7/28/2019 A Estética e o Saber Moderno - Benedito Nunes http://slidepdf.com/reader/full/a-estetica-e-o-saber-moderno-benedito-nunes 1/7 e n 00 (J) O J c a...~ .Q ::J c o - -z ~~ (J) - .~ .c w.....J OJ co 'U LO O J r-= (J) 0) LO c 0 2 0 co - ~ ~ 0 . •. . . n 0 " ' l I t ZO 0 . •. . . - 0 OJ = -
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7/28/2019 A Estética e o Saber Moderno - Benedito Nunes
tinc;ao entre logica e estetica consiste no grau de abstrac;ao impli-
cada. A logica concentra sua atenc;aono altamente abstrato e a este-
tica conserva-se tao proxima do concreto quanto 0 permitem as
necessidades do entendimento finito ... Ha 0descobrimento de urn
complexo logico, e tambem a fruic;ao desse complexo quando des-
coberto. E ha a construc;ao de uma composic;ao estetica e a fruic;ao
dessa composic;ao quando composta ... A logica principia com ideias
primitivas postas conjuntamente. 0 movimento da fruic;ao estetica Ie na direc;ao oposta ... 0 todo precede as partes). 0 todo implica
urn artificio, uma poiesis, uma techne, uma ars humana e divina,
concebida pelos escolasticos medievais e por Leibniz. Em seu
extremo limite, 0estetico e 0artistico se tocam.
No entanto, em urn de seus estudos sobre Nietzsche ('A von-
tade de potencia enquanto arte') afirma Heidegger que "a grande
arte helenica, a arte do tempo do esplendor, permaneceu sem
reflexao nocional correspondente, a qual nao deveria ter tido
necessariamente 0sentido de uma estetica"4. Nao podemos inter-
pretar essa afirmativa como uma asserc;ao de carater historico-
empirico sobre a ausencia de diretivas esteticas, de aprec;amentoda beleza por parte de urn Fidias ou de urn Policleto, que a admis-
saD de canones, sobretudo os relativos as proporc;6es ideais nas
representac;oes escultoricas dessa grande arte, bastaria para con-
testar. Por outro lado, 0 pensamento reflexivo foi em busca da I~arte para interroga-Ia. Testemunha-o exemplarmente a visita de
Socrates ao atelie de Parrasio, registrada por Xenofonte nas
Mem orab ilia. Analogamente, na Idade Media, a partir do seculo
XII, 0 teologo divisou, como 0 fez Hugues de Saint Victor em seu
Didasca licum , a luz exterior cognitiva .das artes mecanicas - a
primeira sendo a arquitetura, mas cujas especies, segundo Rodolfo
Longchamp, saD infinitas. Religiao e arte, como arte e trabalho,se interligaram. Panofsky mostrou-nos que 0 prin cipio da tran spa-rencia da arquitetura medieval no Alto Gotico esta embebido na
manifestatio do pensamento da Alta Escolastica 5. "Ha poucas epo-
cas", sintetiza Malkiel-Jirmounsky, "mostrando tanto interesse
pelas coisas da arte como este seculo de formac;ao da mentalidade
moderna"6.
Como, pois, interpretar a afirmativa de Heidegger de que
nos Tempos Modernos a arte ingressaria no horizonte da Estetica?
Horizonte e uma palavra hermeneutica de cunho peculiar; hori-
zonte nao e a metafora de principio; significa 0espraiamento de
uma compreensao no modo de antecipac;ao atematica, ou comoobservou Husserl, que utilizou a palavra nesse registro, de urn
saber previa "indeterminado ou imperfeitamente indeterminadoquanto ao seu conteudo ...".
-- Nos Tempos Modernos, a arte passava a ser compreendida,apreciada e avaliada sob as condic;oes de urn saber englobanteacerca de sua natureza e de sua func;ao, como experiencia vivida,
ja previamente difuso na cultura antes de ser tematizada na forma
de urn discurso teorico, de urn regime especial e especifico de conhe-cimento. A Estetica especificou 0estudo do Belo como 0seu objeto,
e considerou a Arte como campo especial de configurac;ao desse
mesmo objeto, separado de todos os outros - do religioso ou do
sagrado, do mundo pratico e do conhecimento cientifico. A relac;ao
da experiencia vivida, afetiva, com 0Belo, foi 0marco, senao 0cri-
terio, dessa separac;ao, que se tinha historicamente consumado.
"A Estetica e", explica Heidegger no texto antes mencionado,
"a considerac;ao do estado afetivo do homem em sua relac;ao com
o Belo, a considerac;ao do Belo na medida em que este se situanuma relac;ao com 0estado afetivo do homem. 0 Belo nao e nada I
mais do que aquilo que pelo seu aparecer provoca esse estado afe-'
tivO"7. Por sua vez, reparte-se 0Belo em dois dominios, 0da Natu-'
reza e 0da Arte, ambos manifestando-o segundo a mesma relac;ao
afetiva, com a diferenc;a de que 0ultimo manifesta-o no ato de pro-duzi-Io. Essa produc;ao encontra porem 0seu principio na mesma
relac;ao afetiva que 0conhecimento estetico tern por termo. Dai por que a operatividade da' arte, qualificada tecnicamente, em fun-
c;ao de meios instrumentais que a asseguram, envolve a reflexao
estetica e a reforc;a. Enquanto disciplina, 0discurso da Estetica"coloca a obra como objeto para urn sujeito e para considera-Ia
estatui como regra basica a relac;ao sujeito-objeto, notadamente
ao nivel do sentir. A obra torna-se objeto sob a sua face oferecida
a experiencia de quem contempla" 8.
Nesses topicos, Heidegger sintetiza, como resultado parcialde urn processo de mudanc;a, a emergencia de nova atividade cris-
talizada em meados do seculo XVIII, e "que provocou 0apareci-mento de uma estetica 'funcionalmente independente', disciplina
especializada da Filosofia. Essa atividade tern func;ao particular;
4 Nietzsche I, p. 95.
5 Gothic architecture and scholasticism, p. 43.
6'A psicologia do artista na Idade Media II', Ocidente, p. 45.7 Nietzsche I, p. 92.
8 Ibid., p. 93.
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do Belo, 0gosto (discerning taste), que Hume consideraria capaci-dade de julgar, segundo uma regra de concilia~ao dos sentimentosdiversos dos homens, quando, acrescentou Burke, 0espirito e afe-tado pelas obras da imagina~ao ou das Belas-Artes, denomina~aoque a Enciclopedia consagrou. 0 prazer moderado, as emo~6es
que derivam das Belas-Artes - tambem proporcionados pelos
espetlkulos da Natureza - seriam estados afetivos moral e social-mente uteis. Nao havia Shaftesbury reconhecido a mutua corres- pondencia entreartes e virtudes, aproximando os virtuoses dos vir-tuosos? 0 efeito pedagogico da sensibilidade ao belo natural e artis-
tico - que Kant reconheceria em sua Critica do jUlZO- podeestender-se a esfera politic a depois que Hume apontou a rela~aodireta do cultivo das artes e das ciencias com 0governo livre con-sagrada pelo Iluminismo.
E por obra desse ensaismo critico que se dara a muta~aointerna da qual nos fala Cassirer, pondo fim a doutrina da ratiodominante - muta~ao interna do conceito mesmo de natureza,numa "reviravolta semantica caracteristica" 12. A Natureza nao e
mais a natura rerum, mas a natureza do homem, na qual deve bus-car-se 0fundamento do Belo.<Em nome dessa Natureza, a propriaRazao e chamada a justificar-se diante da forma do sentimento,
da sensa~ao e da imagina~ao. Seria a dire~ao peculiar ao pensa-mento estetico moderno: abranger, numa nova sintese, a razao eo sentimento, a logica das ideias e a frui~ao do bela, 0 belo natu-ral e 0 belo artistico, a arte e a Natureza.
Essa sintese, de que a Estetica de Baumgarten constitui,enquanto aisthetikes episteme, 0modelo conspicuo, e uma sintesecognitiva. Teoriada sensibilidade, do conhecimento sensivel, menos
a titulo de conhecimento comuso e obscuro do que a titulo de conhe-
cimento do que e comuso e obscuro, a disciplina do Belo, 0discursoconceptualmente organizado, em cujo horizonte a arte ingressoucomo experiencia vivida, ingressaria, por sua vez, no horizonte doSaber modemo, em contraste com a ratio cientifica, e tambem, nao
excepcionalmente em conflito com a ratio filosofica, sistematica,como ciencia de ex~, visando aquilo mesmo que escapa a gene-ralidade do conceito, pela retaguarda antropologica desse mesmoSaber, ou seja, atraves da disposi~ao afetiva, que liga 0homem aurn mundo sempre qualitativamente diferenciado.
Ciencia de exce{:iioque se destina a conhecer 0que e qualita-tivo, e que jamais pode dissociar-se do valor, conhecimento do sin-
,gular como singular, a Estetica situa-se aq~em da ge~eralidade
do teorico. Nessas condi~6es, ela e tambem conheclmento. deintermedia~ao entre a ciencia da Natureza, apoiad~ nos ~~nceltosdo Entendimento, e 0saber moral escudado na razao prattca, por
for~a do interesse espiritual do Belo.
Mas foi sob 0foco dessa intermedia~ao que a Critica do jUlZofirmou 0objeto da Estetica como Critica e ?~Ocomo Cienc_ia:"~aoexiste ciencia do Belo mas somente uma cnttca do Belo, nao eXIste
ciencia do Belo mas somente Belas-Artes". Entretanto, na Criticado jUlZO,Kant fundamenta 0Belo como objeto de juizo de gosto
estetico no mesmo sujeito transcendental que garante 0acordo, a
harmonia das faculdades de conhecimento. Eis 0 prim eiro para -doxo da Estetica: dada a rela~ao que se estabelece com a beleza e
com a arte, ela quer estabelecer, como senso comum, 0que e juizo
individual, quando a arte separada das demais atividades perdera
o apoio numa concep~ao do mundo coesiva.
o que e e 0que nao e arte independe dessa rela~ao afeti~a,
posto que Kant estabelece urn corte entre 0 juizo de gosto e 0 pnn-cipio da arte, que se desloca para a cap~~idade produt~va,d? genio.o consenso buscado nao depende da CntIca, mas da Hlstona, atra-
v.esda qual 0Belo se realiza.
Daqui partiria a solu~ao hegeliana: a Estetica e filosofia da
arte enquanto recapitula~ao da historia do espirito humano. E
estamos diante do segundo paradoxa: para compreender a arte d,e
periodos precedentes, e necessario formular juizos de duplo cont~u-
do - 0conteudo do objeto e 0conteudo de verdade, segundo a dIS-
tin~ao de Walter Benjamin. Ciencia de exce~ao ou. ciencia nula, a
Estetica transfere 0conteudo de verdade de seu obJeto para outras
ciencias humanas, e sera, por isso, para aproveitarmos umaexpressao de Michel' Foucault, ~m~ ~iencia e~ra~.t;, ~ra de portehistorico, ora psicologico ou socIOlogICO,ora hngUlstIcO.
Enfim, 0terceiro paradoxa: a Estetica faz da arte ob~eto de
conhecimento, e, no entanto, a arte e uma forma de conhecImento
que nao e conhecimento do objeto. "Esse paradoxo", ~ome~taAdorno, "e tambem 0 da experiencia artistica. Seu medlum e 0
carater evidente do incompreensivel" 13. Mas, por outro lado, a
Estetica contribui para 0devir das obras, que assimila, como di~
o proprio Adorno, a interpreta~ao, 0 cO,me~tario,e.a critica. Cons1-
dere-se, ainda, que ha urn devlr da propna EstetIca, dependendo
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