Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9 1 A “Epistola de Magnete”, de Petrus Peregrinus: experimento, técnica e tecnologia na construção de instrumentos magnéticos. Maria de Lourdes Bacha * João Vannucci ** Introdução O principal objetivo deste artigo é analisar a relação entre experimento, técnica e tecnologia na construção de instrumentos magnéticos, a partir da “Epistola de Magnete”, de Petrus Peregrinus. A magnetita foi registrada em trabalhos e poemas, desde Lucrécio, passando por Santo Agostinho, sem que, no entanto, houvesse a preocupação do estudo das causas do magnetismo e suas propriedades. Em 1269, Petrus Peregrinus de Maricourt fez descrição detalhada da construção de uma bússola, em forma de carta, conhecida como “Epistola de Magnete”. Seu trabalho se destacou por seu caráter experimental, tendo conseguido descobrir e provar várias características do magnetismo, além de apresentar desenhos, baseados em suas pesquisas, mostrando como construir instrumentos magnéticos. Petrus Peregrinus inovou ao teorizar os fatos observados por meio de experimentos, registrando-os em sua “Epistola de Magnete”. Embora citado e elogiado por Roger Bacon, ele foi ignorado na Europa, até que o astrônomo Willian Gilbert se referiu a ele em seu trabalho DeMagnete em 1600. No século XIX, se constituíram as noções modernas de progresso, evolução e desenvolvimento. Bernal (1973|:23) considera que este foi um período de expansão (tanto da população, como da indústria manufatureira, do comércio e do saber). Tais avanços pareciam ilimitados e foram utilizados “para apregoar a conquista de um estado de progresso universal, refletido no próprio mundo da natureza através da formulação das leis da evolução”. Com o advento do capitalismo se afirmou também a ideia de que a economia havia encontrado suas leis, “antes obscurecidas pela ignorância e pela superstição”. O liberalismo podia aspirar a uma “justa distribuição da riqueza unicamente pela ação automática das leis de mercado”. Para o autor, as estreitas relações existentes entre o progresso tecnológico e o avanço científico, que embora não se limitem a um determinado período histórico, se revestem de especial transcendência no século XIX. De acordo como Évora (1992:xv), o século XIX, como a “época de ouro” da ciência se insere historicamente em um período mais amplo que se inicia com a Revolução Francesa e se * Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Pós-doutorado História da Ciência. ** Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Doutorado História da Ciência.
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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
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08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
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A “Epistola de Magnete”, de Petrus Peregrinus: experimento, técnica e tecnologia na
construção de instrumentos magnéticos.
Maria de Lourdes Bacha*
João Vannucci**
Introdução
O principal objetivo deste artigo é analisar a relação entre experimento, técnica e tecnologia
na construção de instrumentos magnéticos, a partir da “Epistola de Magnete”, de Petrus
Peregrinus. A magnetita foi registrada em trabalhos e poemas, desde Lucrécio, passando por
Santo Agostinho, sem que, no entanto, houvesse a preocupação do estudo das causas do
magnetismo e suas propriedades.
Em 1269, Petrus Peregrinus de Maricourt fez descrição detalhada da construção de uma
bússola, em forma de carta, conhecida como “Epistola de Magnete”. Seu trabalho se destacou
por seu caráter experimental, tendo conseguido descobrir e provar várias características do
magnetismo, além de apresentar desenhos, baseados em suas pesquisas, mostrando como
construir instrumentos magnéticos.
Petrus Peregrinus inovou ao teorizar os fatos observados por meio de experimentos,
registrando-os em sua “Epistola de Magnete”. Embora citado e elogiado por Roger Bacon, ele
foi ignorado na Europa, até que o astrônomo Willian Gilbert se referiu a ele em seu trabalho
DeMagnete em 1600.
No século XIX, se constituíram as noções modernas de progresso, evolução e
desenvolvimento. Bernal (1973|:23) considera que este foi um período de expansão (tanto da
população, como da indústria manufatureira, do comércio e do saber). Tais avanços pareciam
ilimitados e foram utilizados “para apregoar a conquista de um estado de progresso universal,
refletido no próprio mundo da natureza através da formulação das leis da evolução”. Com o
advento do capitalismo se afirmou também a ideia de que a economia havia encontrado suas
leis, “antes obscurecidas pela ignorância e pela superstição”. O liberalismo podia aspirar a
uma “justa distribuição da riqueza unicamente pela ação automática das leis de mercado”.
Para o autor, as estreitas relações existentes entre o progresso tecnológico e o avanço
científico, que embora não se limitem a um determinado período histórico, se revestem de
especial transcendência no século XIX.
De acordo como Évora (1992:xv), o século XIX, como a “época de ouro” da ciência se insere
historicamente em um período mais amplo que se inicia com a Revolução Francesa e se
* Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Pós-doutorado História da Ciência. ** Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Doutorado História da Ciência.
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estende até a Primeira Grande Guerra. Essa época que teria dado origem a ciência
contemporânea, caracterizada pelo divórcio entre ciência e filosofia, “assistiu ao
desenvolvimento de métodos experimentais e matemáticos, fundados na dinâmica de Newton,
na química quantitativa de Lavoisier”. Foi marcada por “magníficos êxitos das ciências exatas
e naturais”, com aprimoramento de instrumentos de medidas de grande precisão e aplicações
técnico-industriais.
Organizam-se novos domínios da física, química e matemática, e já na primeira
metade do século XIX ocorrem importantes desenvolvimentos representados, por
exemplo, pela ascensão da teoria ondulatória da luz, do estudo da corrente elétrica
e da relação entre eletricidade e magnetismo, pelo inicio da termodinâmica e pela
determinação do principio de conservação de energia. A partir da segunda metade
do século XIX ocorre o estabelecimento da termodinâmica e da mecânica
estatística, surgem varias teorias eletromagnéticas, culminando com a descoberta
das ondas eletromagnéticas, e intensificam-se as pelicas relativas ao éter. Os
diferentes ramos da matemática têm, ao longo do século XIX, um magnifico
desenvolvimento que, juntamente com novas abordagens logicas dão origem a
matemática formalizada do século XIX (EVORA, 1992: xvi).
O século XIX se caracterizou como época de grande especialização das ciências, do
conhecimento e especialização/profissionalização dos cientistas, além de grupos de pesquisa
em laboratórios... No século XIX, a ciência ampliou sua abrangência, foram notórias as
tentativas de sistematizar as diversas áreas do saber, intensificaram-se os debates em todos os
ramos da ciência. Os assuntos de ordem científica e estética passaram a despertar o interesse
do grande público. Várias nações criaram instituições que buscavam o desenvolvimento de
estudos em prol do progresso da ciência. Nesse mesmo período, o termo “cientista” foi
cunhado. A criação de escolas técnicas no século XIX ampliou a difusão do saber científico,
gerando condições para novos avanços.
Novos fatos científicos são descobertos a cada dia em todo o mundo e eles
continuamente tornam necessário rever nossas teorias ou inventar novas. Ao mesmo
tempo, a ciência como um todo, torna-se mais completa e profunda. Desde o século
passado, a sua complexidade tem sido desenvolvida em tal grau que agora uma das
primeiras condições de um trabalho original é que seja suficientemente
especializado. A necessidade de separar as dificuldades de ordem para melhor
resolvê-las tornou cada vez mais necessária dividir o trabalho científico e esta
divisão do trabalho parece ter chegado a um clímax (SARTON, 1916:323-324).
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Portanto, é neste contexto, que se situa este trabalho.
A “Epistola de Magnete”
A “Epistola de Magnete” é datada de 1269, sendo composta de três páginas e meia, de 3.500
palavras, em letra pequena e apertada, difícil de ler e com grande número de abreviaturas.
Petrus Peregrinus foi contemporâneo de Roger Bacon, embora mais velho. Arnold (1904, p.
2) classifica-o como um homem de “cultura acadêmica, com mente mais pratica do que
especulativa”.
Roger Bacon tinha Peregrinus em alta estima, homenageou-o em seu Opus Tertium,
declarando que o mestre o havia inspirado no desenvolvimento dos meios de buscar a verdade
científica. Bacon também escreveu que Master John de Londres e Master Peter de Maricourt,
Picardia, eram os melhores matemáticos daquela época. Em outra passagem, Bacon
acrescentou que ninguém na Europa Ocidental entendia de experimentação como Master
Peter, “um homem que merece louvor nos trabalhos desta ciência (a arte de experimentar)”
(BACON, apud EISELE, 1985: 47).
Conheço apenas uma pessoa que merece elogios por seu trabalho na filosofia
experimental, pois ele não se importa com os discursos de homens e sua guerra
mundana, mas em silêncio e de forma diligente persegue as obras de sabedoria [...]
porque ele é um mestre da experiência. Por isso, ele conhece todas as ciências
naturais se pertencentes à medicina e alquimia ou a assuntos celestes e terrestres
[...] ele é hábil em agricultura e na medição de terras. Além disso, ele procura o
conhecimento para seu próprio bem ... (BACON, apud ARNOLD, 1904:3).
Pouco se sabe sobre o jovem Peregrinus. Graduou-se na Universidade de Paris, com “honras
escolásticas”. Deve seu sobrenome à pequena cidade francesa de Maricourt, na Picardia.
Quanto ao Peregrinus, o nome foi atribuído por ter visitado a Terra Santa, como membro de
uma das cruzadas da época. Dedicou-se ao estudo da mecânica, astronomia, química. Em
1269, participou do corpo de engenharia do Exercito Frances, no sitio â Lucena, no sudeste da
Itália, cidade que havia se revoltado contra o poder de Charles D’Anjou. A Peregrinus foi
dada a tarefa de fortificação do campo além da construção de maquinas para jogar pedras e
bolas de fogo na cidade sitiada (ARNOLD, 1904:3).
Foi, portanto, nesse cenário de guerra, que Peregrinus planejou o desenvolvimento de um de
mecanismo que pudesse manter a esfera astronômica de Arquimedes em rotação uniforme
durante certo período. Ao desenvolver o projeto, Peregrinus foi levado a considerar o
“fascinante problema do moto-perpétuo”. Entusiasmado, decidiu compartilhar suas
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informações com Sygerus de Foucaucourt, “amicorum intimus”. Segundo Arnold (1904: 2-4),
o fato de Sygerus não ser um homem de ciência, foi uma circunstância favorável, à qual se
deve a exposição detalhada de Peregrinus para o fenômeno do magnetismo e suas leis.
Quais seriam as contribuições desta carta? Peregrinus mostrou posições definidas nos polos
da magnetita e deu instruções para determinar qual é o norte e qual é o sul. Mostrou que polos
diferentes se atraem e polos semelhantes se repelem. Estabeleceu por experimentação que
qualquer fragmento de magnetita por menor que seja, é um ímã, antecipando algumas teorias.
Reconheceu que um polo pode neutralizar ou reverter polaridade. Rodou uma agulha
imantada cercando-a com um circulo graduado. Determinou a posição de um objeto por sua
influência magnética. Introduziu seu moto-perpétuo a ideia de um motor a ímã.
A “Epistola de Magnete”, cujo conteúdo descreve as descobertas de Petrus Peregrinus sobre
as propriedades magnéticas da magnetita, foi preservada e continua a fascinar estudiosos.
Seus ensinamentos influenciaram o pensamento de muitos em séculos posteriores (EISELE,
1985). Essa carta poderia se considerada como um dos marcos do domínio filosófico do
magnetismo, no entanto, por mais de 300 anos, permaneceu desconhecida. Em 1600, William
Gilbert (1544-1603), em “De Magnete”, se refere à carta e ao seu autor em cinco passagens
(ARNOLD, 1904; EISELE, 1985: 47).
Em 1629, o jesuíta Cabaleus o cita em “Philosophia Magnetica”; Kircher, em 1641 se refere a
ele em “De Arti Magnetica”, sem contar o plagio feito por Trainer, em 1562, em “De Natura
Magnetica”, que conseguiu relativo sucesso, demonstrando o “mérito do trabalho do qual ele
tinha se apoderado inescrupulosamente” (ARNOLD, 1904: xv).
A “Epistola de Magnete” se divide em duas partes, a primeira em 10 capítulos descreve as
propriedades gerais da magnetita e a segunda em três capítulos, explica os usos da magnetita
para a rotação contínua.
Há várias cópias manuscritas da epístola (seis na Biblioteca Blodeiana, na Inglaterra, duas no
Vaticano, uma em cada uma das bibliotecas a seguir: Trinity College, de Dublin; Biblioteca
Nacional de Paris, Bibliotecas de Leyden, Genova e Turim) (ARNOLD, 1904; ZILSEL,
1941)..
A primeira edição impressa foi preparada por Achilles Gasser, em 1558, com o tÍtulo Petri
Peregrini Maricurtensis De Magnete, Rota perpetui motus libellus, Augsburgi. Entre as
edições impressas podem-se considerar: Guillaume Libri, in Histoire des sciences
mathématique, Italia, 1838, vol 2, pp. 487–505, embora com muitos erros; Timoteo Bertelli,
in Bulletino di bibliografia e distoria delle scienze matematiche e fisiche pubblicata da B.
Boncampagni, 1868, vol 1,pp 70-80; G. Hellmann, in Neudrucke von Schriften und Karten
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über Meteorologie und Erdmagnetismus, 1898, vol 10, Berlim. A edição critica foi preparada
por Loris Sturlese, in Petrus Peregrinus de Maricourt, Opera, Pisa, 1995, pp. 63–89
(ARNOLD, 1904; ZILSEL, 1941; EISELE, 1985))..
Entre as traduções, as mais conhecidas são: Brother Arnold, 1858 (“The Letter of Petrus
Peregrinus on the Magnet, A. D. 126”, com introducao de Brother Potamian); Cavallo, 1800,
(“Teatrise on Magnetism”) e Silvano Thompson, 1902 ("Epistle of Peter Peregrinus of
Maricourt, to Sygerus of Foucaucourt, Soldier, concerning the Magnet"), Londres.
Charles Sanders Peirce e a “Epistola de Magnete”
Charles S. Peirce nasceu em 1839 em uma família ilustre de Cambridge, USA, típica da Nova
Inglaterra, descendente de puritanos. Era filho de Benjamin Peirce, um dos maiores
matemáticos americanos de seu tempo, que detinha as cadeiras de Matemática e Astronomia
em Harvard. Seu pai desempenhou papel importante em sua educação, levando-o ao estudo da
matemática e dos grandes autores, desde pequeno. Charles S. Peirce foi filósofo, matemático,
lógico, cientista e historiador da ciência.
Graduou-se em Matemática e Química em Harvard. Em 1861, começou sua nomeação como
assistente da Coast Survey, cargo no qual permaneceu durante mais 30 anos e no qual se
ocupou de trabalhos de química, astronomia, geodésica, metrologia e espectroscopia. De 1868
a 1870, foi designado para as observações no Observatório de Harvard, como assistente de
Joseph Winlock, onde lhe foi designado projeto envolvendo a preparação de um catálogo
sobre a latitude das estrelas. Mais tarde trabalhou como coordenador químico para a
companhia de eletricidade de St. Lawrence Após ter deixado U.S. Coast Survey em 1891,
Peirce esperava produzir um estudo sobre a lógica da ciência. Com isto em mente, voltou sua
atenção para a História da Ciência. Imaginava escrever uma história detalhada da ciência,
cujos detalhes foram discutidos com James Cattell (editor G.P Putnam' s and Sons) que o
convidou escrever um volume de História da Ciência para Science Series da Putnam's Sons.
Peirce recebeu um adiantamento pelo trabalho, mas não terminou a obra (EP1, 1992; EP2,
1998). Neste estudo, as obras de Peirce serão citadas obedecendo às abreviações comumente
aceitas entre seus estudiosos (CP- Collected Papers; MS manuscritos, N- Nation).
Peirce, em 1883, em viagem de pesquisas sobre medições, a cargo da U.S. Coast Survey,
achou a carta na Biblioteca Nacional de Paris, junto com outros 27 manuscritos, catalogados
como MSS latins 7378, que descreviam todos os tipos de temas científicos. Vale acrescentar
que Peirce fez a revisão da tradução de P. Fleury Mottlay para a obra de Gilbert, William
(1893), On the Load-stone and Magnetic Bodies and on the Great Magnet, the Earth: A New
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Physiology, demonstrated with many Arguments and Experiments, além de tê-la resenhado
para The Nation (N-1894-1).
Durante meses, Peirce lutou para chamar atenção dos editores, acadêmicos e público para sua
transcrição e publicação em inglês, embora sem sucesso. Em maio de 1883, numa carta a seu
irmão James, Peirce menciona que estava transcrevendo a “Epistola de Magnete” e que esta
seria “pequena interessante contribuição para a História da Ciência e para a História da Idade
Média”. Ao transcrever e traduzir a carta, Peirce planejava uma obra sobre o magnetismo no
século XIII.
Espero que minha edição de Petrus Peregrinus possa vender bem. É verdade que
ele é pouco conhecido, no momento, mas espero que meu prospecto possa fazer algo
sobre isto. Gilbert fala dele como uma espécie de Galileu, o que é extravagante. Ele
é sim uma espécie de Faraday. [...] não podemos deixar de confessar que no que
restou do original há suficiente motivo para justificar a admiração (Letter to James,
Milford, PA, 1893 Oct 9, apud EISELE, 1985:45).
Mas, por que e como Peirce foi atraído naquela época para este documento? Como hipóteses
poder-se-iam pensar inicialmente em algumas de suas tarefas ao trabalhar como assistente na
U.S Coast and Survey com medições e pêndulos; ou em seu interesse em História da Ciência
(estava planejando um livro), ou no foco de Peirce pela lógica e métodos, interesse estimulado
pelos convites recebidos para ministrar palestras em Harvard em 1869 e em 1892, no Lowell
Institute sobre História da ciência. Outra hipótese seria seu acesso a inúmeras coleções
científicas, como consultor, na compra de obras raras, para George A. Plimpton, da Plimpton
Colection, Low Library at Columbia University. Vale destacar o provável conhecimento que
Peirce tinha do trabalho de Peregrinus, a partir da obra de E. Charles sobre Roger Bacon,
como também porque possivelmente haveria uma cópia da transcrição de Guillaume Libri na
biblioteca de seu pai. Não se pode deixar de considerar que em função do trabalho como
consultor, parece plausível aventar que Peirce estivesse a par da importância do trabalho de
Peregrinus sobre magnetismo, mas havia um interesse ligado também ao desenvolvimento
industrial.
Ciência e tecnologia não caminharam juntas desde o início da revolução industrial do final do
século XVIII. As duas começam a ter um relacionamento mais estreito somente a partir do
segundo quarto do Século XIX.
Quando o físico francês Sadi Carnot (1776-1832) publicou seu estudo sobre a lei da
termodinâmica, que explicava porque o calor gerado poderia se transformar em movimentos
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mecânicos, já fazia alguns anos que as máquinas térmicas estavam em uso na Inglaterra.
Graças ao inglês James Watt (1736-1810), que fez estudos e experimentos na antiga máquina
atmosférica de Thomas Newcomem aperfeiçoando-a, levando assim a criação do motor a
vapor. É sabido que ele teve uma influencia muito grande de Joseph Black (1728-1799), o
formulador da teoria do calor latente, mas, este engenho que viria a se tornar o motor da
revolução industrial inglesa, foi alcançado mais graças ao emprego de técnicas construtivas
cada vez melhores, obtidas por sucessivos experimentos de tentativas e erros, do que pela