uso do hóti com verbos de atividade verbal

(dicendi) na oração principal, introduzindo discurso direto. Com a repetição do verbo

légō, seguido de hóti, a expressão passou a ser sentida como uma fórmula, mesmo

quando hóti não é necessária, e a partícula fica sem tradução.

Como conjunção integrante, hóti é usado ainda no predicado dēlon (estín) hóti,

(“é claro que”), seguido de oração completiva. Nos diálogos platônicos, esse predicado

passa a ser usado em respostas curtas, com a oração completiva subentendida, o que

enfraquece a função conjuntiva de hóti; com esse esvaziamento sintático-semântico, a

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16

partícula hóti se une ao adjetivo dēlon, podendo a expressão delonóti ser usada

adverbialmente.

4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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