A EXPLORAÇÃO ESPACIAL NO ÂMBITO DA SEGURANÇA E DA DEFESA O CASO DA CHINA Mélanie Coulon Sedas Nunes ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais Área de Especialização: Relações Internacionais MARÇO, 2010
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A EXPLORAÇÃO ESPACIAL NO ÂMBITO DA SEGURANÇA E DA
DEFESA
O CASO DA CHINA
Mélanie Coulon Sedas Nunes
___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
Área de Especialização: Relações Internacionais
MARÇO, 2010
[DECLARAÇÕES]
Declaro que esta tese/ Dissertação /Relatório /trabalho de projecto é o resultado da
minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes
consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.
O candidato,
____________________
Lisboa,.... de............... de ...............
Declaro que esta Dissertação / Relatório / Tese se encontra em condições de ser
apresentada a provas públicas.
O orientador,
____________________
Lisboa, .... de ............... de ..............
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus pais pelo apoio e pela confiança incondicional
que me demonstraram ao longo de toda a minha vida e pelo gosto que me incutiram em
levar todos os projectos até ao fim.
Ao meu irmão Marc, à minha cunhada Marta e ao meu sobrinho Rodrigo
agradeço por estenderem esse apoio e por enriquecerem a minha vida.
Ao meu colega Bernardo Teles Fazendeiro gostaria de agradecer as críticas
construtivas nas quais sempre confiei pelo seu extenso conhecimento e gosto pelas
Ciências Sociais e Económicas.
Ao meu orientador, o Professor Doutor António Horta Fernandes gostaria de
agradecer a disponibilidade e a compreensão do facto de a minha ocupação profissional
me exigir bastante tempo.
Agradeço aos meus amigos Catarina da Ponte Chagas e a Pedro Nuno Semeano
por terem acompanhado o processo de desenvolvimento deste estudo e por se terem
interessado no mesmo.
Por último mas não menos importante, gostaria de agradecer a Pedro Ribeiro
Barros por falarmos horas a fio sobre este tema e por me relembrar a sorte que tive em
escolher um tema que me apaixona. A sua ajuda moral e prática foi crucial,
principalmente quando o cansaço após um longo dia de trabalho parecia prestes a
dominar a energia que me restava para prosseguir com a dissertação.
Um grande obrigado a todos vocês,
Mélanie Coulon Sedas Nunes
RESUMO
DISSERTAÇÃO
A Exploração Aeroespacial no Âmbito da Segurança e da Defesa
É nos anos oitenta que surge pela primeira vez a preocupação de aprofundar a
questão dos detritos lançados para o espaço exterior. Desde então a China tem
organizado actividades de pesquisa na área juntamente com o Inter-Agency Space
Debris Coordination Comitee (IADC) [China’s Space Activities, 2000].
Durante estas duas décadas a China lançou cerca de trinta e um satélites, dos
quais falharam apenas sete [EASR, 2008:20]. A capacidade de detecção remota ou seja,
de adquirir informação de um determinado objecto ou informação através de aparelhos
de leitura em tempo real passou a ser por esta altura aplicada também aos satélites para
além dos aviões [China’s Space Activities, 2000].
23
A tecnologia de lançamento chinesa seguiu o mesmo padrão da que foi
desenvolvida nos Estados Unidos ou seja, a conversão numa fase inicial de mísseis em
rockets [Johnson-Freese, 2007:9]. O desenvolvimento desta tecnologia cresceu bastante
ao longo das décadas de oitenta, acreditando-se a nível interno principalmente a partir
de 1986, que a China se encontrava apta para entrar no mercado enquanto produto de
exportação nacional [CRS Report, 2003:4]. O seu menor custo seria visto como uma
vantagem se comparado aqueles exercidos pelos Estados Unidos [Murray & Antonellis,
2003:646].
II.4 – A década de Noventa
A década de noventa revelou-se bastante importante no âmbito do programa
espacial chinês: a experiência ganha no lançamento de satélites, que até ai tinham sido
experimentais, começou a dar frutos e formou uma base sólida para que se
desenvolvessem satélites cuja utilidade mais abrangente serviria de forma eficaz as
comunicações, a meteorologia assim como a capacidade de detecção remota ou seja, a
capacidade de adquirir informação em pequena ou grande escala sobre um dado objecto
ou fenómeno através por exemplo do uso desses satélites [EASR, 2008:21].
A China começou também a providenciar serviços de lançamento de satélites a
Países terceiros, entre os quais se encontravam satélites civis para comunicações da
Austrália e dos Estados Unidos (aquando o levantamento do embargo sobre a tecnologia
militar dos EUA à China) [idem].
Em 1992 a China dá início ao Projecto “921”, destinado a demonstrar a vontade
da China em levar um astronauta nacional ao espaço [CRS Report, 2008,3]. O Programa
Shenzou (Veículo Divino) lançaria a 21 de Novembro de 1999, quarenta e nove dias
depois da data prevista, a primeira nave experimental não tripulada a Shenzou I,
semelhante em parte à Russa Soyuz, embora os Chineses envolvidos na sua construção
insistam no facto de o seu fabrico ser totalmente chinês [Annual Report to Congress,
2007:28]. O veículo reentrou na atmosfera com sucesso após fazer a órbita da Terra
catorze vezes, aterrando a 415km do lugar original de lançamento [nasa.gov.com,
2009].
24
II.5 – De 2000 à actualidade
Outras três Shenzou foram lançadas com o propósito de servirem de teste, até ao
primeiro veículo verdadeiramente tripulado.
A 10 de Janeiro de 2001, a Shenzou 2 efectuou 108 órbitas em seis dias, até que
a separação das suas componentes deixou para trás o módulo orbital – que como o nome
indica se trata da única parte que ficará em órbita – durante mais nove meses enquanto
os quais se levaram a cabo uma série de testes de sistemas de suporte à vida com várias
espécies de animais a bordo [Murray & Antonellis, 2003:647].
A 25 de Março de 2002 é a vez da Shenzou 3 ser lançada, transportando consigo
um simulador das funções básicas humanas, a Shenzou 3 seria recuperada uma semana
apenas mais tarde sendo rapidamente seguida pela Shenzou 4 em Dezembro de 2002
[idem]. A análise destes lançamentos forneceu à China a experiência necessária para os
desafios técnicos de uma eventual viagem tripulada.
O sucesso do quarto veículo no que respeita aos sistemas de manobra e de
suporte de vida, fizeram antecipar o anúncio do fabrico da Shenzou 5 na abertura da
semana da Ciência de Tecnologia Nacional [Ibid.]. Finalmente a 15 de Outubro de 2003
é lançada também do Deserto do Gobi a primeira nave tripulada pelas mãos do
“Taikonauta” ou “Yuhangyuan” (viajante do Universo), o Tenente-coronel Yang Liwei
[Dellios, 2005] A nave seria recuperada após a separação do módulo orbital e da
efectivação de catorze órbitas e vinte e uma horas no espaço [cnsa.com, 2009]. A China
ganhou com esta chegada tripulada ao espaço, outro lugar no pódio ao ser a terceira
Nação a fazê-lo após a Rússia que começou em 1961 com Yuri Gagarin, e após os
Estados Unidos que haviam começado em 1962 com Alan Shepard [nasa.com, 2009].
Em Outubro de 2000, a China já havia lançado ao longo do seu programa
espacial cerca de setenta e cinco satélites, considera-se também que desde dessa data até
meados de 2004 tenha lançado cerca de outros quarenta satélites com uma taxa de
sucesso de cerca de noventa por cento [Livro Branco de Defesa, 2004:32]. A variedade
de satélites é extensa. Em primeiro destacam-se os satélites de órbita sincrónica com o
Sol (SSO’s). Ao poder viajar através do pólo sul e norte enquanto a terra gira, o satélite
em órbita sincrónica com o Sol combina a altitude e a inclinação do Planeta de forma a
ascender ou descender em qualquer ponto do mesmo à mesma hora solar, desta forma a
iluminação desse determinado ponto na Terra será aproximadamente a mesma [Wright
25
et al., 2005:44]. Este tipo de satélite pode ajudar às comunicações e a recolher dados da
superfície terrestre de uma forma mais precisa por se encontrar a uma altitude
normalmente média ou baixa [idem].
Em segundo lugar, a aquisição de satélites GEO’s (de órbita Geostacionária) por
parte da China tem permitido um percurso orbital que acompanha a velocidade da Terra
enquanto a mesma gira sobre si, parecendo desta forma que o satélite permanece
estático no mesmo ponto [Wright et al., 2005:43]. A órbita geostacionária é feita a altas
altitudes, cobrindo por isso grandes áreas de superfície terrestre, podendo ser utilizada
também no sector das telecomunicações mas a uma maior escala [idem].
Por sua vez, o desenvolvimento dos satélites oceanográficos Haiyang colocou
um termo à falta de meios da China para a monitorização dos Oceanos [nsoas.gov.cn,
2009]. O primeiro HY – 1 foi lançado a quinze de Maio de 2002, e serviu numa fase
inicial para que se detectassem as cores e as temperaturas dos oceanos [Idem]. A
aplicação destes satélites pode vir eventualmente servir uma faceta da estratégia militar
chinesa caracterizada como “próxima da água”, que pode ser considerada natural devido
ao tamanho da sua costa e dadas as disputas territoriais na região [Scobell & Wortzel,
2002:7].
Por último, os satélites CBERS, desenvolvidos em conjunto com o Brasil (uma
cooperação que veremos aprofundada adiante) e o sucesso quer do lançamento como do
seu funcionamento, demonstram a flexibilidade da China no que respeita à aquisição de
diversos tipos de tecnologia associada a satélites, mas também de exportação da mesma.
A colocação quer dos satélites quer das Shenzou em órbita só se tornou possível
devido à existência de três sítios de lançamento no País, nomeadamente: do Centro de
Satélites de Jinquan na Província de Gansu (normalmente utilizado para o lançamento
de satélites recuperáveis e das naves tripuladas), o de Xichang na Província de Sichuan
(utilizado para lançar os satélites de órbita geostacionária) e o de Taiyuan na província
de Shanxi (de onde se lançam os satélites que têm como destino as órbitas polares)
[Johnson-Freese, 2007: 9].
No que respeita à exploração lunar, a China tem desenvolvido o que os cientistas
consideram ser a “cereja no topo do bolo” do programa espacial científico, o Chang’e.
Seguindo mais uma vez a tendência dos responsáveis pelo programa em atribuírem
nomes míticos aos componentes espaciais desenvolvidos, o Chang’e é um programa de
exploração robótica e humana da Lua [idem:15]. O Chang’e 1 lançado em Outubro de
26
2007, serviu para orbitar a Lua em reconhecimento, sendo que uma aterragem na Lua se
encontra prevista para 2012. [ibidem].
II.6 – Cooperação Bilateral e Multilateral
II.6.1 – Parcerias no Contexto Asiático e Parcerias com Países em Desenvolvimento
Desde 1985 que a China tem vindo a participar em acordos intergovernamentais
e internacionais entre agências, protocolos, projectos e memorandos com Países como
os Estados Unidos, a Alemanha, a Itália, Reino Unido, Japão, Suécia, Argentina, Brasil,
Rússia, Ucrânia e Chile [China’s Space Activities, 2000].
É interessante constatar que as relações da China com os vizinhos nunca foram
as melhores. Trata-se de uma melhoria que não é considerada surpreendente se tivermos
em conta o desenrolar cíclico de disputas territoriais e ideológicas ao longo das
fronteiras entre a China e Nações como a Índia em 1962 (pela disputa sobre uma zona
fronteiriça dos Himalaias) e o Vietname em 1979 (pela invasão deste ao Cambodja que
acabou com a primazia dos Khmer Vermelhos apoiados pelo Partido Comunista Chinês)
[Shambaugh, 2005 - 2006:72]. O papel da China na região encontra-se num processo de
solidificação gradual e é potenciado pela partilha de conhecimento e de tecnologia. O
crescimento da China em sectores como o da indústria espacial permite também a
discussão e abertura da mesma a Estados a quem não se ligaria normalmente. O
primeiro exemplo que demonstra o reconhecimento progressivo da China na região
enquanto poder espacial e político por Estados como o do Vietname, é o da junção em
2002 do mesmo com a China, a Rússia, a Indonésia, a Bielo-Rússia, o Zimbabué e com
a Síria para discutir a delineação de um potencial Tratado que possa no futuro prever e
condenar a disposição de armas no espaço [geneva.mid.ru, 2009]. O segundo exemplo
aconteceu após o sucesso do “Simpósio Multilateral da Ásia-Pacifico para a Cooperação
em Tecnologia Espacial” levando a que os Governos da República Popular Chinesa, o
Irão, a República da Coreia, a Mongólia, o Paquistão e a Tailândia assinassem na
Tailândia em Abril de 1998 o Memorando de “Compreensão na Cooperação de
Pequenos Satélites e de Actividades Relacionadas para Missões Múltiplas”.[China’s
Space Activities, 2000].
As parcerias da China com as Nações em desenvolvimento deverão de aumentar
nas próximas décadas [Hitchens, 2007:22]. As razões ligadas a esse crescimento
27
prendem-se com o facto de os recursos de acesso ao espaço da China permitirem que se
destaque enquanto líder no sector entre os Países em desenvolvimento [Johnson-Freese,
2007:16]. A obtenção do contrato para a construção e respectivo lançamento a partir da
base de Xichang em Maio de 2007 do NIGCONSAT-1 (um satélite de comunicações
nigeriano) pela China Great Wall Industries, é um reflexo do apelo que os baixos custos
da China no fornecimento destes serviços representa para as Nações em crescimento
[Dellios, 2005]. A proibição das leis de exportação dos Estados Unidos em ceder à
China a fabricação ou de lançamentos de satélites Norte-Americanos, o apoio e
aplicação desse embargo também por parte da Europa e a existência de recursos
energéticos no continente Africano e Asiático, faz com que este tipo de parcerias com
Países em desenvolvimento faça mais sentido do que nunca para a China [Johnson-
Freese, 2007:16].
II.6.2 – Parcerias no Contexto Europeu
A China lançou-se no panorama europeu espacial em 1993 com a criação Sino-
Germânica da Eurospace GmbH, uma empresa operante na Alemanha de serviços
aeronáuticos, espaciais e de telecomunicações e que permitiu à China a obtenção de um
contrato para fabricar o Sinosat-1, cuja cobertura fornece serviços não apenas à China
mas também aos países vizinhos da região asiática [China’s Space Activities, 2000]. O
satélite em questão foi lançado em 1998 e fornece dados sobre o espaço geográfico
desde do Oeste do Paquistão à parte Norte da Rússia, ao Este do Japão e sul da
Indonésia, abrangendo finalmente também uma parte da Índia [ucsusa.org, 2009]. Mais
recentemente foi também desenvolvido em parceria com a Alemanha o satélite Dong
Fang Hong 3 (DFH-3), cujo tempo estimado de vida é de cerca de oitos anos, ou seja
duas vezes mais do que o seu antecessor DFH-2 [Johnson-Freese, 2007:10].
No que respeita à cooperação no âmbito europeu, é interessante notar que a
China soube claramente compreender a importância do projecto Galileo – o sistema de
navegação por satélite europeu – e o potencial do mesmo para o desenvolvimento de um
sistema que possa competir com o Global Positioning System (GPS) Norte-Americano.
O projecto Galileo proveio de uma iniciativa por parte da Comissão Europeia (CE) e da
Agência Espacial Europeia (ESA) com o objectivo de criar um sistema ininterrupto de
navegação por satélite próprio, que evite sobretudo a dependência face aos sistemas
Norte-Americanos e Russos [esa.int, 2009]. A oficialização da participação da China em
28
2003 no projecto Galileo, serviria para criar um quadro industrial e científico
internacional onde a mesma disponibilizaria cerca de duzentos milhões de euros de
forma a financiar as fases de desenvolvimento e de aplicação [idem]. Apesar destes
factos, o projecto Galileo é hoje em dia visto pela China mais como um competidor no
mercado aeroespacial do que propriamente como um projecto que represente uma via
única para a aquisição de tecnologia GPS. Esta posição tornou-se especialmente
verídica após a negação à China de um estatuto de membro permanente no projecto
europeu e do bloqueio por parte dos responsáveis do projecto Galileo ao acesso de um
sinal de satélite encriptado à China [Hitchens, 2007:22]. A China encontra-se de
momento empenhada em desenvolver um sistema de GPS próprio, trata-se de uma
vontade demonstrada desde os anos oitenta e que está a ser posta em prática com o
desenvolvimento do Compass / Beidou [Murray & Antonellis, 2003:649]. O sucesso dos
sistemas de demonstração em 2003 [unoosa.org, 2008] e o lançamento em 2007 de um
quinto satélite de navegação estão a garantir o caminho da China para uma cobertura
mundial [Johnson-Freese, 2007: 11]. Uma vez que o sistema Beidou se encontre
operacional, através da disposição de uma extensa rede de satélites, será possível à
China por exemplo, começar a delinear um sistema de vigilância e de detecção sedeada
no espaço, permitindo a detecção atempada de ameaças às suas aquisições no espaço ou
na Terra [IISS, 2010]. A publicitação internacional deste projecto tem sido feita com o
recurso aos princípios de abertura na facilitação de serviços, independência de
produção, compatibilidade com os outros sistemas de posicionamento existentes e
através da evolução faseada de acordo com a evolução da tecnologia na China e no
mundo [standford.edu, 2009].
II.6.3 – Cooperação Sino-Brasileira – CBERS
Na tentativa de combater as barreiras que impedem o desenvolvimento e a
transferência de tecnologias sensíveis impostas pelos países desenvolvidos, os governos
do Brasil e da China assinaram em 06 de Julho de 1988 um acordo de parceria
envolvendo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa
de Tecnologia Espacial (CAST) para o desenvolvimento de dois satélites avançados de
detecção remota, denominado Programa China-Brazil Earth Resources Satellite
(CBERS) [cbers.impe.br, 2009].
29
Em Outubro de 1999 é lançado o primeiro satélite em parceria com o Brasil,
seguido por um segundo em 2003 e um terceiro em 2007.A esta série foi dada o nome
de Ziyuan (ZY). Em 2008 os dois Países estariam a trabalhar igualmente num quarto
satélite [cnsa.com, 2009]. Os satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS)
que resultaram desta parceria são utilizados em sectores como a agricultura, a vigilância
florestal e no controlo do meio ambiente. Os lançamentos foram efectuados a partir do
centro de Taiyuan, pelo simples facto de a China possuir o sistema de lançamento o que
não acontece no caso do Brasil [idem].
A característica da dualidade do uso da tecnologia aplica-se também aos satélites
e os CBERS ou ZY parecem ser um bom exemplo desse facto, em 2003 num relatório
destinado ao Congresso dos Estados Unidos é mencionada a possibilidade de as séries
ZY-2 e ZY-2B resultantes desta parceria poderem estar a ser utilizadas em exercícios de
reconhecimento militar por parte do governo Chinês [CRS Report, 2003:5].
II.7 – Cooperação politica – As tentativas da China na criação de um Regime de
Controlo de Armas no Espaço
A China tem vindo gradualmente desde dos anos oitenta a participar em acordos
multilaterais. Entre os anos de 1983 e de 1988, a China acedeu a acordos como: o
“Tratado sobre os Principios das Actividades dos Estados na Exploração e Uso do
Espaço Exterior Excluindo a Lua e outros Corpos Celestiais”; o “Acordo de Salvamento
de Astronautas, ao Regresso do Astronautas e dos Objectos lançados para o Espaço
Exterior”, a “Convenção para a Responsabilidade Internacional Relativamente a Danos
Causados por Objectos Espaciais” e a “ Convenção no Registo de Objectos Lançados
para o Espaço Exterior”.
Em 1992, a China aderiu ao projecto COSPAS-SARSAT ao estabelecer um
centro de controlo de missão chinês, este projecto prevê a utilização de satélites em caso
de salvamentos e nasceu a partir de um acordo assinado entre a URSS, os Estados
Unidos, o Canadá e a França em 1979 [cospas-sarsat.org, 2009].
As Nações Unidas, especificamente no âmbito do Primeiro Comité da
Assembleia-geral das Nações Unidas (UNGA) e nas suas Conferências de
Desarmamento em Genebra, têm sido o fórum onde têm decorrido as discussões sobre
um potencial controlo de armas no espaço [www.un.org,2010]. Ocasionalmente os
assuntos ligados à exploração espacial são alargados ao fórum do Quarto Comité da
30
Assembleia-geral das Nações Unidas [Idem]. A China (integrada nas Nações Unidas
desde 1971) e a Rússia têm liderado desde 2002, duas propostas principais no âmbito
das Conferências de Desarmamento nomeadamente, a delineação de um Tratado que
proíba as armas espaciais e a criação de um comité ad hoc para que nele se negoceie tal
acordo ou que se crie através da criação do mesmo a possibilidade de se discutirem
assuntos relacionados com o controlo de armas no espaço [www.un.org,2010]. A
vontade da China e da Rússia em fechar as lacunas existentes na Lei Internacional neste
tema, levou à entrega de uma proposta onde se sublinhava claramente o desafio
tecnológico e económico que seria a criação de meios para a verificação de tal Tratado1
[McDonald, 2008:27- 28]. A procura de um acordo no espaço levanta o problema das
condições de verificação do mesmo. Sendo a efectivação de auditorias presenciais no
espaço bastante improvável, um acordo desta natureza implicaria que se fizessem visitas
regulares a centros sensíveis da China e dos EUA, uma realidade que não é ansiada por
nenhum dos dois [Pillsbury, 2007:4].
A oposição vigorosa dos EUA a este acordo impediu o PAROS de prosseguir
com as negociações. A votação pela primeira vez dos Estados Unidos em 2005 contra
esta proposta em vez de uma abstenção, levou a que as propostas que pretendiam
impedir uma corrida armada ao espaço estagnassem e assim se mantivessem até hoje
[Johnson-Freese, 2007: 25]. Por estes motivos, se deduz que se a aplicação do Tratado
for um dia levada a cabo, é bastante improvável que sejam os Estados Unidos a tomar
para si a tarefa de verificação do mesmo [McDonald, 2008:28].
A actividade diplomática dos Estados Unidos no que respeita ao espaço tem sido
pouca. A discussão existente é mínima e passa-se normalmente em campos não ligados
às armas como acontece efectivamente no caso dos estilhaços [McDonald, 2008: 27].
As Administrações dos EUA tendem a resistir a acordos onde as contrapartes são
obrigadas a cumpri-los legalmente, exemplo disso mesmo é o facto de as únicas
restrições às quais aderiram cobrirem apenas temas como a tentativa de se diminuir o
número de estilhaços no Espaço e a segurança envolvida nas operações que têm lugar
no espaço [Idem]. A Política de Segurança Espacial actual dos Estados Unidos difere de
forma acentuada, da que era aplicada na Era Reagan. Enquanto que na Administração
Reagan a Política Espacial Nacional se integrava na assimilação entre o Programa
Militar e o controlo de armas de forma a serem atingidos os objectivos de Segurança
1 Um facto previsto, como se observou no primeiro capítulo pela “Sanctuary School” de Lupton [ed. 1998].
31
[McDonald, 2008:19], a política das últimas duas Administrações define que negará, se
necessário o uso do espaço aos adversários que possuam capacidades consideradas
hostis aos interesses dos EUA no Espaço [Report to the National Panel of Defense,
1997:38]. A negação face ao diálogo neste campo tem favorecido os EUA, embora
tenha vindo a obter reacções negativas por parte dos aliados mais próximos que
afirmam a necessidade da existência do mesmo [McDonald, 2008: 19]. A lei Nacional
do Espaço Norte Americana é também bastante explicita no sentido em que apenas se
comprometerá em Acordos no âmbito do controlo de armas se “ (…) estes forem
semelhantes e efectivamente verificáveis e se sublinharem a segurança dos EUA e dos
seus Aliados” [US National Space Policy, 1996 actual. 2006: 2]. Este último ponto
apesar de extremamente exigente, pode representar um avanço num ponto determinante,
mas para que tal aconteça é fundamental existir uma forma de verificação que apenas se
tornará possível após a existência de limites definidos [McDonalds, 2008:30].
Se nos basearmos no exemplo da experiência histórica da Guerra-Fria veremos
que uma tentativa global para banir armas no espaço irá provavelmente falhar, algo que
se deve essencialmente ao problema de definição do que é efectivamente de uma “ arma
espacial” [Tellis, 2007:61]. Enquanto os EUA definiriam o conceito de arma espacial
como sendo algo colocado no espaço, construído com a intenção única de destruir alvos
no espaço ou na Terra; outros Países com um status menos elevado teriam a tendência
para alargar a sua definição a qualquer tecnologia espacial que tenha como propósito o
suporte das operações militares, uma generalização que poderia levar a extremos
[idem:62]. O facto da militarização do espaço se tratar de um processo do qual
conhecemos ainda pouco por nunca ter acontecido antes, obriga-nos a aceitar as
limitações actuais na definição do que deve ou não ser considerada uma arma espacial
[Pillsbury, 2007: 6].
A China tem demonstrado uma vontade clara em regulamentar as actividades
que têm lugar no Espaço Exterior, assim como a vontade de crescer no domínio
Espacial e de delinear bases para uma legislação sólida a um nível Internacional. Apesar
contudo desta convergência geral da China com os restantes Países da Comunidade
Espacial, a opacidade e a confusão criada à volta dos seus objectivos de modernização
tem sido ascendente. O facto de a China ter deixado gradualmente de apelar ao
desarmamento do espaço, principalmente a partir do Livro Branco de Defesa de 2006 e
o facto de ter levado a cabo um teste anti-satélite um ano depois, são novidades
preocupantes [Tellis, 2007:45]. Estes incidentes, que observaremos doravante de forma
32
mais detalhada, demonstram a preferência por parte da China nas últimas décadas, por
uma política das “várias faces de Janus” no que respeita aos seus objectivos no Espaço
[idem].
II.8 – Análise do Programa Espacial e das Cooperações Bilaterais e Multilaterais –
Porque quer a China aceder ao Espaço?
Como se pode constatar, o programa espacial chinês funde-se com o programa
de modernização militar, resultando dessa interdependência uma militarização
progressiva do espaço. É importante sublinhar que o termo “militarização do espaço”
difere em muito do conceito de “armamento do espaço”. A diferença advém do facto de
que o armamento do Espaço procura evitar o acesso do adversário ao mesmo para
motivos militares enquanto que por outro lado, a militarização não implica a negação da
utilização das mesmas capacidades a terceiros [McDonald, 2008: 5]. Esta descrição
deve apesar de tudo ser utilizada com cautela, visto que o termo “militarização” pode
também conter conotações que indiquem uma confrontação [Conference on
Disarmament*1753,2005:6].
A China tem vindo a perceber que a cooperação lhe providencia – para além da
troca de conhecimento científico – a capacidade de maximizar os seus recursos e de
criar relações com outros países baseadas em relações de “Soft Power” [Johnson-Freese,
2007: 16]. Por “Soft Power” entenda-se: a capacidade de obter poder de influência
através da atracção e não através da coerção, ou seja, a capacidade de fazer com que o
“outro” queira o mesmo que “nós”, algo possível apenas através da transmissão de
valores, políticas ou de instituições [Nye, 2004:31]. Em forma de exemplo podemos
utilizar a campanha que temos vindo a assistir nos últimos anos por parte da China, na
vontade em reflectir uma imagem de parceira sobretudo na região Asiática e em África
[Johnson-Freese, 2007:13]. A solidificação desta motivação tem sido feita com meios
políticos reais, baseados em ajudas financeiras e em acordos comerciais [idem]. O
Programa Espacial parece fornecer o ornamento ideal para a imagem da China entre as
Nações em Desenvolvimento, ou seja, a imagem de uma China Moderna na eminência
de se tornar num Poder Espacial Internacional. Uma vez que a procura de energia é
também um factor que molda a modernização do programa espacial chinês
[Shambaugh, 2005-2006:77], e tendo em conta que 25% do petróleo utilizado na China
33
provêm do continente Africano, é compreensível esta nova viragem política e científica
face ao Sul [Johnson, 2009:11].
No que respeita ao projecto Shenzou é interessante notar que a viagem ao espaço
possibilitada por estes veículos representa – numa época onde o comunismo nunca foi
tão irrelevante – um renascimento do prestígio nacional, de reunificação, de proeza
militar e de flexibilidade. A chegada da China ao Espaço, pretende ser uma forma de
compensação ao sentimento de injustiça social sentida no território ao longo das últimas
décadas [Dellios, 2005]. Não estando isento de criticas, o programa espacial Chinês é
normalmente acusado por sectores civis e industriais de consumir receitas que deveriam
ser aplicadas na redução de problemas sociais e económicos do País [Shambaugh,
2006:82]. Os militares ligados ao programa defendem-se destas acusações, utilizando o
argumento de que o programa espacial serve de facto um objectivo superior de
desenvolvimento humano, que não seria possível de outra forma [Dellios, 2005].
O Conselho de Relações Externas dos E.U.A declararam em 2003 que os custos
do programa militar chinês seriam na realidade duas a três vezes superiores do que o
anunciado publicamente pelo Governo Chinês [Shambaugh, 2006:79]. A opacidade
quanto aos números exactos, pode elevar o que os economistas chineses apelidam de
“fardo da defesa” a uma carga financeira bastante superior à enunciada, cujo
crescimento oficial é de cerca de 14.5% ao ano [idem:80]. Estes números reflectem por
si só, a determinação do Governo e do exército chinês em prosseguir com a chamada
“Revolução nos Assuntos Militares” [Ibid.].
É importante mencionar, que não existe aparentemente na China uma vontade
clara em adquirir uma vontade de projecção de poder, ou seja, a China não possui bases
militares em Países terceiros, não tem uma rede de comando ou de controlo sedeada no
espaço, não tem bombardeadores intercontinentais e não expõe em nenhum relatório
uma vontade de se projectar nas periferias [Shambaugh, 2005-06:95]. Apesar destes
factos, não existem dúvidas de que a China aumentou efectivamente a sua capacidade
de combate desde 2001 – 2002 [idem].
É certo que a China encontra-se actualmente mais cooperativa do que nunca,
contudo, a sua posição é oficialmente definida como uma “cooperação não-alinhada”
que reconhece – enquanto a leva a cabo – que os Países competem entre si [Defense
White Paper, 2004:1-2]. É importante perceber também, antes de se explorar as
motivações que levam a China a modernizar-se militarmente falando, que a cultura
contemporânea chinesa, que pretende ser fortemente independente do exterior, possui
34
três pilares essenciais, que se aplicam também ao caso da sua Politica Espacial: a
cultura tradicional, a ideologia comunista e mais recentemente os valores ocidentais
[Johnson, 2009:3]. Trata-se de cultura que não pode ser relatada como pacífica ou
bélica, tem antes uma estratégia repartida, ou seja, o Confucionismo, que prefere a
defesa ao ataque, mistura-se com a Realpolitik, nomeadamente com soluções militares
de orientação ofensiva [idem]. Neste âmbito, a ideia da ofensiva é difundida como
sendo sempre o último recurso e enquanto a única solução para obter interesses
nacionais [Ibid.]. Por estes motivos verifica-se que existe um “culto chinês da Defesa”
fortemente vincado, que é despertado a cada vez que a soberania territorial da China é
colocada em causa [Scobell, 2002:4].
A disputa com Taiwan, e a presença Norte-Americana no território é o factor
mais importante na motivação da China em apostar na Modernização das suas forças
militares e em consequência no seu Programa Espacial, sendo também o elemento mais
relevante no âmbito do estudo das relações entre a China e os EUA.
Em segundo lugar, o programa nuclear da Coreia do Norte e a potencial
instabilidade na Península Coreana parecem ser também um catalizador para a obtenção
de recursos de defesa [Shambaugh, 2005-06:73].
Por último, são também as relações tensas com o Japão que mobilizam o plano
militar chinês. A assinatura de um acordo em 2005 entre o Japão e os EUA (U.S – Japan
Security “2+2 Joint Statement) onde se incluiu explicitamente Taiwan enquanto um
elemento que diz directamente respeito à política de Segurança dos dois Países e as
disputas marítimas entre a China e o Japão são agravantes na perspectiva da China
[idem].
Deixou-se propositadamente para último o capítulo que se segue, para que se
fizesse a ponte entre uma altura relativamente pacifica do programa espacial chinês e
entre o episódio que fez com que a imagem da China regredisse no que respeita à
transparência e às intenções manifestadas no programa. O teste anti-satélite (ASAT) de
11 de Janeiro de 2007 chocou a Comunidade Internacional e fez com que o papel da
China na Comunidade Internacional fosse questionado. A efectivação de um outro teste
em 2010, desta vez anti-míssil, por entre os limites entre a atmosfera e o espaço,
demonstra que a China não possui intenções de voltar atrás sejam quais forem os seus
objectivos.
35
II.9 – O Teste ASAT de Janeiro de 2007
A 11 de Janeiro de 2007 sem aviso prévio, a China avançou com um teste bem
sucedido onde lançou um míssil composto por duas fases, movido a combustível sólido
que embateu à altitude de 864km com um antigo satélite meteorológico chinês [Tellis,
2007: 41]. A explosão resultante deixou para trás cerca de 35 000 estilhaços com ou
mais de um centímetro de diâmetro [orbitaldebris.jsc.nasa.gov, 2007]. Este impacto
aumentaria por si só em 10% o número de estilhaços já existentes no espaço [Mcdonald,
2008:5]. O facto de a intercepção ter sido feita na subida é um facto admirável, visto
que existe menos tempo de reconhecimento do alvo e a precisão requerida é maior
[Tellis, 2007:42].
O teste lançou naturalmente questões por entre a Comunidade Internacional no
rescaldo imediato sobre qual seria a motivação da China ao efectuar o teste e sobre qual
seria ou deveria ser a resposta dos Estados Unidos e da Comunidade Internacional a
este. O teste faria obviamente cessar os pequenos avanços efectuados entre a China e os
EUA em 2006, ano em que ocorreram duas grandes novidades: a visita de uma
delegação dos EUA ao sítio de lançamento de Jinquan e a visita do chefe da NASA ao
País [Gill & Kleiber, 2007:5].
A ausência de notificação ou de uma consulta prévia para a elaboração do teste
foram considerados inaceitáveis, especialmente em tempo de Paz [Hitchens, 2007: 14].
Não seria a primeira vez que a China interferia com objectos dispostos no
espaço. Um ano antes, Donald Kerr o director do escritório de reconhecimento dos
EUA, reconheceu que nesse mesmo ano um laser chinês baseado em terra tinha
encadeado um satélite Norte-Americano enquanto este sobrevoava território chinês
[Pillsbury, 2007: 3]. Apesar da existência de um historial, nenhum ataque de lasers foi
levado tão a sério como o teste ASAT, uma vez que o lazer é uma arma com um efeito
localizado e temporário, logo ultrapassável [Mcdonald, 2008:5]. Os problemas
levantados pelo ASAT foram diferentes e de ordem múltipla. A China havia provocado
o espírito do artigo IX do Tratado Sobre o Espaço Exterior, onde se sublinha
expressamente a importância da não interferência de um Estado com as operações de
Nações terceiras no espaço [oosa.unvienna.org, 2009]. A interferência nesta situação
acontece pelo facto de os estilhaços poderem a qualquer altura da sua órbita atingir um
satélite de qualquer nacionalidade do qual dependam a previsão do tempo, as
telecomunicações ou mesmo as transacções económicas [Gill & Kleiber, 2007:4].
36
Prevê-se que a quantidade de estilhaços enviados para o espaço em diferentes órbitas
permaneçam junto ao planeta durante décadas ou mesmo séculos.
O teste faria com que os pensamentos sobre Segurança no mundo fossem
abalados ao demonstrar a facilidade em adquirir os meios necessários que têm como
utilidade destruir satélites dispostos em baixas órbitas [Mcdonald, 2008:3].
Apesar dos departamentos ligados à inteligência nos Estados Unidos estarem a
par da realização do teste, a sua divulgação demorou algum tempo a ser feita na
imprensa, acabando por ter lugar mais tarde na Aviation Week & Space Technology
num artigo escrito por Jerry Lewis [Tellis, 2007:42]. Foram precisas duas semanas para
que a Comunidade Internacional obtivesse uma reacção por parte do Governo Chinês.
Quando finalmente teve lugar essa esperada declaração, o Governo Chinês assegurou de
que o teste não era dirigido a nenhuma Nação nem que se pretendia com ele constituir
nenhum tipo de ameaça [idem].
Entretanto, Nações como o Reino Unido, a Austrália, o Canadá, o Japão, a Índia
e Taiwan haviam-se juntado aos Estados Unidos nos protestos contra a falta de
transparência exercida no teste e a falta de respostas. [Hitchens, 2007:21]. A Rússia por
outro lado, após considerar inicialmente que o teste se tratava de um rumor, acabou por
reconhecê-lo e declará-lo como “hooliganismo”, apesar de reconhecer que o teste
reflecte uma grande capacidade militar por parte da China [idem].
O misto de confusão e negação ao inicio por parte da China, a demora de
qualquer reacção e a não preparação para a polémica que o teste causaria levou a que
muitos se questionassem sobre até que ponto estaria o Governo Chinês a par do
programa militar onde decerto se encontrava incluído este teste [Tellis, 2007:42].
Porque haveria China de associar a si esta provocação quando trabalha há já algum
tempo, juntamente com a Rússia, na asserção de um tratado que proíba as armas
espaciais? [Johnson-Freese, 2007:20] Quais serão as então as principais motivações
para a efectivação deste teste?
Três anos após este incidente que, a China demonstrou novamente o que parece
ser uma ambição baseada no espaço através de um teste Anti-Missil (ABM) e que
parece seguir as intenções do primeiro teste.
37
II.10 – O Teste ABM de Janeiro de 2010
Em Setembro de 1985, o então líder chinês Deng Xiaoping disse a Richard
Nixon que “a China será contra quem quer que seja que desenvolva armas espaciais
[Fisher, Mar.2010]. Desde então, o Ministério Chinês de Negócios Estrangeiros tem
liderado uma campanha para promover a desmilitarização do espaço exterior e para se
opor às sucessivas iniciativas Norte-Americanas relacionadas com a defesa de mísseis
[idem]. Não é contudo claro que se trate de uma regra que se aplica à própria China que
iniciou o seu próprio programa de defesa de mísseis nos anos sessenta, mais
propriamente em 1964 – cinco anos antes do programa ASAT ter começado – pelo
impulso de Mao Zedong [IISS Strategic Comments, 2010]. O Programa teve origem
com o “projecto 640” para que fossem desenvolvidos mísseis que se pudessem utilizar
no caso de um ataque nuclear contudo, quer o programa de defesa de mísseis quer o
programa ASAT acabariam entre 1976 e 1977 pouco tempo após a morte de Mao
devido a problemas de ordem económica e politica [idem]. Nos anos noventa o
programa foi reanimado sob o nome de “Séries de projecto 863 – 409” e dividido
posteriormente em 2002 em dois braços: a série “863 – 801” e a série “863 – 805” da
qual resultaria o ASAT utilizado no teste de 2007 [Ibid.].
Exactamente três anos depois, novamente a onze de Janeiro, a agência de
notícias de Xinhua gerida pelo Estado, relatou o sucesso de um novo teste assente em
“tecnologia baseada em terra de intercepção de mísseis a meio caminho”
[http://news.xinhuanet.com].
Pensa-se que o míssil lançado a partir de uma base terrena, provavelmente a
partir da base de Xichang na Província de Sichuan, tenha sido interceptado por um KT-
2 (uma variante de um míssil utilizado para testes) que foi por sua vez lançado a partir
de uma base de lançamento móvel, perto de Korla na Província de Xinjian [ISS
Strategic Comments, 2010]. A intercepção entre os dois mísseis aconteceu finalmente
algures sobre a fronteira Xinjiang – Gansu [idem]. O Pentágono detectou estes dois
lançamentos e a sucessiva colisão que se deu fora dos limites da atmosfera,
aproximadamente a cerca de 700 km acima da Terra [Ibid.].
A China foi desta vez rápida a declarar novamente que a natureza deste teste era
defensiva e que não pretendia constituir uma ameaça a nenhuma Nação [Fisher,
Mar.2010].
38
Os principais sítios de lançamento para este tipo de testes, são normalmente os
de Xichang e o de Taiyuan que como vimos ao longo da análise do programa espacial
têm um leque variado de utilidades [ISS Strategic Comments, 2010].
O facto de se tratar de um desenvolvimento recente, faz com que seja difícil
obter informação sobre esta questão contudo, pensa-se que as motivações por detrás
deste teste sigam as que estão implícitas no teste ASAT de 2007 [idem:54]. No capítulo
que se segue, referente às Relações entre a China e os Estados Unidos da América
tratar-se-á de integrar, numa perspectiva que inclui o tema do controlo de armas e o caso
de Taiwan, quais as possíveis motivações que levaram a China a efectuar estes testes e
quais as consequências para a imagem desta perante os EUA e a Comunidade
Internacional.
39
III – As relações entre a China e os Estados Unidos no Espaço
As relações conturbadas entre estes dois Países no que respeita ao espaço,
começaram a ganhar mais visibilidade nos anos oitenta com a Administração Reagan e
com a respectiva emissão das primeiras licenças de exportação de satélites Norte-
Americanos para a China e com os sucessivos embargos das mesmas após o episódio da
Praça de Tiannanmen em 1989 [Smith, 2003:4]. Este tipo de embargos à China por
parte dos EUA (e apoiada e praticada também pela Europa) têm permitido, perante a
impossibilidade de cessarem as actividades da China no espaço, minimizar a
possibilidade de existirem transferências ilegais de tecnologia, retardando assim o
processo global do programa espacial [Murray & Antonnelis, p.652].
Observando para além do espectro da negociação do controlo de armas, verifica-
se que existem diversos elementos que dificultam as relações entre estes dois Estados,
sendo especialmente o caso de Taiwan aquele que gera mais apreensão. A assinatura do
Acto de Relações com Taiwan em 1979 pelos EUA – e o respectivo fornecimento de
armas por parte destes – interfere com o que a República do Povo Chinês apelida de
princípio de uma “China Única” [Kan, 2007:1]. A constatação de uma preparação
preventiva para um período a médio / longo prazo, por parte da China face a uma
contingência no Estreito de Taiwan, contando com uma possível intervenção Norte-
americana, parece ser um elemento mobilizador de grande importância (embora não o
único, como já pudemos observar) do seu plano de modernização militar e o motivo que
causa mais preocupações aos EUA [Annual Report to Congress, 2007:I]. Os episódios
do bombardeamento acidental da Embaixada Chinesa com sede em Belgrado em 1999 –
por parte de tropas da NATO – e o episódio do despenhamento do avião de
reconhecimento Norte-Americano EP-3 em águas territoriais Chinesas, não ajudaram a
apaziguar as tensões criadas pela situação de Taiwan [Scobell & Wortzel, 2002:42-43].
Por um lado temos então uma China preocupada as tendências hegemónicas e
unilaterais dos EUA, quer seja em Taiwan ou no Espaço, enquanto que por outro temos
uma Administração Norte-Americana que se tem vindo a aperceber nos últimos anos da
crescente capacidade da China no desenvolvimento de um “ (…) programa multi-
dimensional que gera a capacidade de negar a outrem o acesso ao espaço exterior”
[DoD, 2008:21]. A declaração aberta da China em 2006 na qual consta a sua intenção
de construir “forças informacionalizadas capazes de vencer guerras da mesma
Natureza” [Livro Branco Defesa, 2006] pode ter iniciado um ciclo de acção-reacção que
40
fez com que o assunto da corrida militar ao espaço fosse difundido provavelmente em
proveito da China [McDonald, 2008:9].
Como seria fácil de antever as capacidades dos Estados Unidos no espaço são
em muito superiores às da China porém, a sua dependência destes meios é também
bastante superior em relação à de qualquer outro País no Mundo [McDonald, 2008:4]. É
crucial que se sublinhe neste âmbito a importante ameaça que representa qualquer tipo
de ataque aos meios dispostos no Espaço nos dias que correm, perante tal cenário
qualquer País (e os EUA seriam o melhor exemplo) regrediria décadas no seu modo de
funcionamento, sendo que os custos de substituição seriam também absurdos [idem].
Como pudemos constatar nos últimos anos a China tem assumido juntamente
com a Rússia, a vontade de mobilizar os Países que acedem ao Espaço com o objectivo
de se criar um regime de controlo de armas que sejam de alguma forma utilizadas ou
baseadas no Espaço Exterior. Pensa-se que o teste ASAT Chinês de Janeiro de 2007,
tenha sido uma forma de chamar os Estados Unidos à atenção para a necessidade de um
regime de controlo de armas espaciais [Tellis, 2007:44]. Os representantes da então
Administração Bush reagiram a esta hipótese, com a afirmação de que o ASAT não
deixa de ser efectivamente, uma arma lançada a partir do chão e com a rejeição explícita
de qualquer teoria que afirme existir actualmente uma corrida armada em direcção ao
Espaço [Rocca, 2007]. Na perspectiva dos Estados Unidos uma politica de controlo de
armas não será portanto aplicável, ou sequer considerada necessária no caso do Espaço
[Idem].
O teste ASAT representa justamente uma nova capacidade de ataque de satélites
dispostos em baixas órbitas, cuja tecnologia não necessariamente de ponta, não
necessita de igualar a dos EUA para representar uma importante ameaça [McDonald,
2008:8]. Pensa-se que a efectivação de outro teste desta vez Anti-míssil no início de
2010 tenha representado o reforço das ambições da China no espaço assim como o
reforço da sua posição quanto a Taiwan [Fisher, Mar.2010].
Que impacto teve o controlo de armas até agora no programa espacial Chinês e
que outras formas utilizam os EUA para “punir” a China neste âmbito? Quais foram as
consequências do teste ASAT chinês nas concepções dos EUA e da Comunidade
Internacional face à China? Em que medida se encontra o teste ABM de 2010
relacionado com o de 2007? Terá a China tentado através do mesmo reforçar as suas
intenções? Qual a situação em Taiwan e quais as potencialidades deste conflito sofrer
uma escalada, principalmente após estas demonstrações estratégicas da China?
41
Estas são as questões que interessam ver clarificadas nos capítulos seguintes, de
forma a permitir que se conclua quais as perspectivas futuras para estes dois actores.
III.1 – O Controlo de Armas e de Tecnologia ligados ao Programa Espacial e a
Negação da Participação da China em Projectos Internacionais enquanto
Instrumento de Punição Política.
Interessa relembrar a importância que o tema do controlo de armas tem para o
Espaço. O facto de a base tecnológica utilizada no próprio acesso ao espaço através de
rockets ser a mesma que para a construção de mísseis utilizados para abater alvos em
Terra, no Ar, ou no Espaço, faz com que a transferência deste tipo de tecnologia sirva
propósitos duais [Wrigth et al., 2005:78]. Dada esta similaridade a exportação de
mísseis e de satélites Norte-Americanos para a China tem sido uma parte integrante do
controlo de armas de ambos os Países, tendo construindo um historial de concessões e
de limitações se prolonga desde do final dos anos oitenta até à actualidade.
Após os anos oitenta o controlo de armas tornou-se no centro das relações
políticas entre os Estados Unidos e a China [Medeiros, 2001:131]. A primeira licença de
exportação de satélites foi emitida pelos E.U.A em 1988 aquando a Administração
Reagan, em troca da assinatura e respectiva integração da China em três Tratados2.
Após o episódio da Praça de Tiananmen em 1989, estas licenças seriam aplicadas e
negadas pelos EUA uma série de vezes durante os anos noventa, alternando consoante a
situação política entre os dois Países [Smith, 2003:4]. Estas licenças de exportação têm
sido extremamente instáveis desde o seu início, e têm servido os propósitos
diplomáticos, sobretudo os dos EUA de forma extremamente eficaz [Hitchens,
2007:17].
A adesão da China ao Tratado de Não Proliferação em 1992 e ao Comité de
Zangger em 1998, juntamente com a confiança de uma Administração Clinton pronta a
negociar acordos de teor balístico, nuclear e de intercâmbio científico com a China,
reflectiam uma época que se revelou pacífica no que respeita às relações de controlo de
armas entre os dois países [Medeiros, 2001:134].
2 - O conjunto dos tratados previa a tomada de responsabilidade no caso de estragos aquando o lançamento dos satélites Norte-Americanos, negociavam um negócio “justo” com os E.U.A no que respeita ao serviços de lançamentos e concordavam em evitar a transferência de tecnologia militar enquanto os satélites estariam em território chinês. Ver: Marcia S. Smith, CRS Report to Congress – China’s Space Program: An Overview, 2003 pp.4.
42
Nos anos de 1999 e de 2000 que marcaram a transição de Administrações nos
EUA, assistiu-se a um agravamento acentuado destas relações. A discussão interna nos
Estados Unidos sobre a China tinha vindo a influenciar negativamente os acordos
bilaterais entre os dois actores, principalmente desde do final dos anos noventa. A
suspeita relatada no Cox Committee Report em 1999, seria um exemplo claro desse
facto [COX, 1999:35]. No relatório afirmava-se que a China estaria a retirar informação
militar útil proveniente dos satélites Norte-Americanos, a consequência imediata dessas
afirmações seria a suspensão por parte da Administração Clinton do intercâmbio entre
laboratórios [Medeiros, 2001:138]. No mesmo ano, o bombardeamento acidental da
embaixada Chinesa em Belgrado por parte da NATO causaria um adiamento de todas as
negociações previamente em curso até Julho de 2000 [idem, 131].
As políticas de controlo de armas que tinham como tendência a convergência
nas décadas de oitenta e de noventa viram o ritmo dos acordos assim como os níveis de
transparência até ai crescentes, desvanecer gradualmente nos anos seguintes [ibid.136].
As sanções actuais do Congresso sob o Acto de Controlo de Exportação de
Armas, continuam a proibir a transferência de tecnologia militar assim como a emissão
de licenças para qualquer forma de exportação de satélites cujo destino seja o território
Chinês [Archik, 2005:4].
Interessa sublinhar, que a eficiência e a credibilidade deste tipo de sanções se
observadas em termos gerais, têm visto o seu impacto diminuir quer pelo decréscimo da
lacuna existente entre as vontades politicas entre os EUA e a China, quer pela mudança
na natureza das disputas ligadas à não-proliferação [Medeiros, 2001:137]. Este facto
seria reconhecido já em 1997 num relatório do Painel Nacional de Defesa, onde se
afirmava o quão difíceis as sanções económicas se haviam tornado devido por exemplo,
ao carácter multinacional das grandes corporações envolvidas na proliferação de armas
e de tecnologia nas quais a China não seria excepção [National Defense Panel, 1997:7].
O teste ASAT de 2007 tornou provavelmente o levantamento deste embargo
ainda mais difícil e apertou a vigilância do Mundo quanto ao Programa Militar Chinês.
Nos últimos anos sabe-se por exemplo, que a China tem continuado a estar sob
vigilância no que respeita à transferência de tecnologia militar (na maior parte das vezes
de mísseis balísticos) sobretudo no Sul Asiático [Unclassified Report to Congress,
2006:7].
Os principais fornecedores de tecnologia militar da China têm sido a Rússia,
Israel e o Brasil [Shambaugh, 2005-06:98]. O Brasil, por exemplo, como vimos tem
43
sido um parceiro da China, inclusivamente em projectos de cooperação científica que
implicam o uso de tecnologia sensível [cbers.impe.br, 2009]. A China não gosta desta
dependência exterior, mas uma vez que as suas indústrias não se encontram no topo e
visto que o seu acesso aos sistemas avançados do Ocidente se encontram limitados, é
bastante provável que continue a aceder a este tipo de fornecimento [Shambaugh, 2005-
06:98].
Para além destes exemplos, os EUA têm utilizado também outras formas para
negar o acesso da China ao espaço, o exemplo da Estação Espacial Internacional é o
melhor evento para classificar o quanto pode o reconhecimento tecnológico e político
influenciar as adesões a projectos de renome internacional, e em consequência o avanço
do programa em si. Desde há muito que a China ambiciona fazer parte do projecto
ligado à Estação Espacial Internacional (EEI). A sua integração no projecto traria
legitimidade imediata ao seu programa espacial por parte do Ocidente, assim como por
parte de todas as Nações operantes no espaço [Johnson-Freese, 2007:15]. A negação
deste estatuto foi, durante muitos anos, baseada no argumento de que a China não
possuía nem os recursos financeiros nem a tecnologia necessária a essa participação
[Idem]. A admissão do Brasil no projecto da Estação Internacional em 1997 – um País
com bastante menos recursos e tecnologia do que a China – tornou claro o facto de que
a sua orientação política seria a verdadeira razão para a recusa da sua presença no
projecto [Dellios, 2005].
As repercussões políticas ligadas ao incidente do teste ASAT de Janeiro de 2007
parecem ter colocado um termo a qualquer ínfima hipótese que a China tivesse de
integrar o projecto num futuro próximo [Johnson-Freese, 2007:15].
III.2 – As Implicações do Teste ASAT de 2007 e do Teste Anti-Missil de 2010 para
a China e para os Estados Unidos da América
O teste ASAT de 2007 é considerado como uma contradição interna que afronta
a própria politica espacial pacífica delineada no Livro Branco de 2006 onde se defende
que o espaço serve propósitos “de desenvolvimento pacíficos”, e onde se considera que
o “espaço exterior é uma riqueza comum a toda a humanidade” [China’s Space
Activities, 2006].
Não existem na literatura pública chinesa provas em como a China possui sequer
um ASAT ou que o Governo tenha ordenado a sua produção [Pillsbury, 2007:6]. A
44
primeira consideração que devemos ter em conta, será o facto de o teste ASAT fazer
muito provavelmente parte do programa do Exército de Libertação do Povo, que ao não
consultar nenhum outro órgão de Segurança ou de Política Externa Chinês, causou
distúrbios de ordem diplomática e de politica externa ao Governo Central Chinês [Gill
& Kleiber, 2007:3]. Não seria a primeira vez que o exército controlaria o fluxo de
informação enviada para o exterior. Exemplos de situações semelhantes podem ser
retirados do incidente do EP-3 em 2001 e em 2003 dos casos de Síndrome respiratória
Aguda Grave (do inglês Severe Acute Respiratory Sydrome – SARS) que se espalharam
pelo território chinês.
O embate do avião chinês de combate F-811 com um EP-3 de reconhecimento
Norte-americano a 1 de Abril de 2001 a Sul do Mar da China, demonstrou o quanto o
exercito chinês se encontra apto a controlar os media se assim o pretender [Finkelstein,
2002:42]. A equipa de americanos que tripulavam o EP-3 na altura do embate, foram
detidos pela RPC durante onze dias por se considerar que haviam entrado na zona
económica exclusiva Chinesa, declarada pela PRC como uma zona que se estende até
200 milhas da costa, embora a Lei Internacional preveja apenas uma distância de 12
milhas [Scobell & Wortzel, 2002:2]. Durante a ocorrência destes acontecimentos ficou
claro que o Exército Chinês não desvendou tudo o que sabia sobre o assunto, levando a
esforços de diplomacia frustrados por parte de ambos os lados [Gill & Kleiber, 2007:3].
O segundo exemplo baseia-se no surto de SARS na China – entre Fevereiro e
Março de 2003 – onde ficou também clara a existência de supressão de informação a
um nível interno sobre os números de casos que se difundiam sobre a população. A
hesitação do ELP em desvendar o número de casos hospitalares às autoridades civis, fez
com que houvesse eventualmente uma fuga de informação numa entrevista com um
médico do ELP que acabaria por ser publicada em Abril do mesmo ano na revista Times
[Idem]. Apenas por essa altura após ser confrontado com números reais, o Governo
Central mobilizou os meios para combater a epidemia [ibid].
Não é claro até que ponto o ELP se encontrará no futuro disposto a ceder muito
mais informação, ou se pretenderá caminhar para um processo mais consultivo. Embora
o tipo de episódios como o do ASAT tenha lugar, pode-se retirar das integrações e da
cooperação do ELP com organismos como a NATO e Nações como Israel, Rússia e os
próprios EUA, que este é também afectado pelas responsabilidades internacionais
crescentes da China enquanto actor na Comunidade Internacional [Shambaugh,
2006:72].
45
O teste ASAT demonstra um passo atrás no que respeita à prática de
transparência da China no seu programa espacial, que havia progredido com as naves
Shenzou pelo facto de o Governo ter percebido as vantagens – traduzidas no prestígio
trazido ao País – da divulgação de informações sobre o sucesso dos lançamentos à
imprensa [Johnson-Freese, 2007:23]. O teste é também confuso na medida em que o
interesse da China passa por construir políticas que banam as armas baseadas no espaço
e não as armas baseadas em terra [McDonald, 2008: 18]. O ASAT é de facto uma arma
terrena à qual se encontra adicionada a facilidade de se encontrar mais protegida do que
se estivesse disposta no espaço [idem].
A altura escolhida para a demonstração de uma nova capacidade ASAT em 2007
apesar de parecer descuidada, pode prender-se com o facto de a China querer mostrar
aos Estados Unidos que a dominância do Espaço através da tecnologia não será tão fácil
como pressuposto na National Space Policy (NSP) de Setembro de 2006 [Johnson-
Freese, 2007:20]. O teste pode ter servido essencialmente, como uma forma de
chamamento mais sério dos Estados Unidos para a mesa de negociações na delineação
de um tratado que proíba definitivamente o armamento do Espaço e portanto uma
hipótese [Hitchens, 2007:15].
É certo que o incidente fosse ou não intenção da China, expôs a vulnerabilidade
dos Estados Unidos no espaço e fez com que a vigilância sobre o Programa Espacial
Chinês fosse aumentada, colocando também em causa o papel da China enquanto
parceiro global [Gill & Kleiber, 2007:4]. O facto de Nações como o Irão ou a Coreia,
poderem eventualmente ver no ASAT, um exemplo claro de uma nova forma de obter
poder, foi um tema ao qual foi feito referência no rescaldo imediato e que não ajudou
em nada a melhorar a imagem da China [Hitchens, 2007:17].
Apesar da preocupação dos Estados Unidos ter aumentado em relação ao
programa espacial chinês, a negação dos mesmos quanto à existência de uma corrida ao
armamento do espaço e na negação da necessidade de se delinear uma política de
controlo de armas no Espaço, ficou assente na declaração na Conferência sobre
Desarmamento que teve lugar dois dias depois do teste, pela voz da Embaixadora Norte-
americana Christina Rocca [geneva.usmission.gov, 2007].
Apesar do aparato à volta do incidente, a China não pode ser punida por via de
sanções pelo ASAT, visto que não foi infringida nenhuma lei internacional, note-se que
o Tratado Sobre o Espaço Exterior não é legalmente vinculativo, assim como nenhum
46
acordo que tenha sido assinado até hoje e que preveja esta situação [Hitchens, 2007:
22].
É importante sublinhar que o teste de 2007, não foi o primeiro levado a cabo
pela China e muito menos o primeiro da história. Em Setembro de 2004 e em Fevereiro
de 2006, tiveram lugar dois testes em território Chinês, sendo que o Departamento de
Segurança dos Estados Unidos colocou a hipótese de estes serem continuados em 2010
[Tellis, 2007:43]. A China é também a terceira a destruir algo no espaço seguidamente
aos EUA e à Rússia [Pillsbury, 2007: 3]. Pouco se sabe sobre os testes destes dois
Países decorridos principalmente no âmbito da Guerra-Fria, mas é interessante notar que
a 21 de Fevereiro de 2008 – um ano depois do teste Chinês – os Estados Unidos
lançaram um interceptor de mísseis modificado, com o objectivo de destruir um satélite
cheio de combustível tóxico que daria eventualmente entrada de forma descontrolada na
atmosfera terrestre [Mcdonald, 2008:3].
Em 2010 a China voltou a efectuar outro teste desta vez anti-míssil (ABM), que
envolveu dois mísseis ou seja, o lançamento de um primeiro míssil com o objectivo de
ser interceptado por um segundo a meio do seu percurso [Fisher, Mar.2010:54]. O teste
chinês ABM de 2010 encontra-se definitivamente ligado ao de 2007, a começar pela
integração e projecção do mesmo por parte do exército, assim como pela procura em
demonstrar as ambições da China no Espaço [Idem]. O facto de em 2009, aquando o 60º
aniversário da Força Aérea do Exército de Libertação do Povo, se ter anunciado a
existência de uma nova estratégia3 confirma esta tendência [Ibid.]. Sobre esta questão é
relevante que se considerem as descrições fornecidas pelo General da Força Aérea
chinesa Xu Qiliang numa entrevista a um jornal local, onde sublinha que: “ Os
interesses nacionais da China estão a expandir-se e o País entrou na Era Espacial. O
Partido Comunista Chinês e o Povo deram-nos uma missão histórica. A força aérea
estender-se-á do céu para o Espaço, para defender o território chinês assim como
também para o ataque (de possíveis ameaças)” [Fisher cit. Gen. Xu Qiliang, 2010:54].
Os media chegaram também a especular se o teste ABM estaria relacionado com
a decisão da aprovação a 6 de Janeiro de 2010 da venda de armamento no valor de
quatro mil milhões de dólares por parte dos EUA a Taiwan contudo, o desenvolvimento
há já quase quatro décadas do programa de defesa de mísseis e do programa anti-satélite
3 Que segundo se pensa já teria sido aprovada em 2004, mas que ainda não foi explicada em nenhum Livro Branco. Ver Jane’s Intelligence, Mar.2010 – Reach for the Stars – China develops its military space technology, p.54
47
leva a crer que estas demonstrações são sobretudo produto dessa investigação [IISS
Strategic Comments, 2010].
A imaturidade do programa de mísseis no que respeita à tecnologia utilizada, faz
com que provavelmente a China não o utilize para contrabalançar directamente os EUA
ou a Rússia, mas antes como ferramenta estratégica de projecção regional e como
instrumento para se precaver contra os mísseis de cruzeiro Hsiung Feng (HF-2E) de
Taiwan ou ainda no caso da vizinha Índia, detentora de um programa nuclear que testou
recentemente o míssil nuclear Agni – III. [IISS Strategic Comments, 2010].
A emergência de uma capacidade móvel anti-balística, pode ter por sua vez
maiores implicações na postura da China face a um eventual conflito, uma vez que
favorece a utilização destas plataformas de lançamento móveis no caso do lançamento
de uma bomba nuclear, assim como favorece a dificuldade da detecção das mesmas
[Fisher, Mar.2010].
Ambos os testes, relembram o facto de as actividades no Espaço possuírem
pouquíssimas regras. O facto de ninguém poder voltar atrás, levanta um explícito
dilema de Segurança no seio das duas Nações: será melhor controlar uma potencial
competição no espaço? Se sim, como? [Mcdonald, 2008:3]. Uma vez que a visão
chinesa do espaço em guerra, deriva em grande parte dos escritos americanos sobre a
questão [Pollpeter, 2005:349], faz sentido apontar a teoria da “imagem-espelhada”
como o caso a aplicar neste cenário ou seja, a hipótese de os EUA e da China terem
chegado às mesmas conclusões sobre a importância da utilização militar do espaço,
preferindo por isso preparar-se para o efeito [Hitchens cit. Yao Yunzhu, 2007:16].
É importante para o Mundo saber em que pé se encontra a China, assim como é
importante tentar influenciar externamente as ambições da mesma para que caminhe
para o uso pacífico do Espaço [Carter & Perry, 2007:17] A exigência de transparência e
de moderação à China não resolve porém de todo, o problema do que é ou não
considerado actualmente como excessivo [Idem].
A China parece acima de tudo, querer ser vista pelos EUA como um Poder e
Espacial que merece atenção ao nas negociações um controlo de armas espaciais
universal a todas as Nações que usufruam do espaço [Johnson-Freese, 2007:21]. Apesar
de se encontrar motivada nesse sentido, é também óbvio de que a China retirará todos
os benefícios do espaço que conseguir na ausência de tal legislação, uma vez que não se
pode dar ao luxo de ficar para trás na corrida (armada ou não) dos Estados em direcção
48
ao Espaço [Johnson, 2007:5]. Uma competição que não é assumida pelos EUA mas
liderada pelos mesmos [Idem.].
Taiwan será um desafio na continuação destas relações [Ibid.: 13]. Qualquer
mudança na política dos EUA em Taiwan pode levar à tentação da utilização do ASAT
por parte do ELP ou das suas capacidades logísticas no Espaço, causando muito
provavelmente um escalar do conflito [Johnson, 2007:12].
III.3 – Taiwan, a Importante Excepção e a Modernização militar da China
A deflagração de uma Guerra entre os EUA e a China é improvável, sendo que
apenas a importante excepção de Taiwan cria essa hipótese [McDonald, 2008:4]. O
exemplo do teste ASAT demonstra que a China não necessita de se equiparar aos
Estados Unidos para complicar os planos dos mesmo ou para prejudicar o centro de
decisão dos EUA na eventualidade de uma crise no estreito de Taiwan ou em qualquer
outro lado [U.S – China Relations: An affirmative Agenda, A Reponsible Course,
2007:54]. O conflito entre os dois Países sobre Taiwan é a razão mais antiga e
persistente que comina a desconfiança nas suas relações e que incita ao mesmo tempo
que atrasa, a concentração de esforços neste tipo de diplomacia bilateral [Archik,
2005:2]
A assinatura em 1979 do “Taiwan Relations Act” (TRA) garantiu o
fornecimento de armamento dos EUA a Taiwan para que o segundo pudesse garantir a
sua autodefesa face à República Popular da China (RPC), garantido também a
capacidade dos EUA em resistir a qualquer tentativa de força ou coerção que pudesse
colocar em causa a segurança de Taiwan [Kan, 2009:1].
Curiosamente, os Estados Unidos não são a favor da independência de Taiwan
[Carter & Perry, 2007:16]. Esta posição foi bastante clara aquando a visita do então
Presidente Clinton à RPC em 1998, onde afirmou o seu acordo perante as três negações
que definiam a posição dos EUA [Dreyer, 1999:311]. Faziam parte desta tomada de
decisão – considerada por Pequim como uma pequena vitória – a negação ao apoio da
independência de Taiwan, a negação da aceitação das teorias das “Duas Chinas” ou
sequer de uma “China Única” ou de “Um Único Taiwan”, ou ainda a negação da
integração de Taiwan em organizações compostas por Estados Soberanos [idem].
Ao questionarmo-nos sobre até que ponto existe uma corrida armada entre a
China e os EUA, alguns analistas dirão que esta existe de facto de forma bastante
49
localizada mas real no estreito de Taiwan, onde se encontram dispostas ambas as forças
numa competição militar frente-a-frente [Carter & Perry, 2007:16] A China tem deixado
bastante claro neste âmbito que não recuará perante o uso da força no caso de se
verificar a independência eminente de Taiwan [Cárter & Perry, 2007:16]. É um facto
que o exército chinês demonstra ainda défices em termos numéricos quer relativos quer
absolutos ou seja, uma força considerada limitada se vista em termos mundiais, embora
o mesmo não aconteça de forma tão acentuada a nível regional [Shambaugh, 2005-
06:95]. Apesar destes factos, a China possui efectivamente a capacidade de evitar uma
invasão, assim como possui uma capacidade coerciva contra Taiwan [Idem]. O seu
crescimento na indústria espacial favorece essa capacidade de apoio às forças terrenas e
anfíbias [Ibid.]. A aquisição ao longo dos anos de mísseis de SRBM’s e de IRBM’s
criou também uma vantagem face a Taiwan, um exemplo disto mesmo será a aquisição
de mísseis M-9 e M-11 com potencial é considerado suficiente para serem apontados e
lançados na direcção do território de Taiwan e chegar efectivamente ao alvo.
[O’Hanlon, 2000:74].
Se levarmos à letra a afirmação da existência de uma Estratégia Chinesa de
Cultura Defensiva, a probabilidade de a China usar a força em disputas territoriais é sem
dúvida maior do que em qualquer outro tipo de conflito [Johnson, 2009:12]. Não se
deve contudo, descartar a hipótese de o exército chinês pretender com estas aquisições
preparar-se simplesmente para um conflito futuro na região, o qual não pretende ser a
mesma a despoletar e que prefere a todo o custo evitar [Carter & Perry, 2007:16].
Apesar de existir essa hipótese os americanos desgostam de ambiguidade, e revêem
nessa preparação o comportamento que deveria justamente ser evitado e sancionado.
[Idem.].
As motivações da China são também questionadas no âmbito regional. Os Países
do Sudoeste Asiático, nomeadamente a Austrália, a Índia, o Japão e obviamente
Taiwan, responderam ao crescimento militar do exército Chinês criando uma oposição
estratégica, aliando-se para esse efeito aos Estados Unidos [Shambaugh, 2005-06:101].
No caso especifico do Japão, interessa haver uma precaução face a uma China cuja
estratégia de defesa se encontra “próxima da água” e cujo controlo da linha que passa
pelas Ilhas Aleutas, pelas Ilhas Curilas, pelas Ilhas Japonesas de Ryukyu, por Taiwan,
Filipinas e finalmente a Ilha de Bornéu, forneceria à China os recursos que precisa,
assim como uma posição estratégica vantajosa na região [Scobell & Wortzel cit.
Kaneda, 2002:7]. O comportamento da China com Taiwan foi também uma forte razão
50
para o Japão querer criar uma relação de segurança mais forte com os EUA em Abril de
1996, oferecendo na mesma ocasião a sua ajuda no caso de uma crise eminente no
Estreito [Dreyer, 1999:298]. O Governo Indiano, por sua vez, acredita que o programa
espacial e militar Chinês se está a expandir de forma demasiado rápida, quer de forma
defensiva quer ofensiva [McDonald, 2008:10].
Interessa à liderança de Pequim, e parece ser de momento a sua intenção, evitar
uma guerra armada com os EUA em Taiwan. A interdependência trazida pelo processo
de globalização faria com que custo económico e social de tal conflito fosse deveras
brutal principalmente para a China [Shambaugh, 2005-06:103].
A resposta dos EUA a Taiwan será extremamente importante ou seja, as acções
erradas poderão influenciar o comportamento da China no escalar de um confronto
[Carter & Perry, 2007:16]. Os EUA parecem beneficiar da manutenção de uma
ambiguidade estratégica em Taiwan. Qualquer mudança deve ser ponderada, pois
alterará o status actual conseguido no território [Johnson, 2009:12]. Não deixa de ser
contudo necessário, que os EUA adaptem uma politica geral bifurcada onde se encoraje,
por um lado, a China a tornar-se num tutor responsável da comunidade internacional,
devendo também por outro lado, reagir a atitudes competitivas que possam advir da
China [Carter & Perry, 2007:16]. A possibilidade de se criarem relações efectivas e
militares com base numa cooperação de segurança que inclua a Coreia do Norte,
Taiwan e a Guerra ao Terrorismo parece ser uma hipótese viável que integraria a China
numa relação mais aprofundada com os EUA, diminuindo as hipóteses de um conflito
mútuo [Johnson, 2009:15].
Seguindo o fio de pensamento de Ashton B. Carter e de William J. Perry
[2007:22], existem sobretudo quatro passos que os EUA não devem tomar de forma a
manter a sua ambiguidade estratégica e a ausência de conflito com a China:
1 – Os EUA não devem formar um círculo de alianças na região que rodeie a
China;
2 – Não devem criar uma aliança com Taiwan sob o artigo quinto das Nações
Unidas, ou seja, uma ligação que seja indiferente ao comportamento de um de outro;
3 – Não devem tentar neutralizar o arsenal chinês na terra ou no espaço, o que
levaria a uma reacção da China seguida de um reforço do mesmo arsenal, assim como
não deve negar recursos considerados essenciais ao desenvolvimento económico,
principalmente por meios que não os de mercado;
51
4 – Finalmente, os EUA não devem levantar o embargo imposto desde
Tiannanmen uma vez que iria contra os seus próprios interesses e aceleraria o processo
de obtenção de tecnologia de forma imediata.
Interessa sobretudo aos EUA não tomar nada por garantido e melhorar a
intensidade e a qualidade nas análises direccionadas ao exército chinês, que têm sido
por vezes alarmistas, embora de forma menos vincada desde 2005 [Idem.:21]. Note-se
que China nunca reagiu às proibições ligadas ao seu programa nuclear com a aquisição
reforçada de grandes forças nucleares. Será portanto de esperar que o mesmo aconteça
no caso do espaço [Johnson, 2009:15].
O programa de modernização militar chinês é portanto um processo que pode ser
desacelerado mas não travado e irá muito provavelmente, à medida que for crescendo
redefinir o balanço de poder na Ásia [Shambaugh, 2005-06:103].
52
Conclusões Finais
As últimas décadas foram vitais para a integração do Espaço na Teoria Militar e
para a modificação do próprio conceito de Guerra. A Operação Desert Storm e a
Operação Enduring Freedom exemplificaram de que forma o suporte às forças em terra
pode ser ampliado com o recurso a meios logísticos baseados no Espaço.
A liderança dos Estados Unidos nesse processo deixou claras as vantagens da
utilização do Espaço às restantes Nações, essas vantagens modificaram a própria
imagem da Guerra ou seja, permitiram a passagem das grandes batalhas a conflitos
localizados suportados e intensificados pela alta tecnologia. A China reconheceu nos
seus textos militares essas vantagens posicionais oferecidas pelo Espaço aos Estados
Unidos aquando a Guerra do Golfo.
A visão chinesa e norte-americana do Espaço são normalmente convergentes,
principalmente se nos referirmos à visão do Espaço em Guerra. A noção de que as
Forças Espaciais emergirão gradualmente de forma a proteger os interesses nacionais e
comerciais e a noção de que a superioridade no Espaço será crítica no que respeita ao
futuro das operações militares, são geralmente pontos em que a China e os EUA
partilham a mesma opinião [Pollpeter, 2005:349]. A convergência entre as suas
perspectivas acaba porém, quando a questão a ser tratada é a existência ou não de uma
corrida armada para o Espaço nos dias que correm. A afirmação da existência de uma
competição por parte da China e a sucessiva negação dos Estados Unidos dessa
premissa são actos ponderados. A negação de uma competição armada e sobretudo de
um acordo que crie limites ao fabrico e à disposição de armas espaciais por parte dos
EUA, parece dever-se ao facto de que tal convenção limitaria o acesso sem restrições ao
Espaço do qual os mesmos têm vindo a beneficiar desde o declínio da União Soviética.
Ficou demonstrado que para os Estados Unidos enquanto Poder Espacial dominante, o
acesso ao Espaço é considerado vital e é encarado como a chave necessária ao sucesso
actual e futuro. Verificou-se também que perante esta superioridade tecnológica, os
EUA reservam-se o direito de declarar os seus meios dispostos no Espaço enquanto
elementos vitais ao seu interesse nacional, tratando-se portanto de meios que devem ser
protegidos de qualquer ameaça, assumindo para esse efeito, o direito de negar o acesso
de outrem ao Espaço.
53
A China, como outras Nações reconheceu também a forte dependência dos EUA
em relação aos seus meios dispostos em órbita. Os resultados de uma investida bélica
sobre um satélite disposto em órbita no Espaço ganharia contornos catastróficos, pois
não só afectaria as forças militares mas também a vida civil. A inexistência de
conhecimentos forenses suficientes na detecção de um possível autor de tal ataque
tornaria essa situação ainda mais delicada e complexa.
De forma semelhante á Europa, ao Japão, à Índia, à Rússia e a outros Países, a
China pretende desenvolver o aumento das suas forças através de um crescimento de
meios baseados no Espaço. O teste ASAT de 2007, além de ter demonstrado de forma
específica uma nova capacidade de ataque a satélites dispostos em baixas órbitas por
parte da China, demonstrou também o quão frágeis se encontram as infra-estruturas às
quais os satélites providenciam suporte, como por exemplo os sistemas de
telecomunicações, de previsão do tempo, e os sistemas de transacções económicas. O
exemplo do ASAT chinês preocupa ainda mais a Comunidade Internacional, no sentido
em que Nações como o Irão ou como a Coreia do Norte poderão vir a repeti-lo numa
demonstração de Poder, Teresa Hitchens como já apontado num capítulo anterior assim
o confirma.
A posição exacta da China quanto às armas espaciais pode parecer por sua vez,
um elemento confuso. De momento encontramo-nos perante uma China que prefere
oficialmente a abolição das armas no espaço, mas que possui uma doutrina secundária
de aquisição de armas espaciais baseada numa capacidade finita, preferindo para esse
efeito armas instaladas em bases terrenas. A inconsistência das acções da China no
Espaço ao evocar a desmilitarização Espacial e ao seguir simultaneamente um programa
multifacetado para contrabalanço de forças, levam-nos à inevitável questão sobre
porque razão abriria mão a China (através de um acordo no Espaço) da única
oportunidade que alguma vez deteve para derrotar, sem ter para isso de desenvolver as
mesmas bases tecnológicas, o poder militar Norte-Americano? Os motivos que levam a
China a querer um acordo sobre armas no Espaço não terão uma natureza altruísta. As
suas motivações estão directamente ligadas a uma estratégia de salvaguarda, que
entende que enquanto os EUA não puderem desenvolver armas espaciais, a China não
terá de gastar recursos a tentar acompanhá-los de forma a não se deixar ficar para trás
numa competição armada [Johnson-Freese, 2007:25].
Como já observado no corpo do trabalho, a delineação de um regime de controlo
de armas é também dificultado pela exigência que a verificação desse acordo traria. A
54
complexidade técnica e os custos económicos de uma verificação física no Espaço e a
consequente visita a centros de tecnologia e de informação sensíveis da China e dos
EUA, seriam exigências que nenhum dos dois Governos estariam certamente inclinados
a cumprir. A estruturação desse acordo terá também problemas na sua própria base
teórica, uma vez que a própria definição de “arma espacial” se encontra num estado
embrionário, será difícil conseguir um consenso sobre o tema, principalmente entre o
leque de diferentes tipos de Poder aspirantes ao Espaço. A Guerra-Fria forneceu um
bom exemplo de como a definição do que se pretende limitar é tanto ou mais importante
que o acordo em si. O exemplo das conversações contínuas entre os EUA e a URSS
mostram o risco de se tender para uma definição demasiado analítica por parte das
Nações de grande status ou para uma definição mais ampla e possivelmente exagerada
por parte das Nações cujo status seja menos elevado.
A China não tem ilusões de que conseguirá dominar o espaço ou de chegar ao
mesmo nível que os EUA, mas o que é facto é que não sente a necessidade de o fazer
uma vez que precisa apenas de obter a capacidade para manter a sua soberania e a
liberdade de decisão em assuntos de importância nacional. Se efectivamente, a China
pretender um dia equiparar-se aos Estados Unidos, terá efectivamente de se distinguir
primeiro de forma regional face a Nações como o Japão e a Índia [Carter & Perry, 2007:
18].
Quanto às suas capacidades reais, apesar da consciência de inferioridade
tecnológica face aos EUA, a China possui efectivamente o apoio logístico suficiente
para lhe ser garantida a capacidade de evitar uma invasão, assim como para demonstrar
capacidades coercivas contra Taiwan se necessário [Shambaugh, 2006:95]. A República
do Povo Chinês sabe também que as suas capacidades obtidas no âmbito do ASAT
criam aptidões estratégicas face aos pontos fracos dos EUA, e que as suas capacidades
ABM reforçam também a capacidade de se defender regionalmente. Por si só, a
aquisição de um ou vários ASATs confere à China três vantagens inegáveis.
A primeira vantagem deriva do facto de os satélites não poderem ser defendidos
pelo menos de forma economicamente viável, uma vez que os custos de reparação e de
substituição seriam enormes.
Em segundo lugar, esta aquisição representa enquanto sistema para atacar meios
dispostos no espaço a partir da terra, uma alternativa mais económica se comparada com
a aquisição de meios dispostos no Espaço, tais como mísseis disparados a partir do
55
mesmo ou como a utilização da força cinética de satélites em órbita para o mesmo
efeito.
Enquanto arma terrena, o ASAT beneficia também da facilidade de se encontrar
protegido pelas fronteiras geográficas e políticas criadas pelo Homem, oferecendo um
nível de protecção que seria impossível no Espaço Exterior devido à dificuldade de
acesso físico ao mesmo.
O Exército de Libertação do Povo, como qualquer exército, poderá sentir-se
tentado a utilizar um míssil ASAT na deflagração de um conflito em Taiwan ou em
qualquer conflito regional. A tomada de tais medidas drásticas pelo ELP é contudo
improvável ocorrer num futuro próximo, dadas as consequências económicas e políticas
que as mesmas teriam para a China. A abordagem actual entre os EUA e a China não é
comparável ao curso de isolacionismo e de confrontação tomado pelos EUA e a URSS.
Quer a China quer os EUA possuem grandes volumes de comércio e de compromissos
político-económicos que se devem sobretudo a anos de negociações e ao Mundo
globalizado em que vivemos actualmente.
O teste de 2010 demonstra aos EUA e à Comunidade Internacional, que a China
está determinada a projectar as suas ambições enquanto Poder Militar Espacial, e que
tem a noção de que a impossibilidade de interferência legal neste assunto, dada a
inexistência de um acordo sobre o fabrico e a disposição de armas espaciais, lhe
permitirá margem de manobra para retirar todos os benefícios associados à exploração
militar do Espaço. Esta noção faz com que seja importante a necessidade de
compreensão por parte dos EUA da política espacial ambígua da China [McDonald,
2008:6].
Apesar de a China não poder ser legalmente punida pelo teste ASAT este
representou definitivamente um passo atrás na extensão positiva da sua imagem,
deteriorada perante a Comunidade Internacional devido ao desrespeito pelo artigo IX do
Tratado Sobre o Espaço Exterior (ao criar centenas de estilhaços com a destruição do
satélite que podem eventualmente interferir com a integridade dos meios de outras
Nações dispostos no Espaço). O facto de a abordagem da China face ao multilateralismo
ter mudado imenso desde o seu ingresso nas Nações Unidas em 1971 é também uma
importante realidade. Apesar da unilateralidade dos Estados Unidos, como no exemplo
da negação da existência de uma corrida no Espaço, aparecer regularmente como pano
de fundo, a China tem reunido esforços e realizado com sucesso a criação de uma rede
56
de parcerias relacionadas com o Espaço. Tirando Taiwan, a China tem sido um
elemento estabilizador da sua região e tem agido conforme a lei internacional.
Ao nível interno, interessa questionarmo-nos sobre até que ponto se encontra o
Governo Chinês informado sobre as actividades do seu exército. Poderá uma eventual
falta de troca de informação entre o Governo e o Exército, como aconteceu no teste
ASAT, representar um novo episódio de falta de coordenação no futuro? A China não
tem necessariamente que representar uma ameaça aos EUA enquanto poder que se
afirma no espaço. A possibilidade de a China ser mais transparente nos programas do
seu exército, através da criação de um organismo de revisão ou de um departamento de
relações de segurança no seio do ELP, para situações que tenham possíveis implicações
internacionais, seria uma decisão válida para que caminhasse nesse sentido [McDonald,
2008:37-38]. Diplomaticamente, a China deveria contextualizar de forma clara o que
aconteceu com o teste ASAT, assim como os objectivos do seu programa espacial ao
mundo, tornando-se assim mais activa na discussão internacional. [idem]. É importante
para o Mundo saber em que pé se encontra a China, mas exigir transparência não
resolve o problema do que é ou não considerado excessivo.
Os próprios EUA têm também de melhorar alguns aspectos da sua política
nacional espacial. Apesar de existir uma Política Nacional Espacial Norte-Americana
razoavelmente bem definida, pode-se afirmar que até ao presente a sua apresentação não
é clara na sua doutrina ou nos seus princípios, nomeadamente de uma posição ofensiva
a tomar em caso de conflito [Ibid.:17].
Tudo na China parece fazer parte de uma imagem maior onde a política tem
sempre uma palavra a dizer, fazendo desta um grande “alvo” em constante movimento.
A ideia de uma “ameaça chinesa” que se propagou em grande parte devido ao exagero
dos media Norte-Americanos encontra-se também presente nos relatórios do
Departamento de Defesa dos EUA e no seu tom alarmista. A criação desta imagem é
perigosa e não tem dado sinais de abrandar no seio da nova Administração Obama. Em
Janeiro de 2009, o Secretário de Defesa Robert Gates, utilizou o termo “ameaça
chinesa” no seu discurso perante o Senado do Comité dos Serviços Armados [Johnson,
2009:2]. O Comité em questão possui jurisdição sobre departamentos como o
Departamento de Defesa, o Departamento do Exército, o Departamento da Força Aérea,
Marinha e ainda sobre Actividades Aeronáuticas ou Espaciais “peculiares ou que se
encontrem primariamente associadas com o desenvolvimento de sistemas de armas”
[http://armed-services.senate.gov, 2010].
57
É importante, visto que a realidade da politica internacional torna cada vez mais
inevitável a realização de uma cooperação Sino-Americana (pela interdependência
económica e política que cria), que os EUA sejam também cada vez mais judiciosos nos
seus relatórios dedicados ao programa de modernização chinês e que entendam a
importância que uma equipa de tradutores especializados pode ter na análise dos
documentos públicos e militares chineses.
Talvez devido à inevitabilidade dessa cooperação, em Novembro de 2009
Barack Obama e Hu Jintao juntaram-se pela primeira vez de forma a discutir diversas
problemáticas entre as quais a disponibilidade de se debaterem novas abordagens face à
questão do Espaço [http://spaceflightnow.com].
Do outro lado, a China, encontra-se determinada a não dar crédito à teoria da
“ameaça chinesa” e a convencer a comunidade internacional, especialmente os EUA de
que o seu crescimento militar não representa uma ameaça aos interesses das outras
Nações no Espaço [Johnson, 2009:8-9].
É um facto que a China não se pode dar ao luxo de cortar relações com EUA
devido à dependência económica e política que se foi criando ao longo dos anos, mas é
também certo que a China retirará todos os benefícios que puder do espaço.
A China representa de momento o desafio mais proeminente para as aquisições
espaciais Norte-Americanas, mas não é o único. Existe a hipótese de Países como a
Rússia, o Irão, a Coreia do Norte e a Índia verem o Espaço (novamente no caso da
Rússia) como uma forma de contrabalançar os EUA ou simplesmente de reavaliar o seu
papel Espacial enquanto o passo lógico a seguir nesta era tecnológica [McDonald,
2008:10].
A premissa de que, mesmo num Mundo onde as relações entre a China e os
EUA fossem as melhores, esta continuaria a aumentar o exército de forma a marcar
presença regionalmente e a competir contra a Rússia, Índia e Japão é uma possibilidade
viável, que assume a presença de uma tendência natural nos Estados a competirem entre
si [Carter & Perry, 2007:17].
Temos o privilégio de viver numa época dinâmica, onde a delineação do Espaço
enquanto elemento militar e político dos Estados se encontra em constante mudança,
principalmente no caso dos EUA e da China. Seria interessante neste âmbito continuar a
acompanhar essas mudanças, perante as modificações na Política de Segurança dos
Estados Unidos da nova Administração que tomou posse em 2009, e perceber também
qual será a nova Estratégia Espacial da China nas próximas décadas. Seria também
58
interessante perceber qual é de facto a probabilidade de Estados como o Irão ou a
Coreia do Norte, virem a utilizar os mesmos meios para adquirir prestígio internacional
assim como Poder Espacial.
Conseguir informação e negá-la do inimigo será cada vez mais a táctica
prioritária no seio dos exércitos das Nações Espaciais. Os ataques modestos e
localizados no espaço deverão muito provavelmente continuar no futuro através da
utilização de lasers ou de forma mais aparatosa através da utilização de ASATs ou de
ABMs. Por essas razões, a estabilidade no Espaço, deverá degradar-se na próxima
década, exista ou não uma corrida armada no Espaço.
59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Artigos e Livros consultados:
DELLIOS, Rosita, Dezembro de 2005, China’s Space Program: A Strategic and
Political Analysis, Culture Mandala, Vol.7, nº 1. Disponível em: