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DOCUMENTOS
ConclioVaticano II A doutrina social
da Constituio Pastoral"Gaudium et Spes"
1. Na sua ltima congregao geral, em 6 de Dezembro de1965, o
Conclio Vaticano II aprovou, globalmente, um documento,at ento
comummente conhecido por esquema XIII, que a partirdesse voto ficou
transformado em Constituio Pastoral sobre aIgreja no Mundo deste
Tempo. Promulgada pelo Papa, conjunta-mente com os Padres
Conciliares, no dia seguinte, 7 de Dezembro,aps uma derradeira
votao em que se registaram 2309 votosfavorveis, 75 contrrios e 7
nulos, essa Constituio abre pelaspalavras Gaudium et Spes, que
doravante, de acordo com a tradi-o eclesistica, a designaro
correntemente.
Trata-se de um longo documento, que abrange 93 artigos, nasua
quase totalidade subdivididos em diversos pargrafos. Asmatrias nele
abordadas encontram-se repartidas de acordo como seguinte plano
geral:
Antelquio Exposio Preliminar: A Condio Humana no Mundo
de Hoje l.a Parte: A Igreja e a Vocao Humana
Cap. I: A Dignidade da Pessoa HumanaCap. II: A Comunidade
HumanaCap. III: A Actividade Humana no UniversoCap. IV: O Papel da
Igreja no Mundo deste Tempo
2.a Parte: Sobre alguns Problemas mais UrgentesCap. I: Dignidade
do Casamento e da FamliaCap. II: A Elevao da CulturaCap. III: A
Vida Econmico-socialCap. IV: A Vida da Comunidade Poltica
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Cap. V: A Defesa da Paz e a Construo da Comuni-dade das Naes
Concluso.
2. A Exposio Preliminar descreve alguns traos funda-mnetais do
mundo actual, tais como o Conclio os encarou, isto :define a
perspectiva em que os Padres Conciliares se situaram,relativamente
actual evoluo da humanidade e aos problemasque nessa evoluo se
levantam. A l.a Parte expe os princpios,conceitos e valores
fundamentais de uma concepo o mundo, dasociedade e do homem; mais
precisamente, explicita o significadoreligioso e humanstico
essencial, atribudo pelo Conclio men-sagem crist, em funo do mundo
contemporneo. A 2.a Parteaplica os princpios, conceitos e valores,
anteriormente expostos,a um certo nmero de problemas actuais,
considerados maisurgentes problemas da vida familiar, da vida
cultural, da vidaeconmico-social, da vida poltica e da vida
internacional.
No se justificaria, decerto, e de qualquer modo no seriapossvel,
publicar nesta Revista uma traduo integral de to amplodocumento,
que na verdade excede, pela extenso, perspectiva enatureza de
muitas das questes nele tratadas, o mbito das preo-cupaes e o plano
de interesses do Gabinete de InvestigaesSociais. Porm, uma vez que
a definio dos problemas sociais,em qualquer sociedade, fortemente
influenciada pelas concepese atitudes doutrinais que, nessa
sociedade, desfrutam de audinciacolectiva, e dado que a chamada
doutrina social da Igreja certa-mente dispe em Portugal de
considervel receptividade, enten-deu-se que o prprio interesse do
Gabinete por aqueles problemasconstitua razo bastante para a
publicao de alguns extractosde Gaudium et Spes. Seleccionaram-se,
pois, os que mais directa-mente se prendem com os temas de que o
Gabinete se ocupa e pro-moveu-se a sua traduo. Sem dificuldades, a
escolha recaiu sobrea Exposio preliminar e sobre o Captulo III da
2.a Parte: A vidaeconmico-social.
3. A traduo foi efectuada no Gabinete, sobre a versofrancesa
estabelecida por iniciativa (e pode quase dizer-se: sob
aresponsabilidade) do Episcopado de Frana. A rigorosa fiedigni-dade
dessa verso garantida pela circunstncia de ter beneficiadoda
assistncia de Mons. HAUBTMANN, que desempenhou papel fun-damental
na redaco do texto latino.
Conservou-se, na verso em portugus, seguidamente apresen-tada, a
numerao original dos artigos, pargrafos e notas. Pre-tendeu-se,
assim, tornar possvel efectuar eventuais citaes apartir deste texto
portugus, segundo a melhor norma para acitao de documentos desta
natureza (designao corrente do
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documento neste caso: Gaudium et Spes> seguida do nmerodo
artigo e do nmero do pargrafo).
Em prximo nmero, Anlise Social publicar alguns comen~trios aos
textos ora traduzidos.
CONSTITUIO PASTORAL GAUDIUM ET SPES(Extractos)
I
A CONDIO HUMANA NO MUNDO DE HOJE
4. Esperanas e angustias 1. Para bem cumprir a tarefa que lhe
cabe, a Igreja deve
perscrutar incessantemente os sinais dos tempos e interpret-los
luz do Evangelho, de modo a poder responder, por forma adap-tada a
cada gerao, s eternas interrogaes dos homens quantoao sentido da
sua vida presente e futura e quanto s suas mtuasrelaes. Importa,
pois, conhecer e compreender este mundo emque vivemos, suas
espectativas e aspiraes, e o carcter por vezesdramtico de que estas
se revestem. Eis seguidamente, tais comonos possvel esbo-los,
alguns traos fundamentais do mundoactual.
2. O gnero humano vive hoje uma nova idade da sua his-tria,
caracterizada por profundas e rpidas transformaes, que,a pouco e
pouco, se estendem a todo o globo. Transformaes queo homem, pela
sua inteligncia e actividade criadora determina,mas que sobre ele
se reflectem, nos seus juzos, nas suas aspira-es individuais e
colectivas,, nos seus modos de pensar e de agir,quer em relao s
coisas, quer em relao aos seus semelhantes.A tal ponto que nos j
possvel falar de uma verdadeira meta-morfose social e cultural,
cujos efeitos se repercutem na prpriavida religiosa.
3. Como qualquer outra crise de crescimento, uma tal
trans-formao no ocorre sem grandes dificuldades. Assim, ao passoque
o poder do homem to largamente se acrescenta, nem sempreconsegue
control-lo. No esforo de mais profundamente penetrarnas mais
recnditas zonas do seu ser, quantas vezes manifesta,acerca de si
mesmo, maior incerteza. Conhece pouco a poucq, ecada vez com maior
clareza, as leis da vida social, mas hesitaquanto orientao a
imprimir-lhe.
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4. Jamais o gnero humano possuiu tantas riquezas,
tantaspossibilidades, tamanho poderio econmico; e, no entanto,
umaparte considervel dos habitantes da Terra padece ainda a fomee a
misria e toda uma multido de seres humanos nem sequersabe ler e
escrever. Jamais os homens possuram um to vivo sen-tido da
liberdade; mas, simultaneamente, novas formas surgemde servido
social e psquica. No prprio momento em que o mundotoma vigorosa
conscincia da sua unidade e da dependncia rec-proca de todos numa
necessria solidariedade, ei-lo violentamentedividido pela oposio de
foras que se entrechocam: rduasdissenes polticas, sociais,
econmicas, raciais e ideolgicas per-sistem ainda e o perigo duma
guerra, de consequncias terrveis,subsiste. Aumenta a permuta de
ideias; mas as prprias palavras,utilizadas para exprimir conceitos
de importncia fundamental,revestem-se de acepes diferentes,
conformes diversidade dasideologias. Finalmente, procura-se
aturadamente uma organizaotemporal mais perfeita sem que este
progresso se acompanhe deidntico surto espiritual.
5. Marcados por uma situao a tal ponto complexa, muitosso os
homens do nosso tempo a quem difcil discernir quaisos valores
permanentes; simultaneamente, no lhes possvel har-moniz-los com as
descobertas recentes. Tomados de ansiedade,interrogam-se, num misto
de esperana e angstia, acerca daevoluo actual do mundo. Esta,
desafiando o homem, obriga-osimultaneamente a procurar-lhe
resposta.
5. Uma profunda mutao
1. A presente alterao dos modos de pensar e a transfor-mao das
condies de vida encontram-se ligadas a uma globalmutao que tende,
nos aspectos de formao intelectual, para apredominncia das cincias
matemticas, naturais ou humanas e,nos aspectos de aco, para a
predominncia da tcnica, de basecientfica. O esprito cientfico
introduziu modificaes profundasna cultura e nos modos de pensar. Os
progressos da tcnica voat ao ponto de transformar a face da Terra e
lanam-se j conquista do espao.
2. A inteligncia humana domina tambm, de certo modo,o prprio
tempo; o passado, pelo conhecimento histrico; o futuro,pela
prospectiva e pela planificao. Os progressos das cinciasbiolgicas,
psicolgicas e sociais, no s permitem ao homem ummelhor conhecimento
de si prprio, como lhe fornecem meios de
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exercer influncia directa sobre a vida das sociedades,,
medianteutilizao de tcnicas adequadas. Simultaneamente, a
humanidadebusca, por forma cada vez mais generalizada, prever e
controlaro seu prprio desenvolvimento demogrfico.
3. A histria progride to rapidamente, que se torna dif-cil
seguir o seu movimento. O destino da comunidade humanaunifica-se,
deixando de se diversificar em histrias nacionais sepa-radas. O
gnero humano passa, em suma, de uma noo estticada ordem das coisas,
a uma concepo mais dinmica e evolutiva,o que d origem a toda uma
incomensurvel problemtica nova,que incita a novas anlises e novas
snteses.
6. Transformaes na ordem social
1. Surgem,, simultaneamente, alteraes cada vez mais im-portantes
nas comunidades locais tradicionais (famlias patriar-cais, clans,
tribos, aldeias), nos diferentes grupos e nas relaessociais.
2. Desenvolve-se a pouco e pouco uma sociedade de
tipoindustrial, que conduz certos pases a uma economia de opulnciae
transforma radicalmente as concepes e as condies secula-res da vida
em sociedade. Do mesmo modo, a civilizao urbanae a atraco por ela
exercida intensificam-se, quer pela multipli-cao das cidades e dos
seus habitantes, quer pela extenso domodo de vida urbano ao prprio
mundo rural.
3. Novos meios de comunicao social, cada vez mais
aper-feioados,, favorecem o conhecimento dos acontecimentos e a
difu-so extremamente rpida e universal das ideias e dos
sentimentos,suscitando assim numerosas reaces em cadeia.
4. No se pode tambm ignorar que numerosos so oshomens que,
levados por mltiplos motivos emigrao, por issomesmo modificam o seu
modo de vida.
5. Em suma, as relaes do homem com os seus semelhan-tes
multiplicam-se incessantemente e a prpria socializao dorigem a
novos laos, sem que porm seja sempre favorecido, comodeveria s-io,
o pleno desenvolvimento da pessoa e das relaesverdadeiramente
pessoais, isto : a personalizao.
6. Sem dvida, esta evoluo manifesta-se sobretudo nos
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pases que beneficiam j das vantagens do progresso econmico
etcnico; mas surge tambm nos povos em vias de desenvolvimento,que
aspiram a dotar os seus pases dos benefcios da industriali-zao e da
urbanizao. Tais povos, sobretudo se possuem tradi-es mais antigas,
sentem, simultaneamente, que lhes necessrioexercer a sua liberdade
de maneira mais adulta e mais pessoal.
7. Transformaes psicolgicas, morais e religiosas
1. A transformao das mentalidades e das estruturas con-duz
muitas vezes a uma contestao dos valores tradicionais,
parti-cularmente pelos jovens, que, frequentemente, no suportam a
suacondio. Mais ainda: por um lado, a inquietao gera neles
arevolta; mas, por outro lado, conscientes da sua importncia navida
social, desejam assumir o mais cedo possvel as suas
respon-sabilidades. Eis por que no raro que os pais e os
educadoresexperimentem dificuldades crescentes no desempenho das
suasfunes.
2. Os quadros de vida, as leis, os modos de pensar e desentir,
herdados do passado, nem sempre parecem adequados aoactual estado
de coisas; donde, a instabilidade de certos compor-tamentos e, por
vezes, das prprias normas de conduta.
3. Finalmente, as novas condies afectam a prpria vidareligiosa.
Por um lado, o surto do esprito crtico purifica-a deuma certa
concepo mgica do mundo e de determinados resduossupersticiosos,
exigindo uma adeso f cada vez mais pessoale activa; numerosos so
assim aqueles que atingem um sentidomais profundo de Deus. Por
outro lado, as multides que se afas-tam, na prtica, da religio so
cada vez mais numerosas. RecusarDeus ou a religio, no ter
preocupaes a tal respeito, deixou deser, como outrora, um acto
excepcional, restrito a apenas algunsindivduos; com efeito, hoje,
tal comportamento frequentementeapresentado como uma exigncia do
progresso cientfico ou de al-gum novo humanismo. Em numerosas
regies, esta negao ouindiferena no se exprime apenas em nvel
filosfico; afecta igual-mente e em grande extenso a literatura, a
arte, a interpretaodas cincias humanas e da histria e a prpria
legislao: daa perturbao de muitos.
8. Os desequilbrios do mundo moderno
1. Uma evoluo to rpida, realizando-se frequentemente
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por forma desordenada, e, mais ainda, a tomada de
conscincia,progressivamente mais aguda, das divises de que o mundo
sofre,engendram ou agravam contradies e desequilbrios mltiplos.
2. Ao nvel da prpria pessoa,, surge frequentemente
umdesequilbrio entre a inteligncia prtica moderna e um pensa-mento
especulativo que se mostra incapaz de dominar a massados seus
conhecimentos e de os ordenar em snteses satisfatrias.Desequilbrio
igualmente entre a preocupao da eficcia concretae as exigncias da
conscincia moral, e, no menos frequente*mente, entre as condies
colectivas da existncia e as exignciasdo pensamento pessoal ou da
contemplao. Desequilbrio, final-mente, entre a especializao da
actividade humana e uma visoglobal da realidade.
3. No interior das famlias, aparecem tenses devidas, quera
condies demogrficas,, econmicas e sociais difceis, quer aconflitos
de geraes, quer ainda s novas relaes sociais quese estabelecem
entre o homem e a mulher,
4. Desequilbrios graves surgem tambm entre as raas,entre as
diversas categoriais sociais, entre pases ricos, menosricos e
pobres; finalmente, entre as instituies internacionais,nascidas da
aspirao dos povos paz, e as propagandas ideol-gicas ou os egosmos
colectivos que se manifestam no seio dasnaes e dos outros
grupos.
5. Da resultam desconfianas, inimizades, conflitos e des-truies,
de que o homem , simultaneamente, causador e vtima.
9. A universalizao das aspiraes do gnero humano
1. Cresce, entretanto, a convico de que o gnero humanopode e
deve, no apenas reforar a sua capacidade de dominar acriao, mas
tambm instituir uma ordem poltica, social e econ-mica
progressivamente mais apta para servir o homem e que per-mita a
cada indivduo e a cada grupo afirmar e desenvolver a suadignidade
prpria.
2. Nascem da as vigorosas reivindicaes de muitos que,claramente
conscientes das injustias e desigualdades na distribui-o dos bens,
se consideram lesados. Os pases em vias e desenvol-vimento, como
por exemplo aqueles que recentemente alcanarama independncia,
desejam participar nos benefcios da civilizao
m
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moderna, tanto no plano econmico, como no plano poltico,e
desempenhar livremente o seu papel na cena mundial. Porm,entre
estes pases e os mais ricos, cujo desenvolvimento se revelamais
rpido, o desnvel torna-se cada vez maior, bem como,
fre-quentemente, a dependncia, compreendendo a dependncia
econ-mica. Os povos da fome interpelam os povos da opulncia.
Asmulheres, nos pases onde ainda no a obtiveram, reclamam aparidade
de direito e de facto com os homens. Os trabalhadores,da indstria e
dos campos, desejam no apenas ganhar a vida,mas desenvolver a sua
personalidade atravs do trabalho, ou me-lhor: participar na
organizao da vida econmica, social, polticae cultural. Pela
primeira vez na histria, a humanidade inteirano mais hesita em
acreditar que os benefcios da civilizaopodem e devem realmente
estender-se a todos os povos.
3. Subjacente a todas estas reivindicaes, oculta-se, porm,uma
aspirao mais profunda e mais universal: as pessoas e osgrupos tm
sede de uma vida plena e livre, duma vida digna dohomem, servida
por todas as imensas possibilidades que lhes ofe-rece o mundo
actual. As naes, por seu lado, realizam corajososesforos para
atingir uma certa forma de comunidade universal-
4. O mundo moderno surge-nos, assim, ao mesmo tempopoderoso e
frgil, capaz do melhor como do pior; os caminhosque se lhe abrem
para o futuro so igualmente os da liberdadee os da servido, os do
progresso e os da regresso,, os da fraterni-dade e os do dio. Por
outro lado, o homem toma conscincia de quedele depende a orientao
das foras cujo movimento desencadeou,mas que o podem ou esmagar ou
servir. Eis por que se interrogaa si prprio.
10. As interrogaes profundas do gnero humano
1. Os desequilbrios do mundo moderno encontram-se, comefeito,
ligados a um outro desequilbrio mais fundamental, enrai-zado no
prprio corao do homem. , na verdade, no ntimo do ho-mem que se
trava o combate entre diversos elementos contrrios.Por um lado,
como criatura, faz a experincia dos seuvS mltiploslimites; por
outro lado, sente-se ilimitado nos seus desejos e cha-mado a uma
vida superior. Solicitado de tantas maneiras, v-seincessantemente
forado a escolher e a renunciar. Fraco e pecador,faz frequentemente
o que no quer e no faz o que quereriafazer1. Em suma, a diviso
encontra-se nele prprio e causa
i Cf. Rom., 7, 14 s.
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de que surjam, no seio da sociedade, tantas e to graves
discr-dias. Sem dvida que muitos so aqueles cuja vida, impregnadade
materialismo prtico, os leva a alhear-se duma clara percep-o desta
situao dramtica; ou os que, esmagados pela mis-ria, permanecem
incapazes de a aperceber. Outros, em grandenmero, julgam encontrar
a tranquilidade em diversas explica-es do mundo que lhes so
propostas. Outros ainda confiam tosomente no esforo do homem para
atingir a plena e autntica liber-tao do gnero humano e persuadem-se
de que o reino vindourodo homem sobre a Terra responder a todas as
suas aspiraes.H ainda aqueles que, desesperando do sentido da vida,
exaltamos audaciosos que, tendo a vida humana, por desprovida em si
mes-ma de qualquer significao, tentam conferir-lha, mas
fundadosapenas na sua inspirao. , porm, cada vez maior o nmero
dosque, em face da actual evoluo do mundo, se interrogam acercadas
questes mais fundamentais ou que, pelo menos, delas se aper-cebem
com nova acuidade. Que o homem? Que significam osofrimento, o mal,
a morte, que subsistem apesar de tantos pro-gressos? Para qu tais
vitrias, se pagas a um tal preo? Quepode o homem oferecer
sociedade? Que lhe possvel esperardela? Que o espera depois da
morte?
2. A Igreja cr que o Cristo, morto e ressuscitado por to-dos,
oferece ao homem, por intermdio do seu Esprito, luz e for-as que
lhe permitem responder sua mais alta vocao. Cr queno existe sobre a
Terra outro nome do qual se possa esperar sal-vao. Cr que a chave,
o centro e o fim de toda a histria humanase encontram no seu Senhor
e Mestre. Afirma ainda que, por sobtodas as transformaes, muitas
coisas permanecem, cujo funda-mento ltimo se encontra em Cristo, o
mesmo ontem, hoje e sem-pre. Eis por que, luz de Cristo, imagem de
Deus invisvel, pri-mognito de toda a criatura, o Conclio pretende
dirigir-se a todos,a fim de aclarar o mistrio do homem e auxiliar o
gnero humanona busca de soluo para os problemas maiores do nosso
tempo.
II
A VIDA ECONMICO-SOCIAL
63. Alguns aspectos da vida econmica
1. Tambm na vida econmico-social, necessrio consa-grar e
promover a dignidade da pessoa humana, a sua vocao
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integral e o bem da sociedade no seu conjunto. O homem , na
ver-dade, o autor, o centro e o fim de toda a vida
econmico-social.
2. Como todo e qualquer outro domnio da vida social,a economia
moderna caracteriza-se por um poderio crescente dohomem sobre a
natureza, pela multiplicao e intensificao dasrelaes e das
interdependncias entre indivduos, grupos e povose pela maior
frequncia das intervenes do poder poltico. Simul-taneamente, o
progresso nas formas de produo e na organizaodas trocas de bens e
servios transformou a economia num instru-mento apto a satisfazer
de modo mais adequado as acrescidasnecessidades da famlia
humana.
3. Os motivos de inquietao no escasseiam, porm. Mui-tos
indivduos, sobretudo nas regies do mundo
economicamentedesenvolvidas, parecem encontrar-se como que
dominados peloeconmico: quase toda a sua existncia pessoal e social
se encon-tra imbuda de um certo economismo, e isso verifica-se
tanto nospases favorveis economia colectivista como nos outros.
Nummomento em que o desenvolvimento da economia, orientado e
coor-denado de maneira racional e humana, permitiria atenuar as
desi-gualdades sociais, verifica-se muito frequentemente o
agrava-mento destas e mesmo, em certos casos, a regresso das
condiessociais dos mais dbeis e o desprezo dos pobres. Enquanto
quemultides imensas sofrem ainda a privao do estritamente
neces-srio, uma pequena minoria, mesmo nas regies menos
desenvol-vidas, vive na opulncia e no incontado desperdcio. O luxo
cami-nha a par da maior misria. Ao passo que um pequeno nmero
deindivduos dispe dum muito amplo poder de deciso, numerososso os
que se encontram privados de quase toda a possibilidade
deiniciativa pessoal e de responsabilidade, continuando ainda,
fre-quentemente, presos a condies de vida e de trabalho indignasda
pessoa humana,
4. Existem anlogos desequilbrios econmicos e sociaisentre o
sector agrcola, o sector industrial e os servios, como tam-bm entre
as diversas regies de um mesmo pas. Entre as naeseconomicamente
mais desenvolvidas e as restantes, manifesta-se,uma oposio cada vez
mais aguda, que susceptvel de fazer peri-gar a prpria paz
mundial.
5. Os homens do nosso tempo apercebem-se, cada vez
maisvivamente, destas disparidades e esto convictos de que as
novastcnicas e a maior abundncia de recursos econmicos, de que
oinundo dispe, poderiam e deveriam corrigir este lamentvel
estado
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de coisas. Mas para que tal objectivo possa ser atingido, so
neces-srias numerosas reformas na vida econmico-social; e
tambmnecessria uma geral reconverso das mentalidades e das
atitudes.Com esta finalidade, a Igreja, no decorrer dos sculos,
explicitou, luz do Evangelho, princpios de justia e equidade que a
rectarazo exige, tanto no que se refere vida individual e social,
comono atinente vida internacional; por ela foram proclamado,
sobre-tudo no ltimos tempos. Tendo em conta a presente situao,
oConclio entende dever confirm-los e indicar algumas
orientaes,atendendo particularmente s exigncias do
desenvolvimentoeconmico 1.
SECO 1
O DESENVOLVIMENTO ECONMICO
64. O desenvolvimento econmico ao servio do homem
Hoje mais do que nunca, para enfrentar o aumento da popu-lao e
responder s aspiraes mais amplas do gnero humano,procura-se
justamente elevar o nvel da produo agrcola e indus-trial, assim
como o volume dos servios oferecidos. Eis por que setorna necessrio
encorajar o progresso tcnico, o esprito de ino-vao, a criao e o
desenvolvimento de empresas, a adaptao dosmtodos, os esforos
continuados de todos aqueles que participamna produo, isto , numa
palavra, tudo o que pode contribuirpara o desenvolvimento. O
objectivo fundamental de um tal incre-mento da produo no , porm,
apenas a multiplicao dos bens,nem o lucro ou o poderio; o servio do
homem, de todo o homem,segundo a hierarquia das suas necessidades
materiais e das exi-gncias da sua vida intelectual, moral,
espiritual e religiosa; detodo o homem, e tambm de todos os grupos
de homens, sem dis-tines de raa ou de continente. por este motivo
que a actividadeeconmica^ , conduzida segundo os seus mtodo e leis
prprias,deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral2, a fim
decorresponder aos desgnios de Deus a respeito da humanidade3.
1 Cf. Pio XII, Mensagem de 23 de Maro de 1952: A.A.8., XLIV
(1952),p. 273; Joo XXHI, Aloc o aos A.C.L.I., 1 de Maio de 1959:
A.A.S., LI(1959), p. 358.
2 Cf. Pio XI, enccl. Quadragsimo Anno: A.A.8., XXIII (1931),p.
190 s,; Pio x n , Mensagem de 23 de Maro de 1952: A.A.8., XLIV
(1952),p. 276 s.; Joo XXin, enccl. Mater et Magistra: A.A.8., LIII
(1961), p. 450;H Conclio do Vaticano, decreto Inter mirifiica. cap.
I, n.2 6: A.A.8., LVI(1964), p. 147.
s Cf. Mat. 16, 26; Lua, 16, 1-31; Col., 3, 17.
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65. Controle do homem sobre o desenvolvimento econmico
1. O desenvolvimento deve permanecer sob o controle dohomem. No
deve ser entregue ao arbtrio dum pequeno nmerode indivduos ou de
grupos detentores de um poderio econmicoexcessivo, nem ao da
sociedade poltica ou ao de algumas naesmais poderosas. Convm, pelo
contrrio, que o maior nmero pos-svel de indivduos, em todo os
nveis, e, no plano internacional,o conjunto das naes, possa tomar
parte activa na sua orienta-o. igualmente indispensvel que as
iniciativas espontneas dosindivduos e das suas livres associaes
sejam coordenadas com aaco dos poderes pblicos e mutuamente
ajustadas e harmoniza-das.
2. O desenvolvimento no pode ser confiado, nem ao sim-ples jogo
quase automtico da actividade econmica dos indiv-duos, nem
exclusivamente aos poderes pblicos. Importa, por con-seguinte,
denunciar os erros das doutrinas que se opem s refor-mas
indispensveis, em nome duma falsa concepo da Uberdade,bem como os
das doutrinas que sacrificam os direitos fundamen-tais das pessoas
e dos grupos organizao colectiva da produ-o4.
3. Por outro lado, os cidados devem ter presente comoseu direito
e dever (e o poder civil deve reconhec-lo) contribuir, deacordo
ccxm as suas possibilidades, para o verdadeiro progresso
dacomunidade a que pertencem. Sobretudo nos pases em vias
dedesenvolvimento, nos quais a utilizao de todos os recursos
dispo-nveis se impe com carcter de urgncia, aqueles que
mantmimprodutivos os seus recursos atentam gravemente contra o
bem--comum; e o mesmo se pode dizer salvaguardando, porm, o
di-reito pessoal de migrao daqueles que privam a sua comuni-dade
dos meios materiais e espirituais de que ela necessita.
66. necessrio pr termo s imensas disparidades
econmico--sociais
1. Para corresponder s exigncias da justia e da equi-dade,
necessrio um esforo vigoroso, que leve em conta osdireitos pessoais
e o carcter prprio de cada povo, no sentido de
4 Cf. Leo XIII, emccl. Liberta, 20 de Junho de 1888: A.A.S.,
XX,1887-1888, p. 597 s.; Pio XI, enccl. Quadragsimo Anno: A.A.8.,
XKIU(1931), p. 191 i\; idem, Divini Redemptoris: A.A.8., XXXIX
(1937), p. 655;Pio Xn, Mensagem de Natal de 1941: A.A&., XXXIV
(1942), p. 10 s.;Joo XXIII, encicl. Mater et Magistra: A.A.8., LIII
(1961), p. 401-464.
sss
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fazer desaparecer, o mais rapidamente possvel, as enormes
desi-gualdades econmicas que se acompanham de discriminaes
indi-viduais e sociais; nos nossos dias, tais desigualdades, no s
exis-tem, como frequentemente se agravam. Do mesmo modo, em mui-tas
regies, dadas as especiais dificuldades da produo e comer-cializao
no sector agrcola, importa auxiliar os agricultores aaumentar a sua
produo e a vend-la, assim como a efectuaras transformaes e inovaes
indispensveis, a fim de que, final-mente, possam obter um
rendimento equitativo; de contrrio,continuaro a ser, como demasiado
frequentemente acontece, cida-dos de segundo plano. Por seu lado,
os agricultores, sobretudo osjovens, devem dedicar-se com energia
ao aperfeioamento da suaformao profissional, sem a qual a
agricultura no poderia pro-gredir 5.
2. Do mesmo modo, a justia e a equidade exigem que amobilidade,
necessria s economias em progresso, seja orientadapor forma a
proteger os indivduos e as suas famlias de condiesde vida instveis
e precrias. Em especial, dever ser evitada todae qualquer espcie de
discriminao, em matria de remuneraoou de condies de trabalho,
contra o trabalhadores que, prove-nientes doutros pases ou doutras
zonas, contribuem para o desen-volvimento econmico de um
determinado povo ou duma certaregio. Todos os membros da sociedade
e, em particular, os pode-res pblicos, devem considerar esses
emigrantes como pessoas eno como um simples factor de produo,
facilitando a presenajunto deles das suas famlias, auxiliando-os na
procura de aloja-mentos convenientes e favorecendo a sua integrao
na vida socialdo pas ou da regio em que se encontram. Na medida do
possvel,deve-se, porm, criar-lhes novas ocupaes nas suas prprias
re-gies de origem.
3. Nas economias actualmente em fase de transio, assimcomo nas
novas formas da sociedade industrial, caracterizadasnomeadamente
pelos progressos da automao, torna-se necessrioter a preocupao de
assegurar a cada indivduo, no s um em-prego suficiente e adequado,
como tambm a possibilidade dumaconveniente formao tcnica e
profissional. Devem garantir-seainda meios de existncia e dignidade
humana queles que, sobre-tudo por motivo de doena ou de idade
avanada, se encontramem situao mais difcil.
5 Sobre os problemas agrcolas, cf. sobretudo Joo XXm, enccl.
Materet Magistra: A.A.8., LIH (1961), p. 431 s.
8S
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SECO 2
PRINCPIOS DE ORIENTAO PARA O CONJUNTODA VIDA ECONMICO-SOCIAL
67. Trabalho, condies de trabalho, tempos livres
1. O trabalho dos homens, aquele que se exerce na pro-duo e
troca de bens e na prestao de servios econmicos, temprimazia sobre
todos os outros elementos da vida econmica, queapenas assumem valor
de instrumentos.
2. Com efeito, o trabalho, quer autnomo, quer prestadomediante
contrato a um empresrio, procede directamente da pes-soa humana: de
certo modo, esta impe natureza a sua marca esubmete-a aos seus
desgnios. Pelo seu trabalho, o homem assegurahabitualmente a sua
subsistncia e a da sua famlia, associa-seaos seus irmos e
presta-lhes servio, pode praticar uma verda-deira caridade e
cooperar no completamente da criao divina.Mais ainda: pela
homenagem prestada a Deus mediante o seu tra-balho, o homem
associa-se obra redentora de Jesus Cristo, oqual, trabalhando com
suas prprias mos em Nazar, conferiuao trabalho uma eminente
dignidade. De tudo isto decorrem, paratodos os homens, o dever de
trabalhar lealmente e o direito aotrabalho. Em funo das
circunstncias concretas, a sociedadedeve, por seu lado, auxiliar os
cidados, oferecendo-lhes adequadaspossibilidades de emprego.
Finalmente, tendo em conta as funese a produtividade de cada um, a
situao da empresa e o bem-comum, a remunerao do trabalho deve
assegurar ao homem re-cursos que lhe permitam, e sua famlia, o
acesso a uma vidadigna no plano material, social, cultural e
espiritual6.
3. Uma vez que a actividade econmica, na maior partedos casos,
resulta do trabalho associado dos homens, injusto edesumano
organiz-la e orden-la em detrimento dos trabalha-dores, quaisquer
que sejam. Ora, demasiado frequente, mesmonos nosso dias, que
aqueles que trabalham se encontrem de certomodo sujeitos a uma
servido ao seu prprio trabalho; as cha-
e Cf. Leo Xirt, enccl. Rerum Novarum: A.A.8., XXII
(1890-1891),p. 469, p. 662; Pio XI, enccl. Quadragsimo Anno:
A.A.8., XXIII (1931),p. 200-201; idem, ejnccl, Divini Redemptors:
A.A.8., XXIX (1937), p. 92;Pio XII, Mensagem radiofnica do Natal de
1942: AJL.8., XXXV (1943),p. 20; idem, Alocuo de 13 de Junho de
1943: A.A.8., XXXV (1943), p. 172;idem, Mensagem radiofnica aos
operrios espanhis, de 11 de Maro de1951: A.A.8., XLUL (1951), p.
215; Joo XXIII, enccl. Mater et Magistra:A.A.8., LHE (1961), p.
419.
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madas leis econmicas de nenhum modo justificam uma tal situa-o.
Importa, por conseguinte, adaptar todo o processo do
trabalhoprodutivo s necessidades da pessoa humana e s diversas
formasda sua existncia, em particular no atinente vida familiar
(sobre-tudo no caso das mes-de-famlia) e levando sempre em conta
asdiversidades de sexo e de idade. Os trabalhadores devem tambmter
a possibilidade de desenvolver as suas qualidades e a sua
per-sonalidade no exerccio do sou mesmo trabalho. No deixando,pois,
de nele aplicar conscienciosamente o seu tempo e as suasforas, que
todos disponham de um tempo de repouso e de lazersuficiente, que
lhes permita igualmente manter uma vida familiar,cultural, social e
religiosa. Mais ainda: devem ter a possibilidadede livremente
exercer faculdades e capacidades que, provavel-mente, tero poucas
oportunidades para utilizar no seu trabalhoprofissional.
68. Participao na empresa e na organizao econmica
global*Conflitos do trabalho
1. Nas empresas, so pessoas isto : seres livres e aut-nomos,
criados imagem de Deus que se encontram associadasentre si. Deste
modo, atendendo s diversas funes dos proprie-trios, empresrios,
quadros e operrios e salvaguardando a ne-cessria unidade de direco,
torna-se necessrio promover,segundo modalidades a determinar pela
melhor forma, a partici-pao activa de todos na gesto da empresa7. E
como, muitofrequentemente, no j ao nvel das empresas, mas ao de
instn-cias superiores, que so tomadas as decises econmicas e
sociaisde que depende o futuro dos trabalhadores e dos seus filhos,
devemigualmente os trabalhadores participar nessas decises,
querdirectamente, quer por intermdio do seus representantes
livre-mente escolhidos.
2. Deve-se considerar como direito fundamental da pessoa,o
direito dos trabalhadores a fundar livremente associaes capazesde
os representar por forma vlida e de colaborar na boa organi-zao da
vida econmica, assim como o direito a participar livre-mente nessas
associaes, sem correr o risco de represlias. Graasa esta participao
organizada, aliada ao progresso da formao
7 Cf. Joo XXIII, emccl. Mater et Magistra: A.A.8., LJH
(1961),pp. 408, 424, 427; o termo curatione extrado do texto latino
da encclicaQuadragsimo Anno: A.A.8., XXUL (1931), p. 199. Para a
evoluo do pro-blema, cf. tambm: Pio XII, Alocuo de 3 de Junho de
1950: A.A.8., XLH(1950), p. 485-488; Paulo VI, Alocuo de 8 de Junho
de 1964: A.A.8., LVT(1964), pp. 574-579.
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econmica e social, o sentido das responsabilidades
desenvolver-se-em todos os indivduos, que assim viro a sentir-se
associados,segundo os seus meios prprios e as suas aptides
pessoais, aodesenvolvimento econmico e social global, bem como
realizaodo bem-comum universal.
3. No caso de conflitos econmico-sociais, deve-se pro-curar
obter uma soluo pacfica. Todavia, embora se deva semprerecorrer em
primeiro lugar ao dilogo sincero entre as partes, agreve pode,
mesmo nas circunstncias actuais, continuar a serum meio necessrio,
se bem que de ltimo recurso, defesa dosdireitos prprios e realizao
das justas aspiraes dos traba-lhadores. Que as vias da negociao e
do dilogo sejam, porm,retomadas, logo que possvel, a fim de se
chegar a um acordo.
69. Os bens da Terra destinam-se a todos os homens 1. Deus
destinou a Terra e tudo o que ela contm para serem
usados por todos os homens e todos os povos. Todos os bens
dacriao devem assim afluir, equitativamente, a todos os
homens,segundo a regra da justia, inseparvel da caridade8. Esta
desti-nao universal dos bens deve ser sempre salvaguardada,
quaisquerque sejam as formas da propriedade, adaptadas s legtimas
insti-tuies dos povsi, segundo circunstncias diversas e mutveis.Eis
por que o homem, ao servir-se desses bens, jamais deve consi-derar
aqueles que legitimamente possui como pertena exclusivade si
prprio, mas encar-los tambm como comuns, no sentidode que deles
possam beneficiar, no s ele mesmo, mas tambmos outros 9. Todos os
homens se encontram, alis, investidos nodireito de possuir uma
quantidade de bens que lhes seja suficientee s suas famlias. Tal o
pensamento dos Padres e Doutores daIgreja, ao apontarem como dever
o auxlio aos pobres e no apenaspor meio da ddiva do suprfluo 10.
Quanto quele que se encontraem condies de extrema necessidade, seu
direito obter para si
s Cf. Pio XII, enccl. Sertum Laetitiae: A.A.8., XXXI (1939), p.
642;Joo XXni, Alocuo ao Consistrio: A.A.8., LII (1960), p. 5-11;
enccl.Mater et Magistra: A.A.8., LIII (1961), p 411.
s Cf. So Tomais, Suma Teolgica, II-II. q. 32, art. 5, ad. 2;
Ibidem,q. 66, a. 2; cf. explicao em Leo XIII, enccl. Rerum Novarum;
A.A.8.,XXm (1890-1891), p. 651; cf, tambm Pio XII, Alocuo de 1 de
Junho de1941: A.A.8., XXXIII (1941), p. 199; idem, Mensagem
radiofnica do Natalde 1954: A.A.S., XLVII (1955), p. 27.
io Cf. So Baslio, Homilia sobre uma passagem de Lucas
Destruamhorrea mea, n. 2 (P.G., XXXI, p. 263); Lactando, Divinarum
Institutionum,1. V, A justia (P.L., VI, 565 B); Santo Agostinho,
Comentrios sobre 8. Joo,tr. 50, n. 6 (P.L., XXXV, 1760); Enarratio
in Pr. CXLVTI, 12 (P.L., XXXVII,192); So Gregrio Magno, Homilias
sobre o Evangelho hom. 20 (PX,,
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mesmo o indispensvel, a; expensas das riquezas de
terceiros".Perante um to grande nmero de indivduos com fome no
mundo,o Conclio insiste, junto de todos e junto das autoridades,
paraque seja recordada a palavra dos Padres da Igreja: D de
comerquele que morre de fome, pois se no o alimentaste, tu mesmo
lhedeste a morte 12. ainda dever de todos, segundo as
possibilidadesde cada um, a repartio e utilizao dos bens, de modo a
for-necer aos indivduos e aos povos, primordialmente, os meios
quelhes permitam ajudar-se a si mesmos e realizar o seu
prpriodesenvolvimento.
2. Frequentemente, nas sociedades economicamente
menosdesenvolvidas, a destinao comum dos bens realiza-se
parcialmenteatravs de costumes e tradies comunitrias, que garantem
a cadamembro a obteno dos meios mais necessrios. Sem dvida que
indispensvel no considerar certos costumes como absolu-tamente
inalterveis, se porventura no correspondem s novasexigncias dos
nossos tempos; inversamente, no dever, porm,atentar-se
imprudentemente contra costumes respeitveis, quesejam susceptveis,
mediante uma salutar modernizao, de prestarainda importantes
servios. Analogamente, nos pases eoonmica-itente muito
desenvolvidos, a destinao comum dos bens poderealizar-se, em parte,
atravs de uma rede de instituies sociaisde seguros e de segurana.
Importa prosseguir o desenvolvimentodos servios familiares e
sociais, principalmente daqueles que con-tribuem para a cultura e a
educao. Na ordenao de todas estasinstituies, importa, porm, evitar
que o cidado seja induzidoa adoptar para com a sociedade uma
atitude passiva, de irres-ponsabilidade ou de recusa ao
servio.LXXVI, 1165); Regulae Pastoralis liber, III Parte, Cap. XXI
(P.L., LXXVII,87); So Boaventura, III Sent., d. 33 dub. 1 (Ed.
Quaracchi, III, 728); IV8ent., d. 15, p. II, art. 2, q. 1 (Ed.
cit., IV, 371 b); qu. de suprfluo (ms.Assise Bibl. commum. 186, ff.
112-113)t: Santo Alberto Magno, III Sent.,d. 33, art. 3, soL 1 (Ed.
Borguet, XXVIII, 611); IV Sent., d. 15, art. 16 (Ed.cit, XXIX,
494-497). No que respeita determinao do suprfluo nos nossosdias,
cf. Joo XXIII, Mensagem raldiotelevisada de 11 de Setembro de
1962:A.A.8., LIV (1962), p. 682: Dovere di ogni uomo, dovere
impellente deicristiano di considerare il suprfluo con Ia misura
delle necessita altrui,e di ben vigilare perche ramministrazione e
Ia distribuzione dei beni creativenga posta a vantaggio di
tutti.
11 Aqui vale o antigo princpio: in extrema necessitate omnia
suntcommunia, id est comirunicanda. Por outro lado, no que respeita
exten-so e s modalidades segundo as quais este princpio se aplica
no texto,alm dos autores modernos conhecidos", cf. So Toms, Suma
Teolgica II-II,q. 66, art. 7. 33 evidente que para uma aplicao
exacta desta passagem,todas as condies moralmente requeridas devem,
estar preenchidas.
12 Cf. Decreto de Graciano, cap,. XXI, dist. LXXXVT (Ed.
Friedberg,I, 302). Esta passagem encontra-se j em PJJ., LIV, 591 A
(cf. Antonianum,27, 1952, p. 349-366).
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70. Investimentos e questo monetria
Os investimentos devem,, por seu lado, tender a
assegurarempregos e rendimentos suficientes, tanto populao activa
dopresente, como do futuro. Os responsveis por esses investi-mentos
e pela organizao da vida econmica (indivduos, grupos,poderes
pblicos) devem ter presentes os seguintes objectivos emanter-se
conscientes das suas graves obrigaes: por um lado,tomar disposies
susceptveis de corresponder s necessidadesdum nvel de vida decente,
tanto para os indivduos, como para acomunidade; prever, por outro
lado, o futuro e assegurar um justoequilbrio entre as necessidades
do consumo actual (individual ecolectivo) e as exigncias de
investimento para as geraes vin-douras. Devem igualmente ser tidas
em conta as necessidadesprementes das naes e regies economicamente
menos desen-volvidas. Por outro lado ainda, e em matria monetria,
deve-seevitar atentar contra o interesse do seu prprio pas ou
contrao de outras naes. Igualmente se deve assegurar que os
economi-camente dbeis no viro a ser injustamente lesados por
altera-es no valor da moeda.
71. O acesso propriedade e ao poder privado sobre os
bens.Problema dos latifndios
1. A propriedade e as outras formas de poder privadosobre os
bens exteriores contribuem para a expresso da pessoa efornecem-lhe
ocasio para exercer a sua responsabilidade na socie-dade e na
economia. Importa, assim, favorecer o acesso dos indi-vduos e dos
grupos a um certo poder sobre os bens exteriores.
2. A propriedade privada, ou um certo poder sobre os
bensexteriores, asseguram a cada indivduo uma indispensvel esferade
autonomia pessoal e familiar. Necessrio oonsider-Ios comoum
prolongamento da liberdade humana. Por outro lado, estimu-lando o
exerccio da responsabilidade, constituem uma das con-dies das
liberdades civis13.
3. As formas de tal poder ou propriedade so presente-13 Cf. Leo
XIE, eniccl, Rerum Novarum: A.A.8., XXIII (1890-1891),
p. 643-646; Pio XI, ejnccl. Quadragsimo Anno: A.A.8., XXIII
(1931), p. 191;Pio XII, Mensagem radiofnica de 1 de Junho de 1941:
A.A^S,, XXXm(1941), p. 199; idem, Menagem radiofnica das vsperas do
Natal de 1942:A.A.8., XXXV (1943), p. 17; idem, Mensagem radiofnica
de 1 de Setembrode 1944: A.A.8, XXXVI (1944), p. 253; Joo XXIII,
enccl. Mater et Magis-tra: A.A.8, LUI (1961), p. 428-429
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mente, diversas e a sua diversidade no cessa de aumentar.
Todascontinuam a ser, porm, ao lado dos fundos sociais, dos
direitose servios garantidos pela sociedade, uma fonte importante
desegurana. Isto no apenas verdadeiro em relao s proprie-dades
materiais, mas tambm no que respeita aos bens imateriais,como a
capacidade profissional.
4. A legitimidade da propriedade privada no constitui,
noentanto, obstculo de diversas formas de propriedade pblica,sob a
condio de a transferncia de bens para o domnio pblicoser efectuada
somente pela autoridade competente, de acordo comas exigncias do
bem-comum, dentro dos limites deste e medianteuma indemnizao
equitativa. O Estado tem, alis, competnciapara impedir o abuso da
propriedade privada, contrariamente aobem-comum14.
5. Pela sua prpria natureza, a propriedade privada pos-sui tambm
um carcter social, fundado na lei da comum desti-nao dos bensls.
Quando esse carcter social no respeitado, apropriedade pode
tomar-se ocasio frequente de cobias e de gra-ves desvirtuaes, que
serviro de pretexto queles que contestamo prprio direito de
propriedade.
6. Em diversas regies economicamente menos desenvol-vidas,
existem extensos e por vezes imensos domnios rurais medo-cremente
cultivados ou postos em reserva com fins especulativos,enquanto que
a maioria da populao se encontra desprovida deterras ou apenas as
possui em quantidades irrisrias e que, poroutro lado, o aumento da
produo agrcola apresenta carcter deevidente urgncia. Sequentemente,
aqueles que se encontram aoservio dos proprietrios desses grandes
domnios, ou que cultivampequenas parcelas arrendadas, apenas
recebem salrios ou rendi-mentos indignos do homem; no dispem de
alojamentos conve-nientes e so explorados por intermedirios.
Desprovidos de todaa segurana, vivem numa tal dependncia pessoal,
que qualquerpossibilidade de iniciativa ou responsabilidade lhes
est vedada,bem como toda a promoo cultural e toda a participao na
vidasocial e poltica. Impe-se, portanto, que sejam efectuadas
refor-mas tendentes, segundo os casos, a aumentar os rendimentos
mo-netrios, a melhorar as condies de trabalho e a segurana do
em-
14 Cf. Pio XI, enccl. Quadragsimo Anno: A.A.8., XX3H (1931), p.
214;Joo XXirt, enccl. Mater et Magistra: A.A.8., LIII (1961), p.
429
is Cf. Pio XII, Mensagem radiofnica, Pentecostes de 1941:
A.A.8..XLIV (1941), p. 199; Joo XXJJET, encScl. Mater et Magistra:
A.A.8., LIII(1961), p. 430.
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prego, a favorecer a iniciativa pessoal e mesmo a repartir
aspropriedades insuficientemente cultivadas em benefcio de
homenscapazes de as fazer valer. Neste caso, os recursos e
instrumentosindispensveis devem ser-lhes assegurados, em particular
os meiosde educao e a possibilidade duma justa organizao de
tipocooperativo. Sempre que as necessidades do bem-comum exijam
aexpropriao, a indemnizao dever ser apreciada segundo a equi-dade,
tendo em conta todas as circunstncias.
72. A actividade econmico-social e o reino de Cristo
1. Os cristos que participam activamente no desenvolvi-mento
econmico-social e na luta pelo progresso da justia e dacaridade,
devem persuadir-se de qu, pela sua aco, muito podemfazer pela
prosperidade da humanidade e pela paz do mundo. Queeles se
distingam, nessas vrias actividades, pelo seu exemplo,individual e
colectivo. Revestidos da indispensvel competncia eexperincia, que
mantenham, atravs da sua actividade na terra,uma justa hierarquia
dos valores, fiis a Cristo e ao seu Evan-gelho, por forma a que
toda a sua vida, tanto individual comosocial, seja penetrada pelo
esprito das bem-aventuranas e, emparticular, pelo esprito de
pobreza.
2. Todo aquele que, seguindo a Cristo, busca em primeirolugar o
reino de Deus, nele encontra um amor mais forte e maispuro, para
ajudar todos os seus irmos e realizar, sob o impulsodo amor, uma
obra de justia16.
(Traduo do Gabinete)
i6 Sobre o bom uso dos bens, segundo a doutrina do Novo
Testamento,.cf. Luc, 3, 11; 10, 30 s>; 11, 41; 11, 41; Ia Pedro
5,2; Mar., 8, 36; 12, 29-31;Tiago, 5, 1-6; 1* Tim. 6,8; Efs., 4,
28; 2* Cor., 8, 13 s.; 1* Jo., 3, 17 s.