A fundamentao terico-prtica da conceituao do trabalho escravo e
necessidade da fuga da subjetividade: possvel?
Anndrea Nariane Franco da Silva[footnoteRef:1] [1: Acadmica do 4
semestre do Centro Universitrio Ritter dos Reis]
Las Bianchin da Costa[footnoteRef:2] [2: Acadmica do 8 semestre
do Centro Universitrio Ritter dos Reis]
Nicolle Bittencourt[footnoteRef:3] [3: Acadmica do 4 semestre do
Centro Universitrio Ritter dos Reis]
Diego Costa Boeira dos Santos[footnoteRef:4] [4: Acadmico do 6
semestre do Centro Universitrio Ritter dos Reis]
Thais Rosa de Oliveira[footnoteRef:5] [5: Acadmica do 8 semestre
do Centro Universitrio Ritter dos Reis]
RESUMO
Com a promulgao da EC 81/14, a Constituio brasileira passou a
dispor expressamente sobre o trabalho escravo, deixando lei a
tarefa de disciplinar a questo; contudo, caso a matria seja mal
disciplinada/delimitada, poder-se- dirigir a discusso sempre em
vias de exceo, de sorte que o controle difuso de
constitucionalidade pode vir a se tornar subterfgio para ineficcia
das disposies constitucionais. A partir disso, resta a pergunta: h
como efetivar a nova disposio do art. 243 da CF/88 sem abrir mo da
segurana jurdica ao qual o cidado carece, advinda da regulamentao
da matria, e da garantia de acesso ao Judicirio, para soluo de
controvrsias que no sejam temerrias ou procrastinatrias? Em outras
palavras: como no cair num relativismo improfcuo a partir da
interpretao dos tribunais em via difusa de controle de
constitucionalidade?
Palavras-chave: Direito Constitucional; Direitos Humanos;
Trabalho Escravo.
RESUMEN
Con la promulgacin de la CE 81/14, la Constitucin brasilea trat
sobre el tema de la esclavitud, dejando a la ley la tarea de
disciplinar a la pregunta; Si el sujeto est poco disciplinado /
delimitado, ser posible, dirigir los debates siempre se trata de la
excepcin, por lo que el control difuso de la constitucionalidad
puede, convertirse en un subterfugio para la ineficacia de las
disposiciones constitucionales. De esto, la pregunta sigue siendo:
hay manera de efectuar la nueva disposicin del art. 243 CF/88 sin
dar seguridad jurdica a la que el ciudadano necesita, que surge de
la regulacin de la materia, y garantizar el acceso a los tribunales
para resolver los conflictos que no sean imprudentes o
procrastinatrias? En otras palabras: cmo no caer en intiles de la
interpretacin de los tribunales en forma difusa de relativismo
judicial?
Palabras clave: Derecho Constitucional; Derechos Humanos;
Trabajo Esclavo.
INTRODUO
A utilizao de mo-de-obra escrava deixou rastros funestos na
histria do mundo e do Brasil. Da Lei urea Emenda Constitucional n.
81de 2014, analisa-se o passado, com a inteno de modificar o
futuro. Nesse escopo, a apreciao da possibilidade de conceituao e
da aplicabilidade da nova redao do texto
constitucional[footnoteRef:6], reclama a utilizao de parmetros
analticos, abarcando trs aspectos inseparveis e distintos entre si:
o axiolgico, que envolve o valor de justia; o ftico, que trata da
efetividade social e histrica; e o normativo, que compreende o
ordenamento, o dever-ser. Ao integrar e correlacionar esses trs
pilares fundamentais do Direito, o estudo em tela faz surgir polos
autnomos e enfoques sistemticos que estruturam a Cincia do Direito.
Para tal, o embasamento terico se lastreia na Teoria Tridimensional
do Direito[footnoteRef:7], de Miguel Reale, a fim de enfocar a
condio de escravo atravs de uma abordagem histrica, que concerne os
valores e os fatos que so ou deveriam ser harmonizados pela norma
jurdica. No entanto, imprescinde, para um efetivo entendimento,
discutir noes propeduticas em face das transformaes geradas
intrinsecamente pelo Direito. [6: Disponvel o acesso, em 31 de
julho, atravs de meio eletrnico no endereo <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>]
[7: REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. So Paulo:
Saraiva, 1994, 5. ed., p. 118: Se se perguntasse a Kelsen o que
Direito, ele responderia: Direito norma jurdica e no nada mais do
que norma. Muito bem, preferi dizer: no, a norma jurdica a indicao
de um caminho, porm, para percorrer um caminho, devo partir de
determinado ponto e ser guiado por certa direo: o ponto de partida
da norma o fato, rumo a determinado valor. Desse modo, pela
primeira vez, em meu livro Fundamentos do Direito eu comecei a
elaborar a tridimensionalidade. Direito no s norma, como quer
Kelsen, Direito no s fato como rezam os marxistas ou os economistas
do Direito, porque Direito no economia. Direito no produo econmica,
mas envolve a produo econmica e nela interfere; o Direito no
principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural
tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo norma, fato e
valor]
O curso dos tempos demonstra as grandes transformaes sofridas
pelo Direito, como se constata na conformao poltica, econmica e
cultural das sociedades mais primitivas. O Direito a evoluo da razo
que o configura enquanto Cincia da Justia[footnoteRef:8]. Para
alguns, a justia vista como expresso de harmonia aritmtica de
proporo, ao passo que, para outros, vista como a fora que liga os
homens entre si, determina a passagem do Kaos para o
Kosmos[footnoteRef:9], um alvo a ser atingido. Nesse sentido,
surgiu a acepo do Direito como algo que converte a uma direo.
Servir Justia seria, outrora, servir a Deus; o homem que cumpre a
lei no faria outra coisa seno respeitar um enlace que de natureza
divina. [8: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. So Paulo: Martins
Fontes, 1994, 4a ed., p. 33.] [9: BARNES, Jonathan. Filsofos
Pr-Socrticos. So Paulo: Martins Fontes, 1997.]
Gradativamente, o Direito foi se desconectando desses elementos
mtico-religiosos, guardando, porm, seu sentido primordial. atravs
dos tempos que ele se humaniza, no sentido de encontrar em si
mesmo, no prprio homem, a sua gnese. Convm mencionar que o homem
teve a primeira noo de lei como comando ou imperativo, para depois
conceb-la como relao objetiva entre fenmenos. Apesar de o homem
haver buscado buscar o Direito e seus fundamentos nos imperativos
divinos, constatou que, essencialmente, a racionalidade que mensura
a justia estava nele mesmo. Uma vez que a racionalidade, medida do
Direito, habita o homem e sua realidade circunstancial, a norma
jurdica no pode ser compreendida desconectada de tal contexto.
Logo, necessrio que seu estudo (e o que dele decorrer) no perca os
valores que determinam os preceitos jurdicos e os fatos que os
condicionam, tanto na sua gnese como na sua ulterior aplicao.A
escravido marcou a histria da humanidade, surgindo e se
estabelecendo de diferentes formas e com finalidades distintas,
modificando valores sociais, alm de gerar uma srie de normativos
que condicionaram e se desdobraram em mudanas. Com a modificao do
Art. 243 da Constituio Federal de 1988, por meio da Emenda
Constitucional n 81, h expressamente em nossa Constituio a indicao
de sano para aqueles que utilizarem mo de obra escrava em suas
produes, alm fazer meno criao de lei especfica para tratar dessa
temtica. Tal alterao levanta uma srie de discusses, a se iniciar
pela utilizao da expresso trabalho escravo: uma vez estando extinto
o regime escravagista no Brasil desde o ano de 1888, pergunta-se se
possvel haver referncia, dentro do prprio normativo, sobre um
regime ilegal. Alm disso, o ordenamento jurdico brasileiro e os
Tratados Internacionais como os da ONU e da OIT fazem referncia a
diversas nomenclaturas, controvertendo sua aplicao e podendo levar
a decises baseadas em subjetividades, o que acarretaria insegurana
jurdica.Ainda, a Emenda Constitucional n. 81 faz meno criao de lei
especfica para regular o tema. Todavia, diversas resolues
internacionais que j disciplinam a matria compem o ordenamento
jurdico brasileiro. Uma vez que h normativos internos e externos
que regulem o tema, devem-se averiguar os motivos por que no h
eficcia material, justificando a edio de mais um normativo sobre o
tema, visto j estar disposto ante a interpretao sistemtica do
ordenamento jurdico. Verificar-se- se a criao deste normativo pode
ter alcance para alm do mero procedimentalismo, uma vez que podem
existir casos que seriam interpretados como trabalho escravo pelos
juzes do Direito do Trabalho, apenas com reparaes meramente
indenizatrias, e cujo deslinde poderia se adstringir subjetividade
do julgador. Nesse ponto, exsurge a possibilidade de insegurana
jurdica. Tal patamar demonstra a necessidade de abertura do Direito
aos outros ramos do conhecimento, recurso empregado nos casos de
remarcao de terras indgenas utilizando perspectivas sociolgicas,
fticas e normativas para um reconhecimento fidedigno do caso e uma
elucidao justa e efetiva. Para tal, importa constatar como se d a
condio do escravo, desde o aliciamento at o amparo ps-libertao, via
polticas pblicas de reinsero e promoo de igualdade de acesso a
recursos e benefcios. Todos esses questionamentos, por sua
relevncia, merecem o olhar acurado do Direito e das Cincia Humanas
e Sociais, para que no se repita o feito de 126 anos passados,
quando os ex-escravos foram relegados margem da sociedade. Mister,
pois, refletir sobre os exemplos do passado para que se possa
vislumbrar o futuro e no mais repeti-lo.
ASPECTOS HISTRICO-NORMATIVOS
A anlise das diferentes terminologias utilizadas na conceituao
do assunto em tela demonstra o grande debate existente acerca da
nomenclatura e real significado das diferentes formas de nos
referirmos aos fenmenos que envolvem o presente objeto de estudo. O
ordenamento jurdico faz aluso, em diversos momentos, s temticas que
tocam ao regime de trabalho em condies anlogas de escravo,
levantando a questo sobre em quais casos haver a incidncia da norma
e, portanto, sua aplicabilidade. O Cdigo Penal Brasileiro utiliza a
expresso condio anloga de escravo; por sua vez; o Art. 149 da
Constituio Federal de 1988 utiliza a expresso trabalho escravo; e a
Organizao Internacional do Trabalho faz meno a trabalho forado em
seus documentos normativos. Essas divergncias podem predispor,
diante de uma interpretao literal, a se pensar em inaplicabilidade
dos dispositivos e, por conseguinte, em insegurana jurdica. A
ausncia de um unidade terminolgica nos dispositivos normativos pode
conduzir a, num caso concreto, no incidncia da configurao do
trabalho como escravo. Assim, o previsto no Art. 243 da Constituio,
a saber, expropriao de terras, bem como pena de dois a oito anos de
recluso, conforme preceitua Cdigo Penal, no se aplicaria. Restaria,
como recurso, o emprego de interpretao sistemtica do ordenamento
jurdico, em busca do elemento teleolgico, visto que as expresses
contidas nos normativos comungam do sentimento de repdio ao
cerceamento de liberdade, submisso vontade de outrem e a coisificao
do indivduo frente ao patrimnio de outrem. Nesse paradigma,
vislumbra-se o delineamento da condio de escravo. Empreendendo a
anlise da possibilidade de conceituao da temtica do trabalho
escravo e todas as suas nomenclaturas existentes na
contemporaneidade alm da fuga subjetividade de aplicao do Art. 243,
da CF88, faz-se necessria a apreciao da evoluo histrico-normativa
no que cinge a escravido. Ademais, os normativos so alterados e
alteram o grupo que atingem e pelo qual so atingidos, a perspectiva
sociolgica, portanto. Devemos abordar esta evoluo atravs do direito
que regia uma sociedade, no mais existente, buscando-se interpretar
os normativos, no com olhos treinados pela metodologia jurdica
atual, mas sim pelos padres de compreenso daqueles que viveram sob
vigncia e incidncia daquele ordenamento. manifesto que os aspectos
sociolgicos e econmicos da escravido so em demasia abordados por
diversos autores e estudiosos, no entanto raro encontrar a anlise
do ordenamento jurdico brasileiro nos sculos em que a escravido no
era vista como regime ilegal. A escravido, muitas vezes, enxergada
apenas como um fenmeno ftico, percebido sob nuances sociolgicas ou
econmicas, que simplesmente existia no Brasil do sculo XIX e que
foi extinto por meio da Lei n 3.353, de 13 de maio de
1888[footnoteRef:10], denominada Lei urea. Mas o tema, mesmo aps
passados mais de 126 anos, ainda tem relevncia em face do trabalho
escravo contemporneo, em regime ilegal, aps essa data. [10:
Disponvel o acesso, em 31 de julho de 2014, atravs de meio
eletrnico no endereo <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM3353.htm>]
Vislumbra-se o instituto jurdico da escravido, por meio de
nossas Cartas Magnas, uma vez que estas orientam todo o ordenamento
jurdico vigente em cada perodo. A primeira Constituio Brasileira,
datada de 25 de maro de 1824[footnoteRef:11], foi outorgada,
segundo historiadores[footnoteRef:12], por D. Pedro I. Esta carta
trata do Brasil Imperio, sendo apoiada pelo Partido Portugus, que
era constitudo por ricos comerciantes portugueses e funcionrios com
altos cargos pblicos. Entre as principais medidas dessa Constituio,
destaca-se o fortalecimento de poder pessoal do imperador, como a
criao do Poder Moderador, que estava acima dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judicirio. Passando as provncias a serem governadas
pelos presidentes nomeados diretamente por esse, alm de estabelecer
eleies indiretas e censitrias. Essa foi a Constituio com durao mais
longa na histria do pas, num total de 65 anos. A escravido no
estava prevista, expressamente, em nenhum dos dispositivos da
Constituio Imperial, de 1824, o que no poderia ser diferente, j
que, pela sua inspirao liberal, no poderia trair, explicitamente,
sua prpria finalidade, em outras palavras, o resguardo das
liberdades individuais uma vez que a Constituio de 1824 baseada em
valores liberais. Porm, no que tange, esta carta, sobre a atribuio
de cidade e liberdade, se torna evidente a excluso dos escravos da
condio de pessoa e cidadania e, por conseguinte, da aceitao e no
vedao constitucional a este instituto, pela leitura do Art. 6, 1,
da Constituio de 1824: [11: Disponvel o acesso, em 31 de julho de
2014, atravs de meio eletrnico no endereo <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>]
[12: FREITAS, Decio. O homem que inventou a Ditadura no Brasil.
Sulinas., p. 72.]
Art. 6. So Cidados Brazileiros:I. Os que no Brazil tiverem
nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja
estrangeiro, uma vez que este no resida por servio de sua Nao.II.
Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mi Brazileira,
nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no
Imperio.III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz
estrangeiro em sorvio do Imperio, embora elles no venham
estabelecer domicilio no Brazil.IV. Todos os nascidos em Portugal,
e suas Possesses, que sendo j residentes no Brazil na poca, em que
se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam,
adheriram esta expressa, ou tacitamente pela continuao da sua
residencia.[Grifo nosso]No que tange esses direitos, dividem em
ingnuos e libertos. Sendo ingnuos aqueles que j nascem livres e
libertos aqueles que aps nascidos na condio de escravos vieram a
conseguir a liberdade. Sendo assim, a Carta Imperial, atribua a
condio de cidados apenas queles indivduos que apresentavam como
ingnuos ou libertos, ao menos tacitamente, havendo a possibilidade
de existncia de indivduos que no poderiam ser cidados, por no
possurem este status libertatis, ou seja, porque eram escravos.O
art. 94, 2, do mesmo normativo constitucional, reduz o liberto
condio de cidado de segunda classe: apesar de os libertos serem
cidados e, portanto, gozarem de liberdade, no poderiam ser
eleitores e nem seria possvel o acesso a cargos pblicos. Havendo,
assim, tal diferenciao que insere e, ao mesmo exclui.Observe-se que
o liberto, em verdade, no ordenamento jurdico brasileiro, vivia
insegurana jurdica, j que existia uma real possibilidade jurdica de
perda do seu status libertatis em face da possibilidade de se
invocar a ingratido por supostos atos praticados pelo alforriado em
vista do disposto no no 7, Ttulo 63, do Livro IV, das Ordenaes
Filipinas:Se algum forrar seu escravo, livrando-o de toda a
servido, e depois que for forro, commetter contra quem o forrou,
alguma ingratido pessoal em sua presena, ou em sua absencia, quer
seja verbal, quer de feito e real, poder este patrono revogar a
liberdade, que deu a este liberto, e reduzil-o servido, em que
antes estava. E bem si por cada huma das outras causas de
ingratido, porque o doador pde revogar a doao feita ao donatrio,
como dissemos acima.
Nota-se uma contradio, se a Constituio que deveria servir de
fundamento para a defesa de direitos fundamentais, no declara, ao
menos tacitamente, a existncia da escravido, no tolerando a violao
do direito liberdade[footnoteRef:13], no haveria razo para que, de
forma tcita, este abominvel instituto civil viesse a prosperar no
nosso solo. No entanto, aos olhos daquela sociedade, no era esta a
interpretao. Mas essa constradio, em vias normativas e prticas se
justifica uma vez que os fundamentos da sua economia argumentavam
em favor existncia da situao ftica da escravido[footnoteRef:14],
pois, pelos diplomas legais existentes, a vigncia das normas
referentes a sua manuteno passaram a ser, cada vez com mais
intensidade, questionadas pela sociedade, levantando o debate a
cerca da legitimidade da escravido. [13: Artigo n 179, I e VII, da
Constituio de 1824.] [14: SENTO-S, Jairo Lins de Albuquerque.
Trabalho Escravo no Brasil na atualidade. So Paulo: LTr, 2000.,
p.37-39]
Os questionamentos em face da legitimidade da escravido, dentre
demais fatores polticos e sociais, acarretaram na elaborao de
normativos infra-constitucionais que conduziram abolio da
escravatura. So elas: Lei Eusbio de Queiroz, Lei do Ventro Livre e
Lei do Sexagenrio.A Lei n 581 - denominada Lei Eusbio de
Queiroz[footnoteRef:15] -, aprovada em 4 de setembro de 1850,
determinou o fim do trfico de escravos para o Brasil e determinava
penas severas para os traficantes, conforme a leitura dos Art. 1 e
5, do mesmo normativo: [15: Disponvel o acesso, em 31 de julho de
2014, atravs de meio eletrnico no endereo ]
Art. 1 As embarcaes brasileiras encontradas em qualquer parte, e
as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou
mares territoriaes do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja
importao he prohibida pela Lei de sete de Novembro de mil
oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, sero
apprehendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra
brasileiros, e consideradas importadoras de escravos.Aquellas que
no tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente
desembarcado, porm que se encontrarem com os signaes de se
empregarem no trafico de escravos, sero igualmente apprehendidas, e
consideradas em tentativa de importao de escravos.Art. 5 As
embarcaes de que trato os Artigos primeiro e segundo e todos os
barcos empregados no desembarque, occultao, ou extravio de
escravos, sero vendidos com toda a carga encontrada a bordo, e o
seu producto pertencer aos apresadores, deduzindo-se hum quarto
para o denunciante, se o houver. E o Governo, verificado o
julgamento de boa presa, retribuir a tripolao da embarcao com somma
de quarenta mil ris por cada hum africano apprehendido, que era
distribuido conforme as Leis respeito.Em mesma linha e argumentos,
daqueles a favor da abolio, surge a Lei n 2140 denominada Lei do
Ventre Livre[footnoteRef:16], aprovada em 28 de setembro de 1871,
declarava libertos os filhos das escravas nascidos a partir da
aprovao da lei. Os defensores da Lei do Ventre Livre afirmavam que
ela, junto com a proibio do trfico negreiro, garantia que a
escravido no Brasil fosse extinta aos poucos. Causando temor dos
donos de escravos sob o argumento de ausncia de mo de obra para
trabalhar em suas plantaes. No entanto, houve pouco efeito prtico,
uma vez que este filhos ficavam sob tutela dos donos das mes at os
8 ou 21 anos: [16: Disponvel o acesso, em 01 de agosto de 2014,
atravs de meio eletrnico no endereo <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM2040.htm.]
Art. 1 Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde
a data desta lei, sero considerados de condio livre. 1 Os ditos
filhos menores ficaro em poder o sob a autoridade dos senhores de
suas mis, os quaes tero obrigao de crial-os e tratal-os at a idade
de oito annos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade,
o senhor da mi ter opo, ou de receber do Estado a indemnizao de
600$000, ou de utilisar-se dos servios do menor at a idade de 21
annos completos. No primeiro caso, o Governo receber o menor, e lhe
dar destino, em conformidade da presente lei. A indemnizao
pecuniaria acima fixada ser paga em titulos de renda com o juro
annual de 6%, os quaes se consideraro extinctos no fim de 30 annos.
A declarao do senhor dever ser feita dentro de 30 dias, a contar
daquelle em que o menor chegar idade de oito annos e, se a no fizer
ento, ficar entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos
servios do mesmo menor.
Ainda neste mesmo intuito, houve a lei de nmero
3.270[footnoteRef:17], aprovada em 28 de setembro de 1885, previa a
libertao de escravo acima de 65 anos. No entanto, em funo da
expectativa de vida, no houve aplicabilidade efetiva. Esta lei era
denominada Lei do Sexagenrio e fixava valores indenizatrios aos
proprietrios dos escravos quando de sua libertao. Alm da imagem
representativa do negro como perigoso, passional, feroz, traioeiro
e insubordinado no apenas impulsionou o movimento abolicionista,
mas tambm a alternativa imigrantista. A entrada em massa dos
africanos alavancada pela produo do caf no Sul, na dcada de 1830, e
as notcias de insurreies como a Revolta dos Mals[footnoteRef:18] e
a Revoluo do Haiti[footnoteRef:19], geraram temor pela suspeita de
uma possvel rebelio generalizada. Havendo, portanto, medo e
racismo, contribuindo tanto para a opo de no mais utilizao de meios
de produo utilizando mo de obra escrava e, por consequncia, a
preferncia pela mo de obra branca imigrante. Diante do temor de
possveis rebelies, medo este que tomou conta da provncia, os
deputados impuseram uma srie de barreiras ao trfico, por meio de
altos impostos, com a inteno de que o capital passasse a ser
direcionado a investimentos de imigrao. Por outro lado, porm em
mesma linha, os imigrantes, por sua fama de grevistas e atos de
insubordinao, tambm causavam preocupao e antipatia nos polticos e
proprietrios, mas no fortes o suficiente para sobrelevar o medo e
preconceito em face dos trabalhadores nacionais. Por meio da anlise
histrico-normativa nota-se que a abolio, em termos
histrico-sociolgicos, j era aceito e desejado, embora no por razes
voltadas ao reconhecimento dos negros como pessoas de direito e
respeitada sua dignidade, mas sim embasados pelo crescimento
capitalista, medo e preconceito. [17: Disponvel o acesso, em 01 de
agosto de 2014, atravs de meio eletrnico no endereo <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-3270-28-setembro-1885-543466-norma-pl.html>]
[18: O movimento organizado por escravos africanos muulmanos,
denominados Mals, ocorrido no Estado da Bahia, organizou esforos em
torno de propostas radicais para libertao dos demais escravos
africanos que fossem muulmanos, sendo que a tomada do governo
constitua um dos principais objetivos dos rebeldes.] [19: A
independncia do Haiti, influenciada pela Revoluo Francesa,
considerada a nica revolta de escravos bem-sucedida desde a
Antiguidade clssica. Ocorreu entre os anos de 1791 e 1804.]
A inteno, com o conjunto das normas acima, era a extino gradual
do escravagismo, uma vez que no se permitia a entrada de novos
escravos, os nascidos aps a Lei do Ventre Livre no seriam escravos
e sim livres, e aqueles que ultrapassassem os 65 anos tornar-se-iam
livres tambm, portanto. Mas, quando tratamos da vida e dignidade no
h o que se esperar - embora a sano desta lei no se configura pelo
reconhecimento de direitos. No ano de 1888, o Brasil abole a
escravatura. Uma abolio tardia em vista deste mal j ter sido vedado
por meios normativos na Inglaterra, Chile, Mxico, Frana (e todas
suas colnias), Venezuela, Peru, Estados Unidos, Portugal. E somente
em 1888 o Brasil Imprio abole a escravido por meio da Lei n 3353,
de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei urea:A Princesa Imperial
Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro
II, faz saber a todos os sditos do Imprio que a Assemblia Geral
decretou e ela sancionou a lei seguinte:Art. 1: declarada extincta
desde a data desta lei a escravido no Brazil.Art. 2: Revogam-se as
disposies em contrrio.Manda, portanto, a todas as autoridades, a
quem o conhecimento e execuo da referida Lei pertencer, que a
cumpram, e faam cumprir e guardar to inteiramente como nella se
contm.
O normativo extingue o regime, mas nada trata sobre a integrao
dos, at ento, escravos na sociedade. Tambm se silencia quanto
transio do trabalho escravo para o trabalho livre. Em outros
termos, retirou dos latifundirios a responsabilidade por seus
escravos, deixando-os a propria sorte, como Lima Barreto,
escrevendo sobre o perodo ressaltou: Nunca houve anos no Brasil em
que os pretos (...) fossem mais postos margem[footnoteRef:20]. O
novo regime, apesar das promessas, no viera para democratizar a
sociedade ou possibilitar uma maior mobilidade social. Por suas
caractersticas acentuadamente oligrquicas, a Repblica brasileira
chegara para manter intocada uma estrutura elitista e excludente.
Somado a isso, os fazendeiros em funo da Revoluo Industrial e do
capitalismo que se expandia a passos largos haviam como compensar a
mo de obra dos escravos, uma vez que o poder pblico financiava a
imigrao de europeus que serviam de mo de obra com baixssimo custo.
A Abolio no foi, portanto uma demanda por justia social, mas sim
uma necessidade premente da insero do Brasil na economia mundial,
que j abandonara o escravagismo em favor do trabalho assalariado,
mais barato e eficiente[footnoteRef:21]. Em vista da alterao
social, antes composta por nobres e agora por grandes burgueses e,
em funo da expanso industrial capitalista, havia o desejo de maior
participao em tomada de decises. Aqueles que detinham poder
financeiros e de tomada de decises, j haviam se descontentados com
a coroa devido abolio, acrescido de seus interesses
poltico-econmicos contriburam para a revoluo elitista que acarretou
na Proclamao da Repblica, em 15 de novembro de 1889, e a convocao
da Assembleia Constituinte para elaborao de uma nova Carta Marga.
[20: LIMA BARRETO. Toda a crnica. Rio de Janeiro:Agir, 2004, T. I e
T. II] [21: Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219
mil imigrantes. Na dcada seguinte, o nmero salta para 525 mil. E,
no ltimo decnio do sculo XIX, aps a Abolio, o total soma 1,13
milho.]
A nova Constituio traz como caractersticas: a organizao federal
se estrutura em forma de governo sob regime representativo e
presidencial; A constituio dos Estados Unidos do Brasil em 1891 se
deu ao modelo da Constituio Norte Americana; traz um catlogo de
Direitos Individuais do Cidado. Ressalta-se algumas mudanas quanto
a anterior carta constitucional como a separao em trs poderes,
conforme modelo de tripartio de Montesquieu (na de 1824 eram 3
poderes + poder moderador); a separao entre Igreja Catlica e Estado
(ao contrrio da de 1824 que tinha Igreja e Estado unidos),
permitindo o livre culto de outras religies; Estado Brasileiro
dividido em Estados membros; instaura o controle difuso de
constitucionalidade, ou seja, qualquer juiz pode declarar
inconstitucional uma lei; traz o artigo de garantias individuais,
dando direito ao homem a vida, liberdade e bens (propriedades);
Congresso bicameral; o voto deixa de ser censitrio (apenas os ricos
voltam, como em 1824) e passa a ser estendido direito ao voto todos
os homens acima de 21 anos, no sendo eleitores mendigos e
analfabetos; regula estado de stio; instaura o TCU (Tribunal de
Contas da Unio; incluso do habeas corpus; o Art. 69 regula quem
brasileiro, estabelece os critrios de atribuio de nacionalidade.
Sendo esta a primeira constituio em que no h implcita ou
explicitamente diferenciao da atribuio de direitos em face da cor.
Consagra e confirma que o trabalho escravo em regime legal est
extinto.Em termos normativos, no h o que se falar em permissividade
legal no que tange o sistema de trabalho escravagista. No entanto,
tambm no h o que se falar em politicas pblicas de incluso dos
negros nos meios de produo em especial, com a competio de mo de
obra de imigrantes. Isso, pois acreditava-se, at ento, na ameaadora
agressividade do negro como tambm na sua inadequao ao trabalho,
ambas as caractersticas ligadas sua suposta inferioridade racial ou
cultural. O mximo que se concedia em termos do destino dos homens
nacionais livres e pobres era esperar que no futuro eles se
regenerassem de seus defeitos por meio de sua absoro pela populao
de imigrantes, via miscigenao ou simplesmente exemplo
moralizador[footnoteRef:22]. O destino dos negros, ps-abolio, no
era mais uma preocupao, como destaca Florestan
Fernandes[footnoteRef:23]: [22: AZEVEDO, Clia M. M. (1987), Onda
Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginrio das Elites. Brasil, Sculo
XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 98-112] [23: FERNANDES,
Florestan. Integraao Do Negro Na Sociedade de Classes, V.1. So
Paulo: Ed. Globo., p. 187. ]
A preocupao pelo destino do escravo se mantivera em foco
enquanto se ligou a ele o futuro da lavoura. Ela aparece nos vrios
projetos que visaram regular, legalmente, a transio do trabalho
escravo para o trabalho livre, desde 1823 at a assinatura da Lei
urea. (...) Com a Abolio pura e simples, porm, a ateno dos senhores
se volta especialmente para seus prprios interesses. (...) A posio
do negro no sistema de trabalho e sua integrao ordem social deixam
de ser matria poltica. Era fatal que isso sucedesse.
Diante da evoluo normativa acerca do tema, o Cdigo Penal de
1940, traz expresso em seu artigo de nmero 149[footnoteRef:24], a
condio de crime quele que reduzir algum a condio anloga a de
escravo, prevendo ao infrator pena de dois a oito anos. No entanto,
este artigo nos leva subjetividade, uma vez que apenas penaliza e
no esgota a temtica em face de conceituao e em termos de
aplicabilidade da norma. Ressalta-se ainda, que a norma j
contempla, de forma abrangente, aquele que possa vir a ter sua
vontade submissa de outrem, no mais tipificando o negro ou o
imigrante. [24: Teor do Artigo n 149, do Cdigo Penal Brasileiro, o
DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940: Art. 149. Reduzir
algum a condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condies
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto:
Pena - recluso, de dois a oito anos, e multa, alm da pena
correspondente violncia. 1o Nas mesmas penas incorre quem: I -
cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho; II - mantm
vigilncia ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de ret-lo
no local de trabalho. 2o A pena aumentada de metade, se o crime
cometido: I - contra criana ou adolescente; II - por motivo de
preconceito de raa, cor, etnia, religio ou origem. ]
A essncia do delito de reduzir algum a condio de escravo
consiste na sujeio de uma pessoa outra, no domnio no sentido
psicolgico e fsico seja pelo endividamento ou a utilizao da fora. A
liberdade do sujeito passivo suprimida de fato, mesmo que permanea
como estado de direito, pela tica do catlogo de direitos. A relao
que se estabelece entre os sujeitos do delito semelhante de
escravido, pois visa tornar a pessoa totalmente submissa vontade de
outrem, como se escravo fosse. Trata-se de privao de liberdade em
sua acepo mais ampla. O crime consiste em apoderar-se de um homem
para reduzi-lo condio de coisa, sem lhe reconhecer direito no mbito
dos Direitos Humanos, Direitos Sociais, Princpio da Dignidade da
Pessoa Humana e Trabalhistas neste ltimo, no que tange
contrapartida s suas prestaes, devido a venda de sua fora de
trabalho. Este normativo, ganha amplitude conceitual, promovida
pela Lei 10.803/2003, especificando a conduta descrita, exigindo
uma das condutas descritas pelo texto da lei que complementa o Art.
149 do Cdigo Penal. As condutas descritas, versam sobre sujeio ou
submisso do outro algum, conforme dispe Adonia Antunes
Prado[footnoteRef:25], este normativo pressupe o conjunto ou atos
isolados de : trabalhos forados, ou seja, a trabalhos ou servios
exigidos sob ameaa de alguma punio e/ou contra a sua vontade;
jornada exaustiva, esgotante, alm da que considerada aceitvel por
qualquer ser humano; sujeio (submisso) a condies degradantes, em
que se pode identificar pssimas condies de trabalho e de remunerao;
e, por fim, restrio (limitao), por qualquer meio, da locomoo em
razo de dvida contrada com o empregador ou preposto, chamada
servido por dvida, consistente no aprisionamento do trabalhador por
dvidas contradas em decorrncia do trabalho[footnoteRef:26]. [25:
Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes (Orgs.). Olhares sobre a
Escravido Contempornea: novas contribuies crticas. Cuiab: EDUFMT,
2011., p. 233 -237] [26: Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes
(Orgs.). Olhares sobre a Escravido Contempornea: novas contribuies
crticas. Cuiab: EDUFMT, 2011., p. 223.]
A temtica acerca do trabalho escravo deve ser abordada de forma
interdisciplinar, pois diversas so as reas envolvidas para
regulamentar e combater a prtica existente desde o imprio no
Brasil. A abordagem do mbito do Direito Administrativo se deve,
principalmente pela sanso administrativa trazida pela nova redao do
Art. 243 da Constituio Federal de 1988 trazida pela EC 81/2014: a
Expropriao[footnoteRef:27]. [27: Todos os Tratados tem o papel de
defender os interesses da pessoa (ex parte Populi) e no os
interesses do governo (ex parte principis). O direito internacional
que antes era limitado s relaes entre os estados passa ser
abrangido para os direitos e liberdades fundamentais e os direitos
das gentes. A partir dessa tica internacional humanizada a CF/88
passou a adotar princpios como o da Dignidade da Pessoa Humana e os
Direitos Humanos como um todo, dando suporte axiolgico para todo o
ordenamento jurdico.]
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer regio do
Pas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrpicas
ou a explorao de trabalho escravo na forma da lei sero expropriadas
e destinadas reforma agrria e a programas de habitao popular, sem
qualquer indenizao ao proprietrio e sem prejuzo de outras sanes
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art.
5.Pargrafo nico. Todo e qualquer bem de valor econmico apreendido
em decorrncia do trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins e da
explorao de trabalho escravo ser confiscado e reverter a fundo
especial com destinao especfica, na forma da lei.
A regulamentao trazida pela doutrina de Direito Administrativo,
no que se refere ao Estatuto trazido pelo Art. 243 da CF/88 - que
segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro esquecida por boa parte da
dogmtica administrativa ptria - controversa no sentido de tratar as
expresses expropriao e desapropriao como sinnimas. Entretanto
pacfico o entendimento que a punio trazida pelo Art. 243 da CF/88
se difere dos demais atos desapropriatrios do Estado no sentido de
no haver indenizao para o proprietrio das terras expropriadas,
denota-se tambm, que a expropriao abordada como uma modalidade de
desapropriao das terras, tratada ora como desapropriao-punio, ora
como desapropriao-confisco.Para fins de punio administrativa
independe o uso da nomenclatura, entretanto importante destacar que
o Art. 243 da CF/88 explicita, atravs do Art. 1 Lei n 8.257/91 o
destino das terras expropriadas no que se refere cultura ilegal de
plantas psicotrpicas especificamente, entretanto nada mencionado no
que se refere ao destino das terras expropriadas por fora da
explorao de trabalho escravo. Destaca-se, nesse ponto, que a lei a
ser criada para regulamentar o trabalho escravo trazido pelo Art.
243 da CF/88 deve se preocupar no s em delimitar um parmetro sobre
o que ou no trabalho escravo, mas tambm em determinar um destino
para as terras expropriadas.A competncia para a criao de leis, no
Brasil, entretanto no do poder judicirio, cabendo principalmente ao
poder legislativo, que eleito pela populao brasileira, a produo das
leis brasileiras. A Proposta de Emenda Constitucional n 57 de 1999,
conhecida como PEC do Trabalho Escravo foi de iniciativa do Senado.
Aps a iniciativa, uma grande discusso ocorreu, tanto no Senado,
casa iniciadora quanto na Cmara de Deputados, casa revisora. Um dos
pontos de divergncia trazidos pela bancada ruralista - contrria EC
81/14 fora justamente a questo de confisco das terras em que a mo
de obra escrava fosse explorada. Nesse sentido o Deputado Nelson
Marquezelli (PTB-SP) destacou que:Achamos que esta Casa, mais uma
vez, vai dar um tiro no p, porque desapropriao confisco de
propriedade. Esto misturando alhos com bugalhos! O problema de
polcia, penalidade do proprietrio, at crime hediondo aceitvel, mas
no o confisco. Expropriao confisco! - discursou Marquezelli,
verbalizando o pensamento dos produtores rurais.Aps a promulgao de
nossa vigente Constituio, no ano de 1988, o Ministrio Pblico,
identificado como fiscal da lei passou a atuar de forma mais
efetiva como rgo agente fiscalizador. Diversas denncias sobre
crimes de trabalho escravo e crimes correspondentes foram, e
continuam sendo, propostos pelo Ministrio Pblico Federal em todo o
territrio nacional. As dificuldades no combate ao crime de trabalho
escravo encontram bices no que tange a morosidade do processo
penal, a discusso acerca da competncia do juzo seja pela at ento
recente indefinio, pela ausncia de uma poltica pblica de reinsero
dos trabalhadores, que libertos do trabalho escravo, a este
retornam por falta de outra opo.Para o Ministrio Pblico Federal, o
autor do crime compreendido na pessoa do empregador
final[footnoteRef:28], o proprietrio do imvel rural, responsvel
pelo que acontece em seus domnios. No podemos dissociar a figura do
fazendeiro da responsabilidade criminal, quando ele se utiliza de
um terceiro para fraudar a legislao trabalhista e submeter seus
empregados escravido, com fins de lucro. No se excluindo, portanto,
a responsabilidade trabalhista e, muito menos, a responsabilidade
criminal. E neste ponto, pungente a discusso em face da competncia
de juzo. Por este ato de explorao tocar em violar tanto Direitos
Humanos, Trabalhistas, Sociais h o Cdigo Penal e o Direito
Administrativo houve o debate sobre qual seria o juzo competente
para o processo e julgamento. [28: Ricardo Rezende; PRADO, Adonia
Antunes (Orgs.). Olhares sobre a Escravido Contempornea: novas
contribuies crticas. Cuiab: EDUFMT, 2011., p. 239]
Embora o Brasil seja signatrio das Convenes 29 e 105 da OIT
(Organizao Internacional do Trabalho), que visam combater o
trabalho escravo, quando ocorre, em reas rurais, este delito no
consegue alcanar repercusso internacional, o que implica num bice
incidncia do previsto no Art. 109, inc. V, da Constituio Federal
para caracterizar a competncia da Justia Federal. A interpretao
sistmica e, at mesmo, literal conduzem competncia da Justia Federal
todos os delitos contra a organizao do trabalho, neste caso, o
inciso VI, do mesmo normativo constitucional, motivo pelo qual,
enquanto no era prevista literalmente a competncia da Justia
Federal para o julgamento do crime de trabalho escravo, as denncias
incluam na capitulao dos crimes contra a organizao do trabalho
(art. 197 a 207, todos do Cdigo Penal). No entanto, na esteira da
Smula 115, do extinto Tribunal Federal de Recursos, anterior
Promulgao da Constituio Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal
restringiu essa competncia. Esse era o entendimento que vinha sendo
seguido pelo Superior Tribunal de Justia e demais tribunais do pas,
no sentido de que os crimes contra a organizao do trabalho somente
eram de competncia da Justia Federal quando os delitos atingissem
ao sistema de rgos e instituies que preservassem, coletivamente, os
direitos e deveres dos trabalhadores e no quando estes eram
considerados individualmente. Mas no se trata apenas de mera leso a
direito individual do trabalhador e em face dos compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil a esse respeito, o julgamento
este delito deveria ser de competncia da Justia Federal. Este
debate acerca da competncia chegou ao fim com a deciso do
STF[footnoteRef:29], quando determinado o processamento e
julgamento de crime de reduo condio anloga de trabalho escravo pela
Justia Federal. Neste julgamento, ainda, se determinou que o Art.
149 do Cdigo Penal, deveria ser classificado como crime contra a
organizao do trabalho. [29: RECURSO EXTRAORDINRIO: n. 398041/PA do
Supremo Tribunal Federal.]
No que se finaliza o embate acerca da competncia, inclinamo-nos
a analisar, segunda a Teoria Tridimensional do Direito, a questo
ftica - inclusive, sob a tica da atuao do Ministrio Pblico como
agente fiscalizador da lei. Em termos de dados estatsticos, no h um
levantamento objetivo e que retrate a real situao da explorao
contempornea, em condies anlogas a de escravo.
FUNDAMENTOS DA CONDIO DE ESCRAVO NA CONTEMPORANEIDADENo Brasil,
o trabalho escravo, uma das formas pelas quais a condio de escravo
se verifica na contemporaneidade, resultante do modelo de produo e
relao econmica estruturada a partir da Lei de Terras do ano de
1850. Essa lei manteve e fundamentou a utilizao de mo de obra em
condies anlogas a de escravo sustentada, principalmente, pela
racionalidade inerente ao modelo capitalista. O final da escravido,
em face da produo fundiria, poderia representar um colapso para os
grandes produtores rurais. Em busca de evitar crises de produo e,
com inteno de promover o crescimento e desenvolvimento, o governo
brasileiro promoveu meios para garantir que poucos mantivessem
acesso aos meios de produo, ou seja, criou meios de restrio de
acesso a terra. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas aps a
extino do trfico de escravos, em 1850, e criou mecanismos para a
regularizao fundiria. Esta lei antecedeu a trplice normativa que
tinha como intentio a gradual extino do modo de produo
escravagista, contida pelas Lei Eusbio de Queiroz, Lei do Ventre
Livre e Leio do Sexagenrio. As terras devolutas[footnoteRef:30]
passaram para as mos do Estado, que passaria a vend-las e no do-las
como era feito at ento. Logo, a terra passa a ser economicamente
afervel, o que impedia sua utilizao para a produo por libertos e
imigrantes, mantendo, portanto, a condio de dominante e dominado.
[30: [Do lat. devolutus.] Adj. 1. Adquirido por devoluo. 2.
Desocupado; desabitado, vago.3 AURLIO)]
O custo da terra passou a existir, portanto, mas no era um bice
significativo para os grandes fazendeiros, que dispunham de capital
para a ampliao de seus domnios. Porm, tal normativo foi o
suficiente para excluir os, agora, libertos e pobres do processo
legal para aquisio de propriedade. Da mesma forma, a lei proibia
que imigrantes que tiveram sua vinda ao pas financiado pelo
Governo, em funo da poltica de imigrao, comprassem terras at trs
anos aps a sua chegada. Ou seja, mantinha a fora de trabalho
disposio do capital. Criava, neste sentindo, mecanismos impeditivos
de alterao do quadro social, subjugando, mais uma vez, a vontade e
as possibilidades dos negros e explorados (no caso dos imigrantes),
logo garantindo o crescimento capitalista, mantendo a mo de obra
reprimida e alijada dos meios de produo.Com o trabalho em
cativeiro, a terra poderia estar disposio para livre ocupao, pois
seria ocupada apenas pelos grandes proprietrios que atendiam s
expectativas do Imprio. No entanto, com o trabalho livre, ao menos
em termos legais, o acesso terra precisava ser restringido. A
existncia de terras livres garante produtores independentes e
dificulta a centralizao do capital e da produo baseada na explorao
do trabalho. Dessa maneira, a Lei de Terras, nascida do fim do
trfico de escravos, est na origem da atual explorao do trabalhador
rural e, portanto, da escravido contempornea. As legislaes que se
sucederam a ela e trataram do assunto apenas reafirmaram medidas
para garantir a existncia de reserva de mo de obra sem acesso
terra, mantendo baixo o nvel de remunerao e de condies de trabalho.
Com a Lei de 1850 estava formatada uma nova perspectiva para
sujeitar os trabalhadores. Ela tambm resolveu outro problema
crucial: ao dificultar o acesso e legalizar a posse, criou valor
para algo que at ento no o possua a terra. Assim, a terra passou a
ser garantia de crdito. O trabalho, liberto da condio de renda
capitalizada, deixa de fazer parte do capital para se contrapor a
ele. No era mais preciso comprar a capacidade de gerar riqueza: com
o fim do direito propriedade privada sobre seres humanos, o capital
passou a ganhar liberdade.Sendo assim, mesmo aps a Lei urea, a
estrutura do trabalho escravo mantinha-se, porm sem a figura do
escravo, mas com a figura do trabalhador em condio de escravo. H
dois exemplos que corroboram a afirmao feita: o primeiro so as
pessoas levadas a trabalhar na indstria da borracha na Amaznia; o
segundo so os colonos estrangeiros trazidos para as fazendas de caf
do interior do Estado de So Paulo. Pela descrio da situao, possvel
constatar que h um padro na forma de explorao desses trabalhadores,
que continua o mesmo nos dias de hoje, na forma da restrio de
acesso a recursos e benefcios, preconceito e o endividamento
ilegal. O endividamento ilegal inicia juntamente com a explorao,
uma vez que se requerido crdito para compra de ferramentas a serem
utilizadas, deslocamento at o local do trabalho, tal qual as
restries impostas aos imigrantes que tiveram seu deslocamento
financiado, assim como os gastos com alimentao, em algumas situaes,
nas cantinas do local de atuao do escravo contemporneo. Soma-se a
isso a insipincia e o desconhecimento do explorado e, por outro
lado, o jogo manipulador que o mantm prisioneiro por dvidas, uma
vez que os gastos so maiores que o retorno pecunirio prometido.
Enquanto deve, o trabalhador no pode abandonar o seu patro credor;
existe entre os proprietrios um compromisso sagrado de no aceitarem
a seu servio empregados com dvidas para com outro e no saldadas. O
mesmo jogo envolvendo desigualdade e impossibilidade de acesso,
ignorncia em seu sentido etimolgico e a utilizao da fora foi
arqueado no Brasil ps-abolio e nos dias atuais.O colono e o liberto
no vendiam sua fora de trabalho, trocavam-na pela subsistncia. E se
estivesse insatisfeito com o patro explorador, teriam que procurar
outro que comprasse suas dvidas, permanecendo a coisificao do ser
humano. Perante a lei, estavam livres, contudo, economicamente,
eram similares s condies de escravos dos anos anteriores a 1888. A
servido por dvida consolidou-se como meio empregado para reprimir a
fora de trabalho nas situaes de expanso do capital sobre formas no
capitalistas de produo. Para alm dos efeitos da Lei urea,
trabalhadores rurais do Brasil ainda vivem atualmente sob a ameaa
do cativeiro. Mudaram-se as nomenclaturas, mantiveram-se os mtodos.
No so apenas as velhas formas de explorao que se inserem nas novas,
mas as novas recorrem s velhas sempre que possvel.
DIREITOS HUMANOS E CONSTITUCIONALIDADE
O principal marco para a institucionalizao dos direitos humanos
no Brasil foi a Constituio Federal de 1988, que emerge a partir do
processo de redemocratizao do Estado, abrindo, no mbito do sistema
jurdico, uma nova ordem em que normas foram agregadas e
possibilitaram a maior garantia de direitos.Atualmente, quase todos
os tratados internacionais significativos no que se refere aos
Direitos Humanos e ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos
foram ratificados pelo Brasil, e, por isso, vigem na ordem jurdica
ptria. A prpria Constituio aborda os tratados internacionais no seu
2 do Artigo 5: 2 - Os direitos e garantias expressos nesta
Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica
Federativa do Brasil seja parte. Demonstra-se, assim, existir dupla
fonte normativa com a mesma carga de eficcia e de importncia:
Direito Interno e Direito Internacional, e, em caso de conflito,
deve prevalecer o Direito mais benfico pessoa protegida (princpio
internacional homine).H tambm uma otimizao e maximizao dos dois
sistemas, podendo aplicar ambas as normas que so aparentemente
opostas para que se possa garantir a melhor proteo. Ocorre,
entretanto, uma divergncia de opinies doutrinrias quanto a admisso
dos tratados internacionais. MAZZUOLI (2011) apoia que o 2 do
artigo 5 (clusula aberta) da CF sempre admitiu o ingresso dos
tratados internacionais de proteo dos direitos humanos no mesmo
grau hierrquico que as emendas constitucionais. Outros, como MENDES
(2011) vo alm, dizendo que os tratados so supraconstitucionais por
contar com a principiologia internacional, fora expansiva dos
direitos humanos e caracterizao como jus congens
internacional.Comment by Cibele Cheron: Colocar a referncia em nota
de rodap, como vocs vinham fazendo, e retirar a referncia
AUTOR(data) do texto. Fica direto o contedo da afirmativa: O 2 do
Art. 5 ...Comment by Cibele Cheron: Idem comentrio anterior.Aps o
parmetro geral acerca dos Tratados Internacionais e sua influncia
no ordenamento jurdico brasileiro, se faz necessrio destacar que o
Brasil pas-membro da OIT, agncia da ONU que tem por misso promover
oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um
trabalho decente e produtivo, em condies de liberdade, equidade,
segurana e dignidade. Alm de promover iniciativas no mbito das
Polticas Pblicas, a OIT responsvel pela adoo de Convenes relativas
ao Trabalho Digno. O Brasil atualmente ratificou 97 Convenes da
OIT, a primeira em 1934, sendo que duas so especificamente sobre o
tema trabalho escravo. So elas: Conveno n. 29: Trabalho Forado ou
Obrigatrio e a Conveno n. 105: Abolio do Trabalho Forado, em que so
traados parmetros gerais sobre o significado de Trabalho Forado,
bem como a aplicao para suas respectivas pocas.Alm das Convenes, no
mbito Internacional, em 2005 foi lanado pela Procuradoria Geral da
Repblica o Pacto Nacional pela Erradicao do Trabalho Escravo, nesse
pacto foram determinadas entre outras, metas para a erradicao do
trabalho escravo no Brasil. Entretanto as metas estabelecidas pelo
Pacto no foram suficientes para erradicar o trabalho escravo no
Brasil.Nesse sentido, em 2010, o Brasil recebeu um Relatrio da
Relatora Especial (da ONU) sobre Formas Contemporneas de Escravido,
incluindo suas causas e consequncias sobre sua visita ao Brasil.
Nesse relatrio, foi feita uma breve narrativa acerca da histria do
trabalho escravo no Brasil, assim como um comparativo com as formas
contemporneas de escravido aqui verificadas. O relatrio indicou que
as principais zonas em que o trabalho escravo contemporneo se
concentra so o setor rural e a indstria de vestimenta. Diante
dessas percepes, foram elencadas recomendaes especficas ao combate
ao trabalho escravo em reas rurais, recomendaes para o trabalho
escravo na indstria de vestimenta, recomendaes comunidade
empresarial e, por fim, comunidade internacional. Haja vista as
diferenas e as complexidades encontradas nas definies dos
diferentes tipos de trabalho escravo contemporneos elencados
(tambm) pelo Relatrio, ocorre uma questo dicotmica e talvez
insolvel em termos apenas normativos: traar parmetros mnimos, a
partir do que h de comum entre as principais zonas de trabalho
escravo contemporneo no Brasil acabaria por no incluir boa parte de
ocorrncias de trabalho escravo, deixando impunes, outra vez, os
exploradores; ao mesmo passo que traar parmetros mximos, a partir
de todas as caractersticas encontradas entre as principais zonas de
trabalho escravo contemporneo no Brasil acabaria por incluir
praticamente todas as aes trabalhistas, punindo excessivamente e
desmedidamente at mesmo quem no explora mo de obra escrava.
Analisando-se pelo vis do controle de constitucionalidade, a redao
do art. 243 da CF, percebe-se que antes da EC n. 81 o art. 243
previa o confisco das glebas de qualquer regio do Pas onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrpicas, dispondo que
os bens apreendidos nos locais onde seja identificado trfico ilcito
de drogas seriam confiscados e revertidos para instituies de
combate drogadio. Aps a EC n. 81, o texto normativo passou a prever
que as propriedades rurais e urbanas de qualquer regio do Pas onde
forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrpicas ou a
explorao de trabalho escravo na forma da lei sero expropriadas
definindo que os bens apreendidos em decorrncia do trfico ilcito de
entorpecentes e drogas afins e da explorao de trabalho escravo sero
confiscados e revertidos a um fundo especial com destinao
especfica, na forma da lei. Assim, da leitura do dispositivo
decorrem duas possveis interpretaes: como uma norma constitucional
de eficcia contida ou como uma norma constitucional de eficcia
limitada. Caso se considere a eficcia relativa e a aplicabilidade
imediata desse dispositivo constitucional, se admitir que tanto a
lei penal e os tratados internacionais de direitos humanos
satisfazem o conceito de trabalho escravo, podendo o juiz no caso
concreto aplic-las de forma analgica. Por outro lado, se considerar
esta norma como de eficcia relativa e dependente de regulamentao
legislativa, se admitir que enquanto o legislador ordinrio no
editar uma lei que complemente essa regra, mesmo se aplicando a
situaes fticas, no poder ser aplicada sob pena de gerar insegurana
jurdica. Em que pese a falta de segurana jurdica, estaria o fato de
que o conceito de trabalho escravo ficaria banalizado ao ponto de
que no se saiba mais diferenciar a mo de obra escrava da mo de obra
regular.A partir desse esclarecimento, possvel identificar duas
solues possveis para sanar a omisso legislativa presente na nova
redao do art. 243 da CF:a) Contra Normas de Eficcia Contida Cabe
Mandado de Injuno: esse instrumento do controle de
constitucionalidade difuso vem regulado no artigo 5, LXXI da
Constituio Federal, tendo por finalidade o controle incidental de
omisses que frustrem a fruio plena de direitos subjetivos
constitucionais. Nesse sentido, poder interpor o mandado de injuno
qualquer particular, sendo pessoa fsica ou pessoa jurdica, desde
que tenha os seus direitos fundamentais violados em razo da falta
de regulamentao pelo legislador ordinrio, sendo tambm legitimado
ativo o Ministrio Pblico (art. 127, CF), entidades de classe e
sindicatos em defesa dos direitos de seus representados. A
competncia para julgar esse remdio constitucional poder ser do
Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justia. b) Ao
Direta de Inconstitucionalidade por Omisso: esse instrumento do
controle de constitucionalidade concentrado vem regulado nos Arts.
12-A a 12-H da Lei 9868/1999, tendo por finalidade declarar a
inconstitucionalidade. Nesse sentido, poder interpor a ADO somente
os legitimados ativos do art. 103, CF/88, tendo competncia para o
julgamento o STF, nos termos do art. 102, I, a, CF/88.Com efeito, a
nova redao do artigo 243 da Constituio Federal pode ser
interpretada como norma de eficcia limitada, uma vez que o
legislador constituinte ao incluir no texto do dispositivo a
expresso "na forma da lei" estaria condicionando essa regra edio de
uma legislao ulterior para regular o sentido de trabalho escravo e
os fundos de recolhimento dos bens confiscados, uma vez que os
tratados de direitos internacionais e as leis ordinrias que j
disciplinam a matria seriam insuficientes. Nesse contexto, a PLS
432/2013 proposta pelo Senador Romero Juc, que aguarda votao, traz
essa justificativa afirmando que as Convenes n 29 e n 105 da OIT,
bem como a doutrina e a jurisprudncia no estabelecem conceitos
claros e definitivos, no produzindo a legislao penal (art. 149, CP)
os efeitos pretendidos, ou seja, no foram capazes de riscar do mapa
essa vergonha trabalhista". De outro lado, o Dirio da Cmara dos
Deputados, datado de maio de 2012, expressa a partir da transcrio
do discurso do Deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) a vontade do
legislador constituinte de criar uma lei complementar para
regulamentar o trabalho escravo ao admitir ser impossvel, naquele
momento, votar a PEC 438/1999, pois poderia dar margem a punies
arbitrrias por falta de regulamentao do tema pelo legislador
ordinrio. Como exemplo de meio de solues para questes delicadas,
cujos normativos no apresentam uma clara determinao, h a demarcao
das terras indgenas. Que se mostra outro assunto que no pode ser
lidado apenas com leis secas, pois cairia na mesma dicotomia.
Sendo, portanto, exemplo de como lidar-se com questes problemticas
e que envolvam princpios constitucionais e direitos
humanos.Notadamente, embora legalmente garantido, o direito dos
indgenas precipuamente est sendo conquistado atravs de diversos
conflitos. Porm, convm mencionar que a evoluo das leis referentes
ao assunto fruto do processo de redemocratizao do Pas, estando o
Brasil lentamente adotando medidas afirmativas para permitir que a
realidade indgena se equipare sociedade brasileira. O processo de
demarcao de terras indgenas conta com a participao de antroplogos
realizando estudos de identificao ou atuando como peritos judiciais
na elaborao de laudos que analisam a especificidade de cada povo,
sua organizao social, religiosidade, viso de mundo, suas relaes com
a terra e seu modo de produo. Por meio destes estudos, examinam-se,
tambm, o carter tradicional da terra e o espao necessrio para a
preservao de seus recursos ambientais, como tambm sua reproduo
fsica e cultural.De acordo com o Decreto n. 1.775/96, no processo
de demarcao das terras indgenas os antroplogos e tcnicos
especializados devem elaborar um relatrio circunstanciado de
identificao e delimitao do espao geogrfico. O Relatrio
Circunstanciado demonstra, atravs dos estudos realizados e de
documentos juntados, o nexo entre um povo indgena e a terra que
ocupa, entre seu modo de vida, hbitos e costumes, ou seja, a sua
histria que nica dentro do espao escolhido. Espao este que
insubstituvel por outro qualquer. Esse relatrio ento apresentado
FUNAI para apreciao, com o que se permite aprovar e estabelecer o
direito originrio indgena sobre uma determinada extenso de terra. A
ttulo exemplificativo, pode-se citar o processo de demarcao da
Reserva Indgena Raposa Serra do Sol, situada no Estado de Roraima,
que possui uma das maiores reas de terras demarcadas como indgenas.
O caso ganhou repercusso nacional aps o julgamento pelo STF da Ao
Popular contra a Unio, autuada como Pet n 3.388. Por meio desta ao
os autores alegaram existir vcios no processo administrativo de
demarcao das terras, principalmente por afrontar os princpios da
proporcionalidade, razoabilidade, segurana jurdica, legalidade e
devido processo legal. O parecer do relator foi desfavorvel tese do
autor e acolhido por maioria de votos, decidindo-se pela
improcedncia dos pedidos da parte autora, determinando-se a
retirada produtores rurais que a ocupavam e a demarcao contnua da
Terra Indgena Raposa Serra do Sol, mediante o cumprimento de
dezenove condicionantes. Entre as condicionantes estavam a proibio
comercializao e ao arrendamento de qualquer parte de terra indgena
que possa restringir o pleno exerccio do usufruto e da posse direta
pelas comunidades indgenas. Atualmente, discute-se ainda se as
dezenove condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal
para a demarcao da Reserva pode ser estendida a todos os processos
demarcatrios de terras indgenas no Brasil. Reafirma-se, portanto, o
recurso parmetros de anlise que excedem as questes normativas. Sob
tica da teoria de Miguel Reale, utilizam-se os aspectos fticos,
como meio de demonstrar o impacto dos fatos sob as normas e das
normas sobre as perspectivas sociolgicas, em principal no que tange
as polticas pblicas, ou sua inexistncia, para a reinsero social da
pessoa em condio de escravo. Assim como medidas preventivas e sua
inexistncia. Superadas as questes histrico-normativas que
fundamentaram e permitiram o desenvolvimento e a permanncia da
utilizao de mo de obra de trabalhadores em condio de escravo
inclusive, alterando os valores sociais, possibilitando a aceitao
de graves infraes a Direitos Humanos e indo alm do que considerado
humanamente aceitvel, como homem instintivo que , se faz necessria
a anlise do quadro atual, uma vez que tm-se a ideia de sociedade
evoluda, fraterna e que protege os direitos do homem. Formalmente,
o que consta nos diplomas legais, a destacar a Constituio. No
obstante os compromissos internacionais e constitucionais, a
manuteno de pessoas em condio de escravo e, por conseguinte, a
violao do princpio da dignidade da pessoa humana persiste, chegando
a patamares alarmantes em algumas regies do pas, sobretudo nas reas
de fronteira agrcola. Em busca de honrar os compromissos assumidos
internacionalmente, em funo dos tratados em que signatrio, embora
tardiamente, a eliminao da escravido transformou-se em prioridade,
tomando uma srie de medidas. Como ao, a criao do Grupo Executivo de
Represso ao Trabalho Escravo[footnoteRef:31], dirigido pelo
Ministrio do Trabalho e Emprego, tem funo de realizar aes
integradas de combate escravido, abrangendo aspectos trabalhistas,
sociais, econmicos, ambientais e criminais. J no mbito do Ministrio
da Justia, criou-se o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana[footnoteRef:32], com a intentio de propor mecanismos que
possibilitassem mais eficcia em face da violao de Direitos Humanos,
tal como o trabalho escravo. Alm da concesso de benefcio de
Seguro-Desemprego queles resgatados de situaes de trabalho
escravo[footnoteRef:33]. O normativo concede o benefcio de trs (3)
parcelas de salrio mnimo nacional, para esses, que atendam o
enquadramento legal, nos ditames da lei, portanto, no possuam renda
suficiente para a sobrevivncia e no recebam beneficio em prestao
continuada[footnoteRef:34].Comment by Cibele Cheron: Isso referncia
ou nmero? Se for s nmero, corta. [31: Decreto Presidencial n 1.538,
de 27 de junho de 1995.] [32: RESOLUO 05 DE 28 DE JANEIRO DE 2002.
] [33: Lei n 10.833 de 2003, disponvel, em 05 de agosto de 2014, em
meio eletrnico pelo endereo ] [34: O seguro-desemprego foi
concedido a 9.193 trabalhadores de janeiro de 2003 a dezembro de
2006, o que representa 58 % do total de libertados no perodo. A
relao segurados/libertados tem crescido de forma acentuada,
saltando de 16%, no primeiro ano, para 92,83%, em 2007.]
No ano de 2003, o governo federal lanou o Plano Nacional de
Erradicao do Trabalho Escravo, abrangendo 76 aes, que expressam e
articulam os papis dos entes pblicos e da sociedade civil no
enfrentamento do problema. Alm disso, o Brasil possui a presena da
OIT, que atua desde o ano de 2004 nos estados do Maranho, Piau,
Par, Tocantins, Mato Grosso e Bahia, visando a diminuir o
aliciamento de trabalhadores por meio da educao profissionalizante,
reduzindo as condies que geram vulnerabilidade. Em funo do Brasil
ter reconhecido, perante a ONU, a existncia de um nmero estimado em
25 mil trabalhadores em condies escravos, como medida e resposta, o
Ministrio do Trabalho e Emprego[footnoteRef:35], criou uma relao de
pessoas fsicas e jurdicas que foram julgadas, de acordo com o
devido processo legal, pela utilizao de mo de obra escrava, chamada
Lista Suja. Este cadastro atualizado semestralmente pelo MTE e
encaminhado aos Ministrios da Fazenda, da Integrao Nacional, do
Desenvolvimento Agrrio, do Meio Ambiente e Secretaria Especial de
Direitos Humanos, a fim de que cada instituio adote as medidas
oportunas em seu mbito de competncia. A incluso do nome do infrator
no cadastro acontece somente aps a concluso do processo
administrativo originrio dos autos de infrao lavrados no decorrer
das inspees. A excluso depende da conduta do infrator, monitorada
pela inspeo do trabalho, ao longo de dois anos. No havendo, nesse
perodo, reincidncia, e caso se pagas todas as multas, em funo da ao
fiscal e quitados os dbitos trabalhistas e previdencirios, o nome
retirado do cadastro. Um dos principais efeitos do cadastro impedir
o acesso de empregadores, que dele constam, s linhas de crdito e
aos incentivos fiscais junto aos bancos oficiais e agncias
regionais de desenvolvimento. [35: Portaria n 540 de 2004,
disponvel, em 05 de agosto de 2014, por meio eletrnico no endereo
]
Constatou-se a movimentao legislativa em busca da implementao de
polticas pblicas, por outro lado, h medidas que foram promovidas,
publicizadas, mas que no atingiram seu objetivo, caracterizando-se
como polticas de governo e no medidas pblicas de eficcia material.
A ttulo de exemplo, h a Campanha pela Erradicao do Trabalho
Escravo, executada em parceria entre o TEM e a OIT. Essa campanha
visava incluso dos trabalhadores resgatados no Programa Bolsa
Famlia. Tal acordo no funcionou efetivamente, pois as famlias de
muitos trabalhadores resgatados j faziam parte do Programa Bolsa
Famlia ou no puderam efetivamente ingressar neste Programa, por
falta ou de algum documento ou de resoluo de problema
burocrtico.Efetivamente, o Programa Bolsa Famlia, na prtica, no
contribuiu para a erradicao do trabalho escravo, mesmo enquanto
poltica de governo[footnoteRef:36]. Na mesma linha, visando a
impulsionar o desenvolvimento de reas afligidas pela misria e pelo
desemprego, o governo federal lanou a linha de crdito Terra para
Liberdade, destinada a viabilizar o acesso terra pelos
trabalhadores resgatados e a apoiar seus projetos produtivos. Os
trabalhadores resgatados de fazendas, nas quais seriam vtimas de
trabalho escravo, constituiriam o pblico prioritrio de outros
programas de crdito, como o Programa Nacional de Agricultura
Familiar, tal qual incentivo a projetos de assistncia tcnica e
capacitao de agricultores e familiares libertos, abrindo a estes
possibilidades concretas de emancipao pela via da produo, do
trabalho e da renda. Conquanto, por falta de verbas, estes
programas no foram implementados. Dentre todas as polticas de
governo descritas, o Plano Nacional de Erradicao do Trabalho
Escravo se destaca como marco mais importante, na medida em que
atende s determinaes do Plano Nacional de Direitos Humanos e
reflete uma poltica pblica permanente, exigindo fiscalizao por um
rgo ou frum nacional dedicado represso do trabalho escravo.
Todavia, como esse rgo no foi criado, a fiscalizao acaba ficando a
cargo de entidades relacionadas ao tema, mas de forma pulverizada.
[36: Segundo Ruth B. V. Vilela, (Secretria de Inspeo do
Trabalho).]
CONCLUSOA divergncia existente anteriormente aprovao da EC n. 81
volta ao cerne das discusses. E, juntamente, o debate acerca da
problemtica da caracterizao jurdico-normativa. Explicitamente, a
divergncia ocorre pincipalmente entre os reprimem a conduta de
reduzir algum condio de escravo na esfera trabalhista e os que
fazem na esfera penal. Deixando o debate fora da Justia Federal e,
at mesmo, sobre o que versa os direitos humanos. No h como negar
que a condio de escravo um crime em face de normativo estabelecido
em nosso Cdigo Penal assim como atenta questes trabalhistas em face
da Consolidao das Leis Trabalhistas. Mas, principalmente, atenta
quanto condio humana, dignidade e todos os direitos humanos que so
de Direito Natural e esta abordagem tornou-se secundria. No raro
termos a caracterizao da condio de escravo sendo feita por
auditores fiscais do trabalho em relatrios de inspeo, que serve de
base para ajuizamento de ao civil pblica pelo Ministrio Pblico do
Trabalho, sendo julgada procedente pela Justia do Trabalho, ser
rejeitada na esfera criminal. Em busca de julgamentos que fujam
subjetividade e a interposio de aes de inconstitucionalidade em
controle difuso, deve-se analisar qual bem jurdico, principalmente,
protegido e contra quem se atenta. O levantamento teleolgico das
normas demostra que a condio de escravo concentra-se quando a
liberdade da pessoa direta e estritamente suprimida e no cerne da
proteo a este bem jurdico esto protegidos a vida, a sade, a
dignidade. No entanto, a liberdade inerente outro bem jurdico,
protegido tambm por nossa constituio e tratados internacionais: a
dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da Republica
Federativa do Brasil. Recursando a Kant, no reino das finalidades
humanas tudo ou tem preo ou dignidade. O que tem preo pode ser
comparado ou trocado; j a dignidade no tem possibilidade de ser
comparada ou trocada. Como o ser humano, ser racional e dotado de
autonomia, o nico capaz de fazer, conscientemente, suas escolhas
sendo, tambm, o nico que portador de dignidade. No podendo,
portanto, o ser humano ser um fim em si mesmo. Assim a reduo da
pessoa a condio de escravo , claramente, a subjugao do ser humano,
que naturalmente livre, a uma condio que lhe impe, por outrem, uma
relao de domnio extremado que atenta contra a sua condio de pessoa.
A criao da norma indicada pelo Art. 243 da Constituio Federal de
1988 deve proteger a dignidade da pessoa humana, no restringindo a
norma em termos de conceituao, mas direcionando o rito a ser
seguido e quais so os bens jurdicos protegidos por ela. No deixando
margem subjetividade.
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