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A escada de Electra - Memória e Sabedoria 2011 419‐432

Feb 07, 2023

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Steffen Dix
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Page 1: A escada de Electra - Memória e Sabedoria 2011 419‐432

A ESCADA DE ELECTRA: DE SÓFOCLES A RICHARD STRAUSS Pedro Braga Falcão*

I. OS GESTOS DE ELECTRA

De facto, não és a única dos mortais, filha, a quem se revelou a dor, mas perante ela, qual ela seja, és excessiva, mais do que os que contigo vivem.

(Sófocles, Electra 153-155)1

É assim, numa das primeiras intervenções do coro, que surge em Sófocles a personagem Electra, na tragédia homónima. O grego fala numa dor, numa aflição, numa angústia que se mostra perante a nossa protagonista. E comenta o facto de a obstinada mulher se julgar sozinha no universo dilacerante da dor, na solidão acompanhada de todos os mortais. Acrescenta ainda um atributo que vai servir de anátema para todo o futuro literário de Electra: "excessiva" {perissa). A palavra ecoa na preposição peri, e faz referência a algo que está acima da realidade, que age superlativamente, de uma forma que excede a medida razoável, o deifico Mêden agan. Mas que dor será esta? Sófocles não o revela neste passo; o coro refere um misterioso "qual ela seja". Será na dor de sofrer ou de odiar que se move esta nocturna personagem? Ou em ambas? Será o sofrimento que vem da cólera, terrível e destrutiva, pela mãe Clitemnestra, pelo amante Egisto, pela trágica morte de Agamémnon? Ou a angústia da solidão, de se ver só, desamparada, lamentosamente entregue a uma casa que não a respeita, que não cultiva a memória do pai assassinado? Será possível destrinçar um sentimento do outro? Como explora Sófocles essa ambígua fronteira entre ódio desmedido e lamento sem fim?

Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa e Universidade Católica Portuguesa. ' Tradução nossa de: "OOxoi oo l UOúVíJI, Tétcvov,/ãxoç êcpávn, PpoTã>v,/jipòç õ TA cn> t f i v Êv6ov et itEpiaoá". A edição seguida é a de Dain e Mazon (1985).

Pedro Braga Falcão
“A escada de Electra: de Sófocles a Richard Strauss”, in Memória & Sabedoria, ed. José Pedro Serra, Helena Carvalhão Buescu, Ariadne Nunes e Rui Carlos Fonseca. Lisboa: Edições Húmus (2011), 419‐432.
Pedro Braga Falcão
Page 2: A escada de Electra - Memória e Sabedoria 2011 419‐432

A ESCADA DE ELECTRA: DE SÓFOCLES A RICHARD STRAUSS Pedro Braga Falcão*

I. OS GESTOS DE ELECTRA

De facto, não és a única dos mortais, filha, a quem se revelou a dor, mas perante ela, qual ela seja, és excessiva, mais do que os que contigo vivem.

(Sófocles, Electra 153-155)1

É assim, numa das primeiras intervenções do coro, que surge em Sófocles a personagem Electra, na tragédia homónima. O grego fala numa dor, numa aflição, numa angústia que se mostra perante a nossa protagonista. E comenta o facto de a obstinada mulher se julgar sozinha no universo dilacerante da dor, na solidão acompanhada de todos os mortais. Acrescenta ainda um atributo que vai servir de anátema para todo o futuro literário de Electra: "excessiva" {perissa). A palavra ecoa na preposição peri, e faz referência a algo que está acima da realidade, que age superlativamente, de uma forma que excede a medida razoável, o deifico Mêden agan. Mas que dor será esta? Sófocles não o revela neste passo; o coro refere um misterioso "qual ela seja". Será na dor de sofrer ou de odiar que se move esta nocturna personagem? Ou em ambas? Será o sofrimento que vem da cólera, terrível e destrutiva, pela mãe Clitemnestra, pelo amante Egisto, pela trágica morte de Agamémnon? Ou a angústia da solidão, de se ver só, desamparada, lamentosamente entregue a uma casa que não a respeita, que não cultiva a memória do pai assassinado? Será possível destrinçar um sentimento do outro? Como explora Sófocles essa ambígua fronteira entre ódio desmedido e lamento sem fim?

Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa e Universidade Católica Portuguesa. ' Tradução nossa de: "OOxoi oo l UOúVíJI, Tétcvov,/ãxoç êcpávn, PpoTã>v,/jipòç õ TA cn> t f i v Êv6ov et itEpiaoá". A edição seguida é a de Dain e Mazon (1985).

Pedro Braga Falcão
“A escada de Electra: de Sófocles a Richard Strauss”, in Memória & Sabedoria, ed. José Pedro Serra, Helena Carvalhão Buescu, Ariadne Nunes e Rui Carlos Fonseca. Lisboa: Edições Húmus (2011), 419‐432.
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420 Pedro Braga Falcão A ESCADA DE ELECTRA: DE SÓFOCLES A RICHARD STRAUSS 421

Passados dois milénios, encenada na pesada linguagem de uma música fronteiriça entre o passado romântico e a futura linguagem expressionista, encontramos de novo a nossa protagonista sobre o palco, tetricamente gritando a sua angústia, desta feita na imaginação e na reencenação de Hofmannstahl e de Richard Strauss. A dor contí-nua desta excessiva Electra é agora comentada por um coro hostil de servas que narra as palavras de uma mulher louca gritando "Ich füttre mir einem Geier auf im Leib" [alimento um abutre no ventre] (Elektra § li)2. Na imagem, na ópera, no som, na orquestra, não sobram dúvi-das: o abutre é a raiva, o ódio, a sede de vingança. Nesta terrífica ânsia há algo de profundamente brutal, teluricamente excessivo. Mas haverá, no libretto e na música, lugar para a magoada e infinita dor da Electra de Sófocles?

São estas as perguntas que hoje nos colocamos, e nos colocaríamos se neste momento nós próprios reencenássemos o mito de Electra. Que estranha personagem3 é esta cujo mito é "apenas" a sua dor de amar e de odiar? A sua sede de sangue, não é ela quem a sacia. A mãe não morre às mãos desta filha que tanto alardeia o seu infinito rancor. No máximo, ajuda o irmão Orestes ao conduzir Egisto para dentro do palácio, onde 0 déspota conhecerá o seu fim. De resto, o seu mito é a dor. Para anali-sarmos esta e para respondermos às perguntas que servem de premissa a este texto, propomos aqui um método um pouco diferente. Estudemos a forma como a Electra grega e a alemã foram estruturadas. Procure-mos os momentos-chave das duas peças. Investiguemos os momentos de clímax destas obras, como forma de percebermos o modo como os seus criadores interpretaram o mito, e a que face de Electra deram maior ênfase - a heroína do lamento ou a heroína da raiva -, se de facto a deram.

Em muita da literatura crítica moderna surge a expressão "clímax", usada tantas vezes como simples sinónimo de "ponto culminante". Quem no entanto estuda a fundo a história deste termo grego, chega à conclu-

1 Os números referem-se ao número de ensaio da ópera Elektra de R. Strauss, segundo a edição de Adolph Fürstner (1916). As traduções do alemão são de nossa lavra. 3 "Of ali the Sophoclean plays that have come down to us, Electra has been the most controversial and difficult to interpret. While it is universally admired for its superb dramatic structure and technical virtuosity, many scholars confess, at least informally, to finding the great play curiously unsatisfying or even repellent. Perhaps no other ancient play has been subjected to more conflicting attempts at interpretation. This plurality of interpretive strategies arises from the play's extraordinary tonal ambivalence" (Ringeri998,128),

são de que a palavra clímax quer dizer, em quase todas as ocorrências do termo no corpus do grego clássico, apenas "escada". E o que à partida parece um simples/aií-divers tem implicações riquíssimas se aplicarmos o termo em toda a sua abrangência à análise de uma obra de arte. Dizer: "o clímax de y está no ponto x", formulação tão costumeira entre nós, é por si só um contra-senso, algo que nunca esteve presente sequer na teo-rização retórica grega e latina, para quem a KAIUCIJ; (climax) era um bem definido termo estilístico para descrever uma organização prescritiva de um período4. "O clímax" de algo é, na verdade, toda a sua construção. E é na gestão e na colocação dos seus degraus, metaforicamente falando, que toda uma peça, e não só uma parte dela, se torna um "clímax".

II. AS ESCADAS DE SÓFOCLES

Defendemos que coexistem na personagem sofocliana Electra dois senti-mentos preponderantes e motívicos, que se desenvolvem paralelamente: a "dor de odiar" e a "dor de lamentar". Antes de avançarmos, porém, temos necessariamente de justificar o porquê desta nossa premissa.

É inegável que nesta tragédia estamos perante uma personagem ator-mentada, mãe de uma angústia infinita. Qual a razão desse sofrimento? A partida, a resposta parece simples: a ignominiosa morte de Agamémnon. Mas, se atentarmos nas consequências do acto de Clitemnestra, desde logo nos apercebemos de que se traduzem em sentimentos diferentes na protagonista desta tragédia. Por um lado, se o crime merece punição, Electra surge como a memória viva deste facto: o seu sopro vital, do início ao termo da peça, reencontra-se continuamente com o signo da justiça, e ela própria emerge como encarnação simbólica do erro, da hamartia da progenitora. E como o erro é terrível, terríveis são também os senti-mentos de Electra, que pensa fundamentalmente num castigo à altura do

4 Para os retóricos, o clímax era, de uma forma geral, uma figura de estilo que consistia na repetição continuada no início do membro seguinte da palavra ou ideia que se repetiu no fim do membro ante-rior. O exemplo mais apontado por todos os retóricos é o de Demóstenes: "Oí>K eíjtov uÈv Taíxa, Oí>K êypaya 8é' o(>8' êypaya név, OúK éjtpéapsuaa 8é' 01IS' È7tpéoPeoaa uév, OúK ÊTtevoa 8è ©n,(5aíouç" [Não falei desta forma sem que propusesse isto por escrito, não propus isto por escrito sem que realizasse uma missão, e não realizei uma missão sem convencer os Tebanos] (De Corona 179; tradução nossa). Para o melhor estudo sobre o termo, cf. Kirby e Poster (1998,1106-1115), ou ainda a definição dada por Lausberg (1960, 315-317). Nas suas diversas definições ao longo de toda a história deste termo, no entanto, assoma principalmente a ideia de um processo gradativo, de crescendo, composto por sucessivos degraus de conexão lógica e formal.

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Passados dois milénios, encenada na pesada linguagem de uma música fronteiriça entre o passado romântico e a futura linguagem expressionista, encontramos de novo a nossa protagonista sobre o palco, tetricamente gritando a sua angústia, desta feita na imaginação e na reencenação de Hofmannstahl e de Richard Strauss. A dor contí-nua desta excessiva Electra é agora comentada por um coro hostil de servas que narra as palavras de uma mulher louca gritando "Ich füttre mir einem Geier auf im Leib" [alimento um abutre no ventre] (Elektra § li)2. Na imagem, na ópera, no som, na orquestra, não sobram dúvi-das: o abutre é a raiva, o ódio, a sede de vingança. Nesta terrífica ânsia há algo de profundamente brutal, teluricamente excessivo. Mas haverá, no libretto e na música, lugar para a magoada e infinita dor da Electra de Sófocles?

São estas as perguntas que hoje nos colocamos, e nos colocaríamos se neste momento nós próprios reencenássemos o mito de Electra. Que estranha personagem3 é esta cujo mito é "apenas" a sua dor de amar e de odiar? A sua sede de sangue, não é ela quem a sacia. A mãe não morre às mãos desta filha que tanto alardeia o seu infinito rancor. No máximo, ajuda o irmão Orestes ao conduzir Egisto para dentro do palácio, onde 0 déspota conhecerá o seu fim. De resto, o seu mito é a dor. Para anali-sarmos esta e para respondermos às perguntas que servem de premissa a este texto, propomos aqui um método um pouco diferente. Estudemos a forma como a Electra grega e a alemã foram estruturadas. Procure-mos os momentos-chave das duas peças. Investiguemos os momentos de clímax destas obras, como forma de percebermos o modo como os seus criadores interpretaram o mito, e a que face de Electra deram maior ênfase - a heroína do lamento ou a heroína da raiva -, se de facto a deram.

Em muita da literatura crítica moderna surge a expressão "clímax", usada tantas vezes como simples sinónimo de "ponto culminante". Quem no entanto estuda a fundo a história deste termo grego, chega à conclu-

1 Os números referem-se ao número de ensaio da ópera Elektra de R. Strauss, segundo a edição de Adolph Fürstner (1916). As traduções do alemão são de nossa lavra. 3 "Of ali the Sophoclean plays that have come down to us, Electra has been the most controversial and difficult to interpret. While it is universally admired for its superb dramatic structure and technical virtuosity, many scholars confess, at least informally, to finding the great play curiously unsatisfying or even repellent. Perhaps no other ancient play has been subjected to more conflicting attempts at interpretation. This plurality of interpretive strategies arises from the play's extraordinary tonal ambivalence" (Ringeri998,128),

são de que a palavra clímax quer dizer, em quase todas as ocorrências do termo no corpus do grego clássico, apenas "escada". E o que à partida parece um simples/aií-divers tem implicações riquíssimas se aplicarmos o termo em toda a sua abrangência à análise de uma obra de arte. Dizer: "o clímax de y está no ponto x", formulação tão costumeira entre nós, é por si só um contra-senso, algo que nunca esteve presente sequer na teo-rização retórica grega e latina, para quem a KAIUCIJ; (climax) era um bem definido termo estilístico para descrever uma organização prescritiva de um período4. "O clímax" de algo é, na verdade, toda a sua construção. E é na gestão e na colocação dos seus degraus, metaforicamente falando, que toda uma peça, e não só uma parte dela, se torna um "clímax".

II. AS ESCADAS DE SÓFOCLES

Defendemos que coexistem na personagem sofocliana Electra dois senti-mentos preponderantes e motívicos, que se desenvolvem paralelamente: a "dor de odiar" e a "dor de lamentar". Antes de avançarmos, porém, temos necessariamente de justificar o porquê desta nossa premissa.

É inegável que nesta tragédia estamos perante uma personagem ator-mentada, mãe de uma angústia infinita. Qual a razão desse sofrimento? A partida, a resposta parece simples: a ignominiosa morte de Agamémnon. Mas, se atentarmos nas consequências do acto de Clitemnestra, desde logo nos apercebemos de que se traduzem em sentimentos diferentes na protagonista desta tragédia. Por um lado, se o crime merece punição, Electra surge como a memória viva deste facto: o seu sopro vital, do início ao termo da peça, reencontra-se continuamente com o signo da justiça, e ela própria emerge como encarnação simbólica do erro, da hamartia da progenitora. E como o erro é terrível, terríveis são também os senti-mentos de Electra, que pensa fundamentalmente num castigo à altura do

4 Para os retóricos, o clímax era, de uma forma geral, uma figura de estilo que consistia na repetição continuada no início do membro seguinte da palavra ou ideia que se repetiu no fim do membro ante-rior. O exemplo mais apontado por todos os retóricos é o de Demóstenes: "Oí>K eíjtov uÈv Taíxa, Oí>K êypaya 8é' o(>8' êypaya név, OúK éjtpéapsuaa 8é' 01IS' È7tpéoPeoaa uév, OúK ÊTtevoa 8è ©n,(5aíouç" [Não falei desta forma sem que propusesse isto por escrito, não propus isto por escrito sem que realizasse uma missão, e não realizei uma missão sem convencer os Tebanos] (De Corona 179; tradução nossa). Para o melhor estudo sobre o termo, cf. Kirby e Poster (1998,1106-1115), ou ainda a definição dada por Lausberg (1960, 315-317). Nas suas diversas definições ao longo de toda a história deste termo, no entanto, assoma principalmente a ideia de um processo gradativo, de crescendo, composto por sucessivos degraus de conexão lógica e formal.

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422 Pedro Braga Falcão T A ESCADA DE ELECTRA: DE SÓFOCLES A RICHARD STRAUSS 423

sangrento crime5. Este sentimento de vingança resulta numa dor em si: continuamente o coro comenta o carácter excessivo desta sanguinolenta sede, esta raiva e cólera que corrói per se a alma da protagonista:

Coragem, coragem, minha filha! Zeus ainda é grande e está nos céus, ele que tudo vigia e domina. Põe nas suas mãos a amargura extrema da tua raiva [cholos]. Não esqueças os teus inimigos, mas não te deixes dominar pela exaltação contra aquela que tu odeias. (Electra 173-178)6

Mas, se esta dor raivosa, esta "dor de odiar" vai destruindo Electra, os motivos da não consumação da sua vingança servem de contraponto, igualmente excessivo, à desmesura da sua cólera: Electra vê-se, como consequência do assassinato do pai, de mãos atadas, incapaz de per-petrar a vingança, de não ser mais do que a "memória viva" da justiça, símbolo e não agente - ela não é o momento, o kairos da justiça, a efec-tiva consumação do acto horrendo. E porquê? Pura e simplesmente por-que não é capaz: não tem a força suficiente. Esta nua constatação tem consequências excruciantes na alma da personagem - é profundamente infeliz com a sua condição:

É já extensa a parte percorrida de uma existência sem esperança que me ficou para trás e não tenho forças para suportar. Eu me consumo, estéril, sem o afecto de um homem que me sirva de protecção. Como se fosse uma estranha a esta casa, indigna, faço de serva no palácio de meu pai, coberta com estas vestes desprezíveis, e são de magro alimento as mesas que percorro. (Electra 185-192)7

Electra age assim excessivamente perante a sua própria dor, resul-tando a sua voz muitas vezes num contínuo e infindável canto de lamento, tantas e tantas vezes comentado por um coro que não vê como adequado um tal extremo, quer nesta "dor de odiar", quer nesta "dor de lamentar". "Ti uoi Tõ>V ôuoípópwv ècpín" ["Porque te atrai a desdita?"] (Electra 144), pergunta o coro. Mas como se desenha esta atracção pelo 5 "olç 0£Òç ó uÉyaç/OXújutioç/jroíviua táBea Jta9eív jiópoi,/uri8É noz' àyXataç cmovaíato/ToiáS' ávúaavrsç spya" ["Queira o deus todo-poderoso do Olimpo fazê-los pagar com sofrimentos e jamais lhes venha do seu esplendor benefício, por tais crimes haverem perpetrado"] [Electra 209-212). A tradução do texto de Sófocles, salvo indicação em contrário, é de Maria do Céu Fialho. 6 "{XO.} OápoEi uoi, 9ápo£i, TÉKvov/êTt uÉyaç, oúpav<p/Z£Í)ç, ôç éípopQi Ttávra Kai Kpa-rúvEi/^ xòv vnepaXyf\ %óXov véuouaa,/nf|6' olç ExSaípEiç imepáxOEO nf|T' émXáBau." 7 "{HA.} 'AXX' èuÈ uèv ó noXiiq ájtoXéXoutEV tíSn/píotoç, àvéhnaroq, oí>8' êT' àpicãr/anç õVEU TOKéOJV KaTaTáKouai,/áç cpüloç OüTIç àvf|p i>jf£pío~raTai,/àW.' cutEpEÍ TIç EJKHKOç àvai;ía/oÍKOvou<ü Saláuouç 7tatpóç, <5>ÔE uÈv/á£iK£Í oi>v aTO>4,/KEvaTç. 6' áu(píorauai TpcraéÇaiç,."

dysphoron, pelo que é "difícil de suportar"? E como gere Sófocles estas duas dores que são, como defendemos sumariamente aqui8, distintas?

Voltemos à metodologia proposta, e procuremos a(s) escada(s) que conduz(em) esta tragédia.

Numa primeira leitura do mito, diríamos que a acção culmina na morte de Clitemnestra e Egisto9. Mas, se tal não é verdade na Oresteia, em que Esquilo sentiu necessidade de purificar Orestes pelo crime de sangue, também não nos parece que, na Electra de Sófocles, o momento mais alto da peça seja a morte dos assassinos de Agamémnon. Isto é, do ponto de vista da "escada da vingança", da escada do ódio de Electra, este bem pode ser o degrau final. Este crescendo inicia-se nas primeiras ameaças veladas da protagonista (Electra 201-212), começa a desenhar-se mais definidamente no Primeiro Estásimo quando o coro fala em vingança e justiça, sobe um degrau no surdo diálogo entre a mãe e a filha, tecido por mútuas acusações, pelas alusões tanáticas de Electra e os recípro-cos sentimentos de ódio e raiva, e ascende um pouco mais quando o coro suplica a morte dos assassinos (Electra 1055-1068). Quando se dá a anagnórise, a presença de Orestes em palco precipita os acontecimen-tos: e precipitação é a expressão certa, pois a "encenação" da morte dos assassinos, momento que poderia ser, à partida, o mais importante da peça, ocupa menos de um décimo desta: desde que Orestes se apresenta a Electra, sentimo-nos como que "empurrados" para o final. Quando se daria na estrutura da peça lugar para um canto de júbilo de Electra, o irmão interrompe-a com sucessivas admoestações: "Sim aqui estou. Mas mantém o silêncio e aguarda" (Electra 1236)10, "Enquanto não chegar o momento, abstém-te de falar em excesso" (Electra 1259)11, "Poupa-te a palavras supérfluas" (Electra 1288)12, "Mais palavras far-nos-iam per-der esta ocasião propícia" (Electra 1292)13, "Silêncio, peço-te" (Electra

8 Não é possível aqui uma justificação mais delongada sobre esta nossa premissa; este é, no entanto, um tema fértil que se poderia desenvolver futuramente. ' "Those who offer an affirmative reading of this tragedy typically see the vengeance as a clear-cut case of just retribution [...]. The play thus dramatizes Orestes' successful homecoming and revenge with-out Furies, moralizing judgments, or any other elements which might undermine the heroic character of the act. The stain of matricide is glossed over by making the death of Aigisthos the clímax of the dramatic action" (Macleod 2001, 5-6). '° "òXkà oly' êxouoa itpóauEVE." " "Oi \if\ ' a n Kaipóç, nf| uaKpàv poúXou Xéysiv." " "Tà uèv 7[£pictaEÚovta TôV tóycov õupEÇ." '3 "xpovou yàp áv 001 Kaipòv éçEÍpyoi Xáyoç."

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sangrento crime5. Este sentimento de vingança resulta numa dor em si: continuamente o coro comenta o carácter excessivo desta sanguinolenta sede, esta raiva e cólera que corrói per se a alma da protagonista:

Coragem, coragem, minha filha! Zeus ainda é grande e está nos céus, ele que tudo vigia e domina. Põe nas suas mãos a amargura extrema da tua raiva [cholos]. Não esqueças os teus inimigos, mas não te deixes dominar pela exaltação contra aquela que tu odeias. (Electra 173-178)6

Mas, se esta dor raivosa, esta "dor de odiar" vai destruindo Electra, os motivos da não consumação da sua vingança servem de contraponto, igualmente excessivo, à desmesura da sua cólera: Electra vê-se, como consequência do assassinato do pai, de mãos atadas, incapaz de per-petrar a vingança, de não ser mais do que a "memória viva" da justiça, símbolo e não agente - ela não é o momento, o kairos da justiça, a efec-tiva consumação do acto horrendo. E porquê? Pura e simplesmente por-que não é capaz: não tem a força suficiente. Esta nua constatação tem consequências excruciantes na alma da personagem - é profundamente infeliz com a sua condição:

É já extensa a parte percorrida de uma existência sem esperança que me ficou para trás e não tenho forças para suportar. Eu me consumo, estéril, sem o afecto de um homem que me sirva de protecção. Como se fosse uma estranha a esta casa, indigna, faço de serva no palácio de meu pai, coberta com estas vestes desprezíveis, e são de magro alimento as mesas que percorro. (Electra 185-192)7

Electra age assim excessivamente perante a sua própria dor, resul-tando a sua voz muitas vezes num contínuo e infindável canto de lamento, tantas e tantas vezes comentado por um coro que não vê como adequado um tal extremo, quer nesta "dor de odiar", quer nesta "dor de lamentar". "Ti uoi Tõ>V ôuoípópwv ècpín" ["Porque te atrai a desdita?"] (Electra 144), pergunta o coro. Mas como se desenha esta atracção pelo 5 "olç 0£Òç ó uÉyaç/OXújutioç/jroíviua táBea Jta9eív jiópoi,/uri8É noz' àyXataç cmovaíato/ToiáS' ávúaavrsç spya" ["Queira o deus todo-poderoso do Olimpo fazê-los pagar com sofrimentos e jamais lhes venha do seu esplendor benefício, por tais crimes haverem perpetrado"] [Electra 209-212). A tradução do texto de Sófocles, salvo indicação em contrário, é de Maria do Céu Fialho. 6 "{XO.} OápoEi uoi, 9ápo£i, TÉKvov/êTt uÉyaç, oúpav<p/Z£Í)ç, ôç éípopQi Ttávra Kai Kpa-rúvEi/^ xòv vnepaXyf\ %óXov véuouaa,/nf|6' olç ExSaípEiç imepáxOEO nf|T' émXáBau." 7 "{HA.} 'AXX' èuÈ uèv ó noXiiq ájtoXéXoutEV tíSn/píotoç, àvéhnaroq, oí>8' êT' àpicãr/anç õVEU TOKéOJV KaTaTáKouai,/áç cpüloç OüTIç àvf|p i>jf£pío~raTai,/àW.' cutEpEÍ TIç EJKHKOç àvai;ía/oÍKOvou<ü Saláuouç 7tatpóç, <5>ÔE uÈv/á£iK£Í oi>v aTO>4,/KEvaTç. 6' áu(píorauai TpcraéÇaiç,."

dysphoron, pelo que é "difícil de suportar"? E como gere Sófocles estas duas dores que são, como defendemos sumariamente aqui8, distintas?

Voltemos à metodologia proposta, e procuremos a(s) escada(s) que conduz(em) esta tragédia.

Numa primeira leitura do mito, diríamos que a acção culmina na morte de Clitemnestra e Egisto9. Mas, se tal não é verdade na Oresteia, em que Esquilo sentiu necessidade de purificar Orestes pelo crime de sangue, também não nos parece que, na Electra de Sófocles, o momento mais alto da peça seja a morte dos assassinos de Agamémnon. Isto é, do ponto de vista da "escada da vingança", da escada do ódio de Electra, este bem pode ser o degrau final. Este crescendo inicia-se nas primeiras ameaças veladas da protagonista (Electra 201-212), começa a desenhar-se mais definidamente no Primeiro Estásimo quando o coro fala em vingança e justiça, sobe um degrau no surdo diálogo entre a mãe e a filha, tecido por mútuas acusações, pelas alusões tanáticas de Electra e os recípro-cos sentimentos de ódio e raiva, e ascende um pouco mais quando o coro suplica a morte dos assassinos (Electra 1055-1068). Quando se dá a anagnórise, a presença de Orestes em palco precipita os acontecimen-tos: e precipitação é a expressão certa, pois a "encenação" da morte dos assassinos, momento que poderia ser, à partida, o mais importante da peça, ocupa menos de um décimo desta: desde que Orestes se apresenta a Electra, sentimo-nos como que "empurrados" para o final. Quando se daria na estrutura da peça lugar para um canto de júbilo de Electra, o irmão interrompe-a com sucessivas admoestações: "Sim aqui estou. Mas mantém o silêncio e aguarda" (Electra 1236)10, "Enquanto não chegar o momento, abstém-te de falar em excesso" (Electra 1259)11, "Poupa-te a palavras supérfluas" (Electra 1288)12, "Mais palavras far-nos-iam per-der esta ocasião propícia" (Electra 1292)13, "Silêncio, peço-te" (Electra

8 Não é possível aqui uma justificação mais delongada sobre esta nossa premissa; este é, no entanto, um tema fértil que se poderia desenvolver futuramente. ' "Those who offer an affirmative reading of this tragedy typically see the vengeance as a clear-cut case of just retribution [...]. The play thus dramatizes Orestes' successful homecoming and revenge with-out Furies, moralizing judgments, or any other elements which might undermine the heroic character of the act. The stain of matricide is glossed over by making the death of Aigisthos the clímax of the dramatic action" (Macleod 2001, 5-6). '° "òXkà oly' êxouoa itpóauEVE." " "Oi \if\ ' a n Kaipóç, nf| uaKpàv poúXou Xéysiv." " "Tà uèv 7[£pictaEÚovta TôV tóycov õupEÇ." '3 "xpovou yàp áv 001 Kaipòv éçEÍpyoi Xáyoç."

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1322)14; o próprio Pedagogo funciona como "travão" aos excessos de Electra, quando ele próprio diz "[b]asta, parece-me! Do que desde então aconteceu, muitas serão as noites e outros tantos os dias que, no seu giro alternado, te hão-de permitir ouvir um relato claro" (Electra 1364-1366)15. Uma das últimas falas de Orestes é precisamente esta: "Pílades, a nossa missão não exige agora longos discursos. Passemos à acção" (Electra 1373-1375)16. Acção que culmina, e daí dizermos que é este o ponto mais alto da "escada da vingança" de Electra, na morte de Egisto. Morte esta que não dá lugar a longos discursos por parte das personagens17, longas reflexões do coro sobre a justiça ou sobre a maldição da malfadada casa: caminha-se veloz, inexorável e abruptamente, diríamos nós, para o fim da peça, sem que exista, no nosso entender, neste intante um verdadeiro momento culminante na agógica da peça - de todos os férteis recursos e expedientes literários de que Sófocles dispõe, parece-nos claramente haver neste final uma economia de meios. Mas porquê?

A resposta, no nosso entender, está em estudar o clímax paralelo da peça, na nossa perspectiva do ponto de vista da análise literária bem mais rico, que tem a ver com os sentimentos excessivos de Electra perante a sua dor desmedida e perante o seu próprio destino, algo que é funda-mental à identidade trágica da protagonista. E o ponto mais alto desta "escada" não é, como discutiremos, a morte de Egisto e Clitemnestra, o que faz com que esta dor tenha características diferentes, e que torna a personagem bem mais do que uma simples mulher sedenta de sangue em busca da vingança.

Como se desenha esta escada? Embora a peça se inicie com Orestes, que apresenta ao público o momento, o kairos para a vingança, cedo se compreende que o kairos de Electra é outro - é o momento de "uma dor sem número" ["àvápiÔLioç <bôe 0pnvu>v"] (Electra 232), infinita, sem chronos, no lamento contínuo da morte do pai, no lamento por ser tra-tada como uma escrava no seu próprio lar. Apenas uma luz vê, ténue, a esperança de que o seu irmão volte, mas mesmo essa esperança é fraca (Electra 164-172). A própria personagem confessa a sua mágoa cons-

14 "SiyfiV £JTfjVEO'[...]." 15" {I1A.} ApKEÍv 8OK£í uov Toíiç yàp èv néotp Xóyoi>ç,/;toM.aí KUKXOüVXCII VúKXEç f|uépai x' ioai/aí xaüxá ooi ãcfÇoumv, 'HXÉKxpa, aaipf\." '6 "OüK àv |iaicpã)v Ê6' íiuiv cmôèv âv Xóytov/riuXáSri, xóS' eÍT) xoúpyov [...]." 17 "Míi rápa Xéyew êa,/jrpòç 9eã>v, àòehpé, [n\&í U,TIKúVEIV Xóyotiç" ["Não o deixes dizer mais nada, pelos deuses, meu irmão. Não o deixes proferir discursos"], diz Electra (Electra 1483-1484).

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tante: "[D]ores que os meus olhos vêem, dia e noite sem cessar, ganhar cada vez mais viço em vez de ressequir" (Electra 259-260)18. Esta suges-tão de crescendo contínuo aproxima-se da nossa imagem da escada, que sobe mais um degrau no diálogo com Clitemnestra. Neste, assume-se em palco a mãe comparativamente menos excessiva do que a filha, em pleno poder das suas forças, com o logos suficiente para lhe permitir legitimar o assassinato do marido. É atormentada apenas pelos funestos sonhos e pela perseguição contínua das constantes expressões de dor e raiva de Electra. Perante o logos da mãe, a heroína responde com pathos, procurando uma explicação flébil para o facto de o seu pai ter sacrifi-cado a própria filha. Este raivoso diálogo é bruscamente interrompido pela entrada do Pedagogo, que anuncia a morte de Orestes. Um degrau se sobe, do ponto de vista da dor de Electra. Aquela que era a sua única esperança esfuma-se. "Ai de mim, desgraçada" (Electra 674)19, "estou perdida, infeliz de mim" (Electra 677)20, são as frases patéticas que esca-pam da boca da desesperada personagem. Mas não é este o ponto mais alto da escada. Numa gestão intencional de um tragediógrafo que sabe eximiamente criar momentos de tensão e distensão nas suas obras, a grave notícia é de certa forma interrompida por uma longa tirada do Pedagogo, em que narra a morte atribulada de Orestes, numa corrida de cavalos. Às palavras sentidas de Clitemnestra, que não se revela exul-tante com o relato, antes comenta "é terrível ser mãe" (Electra 770)21, Electra reage com a mesma obstinação de sempre, vendo na mãe expres-sões de júbilo. E finalmente, no Segundo Estásimo, Electra cai em si e, dilacerada, comenta a sua dor com gritos e rogos arrancados do peito, num ritmo que se torna rápido pela troca de frases curtas com o coro (Electra 829-870), que culmina num dos momentos mais fortes da peça, na expressão de uma descrença total, quando Electra diz "se me vens suscitar uma esperança quanto àqueles que manifestamente partiram para o Hades, espezinhas ainda mais a minha alma destroçada" (Electra 832-836)22. Este degrau de dor que se sobe é pontuado pelas interjeições e ê, ctiái, 9eü, ito ["ai, ai!", "ai de mim", "ah", "oh"] - sons que facilmente um leitor despreza, mas que sobre o palco, gritadas, imprecadas, arran-

'8 "áytí) Kax' fjuup Kai Kax' ei>ippóvr|v àei/GáXXovxa uãM.ov ii Kaxa<p9ivov9' óprâ." '9 " o i 'yà> xáXaiv', õXtoXaxfj5' èv í|u£pa." 10 "A;aoM>u.r|v 5úorr)voç,, oúôev ein' êxi." " "AEIVòV Xò XíKXEIV èoxfv."

" "El TCEPV <pavepã>ç oixou.é-/v<Dv eiç AtSav ètaütô' im-/oícjEiç., Kax' éu.o6 TaKouí-/vaç u.ãAXov EjtEu,páor|."

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1322)14; o próprio Pedagogo funciona como "travão" aos excessos de Electra, quando ele próprio diz "[b]asta, parece-me! Do que desde então aconteceu, muitas serão as noites e outros tantos os dias que, no seu giro alternado, te hão-de permitir ouvir um relato claro" (Electra 1364-1366)15. Uma das últimas falas de Orestes é precisamente esta: "Pílades, a nossa missão não exige agora longos discursos. Passemos à acção" (Electra 1373-1375)16. Acção que culmina, e daí dizermos que é este o ponto mais alto da "escada da vingança" de Electra, na morte de Egisto. Morte esta que não dá lugar a longos discursos por parte das personagens17, longas reflexões do coro sobre a justiça ou sobre a maldição da malfadada casa: caminha-se veloz, inexorável e abruptamente, diríamos nós, para o fim da peça, sem que exista, no nosso entender, neste intante um verdadeiro momento culminante na agógica da peça - de todos os férteis recursos e expedientes literários de que Sófocles dispõe, parece-nos claramente haver neste final uma economia de meios. Mas porquê?

A resposta, no nosso entender, está em estudar o clímax paralelo da peça, na nossa perspectiva do ponto de vista da análise literária bem mais rico, que tem a ver com os sentimentos excessivos de Electra perante a sua dor desmedida e perante o seu próprio destino, algo que é funda-mental à identidade trágica da protagonista. E o ponto mais alto desta "escada" não é, como discutiremos, a morte de Egisto e Clitemnestra, o que faz com que esta dor tenha características diferentes, e que torna a personagem bem mais do que uma simples mulher sedenta de sangue em busca da vingança.

Como se desenha esta escada? Embora a peça se inicie com Orestes, que apresenta ao público o momento, o kairos para a vingança, cedo se compreende que o kairos de Electra é outro - é o momento de "uma dor sem número" ["àvápiÔLioç <bôe 0pnvu>v"] (Electra 232), infinita, sem chronos, no lamento contínuo da morte do pai, no lamento por ser tra-tada como uma escrava no seu próprio lar. Apenas uma luz vê, ténue, a esperança de que o seu irmão volte, mas mesmo essa esperança é fraca (Electra 164-172). A própria personagem confessa a sua mágoa cons-

14 "SiyfiV £JTfjVEO'[...]." 15" {I1A.} ApKEÍv 8OK£í uov Toíiç yàp èv néotp Xóyoi>ç,/;toM.aí KUKXOüVXCII VúKXEç f|uépai x' ioai/aí xaüxá ooi ãcfÇoumv, 'HXÉKxpa, aaipf\." '6 "OüK àv |iaicpã)v Ê6' íiuiv cmôèv âv Xóytov/riuXáSri, xóS' eÍT) xoúpyov [...]." 17 "Míi rápa Xéyew êa,/jrpòç 9eã>v, àòehpé, [n\&í U,TIKúVEIV Xóyotiç" ["Não o deixes dizer mais nada, pelos deuses, meu irmão. Não o deixes proferir discursos"], diz Electra (Electra 1483-1484).

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tante: "[D]ores que os meus olhos vêem, dia e noite sem cessar, ganhar cada vez mais viço em vez de ressequir" (Electra 259-260)18. Esta suges-tão de crescendo contínuo aproxima-se da nossa imagem da escada, que sobe mais um degrau no diálogo com Clitemnestra. Neste, assume-se em palco a mãe comparativamente menos excessiva do que a filha, em pleno poder das suas forças, com o logos suficiente para lhe permitir legitimar o assassinato do marido. É atormentada apenas pelos funestos sonhos e pela perseguição contínua das constantes expressões de dor e raiva de Electra. Perante o logos da mãe, a heroína responde com pathos, procurando uma explicação flébil para o facto de o seu pai ter sacrifi-cado a própria filha. Este raivoso diálogo é bruscamente interrompido pela entrada do Pedagogo, que anuncia a morte de Orestes. Um degrau se sobe, do ponto de vista da dor de Electra. Aquela que era a sua única esperança esfuma-se. "Ai de mim, desgraçada" (Electra 674)19, "estou perdida, infeliz de mim" (Electra 677)20, são as frases patéticas que esca-pam da boca da desesperada personagem. Mas não é este o ponto mais alto da escada. Numa gestão intencional de um tragediógrafo que sabe eximiamente criar momentos de tensão e distensão nas suas obras, a grave notícia é de certa forma interrompida por uma longa tirada do Pedagogo, em que narra a morte atribulada de Orestes, numa corrida de cavalos. Às palavras sentidas de Clitemnestra, que não se revela exul-tante com o relato, antes comenta "é terrível ser mãe" (Electra 770)21, Electra reage com a mesma obstinação de sempre, vendo na mãe expres-sões de júbilo. E finalmente, no Segundo Estásimo, Electra cai em si e, dilacerada, comenta a sua dor com gritos e rogos arrancados do peito, num ritmo que se torna rápido pela troca de frases curtas com o coro (Electra 829-870), que culmina num dos momentos mais fortes da peça, na expressão de uma descrença total, quando Electra diz "se me vens suscitar uma esperança quanto àqueles que manifestamente partiram para o Hades, espezinhas ainda mais a minha alma destroçada" (Electra 832-836)22. Este degrau de dor que se sobe é pontuado pelas interjeições e ê, ctiái, 9eü, ito ["ai, ai!", "ai de mim", "ah", "oh"] - sons que facilmente um leitor despreza, mas que sobre o palco, gritadas, imprecadas, arran-

'8 "áytí) Kax' fjuup Kai Kax' ei>ippóvr|v àei/GáXXovxa uãM.ov ii Kaxa<p9ivov9' óprâ." '9 " o i 'yà> xáXaiv', õXtoXaxfj5' èv í|u£pa." 10 "A;aoM>u.r|v 5úorr)voç,, oúôev ein' êxi." " "AEIVòV Xò XíKXEIV èoxfv."

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cadas da voz do actor, se tornam um lamento conjunto, uma comunhão catártica do público com a infeliz protagonista.

Este também não é, no entanto, o último degrau da escada. Como exímio compositor que é, Sófocles faz com que o diálogo que se segue a este primeiro grande momento de clímax sirva como um descer da escada para voltar a subi-la. Surge em palco Crisótemis, radiante, pois, ao ver a madeixa de cabelo de Orestes sobre o túmulo de Agamémnon, não sabendo das funestas notícias, julga que o irmão está vivo. Este anti-clímax coloca o público de novo em expectativa - não perante o mito, pois este está escrito, e todos nós sabemos, nem que fosse arquetipi-camente, que o filho voltará para vingar o pai -, mas perante o kairos de Electra. Surge em palco um diálogo entre a protagonista e a irmã, em que a nocturna personagem tenta convencer Crisótemis a ajudá-la a perpetrar, por suas próprias mãos, a morte de Egisto. É a fase do texto em que Electra assume, pela primeira vez, o logos e não o pathos, per-suasivamente discursando. O objectivo, parece-nos, prende-se com a gestão que Sófocles faz da sua tragédia, para criar espaço para um novo crescendo, um novo degrau.

Eis então que se mostra o último degrau desta "dor de lamentar" de Electra. No nosso entender, o mais alto, o mais sublime, o momento mais patético da obra. Orestes surge em palco, não reconhecendo a irmã e não sendo reconhecido. Traz na mão a pretensa urna com as tristes cinzas de uma morte há pouco anunciada. E é perante esta urna, tal como Hamlet perante a caveira de Yorick, que Electra pronuncia as suas mais belas palavras (Electra 1126-1170), o momento culminante da sua dor, do pathos perante si mesma, alheia aos sentimentos de vingança, longe da raiva, do abutre que alimenta no ventre. Justifiquemos aqui, ainda que resumidamente, esta afirmação. Os vocativos e os superlati-vos abundam, Orestes é pateticamente invocado como a memória mais querida23.0 momento de clímax nasce da oposição entre passado e pre-sente. No passado, Sófocles liricamente descreve a ternura e a suavi-dade de um menino cheio de vida, brilhante (\a|iTtpóv, Electra 1130), o desvelo de uma irmã que com doce cansaço ("nóvu> yA^Kel", Electra 1145) ajudou a criar o menino, que o amou mais do que a própria mãe, a ternura de uma criança que continuamente dizia a palavra "irmã". No

iJ "SI (piXxátou uvr|U£Íov ctvGpcójicov èuoiA|/ujcfíç'OpéoTot) Xoutóv" ["Ó derradeira memória daquele que foi para mim o mais querido entre os mortais, Orestes"] (Electra 1126-1127).

presente, a desesperança é total. "Agora sendo nada te seguro nas mãos" (Electra 1129)24 é a expressão do desgraçado fado de Orestes ter morrido longe da sua família, de não ter sido possível à irmã cuidar do seu morto, reunir suas cinzas com o carinho de uma dor de respeito. Não, foram mãos estranhas que juntaram os seus últimos restos mortais. A dor de Electra culmina numa série de sentenças que marcam a sua total perda de esperança: "[E] assim regressas: um punhado de cinzas breve como numa urna breve" (Electra 1142). E um último degrau se sobe na dor magoada, com as fortíssimas palavras de uma série de breves versos:

[A]i, ai de mim! Ó triste cadáver! Ai, ai! Tu, lançado para este caminho de horror, como assim me destruíste! Assim me destruíste, ó irmão querido. (Electra 1160-1164)25

As dilaceradas interjeições ("oíuoi uoi, Oeü") encontram no espí-rito de Electra a tradução do infeliz corpo sem vida, pateticamente exposto na repetição por duas vezes do verbo "destruir" [àTtó\Xu(ai] - Orestes passivamente responsável pela destruição da irmã, em forte contraste com a expressão de amor "o mais amado irmão". O momento mais alto da dor de Electra, que Sófocles sabiamente constrói desde o princípio, é quando toda a esperança se desvanece, e o desejo da morte arde no coração da irmã, entregue ao total desespero e à plena cons-ciência de que já não é nada26. Este degrau na escada do sofrimento é de tal forma íngreme, que precipita o desenlace. Orestes não pode ver mais sua irmã sofrer e revela-se, dando-se a anagnórise do texto, que resulta, depois deste momento, não num dos momentos mais fortes de clímax da obra, mas num meio de a tragédia aparentemente ser empurrada para um fim.

24 "NOv u£V yàp oú8èv õvta PaoxáÇco xspoív." !S "Oíuoi uoi./n ôéuaç oiíetpóv. <t>eü, (peí/íl SeivoTÓrcaç., oíum uoi,/7tEU<p0ek; KeteúGovç, tpíXxaB', ôjç u' ájimteaaçVcOTCüXfiaaç STJT', & Kao-íyvnrov Kápa." i6 Sublinhada pelas palavras do coro, que comenta "ôoxe ur| Hav aréve/Ttãmv yàp f|uív TOBT' óipeíXExai 7ta9eív" ["não te lamentes em excesso, pois a todos nós é dado sofrer"] (Electra 1172-3).

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cadas da voz do actor, se tornam um lamento conjunto, uma comunhão catártica do público com a infeliz protagonista.

Este também não é, no entanto, o último degrau da escada. Como exímio compositor que é, Sófocles faz com que o diálogo que se segue a este primeiro grande momento de clímax sirva como um descer da escada para voltar a subi-la. Surge em palco Crisótemis, radiante, pois, ao ver a madeixa de cabelo de Orestes sobre o túmulo de Agamémnon, não sabendo das funestas notícias, julga que o irmão está vivo. Este anti-clímax coloca o público de novo em expectativa - não perante o mito, pois este está escrito, e todos nós sabemos, nem que fosse arquetipi-camente, que o filho voltará para vingar o pai -, mas perante o kairos de Electra. Surge em palco um diálogo entre a protagonista e a irmã, em que a nocturna personagem tenta convencer Crisótemis a ajudá-la a perpetrar, por suas próprias mãos, a morte de Egisto. É a fase do texto em que Electra assume, pela primeira vez, o logos e não o pathos, per-suasivamente discursando. O objectivo, parece-nos, prende-se com a gestão que Sófocles faz da sua tragédia, para criar espaço para um novo crescendo, um novo degrau.

Eis então que se mostra o último degrau desta "dor de lamentar" de Electra. No nosso entender, o mais alto, o mais sublime, o momento mais patético da obra. Orestes surge em palco, não reconhecendo a irmã e não sendo reconhecido. Traz na mão a pretensa urna com as tristes cinzas de uma morte há pouco anunciada. E é perante esta urna, tal como Hamlet perante a caveira de Yorick, que Electra pronuncia as suas mais belas palavras (Electra 1126-1170), o momento culminante da sua dor, do pathos perante si mesma, alheia aos sentimentos de vingança, longe da raiva, do abutre que alimenta no ventre. Justifiquemos aqui, ainda que resumidamente, esta afirmação. Os vocativos e os superlati-vos abundam, Orestes é pateticamente invocado como a memória mais querida23.0 momento de clímax nasce da oposição entre passado e pre-sente. No passado, Sófocles liricamente descreve a ternura e a suavi-dade de um menino cheio de vida, brilhante (\a|iTtpóv, Electra 1130), o desvelo de uma irmã que com doce cansaço ("nóvu> yA^Kel", Electra 1145) ajudou a criar o menino, que o amou mais do que a própria mãe, a ternura de uma criança que continuamente dizia a palavra "irmã". No

iJ "SI (piXxátou uvr|U£Íov ctvGpcójicov èuoiA|/ujcfíç'OpéoTot) Xoutóv" ["Ó derradeira memória daquele que foi para mim o mais querido entre os mortais, Orestes"] (Electra 1126-1127).

presente, a desesperança é total. "Agora sendo nada te seguro nas mãos" (Electra 1129)24 é a expressão do desgraçado fado de Orestes ter morrido longe da sua família, de não ter sido possível à irmã cuidar do seu morto, reunir suas cinzas com o carinho de uma dor de respeito. Não, foram mãos estranhas que juntaram os seus últimos restos mortais. A dor de Electra culmina numa série de sentenças que marcam a sua total perda de esperança: "[E] assim regressas: um punhado de cinzas breve como numa urna breve" (Electra 1142). E um último degrau se sobe na dor magoada, com as fortíssimas palavras de uma série de breves versos:

[A]i, ai de mim! Ó triste cadáver! Ai, ai! Tu, lançado para este caminho de horror, como assim me destruíste! Assim me destruíste, ó irmão querido. (Electra 1160-1164)25

As dilaceradas interjeições ("oíuoi uoi, Oeü") encontram no espí-rito de Electra a tradução do infeliz corpo sem vida, pateticamente exposto na repetição por duas vezes do verbo "destruir" [àTtó\Xu(ai] - Orestes passivamente responsável pela destruição da irmã, em forte contraste com a expressão de amor "o mais amado irmão". O momento mais alto da dor de Electra, que Sófocles sabiamente constrói desde o princípio, é quando toda a esperança se desvanece, e o desejo da morte arde no coração da irmã, entregue ao total desespero e à plena cons-ciência de que já não é nada26. Este degrau na escada do sofrimento é de tal forma íngreme, que precipita o desenlace. Orestes não pode ver mais sua irmã sofrer e revela-se, dando-se a anagnórise do texto, que resulta, depois deste momento, não num dos momentos mais fortes de clímax da obra, mas num meio de a tragédia aparentemente ser empurrada para um fim.

24 "NOv u£V yàp oú8èv õvta PaoxáÇco xspoív." !S "Oíuoi uoi./n ôéuaç oiíetpóv. <t>eü, (peí/íl SeivoTÓrcaç., oíum uoi,/7tEU<p0ek; KeteúGovç, tpíXxaB', ôjç u' ájimteaaçVcOTCüXfiaaç STJT', & Kao-íyvnrov Kápa." i6 Sublinhada pelas palavras do coro, que comenta "ôoxe ur| Hav aréve/Ttãmv yàp f|uív TOBT' óipeíXExai 7ta9eív" ["não te lamentes em excesso, pois a todos nós é dado sofrer"] (Electra 1172-3).

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III. A ESCADA DE STRAUSS E HOFMANNSTAHL

Quando, volvidos cerca de vinte e quatro séculos, Electra é reencenada no palco operático, Hofmannstahl, o autor do libretto baseado na peça homónima de sua autoria, escrita cerca de cinco anos antes, a meio do primeiro monólogo da protagonista, coloca a seguinte didascália: "[I]m begeistertem Pathos" [num Pathos entusiástico]. O compositor Richard Strauss repete-a na sua partitura, dando a mesma indicação não só aos cantores, como a toda a orquestra (Elektra § 56). A intenção parece--nos que é alertar para todos os envolvidos na execução da ópera que a peça, desde o seu início, é inspirada pelo sofrimento de Electra, colo-cada num ambiente hostil. O próprio coro, em Sófocles do lado da ator-mentada filha, e que suplica pela vingança e pela justiça, surge agora transfigurado num pequeno grupo de servas inimigas, que alardeiam a sua raiva pela figura que consideram antipática e maldosa. Quando em palco se mostra uma protagonista sombria, ruidosamente acompa-nhada por músicos sem medo de explorar toda a dinâmica que uma pesada orquestração permite, o sentimento a que se assiste é de raiva profunda, sublinhada pela repetição até à exaustão da palavra "Blut", sangue, e pelos gritos agudos de Electra, que vocifera o nome de seu pai. Este begeistertem Pathos não nos parece ser, como em Sófocles, uma escada da dor e do lamento, mas uma atormentada escada de sangue e de raiva. Argumento suficiente para esta afirmação é o facto de a pre-tensa morte de Orestes ser explorada algo paralelamente por Strauss e Hofmannstahl, e de a urna do irmão, que central fora na tragédia de Sófocles, estar de todo ausente nesta ópera, e igualmente o facto de toda a tensão narrativa e musical se centrar exclusivamente na identidade atormentada, irónica e raivosa de Electra, por oposição à contínua dor de lamento que na personagem grega coabita com a sua imponderada raiva27. Desde logo se torna evidente este aspecto quando se ouve, no nosso entender, o primeiro degrau da escada da vingança: o monólogo de Electra, que acaba numa fortíssima intervenção da Orquestra, triun-fal e exuberante, quando a personagem canta uma hipotética vingança. Embora a dinâmica não seja o único modo de avaliar um momento de

27 O porquê desta decisão não é o objecto deste estudo. O tema é fértil e daria com certeza azo a um texto exclusivamente centrado nesta questão. Sugerimos, a este propósito, o texto de Scott (2005), em que se exploram as leituras mais modernas de Electra em diversos autores, dando especial ênfase a Hofmannstahl e a R. Strauss. 1

clímax na música, torna-se um instrumento mais preciso do que a pura análise literária. De facto é neste momento que se ouve o todo orques-tral de Richard Strauss, composto por uma miríade de músicos, numa orquestração pesadíssima quer em termos de número, quer em termos de escrita, entoar esta dança do triunfo em fortississimo, que procura arrebatar definitivamente, e pela primeira vez, o público.

Da escada da dor de amar e da dor de odiar de Sófocles, resta ape-nas a escada do ódio e da vingança em Strauss, que assim lê o texto de Hofmannstahl. Depois deste primeiro momento de clímax, o autor do libretto continua o seu desenho da personagem Electra, sempre subli-nhada numa música "enferma", pesadamente obstinada entre Leitmotive e uma linguagem harmónica complexa, fruto de uma densidade wag-neriana e de gestos de um expressionismo avant la lettre2*. Assoma em palco uma personagem de uma ironia e de uma maldade desabrida que não tinha em Sófocles: perante o lirismo de Crisótemis, a irmã, que can-didamente fala sobre a impossibilidade de um dia vir a conhecer um marido, Electra, cáustica e má, diz que talvez os barulhos que estejam a ouvir dentro de casa sejam os preparativos de um possível casamento da irmã.

A escada da vingança sobe um novo degrau no diálogo entre Electra e Clitemnestra, de uma importância central na ópera, em que de novo se revela um lado ironicamente cruel. A mãe, tal como em Sófocles ator-mentada por pesadelos, procura a filha para que esta a ajude. Ela sugere um sacrifício. A mãe, uma personagem psicologicamente mais frágil do que a filha, não percebe que esta brinca sadicamente consigo, dialo-gando e procurando saber pormenores deste sacrifício que aplacará os deuses. O caminho musical traçado, em termos de dinâmica e de velo-cidade, tem um momento de clímax evidente, o segundo da peça, nos gritos raivosos de Electra, que depois de revelar à mãe que a oferenda aos deuses é ela mesma, Clitemnestra29, traça um negro e sanguinolento retrato do vingador, do machado, dos pormenores da execução, da ale-gria triunfante perante o terror da vítima, sacrificada segundo o tanático ritual, dos pormenores do sangue que a orquestra quase abafa na sua

28 Para uma história da recepção crítica desta ópera, cf. Gilliam 1996,1-17. 29 "This symmetry is well designed for an operatic climax: monologue (Klytãmnestra) - dialogue (Klytàmnestra and Elektra) - monologue (Elektra). Thus, as Klytãmnestra's part diminishes, Elektra's role steadily increases, reaching its climax when she declares that her mother's neck must be sacrificed" (Gilliam 1996, 39).

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III. A ESCADA DE STRAUSS E HOFMANNSTAHL

Quando, volvidos cerca de vinte e quatro séculos, Electra é reencenada no palco operático, Hofmannstahl, o autor do libretto baseado na peça homónima de sua autoria, escrita cerca de cinco anos antes, a meio do primeiro monólogo da protagonista, coloca a seguinte didascália: "[I]m begeistertem Pathos" [num Pathos entusiástico]. O compositor Richard Strauss repete-a na sua partitura, dando a mesma indicação não só aos cantores, como a toda a orquestra (Elektra § 56). A intenção parece--nos que é alertar para todos os envolvidos na execução da ópera que a peça, desde o seu início, é inspirada pelo sofrimento de Electra, colo-cada num ambiente hostil. O próprio coro, em Sófocles do lado da ator-mentada filha, e que suplica pela vingança e pela justiça, surge agora transfigurado num pequeno grupo de servas inimigas, que alardeiam a sua raiva pela figura que consideram antipática e maldosa. Quando em palco se mostra uma protagonista sombria, ruidosamente acompa-nhada por músicos sem medo de explorar toda a dinâmica que uma pesada orquestração permite, o sentimento a que se assiste é de raiva profunda, sublinhada pela repetição até à exaustão da palavra "Blut", sangue, e pelos gritos agudos de Electra, que vocifera o nome de seu pai. Este begeistertem Pathos não nos parece ser, como em Sófocles, uma escada da dor e do lamento, mas uma atormentada escada de sangue e de raiva. Argumento suficiente para esta afirmação é o facto de a pre-tensa morte de Orestes ser explorada algo paralelamente por Strauss e Hofmannstahl, e de a urna do irmão, que central fora na tragédia de Sófocles, estar de todo ausente nesta ópera, e igualmente o facto de toda a tensão narrativa e musical se centrar exclusivamente na identidade atormentada, irónica e raivosa de Electra, por oposição à contínua dor de lamento que na personagem grega coabita com a sua imponderada raiva27. Desde logo se torna evidente este aspecto quando se ouve, no nosso entender, o primeiro degrau da escada da vingança: o monólogo de Electra, que acaba numa fortíssima intervenção da Orquestra, triun-fal e exuberante, quando a personagem canta uma hipotética vingança. Embora a dinâmica não seja o único modo de avaliar um momento de

27 O porquê desta decisão não é o objecto deste estudo. O tema é fértil e daria com certeza azo a um texto exclusivamente centrado nesta questão. Sugerimos, a este propósito, o texto de Scott (2005), em que se exploram as leituras mais modernas de Electra em diversos autores, dando especial ênfase a Hofmannstahl e a R. Strauss. 1

clímax na música, torna-se um instrumento mais preciso do que a pura análise literária. De facto é neste momento que se ouve o todo orques-tral de Richard Strauss, composto por uma miríade de músicos, numa orquestração pesadíssima quer em termos de número, quer em termos de escrita, entoar esta dança do triunfo em fortississimo, que procura arrebatar definitivamente, e pela primeira vez, o público.

Da escada da dor de amar e da dor de odiar de Sófocles, resta ape-nas a escada do ódio e da vingança em Strauss, que assim lê o texto de Hofmannstahl. Depois deste primeiro momento de clímax, o autor do libretto continua o seu desenho da personagem Electra, sempre subli-nhada numa música "enferma", pesadamente obstinada entre Leitmotive e uma linguagem harmónica complexa, fruto de uma densidade wag-neriana e de gestos de um expressionismo avant la lettre2*. Assoma em palco uma personagem de uma ironia e de uma maldade desabrida que não tinha em Sófocles: perante o lirismo de Crisótemis, a irmã, que can-didamente fala sobre a impossibilidade de um dia vir a conhecer um marido, Electra, cáustica e má, diz que talvez os barulhos que estejam a ouvir dentro de casa sejam os preparativos de um possível casamento da irmã.

A escada da vingança sobe um novo degrau no diálogo entre Electra e Clitemnestra, de uma importância central na ópera, em que de novo se revela um lado ironicamente cruel. A mãe, tal como em Sófocles ator-mentada por pesadelos, procura a filha para que esta a ajude. Ela sugere um sacrifício. A mãe, uma personagem psicologicamente mais frágil do que a filha, não percebe que esta brinca sadicamente consigo, dialo-gando e procurando saber pormenores deste sacrifício que aplacará os deuses. O caminho musical traçado, em termos de dinâmica e de velo-cidade, tem um momento de clímax evidente, o segundo da peça, nos gritos raivosos de Electra, que depois de revelar à mãe que a oferenda aos deuses é ela mesma, Clitemnestra29, traça um negro e sanguinolento retrato do vingador, do machado, dos pormenores da execução, da ale-gria triunfante perante o terror da vítima, sacrificada segundo o tanático ritual, dos pormenores do sangue que a orquestra quase abafa na sua

28 Para uma história da recepção crítica desta ópera, cf. Gilliam 1996,1-17. 29 "This symmetry is well designed for an operatic climax: monologue (Klytãmnestra) - dialogue (Klytàmnestra and Elektra) - monologue (Elektra). Thus, as Klytãmnestra's part diminishes, Elektra's role steadily increases, reaching its climax when she declares that her mother's neck must be sacrificed" (Gilliam 1996, 39).

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magnificência dinâmica, que culmina numa nota agudíssima (Elektra § 258), um dó sobreagudo, e de um fortíssimo orquestral precedido de um patético crescendo. "Dann tráumst du nicht mehr" [depois disto não voltarás a sonhar] (Elektra § 256) é a frase climática do texto, que dá ensejo a Strauss para desenhar musicalmente a ingente raiva de uma filha atormentada pela própria ira, consumida pela dor de odiar.

Ao contrário de Sófocles, a pretensa morte de Orestes, como já dissemos, não ocupa um papel principal na poética da ópera. Não há aqui o artifício do Pedagogo que vem anunciar a morte do irmão na corrida de cavalos; a notícia surge ex abrupto, numa frase repetida da irmã Crisótemis: "Orest ist tot!" [Orestes morreu] (Elektra § 3a-4a). Mas quão diferente é a reacção desta Electra. Nega obstinadamente a reali-dade: "Niemand kann's wissen: denn es ist nicht wahr" [Ninguém o pode saber, e portanto não é verdade] (Elektra §9a-10a). Quando finalmente percebe que é verdade, não chora: antes toma a decisão de matar Egisto e a própria mãe, e para isso tenta convencer a irmã. Em Sófocles, esta formulação é mais ténue: Electra apenas quer matar Egisto. Aqui suge-re-se igualmente o matricídio. E quando Crisótemis, ao fim de compas-sos e compassos de retórica musical, se recusa, Electra grita um raivoso "Sei verflucht!" [maldita sejas] (Elektra § 108a-109a), que a didascália comenta "mit wilder Entschlossenheit" [com uma determinação selva-gem]. Selvagem energia que só é interrompida pela anagnórise, desta feita não consequência do lamento de Electra ao contemplar a falsa urna do irmão, mas assim que Orestes reconhece na atormentada figura des-conhecida a sua própria irmã - o que ao princípio lhe é custoso, e que ele próprio parece negar.

Deste momento até ao fim, a "escada" da vingança e do ódio sobe rapidamente os degraus da morte. Interessantemente, o espaço musical mais "calmo", do ponto de vista da tessitura, é dado a Orestes, acompa-nhado por um ensemble de instrumentos graves, longe da histeria orques-tral de Electra. Mesmo quando se dá a primeira morte fora do palco, a de Clitemnestra, são os gritos da filha que se ouvem, agressivamente: "[TJriff noch einmal" [Fere-a uma vez mais] (Elektra § 191a-192a). O diálogo com Egisto acentua mais uma vez a crueldade de Electra, que conduz o amante da mãe com indisfarçado júbilo à morte. Este penúl-timo degrau marca mais um momento orquestral fortíssimo, em que o público se vai sentindo cada vez mais esmagado pela dimensão cada vez

maior da orquestra, e pelos comentários de Electra à morte de Egisto: "Agamemnon hõrt dich!" [Agamémnon ouve-te!] (Elektra § 216a), frase que musicalmente sublinha um ponto culminante desta escada.

Quando tudo está consumado, e o público se sente aliviado de toda esta tensão, Richard Strauss empurra a música e a orquestra para uma dança macabra cada vez mais enérgica e pesada, de um belicismo mais sangrento do que propriamente triunfante. Dança zurzida numa Electra apopléctica, dança que acaba por ser o último degrau da escada da cólera vingativa: não a morte de Clitemnestra, não a morte de Egisto - é a imprevisível morte da própria protagonista sobre o palco30. Um momento de clímax que não é cantado: é arrancado de uma massa orquestral gigantesca, sugerido pelo gesto da actriz, recomendado mais uma vez pela didascália escrita na partitura: "Elektra liegt starr" [Electra jaz imóvel] (Elektra § 261a). Subiu-se ao último degrau da peça, encon-trou-se o seu último gesto.

Na memória de Hofmannstahl da peça de Sófocles esteve o lado mais sangrento de Electra. Strauss sublinhou-o com a agilidade de um mestre, sabiamente interpretando31 no espaço orquestral a ideia primor-dial do seu libretista: a de uma personagem neurótica, raivosa e ator-mentada, fruto de um entendimento para o qual a psicanálise freudiana sem dúvida contribuíra32. Mais do que apontar para as literais seme-lhanças ou dissemelhanças que existem entre as duas obras de arte, o presente estudo alerta para as diferentes perspectivas que os criadores tiveram perante o mesmo mito, que se reflecte na forma díspar como os momentos de clímax são dispostos. A "escada" da vingança é bem mais patente na ópera de Richard Strauss, que de certa forma vê como secun-dário o contínuo lamento de Electra. Em Sófocles, pelo contrário, apesar de haver nitidamente uma "escada" da raiva, há argumentos de peso a favor de uma "escada" paralela, mais importante para a composição e a

J° Como diz B. R. Cilliam, "[i]n ali of Strauss's fífteen operas, one can hardly imagine a more potent finalethan thelast sceneof Elektra" (1996, 206). Ou como afirma J. Scott: "Elektra's death constitutes an irreducible supplement to the fixed structure of the Attic tragedies and ignores the Aristotelian laws callingforcathartictranscendence.Thisadditionalelementofplotinnovation renders Hofmannstahl's drama in defiance of strictly defined tragic requirements. [...] Elektra's fateful end marks the com-mencement of a new era in the myth, on intimately linked to the site of its inception" (Scott 2005, 28-29). Para a função, história e estrutura da Totentanz, cf. Scott 2005, 25-43. 3' Para um estudo sobre o caminho traçado desde a peça de Hoffmanstahl até ao libretto que esteve na origem da ópera Elektra, cf. Cilliam 1996,18-48. J! Sobre o tema, cf. Scott, em particular o capítulo "From Pathology to Performance: Hugo von Hofmannstahl's Elektra and Sigmund Freud's 'Frãulein Anna O.'" (2005, 57-80).

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magnificência dinâmica, que culmina numa nota agudíssima (Elektra § 258), um dó sobreagudo, e de um fortíssimo orquestral precedido de um patético crescendo. "Dann tráumst du nicht mehr" [depois disto não voltarás a sonhar] (Elektra § 256) é a frase climática do texto, que dá ensejo a Strauss para desenhar musicalmente a ingente raiva de uma filha atormentada pela própria ira, consumida pela dor de odiar.

Ao contrário de Sófocles, a pretensa morte de Orestes, como já dissemos, não ocupa um papel principal na poética da ópera. Não há aqui o artifício do Pedagogo que vem anunciar a morte do irmão na corrida de cavalos; a notícia surge ex abrupto, numa frase repetida da irmã Crisótemis: "Orest ist tot!" [Orestes morreu] (Elektra § 3a-4a). Mas quão diferente é a reacção desta Electra. Nega obstinadamente a reali-dade: "Niemand kann's wissen: denn es ist nicht wahr" [Ninguém o pode saber, e portanto não é verdade] (Elektra §9a-10a). Quando finalmente percebe que é verdade, não chora: antes toma a decisão de matar Egisto e a própria mãe, e para isso tenta convencer a irmã. Em Sófocles, esta formulação é mais ténue: Electra apenas quer matar Egisto. Aqui suge-re-se igualmente o matricídio. E quando Crisótemis, ao fim de compas-sos e compassos de retórica musical, se recusa, Electra grita um raivoso "Sei verflucht!" [maldita sejas] (Elektra § 108a-109a), que a didascália comenta "mit wilder Entschlossenheit" [com uma determinação selva-gem]. Selvagem energia que só é interrompida pela anagnórise, desta feita não consequência do lamento de Electra ao contemplar a falsa urna do irmão, mas assim que Orestes reconhece na atormentada figura des-conhecida a sua própria irmã - o que ao princípio lhe é custoso, e que ele próprio parece negar.

Deste momento até ao fim, a "escada" da vingança e do ódio sobe rapidamente os degraus da morte. Interessantemente, o espaço musical mais "calmo", do ponto de vista da tessitura, é dado a Orestes, acompa-nhado por um ensemble de instrumentos graves, longe da histeria orques-tral de Electra. Mesmo quando se dá a primeira morte fora do palco, a de Clitemnestra, são os gritos da filha que se ouvem, agressivamente: "[TJriff noch einmal" [Fere-a uma vez mais] (Elektra § 191a-192a). O diálogo com Egisto acentua mais uma vez a crueldade de Electra, que conduz o amante da mãe com indisfarçado júbilo à morte. Este penúl-timo degrau marca mais um momento orquestral fortíssimo, em que o público se vai sentindo cada vez mais esmagado pela dimensão cada vez

maior da orquestra, e pelos comentários de Electra à morte de Egisto: "Agamemnon hõrt dich!" [Agamémnon ouve-te!] (Elektra § 216a), frase que musicalmente sublinha um ponto culminante desta escada.

Quando tudo está consumado, e o público se sente aliviado de toda esta tensão, Richard Strauss empurra a música e a orquestra para uma dança macabra cada vez mais enérgica e pesada, de um belicismo mais sangrento do que propriamente triunfante. Dança zurzida numa Electra apopléctica, dança que acaba por ser o último degrau da escada da cólera vingativa: não a morte de Clitemnestra, não a morte de Egisto - é a imprevisível morte da própria protagonista sobre o palco30. Um momento de clímax que não é cantado: é arrancado de uma massa orquestral gigantesca, sugerido pelo gesto da actriz, recomendado mais uma vez pela didascália escrita na partitura: "Elektra liegt starr" [Electra jaz imóvel] (Elektra § 261a). Subiu-se ao último degrau da peça, encon-trou-se o seu último gesto.

Na memória de Hofmannstahl da peça de Sófocles esteve o lado mais sangrento de Electra. Strauss sublinhou-o com a agilidade de um mestre, sabiamente interpretando31 no espaço orquestral a ideia primor-dial do seu libretista: a de uma personagem neurótica, raivosa e ator-mentada, fruto de um entendimento para o qual a psicanálise freudiana sem dúvida contribuíra32. Mais do que apontar para as literais seme-lhanças ou dissemelhanças que existem entre as duas obras de arte, o presente estudo alerta para as diferentes perspectivas que os criadores tiveram perante o mesmo mito, que se reflecte na forma díspar como os momentos de clímax são dispostos. A "escada" da vingança é bem mais patente na ópera de Richard Strauss, que de certa forma vê como secun-dário o contínuo lamento de Electra. Em Sófocles, pelo contrário, apesar de haver nitidamente uma "escada" da raiva, há argumentos de peso a favor de uma "escada" paralela, mais importante para a composição e a

J° Como diz B. R. Cilliam, "[i]n ali of Strauss's fífteen operas, one can hardly imagine a more potent finalethan thelast sceneof Elektra" (1996, 206). Ou como afirma J. Scott: "Elektra's death constitutes an irreducible supplement to the fixed structure of the Attic tragedies and ignores the Aristotelian laws callingforcathartictranscendence.Thisadditionalelementofplotinnovation renders Hofmannstahl's drama in defiance of strictly defined tragic requirements. [...] Elektra's fateful end marks the com-mencement of a new era in the myth, on intimately linked to the site of its inception" (Scott 2005, 28-29). Para a função, história e estrutura da Totentanz, cf. Scott 2005, 25-43. 3' Para um estudo sobre o caminho traçado desde a peça de Hoffmanstahl até ao libretto que esteve na origem da ópera Elektra, cf. Cilliam 1996,18-48. J! Sobre o tema, cf. Scott, em particular o capítulo "From Pathology to Performance: Hugo von Hofmannstahl's Elektra and Sigmund Freud's 'Frãulein Anna O.'" (2005, 57-80).

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organização do texto, que se prende com um olhar diferente sobre a dor de Electra perante a sua identidade trágica. Alertamos aqui igualmente para a necessidade hermenêutica de olhar para a estruturação da obra de arte, seja sob que forma se manifeste, procurando não "o clímax de", mas mais abrangentemente "o clímax" que toda uma peça pode eventual-mente constituir, cuja organização é sem dúvida reveladora da decisão que o seu autor tomou perante o todo e perante o tempo da sua obra.

Obras citadas Butcher, S. H. 1966 [1903], Demosthenis Orations, vol. 1. Oxford: Clarendon Press. Dain, A., e P. Mazon, eds. 1985. Sophode, vol. 2. 6.* edição. Revisão e correcção de J.

Irigoin. Paris: Les Belles Lettres. Gilliam, B. R. 1996. Richard Strausss Elektra. Oxford: Oxford University Press. Kirby, J. T., e C. Poster. 1998. Klimax. In Historisches Wõrterbuch der Rhetorik, vol. 4.

Edição de Gert Ueding. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft. Lausberg, H. 1960. Handbuch Der Literarischen Rhetorik: Eine Grundlegung Der Litera-

turwissenschaft. Munique: M. Hueber. Macleod, L. 2001. Dolos andDike in Sophokles'Elektra. Boston: Brill Academic Publishers. Ringer, M. 1998. Electra and the Empty Um. Chapei Hill: The University of North

Carolina Press. Scott, J. 2005. Electra after Freud. Ithaca: Cornell University Press. —. 2003. Tragédias. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, José Ribeiro Ferreira e

Maria do Céu Fialho. Coimbra: Minerva. Strauss, Richard. 1916. Elektra [partitura orquestral]. Berlim: Adolph Fürstner (reed.

Nova Iorque: Dover, 1990).

IV. MEMÓRIA, ORALIDADE E SABEDORIA

POPULAR

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