UNIOESTE UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ Centro de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Geografia – Doutorado EDSON LUIZ FLORES DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL À SUBORDINAÇÃO AO CAPITAL EXTERNO: A Dinâmica da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas FRANCISCO BELTRÃO – PR 2021
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A Dinâmica da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
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7
UNIOESTE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
Centro de Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Geografia – Doutorado
EDSON LUIZ FLORES
DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL À
SUBORDINAÇÃO AO CAPITAL EXTERNO:
A Dinâmica da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
FRANCISCO BELTRÃO – PR
2021
ii
EDSON LUIZ FLORES
DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL À
SUBORDINAÇÃO AO CAPITAL EXTERNO:
A Dinâmica da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Francisco Beltrão – Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Econômico e Dinâmicas Territoriais –, como requisito para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Marlon Clovis Medeiros
FRANCISCO BELTRÃO – PR
2021
iii
iv
v
Dedico ao seu Adão e à dona Loni, meus
pais. Gente simples que, como outros tantos
brasileiros, não tiveram oportunidade de
conhecer uma Universidade, mas que,
apesar das dificuldades, não mediram
esforços para que os filhos estudassem.
vi
AGRADECIMENTOS
Para a realização dessa pesquisa foi necessário a contribuição de muitas
pessoas, instituições e empresas. Correndo o risco de cometer esquecimentos, o
que não é minha intenção, listo e agradeço aqueles que auxiliaram nessa
importante empreitada:
Ao programa de pós-graduação em Geografia da UNIOESTE (campus de
Francisco Beltrão), por ter possibilitado a realização desse estudo.
Agradeço às empresas que me receberam na pesquisa de campo,
permitindo visitar suas unidades produtivas, bem como fornecendo importantes
informações.
Obrigado aos representantes comerciais de empresas fabricantes de
máquinas e implementos agrícolas que também repassaram informações,
especialmente em visitas de estudo realizadas à feiras agropecuárias.
Da mesma forma, agradeço aos professores da UNIOESTE (campus de
Francisco Beltrão – PR): Fabrício Pedroso Bauab, Rosana Biral Lemes e Nagla
Mehanna Mormul pelos conhecimentos que adquirimos em suas aulas.
Outro nome a ser lembrado é do professor Fernando dos Santos Sampaio.
Agradeço-lhe pelos ensinamentos que vem possibilitando desde o Mestrado, sendo
também muito importante no doutoramento.
Não posso deixar de agradecer aos os professores Carlos José Espíndola
(UFSC), Elias Marco Khalil Jabbour (UERJ) e Sidemar Presotto Nunes (da
UTFPR/Dois Vizinhos), membros da banca examinadora dessa Tese, pelas
importantes críticas a essa pesquisa.
Obrigado aos colegas de trabalho do Colégio Estadual João Paulo II. Vocês
me apoiaram quando mais precisei (agradeço a todos).
Também agradeço ao Fábio Sinhoratti, meu motorista em algumas das
cansativas viagens da pesquisa de campo.
Agradeço imensamente ao professor Marlon Clovis Medeiros por ter
aceitado orientar essa pesquisa. Ele foi efetivo em suas orientações, apontando
questões fundamentais para a realização dessa Tese.
Por fim, agradeço à minha esposa, Fabiana, e ao meu filho Breno, pois me
apoiaram inclusive quando os estudos me fizeram estar ausente.
vii
Os países exportadores de capitais
partilharam (no sentido figurado da
palavra) o mundo entre si. Mas o capital
financeiro conduziu também à partilha
direta do globo.
(Lênin).
viii
DE UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL À SUBORDINAÇÃO AO CAPITAL EXTERNO:
A Dinâmica da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
RESUMO Essa pesquisa, em que estudamos a dinâmica da indústria brasileira de máquinas agrícolas, nos levou a defender a seguinte tese: no Brasil esse segmento industrial teve um desenvolvimento tardio se comparado ao de outros países, tais como os Estados Unidos, Alemanha e a Inglaterra. Ocorre que a formação social brasileira, cristalizada a partir da ocupação portuguesa, desenvolveu uma economia agroexportadora, em geral, apoiada no trabalho braçal o que contribuiu para atrasar a inserção de maquinaria na agricultura. As classes que controlaram a economia do país antes da década de 1930 (fazendeiros e o comércio exportador/importador), praticamente não apoiaram a industrialização, o que atrasou o desenvolvimento tecnológico, por exemplo, pouco desenvolvendo a siderurgia e o setor mecânico, imprescindíveis para a fabricação de máquinas agrícolas. Porém, a partir desse período (com a mudança no pacto de poder) a indústria de base (ferro, aço, petróleo, energia, entre outros) e o setor automotivo começaram despontar no Brasil, o que estimulou o segmento de fabricação de máquinas agrícolas, de modo que a partir dos anos 1960 já se produzia até tratores (especialmente por filiais de empresas estrangeiras), colheitadeiras automotrizes (com o predomínio de empresas nacionais) e os mais diversos implementos agrícolas, resultando que na década de 1970 praticamente estava consolidado esse setor industrial, com diversas empresas concentradas especialmente nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Esse processo foi estimulado por meio de políticas econômicas de apoio à indústria, como o Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas (1959), Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND’s), além do incentivo à formação de demanda para a comercialização de máquinas agrícolas, particularmente por meio do crédito rural para investimentos. Porém, as políticas econômicas implantadas a partir da década de 1980 não apoiaram a industrialização e reduziram o crédito rural, o que resultou em um processo de subutilização da capacidade produtiva da indústria de máquinas agrícola instalada no Brasil, ampliando a recessão e causando, particularmente a partir dos anos 1990, a falência de importantes empresas nacionais, bem como facilitou a entrada do capital externo, que adquiriu outras destacadas unidades industriais desse segmento. Mesmo com a retomada do crédito rural, ocorrida particularmente no período 2006-2013, o que reaqueceu as vendas internas da indústria de máquinas agrícolas, a desnacionalização de empresas persistiu, de modo que na atualidade esse setor encontra-se oligopolizado, controlado por poucas marcas concentradas em três grandes grupos industriais estrangeiros: AGCO Corporation, CNH Industrial e Deere & Company. Aparentemente, são grupos industriais dominantes, mas que fundamentalmente são controlados pelo capital financeiro, por poucos fundos de investimentos (sedeados principalmente nos Estados Unidos e na Europa) que partilham praticamente todo o mundo, controlando, inclusive, corporações industrias de outros segmentos. Palavras-chave: Indústria de máquinas agrícolas; formação social; políticas econômicas, capital externo; desnacionalização da indústria; economia brasileira.
ix
OF A NATIONAL DEVELOPMENT PROJECT FOR SUBORDINATION TO EXTERNAL CAPITAL:
The Dynamics of the Brazilian Agricultural Machinery Industry
ABSTRACT
This research, in which we study the dynamics of the Brazilian agricultural machinery industry, led us to defend the following thesis: in Brazil, this industrial segment had a late development compared to that of other countries, such as the United States, Germany and England. It turns out that the Brazilian social formation, crystallized from the Portuguese occupation, developed an agro-export economy, in general, supported by manual labor contributed to delay the insertion of machinery in agriculture. The classes that controlled the country's economy before the 1930s (farmers and the export/import trade), practically did not support industrialization, which delayed technological development, for example, with little development in the steel industry and the mechanical sector, essential for the manufacture of agricultural machinery. However, from that period (with the change in the power pact) the basic industry (iron, steel, oil, energy, among others) and the automotive sector began to emerge in Brazil, which stimulated the agricultural machinery manufacturing segment, so that since the 1960s, even tractors (especially by branches of foreign companies), self-propelled harvesters (with a predominance of national companies) and the most diverse agricultural implements have been produced, resulting in the 1970s practically consolidating this industrial sector, with several companies concentrated especially in the states of São Paulo and Rio Grande do Sul. This process was stimulated through economic policies to support the industry, like the National Plan for the Wheel Tractor Industry (1959), National Development Plans (PND’s), in addition to encouraging the formation of demand for the sale of agricultural machinery, particularly through rural investments credit. However, the economic policies implemented since the 1980s did not supported the industrialization and reduced rural credit, which resulted in a process of underutilization of the productive capacity of the agricultural machinery industry installed in Brazil, widening the recession and causing, particularly the As of the 1990s, the bankruptcy of important national companies, as well as facilitating the entry of foreign capital, which acquired other outstanding industrial units in this segment. Even with the resumption of rural credit, which occurred particularly in the period 2006-2013, which rekindled domestic sales in the agricultural machinery industry, the denationalization of companies persisted, so that at present this sector is oligopolized, controlled by few brands concentrated in three major foreign industrial groups: AGCO Corporation, CNH Industrial and Deere & Company. Apparently, they are dominant industrial groups, but which are fundamentally controlled by financial capital, by few investment funds (based mainly in the United States and Europe) which share practically the entire world, including, controlling industrial corporations in other segments. Keywords: Agricultural machinery industry; social formation; economic policy; foreign capital; denationalization of the industry; Brazilian economy.
SEÇÃO 1 DA SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES À CONSOLIDAÇÃO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS....
8
CAPÍTULO 1 AS CONDIÇÕES GERAIS PARA O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS NO BRASIL...............................................................................
9
1.1 O Desenvolvimento da Maquinaria.................................................... 9
1.2 As Máquinas e o Aumento da Produtividade do Trabalho.................. 11
1.3 A Importância da Mineração de Ferro e da Siderurgia para o Desenvolvimento da Indústria de Máquinas Agrícolas.......................
13
1.4 Abertura dos Portos e a Contraditória Política de Incentivos às Atividades Industriais.........................................................................
16
1.5 A Dualidade da Economia Brasileira e a Orientação para o Mercado Externo..............................................................................................
18
1.6 A Orientação para a Economia Agroexportadora e as Primeiras Fábricas de Máquinas Agrícolas no Brasil..........................................
24
1.7 A Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas e a Questão da Mão de Obra no Século XIX.......................................................................
29
CAPÍTULO 2 OS IMIGRANTES E A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS...................................................
36
2.1 A Dualidade Brasileira e as Primeiras Fábricas de Máquinas Agrícolas............................................................................................
36
2.2 Uma Nota Sobre as Exportações Agrícolas Brasileiras no Início do Século XX..........................................................................................
40
2.3 A Indústria Brasileira a partir da Fase de Importação de Capitais....... 42
2.4 A Participação dos Imigrantes na Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas............................................................................................
47
2.4.1 Particularidades da gênese da indústria de máquinas agrícolas em outros países.......................................................................
56
CAPÍTULO 3 O DESENVOLVIMENTISMO E A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS.......................
59
3.1 Uma Nota sobre a Economia Política................................................. 59
3.2 A Origem do Desenvolvimentismo e a Industrialização Brasileira...... 61
3.2.1 As políticas econômicas desenvolvimentistas e a indústria de máquinas agrícolas...................................................................
67
3.3 O Grande Impulso à Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas........ 78
xi
3.3.1 O pioneirismo de empresas nacionais na fabricação de colheitadeiras automotrizes.......................................................
81
3.3.2 Alguns números sobre a indústria brasileira de máquinas agrícolas....................................................................................
83
3.4 A Localização da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas em 1970...................................................................................................
86
CAPÍTULO 4 A FORMAÇÃO DO MERCADO INTERNO PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS...
94
4.1 O Complexo Rural Brasileiro e a Indústria de Máquinas Agrícolas............................................................................................
94
4.2 A Industrialização do País e a Desintegração do Complexo Rural... 103
4.3 O Planejamento Econômico e a Indústria de Máquinas Agrícolas...... 118
4.3.1 O crédito rural e a formação do mercado interno para a indústria de máquinas agrícolas................................................
121
CONSIDERAÇÕES DA SEÇÃO I................................................................. 126
SEÇÃO 2 DO ESTADO PLANEJADOR AO DOMÍNIO DO CAPITAL EXTERNO SOBRE A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS........................................................
129
CAPÍTULO 5 A CRÍTICA À “INDUSTRIALIZAÇÃO A QUALQUER CUSTO” E OS EFEITOS SOBRE A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS.......................
130
5.1 Os “Choques do Petróleo” e os Rumos da Política Econômica Brasileira............................................................................................
130
5.1.1 A crise de 1973 e a política monetária dos Estados Unidos....... 131
5.1.2 A política econômica brasileira receitada pelo FMI e a indústria de máquinas agrícolas..............................................................
134
5.2 A Nova República e o “Problema da Inflação”..................................... 140
5.3 A Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas sob as Políticas Abertamente Liberais.........................................................................
145
5.4 Inflação Baixa, Juros Altos e a Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas nos Anos FHC....................................................................
148
CAPÍTULO 6 UM POUCO DE PLANEJAMENTO, O BOOM DAS COMMODITIES E UM FÔLEGO À INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS.......................
157
6.1 O Renascimento de Incentivos para o Setor de Máquinas Agrícolas.. 157
6.2 Políticas Econômicas dos Governos Lula e Dilma: Crescimento Econômico Mas com Persistência da Desindustrialização.................
170
6.3 Uma Nota sobre os Ciclos Econômicos.............................................. 178
6.4 Valorização Internacional das Commodities e as Vendas de Máquinas Agrícolas............................................................................
180
xii
CAPÍTULO 7 PARTICULARIDADES DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS INSTALADA NO BRASIL...............................
190
7.1 A Localização da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas na Atualidade..........................................................................................
190
7.2 Fatores de Atração para a Indústria de Máquinas Agrícolas............... 203
7.2.1 Proximidade das fábricas às fornecedoras de componentes e autopeças..................................................................................
205
7.2.2 As importações de componentes e peças para a indústria de máquinas agrícolas....................................................................
207
7.2.3 A importância da força de trabalho............................................. 213
7.2.4 A relevância do mercado interno................................................ 220
7.3 O Papel das Inovações na Indústria de Máquinas e Implementos Agrícolas............................................................................................
230
CAPÍTULO 8 OS GRANDES GRUPOS INTERNACIONAIS DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS E O CAPITAL FINANCEIRO IMPERIALISTA............................................
238
8.1 Uma Nota sobre a Dinâmica do Capital Financeiro............................ 238
8.2 A Formação dos Principais Grupos Industriais do Setor de Máquinas Agrícolas............................................................................................
239
8.3 A Partilha do Mundo pelos Grandes Grupos da Indústria de Máquinas Agrícolas............................................................................
247
8.4 O Processo de Desnacionalização da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas............................................................................
254
8.4.1 Os principais atrativos brasileiros para os players do segmento de máquinas agrícolas...............................................................
263
8.4.2 O controle do mercado brasileiro pelos grandes players de máquinas agrícolas....................................................................
266
8.5 Um País Aberto ao Capital Externo.................................................... 276
8.6 As Empresas Brasileiras que Resistem Fabricando Máquinas e Implementos Agrícolas.......................................................................
280
8.7 A Financeirização da Indústria de Máquinas Agrícolas....................... 284
8.8 A Indústria de Máquinas Agrícolas no País que Desafia o Capital Financeiro Imperialista.......................................................................
289
CONSIDERAÇÕES DA SEÇÃO II................................................................ 294
FIGURA 01 Exemplar de trator agrícola modelo Imor Lanz Bulldog –
fabricado pela Máquinas Agrícolas Romi Ltda.....................
70
FIGURA 02 Exemplar de trator agrícola modelo Imor Toro – fabricado a partir de 1948....................................................................
71
FIGURA 03 Tratores 8 BR novos no pátio da fábrica da Ford do Ipiranga – SP.......................................................................
73
FIGURA 04 Exemplar de trilhadeira fabricada pela empresa SLC a partir de 1947.......................................................................
78
FIGURA 05 Colheitadeira SLC modelo 65-A........................................... 81
FIGURA 06 Colhedora de cana Santal (modelo SL) montada sobre trator de esteiras..................................................................
92
FIGURA 07 Fabricante de farinha........................................................... 102
FIGURA 08 Formação do grupo AGCO.................................................. 243
FIGURA 09 Formação do grupo CNH Industrial...................................... 245
FIGURA 10 Formação do grupo John Deere.......................................... 246
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01 Evolução das exportações dos principais produtos
GRÁFICO 02 Evolução das exportações dos principais produtos agrícolas brasileiros – 1849-1899.......................................
22
GRÁFICO 03 Comparação dos preços de escravos de Pernambuco e do Rio Grande do Sul – 1800-1880.....................................
31
GRÁFICO 04 Evolução do valor dos escravos e da riqueza bruta dos proprietários de escravos de Campinas, SP – 1830-1887...
33
GRÁFICO 05 Desempenho da balança comercial brasileira – 1929-1934....................................................................................
66
GRÁFICO 06 Evolução dos salários rurais no estado de São Paulo – 1948-1978..........................................................................
105
GRÁFICO 07 Evolução dos empregos na indústria e em outros setores da economia brasileira – 1940-1980...................................
113
GRÁFICO 08 Evolução da produção e das vendas internas de tratores de rodas no Brasil – 1960-1980...........................................
117
GRÁFICO 09 Evolução da produção e das vendas internas de colheitadeiras de grãos no Brasil – 1976-1985....................
117
xiv
GRÁFICO 10 Utilização da capacidade instalada da indústria brasileira – 1970-1989........................................................................
138
GRÁFICO 11 Participação dos investimentos em máquinas agrícolas e em terras sobre o total dos investimentos dos estabelecimentos rurais brasileiros – 1970-1985................
143
GRÁFICO 12 Taxas de juros reais praticados no Brasil – 1985-2003....... 153
GRÁFICO 13 Evolução do crédito rural para investimento em máquinas agrícolas no Brasil – 1980-2012..........................................
154
GRÁFICO 14 Crédito rural disponibilizado por tipo de máquina no Brasil – 1985-2012........................................................................
155
GRÁFICO 15 Evolução da produção e das vendas internas de tratores de rodas no Brasil – 1985-2019...........................................
158
GRÁFICO 16 Evolução da produção e das vendas internas de colheitadeiras de grãos no Brasil – 1985-2019....................
158
GRÁFICO 17 Desembolsos do BNDES – Finame – 1991-2018.............. 172
GRÁFICO 18 Taxa de investimentos (FBCF) públicos e privados sobre o PIB do Brasil – 1965-2018................................................
174
GRÁFICO 19 Evolução da FBCF na indústria brasileira de máquinas e equipamentos – 1980-2018................................................
176
GRÁFICO 20 Variação real da FBCF na indústria brasileira de máquinas e equipamentos – 1971-2018.............................................
177
GRÁFICO 21 Evolução dos preços internacionais do petróleo bruto – 1995-2018..........................................................................
181
GRÁFICO 22 Evolução dos preços internacionais dos minérios não preciosos – 1995-2018.......................................................
181
GRÁFICO 23 Preços internacionais de algumas commodities agrícolas selecionadas – 1995-2018..................................................
182
GRÁFICO 24 Evolução das exportações brasileiras de algumas commodities selecionadas – 1996-2018.............................
183
GRÁFICO 25 Relação de troca de trator agrícola por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de tratores de rodas – 1998-2010..........................................................................
186
GRÁFICO 26 Relação de troca de trator agrícola por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de tratores de rodas –2010-2017..........................................................................
186
GRÁFICO 27 Relação de troca de colheitadeira por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de colheitadeiras de grãos – 2002-2010........................................................................
187
GRÁFICO 28 Relação de troca de colheitadeira por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de colheitadeiras de grãos – 2010-2016........................................................................
188
xv
GRÁFICO 29 Participação dos principais segmentos da indústria braliseira de máquinas agrícolas no valor da produção – 2017....................................................................................
191
GRÁFICO 30 Participação de algumas unidades da federação no valor bruto da produção da indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas – 2017............................................
194
GRÁFICO 31 Evolução do valor bruto da produção da indústria de máquinas e implementos agrícolas em SP, RS e no PR –2007- 2017..........................................................................
195
GRÁFICO 32 Evolução dos empregos na indústria de máquinas e implementos agrícolas nos estados de SP, RS e PR – 2006-2017..........................................................................
213
GRÁFICO 33 Evolução dos salários médios da indústria brasileira de máquinas agrícolas – 2006-2017........................................
215
GRÁFICO 34 Vendas internas de colhedoras de cana por unidades da federação – 2018................................................................
222
GRÁFICO 35 Vendas internas de colheitadeiras de grãos por unidades da federação – 2018...........................................................
223
GRÁFICO 36 Vendas internas de tratores de rodas por unidades da federação – 2018................................................................
225
GRÁFICO 37 Estoque brasileiro de tratores agrícolas por classes de tempo de uso – 1995-2016..................................................
229
GRÁFICO 38 Vendas de tratores de rodas no Brasil por grupos industriais – 2018................................................................
267
GRÁFICO 39 Vendas de colheitadeiras de grãos no Brasil por grupos industriais – 2018................................................................
268
GRÁFICO 40 Vendas de colhedoras de cana no Brasil por grupos industriais – 2018................................................................
270
LISTA DE MAPAS
MAPA 01 Localização das principais fábricas de máquinas e
implementos agrícolas no Brasil – 2020....................................
6
MAPA 02 Distribuição espacial da indústria de máquinas e implementos agrícolas no Brasil – 1970.........................................................
87
MAPA 03 Unidades locais e valor bruto da produção da indústria brasileira de máquinas agrícolas – 2017...................................
193
MAPA 04 Distribuição espacial da indústria de máquinas e implementos agrícolas no estado de São Paulo – 2020..................................
196
MAPA 05 Distribuição espacial da indústria de máquinas e implementos agrícolas no estado do Rio Grande do Sul – 2020.....................
199
xvi
MAPA 06 A partilha do mundo pelos grandes grupos da indústria de máquinas agrícolas – 2019.......................................................
248
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 Origem dos fundadores das primeiras fábricas de
máquinas agrícolas do Brasil – século XIX..........................
50
QUADRO 02 Máquinas e implementos agrícolas importados dos Estados Unidos pelo estado de Minas Gerais – 1952..........
75
QUADRO 03 Máquinas e implementos agrícolas importados dos Estados Unidos pelo Ministério da Agricultura do Brasil – 1952....................................................................................
75
QUADRO 04 Empresas selecionadas para fabricar tratores agrícolas no Brasil – 1959.......................................................................
79
QUADRO 05 Comparação da produtividade do trabalho agrícola mecanizado e não-mecanizado – 2005...............................
109
QUADRO 06 Evolução da produção industrial por classes de países selecionados – 1938-1973..................................................
112
QUADRO 07 Principais variáveis condicionantes da localização industrial segundo a classificação do ETENE – 1968..........
204
QUADRO 08 Principais acontecimentos que deram origem aos grandes grupos industriais fabricantes de máquinas agrícolas – séculos XIX e XX................................................................
240
QUADRO 09 O processo de aquisições na indústria de máquinas e implementos agrícolas instalada no Brasil..........................
255
QUADRO 10 Fases da industrialização em países pioneiros na indústria de máquinas agrícolas e no Brasil – 1830-2020..................
297
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 Evolução da produção industrial brasileira – 1925-1938..... 45
TABELA 02 Produção e comercialização de tratores de rodas no Brasil – 1960-70............................................................................
79
TABELA 03 Desempenho da produção da indústria rural brasileira – 1939-1980...........................................................................
104
TABELA 04 Evolução da produção agrícola e da produtividade da força de trabalho na agricultura brasileira – 1940-1980................
108
TABELA 05 Taxa de juros do crédito rural e a inflação anual brasileira – 1969-1981........................................................................
123
xvii
TABELA 06 Crédito rural para investimento em máquinas agrícolas e a venda de tratores e colheitadeiras no Brasil – 1969-1979...
124
TABELA 07 Exportações e importações da indústria brasileira de máquinas agrícolas automotrizes – 1989-1994...................
146
TABELA 08 Exportações e importações da indústria brasileira de máquinas agrícolas automotrizes – 1994-2002...................
150
TABELA 09 Vendas internas e exportações dos principais fabricantes de tratores de rodas no Brasil – 2004 e 2005.......................
165
TABELA 10 Vendas internas e exportações dos principais fabricantes de colheitadeiras de grãos no Brasil – 2004 e 2005.............
165
TABELA 11 Índice de mecanização com colheitadeiras agrícolas por países selecionados – 1990 e 2005.....................................
227
TABELA 12 Vendas internas de tratores de rodas, colheitadeiras de grãos e colhedoras de cana no Brasil por grupos industriais – 2018................................................................
266
TABELA 13 Concessionárias de máquinas agrícolas e rodoviárias por empresas nas grandes regiões do Brasil – 2018.................
270
LISTA DE SIGLAS
ABIMAQ – Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos
ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores
BACEN – Banco Central do Brasil
BB – Banco do Brasil
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH – Banco Nacional da Habitação
CACEX – Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil
CBT – Companhia Brasileira de Tratores
CKD – Completely Knock-down (“kit ou conjunto de peças que compõe um determinado produto”)
CPR – Cédula de Produtor Rural
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
CMN – Conselho Monetário Nacional
CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas
xviii
CNC – Conselho Nacional do Café
CNI – Confederação Nacional da Indústria
DGE – Diretoria Geral de Estatística
DNC – Departamento Nacional do Café
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ETENE – Escritório Técnico de Estudos do Banco do Nordeste do Brasil
ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
FAHOR – Faculdade Horizontina
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
FATEP – Faculdade de Tecnologia de Piracicaba
FBCF – Formação Bruta de Capital Fixo
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FINAME – Agência Especial de Financiamento Industrial
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNM – Fábrica Nacional de Motores
GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IGP-DI – Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna
IFRS – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDIC – Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços
MODERFROTA – Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
ONU – Organização das Nações Unidas
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
PESA – Programa Especial de Saneamento de Ativos
xix
PIA – Pesquisa Industrial Anual
PIS – Programa de Integração Social
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PMAI – Programa Mais Alimentos Internacional
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRR – Partido Republicano Rio-grandense
PSI – Programa de Sustentação do Investimento
SECEX – Secretaria de Comércio Exterior
SELIC – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (“taxa básica de juros”)
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito
TR – Taxa Referencial
UFPR – Universidade Federal do Paraná
ULBRA – Universidade Luterana do Brasil
UMC – Universidade de Mogi das Cruzes
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
UNIP – Universidade Paulista
UNIRITTER – Centro Universitário Ritter dos Reis
UNISINOS – Universidade do Vale dos Sinos
USP – Universidade de São Paulo
UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
7
INTRODUÇÃO
Nessa tese, analisamos a dinâmica da indústria brasileira de máquinas
agrícolas objetivando compreender as suas múltiplas relações, isto é, estudando-a
no contexto da economia nacional, bem como em suas relações com a conjuntura
econômica mundial. Estudamos principalmente a indústria de tratores,
colheitadeiras, plantadeiras, entre outros implementos que contribuem com a maior
parte do valor da produção desse segmento industrial.
Esse setor industrial é relevante para o Brasil. Segundo dados do IBGE
(2019c), no ano de 2017 o segmento de fabricação de tratores e de máquinas e
equipamentos para a agricultura e pecuária empregava 65,3 mil pessoas e
contribuía com um valor bruto da produção industrial que alcançou R$ 24,1 bilhões;
sem contar a sua contribuição para a geração de renda na agricultura do país.
Basicamente, essa pesquisa se justifica porque, como observou Marx
(1984a), a indústria moderna é capaz de revolucionar a economia ao estimular não
só as atividades finais (comércio e serviços), mas também o setor fornecedor de
matérias-primas, inclusive a agricultura. O estudo de Lênin (1982), sobre a Rússia,
também ressaltou o protagonismo da indústria para a modernização da agricultura
daquele país. E Rangel (1986) chegou a afirmar que o desenvolvimento de um
Departamento I (fabricante de meios de produção), que no Brasil se consolidou a
partir da década de 1970, traria para o país um novo desafio, o de desenvolver
políticas econômicas que pudessem absorver nas cidades a grande quantidade de
trabalhadores dispensados da agricultura, que estava se modernizando (inclusive
com o uso de tratores e outros equipamentos), produzindo mais e com menor
quantidade de mão de obra ocupada.
Em outras palavras, entendemos que a análise da dinâmica desse ramo
industrial é de suma importância, pois pode apontar vários elementos auxiliares
para compreender a economia e a própria sociedade brasileira.
No entanto, até o momento não encontramos muitos estudos sobre essa
temática no Brasil. Nos deparamos com boas contribuições, mas que, em geral,
abordam determinadas variantes dessa questão, não analisando a dinâmica, isto
é, não abordando a conjuntura, as múltiplas relações que compõem essa
problemática. Por exemplo, o estudo de Amato Neto (1985), realizado no início da
2
década de 1980, observou que naquela época estava se formando oligopólios no
setor de fabricação de máquinas agrícolas. No seu entendimento, as grandes
empresas começaram diversificar a produção (fabricando veículos etc.) porque o
mercado interno, em uma conjuntura de recessão econômica, já não absorvia a
capacidade produtiva desse segmento industrial. Inclusive, esse autor também
observou a necessidade de se lançar políticas econômicas voltadas à formação de
demanda, especialmente via crédito rural para aquisição de máquinas, bem como
por políticas fundiárias que estimulassem a modernização da agricultura do país.
No entanto, muitas mudanças ocorreram a partir daquela época, o que justifica a
realização de novos estudos sobre essa questão.
Outro estudo a ser destacado é o de Castilhos et al. (2008), que constatou a
presença de um novo elemento que seria marcante desde o final da década de
1970 (e mais intensamente a partir dos anos 1990), o processo de fusões e
aquisições na indústria brasileira de máquinas agrícolas, inclusive destacando a
presença do capital externo nesse setor, que passou a concentrar as marcas em
poucos conglomerados. A partir desse processo as grandes empresas passaram a
se dedicar às etapas mais lucrativas da atividade, repassando a produção de
peças, bem como de implementos para fábricas pequenas e médias, tornando-as
dependentes. Mas, ao se dedicarem a identificar a relevância das pequenas e
médias empresas para a economia do estado do Rio grande do Sul, essas autoras
não se aprofundaram em outros importantes aspectos dessa temática.
Em estudo mais recente, Calandro e Campos (2015) analisaram a indústria
brasileira de máquinas e implementos agrícolas. Mas, essas autoras também não
realizaram uma análise conjuntural, à medida que priorizaram a elaboração de um
estudo para embasar políticas públicas voltadas às aglomerações produtivas
industriais do estado do Rio Grande do Sul.
Inclusive, há de se ressaltar que esses estudos forneceram importantes
informações e dados para a nossa pesquisa. Porém, entendemos que essa
temática apresenta algumas lacunas a serem preenchidas.
Uma vez identificada a necessidade de se aprofundar os estudos sobre essa
problemática, objetivamos nessa pesquisa: 1) analisar as condições econômicas
que estimularam o desenvolvimento da indústria brasileira de máquinas agrícolas;
2) identificar a relevância da formação social brasileira (inclusive política) nesse
3
processo; 3) averiguar a relevância do planejamento econômico (a “mão do
Estado”) sobre a industrialização do país, especialmente sobre o segmento de
fabricação de máquinas agrícolas; e 4) compreender a dinâmica de inserção do
capital externo (via fusões e aquisições de empresas brasileiras) nesse setor.
Quando apontamos como objetivo, analisar as condições econômicas para
o desenvolvimento da indústria de máquinas agrícolas, apoiamo-nos no referencial
teórico/metodológico elaborado por Rangel (1980, 1981 e 1990a), que afirma que
a industrialização brasileira se desenvolveu no contexto cíclico da economia
mundial, de modo que nas fases recessivas, quando diminui as possibilidades e
vantagens para se exportar, a economia do Brasil tende a se voltar para o mercado
interno. Nessa condição, acreditamos que é imperativo analisamos a dinâmica
econômica mundial, bem como suas consequências sobre a economia brasileira,
já que essas mudanças refletem sobre a indústria, inclusive sobre o segmento que
estamos estudando.
Sobre a importância das condições sociais para a gênese desse segmento
industrial no Brasil, apoiamo-nos no estudo de Santos (1977), que afirma que as
diferentes sociedades (a formação social) produzem arranjos espaciais específicos
e que eles são condicionantes para os modos de produção a serem desenvolvidos.
Da mesma forma, temos como base os estudos de Mamigonian (1976 e 2000), que
assinala que a industrialização brasileira foi impulsionada por imigrantes, devido à
importância do conhecimento técnico que eles trouxeram de países mais
industrializados e pela forma de articulação das atividades agrícolas, mercantis e
artesanais que se desenvolveu especialmente em colônias de imigrantes italianos
no estado de São Paulo e no Sul do país.
Em relação à importância das condições institucionais, também temos como
apoio o pensamento de Rangel (1981), que verificou que especialmente a partir do
processo de Independência (1822) a política brasileira se desenrolou por meio de
pactos de poder (as dualidades), firmados por classes sociais com interesses
comuns, mas também contraditórios e relacionados à dinâmica econômica e
política externa. Entender essas dualidades é de suma importância, pois é nelas
que se engendra o modelo de desenvolvimento econômico, é onde se escolhe os
setores da economia nacional que serão priorizados.
Há de se destacar que também recorremos ao pensamento de Keynes
4
(1983), particularmente quando verificamos a necessidade de um planejamento
orientado para a formação de demanda para o segmento de bens de produção,
especialmente para a indústria de máquinas agrícolas.
Ao objetivarmos analisar a influência do grande capital financeiro sobre a
indústria brasileira de máquinas agrícolas, recorremos ao estudo de Lênin (1987),
que ainda no início do século passado observou que a economia mundial vem
sendo determinada pelo capital financeiro, aquele que começou partilhar
praticamente todo o planeta de acordo com seus interesses. Nessa ótica,
entendemos que não devemos estudar a dinâmica de determinado ramo industrial
sem considerar a influência do capital financeiro sobre ele.
Para a realização dessa pesquisa, recorremos ao materialismo histórico,
método que, grosso modo, concebe o objeto de estudo em sua totalidade, isto é,
sendo movido por múltiplas determinações, conforme observou o próprio Marx
(1982). Da mesma forma, apoiamo-nos em Marx (1983a) quando ele afirma que se
deve partir da análise das células, não do corpo todo, pois sendo este complexo
acaba por dificultar o estudo. No seu entendimento, só em seguida se deve
relacionar as particularidades ao todo, no qual o objeto de estudo está inserido.
A partir desse entendimento, iniciamos a análise pelas condições materiais
para o desenvolvimento da indústria brasileira de máquinas agrícolas, por exemplo,
analisando a evolução da produção siderúrgica, a instalação do setor automotivo
até chegarmos à consolidação do segmento de bens de produção, inclusive com a
presença de fábricas de tratores e outros equipamentos para a agricultura. Da
mesma forma, estudamos a importância das principais políticas econômicas
implantadas no país até chegarmos aos planos específicos que estimularam a
inserção das grandes empresas desse segmento industrial. Ou seja, procuramos
partir da análise dos elementos condicionantes do processo até chegarmos à
conjuntura na qual esse ramo da indústria está inserido; portanto, buscando
compreender a dinâmica, a complexidade desse processo.
Tendo como norte esse método, realizamos a coleta de dados e informações
em diversas publicações e de várias instituições, tais como do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE); da Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (ANFAVEA); do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea); em visualizadores de mercado, como o Market Screener, entre outros.
5
Também coletamos dados em estudos correlatos ao tema, como em livros,
pesquisas acadêmicas, revistas de estudos setoriais, entre outros.
Os dados primários, coletamos diretamente em pesquisa de campo,
visitando feiras agropecuárias em que se comercializa máquinas agrícolas – como
no Show Rural Coopavel (em 2019) –, onde pudemos entrevistar representantes
comerciais das principais empresas desse setor industrial.
Também obtivemos dados e informações por meio de visitas de estudo às
principais empresas desse segmento, nas quais conseguimos observar as suas
linhas de produção. Entre essas visitas, destacamos a pesquisa que realizamos na
unidade da John Deere, instalada no município de Horizontina – RS; na AGCO
Corporation, instalada no município de Canoas – RS, bem como na CNH Industrial,
instalada na cidade industrial de Curitiba – PR. Em anexo, apresentamos a lista de
visitas de estudo que realizamos na pesquisa de campo.
A seleção dessas unidades produtivas não foi aleatória, pois como podemos
observar pelo mapa 1, na atualidade esse segmento industrial se encontra
concentrado em poucos grupos. Ocorre que existem poucas marcas e que
pertencem, em maioria, aos três grandes conglomerados industriais acima citados.
Escrevemos essa tese em duas seções (compostas por quatro capítulos
cada), pois verificamos que a indústria brasileira de máquinas agrícolas se
desenvolveu, grosso modo, em duas fases: 1) a primeira marcada por sua gênese
à sua consolidação (mais ou menos, do final do século XIX até a década de 1970);
2) seguida por outra fase, caracterizada por um intenso processo de
desnacionalização da maioria das empresas brasileiras desse setor industrial.
No primeiro capítulo, estudamos as primeiras iniciativas de produção de ferro
no Brasil, bem como analisamos elementos da organização social e política
brasileira, verificando que ela privilegiou a economia agroexportadora, mas que ao
se apoiar no trabalho braçal acabou por utilizar pouca maquinaria agrícola, o que
contribuiu para atrasar a produção interna desse tipo de meios de produção.
No capítulo 2, observamos que no início do século passado surgiram
diversas fábricas (embora que artesanais) de instrumentos e máquinas agrícolas
que se instalaram nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, principalmente
nas regiões ocupadas por imigrantes italianos e alemães, que trouxeram de seus
países de origem conhecimentos técnicos sobre a produção industrial.
7
7
No capítulo seguinte, analisamos a influência do processo de
industrialização do país – que se intensificou a partir da chegada de Getúlio Vargas
ao poder – sobre o segmento de fabricação de máquinas e implementos agrícolas.
Nesse capítulo, também estudamos a influência das políticas econômicas voltas a
esse setor, especialmente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961)
em que, por exemplo, iniciou a fabricação interna de tratores agrícolas.
No capítulo 4, analisamos a importância da industrialização do país ao
estimular a migração de grande parte da população do campo para a cidade, o que
abriu espaço para o processo de modernização da agricultura que, por sua vez,
contribuiu para formar demanda para os produtos da indústria de máquinas
agrícolas. Além disso, também observamos que o mercado interno para esse
segmento industrial foi efetivado por meio de políticas econômicas, especialmente
a partir do crédito rural para investimentos.
No capítulo 5, analisamos a dinâmica da indústria de máquinas agrícolas a
partir da década de 1980, quando ocorreram profundas mudanças na política
econômica nacional, que deixou de priorizar a industrialização e enfraqueceu o
mercado interno para esse segmento industrial, por exemplo, reduzindo o montante
de recursos para financiamentos rurais e aumentando as taxas de juros.
Em seguida, no capítulo 6, observamos que as vendas e a produção desse
segmento industrial só se recuperaram no país a partir da década de 2000 quando
surgiram novas políticas econômicas, tais como o Moderfrota e o PSI Rural, que
aumentaram o volume de crédito rural disponível e reduziram as taxas de juros.
No sétimo capítulo, abordamos as particularidades da indústria de máquinas
agrícolas instalada no Brasil, analisando a sua distribuição espacial, bem como os
fatores atrativos para esse segmento. Nesse capítulo, também estudamos a
relevância das inovações no processo produtivo no que se refere à competitividade
das empresas desse setor industrial.
No oitavo e último capítulo, analisamos a formação dos grandes grupos
internacionais que, na atualidade, controlam a indústria de máquinas agrícolas,
identificando o domínio do capital financeiro estrangeiro sobre esse setor industrial,
o que o tornou fortemente oligopolizado.
Enfim, acreditamos que se trata de uma temática complexa e que esse
estudo, dentro de seus limites, pretende contribuir para a sua interpretação.
8
SEÇÃO I
DA SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES À CONSOLIDAÇÃO DA INDÚSTRIA
BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
9
CAPÍTULO I
AS CONDIÇÕES GERAIS PARA O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS
DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS NO BRASIL
Igual a qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela [a máquina] se destina a baratear mercadorias e a encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si mesmo, a fim de encompridar a outra parte da sua jornada de trabalho que ela dá de graça para o capitalista. Ela é meio de produção de mais-valia (MARX, 1984a, p. 7).
Nesse capítulo, analisaremos as primeiras iniciativas de produção de ferro
no Brasil; o desempenho do setor agroexportador; bem como a importância da
organização política e social brasileira para a instalação das primeiras fábricas de
máquinas agrícolas do país, que surgiram ainda no final do século XIX.
1.1 O Desenvolvimento da Maquinaria
O termo “máquina” tem uma designação que, em geral, nos remete a um
“instrumento” ou a um conjunto de instrumentos que servem para auxiliar no
trabalho ou, até mesmo, para substituir o trabalho humano já que as máquinas
podem transmitir e transformar energia em movimento.
Aparentemente, trata-se de um termo simples, mas que por serem utilizadas
na relação sociedade e natureza (nas atividades econômicas) as máquinas se
inserem em um contexto que abriga múltiplas determinações, conforme mencionou
Marx (1984a).
De acordo com o dicionário Aurélio da língua portuguesa, o termo máquina
provém de machina (do latim) que deriva de machaná (grego dórico) ou de
mechané (do grego jônico). Designa um aparelho ou um instrumento para
comunicar movimento ou para aproveitar ou, ainda, para transformar uma energia
em movimento (FERREIRA, 2009).
Segundo o léxico grego-inglês de Liddell e Scott, máquina vem de machina,
do latim, e dos termos μηχανή (do grego jônico) e μαχανά (do grego dórico). O
termo designa: “instrument, machine for lifting weights and the like” (LIDDELL;
SCOTT, 1883, p. 964). Isto é, na primeira designação, trata-se de um instrumento
10
“para levantar pesos e similares”. Segundo esse léxico, podemos verificar, também,
a existência dos termos μηχανή e μαχανά derivam de μῆχος (também do grego),
No entanto, a generalização ou a simplificação que esse termo recebeu pode
induzir a erros. Por exemplo, Marx menciona que os manuais de matemática e
mecânica, publicados até meados do século XIX, definiam: “[...] a ferramenta como
uma máquina simples e a máquina como uma ferramenta composta” (MARX,
1984a, p. 7). Dessa forma, uma alavanca, um parafuso, um fuso ou uma cunha
seriam “máquinas simples” ou “potências simples”.
Por outro lado, alguns estudiosos de mecânica e de produção industrial
procuraram distinguir as ferramentas das máquinas. Por exemplo, Schultz apud
Marx (1984a) afirma que quando o homem usa a ferramenta, ele é a força motriz,
enquanto que na máquina a ferramenta é movida por uma força motriz não-
humana, como por tração animal, força da água, do vento etc. Marx, verifica que,
nessa ótica, um arado – um instrumento simples e antigo – puxado por bois poderia
ser considerado uma “máquina”, mas um tear de Claussen1 – capaz de aprontar 96
mil malhas por minuto – seria considerado uma mera “ferramenta”, pois era movido
pela mão de um único trabalhador.
Ressaltamos que não é o tipo de força motriz aplicada que nos dirá se
estamos diante de uma ferramenta ou de uma máquina. Pelo contrário, Marx
verifica que toda maquinaria constitui-se de três partes essencialmente distintas: a
máquina motriz, o mecanismo de transmissão e a máquina ferramenta ou de
trabalho. A máquina motriz produz sua própria força, ela é a força motora de todo
o mecanismo. A máquina a vapor ou a máquina eletromagnética serviriam de
exemplo, de acordo com Marx. O mecanismo de transmissão é composto por
volantes, eixos, rodas dentadas, rodas-piões, correias, caixas de mudança de
movimento etc. E não podemos esquecer que tanto a máquina motriz, como o
mecanismo de transmissão, existem com a função de conduzir o movimento à
máquina-ferramenta, aquela que age sobre a matéria a ser transformada.
Ao rebater a ideia de que a força motriz seria determinante em uma máquina,
1 O tear circular ou de Claussen foi uma das invenções que contribuíram consideravelmente para o aumento da produtividade da indústria têxtil da Inglaterra (MARX, 1984a).
11
Marx ressaltou que a máquina-ferramenta, por ser a única que age diretamente
sobre o objeto do trabalho, é a mais importante para a produção, pois: “é dessa
parte da maquinaria, a máquina-ferramenta, que se origina a revolução industrial
do século XVIII.” (MARX, 1984a, p. 8).
Entendemos que essa definição – apesar de ter sido levantada por Marx por
volta de 1860 – é fundamental, pois, como explicaremos adiante, as mudanças que
ocorreram a partir daquela época foram importantes, mas incrementais, isto é, não
revolucionando a maquinaria no sentido de invalidar essa definição de máquina em
três partes (motriz, transmissão e máquina-ferramenta). Por exemplo, mostraremos
a diante que um trator agrícola utilizado na atualidade, por “mais moderno” que seja
ainda conserva a mesma estrutura: 1) uma parte motriz, um motor movido
geralmente a óleo diesel; 2) um sistema de transmissão com suas engrenagens,
rodas dentadas, volantes, eixos, correias etc.; 3) e a máquina-ferramenta, isto é, os
mais variados implementos agrícolas acoplados ao trator.
A partir dessas considerações, ressaltamos que utilizaremos o termo
“máquina” contemplando os meios de produção mecânicos empregados na
agricultura, tais como tratores, colheitadeiras de grãos, pulverizadores (para a
aplicação de químicos), adubadores (autopropelidos), bem como máquinas para o
plantio e outros implementos utilizados nas lavouras, principalmente na produção
de grãos, tais como soja, milho, trigo, entre outros.
1.2 As Máquinas e o Aumento da Produtividade do Trabalho
Nas primeiras décadas do século XIX a maquinaria já começava se difundir,
especialmente na Inglaterra, o que levou alguns economistas a estudarem a sua
relevância para a produção. Inclusive, David Ricardo dedicou um capítulo de seu
livro Princípios de Economia Política e Tributação ao estudo da maquinaria. No
capítulo 31 do referido livro, Ricardo (1982) ressalta que inicialmente imaginava que
as máquinas seriam boas para todos, mas que em seguida verificou que com o
tempo, elas poderiam causar desemprego, pois substituíram parte dos
trabalhadores. Porém, Ricardo acreditava que o aumento da produtividade do
trabalho compensaria, pois a maquinaria estimularia o crescimento econômico,
abrindo novos postos de trabalho, de modo que os trabalhadores desempregados
12
em alguns setores poderiam ser reempregados em outros.
No capítulo 13 (Maquinaria e a Grande Indústria) do livro primeiro de O
Capital, bem como no livro Teorias da Mais-Valia, Marx criticou a interpretação de
alguns economistas ingleses, especialmente o entendimento do próprio D. Ricardo,
em relação à utilização da maquinaria. Marx (1983b), afirma que Ricardo fez
apologia às máquinas, negando as consequências sociais provocadas pela sua
utilização no sistema capitalista; isto é, ocultando o fato de que nesse sistema de
produção as máquinas ajudam a agravar o processo de separação dos
trabalhadores dos meios de produção2. Por outro lado, Marx (1984a) concorda que
as máquinas são utilizadas para tornar o trabalho mais produtivo. No seu
entendimento, isso ocorre porque elas encurtam a parte da jornada de trabalho
necessária para pagar os custos da força de trabalho (salários etc.); portanto,
alongando a parte da jornada correspondente ao proprietário da máquina. Em
outras palavras, ele afirma que a maquinaria produz uma mais-valia relativa
(trabalho excedente), já que o custo da força de trabalho é diretamente reduzido.
Além disso, as máquinas reduzem indiretamente o custo da força de trabalho ao
baratear as mercadorias consumidas pelos trabalhadores. Portanto, Marx verifica
que as máquinas são importantes para os próprios trabalhadores.
Aliás, no volume terceiro de Teorias da Mais-Valia, ele escreve:
Sem dúvida, as máquinas barateiam por dois motivos: emprego de máquinas para produzir matérias-primas com que se constroem as máquinas; emprego de máquinas na transformação desse material em máquinas.” (MARX, 1985b, p. 1409).
Para além das discordâncias e concordâncias de Marx e Ricardo em relação
à maquinaria, ressaltamos que suas colocações nos levam à analisar o
desenvolvimento da indústria de máquinas agrícolas considerando o contexto
econômico e social, pois observamos que um determinado meio de produção para
ser utilizado na agricultura requer, além de uma estrutura industrial preexistente,
importantes transformações nas atividades agrícolas, no segmento que as utilizará.
2 No livro primeiro de O Capital, ele afirma que: “onde a máquina se apodera paulatinamente de um setor da produção, produz miséria crônica nas camadas de trabalhadores que concorrem com ela.” (MARX, 1984a, p. 48-49). Mas, como abordaremos nessa pesquisa, a utilização de maquinaria é de suma importância para a produção em geral.
13
1.3 A Importância da Mineração de Ferro e da Siderurgia para o
Desenvolvimento da Indústria de Máquinas Agrícolas
As condições fundamentais para o desenvolvimento da indústria de
máquinas repousam sobre uma estrutura industrial preexistente, pois as matérias-
primas utilizadas em sua fabricação, apesar de terem origem no setor primário
(mineral), têm que ser industrializadas, sendo transformadas em blocos, chapas de
ferro, aço etc.
A partir desse entendimento, começaremos a análise realizando um breve
resgate sobre a evolução da mineração e da produção de ferro no Brasil.
Pela bibliografia, documentos históricos, entre outros materiais que tivemos
acesso, acreditamos que foi a partir da vinda da Corte portuguesa (1808) que a
mineração de ferro, bem como a produção de ferro, passaria a ser encarada como
importante para o desenvolvimento da colônia3. Ocorre que juntamente com família
real portuguesa, vieram para o Brasil alguns europeus com conhecimento técnico
sobre mineração e produção de ferro, como o engenheiro francês Jean-Antoine
Monlevade, o capitão alemão Frederico Luís Guilherme Varnhagen e seu
compatriota, Wilhelm Ludwig von Eschwege (também conhecido como “Barão de
Eschwege”), não raramente identificado como “o pai da Geologia brasileira”.
Observamos que a extração de minério de ferro, bem como a siderurgia e
até mesmo a fabricação de alguns instrumentos mais simples (atividades
metalúrgicas) para o trabalho agrícola, devem ter surgido no Brasil ainda durante o
período colonial. Pois, tanto os estudos de Vergueiro (1979) como os de Eschwege
(1979) – que foram publicados ainda no início do século XIX4 – assinalam que no
final do século XVI já existia, na região de Sorocaba – SP, uma pequena fábrica de
ferro, onde mais tarde seria instalada a Real Fábrica de Ferro de Ipanema, que
fabricava diversos tipos de instrumentos de ferro, mas que logo entraria em
decadência devido à falta de conhecimento técnico; à precariedade das vias de
3 Como destacou, Mamigonian (2000), até o início do século XIX era proibido (pela Coroa Portuguesa) desenvolver atividades industriais no Brasil. Mas, logo depois da vinda da Corte foi editado o Alvará de 28 de abril de 1809, que passou a autorizar a instalação de atividades fabris no território brasileiro. Ver: Brasil (1891, p. 46-48). 4 O estudo do senador Vergueiro – em que ele escreve sobre a História da fábrica de Ipanema – foi publicado em Portugal no ano de 1822. O estudo de Eschwege foi publicado na Alemanha em 1833 e trata-se de uma importante contribuição sobre as riquezas minerais do Brasil (Pluto Brasiliensis).
14
transporte; ao escasso mercado consumidor interno e à falta de apoio
governamental. Aliás, Eschwege (1979), relatou que em 1803 conheceu em
Portugal alguns instrumentos simples, como facas e tesouras5, que foram
fabricados na província de Goiás por volta da última década do século XVIII.
Quando chegou ao Brasil, em 1811, ele constatou a existência de diversas forjas
de ferro na província de Minas Gerais, pois as próprias fazendas possuíam
pequenas fábricas artesanais para forjar instrumentos agrícolas. Geralmente, elas
eram conduzidas por escravos negros ou por mulatos libertos que possuíam
conhecimentos6 para trabalhar esse metal por meio de um sistema africano
conhecido como cadinho (em fornos baixos)7.
Apesar das dificuldades daquela época, verificamos que alguns
empreendimentos maiores começaram a ser instalados na colônia. Segundo
Vergueiro (1979), a partir de 1810 a corte portuguesa, já abrigada no Rio de Janeiro,
iniciou a instalação de uma fábrica de ferro que seria conduzida pelo capitão
Frederico Luís Guilherme Varnhagen, um alemão experiente em mineração e
siderurgia. O capital monetário necessário para a construção da Fábrica de Ferro
São João de Ipanema (instalada na atual região de Sorocaba – SP) saiu dos cofres
do governo português e da província de São Paulo, além da participação de
acionistas privados que foram conquistados junto aos contatos da Corte.
Outra fábrica de ferro construída com apoio financeiro da Coroa Real
portuguesa, foi a Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar, inaugurada em Minas
Gerais em 1815. Esse estabelecimento foi dirigido por um mineralogista (de origem
portuguesa) nascido na província de Minas Gerais, chamado Manuel Ferreira da
Câmara. Eschwege (1979), visitou essa fábrica e teve acesso a um relatório técnico
(feito por um mestre fundidor alemão), no qual ele verificou muitos problemas,
especialmente em relação às instalações, que precisavam ser reparadas
constantemente devido à falta de água, principal fonte de energia utilizada naquela
época. Também verificou que as despesas da fábrica eram enormes, inclusive com
5 Isso nos mostra que, provavelmente, também era possível a fabricação interna de ferramentas agrícolas mais simples, tais como enxadas, foices, pás, entre outras. 6 Como lembrou Prado Jr. (2000), muitos dos africanos que foram trazidos para o Brasil possuíam conhecimentos sobre artes em metais. 7 Na região de Itabira – MG, Eschwege encontrou algumas ferrarias que já possuíam condições para fabricar diversos produtos, inclusive armas de fogo: “o proprietário possuía várias forjas de ferreiro para fundição de ferro, e uma pequena máquina de perfurar, para fabricação de canos de espingarda.” (ESCHWEGE, 1979, p. 204).
15
a perda de animais (bois e burros) utilizados no serviço, o que encarecia os custos
produtivos (gerando saldos negativos, inclusive).
O próprio Eschwege, com apoio de 10 acionistas particulares, fundou em
1811 uma fábrica de ferro (Fábrica de Ferro do Prata) em Congonhas – MG, que
começou produzir ainda em 1813. Nessa empresa, ele enfrentou diversos
problemas, tais como a precariedade no fornecimento de carvão e, principalmente,
a falta de mão de obra qualificada para a atividade. Apesar desses problemas a
sua fábrica teria obtido lucros, especialmente no biênio 1819-1820, ao contrário do
que ocorreu com as outras duas empresas citadas, que obtiveram prejuízos,
inclusive aos cofres do erário público8.
Nesse período, outras fábricas de ferro surgiram, especialmente na província
de Minas Gerais. Por exemplo, em 1817 o engenheiro francês, Jean-Antoine
Monlevade, veio para o Brasil e fundou a fábrica de ferro de Caeté – MG. Em 1825,
ele montou uma forja em Itabira e em 1827 construiu uma usina de ferro em São
Miguel de Piracicaba (no atual município de Rio Piracicaba – MG), empresa que
funcionaria até 1895.
Aliás, De Paula (1983) observou que nas primeiras décadas do século XIX,
praticamente em todo o território mineiro, a quantidade de forjas operando era
semelhante à de teares.
No entanto, naquele período a metalurgia não se desenvolveu como se
esperava. No entendimento do barão Eschwege, a falta de incentivos por parte do
governo português, foi o que mais contribuiu para o fracasso das fábricas de ferro
que surgiram nas primeiras décadas do século XIX. No seu entendimento, além
dos meios de transporte que eram precários, faltava também mão de obra
qualificada para a metalurgia, pois os negros na condição de escravos não se
motivavam para essa atividade e os brancos não eram afeitos à disciplina do
trabalho. Ele relata que mesmo os homens brancos pobres possuíam um ou dois
escravos para o trabalho, assim como não era raro encontrar até mesmo mulatos
8 Segundo os dados que Eschwege recebeu de seu compatriota, F. Varnhagen, de 1815 a 1821 a fábrica de ferro de Ipanema obteve uma produção com valor de 73.061.307 réis, mas as despesas do período alcançaram 100.350.479 réis, resultando, portanto, em 27.289.200 réis de prejuízo. Grande parte dessas despesas era resultado da má administração anterior e da reforma que Varnhagen teve que fazer na fábrica a partir de 1815. No período 1815 a 1821 a fábrica de ferro do Morro do Pilar obteve uma produção de 6.865 arrobas de ferro, avaliadas em 13.730.000 réis, mas as despesas do período totalizaram 44.284.000 réis, por conseguinte, resultando em 30.554.000 réis de prejuízo (ESCHWEGE, 1979).
16
livres que possuíam seus escravos9.
De Paula (1983), também entende que naquela época praticamente não
ocorreu apoio governamental à indústria, pois quando havia uma política tributária
que beneficiava a produção manufatureira, logo surgia outra que reestabeleceria o
liberalismo comercial, favorecendo as exportações (o que era bom), mas também
as importações, o que atrasou o desenvolvimento industrial do Brasil.
O que pretendemos ressaltar é que essa política contraditória – que aliás já
foi destacada por Mamigonian (2000) – contribuiu para a falência da maioria das
fábricas de ferro que surgiram no início do século XIX10.
1.4 Abertura dos Portos e a Contraditória Política de Incentivos às Atividades
Industriais
Anteriormente, observamos que a vinda da família real portuguesa para o
Brasil gerou mudanças na economia colonial, inclusive fazendo surgir algumas
atividades industriais. Mas, também há de se mencionar que o processo de
Abertura dos Portos (1810) levantou alguns obstáculos para as atividades
industriais embrionárias, à medida que elas não estavam preparadas para enfrentar
a concorrência dos produtos estrangeiros.
Ao estudar a economia brasileira do período colonial, Mamigonian (2000)
verificou que, por estar articulada ao centro dinâmico da economia mundial, ela
gerou políticas economia que reagiram às mudanças ocorridas nos países
industrializados. Essas mudanças externas estimularam o surgimento de atividades
econômicas internas paralelas à economia principal. Em seu entendimento, ainda
no final do século XVII e início do XVIII a economia colonial já teve que reagir às
variações do fluxo do comércio exterior, quando a concorrência do açúcar de cana
produzido nas Antilhas reduziu as exportações brasileiras, resultando em
9 “O branco, mesmo quando pobre, não move uma palha, pois até na vadiagem encontra com que viver. O mais das vezes, limita-se a possuir um escravo, que se encarrega de sustentá-lo.” (ESCHWEGE, 1979, p. 264). 10 Em 1831 foi fechada a Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar e, em 1860, a Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, que foi reaberta em 1865 para fabricar armas para a Guerra do Paraguai, mas que foi definitivamente fechada em 1895. Mas, apesar das dificuldades enfrentadas um relatório do engenheiro francês, Monlevade, aponta que em 1853 existiam 84 forjas na área central da província de Minas Gerais e que empregavam cerca de duas mil pessoas (DE PAULA, 1983).
17
subutilização da mão de obra existente nas fazendas. Parte dos fazendeiros
conseguiu utilizar a força de trabalho ociosa liberando os escravos (um dia ou dois
por semana) para cultivar alimentos para subsistência.
Mamigonian, também apresenta outros exemplos de mudanças ocorridas na
economia colonial brasileira em períodos de recessão. Por exemplo, quando a
extração de ouro se tornou decadente em Minas Gerais (a partir de meados do
século XVIII) as fazendas daquela província começaram desenvolver uma série de
atividades artesanais, tais como a confecção de panos costurados em teares
rudimentares, de modo a utilizar a mão de obra ociosa e gerar renda alternativa.
A partir desse entendimento, constatamos que no período em que surgiu as
primeiras fábricas de ferro no Brasil se fazia imprescindível uma substituição de
importações, inclusive por meio de atividades industriais, pois coincidiu com uma
fase de instabilidade nas economias europeias, principalmente a partir da queda de
Napoleão Bonaparte (1815) e da diminuição do comércio exterior, conforme
observou Kondratieff (1947). Porém, como mencionamos anteriormente, a política
econômica utilizada pela Corte portuguesa para a sua colônia se mostrou
contraditória. Há de se frisar que a vinda da monarquia portuguesa traria, do ponto
de vista legal, a permissão para se instalar atividades industriais na colônia, pois,
como ressaltou Mamigonian (2000), o Alvará de 28 de abril de 1809 autorizava a
instalação de fábricas11. Mas, por outro lado, o Acordo de 19 de fevereiro de 1810
acabou debilitando a indústria brasileira nascente, pois os produtos manufaturados
ingleses foram beneficiados com tarifas especiais12.
Aliás, no capítulo 1 do livro quarto da Riqueza das nações, Smith (1996)
apontou o comércio externo como uma importante fonte de riqueza ao compensar
os limites do mercado interno13. E no capítulo 2 do referido livro, ele ressaltou que
11 O referido alvará contém 7 parágrafos, concedendo isenção de impostos na Alfândega para as importações de matérias-primas para a indústria instalada no país (parágrafos I e II); o Governo dava preferência de comprar fardamentos para as tropas de fábricas brasileiras (parágrafo III); dentro do possível não se recrutaria soldados que fossem operários das fábricas e da agricultura (IV); previa apoio financeiro para investimento em máquinas e expansão das fábricas (V); concederia patente de direito de invenção (com duração de 14 anos) para os inventores de máquinas e técnicas industriais, devendo ao término do período serem entregues ao domínio público (VI) e o parágrafo VII previa incentivos à marinha mercantil, inclusive reduzindo impostos na Alfândega (BRASIL, 1891, p. 46-48). 12 Como destacou Simonsen (1957), esse acordo com a Inglaterra aniquilou as manufaturas brasileiras. 13 No capítulo 7 do citado livro, Smith (1996) observou que o monopólio do comércio colonial permitiu à Inglaterra obter uma lucratividade muito superior à alcançada em seu mercado interno.
18
uma das formas de proteger o mercado interno para as manufaturas nacionais é
restringir as importações de produtos similares por meio de tarifas alfandegárias
ou, simplesmente, proibindo os importados. Ou seja, segundo os apontamentos de
Smith acreditamos que a Inglaterra receitava um modelo de política liberal,
buscando favorecer suas exportações, porém “negava” os princípios do liberalismo
ao reservar o mercado doméstico para sua indústria14.
Em relação à produção de ferro, Eschwege (1979) inclusive criticou os
portugueses por serem despreparados do ponto de vista técnico e administrativo,
relatando que até os padres davam palpites na siderurgia. Mas, acreditamos que
as contradições expressas nas políticas econômicas implantadas no Brasil, sob o
comando dos portugueses, são resultado da própria relação contraditória entre
Portugal e a Inglaterra, um país influente econômica e militarmente que receitava o
liberalismo, mas que praticava o protecionismo.
1.5 A Dualidade da Economia Brasileira e a Orientação para o Mercado
Externo
Acreditamos que as decisões políticas, por insistirem no mercado externo
em uma conjuntura de recessão da economia mundial (e que resultou em
desvantagens à economia brasileira), não foi fortuito. Ao contrário, foi uma
alternativa que representou a vontade, embora que contraditória, das classes
sociais que estavam no poder na primeira metade do século XIX, pois essa política
econômica é fruto de um pacto de poder que se firmou nesse período. Ao analisar
a economia brasileira, Rangel (1981) verificou que nos períodos recessivos da
economia mundial – aquilo que o autor chama de fases “b” dos ciclos longos ou
ciclos Kondratiev15 – se formaram alianças entre duas classes sociais, uma mais
14 Ora, como destacou Chang (2004), no período 1821-1825 a Grã-Bretanha utilizou tarifas alfandegárias de 53,1% para proteger a sua indústria (e de 47,2% no período 1826-1830). Ou seja, o discurso liberal dos ingleses daquela época, na prática, já servia aos seus interesses econômicos expansionistas. Portanto, observamos que o “incompreensível” Acordo de 19 de fevereiro de 1810 (a sujeição da economia brasileira aos interesses mercantis ingleses) não foi acidental, pois ele surgiu em um período em que a monarquia portuguesa se viu obrigada a ceder aos interesses econômicos da Inglaterra, país que lhe deu apoio militar quando o exército de Napoleão invadiu o reino de Portugal. 15 O economista e estatístico russo Nicolai Kondratiev foi o primeiro que tentou explicar a existência dos chamados ciclos longos da economia. Grosso modo, esses ciclos se caracterizam por períodos
19
madura para assumir o controle político, aliada a outra classe subalterna,
importante para o acordo, mas que na referida conjuntura não teria experiência
política suficiente para conduzir a economia nacional.
De acordo com esse autor, na fase recessiva ou “b” do 1º ciclo longo (1815
a 1848, mais ou menos) a aliança política foi forjada entre a classe dos fazendeiros
escravistas (de certa forma, com experiência política tecida no período colonial) e
o capital mercantil brasileiro, que era uma dissidência do velho capital mercantil
português, aquele que controlava (via monopólio mercantil) a economia brasileira
antes da vinda da Corte portuguesa. Portanto, o pacto entre fazendeiros escravistas
e os comerciantes brasileiros, caracterizava-se por uma unidade que visava
controlar a economia, mas contendo interesses conflitantes como, por exemplo, o
dos comerciantes que lutavam por um livre mercado articulado às atividades
urbanas, o que não interessava aos senhores de escravos que se beneficiavam
das exportações agrícolas, mas que não se interessavam em produzir para o
mercado interno que naquela época era porco expressivo. A esses pactos, firmados
entre classes com interesses, por um lado, comuns e, por outro, contraditórios,
Rangel (1981) chamou de dualidade básica da economia brasileira.
Há de se ressaltar que as alianças desse período, de certa forma, retardaram
a industrialização brasileira, inclusive do setor de máquinas agrícolas que
analisamos nessa pesquisa, pois a poderosa classe dos fazendeiros julgou que
seria mais lucrativo investir nas exportações, inclusive em um período recessivo
para a economia dos países centrais. Pelo gráfico 1, podemos observar o
desempenho das exportações agrícolas brasileiras no período 1821-1848. Se
analisarmos a evolução das exportações desse período, especialmente de café e
de açúcar, verificaremos que ocorreu um considerável aumento, particularmente a
partir da década de 1830, ao contrário das exportações de algodão que estiveram
praticamente estagnadas nesse período. Porém, se analisarmos o valor das
exportações – o que mais interessa quando se analisa o desempenho da balança
comercial –, perceberemos que a recessão desse período fez cair a cotação
internacional desses produtos. Por exemplo, em 1821 a tonelada de algodão em
de mais ou menos 25 anos de prosperidade, sucedidos por períodos (de semelhante duração) marcados por crise e recessão. Nessa pesquisa, utilizaremos a datação dos ciclos longos fornecida pelo próprio Kondratieff (1946).
20
pluma foi exportada a 86,7 libras esterlinas (£), mas em 1848 o preço caiu para £
44,7 a tonelada. O açúcar foi exportado, em 1821, a £ 31,2 a tonelada, mas em
1848 caiu para £ 14,4. Ou seja, o aumento na quantidade das exportações de
açúcar reflete um falso sucesso, pois as vendas saltaram de 35.168 para 114.101
toneladas no período 1821-1848, porém o valor total das exportações desse
produto estiveram praticamente estagnadas, passando de £ 1,1 milhão para £ 1,7
milhão (IBGE, 1941).
Gráfico 1 Evolução das exportações dos principais produtos agrícolas brasileiros – 1821-1848
Nota: Para o café os números foram arredondados porque transformamos os dados originais, que estavam em sacas de 60 kg, para toneladas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Comércio Exterior do Brasil (IBGE, 1941).
Em relação ao valor das exportações de café, observamos que a queda foi
ainda maior. Em 1821 a tonelada foi exportada a £ 91,9, mas caiu para £ 20,9 em
1848. O valor total das exportações desse produto passou de £ 704 mil, em 1821,
para £ 2,9 milhões em 1848, o que demostra crescimento nesse período. Mas, até
1831 o valor das exportações de café também esteve estagnado, pois a
recuperação só ocorreu a partir da década de 1830 (IBGE, 1941).
Consequentemente, essa estagnação no valor das exportações brasileiras
refletiria no intercâmbio comercial com outros países. Pelos dados do Comércio
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8
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Algodão em pluma Café Açúcar
21
Exterior do Brasil, podemos analisar a relação exportação/importação com seus
principais parceiros estrangeiros daquele período, que eram a Alemanha, França,
Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Com os Estados Unidos (3º maior parceiro da
época) o saldo comercial brasileiro foi positivo, tanto no biênio 1842/43 (com
114,1%) como em 1852/5316, no qual o saldo foi ainda mais expressivo, alcançando
312,4% (o Brasil exportou o equivalente a £ 2,6 milhões e importou £ 848,3 mil).
Com a Alemanha o Brasil também obteve saldo positivo (194,2%) no primeiro
biênio, mas foi negativo em 1852/53, quando o valor das exportações não
ultrapassou 69,5% do valor das importações. Com a França (2º maior parceiro da
época) o intercâmbio foi deficitário nos dois períodos, no primeiro biênio as
exportações alcançaram o equivalente a 40,6% das importações e em 1852/53 foi
de apenas 36,6%. Com a Grã-Bretanha (maior parceiro comercial do período)
também ocorreu déficit nas relações comerciais; em 1842/43 as exportações
equivaleram a 46,6% das importações daquele país e no biênio 1852/53
alcançaram 53,0% do valor das importações (IBGE, 1941)17.
Há de se mencionar que nessa conjuntura econômica desfavorável à
balança comercial a indústria brasileira, rudimentar, foi duramente atingida, devido
à concorrência dos produtos estrangeiros (principalmente dos ingleses). Nesse
período, até mesmo as maiores fábricas de ferro, inclusive as que receberam
financiamento do Estado, não resistiram à recessão. Por exemplo, em 1822 o barão
Eschwege retornou para a Europa e, aos poucos, a Fábrica Patriótica (que
fabricava ferro em Congonhas – MG) virou ruinas. E como destacamos
anteriormente, em 1831 foi fechada a Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar e em
1860 a Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema18.
Porém, ao contrário do que ocorreu no período anterior, a partir da segunda
metade do século XIX a balança comercial brasileira melhorou significativamente,
pois ao iniciar a fase ascendente do 2º ciclo longo (1849 a 1874) os países centrais
ampliaram suas exportações, expandindo, também, seus recursos para importar
produtos dos países periféricos, conforme destacou Rangel (1981).
16 Os dados do IBGE (1941), referem-se a apenas a dois biênios, 1842/1843 e 1852/1853. 17 Com Portugal (histórico parceiro comercial brasileiro) o déficit também foi grande. No primeiro período foi de -23,9% e no biênio 1852/53 foi de -47,9% (IBGE, 1941). 18 Aliás, Mamigonian (2000) observou que a concorrência das manufaturas inglesas não poupou nenhuma das fábricas recém instaladas no Brasil, inclusive as do setor têxtil que produziam para o mercado interno.
22
Pelos dados do gráfico 2, podemos observar que as exportações de café
aumentaram constantemente de 1849-1899; as de açúcar aumentaram até 1887;
enquanto que as de algodão em pluma mantiveram-se, praticamente, estagnadas
nesse período. Além disso, a partir de 1849 os preços desses produtos
aumentaram consideravelmente. Por exemplo, no ano de 1849 a tonelada de
algodão em pluma era exportada a £ 29,0, aumentando para £ 56,0 no ano de 1861,
embora que tenha caído para £ 46,7 no ano de 1874. Mas, a partir da nova fase
recessiva da economia mundial os preços voltaram a cair. Em 1887 a tonelada de
algodão foi exportada por £ 50,5, mas caiu para £ 39,4 no ano de 1899.
Gráfico 2 Evolução das exportações dos principais produtos agrícolas brasileiros – 1849-1899
Nota: *Para o café os dados foram arredondados porque transformamos os dados originais, que estavam em sacas de 60 kg, para toneladas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Comércio Exterior do Brasil (IBGE, 1941).
Para as exportações de açúcar, observamos que no ano de 1849 o valor era
de £ 13,2 a tonelada; passando para £ 18,0 no ano de 1861; para £ 12,3 em 1874;
para £ 5,6 em 1877 e para £ 12,8 no ano de 1899. Portanto, verificamos que o valor
do açúcar esteve mais estável (com exceção do ano de 1874), o que deve ter
favorecido as exportações, inclusive em um novo período depressivo da economia
180.075505.582
318.325 202.536
1.998.982
2.361.317
3.573.114
4.860.419
1.521.325
1.687.473
2.574.263
1.736.631
0
1000000
2000000
3000000
4000000
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1849-1861 1862-1874 1875-1887 1888-1899
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Período
Algodão em pluma Café Açúcar
23
mundial (ocorrido entre 1874 e 1895, mais ou menos).
O preço do café subiu durante a fase expansiva do 2º ciclo longo, mas caiu
durante a fase recessiva, o que é de se esperar da conjuntura econômica mundial,
segundo o próprio Kondratieff (1946)19. Por exemplo, no ano de 1849 a saca de 60
kg. de café foi exportada a £ 1,06; em 1861 o valor subiu para £ 2,39 e no ano de
1874 para £ 4,31 a saca. Mas, ao iniciar a nova fase depressiva da economia
mundial o preço voltou a cair, para £ 2,39, em 1887, e para £ 1,48 no ano de 1899
(IBGE, 1941)20.
Assim como ocorreu no período anterior, a partir de 1849 a balança
comercial brasileira também foi desfavorável. No período 1862/63 o valor das
exportações à Grã-Bretanha equivaleram a 91,1% das importações daquele país,
subindo para 98,6% no biênio 1872/73, mas regredindo para 78,4% no ano de
1901, o que retrata um déficit comercial, apesar de ter sido menos desigual do que
ocorreu nos biênios 1842/43 e 1852/53, como abordamos anteriormente.
Enfim, ressaltamos que no período que abrange a Independência do Brasil
ao final do século XIX a orientação das classes dirigentes do país (fazendeiros
escravistas e os comerciantes exportadores/importadores) não foi favorável à
industrialização, pois se restringiu às atividades agrícolas voltadas ao mercado
externo. De certa forma, isso é compreensível, pois se utilizou a capacidade
produtiva já instalada como as lavouras formadas, engenhos de açúcar etc.
Ademais, o Brasil não possuía uma estrutura para servir de base à industrialização,
19 Em seu estudo, Kondratieff (1946) verificou que os preços das mercadorias começam aumentar nos períodos prósperos da economia, atingindo picos nas fases onde ocorre a cisão, isto é, quando a economia entra em crise e depois em recessão. A partir dessa fase os preços começam a cair. Portanto que para iniciar um novo ciclo de crescimento os preços não podem estar inflacionados. 20 Em relação às exportações de algodão os dados expostos no gráfico 2 já refletem a recessão que ocorreria especialmente a partir de 1874. Para o açúcar e o café os dados quantitativos expressam sucesso nas exportações brasileiras, inclusive a partir da fase depressiva do 2º ciclo longo. Mas, se analisarmos o valor total obtido pelas vendas, verificaremos que especialmente a partir de 1875 a economia agroexportadora brasileira esteve estagnada. Por exemplo, no ano de 1849 se obteve o total de £ 2,2 milhões para o total de 2,1 milhões de sacas de 60 kg de café; em 1874 o valor subiu para £ 12 milhões para 2,8 milhões de sacas e em 1899 subiu para £ 14,5 milhões, mas no total foi exportado 9,8 milhões de sacas de café. Ou seja, o período em que correu um aumento considerável na receita obtida com o café foi o de 1849-74 (fase “a” do 2º ciclo longo), pois no período posterior o país teve que aumentar consideravelmente a quantidade de produto exportado para obter um aumento discreto na receita, o que obrigaria a produção interna ter tido um aumento de produtividade fantástico (o que provavelmente não ocorreu) para manter a lucratividade. A exportação de açúcar evoluiu de modo que em 1849 a receita foi de £ 1,7 milhão para 125 mil toneladas; em 1874 se obteve £ 1,9 milhão para 155 mil toneladas e em 1900 a receita foi de £ 1,4 milhão para 92 mil toneladas. Isto é, a partir de 1875 a exportação de açúcar estagnou e passou a regredir, efeito da depressão da economia mundial (IBGE, 1941).
24
o que deveria ser realizado por meio de políticas industriais específicas21.
Como indicamos anteriormente a orientação da economia do Brasil para o
mercado externo era receitada pela Inglaterra, inclusive apoiando-se na teoria de
Smith (1996) sobre as vantagens absolutas do comércio exterior, como do acesso
ao mercado consumidor, à matérias-primas e produtos diversificados. Além, disso
Ricardo (1982) mostrou que em determinados contextos o mercado externo pode
ser lucrativo inclusive às nações menos desenvolvidas, desde que elas atuem em
atividades em que o tempo de trabalho social gasto na produção seja relativamente
inferior; por conseguinte, resultando em vantagens (comparativas) a esses países
no comércio mundial22.
Nessa ótica, as atividades agrícolas para exportação eram consideradas
vantajosas ao Brasil se comparadas às de outros países.
1.6 A Orientação para a Economia Agroexportadora e as Primeiras Fábricas
de Máquinas Agrícolas no Brasil
Especialmente em relação à indústria de ferro, que é base para a fabricação
de máquinas agrícolas, o período que contempla a 1ª dualidade foi desastroso.
Inclusive, em 1880 o francês Henrique Gorceix, professor da Escola de Minas de
Ouro Preto23, fez apelos até em jornais de partidos políticos sobre a necessidade
do apoio governamental à siderurgia24, semelhante ao que W. Eschwege e o
senador Vergueiro fizeram no início do século XIX.
Aliás, o estudo de outro professor francês (Armand Bovet) da Escola de
Minas de Ouro Preto, publicado em 1883, nos mostra que no final do século XIX as
21 Apesar de estrangeiros, como o barão Eschwege (1979), mostrarem que seria possível instalar até a siderurgia no país; apesar de políticos como o senador Vergueiro (1979) defender a indústria de base, etc., não era uma classe industrial que estava no poder naquele período, o que contribuiu para essa situação: a negligencia com a industrialização do Brasil. 22 Ver capítulo 7 do livro Princípios de Economia Política e Tributação (RICARDO, 1982). 23 De acordo com Carvalho (2010), a Escola de Minas de Ouro Preto foi criada quando o próprio imperador D. Pedro II pediu para trazer da França o mineralogista Claude-Henri Gorceix, que em 1876 fundou a tal escola – inclusive sendo seu primeiro diretor – com o objetivo de estudar a mineralogia no Brasil. A partir de 1969 a Escola de Minas de Ouro Preto foi incorporada à Universidade Federal de Ouro Preto. 24 Por exemplo, em um artigo publicado em 01 de setembro de 1880, pelo jornal A Actualidade – do Partido Liberal de Minas Gerais –, H. Gorceix defendeu a importância da produção de ferro, inclusive sugerindo que o governo apoiasse a siderurgia (inclusive o ferro produzido no sistema de cadinho, mais antigo) por meio de prêmios para cada estabelecimento implantado; promovendo concursos e exposições, entre outras ações, o que poderia melhorar a qualidade do produto (GORCEIX, 1880).
25
fábricas de ferro daquela província ainda utilizavam sistemas artesanais de
produção, semelhantes aos métodos que o geólogo alemão, W. Eschwege,
encontrou ao visitar as pequenas fundições de Minas Gerais, no início daquele
século. Ou seja, a siderurgia brasileira havia “parado no tempo” 25.
Nessas condições, as poucas fábricas que resistiram à falta de apoio
governamental se dedicaram à fabricação de ferramentas mais simples. Pelos
relatos de Bovet (1883), podemos observar que nos anos 1880 se fabricava até
implementos agrícolas em Minas Gerais, tais como arados e charruas26. Gorceix
também relatou ter encontrado um estabelecimento, naquela província, capaz de
produzir, além de outros objetos, 1500 enxadas de aço por ano (GORCEIX, 1980).
Apesar dessa conjuntura desfavorável à industrialização, Mamigonian
(2000) acredita que as primeiras unidades industriais do Brasil surgiram no
Nordeste (principalmente na Bahia) porque durante a fase recessiva do primeiro
ciclo longo (1815-1848) reduziu as exportações brasileiras de açúcar, então os
comerciantes daquela região passaram a investir em atividades industriais mais
simples (especialmente no setor têxtil), inclusive para utilizar a parte da mão de
obra ociosa.
Aliás, Suzigan (1986) aponta que em 1905 ainda existiam no Brasil alguns
estabelecimentos do setor têxtil que foram fundados ainda nas primeiras décadas
do século XIX. Existiam três estabelecimentos na Bahia, um fundado em 1834,
outro em 1835 e o terceiro em 1844; dois estabelecimentos no Rio de Janeiro, um
fundado em 1840 e outro no ano de 1849; além de um estabelecimento localizado
em Minas Gerais que foi fundado em 1847.
Destaca-se que a indústria de máquinas agrícolas, embora que artesanal,
também começou se desenvolver ainda no século XIX, especialmente a partir da
década de 1850. A partir de informações retiradas do estudo de Marson (2012) –
sobre a origem dos empresários da indústria de máquinas e equipamentos de São
Paulo –, constatamos que as primeiras fábricas surgiram a partir da iniciativa de
25 Segundo Bovet (1883), no início dos anos 1880 existia na área central de MG cerca de 75 fábricas de ferro produzindo ferraduras, pregos e instrumentos agrícolas. Mas, o relatório de Monlevade, de 1853, já apontava a existência de mais de 80 fábricas desse tipo, o que demonstra a estagnação do setor, pelo menos em quantidade de estabelecimentos (DE PAULA, 1981). 26 A charrua é um tipo de arado que foi inventado durante a Idade Média (a partir do século XI). Por ser um implemento agrícola construído com ferro, é mais resistente que os arados de madeira e mais eficiente no revolvimento do solo, o que o tornou importante para a agricultura europeia (FRANCO JÚNIOR, 2001).
26
comerciantes importadores que possuíam oficinas destinadas ao conserto e à
fabricação de peças de reposição para as máquinas agrícolas importadas. Por
exemplo, em 1858 o imigrante Johan Ludwig Benjamin Faber (nascido em Berlim,
onde tinha uma fundição de ferro) abriu em Campinas – SP uma pequena fundição.
Além de consertar máquinas agrícolas, utilizadas especialmente no cultivo do café,
ele também começou fabricar peças para ferrovias e para máquinas agrícolas a
partir de matéria-prima importada da Alemanha27.
Outro exemplo é da Arens & Irmãos que foi fundada na década de 1870, no
Rio de Janeiro, por três irmãos formados em Engenharia Mecânica na Alemanha.
Ainda nos anos 1870 um dos proprietários se mudou para Campinas – SP, onde
começou montar e consertar máquinas agrícolas importadas, além de fabricar
alguns modelos mais simples. Inclusive, naquela época essa empresa era a única
importadora de máquinas a vapor e motores da Marshall Sons & Cia. da
Inglaterra28.
Também em Campinas surgiu, em 1875, a Cia. Mac-Hardy. Ela foi fundada
pelo imigrante escocês Guilherme Mac-Hardy, que veio para o Brasil para trabalhar
na Lidgerwood, uma importadora de máquinas. A empresa de Mac-Hardy expandiu
a partir da década de 1880, instalando uma fundição de peças para fabricar
máquinas especialmente para o beneficiamento de café. Inclusive, a partir dessa
época ela se tornaria uma sociedade anônima. Em 1893, Guilherme Mac-Hardy
retornou à Escócia, mas continuou como sócio da empresa que havia fundado no
Brasil (MARSON, 2012).
Marson, menciona que essas empresas importavam, consertavam e
fabricavam máquinas agrícolas utilizadas, especialmente na cafeicultura e nas
lavouras de cana-de-açúcar, mas não menciona que tipo de máquinas eram
produzidas no Brasil. Provavelmente, seriam máquinas do tipo transmissão e
ferramenta – conforme com a definição que utilizamos no início desse capítulo a
partir de Marx (1984a) –, portanto, não possuindo um motor próprio. Então,
acreditamos que elas deveriam ser acionadas por máquinas a vapor29.
27 Essa empresa existiu até 1909, quando paralisou totalmente as suas atividades (MARSON, 2012). 28 Segundo Marson, em 1889 essa empresa encerrou suas atividades em Campinas e teria se transferido para Jundiaí – SP. 29 Chegamos a essa hipótese porque naquela época já se utilizava máquinas a vapor no Brasil, pois, de acordo com o próprio estudo de Marson (2012), a empresa Arens & Irmãos importava máquinas a vapor da Marshall Sons & Cia, como mencionamos anteriormente.
27
Há de se frisar que as unidades industriais que surgiram na segunda metade
do século XIX, como as fábricas de máquinas agrícolas da região de Campinas que
destacamos anteriormente, resistiram a uma política econômica “titubeante”, pois
se alternaram períodos com medidas, de certo modo, protecionistas, sucedidos por
períodos com medidas liberais. Por exemplo, Mamigonian (2000) destaca que em
1844 acabou a vigência do acordo firmado entre a Inglaterra e Portugal sobre a
Abertura dos Portos, então no dia 12 de agosto daquele ano foi editada a Tarifa
Alves Branco – nome do ministro da Fazenda daquela época – que elevou os
impostos de importação à 30% para produtos que não possuíssem produção de
similares no Brasil e à 60% para os importados que pudessem ser fabricados
internamente30.
Para a importação de aço – matéria-prima utilizada inclusive pelas fabricas
de máquinas agrícolas – a referida tarifa (Decreto nº. 376 de 12 de agosto de 1844)
previa um imposto de 25%, pois, como já ressaltamos, naquela época a produção
de ferro no Brasil era totalmente artesanal, por conseguinte, não atendendo à
demanda interna. Aliás, no Brasil nem se produzia aço naquela época, o que nos
faz pensar que o país era dependente da importação dessa matéria-prima, o que
justifica a utilização de uma tarifa menor que a utilizada para a importação de outros
produtos não fabricados internamente (BRASIL, 1844)31.
Porém, a política econômica utilizada no Brasil a partir dos anos 1860
novamente deixou desprotegida as atividades industriais. Por exemplo, a Tarifa
Silva Ferraz (Decreto nº. 2.684 de 3 de novembro de 1860), elaborada por Ângelo
Moniz da Silva Ferraz (Ministro da Fazenda), baixou os impostos de importação
para apenas 5% (BRASIL, 1860).
Aliás, o Decreto nº. 5.580 de 31 de março de 1874 (Tarifa Rio Branco) foi
ainda mais liberal, à medida que concedeu a isenção de impostos de consumo na
Alfandega para uma quantidade enorme de produtos. Entre eles: aos modelos de
30 Essa medida parece acertada, pois era praticada por outros países, como pela Inglaterra que utilizava altas tarifas para proteger a sua indústria (como citamos anteriormente). Aliás, os Estados Unidos também se valia desse instrumento. Por exemplo, nessa época os EUA utilizou tarifas de 40 a 50% (CHANG, 2004). 31 Essa tarifa decidia o que iria ser importado. Por exemplo, a importação de joias de ouro e prata pagava apenas 4% de impostos e a de diamantes, só 2% (BRASIL, 1844). Lembrando que durante a fase expansiva do 2º ciclo longo a classe dos fazendeiros passou a ter vida luxuosa, construindo palacetes nas cidades, importando móveis de luxo, cristais, louças e outros artigos da Europa, como destacaram Rangel (1981) e Mamigonian (2000).
28
máquinas (§ 2º); aos instrumentos para a agricultura, oficinas mecânicas e aos
objetos de imigrantes colonos que viessem resistir no império (§ 3º); às máquinas
para a agricultura (para lavrar a terra e para preparar produtos agrícolas) e para
fábricas e oficinas – movidas a vapor, a água, ar, vento ou a eletricidade, ou
quaisquer outros motores, fixos ou locomóveis (§ 29º); às peças de máquinas para
reposição (§ 30º); à importação de alambiques, fornalhas, caldeiras, moinhos e
objetos semelhantes para uso da lavoura e das fábricas – artigo 31º (BRASIL,
1975).
Verificamos que essa tarifa foi extremamente agressiva à indústria brasileira,
pois no ano de 1874 – que marcaria o fim da fase ascendente do 2º ciclo longo,
entrando em uma fase recessiva, conforme destacou Kondratieff (1946) – iniciou
uma fase de falências no Brasil, a começar pelo Banco Mauá e pelo Banco
Nacional, conforme assinalou Luz (1957). Aliás, em outro artigo essa autora mostra
que ainda no ano de 1874 eclodiu diversos protestos, especialmente dos
fabricantes de chapéus do Rio de Janeiro que estavam falindo, devido à
concorrência de produtos mais baratos importados da Alemanha (LUZ, 1958a).
Porém, há de se destacar que a recessão que se instalou a partir dessa
época fez surgir uma nova tentativa de proteger a produção industrial brasileira. Por
exemplo, o Decreto nº. 7.552 de 22 de novembro de 1879 (de Affonso Celso de
Assis Figueiredo) elevou de 5% para 10% as tarifas sobre as importações. Mas, se
compararmos esses percentuais aos fixados pela Tarifa Alves Branco (de 1844),
que chegava a 60%, como destacamos anteriormente, verificaremos que a partir
de 1879 a incipiente indústria brasileira continuou desprotegida, sendo exposta à
concorrência dos produtos estrangeiros.
Mas, a partir do próprio estudo de Luz (1958a), verificamos que a essa altura
já “engatinhava” no Brasil uma classe industrial. Existiam desacordos, por exemplo,
entre industriais da tecelagem com os da indústria de fiação sobre alguns aspectos,
mas, por outro lado, já se cogitava a formação de associações industriais,
especialmente no Rio de Janeiro onde a indústria era mais madura.
Observamos que o próprio fato da classe latifundiária, nos anos 1880, ter se
levantado contra à industrialização, alegando que “faltaria mão de obra para a
agricultura”, considerada a única atividade lucrativa naquela época, conforme
observou Luz (1958a), também demostra que estava se engendrando conflitos
29
internos que exigiam mudanças, inclusive a formação de um novo pacto de poder,
uma nova dualidade, como diria Rangel (1981).
Constatamos que naquele período (a partir do Decreto nº. 8.360 de 31 de
dezembro de 1881) o capital mercantil voltaria a “mostrar suas garras”, derrubando
os impostos alfandegários. Mas, segundo Luz (1858a), ao longo da década de 1880
um sentimento nacionalista se fortaleceria e tentaria resistir a essa política liberal.
Ela destaca que os industriais (e até mesmo parte dos pequenos agricultores)
passaram a criticar a classe dos comerciantes – especialmente os importadores –,
inclusive defendendo a ideia de que o comércio externo teria que ser nacionalizado
para evitar a drenagem de recursos para o exterior.
1.7 A Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas e a Questão da Mão de Obra
no Século XIX
Na introdução desse capítulo, expomos uma citação de Marx (1984a), na
qual ele afirma que as máquinas têm como finalidade aumentar a produtividade do
trabalho ao substituir parte da mão de obra, reduzindo custos produtivos, o que
permite aumentar a extração de mais-valia. Isto é, aumentar a lucratividade do
capital. Portanto que as máquinas só são utilizadas, seja na indústria, seja na
agricultura, se elas forem mais produtivas que os trabalhadores que são capazes
de substituir: “a autovalorização do capital por meio da máquina está na razão direta
do número de trabalhadores cujas condições de existência ela destrói.” (Marx,
1984a, p. 48).
Em seu estudo sobre a questão agrária na Alemanha, realizado na virada do
século XIX para o XX, Kautsky (1986) verificou que a agricultura possui
especificidades que atrasam a sua mecanização. No seu entendimento, uma
dessas singularidades é o caráter sazonal do trabalho no campo, onde se tem
atividades que concentram as tarefas em certos períodos (geralmente, no plantio e
na colheita), o que deixa as máquinas ociosas em grande parte do ano,
especialmente onde o tamanho dos estabelecimentos rurais é reduzido. Além
disso, ele menciona que o principal fator que dificulta a inserção de máquinas na
agricultura é o baixo custo da mão de obra camponesa, pois: “quanto mais baixos
os salários, tanto mais difícil a introdução da maquinaria.” (KAUTSKY, 1986, p. 42).
30
Na mesma época, ao estudar as particularidades da agricultura na Rússia,
Lênin (1982) chegou a conclusões semelhantes às de Kautsky: “ora, é notório que
os baixos salários constituem um dos maiores obstáculos à introdução de
máquinas.” (LÊNIN, 1982, p. 147).
Celso Furtado, dedicou quatro capítulos de seu livro Formação Econômica
do Brasil, ao que ele chamou de “problema da mão-de-obra”. No seu entendimento,
por volta de 1850 o número de escravos no Brasil, provavelmente, não alcançasse
2 milhões de indivíduos e segundo o censo demográfico de 1872 havia diminuído
para 1,5 milhão de escravos; o que dificultaria o aumento da produção agrícola
devido à inelasticidade da oferta de trabalho. A alternativa, então, foi a busca de
trabalhadores estrangeiros, mas que se tornou cara em um primeiro momento,
obrigando o governo brasileiro a arcar com o custo do transporte dos imigrantes e
os cafeicultores com os gastos dos colonos até a colheita chegar32.
A eliminação do trabalho escravo, no entendimento de Furtado, também não
resolveria satisfatoriamente o problema da oferta de trabalhadores, pois na região
cafeeira de São Paulo os negros libertos passaram a receber salários relativamente
altos a ponto de baixar a produtividade do trabalho, pois Furtado acredita que
homens que haviam sido escravizados não responderiam a estímulos econômicos,
não trabalhando além de suas necessidades de subsistência.
De acordo com o estudo de Eltis e Richardson (2003), no período de 1801 a
1850 foram trazidos para o Brasil o total de 1,8 milhão de escravos africanos. Mas,
no período de 1851 a 1867 entraram apenas 6,9 mil escravos, inclusive devido à
proibição do tráfico que havia ocorrido a partir de 185033. Portanto, se fizermos uma
média a partir dos dados levantados por esses autores, verificaremos que no
período 1801-1850 entraram cerca de 36 mil escravos por ano, mas no período
posterior (1851-1867) a média anual caiu para 406 escravos.
Se considerarmos que os salários baixos são um “obstáculo” para a inserção
de maquinaria na agricultura – de acordo com Marx (1984a), Kautsky, (1986) e
Lênin, (1982) – é mister que analisemos esse fator para o caso do Brasil. Mas,
como se sabe, os escravos não eram remunerados com salários. Contudo,
32 No estado de São Paulo, na década de 1860 entraram cerca 13 mil imigrantes; 184 mil nos anos 1870 e cerca de 609 mil imigrantes nos anos 1890, em maioria italianos (FURTADO, 1986). 33 Lei n.º 581 de 4 de setembro de 1850 (“Lei Euzébio de Queiroz”).
31
podemos analisar o custo de aquisição e de reposição da mão de obra escrava,
especialmente nas províncias de Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Se
analisarmos os dados do gráfico 3, observaremos que o preço de escravos cresceu
pouco até a década de 1820, mas começou aumentar consideravelmente a partir
desse período e se intensificou entre as décadas de 1840 e 1860. Porém, há de se
ressaltar que o preço começou cair especialmente a partir da década de 1870. Na
província de Pernambuco o preço dos escravos saltou de 144 mil réis, na década
de 1820, para 725 mil réis na década de 1860, fechando a década de 1880 em 514
mil réis. No Rio Grande do Sul o preço, no mesmo período, saltou de 169 mil para
952,7 mil, fechando em 387,9 mil réis na década de 188034.
Gráfico 3 Comparação dos preços de escravos de Pernambuco e do Rio Grande do Sul – 1800-1880
Nota: Para a década de 1880 os dados se referem até o ano de 1887.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Resende et al. (2013).
Para mostrar que esse processo não foi uma especificidade das duas
províncias citadas, resgatamos alguns dados levantados por Nogueról (2005), que
34 Esses autores entendem que a análise da variação dos preços em províncias geograficamente periféricas, e distantes entre si, é importante porque mostra que o processo não era isolado, tratando-se de uma situação que se manifestava, possivelmente, em todo o país.
102.954 115.098143.972
248.480
346.514
589.234
724.913
658.694 513.974
126.842 135.465169.142
320.716
430.771
637.660
952.734
816.613
387.880
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880
Réis
Década
PE RS
32
estudou a variação do preço de escravos em Minas Gerais. De acordo com esse
autor, no ano de 1829 um escravo masculino adulto era avaliado em 200 mil réis
naquela província. Mas, a partir de 1850 o preço alcançou mais de 1 milhão de réis.
Em relação à variação do preço de escravos na região Sudeste do Brasil –
onde a agricultura já se mostrava dinâmica, especialmente na cafeicultura e na
produção de açúcar35 – podemos analisar a partir do estudo de Ribeiro (2017). Essa
autora analisou inventários de proprietários de escravos da região de Campinas –
SP, referente ao período 1830-1887. Pelos dados apresentados, verificamos que o
preço médio de um escravo adulto passou de 310 mil réis, no ano de 1830, para
1,3 milhão de réis no ano de 1869, mantendo-se esse mesmo valor no ano de
187336. Porém, a partir desse período o preço de escravos começou diminuir,
atingindo 683 mil réis em 1887, ano que antecedeu à Abolição.
Ribeiro, também apresenta dados que nos permitem analisar a evolução
percentual dos gastos com a mão de obra escrava na região de Campinas. Pelos
inventários dos fazendeiros analisados, no período 1830-1887, é possível
confrontar a evolução da participação do valor dos escravos com o valor da riqueza
bruta dos seus proprietários. Os dados demostram que a riqueza bruta dos
fazendeiros cresceu consideravelmente, especialmente a partir de 1850, mas que
passou a diminuir a partir de 1873, o que nos faz lembrar que por volta de 1849
teria iniciado a fase ascendente do 2º ciclo longo da economia, mas que a partir de
1874 iniciaria uma fase de recessão, conforme observou Kondratieff (1946). Isto é,
compreendemos que, grosso modo, a evolução da riqueza desses fazendeiros
acompanhou a onda cíclica da conjuntura da economia mundial (gráfico 4).
Outro fator importante a ser observado é que a participação do valor dos
escravos teve uma queda acentuada. Em 1830 o valor dos escravos alcançava
54,5% do total da riqueza bruta dos fazendeiros, mas caiu para 48,1%, em 1850;
para 46,4% em 1873; fechando em apenas 10,9% no ano de 1887, por conseguinte,
um ano antes da Abolição da escravidão. Portanto, verificamos que a maior queda
na participação do valor dos escravos, na renda bruta dos fazendeiros, ocorreu a
35 Em 1836, Campinas participava com apenas 1,4% da produção de café da província de São Paulo, mas passou para 9,4%, em 1854, e para 15% em 1886 (RIBEIRO, 2017). 36 Os escravos “de ofício” valiam ainda mais. Por exemplo, em 1863 um escravo ferreiro valia 3 milhões de réis; um escravo reparador de moendas (para açúcar) custava cerca de 2,6 milhões de réis no ano de 1869; enquanto que o preço de uma escrava costureira poderia alcançar até 2 milhões de réis em 1861 (RIBEIRO, 2017).
33
partir da fase de recessão, de 1874 em diante.
Gráfico 4 Evolução do valor dos escravos e da riqueza bruta dos proprietários de escravos de Campinas, SP – 1830-1887
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Ribeiro (2017).
Não temos informação sobre o que formava as “riquezas brutas” dos
proprietários de escravos de Campinas. Mas, algumas considerações que fizemos
anteriormente nos apontam que, provavelmente, nesse período as fazendas
(especialmente as de São Paulo) já estavam utilizando algum tipo de maquinaria.
Por exemplo, pelos gráficos 1 e 2, nos quais expomos dados sobre as exportações
brasileiras, observamos que as vendas aumentaram mesmo durante a fase
recessiva do primeiro ciclo (1815 a 1848) e consideravelmente a partir do período
1849-1874 (fase ascendente do 2º ciclo longo). Além disso, os dados que expomos
anteriormente em relação às primeiras fábricas de máquinas agrícolas nos mostram
que elas surgiram, justamente, em Campinas – SP; o que nos faz pensar que
naquela região já estavam ocorrendo mudanças técnicas, isto é, uma
modernização na agricultura, apesar de predominar no Brasil um sistema apoiado
no trabalho braçal, inclusive escravista37.
37 Lembrando que essa indústria pioneira – empresas como a Arens & Irmãos e a Cia. Mac-Hardy – consertava e fabricava máquinas e implementos para as lavouras de café e de cana-de-açúcar da região de Campinas – SP, conforme observou Marson (2012).
91.111
382.733
1.302.564
855.104
49.661
184.220
604.000
92.875
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
1.000.000
1.100.000
1.200.000
1.300.000
1.400.000
1830 1850 1873 1887
Mil-
réis
Riqueza bruta Valor dos escravos
34
Aliás, a modernização que começou ocorrer na agricultura paulista pode ser
observada, também, por um estudo de Alberto Passos Guimarães. Guimarães
(1968), ressalta que algumas experiências em latifúndios não-escravistas
começaram surgir nessa província desde meados do século XIX, como na fazenda
Ibicaba (propriedade do senador Vergueiro), onde já se utilizava a mão de obra de
imigrantes em um sistema de parceria. Inclusive, Guimarães menciona que a partir
de 1870 os latifúndios paulistas que utilizavam o trabalho livre já importavam
máquinas de ferro e aço, fazendo aumentar a produtividade do trabalho na cultura
do café, ao contrário do que ocorria no Rio de Janeiro, onde os cafeicultores
permaneciam com seus métodos tradicionais e pouco produtivos. Segundo
cálculos desse autor, por volta de 1883 o custo para se produzir uma saca de café
em fazendas com utilização de trabalho livre (e com maquinaria), em São Paulo,
era 50% menor do que o custo do café produzido em fazendas escravistas no Rio
de Janeiro, o que demonstra a superioridade técnica das fazendas paulistas.
Pelo recenseamento geral do Brasil de 1872 (publicado possivelmente em
1874), podemos observar que, de fato, antes da Abolição o trabalho escravo já
vinha sendo substituído, especialmente na província de São Paulo. Por esse censo,
podemos analisar o tipo de mão de obra utilizada na agricultura. A Diretoria Geral
de Estatística (DGE) forneceu dados sobre a categoria de “lavradores”38. Naquela
época, existia na província do Rio de Janeiro o total de 280 mil lavradores e, desses,
141,6 mil (50,5%) eram escravos. Por outro lado, na província de São Paulo existia
o total de 340,2 mil lavradores, sendo que desses 84,6 mil eram escravos, o que
resulta em 24,9%; demostrando que nesta província já se utilizava mais o trabalho
livre, que alcançava 75,1% dos lavradores (DGE, 1874?)39.
Outro indicativo de que a agricultura brasileira vinha se modernizando nessa
época, é o fato de que uma parte da mão de obra se transferiu do campo para as
cidades, ocupando-se em atividades não-agrícolas. Por exemplo, Mamigonian
(2000) ressalta que a partir da segunda metade do século XIX muitos barões do
café adquiriram fortunas e mudaram-se para as cidades maiores, retirando do
38 A DGE divide as “profissões agrícolas” em duas categorias, “lavradores” e “criadores”. Mas, na categoria de criadores não constava nenhum trabalhador na condição de escravo (DGE, 1874?). 39 A província de Minas Gerais apresentava uma situação parecida com a do Rio de Janeiro, pois do total de 565.685 lavradores, 278.767 (49,3%) eram escravos. Mas, em outras províncias o percentual de lavradores escravos era menor: 36,1% em São Pedro do Rio Grande do Sul; 18,3% na Bahia; 14,9% em Pernambuco, entre outros (DGE, 1874?).
35
campo parte de sua criadagem que seria utilizada como negros de ganho. Aliás, ao
analisar o inventário de um imigrante português, chamado Vicente Pereira da Silva
Porto (residente no Rio de Janeiro), Engemann e Silva (2015) observaram que no
ano de 1865 o senhor Vicente possuía o total de 254 escravos e, desses, 219 eram
registrados como “trabalhadores ao ganho”40. Seus escravos eram lançados às
ruas para trabalhar em várias ocupações, tais como pedreiros, carpinteiros,
copeiros, cocheiros, pajens, cozinheiras, mucamas, lavadeiras, engomadores etc.
Enfim, se considerarmos a afirmação de Marx (1984a), de que as máquinas
só são utilizadas se forem mais produtivas do que a força de trabalho que elas
substituem, e considerando os dados que coletamos, acreditamos que a partir das
décadas de 1870 e 1880 já começava se inserir maquinaria (provavelmente mais
artesanal) na agricultura brasileira porque o custo da mão de obra (cada vez mais
elevado) compensaria o investimento em mecanização agrícola. E por essa ótica,
observamos que alguns imigrantes, tais como os irmãos Arens e Guilherme Mac-
Hardy, ao perceberem a demanda que já estava se formando naquela época
decidiram instalar suas empresas para importar máquinas agrícolas e, mais tarde,
também passaram a fabricar algumas máquinas mais simples.
Porém, fica evidente que ao longo do século XIX faltavam condições
materiais, tais como a produção de ferro e aço, bem como o apoio de políticas
econômicas para desenvolver uma indústria de máquinas agrícolas mais moderna
no Brasil, como já existia em países da Europa e nos Estados Unidos da América,
como mostraremos no capítulo a seguir. Ou seja, se a mão de obra relativamente
barata (especialmente antes da Abolição) se constituiu como um obstáculo para a
mecanização da agricultura brasileira, não é porque seja uma barreira
intransponível. É porque, de certa forma, até aquela época não ocorreu um estímulo
suficiente para a industrialização do país, já que a indústria moderna transforma
inclusive a agricultura, como destacou o próprio Marx.
40 De acordo com Engeman e Silva (2015), Vicente Pereira Silva, por volta de 1865, poderia ser considerado um homem rico em qualquer parte do mundo, pois sua fortuna era de 651 milhões de réis, o equivalente a 2/3 de toda a moeda cunhada no Brasil naquele ano, sendo que cerca de 46% de sua fortuna provinha da posse de escravos.
7
CAPÍTULO II
OS IMIGRANTES E A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
Chamamos “empreendimento” à realização de combinações novas; chamamos “empresários” aos indivíduos cuja função é realizá-las. (SCHUMPETER, 1982, p. 54).
Por um longo período a contribuição dos imigrantes para a industrialização
brasileira foi negligenciada, inclusive por importantes nomes do pensamento
econômico brasileiro, como Celso Furtado. Aliás, muitos dos intelectuais que
estudam a industrialização do país, na atualidade, também desvalorizam o
pioneirismo desses estrangeiros. Porém, observamos que desde os anos 1960
alguns autores, tais como Bresser-Pereira e Armen Mamigonian, têm ressaltado a
importância do conhecimento técnico trazido por imigrantes que vieram de países
mais industrializados e que souberam empreender no Brasil.
Nesse capítulo, analisaremos a instalação da indústria de máquinas
agrícolas no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, período em
que uma classe industrial começou despontar no cenário econômico e político
brasileiro, ressaltando também o pioneirismo dos imigrantes, principalmente de
alguns italianos e alemães.
2.1 A Dualidade Brasileira e as Primeiras Fábricas de Máquinas Agrícolas
Como observamos no primeiro capítulo, no final do século XIX se intensificou
uma forte recessão (iniciada por volta de 1874) que encolheu o comércio mundial,
por conseguinte, atingindo duramente a economia brasileira, baseada na
exportação de produtos agrícolas41. Nesse contexto, começou surgir no país
41 O período de recessão da década de 1880 foi agravado por um endividamento externo, pois devido à queda nas exportações o governo brasileiro começou tomar empréstimos no estrangeiro. Entre 1883 e 1889 o Brasil recebeu 37,2 milhões de libras de empréstimo do exterior, um volume maior que do total dos empréstimos obtidos nos 59 anos anteriores, que foi de 32,5 milhões de libras. Entre a Proclamação da República e o ano de 1891 iniciou um período que ficaria conhecido como “Encilhamento”, marcado pela especulação financeira. Só no Rio de Janeiro seriam constituídas sociedades com capital global de 3 trilhões de réis, bem maior que o capital de todas as associações existentes em 1889, que era de cerca de 800 bilhões de réis. Isso demostra que o capital da maioria das sociedades novas deveria ser fictício, só existindo no papel; com o objetivo de emitir ações, despejando-as no mercado de títulos, onde em seguida passariam rapidamente de mão em mão e sob valorizações sucessivas, como destacou Prado JR. (1981).
37
intensos debates políticos, emergindo inclusive a pauta de novos segmentos
sociais. Como destacou Rangel (1981), os acontecimentos de 1888/89 (Abolição
da Escravatura/Proclamação da República) marcariam a passagem da 1ª para a 2ª
dualidade da economia brasileira, na qual a nova aliança seria formada pelo capital
mercantil brasileiro (muito mais forte politicamente do que em 1822) com seu sócio
menor, o latifúndio feudal, dissidente da velha estrutura escravista. Essa classe era
formada, especialmente, por fazendeiros de São Paulo que se modernizaram
(utilizando trabalhadores livres, maquinaria etc.), superando produtiva e
politicamente os cafeicultores mais conservadores42.
Há de se ressaltar que de acordo com o pensamento de Rangel, tais
relações só se consolidaram porque em plena 1ª dualidade ocorreram mudanças
institucionais, tais como a Proibição do Tráfico de Escravos e a Lei de Terras
(ambas de 1850), que garantiriam ao futuro latifúndio feudal a existência de uma
força de trabalho servil, formada por trabalhadores livres, mas sem acesso à terra,
o que lhes obrigaria a se agregarem aos seus novos “senhores”43.
Ressaltamos que a partir dessa nova dualidade se intensificou o comércio
exterior, o que obviamente era do agrado da nova classe hegemônica (os
comerciantes exportadores/importadores), inclusive porque a partir de meados da
década de 1890 iniciaria uma nova fase de prosperidade da economia mundial,
como mencionamos no capítulo anterior. Mas, há de se assinalar que “nas
entranhas” da classe dos comerciantes se engendrou novos e importantes atores,
com destaque para a classe de industriais. Essa economia mercantil também foi
contraditória, pois, por um lado, prejudicou a indústria nacional, mas, por outro, à
estimulou, como veremos adiante.
Autores, tais como Rangel (1981), Mamigonian (1976)44, Bresser-Pereira
(1964) e Marson (2012) contestam a tese defendida especialmente por Furtado
42 Guimarães (1968), também menciona que vários barões do café do Rio de Janeiro faliram, como foi o caso dos Breves, os Clemente Pinto, entre outros, que não se adaptaram às mudanças engendradas no processo da Abolição da Escravidão. 43 O recenseamento de 1872 já apresentava a quantia de 409.672 trabalhadores na condição de “criados e jornaleiros”, que a DGE enquadrava na categoria de “pessoas assalariadas”. Desses, 94.488 eram escravos, mas o restante, 315.184 jornaleiros, eram trabalhadores livres (DGE, 1874?). Ou seja, a grande maioria, 76,9% dos jornaleiros, já era formada por trabalhadores livres em 1872. A categoria que a DGE chamou de “criados e jornaleiros assalariados” não se refere a escravos e nem a trabalhadores totalmente livres, pois eram criados de um determinado “senhor”. 44 Há de se ressaltar que Mamigonian (1976), reconhece que em SP a indústria têxtil começou se
desenvolver a partir de 1873, inclusive com dinheiro de fazendeiros do algodão e do café, já que
38
(1986), que afirma que a industrialização brasileira teria ocorrido,
fundamentalmente, devido à transferência de recursos provenientes da
cafeicultura. Porém, se utilizarmos informações retiradas do estudo de Marson
(2012), observaremos que muitos cafeicultores, aparentemente contrariando seus
interesses de classe, passaram a investir em atividades industriais, inclusive em
fábricas de máquinas agrícolas. Esse autor cita, por exemplo, o caso das empresas
Mac-Hardy e Irmãos Arens (que citamos no primeiro capítulo) que ao se tornarem
sociedades anônimas, atraíram o capital de muitos cafeicultores. A Cia. Arens, em
1891 apresentava um capital de 2 bilhões de réis, dividido em 10 mil ações, sendo
que os principais acionistas eram fazendeiros do café. A Mac-Hardy foi constituída
em 1891 com um capital de 4 bilhões de réis, dividido em 20 mil ações; sendo que
vários dos seus acionistas eram, também, fazendeiros do café ou políticos de
Campinas e de outras partes do estado de SP45.
Inclusive, muitos fazendeiros se aproximaram de industriais por alianças
familiares. Por exemplo, o imigrante italiano Alexandre Siciliano chegou em São
Paulo em 1869 (ainda criança) e começou trabalhar em Piracicaba em uma casa
de comércio de sua família. Em 1881, casou com Laura Augusta de Mello Coelho,
filha de um fazendeiro rico e influente da região. Logo depois, Siciliano começou
fabricar máquinas para beneficiar café. Mais tarde o jovem empresário se transferiu
para a capital paulista e fundou um banco, uma importadora, uma fundição e uma
oficina mecânica. Parte do capital original saiu das economias que ele adquiriu em
seus negócios em Piracicaba, o restante tratava-se de investimentos de seus
parentes (fazendeiros) e da venda de patentes de invenção de máquinas que
Siciliano comercializava em vários países, inclusive nos Estados Unidos46.
Parece contradição pensar que cafeicultores investiriam em atividades
econômicas não-agrícolas, como na indústria. De fato, são contradições, mas
não havia mais as indústrias artesanais nas fazendas, então no período depressivo que passaria a
economia mundial, e com efeitos na economia brasileira, alguns fazendeiros começaram investir em
estabelecimentos industriais maiores e instalados nas cidades. 45 Inclusive, na primeira diretoria dessa empresa estava o barão Ataliba Nogueira, importante fazendeiro da região. Em 1893 os maiores acionistas da Cia. Mac-Hardy eram o Banco dos Lavradores (ligado aos cafeicultores), com 27,9% das ações, e Guilherme Mac-Hardy (sócio fundador), que possuía 25,2% das ações (MARSON, 2012). 46 Vejamos que, enquanto nessa época, por exemplo, o Japão preferia comprar patentes e fabricar internamente as máquinas porque entendia que “o capital se faz em casa” – como observou Barbosa Lima Sobrinho (1990) –, o Brasil não valorizava seus inventores.
39
inerentes à complexidade da economia e da sociedade brasileira. O que temos que
entender é que a classe dos grandes fazendeiros, que durante a 1ª dualidade foi
hegemônica sobre a burguesia comercial (sua sócia menor), a partir do final do
século XIX (quando iniciou o novo pacto de poder) já não era homogênea, sendo
constituída, tanto por fazendeiros mais conservadores como por homens com maior
visão sobre os negócios. Eles ainda eram produtores rurais, mas já aplicavam parte
de suas rendas inclusive em atividades industriais.
Há de se ressaltar que, mesmo em um período de recessão econômica e de
convulsão política, como temos enfatizado, novas fábricas de máquinas agrícolas
foram surgindo no Brasil. Por exemplo, em 1884 surgiu em Campinas – SP a fábrica
Lidgerwood & Comp., fundada por Guilherme van Wleck Lidgerwood, um
engenheiro mecânico estadunidense. Desde a década de 1860, ele já possuía um
estabelecimento comercial importador de máquinas, especialmente da marca
Eagle47. Mas, a partir de 1884 a sua empresa também começou produzir
descascadores, despolpadores, moinhos para fubá, serras circulares, moendas de
cana, alambiques, locomóveis (“máquinas a vapor sobre rodas”) e até turbinas de
motores. Ou seja, ele passou a fabricar máquinas não só para o beneficiamento de
café e açúcar, atividades tradicionais, mas também para outras culturas agrícolas
que estavam se desenvolvendo no país48.
No Sul do país, onde não se desenvolveu as principais culturas agrícolas do
período colonial (café, cana-de-açúcar e algodão), a indústria de máquinas
agrícolas surgiu mais tarde, mas na década de 1880 já se verificava a instalação
de pequenas fábricas voltadas às necessidades da agricultura regional. Por
exemplo, em Caxias do Sul foi fundada, em 1896, a Metalúrgica Eberle. Abramo
Eberle, imigrante italiano, começou com uma pequena funilaria, fabricando
principalmente lamparinas, mas atendendo às necessidades de produtores locais,
logo também começou fabricar máquinas específicas para a vitivinicultura
47 Inclusive, pelo Decreto nº 4.319 de 13 de janeiro de 1869 o Poder Executivo Federal concedeu direitos para o senhor Guilherme van Vleck Lidgerwood fabricar e comercializar, no império do Brasil, máquinas, especialmente para o beneficiamento de café: “Attendendo ao que Me requereu o cidadão dos Estados-Unidos da America do Norte, Guilherme Van Vleck Lidgerwood, e de conformidade com o parecer do Conselheiro Procurador da Corôa, Soberania e Fazenda Nacional, Hei por bem Conceder-lhe privilegio, por 15 annos, para fabricar, usar e vender no Imperio as machinas de despolpar, separar e beneficiar o café, nas quaes declarou haver feito os aperfeiçoamentos especificados em sua petição de 5 de Outubro ultimo.” (BRASIL, 1869). 48 Segundo Marson (2012), essa empresa funcionou até 1922.
40
(PESAVENTO, 1985)49.
Adiante destacaremos que a dualidade, a aliança formada pelo capital
mercantil e os latifundiários agroexportadores, carregava “em suas entranhas” a
classe que, especialmente a partir da Revolução de 1930, buscaria ocupar o lugar
do capital mercantil em uma nova dualidade e, dessa vez, objetivando ser dirigente
da economia brasileira.
2.2 Uma Nota Sobre as Exportações Agrícolas Brasileiras no Início do Século
XX
A conjuntura da economia mundial a partir dos últimos anos do século XIX
seria de retomada do crescimento econômico – Kondratieff (1946) assinala o ano
de 1896 como início da fase ascendente do 3 ciclo longo –, o que deveria
impulsionar as exportações brasileiras. Porém, os dados do comércio exterior
mostram que o crescimento das exportações do país foi mais discreto que na fase
ascendente do 2º ciclo longo (1849-1874). As exportações de café aumentaram,
passando de 6,7 milhões de sacas, no ano de 1896, para 14,8 milhões no ano de
1901, mas a partir desse ano se estabilizaram e até diminuíram, especialmente
durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), caindo para 11,5 milhões de sacas
em 1920; ano em que ocorreria a passagem à fase recessiva daquele ciclo longo,
de acordo com Kondratieff. Nos anos 1920 e ao decorrer da década de 1930 a
quantidade de café exportada se manteve estável, atingindo o máximo de 17,9
milhões de sacas no ano de 1931, mas caindo para 16,5 milhões em 1939 (IBGE,
1941).
Aparentemente, o Brasil teria tido sucesso no comércio exterior nesse
período, mas se analisarmos os dados referentes aos valores obtidos com as
exportações, verificaremos que ocorreu uma fase crescente somente até 1920, pois
a partir dessa época o valor começaria cair a ponto de em 1931 ter obtido £ 14,9
milhões para 16,5 milhões de sacas, enquanto que em 1901 o valor havia sido de
£ 23,9 milhões, mas para 14,8 milhões de sacas. Ou seja, o crescimento nas
exportações de café, obtido até o final da década de 1920, deve-se mais ao
49 A empresa Eberle ainda existe, atua no setor de metais, mas se especializou na área de botões e pequenos acessórios para a indústria de confecções (TISOTT, 2011).
41
aumento do preço desse produto no mercado mundial do que à quantidade de café
vendida (IBGE, 1941)50.
Quanto à exportação de açúcar, verificamos que mesmo durante a fase
ascendente do ciclo longo não ocorreu retomada do crescimento, decrescendo
inclusive, pois o volume que era de 172,9 mil toneladas, no ano de 1896, caiu para
apenas 31,9 mil toneladas em 1914, apesar de ter voltado a subir nos anos
seguintes, atingindo 109,1 mil toneladas no ano de 1920. Mas, em seguida as
exportações voltaram a cair para apenas 14,9 mil toneladas no ano da “grande
crise” (1929), mantendo-se oscilantes ao longo da década de 193051.
As exportações de borracha, couros, peles e de erva-mate cresceram no
período ascendente do 3º ciclo longo, mas a partir da década de 1920 decaíram,
especialmente se analisarmos o valor das exportações52. A exportação de cacau
cresceu, passando de 8,9 mil toneladas, em 1896, para 54,4 mil toneladas em 1920,
mantendo-se crescente, fechando em 132,2 mil toneladas em 1939. Porém, o valor
das exportações também caiu, devido à queda na cotação internacional desse
produto53.
O algodão em pluma foi um produto em que o volume das exportações
manteve-se, praticamente, crescente durante toda a fase expansiva do 3º ciclo
50 No período 1911-1920 a saca de café foi exportada a £ 3,03 e no período 1921-1930 chegou a alcançar £ 4,02, mas começou cair consideravelmente, passando a £ 1,43 a saca no período 1931-1939 (IBGE, 1941). 51 O valor obtido com as vendas do açúcar também foi decrescente, até mais intensamente do que ocorreu com o preço do café. Ocorre que o preço do açúcar caiu vertiginosamente no período, passando de £ 32,6 a tonelada, no período 1911-1920, para £ 14,1, no período 1921-1930, caindo para apenas £ 4,7 a tonelada no período 1931-1939 (IBGE, 1941). 52 A exportação de borracha aumentou de 17 mil toneladas, em 1888, para 24,4 mil toneladas em 1896, alcançou 42,2 mil toneladas em 1912, mas começou cair especialmente a partir de 1921 (coincidindo com o início da fase depressiva do 3º ciclo longo), fechando o ano de 1939 com apenas 11,9 mil toneladas exportadas. Não bastando a queda no volume exportado, caiu vertiginosamente o valor das exportações, devido à queda do preço da borracha no mercado mundial. No período 1901-1910 a tonelada desse produto foi exportada pela média de £ 389,5, caindo para £ 252,6 no período 1911-1920, para £ 101,8, de 1921 a 1930, e para apenas £ 31,9 a tonelada no período 1931-1939. A exportação de couros e peles saltou de 24,6 mil toneladas, no ano de 1896, para 59,5 mil toneladas em 1915, para 41,2 mil toneladas em 1920, fechando com 57,5 mil toneladas no ano de 1939. Porém, o valor das exportações caiu devido à queda do preço do produto. O valor da tonelada de couro e peles exportada foi de £ 94,6, no período 1911-1920; de £ 65,0 no período 1921-1930 e caiu para £ 30,7 no período 1931-1939. A erva mate teve crescimento nas exportações, passando de 27,6 mil toneladas, em 1896, para 90,7 mil toneladas em 1920, porém o volume exportado começou diminuir, fechando em 60,2 mil toneladas no ano de 1939. O valor das exportações também caiu consideravelmente devido à queda do preço da erva mate, que diminuiu de £ 29,1 a tonelada, no período 1911-1920, para £ 26,0 no período 1921-1930 e para apenas £ 11,0 no período 1931-1939 (IBGE, 1941). 53 O valor médio da tonelada de cacau exportada caiu, simultaneamente, de £ 56,5 para £ 40,5, fechando em £ 14,4 nos períodos 1911/1920, 1921/1930 e 1930/39 (IBGE, 1941).
42
longo (1896-1920), porém agiu na contramão dos demais produtos ao subir
consideravelmente, justamente na fase recessiva, passando de 19,7 mil toneladas,
no ano de 1921, para 323,5 mil toneladas em 1939. O valor das exportações
também aumentou, passando de £ 1,2 milhão, em 1921, para £ 7,6 milhões no ano
de 193954. Porém, verificamos que o sucesso nas exportações de algodão não
salvaria a balança comercial brasileira porque esse produto não tinha grande
participação no valor total das exportações do país55.
Há de se ressaltar que foi nessa conjuntura econômica (de estagnação do
setor agroexportador) que a produção industrial do país começou se desenvolver.
Daremos ênfase à produção de ferro e aço, que são matérias-primas essenciais
para a fabricação de máquinas e equipamentos para a agricultura, objeto dessa
pesquisa.
2.3 A Indústria Brasileira a partir da Fase de Importação de Capitais
Verificamos que, apesar do atraso56, a partir da primeira década do século
XX a produção brasileira de ferro começou se desenvolver no Brasil. Segundo os
dados de Barros (2015), a produção siderúrgica brasileira cresceu notavelmente,
inclusive a partir da década de 1920, quando iniciaria a fase depressiva do 3º ciclo
longo, como temos enfatizado. Utilizando o índice 100 para o ano de 1901, Barros
apresenta a evolução do valor da produção desse setor da seguinte maneira: ano
1901 = 100; 1910 = 322; 1920 = 1.873 e ano de 1930 = 11.735. Isto é, observamos
que de 1901 a 1910 o segmento cresceu pouco mais de 3 vezes, no período 1911-
1920 cresceu 5,8 vezes e durante a década 1920 aumentou mais de 6 vezes.
Segundo De Paula (1983), no início da década de 1890 (já no período
54 Também ocorreu queda no preço da tonelada de algodão, passando de £ 90,6 (de 1911 a 1920) para £ 85,3 (de 1921 a 1930), fechando em £ 30,7 no período 1931-39 (IBGE, 1941). 55 Por exemplo, mesmo com o aumento das exportações de algodão e com a queda nas exportações de café (como mencionamos), enquanto que no ano de 1939 o valor total das vendas do algodão em pluma atingiu £ 7,6 milhões, o valor das exportações de café alcançou £ 14,9 milhões (IBGE, 1941). 56 Em relação a outros países a indústria siderúrgica brasileira demorou para se desenvolver. Por exemplo, de acordo com De Paula (1983) a produção mundial de aço havia se desenvolvido consideravelmente a partir da segunda metade do século XIX, passando de 70 mil toneladas, no ano de 1848, para 600 mil toneladas em 1867; para 9,9 milhões de toneladas em 1887 e para 18,4 milhões no ano de 1897. Portanto, a produção de aço (de extrema importância para a indústria de máquinas) cresceu espantosamente, inclusive no período depressivo que iniciou a partir de 1874 e se estendeu pelo menos até os primeiros anos da década de 1890.
43
republicano) o governo brasileiro até tentou formar um truste das indústrias de ferro,
criando a Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros que adquiriu várias usinas,
mas que faliu ainda em 1896. Ao comparar o desenvolvimento da siderurgia
brasileira com a da Alemanha (a partir da “política de Bismarck”) e a do Japão (a
partir da era Meiji), De Paula chega a afirmar que no Brasil, especialmente devido
ao liberalismo implantado com a vinda da Corte Portuguesa, nunca existiu um
Estado agente, que acumulasse e reunisse capital para apoiar a indústria de base.
Essa afirmação de De Paula é pertinente, não só pelo exemplo dessa
experiência de complexo siderúrgico estatal que faliu, mas também pelos rumos
que a economia brasileira adotaria ainda nas primeiras duas décadas do século
XX, pois verificamos que nesse período o capital estrangeiro já penetrava
intensamente. Por exemplo, enquanto que no período 1899-1910 foram fundadas
41 sociedades anônimas com capital nacional, 160 empresas estrangeiras foram
autorizadas a atuar no país. O fluxo de capital estrangeiro para o Brasil foi tão
intenso que, em 1903, Felisbello Freire (ex-ministro das Relações Exteriores e da
Fazenda do governo Floriano Peixoto) fez uma fala na Câmara dos Deputados,
alegando que estava ocorrendo um maciço processo de desnacionalização (LUZ,
1958b).
Por outro lado, há de se destacar que foi a partir da entrada do capital
estrangeiro que se formou a primeira grande companhia siderúrgica de Minas
Gerais (e inclusive com relevância nacional). Por volta de 1917 a Cia. Mineira
(fabricante de ferro) era pequena, pois iniciou com pouco capital, cerca de 350
milhões de réis. Mas, logo surgiu o interesse do capital estrangeiro, quando a partir
de 1921 o grupo belga, ARBED – com apoio do governador de Minas Gerais, Artur
Bernardes –, conseguiu incorporar essa siderúrgica, formando a Cia. Siderúrgica
Belgo-Mineira (CSBM), que ampliou seu capital de 350 milhões de réis para 15
bilhões réis.
Há de se mencionar que a participação do capital estrangeiro na siderurgia
brasileira foi de suma importância. Segundo Pelaez (1970), no ano de 1939 a
metade da produção de aço do Brasil saiu da CSBM. Inicialmente, essa siderúrgica
produzia, diariamente, de 15 a 20 toneladas de lingotes, mas ainda na década de
1920 a sua capacidade produtiva foi ampliada para mais de 150 toneladas por dia.
Inclusive, há de se destacar que a Belgo-Mineira foi a primeira usina a produzir aço
44
no Brasil57.
Há de se ressaltar que nessa época a participação do capital estrangeiro se
espalhou para outros setores. Ao estudar a industrialização no Rio Grande do Sul,
Pesavento (1985) verificou que na década de 1920 já ocorria um processo de
aquisições de pequenas empresas, bem como a união de empresas de um mesmo
setor para enfrentar a concorrência, além de também destacar a atuação do capital
estrangeiro. No Rio Grande do Sul o processo de aquisições ocorreu principalmente
nos setores fumageiro, cervejeiro, moageiro e na indústria calçadista58.
Não podemos esquecer que o início do século XX coincide com o período
em que Vladimir Lênin – em seu livro Imperialismo, fase superior do capitalismo –
identificou como de “exportação de capitais”. No seu entendimento, isso ocorre
porque falta oportunidades para investimentos nos países mais desenvolvidos, já
que a acumulação de capital é maior do que a capacidade de consumo da massa
dos trabalhadores e da agricultura menos tecnificada: “a necessidade de
exportação dos capitais resulta da ‘maturidade excessiva’ do capitalismo em certos
países, onde (sendo a agricultura atrasada e as massas miseráveis) o capital
carece de colocações ‘vantajosas’.” (LÊNIN, 1987, p. 61).
Ressaltamos que nessa conjuntura de desenvolvimento desigual do
capitalismo, como o próprio Lênin chamou, o Brasil figuraria como um país em
potencial para receber investimentos. Os próprios dados apresentados por Lênin
(1987) mostram que do total de 51 bilhões de marcos exportados à América (pelas
três potências financeiras do início do século XX), 37 bilhões (72,5%) foram
concedidos pela Inglaterra; 19,6% pela Alemanha e o restante, 7,9%, pela França.
Especificamente em relação à siderurgia, Lênin ressalta que ainda em 1904
foi criado, na Alemanha, um sindicato do aço e foi reconstituído o cartel
internacional dos carris, com liderança da Inglaterra (com 53,5% do seu capital),
57 A partir da década de 1930, João Monlevade – MG se tornaria uma cidade industrial, devido à ampliação das instalações dessa siderúrgica para produzir ferro gusa e aço (PELAEZ, 1970). 58 Em 1919, seis empresas se uniram em Santa Cruz – RS formando a Cia. de Fumos Santa Cruz para enfrentar a concorrência dos produtos da indústria dos Estados Unidos. Em 1924 as três maiores cervejarias de Porto Alegre (Bopp, Sassen e Ritter) se uniram formando a Cervejaria Continental para resistir à concorrência das cervejarias Brahma, do Rio de Janeiro, e da Antártica Paulista. No ano de 1924 o grupo internacional Bung and Bom adquiriu o Moinho Rio-Grandense, que possuía unidades em Porto Alegre, Rio Grande e em Pelotas; processo de aquisições que constituiu a Sociedade Anônima Moinhos Rio-Grandenses. Em 1928, quatro fábricas de calçados do Vale do Rio dos Sinos se uniram formando a Haas Sociedade Anônima – Indústria e Comércio de Novo Hamburgo (PESAVENTO, 1985).
45
seguida pela Alemanha, com 28,8%, e pela Bélgica, que participava com 17,7%59.
Pelos dados a seguir, podemos verificar que a produção industrial brasileira
cresceu, inclusive na fase recessiva que se desenrolou a partir de 1920. Na tabela
1, selecionamos dados sobre alguns setores mais tradicionais, como o alimentício,
o têxtil e o de calçados para compararmos com a siderurgia e a produção de
cimento, que são importantes para a indústria de base e, inclusive, para estimular
o setor de meios de produção.
Tabela 1 Evolução da produção industrial brasileira – 1925-1938
Nota: (1)Café torrado e moído, (2)Inclui: botas de montar, botinas e coturnos, sapatos, sandálias e chinelos, galochas, sapatos para banho e perneiras.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (1941).
Esses dados nos mostram que o desempenho da produção de ferro gusa,
aço e cimento foi consideravelmente maior que dos setores tradicionais da indústria
do país. Observamos que enquanto a produção de carne, açúcar, calçados e
tecidos (apesar do bom desempenho) não conseguiu duplicar no período 1925-
1938, a produção de ferro gusa cresceu 307%. Se realizarmos o mesmo cálculo
para a produção de aço e cimento, constataremos que o crescimento foi ainda
maior, pois o aço cresceu 1.123% e o cimento 4.517%60.
59 Lembrando que a Bélgica é o país de origem do grupo ARBED, que a partir da década de 1920 investiu na siderurgia brasileira, constituindo a empresa Belgo-Mineira. 60 O crescimento da produção de ferro e aço nos faz pensar que já havia na década de 1920, e especialmente na de 30, um considerável processo de substituição de importações nesse segmento. Aliás, pelo estudo de Barros (2015), verificamos que em 1901 o Brasil importava 71,7% do ferro
46
De acordo com Pelaez (1970), a partir de 1925 o próprio governo federal
começou conceder empréstimos e isenção de impostos, por períodos de até 25
anos, além de oferecer fretes a custo mais baixo em ferrovias federais, o que
beneficiou as siderúrgicas e a metalurgia no país61. Inclusive, o empréstimo de 1,8
bilhão de réis à Cia. Belgo-Mineira – apesar de não ser grande quantidade perante
à participação dessa empresa na produção de aço no país – gerou uma forte crítica
de políticos e empresários nacionalistas da época, porque a empresa era
controlada pelo capital estrangeiro. Aliás, para Pelaez, essa política de
industrialização permitiu a formação de carteis e até de trustes62 dos produtores de
ferro e aço, o que resultou em elevação artificial dos preços, por exemplo, chegando
a duplicar o valor cobrado pelo ferro gusa63.
Mas, há de se ressaltar que em plena 2ª dualidade – na qual o capital
mercantil dirigia a economia brasileira, auxiliado por seu sócio menor, o latifúndio
feudal – uma nova classe se formava no Brasil, uma burguesia industrial ligada ao
capital financeiro externo, justamente a classe hegemônica no polo externo dessa
dualidade, de acordo com Rangel (1981).
Tanto pelo estudo de Armen Mamigonian como pelo de Sandra Pesavento,
podemos verificar que na segunda metade da década de 1920 já se manifestava,
gusa consumido; caindo para 82,1%, em 1910; para 32,9%, em 1920, e para apenas 5,5% no ano de 1930, apontando para uma quase autossuficiência da produção interna desse produto. 61 Já em 1910, pelo Decreto nº. 8.019 de 19 de maio de 1910, o governo garantia a redução de frete nas ferrovias federais para os produtos metalúrgicos e concedia isenção de impostos de consumo para o setor siderúrgico (BRASIL, 1911). Por meio do Decreto nº. 8.579 de 22 de fevereiro de 1911 o governo (Hermes da Fonseca) pretendia beneficiar uma empresa selecionada entre várias que buscavam uma concessão para fabricar aço. Esse decreto garantia a compra de dois terços da produção a preços vantajosos e mais um prêmio, um subsídio à produção no valor de 25 mil réis por tonelada (BRASIL, 1914). Mas, como lembrou Pelaez (1970), esse decreto seria abolido logo em 2012 devido a protestos que o acusavam de ser “paternalista”, já que os benefícios não se estendiam a outros setores da indústria. E pelo Decreto nº. 12.944 de 30 de março de 1918 o presidente (Wenceslau Braz), atendendo ao pedido do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio para estimular a produção de ferro e aço no país, previa o empréstimo de capital para a instalação de empresas (com juros anuais de 5% e com até 12 anos para quitar a dívida), devendo essas ficarem hipotecadas ao governo. Para acessar o benefício a empresa deveria: produzir no mínimo 20 toneladas diárias; admitir nas fábricas aprendizes, como alunos da Escola de Minas, do curso industrial da Escola Politécnica e outras congêneres e pagando-os remuneração estipulada pelo Governo, etc. (BRASIL, 1919). Aliás, Pelaez também menciona a preocupação do governo Brasileiro (a partir da década de 1920) de formar mão de obra para as siderúrgicas e metalúrgicas, especialmente por meio da Escola de Minas de Ouro Preto e da Escola Politécnica. 62 Ora, verificamos que a formação de um truste no setor siderúrgico brasileiro não seria novidade, pois não foge da lógica do que estava ocorrendo em outros países, já no início do século, de acordo com o importante estudo de Lênin (1987), mencionado anteriormente. 63 A lucratividade das empresas privilegiadas era gigantesca. Por exemplo, cogita-se que no final dos anos 1930 a Belgo-Mineira obtinha margem de lucro operacional de cerca de 200% (PELAEZ, 1970).
47
não só economicamente, mas também politicamente, uma burguesia industrial no
Brasil. Por exemplo, Mamigonian (2000) destaca que ainda no ano de 1928 foi
criada a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), mostrando a
força da nova classe que estava emergindo, apesar do poder da classe mercantil
hegemônica e do latifúndio feudal.
Ao estudar a industrialização do Rio Grande do Sul, Pesavento (1985)
menciona que especialmente a partir de 1928 o próprio governo gaúcho passou a
incentivar a criação de associações e sindicatos por setores da indústria, tais como
o Sindicato dos Charqueadores, o Sindicato do Vinho, Sindicato da Banha, entre
outros. Inclusive, no período da revolução de 1930 os empresários gaúchos
começaram se articular para defender os interesses de sua indústria. Por exemplo,
Alberto Bins (do ramo da metalurgia e intendente de Porto Alegre) e Antônio Jacob
Renner (empresário do segmento têxtil), em 1930 criaram o Centro da Indústria
Fabril do Rio Grande do Sul com a intenção de fortalecer a indústria gaúcha que,
naquela época, era defasada tecnologicamente em relação à indústria de São
Paulo64.
2.4 A Participação dos Imigrantes na Indústria Brasileira de Máquinas
Agrícolas
Além da participação de cafeicultores, bem como de comerciantes
(exportadores/importadores) e do capital financeiro (inclusive estrangeiro) na
gênese da indústria siderúrgica e de máquinas agrícolas do Brasil, como temos
mencionado, não podemos menosprezar a participação dos imigrantes, tanto como
empreendedores como na força de trabalho utilizada. Mamigonian (1976 e 2000) –
na primeira obra estudando a industrialização de São Paulo e na segunda a
indústria brasileira – rebateu a teoria levantada por Celso Furtado (e aceita por
muitos outros estudiosos) de que a industrialização brasileira seria resultado da
transferência de capital da cafeicultura para o setor industrial, menosprezando ou
64 Verificamos que não só uma classe industrial se fortalecia em RS, mas também os movimentos operários, o que demostra que as forças produtivas e uma luta de classes já estavam se intensificando no início do século. Por exemplo, pelo estudo de Aravanis (2010), constatamos que na primeira década do século XX já existiam diversos jornais operários no Rio Grande do Sul. E segundo Pesavento (1985), no ano de 1917 ocorreu uma grande greve dos trabalhadores urbanos que paralisou Porto Alegre, o que obrigou os empresários aumentar os salários.
48
até desconsiderando o papel dos imigrantes65.
Há de se ressaltar que outros autores também destacaram a importância dos
imigrantes para a industrialização brasileira. Por exemplo, o estudo de Bresser-
Pereira (1964), sobre a origem dos empresários paulistas, ressalta o papel
desempenhado pelos imigrantes e seus descendentes (especialmente pelo
conhecimento técnico) para a industrialização paulista. Estudos posteriores, tais
como os de Pelaez (1968 e 1970) e o de Marson (2012), também abordaram esse
tema. Pelaez, inclusive, enfatizou que a Cia. Belgo-Mineira surgiu devido à
presença do capital estrangeiro e não de capital “transferido da cafeicultura”66.
Marson, também verificou o empreendedorismo dos imigrantes, especialmente ao
estudar a indústria de máquinas e equipamentos em São Paulo, ressaltando que
além da experiência, muitos deles traziam capitais para investir, provenientes tanto
de suas poupanças quanto de sócios que mantinham em seus países de origem,
aos quais, inclusive, enviavam parte dos lucros67.
Para Mamigonian (1976 e 2000), os imigrantes contribuíram basicamente de
duas maneiras: 1) pelo maior conhecimento técnico trazido da Europa e, 2) por
formar um mercado consumidor interno mais dinâmico. Sobre o maior
conhecimento técnico em produção industrial, trataremos adiante. Em relação à
formação de um mercado consumidor, Mamigonian (1976) afirma que os colonos
estrangeiros, instalados em São Paulo, adquiriam produtos laticínios, calçados etc.
porque produziam excedentes agrícolas (cultivados intercalados aos cafezais),
65 Mamigonian (2000), compreende a ideia de que “os cafeicultores teriam industrializado o Brasil” em um contexto ideológico, no qual as elites rurais procuravam preservar sua hegemonia política, controlando a economia do país. 66 Aliás, Pelaez (1968) até tentou explicar para onde teria fluido o capital, antes aplicado na cafeicultura. Ele acredita que, notadamente a partir da década de 1930, com a crise do café grande parte dos fazendeiros, especialmente do estado de São Paulo, não passaram a investir na economia urbana, mas em outras atividades agrícolas, principalmente na produção do algodão. Pois, de 1933 a 1939 a produção de algodão de SP passou de apenas 9 mil para 273 mil toneladas. Nesse período a área cultivada com café caiu de 2,3 milhões para 1,9 milhões de hectares (ha.). Por outro lado, a área cultivada com algodão aumentou de 117,3 mil ha. para 1,3 milhão de hectares nesse período. E ao contrário do café, em que o preço caiu consideravelmente, o preço do algodão exportado aumentou de 3,1 mil para 3,6 milhões de réis a tonelada no período 1933/39. Mas, enfim, esses dados fazem Pelaez pensar que seria mais fácil transferir dinheiro, antes aplicado nos cafezais, para outras atividades agrícolas do que investir na indústria. 67 Também não podemos esquecer do estudo de Pesavento (1985) sobre a industrialização do Rio Grande do Sul, no qual a autora ressalta o pioneirismo dos imigrantes alemães e italianos, especialmente na economia de Porto Alegre, no Vale dos Sinos e na Serra Gaúcha. Só que ao contrário de Mamigonian, que destacou a participação dos imigrantes na industrialização, Pesavento destaca a participação dos imigrantes, especialmente na formação do mercado regional.
49
podendo comercializá-los, ou recebiam salários68, ao contrário do que ocorria com
os escravos que não possuíam poder de compra, andando descalços etc.69
Sobre o mercado consumidor (pelo menos em potencial) que os imigrantes
formaram no Brasil, podemos ter noção se analisarmos o fluxo imigratório referente
às últimas décadas do século XIX. De acordo com os dados do IBGE (1941),
verificamos que no período 1884 a 1938 entrou no país o total de 4.158.717 de
pessoas, sendo que, dessas, 883.668 imigraram no período 1884-1893; outros
892.110 imigraram entre os anos de 1894-1903 e 1.006.617 entraram no país no
período 1904-1913 (o restante imigrou entre os anos de 1914 e 1939)70.
Pelo inquérito industrial de 1907, realizado pelo Centro Industrial Brasileiro
(CIB), também podemos identificar a presença de imigrantes, pois o referido estudo
fornece os sobrenomes dos proprietários das unidades industriais daquela época
(CIB, 1909). E pelo recenseamento de 1920, realizado pela Diretoria Geral de
Estatística (DGE) e pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC),
podemos ter acesso aos países de nascimento dos proprietários da indústria
brasileira, o que nos permite observar que do total de 9.190 firmas industriais
existentes (em 1º de setembro de 1920), 4.084 (44,4%) eram de propriedade de
estrangeiros, com destaque para italianos, que possuíam 2.119 firmas industriais;
portugueses, que possuíam 891; alemães com 268 e espanhóis, proprietários de
Há de se recordar que no capítulo 1, destacamos que as poucas fábricas de
máquinas agrícolas que se instalaram no Brasil, ainda no século XIX, foram
fundadas por imigrantes (quadro 1):
68 Lembrando que Pesavento (1985) também verificou que nas regiões de colonização alemã e italiana, no Rio Grande do Sul, se produzia excedentes que eram comercializados, permitindo aos colonos a aquisição de manufaturas no comércio regional, ao contrário do que ocorria nas regiões de pecuária da Campanha Gaúcha, onde quase não existia assalariamento, pois os peões das fazendas recebiam casa e comida (os “agregados”), então não se formava um mercado consumidor regional mais robusto. 69 Aliás, Mamigonian (2000) destaca que os fazendeiros brasileiros não formavam mercado consumidor para a indústria nascente porque possuíam renda e gosto para importar mobiliário francês, roupas, cristais, louças e outras mercadorias da Europa. 70 Com destaque para imigrantes italianos, 1.412.263 de indivíduos, e para portugueses, que chegava a 1.204.394 de pessoas. 71 Não podemos esquecer do estudo de Bresser-Pereira (1964), que afirma que 84,3% dos empresários paulistas, no ano de 1962, eram de origem estrangeira sendo que, desses, 34,8% eram italianos.
50
Quadro 1 Origem dos fundadores das primeiras fábricas de máquinas agrícolas do Brasil – século XIX
Nome do fundador
País de nascimento
Nome da empresa Local e data da
fundação
Irmãos Arens Alemanha Grande Officina Mechanica Arens
Campinas – SP/ década de 1870
Adolpho Sidow Alemanha Grande Fundição Sidow São Paulo/1874 Guilherme Mac Hardy
Escócia Cia. Mac Hardy Campinas – SP/1875
Guilherme van W. Lidgerwood
Estados Unidos
Lidgerwood & Comp. Campinas – SP/1884
Alexandre Siciliano
Itália Cia. Mecânica Importadora de São Paulo
São Paulo/1890
Alessandro De Antoni
Itália Oficina Mecânica e Agrícola De Antoni & Cia.
Caxias do Sul – RS/1894
Abramo Eberle Itália Metalúrgica Eberle Caxias do Sul – RS/ 1896
Fonte: Elaboração própria a partir informações contidas nos estudos de Bandeira Jr. (1901), Pesavento (1985) e Marson (2012).
A partir do estudo pioneiro de Bandeira Jr., sobre a indústria de São Paulo,
podemos verificar que não só a maioria dos industriais de SP eram estrangeiros
como também grande parte dos operários das fábricas, inclusive dos segmentos
da metalurgia e de máquinas agrícolas. Para algumas empresas não existe a
quantidade exata de empregados estrangeiros, mas para outras Bandeira Jr.
disponibilizou os dados. Mencionando apenas as fábricas de máquinas agrícolas,
destacamos a Companhia Mac-Hardy que em 1901 possuía o total de 300
empregados e, desses, 80 eram estrangeiros; a Grande Officina Mechanica Arens,
que possuía o total de 153 empregados e, desses, 104 eram estrangeiros e a
Grande Fundição Sidow, que possuía apenas 38 empregados, mas 20 eram
estrangeiros (BANDEIRA JR., 1901).
Aliás, Mamigonian (1976) cita o referido estudo de Antonio Bandeira Jr.,
afirmando que 75% dos operários da indústria paulista, naquela época, era formada
por imigrantes. Isto é, não se importava da Europa apenas tecnologia industrial,
mas também os próprios operários72.
Pelos dados do recenseamento de 1872, podemos verificar que naquela
época já era destacada a participação de imigrantes em atividades artesanais no
Brasil, o que a DGE chamou de “profissões manuais ou mecânicas”. Somando
72 Como não existiam mecânicos e técnicos no Brasil, muitas fábricas importavam da Europa as máquinas e, junto delas, os operários mais especializados (CALANDRO; CAMPOS, 2015).
51
todos os setores73, constatamos que existiam 16.466 estrangeiros, com destaque
para 4.906 operários ocupados em atividades “em madeiras”; 2.882 “em metais” e
2.309 operários “em tecidos” (DGE, 1874?).
Além dessas empresas, também podemos destacar outras experiências
trazidas por imigrantes que instalaram fábricas de máquinas agrícolas nas
primeiras décadas do século XX, especialmente em São Paulo e no Rio Grande do
Sul, que aliás se tornariam os dois polos nacionais desse segmento industrial no
decorrer do século XX. A partir do estudo de Beskow (1986), verificamos que os
imigrantes alemães, que se instalaram na região de Cachoeira do Sul – RS, foram
pioneiros na produção de arroz irrigado mecanicamente no país. Ao perceberem
que esse cereal era básico para a alimentação dos brasileiros74, eles procuraram
aumentar a produtividade de suas lavouras75, primeiramente irrigando-as por meio
da gravidade e, a partir do início do século passado, irrigando mecanicamente por
meio de locomóveis (motores a vapor montados sobre rodas), bombas d’água e
centrífugas76.
Inicialmente, as lavouras de arroz do Rio Grande do Sul utilizavam tecnologia
importada. Geralmente eram locomóveis, bombas, centrifugas, motores e outros
equipamentos trazidos dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Alemanha. Por
exemplo, a empresa Comercial Bromberg – que foi fundada no final do século XIX
(em Porto Alegre) por um imigrante alemão – era a maior exportadora de produtos
da região colonial de RS para Hamburgo, na Alemanha, de onde importava a
maioria das máquinas a serem utilizadas na região arrozeira de Cachoeira do Sul
(PESAVENTO, 1985).
73 A DGE utilizou no recenseamento uma divisão em nove categorias de operários: em metais; em madeiras; em tecidos; em tinturaria; em couros e peles; de edificações; de vestuário; de chapéus e de calçados (DGE, 1874?). 74 Um fator que contribuiu para a orizicultura, foi que na virada do século XIX para o século XX o governo federal elevou a tarifa do arroz importado, o que beneficiou os produtores brasileiros. Ocorre que o país estava se urbanizando e necessitava desse produto básico, que já fazia parte do hábito alimentar da grande maioria da população brasileira (BESKOW, 1986). 75 O aumento da produtividade nos arrozais do Rio Grande do Sul foi considerável. Segundo Orlando Valverde apud Selbach (2007), a lucratividade com as lavouras de arroz irrigado atraiu inclusive muitos pecuaristas luso-brasileiros, que também passaram a investir nessa atividade, valendo-se da parceria, do arrendamento ou do assalariamento de colonos de origem alemã, que eram mais experientes na referida atividade. 76 Para Beskow (1986), a orizicultura irrigada mecanicamente, na região de Cachoeira do Sul, foi a primeira atividade agrícola brasileira a ter nascido com bases capitalistas: com mão de obra assalariada, arrendamentos, com a utilização de tecnologia e com produção voltada ao mercado; não apenas com a venda de excedentes como ocorria em outras regiões do país.
52
Há de se ressaltar que, segundo Pesavento, a casa comercial e bancária
Bromberg financiou (ao lado do Banco da Província) as primeiras fábricas de
máquinas agrícolas que surgiram na região produtora de arroz, como foi o caso da
empresa Mernak, instalada em Cachoeira do Sul, em 1912, para produzir
equipamentos tais como bombas, centrifugas, caldeiras a vapor, locomóveis e
trilhadeiras77, especialmente para as lavouras de arroz. A Mernak e Cia. foi fundada
pelo imigrante alemão Otto Mernak.
A dinâmica formada na região arrozeira, de colonização alemã, fez surgir
outras indústrias de máquinas agrícolas no Rio Grande do Sul, tais como a fábrica
de trilhadeiras da marca “Tigre”, instalada no distrito cachoeirense de Faxinal do
Soturno (na atualidade, município emancipado). Essa empresa foi fundada por volta
de 1920 por Ângelo Bozzetto, filho de imigrantes italianos78. Outro exemplo é das
“Trilhadeiras Friedrich”, empresa instalada em Cachoeira do Sul por Adolfo Moritz
Friedrich79.
Inclusive, verificamos que o mercado consumidor regional fez surgir,
também, algumas fábricas na região de colonização italiana de RS. Por exemplo,
a Oficina Mecânica e Agrícola De Antoni & Cia. foi fundada em Caxias do Sul, em
1894, pelo imigrante italiano Alessandro De Antoni. De acordo com Pesavento
(1985), De Antoni se especializou na produção de máquinas para a colheita,
inclusive sendo premiado (em feiras agropecuárias) por ter inventado um dos
primeiros modelos de trilhadeiras que foram fabricadas no Brasil80.
Em São Paulo a dinâmica estimulada pelos imigrantes também contribuiu
para o surgimento de algumas fábricas de máquinas agrícolas. Por exemplo, em
1908 surgiu na cidade de Americana a Indústrias Nardini, fundada pelo imigrante
77 Trilhadoras (popularmente conhecidas como “trilhadeiras”) são máquinas colhedoras de cereais, leguminosas e oleaginosas que não são automotrizes, então têm que ser rebocadas, geralmente, por tração animal (juntas de bois) e acionadas por motores paralelos (ver figura 4, no capítulo a seguir). 78 No início da década de 1920, Ângelo Bozzetto e alguns sócios fundaram uma empresa agrícola para cultivar arroz, então surgiu a necessidade de adquirirem uma máquina para colher a produção. Eles adquiriram uma trilhadeira velha, então tiveram que consertá-la, o que proporcionou experiência a A. Bozzetto, que mais tarde decidiu fundar uma fábrica desse tipo de máquinas agrícolas (FUNDAÇÃO, 2017). 79 Segundo Aravanis (2010), os locomóveis fabricados pela Mernak e Cia. e as trilhadeiras Friedrich (vendidas para vários estados do país e até no exterior) foram de suma importância para a produção de arroz em Cachoeira do Sul. 80 De acordo com uma nota no jornal Cidade de Caxias, publicada no ano de 1912, a fábrica de máquinas agrícolas de Alessandro De Antoni foi premiada em 1º lugar na feira agropecuária de Porto Alegre (daquele ano) pela invenção de uma trilhadeira (MAIS UM, 2017).
53
italiano Domingos Nardini. Em 1912 a sua empresa já fabricava arados, foices,
semeadeiras, machados, charretes e carroções, mas se destacou por ter adaptado
a lâmina dos arados norte-americanos com uma têmpera de aço mais resistente
aos solos brasileiros81, que são mais compactados do que os solos dos EUA
(ABIMAQ, 2006)82.
Outras unidades industriais fabricantes de máquinas agrícolas que surgiram
no estado de São Paulo pela iniciativa de imigrantes, foram a Dedini Indústria de
Base e a Indústrias Romi S.A. Ao realizar um estudo específico sobre essas
empresas, Marson (2014) menciona que Mário Dedini emigrou para o Brasil em
1914 a convite de um amigo que trabalhava consertando usinas de açúcar no
estado de São Paulo, pois ele possuía conhecimentos sobre esse tipo de atividade,
então auxiliou os engenheiros e técnicos franceses na montagem da usina Santa
Bárbara83. Mas, o seu empreendedorismo se revelou a partir de 1920, quando
fundou uma oficina na cidade de Piracicaba para consertar máquinas e
equipamentos agrícolas, o que lhe faria perceber a demanda que já existia,
especialmente em torno do setor açucareiro84.
De acordo com o mesmo estudo de Marson, Américo Romi nasceu no Brasil,
mas em 1912 emigrou para a Itália, pois seus pais pretendiam estudar os filhos em
seu país de origem. Foi lá que o jovem Américo estudou Eletromecânica e adquiriu
experiência profissional em importantes empresas de Milão, inclusive ao se tornar
mecânico do exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1923, Romi
retornou ao Brasil onde passou a trabalhar de mecânico de veículos em Santo
Amaro – SP e, em 1929, fundou uma oficina mecânica de automóveis na cidade de
Santa Bárbara d’Oeste – SP, com um capital inicial de apenas dois contos de réis
emprestados por um amigo. Aliás, assim como ocorreu com Dedini a experiência
81 Há de se entender que a agricultura contém certas particularidades, tais como os condicionantes naturais, como os solos compactos do Brasil que obrigaram Domingos Nardini a adaptar a têmpera de seus arados, por exemplo. Aliás, tanto Kautsky (1986) como Lênin (1982) observaram que a inserção de maquinaria na agricultura enfrenta barreiras, como as exercidas pelas particularidades do solo. 82 Essa empresa ainda existe e se especializou em ferros fundidos e na fabricação de tornos industriais (NARDINI, 2017). 83 Dedini nasceu em uma região da Itália produtora de açúcar de beterraba e estudou Mecânica em uma escola técnica no seu país de origem, além de ter trabalhado em usinas de açúcar de beterraba na Itália (MARSON, 2014). 84 Segundo Marson, Dedini montou uma pequena fundição de ferro (com aquisição de máquinas usadas) para consertar e produzir peças de engenhos de cana-de-açúcar, tais como moendas, eixos, engrenagens, mancais, entre outros.
54
de Romi com máquinas agrícolas também começou em oficinas de conserto, nesse
caso, reparando arados, semeadeiras estrangeiras, fabricando peças de reposição
e até alguns modelos de máquinas agrícolas de sua própria marca85.
Essas experiências empreendedoras, especialmente na indústria de
máquinas agrícolas que começou surgir no Rio Grande do Sul e em São Paulo,
ressaltam a importância do conhecimento técnico trazido pelos imigrantes,
especialmente pelos italianos e alemães. Há de se destacar que essas empresas
começaram artesanalmente, com pouco capital, mas conseguiram atender à
demanda interna que estava surgindo. Observamos que a indústria passou a
atender a uma demanda agrícola regional, especialmente a produção de arroz no
Rio Grande do Sul, bem como a cafeicultura e as lavouras de cana-de-açúcar de
São Paulo86.
Se analisarmos dados do censo agrícola de 1920 – contido no
recenseamento geral daquele ano –, verificaremos que a participação dos
imigrantes não ocorreu só na industrialização do país, mas também nas atividades
agrícolas. Por exemplo, em 1920 o país possuía 79.169 estabelecimentos rurais
em que o proprietário havia nascido no exterior, com destaque para os italianos que
eram proprietários de 35.894 estabelecimentos; para os portugueses, proprietários
de 9.552 e para os alemães, que possuíam 6.887 estabelecimentos rurais
(DGE/MAIC, 1923)87.
São Paulo e Rio Grande do Sul que, como ressaltamos, no início do século
passado já despontavam como os dois polos da indústria de máquinas e
implementos agrícolas (e fundadas por imigrantes), naquele período também se
destacavam na quantidade de estabelecimentos rurais nas mãos de imigrantes. Por
exemplo, em 1920 o estado de São Paulo possuía o total de 22.065
estabelecimentos rurais em que o proprietário nasceu em outro país, com destaque
para 11.825 estabelecimentos em que o proprietário era italiano e 3.875 em que
era português. Nesse ano o Rio Grande do Sul possuía o total de 25.485
85 Segundo Marson (2014), em 1939 a Máquinas Agrícolas Romi Ltda. já era considerada a maior indústria brasileira de máquinas agrícolas. 86 Lembrando que Rangel (1986), já havia afirmado que a indústria brasileira de bens de consumo imediato se apoiou em um DI (indústria de meios de produção) artesanal, pois o conserto de máquinas e a fabricação de peças de reposição prolongam a vida útil da maquinaria. 87 Verificamos que a área média dos estabelecimentos rurais dos brasileiros era de 266 hectares, enquanto que a dos estrangeiros era bem menor, 136 hectares (DGE/MAIC, 1923).
55
estabelecimentos rurais em que o proprietário nasceu no estrangeiro, 13.810 eram
de italianos e 3.283 de alemães, entre outros.
Portanto, podemos afirmar que os imigrantes que vieram trabalhar no
campo, tanto em São Paulo como no Rio Grande do Sul, em maioria eram de
origem italiana, justamente a nacionalidade que foi pioneira na instalação da
indústria de máquinas agrícolas88. Isso nos faz pensar que, provavelmente, os
imigrantes empreendedores desse segmento da indústria vendiam suas máquinas
e implementos especialmente para agricultores que eram compatriotas89, inclusive
pelos laços culturais que os aproximava90 e pelo fato de que SP e RS, naquela
época, já se destacavam na produção agrícola nacional91.
É importante frisarmos que Mamigonian (1976) entende que não se trata de
uma “superioridade” étnica dos europeus em relação a população nativa do Brasil.
No seu entendimento, o que ocorre é que os imigrantes, especialmente os italianos
e alemães, vieram de países mais industrializados, então eles possuíam mais
conhecimentos técnicos sobre essa atividade92.
88 Há de se notar que no Rio Grande do Sul era considerável a quantidade de estabelecimentos rurais de alemães, nacionalidade que também contribuiu para a indústria, inclusive na fabricação de máquinas agrícolas, conforme mencionaram Pesavento (1985) e Selbach (2007). As máquinas eram vendidas especialmente para os produtores de arroz da região de Cachoeira do Sul, onde grande parte dos agricultores eram imigrantes alemães. 89 Em 1920 o estado de Santa Catarina possuía 7.800 estabelecimentos rurais em que o proprietário era estrangeiro. O Paraná possuía 9.420 estabelecimentos rurais nas mãos de estrangeiros (DGE/MAIC, 1923). Provavelmente os agricultores imigrantes de Santa Catarina adquiriam máquinas agrícolas fabricadas nas regiões coloniais do Rio Grande do Sul, enquanto que os do Paraná adquiriam, também, em RS e em São Paulo, levando-se em consideração a proximidade
geográfica em um período de pouca mobilidade nos transportes. 90 Por exemplo, em pesquisa que realizamos no Show Rural Coopavel de 2019, alguns vendedores de máquinas agrícolas nos informaram que, geralmente, os agricultores prezam por relações de confiança nos negócios, valorizando os costumes e hábitos. Inclusive, verificamos que algumas empresas até preferem levar vendedores do Sul para negociar com os fazendeiros sulistas que migraram para a região Centro-Oeste do país. São traços subjetivos, mas inerentes à cultura dos agricultores, especialmente dos descendentes de europeus, pelo o que percebemos. 91 Os dados referentes à safra 1919/20 indicam que naquela época São Paulo e Rio Grande do Sul já despontavam na produção agrícola nacional. Por exemplo, São Paulo contribuía com 42,4% do valor da produção de café, sendo seguido por Minas Gerais que contribuía com 32,1%. Minas Gerais contribuía com 25,4% do valor da produção de milho daquela safra, São Paulo com 23,9% e o Rio Grande do Sul com 23,0% do valor total da produção. São Paulo também se destacava na produção de algodão e arroz, contribuindo com 1/3 do valor da produção de algodão e com 41% do valor do arroz produzido no país. Minas Gerais, em segundo, e o Rio Grande do Sul em terceiro eram os outros destaques na orizicultura. Naquela safra o estado de São Paulo contribuiu com 29,4% do valor da produção de feijão, Minas Gerais com 21,4% e o Rio Grande do Sul com 16,7% da produção total (DGE/MAIC, 1924). 92 Em sua experiência em mineração e siderurgia no Brasil (realizada na segunda década do século XIX) o alemão, Eschwege (1979), verificou que os poucos homens experientes na produção de ferro eram escravos negros ou mulatos libertos e que eles traziam os conhecimentos de seus países de origem. Prado Jr. (2000), também verificou que muitos escravos trouxeram da África conhecimento
56
Além disso, há de se destacar a importância da formação social para a
gênese da indústria brasileira de máquinas agrícolas. De acordo com Santos (1977,
p. 81) o espaço humano é um fato histórico, “pois a História não se escreve fora do
espaço, e não há sociedade a-espacial.” Por essa ótica, ele conclui que a formação
social diz respeito “[...] à evolução diferencial das sociedades, no seu quadro
próprio e em relação com as forças externas de onde mais frequentemente lhes
provém o impulso.” (p. 81-2). Em síntese, Santos afirma que “as diferenças entre
os lugares são o resultado do arranjo espacial dos modos de produção
particulares.” (p. 87)93.
Essa categoria de análise nos permite observar, por exemplo, que a
formação social de São Paulo e do Rio Grande do Sul, diferenciou-se das demais
formações brasileiras, particularmente devido à contribuição dos imigrantes que
organizaram um modo de produção que articulou uma economia mercantil –
apoiada em atividades agrícolas e artesanais – com o surgimento das primeiras
fábricas de máquinas agrícolas do país.
2.4.1 Particularidades da gênese da indústria de máquinas agrícolas em
outros países
Para mostrar que a importância do conhecimento técnico, articulado à
demanda regional da agricultura, não é um fato isolado, uma particularidade do
Brasil, traremos alguns exemplos do processo em outros países, especialmente na
Grã-Bretanha e nos Estados Unidos que foram pioneiros na fabricação de
máquinas e implementos agrícolas.
Para início de conversa, ressaltamos que as máquinas são tão importantes
que no período 1765-1789 o parlamento da Inglaterra aprovou várias leis proibindo
(inclusive, prevendo severas punições) a exportação de máquinas mais modernas,
bem como os seus planos de fabricação (os projetos de máquinas). Nem mesmo
os artesãos que operassem máquinas mais sofisticadas poderiam deixar o país.
Para Huberman, essas medidas visavam o monopólio do uso da maquinaria e de
técnico para trabalhar com metais. Portanto, isso nos mostra que realmente não se trata de superioridade étnica, mas de um estágio mais avançado de conhecimento. 93 Por entender que a sociedade e os modos de produção estão inseridos no espaço, inclusive diferenciando os lugares, Santos (1977) prefere utilizar o termo formação sócio espacial (F.S.E.).
57
seus benefícios: “a Inglaterra iria ser a oficina do mundo.” (HUBERMAN, 1978, p.
127).
Fonseca (1990), menciona que até o século XVIII os implementos e
ferramentas agrícolas eram rudimentares, quase não se diferenciando das
ferramentas utilizadas há dois mil anos na Ásia Menor e na Europa. Porém, no
século XIX a população europeia aumentou em 200 milhões e passou por um
intenso processo de urbanização, obrigando a agricultura se modernizar para
aumentar a oferta de alimentos; situação que, aliás, já havia sido mencionada por
Marx em meados daquele século94.
Um dos fatores em comum entre a origem da indústria brasileira de
máquinas agrícolas com a de outros países, é a participação de agricultores como
inventores e promotores da utilização de maquinaria na agricultura. Por exemplo,
no final do século XVIII o político, agricultor e inventor britânico95, Thomas Coke,
utilizou em suas terras uma máquina para semear cereais que reduziu o
desperdício de sementes, aumentando consideravelmente a produtividade de suas
lavouras.
E observamos que não foi na Inglaterra, pioneira na industrialização, que
mais se intensificaria a indústria de máquinas agrícolas, mas em uma de suas
colônias, nos Estados Unidos. Por exemplo, em 1794 o engenheiro mecânico
estadunidense, Eli Whitney, patenteou a invenção de uma máquina de descaroçar
algodão que aumentou consideravelmente a produção algodoeira. Ao trabalhar em
uma fazenda na Carolina do Sul, ele inventou a máquina na intenção de substituir
os trabalhadores em uma tarefa que era extremamente árdua. Essa invenção foi
tão importante que ficou conhecida mundialmente. O próprio Marx – no volume
terceiro da obra Teorias da Mais-Valia – ressaltou a sua utilidade na lavoura: “parte
do algodão deteriorava-se no campo. A máquina de descaroçar algodão pôs um
fim a essa situação.” (MARX, 1985b, p. 1480).
De acordo com Guimarães (1979), por volta de 1785 foi fundada na Filadélfia
94 Verificamos que Marx (1983a) já havia destacado que com o desenvolvimento das forças produtivas a agricultura passa a ser encarregada de produzir mais alimentos, inclusive utilizando menos trabalhadores (aumentando a produtividade do trabalho), porque a indústria atrai para as cidades grande parte dos trabalhadores, portanto, ampliando o mercado consumidor. 95 De acordo com Guimarães (1979) e Fonseca (1990), observamos que nos Estados Unidos também ocorreu a participação de importantes políticos na mecanização da agricultura, tais como George Washington e Thomas Jefferson que chegaram a ser presidentes daquele país.
58
– EUA uma sociedade para o desenvolvimento da agricultura e, em 1794, Charles
Newbold inventou uma charrua (arado) de ferro fundido, que em 1819 seria
aperfeiçoado por Jethro Wood.
Se como destacamos, alguns ferreiros ou mecânicos tiveram que adaptar
equipamentos agrícolas às especificidades do solo brasileiro (lembrando o caso de
Domingos Nardini), nos Estados Unidos alguns empreendedores também tiveram
que adaptar suas máquinas aos condicionantes naturais daquele país. Por
exemplo, ao se deparar com a situação que os arados de ferro fundido não
deslizavam nos solos de pradaria dos EUA, em 1837 um ferreiro de Illinois,
chamado John Deere, inventou um arado de ferro forjado liso, implemento que seria
bem aceito pelos agricultores daquele país (JOHN DEERE, 2019)96.
Portanto, verificamos que o desenvolvimento da indústria de máquinas
agrícolas, a partir da transformação artesanal e articulada às particularidades da
agricultura regional, não é um processo restrito às especificidades brasileiras, pois
faz parte da lógica do processo de desenvolvimento das forças produtivas que,
inclusive, são compostas por unidades fundamentalmente contraditórias, mas que
em determinados contextos formam combinações inovadoras.
Os primeiros industriais brasileiros, assim como os de outros países que
destacamos anteriormente, souberam combinar diferentes técnicas, de certa forma
inovando, o que nos faz lembrar do entendimento de Schumpeter (1982) expresso
na citação que utilizamos no início desse capítulo.
Porém, como destacaremos nos capítulos seguintes, o empreendedorismo
não é o único e nem o principal dos fatores que estimulam o desenvolvimento
industrial.
96 Na atualidade a Deere & Company é a maior fabricante de máquinas agrícolas do mundo, inclusive com atuação no Brasil, como destacaremos adiante.
7
CAPÍTULO III
O DESENVOLVIMENTISMO E A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS
AGRÍCOLAS
A arte da programação deve, precipuamente ensinar a usar a influência do Estado para os fins de desenvolvimento econômico. Noutros termos, a intervenção do Estado na economia, que, antes da programação, se faz ao sabor de pressões ocasionais de grupos ou sob a inspiração de problemas emergentes, guiando-se, muitas vezes, por aparências ilusórias, como a antiga medicina se guiava pelos sintomas mais visíveis, deve processar-se de maneira ordenada e racional, tendo em conta os efeitos de cada ato de intervenção sobre todo corpo produtivo social. (RANGEL, 1980, p. 48-7).
Alguns economistas, como Celso Furtado, por exemplo, entendem que a
industrialização brasileira se intensificou a partir das mudanças econômicas e
políticas ocorridas a partir da década de 1930, apontando como marco a grande
crise de 1929 e a chegada de Getúlio Vargas ao poder (1930), que foram uma
alavanca para a mudança de rumo ou para o deslocamento do centro dinâmico da
economia. Mas, outro economista brasileiro, Ignácio Rangel, a partir de uma
interpretação praticamente singular, afirmou que o processo de industrialização
brasileira foi, de fato, influenciado pela conjuntura econômica e política
internacional, mas respondendo, também, a uma dinâmica interna, inerente às
especificidades econômicas, políticas e sociais do Brasil.
Nesse capítulo, analisaremos a indústria brasileira de máquinas e
equipamentos, com destaque para o segmento destinado a produzir meios de
produção para a agricultura, no contexto do desenvolvimento econômico do país.
3.1 Uma Nota sobre a Economia Política
Antes de analisar a influência das políticas econômicas durante o período
desenvolvimentista no Brasil, entendemos que é necessário fazer um resgate
(embora que breve) das principais características da chamada economia política;
isto é, em relação às teorias que versam sobre as relações sociais de produção,
sobre a circulação e a distribuição dos bens e serviços produzidos.
60
Uma das primeiras e importantes contribuições sobre esse tema,
encontramos a partir dos estudos de Adam Smith (1723-1790). Smith (1996), partiu
do princípio da liberdade natural, afirmando que devemos privar pela liberdade
individual, na qual as pessoas e empresas poderão competir, ocorrendo a mínima
intervenção do Estado. Em seu entendimento, a função do governo (que ele chama
de soberano) consistiria em garantir um ambiente favorável às liberdades
individuais, inclusive priorizando o livre mercado.
Ressaltamos que Adam Smith publicou a sua obra A Riqueza das Nações
em 1776, portanto em uma época em que a Inglaterra estava impulsionando sua
industrialização, com o objetivo de conquistar o mercado externo e ter acesso à
matérias-primas e outros recursos produtivos. Portanto, tratando-se de um
ambiente favorável ao desenvolvimento de um estudo como esse de Smith.
Ainda durante a fase ascendente do primeiro ciclo longo da economia97 o
francês Jean-Baptiste Say (1767-1832) publicou seu Tratado de Economia Política
(lançado em 1803), livro em que ele desenvolveu uma lei que apontaria para um
equilíbrio entre a produção (a oferta) e o consumo (a demanda) o que, de certa
forma, não invalidou o pensamento de Smith sobre o livre mercado e, inclusive,
reforçou a “desnecessidade” da ação do governo sobre a economia (SAY, 1983).
Em 1817, David Ricardo (1772-1823) publicou seu livro Princípios de
Economia Política e Tributação, no qual também defendeu o livre comércio
internacional, inclusive desenvolvendo a teoria das vantagens comparativas que,
grosso modo, afirma que o comércio é benéfico inclusive entre países com
diferentes níveis de desenvolvimento, pois em certas atividades as nações menos
desenvolvidas poderiam obter vantagens em relação aos países mais adiantados
(RICARDO, 1982).
A. Smith, J. B. Say e D. Ricardo não foram os únicos nomes da chamada
economia clássica, mas os citamos devido à influência que tiveram sobre os
economistas que os sucederam, como os neoclássicos que se destacaram a partir
do final do século XIX e início do século seguinte.
Aliás, a partir da crítica do pensamento dos economistas clássicos (e
inclusive dos neoclássicos), John M. Keynes (1883-1946) analisou a conjuntura da
97 Lembrando que pela datação utilizada pelo próprio Kondratieff (1946) a fase próspera do 1º ciclo teria iniciado por volta de 1790 e teria durado mais ou menos até 1815.
61
grande crise de 1929, lançando no ano de 1936 a sua “Teoria Geral”, que
apresentou importantes elementos não contidos nos estudos dos clássicos e dos
neoclássicos. Trata-se da importância do protagonismo do Estado, pois no seu
entendimento o caráter cíclico da economia capitalista gera riscos, desencorajando
os investimentos privados. Isso o levou a entender de que nos períodos de
prosperidade econômica a estrutura estatal não deve intervir, mas que nas fases
de crise e recessão os governos devem investir, especialmente nos setores de
longo tempo de maturação e em atividades que possam empregar a mão de obra
ociosa. Além disso, ele refutou a chamada Lei de Say (anteriormente destacada),
que grosso modo afirmava que a oferta criaria a sua demanda (KEYNES, 1983).
Há de se destacar que a teoria keynesiana foi influente sobre as políticas
econômicas implantadas em vários países mais desenvolvidos (especialmente na
Inglaterra e nos Estados Unidos) a partir dos anos 1930 e 1940, influenciando
também as economias de países mais atrasados, como da América Latina.
Inclusive, muitos aspectos do chamado “desenvolvimentismo” o aproximam de
elementos da economia keynesiana, como analisaremos a seguir.
3.2 A Origem do Desenvolvimentismo e a Industrialização Brasileira
No contexto de formação do pensamento “desenvolvimentista” brasileiro
(décadas de 1920 a 1950, mais ou menos) o pensamento liberal era marcante. Há
de se destacar, por exemplo, as ideias do economista brasileiro Eugênio Gudin que
criticava o apoio à industrialização (ocorrido principalmente durantes os governos
Vargas e JK) que, no seu entendimento, feriria os princípios de liberdade
econômica98 e retardaria o desenvolvimento da produtividade nesse setor;
defendendo, também, a abertura aos investimentos externos que seriam mais
eficientes (GUDIN, 1972)99.
Há de se mencionar que a influência do pensamento de Eugênio Gudin,
nesse período, não pode ser desprezada, pois ele chegou a ser Ministro da
98 De acordo com Bielschowsky (1996), naquela época Eugênio Gudin era o mais ortodoxo entre os economistas liberais brasileiros. 99 Inclusive, segundo Rodrigues e Jurgenfeld (2020), por ser defensor da teoria das vantagens comparativas (um conceito defendido pelos seguidores de David Ricardo, como mencionamos anteriormente), Gudin entendia que o Brasil deveria apoiar a agricultura e não o setor industrial.
62
Fazenda (no período de 26 de agosto de 1954 a 12 de abril de 1955) do governo
de Café Filho (1954-1955).
Outro economista importante para o debate sobre o desenvolvimento
econômico brasileiro, foi Roberto Campos. Como destacou Bielschowsky (1996),
ele era assumidamente liberal, mas crítico a alguns postulados ortodoxos do
liberalismo. Por exemplo, ao contrário de Eugênio Gudin que era contra o
planejamento, pois partia da ideia de pleno emprego, acreditando que as
estratégias de industrialização prejudicariam a eficiência da economia de mercado,
Roberto Campos defendia a industrialização por meio da internacionalização de
capitais, mas com apoio do Estado. Em outras palavras, como liberal ele apoiava a
atração do capital externo, mas na condição de nacionalista (e politicamente de
direita) acreditava que o governo deveria organizar o desenvolvimento econômico,
porém não atuando em setores que a iniciativa privada pudesse participar100.
Campos foi importante para o desenvolvimento econômico brasileiro,
principalmente devido sua atuação no Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (atual BNDES) e no Plano de Metas (que destacaremos adiante)101.
Porém, o pensamento chamado desenvolvimentista se desenrolou mais
intensamente a partir da contribuição de outros economistas. E sem dúvidas um
nome que tem que ser destacado é o de Celso Furtado. Ao contrário dos liberais,
Furtado (1986) entendia que o subdesenvolvimento não é uma etapa necessária
ao desenvolvimento econômico, sendo resultado da estrutura do desenvolvimento
econômico nos países centrais que exploram os países mais atrasados102. A partir
desse entendimento, ele defendeu a tese de que o desenvolvimento econômico
100 Inclusive, em artigo publicado em 1950, Roberto Campos criticou Keynes por ele desaprovar a exportação de capitais ao entender que concorreria com os investimentos domésticos. Ao contrário, Campos achava que o capital externo poderia ser complementar aos investimentos internos (CAMPOS, 1950). 101 Lembrando que em 1944, Campos integrou a delegação brasileira que participou da Conferência Monetário-Financeira da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Bretton Woods (EUA). Em 1951, portanto, durante o segundo governo Vargas, ele integrou a Assessoria Econômica e participou da elaboração do anteprojeto para a criação da Petrobrás. Nesse mesmo ano, participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e na condição de diretor do BNDE (em 1952) iniciou contatos com a Cepal, órgão da ONU que vinha fazendo estudos sobre modelos de desenvolvimento econômico aplicáveis à América Latina. Em meados de 1953, saiu do BNDE e foi designado cônsul em Los Angeles (EUA). Porém, em 1955 retornou ao Brasil, assumindo o cargo de diretor-superintendente do BNDE e em 1956 integrou o Conselho de Desenvolvimento, órgão diretamente vinculado à Presidência da República, com a finalidade de coordenar a política econômica do governo. Nesse conselho, ajudou a formular o Plano de Metas. 102 Inclusive, Celso Furtado é conhecido como um economista da escola estruturalista.
63
nos países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, não seria espontâneo, portanto,
cabendo ao Estado estimulá-lo.
Foi a partir desse entendimento que ele se tornou um defensor da
industrialização para substituição de importações (naquele contexto, desvantajosas
ao país); defendendo a existência de políticas que estimulassem a formação do
mercado interno, o que no seu pensamento dependeria de uma profunda mudança
na distribuição de renda, inclusive entre as diferentes regiões do país103.
Celso Furtado foi importante para o setor público brasileiro. Por exemplo, a
partir de 1953 foi diretor do BNDE, produziu importantes estudos que embasaram
a elaboração do Plano de Metas (que destacaremos adiante) e foi Ministro do
Planejamento do governo Goulart, no período de 28 de setembro de 1962 a 31 de
março de 1964.
Outro grande economista – várias vezes citado nessa pesquisa – que
contribuiu para o planejamento e, consequentemente, para o desenvolvimento
econômico brasileiro, foi Ignácio Rangel, caracterizado por Bresser-Pereira e Rêgo
(1993) como “um mestre da economia brasileira”. Além de seus diversos trabalhos
teóricos, Rangel foi importante para a chamada tecnoestrutura do planejamento ao
ocupar cargos como na Assessoria Econômica do segundo governo Vargas, onde
a partir de 1952 colaborou para a elaboração dos projetos de grandes empresas
estatais, tais como da Eletrobrás e da Petrobrás. Também há de se destacar sua
atuação (como chefe de departamento econômico) no BNDE, onde atuou até 1965,
ano em que se licenciou devido a graves problemas de saúde (BRESSER
PEREIRA; RÊGO, 1993)
Bielschowsky (1996), entende que a origem do desenvolvimentismo no
Brasil ocorreu no período 1930-45. No setor público esse processo foi orientado por
diversas agências planejadoras voltadas à administração de problemas de alcance
nacional, como pelo Departamento Administrativo do Serviço Público; pelo
Conselho Federal do Comércio Exterior; Conselho Nacional do Petróleo e pelo
Conselho Nacional de Águas e Energia. No setor privado a representação do
desenvolvimentismo ocorreu, principalmente, por meio da Confederação Nacional
103 Furtado (1986), previa que no período 1950 a 1975 a indústria de bens de capital (especialmente de equipamentos) deveria crescer acima da média dos demais segmentos industriais para intensificar o processo de desenvolvimento econômico do país, o que poderia torna-lo menos dependente dos países centrais.
64
da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
com liderança do empresário Roberto Simonsen.
Porém, a partir da segunda metade da década de 1940 a orientação liberal
do governo Dutra (1946-1951) imobilizou as agências criadas por Vargas. Mas,
Simonsen – que para Bielschowsky foi um dos pioneiros no planejamento
econômico no Brasil – criou um departamento na CNI (chefiado por Rômulo de
Almeida e Celso Furtado) com o objetivo de apoiar a indústria do país. Inclusive, a
partir da década de 1950 alguns desses nomes seriam recrutados para o setor
público, atuando em assessorias econômicas do próprio governo Vargas, como no
BNDE, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre outros.
Segundo Bielschowsky (1996), Roberto Simonsen defendia: 1) a
industrialização como forma de superar a pobreza do país, defendendo uma
indústria integrada ao setor de base, especialmente à metalurgia e à química; 2)
que o sucesso do projeto de industrialização dependeria do apoio governamental,
já que os mecanismos do mercado não seriam suficientes e, muitas vezes, até
nocivos à industrialização (defendendo inclusive o protecionismo e o planejamento
por parte do Estado); 3) o investimento direto do Estado em setores básicos que a
iniciativa privada não se fizesse presente.
Cano (2015), acredita que o período 1929-1945 representou para o Brasil
uma ruptura com o passado político liberal, que era marcado por uma política
econômica livre-cambista. No seu entendimento as mudanças ocorreram,
basicamente, de duas maneiras: 1) por meio de uma profunda reorganização do
Estado nacional, que passaria a ser fortemente intervencionista e, 2) com uma
radical mudança no processo de acumulação de capital, que alterou o centro
dinâmico da economia nacional.
Em 1948 foi formalizada a Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal) – uma agência regional da Organização das Nações Unidas (ONU)
–, instituição que, em parte, daria continuidade às ações de Simonsen implantadas
na CNI e na FIESP. Inclusive, ao contrário de Simonsen a Cepal (que a partir de
1949 contaria com o nome de celso Furtado) forneceu um poderoso instrumental
analítico antiliberal, que inclusive seria parcialmente incorporado pelos
desenvolvimentistas privados e fielmente acionado pela maioria dos
desenvolvimentistas nacionalistas do setor público (BIELSCHOWSKY, 1996).
65
Fonseca (2004), acredita que o desenvolvimentismo brasileiro nasceu no Rio
Grande do Sul, ainda na década de 1920, especialmente a partir de 1928 quando
Getúlio Vargas assumiu o governo daquele Estado. No seu entendimento, essa
corrente de pensamento teria brotado das experiências do Partido Republicano Rio-
grandense (PRR), pois desde aquele período o presidente estadual, Borges de
Medeiros – um positivista seguidor do pensamento de Auguste Comte104 –, já
demonstrava sua capacidade de conciliar classes com interesses contraditórios
como ocorreu, por exemplo, durante as greves de 1917 em que ele conseguiu
controlar tanto os empresários como a classe trabalhadora105.
No entanto, há de se assinalar que se a chegada de Vargas ao poder
representaria uma ruptura com o passado político liberal, como enfatizou Cano
(2015), isso não ocorreria imediatamente, pois as velhas classes oligárquicas que
foram afastadas do poder, principalmente os cafeicultores, ainda possuíam forte
representação no Congresso. Inclusive, em 1931, Vargas criou o Conselho
Nacional do Café (CNC) – substituído em 1933 pelo Departamento Nacional do
Café (DNC) – com o objetivo de defender a cafeicultura (COELHO, 2001).
De acordo com Coelho, a ação do governo em defesa da cafeicultura ocorreu
basicamente de duas maneiras, 1) controlando o plantio de cafezais (evitando a
expansão das lavouras) e, 2) por meio da compra e da eliminação de estoques
excedentes. Em 1932, foi estipulado que deveria ser destruído 1 milhão de sacas
de café por mês106.
Uma das explicações mais persuasivas para a contraditória política
econômica dos primeiros anos do governo Vargas, foi dada por Celso Furtado,
especialmente no capítulo 31 (Os mecanismos de defesa e a crise de 1929) do seu
livro Formação Econômica do Brasil107. Furtado (1986), entende que ao comprar
104 Fonseca (2004), destaca que o autor preferido de Vargas era Saint-Simon, o mesmo que Engels (2005) chamou de “socialista utópico” e que teve como secretário o jovem Augusto Conte. 105 Em 1917, Borges de Medeiros recebeu os grevistas no palácio do governo porque achava justa as suas reivindicações e, inclusive, concedeu aumento salarial ao funcionalismo público para servir de exemplo à iniciativa privada (FONSECA, 2004). 106 Coelho (2001) verificou que no período 1931-1944 o governo federal destruiu 78,2 milhões de sacas de café, o que resulta na média de mais de 5,6 milhões de sacas destruídas por ano. Mas, em alguns anos a média foi bem superior, como em 1933 em que se queimou 13,7 milhões de sacas e em 1937, em que se destruiu 17,2 milhões de sacas. 107 Não por acaso, pois Celso Furtado, no entendimento de Bielschowsky (1996), foi o mais destacado economista e planejador brasileiro, ligado ao setor público, entre os defensores do desenvolvimentismo.
66
café para destruir estava se deixando de formar capacidade produtiva, mas que em
período de recessão protegeria a estrutura já instalada, evitando a formação de
mais capacidade produtiva ociosa. Além disso, ele argumenta que no ano de 1931
o governo gastou 1 bilhão de cruzeiros para destruir café, mas que teria poupado
2 bilhões em investimentos108.
Há de se mencionar que apesar dessa conjuntura problemática, como temos
ressaltado, a política econômica do início do governo Vargas se mostrou, de certa
forma, resistente, inclusive conseguindo obter superavit na balança comercial,
mesmo no período da grande depressão de 1929, como podemos observar pelos
dados do gráfico 5:
Gráfico 5 Desempenho da balança comercial brasileira – 1929-1934
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Pelaez (1968).
Portanto, se efetuarmos os cálculos verificaremos que em 1929 o montante
das importações brasileiras atingiu 91% do valor das exportações daquele ano, mas
no ano de 1931 o valor das importações caiu para 58%. Contudo, notamos que de
108 No capítulo 32 de seu livro – intitulado Deslocamento do centro dinâmico –, Furtado (1986)
ressalta que essa política econômica beneficiou a indústria brasileira ao ter estimulado o mercado consumidor, pois naquela época a produção industrial do país se destinava, em sua totalidade, ao mercado interno.
94.831
65.746
49.544
34.330 35.790 35.240
86.653
53.619
28.756
21.744
28.13225.467
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
1929 1930 1931 1932 1933 1934
Milh
are
s d
e L
ibra
s
Exportações Importações
67
1929 a 1931 foi enorme a queda no valor das exportações do país, o que demonstra
que estava na ordem do dia um processo de substituição de importações, como
defendiam os economistas chamados de desenvolvimentistas e entidades
industriais como a CNI.
3.2.1 As políticas econômicas desenvolvimentistas e a indústria de máquinas
agrícolas
Aparentemente a política econômica dos primeiros anos do governo Vargas
não priorizou a industrialização, pois dificultou a importação de máquinas e
equipamentos essenciais para esse setor produtivo. Aliás, o Decreto n.º 19.739 de
7 de março de 1931 proibia por três anos (mas que seria prorrogado até 1937) a
importação de máquinas pelas as empresas que estivessem com superprodução.
Porém, como observou Pelaez (1968), esse decreto beneficiou, por exemplo, a
indústria têxtil que estava com capacidade produtiva ociosa nesse período109.
Além disso, contrariando a maioria dos economistas brasileiros, Ignácio
Rangel observou que o início da industrialização do país não se limitou à produção
de bens de consumo, como dos segmentos têxtil, de alimentos etc., pois no seu
entendimento a indústria de bens de consumo se apoiou em um Departamento I
(DI) artesanal, como em oficinas de reparação de máquinas (que prolongam o
tempo útil do equipamento), pela fabricação de máquinas mais simples e inclusive
pela “cópia” de máquinas importadas (RANGEL, 1986)110.
De acordo com o primeiro recenseamento realizado pelo IBGE (1950),
referente ao ano de 1940, o Brasil possuía o total de 134 estabelecimentos do
segmento de construção de máquinas e aparelhos para a lavoura e indústrias
rurais, que empregavam o total de 3.603 pessoas. No ano de 1939 esse segmento
industrial apresentou 33,7 milhões de cruzeiros (Cr$) de despesas, sendo que Cr$
22,9 foram gastos em consumo de matérias primas, combustíveis, lubrificantes e
109 Cano (2015) é outro autor que afirma que o início do processo de industrialização brasileira foi facilitado pela existência de capacidade produtiva ociosa. 110 Aliás, verificamos que o próprio C. Furtado (1986) reconheceu que, provavelmente, no decorrer da década de 1930 parte dos equipamentos industriais para a manutenção e ampliação da produção já estaria sendo fabricada internamente, bastando ao governo estimular o seu uso (ver: capítulo 32 de Formação Econômica do Brasil).
68
energia elétrica111. Por outro lado, os gastos com salários e vencimentos112
alcançaram Cr$ 10,8 milhões naquele ano. Portanto, verificamos que
aproximadamente 32% das despesas totais (da composição orgânica do capital)
equivaliam a gastos com a força de trabalho, com o capital variável (Cv).
Pelos dados do mesmo censo industrial de 1940, podemos comparar, por
exemplo, a composição orgânica do capital das fábricas de máquinas agrícolas com
os segmentos da indústria têxtil e de alimentos. Para o ano de 1939 o segmento
das indústrias têxteis apresentou o total de Cr$ 2,7 bilhões de despesas, Cr$ 2,2
bilhões gasto no consumo de matérias primas, combustíveis, lubrificantes e energia
elétrica (Cc) e mais Cr$ 482,9 milhões em despesas com salários e vencimentos
(Cv); o que resulta, portanto, em 17,9% da composição orgânica gasta em Cv.
No segmento da indústrias de produtos alimentares as despesas totais
alcançaram Cr$ 3,7 bilhões, Cr$ 3,4 bilhões gastos em consumo de matérias
primas, combustíveis, lubrificantes e energia elétrica, enquanto que as despesas
com salários e vencimentos totalizaram Cr$ 324,8 milhões, o que nos permite
verificar que 8,8% dos gastos produtivos eram despendidos em Cv.
Ou seja, verificamos que no final da década de 1930 a indústria brasileira de
máquinas agrícolas possuía uma baixa composição orgânica do capital, bem
inferior à dos segmentos da indústria têxtil e de alimentos, por exemplo.
Provavelmente, tratava-se de estabelecimentos industriais artesanais e que se
apoiavam no uso da força de trabalho (cerca de 32% do capital aplicado), o que
nos faz concordar com as observações de Rangel (1986), quando ele ressaltou a
existência de um Departamento I artesanal.
Há de se destacar que a partir do início da década de 1950, especialmente
a partir da volta de Getúlio Vargas ao poder, se intensificou algumas políticas
econômicas que visavam proteger a indústria brasileira. Pois, ainda no final do
primeiro governo Vargas (em fevereiro de 1945) foi criada a Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC), com o objetivo de coordenar as políticas monetárias
e de crédito. Uma das ações mais relevantes da SUMOC para a indústria brasileira,
foi a Instrução 70, promulgada em 9 de outubro de 1953 (BRASIL, 1953).
De acordo com Caputo e Melo (2009), no ano de 1952 o déficit na balança
111 O que faria parte do capital constante (Cc), de acordo com Marx (1984a). 112 O que Marx (1984a) chamaria de capital variável (Cv).
69
comercial brasileira atingiu cerca de 4% do PIB, então a política econômica de
Vargas passou a sofrer duras críticas, fazendo-o mudar o Ministério da Fazenda
que seria confiado a Osvaldo Aranha. Na intenção de responder à falta de divisas
se lançou, em outubro de 1953, a Instrução 70 da SUMOC que estabelecia taxas
múltiplas de câmbio, diferenciadas para exportações e importações, visando
selecionar os produtos que seriam importados. Por um lado, essa medida protegeu
a indústria brasileira ao permitir que só se importasse os itens essenciais e, por
outro lado, ao reforçar as finanças do Estado para investimentos.
Há de se ressaltar que essa Instrução da SUMOC utilizava uma classificação
em cinco categorias de produtos que poderiam ser importados. Na primeira
categoria estavam os produtos de maior importância, enquanto que os demais
foram enquadrados nas classes 2, 3, 4 e 5. Pela Instrução 70, encontramos pelo
menos seis itens classificados na categoria 1 que eram destinados à agricultura:
- Maquinas e instrumentos agrícolas para preparar e cultivar o solo;
- Máquinas e instrumentos agrícolas para colher, debulhar e separar;
- Máquinas e instrumentos para ordenhar, desnatadeiras e outras maquinas
para indústria de laticínios.
- Máquinas e instrumentos para apicultura e avicultura;
- Tratores, exclusive a vapor;
- Pulverizadores, insufladores e semelhantes para agricultura (p. 8-9).
Na categoria 3, seria possível importar, entre outros itens:
- Motores a vapor, inclusive tratores a vapor, locomóveis e turbinas a vapor;
- Máquinas e aparelhos para beneficiamento de cereais e produtos agrícolas
(BRASIL, 1953, p. 19).
Como vários dos itens importados eram destinados à agricultura, verificamos
que na primeira metade da década de 1950 a indústria brasileira de máquinas
agrícolas ainda não conseguia atender a demanda interna.
Segundo Paiva (2004), Vargas tentou produzir até tratores agrícolas na
Fábrica Nacional de Motores (FNM)113, mas o primeiro modelo fabricado no Brasil
113 A FNM foi um dos projetos de industrialização do governo Vargas, posto em prática a partir de 1937 e que se consolidou a partir de 1943, por conseguinte, em plena Segunda Guerra Mundial, quando G. Vargas se encontrou com o então presidente dos Estados Unidos, F. D. Roosevelt, em Natal – RN, para afirmar acordos políticos, militares e econômicos. Nesse encontro se discutiu o apoio estadunidense à construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda (CSN) e de uma fábrica de motores para aviões (a FNM). No entanto, depois do término do conflito, e pelo rumo que a
70
saiu da iniciativa privada nacional. O trator Imor Lanz Bulldog (ver figura 1) foi
montado pela Máquinas Agrícolas Romi Ltda., que importava os motores da
Alemanha e produzia o restante das peças114. Inclusive, a partir de 1948, em
parceria com André Toselo (professor do Instituto Agronômico de Campinas),
Amélio Romi lançou o trator agrícola Imor Toro115 que se baseava no modelo norte-
americano Allis-Chalmers triciclo (figura 2). Esse modelo possuía um motor de 32
cavalos-vapor (cv) de potência, mas era mais pesado e mais caro do que os
similares importados, o que inviabilizou a sua produção em série. Apenas 50
unidades desse modelo foram fabricadas (ROMI, 2018).
Figura 1 Exemplar de trator agrícola modelo Imor Lanz Bulldog – fabricado pela
Máquinas Agrícolas Romi Ltda. Fonte: Foto disponível em Romi (2018).
política econômica brasileira seguiu a partir do governo Dutra, a FNM perdeu importância, tendo que inclusive fabricar outros produtos para se manter. Vargas, a partir de seu segundo mandato tentou fazer com que a FNM pudesse fabricar até tratores agrícolas, mas os projetos não evoluíram. A empresa se tornaria importante na fabricação de caminhões pesados (acima de 30 toneladas), inclusive vencendo a concorrência contra multinacionais como a Scania e a Mercedes-Benz, mas essa estatal foi privatizada em 1968, sendo vendida para um grupo italiano (PAIVA, 2004). 114 Inclusive, Marson (2014) afirma que, prevendo os efeitos da crise de 1929 sobre as importações, na década de 1920, Emílio Romi importou uma grande quantidade de peças para estocar. 115 A partir da década de 1940 as máquinas e implementos (agrícolas e industriais) fabricados pela indústria de A. Romi passaram a utilizar a marca Imor, uma inversão do nome Romi, cuja origem italiana seria aconselhável ocultar na época em que o Brasil estava em guerra contra a Itália. Por outro lado, o nome Toro deriva das silabas iniciais dos nomes Toselo e Romi (ROMI, 2018).
71
Figura 2 Exemplar de trator agrícola modelo Imor Toro – fabricado a partir de 1948 Fonte: Foto disponível em Romi (2018).
Outra Instrução da SUMOC que teve impacto sobre a industrialização
brasileira, foi a n.º 113, lançada em 17 de janeiro de 1955, portanto, durante o
governo Café Filho que foi sucessor de Vargas a partir do segundo semestre de
1954. Ao contrário da Instrução 70 que, como ressaltamos, visava proteger a
indústria brasileira, só importando o que ainda não fosse possível produzir
internamente, a Instrução 113 tinha como objetivo facilitar o licenciamento das
importações para atrair o capital externo; o que pode ser observado em sua
apresentação:
O Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito, considerando a necessidade de simplificar a regulamentação sobre o licenciamento de importações que independam de cobertura cambial, bem como as vantagens de criação de um clima favorável para os investimentos de capitais estrangeiros no País, resolve [...] (BRASIL, 1955, p. 1).
Na época da publicação da Instrução 113 o diretor executivo da SUMOC era
Otávio Gouvêa de Bulhões, que àquela altura já era considerado um expoente
nacional em estudos econômicos e financeiros. O Ministro da Fazenda era Eugênio
72
Gudin que, como mencionamos anteriormente, era conhecido como um expoente
do liberalismo brasileiro. Aliás, em estudo publicado em 1972, ele criticou as
políticas implantadas antes de 1964 porque visaram proteger a indústria nacional,
garantindo-lhe o mercado interno, basicamente, por meio de barreiras
alfandegárias e pela lei dos similares nacionais, mas que no seu entendimento
atrapalharam a entrada dos investimentos estrangeiros (GUDIN, 1972)116.
Caputo e Melo (2009) realizaram um estudo específico sobre a Instrução 113
da SUMOC, mostrando que ela autorizava a Carteira de Comércio Exterior do
Banco do Brasil (CACEX) importar equipamentos até sem cobertura cambial, na
intenção de amenizar os efeitos da restrição de divisas causada pelo declínio das
exportações brasileiras. Essa instrução permitiu, inclusive, a importação de bens
de capital na forma de investimento direto estrangeiro. Isto é, a entrada de
máquinas e equipamentos importados pelas multinacionais estrangeiras. O objetivo
era modernizar a indústria sem comprometer o balanço de pagamentos.
Segundo essas autoras a Instrução 113 gerou resultados, pois entre 1955 e
1963 o valor dos investimentos diretos estrangeiros totalizou US$ 497,7 milhões,
sendo que a maior quantidade desses recursos entrou nos anos de 1957 e 1960,
alcançando 73,0% do total (US$ 363,1 milhões). Há de se ressaltar que a grande
maioria foi aplicada no setor automobilístico, que fazia parte da política econômica
do governo Juscelino Kubitschek (JK) e que, como destacaremos adiante,
estimularia inclusive a indústria de máquinas agrícolas.
No período 1955 a 1963 o continente que mais investiu no Brasil, através da
Instrução 113, foi a América do Norte, com 46,5% do total, seguido pela Europa
Ocidental, que participou com 43,5% dos investimentos externos. Juntos, esses
continentes representaram 90,0% do investimento total. Nesse período os Estados
Unidos foi o país que mais aplicou no Brasil, com US$ 216,5 milhões, enquanto que
a Alemanha investiu US$ 93,0 milhões. Inclusive, essa política econômica gerou
protestos no Brasil contra o capital estrangeiro, especialmente contra os Estados
Unidos, país que era considerado, pelos nacionalistas, como a principal ameaça ao
desenvolvimento brasileiro, devido às vantagens concedidas àquele país por meio
da referida Instrução da SUMOC (CAPUTO; MELO, 2009).
116 Gudin (1972), também expressou seu pensamento liberal, por exemplo, ao criticar a participação do governo na formação de capital fixo que no período 1947-1960 passou de 15,8 para 38,4%.
73
Se analisarmos mais detalhadamente os dados expostos por essas autoras,
verificaremos que o segmento da indústria brasileira que mais recebeu
investimentos diretos através da Instrução 113, foi o de fabricação e montagem de
veículos automotores, reboques e carrocerias, que recebeu US$ 189,6 milhões, o
que equivale a 38,1% do total. O segmento de “fabricação de máquinas e
equipamentos” recebeu US$ 55,9 milhões nesse período (11,24% do total).
Acreditamos que esses dados são importantes porque o investimento no
segmento de automóveis, direta ou indiretamente, tem influência sobre a indústria
de máquinas agrícolas. Por exemplo, verificamos que no período 1955 a 1963 a
Ford Motor do Brasil S/A investiu 22,42 milhões de dólares no Brasil. Além dessa
empresa fazer parte do segmento de fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias, naquela época também fabricava máquinas
agrícolas. Aliás, ela foi a primeira a fabricar um trator a diesel no Brasil e que teve
produção em série, o modelo Ford 8 BR (figura 3)
Figura 3 Tratores 8 BR novos no pátio da fábrica da Ford do Ipiranga – SP Fonte: Foto disponível em Ford (2018).
Esse modelo de trator agrícola foi lançado em 9 de dezembro de 1960, em
Brasília, com 70% de suas peças fabricadas internamente. Ele possuía um motor
de 56 cv e era pintado de verde e amarelo, explorando um contexto em que o
74
próprio presidente da república (Juscelino Kubitschek), um entusiasta incentivador
da indústria automobilística, procurava estimular o orgulho nacional117.
Destacamos que a Instrução 113 da SUMOC favoreceu mais as importações
do que a indústria brasileira de máquinas agrícolas. Aliás, Graziano da Silva (1998)
ressaltou que no período 1950-1960 a quantidade de tratores utilizados na
agricultura brasileira passou de 8.372 para 61.345 unidades, mas praticamente
todas essas máquinas eram importadas.
Há de se frisar que desde o governo Dutra (1946-1951) o Brasil vinha
importando máquinas agrícolas, especialmente dos Estados Unidos. Ocorre que
Dutra rompeu com a política econômica desenvolvimentista, implantando no país
uma política liberal e se aproximando dos EUA. Uma de suas medidas, que
marcaria sua intenção de buscar uma aproximação ao capital financeiro dos
Estados Unidos118, foi a criação (ainda em 1949) de uma comissão composta por
nomes, tais como de Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões, para estudar
prioridades para a economia do país; o que resultou em diversos encontros com
técnicos dos EUA com o objetivo de criar a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
(CMBEU).
A CMBEU foi oficializada em 1951, portanto durante o segundo mandato de
Getúlio Vargas119 e apresentou seu relatório final em novembro de 1954, por
conseguinte, já no governo de Café Filho. Pelos dados do relatório final da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, apresentado ao então Ministro da Fazenda,
Eugênio Gudin (em 1954), verificamos que o Brasil importou inclusive máquinas e
equipamentos agrícolas dos Estados Unidos. Os dados dos quadros 2 e 3, referem-
se a dois contratos de importação de máquinas e equipamentos provenientes
daquele país, um realizado pelo estado de Minas Gerais e outro pela União, ambos
efetivados no ano de 1952. Pela descrição dos itens, verificamos que se importou
desde tratores (de esteiras e de rodas) até colhedoras agrícolas e demais
117 A Ford do Brasil fabricou mais de 12 mil tratores do modelo 8 BR entre os anos de 1961 e 1967, sendo o segundo mais vendido naquele período, detendo cerca de 22% do mercado nacional (FORD, 2018). 118 Por exemplo, de 1947 a 1952 (que abarca todo o governo Dutra) entraram no Brasil 82 milhões de dólares como investimento estrangeiro (CAPUTO; MELO, 2009). 119 Para Caputo e Melo (2009), no segundo mandato de Vargas sua Assessoria Econômica era mais nacionalista, inclusive foi ela que formulou os projetos de criação da Petrobrás e da Eletrobrás, porém seu Ministro da Fazenda, o empresário da indústria, Horácio Lafer, tinha orientação ortodoxa e, inclusive, cooperou para a efetivação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
75
implementos (semeadoras, arados, grades etc.).
Quadro 2 Máquinas e implementos agrícolas importados dos Estados Unidos pelo estado de Minas Gerais – 1952
Máquinas e implementos a serem importados 1° Grupo - 30 tratores tipo D6 ou TD14 - 30 lâminas angledozer - 30 desenraizadores - 30 grades “Rome” - 30 valetadeiras 2° Grupo - 100 tratores tipo D4 ou TD9 - 100 arados, 5 discos - 100 grades, 40 discos - 100 grades “Rome” - 50 lâminas angledozer 3° Grupo - 50 tratores tipo D2 ou TD6 - 50 arados, 4 discos - 50 grades, 40 discos - 50 grades “Rome”
4° Grupo - 20 tratores tipo TD9 - 20 arados, 5 discos - 20 grades, 40 discos 5° Grupo - 200 tratores, roda, 20 a 30 HP - 200 arados - 200 grades - 200 plantadeiras com adubadeiras - 200 cultivadores - 20 conjuntos para irrigação com tubulação e motor bomba Diesel - 100 camionetas Jeep - 200 jeeps agrícolas - 100 caminhões tipo T5 - 10 combinados modelo 55R para arroz - 50 combinados tipo 12A - 10 conjuntos rotorbailer completos - 10 conjuntos Thompson para cultivo de cana, completos
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU, 1954).
Quadro 3 Máquinas e implementos agrícolas importados dos Estados Unidos pelo Ministério da Agricultura do Brasil – 1952
Máquinas e implementos a serem importados - Tratores de rodas de 10 a 45 HP - Tratores de esteira de 18 a 130 HP - Arados de disco e aiveca - Grades de discos e dentes - Semeadeiras - Adubadeiras - Semeadeiras-adubadeiras - Distribuidores de esterco - Distribuidores de adubos - Cultivadores - Plantadeiras e colhedoras de batatas - Colhedoras de milho - Colhedoras de trigo, arroz (tracionadas) e automotrizes - Colhedoras de algodão - Colhedoras de cana de açúcar
- Colhedoras diversas - Ceifadeiras - Ceifadeiras-atadeiras - Ancinhos - Colhedora de feno - Motores, bombas e encanamentos para irrigação - Stumpers, root rakes, guinchos e outros equipamentos para desbravamento - Pulverizadores - Equipamento para conservação do solo - Máquinas, instrumentos, aparelhos e ferramentas diversos - Peças e sobressalentes - Equipamento para drenagem e irrigação
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU, 1954).
76
Segundo D’Araújo (1992), a delegação de técnicos brasileiros enviados para
os Estados Unidos visou explorar a conjuntura política internacional, isto é, as
oportunidades que apareceriam no período da Guerra Fria. Uma fala de João
Neves da Fontoura, então Ministro das Relações Exteriores do Brasil – e que
também representou outros países latino-americanos –, enfatizou que o continente
americano estaria à perigo frente a uma ação comunista que agiria explorando a
miséria dos povos do continente. Com isso o embaixador brasileiro procurava
persuadir o governo norte-americano sobre a necessidade de investir na América
para combater a crise, marcada pelo endividamento, pela falta de estrutura
produtiva etc., o que no seu entendimento poderia levar a um terceiro conflito
mundial.
No entanto, nos parece que os acordos firmados junto a CMBEU não
beneficiaram diretamente a industrialização brasileira, muito menos o segmento
fabricante de máquinas agrícola que temos estudado120, apesar que foram
importantes para o setor de infraestrutura, especialmente para o segmento
ferroviário e para a geração de energia elétrica121.
Segundo os dados do IBGE (1953), referentes ao ano de 1949, o segmento
de construção de máquinas e aparelhos para a lavoura e indústrias rurais possuía
o total de 196 estabelecimentos e empregava o total de 4.442 pessoas (o IBGE
forneceu a média mensal). E as despesas com Cc – matérias-primas, combustíveis,
lubrificantes, embalagens e energia elétrica – alcançaram Cr$ 113,8 milhões,
enquanto que as despesas com Cv – salários e vencimentos – totalizaram Cr$ 52
milhões. Efetuando os cálculos, verificamos que a composição orgânica do capital,
investido nesse segmento da indústria, manteve-se praticamente inalterado no
período 1939 a 1949, pois o percentual de despesas com Cv passou de 32 para
31,4%; portanto, demostrando que naquela época a produção ainda era
120 Pelo o que apuramos pelo relatório final da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU, 1954), para a agricultura só foi aprovado os dois projetos do ano de 1952, que expomos nos quadros 2 e 3, o que nos mostra que a prioridade foi importar os equipamentos e não fabricá-los internamente. Aliás, pelos dados da Anfavea (2010), verificamos que naquele período aumentou as importações brasileiras de “máquinas agrícolas automotrizes”, passando de US$ 21 milhões, em 1953, para US$ 53 milhões no ano de 1954. Inclusive, em apenas 2 anos se importou mais do que entre os anos de 1940 e 1950, período em que o valor total atingiu US$ 70 milhões de dólares. 121 O custo total dos 41 projetos aprovados pela CMBU alcançou 21,9 bilhões de cruzeiros, sendo que a grande maioria foi destinado para estradas de ferro (48,6%) e para energia elétrica, que alcançou 33,1% do montante (D’ARAUJO, 1992).
77
praticamente artesanal.
A vantagem é que o censo industrial de 1950 subdividiu a indústria de
máquinas agrícolas em três segmentos: a) “construção de máquinas e aparelhos
para a lavoura (tratores, arados, cultivadores, carpideiras e artigos congêneres)”;
b) “construção de máquinas, aparelhos e equipamentos para as indústrias rurais
(debulhadoras, desnatadeiras, máquinas para o beneficiamento do café e cereais,
descaroçamento de algodão, moendas de cana e artigos similares)”; c) “construção
de outros aparelhos agrícolas (incubadoras, pulverizadores, extintores de formiga
e aparelhos congêneres)”, o que nos permite analisar melhor esse segmento.
Há de se mencionar que, desses três subsetores da indústria de máquinas
agrícolas, destaca-se o segundo, “debulhadoras, desnatadeiras, máquinas para o
beneficiamento do café e cereais, descaroçamento de algodão, moendas de cana
e artigos similares, que participava com 77,6% do valor total da produção do ano
de 1949 (IBGE, 1953).
Por outro lado, observamos que a partir do final da década de 1940 já existia
uma diversificação na produção, inclusive com a fabricação de tratores,
cultivadores (segmento “a”), debulhadoras e máquinas para o beneficiamento do
café e cereais (segmento “b”).
Há de se destacar que os dados do censo industrial do IBGE, de certa forma,
confirmam nossas afirmações ao mostrarem que em 1949 já existia a fabricação
interna até de tratores agrícolas, como mencionamos anteriormente ao destacar a
experiência da empresa Máquinas Agrícolas Romi Ltda, que a partir de 1948 havia
lançado o modelo de trator Imor Toro.
Quanto à fabricação de máquinas “debulhadoras”, verificamos que a partir
de 1947 a empresa Schneider & Logemann Cia. Ltda. (marca SLC)122 começou
fabricar, em série, máquinas rebocadas (geralmente por tração animal) para a
debulha de cereais, conhecidas popularmente como “trilhadeiras”. Esse tipo de
máquina para a colheita dominaria o mercado até que a própria SLC fabricasse (a
partir de meados da década de 1960) a primeira colhedora automotriz, como
destacaremos adiante. Na figura 4, podemos observar um exemplar de trilhadeira
122 Em 1927 o engenheiro, Frederico Jorge Logemann, imigrante alemão, fundou a vila de Belo Horizonte (atual município de Horizontina – RS). Em 1945 os sócios Frederico Logemann e Balduíno Schneider (também imigrante alemão) fundaram uma oficina, a Schneider & Logemann Cia. Ltda., que fabricava ferramentas para os agricultores da região (GRUPO SLC, 2018).
78
(traçada por uma junta de bois) produzida pela SLC:
Figura 4 Exemplar de trilhadeira fabricada pela empresa SLC a partir de 1947 Fonte: Foto disponível em SLC (2018).
Como mencionamos no primeiro capítulo, desde o início do século passado
existiam empresas, especialmente na região de Cachoeira do Sul – RS, que
fabricavam, artesanalmente, alguns modelos de trilhadeiras, mas o modelo da SLC
foi o primeiro fabricado integralmente no Brasil e que teve produção em série.
3.3 O Grande Impulso à Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
Se até a década de 1950 a indústria brasileira de máquinas agrícolas era
praticamente artesanal (como mencionamos) a partir dos anos 1960 esse setor se
modernizou. Pelos dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (ANFAVEA), observamos que começou se produzir tratores agrícolas
em série. Inclusive, os dados da tabela 2 nos mostram que em meados da década
de 1960 o Brasil já tinha resolvido sua dependência das importações, produzindo
internamente o equivalente à demanda interna.
79
Tabela 2 Produção e comercialização de tratores de rodas no Brasil – 1960-70
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Há de se ressaltar que o grande impulso à indústria de máquinas agrícolas
no país, especialmente para a fabricação de tratores, resultou de iniciativas do
governo Juscelino Kubitschek (JK), que instituiu no ano de 1959 o Plano Nacional
da Indústria de Tratores de Rodas. Do total de vinte projetos apresentados, apenas
seis foram aprovados pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA)
para fabricar tratores agrícolas no país (quadro 4):
Quadro 4 Empresas selecionadas para fabricar tratores agrícolas no Brasil – 1959
Fabricante Marca do trator Categoria do trator*
Origem da empresa
Massey-Ferguson do Brasil Massey-Ferguson Leve Canadá/Inglaterra Fendt do Brasil Fendt Leve Alemanha Valmet do Brasil Valmet Médio Finlândia Ford do Brasil Ford Médio Estados Unidos Demisa Deutz Pesado Alemanha Cia. Brasileira de Tratores (CBT) Oliver Pesado Brasil/EUA
Nota: *Categoria de tratores considerada pela potência na barra de tração: leves, de 25 a 35 cv; médios, de 36 a 45 cv e tratores pesados, acima de 45 cv.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Amato Neto (1985).
Dos 37 tratores agrícolas fabricados no Brasil no de 1960, 32 eram da Ford
do Brasil – unidade instalada no bairro Ipiranga, na cidade de São Paulo, desde
1953 – e apenas 5 da Valmet do Brasil, instalada em Mogi das Cruzes – SP em
1960. Como colocamos anteriormente, o pioneiro Ford 8 BR possuía 56 cv de
80
potência, portanto sendo considerado um trator pesado, enquanto que o primeiro
modelo da Valmet (o 360-D) possuía 40 cv, classificado como um trator médio.
Outra empresa estrangeira, pioneira na fabricação de tratores no país, foi a
Massey-Ferguson do Brasil. Ela se instalou em Taboão da Serra, também no
estado de São Paulo, na década de 1950, mas seu primeiro modelo, o trator MF 50
(popular “cinquentinha”), só seria apresentado em 1962. Ele possuía 37 cv de
potência (trator médio) e logo conquistou o mercado brasileiro, tornando-se o mais
vendido no país a partir de 1963 (MASSEY-FERGUSON, 2018).
Outras duas empresas estrangeiras que participaram do projeto para fabricar
tratores no Brasil, foram as alemãs Fendt do Brasil e Demisa – Deutz-Minas S.A.
No entanto, elas não tiveram o mesmo sucesso que outras multinacionais. Com
uma fábrica instalada em Diadema – SP a Fendt lançou, em 1961, um trator modelo
F 51 com 50 cv de potência. Depois de ter fabricado 3.531 unidades, ela encerrou
suas atividades no país ainda no ano de 1969 (FENDT, 2018).
A Deutz fez uma parceria com empresários de Minas Gerais para produzir
tratores pesados em uma unidade fabril instalada na cidade de Contagem,
lançando seu primeiro modelo também no ano de 1961 (o DM-55), que possuía 55
cv de potência. Ela produziu mais de 8 mil tratores em 10 anos de funcionamento
no Brasil, mas encerrou suas atividades no país no ano de 1971 (DEUTZ, 2018).
Além das multinacionais estrangeiras, acima citadas, a Companhia Brasileira
de Tratores (CBT) foi outra selecionada pelo Plano Nacional da Indústria de
Tratores de Rodas. Essa empresa foi constituída em 1961, em São Carlos – SP,
com capital 100% nacional. Seus proprietários eram empresários das Indústrias
Pereira Lopes S.A. (fabricante de refrigeradores da marca Climax, entre outros
produtos) e da Mesbla S.A. (rede de lojas de departamentos). Seu primeiro modelo
lançado foi o trator CBT 950, com 72 cv de potência. Inicialmente a CBT utilizava
tecnologia da empresa Oliver dos Estados Unidos, mas a partir dos anos 1970
começou fabricar seus próprios modelos, destacando-se no segmento de tratores
pesados, inclusive chegando a exportar para a Argentina, Austrália, Estados
Unidos, entre outros países (CBT, 2018)123.
Apesar da maioria dos projetos selecionados pelo Plano Nacional da
123 Como abordaremos adiante, a CBT atuou até meados da década de 1990, inclusive chegando a fabricar veículos rurais, entre outros.
81
Indústria de Tratores de Rodas ter sido de empresas estrangeiras, o governo da
época (JK) tinha a preocupação que, no mínimo, 70% do peso do trator (e no
mínimo 60% do peso do motor) fosse produzido internamente, na intenção de
dinamizar a indústria de autopeças que havia sido estimulada pela instalação de
várias montadoras de veículos no país124.
3.3.1 O pioneirismo de empresas nacionais na fabricação de colheitadeiras
automotrizes
Ao contrário da produção de tratores que, como destacamos, iniciou com o
predomínio de empresas estrangeiras, a fabricação das primeiras colhedoras (no
popular, “colheitadeiras”) brasileiras começou pela iniciativa de empresas
nacionais. A primeira a fabricar uma colheitadeira automotriz (ou autopropelida) no
Brasil foi a Schneider Logemann & Cia Ltda. (SLC), de Horizontina – RS. Portanto,
a mesma empresa que, como já citamos, fabricou a primeira trilhadeira inteiramente
nacional, em 1965 lançou a colheitadeira modelo 65-A (figura 5), com base no
modelo 55 da marca estadunidense John Deere (SCHNEIDER, 1995).
Figura 5 Colheitadeira SLC modelo 65-A Fonte: Foto disponível em John Deere (2019).
124 Além disso, o plano previa ampliar a nacionalização, pois a partir de 1 de janeiro de 1962 os tratores teriam que ter no mínimo 95% de peças e componentes nacionais (AMATO NETO, 1985).
82
Como podemos observar pela figura 5, o modelo de colheitadeira 65-A da
SLC consistia em uma máquina automotriz, mas que ainda combinava certas
tarefas com o trabalho braçal, pois necessitava de um auxiliar de operador para
ensacar os grãos colhidos.
O crescimento da empresa Schneider & Logemann, a partir da fabricação de
colheitadeiras automotrizes, foi considerável. Por exemplo, no ano de 1965 ela
fabricou apenas uma colheitadeira, mas em 1966 passou para 12 unidades; em
1967 fabricou 28; em 1968 produziu 82 e em 1969 fabricou 157 máquinas,
superando a meta de produção para aquele ano, que era de 100 unidades. Em
1973 essa empresa já conseguiu fabricar 1.036 colheitadeiras, inclusive do modelo
SLC 1000 (mais moderna), lançado a partir de 1969 (SCHNEIDER, 1995)125.
No “rastro”126 da SLC, surgiu em Santa Rosa – RS, em 1953, a Indústria de
Máquinas Agrícolas Ideal Ltda. (S.A. a partir de 1966), que inicialmente fabricava
moinhos para trigo, mas que ao perceber a demanda existente (especialmente com
o cultivo da soja no Rio Grande do Sul), logo também passaria a fabricar trilhadeiras
e colhedoras combinadas (tracionadas por trator). A partir de 1968, essa empresa
também começou fabricar colheitadeiras automotrizes, que seriam comercializadas
com a marca Ideal. A partir de 1974 a Ideal S.A. firmou parceria coma a empresa
alemã Fahr, com o objetivo de adquirir tecnologia mais moderna para enfrentar a
concorrência (IDEAL, 2018)127.
De acordo com dados fornecidos por Amato Neto (1985), no ano de 1966
foram fabricadas apenas 12 colheitadeiras no Brasil; passando para 28 unidades
em 1967; para 84 no ano de 1968; para 282 em 1969 e para 730 no ano de 1970.
Para esse autor, foi o cultivo da soja e do trigo que mais estimulou o uso de
colheitadeiras automotrizes, pois por volta de 1985 cerca de 70% das máquinas
utilizadas na agricultura brasileira eram destinadas à colheita desses produtos.
Aliás, se analisarmos a evolução da área cultivada com trigo, observaremos
que ela passou de 515.671 hectares (ha.), no ano de 1949, para 2.057.898 ha. em
125 Em 1960 a SLC possuía 85 funcionários, em 1972 já possuía 400 e em 1976 empregava mais de 1000 funcionários (SCHNEIDER, 1995). 126 O engenheiro Fernando Krause, que participou da fabricação da primeira colheitadeira da SLC, posteriormente também participou da fabricação da primeira colheitadeira da empresa Ideal (IDEAL, 2018). 127 Como trataremos a diante, a partir de meados da década de 1980 a Ideal foi vendida para um grupo financeiro nacional e nos anos 1990 para o capital externo.
83
1970 (IBGE, 1956a e 1975a). Infelizmente o IBGE não fornece dados sobre a área
cultivada com soja no censo de 1950, mas poderemos ter noção do crescimento do
cultivo dessa oleaginosa pela evolução da produção. De acordo com as mesmas
fontes, a produção de soja passou de 45 mil toneladas para 1,9 milhão de toneladas
no período 1949 a 1970. No ano de 1970 já se cultivava 2.165.632 hectares com
soja no Brasil128.
Portanto, verificamos que o pioneirismo do Rio Grande do Sul na fabricação
de colheitadeiras automotrizes não é acidental. É resultado das experiências
pioneiras que industriais desse Estado adquiriram ao fabricar máquinas mais
simples para a colheita – como as trilhadeiras produzidas pela empresa SLC, por
exemplo – e a partir da demanda que surgiu regionalmente, devido ao cultivo de
produtos agrícolas, tais como o trigo e a soja, que demandam uma colheita
mecanizada.
3.3.2 Alguns números sobre a indústria brasileira de máquinas agrícolas
O censo industrial de 1970, ao contrário dos anteriores, fornece dados da
produção física, o que nos permite ter acesso a informações importantes, como o
detalhamento das máquinas e implementos fabricados, bem como o seu valor
unitário. O IBGE (1975b) apresenta o gênero de fabricação de máquinas
agrícolas129 em 28 subgrupos, que contemplam desde implementos tais como
arados, grades, semeadeiras, trilhadeiras, até tratores agrícolas e colheitadeiras
automotrizes. Por exemplo, no ano de 1970 o país possuía 44 unidades industriais
que informaram fabricar 49.257 arados de aiveca (com lâmina no formato de “V”)
com valor de 4,6 milhões de cruzeiros (Cr$). Naquele ano, 49 unidades informaram
fabricar 13.238 arados de discos, com valor de Cr$ 28,5 milhões130.
128 Há de se lembrar que o Sul do país era responsável, naquele período, por grande parte da expansão das lavouras (e da produção) de trigo e de soja. Em 1949 o estado do Rio Grande do Sul contribuiu com 72,1% da área cultivada com trigo no país e em 1970 subiu para 81,3%. Na soja o estado de RS contribuiu com cerca de 99% da produção no ano de 1949 e com 69,5% da produção brasileira dessa oleaginosa do ano de 1970 (IBGE, 1956a e 1975a). 129 “Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais para agricultura, avicultura, cunicultura, apicultura, criação de outros pequenos animais e obtenção de produtos de origem animal e para beneficiamento ou preparação de produtos agrícolas – inclusive peças e acessórios.” (IBGE, 1975b). 130 Se efetuarmos os cálculos, verificaremos que o valor médio de cada unidade de arado de aiveca resulta em Cr$ 93,53. Por outro lado, o valor médio da unidade de arado de discos chega a Cr$ 2.152,14. Essa diferença mostra que os arados de aiveca eram mais simples (e geralmente puxados
84
Outro tipo de implemento agrícola que possuía uma considerável
participação no valor da produção, era as grades de disco. No ano de 1970, 49
empresas informaram fabricar esse tipo de equipamento, o total de 14.165
unidades com valor de Cr$ 22,4 milhões (IBGE, 1975b). As grades de disco,
geralmente, são traçadas por trator131, por isso esse tipo de implemento já era
bastante fabricado naquela época, devido a expansão do uso de tratores na
agricultura brasileira.
A fabricação de pulverizadores e polvilhadeiras agrícolas132 é outro tipo de
equipamento que indica mudanças técnicas na agricultura, pois substitui a capina
física pela capina química da lavoura133. No ano de 1970, 39 empresas brasileiras
informaram fabricar 80.485 unidades desse tipo de implemento agrícola, com valor
de Cr$ 31,4 milhões.
Entre os implementos agrícolas que mais se destacaram no ano de 1970,
estava a fabricação de semeadeiras e plantadeiras134. No total, 39 empresas
informaram fabricar 9.463 unidades desse tipo de equipamento, com valor de Cr$
26,9 milhões.
Observamos que a fabricação de implementos agrícolas como arados,
grades (especialmente de discos), pulverizadores, semeadeiras e plantadeiras –
embora que existam versões utilizadas para tração animal –, de certa forma,
refletem o emprego de tratores na agricultura. Os dados da produção física do
censo industrial de 1970 mostram que, naquele ano, apenas três empresas
fabricavam tratores agrícolas no país, mas com grande participação no valor da
produção da indústria de máquinas agrícolas em geral, contribuindo com 21,9%. O
por tração animal), por isso custavam menos, ao contrário do que ocorria com os arados de discos, que eram rotativos e tracionados por tratores, sendo mais complexos e mais caros. 131 Por outro lado, verificamos que as grades de dente, puxadas por tração animal, já perdiam importância na agricultura brasileira no início dos anos 1970. Por exemplo, existiam 29 fabricantes para um total de 4.914 unidades com valor de apenas Cr$ 1.919,00 (IBGE, 1975b). 132 As máquinas pulverizadoras servem para aplicar químicos dissolvidos, líquidos, enquanto que as máquinas polvilhadeiras são utilizadas para expelir químicos em pó. Geralmente as polvilhadeiras são mais utilizadas em lavouras permanentes, em pomares (informações coletadas junto a técnicos da empresa Jacto, durante pesquisa de campo, que realizamos no Show Rural Coopavel em fevereiro de 2019). 133 Por exemplo, Graziano da Silva (2003) observou que a aplicação de químicos (os herbicidas) nas lavouras com equipamentos de pulverização substitui, tanto o trabalho braçal quanto a capina física, que era realizada à enxada ou à tração animal. 134 Tecnicamente, chama-se semeadoras e plantadoras. As primeiras se destinam à semeadura de grãos (soja, milho, trigo etc.), enquanto que o segundo equipamento se destina ao plantio de parte das plantas, como toletes, manivas e tubérculos (por exemplo, para o plantio de cana-de-açúcar, mandioca, batata etc.).
85
IBGE (1975b) dividiu os fabricantes em duas categorias de tratores, até 55 cv e de
55 até 100 cv. No total, foram fabricados 1.930 tratores de até 55 cv – com valor de
Cr$ 13,8 milhões – e 2.564 unidades com potência de 55 até 100 cv, com valor de
Cr$ 72,5 milhões, o que totalizou Cr$ 86,3 milhões.
As máquinas para colheita são outro tipo de implemento agrícola importante.
Em 1970, apenas 8 empresas informaram fabricar 1.123 unidades de trilhadeiras
agrícolas combinadas (popularmente conhecidas como “batedor”) – máquinas
rebocadas e movidas por trator – com o valor de Cr$ 3,7 milhões. Por outro lado,
combinadas (as trilhadeiras mais simples, rebocadas por tração animal), com valor
de Cr$ 21,2 milhões (IBGE, 1975b).
Portanto, podemos verificar que as trilhadeiras combinadas eram preteridas
em relação às trilhadeiras simples, provavelmente devido à grande quantidade de
estabelecimentos rurais do Brasil que ainda utilizavam a força animal nas
lavouras135.
Por outro lado, a indústria de colhedeiras agrícolas (colheitadeiras
automotrizes) já despontava no valor da produção do segmento de máquinas
agrícolas, o que, de certa forma, justifica o fato das trilhadeiras combinadas terem
sido pouco fabricadas. Em 1970, apenas 13 empresas informaram fabricar 1.092
colhedeiras com o valor de Cr$ 41,5 milhões. Observamos que cada colheitadeira,
em média, valia Cr$ 38 mil.
Se compararmos o valor das colheitadeiras com o valor dos tratores,
perceberemos que a aquisição de máquinas para colheita era de maior dispêndio
para os agricultores. Por exemplo, em 1970 os tratores de até 55 cv valiam, em
média, Cr$ 7,2 mil, enquanto que as unidades de 55 até 100 cv valiam (em média)
28,3 mil. Portanto, com o dinheiro pago por uma colhedeira automotriz, em seu
valor médio de Cr$ 38 mil, se compraria 5,3 tratores com tamanho de até 55 cv e
1,3 trator com tamanho de 55 a 100 cv136.
135 Segundo o censo agropecuário de 1970 o Brasil possuía o total de 4.924.019 estabelecimentos rurais, sendo que, desses, 3.242.544 (65,9%) ainda utilizam força humana no trabalho agrícola, além de outros 1.376.376 (28%) que utilizavam força animal (IBGE, 1975a). 136 Amato Neto (1985) já verificou que no início da década de 1980 o custo de uma colheitadeira equivalia a 2,5 ou a 3 tratores de porte médio. Em pesquisa de campo, realizada no Show Rural Coopavel, em 2019, também observamos que o preço das colheitadeiras é relativamente alto. Por exemplo, uma colhedora de grãos, modelo 7230 da marca Case IH, custava mais de 1,2 milhão de
86
Enfim, observamos que tanto a fabricação de tratores quanto a de
colheitadeiras automotrizes já se destacava no segmento da indústria de máquinas
agrícolas do país, demostrando que no início dos anos 1970 esse ramo industrial
se encontrava em uma estágio avançado, provavelmente acompanhando o
departamento I (meios de produção), que nessa época já estava amadurecendo,
conforme observou Rangel (1986).
3.4 A Localização da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas em 1970
No segundo capítulo, ao analisarmos as primeiras fábricas de máquinas e
implementos agrícolas que surgiram no Brasil, já identificamos uma concentração
espacial das empresas desse segmento que, basicamente, se instalaram nos
estados de São Paulo e no Rio Grande do Sul. Se observarmos os dados do IBGE
(1975b), referentes ao ano 1970, constataremos que essa concentração persistiu,
grosso modo, com um polo de fábricas instaladas no estado de SP e outro em RS.
Pelos dados do censo industrial de 1970 – produção física –, observamos
que 55,5% do valor dos arados de aiveca produzidos naquele ano saíram de São
Paulo. Por outro lado, o Rio Grande do Sul participava com 70,3% do valor da
produção de arados de discos (SP contribuía com 27,4% do valor desse tipo de
equipamento). RS também se destacava na fabricação de grades de disco,
contribuindo com 58,6% do valor da produção, enquanto que SP contribuía com
30,4% (IBGE (1975b).
No mapa 2, apresentamos a distribuição espacial da indústria brasileira de
máquinas e implementos agrícolas, referente ao ano de 1970. Por esse mapa,
podemos verificar que existia uma concentração da indústria de tratores agrícolas
no estado de São Paulo, onde também se concentrava a fabricação de
pulverizadores agrícolas. Por outro lado, observamos que a produção de máquinas
para colheita e implementos para o plantio se realizava principalmente no Rio
Grande do Sul137.
reais, enquanto que um trator da mesma marca, como um Magnun 340 (com 340 cv de potência), estava sendo comercializado por cerca de R$ 750 mil. 137 Distribuímos os diferentes tipos de máquinas e implementos agrícolas, levando em consideração a participação do Estado no valor total da produção brasileira desse segmento industrial.
7
MAPA 2 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA INDÚSTRIA DE MÁQUINASE IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS NO BRASIL - 1970
10ºN
40°W
40°W70°W
FONTE: Elaboração própria a partir de dados do censo industrial de 1970 - produção física (IBGE, 1975b).
AM PA
PR
MT
MG
BA
ES
RJ
SC
RS
ROAC
RRAP
MA
GO
DF
PI
CE RN
PEPB
AL
SE
30ºS
10ºN
0 1067 2134 Km70°W
30ºS SP
0 114 228 Km
RS
0 114 228 Km
RS
SP
Trator
LEGENDA
Colhedora
Trilhadora
Arado discos
Grade discos
Semeadora
Pulverizador
88
De acordo com Castilho et al. (2008), em 1926 foi instalada uma unidade da
multinacional estadunidense, International Harvester, em São Paulo – SP para
fabricar arados e grades de discos. Mas, verificamos que, ao contrário do que
ocorreu com a indústria de tratores agrícolas, que se instalou no Brasil
principalmente por meio de filiais de empresas estrangeiras, para a fabricação de
implementos agrícolas se destacaram empresas nacionais. Por exemplo, em Matão
– SP surgiu, ainda no final da década de 1920, a firma Narciso Baldan & Irmãos (de
uma família de imigrantes italianos), que mais tarde se tornaria a empresa Baldan
Implementos Agrícolas S.A. Em 1952, ela foi a primeira a fabricar discos para
arados no país, reduzindo a necessidade de importação desse componente para
arados e grades. Inclusive, a Baldan se tornou uma referência mundial nesse
segmento (BALDAN, 2018).
Outra empresa de Matão – SP que se destacou no segmento da indústria de
implementos agrícolas, foi a Marchesan Implementos e Máquinas Agrícolas S.A
(marca “Tatu”). Ela iniciou suas atividades em 1946 quando dois irmãos, também
descendentes de italianos, fundaram a Oficina Brasil para fabricar implementos e
máquinas agrícolas, especialmente de tração animal, tais como charretes e
carroças. Mas, com o tempo a Marchesan acumulou experiência e começou
fabricar até discos para grades e arados, além de outros modernos implementos
No Rio Grande do Sul surgiu outra importante fabricante de discos, arados
e demais implementos agrícolas, a Indústria de Máquinas Agrícolas Fuchs S.A.
(Imasa). Essa empresa se desenvolveu a partir de uma funilaria fundada no início
da década de 1920, no município de Ijuí (no Noroeste Rio-Grandense), criada por
Arthur Fuchs. A partir de 1942 a pequena funilaria foi transformada em fundição de
ferro e fábrica de máquinas agrícolas. No final da década de 1950 a Imasa S.A. já
fabricava discos, arados e grades (IMASA, 2018).
Quanto à produção de pulverizadores e polvilhadeiras agrícolas, São Paulo
concentrava a grande maioria do valor da produção do país, cerca de 95%,
segundo o censo industrial de 1970 (IBGE, 1975b). O pioneirismo desse estado se
deve a empresas como a Jacto, que foi fundada em 1948, na cidade de Pompéia
(região de Marília – SP), pelo imigrante japonês Shunji Nishimura. Nesse ano,
Nishimura lançou a primeira polvilhadeira (para aplicar agrotóxico em pó) e em
89
1950 o primeiro pulverizador costal fabricado no Brasil, pois ele percebeu que
estava se formando uma demanda interna para equipamentos de aplicação de
agrotóxicos líquidos. Como analisaremos adiante, essa empresa se tornou uma
referência na produção de equipamentos agrícolas, especialmente para a aplicação
de defensivos agrícolas; inclusive chegando a exportar seus produtos para mais de
100 países (JACTO, 2018).
Há de se ressaltar que o desenvolvimento da indústria de máquinas e
implementos para a aplicação de químicos, é outro importante indicativo de
amadurecimento do setor. Pois, assim como a mecanização substitui grande parte
do trabalho braçal e praticamente toda a tração animal, a utilização de herbicidas
substitui a capina física, inclusive a mecanizada, como destacamos anteriormente.
Além disso, verificamos que a utilização de agrotóxicos na lavoura não está
condicionada só à aplicações mecanizadas, pois como descrevemos
anteriormente, a empresa Jacto iniciou suas atividades fabricando equipamentos
de uso pessoal, as máquinas polvilhadeiras e os pulverizadoras costais; que por
serem mais baratos são utilizados pelos pequenos produtores rurais.
Segundo o censo industrial de 1970 o Rio Grande do Sul contribuía com
65,7% do valor da produção de semeadeiras e plantadeiras do país, enquanto que
SP colaborava com 31,6% do valor. Infelizmente o IBGE (1975b) agrupa a
produção de semeadeiras e plantadeiras, então não temos como verificar a
proporção de fabricação de cada tipo de equipamento. Mas, acreditamos que o
destaque que o Rio Grande do Sul obteve na fabricação desse tipo de implemento
agrícola, relaciona-se ao seu desempenho na produção de cereais (como o trigo)
e oleaginosas (como a soja) que apresentam maior necessidade de mecanização,
como já ressaltamos anteriormente. Por outro lado, pensamos que provavelmente
SP fabricaria mais plantadeiras138 utilizadas nas lavouras de cana-de-açúcar, já que
naquela época detinha grande parte das lavouras de cana do país.
Entre as maiores fabricantes de semeadeiras e plantadeiras agrícolas do Rio
Grande do Sul, na década de 1970, estavam a já mencionada Imasa (instalada no
município de Ijuí), a Sfil e a Fankhauser. A Imasa, em 1968 já havia lançado uma
138 Em pesquisa de campo que realizamos no Show Rural Coopavel, 2019, bem como em visita de estudos à unidade da John Deere, em Horizontina – RS (em junho de 2019), verificamos que tanto os revendedores de máquinas agrícolas como as fábricas costumam utilizar o termo “plantadeira” para máquinas destinadas inclusive à semeadura de grãos, como de milho, soja etc.
90
semeadeira de múltiplo uso, o que atraia os agricultores pela possibilidade de
utilizá-la em diversas culturas. A Industrial Agrícola Fortaleza Imp. Exp. Ltda. (Sfil)
surgiu em 1962 no município de Fortaleza dos Valos (no Noroeste Rio-grandense),
quando Walter Schaedler e filhos começaram fabricar implementos agrícolas,
especialmente plantadeiras de tração animal, tornando-se uma das maiores
fabricantes de implementos agrícolas do mundo (CASTILHOS et al. 2008).
A Fankhauser S.A., que se instalou no município de Tuparendi (também no
Noroeste Rio-Grandense), começou como uma pequena oficina para consertos
diversos, fundada pelo imigrante suíço Friedrich Fankhauser, que por volta de 1960
passou a fabricar ferramentas manuais. Em 1961 lançou uma plantadeira e
adubadora manual (utilizada principalmente no plantio da soja) que seria seu
principal produto durante os anos 1960. Inclusive, em meados daquela década ela
chegou lançar uma semeadora-adubadora com 9 linhas de plantio, tracionada por
animais e, alguns anos mais tarde, lançou sua primeira semeadora-adubadora
puxada por trator, que aliás seria bem aceita pelos agricultores durante as décadas
de 1970 e 80; inclusive conquistando o mercado do Paraguai, Argentina, Uruguai,
Chile e até em países da América Central (FANKHAUSER, 2018).
Em relação à fabricação de tratores o IBGE (1975b) não fornece dados por
unidades da federação para as máquinas com até 55 cv de potência, detalhando a
distribuição espacial apenas para as máquinas maiores, o que nos permite observar
que todos os tratores com potência entre 55 e 100 cv – que representava quase
80% do valor total dos tratores produzidos em 1970 – saíram do estado de SP
Como mencionamos anteriormente, a maioria das fábricas de tratores que
se instalaram no Brasil no início da década de 1960 escolheram o estado de SP.
As três empresas que informaram ao IBGE que fabricavam tratores agrícolas (de
55 a 100 cv), provavelmente seriam a Ford do Brasil (naquela época, ainda
instalada na cidade de São Paulo – SP); a Valmet do Brasil (com unidade produtiva
em Mogi das Cruzes) e a CBT, instalada no município de São Carlos.
A maioria das máquinas para colheita fabricadas no Brasil, em 1970, saíram
do Rio Grande do Sul. Por exemplo, essa unidade da federação participou com
52,2% do valor da produção de trilhadeiras, enquanto que Santa Catarina contribuiu
com 42,6% (IBGE, 1975b). Como mencionamos anteriormente, no RS as próprias
empresas Schneider Logemann & Cia. (SLC) – instalada no município de
91
Horizontina – e Máquinas Agrícolas Ideal (no município de Santa Rosa), além de
colheitadeiras automotrizes, também fabricavam trilhadeiras.
Em Santa Catarina se destacavam empresas como a Cia. Branco Motores,
fundada por Caetano Natal Branco (filho de imigrantes italianos) ainda na década
de 1930, em Cruzeiro (atual município de Joaçaba – SC), no Oeste catarinense.
Até o início dos anos 1940 a pequena fábrica construía máquinas artesanalmente,
mas a partir de 1944 surgiu a Caetano Branco & Cia., se destacando na fabricação
de trilhadeiras da marca Vencedora, máquinas adaptadas para a colheita de feijão,
soja, aveia, girassol, lentilha, milho, centeio e alpiste139.
Outra empresa de SC que se destacou na fabricação de trilhadeiras, foi a
Isma Indústria e Comércio de Máquinas Agrícolas Ltda. Ela foi fundada ainda na
década de 1960 por Balduino Schneider, que foi um dos sócios fundadores da já
mencionada empresa SLC de Horizontina – RS. A Isma se instalou em São José
do Cedro – SC, também na região Oeste, na divisa com a Argentina (ISOL, 2019).
No ano de 1970 o Rio Grande do Sul já se destacava na produção de
colhedeiras automotrizes, contribuindo com 47,1% do valor total da produção. São
Paulo participava com 12,8% do valor. No Rio Grande do Sul já se sobressaíam,
naquela época, empresas como a SLC e a Ideal, como mencionamos
anteriormente. Mas, particularmente em São Paulo também já se fabricava
máquinas especialmente para a colheita de cana-de-açúcar. Por exemplo, a Santal
Equipamentos S.A. surgiu em 1960, em Ribeirão Preto – SP, fundada por Arnaldo
Ribeiro Pinto, proprietário da usina Santa Lydia que enfrentava problemas com a
escassez de mão de obra. Os primeiros projetos dessa empresa foram lançados
ainda no final da década de 1950, dando origem à primeira colhedora de cana (o
modelo Santal SL), que era montada sobre um trator de esteiras da marca
Caterpillar (figura 6). A partir da década de 1960 a Santal aperfeiçoou suas
colhedoras e também começou fabricar outros tipos de implementos para o cultivo
da cana-de-açúcar, tais como plantadeiras, entre outros (SANTAL, 2018).
139 Essa empresa – transformada em Fábrica de Motores Branco S.A. – se destacou também na fabricação de motores à gasolina, mudando suas instalações para o município de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba – PR, a partir de 1983. As trilhadeiras da marca Vencedora – um modelo de tração animal e outro uma trilhadora combinada (mais conhecida como “batedor”) – ainda são fabricadas pela empresa Maqtron, instalada no mesmo município de Joaçaba – SC (BRANCO, 2018).
92
Figura 6 Colhedora de cana Santal (modelo SL) montada sobre trator de esteiras Fonte: Foto disponível em Santal (2018).
Há de se ressaltar que em 1970 até mesmo no estado do Rio de Janeiro,
que não se destacava na agricultura, também se fabricava colheitadeiras
automotrizes. Em RJ se utilizou a estrutura existente da Companhia Industrial Santa
Matilde, instalada no município de Três Rios. Essa empresa surgiu em 1916 como
siderúrgica e desde o final da década de 1940 fabricava vagões e carros
ferroviários, mas a partir do final da década de 1960 apresentava capacidade
produtiva ociosa, devido ao desestímulo às ferrovias. Na tentativa de fugir da crise,
a partir de 1970 diversificou sua produção, fabricando colheitadeiras com tecnologia
da multinacional estadunidense JI Case (SANTA MATILDE, 2018)140.
Observamos que em 1970 o número de fábricas de colheitadeiras agrícolas
era relativamente grande, demostrando que existia uma forte iniciativa de
140 A partir de 1970 a Case IH decidiu parar de exportar colheitadeiras para o Brasil, mas firmou uma parceria com a companhia Santa Matilde para fabricar colheitadeiras de grãos com tecnologia da Case (lançadas no mercado com a marca Santa Matilde). Inclusive, as máquinas foram bem aceitas nas lavouras de arroz do Rio Grande do Sul, devido à sua agilidade (SANTA MATILDE, 2018).
93
empresários nacionais nesse segmento industrial. Mas, também há de se notar que
essas empresas pioneiras, ou estiveram diretamente ligadas à aquisição de
tecnologia estrangeira (parcerias, etc.) ou produziam máquinas baseadas nas
similares importadas (“engenharia reversa”), em modelos que há anos vinham
sendo utilizados na agricultura brasileira. Ocorre que até a década de 1960,
diversos modelos de marcas estrangeiras foram importados, como da JI Case
(posteriormente, Case IH); da Massey Ferguson; International Harvester e da John
Deere. Além dessas marcas mais conhecidas o Brasil também importava
colheitadeiras da marca argentina Vassalli Fabril S.A.; da marca canadense Oliver
(dos EUA); da alemã Gleaner; da belga Clayson e da polonesa Vistola.
Portanto, podemos afirmar que por volta de 1970 a indústria brasileira de
máquinas agrícolas estava consolidada. Na fabricação de tratores, destacavam-se
filiais de empresas multinacionais estrangeiras, enquanto que na produção de
colheitadeiras e outros implementos (arados, plantadeiras, pulverizadores etc.)
sobressaiam diversas empresas nacionais.
Quanto à distribuição espacial dessa indústria, reunida em dois polos, como
temos enfatizado, nos parece que se explica pela existência de “empresas
motrizes”141 (especialmente a indústria automotiva e de autopeças) que foram
capazes de estimular o surgimento das fábricas de tratores, enquanto que essas
instigaram o surgimento de fábricas de diversos tipos de implementos agrícolas.
Enfim, não podemos deixar de ressaltar o papel das políticas econômicas,
especialmente o Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas (de 1959), ao
estimularem o desenvolvimento da indústria de máquinas agrícolas, inclusive
diversificando a produção do segmento de implementos para a agricultura. Essa
ação do governo JK é um exemplo de protagonismo do Estado no desenvolvimento
econômico; o planejamento propriamente dito, como sugere a citação de Rangel
(1980) que utilizamos no início desse capítulo.
No capítulo a seguir aprofundaremos a análise sobre a ação do Estado no
que concerne ao planejamento econômico, especialmente em relação à
consolidação da indústria brasileira de máquinas agrícolas.
141 Utilizamos o conceito de “polos de desenvolvimento” de acordo com o entendimento de Manuel Correia de Andrade. Grosso modo, ele afirma que os polos ou complexos industriais se desenvolvem a partir de empresas motrizes (ou de grandes áreas urbanas) que estimulam o surgimento de uma diversidade de atividades industriais articuladas a elas (ANDRADE, 1977).
7
CAPÍTULO IV
A FORMAÇÃO DO MERCADO INTERNO PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE
MÁQUINAS AGRÍCOLAS
A expectativa de uma baixa no valor da moeda estimula o investimento e, em consequência, o emprego em geral, porque eleva a curva da eficiência marginal do capital, isto é, a escala da demanda de investimentos; a expectativa de uma alta no valor da moeda produz, ao contrário, efeito depressivo, porque reduz a escala da eficiência marginal do capital. [...] Convém notar que a expectativa de uma queda futura na taxa de juros terá por efeito fazer baixar a escala da eficiência marginal do capital, pois significa que a produção resultante do equipamento criado hoje terá de competir, durante parte de sua vida, com a produção proveniente de equipamento a que bastará uma retribuição menor (KEYNES, 1983, p. 104-5).
Entendemos que esse trecho, retirado de duas páginas do livro Teoria Geral,
resume a presença de vários instrumentos que, juntamente com a síntese realizada
por Rangel (1980) – inclusive, em parte, apoiando-se nos estudos de Keynes –, nos
auxiliará na análise da conjuntura, na qual se desenvolveu a indústria brasileira de
máquinas agrícolas.
Nesse capítulo, analisaremos a importância do planejamento econômico –
especialmente das políticas industriais e do crédito – para a industrialização
brasileira, sobretudo para o desenvolvendo do setor de máquinas agrícolas.
Estudaremos a relevância do planejamento no que se refere, particularmente, à
formação do mercado interno para esse segmento industrial.
4.1 O Complexo Rural Brasileiro e a Indústria de Máquinas Agrícolas
No primeiro capítulo, observamos que uma força de trabalho mais barata
pode atrasar a inserção de maquinaria na agricultura, principalmente em um país
com industrialização incipiente. Em outras palavras, se o custo da mão de obra for
menor que o gasto com a aquisição de máquinas, simplesmente elas não poderão
ser utilizadas porque tornariam as atividades inviáveis. Porém, há de se ressaltar
que, por outro lado, ao aumentar a produtividade do trabalho as máquinas podem
95
se tornar viáveis. Primeiramente, analisaremos os fatores que possam ter repelido
a utilização de maquinaria na agricultura brasileira.
Podemos iniciar a análise a partir dos censos agrícolas do IBGE. Se
analisarmos dados referentes aos anos de 1940, 1950 e 1960, verificaremos que
nesse período existia uma base técnica na agricultura brasileira (bem como uma
estrutura social no campo) que, se não se constituía como um obstáculo à
introdução de maquinaria nesse setor, pelo menos atrasava a mecanização da
agricultura do país. Por exemplo, em 1940 o Brasil possuía 2,2 milhões de cabeças
de bois para trabalho na agricultura e apenas 3.380 tratores agrícolas (IBGE,
1950b), demostrando que se utilizava muito mais a força animal do que a
mecânica142.
Aliás, analisando o tipo de força utilizada na agricultura do país, segundo o
censo agrícola de 1960, verificamos que do total de 3,3 milhões de
estabelecimentos rurais informantes, 2,6 milhões (76,6%) utilizavam só a força
humana (IBGE, 1967a). E pelo censo demográfico de 1950, podemos verificar que
na categoria: “ocupações relativas à produção agrícola e extrativa”, existia o total
de 9,4 milhões de trabalhadores ocupados e; desses, 8,7 milhões eram homens e
720 mil eram mulheres. Há de se ressaltar que nesse ano, 9,1 milhões de pessoas
(8,4 milhões de homens e 713 mil mulheres), o que equivale a 96,3% do total,
estavam ocupados na categoria “trabalhadores agrícolas de enxada” (IBGE,
1956b)143.
Há de se destacar que o contingente de trabalhadores utilizados como força
na agricultura brasileira era abastecido, inclusive, por menores. Por exemplo, pelo
censo agrícola de 1940 podemos observar que do total de 10,2 milhões de pessoas
ocupadas, 2,6 milhões (25,67%) possuíam menos de 15 anos de idade. Desses
menores, 1,5 milhão eram “membros da família” do proprietário do estabelecimento
rural e outros 1,1 milhão pertenciam a “colonos e empregados” (IBGE, 1950b). Em
142 E se analisarmos os censos agrícolas de 1950 e 1960, verificaremos que a quantidade de bois utilizados na agricultura brasileira subiria para 2,3 milhões e para 2,6 milhões, respectivamente (IBGE, 1956a e 1970). Há de se ressaltar que a agricultura brasileira estava defasada tecnologicamente, pois na Europa e nos EUA, nesse período, vinha reduzindo drasticamente o uso de tração animal, conforme mencionou Guimarães (1979). 143 De acordo com o censo demográfico de 1960 a quantidade de pessoas classificadas como “trabalhadores de enxada” aumentou para 10.830.925. Se efetuarmos os cálculos, verificaremos que o percentual caiu para 94,1%, já que a quantidade total de trabalhadores rurais também subiu, passando para 11.509.526 pessoas (IBGE, s/d).
96
1950, do total de 11 milhões de pessoas ocupadas na agricultura, 1,9 milhão eram
menores de 15 anos (IBGE, 1956a). Portanto, verificamos que nesse decênio
reduziu a quantidade de menores utilizados na agricultura do país, mas em 1950 a
quantidade ainda era alta, representando 17,23% do total de trabalhadores.
A partir do censo agrícola de 1960 o IBGE passou a fornecer dados dos
trabalhadores rurais com idade abaixo de 14 anos. Há de se ressaltar que a partir
dessa época a quantidade de menores utilizados na agricultura voltaria a aumentar,
passando para 2.980.422, em 1960 (IBGE, 1967a); para 2.900.330 no ano de 1970
(IBGE, 1975a) e para 4.390.214 em 1975. A maioria dos trabalhadores menores
estavam ocupados na categoria “família do proprietário do estabelecimento” (IBGE,
1979).
Pelo censo demográfico de 1950, também podemos identificar a utilização
de trabalho infantil na agricultura brasileira. Por exemplo, naquele ano existiam 1,7
milhão de trabalhadores na faixa etária de 15 a 19 anos ocupados no setor
“agricultura, pecuária e silvicultura” e mais 1 milhão de menores com idade contida
na faixa de 10 a 14 anos (IBGE, 1956b).
Portanto, verificamos que tanto os dados dos censos agrícolas como dos
censos demográficos do IBGE nos mostram que, pelo menos até o início da década
de 1960144, se utilizava na agricultura brasileira um contingente de força de
trabalho; em maioria, formado por membros da própria família do proprietário do
estabelecimento rural, sendo que uma parte considerável era constituída por
adolescentes e até por crianças, por conseguinte, apresentando características de
um país com agricultura defasada tecnologicamente145.
Essa situação nos faz lembrar dos estudos de Kautsky em relação à
Alemanha (e de outros países europeus) – realizado na virada do século XIX para
o XX –, no qual ele verificou que, especialmente nos pequenos estabelecimentos
rurais (e pouco tecnificados), o lavrador acabava explorando o trabalho dos próprios
membros da família: “o pequeno lavrador não só mete o chicote em si mesmo, mas
dele também se serve para pôr a trabalhar, igualmente, a sua família.” (KAUTSKY,
144 A partir do censo demográfico de 1970 podemos verificar que, naquele ano, ainda existiam 2.170.134 trabalhadores com idade entre 15 e 19 anos e 1.125.444 na faixa etária de 10 a 14 anos empregados no setor “agricultura, pecuária e silvicultura” (IBGE, 1973). 145 O atraso tecnológico da agricultura brasileira pode ser observado, por exemplo, ao compará-lo com o da agricultura da França naquele período: “na França, o número de trabalhadores ativos por trator diminuiu de 15, em 1954, para 3, em 1962.” (GUIMARÃES, 1979, p. 91).
97
1986, p. 100). Mas, mesmo trabalhando de “sol a sol” os pequenos agricultores
tinham uma vida árdua, com dificuldades até mesmo para se vestirem e se
alimentarem minimamente; muitas vezes, tendo um poder de compra inferior ao
dos trabalhadores assalariados: “a propriedade que força o pequeno lavrador a
desgastar-se mais que o trabalhador assalariado, sem propriedade, também leva
seu dono a reduzir as próprias exigências a um nível mínimo” (KAUTSKY, 1986, p.
101).
Para Kautsky, esse contingente de trabalhadores, com longas jornadas de
trabalho e com o uso de mulheres e crianças, formaria uma força de trabalho com
custo relativamente baixo a ponto de atrasar a inserção de tecnologia (máquinas
etc.) na agricultura.
Sobre as “condições de vida” no Brasil, especialmente no período que
estamos analisando, podemos ter noção, por exemplo, pelo estudo de Josué de
Castro, publicado em meados da década de 1940 em seu livro Geografia da Fome.
Castro (1946), dividiu o país em cinco áreas de “geografia alimentar”: 1) “área da
Amazônia”; 2) “área da Mata do Nordeste ou “nordeste açucareiro”; 3) “área do
Sertão do Nordeste”; 4) “área do Centro-oeste” e, 5) “área do Extremo Sul”. Pela
figura A1 (ver: anexos), podemos verificar a delimitação geográfica da classificação
feita por esse autor: nas áreas 1 e 2 a fome é caracterizada como endêmica (as
pessoas praticamente conviviam com a fome) e no Sertão como epidêmica,
chegando a matar pessoas146. Mas, mesmo nas áreas 4 e 5 – que compreende
grande parte do que, atualmente, constitui a região Centro-Sul do Brasil – também
existia subnutrição147. Pela figura A2 (também anexada), podemos verificar a
carência de vitaminas, minerais etc. (necessários à nutrição humana), segundo os
mesmos estudos de Castro.
Pelos dados das séries histórias e estatísticas do IBGE, também podemos
146 “Das cinco diferentes áreas que formam o mosaico alimentar brasileiro, três são nitidamente áreas de fome: a Área Amazônica, a da Mata e a do Sertão Nordestino. Nelas vivem populações que em sua grande maioria – quase diria em sua totalidade – exibem permanente ou ciclicamente as marcas inconfundíveis da fome coletiva.” (CASTRO, 1946, p. 51). 147 Castro, verificou a ocorrência de carência alimentar, não só na região Norte e Nordeste, mas também na parte central do país. Por exemplo, na área Centro-Oeste, desde parte das serras de Minas Gerais, do sul de Goiás até a região pantaneira de Mato Grosso o milho era o principal alimento, associado ao feijão e à banha de porco. Inclusive, o médico e geógrafo, Josué de Castro, se surpreendeu, pois apesar de ser uma região de criação de gado a grande maioria da população não consumia proteínas animais, por não ter poder aquisitivo para comprar esses alimentos.
98
ter noção sobre as condições de vida da população brasileira no período 1940-
1960. De acordo com o IBGE (2018b), no ano de 1940 a esperança de vida da
população do país era de apenas 43,1 anos. Em 1950 a média subiu para 52,3
anos, permanecendo igual até 1960148.
Há de se mencionar que essa precariedade das condições de vida da
população brasileira, inclusive na área rural, é reflexo da distribuição de renda no
país. Aliás, pelo censo demográfico de 1960, podemos constatar que o nível de
renda da população ocupada na “agricultura, pecuária e silvicultura” era bem
inferior ao da população empregada na indústria, no comércio e nos serviços. No
ano de 1960 existiam 11,8 milhões de pessoas com 10 anos e mais de idade
ocupadas na agricultura. Desses trabalhadores, 3 milhões (25,8%) possuíam
rendimento de até 2.100 cruzeiros (Cr$); 2 milhões (17,8%) na faixa salarial de
2.101 a 3.300 Cr$; 1,4 milhões (11,5%) com rendimentos na faixa de 3.301 a 4.500
Cr$ e 1,1 milhão de pessoas (8,9%) na faixa de 4.501 a 6.000 cruzeiros. Portanto,
verificamos que aproximadamente 64% dos trabalhadores ocupados na agricultura,
pecuária e silvicultura possuíam rendimentos enquadrados nas quatro primeiras
faixas, que correspondem a rendimentos de até Cr$ 6.000, o salário mínimo vigente
no ano de 1960.
Para termos ideia do que isso representa, podemos comparar com os
rendimentos dos trabalhadores de outros setores (indústria, comércio e serviços
em geral). Se efetuarmos os cálculos, chegaremos ao resultado de que 28,3% dos
trabalhadores de outros setores possuíam rendimentos de até um salário mínimo
(simultaneamente, 10,2; 6,7; 5,1 e 6,3% dos trabalhadores em cada faixa de
rendimento). Portanto, verificamos que nas atividades urbanas o percentual de
trabalhadores nas faixas mais baixas de renda era bem inferior aos já mencionados
64% observados para os trabalhadores agrícolas.
Não podemos desconsiderar o fato de que os rendimentos monetários na
agricultura podem não expressar a renda real, pois esse setor da produção,
especialmente até aquela época, se apoiava em relações de trabalho, tais como de
148 A baixa expectativa de vida da população brasileira, verificada para esse período, pode ser compreendida inclusive quando se considera as taxas de mortalidade da população. Por exemplo, no ano de 1950 a taxa bruta de mortalidade da população era de 19,7‰ (por mil). Para termos noção do que isso representa, no ano de 1980 a taxa de mortalidade havia caído para 8,9‰ e no ano de 2000 caiu para 6,9 mortos por 1000 (IBGE, 2018b).
99
parceria, “agregamento” etc., portanto, não se valendo só de ganhos monetários149.
Mas, é também notável que grande parte da população rural, do ponto de vista dos
rendimentos monetários, constituía um mercado consumidor frágil, não
conseguindo fazer investimentos de maior vulto, como em máquinas agrícolas, por
exemplo. Enfim, como diria Rangel (1980), nessa época a agricultura brasileira
formava uma área de estrangulamento, um gargalo para investimentos.
Esses dados nos fazem lembrar da análise de Rangel (1990a), sobre o que
ele denominou “complexo rural” brasileiro. No seu entendimento, desde o período
colonial se desenvolveu uma série de atividades tipicamente não-agrícolas no
interior das fazendas e nas áreas de trabalho livre, onde atuavam as famílias
camponesas. Além das lavouras e da pecuária também se desenvolvia, no meio
rural, atividades tais como a confecção de artigos do vestuário (especialmente a
partir do trabalho feminino), calçados, utensílios de uso doméstico, artigos de
selaria, instrumentos agrícolas mais rudimentares, ferrarias, a construção de
benfeitorias, entre outros. Isto é, além de agricultores os trabalhadores do campo
também eram artesãos. No seu entendimento, nos anos 1950 – em que ele realizou
e publicou seu estudo – ainda existiam resquícios do complexo rural em certas
áreas do país.
Se analisarmos dados dos censos agrícolas e agropecuários do IBGE,
identificaremos a existência, nesse período, de uma “indústria rural”150, em que se
realizava nos próprios estabelecimentos rurais uma série de atividades não-
agrícolas e exercitadas artesanalmente. A partir do censo agrícola de 1940 (IBGE,
1950b), com dados referentes ao ano de 1939, notamos que existiam 195,4 mil
estabelecimentos rurais com algum tipo de “instalação de beneficiamento e de
transformação industrial”. Destacamos a existência de 140,3 mil estabelecimentos
rurais que possuíam moendas (geralmente para cana-de-açúcar), com destaque
para os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul que possuíam,
respectivamente, as maiores quantidades de estabelecimentos rurais com esse tipo
149 Por exemplo, em seu livro Quatro Séculos de Latifúndio, publicado em meados da década de 1960, Alberto Passos Guimarães mencionou que ainda existiam muitos latifúndios no Brasil onde os lavradores eram obrigados (por contratos escritos ou verbais) a doar dias gratuitos de trabalho aos proprietários das terras, consertando cercas, limpando o pasto, beiras de estradas etc. Eram resquícios do feudalismo que persistiam na agricultura brasileira (GUIMARÃES, 1968). 150 O IBGE pesquisa pelos censos agrícolas e agropecuários as atividades de transformação e beneficiamento de produtos agropecuários (denominando “indústria rural”), realizadas nos próprios estabelecimentos rurais e que não são enquadradas como atividades industriais.
100
de máquina. A maioria dessas moendas (89,9%) eram movidas a tração animal,
7,1% eram movidas a água e apenas 3% a vapor, o que demostra o caráter
artesanal da “indústria rural” brasileira naquele período.
Em 1939 também existiam 84,6 mil estabelecimentos rurais que possuíam
moinhos de fubá, com destaque para os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e
São Paulo, respectivamente. Com moinhos de trigo existia o total de 1.373
estabelecimentos rurais, todos localizados no Sul do Brasil (IBGE, 1950b).
Outra atividade tipicamente não-agrícola praticada no meio rural brasileiro,
era a produção de aguardente (principalmente de cana) em alambiques. No total,
existiam 11,3 mil estabelecimentos rurais com esse tipo de máquina, com destaque
para os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Existiam, também, milhares de estabelecimentos rurais no país com
máquinas para beneficiamento de algodão, arroz e café (de café, especialmente
em São Paulo e Minas Gerais), além de outros 40 mil estabelecimentos rurais que
possuíam o que o IBGE (1950b) classificou como “maquinismos para a indústria de
laticínios”, tais como batedeiras, desnatadeiras e pasteurizadores (especialmente
nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e em Santa Catarina).
No entanto, o que mais se destacava naquele período era a quantidade de
estabelecimentos rurais com “indústria rural” de açúcar e de farinha de mandioca.
Em 1939 existia o total de 239,8 mil estabelecimentos rurais com produção de
derivados de cana-de-açúcar (açúcar, aguardente e rapadura), com destaque para
Minas Gerais, com 41,5 mil estabelecimentos; Santa Catarina com 15,8 mil
estabelecimentos; Bahia com cerca de 11 mil; Ceará com 8,5 mil; Rio Grande do
Sul com 7,5 mil estabelecimentos, entre outros. Com produção de derivados de
mandioca (farinha e polvilho) existia cerca de 400 mil estabelecimentos rurais, com
destaque para os estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco,
Ceará, Santa Catarina e Piauí (por ordem decrescente)151.
Esses dados nos mostram, primeiramente, que essa “indústria” rural fazia
parte de uma economia natural, mais destinada ao autoconsumo dos agricultores
151 Enfim, existiam milhares de estabelecimentos rurais no interior do país com outras atividades artesanais, tais como a produção de vinho de uva (especialmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no Paraná) e, especialmente, com produção de derivados de leite (creme, manteiga, queijo e requeijão), atividades em que existia o total de 157.040 estabelecimentos rurais, com destaque para os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Santa Catarina.
101
do que ao mercado. Aliás, não é por acaso que a produção de açúcar e de farinha
de mandioca tenha sido expressiva em estabelecimentos rurais, praticamente, de
“Norte a Sul” do Brasil, como destacamos anteriormente, pois naquela época esses
produtos faziam parte da alimentação da grande maioria da população do país,
conforme os estudos de Castro (1946) e Carvalho (1948).
Há de se ressaltar que a prática de atividades tipicamente industriais no meio
rural não é uma exclusividade do Brasil, pois, por exemplo, no final do século XIX
Lênin identificou a existência desse tipo de estabelecimento152 na Rússia,
especialmente em regiões onde subsistia uma economia natural:
Chamamos indústria doméstica à transformação dos produtos primários no mesmo estabelecimento (família camponesa) que os extrai. Esse tipo de indústria é um atributo necessário da economia natural e seus vestígios subsistem quase sempre onde existe um pequeno campesinato (LÊNIN, 1982, p. 215).
Em segundo lugar, observamos que ao abrigar atividades não agrícolas,
como da indústria artesanal rural153, o complexo rural brasileiro era importante para
empregar a mão de obra ociosa das atividades agrícolas, que geralmente
concentram as tarefas nos períodos de plantio, cultivo e na colheita, ao contrário
das atividades da “indústria rural” que costumam ocupar os trabalhadores ao longo
do ano ou durante as entressafras.
Aliás, o estudo de Eloísa de Carvalho, publicado no quadro “tipos e aspectos
do Brasil” (no 2º volume da Revista Brasileira de Geografia do ano de 1948),
embora que resumidamente, descreve a relevância da fabricação de mandioca no
território brasileiro naquela época:
A farinha de mandioca tem sido e continua a ser a base da alimentação de grande proporção de brasileiros [...] O processo de fabricação da farinha não evolveu; ela é obtida hoje da mesma forma que a produzia o indígena, no início da nossa colonização.
152 Naquela mesma época, ao estudar a agricultura da Alemanha, Kautsky (1986) verificou a existência do que ele chamou de “indústria rural” ou “indústria caseira rural”. 153 Em um estudo em que analisamos o processo de industrialização no Sudoeste do Paraná, verificamos que do início do povoamento – na década de 1940 – até a década de 1970, pelo menos, se desenvolveram atividades da indústria rural, a produção nos estabelecimentos rurais de artigos de consumo das famílias, inclusive a fabricação de farinha de fubá, açúcar de cana, queijos, além de utensílios domésticos e instrumentos para o trabalho agrícola (FLORES, 2009).
102
Além disso, o sistema é semelhante de norte a sul do país [...] (CARVALHO, 1948, p. 151).
Isto é, na visão da autora a farinha de mandioca era a base da alimentação
da maioria dos brasileiros, sendo produzida artesanalmente e praticamente da
mesma maneira em todo o território brasileiro. Em outro trecho, ela afirma:
Homens, mulheres e crianças trabalham na fabricação da farinha, pois que, para todos há ocupação. Em certos pontos do país, especialmente no Piauí, como me foi referido, a “farinhada”, é notável acontecimento; ocorrem pessoas de diferentes sítios, há matança de gado para alimentação dos que nela estão colaborando. Os lavradores agem de modo a que não coincidam as épocas de farinhada, para poderem contar com o maior auxílio possível. (CARVALHO, 1948, p. 151).
Figura 7 Fabricante de farinha Fonte: Ilustração de Percy Lau apud Carvalho (1948).
O trecho transcrito de uma única página do estudo de Carvalho (1948) –
combinado com a bela ilustração do bico de pena do artista peruano, Percy Lau
(figura 7) –, intencionalmente ou não já descrevia, no final da década de 1940, a
103
existência de um complexo rural, assim como viemos mencionando nesse capítulo;
caracterizado pela presença de atividades tipicamente não-agrícolas e realizadas,
inclusive, tanto pela força de trabalho de pessoas adultas, bem como por trabalho
infantil.
Aparentemente, a existência desse complexo rural se levantava como um
“obstáculo” à mecanização da agricultura brasileira já que ele ajudava a manter um
contingente de trabalhadores residindo no meio rural, inclusive podendo ser
recrutado pelas atividades agrícolas sempre que fosse necessário154. Porém, há de
se ressaltar que tal complexo começou se desintegrar, à medida que a
industrialização do país começou se desenvolver.
4.2 A Industrialização do País e a Desintegração do Complexo Rural
Se como mencionamos anteriormente, no período 1940-60 ainda existia no
Brasil um complexo rural, constituído por atividades tipicamente não agrícolas
paralelas à agricultura, verificamos que a partir da década de 1970 ocorreu um
processo de desintegração daquilo que temos chamado de “indústria rural”. Por
exemplo, pelos censos agropecuários de 1970 e 1980 (IBGE, 1975a e IBGE, 1984)
constatamos que a quantidade de estabelecimentos rurais que processavam
derivados de cana-de-açúcar diminuiu de 122,4 mil (em 1940) para cerca de 33 mil
estabelecimentos no ano de 1970 e para 19,9 mil em 1980. Porém, os
estabelecimentos rurais que produziam farinha de mandioca aumentaram,
passando de 399,9 mil, em 1940, para 955,8 mil em 1970, fechando em 461,5 mil
no ano de 1980.
A quantidade de estabelecimentos rurais que produziam creme de leite, no
mesmo período, evoluiu da seguinte maneira: de 13.162 para 24.668, caindo para
18.030. Na produção de manteiga os estabelecimentos passaram de 47,1 mil para
49,7 mil, caindo para 34,1 mil nesse período. Na produção de queijo e requeijão a
154 Pelos dados do censo demográfico de 1950, podemos verificar que as famílias eram numerosas
no meio rural brasileiro, o que incrementava a disponibilidade de força de trabalho para a agricultura
e outras atividades realizadas no campo. Por exemplo, existia naquele ano o total de 6,3 milhões de
famílias na área rural do país e, dessas, 538,5 mil possuíam entre 9 e 10 pessoas. Portanto, isso
representa 8,5% das famílias do campo. Naquele ano, por exemplo, se encontrava famílias com
mais de 25 pessoas residindo na área rural do Brasil (IBGE, 1956b).
104
quantidade de estabelecimentos também aumentou no período, passando de 96,7
mil, em 1940, para 152,2 mil em 1970, fechando em 215,9 mil em 1980.
Observamos que em relação à produção de derivados de cana-de-açúcar a
evolução da quantidade de estabelecimentos rurais já demostra que a atividade
reduziu consideravelmente no período. Porém, em relação à produção de farinha
de mandioca e derivados de leite, aparentemente, os dados não confirmam uma
queda nas respectivas atividades. No entanto, se analisarmos a evolução da
produção, constataremos que também ocorreu uma redução considerável nessas
atividades (tabela 3)
Tabela 3 Desempenho da produção da indústria rural brasileira – 1939-1980
Ano
Derivados de cana de açúcar Farinha Derivados de leite
Açúcar Aguardente Rapadura Mandioca Milho Creme Manteiga Queijo e requeijão
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos censos agrícola e agropecuários (IBGE, 1950b, IBGE, 1975a e IBGE, 1984a).
Ou seja, os dados mostram que em relação aos derivados de cana-de-
açúcar a produção diminuiu consideravelmente, reduzindo-se, provavelmente, ao
autoconsumo das famílias. A produção de farinha de mandioca cresceu
consideravelmente até 1970, mas decresceu a partir dessa época. Há de se
ressaltar que a grande maioria da produção saiu dos estados do Pará, Bahia e
Maranhão, respectivamente. Por exemplo, no ano de 1980 esses três estados
concentravam 56% dos estabelecimentos rurais com produção de farinha de
mandioca do país. Em outras palavras, verificamos que esse ramo da “indústria
rural” subsistiu em regiões onde a mecanização agrícola (e o agronegócio em geral)
ainda não tinham se desenvolvido.
A produção de creme e manteiga de leite também decresceu visivelmente,
mas a de queijo e requeijão aumentou. Porém, no ano de 1980 a produção desse
último produto se concentrava em Minas Gerais, que possuía 18,6% dos
estabelecimentos. Por outro lado, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, estados
onde a agricultura já havia se mecanizado nessa época, a quantidade de
105
estabelecimentos rurais produtores de queijo ou requeijão já era pouco expressiva.
Juntos, SP e RG somavam apenas 6,1% do total de estabelecimentos fabricantes
desse tipo de produtos.
Considerando esses dados, podemos concluir que a partir da década de
1970 a chamada indústria rural, o beneficiamento ou transformação de produtos
agrícolas no campo, já se mostrava pouco expressiva, ao contrário do que ocorria
nos anos 1940 e 50, como destacamos no início desse capítulo. Esse processo é
importante porque o complexo rural, como demostrou Rangel (1990a), contribuía
para manter a força de trabalho ocupada nas entressafras, portanto, mantendo um
“exército de reserva” para os períodos agrícolas que necessitassem de maior
disponibilidade de mão de obra, como no plantio, cultivo e nas colheitas.
Para ilustrar o quanto o complexo rural era importante para reduzir o custo
da mão de obra na agricultura, podemos observar os dados do gráfico 6, referentes
à evolução dos salários agrícolas no estado de SP, no período 1948-1978:
Gráfico 6 Evolução dos salários rurais no estado de São Paulo – 1948-1978
Nota: Em 1970 = 100.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados organizados por Bacha (1979).
Bacha (1979), utilizou dados deflacionados – levantados pelo Instituto de
Economia Agrícola (IEA) de SP – o que nos permite analisar a evolução dos salários
80,2
100
69
87,381
100
141133
151
136
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
130
140
150
160
19
48
19
49
19
50
19
51
19
52
19
53
19
54
19
55
19
56
19
57
19
58
19
59
19
60
19
61
19
62
19
63
19
64
19
65
19
66
19
67
19
68
19
69
19
70
19
71
19
72
19
73
19
74
19
75
19
76
19
77
19
78
Índic
e s
ala
rial
Trabalhadores diaristas Linear (Trabalhadores diaristas)
106
reais. Pelos dados desse gráfico, podemos constatar que os salários rurais dos
trabalhadores diaristas do estado de São Paulo aumentaram durante o quinquênio
1948-1952, mas reduziram consideravelmente no periodo 1952 a 1963, por
conseguinte, mantendo-se em baixa justamente em uma época em que existia
grande disponibilidade de mão de obra no campo, inclusive devido à existência do
complexo rural que ocupava a força de trabalho nos períodos ociosos, como
ressaltamos anteriormente.
Esses dados são importantes porque nos mostram que especialmente até
meados dos anos 1960 os salários rurais eram baixos, então, provavelmente,
favoreciam a utilização do trabalho braçal. Isto é, o custo relativamente baixo da
força de trabalho desestimularia a utilização de maquinaria na agricultura brasileira,
consequentemente, atrapalhando a formação de demanda para a indústria de
máquinas e equipamentos para esse setor.
Para termos noção da composição do capital aplicado na agricultura do país,
naquela época, podemos utilizar dados dos censos agrícolas e agropecuários em
relação às despesas155 dos estabelecimentos rurais. Efetuado os cálculos,
chegaremos ao resultado que 64,8% das despesas dos estabelecimentos rurais,
no ano de 1939, eram despendidas em salários. No entanto, naquele mesmo ano
apenas 1,9% das despesas eram aplicadas em adubos e corretivos; 2,2% em
sementes e mudas e apenas 1,5% em defensivos agrícolas (IBGE, 1950b),
demonstrando que se tratava de uma agricultura extensiva, com baixa composição
orgânica do capital156.
Se ampliarmos a análise ao período posterior, perceberemos que até a
década de 1960 a participação dos salários nas despesas dos estabelecimentos
rurais do país ainda era consideravelmente alta, chegando a 50,1% no ano de 1949
e caindo para 39,2% em 1959 (IBGE, 1956a e 1970). Mas, no ano de 1970 o
percentual de gastos com salários caiu para 24,5% e no ano de 1980 diminuiu para
155 No total de despesas o IBGE inclui: salários, arrendamentos de terras, adubos e corretivos, sementes e mudas, inseticidas e fungicidas, rações para animais, entre outros. 156 Aliás, ao visitar as colônias de povoamento com imigrantes alemães no Sul do Brasil, na década de 1940, o geógrafo alemão, Leo Waibel (1949), constatou que aquilo que se chamava de “agricultura mais moderna do Brasil” ainda utilizava métodos arcaicos de produção, tais como queimadas e rotação de terras, o que esse autor identificou como semelhante à agricultura europeia medieval.
107
20,3%. Nesse mesmo período o percentual gasto em adubos e corretivos, por
exemplo, subiu para 9,1% e 13,8%, respectivamente (IBGE, 1975a e 1984).
Portanto, verificamos que nas décadas de 1940, 50 e 60, quando os salários
rurais eram mais baixos (como expomos pelo gráfico 6), os percentuais de
despesas com salários eram maiores, mas à medida que os salários começaram
aumentar (especialmente a partir da década de 1970) a situação mudou. Se por
um lado, os salários baixos contribuem para atrasar a inserção de maquinaria na
agricultura (como temos colocado), por outro lado, quando eles aumentam a
situação começa a se inverter, isto é, se torna viável a mecanização da
agricultura157.
Aliás, os dados do IBGE sobre a quantidade de tratores agrícolas utilizados
no Brasil corroboram essa afirmação. Por exemplo, os censos agrícolas e
agropecuários apontam que a quantidade de tratores agrícolas passou de 3.380
unidades, em 1940, para 8.372 em 1950; para 61.345 em 1960; para 165.870 em
1970, fechando em 545.205 no ano de 1980 (IBGE, 1950b, 1956a, 1970, 1975a e
1984)158.
Se analisarmos a evolução do tipo de força utilizada na agricultura brasileira,
também constataremos a modernização, pela qual, estava passando esse setor.
Por exemplo, anteriormente mencionamos que segundo o censo agrícola de 1960,
76,6% dos estabelecimentos rurais do país utilizavam só a força humana no
trabalho. Mas, verificamos que em 1970 o Brasil já possuía 112.374
estabelecimentos que utilizavam força mecânica e mais 192.725 que utilizavam a
força animal e mecânica (IBGE, 1975a). E segundo o censo de 1980 a quantidade
de estabelecimentos rurais que utilizavam força mecânica havia subido para
1.297.483, o que equivalia a 56,7% do total de estabelecimentos rurais existentes
no país naquele ano. Há de se acrescentar que outros 710.442 estabelecimentos
157 Como mencionou Rangel (2005), os fatores de produção (capital, terra e trabalho) concorrem, de modo que quando os salários são baixos a atividade econômica prefere utilizar o fator trabalho e não o capital. Nesse caso, se usava o trabalho braçal que era mais barato que a maquinaria. 158 A evolução na quantidade de tratores, ocorrida especialmente entre as décadas de 1950 e 1960, aumentando mais de 7 vezes, provavelmente se deve à utilização de máquinas em grandes propriedades, particularmente no Sudeste e no Sul do país. Por exemplo, na década de 1950, Monbeig (1957) verificou que nas grandes fazendas do estado de São Paulo já se utilizava tecnologia moderna para a época, como na fazenda Guatapará (localizada em Ribeirão Preto), que utilizava até aviões para combater pragas nos cafezais e na fazenda Cambuhi (em Matão), na época considerada a maior plantação do mundo (especialmente de algodão e frutas cítricas), com cerca de 22.984 alqueires paulistas (556,21 Km2), empresa que já utilizava cerca de 90 tratores agrícolas.
108
informaram utilizar força animal ou mecânica alugada, o que nos mostra que a
mecanização não estava restrita aos estabelecimentos que possuíam maquinaria
(IBGE, 1984)159.
Também podemos ter noção sobre o nível de modernização da agricultura
brasileira, ocorrido após a década de 1960, se analisarmos a evolução da
produtividade do trabalho nas principais160 culturas agrícolas (tabela 4):
Tabela 4 Evolução da produção agrícola e da produtividade da força de trabalho na agricultura brasileira – 1940-1980
Ano Produção agrícola
(toneladas)*
Pessoas ocupadas
(nº.)
Produtividade da força de trabalho
(tonelada/trabalhador)
Índice de crescimento (1970 = 100
%
1940 36.648.641 11.343.415 3,2 41 -
1950 56.225.024 10.996.834 5,1 65 58,5
1960 90.656.520 15.633.985 5,8 74 13,8
1970 136.550.555 17.582.089 7,8 100 35,1
1980 222.089.589 21.163.735 10,5 140 40,0
Nota: *Soma da produção de arroz em casca, cana-de-açúcar, feijão, milho, soja, trigo e mandioca.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (1990).
Portanto, notamos que a produtividade do trabalho na agricultura brasileira
cresceu consideravelmente nesse período. E podemos observar que o maior
crescimento ocorreu nos períodos 1940-50 e a partir de 1970. No primeiro período
o alto crescimento ocorreu, provavelmente, devido ao atraso tecnológico
encontrado na agricultura do país (como mencionamos anteriormente), então à
medida que foi se inserindo tecnologia (especialmente a partir dos anos 1950) a
produtividade do trabalho aumentou.
E se considerarmos, por exemplo, o incomensurável aumento na quantidade
de tratores utilizados na agricultura brasileira, como mostramos anteriormente,
constataremos que a partir de 1970 o ganho de produtividade do trabalho agrícola
se deve à inserção de tecnologia, como adubos, agrotóxicos e, em grande parte,
ao emprego de maquinaria que substituiu parte do trabalho braçal e sob tração
159 Infelizmente o IBGE (1984) forneceu dados conjuntos para o aluguel de força mecânica e animal, então não temos o percentual apenas da força mecânica. 160 Refere-se ao: arroz em casca, cana-de-açúcar, feijão, milho em grão, soja, trigo e mandioca. Analisamos os dados do IBGE (1990) e constatamos que os produtos agrupados na tabela 4 constituiam a grande maioria da produção agrícola do país daquela época.
109
animal.
Sobre a mecanização da agricultura brasileira, não podemos deixar de
ressaltar que ela se intensificou justamente no período em que o complexo rural
brasileiro se desintegrou (década de 1970) e quando os salários rurais começaram
se elevar. Por exemplo, se retomarmos aos dados do gráfico 6, verificaremos que
a partir de 1963 os salários rurais do estado de São Paulo começaram aumentar,
mas o processo se intensificou a partir de 1969 a ponto do salário de 1977 ter sido
218,8% superior ao de 1963, ano em que o salário rural foi o menor de todo o
período 1948-1978.
Em outras palavras, podemos afirmar que a partir da década de 1970 as
barreiras levantadas contra a introdução de máquinas na agricultura brasileira –
especialmente o complexo rural que ajudava a manter um contingente de
trabalhadores no campo e, com isso, mantinha os salários relativamente baixos –
começaram a ser removidas.
Como praticamente não se encontra estudos que comparem a produtividade
do trabalho agrícola em diferentes sistemas, como entre as atividades mecanizadas
e o trabalho braçal, decidimos resgatar dados e informações que obtivemos a partir
de um estudo que realizamos em meados da década de 2000, analisando as
particularidades da agricultura no município de Francisco Beltrão, no Sudoeste do
Paraná (quadro 5):
Quadro 5 Comparação da produtividade do trabalho agrícola mecanizado e não-mecanizado – 2005
Sistema não-mecanizado Sistema mecanizado
Plantio: cerca de 480 minutos ou 8 horas para plantar um hectare (ha.) com semente de milho com uma máquina manual*.
Aproximadamente, 70 minutos para plantar um ha. de semente de milho com plantadeira de 4 linhas, traçada por trator de 85 cv.
Cultivo do solo: aproximadamente 180 horas de um trabalhador adulto para cultivar um ha. a partir de capina com enxada.
Capina química (aplicação de herbicidas): cerca de 8 minutos de um pulverizador de 2000 litros, traçado por trator de, pelo menos, 85 cv de potência para a capina de um ha.
Colheita: cerca de 56 horas de um trabalhador adulto para colher manualmente um hectare de milho (entre 60 e 80 sacas de 60 Kg)**.
Uma colheitadeira do tipo New Holland TC 57 (fabricada no BR desde 1993) consegue fazer o mesmo trabalho em cerca de 45 minutos e libera o produto em grãos.
Nota: *Máquina manual, simples, conhecida em algumas regiões por “matraca”. **Nesse caso o trabalhador apenas apanha as espigas de milho, então é necessário debulhar os grãos, por exemplo, com uma trilhadeira ou com um “batedor”.
Fonte: Pesquisa de campo realizada em Francisco Beltrão – PR no ano de 2005 (FLORES, 2007).
110
Ao entrevistarmos alguns agricultores desse município, pedimos para que
comparassem a produtividade do trabalho em atividades agrícolas mecanizadas
com outras que utilizavam o trabalho braçal, já que os informantes de nossa
pesquisa conheciam os dois sistemas. Há de se observar que as diferenças de
produtividade do trabalho são expressivas, tanto no plantio, nos tratos culturais
como em atividades da colheita.
Mas, como esses dados são estimativas dos agricultores entrevistados e se
trata de um recorte espacial pequeno, devemos compará-los a outros estudos para
verificar se podem ser generalizados. Se utilizarmos informações de revistas e sites
especializados em agronegócio, verificaremos a capacidade que as máquinas têm
para substituir o trabalho humano na agricultura. Por exemplo, em 2013 o portal
Máquinas & Inovações Agrícolas exibiu uma reportagem, na qual entrevistou
produtores de uva do estado de São Paulo que começaram utilizar tratores na
viticultura como alternativa à falta de mão de obra. Alguns agricultores pesquisados
informaram que um trator pequeno pode substituir até 15 homens no roçado
(PRODUTORES, 2013)161.
Na colheita, os números são mais expressivos. Por exemplo, uma
reportagem da Gazeta Digital de 2010 informou que as colhedoras de cana-de-
açúcar, que estavam sendo utilizadas no estado de Mato Grosso, substituíam o
trabalho de 120 homens (REIS, 2010). Em 2007 o portal CaféPoint apresentou uma
matéria destacando que na 13ª Festa do Café e do Frango – realizada em Londrina,
PR – a empresa TDI162 exibiu uma máquina colhedora de café que seria capaz de
substituir o trabalho de 200 homens (COLHEITADEIRA, 2007). Na colheita
mecanizada de cereais e oleaginosas a produtividade do trabalho também tem sido
enorme. Por exemplo, o portal G1 exibiu uma matéria sobre a Agrishow 2015
(realizada em Ribeirão Preto, SP) que compara a produtividade da primeira
colheitadeira fabricada no Brasil – a SLC 65-A que, aliás, destacamos no capítulo
anterior – com uma máquina de grande porte (da marca John Deere), lançada em
2015; afirmando que a colheitadeira moderna colhe em 30 minutos o que a máquina
161 Agricultores de municípios como Jundiaí e Pilar do Sul (ambos em SP) estão utilizando tratores de pequeno porte, adaptados ao reduzido espaço entre as linhas das videiras. Por exemplo, a empresa Agritech, instalada no município paulista de Indaiatuba, tem fabricado esse tipo de trator com tecnologia da marca japonesa Yanmar (PRODUTORES, 2013). 162 A TDI Máquinas Agrícolas surgiu em 1985. Na atualidade, ela possui uma unidade instalada em Araguari – MG, especializada na fabricação de colhedoras de café (TDI, 2018).
111
lançada em meados da década de 1960 levaria um dia inteiro. Isto é, que colheria
em meia hora cerca de 500 sacas de soja (OLIVEIRA, 2015).
Sobre a produtividade do trabalho na capina química, podemos citar dados
de nossas pesquisas de campo, como na que realizamos no Show Rural Coopavel,
na cidade de Cascavel – PR em fevereiro de 2019. Por exemplo, observamos que
a empresa Jacto (instalada em Pompéia – SP) possui pulverizadores automotrizes
capazes de aplicar defensivos agrícolas com rendimento de até 80 hectares por
hora (ou 800.000 m2/hora)163.
Ao observarmos que a partir da introdução de maquinaria, aumentou a
produtividade do trabalho na agricultura brasileira, isto é, aumentando a produção
e com menos trabalhadores ocupados nas atividades, constatamos que a própria
indústria de máquinas agrícolas contribuiu para a formação do mercado interno
para seus produtos.
Há de se destacar que o desenvolvimento industrial estimula, também, a
industrialização da própria agricultura, como já observaram Kautsky (1986), Lênin
(1982) e Rangel (2004).
Aliás, Rangel fornece dados que nos permitem avaliar a intensidade do
crescimento da indústria brasileira nesse período. Utilizando dados estatísticos da
Organização das Nações Unidas (ONU), ele comparou a evolução da produção
industrial de diversos países no período 1938-1973, mostrando que no Brasil a
produção cresceu 16 vezes, a um ritmo de 8,2% ao ano (a.a.); só perdendo para a
produção industrial da União Soviética, que cresceu 19 vezes, alcançando a média
de 8,8% a.a. Para termos noção do que isso representa, destacamos que nesse
mesmo período a indústria do mundo capitalista desenvolvido cresceu a 5,1% a.a.
(o equivalente 5,8 vezes). Aliás, o crescimento da produção industrial brasileira nas
décadas de 1940, 50 e 60 (e em grande parte dos anos 1970) foi superior ao da
indústria japonesa, que foi considerada uma referência para a economia mundial
no pós Segunda Guerra Mundial (quadro 6)164.
163 Segundo representantes dessa empresa o pulverizador agrícola Jacto - Uniport 4530 é o maior da categoria utilizado na agricultura brasileira. Ele possui um reservatório de 4.500 litros, barras de aplicação com 36 metros e consegue pulverizar com velocidade de até 35 quilômetros por hora. 164 Nesse mesmo período a produção industrial do México e da Argentina – países que se esperava um desempenho semelhante ao do Brasil – cresceu, respectivamente, cerca de 8 e 4 vezes. No período 1948 a 1973 – fase ascendente do 4º ciclo longo – a produção industrial dos Estado Unidos da América cresceu apenas 2,93 vezes, a 4,4% a.a. (RANGEL, 1990b).
112
Quadro 6 Evolução da produção industrial por classes de países selecionados – 1938-1973
Categoria de países Crescimento da produção
Vezes no período (% a.a.)
Mundo capitalista 6,0 5,3 Mundo capitalista desenvolvido 5,8 5,1 Mercado Comum Europeu 4,8 4,6 Japão 11,7 7,3 Brasil 16,0 8,2 União Soviética 19,0 8,8
Fonte: Elaboração própria a partir de dados organizados por Rangel (1990b).
Há de se ressaltar que nesse contexto de significativa expansão das
atividades industriais o Brasil se urbanizou e, consequentemente, em um contexto
de diminuição da população rural. Pelos dados dos censos demográficos do IBGE,
podemos verificar que enquanto a população rural aumentou em apenas cerca de
6 milhões de habitantes no período 1950-1980 – passando de 33,2 milhões para
39,1 milhões de habitantes – a população urbana ganhou 63,2 milhões, passando
de 18,8 milhões, em 1950, para cerca de 82 milhões de habitantes no ano de 1980
(IBGE, 1956b; s/d.; 1973 e 1983).
Como nesse período analisado as taxas de fecundidade se mantiveram
consideráveis165 na área rural brasileira, não é de se estranhar que a estabilização
do número de habitantes residentes no campo se deva à migração de grande parte
da população para as cidades. Aliás, segundo os dados do censo demográfico de
1970 o Brasil possuía 5,4 milhões de pessoas residentes em área urbana não-
naturais do município que antes residiam em domicílios rurais. Portanto, que
migraram do campo para a cidade. Desses, 2,5 milhões migraram há 11 ou mais
anos (IBGE, 1973).
Em 1980 o Brasil já possuia 13,7 milhões de habitantes residentes em área
urbana (não-naturais do município) que migraram do campo, sendo que, desses,
7,5 milhões migraram há 10 anos ou mais. Há de se acrescentar outros 6,2 mihões
de pessoas naturais do município, que também migraram da área rural (IBGE,
165 Por exemplo, segundo o IBGE, no ano de 1970 a taxa de fecundidade na área rural brasileira era de 7,74 filhos por mulher, com destaque para a região Norte que apresentava uma taxa de 9,59 filhos (destacando-se o estado do Acre, com 10,97; Rondônia com 10,77 e o Amazonas com taxa de fecundidade de 10,18 filhos). No Nordeste a taxa era de 8,45, com destaque para o Rio Grande do Norte com 9,81 e o Sergipe com 9,29 filhos por mulher (IBGE, 1990).
113
1983).
Alves, Souza e Marra (2011) – com base em dados do IBGE – verificaram
que no período 1950-1960 migraram do campo 5,4 milhões de pesoas, com
destaque para a região Nordeste, com 2,8 milhões de migrantes e o Sudeste, onde
a área rural perdeu 2,5 milhões de pessoas que mudaram para áreas urbanas. No
período 1960-1970 a quantidade de migrantes do campo aumentou para 8,9
milhões. A quantidade de migrantes do Nordeste caiu para 2,5 milhões de pessoas,
mas a região Sudeste obteve um aumento considerável, saltando para 5,7 milhões
de pessoas que trocaram a área rural pela cidade. Esses autores destacam que no
período 1960-70 a região Sudeste perdeu 40,3% de sua população rural que migrou
para as cidades, estimulada pelo processo de industrialização que se intensificou
nessa região naquele período166.
Pelo gráfico 7, podemos observar a evolução dos empregos nas atividades
urbanas: na indústria, comércio e nos serviços no período 1940 a 1980.
Gráfico 7 Evolução dos empregos na indústria e em outros setores da economia brasileira – 1940-1980
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE (1990).
166 De 1970 a 1980, 12,5 milhões de pessoas migraram da área rural para a urbana. Nesse período, também se destacaram as regiões Nordeste (com 3,5 milhões de migrantes) e o Sudeste (com 4,4 milhões), mas a novidade foi a região Sul que obteve um movimento de 4,1 milhões de pessoas que trocaram o campo pela cidade (ALVES; SOUZA; MARRA, 2011).
1.617.000
4.269.000
8.460.000
262.600
3.171.500
800.500
5.163.000
2.076.500
6.587.500
11.776.000
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
7000000
8000000
9000000
10000000
11000000
12000000
13000000
1940 1950 1960 1970 1980
Pe
ssoa
s o
cup
ad
as
Indústria de transformação Construção civil
Comércio Serviços
114
Os dados desse gráfico nos mostram que, ao contrário do setor agrícola em
que a geração de empregos tende a se estabilizar ou até mesmo diminuir, como
mostramos pelos dados da tabela 4, na indústria, comércio e nos serviços a
quantidade de empregos pode aumentar, mesmo que a maquinaria aumente a
produtividade do trabalho167. Isso ocorre porque, como já observou Marx, a
indústria propicia um crescimento absoluto da produção que consegue ampliar os
empregos, ao contrário do que ocorre na agricultura:
É da natureza do modo de produção capitalista que ele continuamente diminua a população agrícola em relação à não agrícola, porque na indústria (em sentido estrito) o crescimento do capital constante em relação ao variável está ligado ao crescimento absoluto, apesar da diminuição relativa, do capital variável; enquanto na agricultura diminui em termos absolutos o capital variável exigido para a exploração de determinado pedaço de terra, só podendo, portanto, crescer à medida que novas terras são cultivadas, isso, porém, pressupõem por sua vez crescimento ainda maior da população não agrícola (MARX, 1985a, p. 139).
Podemos afirmar que a indústria brasileira estimulou os setores do comércio
e dos serviços e impulsionou a modernização da agricultura ao gerar empregos nas
cidades, atraindo grande parte da mão de obra que antes estava ocupada no meio
rural, portanto, desintegrando o complexo rural que contribuiu para atrasar a
mecanização agrícola no país. Em outras palavras, podemos afirmar que o
complexo rural e a mão de obra relativamente barata não eram, em si, empecilhos
para a inserção de maquinaria na agricultura, pois é a indústria moderna que
transforma as atividades agrícolas, não o contrário.
Há de se ressaltar que foi nesse contexto da industrialização brasileira,
marcado pela desintegração do complexo rural e da saída de grande parte da
população do campo para a cidade, que a indústria de máquinas agrícolas se
consolidou. A partir de dados da produção física dos censos industriais de 1975 e
1980, constatamos que do ponto de vista espacial praticamente não ocorreram
mudanças consideráveis, isto é, mantendo-se a bipolarização São Paulo/Rio
167 No período 1950/60 o emprego agrícola cresceu a uma taxa de 3,6% a.a., enquanto que o emprego industrial cresceu a apenas 1,9%. Mas, de 1960/70 o emprego agrícola caiu para uma taxa de 1,2% a.a., enquanto que o emprego industrial subiu para 5,2% ao ano. De 1970/74 o emprego agrícola voltaria a subir para 2,96% ao ano, mas no mesmo período o emprego na indústria cresceu a 8,4% a.a. (DELGADO, 1985).
115
Grande do Sul, sintetizada no mapa 2. No entanto, algumas mudanças pontuais
podem ser identificadas, como na produção de colheitadeiras automotrizes. Por
exemplo, enquanto que em 1970 o RS contribuía com quase a metade do valor da
produção desse tipo de máquina (47,1%), a partir de 1975 ampliou sua participação
para 60,6%, sendo seguido pelo Paraná, com 23,7%, e por São Paulo, que
participou com apenas 6,6% do valor total da produção (IBGE, 1981).
Pelos dados do censo industrial de 1980, observamos que o Paraná
aumentou a sua participação na fabricação de colheitadeiras automotrizes,
contribuindo com 30,2% do valor total da produção, só perdendo para o estado do
RS, que contribuiu com 55,8% (IBGE, 1984).
A destacada participação do Paraná na produção de colheitadeiras se deve,
principalmente, à atuação da multinacional New Holland, que a partir de 1976
instalou uma unidade produtiva em Curitiba. Segundo Amato Neto (1985), a partir
do final da década de 1970 a New Holland já se destacava na produção e na venda
de colheitadeiras no país. Pelos dados levantados por esse autor, no ano de 1978
essa empresa já era líder no mercado interno de colheitadeiras, comercializando
1.227 unidades, o que correspondia a 33,6% das vendas totais daquele ano,
seguida de perto pela empresa sul-rio-grandense SLC, que comercializou 1.053
colheitadeiras (o equivalente a 28,7% do total das vendas internas).
Na fabricação de trilhadeiras o Rio Grande do Sul perdeu a liderança para o
estado de Santa Catarina, que de acordo com o censo industrial de 1975 passou a
contribuir com 62,5% do valor total da produção desse tipo de máquina (IBGE,
1981). Segundo o censo industrial de 1980, Santa Catarina havia perdido espaço
nesse segmento industrial, mas ainda liderava, participando com 47,9% do valor
total da produção de trilhadeiras (IBGE, 1984).
A queda da participação do Rio Grande do Sul na produção de trilhadeiras
agrícolas e, por outro lado, o aumento da participação de Santa Catarina se deve,
provavelmente, ao fato de que o avanço do cultivo da soja e do trigo – culturas com
alta exigência de mecanização, como mencionamos no capítulo anterior –
estimulou a substituição das simples trilhadeiras pelas colheitadeiras automotrizes
no RS. Além disso, Santa Catarina possui uma área agrícola bem menor que a do
RS e com maior grau de declividade do relevo, o que dificulta a mecanização, então
se utilizava, especialmente nos pequenos estabelecimentos rurais, trilhadeiras
116
puxadas por tração animal que são mais adaptáveis a esse tipo de terreno.
Quanto à fabricação de outros implementos agrícolas, tais como
semeadeiras, plantadeiras, pulverizadores, arados, grades, entre outros,
praticamente não ocorreu consideráveis alterações em relação ao mapa 2 (exposto
no capítulo anterior). Isso é, a distribuição espacial da indústria de máquinas
agrícolas, em 1980, permaneceu concentrada nos estados de São Paulo e Rio
Grande do Sul.
Como os censos industriais não fornecem dados deflacionados, então não
temos como avaliar o desempenho da indústria brasileira de máquinas agrícolas
(se aumentou ou regrediu) no período 1970-80. Porém, podemos verificar a
evolução da participação percentual desse segmento em relação à indústria
mecânica e, dessa, em relação à indústria de transformação. Se efetuarmos os
cálculos a partir de dados dos censos industriais de 1970, 1975 e 1980 (IBGE,
1975b, 1981 e 1984), chegaremos ao resultado que a participação do setor
mecânico no valor da produção industrial do país passou de 4,9%, em 1970, para
6,7 em 1975, fechando em 6,1% no ano de 1980. No mesmo período a participação
da indústria de máquinas agrícolas168 no setor da indústria mecânica passou de
7,2, em 1970, para 10,2 em 1975, fechando em 8,2% em 1980; o que nos mostra
que a indústria de máquinas agrícolas cresceu acima da média do setor mecânico
que, aliás, já havia crescido acima da média da indústria de transformação.
A partir de dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (ANFAVEA), podemos analisar a evolução da produção e da
comercialização de tratores de rodas e de colheitadeiras de grãos no Brasil. Pelos
dados do gráfico 8, verificamos que a produção de tratores saltou de 9.841
unidades, no ano de 1969, para 64.175 em 1976. Porém, a partir de 1977 a
produção começou cair consideravelmente, atingindo 47.640 unidades no ano de
1978, fechando em 57.974 no ano de 1980. As vendas internas praticamente
acompanharam a produção, exceto a partir de 1977 em que a demanda doméstica
decaiu a um ritmo superior ao da produção desse segmento industrial.
168 Segundo os censos industriais do IBGE, consiste no gênero de “Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais para agricultura, avicultura, cunicultura, apicultura, criação de outros pequenos animais e obtenção de produtos de origem animal e para beneficiamento ou preparação de produtos agrícolas – inclusive peças e acessórios.”
117
Gráfico 8 Evolução da produção e das vendas internas de tratores de rodas no Brasil – 1960-1980
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Gráfico 9 Evolução da produção e das vendas internas de colheitadeiras de grãos no Brasil – 1976-1985
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
37
11
.53
7
6.2
95
14
.32
6
64
.17
5
47
.64
0
57
.97
4
37
11
.53
5
6.5
06
14
.58
6
62
.70
0
41
.01
7
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.19
5
0
5000
10000
15000
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25000
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70000
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19
61
19
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19
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19
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19
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19
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19
74
19
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19
76
19
77
19
78
19
79
19
80
Un
idad
es
Produção Vendas
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
5500
6000
6500
1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
6.4
81
3.7
19
6.0
03
3.4
34
3.3
23
6.4
27
5.3
15
3.4
57
5.4
10
3.2
85
3.5
12
5.7
75
Un
idad
es
Produção Vendas
118
Como a fabricação interna de colheitadeiras automotrizes só se intensificou
a partir de meados da década de 1970 (inclusive, com a instalação de empresas
como a New Holland em Curitiba, como mencionamos anteriormente), a Anfavea
não disponibiliza dados anteriores a 1976. Mas, a partir de dados referentes à
evolução da produção da Schneider Logemann e Cia. (SLC), empresa pioneira
nesse segmento no Brasil, verificamos que sua produção passou de apenas uma
colheitadeira, no ano de 1965, para 157 unidades em 1969, saltando para 1.036
máquinas no ano de 1973 (SCHNEIDER, 1995), demonstrando que a produção
vinha aumentando constantemente durante a primeira metade da década de 1970.
Pelo gráfico 9, podemos constatar que o desempenho da fabricação, bem
como da comercialização de colheitadeiras automotrizes, foi semelhante ao da
indústria de tratores de rodas. Há de se ressaltar que no período 1976-78 ocorreu
uma redução, tanto da produção quanto da comercialização, embora que tenha
retomado o crescimento até 1980, ano em a produção e a comercialização
voltariam a cair.
Portanto, observamos que a indústria brasileira de máquinas agrícolas,
especialmente a fabricação de tratores e colheitadeiras automotrizes (vanguarda
desse segmento), alcançou seu auge no decorrer da década de 1970. Aliás, Rangel
(1986) ressaltou que no período 1969 a 1979 a produção da indústria de tratores
agrícolas aumentou cerca de 4,4 vezes, por exemplo, acima da produção de
cimento (que cresceu cerca de 3,3 vezes) e de aço bruto, que cresceu cerca de 2,8
vezes nesse período.
4.3 O Planejamento Econômico e a Indústria de Máquinas Agrícolas
Esse estudo tem nos revelado uma conjuntura em que a indústria,
especialmente o segmento de máquinas e implementos agrícolas, contribuiu para
modernizar a agricultura brasileira, substituindo parte de sua força de trabalho.
Esse processo intensificou a migração do campo para a cidade, pois nesse
contexto a indústria e demais atividades urbanas se intensificaram no país,
absorvendo grande parte da mão de obra proveniente da área rural.
No entanto, nos parece que esse processo não resultou apenas das
mudanças técnicas ocorridas na economia brasileira. Aliás, observamos que essas
119
transformações não foram estimuladas apenas pelo empresariado nacional, mas
também por um Estado planejador. Como ressaltamos no segundo capítulo, os
empresários foram importantes para a industrialização do país. Mas, ao fazer parte
do setor produtor de bens de produção, a indústria de máquinas agrícolas necessita
de políticas econômicas de apoio não só em relação à produção propriamente dita,
mas também para a formação de demanda para seus produtos; o que requer a
existência de instrumentos de planejamento, inclusive de um sistema de crédito
rural eficiente.
Se o Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas (de 1959) iniciou a
fabricação interna de máquinas agrícolas (mais modernas), como ressaltamos no
capítulo anterior, verificamos que a sua consolidação também foi estimulada pelo
planejamento econômico. Entre as políticas econômicas que mais contribuíram
para esse segmento industrial, destacamos os Planos Nacionais de
Desenvolvimento (PND’s).
O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), foi lançado em dezembro
de 1971 com metas de desenvolvimento econômico para o triênio 1972-74. Esse
plano tinha como expectativa um crescimento entre 10 e 12% ao ano (a.a.) da
indústria de transformação. Nesse período, a meta era que o PIB do país crescesse
entre 8 e 10% a.a. (BRASIL, 1971).
Particularmente para a agricultura (e com consequências sobre a indústria
de máquinas agrícolas) esse PND tinha como meta aumentar 34% a mecanização
agrícola no referido período; sendo que a quantidade de tratores deveria aumentar
de 97 mil para 130 mil unidades. Mas, há de se ressaltar que para o setor agrícola
a maior atenção seria dada à fertilização do solo, que deveria crescer 56%; ao uso
de corretivos (calcário etc.) que deveria ser ampliada em 73% e à utilização de
defensivos agrícolas que deveria acrescer 89%169.
Além da necessidade de fertilização, que é compreensível, pois a maioria
dos solos brasileiros são cultivados há muitas décadas (por tanto, deveriam estar
enfraquecidos no início da década de 1970), constatamos que o I PND previa outros
gargalos para investimento na área rural, como nas linhas de transmissão de
169 Lembrando que, por um lado, a utilização de defensivos agrícolas, especialmente de herbicidas, acaba por competir com a própria maquinaria já que se substitui a capina mecânica pela química. Mas, por outro lado, o uso da capina química estimula a fabricação de máquinas e implementos para a pulverização agrícola.
120
eletrificação rural, em que se pretendia aumentar 294% e na quantidade de
propriedades rurais beneficiadas com a eletrificação, que deveria crescer 259% no
período 1970-74. Entendemos que essas demandas, de certa forma, competiam
com os investimentos em maquinaria, já que também são importantes para a
produção agrícola.
Como política industrial direta o referido PND previa aumentar 107% a
produção de aço e 230% a fabricação de fertilizantes, por conseguinte, mais um
dado que nos mostra que, por exemplo, a indústria química seria prioritária se
comparada à indústria de máquinas agrícolas170.
Porém, em dezembro de 1974 foi lançado o II PND, com planejamento para
o quinquênio 1975-1979. Entre as principais metas desse plano, destacamos a que
visava um crescimento de 61% do PIB, sendo que o produto industrial deveria
crescer 76% (em média, a 12% a.a.), enquanto que o emprego na indústria deveria
aumentar 33%.
Em relação ao setor de bens de produção, destacamos as metas para a
produção de tratores, a qual se previa que deveria crescer 91%; a produção de aço,
que deveria aumentar 159% e a de fertilizantes (NPK), que se esperava que
aumentasse 105% (BRASIL, 1974).
Para a produção agrícola a meta do II PND previa aumentar 40%; portanto,
um crescimento menor que o previsto para a indústria, sendo que o consumo da
agricultura deveria ser ampliado da seguinte maneira: tratores agrícolas, 101%;
rações, 93%; fertilizantes, 94% e defensivos agrícolas, que deveria crescer 122%.
Portanto, enquanto que o I Plano Nacional de Desenvolvimento apoiou mais
a indústria química, por exemplo, ao priorizar a produção de adubos NPK, por outro
lado, constatamos que o II PND priorizou a indústria de máquinas agrícolas, pois
previa um crescimento de 91% na produção de tratores e buscava amentar 101%
o seu consumo na agricultura171.
170 Há de se ressaltar que o I PND também se deparou com a questão da habitação, em que a meta era aumentar em 89%, passando de 126 mil para 238 mil unidades residenciais, que no período 1970-74 seriam construídas pelo sistema financeiro BNH. Isso nos mostra que o país, que aliás vinha se urbanizando rapidamente como mencionamos anteriormente, enfrentava a problemática da falta de habitações. Todos esses gargalos para investimentos nos mostram que a indústria de máquinas agrícolas não era prioritária, apesar do período ser marcado pelo planejamento econômico. 171 Há de se destacar que o II PND partia do entendimento de que seria imprescindível a criação de grandes empresas, por meio de fusões e incorporações, inclusive com a formação de
121
No capítulo IV – intitulado A estratégica econômica: opções básicas – do II
PND, é possível observar que esse plano visava a: “adoção de regime econômico
de mercado, como forma de realizar o desenvolvimento com descentralização de
decisões, mas com ação norteadora e impulsionadora do setor público.” (BRASIL,
1974, p. 31).
Em outras palavras, podemos afirmar que o II PND pretendia ter uma
economia forte, com empresários competitivos e norteados por um governo
planejador e investidor.
Aliás, se analisarmos a participação dos investimentos públicos na
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), referente ao ano de 1976, por exemplo,
constataremos que alcançou 10,6% do PIB do país. Para termos noção do que
esse percentual representa, podemos destacar que essa foi a maior taxa de
investimento público em todo o período 1965-2018, sendo que a partir de 1991 a
participação do setor público na FBCF esteve sempre abaixo de 5% do PIB
(OBSERVATÓRIO, 2019b).
4.3.1 O crédito rural e a formação do mercado interno para a indústria de
máquinas agrícolas
Verificamos que o II PND foi importante para a economia brasileira, inclusive
por garantir uma sobrevida (pelo menos até o final da década de 1970) ao ciclo
expansivo iniciado em 1967, portanto, resistindo à fase recessiva do quarto ciclo
longo, que teria iniciado por volta de 1974, conforme mencionou Rangel (1986)172.
Porém, verificamos que o apoio efetivo à formação de demanda para a indústria de
máquinas agrícolas iniciou em meados da década anterior, com a instituição do
sistema nacional de financiamentos para o setor agrícola.
conglomerados financeiros; inclusive porque o governo compreendia que a participação do capital estrangeiro era pouco expressiva naquela época. O item 2 do II PND previa a formação de base empresarial, inclusive na agricultura, especialmente no Centro-Sul do país. Na estratégia para a agropecuária se buscava o uso da terra para fins produtivos porque o governo se preocupava com a elevação do preço de comercialização, especialmente das terras do Centro-Sul do país. De acordo com o referido PND a alternativa seria resolver esse problema com o uso de tributação para estimular o uso produtivo da terra (BRASIL, 1974). 172 Segundo Rangel (1986, p. 65), “(...) não era de todo fora de propósito definir o Brasil, aí pelo segundo lustro do passado decênio [a partir de meados da década de 1970], como uma ‘ilha de prosperidade’.”
122
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi instituído por meio do Art.
9º da Lei n.º 4.829 de 09 de novembro de 1965, que dividiu o crédito rural em duas
classes, 1) o custeio, financiamento de curto prazo como para a aquisição de
insumos para a safra e, 2) o investimento, destinado à obtenção de bens (inclusive
máquinas e implementos agrícolas) a serem consumidos em vários períodos ou
safras e que, por serem mais caros, necessitam de prazo maior para o pagamento
dos empréstimos (BRASIL, 1965).
Segundo Fürstenau (1987) o SNCR era supervisionado pelo Banco Central
que por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN) formulava as diretrizes,
determinava a origem e a dotação dos recursos. As duas principais fontes de
financiamentos ao setor rural (a partir do final da década de 1960) eram: 1) os
saldos dos depósitos à vista dos bancos comerciais e, 2) os recursos dos fundos e
programas agrícolas. Por meio da Resolução nº. 69 de 22 de setembro de 1967 o
CMN estabeleceu a exigência de que, no mínimo, 10% do total dos depósitos à
vista, efetuados em bancos comerciais, fossem destinados ao financiamento
agrícola, além de estabelecer que as taxas de juros não poderiam ultrapassar 75%
das taxas adotadas para as demais operações de crédito.
No entanto, verificamos que a referida resolução do CMN teve pouco
sucesso na captação de recursos do setor privado, pois a participação dos bancos
comerciais no financiamento rural passou de 36,0%, no ano de 1960, para 45,7%
em 1965, mas passaria a decrescer, fechando o ano de 1980 em nada mais do que
20,8% do total de créditos. Nesse contexto, o setor público teve que arcar com o
restante, por meio do Banco do Brasil (BB)173. Por exemplo, de 1965 a 1980 a
participação do BB no crédito rural passou de 54,3 para 79,2%, conforme observou
Fürstenau (1987).
Na tabela 5, expomos alguns dados que nos permitem analisar a evolução
das taxas de juros nominais do crédito rural para o período 1969-1981, comparadas
à inflação nominal anual, o que nos possibilita termos noção sobre as taxas reais
de juros cobradas pelo sistema financeiro brasileiro naquele período, no qual se
observa um aumento considerável da inflação.
173 Eis as características de um período de forte participação estatal nos investimentos, conforme observamos anteriormente ao verificarmos, por exemplo, que em meados da década de 1970 os investimentos públicos em FBCF foram os maiores de todo o período 1965-2018.
123
Tabela 5 Taxa de juros do crédito rural e a inflação anual brasileira – 1969-1981
Ano Taxa nominal de juros(1) Taxa de inflação anual
Nota: (1) Refere-se às taxas anuais máximas de juros.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados organizados por Delgado (1985).
Os dados dessa tabela nos mostram, portanto, que mesmo com a elevação
das taxas de juros, ocorrida particularmente a partir de 1979, o crédito rural ainda
seria viável, pois os juros não acompanharam o ritmo da inflação que vinha
aumentando consideravelmente desde 1974 e que, aliás, dispararia a partir de
1980. Por conseguinte, observamos que as taxas reais de juros (obtidas a partir
das taxas nominais de juros, subtraindo-se a inflação do período) foram negativas,
especialmente a partir de 1974174.
Ocorre que até meados da década de 1970 os juros internacionais estavam
baixos, então o Brasil conseguiu grande volume de empréstimos no exterior175.
Essa conjuntura favoreceu inclusive o crédito rural que cresceu a 23,8% a.a. no
período 1969 a 1976, portanto, bem acima do crescimento real do produto agrícola
que, nesse período, foi de cerca de 5% a.a., conforme verificou Delgado (1985).
Pelos dados da tabela 6, podemos analisar o desempenho do crédito rural
174 Há de se ressaltar que para os pequenos produtores as taxas de juros nominais eram ainda menores. Por exemplo, segundo Fürstenau (1987), no período 1968 a 1976 a taxa de juros para os pequenos era de 10% a.a. 175 Por exemplo, até 1968 a taxa de juros dos Fundos Federais dos Estados Unidos (Fed) – “equivalente à taxa Selic” do Brasil – vinha se mantendo abaixo de 5% a.a., mas a partir de 1969 saltou para 8,2%. Nos anos de 1971 e 72 a taxa voltou a cair para pouco mais do que 4% a.a., mas em 1973 alcançou 8,7% e em 1974 chegou a 10,5% a.a. No triênio de 1975 a 1977 a taxa de juros se manteve a pouco mais do que 5% a.a., mas a partir de 1978 voltou a subir, alcançando 11,2% em 1979 e 16,4% a.a. em 1981 – a maior taxa de juros vigente em todo o período 1955-2015 (IPEADATA, 2019c).
124
para a aquisição de máquinas agrícolas, bem como a quantidade de tratores de
rodas e de colheitadeiras automotrizes vendidos no Brasil no período 1969-1979:
Tabela 6 Crédito rural para investimento em máquinas agrícolas e a venda de tratores e colheitadeiras no Brasil – 1969-1979
Ano
Crédito rural para investimento em
máquinas e equipamentos
(R$)(1)
Venda no atacado de tratores de rodas e
colheitadeiras (unidades) Taxa de juros real (%)(2)
1969 694.000 9.977 -
1970 841.495.000 14.586 -1,85
1971 1.061.245.000 21.947 -2,34
1972 1.396.057.000 29.254 -0,43
1973 2.230.398.000 38.918 -0,61
1974 756.536.000 45.226 -14,5
1975 2.529.727.000 57.101 -11,13
1976 2.497.305.000 68.015 -21,34
1977 1.960.206.000 52.942 -14,99
1978 1.585.083.000 44.474 -16,19
1979 1.919.944.000 54.050 -31,72
Nota: (1) Valores deflacionados pelo IGP-DI (agosto de 1994 = 100). (2) Obtido pelo cálculo da taxa nominal (contratual) de juros, subtraindo-se a inflação do período.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados organizados por Baricelo e Vian (2017).
Observamos que, de certa forma, esses dados demostram uma relação
direta entre a quantidade de crédito disponibilizado e o volume de vendas. Pois,
não podemos deixar de verificar que quando o volume de crédito rural para
investimento em máquinas agrícolas começou diminuir, sobretudo a partir de 1976,
as vendas de tratores e colheitadeiras também regrediram, embora que se
mantendo em um nível superior ao do ano de 1973, por exemplo.
Provavelmente, o que manteve as vendas de máquinas agrícolas a partir da
segunda metade da década de 1970 foram as taxas de juros negativos. Como
podemos observar pelos dados da tabela 6 no ano de 1976 a taxa de juros foi de -
21% e em 1979 caiu para -31%, o que favoreceu os agricultores porque o preço
dos produtos agrícolas, provavelmente, cresceu a um ritmo semelhante ao da
inflação daquele período; por conseguinte, acima do crescimento das taxas
125
nominais de juros para o crédito rural176.
Ressaltamos que a estabilidade das taxas de juros e, inclusive, os subsídios
praticados na década de 1970 beneficiaram os agricultores e, por conseguinte, a
indústria brasileira de máquinas agrícolas. Como citamos no início desse capítulo,
Keynes (1983) já observou a importância do controle das taxas de juros para o
investimento, pois juros altos são desinteressantes, mas a previsão de uma baixa
dos juros também desestimulará os investimentos, à medida que os
empreendimentos futuros (e concorrentes dos investimentos presentes) adquirirão
seus equipamentos a menor custo.
Outro fator importante para a eficiência marginal do capital177 em economias
não planificadas, é a estabilidade monetária. De acordo com o entendimento de
Keynes, além do controle das taxas de juros é imprescindível controlar a moeda,
pois uma previsão de desvalorização cambial futura estimulará o investimento.
Porém, uma expectativa de valorização monetária o desestimulará, à medida que
os novos investimentos serão beneficiados por uma moeda mais forte, tornando-os
mais competitivos.
Aliás, os dados utilizados no estudo de Almeida e Bacha (1999) – sobre as
políticas cambiais brasileiras – demostram que no período 1968 a 1978 as taxas de
câmbio praticamente não variaram178, o que nos faz pensar que assim como as
políticas de crédito para investimento, também foi importante a estabilidade
monetária. Aquela conjuntura beneficiou as vendas internas da indústria brasileira
de máquinas agrícolas.
Porém, verificamos que a partir da década de 1980 ocorreram profundas
mudanças na política econômica brasileira e que refletiram sobre a indústria de
máquinas agrícolas (o que trataremos na segunda seção).
176 O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getúlio Vargas – o mesmo utilizado para aferir a inflação brasileira naquele período pelo estudo de Baricelo e Vian (2017) –, leva em consideração inclusive a evolução do preço das matérias-primas agrícolas, o que nos faz pensar que, especialmente nos últimos anos da década de 1970, o preço médio dos produtos agrícolas deve ter crescido acima das taxas nominais de juros dos financiamentos. 177 Keynes (1983), considera a eficiência marginal do capital como a relação, a diferença entre a renda esperada de um determinado bem de capital e seu custo de reposição. Grosso modo, é a taxa de lucro futura esperada para determinado investimento realizado no presente. 178 Almeida e Bacha (1999) observaram que de 1964 a 1968 predominou a política de maxivalorização cambial – pois nesse período ocorreram apenas três correções da taxa de câmbio –, que obteve sucesso na estabilização monetária, mas facilitou a especulação. Então, a partir de 1968 se optou pelas minidesvalorizações, que desestimularam a especulação e conseguiram manter as taxas cambiais relativamente estáveis.
126
CONSIDERAÇÕES DA SEÇÃO I
A análise que realizamos nesses quatro capítulos nos mostra que o
desenvolvimento da indústria brasileira de máquinas agrícolas não foi condicionado
apenas por fatores técnicos, isto é, inerentes à produção industrial propriamente
dita, mas também por fatores institucionais, especialmente por alguns instrumentos
do planejamento econômico, comandado pelo Estado brasileiro.
Como abordamos no primeiro capítulo, pelo menos até o final do século XIX
não se estimulou o desenvolvimento de um setor siderúrgico interno que
conseguisse produzir ferro (matéria-prima essencial inclusive para a indústria de
máquinas agrícolas) de qualidade (e nem mesmo em quantidade). Em parte isso
se deve ao fato de que as atividades agroexportadoras (sobretudo o café),
especialmente até a crise de 1874, foram rentáveis, o que orientou as políticas
econômicas do período para a economia cafeeira e não ao investimento na
mineração de ferro, na siderurgia e na indústria em geral. Portanto que a partir das
décadas de 1870 e 1880, quando uma nova fase recessiva da economia mundial
prejudicou as exportações brasileiras, a economia do país, em parte, se voltou para
o mercado interno, investindo em setores mais simples (têxteis, alimentos, carnes)
e, especialmente no estado de São Paulo, inclusive em algumas fábricas de
máquinas que surgiram a partir do comércio importador, que além de consertar os
equipamentos importados, paulatinamente começou fabricar maquinaria mais
simples, geralmente para o beneficiamento de café e da cana-de-açúcar.
Também, não podemos esquecer que ao longo do século XIX, de certa
forma, existia mão de obra disponível, sendo que até 1888 por meio da utilização
do trabalho escravo e a partir dessa época com a utilização de colonos imigrantes.
Essa força de trabalho relativamente abundante, de certa forma, contribuiu para
atrasar a mecanização da agricultura do país. Aliás, constatamos que as primeiras
fábricas de máquinas agrícolas (como as empresas Arens & Irmãos e a Cia. Mac-
Hardy) surgiram especialmente na região de Campinas – SP, onde já se utilizava
menos o trabalho escravo que, paulatinamente, começou a ser substituído pela
força de trabalho de homens livres e com o uso de máquinas e implementos
importados.
127
No segundo capítulo, verificamos que, por um lado, especialmente a partir
das últimas décadas do século XIX imigrantes europeus passaram a substituir a
mão de obra escrava na agricultura brasileira. Além disso, observamos que alguns
desses imigrantes trouxeram de seus países de origem conhecimento técnico sobre
produção industrial, inclusive sobre a fabricação de máquinas agrícolas. Além das
empresas acima citadas, fundadas por estrangeiros, ressaltamos que a partir das
primeiras décadas do século passado outras fábricas de máquinas agrícolas
começaram surgir no estado de São Paulo, como as Indústrias Nardini, Dedini
Indústria de Base e Indústrias Romi S.A., fundadas por imigrantes italianos.
Há de se lembrar que no Rio Grande do Sul, outro estado que recebeu
muitos imigrantes italianos e alemães, algumas fábricas de máquinas agrícolas
também começaram surgir a partir da última década do século XIX e início do
século passado, como a Oficina Mecânica e Agrícola De Antoni & Cia. e a
Metalúrgica Eberle (fundadas por imigrantes italianos); a Trilhadeiras Friedrich e a
Schneider Logemann & Cia (SLC), fundadas por descendentes de alemães, entre
outras.
Porém, a indústria mais moderna de máquinas agrícolas só se consolidou
no Brasil a partir das décadas de 1960 e 70 porque as condições técnicas e,
inclusive, institucionais começaram surgir. Por exemplo, no início da década de
1920 começou se desenvolver internamente a siderurgia (com empresas como a
Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira – CSBM), que se consolidou a partir da década de
1950 com estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica
Nacional de Motores (FNM). Mas, a participação mais direta do Estado no que
concerne à indústria de máquinas agrícolas ocorreu a partir do final da década de
1950, quando no bojo do Plano de Metas (do governo JK) foi criado o Grupo
Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e o Plano Nacional da Indústria de
Tratores de Rodas, atraindo para o país as multinacionais fabricantes de tratores
agrícolas (Massey-Ferguson, Fendt, Valmet, Ford e Demisa-Deutz) e inclusive uma
empresa de capital nacional, a Cia. Brasileira de Tratores (CBT).
Portanto, observamos que essas ações foram de suma importância porque
a indústria de máquinas agrícolas mais complexa (como a fabricação de tratores,
colhedoras, pulverizadores automotrizes etc.) depende, tanto da indústria de base
128
(principalmente da produção de ferro e aço) como dos segmentos automotivo e de
autopeças.
Ressaltando que a ação do Estado não se limitou ao incentivo à produção
industrial, pois também ocorreu a partir da formação de demanda. Observamos que
foi imprescindível a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), ocorrido
em meados da década de 1960, à medida que é possível verificamos que a partir
da década de 1970 a venda de máquinas agrícolas, praticamente, acompanhou a
evolução do volume de crédito rural disponibilizado para investimento.
De certa forma, essa primeira seção da pesquisa nos mostrou que a indústria
brasileira de máquinas agrícolas se desenvolveu a partir do momento em que
existia, internamente, uma capacidade produtiva subutilizada, ociosa. Por exemplo,
a indústria de tratores agrícolas só se desenvolveu a partir da década de 1960, mas
desde o final da década de 1940 já se produzia (embora que artesanalmente)
tratores agrícolas, como foi o caso da empresa Romi que ainda em 1948 lançou um
modelo de trator (o Imor Toro).
Além disso, observamos que em meados do século passado a agricultura
brasileira necessitava de mecanização devido ao reduzido número de máquinas
existentes, como abordamos no quarto capítulo. Em outras palavras, constatamos
que a carência de mecanização no setor agrícola gerou oportunidades (um gargalo)
para investimentos na indústria de máquinas agrícolas que estava emergindo no
país.
Enfim, verificamos que especialmente a partir do final da década de 1950 se
utilizou no Brasil alguns instrumentos do planejamento econômico (tanto para o
incentivo da produção industrial como à formação de demanda para os seus
produtos) o que, de certa forma, conseguiu utilizar a capacidade produtiva ociosa
ao estimular a indústria de máquinas agrícolas a produzir para um setor que se
constituía como um gargalo para investimentos179.
179 Aliás, Rangel (1990b) observou que quando foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) já existia capacidade produtiva ociosa no país, pois se contava com cerca de 1.600 empresas que dariam apoio (autopeças etc.) às montadoras estrangeiras que se instalariam no Brasil.
131
SEÇÃO II
DO ESTADO PLANEJADOR AO DOMÍNIO DO CAPITAL EXTERNO SOBRE A
INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
7
CAPÍTULO V
A CRÍTICA À “INDUSTRIALIZAÇÃO A QUALQUER CUSTO” E OS EFEITOS
SOBRE A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
Sem a redução da ociosidade, a luta contra a inflação se converte em luta pela estagnação da economia, porque conduz à busca de um equilíbrio no estancamento ou na retração, e não no crescimento. (RANGEL, 1980, p. 25).
A conjuntura econômica que começou se desenvolver por volta de 1973,
quando ocorreu um brusco aumento no preço internacional do petróleo – e que,
aliás, se intensificou a partir do final daquela década – pesou consideravelmente
sobre a economia mundial. No Brasil esses acontecimentos repercutiram sobre a
política econômica e, consequentemente, no processo de industrialização.
Nesse capítulo, analisaremos as mudanças ocorridas especialmente no
sistema de crédito rural, bem como avaliaremos o comportamento das vendas e da
produção da indústria brasileira de máquinas agrícolas a partir da década de 1980.
5.1 Os “Choques do Petróleo” e os Rumos da Política Econômica Brasileira
Se analisarmos a evolução da cotação internacional do petróleo,
verificaremos que, de fato, principalmente nos períodos 1973-74 e 1978-79
ocorreram altas consideráveis. Por exemplo, ao longo da década de 1960 o preço
do barril esteve sempre abaixo de 1,85 dólares (US$), mas no ano de 1970
alcançou US$ 2,18; em 1973 já estava em US$ 3,24 e em 1974 saltou para US$
11,60. Desse período até 1978 o preço se manteve estável, por volta de US$ 12,
mas em 1979 chegou a US$ 29,83 e em 1980 alcançou 35,71 dólares o barril180.
Em 1985 o preço ainda estava em alta, US$ 27,37, mas a partir do ano seguinte
começou regredir, fechando em US$ 14,17, mantendo-se relativamente estável até
o final da década de 1990 (IPEADATA, 2019d)181.
180 O aumento do preço do petróleo faria, por exemplo, a CBT lançar, no ano de 1981, dois modelos de tratores agrícolas movidos a álcool (CBT, 2018). Aliás, no ano de 1984 a multinacional Massey Ferguson também lançou modelos de tratores a álcool (MASSEY FERGUSON, 2018). 181 Escrevemos, “relativamente” estável porque verificamos que o preço oscilou nesse período, por exemplo, fechando em US$ 14,77 no ano de 1988, mas subindo para US$ 22,99 em 1990, porém voltando a cair para US$ 13,07 o barril no ano de 1998 (IPEADATA, 2019d).
131
Segundo Rangel (1990b), no período 1938-1973 ocorreu uma fase
ascendente (fase “a”) da economia, na qual a produção industrial no bloco de
países capitalistas cresceu a 5,3% ao ano (a.a.), sendo que no Japão e no Brasil
cresceu, respectivamente, a 11,7 e a 16%; enquanto que a indústria da URSS
cresceu a 19% a.a. Porém, a partir de 1973 iniciou a fase recessiva daquilo que
Rangel denominou o “quarto ciclo de Kondratiev” e ao contrário do que ocorreu na
fase anterior o desempenho da produção industrial foi bem inferior, crescendo a
apenas 2,1% a.a. no bloco de países capitalistas – inclusive no Japão e no Brasil,
onde cresceu a apenas 3,3% (nos dois países) – e a 4,6% a.a. na URSS.
Como mencionamos no primeiro capítulo, os ciclos longos da economia, em
parte, são impulsionados por matrizes tecnológicas que estimulam a produção e o
comércio mundial. Por exemplo, durante a fase “a” do 1º ciclo (1790-1815) o
crescimento econômico foi estimulado pelas inovações que surgiram em torno da
utilização da máquina a vapor; enquanto que na fase ascendente do 2º ciclo (1849-
1874) a economia foi impulsionada pelo uso das ferrovias e da siderurgia moderna;
na fase “a” do 3º ciclo (1896-1822) foi impelida pelas engenharias elétrica e química
e a partir do 4º ciclo (1949-1973) foi alavancada pela indústria petroquímica e de
automóveis182.
Portanto, em relação ao quarto ciclo longo nos parece que o que se chama
de “choques do petróleo” faz parte de um processo inerente a uma nova fase
recessiva da economia mundial, na qual se evidencia que a matriz tecnológica que
impulsionou o referente ciclo (a indústria petroquímica, como mencionamos) estava
se esgotando e que, portanto, teria que se criar urgentemente políticas econômicas
anticíclicas183.
5.1.1 A crise de 1973 e a política monetária dos Estados Unidos
Verificamos que desde o início dos anos 1970 algumas mudanças vinham
182 Sobre esse tema, ver: Kondratieff (1946) e Rangel (1990b). 183 Existe uma série de indícios de que a partir do final dos anos 1960 as forças impulsionadoras do 4º ciclo longo já estavam se esgotando. Por exemplo, Barros de Castro (1979) menciona que a inflação dos Estados Unidos, que no período 1961-1965 foi de apenas 0,4% a.a., de junho de 1973 a junho de 1974 alcançou 14%. Outro indício: até os anos 1950 os EUA era autossuficiente em matérias-primas, mas a partir do final da década de 1960 começou depender fortemente das importações, especialmente de combustíveis e de outros derivados do petróleo.
132
ocorrendo, reagindo à conjuntura recessiva que começava se instalar nos países
mais desenvolvidos. Algumas dessas mudanças, aparentemente, seriam de
consenso universal e outras de caráter unilateral. Ambas impactariam sobre a
econômica brasileira, inclusive abalando o processo de industrialização.
Entre as mudanças desse período que praticamente se tornaram
“inquestionáveis”, destacamos o conceito de “desenvolvimento sustentável” que se
apoiava em um estudo produzido por pesquisadores do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), que foi apresentado na primeira Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo (na Suécia) no ano de 1972. Esse
relatório anunciava um cenário de esgotamento dos recursos naturais (minérios,
fontes de energia etc.) – portanto, apresentando os “limites do crescimento” – e que
o grande dilema da humanidade seria apresentar um sistema produtivo alternativo,
menos agressivo ao meio ambiente (MEADOWS et al., 1978).
Porém, ainda no início daquela década alguns economistas verificaram o
aparato ideológico existente em torno do referido relatório do MIT, que foi
encomendado pelo Clube de Roma, instituição que reunia grandes empresários e
políticos importantes da época. Por exemplo, Celso Furtado criticou a ação das
grandes corporações capitalistas que utilizaram a problemática ambiental para
ocultar seus verdadeiros interesses que, no seu entendimento, seria paralisar o
crescimento, freando a industrialização nos países periféricos e, dessa forma,
preservar os recursos que estariam se esgotando (FURTADO, 1974)184.
Mas, verificamos que a “geopolítica ambientalista” não seria o único e nem
o mais importante dos instrumentos utilizados pelos países centrais para defender
seus interesses a partir da “crise do petróleo”. Antes mesmo da recessão se
apresentar o governo dos Estados Unidos, Richard Nixon, já havia agido sobre a
política monetária, rompendo com o acordo de Bretton Woods – aquele que
estabelecia que o dólar deveria ser lastreado pelo ouro (paridade dólar-ouro) –, que
havia sido selado no ano de 1944 no seu próprio país. Ocorre que a partir de 1971
o dólar-ouro seria substituído pela paridade dólar-dólar, isto é, transformando a
184 Oliveira (2012), chegou a comparar (parece-nos que acertadamente) o uso ideológico do conceito de “desenvolvimento sustentável” à teoria malthusiana, quando Malthus afirmava, grosso modo, que como o crescimento populacional seria muito grande, faltaria alimentos para toda a população. Isto é, Oliveira verifica que ambas as “teorias” servem como ideologias para justificar ou para naturalizar o processo, camuflando a concentração de renda e as desigualdades entre países.
133
moeda estadunidense em fiduciária, fazendo com que os demais países
procurassem obter dólares como reserva, por conseguinte, subordinando-os ao
sistema financeiro controlado pelos EUA; o que permitiu a esse país se tornar um
captador de recursos, como observou Fiori (2008)185.
Aliás, há de se mencionar que desde o início da década de 1960 alguns
economistas liberais defendiam uma solução para os déficits no balanço de
pagamentos dos EUA, substituindo o padrão dólar-ouro pelo câmbio flexível. Por
exemplo, Milton Friedman, que na década de 1980 seria consultor do governo
Reagan, foi um dos defensores dessa política monetária (FRIEDMAN, 1984).
Segundo Gowan (2003), essa ruptura com o acordo de Bretton Woods
permitiu aos EUA uma condição de vantagem no sistema financeiro internacional,
de modo a não ser pressionado pelo balanço de pagamentos, podendo até importar
mais do que exporta. E o principal instrumento utilizado pelo governo dos EUA para
controlar o fluxo internacional de capitais, foi a taxa de juros, grosso modo,
mantendo-a baixa quando houver dólares disponíveis para serem emprestados e,
por outro lado, elevando os juros quando a moeda interna escassear, na intenção
de resgatar os dólares que estiverem fora do país186.
Se analisarmos a variação das taxas de juros do Federal Funds dos EUA
(Fed) – grosso modo, equivalentes à taxa Selic de juros no Brasil –, verificaremos
que, de fato, a partir de 1973 e 74 (primeiro choque do petróleo) os juros
começaram subir, se estabilizando a partir de 1975, mas voltando a crescer a partir
de 1979 (segundo choque do petróleo). Por exemplo, em 1972 a taxa de juros do
FED foi de 4,3% a.a., mas saltou para 8,7 em 1973 e para 10,5% no ano de 1974.
No triênio 1975-77 as taxas se estabilizaram em pouco mais do que 5%, mas em
1978 subiram para 7,9%; em 1979 para 11,2%; em 1980 para 13,4 e em 1981
atingiram 16,4% a.a., a maior taxa de juros observada para todo o período 1955-
185 Metri (2017), ressalta que ainda em 1971, Richard Nixon já havia firmado um acordo com a Arábia Saudita para garantir que os preços internacionais do petróleo fossem nominados apenas em dólares. E no início de 1973, portanto, antes do primeiro choque do petróleo, políticos e banqueiros internacionais (reunidos em um encontro na Suécia) se articularam vislumbrando a lucratividade que os bancos dos EUA e da Inglaterra teriam com o aumento do preço do petróleo; pois já se previa a futura ação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Então, o governo dos EUA procurou consolidar o dólar como a moeda de cotação dessa importante commodity. 186 Por exemplo, ao prever que a partir de 1979 ocorreria um novo “choque do petróleo” os EUA aumentou as taxas de juros na intenção de resgatar os dólares emprestados para os países em desenvolvimento o que, consequentemente, desestabilizou suas as economias (GOWAN, 2003).
134
2015, como destacamos anteriormente (IPEADATA, 2019e).
Gowan (2003), realizou um estudo referente aos efeitos da elevação dos
juros sobre as economias dos países da América Latina, o qual lhe permitiu afirmar
que nesse continente (e no hemisfério Sul em geral) ocorreu uma forte fuga de
dólares em direção à Wall Street, o que fortaleceu o sistema financeiro dos EUA,
pois os países latino-americanos necessitavam de divisas (e em dólares) para
pagar os serviços de suas dívidas, além de dependerem da ajuda do Fundo
Monetário Internacional (FMI) para cobrir os riscos dos operadores financeiros187.
5.1.2 A política econômica brasileira receitada pelo FMI e a indústria de
máquinas agrícolas
Rangel (1981) e Mamigonian (2000), ressaltam que nas fases recessivas
dos ciclos longos a política econômica brasileira costuma reagir substituindo
importações. Por exemplo, a partir da década de 1830 surgiram várias indústrias
artesanais, especialmente no Rio de Janeiro e na Bahia, geralmente destinadas à
fabricação de tecidos; enquanto que nas últimas décadas do século XIX iniciou a
industrialização pelo setor de bens de consumo tradicional (vestuário, calçados,
moinhos para o processamento de cereais etc.) e a partir de 1930 com uma
industrialização mais moderna e induzida (planejada) pelo Estado.
Porém, verificamos que a partir da fase recessiva do quarto ciclo longo da
economia a industrialização não foi prioridade nas políticas econômicas brasileiras,
especialmente a partir das décadas de 1980 e 1990.
Ao estudar os rumos da economia brasileira no período que compreende os
primeiros anos da fase recessiva do referido 4º ciclo longo, Barros de Castro (1985)
verificou que durante o II PND (1975-79) o planejamento foi efetivo em relação à
industrialização. Ele afirma que o então Ministro do Planeamento, João Paulo dos
187 De acordo com Souza (1985), em 1967 a dívida externa bruta de médio e longo prazos do Brasil era de 3,3 milhões de dólares, passando a US$ 12,6 milhões em 1973; para US$ 43,5 milhões em 1978, alcançando mais de 91 milhões de dólares no ano de 1984. A situação financeira do país se tornou tão grave que em 1984 as reservas internacionais brasileiras eram de apenas 11,9 milhões de dólares, o equivalente a apenas 13,1% da dívida externa bruta daquele mesmo ano. Segundo Katz (2005), de 1979 a 1982, US$ 20 bilhões foram retirados da Argentina (fuga de capitais); no México foi retirado US$ 30 bilhões entre os anos de 1979 e 1983 e no Brasil 24 bilhões de dólares saíram do país no período 1984-1987. No seu entendimento, a desvalorização cambial, a elevação das taxas locais de juros, a especulação financeira e a alta inflação contribuíram para essa situação.
135
Reis Velloso, mantinha diálogo constante com empresários da indústria de base188,
pois entendia que a indústria pesada (siderurgia, máquinas e equipamentos,
fertilizantes, petroquímica e metais não-ferrosos), tendo rentabilidade baixa e longo
tempo de maturação, desestimularia os investimentos do setor privado, cabendo
ao Estado incentivar esse setor.
Segundo Velloso (1998), o II PND realizou maciços investimentos em
insumos básicos (siderurgia, petroquímica, metais não-ferrosos, papel e celulose);
em bens de capital e energia (petróleo, energia elétrica, álcool). Mas, afirma que os
resultados desse projeto só apareceriam a partir de 1983/84; ressaltando que de
1974 a 1984 o Brasil passou de importador a exportador de bens de capital, saindo
de um déficit de US$ 2,6 bilhões para um superávit de quase 1 bilhão de dólares.
Portanto, verificamos que nesse período a equipe do Ministério do
Planejamento realizava a programação da economia de modo a prospectar as
possíveis áreas com capacidade produtiva ociosa. Além disso, captava recursos
para investir nas áreas prioritárias, nos gargalos para investimentos189, de certa
forma, conforme sugere Rangel (1980).
Porém, constatamos que ao iniciar a conjuntura de recessão, escancarada
a partir de meados da década de 1970, ocorreram profundas mudanças na política
econômica brasileira, refletindo no processo de industrialização que há anos vinha
sendo prioridade, como citamos nos capítulos 3 e 4. Ocorre que, de acordo com
Barros de Castro (1985), a partir de agosto de 1979, Delfim Netto assumiu o
Ministério do Planejamento e começou um ajuste ortodoxo da economia, inclusive
seguindo o receituário do FMI que defendia os preceitos da economia de mercado.
As sugestões do FMI levaram o governo brasileiro a: 1) acabar com os subsídios
188 Verificamos que mesmo antes do II PND já existia a prática de membros do governo dialogarem com empresários de setores estratégicos da indústria brasileira. Por exemplo, na página eletrônica da indústria Jacto – que produz, em Pompéia – SP, equipamentos para a aplicação de defensivos agrícolas etc. – encontramos a informação de que no ano de 1964 o proprietário dessa empresa (Shunji Nishimura ) foi recebido pelo presidente da República, que lhe concedeu benefícios para efetuar a importação de tecnologia: “1964 A Jacto importa da Alemanha uma máquina sopradora Kautex modelo B13, que permitiu substituir o metal pelo plástico nos pulverizadores costais. Com os defensivos líquidos, o uso do plástico permitiu resolver o problema da corrosão nos tanques dos pulverizadores. Para viabilizar essa nova era foi fundamental para a Jacto a dispensa do pagamento de um depósito compulsório exigido nas importações. O então presidente da República, Castelo Branco, recebeu Shunji Nishimura e liberou a exigência.” (JACTO, 2018 – Linha do Tempo). 189 Barros de Castro (1985), ressalta que, de certa forma, as diretrizes do II PND foram alcançadas, não ocorrendo problemas econômicos, mas aconteceram problemas políticos, principalmente devido à corrupção e à impunidade que, no seu entendimento, são comuns nas ditaduras.
136
às exportações (o que afetou a balança comercial); 2) extinguir os depósitos prévios
(o que dificultou ao Estado captar recursos); 3) relaxar os critérios de similaridade
(o que desprotegeu a indústria nacional); 4 desmantelar os mecanismos de juros
subsidiados (o que prejudicaria, inclusive a agricultura e a indústria de máquinas
agrícolas); 5) promover uma brusca desvalorização cambial, o que aumentou
consideravelmente a dívida externa do país.
Além disso, a partir de 1979, Delfim Netto passou a criticar a “industrialização
a qualquer custo”, o que no seu entendimento seria o erro principal da política
econômica do governo Geisel (1974-79)190, afirmando que seria mais vantajoso ao
país exportar produtos agrícolas e minerais. De acordo com Barros de Castro, no
início da década de 1980 o referido Ministro do Planejamento acreditava que a
maior prioridade para o Brasil seria o Projeto Carajás.
Portanto, nos deparamos com uma teoria econômica tipicamente ricardiana.
Nesse caso, a exportação de commodities foi concebida como uma “vantagem
comparativa” do Brasil no comércio internacional (a “vocação nacional”)191.
Pelo estudo de Fürstenau (1987), podemos ter noção sobre as
consequências que essa política ortodoxa traria para a economia brasileira,
inclusive para o segmento de máquinas agrícolas. Essa autora ressalta que a taxa
de juros para o crédito rural, no período 1968-1976, foi de 10% a.a. para os
pequenos produtores e de 15% para os médios e grandes. Mas, a partir de 1979 a
taxa de juros para o custeio subiu, alcançando 24% a.a. para os mini e pequenos;
33% para os médios e 44% para os grandes produtores. No ano de 1980 a taxa de
juros foi ainda maior, alcançando 45% para os mini e pequenos, 54% para os
médios e 63% a.a. para os grandes agricultores.
Há de se destacar que a partir de 1983 o FMI intensificou sua influência
sobre a política de crédito rural no Brasil, por exemplo, receitando cortes nos
subsídios à agricultura, o que obrigou o Conselho Monetário Nacional (CMN)
modificar o sistema a partir de 1984, ano em que a taxa de juros passou a ser de
100% da correção monetária, acrescida de 3% a.a., o que resultou em uma redução
190 Parte da grande imprensa brasileira também criticava o governo Geisel por “intervir na economia”. Conforme lembrou Barros de Castro (1985), no início da década de 1980 o jornal O Estado de São Paulo chegou a acusar Geisel de ser “socialista”, devido à participação estatal na indústria de base. 191 Como mencionamos no capítulo 3, Ricardo (1982) acreditava que mesmo as nações mais atrasadas poderiam se beneficiar do comércio internacional, pois inclusive os países não-industrializadas poderiam ser competitivos em alguns produtos (geralmente, mais simples).
137
de 40% no crédito rural disponibilizado no país, como observou Fürstenau.
Delgado (1985), já havia observado que devido ao aumento da taxa de juros
o percentual de crédito rural destinado à aquisição de tratores agrícolas havia
diminuído no período 1975-1980, caindo de 13,5 para 9,4% do total de crédito rural
disponibilizado. Nesse período a participação do crédito para a aquisição de
tratores agrícolas caiu, em média, a 6% a.a., enquanto que o destinado ao
investimento em máquinas e implementos agrícolas (o setor em geral) diminuiu
ainda mais, cerca de 7% a.a.; pois sua participação no total de crédito rural caiu de
10,5%, no ano de 1975, para 6,8% em 1980.
De acordo com o estudo de Baricelo e Vian (2017), podemos verificar que a
partir da década de 1980 o montante de crédito rural disponibilizado para a
aquisição de máquinas agrícolas caiu ainda mais bruscamente. Por exemplo, o
volume de crédito que havia alcançado 2,5 bilhões de reais, no ano de 1975, em
1979 caiu para 1,9 bilhões; no ano de 1982 caiu para 44,6 milhões e em 1984 para
apenas R$ 14,1 milhões. Portanto, se efetuarmos os cálculos verificamos que o
volume de crédito de 1984 equivale a apenas 0,6% do valor que havia sido
disponibilizado no ano de 1975192.
Segundo dados levantados por Baricelo e Vian, observamos que nesse
contexto – de diminuição do volume de crédito e de aumento das taxas de juros –
a quantidade de máquinas agrícolas vendidas no Brasil também reduziu, caindo de
68.015 unidades, no ano de 1976, para 27.900 em 1982 e para 26.058 no ano de
1983, como apresentamos pelos dados da tabela 6 (capítulo anterior).
Pelos dados do gráfico 10, podemos observar que a partir do ano de 1980
reduziu consideravelmente a utilização da capacidade produtiva da indústria
brasileira. Por exemplo, se em anos como 1973 e 74 a taxa de utilização chegou a
quase 90%, por outro lado, em anos como 1983 e 84 a taxa de utilização caiu para
73 e 74%, respectivamente. Ou seja, verificamos que nessa conjuntura de aumento
das taxas de juros e de mudanças na política econômica (especialmente quando
começou se combater a “industrialização a qualquer custo”), aumentou a
ociosidade, a subutilização da indústria brasileira em geral.
192 Se ao longo da década de 1970 a estabilidade monetária contribuiu para os investimentos, inclusive em máquinas agrícolas, verificamos que a partir de 1979 a intensa variação cambial – que pode ser observada pelo estudo de Almeida e Bacha (1999) e pelos dados do Ipeadata (2020) – dificultou os investimentos no Brasil, principalmente devido à desvalorização da moeda.
138
Gráfico 10 Utilização da capacidade instalada da indústria brasileira – 1970-1989
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da FGV, organizados pelo IPEA (2011).
No segmento de fabricação de máquinas agrícolas a ociosidade foi ainda
maior nesse período. Delgado (1985), verificou que no segundo semestre de 1982
a capacidade ociosa da indústria de tratores e máquinas para a agricultura atingiu
em torno de 60%. Fonseca (1990), menciona que nesse mesmo ano a ociosidade
nas fábricas brasileiras de tratores agrícolas alcançou cerca de 62%, pois foram
fabricadas 30.346 unidades, mas naquela época as empresas já teriam capacidade
para produzir até 80.000 tratores.
Pelos dados da Anfavea (2019), também podemos observar a subutilização
da capacidade produtiva da indústria brasileira de máquinas agrícolas naquele
período, especialmente das fábricas de tratores e colheitadeiras de grãos. Por
exemplo, a Massey Ferguson do Brasil, que no ano de 1975 havia produzido 29.433
tratores de rodas, no ano de 1983 produziu apenas 9.241 unidades. Ou seja, se
efetuarmos os cálculos, verificaremos que a produção de 1983 alcançou apenas
31,4% da produção obtida no ano de 1975.
Se analisarmos a evolução da produção de tratores de rodas da Valmet do
Brasil (a partir de 1996, Valtra), observaremos que nesse período também
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Pe
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al
Utilização da capacidade instalada
Linear (Utilização da capacidade instalada)
139
aumentou sua capacidade produtiva ociosa. Por exemplo, em 1983 essa empresa
fabricou apenas 6.317 tratores, o que equivale a 41,9% da produção do ano de
1976, no qual havia produzido 15.071 unidades.
Outro indicativo da subutilização da capacidade produtiva da indústria
brasileira de máquinas agrícolas, pode ser observado ao analisarmos a evolução
da fabricação de colheitadeiras automotrizes. A empresa Ideal193, que em 1976
havia produzido 737 colheitadeiras, no ano de 1983 fabricou apenas 332 unidades,
portanto, uma produção 55% menor. A unidade brasileira da multinacional Massey
Ferguson, que em 1976 havia produzido 1.918 colheitadeiras, no ano de 1982
produziu apenas 591 máquinas (por conseguinte, o que equivale a apenas 30,8%
da produção de 1976). A produção de colheitadeiras automotrizes da SLC (que em
1999 seria adquirida pela multinacional, Deere & Company, dos EUA) caiu de 2.311
unidades, em 1976, para 1.153 no ano de 1982, isto é, uma queda de cerca de 50%
da produção (ANFAVEA, 2019).
Portanto, verificamos que no início da década de 1980 a indústria de
máquinas e implementos agrícolas, até mais que outros segmentos industriais, foi
fortemente atingida pela recessão (agravada pelas políticas econômicas
implantadas no país), manifestando uma enorme taxa de ociosidade194.
Observamos que esse segmento industrial, que depende da formação de
demanda195 (sobretudo via crédito rural e com favoráveis), em uma conjuntura de
aumento da taxa de juros e de diminuição no montante de crédito rural, como
ressaltamos anteriormente, só poderia passar por uma dura crise196.
Rangel (1980), ressalta que quando um determinado planejamento
econômico falha ou se esgota cabe ao programador (entenda-se, a equipe
193 Em 1984 a empresa Ideal foi adquirida pelo grupo financeiro nacional Iochpe (mais tarde surgindo a marca Maxion), mas na década de 1990, ela foi adquirida pelo grupo internacional AGCO (que também adquiriu as marcas Massey Ferguson e Valtra). 194 Por exemplo, no ano de 1981 a Companhia Brasileira de Tratores sofreu uma queda de quase 62% de sua produção (CBT, 2018). 195 Em pesquisa de campo que realizamos no Show Rural Coopavel, 2019, verificamos que um pulverizador autopropelido, como o Uniport 4530 (da marca Jacto), custa mais de 1,2 milhão de reais e uma colheitadeira automotriz da New Holland, como do modelo CR 8.90, por exemplo, custa cerca de 1,5 milhão de reais, o que faz os produtores rurais recorrerem ao crédito para investimento. 196 Observamos que mesmo com a diminuição do volume de crédito rural o aumento da taxa de juros fez com que, cada vez mais, os produtores rurais ficassem dependentes do capital financeiro. Por exemplo, pelos dados dos censos agropecuários do IBGE, verificamos que o percentual de despesas dos estabelecimentos rurais em pagamento de juros e custos bancários aumentou nesse período, passando de 4,3%, em 1970; para 5,2% em 1975; para 6,1% em 1980 e para 8,9% do total de despesas no ano de 1985 (IBGE, 1975a; 1979; 1984 e 1991).
140
encarregada pelas políticas econômicas) desenvolver um novo programa
econômico e que contenha instrumentos de ação mais eficientes, pois não se deve
(de forma alguma) abandonar o projeto de desenvolvimento econômico.
Aliás, em outro estudo, Rangel (1990b) apresenta dados mostrando que é
possível crescer mesmo durante as fases recessivas dos ciclos longos, desde que
haja planejamento eficiente. Ele aponta que alguns países da Ásia – que mais tarde
seriam chamados de “tigres” e “novos tigres asiáticos” – obtiveram um crescimento
consistente da produção industrial no período 1980-86. Por exemplo, nesse período
a produção industrial chinesa cresceu a 10,9% a.a.; a da Coreia do Sul a 12,1%; a
do Vietnã a 13,2%, enquanto que a indústria das Filipinas cresceu a 17,1% ao ano.
No entanto, verificamos que a partir do final da década de 1970 e início dos
anos 1980 o projeto de industrialização brasileira foi, praticamente, abandonado.
5.2 A Nova República e o “Problema da Inflação”
A partir de 1985, com a chegada de José Sarney ao poder, a indústria
brasileira de máquinas agrícola começou se recuperar. Por exemplo, a produção
da Massey Ferguson do Brasil que, como mencionamos anteriormente, havia caído
para apenas 9.241 tratores no ano de 1983, em 1986 subiu para 20.400 unidades
e no ano de 1987 fechou em 20.141. Porém, observamos que sua produção voltou
a encolher a partir dos anos seguintes, fechando o ano de 1989 em 12.263
unidades. Ressalta-se que apesar da retomada da produção dessa empresa,
verificada para o biênio 1986/87, ela ainda esteve bem abaixo do desempenho
alcançado nos anos 1975 e 76, nos quais a sua produção anual foi superior a 29
mil unidades (ANFAVEA, 2019).
Na Valmet do Brasil ocorreu uma recuperação ainda no período anterior,
pois a sua produção saltou de 6.317 tratores, no de 1983, para 14,026 em 1984,
mas voltaria a caiu para 12.434 no ano de 1986, fechando em 8.359 unidades em
1989. Inclusive, observamos que em nenhum dos anos da década de 1980 a
produção de tratores dessa empresa atingiu os números que havia alcançado, por
exemplo, em 1976, no qual havia fabricado 15.071 unidades.
No segmento de fabricação de colheitadeiras também ocorreu uma
recuperação da produção a partir de meados dos anos 1980, mas semelhante ao
141
que ocorreu na indústria de fabricação de tratores, a produção regrediu no final
dessa década. Por exemplo, a empresa Ideal (de Santa Rosa – RS) aumentou sua
produção de 333 colheitadeiras, no ano de 1983, para 1.110 unidades em 1986,
mas no ano de 1989 a sua produção já havia caído para 524 colheitadeiras
(ANFAVEA, 2019).
A Massey Ferguson do Brasil também obteve aumento da produção de
colheitadeiras a partir de 1984, especialmente em 1986 e 87. Inclusive, essa
multinacional obteve um desempenho mais estável do que das suas concorrentes.
Por exemplo, produzindo 1.757 unidades no ano de 1987 e 1.642 em 1989. Porém,
observamos que durante toda a década de 1980, ela não alcançou a quantidade
fabricada em 1976, que havia sido de 1.918 colheitadeiras de grãos.
Outras fabricantes de colheitadeiras que obtiveram recuperação da
produção, foram a New Holland do Brasil e a SLC/John Deere. E semelhante ao
que ocorreu com as empresas concorrentes, acima citadas, elas tiveram diminuição
da produção nos anos finais da década de 1980.
Enfim, esses dados nos mostram que no final da década de 1980 ainda
existia grande capacidade produtiva ociosa na indústria brasileira de máquinas
agrícolas, pois a produção regrediu nos últimos anos197. Inclusive, acreditamos que
a recuperação que esse segmento industrial obteve especialmente no ano de 1986,
refere-se à política de crédito rural contida no Plano Cruzado (lançado em fevereiro
daquele ano) que ampliou o montante de recursos disponibilizados para a aquisição
de máquinas agrícolas. Por exemplo, pelos dados elaborados por Baricelo e Vian
(2017), constatamos que o crédito disponibilizado para a aquisição de tratores de
rodas e colheitadeiras de grãos passou de 14,1 milhões de reais, em 1984, para
R$ 2,4 bilhões em 1986. Mas, nos anos seguintes o montante de crédito diminuiria
consideravelmente, especialmente no ano de 1989, no qual o volume caiu para
apenas R$ 322 milhões.
Há de se mencionar que essa política econômica implantada a partir da
década de 1980, fundamentalmente, se preocupava mais com os equilíbrios fiscais
197 Por exemplo, Baricelo e Vian (2017) observaram que no período 1980-89 a ociosidade desse segmento industrial atingiu uma média superior a 50%. Eduardo Logemann – filho de Jorge Logemann e neto de Frederico Logemann, um dos fundadores da SLC –, em uma fala de 1995 relatou que no ano de 1989 (logo depois dele ter assumido a presidência da empresa) o mercado para os produtos da SLC havia encolhido cerca de 60% (SCHNEIDER, 1995).
142
do que com um projeto de desenvolvimento econômico. De acordo com Averbug
(2005), Tancredo Neves defendia reformas estruturais, além de demonstrar a
intenção de combater com firmeza a inflação. Aliás, a questão do equilíbrio fiscal
mereceu destaque em sua campanha eleitoral de 1984, ficando famosa a sua frase:
“é proibido gastar”.
Há de se ressaltar que no primeiro ano do governo Sarney (1985) a inflação
anual atingiu 235,1%, portanto que o principal objetivo do Plano Cruzado era
congelar os preços na tentativa de conter a hiperinflação, conforme pode ser
observado nos artigos 36 a 39 do decreto-lei 2.283 de 27 de fevereiro de 1986
(BRASIL, 1986).
Em sua crônica sobre o Plano Cruzado, Averbug ressalta que em um
primeiro momento ele foi eficiente no controle da inflação, pois a fez baixar para
cerca de 60% a.a., no ano de 1986. Mas, critica esse plano por não ter conseguido
estabilizar a inflação, que ainda no ano de 1987 havia subido novamente,
alcançando 416%. Além disso, ele repreende essa política econômica por ter
congelado os salários com valores altos o que, no seu entendimento, teria aquecido
a demanda a ponto de deixá-la acima da capacidade produtiva daquela época.
Porém, o próprio Averbug destacou que grande parte dos empresários
brasileiros sabotou o congelamento de preços, por exemplo, ao fabricarem
produtos de qualidade inferior, com mudanças só incrementais com a intenção de
aumentar o preço (os produtos plus); cobrando ágio sobre a comercialização de
insumos importantes (como do cimento, por exemplo); diminuído a oferta para
provocar a falta de produtos no mercado (especialmente no segundo semestre de
1986) com a intenção de forçar o aumento de preços, entre outras ações198.
Ora, esses fatos nos fazem acreditar que em meados da década de 1980 a
demanda não estava “superaquecida” como mencionou Averbug, pois verificamos
que, ao contrário, na maioria dos setores industriais existia capacidade produtiva
ociosa, justamente pela demanda ser insuficiente.
Como essa pesquisa não objetiva avaliar especificamente a política
econômica do governo Sarney, mas analisar os efeitos dela sobre o setor produtivo,
198 Averbug (2005), ressalta que algumas empresas deixaram de fabricar determinados produtos que foram congelados com preços considerados “muito baixos”, o que resultou inclusive na falta de insumos para a própria produção industrial.
143
mais particularmente sobre a indústria de máquinas agrícolas, destacamos que o
problema central desse período não foi o superaquecimento da demanda e a
“consequente hiperinflação”, pois observamos que a questão principal reside na
recessão que tornou a produção industrial brasileira menos eficiente, devido à
redução de investimentos públicos e ao aumento das taxas de juros (como
mencionamos anteriormente) que contribuíram para encolher o mercado interno.
Além dessa recessão que, como temos enfatizado, penalizou duramente o
setor de bens de produção, setor que só cresce se a economia estiver aquecida, o
aumento da inflação gerou um processo de especulação na comercialização de
terras, o que contribuiu para reduzir os investimentos produtivos (como em
máquinas agrícolas).
O gráfico 11 retrata a evolução dos investimentos realizados na aquisição de
terras e em máquinas agrícolas, no período 1970-1985:
Gráfico 11 Participação dos investimentos em máquinas agrícolas e em terras sobre o total dos investimentos dos estabelecimentos rurais brasileiros – 1970-1985
Nota: Os investimentos totais se desdobram em: terras adquiridas; bens e imóveis; novas culturas permanentes e reflorestamento; animais de produção e trabalho; máquinas e instrumentos; veículos e outros meios de transporte.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos censos agropecuários (IBGE, 1975a; 1979;
1984 e 1991).
14,3
19,8
9,2
13,3
19,8
18,4 15,6
17,2
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
1970 1975 1980 1985
Pe
rce
ntu
al
Máquinas e implementos agrícolas Terras adquiridas
144
Destacamos que os dados desse gráfico nos mostram que o percentual de
investimentos em máquinas agrícolas cresceu até 1975, alcançando quase 20% do
total de investimentos dos estabelecimentos rurais, mas teve uma queda
considerável a partir da segunda metade da década de 1970, o que coincide com
a fase recessiva do quarto ciclo longo, conforme mencionamos anteriormente, em
que se reduziu o volume de crédito rural e começou aumentar as taxas de juros.
Observamos que a partir de 1980 o percentual de investimentos em maquinaria e
implementos agrícolas começou se recuperar, mas não obteve o percentual
alcançado em 1970. No entanto, o percentual de investimentos em terras obteve
uma queda inferior, mantendo-se acima do percentual de investimentos em
máquinas, como pode ser observado pelos dados do referido gráfico.
Para Delgado (1985), na intenção de fomentar o desenvolvimento de
grandes empreendimentos rurais – por meio da colonização privada, incentivos
fiscais e financiamentos com juros negativos – os governos militares criaram um
ambiente para a especulação financeira na compra de terras. No seu entendimento,
o fator que fez “gente” da cidade (industriais, comerciantes, banqueiros etc.) investir
na aquisição de terras, foi a possibilidade de possuírem títulos de propriedades
rurais como reserva de valor, o que lhes possibilitava acesso a financiamentos com
juros subsidiados199.
Em um artigo publicado em 1986, Rangel (2004) mencionou que como o
Brasil havia construído estradas dando acesso a novas glebas de terra e como
vinha aumentando a produtividade da agricultura, a tendência seria o preço da terra
declinar. Porém, ele verificou que nesse período ocorreu justamente o oposto.
Aliás, para Delgado (1985) os próprios governos militares se articularam ao capital
financeiro, concedendo incentivos fiscais, licitando terras e emitindo títulos
privados, inclusive de terras devolutas e pertencentes à indígenas.
Sobre a comercialização de terras agrícolas no país, Reydon (1992) também
observou que ocorreu um aumento considerável no preço. Por exemplo, no ano de
1970 o valor médio de venda de terra para lavoura, foi de 132,7 mil cruzeiros (Cr$)
199 Entre as empresas que no início da década de 1980 investiram em terras no Brasil, destaca-se a: Dedini (indústria de máquinas agrícolas); Belgo-Mineira e Gerdau (siderurgia); Vale do Rio Doce (mineração); Hering (têxtil); Perdigão (avícola); Klabin e Aracruz (celulose); Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (construtoras); Cotrijui, Cotia e Cotriguaçu (cooperativas); Sinop S.A. e Indeco S.A. (colonizadoras); Sul América, Itaú e Bamerindus (bancos e seguradoras), entre outras (DELGADO, 1985).
145
por hectare, mas em 1975 subiu para Cr$ 465,2 mil. Isto é, aumentou 350% em um
período de seis anos. No ano de 1977 o valor subiu para Cr$ 471,2 mil e no final
da década caiu um pouco, fechando em Cr$ 448,4 mil no ano de 1980. Em 1983 o
preço médio voltou a cair, mas em seguida subiu novamente, fechando em Cr$
482,6 mil por hectare no ano de 1985200.
Enfim, observamos que nesse contexto de recessão, marcado pelo aumento
da inflação, o setor produtivo foi prejudicado pela falta de investimentos, inclusive
devido à preferência por investir em ativos (como em terras) para evitar os efeitos
inflacionários sobre a moeda.
5.3 A Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas sob as Políticas Abertamente
Liberais
Se o Plano Cruzado, como destacamos anteriormente, focou no combate à
inflação, porém praticamente abandonando o projeto de industrialização, o Plano
Collor (de 1990) intensificou a “luta contra a inflação”, bem como contra as
instituições estatais, buscando promover uma abertura de mercado, o que expos
as empresas brasileiras à concorrência dos produtos estrangeiros, debilitando
inclusive a indústria brasileira de máquinas agrícolas.
O governo Collor de Mello assumiu o poder no início de 1990 depois do país
ter passado por uma inflação anual de 1.783% no ano de 1989, o que lhe deu
argumentos para centralizar suas políticas no combate à hiperinflação, inclusive
tendo apoio de renomados economistas brasileiros201. Não foi por acaso que o
Plano Collor, priorizou a retenção de parte das poupanças, pois para os
economistas ortodoxos que o formularam a inflação seria resultado de um “excesso
200 Há de se ressaltar que Reydon (1992) utilizou valores deflacionados. 201 Alguns economistas brasileiros, tais como Marcos Cintra de Albuquerque e Mário Henrique Simonsen, pelo menos em um primeiro momento, concordaram com o Plano Collor, de que o principal problema do Brasil seria a estabilização da inflação. Por exemplo, Simonsen (1990) até se mostrou despreocupado com os problemas técnicos que esse plano poderia apresentar, mas se atentou para a sua execução, se preocupando com as possíveis rejeições que o plano poderia enfrentar por conter medidas impopulares. Albuquerque (1990) foi mais longe ao elogiar o Plano Collor e por defender a sua aplicação, mesmo que levasse o país a uma recessão, que aumentasse o desemprego e causasse perdas aos trabalhadores. Porém, há de se destacar que naquela época outro renomado economista, Paul Singer, já havia criticado o Plano Collor por se apoiar no receituário monetarista e não atacar o real problema que, no seu entendimento, seria à má distribuição de renda, histórica no país (SINGER, 1998).
146
de dinheiro circulando”. Porém, a história nos mostrou que essa “panaceia” utilizada
para combater os males da inflação não obteve sucesso, pois ela não reduziu,
inclusive aumentou nos anos seguintes202.
Outro ponto a ser ressaltado é que o Plano Collor continha um programa de
desmantelamento da política tarifária (justificada pela ideia de “tornar a indústria
brasileira mais competitiva”), por conseguinte, destruindo um importante
instrumento que havia sido utilizado para proteger a indústria brasileira,
especialmente durante a década de 1970203.
Há de se enfatizar que essa política de abertura econômica refletiu
consideravelmente sobre a indústria brasileira de máquinas agrícolas, pois a
redução tarifária facilitou as importações. Por exemplo, se analisarmos os dados
referentes ao comércio exterior das empresas fabricantes de tratores,
colheitadeiras etc., constataremos que elas passaram a importar máquinas
agrícolas, portanto, aumentando a concorrência para a produção interna que já
estava debilitada (tabela 7):
Tabela 7 Exportações e importações da indústria brasileira de máquinas agrícolas automotrizes – 1989-1994*
Nota: *Refere-se ao comércio exterior das empresas associadas à Anfavea, que são as principais que atuam nesse segmento no Brasil. **Consiste no valor das máquinas agrícolas automotrizes, motores e componentes.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2010).
202 No ano de 1990 a inflação reduziu, mas permaneceu altíssima (1.477% a.a.); em 1991 teve uma queda maior, mas ainda se manteve alta (480%); porém em 1992 – ano em que F. Collor de Mello sofreu o impeachment – a inflação voltou a crescer consideravelmente, atingindo 1.158% e em 1993 (já no governo Itamar Franco) alcançou 2.708% a.a. (IPEADATA, 2019f). 203 A partir do estudo de Rossi Júnior e Ferreira (1999), podemos observar que no período 1985-88 a tarifa nominal média para as importações brasileiras foi de 105%, mas no período 1989-93 foi reduzida para 34% e de 1994 a 1997 caiu para 13,4%. Para a importação de produtos metalúrgicos, nesse período, as tarifas caíram na seguinte ordem: de 65,2% para 21,3% e para 12,4%. Para a importação de produtos do setor mecânico reduziu de 58,9% para 31,6%, fechando em 16,8% (nesse mesmo período).
147
Portanto, verificamos que enquanto o valor das exportações da indústria
brasileira de máquinas agrícolas reduziu, o valor de suas importações aumentou.
Notamos que o valor do saldo do comércio exterior dessas empresas, no ano de
1994, por exemplo, equivale a 30,6% do valor obtido em 1989, no último ano do
governo Sarney (pois caiu de 451 mil para US$ 138 mil). Da mesma forma,
constamos que em 1989 o valor das importações equivalia a 25,5% do valor das
exportações, mas em 1994 subiu para 69,6%.
Infelizmente a Anfavea agrupa os dados sobre a comercialização, então não
temos como saber, por exemplo, qual a proporção das importações é despendida
na aquisição de máquinas e qual em peças. Mas, de certa forma, observamos que
as importações contribuíram para enfraquecer a produção interna. Pelos dados da
própria Anfavea (2019), podemos observar que nesse contexto de abertura
econômica (com o aumento das importações) reduziu consideravelmente a
produção brasileira de máquinas agrícolas. A produção interna de tratores regrediu,
pois caiu de 50,4 mil, no ano de 1986, para 31,7 mil unidades no ano de 1989 e
para 15,6 mil em 1992, embora que tenha subido a partir desse ano, fechando em
41,1 mil unidades produzidas no ano de 1994. Na produção de colheitadeiras o
desempenho foi semelhante, pois a produção caiu de 5 mil, em 1989, para 1,9 mil
unidades no ano de 1991, embora que tenha subido para 5,3 mil em 1994.
Há de se ressaltar que o aumento da produção (tanto de tratores quanto de
colheitadeiras de grãos) obtido no ano de 1994, deve-se à maior quantidade de
crédito agrícola disponibilizado para investimento, pois verificamos que o volume
passou de 102,4 milhões de reais, em 1990, para R$ 1 bilhão em 1994, mas há de
se ressaltar que o montante de crédito voltaria a cair bruscamente, fechando em
apenas R$ 221,3 milhões no ano de 1995 (BARICELO; VIAN, 2017).
Portanto, verificamos que a política econômica centrada no combate à
inflação, que iniciou ainda na primeira metade da década de 1980 e foi, de certa
forma, continuada pelo governo Sarney, bem como intensificada a partir do governo
Collor, contribuiu para criar um cenário recessivo para a indústria brasileira de
máquinas agrícolas, pois se abandonou as políticas de incentivos à
industrialização, especialmente ao aumentar as taxas de juros, ao reduzir o volume
de crédito rural para investimento e devido à desvalorização cambial (o que mostra
que nem a inflação foi controlada).
148
5.4 Inflação Baixa, Juros Altos e a Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas
nos Anos FHC
Por um lado, em matéria de controle da inflação o governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC) obteve mais sucesso que seus antecessores. Mas, por
outro lado, constatamos que a atividade econômica, especialmente a indústria de
máquinas agrícolas que temos estudado, passou por uma recessão ainda maior
que a verificada para o período 1980-1994.
Como destacamos anteriormente, a inflação de 1994 havia atingido 1.094%,
mas no primeiro ano do governo FHC, ela caiu para 14,8%; no ano seguinte para
9,3; em 1997 para 7,5 e em 1998 (último ano do 1º mandato de FHC) caiu para
apenas 1,7% a.a. (IPEADATA, 2019f).
Assim como o Plano Collor, que inicialmente foi elogiado por renomados
economistas brasileiros, o Plano Real (lançado em fevereiro de 1994 quando FHC
era Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco) também foi enaltecido por
alguns economistas liberais. Por exemplo, ao avaliar o Plano Real, Bacha (1998)
ressaltou seu sucesso ao ter conseguido reduzir a inflação e ao estabilizá-la. No
entanto, ele admitiu que as taxas de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) ainda
eram baixas para estimular o crescimento econômico. No seu entendimento a
alternativa seria aumentar a poupança interna e as exportações204.
Àquela altura, Bacha confiava nas reformas de FHC para os setores público
e de seguridade social, além de acreditar que a privatização do setor de serviços
de infraestrutura, bem como a abertura econômica, gerariam ganhos de
produtividade ao setor produtivo brasileiro. Ele acreditava que as receitas das
privatizações e a entrada de capitais externos financiariam esse processo, fazendo
cair as taxas de juros, bem como permitiria maior flexibilidade ao regime cambial.
Em parte, Delfim Netto (1998) concordou com Bacha, de que o Plano Real
foi eficiente ao estabilizar a inflação e até por ter estimulado a economia em um
primeiro momento, por ter aumentado o salário real – no seu entendimento, devido
à redução da inflação –, por conseguinte, aumentando o consumo interno. Porém,
ele ressaltou que esse plano continha armadilhas, especialmente o câmbio
204 Há de se lembrar que o Edmar Lisboa Bacha participou da equipe econômica que no ano de 1994 formulou o Plano Real.
149
supervalorizado que gerou um déficit comercial, facilitando as importações, mas
prejudicando as exportações205. Delfim Netto, também criticou o governo FHC por
ter mantido os juros altos (justificando a intenção de atrair o capital externo) e por
não ter investido em infraestrutura206. Inclusive, ele ressaltou que o câmbio deveria
estar a serviço da produção e não da especulação financeira.
Outros autores foram mais críticos ao Plano Real e ao governo FHC. Por
exemplo, Gonçalves (1998) criticou a desestabilização macroeconômica criada,
que se caracterizou pela estagnação econômica, pelo desemprego crescente e
pela vulnerabilidade externa (pelos déficits comerciais). Ele criticou a falta de
políticas para o crescimento econômico, pois durante o governo FHC as taxas de
investimento foram baixas se comparadas, por exemplo, às de países do Sudeste
asiático. Ora, nos anos 1990 a taxa de FBCF no Brasil foi, em média, de 16% do
PIB, enquanto que no Sudeste asiático foi de cerca de 30%207.
Sobre os efeitos da política econômica de FHC sobre a indústria do país,
Singer destaca que entre agosto e dezembro de 1994 baixou os preços dos
produtos brasileiros industrializados, pois a importação de grande volume de
manufaturados obrigou a indústria interna reduzir o preço final. Em suas palavras:
“na véspera do lançamento da nova moeda, o governo liberou por decreto a
importação de milhares de produtos, levando a abertura gradativa do mercado
interno, começada por Collor, a um novo patamar.” (SINGER, 1999, p. 31).
Ora, há de se frisar que desde os anos 1960 FHC vinha defendendo a
abertura econômica para os países latino-americanos, inclusive para o Brasil. Em
livro escrito em parceria com Enzo Falleto, ele desacreditava na política
desenvolvimentista, criticando o nacionalismo e o populismo, alegando que os
países desse continente dependiam das exportações, o que inviabilizaria o
205 Por exemplo, enquanto que a partir da Rodada do Uruguai (1986) as exportações mundiais cresceram, em média, a 12% a.a. as do Brasil cresceram entre 4 e 8% (DELFIM NETTO, 1998). 206 Nos aos 1980 os investimentos em infraestrutura atingiam 5% do PIB do país, mas nos anos 1990 passaram a ser negativos, resultando na precariedade das redes ferroviária, rodoviária e portuária. No entendimento de Delfim Netto (1998), o dinheiro que poderia financiar a infraestrutura estava sendo gasto para financiar a dívida pública do Brasil, pois em 1996 o país pagou cerca de 38 bilhões de reais em juros. Ele centrou sua crítica sobre um possível gasto exagerado do Estado, mas não menciona, por exemplo, a falta de investimentos públicos em FBCF, o que foi destacado por Gonçalves (1998), por exemplo. 207 Enfim, Gonçalves concluiu que a política do governo FHC, que visava a estabilização inflacionária, foi uma “cortina de fumaça” para esconder as “bombas de efeito retardado”, que resultariam na desestabilização macroeconômica, no desmantelamento do aparelho de produção e na degradação do tecido social.
150
direcionamento de investimentos em atividades para o mercado interno, como na
industrialização. Nessas condições, os autores afirmam que somente o capital
externo poderia financiar a sobrevivência dos países dependentes (CARDOSO;
FALLETO, 1970).
Há de se ressaltar que o próprio controle da inflação, que havia tido sucesso
no primeiro mandato de FHC, a partir de 1999 começou a ser abalado. Por exemplo,
a inflação brasileira (segundo o IGP-DI da FGV) saltou de 1,70% a.a., em 1998,
para 19,98% em 1999, regrediu nos anos de 2000 e 2001, mas voltou a subir,
fechando seu último ano de mandato (2002) em 26,41% a.a. (IPEADATA, 2019f).
Se analisarmos o saldo do comércio exterior das fábricas de máquinas
agrícolas instaladas no Brasil durante o governo FHC, verificaremos que
especialmente a partir de 1999 as exportações regrediram, mas as importações
aumentaram, particularmente nos anos de 1997 e 98. Inclusive, observamos que
no ano de 1999 o saldo dessas empresas foi negativo e nos anos seguintes foi
praticante inexpressivo, como podemos observar pelos dados da tabela 8.
Tabela 8 Exportações e importações da indústria brasileira de máquinas agrícolas automotrizes – 1994-2002*
Nota: *Refere-se ao comércio exterior das empresas associadas à Anfavea, que são as principais que atuam nesse segmento no Brasil. **Consiste no valor das máquinas agrícolas automotrizes, motores e componentes.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2010).
Destacamos que nesse contexto de aumento das importações a produção e
as vendas internas de máquinas agrícolas caíram consideravelmente. Por exemplo,
a produção de tratores de rodas, que no ano de 1994 havia alcançado mais de 41
mil unidades, em 1995 caiu para pouco mais do que 21 mil unidades e em 1996
151
caiu para apenas 15.545208. Há de se ressaltar que nesse período as vendas
internas de tratores tiveram uma queda ainda maior que da sua produção, pois
caíram de 38,5 para 10,3 mil unidades comercializadas de 1994 a 1996. A produção
de colheitadeiras obteve um desempenho semelhante, pois caiu de 5,3 para 2,5 mil
unidades de 1994 a 1996, sendo que as vendas internas também tiveram uma
queda maior do que da sua produção, pois caíram de 4.049 para apenas 900
unidades (ANFAVEA, 2019).
Há de se notar que essa conjuntura recessiva da economia brasileira
atingiria fatalmente algumas empresas fabricantes de máquinas agrícolas. Por
exemplo, em outubro de 1997 a Companhia Brasileira de Tratores (CBT) teve a sua
falência decretada por não conseguir se manter no mercado, especialmente devido
à concorrência das empresas estrangeiras instaladas no país, bem como pelo
aumento das importações (CBT, 2018)209.
Portanto, verificamos que uma empresa que na primeira metade da década
de 1970 foi responsável por cerca de 19% das vendas de tratores agrícolas no
Brasil (mas que em 1974 chegou a controlar 23,1% do mercado nacional)210, a partir
da década de 1990, quando a abertura econômica se intensificou, mergulhou em
uma crise sem volta, a ponto de em 1991 ter fabricado apenas 883 unidades e em
1994 só 214 tratores agrícolas, interrompendo totalmente a sua produção no ano
de 1995211.
Outra fabricante nacional de máquinas agrícolas que não resistiu a
conjuntura recessiva da economia brasileira, intensificada na década de 1990, foi
a Máquinas Agrícolas Ideal S.A. (Ideal) que, como mencionamos no terceiro
capítulo, surgiu em Santa Rosa – RS em 1953 e que a partir do final da década de
1960 se especializou na produção de colheitadeiras automotrizes (IDEAL, 2018). A
208 Aliás, verificamos que a produção brasileira de tratores (em unidades) do ano de 1996 foi a menor em todo o período 1971-2018. 209 Os tratores dessa marca, em geral, ficaram conhecidos por sua resistência. Inclusive, ainda se encontra alguns exemplares pelo interior do Brasil como, por exemplo, no município de Dourado – SP, na região de São Carlos, onde se vê pelas ruas um CBT modelo 2105, fabricado no ano de 1965 (EM DOURADO, 2019). 210 Em quase 35 anos de existência a Companhia Brasileira de Tratores fabricou cerca de 111 mil tratores, atuando principalmente no segmento de máquinas pesadas (CBT, 2018). 211 Como essa empresa faliu, é difícil conseguir informações, mas segundo o Lexicar Brasil, na época da falência os trabalhadores acumulavam atrasos salariais de até dois anos e, inclusive, tentaram assumir a massa falida na intenção de continuar a produção, mas não tiveram sucesso. Enfim, no ano de 2000 as antigas instalações da CBT, localizadas próximo ao aeroporto de São Carlos – SP, foram vendidas à TAM Linhas Aéreas (CBT, 2018).
152
partir de 1978 a Ideal importou tecnologia alemã (da empresa Fahr) e com parceria
da multinacional estadunidense International Harvester (IH), bem como do grupo
financeiro gaúcho Iochpe, ela conseguiu modernizar suas colheitadeiras, se
inserindo no mercado nacional e, inclusive, no mercado externo. Essa empresa
resistiu até meados da década de 1990, mas com uma produção regressiva. Por
exemplo, verificamos que ela havia fabricado 1.110 colheitadeiras no ano de 1986
– entre os anos 1985-88 fabricou, em média, 900 unidades por ano –, mas em 1995
sua produção caiu para apenas 97 unidades (ANFAVEA, 2019).
Enfim, no ano de 1996 a empresa gaúcha Ideal foi vendida à multinacional
AGCO Corporation, juntamente com a Massey Ferguson do Brasil, que desde 1983
havia passado para o controle acionário do grupo Iochpe, que detinha 57% de suas
ações (MASSEY FERGUSON, 2018)212.
Como temos enfatizado, a queda na produção do segmento de máquinas
agrícolas, intensificada a partir da década de 1990, se deve ao encolhimento do
mercado interno, à medida que esse segmento industrial requer uma política de
crédito agrícola para investimentos. Porém, se analisarmos a evolução das taxas
de juros, especialmente a partir do governo FHC, constataremos que elas
contribuíram para a estagnação do mercado interno. Por exemplo, no ano de 1997
a taxa Selic (básica) máxima de juros chegou a atingir 45,90% a.a. no período 01/11
a 30/11/1997. No ano de 1999, a taxa de juros alcançou 44,95% a.a. (no período
05/03 a 24/03/1999), como podemos observar pelos dados do quadro I no anexo 2
(BCB, 2019)213.
Pelos dados do gráfico 12, podemos verificar a evolução dos juros reais
praticados no Brasil no período 1985-2003, no qual é possível observar que, com
exceção do ano de 1989, em que os juros reais foram positivos, durante a segunda
metade da década de 1980 as taxas foram negativas devido à inflação que, como
212 Segundo informações do Lexicar Brasil, verificamos que por volta de 1996 a produção das marcas do grupo Iochpe-Maxion (tratores e colheitadeiras Massey Ferguson e colheitadeiras Ideal) havia caído aos níveis da década de 1960. Além disso o grupo financeiro Iochpe acumulava dívidas de mais de US$ 100 milhões, o que o faria vender os negócios de fabricação de máquinas agrícolas (MASSEY FERGUSON, 2018). 213 Aliás, Delfim Netto (1998) afirmou que nunca viu juros reais tão altos como os praticados no Brasil no ano de 1996, quando o governo aumentou a taxa de juros, justificando que esperava restringir o crédito interno para evitar o aumento da inflação, além de pretender atrair o capital externo que, no entendimento de sua equipe econômica, iria financiar o déficit brasileiro em contas correntes.
constatamos que a partir de 1992 as taxas de juros começaram subir, atingindo
21,05% a.a. em 1993. Há de se notar que durante os sete primeiros anos do
governo FHC os juros foram positivos, só caindo no último ano (para -7,93% a.a.)
devido ao aumento da inflação, como ressaltamos anteriormente.
Gráfico 12 Taxas de juros reais praticados no Brasil – 1985-2003
Nota: Juro real: = juros nominais, subtraindo-se a inflação do período (a partir do deflator IGP-DI da FGV).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Bacen organizados por Bacha, Danelon e Del Bel Filho (2006).
Portanto, verificamos que durante a segunda metade dos anos 1980
(governo Sarney) as vendas internas da indústria brasileira de máquinas agrícolas
foram prejudicadas porque como a inflação se tornou incontrolável o volume do
crédito rural disponibilizado para investimento foi reduzido. Por outro lado,
especialmente durante o primeiro mandato de FHC (1995-98) a inflação foi
controlada, mas o montante de crédito rural disponibilizado para investimento
esteve em baixa. Além disso, observamos que as altas taxas de juros
desencorajavam os produtores rurais a tomarem empréstimos para a aquisição de
máquinas agrícolas.
-1,32
-29,72
-19,38
-6,20
24,18
-10,69
-21,39
11,87
21,05
1,70
27,54
10,31
6,06
16,16
0,202,87 1,88
-7,93
14,05
-35
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
25
30
35
Perc
entu
al
Taxa real de juros Linear (Taxa real de juros)
154
Os dados do gráfico 13 expressam a evolução do crédito rural para a
aquisição de máquinas agrícolas nesse período:
Gráfico 13 Evolução do crédito rural para investimento em máquinas agrícolas no Brasil – 1980-2012
Nota: Valores deflacionados pelo IGP-DI (agosto de1994 = 100).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Anuário Estatístico do Crédito Rural, organizados por Baricelo e Vian (2017).
Os dados desse gráfico nos mostram que se considerarmos a evolução do
crédito rural, disponibilizado para investimento em máquinas agrícolas, utilizando
como base o ano de 1994 (em que o real estava supervalorizado, acima do dólar),
constataremos que desse ano até 1996 ocorreu uma queda enorme que chegou a
-89,8% (em apenas dois anos). Também podemos verificar que no triênio 1997-99
o volume de crédito permaneceu praticamente estagnado, só iniciando um
processo de recuperação a partir do ano de 2000 e, de forma mais intensa, a partir
de 2002, portanto já no último ano do governo FHC.
Pelos dados do gráfico 14, podemos avaliar a distribuição do crédito rural
disponibilizado para a aquisição de tratores e colheitadeiras agrícolas no período
1985-2012. Os dados desse gráfico, em dólares, mostram uma evolução do crédito
para investimento em máquinas agrícolas semelhante ao expresso pelo gráfico 13,
1.144.143.442
14.108.200
2.352.098.734
102.388.216
1.006.174.361
102.737.363
1.189.063.717
598.163.451
1.179.060.168
1.016.115.004
1.452.297.310
19
80
19
81
19
82
19
83
19
84
19
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
Reais
(R
$)
Crédito para investimento
155
pois constatamos que os maiores volumes foram disponibilizados nos anos de 1986
e em 1994214:
Gráfico 14 Crédito rural disponibilizado por tipo de máquina no Brasil – 1985-2012
Nota: Preços de 2012, deflacionados pelo IGP-DI e convertidos em dólares pela taxa média de 2012.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BACEN organizados pela Anfavea (2013).
De certa forma, podemos afirmar que a estagnação ocorrida na produção
industrial brasileira215 – especialmente no segmento de máquinas agrícolas, objeto
dessa pesquisa – é resultado das políticas econômicas implantadas a partir da
década de 1980, intensificadas nos anos 1990. Em outras palavras, entendemos
que os governos Sarney, Collor de Mello/Itamar e FHC tentaram combater a
inflação por meio de políticas econômicas contracionistas, retirando moeda de
214 Pelos dados do gráfico 14, observamos que nos anos de maior volume de crédito, destacou-se o empréstimo destinado à aquisição de tratores, o que é compreensível porque, ao contrário das colheitadeiras que têm utilidade específica para a colheita, os tratores são máquinas motrizes, então têm um emprego mais amplo na agricultura. Durante uma visita de estudo realizada à unidade da AGCO Corporation, instalada em Canos – RS que fabrica tratores agrícolas, recebemos a informação de que no Brasil esse tipo de máquina é utilizada praticamente o ano todo, pois as atividades agrícolas são praticadas ao longo do ano, não cessando no inverno, por exemplo, como ocorre nos países de clima frio. 215 Por exemplo, Suzigan (2000) observou que o PIB industrial brasileiro, que no período 1933-1980 havia crescido a 8,7 a.a., no período 1981-1999 cresceu a apenas 0,7% a.a.
1.094.454
3.137.238
1.208.398
255.798
2.823.539
110.132
1.006.899616.866
1.553.674
1.250.357
352.515
1.276.645
57.119 451.750 34.959
976.593
241.968
1.218.862
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1.800.000
2.000.000
2.200.000
2.400.000
2.600.000
2.800.000
3.000.000
3.200.000
3.400.000
198
5
198
6
198
7
198
8
198
9
199
0
199
1
199
2
199
3
199
4
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
Milh
are
s d
e U
S$
Tratores Colheitadeiras
156
circulação, inclusive reduzindo o crédito rural para investimentos e aumentando as
taxas de juros.
Como observaram Freitas e Prates (2001), a abertura financeira – tanto da
conta de capitais como a entrada de investimento estrangeiro direto – promovida
pelo governo FHC, mesmo mantendo altas taxas de juros só conseguiu atrair o
capital externo durante seu primeiro mandato216. Além disso, como destacou Pires
(2006), a liberalização da conta de capitais está relacionada com a elevação do
superávit primário, o que causa um comportamento preventivo-conservador por
parte da autoridade fiscal, de modo a não sacrificar a eficácia da política fiscal,
mesmo em períodos em que se faz necessário amenizar os efeitos dos ciclos
econômicos, o que demandaria aumento dos gastos do Estado.
Aliás, há de se observar que se, por um lado, a política econômica
keynesiana defende o protagonismo do Estado na economia, especialmente para
amenizar os efeitos das crises e recessões (como mencionamos no 3º capítulo);
por outro lado a partir da década de 1980 (e mais intensamente a partir dos anos
1990) começou se proliferar nos países latino-americanos, inclusive no Brasil, um
pensamento “antikeynesiano”, mais conhecido como neoliberal. Autores como
Friedrich Hayek passaram a influenciar o discurso das equipes econômicas em
governos como Collor de Mello e FHC. Lembrando que Hayek defendia, inclusive,
o federalismo para enfraquecer os Estados nacionais, que no seu entendimento
retirariam a liberdade econômica natural, levando os países do Ocidente ao
caminho da servidão (HAYEK, 1994).
Enfim, se analisarmos essa situação à luz do entendimento de Rangel
(1980), expressa na citação colocada no início desse capítulo, constataremos que
essas políticas econômicas jamais poderiam ter levado a economia brasileira ao
crescimento, o que se confirmou materialmente217.
216 Segundo Freitas e Prates (2001), de 1995 a 1999 o volume de investimentos estrangeiros em ações brasileiras passou de 1,7 bilhão de reais para R$ 206,4 bilhões, mas no ano de 2000 já havia caído para R$ 161,8 bilhões. Quanto à participação estrangeira nos ativos do sistema bancário brasileiro, passou de 11,9%, em 1995, para 27,4% no ano de 2000. Porém, verificamos que o percentual de crédito dos bancos estrangeiros sob o total de financiamento rural e da agroindústria brasileira era pequeno, 6,2% em 1998 e 5,8% no ano de 2000, portanto, pouco contribuindo para a formação de demanda no setor agropecuário brasileiro. 217 Segundo Rangel (1963 e 1980) o problema do Brasil é a baixa propensão a consumir, especialmente devido à concentração de renda. E nessas condições, para ocorrer crescimento econômico se faz necessário altas taxas de investimentos.
157
CAPÍTULO VI
UM POUCO DE PLANEJAMENTO, O BOOM DAS COMMODITIES E UM
FÔLEGO À INDÚSTRIA BRASILEIRA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
Com o desenvolvimento do processo, que se expressa na queda da taxa de lucro, a massa de mais-valia assim produzida se infla enormemente. [...] O conjunto da massa de mercadorias, o produto global, tanto a parte que substitui o capital constante e o variável, quanto a que representa a mais-valia, precisa ser vendido. [...] Isso é lei para a produção capitalista, dada pelas contínuas revoluções nos próprios métodos de produção, pela desvalorização sempre vinculada a elas do capital disponível, pela luta concorrencial geral e pela necessidade de melhorar a produção e de ampliar sua escala, meramente como meio de manutenção e sob pena de ruína. Por isso, o mercado precisa ser constantemente ampliado, de forma que suas conexões e as condições que as regulam assumam sempre mais a figura de uma lei natural independente dos produtores, tornando-se sempre mais incontroláveis. (MARX, 1984c, p. 185).
Essa citação, retirada de uma única página do livro terceiro de O Capital,
refere-se a uma circunstância que temos observado ao analisar a dinâmica da
indústria brasileira de máquinas agrícolas, isto é, o imperativo de que o sistema
econômico vigente necessita de uma reprodução ampliada do capital, sob pena de
perecer em crises quando esse objetivo não é alcançado.
Nesse capítulo, analisaremos a retomada da produção, embora que um
tanto acanhada, da indústria brasileira de máquinas agrícolas que se intensificou
especialmente a partir da segunda metade da década de 2000. Procuramos
compreender a importância do planejamento econômico, especialmente no que se
refere a incentivos à produção e à formação de demanda para os produtos desse
segmento industrial.
6.1 O Renascimento de Incentivos para o Setor de Máquinas Agrícolas
A partir dos dados dos gráficos 15 e 16, podemos analisar a evolução da
produção, bem como das vendas internas de tratores e colheitadeiras agrícolas no
período 1985-2019:
158
Gráfico 15 Evolução da produção e das vendas internas de tratores de rodas no Brasil – 1985-2019
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019 e 2020).
GRÁFICO 16 Evolução da produção e das vendas internas de colheitadeiras de grãos no Brasil – 1985-2019
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019 e 2020).
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
55.000
60.000
65.000
70.000
75.000
80.000
85.00019
85
19
86
19
87
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
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99
20
00
20
01
20
02
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20
04
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20
08
20
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20
10
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11
20
12
20
13
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16
20
17
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20
19
Unidades
Produção Vendas
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
7.000
8.000
9.000
10.000
11.000
19
85
19
86
19
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19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
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98
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99
20
00
20
01
20
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20
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20
11
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20
13
20
14
20
15
20
16
20
17
20
18
20
19
Unidades
Produção Vendas
159
Há de se notar que os dados dos gráficos 15 e 16 nos mostram que tanto a
produção como as vendas desse segmento industrial são instáveis, alternando
períodos de crescimento (de 4 ou 5 anos) com outros de retração. É essa dinâmica
que procuraremos decifrar nesse capítulo.
Se na década de 1980 diminuíram drasticamente os incentivos ao segmento
da indústria brasileira de máquinas agrícolas (e à mecanização agrícola), como
destacamos no capítulo anterior, verificamos que a partir do início dos anos 1990
ressurgiram, apesar que acanhadamente, alguns incentivos a esse setor industrial.
Por exemplo, pela Lei n.º 8.171 (de 17/01/1991) foi criado o Finame Rural,
programa de uma agência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) para financiar aos agricultores a aquisição de máquinas e
implementos (BRASIL, 1991a)218.
As condições exigidas pelo Finame Rural eram as seguintes: juros mínimos
de 8,5% ao ano mais a Taxa Referencial (TR), que era reajustada diariamente e
que deveria servir de referência para as taxas de juros vigentes no país. No entanto,
o prazo para a amortização da dívida de aquisição de máquinas – portanto, com
alto custo – era pequeno, entre 12 e 60 meses, e o Finame financiava no máximo
70% do investimento total nas regiões Sul e Sudeste e até 80% no Norte, Nordeste
e no Centro-Oeste do Brasil (BNDES, 1991)219.
Apesar desses entraves, constatamos que o Finame Rural obteve certo
impacto sobre a indústria de máquinas agrícolas, o que inclusive pode ser
observado pelos gráficos 15 e 16, pois observamos que aumentou as vendas a
partir de 1991. Segundo o Informe nº. 46 do BNDES, de outubro de 1991, o Finame
aprovou, de janeiro até meados de setembro daquele ano, a quantia de 7.344
operações no âmbito do Programa Agrícola, correspondendo a US$ 131 milhões.
A maior parte dos financiamentos beneficiou pessoas físicas, com 6.341 operações
no valor total de US$ 92 milhões. E houve 1.003 créditos aprovados para pessoas
jurídicas, totalizando US$ 39 milhões. As máquinas financiadas foram, na maioria,
tratores e colheitadeiras (BNDES, 1991).
218 O Programa Agrícola do Finame foi criado em setembro de 1990, mas só a partir de março de 1991 começou a conceder financiamentos a pessoas físicas, atendendo uma antiga reivindicação de produtores rurais (BNDES, 1991). 219 Há de se frisar que naquela época o Finame Rural era o único programa que financiava a aquisição de máquinas e implementos agrícolas, pois as linhas de crédito do Banco do Brasil financiavam apenas o custeio da produção agrícola – adubos, sementes etc. (BNDES, 1991).
160
Pelo Informe nº. 67 do BNDES, podemos observar que no ano de 1993 a
fatia de investimentos do Finame Rural chegou a quase a metade do total de
desembolsos do Finame (Finame em geral). Por exemplo, dos 200 milhões de
dólares aplicados em setembro daquele ano, US$ 92 milhões destinaram-se ao
Finame Rural – para a aquisição de máquinas e equipamentos para a agricultura
(BNDES, 1993).
Há de se mencionar que durante o governo Itamar Franco (de 1992 a 1994)
o BNDES financiou, também, a própria indústria de máquinas agrícolas e as
fornecedoras de autopeças e componentes para esse segmento industrial. Por
exemplo, segundo o Informe nº. 78, por meio das linhas Qualidade e Produtividade
e Apoio à Indústria, esse banco concedeu um financiamento no valor de R$ 5
milhões à empresa New Rubner Flexible Usinagem para instalar em Curitiba uma
usinagem de autopeças com alto grau de automação, que forneceria peças (que
anteriormente eram importadas) para montadoras como a GM e a New Holland,
que naquela época já produzia colheitadeiras automotrizes na própria cidade
industrial de Curitiba (BNDES, 1994)220.
Aliás, pelos informes do BNDES também podemos analisar a evolução das
taxas de juros cobradas para a aquisição de máquinas agrícolas. Pelo Informe nº.
87, verificamos que ao longo do ano de 1995 as taxas de juros de longo prazo do
Finame Rural, apesar de terem caído, mantiveram-se altíssimas. Por exemplo, no
período de dezembro de 1994 a fevereiro de 1995 a taxa alcançou 26,01% a.a.; de
março a maio foi de 23,65%; de junho a agosto foi de 24,73% e no período de
setembro a novembro de 1995 fechou em 21,94% a.a. (BNDES, 1995)221.
No entanto, além do Finame Rural outras medidas do governo federal
beneficiaram ou, pelo menos, amenizaram os problemas dos produtores rurais e,
indiretamente, a própria indústria de máquinas e implementos agrícolas. Por
220 Mas, há de se notar que mesmo com essa iniciativa de se montar uma empresa para substituir importações no setor de autopeças, esse projeto também dependia de importações, pois do total de R$ 5 milhões financiados, R$ 3,7 milhões foram concedidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com a condição que fosse importado dos Estados Unidos os equipamentos para a instalação dessa fábrica (BNDES, 1994). 221 Segundo o estudo de Afonso, Höhler e Freitas (2009), observamos que o spread bancário no Brasil – grosso modo, a diferença entre a taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras e o custo financeiro de captação dos recursos – em março de 1995, por exemplo, ultrapassou os 100 pontos percentuais (p.p.) para empréstimos para pessoas jurídicas e esteve acima de 180 p.p. para pessoas físicas. Há de se notar que esse fator contribuiu para aumentar as taxas de juros para o próprio crédito rural.
161
exemplo, em 1994 foi criada a Cédula de Produtor Rural (CPR) que se tratava de
um título que poderia ser emitido por produtores rurais, suas associações e
inclusive cooperativas que consistia na promessa de entrega de produtos agrícolas
a seu credor (BRASIL, 1994).
Segundo o estudo de Ramos e Martha Júnior (2010), a CPR não financiou
diretamente a aquisição de máquinas agrícolas ou de outro tipo de investimento,
pois o programa visava adquirir recursos para o capital de giro (custeio),
principalmente para a aquisição de insumos (adubos, sementes etc.). Mas, ao
melhorar a saúde financeira dos agricultores a CPR aumentou também, embora
que modestamente, a capacidade de investimentos deles.
Há de se ressaltar que a Lei n.º 10.200 (de 14/02/2001) alterou a CPR,
criando a Cédula de Produtor Rural Financeira (CPR-F), instrumento que permitia
aos produtores rurais adquirirem empréstimos e quitarem suas dívidas sem ter que
entregar produtos agrícolas, mas pagando em dinheiro, pois a CPR-F consiste em
um título líquido. Além disso, como trataremos adiante, essa lei instituiu uma
equalização das taxas de juros dos financiamentos concedidos pelo BNDES, o que
tornou menos oscilantes as dívidas de aquisição de máquinas e implementos
agrícolas222.
Outra política agrícola do governo federal que amenizou os problemas
financeiros dos produtores rurais, foi o Programa de Securitização, lançado em
1995 com o objetivo de alongar os prazos para a quitação das dívidas dos
agricultores com valor de até R$ 200 mil (Art. 5º, § 3º), com prazo de 7 a 10 anos e
com juros de 3% ao ano, acrescido pela variação do preço mínimo (BRASIL,
1995)223.
Para os grandes produtores rurais a negociação das dívidas veio a partir de
1998, quando foi instituído o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA),
que permitiu a renegociação de dívidas rurais com valores acima de R$ 200 mil
(BRASIL, 1998). Como destacaram Ramos e Martha Júnior (2010), essas medidas
222 “Art. 3o Fica autorizada a equalização de taxas de juros de financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, para modernização da frota de tratores agrícolas e implementos associados, colheitadeiras e aquisição de equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café, na forma da regulamentação baixada pelo Poder Executivo.” (BRASIL, 2001). 223 A securitização envolveu recursos no montante de R$ 8,1 bilhões, favorecendo inicialmente cerca de 350 mil produtores (RAMOS; MARTHA JÚNIOR, 2010).
162
beneficiaram os grandes devedores uma vez que, de acordo com informações do
Banco do Brasil, 73,95% do valor dos contratos repactuados no âmbito do PESA
correspondiam a dívidas superiores a R$ 1 milhão, contemplando apenas 9,0% dos
beneficiários desse programa. Segundo esses autores, estima-se que o PESA
tenha envolvido recursos da ordem de R$ 8,5 bilhões, beneficiando
aproximadamente 146 mil produtores224.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
criado em 1996, também foi importante ao ampliar a possibilidade de investimento
dos pequenos agricultores225, especialmente a partir de 2008 quando foi criada a
linha de crédito Pronaf Mais Alimentos – Investimento. Há de se lembrar que essa
linha do Pronaf passou a oferecer as menores taxas de juros226.
Conforme apontaram Pontes e Padula (2005), no final da década de 1990
alguns segmentos representantes do agronegócio clamavam por uma política de
crédito rural com taxas de juros prefixadas, que os encorajassem a tomar
empréstimos de maior volume. Foi na tentativa de atender a esse pedido que em
1998 foi instituído pelo BNDES o Programa FINAME Agrícola Especial, que
financiaria a aquisição de tratores, colheitadeiras, implementos agrícolas,
plantadeiras, equipamentos para armazenagem, ordenhadeiras mecânicas,
tanques de resfriamento e homogeneização de leite, sistemas de irrigação, entre
outros. O mais importante é que, ao contrário do Finame Rural que ainda utilizava
taxas variáveis de juros, como mencionamos anteriormente, o FINAME Agrícola
224 De acordo com Rezende e Kreter (2007), em 1995 a dívida dos produtores rurais era de R$ 42,3 bilhões, sendo que, desses, R$ 14,2 bilhões eram de dívidas de crédito para investimento. Os valores das dívidas caíram até 1997, fechando em R$ 37,1 bilhões, mas voltaram a subir no ano de 1998, fechando em R$ 40,2 bilhões (os autores usaram valores em R$ de maio de 2007, deflacionados pelo IPCA). 225 Verificamos que esse programa se tornou importante para as vendas, especialmente das empresas que produzem máquinas de pequeno porte. Por exemplo, no ano de 2014 a LS Mtron do Brasil – empresa sul-coreana que se instalou no país a partir de 2012 – vendeu no mercado interno o total de 1.930 tratores, 70% deles financiados pelo Pronaf Mais Alimentos (FERREIRA, 2020). Mas, observamos que os grandes grupos fabricantes de máquinas agrícolas (CNH Industrial e AGCO) também têm produzido tratores agrícolas de pequeno porte (de até 75 cv. de potência), visando atender a essa demanda de financiamentos, via Pronaf Mais Alimentos – Investimento (informações obtidas nas visitas de estudo às respectivas empresas). 226 Lembrando que a aquisição de tratores e colheitadeiras não entra nas menores taxas de juros do Pronaf Mais Alimentos – Investimento, mas ainda são inferiores às taxas cobradas em outras linhas de crédito. Por exemplo, para a aquisição de tratores agrícolas, no ano de 2019, o Pronaf Mais Alimentos – Investimento cobrava taxa de juros prefixada de até 4,6% a.a. ou pós-fixada de 0,2% a.a. mais a variação da inflação – IPCA (BNDES, 2019a).
163
Especial apresentava encargos financeiros fixados em 11,95% a.a. (incluído o
spread do agente), além de financiar 100% do valor do bem adquirido.
Porém, a política econômica federal que mais se destacou na formação de
demanda para a indústria de máquinas agrícolas, foi o Programa de Modernização
da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras
(Moderfrota), instituído no ano de 2000. O Moderfrota se tornou importante porque,
assim como o Finame Agrícola Especial, apresentava taxas fixas de juros e que,
apesar de altas, eram inferiores às praticadas nos anos 1990. Por exemplo, para
produtores rurais e suas cooperativas que apresentassem renda bruta anual inferior
a R$ 250 mil o Moderfrota cobrava taxa efetiva de juros de 8,75% a.a. (incluindo o
spread do agente financeiro, que era de 2,95% a.a.), financiando 100% do bem
adquirido. Para beneficiários com renda bruta anual igual ou superior a R$ 250 mil
esse programa financiava até 90% do bem, cobrando taxa efetiva de juros de
10,75% a.a. (BRASIL, 2000)227.
Pelo Informe nº. 169 do BNDES (de abril de 2003), podemos ter noção do
alcance desse programa para as vendas internas de máquinas agrícolas:
A importância do Moderfrota pode ser aferida pelo aquecimento do mercado de máquinas agrícolas desde a criação do Programa, em março de 2000. As vendas de tratores agrícolas cresceram 36,6% e as de colheitadeiras 54,8% no período 2000/2002 (BNDES, 2003, p. 01).
Se retomarmos os dados dos gráficos 15 e 16, verificaremos que, de fato,
aumentou consideravelmente a produção e as vendas internas de máquinas
agrícolas no período 2000/2002. Por exemplo, a venda de tratores de rodas saltou
de 24.591 para 33.217 unidades nesse período, enquanto que a de colheitadeiras
de grãos passou de 3.780 para 5.648 unidades de 2000 a 2002.
Ocorre que no período 2001 a 2002 o BNDES aumentou os desembolsos
para o Moderfrota em mais de 60%, o que estimulou as vendas desse setor:
Os desembolsos no âmbito do Moderfrota tiveram, em 2002, um crescimento de 66,4% em relação ao ano anterior. O BNDES liberou R$ 2,83 bilhões no ano passado, enquanto em 2001 o total
227 Para a aquisição de tratores e implementos, pelo Moderfrota, o prazo de quitação dos financiamentos era de até 6 anos e para colheitadeiras automotrizes chegava a 8 anos (BRASIL, 2000).
164
liberado foi de R$ 1,70 bilhão. Desde que foi criado, em março de 2000, o programa teve 118.735 operações realizadas até dezembro de 2002, gerando desembolsos de R$ 5,57 bilhões. (BNDES, 2003, p. 01).
Porém, verificamos que a partir de 2003 a taxa de juros aumentou,
especialmente para os agricultores mais capitalizados, pois esse programa
diminuiu o teto de renda dos produtores rurais (baixando de 250 mil para 150 mil
reais). Para produtores rurais e suas cooperativas que apresentassem renda bruta
anual inferior a R$ 150 mil o Moderfrota manteve o financiamento de 100% do bem
adquirido, mas a taxa efetiva de juros subiu de 8,75% para 9,75% a.a. Para os
beneficiários com renda igual ou superior a R$ 150 mil esse programa passou a
financiar até 80% (e não mais 90%) do bem adquirido e a taxa efetiva de juros subiu
de 10,75 para 12,75% a.a. (BRASIL, 2003)228.
Além do aumento da taxa de juros, verificamos que a partir de 2003 diminuiu
o montante de crédito disponibilizado para o Moderfrota. Por exemplo, no ano de
2002 o orçamento desse programa foi de R$ 2,8 bilhões (BNDES, 2003), mas na
safra 2004/2005 o volume de empréstimos caiu para R$ 2,3 bilhões, portanto,
reduzindo cerca de 18% (BNDES, 2004).
Além disso, de acordo com os dados do Ipeadata (2020), observamos que a
desvalorização cambial foi considerável nesse período, pois a cotação do dólar
subiu da média anual de 1,83 reais, no ano de 2000, para 3,08 reais no ano de
2003, o que reduziu o poder de investimento dos agricultores brasileiros.
Se analisarmos a evolução das vendas de tratores de rodas e colheitadeiras
de grãos, segundo os dados da Anfavea (2019 e 2020) expostos nos gráficos 15 e
16, observaremos que o mercado interno voltaria a encolher a partir de 2003. Por
exemplo, se compararmos as vendas de tratores de rodas nos anos de 2002 e
2005, verificaremos que ocorreu uma queda de 46,6% (pois caiu de 33.217
unidades, no ano de 2002, para 17.729 em 2005); enquanto que a queda nas
vendas internas de colheitadeiras de grãos foi ainda maior, caindo de 5.648
unidades, em 2002, para 1.030 no ano de 2006, portanto, uma queda de 81,8%.
Aliás, pelos dados da própria Anfavea (2019), verificamos que a partir de
228 Verificamos que o prazo máximo para quitar os financiamentos diminuiu a partir de 2003. Para tratores caiu de 6 para até 5 anos e para colheitadeiras caiu de 8 para 6 anos (BRASIL, 2003).
165
2003 o que salvou as vendas da indústria brasileira de máquinas agrícolas, foi o
aumento das exportações. Por exemplo, nos anos de 2004 e 2005 o Brasil
exportou, respectivamente, 23.553 e 23.968 tratores de rodas. Pelos dados das
tabelas 9 e 10 podemos analisar as vendas internas, bem como as exportações de
tratores de rodas e de colheitadeiras de grãos (em unidades) nos anos 2004 e 2005:
Tabela 9 Vendas internas e exportações dos principais fabricantes de tratores de rodas no Brasil – 2004 e 2005
Ano
AGCO do Brasil CNH Industrial do Brasil Deere e Co. Marcas Marcas Marca
Massey Ferguson
Valtra Case IH New
Holland John Deere
Vendas internas
2004 9.740 7.062 290 6.264 3.040
2005 5.881 5.369 138 2.799 1.755
Exportações
2004 11.795 2.851 354 4.114 3.601
2005 13.077 2.464 114 4.028 2.946
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Tabela 10 Vendas internas e exportações dos principais fabricantes de colheitadeiras de grãos no Brasil – 2004 e 2005
Ano
AGCO do Brasil CNH Industrial do Brasil Deere e Co. Marcas Marcas Marcas
Massey Ferguson
Valtra Case New
Holland John Deere
Vendas internas
2004 1.284 - 309 2.091 1.921
2005 332 - 137 516 549
Exportações
2004 1.006 - 274 957 2.147
2005 617 - 187 413 1.619
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Os dados da tabela 9 nos mostram que, naquele período, a AGCO respondia
pela maioria das vendas internas de tratores agrícolas, especialmente da marca
Massey Ferguson. A Valtra, também pertencente ao AGCO, foi a segunda nas
vendas internas de tratores no biênio 2004/2005. Nas exportações de tratores as
166
marcas que mais se destacaram foram a Massey Ferguson229 e a New Holland
(esta pertencente ao grupo CNH Industrial, na atualidade). Há de se ressaltar que
no ano de 2005 as exportações de tratores das marcas Massey Ferguson, New
Holland e John Deere foram maiores que suas vendas internas.
Pelos dados da tabela 10, podemos observar que naquele período as vendas
internas de colheitadeiras de grãos eram mais equilibradas, com um pequeno
destaque para o grupo CNH Industrial, especialmente com a marca New Holland.
Porém, quando analisamos as exportações desse tipo de máquina agrícola,
constatamos que a empresa que mais se destacou no biênio 2004/2005 foi a John
Deere. Também verificamos que no ano de 2005 as exportações das colheitadeiras
das marcas Massey Ferguson, Case e John Deere foram maiores que suas vendas
internas230.
Portanto, observamos que a partir de 2004, quando aumentou as taxas de
juros para a aquisição de máquinas agrícolas, as grandes empresas instaladas no
Brasil amenizaram os efeitos do encolhimento do mercado interno por meio das
exportações231.
Por outro lado, constatamos que a partir de 2006 iniciou uma nova fase de
crescimento. As vendas internas de tratores de rodas saltaram de 17.729 unidades,
em 2005, para 65.089 no ano de 2013, portanto, um crescimento de 367%. Nesse
período o crescimento nas vendas de colheitadeiras de grãos foi ainda maior,
alcançando 829%, pois passou de 1.030 unidades, em 2006, para 8.539
colheitadeiras vendidas no ano de 2013 (ANFAVEA, 2019).
Se analisarmos a evolução do crédito rural disponibilizado para a aquisição
de máquinas agrícolas (especialmente por meio do Moderfrota), verificaremos que,
229 Lembrando que no ano de 2005 a Massey Ferguson contribuiu com 54,6% do total das exportações brasileiras de tratores de rodas (13.077 unidades do total de 23.968). 230 Em visita de estudos que realizamos (em junho de 2019) à unidade da John Deere de Horizontina – RS, recebemos a informação de que na primeira metade da década de 2000 essa empresa exportava grande quantidade de colheitadeiras agrícolas, especialmente para a Argentina. 231 Em uma reportagem apresentada pela Gazeta Mercantil de 22 de maio de 2003 o diretor de exportações da AGCO do Brasil, André Rorato, informou que no primeiro quadrimestre de 2003 essa empresa havia exportado 300 colheitadeiras (produzidas na unidade de Santa Rosa – RS) para a Argentina. E segundo o diretor da John Deere para a América Latina, Martin Mundstock, nesse mesmo período essa empresa vendeu 150 tratores e 332 colheitadeiras (naquela época, ambos produzidos na unidade de Horizontina – RS) para a Argentina. Segundo esses diretores, os produtores rurais argentinos estavam capitalizados (inclusive, pagavam à vista) porque a moeda da Argentina estava desvalorizada, o que diminuiu suas dívidas (fixadas em pesos) em um contexto em que os preços internacionais das commodities agrícolas estavam em alta (ARGENTINO, 2019).
167
aparentemente, o volume de desembolsos desse programa regrediu. Por exemplo,
na safra de 2005/2006 o volume disponibilizado por esse programa caiu para R$
1,4 bilhão e na safra de 2006/2007 foi de R$ 1,5 bilhão. Na safra 2008/2009 o
volume subiu para R$ 2,5 bilhões, mas na safra 2009/2010 voltou a cair, fechando
em 2 bilhões de reais (BRASIL/MAPA, 2009). Nas safras 2010/2011 e 2011/2012
o volume de desembolsos do Moderfrota foi de R$ 1 bilhão em cada safra,
acrescido de mais meio bilhão de reais, por safra, para a linha do Programa
Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) – que havia sido criado a
partir do plano safra 2010/2011 (BRASIL/MAPA, 2011) –, contido no próprio
Moderfrota. Na safra 2012/2013 o volume de recursos do Moderfrota caiu ainda
mais, fechando em R$ 150 milhões (BRASIL/MAPA, 2012) e na safra 2013/2014
em R$ 160 milhões (BRASIL/MAPA, 2015).
Porém, há de se lembrar que a partir de junho de 2009 um novo programa
de financiamento para investimento rural passou a atuar paralelo e, em alguns
momentos, acima do Moderfrota. Ocorre que na intenção de combater a crise de
2008, mantendo a política de crescimento econômico, o governo Luiz Inácio Lula
da Silva (Lula) lançou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), também
vinculado ao BNDES, com a intenção de fomentar o setor de bens de capital.
Inclusive, esse programa continha uma linha de crédito para financiar a aquisição
de máquinas e implementos agrícolas, o PSI Rural (PSI/Moderfrota)232. A partir do
plano agrícola e pecuário 2011/2012, verificamos que o montante de empréstimos
concedido via PSI/Moderfrota233 começou superar a quantidade do orçamento do
Moderfrota. Na safra 2011/2012 o volume programado pelo PSI alcançou R$ 4
bilhões, contra R$ 1,5 bilhão do Moderfrota; na safra 2012/2013 os recursos do
PSI chegaram a R$ 6 bilhões, contra apenas R$ 150 milhões do Moderfrota; na
safra 2013/2014 o orçamento do PSI continuou em R$ 6 bilhões e o do Moderfrota
foi de R$ 160 milhões; na safra 2014/2015 o volume do Moderfrota ficou em R$ 940
milhões enquanto que o do PSI Rural subiu para R$ 9,5 bilhões; e na safra
232 O PSI Rural dividia-se em dois grupos, o PSI Cerealista para os produtores rurais investirem na construção de armazéns e o PSI/Moderfrota para a aquisição de máquinas e implementos agrícolas. A partir do plano agrícola e pecuário 2013/2014 o PSI/Moderfrota também passou a financiar aos produtores rurais a aquisição de caminhões, com taxas de juros de 4,0% ao ano (BRASIL/MAPA, 2013). 233 Citaremos dados apenas do PSI/Moderfrota destinado à aquisição de máquinas e implementos agrícolas. Lembrando que o programa Moderfrota original (criado em 2000) permaneceu paralelo ao PSI/Moderfrota, que portanto era uma linha de financiamentos do próprio Moderfrota.
168
2015/2016 o volume do Moderfrota subiu para R$ 3,7 bilhões, enquanto que o do
PSI Rural caiu para R$ 6,4 bilhões (BRASIL/MAPA, 2011, 2012 e 2015).
Porém, no final de 2015, portanto já no segundo governo Dilma Rousseff
(Dilma), foi anunciado o fim do PSI, então o Moderfrota voltou a ser o principal
programa para financiar a aquisição de máquinas e implementos agrícolas.
Ao considerarmos o crescimento que ocorreu nas vendas internas, bem
como na produção de tratores de rodas e colheitadeiras agrícolas, ocorrido no
período 2006-2013 (gráficos 15 e 16), observamos que a retomada das vendas e
da produção desse segmento industrial coincide com um período em que as taxas
de juros para investimento rural baixaram. Pelos dados dos planos agrícolas e
pecuários, constatamos que os juros do Moderfrota baixaram de 9,5% a.a., na safra
2009/2010, para 5,5% a.a. a partir da safra 2012/2013. E há de se lembrar que a
partir da safra 2009/2010 já havia a linha Moderfrota do Pronamp (para médios
produtores) com taxas de juros de 7,5% a.a. O PSI Rural (PSI/Moderfrota) também
utilizou taxas de juros mais baixas, de 5,5% a.a. nas safras 2012/2013 e 2013/2014
e de 4,5% a.a. na safra 2014/2015 (e com juros de 6% a.a. para produtores com
renda maior que R$ 90 milhões)234.
Outro fator que beneficiou as vendas internas nesse período foi a valorização
cambial, pois a cotação do dólar caiu progressivamente, passando de 2,43 reais,
em 2005, para 1,67 no ano de 2011 (IPEADATA, 2020). Assim como ocorreu no
início daquela década, aumentou o poder de investimento dos agricultores.
Por outro lado, verificamos que a partir de 2015 os juros voltaram a subir.
Por exemplo, para a safra 2015/2016 o crédito via Moderfrota e PSI Rural (último
ano desse programa) foi de 7,5% a.a. para produtores com renda anual bruta de
até R$ 90 milhões e de 9% para os produtores com renda superior. Na safra
2016/2017 os juros do Moderfrota subiram ainda mais, para 8,5% a.a. para
produtores com renda bruta anual de até R$ 90 milhões e para 10,5% a.a. para os
produtores com renda superior (BRASIL/MAPA, 2015 e 2016).
Se no período 2006-2013 a redução das taxas de juros contribuiu para um
considerável aumento nas vendas internas, bem como na produção de tratores de
234 Como a inflação começou aumentar a partir de 2013 os juros reais se tornaram baixos, inclusive negativos. Por exemplo, na safra de 2012/2013 o juro real para investimento pela linha Pronamp foi de -1,59; na safra 2013/2014 foi de -1,90 e na safra 2014/2015 foi de -3,11% a.a. Mas, nas safras seguintes os juros voltaram a subir (BRASIL/MAPA, 2016).
169
rodas e de colheitadeiras de grãos (como ressaltamos anteriormente), a partir de
2015 (com aumento dos juros) as vendas desse segmento industrial caíram
consideravelmente, mantendo-se em baixa até 2017. Por exemplo, as vendas de
tratores que haviam alcançado 65.089 unidades no ano de 2013, em 2015 caíram
para 37.381 e em 2017 para 35.622 unidades. As vendas internas de
colheitadeiras, que em 2013 haviam alcançado 8.539 máquinas, em 2015 caíram
para 3.917, também mantendo-se em baixa até 2017 (gráficos 15 e 16).
Como mencionamos anteriormente, durante a queda das vendas, ocorrida
no período 2004/2005, as grandes empresas amenizaram os efeitos do
encolhimento do mercado interno exportando uma parte significativa da produção.
Porém, a partir da nova recessão (especialmente a partir de 2015) a indústria
brasileira de máquinas agrícolas não conseguiu ampliar suas exportações. Por
exemplo, segundo os dados da Anfavea (2020), constatamos que no biênio
2014/2015 a quantidade exportada de tratores caiu de 9.428 para 7.338 unidades,
enquanto que a de colheitadeiras caiu de 1.026 para 386 unidades. No ano de 2017
o volume das exportações de tratores aumentou discretamente para 8.441
máquinas, enquanto que o de colheitadeiras subiu para 1.006235. Contudo, a partir
de 2018, tanto as vendas externas de tratores como as de colheitadeiras de grãos
voltaram a cair. No ano de 2019 as exportações de tratores reduziram-se a 6.497
unidades, enquanto que a de colheitadeiras caiu para apenas 486.
Há de se ressaltar que o pequeno aumento nas vendas internas de tratores
e colheitadeiras agrícolas que se verifica a partir de 2017 (pelos mesmos gráficos
15 e 16), coincide com os planos safra 2017/2018 e 2018/2019 (lançados pelo
governo Michel Temer), nos quais a taxa de juros do Moderfrota diminuiu de 8,5
para 7,5% para produtores com renda de até 90 milhões, permanecendo em 10,5%
a.a. para produtores com renda superior (na safra 2017/18). Mas, a partir da safra
2018/2019 os juros do Moderfrota voltaram a subir para 9,5%236.
235 De acordo com uma reportagem elaborada por Zafalon (2019), no período de janeiro a julho de 2017 as fábricas de máquinas agrícolas instaladas no Brasil exportaram 4.342 tratores agrícolas e 802 colheitadeiras de grãos à Argentina. Inclusive, nos últimos anos, Cuba também começou importar especialmente colhedoras de cana produzidas no Brasil. 236 O plano agrícola e pecuário 2019/2020 (lançado já durante o governo de Jair Bolsonaro) programou um investimento de R$ 9,7 bilhões para o Moderfrota, mas as taxas de juros voltaram a subir para 8,5% para os produtores rurais com faturamento anual de até R$ 90 milhões e para 10,5% a.a. para produtores com faturamentos acima desse valor. Além disso, desde 2017 o prazo máximo para quitar a dívida caiu de 8 para 7 anos (BRASIL/MAPA, 2019).
170
Enfim, observamos que a produção e as vendas internas de máquinas
agrícolas respondem aos estímulos do volume de crédito rural disponibilizado
(crescendo juntamente com ele), bem como às taxas de juros utilizadas
(aumentando quando os juros caem).
Aliás, Bielschowsky, Squeff e Vasconcelos (2015) afirmam que no campo da
macroeconômica o que se requer é políticas que combinem a estabilidade de
preços com o crescimento econômico e os investimentos; isto é, uma política fiscal
que não barre os investimentos e uma política cambial favorável à estabilização
inflacionária, mas que não atrapalhe a competitividade da indústria nacional, que
melhore os salários e a distribuição de renda. Para esses autores, as taxas de juros
devem priorizar os investimentos produtivos, não a especulação financeira.
6.2 Políticas Econômicas dos Governos Lula e Dilma: Crescimento
Econômico Mas com Persistência da Desindustrialização
Para alguns autores os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) não
foram homogêneos. Por exemplo, Carvalho (2018) define esse momento da política
econômica brasileira com uma metáfora, chamando de “valsa brasileira”, pois no
seu entendimento esse período se caracterizaria por vários tempos: um marcado
por um “passo à frente”, seguido por outro que se definiria como um “passo ao
lado”, sucedido por outro com “um passo atrás”. Assim por diante.
Não analisaremos profundamente a política econômica desse período,
basicamente porque não é o principal objetivo dessa pesquisa e porque
demandaria um estudo específico, tamanha a complexidade. Porém, acreditamos
que é necessário realizar algumas considerações sobre as políticas desses
governos, mais particularmente no que concerne à indústria de máquinas agrícolas.
De acordo com o mesmo estudo de Carvalho, observamos que pelo menos
no primeiro triênio do primeiro governo Lula (2003-2005) – período no qual a
produção e as vendas internas da indústria de máquinas agrícolas regrediram,
como mencionamos anteriormente – não ocorreu um considerável crescimento
econômico, mas iniciou uma política de transferência de renda (principalmente via
171
Bolsa Família)237, pois se manteve as taxas de juros altas238 (o que dificultou
inclusive o credito rural, como mencionamos anteriormente) e se investiu pouco,
pois teve que se priorizar o superávit primário (de cerca de 4,25%), o que
impossibilitou o governo de gastar em um contexto de baixas arrecadações.
Mas, segundo a própria Carvalho (2018) a partir do segundo mandato o
governo Lula conseguiu estimular o crescimento econômico, por meio da expansão
do crédito e dos investimentos públicos. Há de se ressaltar que o instrumento que
mais contribuiu para a retomada do desenvolvimento econômico, nesse período,
foi o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no início de 2007239.
Como abordamos anteriormente, a ampliação de recursos do Moderfrota e
a criação do PSI Rural, ocorridos a partir do segundo governo Lula, bem como a
redução das taxas de juros para investimento rural, especialmente durante os
primeiros anos do primeiro governo Dilma, beneficiaram a indústria de máquinas
agrícolas instalada no país ao fomentar a demanda interna de tratores,
colheitadeiras e implementos agrícolas. Porém, como destacaremos a seguir, o
PAC não alcançou o estímulo esperado sobre a indústria brasileira em geral.
Aliás, o estudo de Ramos e Matha Júnior (2010) nos mostra que a
participação direta do governo federal no crédito rural vem diminuindo nas últimas
décadas. Por exemplo, na década de 1970 a participação do Tesouro Nacional
chegou à média de 84% do total de crédito rural disponibilizado, sendo que no ano
de 1979 alcançou 87,2%. Na primeira metade da década de 1980, como no ano de
1984, a sua participação atingiu 90,1%. A partir de 1986 foi criado a Caderneta de
Poupança Rural com a finalidade de captar recursos públicos para se aplicar na
agricultura. Inclusive, a partir dos últimos anos dessa década, bem como durante a
primeira metade dos anos 1990, os recursos da Poupança Rural se tornaram
importantes; em alguns anos, como em 1992, captando quase a metade do total de
237 A participação dos rendimentos dos trabalhadores na renda total do país, no período 2004 a 2013, aumentou de 52,5 para 57,4% (CARVALHO, 2018). 238 Por exemplo, em abril e maio de 2003 a taxa Selic chegou a 26,32% a.a.; em novembro e dezembro de 2004 caiu para 17,23%; em maio e junho de 2005 subiu para 19,75; no primeiro trimestre de 2006 alcançou 17,26% a.a. e só começou cair a partir de 2006 (último ano do primeiro governo Lula), até chegar à taxa de 10,66% em julho, agosto e setembro de 2010 (BACEN, 2019). 239 Criado em janeiro de 2007 e com metas para o período 2007-2010 o PAC continha um conjunto de medidas que objetivavam desonerar alguns setores produtivos, de modo a incentivar o investimento privado e aumentar os investimentos públicos. Grosso modo, esse programa do governo federal utilizava, principalmente, recursos do FGTS para aumentar o volume de crédito disponível, sobretudo para investir em saneamento, habitação e infraestrutura (MORAES, 2019).
172
crédito rural disponibilizado. Porém, a participação do Tesouro Nacional no crédito
rural começou reduzir consideravelmente, caindo para apenas 0,1% em 1999,
zerando no ano de 2000240.
Na década de 2000 (“governos do PT”) a participação da Poupança Rural
voltou a ser importante, em alguns anos (como em 2005) alcançando 25,5% do
total de crédito, além dos recursos obrigatórios (captados dos depósitos à vista nos
bancos públicos) que em alguns anos, como em 2007, contribuíram com 55,5% do
total de crédito rural disponibilizado. Porém, observamos que a participação do
governo federal na dotação de recursos ao crédito rural, embora que tenha sido
retomada nesse período, foi bem aquém da participação do Tesouro Nacional
ocorrida na década de 1970241.
A partir do gráfico 17, podemos observar a evolução dos desembolsos do
BNDES no Finame, o que nos permite avaliar a sua participação nos investimentos
aplicados no setor de máquinas e equipamentos:
Gráfico 17 Desembolsos do BNDES – Finame – 1991-2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da FGV/IBRE organizados pelo Observatório (2019a).
240 Verificamos que na década de 2000 a maior participação do Tesouro Nacional no crédito rural foi de 3,8% no ano de 2004, mas em 2008, por exemplo, foi de apenas 0,6% (RAMOS; MARTHA JÚNIOR, 2010). 241 Ramos e Martha Júnior (2010) também ressaltam a participação que tem tido o BNDES no crédito rural, que em anos como 2004 contribuiu com 11,4% do total.
11
.56
5
15
.92
0
36
.17
8
21
.16
3
30
.65
1
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.89
5
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4 10
6.8
06
16
2.1
83 2
05
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16
7.7
49
21
9.1
29
47
.36
1
47
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15000
30000
45000
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120000
135000
150000
165000
180000
195000
210000
225000
240000
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19
92
19
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00
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16
20
17
20
18
Milh
ões d
e R
$ d
e jan./1995
BNDES - Finame Linear (BNDES - Finame)
173
Como podemos observar, os investimentos do BNDES/Finame aumentaram
a partir do ano 2000, mas o grande salto ocorreu a partir do segundo governo Lula
(1997-2010) e durou até 2011, regredindo no ano de 2012, embora que se
mantendo em alta até 2014. Porém, durante o segundo mandato da presidente
Dilma (2015-2018) – que seria afastada do poder a partir de agosto de 2016, sendo
substituída pelo seu vice, Michael Temer – os desembolsos do BNDES no Finame
caíram vertiginosamente, de modo que nos anos de 2017 e 2018 os valores
voltaram a níveis de 2003. Há de se ressaltar que se de 2009 a 2011 o volume de
desembolsos duplicou, por outro lado, os recursos do ano de 2016 não chegaram
a 30% dos valores de 2014, por conseguinte ocorrendo uma queda de 71% em
apenas 2 anos242.
Há de se ressaltar que a participação efetiva do Estado no planejamento e
no fomento econômico não foi tão expressiva como, aparentemente, retratam os
dados referentes aos desembolsos do BNDES que organizamos no gráfico 17.
Acreditamos que uma análise mais cuidadosa nos mostraria que o crescimento que
ocorreu no período 2006-2014 foi expressivo, mas inclusive porque os níveis de
investimento na década de 1990 foram muito baixos, então ocorreu um
superdimensionamento do crescimento ocorrido a partir do segundo mandato do
governo Lula e no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
A partir dos dados do gráfico 18, podemos analisar a evolução da taxa de
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – investimentos em maquinário e outros
bens de capital destinados à produção – no Brasil, além de comparar a participação
dos setores público e privado nos investimentos (em relação ao PIB do país), no
período 1965 a 2018. Os dados desse gráfico nos permitem observar que o
percentual de FBCF cresceu no período 1965 a 1975, mas reduziu no biênio
seguinte, voltando a crescer de 1977-1981, ano em que alcançou 24,3% do PIB;
mas voltaria a decrescer no período 1982-1985, se recuperando na segunda
metade da década de 1980, chegando a 26,9% no ano de 1989. Por outro lado,
verificamos que na década de 1990 a taxa de FBCF reduziu consideravelmente
(gráfico 18).
242 Se resgatarmos, mais uma vez, os dados dos gráficos 15 e 16, verificaremos que a produção e as vendas internas de máquinas agrícolas, grosso modo, acompanharam a dinâmica dos desembolsos do sistema BNDES, inclusive porque, como mencionamos anteriormente, o Moderfrota e o PSI Rural foram de suma importância para os investimentos em máquinas agrícolas.
7
Gráfico 18 Taxa de investimentos (FBCF) públicos e privados sobre o PIB do Brasil – 1965-2018
Nota: O que se investe em máquinas e equipamentos; em construção civil e em inovações (OBSERVATÓRIO, 2019b).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da FGV/IBRE organizados pelo Observatório (2019b).
14,71
19,11
23,33
21,35
24,31
18,01
26,86
18,11
20,75
17,0216,60
19,39
20,53 20,91
15,83
6,79
7,27 7,56
5,79
8,41
10,589,50
8,45
6,60
7,33
5,13
6,47
4,35
4,98
3,48
3,90
2,43
3,25
2,59
3,524,02
4,56
3,75
4,06 3,95
2,28
1,85
2,43
7,92
12,34
14,92
11,84
16,98
12,73
21,32
13,45
16,80
14,58
15,75
14,02
15,87
16,85
13,39
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
16,00
18,00
20,00
22,00
24,00
26,00
28,00
30,00
19
65
19
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19
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19
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19
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19
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01
20
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20
15
20
16
20
17
20
18
% P
IB
Taxa de investimento total (FBCF) Investimentos públicos Investimentos privados
175
Há de se notar que a partir de meados da década de 2000 a taxa geral de
investimentos começou se recuperar, especialmente no período 2006-2010,
mantendo-se em alta até 2013, mas com percentuais inferiores aos alcançados na
década de 1970 e no final dos anos 1980. Porém, o que nos chama a atenção é a
queda na participação dos investimentos públicos a partir de 1976. Observamos
que naquele ano a participação pública na FBCF equivalia a 10,6% do PIB do país,
mas em 1980 já havia caído para 6,6%, fechando os últimos anos daquela década
com uma participação inferior a 6%. Há de se ressaltar que na década de 1990 a
participação do Estado brasileiro nos investimentos foi ainda menor, como em
1999, que alcançou apenas 2,4% do PIB.
Os dados do gráfico 18, também nos mostram que durante o primeiro
governo Lula (2003-2006) a participação dos investimentos públicos permaneceu
estagnada e abaixo de 3% do PIB. Durante seu segundo mandato a participação
estatal aumentou, atingindo 4,6% no ano de 2010. Porém, há de se notar que não
chegou à metade dos investimentos públicos do ano de 1976.
Observamos que durante o primeiro governo Dilma (2011-2014) a
participação dos investimentos públicos, manteve-se estagnada, não alcançando a
média anual de 4% e, inclusive, regredindo a partir do seu segundo mandado
(2015) a ponto de em 2017 (portanto, já no governo Temer) atingir a menor
participação em um período de 53 anos, apenas 1,85% do PIB. Há de se observar
que a taxa geral de investimentos (públicos e privados) no ano de 2017 voltou aos
níveis de 1966, alcançando pouco mais de 15% do PIB243.
Contrariando o entendimento de importantes intelectuais brasileiros, como
André Singer, que afirmou que a presidente Dilma realizou um ousado programa
de redução de juros, desvalorização da moeda, controle de capitais, subsídios ao
investimento público etc., mas que os empresários se uniram contra o
intervencionismo de um governo “desenvolvimentista”244, Carvalho (2018) critica
essa política econômica, pois, no seu entendimento, um governo que reduz
investimentos públicos jamais poderia ser considerado “desenvolvimentista” se
243 Carvalho (2018), nos lembra que no período 2006-2010 os investimentos públicos do governo federal cresceram a 17% a.a. (inclusive devido à queda dos investimentos nos anos 1990), mas que no período 2010-2014 caíram para 1% a.a. 244 Para mais informações, ver o artigo Cutucando onças com varas curtas (SINGER, 2015). Katz (2016), por exemplo, prefere caracterizar os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), como “neodesenvolvimentistas”.
176
comparado, por exemplo, a governos de países como a China, que têm realizado
pesados investimentos públicos.
Ora, o Brasil tem realizado taxas de FBCF bem inferiores que da maioria dos
países em desenvolvimento. Por exemplo, pelo estudo de Ellery Júnior, Nascimento
Júnior e Sachsida (2018), constatamos que a taxa de FBCF do Brasil para 2016 foi
equivalente a 15,4% do seu PIB, ano em que a Argentina investiu 17,0%; que o
Peru aplicou 22,1%; o Chile, 22,2%; em que o México investiu 23,7%; o Equador,
25,2%; a Indonésia, 33,8% e que a China investiu o equivalente a 44,3% do seu
PIB. Há de se ressaltar que mesmo nos anos de 2010 e 2011, em que a taxa de
investimentos no Brasil alcançou 21,8% (nos dois anos), na China as taxas foram,
respectivamente, de 47,6 e 47,7%245.
Pelo gráfico 19, podemos observar a evolução da FBCF no segmento de
máquinas e equipamentos no período 1980-2018:
Gráfico 19 Evolução da FBCF na indústria brasileira de máquinas e equipamentos – 1980-2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE/SCN, organizados pelo Ipeadata (2019b).
245 Em 2016 o Vietnã obteve uma taxa de FBCF de 26,6%; a Turquia investiu 28,2%; a Índia aplicou 30,3%; Sri Lanka, 35,0%, entre outros. Nesse ano, do total de 23 países analisados, apenas a Guatemala obteve uma taxa de investimento menor que a do Brasil, 12,9% (ELLERY JÚNIOR; NASCIMENTO JUNIOR; SACHSIDA, 2018).
166.894
86.705
137.044
85.020
165.765
137.782
268.519
345.176
206.276
247.595
198
01
98
11
98
21
98
31
98
41
98
51
98
61
98
71
98
81
98
91
99
01
99
11
99
21
99
31
99
41
99
51
99
61
99
71
99
81
99
92
00
02
00
12
00
22
00
32
00
42
00
52
00
62
00
72
00
82
00
92
01
02
01
12
01
22
01
32
01
42
01
52
01
62
01
72
01
8
Em
milh
ões R
$ d
e 2
010
FBCF - Máquinas e equipamentos
177
Os dados desse gráfico nos mostram que a partir de 2003 aumentou a
Formação Bruta de Capital Fixo na indústria de máquinas e equipamentos. Porém,
se analisarmos a sua variação real, verificaremos que o crescimento não foi tão
expressivo e que, inclusive, oscilou bastante nesse período. A partir dos dados do
gráfico 20, podemos observar que os investimentos foram positivos no início da
década de 1970, mas que a partir dessa época ocorreram alguns picos, como em
1986 e em 1994, inclusive devido à queda que ocorreu nos anos anteriores. A partir
de 2002 ocorreu uma nova fase de crescimento, mas que foi interrompida em 2011
e se agravou especialmente no biênio 2014-2015 (gráfico 20).
Gráfico 20 Variação real da FBCF na indústria brasileira de máquinas e equipamentos – 1971-2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE/SCN, organizados pelo Ipeadata (2019a).
Há de se observar que a indústria vem perdendo espaço no PIB brasileiro.
Por exemplo, durante o governo JK (1956-1961) a sua participação média foi de
24,4% (em alguns anos, como em 1961, atingindo 27,9%); no período 1972-1979
foi de 32,8%; de 1980-1989 subiu para 33,8%; de 1990 a 1994 caiu para 26,7%; no
período 1995-2002 (governo FHC) diminuiu para 15%; durante o governo Lula
19,67 21,11
-10,34
6,89
-21,91-22,63
29,07
-11,95
32,93
9,81
-15,76
9,711,7
21,6
-10,8
29,7
9,5
-22,3
15,44
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
25
30
35
40
197
1
197
3
197
5
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7
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9
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1
198
3
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5
198
7
198
9
199
1
199
3
199
5
199
7
199
9
200
1
200
3
200
5
200
7
200
9
201
1
201
3
201
5
201
7
Variação a
nual (%
a.a
.)
FBCF - Máquinas e equipamentosLinear (FBCF - Máquinas e equipamentos)
178
(2003-2010) subiu para 16,5% e no período 2011-2018 (governos Dilma/Temer)
retraiu para 12,4%. Nos últimos anos a maior participação da indústria de
transformação ocorreu em 2011, alcançando 13,9%. Aliás, a menor participação de
todo o período 1947-2018 ocorreu no ano de 2018, no qual a indústria de
transformação contribuiu com apenas 11,3% do PIB brasileiro (IPEADATA, 2019g).
De certa forma, observamos que as opções de políticas econômicas
utilizadas no Brasil, após 1980, contribuiram para a desendustrialização. Falamos
em “opção” porque a busca incessante pelo ajuste fiscal, como vem ocorrendo no
país, não é um modelo inquestionável, à medida que, por exemplo, já se mostrou
que é possível condicionar os investimentos à capacidade (muitas vezes, não
aparente) de se criar recursos, portanto, escapando das amarras orçamentárias.
Ora, pois como escreveu Schacht (1999, p. 637): “ousei vincular o aumento de
produção não ao capital poupado, mas à criação de recursos”246.
6.3 Uma Nota sobre os Ciclos Econômicos
Se observarmos atentamente a evolução das vendas internas, bem como da
produção de tratores e colheitadeiras automotrizes (gráficos 15 e 16), verificaremos
que, grosso modo, tem ocorrido crescimento durante a segunda metade das
décadas, mas tem retraído durante os primeiros anos do seguinte decênio. Isso
pode parecer acidental, mas há estudos que nos mostram que pode não ser. Por
exemplo, além da existência dos ciclos longos ou de Kondratiev (como
mencionamos no primeiro capítulo), há de se destacar a existência de ciclos
médios, também chamados de “juglarianos” em alusão ao economista francês
Clément Juglar, que em meados do século XIX (reforçando seu estudo no final
daquele século) observou a existência de ciclos com “aparência” comercial, que
começam se desenvolver à medida que os países se industrializam, nos quais a
economia prospera por períodos de 5 ou de até 7 anos, mas que em seguida
246 Por exemplo, na condição de Ministro da Economia da Alemanha, no período 1934-1937, Hjalmar Schacht estimulou o desenvolvimento econômico de seu país a partir de um ousado plano de investimentos públicos, apoiado na credibilidade de suas grandes empresas (dos conglomerados industriais dos setores siderúrgico e elétrico), captando recursos financeiros (o que o governo alemão não possuía naquele período), via emissão de títulos (Mefo). Grosso modo, Schacht percebeu que seria possível investir sem gerar inflação, desde que se utilizasse a capacidade produtiva ociosa das grandes empresas alemãs, aplicando em seus gargalos para investimentos, como na construção de rodovias e em outras grandes obras públicas (SCHACHT, 1999).
179
mergulha em crises, acompanhadas por um processo de liquidação (inclusive com
a falência das empresas mais fracas) e de recessão, que geralmente duram cerca
de 2 anos, mas que em alguns ciclos podem se estender por períodos maiores247.
Rangel (1983), verificou que no Brasil os ciclos médios possuem,
praticamente, 10 anos de duração, com a fase prospera coincidindo com a segunda
metade das décadas, enquanto que a fase recessiva ocorre nos primeiros anos da
década seguinte. Ou seja, verificamos que o desempenho da indústria brasileira de
máquinas agrícolas, grosso modo, tem acompanhado a conjuntura cíclica, os ciclos
médios da economia brasileira.
Outro fator importante apontado por Rangel, é que durante as fases
recessivas da economia brasileira não ocorre apenas uma instabilidade econômica,
mas também institucional. Por exemplo, ele lembra que a recessão da primeira
metade da década de 1950 culminou com a queda de Getúlio Vargas em 1954.
Depois de uma fase de prosperidade (no contexto do Plano de Metas do governo
JK), novamente ocorreu uma recessão nos primeiros anos da década de 1960,
levando ao afastamento do governo João Goulart (em 1964) e à chegada dos
governos militares; que por meio de planos, como o investimento em habitação e
outras obras pública, PND’s, entre outros, conseguiram estender a nova fase de
prosperidade até meados da década de 1970, inclusive resistindo com a economia
em um bom desempenho até o final dos anos 70. Aliás, verificamos que a recessão
da primeira metade da década de 1980 (logo após Rangel ter publicado seu artigo)
derrubou do poder o próprio governo militar.
Provavelmente, se tentássemos atualizar o entendimento de Rangel,
perceberíamos que apesar dos problemas do Plano Cruzado a economia brasileira
ensaiou uma recuperação durante a segunda metade dos anos 1980, mas que a
247 Juglar (1889), percebeu que esses ciclos ocorrem, basicamente, porque durante a fase de prosperidade aumentam os investimentos, pois a lucratividade é atraente e existe disponibilidade de capital e a juros baixos. Porém, a capacidade produtiva aumenta em um contexto em que ocorre um excesso de crédito, interrompendo a circulação de capitais (especialmente da moeda), o que faz aumentar os juros e desvalorizar a moeda, o que resulta em aumento dos preços (inflação), desde o custo das matérias-primas até do produto final. No seu entendimento, nos períodos de prosperidade ocorre especulação com o preço da terra e aumento dos alugueis, o que também contribui para a redução da taxa de lucros, de modo que em algum momento o processo entrará em crise. Em seguida a economia mergulhará em um processo de liquidação (dos estoques encalhados, o fechamento de parte das empresas etc.) e chegará à recessão. Um novo ciclo prospero só iniciará a partir do momento em que os preços das matérias-primas, dos salários e juros baixem a ponto de viabilizar novamente os investimentos. Com isso, se abre oportunidade para que grande quantidade de capital seja realocado.
180
partir do início da década de 1990 se escancarou outra recessão, que inclusive
coincidiu com o impeachment do governo Collor de Mello em 1992. Poderíamos,
também, pensar que não ocorreu uma retomada do crescimento econômico
durante a segunda metade dos anos 1990, como deveria ter ocorrido, devido à
abertura econômica e às políticas contracionistas do governo FHC. Além disso,
verificaríamos que durante o primeiro governo Lula (primeira metade da década de
2000) a retomada do crescimento foi discreta, mas que a partir do seu segundo
mandato (mais uma vez durante a segunda metade da década) ocorreu uma nova
fase de prosperidade e que aconteceu justamente devido à retomada dos
investimentos públicos (programas como o PAC, PSI etc.), o que refletiu inclusive
no aumento das vendas e da produção de máquinas agrícolas.
Aliás, verificamos que o aumento da inflação (ainda que menos
intensamente do que ocorreu no início das décadas de 1980 e 1990), da ociosidade
do setor produtivo, do desemprego, enfim, a nova fase recessiva que começou se
evidenciar a partir de 2013 (portanto, no início da década de 2010) e, de forma mais
clara, a partir de 2015, mais uma vez levou à instabilidade institucional, inclusive
resultando no afastamento da presidente Dilma Rousseff (ocorrido em 2016).
Enfim, para não nos estendermos demasiadamente sobre essa questão, que
não é o objetivo principal dessa pesquisa, ressaltamos que o caráter cíclico da
economia (e com suas consequências sobre as instituições públicas) justifica a
importância do planejamento, tarefa que devido a sua complexidade exige o
protagonismo de importantes instituições estatais, especialmente dos ministérios
da Economia e do Planejamento.
6.4 Valorização Internacional das Commodities e as Vendas de Máquinas
Agrícolas
Quando se analisa a formação de demanda para a indústria de máquinas
agrícolas, além do crédito para investimento, como analisamos anteriormente, há
de se considerar outros fatores que possam influenciar nas vendas e,
consequentemente, na produção desse segmento industrial. Um desses fatores é
a dinâmica de preços das commodities, especialmente das agrícolas (ver gráficos
21 a 24).
181
A partir dos dados do gráfico 21, podemos analisar a evolução do preço
internacional do petróleo e pelo gráfico 22 a variação do preço dos minérios não
preciosos no período 1995-2018:
Gráfico 21 Evolução dos preços internacionais do petróleo bruto – 1995-2018
Nota: *Brent API de mistura leve 38 °, preço local FOB do Reino Unido (US$/barril).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da UNCTAD (2019a).
Gráfico 22 Evolução dos preços internacionais dos minérios não preciosos – 1995-2018
Nota: *Minerais, minérios e metais não preciosos.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da UNCTAD (2019b).
17,1 20,612,7
28,324,4
28,9
54,4
72,7
97,6
61,9
79,6
112
98,9
52,4
44
54,4
71,1
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
201
3
201
4
201
5
201
6
201
7
201
8
US
$ p
or
barr
il
Petróleo bruto* Linear (Petróleo bruto*)
58,352,8
44,3 44,949,2
124,5
164
122,4
170,1
190,8
158,8155,7
100
101,4
127,5130,8
0
15
30
45
60
75
90
105
120
135
150
165
180
195
210
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
201
3
201
4
201
5
201
6
201
7
201
8
Índic
e, 2
01
5 =
100
Minérios em geral* Linear (Minérios em geral*)
182
Os dados do gráfico 21, referem-se a evolução dos preços internacionais do
petróleo bruto, no qual observamos que no período 2005-2012 eles subiram acima
da tendência (linear do gráfico). Por exemplo, de 2002 a 2008 o preço do petróleo
saltou de US$ 25,00 para US$ 97,60 o barril. Porém, há de se observar que a
cotação desse importante insumo produtivo decresceu bruscamente de 2014 a
2016.
Como podemos observar pelos dados do gráfico 22, no período 2006-2011
os preços internacionais dos minérios não preciosos, assim como ocorreu com o
petróleo bruto, também cresceram acima da tendência. Por exemplo, do ano de
2002 a 2008 os preços aumentaram 265%, mas de 2011 a 2015 (semelhante ao
que ocorreu com os preços do petróleo) também caíram consideravelmente.
No gráfico 23, expomos dados referentes à evolução dos preços
internacionais de algumas commodities agrícolas, tais como do milho e do
complexo da soja (grãos, farelo e óleo).
Gráfico 23 Preços internacionais de algumas commodities agrícolas selecionadas – 1995-2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da UNCTAD (2019a).
Esses dados nos mostram que os preços internacionais de algumas das
259,3
195,8
306,5 268,6
521,9
423,6
595,5
394,4
625,1 625,9
338,1
618,2544,6
1.260,8
853,1
1.297,7
755,6789,2
196,9275,8
165,2259,9
227,4
442,1 408,7
543,5
350,2 405,2
125,1 90123,1
227,9 195,1
300,7
172,4
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
1200
1300
1400
199
5
199
6
199
7
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
201
3
201
4
201
5
201
6
201
7
201
8
US
$ p
or
tonela
da
Soja a granel - EUA Óleo de soja a granel - Holanda
Farelo de soja a granel - Hamburgo Milho - EUA
183
principais commodities agrícolas, também tiveram um aumento considerável no
período que coincide com o governo Lula (2003-2010) e durante os dois primeiros
anos do primeiro governo Dilma. Apesar das oscilações, de 2005 a 2012 o preço
da tonelada de milho passou de US$ 98,9 para US$ 300,7 e de 2002 a 2008 passou
de US$ 212,7 para US$ 521,9. Observamos que o preço da soja (do complexo,
inclusive) também disparou no triênio 2006-2008 e no biênio 2010-2011, mas
regrediu consideravelmente a partir de 2012, mais intensamente a partir de 2013.
Expomos esses dados sobre a evolução dos preços internacionais do
petróleo, minérios e de algumas commodities agrícolas porque verificamos que as
exportações brasileiras se beneficiaram do aumento dos preços internacionais
dessas commodities (gráfico 24).
Gráfico 24 Evolução das exportações brasileiras de algumas commodities selecionadas – 1996-2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Ipeadata (2019h).
Pelos dados desse gráfico, verificamos que do ano de 2003 a 2011 o valor
das exportações brasileiras de petróleo e gás natural aumentou 920%, enquanto
que o dos minerais metálicos aumentou 1.118%. Também observamos que a partir
de 2012 (até 2016) o valor total das exportações caíram notavelmente,
3,63
18,72
30,84
44,22
15,82 23,65
2,12
13,68
21,63
12,98
10,17
25,13
5,61 4,99
18,36
20,53
36,27
29,74
43,97
0
3
6
9
12
15
18
21
24
27
30
33
36
39
42
45
48
199
6
199
7
199
8
199
9
200
0
200
1
200
2
200
3
200
4
200
5
200
6
200
7
200
8
200
9
201
0
201
1
201
2
201
3
201
4
201
5
201
6
201
7
201
8
Bilh
õe
s d
e U
S$
Minerais metálicos Petróleo e gás natural Agricultura e pecuária
184
provavelmente devido à queda nos preços internacionais dessa commodities, como
mostramos nos gráficos 21 a 23.
Como podemos verificar pelo gráfico 24, as exportações brasileiras de
produtos agrícolas não tiveram o mesmo desempenho das exportações de minerais
metálicos, especialmente no período 2009-2011, porém o desempenho das
exportações de grãos foi melhor no período 2012-2016 do que das demais
commodities. Notamos que até 2008 o valor das exportações agropecuárias,
praticamente, acompanhou o volume das exportações minerais, mas a partir de
2013 a importância do setor agrícola ampliou. Há de se notar que nos últimos anos
o valor das exportações agropecuárias tem sido bem superior que das vendas
externas de minérios.
Comparamos o desempenho do setor agrícola em relação ao de outros
segmentos exportadores de commodities porque entendemos que o aumento do
preço internacional dos produtos agrícolas, bem como o aumento da participação
da agricultura nas exportações brasileiras, foi importante inclusive para as vendas
internas de máquinas agrícolas, como mostraremos adiante.
De acordo com Medeiros (2009), a desvalorização cambial e a adoção do
câmbio flutuante, ocorridas a partir de 1999, fez retomar as exportações do país ao
baratear os produtos brasileiros e ao tornar os importados mais caros. Mas, para
esse autor as exportações só deram um salto a partir de 2002 e 2003, já que haviam
caído nos anos de 1998 e 1999, portanto só recuperado o campo perdido248.
Ao analisar as políticas econômicas dos governos Lula e Dilma, Carvalho
(2018) ressaltou que a indústria não foi protagonista nas atividades econômicas do
país, nem mesmo durante o segundo governo Lula, no qual o PIB obteve melhor
desempenho249. No seu entendimento, a âncora do crescimento econômico,
verificado especialmente no período 2006-2010, se apoiou no boom das
commodities, no forte aumento dos preços internacionais das principais matérias-
248 De acordo com Medeiros (2009), a participação das exportações no PIB brasileiro saltou de 8,9%, em 1999, para 16% em 2004. De 1990 a 2000 a participação do Brasil nas exportações mundiais agrícolas passou de 2,4 para 2,8% e em 2007 chegou a 4,3%. No período 1994-2005 a quantidade de soja exportada pelos portos brasileiros passou de 5.403 mil para 22.435 mil toneladas. 249 A média do crescimento do PIB real brasileiro (a preços de mercado) durante o governo Lula (2003-2010), foi de 4,1% a.a., sendo que no primeiro mandato cresceu a 3,5% e no segundo a 4,6% a.a. (sendo que, por exemplo, em 2010 cresceu a 7,5%). Porém, durante o primeiro governo Dilma (2011-2014) o crescimento do PIB foi de 2,3% a.a., portanto, menor que do período 1995-2002 (governo FHC), no qual havia crescido a 2,4% (IPEADATA, 2019i).
185
primas (minérios, petróleo, farelo de soja etc.); portanto que quando os preços
declinaram o Brasil começou perder sua capacidade de financiar os programas
sociais e o aumento real do salário mínimo (programas de transferência de renda).
Apesar de concordarmos com Carvalho de que a indústria não foi a âncora
das políticas econômicas implantadas nesse período, há de se destacar que o
boom das commodities beneficiou o segmento da indústria de máquinas agrícolas
instalada no Brasil, particularmente ao formar demanda, ajudando a aumentar as
vendas internas250. Ocorre que, como aumentou o preço internacional dos produtos
agrícolas, também aumentou o poder de investimento (e de endividamento) dos
produtores rurais que inclusive expandiram a área cultivada, o que exigiu a
aquisição de novas máquinas e implementos agrícolas251.
Os dados dos gráficos a seguir nos permitem avaliar a importância do
aumento dos preços internacionais das commodities agrícolas, ao apresentarem a
relação de troca de produtos agrícolas por tratores e colheitadeiras de grãos.
Infelizmente a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) não fornece dados
de períodos contínuos, o que dificulta a análise, inclusive porque os modelos de
máquinas agrícolas mudam periodicamente; o que nos obriga dividir os gráficos em
duas fases, conforme os dados são disponibilizados.
A partir dos dados do gráfico 25, verificamos que as vendas internas de
tratores aumentaram nos períodos em que diminuiu a quantidade de produtos
agrícolas necessária para adquirir esse tipo de máquina. Por exemplo, no período
1998-2002 (em que aumentou as vendas de máquinas) a quantidade de milho
necessária para adquirir um trator caiu de 3.881 para 2.793 sacas (exceto no ano
de 2001), enquanto que a quantidade de soja caiu de 2.144 para 1.310 sacas. Por
outro lado, no período 2002-2005 as vendas de tratores caíram, enquanto que a
quantidade de produtos agrícolas para adquiri-los aumentou. Da mesma forma,
observamos que no período 2006-2010 as vendas voltaram a aumentar
consideravelmente, justamente quando a quantidade de produtos agrícolas para
adquirir um trator agrícola voltou a cair.
250 A elevação dos preços das commodities agrícolas também contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de máquinas agrícolas. Como mencionamos anteriormente, a partir de 2003 as fábricas expandiram suas vendas externas, especialmente para a Argentina. 251 Por exemplo, verificamos que a área ocupada com lavouras temporárias (soja, milho, cana-de-açúcar, trigo, algodão, entre outras culturas) passou de 45,4 milhões de hectares (ha.), no ano de 2001, para 58 milhões em 2005 e para 70,4 milhões de hectares no ano de 2014 (IBGE, 2019b).
186
Gráfico 25 Relação de troca de trator agrícola por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de tratores de rodas – 1998-2010*
Nota: *Quantidade necessária para adquirir um trator com potência de 75 cv. **Unidades vendidas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do DERAL organizados pela Conab (2003, 2004 e 2010) e Anfavea (2019).
Gráfico 26 Relação de troca de trator agrícola por produtos agrícolas
selecionados e vendas internas de tratores de rodas – 2010-2017*
Nota: *Quantidade necessária para adquirir um trator com potência de 75 cv (4 x 2). **Unidades vendidas. A Conab utilizou o período de novembro a novembro.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do DERAL organizados pela Conab (2017 e 2018) e Anfavea (2019).
Os dados do gráfico 26 nos mostram que as vendas de tratores, no país,
aumentaram nos anos 2011 a 2013, período em que diminuiu a quantidade de
sacas de soja necessária para adquirir um trator (no caso do milho não se observa
essa condição). Por outro lado, verificamos que as vendas de tratores voltaram a
cair em um contexto de aumento (embora que discreto) da quantidade de produtos
agrícolas necessária para adquirir uma máquinas de 75 cv de potência.
Se realizarmos uma análise sobre a relação de troca de produtos agrícolas
por colheitadeiras, constataremos até com mais clareza o condicionamento das
vendas internas à variação dos preços da soja e do milho. Pelos dados do gráfico
27, observamos uma nítida relação de queda nas vendas internas nos períodos em
que também caiu os preços dessas commodities, portanto sendo necessário maior
quantidade de produtos para adquirir uma máquina, como ocorreu no período 2004-
2005, por exemplo. Por outro lado, verificamos que as vendas começaram se
recuperar a partir de 2006, ano em que a quantidade de sacas de
produto/colheitadeira começou diminuir.
Gráfico 27 Relação de troca de colheitadeira por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de colheitadeiras de grãos – 2002-2010*
Nota: *Quantidade de produtos agrícolas necessária para adquirir uma colheitadeira com potência de 125 cv. **Unidades vendidas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do DERAL organizados pela Conab (2010) e
Anfavea (2019).
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
22.000
Sa
cas d
e 6
0 K
g
Soja Milho Vendas internas**
188
A partir dos dados do gráfico 28, observamos que no período mais recente
as vendas de colheitadeiras, grosso modo, também variaram conforme o preço da
soja, aumentando quando o preço desse produto subiu e diminuindo quando a
cotação da soja regrediu, por conseguinte sendo necessário maior quantidade de
produtos agrícolas para se adquirir uma colheitadeira. No caso do milho, já não se
observa tão nitidamente essa relação.
Gráfico 28 Relação de troca de colheitadeira agrícola por produtos agrícolas selecionados e vendas internas de colheitadeiras de grãos – 2010-2016*
Nota: *Quantidade de produtos agrícolas necessária para adquirir uma colheitadeira AGCO, marca Massey Ferguson, modelo 5650, com potência de 175 cv. **Unidades vendidas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do DERAL organizados pela Conab (2017) e Anfavea (2019).
Portanto, se recuperarmos os dados do gráfico 23, verificaremos que o
aumento nos preços intenacionais das principais commodities agrícolas, ocorrido
especialmente no período 2005 a 2012, também ajudou a aumentar o poder
aquisitivo dos proprietários rurais, à medida que reduziu o custo das máquinas
agrícolas em relação à cotação dos produtos agrícolas.
Como mencionamos anteriormente, a política nacional de crédito rural para
investimento (especialmente os programas Moderfrota e PSI Rural) foi de suma
importância para a indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas, no
6.8555.573 5.624 5.920 6.114 6.477
5.343 6.278
8.539
6.448
3.9174.498
13.27812.696
16.456 18.291
17.503
14.021
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
22.000
24.000
26.000
28.000
30.000
32.000
34.000
Sacas d
e 6
0 K
g
Soja Vendas internas** Milho
189
que se refere à formação de demanda interna252. De acordo com o entendimento
de Marx (1984c), que citamos no início desse capítulo, verificamos que a indústria
de bens de produção necessita de uma taxa de investimentos considerável, tarefa
que só um Estado empreendedor consegue realizar, já que as taxas de juros para
esse tipo de financiamento têm que ser atraentes ao setor produtivo (nesse caso,
à agricultura), o que dificilmente ocorre a partir da iniciativa privada.
Porém, entendemos que não se deve desprezar a influência que o boom do
preço das commodities agrícolas teve sobre o aumento das vendas de máquinas
agrícolas no Brasil, ocorrido especialmente na segunda metade da década de 2000.
Mas, em relação aos preços internacionais dos produtos agrícolas o governo
brasileiro não pode intervir o que, aliás, reforça o nosso entendimento sobre a
necessidade do planejamento econômico, isto é, o uso de instrumentos que
identifiquem as áreas com capacidade produtiva ociosa, que norteiem a captação
de recursos, bem como prospectem as áreas econômicas a serem impulsionadas
pelos investimentos.
No capítulo a seguir, analisaremos as particularidades da indústria brasileira
de máquinas agrícolas na atualidade.
252 Há de se ressaltar que especialmente a partir da segunda metade da década de 2000, além dessas políticas econômicas federais, outras políticas surgiram em alguns estados do Brasil com a intenção de aumentar as vendas de máquinas agrícolas a pequenos agricultores o que, consequente, beneficiou a indústria desse setor. Por exemplo, em 2006 (durante o governo de Roberto Requião) o Paraná criou o programa Trator Solidário, com a intenção de fomentar a venda de tratores agrícolas para os pequenos agricultores paranaenses (com estabelecimentos rurais com tamanho entre 12 e 80 hectares). Do ano de 2007 (quando iniciou o programa) até 2019 o Trator Solidário forneceu cerca de 12 mil tratores agrícolas a pequenos agricultores desse estado. Esse programa financia a aquisição de máquinas de 55 a 75 cv de potência, mas segundo os dados para os anos de 2017, 2018 e 2019, verificamos que ultimamente tem se financiado apenas tratores com 75 cv. Em média os tratores custam de 10 a 15% a menos que os preços de mercado. Desde 2015 esse programa também tem financiado a aquisição de pulverizadores agrícolas e colheitadeiras de grãos com motor acima de 175 cv. Detalhe, os tratores e as colheitadeiras financiados são da marca New Holland que, aliás, são fabricados na unidade da CNH Industrial, instalada na capital paranaense (SEAB, 2020).
190
CAPÍTULO VII
PARTICULARIDADES DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS
INSTALADA NO BRASIL
Mas, qualquer que seja o tipo, alguém só é um empresário quando efetivamente “levar a cabo novas combinações”, e perde esse caráter assim que tiver montado o seu negócio, quando dedicar-se a dirigi-lo, como outras pessoas dirigem seus negócios. Essa é a regra, certamente, e assim é tão raro alguém permanecer sempre como empresário através das décadas de sua vida ativa, quanto é raro um homem de negócios nunca passar por um momento em que seja empresário, mesmo que seja em menor grau. (SCHUMPETER, 1982, p. 56).
Na atualidade a indústria de máquinas agrícolas, instalada no Brasil,
apresenta uma produção diversificada e concentrada, basicamente, nos estados
do Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Nesse capítulo, analisaremos a distribuição e a concentração espacial da
indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas, além de estudarmos suas
particularidades. Estudaremos os fatores atrativos para as empresas desse setor.
Abordaremos a importância dos fatores tecnológicos, inerentes à fábrica
propriamente dita, no que se refere às inovações no processo produtivo;
averiguando a relevância dessas combinações tecnológicas para o
desenvolvimento desse segmento industrial.
7.1 A Localização da Indústria Brasileira de Máquinas Agrícolas na Atualidade
A partir dos dados do gráfico 29, podemos analisar a participação, por tipo
de equipamento, no valor total da produção da indústria brasileira de máquinas
agrícolas. Observamos que no ano de 2017 o valor da produção do segmento de
tratores agrícolas alcançou quase R$ 8 bilhões, sendo que R$ 7,09 bilhões veio da
produção de tratores (o restante foi da produção de componentes para tratores);
enquanto que o valor da produção de máquinas para a colheita alcançou R$ 4,39
bilhões, o que nos permite verificar que o maior valor da produção de tratores se
deve à maior quantidade de unidades produzidas, pois o preço unitário das
191
colheitadeiras é maior253.
Gráfico 29 Participação dos principais segmentos da indústria braliseira de máquinas agrícolas no valor da produção – 2017
Nota: *Refere-se ao valor da produção de tratores (R$ 7,09 bilhões), acrescido do valor da fabricação de carrocerias para tratores; peças e acessórios para tratores e serviço de produção de tratores agrícolas.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pesquisa Industrial Anual – Produto (IBGE, 2019d).
Por esse gráfico, observamos uma destacada participação das máquinas e
253 Se recorrermos mais uma vez aos gráficos 15 e 16 (no capítulo 6) e compararmos os dados, verificaremos que a quantidade de tratores produzida é bem maior que a de colheitadeiras de grãos. Por exemplo, no ano de 2018 foi produzido 49.851 tratores e 6.552 colheitadeiras no Brasil, por conseguinte, resultando na média de 7,6 tratores/colheitadeira. A maior quantidade de vendas de tratores é compreensível, devido ao seu custo/benefício. Observamos que enquanto as colheitadeiras são utilizadas apenas nos períodos de colheita, os tratores, por serem máquinas motrizes, são utilizados praticamente o ano todo e inclusive na pecuária, na fruticultura, entre outras atividades agrícolas. Pela pesquisa de campo – como pelas visitas de estudo que realizamos às unidades da John Deere, que fabrica colheitadeiras de grãos em Horizontina – RS; à AGCO Soluções Agrícolas, que fabrica tratores em Canoas – RS e à CNH Industrial, que fabrica colheitadeiras de grãos e tratores na cidade de Curitiba – PR – verificamos que existe uma grande quantidade de modelos, tanto de tratores agrícolas como de colheitadeiras de grãos, o que dificulta a comparação dos preços. Mas, podemos ter noção se compararmos, por exemplo, um trator da marca Case IH com uma colheitadeira da mesma marca. Enquanto que um trator Case IH, Magnun 340 (de grande porte), em fevereiro de 2019 estava sendo comercializado por, aproximadamente, R$ 750 mil, uma colheitadeira Case IH, Axial-Flow 7230 (também de grande porte) estava sendo vendida por cerca de 1,2 milhão de reais (informações que coletamos em pesquisa de campo realizada no Show Rural Coopavel, 2019).
7,09
0,24 0,17
1,95
0,47
4,39
2,39
7,98
0,861,32
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Tra
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Ara
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Bilh
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e R
$
192
implementos destinados à pulverização e ao plantio no valor da produção do setor
em geral, que no ano de 2017 contribuíram, respectivamente, com 1,95 e 2,39
bilhões de reais. Temos que notar que nesse mesmo ano o valor da produção de
implementos mais tradicionais, como arados, charruas e outros implementos para
o preparo do solo, juntos, alcançaram apenas 701 milhões de reais.
Há de se ressaltar que a pequena participação dos implementos tradicionais
e, por outro lado, o maior desempenho dos pulverizadores e das plantadeiras,
referem-se à intensificação do plantio direto254 que, de acordo com Salton, Hernani
e Fontes (1998), trata-se de um sistema de produção agrícola que se fundamenta
na ausência de revolvimento do solo o que, por um lado, reduz drasticamente o uso
de instrumentos para o preparo do solo (como arados, grades etc.) e, por outro
lado, requer a utilização de máquinas para a “capina química”, isto é, o uso de
herbicidas para dessecar as ervas invasoras e a adubação verde (a cobertura
vegetal do solo). Por tanto, esse sistema tem contribuído para aumentar a produção
de pulverizadores agrícolas.
Da mesma forma, constatamos que a destacada participação das máquinas
de plantio no valor da produção, também se refere às condições do plantio direto,
que por exigir a operação em meio à palhada seca (sem revolver o solo) requer a
utilização de plantadeiras de maior porte e, por conseguinte, com maior valor de
componentes agregados255.
No mapa 3, apresentamos a distribuição espacial da indústria que na
atualidade fabrica máquinas e implementos agrícolas no Brasil256:
254 De acordo com os dados dos censos agropecuários a quantidade de estabelecimentos rurais do Brasil que utiliza o plantio direto na palha passou de 506,7 mil, no ano de 2006, para 2,3 milhões em 2017. Nesse mesmo período a área ocupada com esse sistema de plantio passou de 17,9 milhões de hectares (ha.) para 33,1 milhões de ha. (IBGE, 2009 e 2019a). 255 Entendemos que a mudança de sistema de plantio, bem como do tipo de equipamentos, refletiu inclusive no perfil da indústria brasileira de máquinas agrícolas. Por exemplo, em pesquisa que realizamos em fevereiro de 2019 (também no Show Rural Coopavel) junto à empresa Baldan (de Matão – SP), que foi uma pioneira na fabricação de discos, arados e grades agrícolas (como mencionamos no terceiro capítulo), recebemos a informação de que na atualidade, ela tem fabricado mais equipamentos (lâminas, grades etc.) para o setor de terraplanagem do que para a agricultura. Aliás, na mesma feira agropecuária, verificamos que outra empresa de Matão – SP, a Marchesan (“Tatu”), que também foi pioneira na fabricação de discos, arados, grades e outros equipamentos para o preparo do solo, na atualidade tem diversificado sua linha de produção, inclusive fabricando até plantadeiras para o sistema de plantio direto. 256 Segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0), refere-se à classificação: 28.3 – Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária (IBGE, 2019c).
193
194
O IBGE não disponibiliza informações da Pesquisa Industrial Anual –
Empresa (PIA) para os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas
os dados referentes às regiões Sul e Sudeste nos permitem observar que 91,5%
das unidades produtivas da indústria de máquinas e implementos agrícolas,
localizam-se nessas duas regiões, que também são responsáveis por 95,2% do
valor bruto da produção desse segmento industrial.
Além dessa concentração regional, também podemos constatar uma
concentração das unidades produtivas, bem como do valor da produção, nos
estados de São Paulo e no Rio Grande do Sul. Pelos dados do gráfico 30, podemos
observar que RS e SP concentram, juntos, 74,2% do valor bruto da produção desse
segmento industrial. O Paraná também se destaca (com 11,81%), porém, como
trataremos a seguir, nos últimos anos vem perdendo importância. Santa Catarina
está na quarta posição, mas com uma participação bem inferior.
Gráfico 30 Participação de algumas unidades da federação no valor bruto da produção da indústria brasileira de máquinas e implementos agrícolas – 2017
Nota: VBP: Valor bruto da produção.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pesquisa Industrial Anual – Empresa (IBGE, 2019c).
40,99
33,25
11,81
6,35
2,814,79
Participação percentual no VBP
Rio Grande do Sul
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Minas Gerais
Outros
195
Como destacamos no terceiro capítulo, no início dos anos 1970 já se
observava uma concentração espacial da indústria de máquinas agrícolas nos
estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. A diferença é que naquela época SP
liderava no valor da produção.
A partir do gráfico 31, podemos observar a participação das principias
unidades da federação produtoras de máquinas e implementos agrícolas, onde
verificamos que, de certa forma, os dados refletem a evolução da produção
brasileira de tratores de rodas e de colheitadeira de grãos, conforme expomos nos
gráficos 15 e 16. Em outras palavras, ressaltamos que o valor bruto da produção
desse segmento industrial em São Paulo e no Rio Grande do Sul cresceu no
período 2009-2013, mas regrediu de 2013 a 2015, recuperando-se moderadamente
a partir de 2016. A participação do Paraná no valor bruto da produção, com exceção
do ano 2013, esteve praticamente estagnada nesse período:
Gráfico 31 Evolução do valor bruto da produção da indústria de máquinas e implementos agrícolas em SP, RS e no PR –2007- 2017
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pesquisa Industrial Anual – Empresa (IBGE, 2019c).
Pelo mapas 4, podemos observar a distribuição espacial da indústria de
máquinas agrícolas instalada no estado de São Paulo, segundo o tipo de atuação
da empresa e por subsegmento da produção industrial:
3,933,65
10,1
7,29
7,99
4,144,77
10,8
7,58
9,85
2,61 2,36
2,76
4,66
1,97
2,84
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
20
16
20
17
Bilh
õe
s d
e R
$
São Paulo Rio Grande do Sul Paraná
175
197
Nesse mapa expomos a localização das principais unidades fabricantes de
máquinas e implementos agrícolas em São Paulo, conforme informações que
retiramos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos
(ABIMAQ), dos anuários estatísticos da Anfavea, bem como da pesquisa de campo
(visitas de estudo) e dos sites das empresas (ver: referências). As empresas
pioneiras desse segmento se instalaram (ainda no final do século XIX) na região de
Campinas (como mencionamos nos capítulos 1 e 2) e posteriormente (a partir das
décadas de 1920 e 1930) em cidades como Americana (indústrias Nardini, por
exemplo), em Santa Bárbara D’Oeste (Indústrias Romi S.A.) e em Piracicaba
(empresa Dedini). Na região metropolitana de SP as cidades pioneiras nesse
segmento, foram Diadema (com empresas como a Fendt do Brasil, fábrica alemã
de tratores que atuou no país até o final dos anos 1960) e em Taboão da Serra,
com empresas como a Massey Ferguson (que atuou nesse município até o início
da década de 1980) e em Mogi das Cruzes (com empresas como a Valmet). No
município de São Carlos atuou, desde a década de 1960 até meados dos anos
1990, a Companhia Brasileira de Tratores (CBT).
Na atualidade, as principais empresas desse segmento industrial que atuam
em SP, são o grupo multinacional AGCO Corporation, que possui uma unidade
instalada no município de Mogi das Cruzes (que fabrica tratores pesados das
marcas Valtra e Massey Ferguson, bem como motores agrícolas) e outra em
Ribeirão Preto, que fabrica colhedoras de cana-de-açúcar (da marca Valtra) e
pulverizadores autopropelidos das marcas Valtra e Massey Ferguson. No município
de Sorocaba a multinacional CNH Industrial fabrica colheitadeiras de grãos das
marcas Case IH e New Holland e em Piracicaba está instalada uma unidade que
produz colhedoras de cana-de-açúcar e de café da marca Case IH, além de fabricar
pulverizadores autopropelidos das marcas Case IH e New Holland. Outra
multinacional que atua nesse estado é a Deere & Company, que possui um centro
de agricultura de precisão no município de Indaiatuba.
Além dos grupos estrangeiros, acima citados, destacamos a presença de
empresas nacionais que, na atualidade, fabricam máquinas ou implementos
agrícolas no estado de São Paulo. Por exemplo, na cidade de Pompéia (próximo à
Marília) está instalada a Jacto S.A., que fabrica especialmente pulverizadores
autopropelidos e colhedoras de café. Como destacamos no terceiro capítulo, essa
198
empresa foi pioneira no Brasil, tanto na fabricação de equipamentos para
pulverização, bem como na fabricação de colhedoras de café. No município de
Espírito Santo do Pinhal (na divisa com Minas Gerais) está instalada outra
fabricante nacional de máquinas para colheita de café, trata-se da Pinhalense S.A.
Em outros municípios paulistas também atuam outras fábricas de máquinas
agrícolas como, por exemplo, em Batatais onde atuam empresas como a Jumil e a
Bertanha, que fabricam diversos tipos de máquinas e implementos, tais como
colhedoras de café, carretas agrícolas, plantadeiras de grãos etc. No município de
Pindorama, destacam-se empresas como a MIAC Máquinas Agrícolas (pertencente
ao grupo industrial Colombo)257.
Outra empresa de capital nacional que atua em SP é a Agritech Lavrale S.A.
– de propriedade do Grupo Stédile de Caxias do Sul – RS –, que fabrica tratores
agrícolas no município de Indaiatuba, com tecnologia da marca japonesa
Yanmar258.
Também destacamos as empresas Baldan Implementos Agrícolas e
Marchesan (“Tatu”), que atuam no município de Matão. Elas iniciaram suas
atividades fabricando discos, arados de discos e grades de discos (para preparo do
solo), mas na atualidade a Machesan fabrica inclusive máquinas para plantio de
grãos, como destacamos anteriormente.
Pelo mapa 5, podemos analisar a distribuição espacial da indústria de
máquinas e implementos agrícolas no estado do Rio Grande do Sul, no qual
podemos observar uma concentração das principais fábricas na região
metropolitana de Porto Alegre, bem como nas regiões Norte e Noroeste Rio-
grandense. Por exemplo, no município de Canoas está instalada uma unidade da
AGCO (a AGCO Soluções Agrícolas), que fabrica tratores agrícolas das marcas
Massey Ferguson e Valtra (com potência de 50 a 140 cv), bem como uma unidade
da John Deere que fabrica tratores agrícolas no município de Montenegro259.
257 Essa empresa fabrica, além de diversos tipos de implementos agrícolas para o preparo do solo, vários modelos de máquinas para a colheita de amendoim, café, feijão, mandioca. Inclusive, recentemente ela lançou um modelo de colheitadeira automotriz inovadora (modelo Avanti C 360), que colhe desde grãos (soja e milho) até amendoim (MIAC, 2019). 258 A partir de 2001 o Grupo Stédile (que aliás também fabrica tratores e micro tratores da marca Agrale em Caxias do Sul – RS) adquiriu a divisão de tratores e motores agrícolas da Yanmar do Brasil, que desde a década de 1960 atuava no município paulista de Indaiatuba. 259 No município de Canoas também está instalada a PLA, fabricante de pulverizadores que tem origem argentina, mas que recentemente foi adquirida pela multinacional Deere & Company.
197
200
Por esse mapa, também podemos identificar que Dois Irmãos (localizado a
60 Km de Porto Alegre), destaca-se no segmento de máquinas agrícolas. Nesse
município está instalada a unidade da Mahindra do Brasil, uma filial da empresa
indiana que, na atualidade, é a maior fabricante mundial (em unidades) de tratores
agrícolas (MAHINDRA, 2018)260.
Na Serra Gaúcha também existem empresas destacadas nesse segmento
industrial. Por exemplo, em Caxias do Sul está instalada uma unidade fabricante
de micro tratores e tratores agrícolas da marca Agrale, de propriedade do Grupo
Stédile, proprietário da Agritech Lavrale S.A que também fabrica tratores agrícolas
no estado de São Paulo, como mencionamos anteriormente. Há cerca de 19 Km
de Caxias do Sul, destaca-se também o município de Flores da Cunha que abriga
a Franzoni Ind. e Com. de Máquinas Especiais Ltda., fabricante de tratores,
reboques e pulverizadores de pequeno porte, destinados especialmente à
fruticultura (FRANZONI, 2019).
No noroeste do estado, nos municípios de Passo Fundo e Carazinho, estão
instaladas unidades da Semeato, fabricante de implementos agrícolas
especialmente para o plantio (SEMEATO, 2019). Também em Passo Fundo a
multinacional francesa Kuhn possui uma unidade que fabrica implementos,
especialmente plantadeiras e distribuidores autopropelidos de fertilizantes261.
No Noroeste Rio-Grandense também estão instaladas algumas empresas
brasileiras fabricantes de implementos agrícolas, com destaque para a Stara S.A.
e a Implementos Agrícolas Jan S.A., ambas alojadas no município de Não-Me-
Toque, popularmente conhecido como a “capital da agricultura de precisão”. Essas
unidades industriais fabricam pulverizadores, distribuidores autopropelidos de
fertilizantes, entre outros equipamentos262.
260 Aliás, em visita de estudo que realizamos (em novembro de 2019) à unidade da AGCO de Canoas – RS (que fabrica tratores de rodas), recebemos a informação de que a sua maior concorrente (especialmente na divisão de tratores leves) é a unidade da Mahindra instalada em Dois Irmãos – RS. Na pesquisa que realizamos no Show Rural Coopavel (em fevereiro de 2019) já havia nos chamado a atenção de que, enquanto outras marcas de tratores comercializados naquela feira agropecuária ofereciam cerca de três anos de garantia, a representante da Mahindra proporcionava até 5 anos. Inclusive, um representante comercial dessa marca (que atua no Paraná) nos informou que teria autonomia para oferecer até 6 anos de garantia. Esse vendedor inclusive argumentou que esse fato comprovaria a boa qualidade dos tratores dessa marca. 261 Essa empresa é líder mundial nas vendas de implementos agrícolas (KUHN-METASA, 2019). 262 A Stara também destaca-se na fabricação de plantadeiras, semeadoras e produtos para agricultura de precisão, tais como pilotos automáticos, sistemas de orientação, entre outros (STARA, 2019).
201
Também no Noroeste do estado (a cerca de 94 Km de Passo Fundo), no
município de Ibirubá, está instalada outra unidade do grupo AGCO, fabricante de
implementos agrícolas, como plantadeiras, semeadoras, plataformas de milho,
distribuidores de fertilizantes etc. Em Ijuí está instalada a Imasa plantio direto, uma
empresa nacional que foi pioneira especialmente na fabricação de implementos
para o plantio direto. O município de Tuparendi abriga a fábrica de plantadeiras,
semeadoras, pulverizadores rebocados (entre outros) da Fankhauser S/A (também
nacional).
Por fim, destacamos que nessa mesma região atuam outras duas unidades
pertencentes à empresas multinacionais. No município de Santa Rosa está
instalada a fábrica de colheitadeiras de grãos das marcas Massey Ferguson e
Valtra (pertencentes ao grupo AGCO) e em Horizontina funciona uma fábrica de
colheitadeiras de grãos, de plataformas para colheitadeiras, bem como de
plantadeiras agrícolas da marca John Deere263.
Não elaboramos mapas sobre a distribuição da indústria de máquinas
agrícolas em outros estados do país porque essa exposição ficaria muito extensa
e até desnecessária, pois como mencionamos anteriormente o Rio Grande do Sul
e São Paulo detêm mais de 70% do valor da produção desse segmento. Mas,
faremos um breve destaque das empresas desse segmento instaladas em outras
unidades da federação, também de acordo com informações que levantamos junto
à Abimaq, Anfavea, pesquisa de campo e dos sites das referidas empresas. Por
exemplo, no Paraná se destaca a atuação dos grupos multinacionais CNH Industrial
e Kuhn. O primeiro possui uma unidade instalada em Curitiba, onde fabrica tratores
agrícolas das marcas New Holland e Case (com potência de 55 a 340 cv),
colheitadeiras de grãos convencionais (da marca New Holland – linha TC) e de
transmissões, que inclusive fabrica componentes para outras unidades do grupo
CNH264. A unidade da Kuhn está instalada em São José dos Pinhais, município que
se localiza a 19,5 Km da capital paranaense. Essa fábrica produz especialmente
pulverizadores agrícolas autopropelidos.
No Paraná também se encontra fábricas de implementos agrícolas no interior
263 Em junho de 2019 realizamos uma visita de estudo a essa unidade produtiva da Deere & Company, que é reconhecida como uma das mais modernas do mundo. A Deere & Co. é líder mundial no segmento de máquinas agrícolas, como destacaremos adiante. 264 Informações coletadas em visita de estudo a essa empresa, realizada em fevereiro de 2020.
202
do estado. Por exemplo, no município de Pranchita, na divisa com a Argentina,
estão instaladas empresas, tais como a Dinâmika Equipamentos Agrícolas, que
produz pulverizadores rebocados e barras para pulverizadores agrícolas, bem
como a Gauruss Equipamentos Agrícolas, que também fabrica equipamentos para
pulverização e que, inclusive, já possui modelos de pulverizadores autopropelidos
(GAURUSS, 2020)265.
Como mencionamos no terceiro capítulo, na década de 1970 o estado de
Santa Catarina já se destacava no segmento de máquinas e implementos agrícolas.
Na atualidade, entre as principais empresas desse segmento que atuam em SC
está a LS Mtron Brasil, que pertence ao conglomerado industrial sul-coreano LG.
Essa multinacional, desde 2013, possui uma unidade produtiva instalada no
município de Garuva (localizado a apenas 36,8 Km de Joinville), que fabrica tratores
especialmente de pequeno porte (LS, 2019).
Além dessa multinacional, Santa Catarina abriga algumas empresas
nacionais que surgiram recentemente e que produzem principalmente para o
mercado regional. Por exemplo, no município de Massaranduba (a 54 Km de
Joinville) está instalada a Basélio Tratores, especializada em tratores, carretas,
semeadoras, pulverizadores e outros implementos utilizados na rizicultura266. O
município de Araquari (a 37 Km de Joinville) abriga a Gomes Máquinas Agrícolas,
que também fabrica tratores, pulverizadores e outros implementos. Além de atender
o mercado regional e nacional, essa empresa exporta para o Paraguai, Bolívia e
Argentina.
Porém, verificamos que em Santa Catarina também estão instaladas
fábricas de máquinas e implementos agrícolas em áreas mais afastadas do polo
metalomecânico. Por exemplo, a Budny Tratores e Implementos fabrica tratores
agrícolas e diversos equipamentos no município de Içara, ao Sul do estado,
localizado a 354,7 Km de Joinville. No município de Campo Erê, no Oeste
catarinense (a 638,7 Km da capital catarinense), destaca-se a Colheitadeiras
265 Existem outras fábricas de máquinas agrícolas no Paraná. Por exemplo, no município de Ponta Grossa está instalada uma filial da empresa argentina Metalfor, que fabrica pulverizadores agrícolas, além de importar colheitadeiras automotrizes (de sua marca), fabricadas na Argentina (METALFOR, 2019). 266 Produz tratores de pequeno porte, com motores da marca Yanmar importados do Japão, com potência entre 36,4 e 56 cv. Essa empresa já tem capacidade para exportar para todos os países da América do Sul, América Central e América do Norte (BASÉLIO, 2019).
203
Werner, fabricante de colheitadeiras de grãos e plataformas para a colheita de
milho, soja e trigo. Como destacaremos adiante, essa empresa ainda está em fase
de testes, atuando principalmente no mercado regional.
Também destacamos algumas empresas do estado de Minas Gerais que
fabricam máquinas e implementos agrícolas, especialmente para a cafeicultura. Por
exemplo, no município de Araguari (a 37 Km de Uberlândia e a 567 de Belo
Horizonte) está instalada a TDI Máquinas Agrícolas que produz colhedoras de café
e outros implementos para essa atividade. Em MG se formou um polo de máquinas
agrícolas na cidade de Varginha, onde estão instaladas empresas, tais como a
Makreis, Electra Máquinas Agrícolas, Jaguar Máquinas e Avery Máquinas e
Implementos, todas fabricantes de colhedoras e implementos para a cafeicultura.
Em Contagem – MG está instalada, dedes 2013, uma unidade do grupo
multinacional italiano Argo Tractors S.P.A., que no Brasil fabrica tratores (com
potência entre 75 a 200 cv) da marca Landini.
Por fim, podemos destacar ainda a cidade de Catalão – GO (a 261 Km de
Goiânia e a 314 Km da cidade de Brasília), que desde o final da década de 1990
vem recebendo montadoras estrangeiras de veículos, como a Mitsubishi Motors e
a Suzuki e que desde 1999 abriga uma unidade da John Deere que fabrica
colhedoras de cana-de-açúcar e pulverizadores agrícolas autopropelidos.
De certa forma, podemos concluir que a indústria brasileira de máquinas e
implementos agrícolas se distribui, por ordem decrescente de participação no valor
da produção, nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina, Minas Gerais e Goiás.
7.2 Fatores de Atração para a Indústria de Máquinas Agrícolas
Em seu estudo sobre os grandes tipos de complexos industriais o geógrafo
e economista francês, Jean Chardonnet, verificou que um complexo industrial se
caracteriza por apresentar: 1) uma forte tonelagem (ou volume) de produção; 2)
empregar grande quantidade de trabalhadores e; 3) ter um grande montante de
capital investido. No seu entendimento, a indústria de base, como o setor
siderúrgico, por exemplo, atrai ao seu redor grande quantidade de outras indústrias.
Ele acredita que esse tipo de complexo cria uma relação de dependência técnica,
204
pois a siderurgia fornece matérias-primas para outros segmentos industriais, tais
como o aço e o ferro peneirado para as fundições, laminados diversos para as
indústrias metalúrgicas e mecânicas etc. (CHARDONNET, 1953).
A indústria de máquinas agrícolas não se constitui como um complexo
industrial, inclusive por não se caracterizar como indústria de base. Porém,
entendemos que ela figura como dependente ao consumir insumos e componentes,
tais como ferro fundido, laminados de aço, borracha, plásticos, eletrônicos, entre
outras matérias-primas e componentes.
Ao analisarmos o atual arranjo espacial da indústria de máquinas e
implementos agrícolas no Brasil (como expomos nos mapas 4 e 5), verificamos que
além das principais empresas estarem distribuídas em poucos estados do Brasil,
elas se concentram em determinados municípios, formando alguns “polos”
regionais267.
No início da década de 1960 o Escritório Técnico de Estudos do Banco do
Nordeste do Brasil (ETENE), elaborou um “manual de localização industrial”,
pontuando 9 variáveis primárias e mais 11 variáveis secundárias que seriam
condicionantes para a distribuição espacial da indústria (quadro 7).
Quadro 7 Principais variáveis condicionantes da localização industrial segundo a classificação do ETENE – 1968
Variáveis locacionais
Primárias Secundárias Baixo custo no transporte de matérias-primas Aproveitamento de economias de escala Baixo custo no transporte de produto final Aproveitamento de economias de localização Baixo custo no transporte dos materiais secundários
Aproveitamento de economias de urbanização
Facilidade de transporte para operários Existência de infraestrutura Baixo custo de mão de obra Facilidade de aquisição de terreno Existência de mão de obra técnica e especializada
Facilidade de financiamento
Baixo custo de energia Incentivos fiscais ao imposto de renda Proximidade do mercado consumidor Incentivos fiscais ao imposto de circulação de
mercadorias Acesso ao mercado nacional Incentivos fiscais ao imposto sobre exportação
Amenidades da região
Desejo de liderança
Fonte: Elaboração própria a partir de classificação do ETENE (1968).
267 O conceito de polos de desenvolvimento considera que empresas motrizes (ou grandes áreas urbanas) estimulariam a industrialização, atraindo até a indústria de outros segmentos. Inclusive, o próprio Manuel Correia de Andrade (1977), que desenvolveu esse conceito no Brasil, menciona que não via grandes diferenças entre os polos de desenvolvimento e o conceito de complexo industrial.
205
Nos parece que pelo menos algumas dessas variáveis apontadas pelo
estudo do ETENE, também são condicionantes para a distribuição espacial da
indústria de máquinas e implementos agrícolas instalada no Brasil, como
destacaremos a seguir.
7.2.1 Proximidade das fábricas às fornecedoras de componentes e autopeças
Em visita de estudo que realizamos à unidade da AGCO de Canoas – RS,
recebemos a informação de que uma das dificuldades que essa unidade tem para
aumentar a produção, é a falta de fornecedores de componentes e peças já que a
indústria de tratores depende de fornecedores que também produzem para o setor
automotivo, o que torna a oferta menos elástica, muitas vezes não atendendo a
demanda do segmento de máquinas e implementos agrícolas.
Aliás, em visita à empresa Colheitadeiras Werner (realizada em fevereiro de
2019) de Campo Erê – SC, já havíamos recebido a informação de que esse
segmento depende de grande quantidade de fornecedores e que alguns
componentes como, por exemplo, eixos para colheitadeiras geralmente são
importadas de países como a China porque no Brasil não há muitos fornecedores.
Inclusive, ao visitarmos a CNH Industrial de Curitiba – PR, recebemos a
informação (e pudemos observar na linha de produção) que essa unidade, além de
produzir tratores e colheitadeiras, também tem um setor de usinagem que produz
componentes para as outras unidades do grupo CNH.
Inclusive, na visita que realizamos à unidade da AGCO, recebemos a
informação de que as fábricas de máquinas agrícolas procuram se aproveitar das
estruturas já existentes no que se refere ao uso de matérias-primas, peças,
componentes etc. Por isso as unidades produtivas, em geral, se instalam em
determinadas áreas, relativamente próximas268.
Pelos mapas 4 e 5, bem como pelas descrições que realizamos
anteriormente sobre as principais unidades que atuam nos estados de RS, SP,
entre outros, é possível verificarmos que há um relativo agrupamento entre as
268 Há de se frisar que o representante da AGCO que nos repassou essas informações atua na fabricação de tratores agrícolas há cerca de 20 anos, conhecendo essa atividade, tanto tecnicamente, pois já trabalhou na montagem, como em relação às matérias-primas e insumos, bem como conhece a logística de comercialização do produto final.
206
diferentes empresas que compões esse segmento. Para termos ideia do que isso
representa, podemos citar o exemplo da PLA do Brasil, que era filial de uma
empresa argentina pioneira na fabricação de pulverizadores autopropelidos na
América Latina. Ela se instalou no Brasil a partir de 2004 na cidade de Canoas –
RS, a menos de 1 Km de distância da unidade produtiva da AGCO, já destacada
anteriormente269.
Se observarmos no mapa 5 (referente ao Rio Grande do Sul), notaremos
que existem outros agrupamentos de empresas. Por exemplo, em torno de Caxias
do Sul estão instaladas a Agrale, nesse próprio município, bem como a fábrica de
tratores da Mahindra no município de Dois Irmãos, a 73 Km. Da mesma forma,
verificamos que a fábrica de tratores e implementos agrícolas da Franzoni está
instalada em Flores da Cunha, a uma distância de apenas 20 Km de Caxias do Sul.
O município de Não-Me-Toque (onde estão instaladas empresas como a Stara e a
Jan), localiza-se a 66 Km de Passo Fundo, que abriga empresas como a Kuhn e a
Semeato, sendo que essa última também possui uma unidade produtiva no
município de Carazinho, a 46 Km de Passo Fundo. Da mesma forma, verificamos
outro agrupamento na região Noroeste de RS, pois os municípios de Santa Rosa
(onde está instalada uma unidade da AGCO), localiza-se a 43 Km de Horizontina,
que abriga uma unidade da John Deere. Aliás, no município de Tuparendi, a apenas
18 Km de Santa Rosa, está instalada a Fankhauser que fabrica plantadeiras e
outros implementos agrícolas.
Se ampliarmos à análise ao estado de São Paulo, verificaremos certa
semelhança. Por exemplo, Mogi das Cruzes, onde está instalada a fábrica de
tratores da AGCO, possui uma indústria de autopeças da GM e se localiza a menos
de 70 Km dos municípios do ABC Paulista (Santo André, São Bernardo do Campo
e São Caetano do Sul), polo metalúrgico, da indústria automotiva e de autopeças
que abastece também a indústria de tratores. Na outra unidade da AGCO, em
Sorocaba, também existe um polo automotivo, com destaque para montadoras de
veículos como a Toyota do Brasil270.
269 Em 2018 a multinacional estadunidense, John Deere, adquiriu a empresa argentina PLA, inclusive sua filial instalada no Brasil (JOHN, 2019b). 270 Lembrando que no início da década de 1960 a Massey Ferguson do Brasil havia se instalado no município de Taboão da Serra, enquanto que a Fendt do Brasil (ambas fabricantes de tratores agrícolas) se instalou em Diadema, portanto, próximas da capital de SP e do ABC Paulista.
207
Como mencionamos anteriormente, a cidade de Varginha, no estado de
Minas Gerais, abriga várias fábricas de máquinas agrícolas. Outro exemplo é da
unidade da John Deere do estado de Goiás, que está instalada em Catalão,
município que também vem se destacando no setor de montagem de veículos.
Ainda podemos destacar a atuação da fábrica da CNH em Curitiba, bem como a
unidade da Kuhn instalada em São José dos Pinhais, localizadas junto ao polo
automotivo da região metropolitana de Curitiba que abriga montadoras de veículos,
tais como a Renault, Volkswagen/Audi e fábricas de caminhões como a Volvo.
7.2.2 As importações de componentes e peças para a indústria de máquinas
agrícolas
Como destacamos anteriormente, o complexo de autopeças e componentes
é importante para a alocação espacial das fábricas de máquinas agrícolas. Porém,
esse não é o mais importante dos condicionantes, pois verificamos que uma parte
significativa das peças e componentes são importados. Lembrando que quando se
instalou a indústria automotiva no Brasil (final da década de 1950) o índice de
nacionalização, em geral, era superior a 70% e que para a fabricação de tratores o
Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas (de 1959) exigia 70% do peso
do trator, mas que se previa passar para 95% a partir de 1962. Mas, na atualidade
a exigência de nacionalização para os fabricantes de máquinas e equipamentos
caiu para o índice mínimo de 60% em valor e peso para poder acessar as linhas de
crédito do sistema BNDES, sendo que em determinados períodos se reduziu o
índice para 50% (BNDES, 2019b)271.
Uma das dificuldades que se encontra quando se analisa a importação de
peças e componentes (bens intermediários), é que o Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços (MDIC) não fornece dados específicos de
importações da indústria de máquinas agrícolas, inclusive porque as máquinas
automotrizes (tratores, colheitadeiras, pulverizadores etc.) utilizam grande parte
271 Aliás, em 2011 a Abimaq publicou um informe de que o BNDES estava preocupado com as fábricas de máquinas e equipamentos que estavam importando grande percentual (provavelmente, acima da margem de 40%) de matérias-primas e componentes para reduzir custos, devido à valorização cambial. No entanto, naquela época o BNDES procurava não abrir mão do índice mínimo de 60% de nacionalização (ÍNDICE, 2011).
208
dos componentes utilizados na fabricação de caminhões e de máquinas para o
setor rodoviário (tratores, retroescavadeiras etc.). Então, temos que analisar
indiretamente os dados apresentados pelo MDIC, comparando com as informações
que levantamos pela pesquisa de campo.
Primeiramente, ressaltamos que o MDIC não fornece dados das importações
por empresas, mas apresenta por município importador. Ocorre que grande parte
das unidades industriais fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, como
já mencionamos, estão localizadas em municípios que possuem fábricas de
veículos ou caminhões (como em Curitiba e São José dos Pinhais – PR; em
Sorocaba, Mogi das Cruzes e em Piracicaba – SP e em Catalão – GO), o que
dificulta nossa análise. Porém, as visitas de estudo nos apresentaram importantes
informações sobre as importações das unidades produtivas desse segmento. Por
exemplo, o grupo AGCO (com unidades em Canoas, Santa Rosa e Ibirubá em RS
e em Mogi das Cruzes e Ribeirão Preto em SP) importa componentes, como os
sistemas de transmissão dos tratores, da Índia que são fabricados pela TAFE272.
Os pilotos automáticos (para agricultura de precisão) que equipam muitos modelos
de tratores da marca Massey Ferguson são fornecidos pela empresa Topcon
Positioning Systems, Inc.273 dos Estados Unidos, que pertencia à Topcon
Corporation que tem origem japonesa.
Até mesmo empresas pequenas como, por exemplo, a Werner Implementos
Agrícolas Ltda. utilizam componentes importados, como eixos para as
colheitadeiras automotrizes de grãos que, segundo informações que obtivemos em
pesquisa e campo, são importadas da China, pois há poucas empresas brasileiras
que fabricam esse tipo de componente (como destacamos anteriormente)274.
No entanto, para empresas que estão instaladas em municípios de pequeno
porte e onde não há unidades montadoras de veículos, máquinas rodoviárias ou
272 A TAFE é uma importante fábrica de tratores e implementos agrícolas da índia. Desde os anos 1950 essa empresa tem parceria com a Massey Ferguson e nos últimos anos firmou parceria com a AGCO Corporation. Além de tratores agrícolas a TAFE exporta componentes automotivos, tais como transmissões, baterias, bombas, cilindros hidráulicos, entre outros (TAFE, 2019). 273 Entre os produtos oferecidos por essa empresa estão: o controle de máquinas agrícolas (popularmente, conhecido como “piloto automático”); consoles e visores para a agricultura; receptores Global Navigation Satellite System (GNSS) – utilizados principalmente para a topografia; sensoriamento de colheita, entre outros (TOPCON, 2019). 274 Segundo o proprietário e projetista das colheitadeiras Werner, na atualidade existe apenas duas empresas no Brasil que fabricam eixos para o tipo de máquina que ele fabrica, o que tem lhe obrigado adquirir produtos importados.
209
caminhões, podemos ter noção sobre as importações de autopeças e componentes
para a indústria de máquinas agrícolas a partir dos próprios dados do MDIC, que
apresenta os valores das importações municipais por produtos adquiridos. Por
exemplo, no ano de 2018 (o MDIC utiliza o período jan./out. do referido ano) o
município paulista de Pompéia importou o equivalente à US$ 3,61 milhões em
sistemas de transmissão275, que podem ser utilizados na fabricação de veículos
automotores e, inclusive, em máquinas agrícolas automotrizes. Esse município
também importou US$ 2,03 milhões em produtos do NCM 8424276 – aparelhos para
“dispersar ou pulverizar líquidos” etc. (MDIC, 2019a).
Pela pesquisa que realizamos, acreditamos que essas importações
(sistemas de transmissão e aparelhos para pulverização) sejam feitas por
empresas como a Jacto S/A, produtora de pulverizadores agrícolas e colhedoras
de café, como mencionamos anteriormente, já que o pequeno município de
Pompéia – SP não possui montadoras de veículos ou de outro tipo de máquina
automotriz277.
Outro exemplo de importação de componentes, possivelmente, utilizada na
fabricação de máquinas agrícolas, encontramos para o caso do município de
Pindorama – SP. Pelos dados da MDIC, verificamos que 66% (o equivalente a US$
510,16 mil) das importações desse município, no ano de 2018, foram do NCM 8483
que, como já destacamos, trata-se de sistemas de transmissão para veículos ou
máquinas automotrizes278.
Como destacamos anteriormente, nesse pequeno município paulista – que
segundo o censo demográfico de 2010, possuía apenas 15.039 habitantes – atua
(desde o início da década de 1970) a MIAC Máquinas Agrícolas, que fabrica
diversos modelos de máquinas utilizadas especialmente na colheita e que
275 Trata-se do NCM (Nomenclatura Comum Mercosul) 8483: Árvores (Veios*) de transmissão (incluindo as árvores de cames e virabrequins (cambotas*) e manivelas; mancais (chumaceiras) e "bronzes"; engrenagens e rodas de fricção; eixos de esferas ou de roletes; redutores, multiplicadores, caixas de transmissão e variadores de velocidade, incluindo os conversores de torque (binários*); volantes e polias, incluindo as polias para cadernais; embreagens e dispositivos de acoplamento, incluindo as juntas de articulação. 276 NCM 8424: Aparelhos mecânicos (mesmo manuais) para projetar, dispersar ou pulverizar líquidos ou pós; extintores, mesmo carregados; pistolas aerográficas e aparelhos semelhantes; máquinas e aparelhos de jato de areia, de jato de vapor e aparelhos de jato semelhantes. 277 Segundo o censo demográfico de 2010, a população total do município de Pompéia – SP era de apenas 19.964 habitantes (IBGE, 2019f). 278 Segundo o MDIC (2019a), no período de janeiro a outubro de 2019 o município de Pindorama – SP importou US$ 629,23 mil em produtos do NCM 8483.
210
recentemente tem fabricado até colheitadeiras automotrizes. Portanto, verificamos
que os sistemas de transmissão importados por esse município devem ser
utilizados na fabricação dessas colheitadeiras, já que esse município também não
possui outras montadoras que utilizem esse tipo de componente.
Se analisarmos as importações de Garuva – SC (que segundo o censo
demográfico de 2010 possuía apenas 14.761 habitantes) para o ano de 2018,
constataremos que 22% de suas compras (o equivalente a US$ 23,57 milhões)
eram de produtos do NCM 8707 – Carroçarias para os veículos automóveis das
posições 87.01 a 87.05, incluindo as cabinas (MDIC, 2019a).
Provavelmente, essas importações sejam de componentes utilizados pela
unidade da empresa sul-coreana LS Mtron, que desde 2013 fabrica tratores
agrícolas no município catarinense de Garuva. Aliás, um forte indício de que as
carrocerias e cabinas importadas são utilizadas na fabricação de tratores, é que
17% (US$ 17,9 milhões) dessas importações têm origem na Coréia do Sul,
portanto, no país onde essa multinacional tem sua sede.
O município de Não-Me-Toque – RS (que em 2010 possuía apenas 15.936
habitantes) apresentou, no ano de 2018, US$ 2,23 milhões de importações de
produtos do NCM 8483 (o já mencionado, sistemas de transmissões) e US$ e 1,6
milhão em produtos do NCM 8708 – Partes e acessórios dos veículos automóveis
das posições 87.01 a 87.05. – que se destinam especialmente à fabricação de
tratores279. Esse município também importou US$ 1,05 milhão de componentes do
NCM 8526 – Aparelhos de radiodetecção e de radiossondagem (radar), aparelhos
de radionavegação e aparelhos de radiotelecomando.
Como nesse município atuam empresas, tais como a Stara S/A e a Jan S/A,
acreditamos que as importações de sistemas de transmissão sejam utilizados na
fabricação de pulverizadores e distribuidores de fertilizantes autopropelidos e que
os produtos do NCM 8708 sejam utilizados na fabricação de tratores agrícolas, já
que desde 2013 a empresa Stara também vem fabricando esse tipo de máquina
em parceria com a empresa italiana Argo Tractors (STARA, 2019) 280.
279 O NCM 8701, refere-se a: Tratores (exceto os carros-tratores da posição 87.09) (MDIC, 2019a). 280 Em pesquisa de campo, realizada no Show Rural Coopavel, 2019, entrevistamos um representante comercial da Stara que nos informou que os tratores fabricados por essa empresa (modelos ST MAX 105 e ST MAX 180) possuem tecnologia de ponta, sendo de excelente qualidade, mas que esse fator encareceria os tratores, dificultando a comercialização. Os tratores da Stara
211
Acreditamos que os itens importados por esse município, que fazem parte
do NCM 8526, são utilizados na fabricação de máquinas e implementos para a
agricultura de precisão, pois essa nomenclatura contempla itens, tais como de
radionavegação (GPS) e de radiotelecomando. Lembrando que desde 1999 a Stara
formou uma joint venture com a Amazone Werke (STARA, 2018 e 2019), empresa
centenária alemã e pioneira na fabricação de pulverizadores, semeadoras e
distribuidores, que é especializada em agricultura de precisão. Aliás, observamos
que em seu portfólio de produtos, além de implementos para a pulverização,
plantio, fertilização etc. a Amazone oferece eletrônicos para a navegação por GPS;
sistemas de GPS que controlam o plantio, a pulverização e que mapeiam áreas;
visores de consoles; piloto automático, entre outros (AMAZONE, 2019)281.
O município de Santa Rosa – RS (que em 2010 possuia 68.587 habitantes),
também importa componentes utilazados na indústria automotiva e de máquinas
agrícolas automotrizes. Por exemplo, no ano de 2019 (de janeiro a outubro) esse
município importou US$ 2,75 milhões de produtos do NCM 8404 (motores a diesel);
US$ 2,23 milhões de sistemas de transmissão (NCM 8483); e mais US$ 6,58
milhões de produtos do NCM 8433, que consiste em máquinas para a colheita
(MDIC, 2019a).
Como Santa Rosa não possui montadoras de veículos, caminhões ou
tratores, acreditamos que essas importações devem ser utilizadas para a
fabricação de colheitadeiras agrícolas. Como mencionamos anteriormente, esse
município abriga uma unidade da AGCO que fabrica colheitadeiras de grãos das
marcas Massey Ferguson e Valtra. Recentemente, essa unidade passou a fabricar
colheitadeiras da marca alemã Fendt, que também pertencente ao grupo AGCO.
Inclusive, provavelmente as importações de máquinas para a colheita (NCM 8433),
sejam realizadas pela unidade da AGCO que importa grande parte dos
componentes e peças, bem como alguns modelos de colheitadeiras, especialmente
a Fendt Ideal que ainda não é completamente fabricada no Brasil, por não atender
utilizam tecnologia da marca McCormick (empresa pioneira em máquinas agrícolas nos EUA), que na atualidade pertence ao grupo italiano Argo Tractors (STARA, 2019). 281 Inclusive, verificamos que as máquinas e implementos produzidos pela Stara S/A possuem a mesma cor (verde e laranja) dos produtos de sua parceira alemã, Amazone Werke. Desde 1999 essa empresa é acionista minoritária da Stara S/A (STARA, 2019). Há de se ressaltar que no ano de 2018, 17% das importações do pequeno município de Não-Me-Toque – RS vieram da Alemanha, o que equivale a US$ 3,59 milhões (MDIC, 2019a).
212
à exigência mínima de 60% de nacionalização282.
Mas, o município do Rio Grande do Sul que mais chama a atenção em
relação à importação de componentes para a indústria automotiva e de máquinas
agrícolas, é Horizontina que segundo o IBGE (2019f) possuía apenas 18.348
habitantes no ano de 2010. No ano de 2019, Horizontina importou US$ 53,36
milhões de sistemas de transmissão (NCM 8483), US$ 30,92 milhões de produtos
do NCM 8408 (motores a diesel) – o que equivale a 44% das importações
municipais –, além de ter importado US$ 34,49 milhões de produtos do NCM 8433,
que consistem em máquinas para colheita.
Como esse município também não possui fábricas de veículos, caminhões
etc., acreditamos que esses produtos importados devem ser utilizados pela fábrica
da multinacional John Deere, que produz colheitadeiras de grãos em Horizontina.
Aliás, em visita de estudo que realizamos à essa unidade produtiva (realizada em
junho de 2019), recebemos a informação de que os motores utilizados por essa
marca (em colheitadeiras, tratores etc.) são produzidos na unidade da John Deere
de Rosário, na Argentina, sendo que outros componentes e peças são importados
de países, tais como dos Estados Unidos, da Alemanha e da China283. Inclusive,
verificamos que no ano de 2019 Horizontina importou produtos no valor de US$
107,61 milhões (o equivalente a 57% de suas importações) dos Estados Unidos e
mais US$ 23,42 milhões da Argentina (MDIC, 2019).
Enfim, esses dados nos mostram que a proximidade com a indústria de
autopeças e demais componentes não é o principal fator que condiciona a alocação
espacial da indústria de máquinas agrícolas no Brasil. Além disso, como trataremos
adiante, esses dados retratam, mesmo que indiretamente, uma fragilidade do
segmento de autopeças do Brasil, o que tem tornado o país dependente das
importações284.
282 Informações coletadas em visita de estudo, realizada à unidade da AGCO de Canoas – RS em novembro de 2019. 283 Nessa visita de estudo recebemos a informação de que um dos requisitos para trabalhar no setor administrativo da John Deere é falar fluentemente o inglês, pois essa empresa necessita de funcionários que possam, por exemplo, adquirir peças e componentes em outras unidades dessa multinacional, que tem sede em Illinois, nos Estados Unidos, mas que possui unidades produtivas em diversos países, inclusive na Alemanha. 284 De acordo com Silva (2015), grande parte dos motores dos tratores da AGCO que são vendidos no mundo são fabricados em sua unidade fabril da Finlândia, de onde essa empresa importa, por exemplo, os blocos de motores da linha Valtra que são montados no Brasil.
213
7.2.3 A importância da força de trabalho
Como mostramos anteriormente (quadro 7), o estudo do ETENE (1968)
também apontou a questão da mão de obra como uma “variável primária”, já que a
facilidade de transporte para os trabalhadores, o custo mais baixo dos salários, bem
como a disponibilidade de trabalhadores qualificados conferem vantagens às
unidades industriais que se instalam nessas regiões.
Em estudo mais recente, Chesnais (1996) apontou, basicamente, dois
atrativos para as empresas multinacionais, 1) a busca para se instalar perto do seu
mercado consumidor e, 2) onde os salários sejam mais baixos.
Pelos dados do IBGE, verificamos que no ano de 2017 o Brasil possuía
66.195 empregados na indústria de tratores e demais máquinas e implementos
agrícolas285. Desses trabalhadores, a maior parte estava empregada nos estados
de São Paulo e no Rio Grande do Sul, como podemos observar pelo gráfico 32:
Gráfico 32 Evolução dos empregos na indústria de máquinas e implementos agrícolas nos estados de SP, RS e PR – 2006-2017
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Cadastro Central de Empresas – CEMPRE (IBGE, 2019e).
285 Categoria: 28.3 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária do CNAE 2.0 (IBGE, 2019e).
15.651
22.89621.807
28.607
31.565
26.916 27.455
13.463
17.486
19.81718.603
21.39122.801
27.093
21.83320.847
3.436
5.561 5.1016.298
7.1516.381 6.984
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
20000
22000
24000
26000
28000
30000
32000
34000
Em
pre
ga
do
s
São Paulo Rio Grande do Sul Paraná
214
Observamos que, de certa forma, esses dados refletem a concentração
espacial desse segmento industrial, que ocorre nos estados de SP e RS, como
temos ressaltado. Também, percebemos que a geração de empregos nesse
segmento industrial, grosso modo, acompanhou o desempenho da produção da
indústria de tratores e colheitadeiras agrícolas que cresceu no período 2006-2013,
mas que regrediu e estagnou a partir dos últimos anos, como também já
destacamos no capítulo anterior.
O que pretendemos mostrar com esses dados é que o segmento de
fabricação de máquinas agrícolas, apesar de não empregar grande quantidade de
trabalhadores – tais como, por exemplo, os segmentos da indústria do vestuário e
de alimentos –, também necessita de mão de obra, especializada inclusive286.
Em seu estudo sobre o complexo da indústria automotiva do Brasil,
Luedemann (2003) verificou uma considerável variação nos salários médios dos
metalúrgicos, quando comparou diferentes estados e regiões do Brasil. Essa autora
observou que, por exemplo, enquanto que o salário médio do estado de São Paulo,
no ano de 2001, era de R$ 1.302,66; o salário do Paraná era de R$ 996,69; do Rio
Grande do Sul era de R$ 880,57 e o de Goiás era de R$ 432,65. Ou seja, ela
observou que dentro de um mesmo país ocorre variação salarial, o que pode
estimular a mudança de plantas produtivas na intenção de reduzir custos
produtivos.
A partir dos dados do gráfico 33, podemos analisar a evolução dos salários
médios da indústria de máquinas e implementos agrícolas nos principais estados
produtores do país. Esses dados nos mostram que, por exemplo, o estado de Minas
Gerais, até 2011, tinha uma média salarial bem inferior à das demais unidades da
federação onde atuam empresas desse segmento industrial. Porém, há de se
observar que nos útimos anos ocorreu um aumento brusco nos salários em MG,
tornando-se mais altos que em SP e RS. Observamos que os salários em Goiás,
embora que oscilantes, cresceram no peíodo 2006-2010, estagnaram nos quatro
anos seguintes, mas voltaram a crescer consideravelmente a partir de 2015, se
estabilizando a partir desse ano, mas a ponto de se manterem no topo dos salários
286 Por exemplo, nas visitas de estudo, realizadas entre junho de 2019 e fevereiro de 2020, verificamos que as fábricas da AGCO de Canoas – RS; da John Deere de Horizontina – RS e da unidade da CNH Industrial de Curitiba – PR possuem em torno de 2000 funcionários em cada unidade produtiva.
215
médios desse segmento. Santa Catarina é o estado em que os salários desse setor
se mostraram mais estáveis (apesar de terem aumentado discretamente no período
2008-2014) e sensivelmente abaixo da média nacional.
Gráfico 33 Evolução dos salários médios da indústria brasileira de máquinas agrícolas – 2006-2017
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Cadastro Central de Empresas – CEMPRE (IBGE, 2019e).
Também podemos observar que em São Paulo os salários se mantiveram,
praticamente, estáveis (crescendo discretamente de 2010-2013 e no biênio 2014-
2016, mas voltando a cair a partir desse ano), só que se mantendo acima da média
nacional. No Rio Grande do Sul, onde os salários médios eram de 4,9 salários
mínimos no ano de 2006, decresceu consideravelmente até 2014, ano em que
atingiu a média 3,5 salários mínimos, portanto, inferior à média nacional daquele
ano que foi de 4 salários mínimos. Inclusive, esteve abaixo de SP que foi de 4,5
salários e de Goiás, que atingiu 4,9 salários mínimos. No Paraná, onde nos anos
de 2008 e 2011 os salários médios desse segmento atingiram, respectivamente,
5,2 e 5,1 salários mínimos, a partir desse ano também regrediram, de certa forma,
acompanhando a evolução dos salários no estado de RS, inclusive fechando o ano
Se considerarmos que os salários mais baixos são um condicionante para a
alocação espacial da indústria, como sugerem, por exemplo, o manual da ETENE
(1968) e o estudo de Chesnais (1996), podemos pensar que a diferença salarial de
Minas Gerais, com salários mais baixos, especialmente no período 2006-2011
(como expomos pelo gráfico 33), seria um condicionante para atrair algumas
empresas do segmento de fabricação de máquinas agrícolas, pois observamos que
a Electra, Jaguar, Avery e Landini do Brasil se instalaram em MG nesse período,
enquanto que outras como a TDI e a Makreis, que surgiram anteriormente,
intensificaram a produção a partir de 2006.
Por essa ótica, também poderíamos acreditar que o estado de Santa
Catarina, que apresenta o menor salário médio para o segmento de máquinas e
implementos agrícolas, também seria atraente para a instalação de empresas
desse setor. Ora, não faltaria exemplos, como das empresas Basélio Tratores,
Gomes Máquinas Agrícolas e Budny Tratores e Implementos, que surgiram na
década de 1990, mas que ampliaram seu portfólio de produtos, por exemplo,
fabricando até tratores agrícolas a partir da década de 2000. A Colheitadeiras
Werner é outro exemplo de empresa que também surgiu anteriormente, mas que
intensificou sua produção, inclusive fabricando até colheitadeiras de grãos a partir
dos últimos anos. Outro exemplo de empresa que se instalou em SC, é a LS Mtron
Brasil que, como ressaltamos anteriormente, trata-se de uma multinacional sul-
coreana que desde 2013 possui uma unidade produtiva no município de Garuva.
Se ampliarmos a análise ao caso do Rio Grande do Sul, constataremos que
algumas empresas devem ter se instalado nesse estado motivadas pela redução
salarial, verificada para o período 2006-2014 (gráfico 33). No ano de 2005 o grupo
francês Kuhn (líder mundial em implementos agrícolas) adquiriu a unidade da
Metasa S.A. do município de Passo Fundo – RS, que se destacava na fabricação
de implementos especialmente para o plantio. No ano de 2007 o grupo
multinacional AGCO adquiriu a empresa sul-rio-grandense Sfil (que na época era
líder em implementos agrícolas, também para o plantio), com fábrica instalada no
município de Ibirubá – RS. E em 2012 uma filial da empresa indiana Mahindra se
instalou no município de Dois Irmãos – RS.
Anteriormente, verificamos que o Paraná reduziu sua participação no valor
bruto da produção da indústria de máquinas agrícolas, passando de 22,09%, no
217
ano de 2007, para 11,81% em 2017 (IBGE, 2019c). Se considerarmos que os
salários mais baixos seriam um atrativo para a alocação da indústria, como viemos
mencionando, poderíamos pensar que a queda da participação desse estado
poderia estar relacionada ao fato de que até 2011 os salários médios eram mais
altos, inclusive acima da média nacional e dos estados de RS e SP, os maiores
destaques nesse segmento.
No entanto, se analisarmos a composição orgânica do capital aplicado no
segmento de máquinas agrícolas e compará-lo à da indústria brasileira em geral,
especialmente a segmentos mais tradicionais, constataremos que esse setor não é
tão intenso em trabalho (despesas em folha de pagamento etc.) como o é, por
exemplo, o segmento de confecção de artigos do vestuário, mas também não é tão
intenso em capital constante (matérias-primas, etc.) como é a indústria de produtos
químicos, por exemplo. Destacamos que no de 2017, 15,9% do total de despesas
da indústria de máquinas e implementos agrícolas287 foi despendido em gastos de
pessoal (salários etc.), um percentual levemente superior à média da indústria
brasileira em geral (todos os segmentos), que para aquele ano foi de 14,1%288. No
segmento de produtos químicos289 o percentual de gastos com pessoal é menor,
pois em 2017 foi de 10,2%. Por outro lado, no segmento de confecção de artigos
do vestuário290 foi bem superior, alcançando 30,4% das despesas totais (IBGE,
2019g)291.
Há de se notar que o percentual de despesas com a força de tratabalho, no
setor de máquinas e implementos agrícolas, não é alto como no segmento de
artigos do vestuário (indústria mais tradicional), porém não é tão baixo a ponto de
ser desprezado. Nessas condições, verificamos que a existência de mão de obra
287 Refere-se à já mencionada classificação: 28.3 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária (IBGE, 2019g). 288 No total de custos e despesas se inclui: gastos de pessoal; consumo de matérias-primas, materiais auxiliares e componentes; custo das mercadorias adquiridas para revenda; compras de energia elétrica e consumo de combustíveis; consumo de peças, acessórios e pequenas ferramentas; serviços industriais prestados por terceiros e de manutenção; aluguéis e arrendamentos; despesas com arrendamento mercantil; impostos e taxas; depreciação; despesas com vendas, inclusive comissões; água e esgoto; demais custos e despesas operacionais e despesas não-operacionais (IBGE, 2019g). 289 Refere-se à classificação: 20 Fabricação de produtos químicos (IBGE, 2019g). 290 Refere-se à classificação: 14 Confecção de artigos do vestuário e acessórios (IBGE, 2019g). 291 Se analisarmos as despesas da indústria brasileira, verificaremos que em: consumo de matérias-primas, materiais auxiliares e componentes, o segmento de máquinas agrícolas gastou, no ano de 2017, 47,8% do total de suas despesas; na indústria em geral foi 40,5%. Na indústria química foi 50,7% e no setor de confecções foi de 35,4% (IBGE, 2019g).
218
mais barata tem sua importância na alocação desse segmento industrial, embora
que também não seja o fator principal.
Um dos fatores relacionados à força de trabalho que é de suma importância
para a distribuição espacial da indústria de máquinas e implementos agrícolas, é a
qualificação dos trabalhadores292. Pela pesquisa de campo, observamos que as
principais empresas desse segmento têm estimulado a qualificação de seus
empregados. Por exemplo, em visita de estudos que realizamos à unidade da John
Deere de Horizontina – RS, verificamos a presença de uma turma de estudantes e
professores do curso de Engenharia Mecânica do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus de Ibirubá – RS293.
Nessa visita recebemos a informação de que essa multinacional seleciona
estagiários, tanto de cursos técnicos, bem como de cursos superiores ligados às
engenharias da produção industrial (Engenharia Mecânica, especialmente).
Em visita de estudos que realizamos à unidade da AGCO de Canoas – RS,
também verificamos a presença de estudantes estagiários, especialmente de
cursos técnicos e superiores ligados a esse segmento, devido à demanda que uma
grande empresa tem em mão de obra qualificada.
Se realizarmos um levantamento sobre as instituições de ensino superior,
bem como dos cursos oferecidos nas cidades onde está instalada a indústria de
máquinas agrícolas, observaremos que essas empresas estão servidas de diversos
cursos que podem qualificar sua força de trabalho294. Por exemplo, verificamos que
na própria cidade de Canoas – RS (onde atuam empresas como a AGCO
Corporation) existe um campus da UniRitter, instituição privada que oferece cursos
tais como de engenharias Mecânica, Elétrica e de Produção, bem como de Gestão
da Produção Industrial (tecnólogo). Outro exemplo é da Universidade Luterana do
Brasil (Ulbra), que no campus de Canoas também oferece cursos de engenharias
Mecânica, Elétrica, de Produção e de Mecânica Automotiva. Além disso, no
município de São Leopoldo, há cerca de 15 Km da cidade de Canoas, existe um
292 A qualificação dos funcionários é mais importante do que aparenta. Por exemplo, Arrighi (2008) entende que, ao contrário do que muitos acreditam, a China não é atraente por ter somente mão de obra barata, mas por ter trabalhadores qualificados, com saúde, educação e capacidade de autogerenciamento. No final da década de 1960, Galbraith (1982) já havia ressaltado a importância das Universidades na qualificação dos profissionais que constituem a tecnoestrutura – os diretores, engenheiros e demais membros –, responsável pelo planejamento nas grandes empresas. 293 Há de se ressaltar que esse campus do IFRS também oferece o curso técnico em Mecânica. 294 Pesquisamos nos próprios sites das instituições de ensino técnico e superior.
219
campus da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), que também oferece
cursos de engenharias, como da Produção, Mecânica e Elétrica. Na própria capital,
Porto Alegre (a 18 Km de Canoas), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) oferece, além de bacharelado, pós-graduação (mestrado e doutorado)
em Engenharia Mecânica, com várias linhas de pesquisa.
Na cidade de Horizontina – RS, onde atua a John Deere, como já
destacamos, a Faculdade Horizontina (FAHOR), instituição privada, também
oferece cursos de Engenharia de Produção e Engenharia Mecânica. Há 47 Km,
localiza-se a cidade de Santa Rosa – RS, onde está instalada uma unidade da
AGCO. Nesse município existe um campus da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), que também oferece os cursos de
Engenharia de Produção e Mecânica.
Em Passo Fundo – RS, onde estão instaladas fábricas de máquinas como a
Kuhn e a Semeato, também se oferece os cursos de Engenharia Mecânica e da
Produção na Universidade de Passo Fundo (UPF).
A indústria de máquinas agrícolas instalada no Paraná, também conta com
diversos cursos de qualificação de seus trabalhadores. Por exemplo, a
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no campus de Curitiba295,
oferece o curso de Engenharia Mecânica (bacharelado), inclusive com pós-
graduação (mestrado e doutorado). Também na capital paranaense a Universidade
Federal do Paraná (UFPR) oferece cursos de graduação, mestrado e doutorado em
Engenharia Mecânica, bem como de Engenharia de Produção (graduação e
mestrado).
No estado de São Paulo, que abriga o maior centro universitário do país, não
é de se estranhar que também exista qualificação da força de trabalho para a
indústria de máquinas agrícolas. Por exemplo, no município de Mogi das Cruzes,
onde está instalada uma fábrica de tratores e motores da multinacional AGCO, a
Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), instituição privada, também oferece os
cursos de Engenharia de Produção e Engenharia Mecânica. Em Sorocaba (onde
está instalada uma unidade produtiva da CNH) se oferta o curso de bacharelado
em Engenharia Mecânica na Universidade Paulista (UNIP), bem como mestrado e
295 Lembrando que em Curitiba está instalada uma unidade da CNH Industrial, fabricante de tratores agrícolas e colheitadeiras de grãos.
220
doutorado em Engenharia Elétrica na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em
Piracicaba – chamada de “Vale do Silício” brasileiro de tecnologia para a agricultura
–, que abriga indústrias desse segmento (como a fábrica de colhedoras de cana da
Case IH), também se oferece cursos como o de Engenharia de Produção na
Faculdade de Tecnologia de Piracicaba (FATEP) e especialmente pós-graduação
(mestrado e doutorado) em Engenharia de Sistemas Agrícolas na Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que na atualidade é um campus da
Universidade de São Paulo (USP).
Também, podemos verificar que no pequeno município de Pompéia – SP,
onde está instalada a empresa Jacto S/A, existe qualificação de mão de obra para
o segmento de máquinas agrícolas. Por exemplo, na Faculdade de Tecnologia
(Fatec), criada e mantida pela Fundação Shunji Nishimura (fundador da própria
empresa Jacto), oferta-se cursos superiores tais como o Big Data no Agronegócio
e Mecanização em Agricultura de Precisão.
Enfim, verificamos que próximo às grandes unidades produtivas desse
segmento industrial se oferece diversos cursos, tanto técnicos como superiores que
se destinam à qualificação de sua força de trabalho. Por conseguinte, constatamos
que provavelmente esses cursos se configuram como um atrativo para as fábricas
de máquinas agrícolas. Por outro lado, as fábricas devem ter motivado a instalação
desses cursos, inclusive em cidades pequenas como as que citamos anteriormente.
7.2.4 A relevância do mercado interno
Um dos principais atrativos (provavelmente o principal) para a indústria de
máquinas agrícolas é a proximidade com a sua demanda, com as principais áreas
agrícolas296. Por exemplo, as empresas SLC e Ideal, instaladas, respectivamente,
nos municípios de Horizontina e Santa Rosa (em RS), a partir da segunda metade
do século passado se especializaram na fabricação de colheitadeiras de grãos para
atender, primeiramente, a demanda regional já que foi naquela região que se
introduziu (nas primeiras décadas do século XX) o cultivo da soja297, uma cultura
296 Entenda-se como “agrícolas” não apenas as lavouras, mas também a pecuária e a fruticultura que, embora que em menor quantidade, também utilizam máquinas e implementos agrícolas. 297 Segundo o censo agropecuário de 1970 a região Sul cultivava 95,4% da área ocupada com soja no Brasil, com destaque para o estado de RS que cultivava 1,6 milhão de hectares, o equivalente a
221
que requer uma colheita rápida, portanto, mecanizada como mencionamos no
terceiro capítulo298. Aliás, não foi por acaso que em meados da década de 1970 a
multinacional, New Holland, instalou uma fábrica de colheitadeiras na cidade
industrial de Curitiba, em uma época em que o Paraná era conhecido como o
“celeiro agrícola nacional”299.
No estado de São Paulo a agricultura também estimulou o surgimento de
empresas fabricantes de máquinas e equipamentos agrícolas específicos. Como
mencionamos no terceiro capítulo a Santal Equipamentos S.A. surgiu em 1960, em
Ribeirão Preto – SP, fundada por Arnaldo Ribeiro Pinto, proprietário da usina Santa
Lydia que enfrentava problemas com a escassez de mão de obra e decidiu inovar
fabricando a primeira colhedora de cana-de-açúcar do Brasil. No final da década
de 1970 a empresa Dedini – que foi fundada pelo imigrante italiano Mário Dedini,
ainda na primeira metade do século passado – também percebeu a demanda que
estava crescendo no Brasil por máquinas para a colheita de cana-de-açúcar300,
então firmou uma parceria com a empresa australiana Austoft, que na época era
líder mundial na fabricação desse tipo de colhedoras, instalando no município de
Piracicaba – SP a empresa Brastoft (CNH, 2019).
Já mencionamos, também, que a empresa Jacto S/A surgiu na década de
1950 fabricando implementos para a pulverização agrícola, atendendo
principalmente aos cafeicultores do Centro-Oeste paulista, região que naquela
época contribuía com grande parte da produção de café de São Paulo. Aliás, a
necessidade de mecanizar a cafeicultura (atividade que utilizava muita mão de
obra) fez com que no final da década de 1970 a empresa Jacto lançasse no
73,2% da área total cultivada com essa oleaginosa no país. A região Sul também se destacava no cultivo de trigo, detendo 99,3% da área total ocupada com esse cereal, com destaque também para o estado de RS que cultivava 1,7 milhão de hectares, o equivalente a 81,3% da área total cultivada no país (IBGE, 1975a). 298 Como ressaltamos no capítulo 3, naquela época o Rio Grande do Sul também já se destacava no cultivo de arroz e de trigo, culturas agrícolas que também demandam uma colheita mecanizada. 299 Em 1970 a região Sul contribuía com 43,7% da área total cultivada com milho no Brasil, com destaque para o Paraná que cultivava 2,1 milhões de hectares, o equivalente a 19,9% da área total cultivada com esse cereal no país. Do total de 98.184 colheitadeiras automotrizes e combinadas existentes (trilhadeiras etc.) – infelizmente o IBGE não separou por tipo de máquina – a região Sul possuía mais da metade, 54.499 unidades, com destaque para o estado do Paraná que possuía 19.719 máquinas para a colheita (IBGE, 1975a). 300 Em 1970 o estado de São Paulo detinha 34,2% da área total cultivada com cana-de-açúcar no Brasil (IBGE, 1975a).
222
mercado nacional o primeiro modelo de colhedora de café fabricado no Brasil301.
Se analisarmos os dados da Anfavea sobre as vendas internas de máquinas
agrícolas, verificaremos que na atualidade as principais unidades produtivas desse
segmento industrial também têm procurado se instalar próximo ao seu mercado
consumidor. Por exemplo, observamos que as três fábricas de colhedoras de cana
estão instaladas junto às áreas agrícolas que mais cultivam cana-de-açúcar no
país, isto é, nos estados de São Paulo (disparado o maior produtor nacional) e
Goiás, que atualmente possui a segunda maior área cultivada com esse produto302.
A partir do gráfico 34, podemos analisar a distribuição espacial das vendas
internas de colhedoras de cana-de-açúcar na atualidade:
Gráfico 34 Vendas internas de colhedoras de cana por unidades da federação – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
301 No ano de 1970 o estado de SP cultivou 650.877 hectares de café, o que equivalia a 39,8% da área total ocupada com essa cultura agrícola no país naquela época (IBGE, 1975a). 302 Segundo o censo agropecuário de 2017, naquele ano o estado de São Paulo cultivou 4,8 milhões de hectares com cana-de-açúcar, o equivalente a 52,9% da área total cultivada com esse produto no país. Nesse ano, o estado de Goiás detinha a segunda maior área cultivada com cana, 942.289 hectares, o equivalente a 10,3% da área total (IBGE, 2019a).
61,915,9
6,1
6,1
5,34,5
0,3
Percentual
São Paulo
Goiás
Minas Gerais
Paraná
M. Grosso do Sul
Mato Grosso
Outros
223
Observamos que os dados apontam que no ano de 2018, mais de 60% das
vendas foram feitas para o estado de São Paulo (o equivalente a 398 unidades),
seguido (embora que de longe) pelo estado de Goiás que, como mostramos
anteriormente, possui a segunda maior área cultivada com cana no país. Ressalta-
se que naquele ano essas duas unidades da federação, juntas, adquiriram 77,8%
do total de colhedoras de cana comercializadas no Brasil303.
Pelo gráfico 35, podemos analisar a distribuição espacial das vendas
internas de colheitadeiras de grãos no Brasil:
Gráfico 35 Vendas internas de colheitadeiras de grãos por unidades da federação – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Há de se observar que as principais fábricas de colheitadeiras de grãos (para
milho, soja etc.) também estão instaladas perto de seus mercados consumidores.
O estado de Mato Grosso, o que mais adquiriu colheitadeiras de grãos no ano de
303 Porém, uma análise mais cuidadosa nos mostra que 97% das vendas estão concentradas nas filiais da John Deere, que em 2018 deteve 56,8% do mercado interno de colhedoras de cana (vendendo 365 unidades), e da Case IH, que comercializou 258 colhedoras (40,1% do mercado). A marca Valtra vendeu apenas 20 unidades no ano de 2018, o que equivale a apenas 3,1% do total de vendas internas daquele ano (ANFAVEA, 2019).
22,4
20
16,7
10,2
7
6,7
5,3
2,2 9,4
Percentual
Mato Grosso
Paraná
R. Grande do Sul
Goiás
São Paulo
M. Grosso do Sul
Minas Gerais
Santa Catarina
Outros
224
2018 (o total de 1.291 unidades, o equivalente a 22,4% do total de vendas internas),
não possui fábricas desse tipo de máquina agrícola, mas os estados do Rio Grande
do Sul e o Paraná, que também se destacam no agronegócio, abrigam as fábricas
de colheitadeiras de grãos da John Deere e da AGCO (em RS) e da CNH em
Curitiba – PR. O estado de SP não figura entre os maiores compradores de
colheitadeiras de grãos (contribuindo com apenas 7% das vendas internas), mas
abriga no município de Sorocaba uma unidade da CNH Industrial que fabrica
colheitadeiras de grãos das marcas New Holland e Case IH, como destacamos
anteriormente304.
Aliás, verificamos que o controle do mercado interno de colheitadeiras de
grãos também é concentrado em dois grupos. Por exemplo, no ano de 2018 a John
Deere do Brasil deteve 41,2% das vendas internas desse tipo de máquina
(comercializando 2.372 unidades), enquanto que o grupo CNH Industrial
abocanhou 50,7% do mercado, comercializando 1.018 colheitadeiras da marca
Case e outras 1.902 da marca New Holland. O grupo AGCO deteve apenas 8,1%
das vendas internas, comercializando 387 colheitadeiras de grãos da marca
Massey Ferguson e 80 da marca Valtra (ANFAVEA, 2019).
Se analisarmos a comercialização interna de tratores de rodas, no ano de
2018, constataremos que os maiores consumidores são os estados de SP (que
adquiriu 8.486 tratores), RS, PR e MG. Portanto, observamos que os maiores
compradores desse tipo de máquina também são unidades da federação onde
atuam as grandes fábricas, como em São Paulo (especialmente a fábrica de
tratores das marcas Valtra e Massey Ferguson do grupo AGCO); no Rio Grande do
Sul – onde se fabrica tratores dos grupos John Deere, AGCO, Mahindra e Agrale –
e no Paraná, onde se fabrica tratores das marcas Case e New Holland (do grupo
CNH Industrial).
As vendas internas de tratores de rodas também são concentradas em
poucos grupos, embora que com menor concentração do que nas vendas de
colheitadeiras de grãos e de cana, como observamos anteriormente. Por exemplo,
304 Há de se ressaltar que o estado de São Paulo não é um grande comprador de colheitadeiras de grãos, mas se considerarmos que a proximidade seria importante para a comercialização, poderíamos constatar que juntando o mercado paulista com o sul-mato-grossense, com o de Minas Gerais e o de Goiás, verificaremos que a indústria de colheitadeiras de SP teria cerca de 29% do mercado brasileiro desse tipo de máquinas.
225
no ano de 2018 o grupo AGCO deteve 40,8% do mercado interno, comercializando
8.931 tratores da marca Massey Ferguson e 6.903 da marca Valtra. A John Deere
comercializou 11.614 unidades, o que equivale a 29,9%, enquanto que o grupo
CNH comercializou 8.014 tratores New Holland e 2.969 unidades da marca Case,
detendo 28,4% do mercado nacional (gráfico 36)305:
Gráfico 36 Vendas internas de tratores de rodas por unidades da federação – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Pelos censos agropecuários, de certa forma, também podermos verificar que
as empresas procuram se instalar perto de seu mercado consumidor. Os dados do
último censo agropecuário (referente a 2017) nos permitem observar a distribuição
de tratores agrícolas nos estabelecimentos agropecuários, por unidades da
305 Em relação às vendas internas de tratores, há de se ressaltar que outras empresas também têm se destacado nos últimos anos. Por exemplo, segundo a própria Anfavea (2019), verificamos que no ano de 2018 a Agrale vendeu 372 tratores de rodas. Segundo uma reportagem produzida por Copetti (2019), a Mahindra do Brasil – empresa que, como já mencionamos, é líder mundial na venda de tratores em unidades – tem capacidade produtiva de 1,2 mil tratores por ano e, inclusive, pretende ampliar sua produção para até 9 mil tratores/ano nos próximos anos. Segundo Brambilla (2019), no primeiro semestre de 2019 as vendas da Mahindra do Brasil aumentaram mais de 40% em relação ao ano de 2018. Lembrando que, como citamos anteriormente, outras empresas tais como a sul-coreana LS Tractor e a italiana Landini também comercializam tratores no Brasil.
21,9
15,1
12,610,8
6,8
5,1
4,9
3,2
19,6
Percentual
São Paulo
R. Grande do Sul
Paraná
Minas Gerais
Mato Grosso
Santa Catarina
Goiás
M. Grosso do Sul
Outros
226
federação e por classes de potência das máquinas. Infelizmente o IBGE fornece
dados agrupados em apenas duas classes, tratores com menos de 100 cv e com
100 cv e mais de potência. Mas, esses dados nos permitem observar, por exemplo,
que o estado do Rio Grande do Sul é o que possui mais tratores na agricultura,
242.274 unidades, sendo que, desses, 189.860 (78,4%) têm menos de 100 cv.
Santa Catarina possui menos tratores, 108.375 unidades, mas, desses, 98.132
(90,5%) possuem menos de 100 cv de potência (IBGE, 2019a).
Ressaltamos que não é por acaso que na região Sul do país se instalaram,
como já mencionamos, empresas como a Agrale, Mahindra e a LS Tractor que
produzem tratores de pequeno porte, em grande maioria com potência inferior a 75
cv. Notemos que o mercado regional é atraente para fabricantes de máquinas com
essa classe de potência. Aliás, em pesquisa de campo, fomos informados de que
a unidade da AGCO de Canoas – RS, que há anos vinha fabricando apenas tratores
da marca Massey Ferguson (em todas as faixas de potência), a partir de 2019
também passou a fabricar tratores da maca Valtra, porém com potência de até 140
cv, repassando a fabricação dos tratores maiores para a sua unidade de Mogi das
Cruzes – SP, já que naquele estado e arredores se utiliza preferencialmente os
tratores de maior potência306.
Aliás, Chesnais (1996) também apontou o mercado consumidor como um
fator atraente para a instalação de plantas industriais, no que ele chamou de
“mundialização do capital”.
Quando estudamos a demanda em potencial que se forma na agricultura
brasileira para a utilização de máquinas e implementos agrícolas, não podemos
esquecer da importância do país no comércio agrícola mundial. Segundo um estudo
recente publicado pela Embrapa, realizado por Vieira et. al. (2019), o Brasil pode
ser visto como uma fonte estratégica na geopolítica dos alimentos. Esses autores
verificaram que no ano de 2017 o país possuía o maior saldo na balança comercial
de alimentos, totalizando US$ 76 bilhões307.
306 Constatamos que nos estabelecimentos rurais do estado de São Paulo o percentual de tratores com menos de 100 cv é menor que no RS e em SC, pois é de 76,2%. Em Goiás é de 58,6%; em Mato Grosso do Sul é de 53,8% e em Mato Grosso é de 49,2%, demonstrando que na região Centro-Oeste se utiliza preferencialmente os tratores maiores (IBGE, 2019a). 307 Há de se ressaltar que o Brasil vem aumentando sua participação no comércio mundial de alimentos, inclusive em um contexto em que outros grandes exportadores vêm perdendo importância na balança comercial. Por exemplo, os EUA assistiu seu saldo comercial, na balança de alimentos, cair de US$ 19 bilhões, em 1990, para apenas US$ 70 milhões no ano de 2017. Por
227
Além desse protagonismo no comércio mundial de commodities agrícolas,
verificamos que o Brasil também tem se tornado um atrativo para a indústria de
máquinas agrícolas, devido ao seu menor índice de mecanização da agricultura. O
anuário estatístico da Anfavea (de 2006) apresenta uma análise sobre a evolução
da mecanização na agricultura brasileira, na qual podemos observar que o índice
de mecanização no Brasil aumentou no período 1960-1985, porém estagnou e
inclusive até regrediu ao longo da década de 1990 e nos primeiros anos da década
seguinte. Por exemplo, em 1960 o Brasil possuía 410 hectares (ha.) por trator de
rodas; caindo para 359 em 1970; para 99 em 1980; para 90 em 1985, mas voltando
a subir para 92 em 1990 e para 118 ha./trator no ano de 2000.
De acordo com o estudo de Sarti, Sebbatini e Vian (2009), no ano de 2003
a média de hectares por trator no Brasil havia subido para 170. Só para termos
noção do que isso representa os autores apresentam dados para outros países,
que nos permitem verificar que o índice de mecanização na Argentina era bem
maior, de 93 ha./trator. Na América do Sul era ainda maior, 81; na Ásia era de 59
ha./trator e a média mundial era de 51, sendo que, por exemplo, na Europa a média
era de 26 e nos Estados Unido era de 36 ha./trator.
Pelos dados da tabela a seguir podemos comparar o índice brasileiro de
mecanização agrícola por colheitadeiras com a média de outros países:
Tabela 11 Índice de mecanização com colheitadeiras agrícolas por países selecionados – 1990 e 2005
País Hectares/colheitadeira
1990 2005
Alemanha 80 90 Itália 255 189 França 155 245 China 3.393 391 Estados Unidos 283 433 Argentina 561 590 Canadá 295 603 Rússia 361 958 Brasil 1.230 1.233 Índia 57.437 38.557
Nota: Refere-se a terrar aráveis, inclusive em cultivo permanente.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados levantados por Sarti, Sebbatini e Vian (2009).
outro lado, o Brasil aumentou seu saldo de 7 para US$ 76 bilhões nesse período (VIEIRA et. al. 2019).
228
Os dados dessa tabela nos mostram que no período 1990-2005 vários
países, tais como EUA, Canadá, Rússia e Argentina tiveram aumento de área
cultivada por colheitadeiras agrícolas. Por outro lado, os dados também nos
mostram que especialmente na China e na Índia (apesar desse último país ainda
ter um índice de mecanização baixo em relação aos demais países) ocorreu um
considerável aumento da mecanização, o que pode ser observado pela redução de
área colhida por máquina.
Observamos que um aumento moderado da área por máquina é
compreensível, pois tem-se produzido equipamentos de maior porte e mais
produtivos, o que permite se reduzir a quantidade de colheitadeiras, inclusive
mantendo ou até ampliando a área colhida. Como retratam os dados da tabela 11,
até mesmo em países desenvolvidos como nos EUA e na França tem aumentado
a área por colheitadeiras. Porém, o que nos chama a atenção é que o índice de
mecanização da agricultura brasileira é muito baixo, bem inferior ao dos EUA e,
inclusive, menor que a média de países da América Latina, como da Argentina.
De certa forma, verificamos que o baixo índice de mecanização da
agricultura brasileira faz do país um mercado em potencial, possuindo uma grande
margem para expansão do comércio de máquinas agrícolas; por conseguinte,
tornando-se um atrativo para a indústria desse setor.
Outra situação da agricultura brasileira que torna o país um atrativo para a
indústria de máquinas agrícolas, é a demanda em potencial que surge devido ao
envelhecimento das máquinas utilizadas. Silva, Baricelo e Vian (2015) analisaram
o que eles chamaram de “estoque de tratores”, apontando um envelhecimento e,
inclusive, o sucateamento da frota brasileira de tratores agrícolas. A partir dos
dados levantados por esses autores, constatamos que no ano de 1995 a maioria
dos tratores agrícolas do país possuía entre 10 e 20 anos de uso, mas em 2005 a
frota brasileira estava ainda mais velha, pois 58% dos tratores apresentavam idade
entre 20 e 35 anos. E se juntarmos as duas últimas classes, chegaremos à
conclusão de que 77% dos tratores possuíam mais do que 20 anos de uso. No ano
de 2016308 a parcela de tratores com mais de 35 anos de uso alcançou 49%, o que
nos mostra que naquela época quase a metade dos tratores agrícolas utilizados no
308 Como os tratores envelhecem anualmente os autores conseguiram realizar o cálculo para o ano de 2016, mesmo publicando o artigo um ano antes.
229
Brasil estavam, provavelmente, sucateados (gráfico 37)309.
Gráfico 37 Estoque brasileiro de tratores agrícolas por classes de tempo de uso – 1995-2016
Fonte: Elaboração própria a partir de dados levantados por Silva, Baricelo e Vian (2015).
Outro fator a ser considerado sobre a agricultura brasileira, é a demanda em
potencial que tem surgido devido à grande quantidade de estabelecimentos rurais
que ainda não possuem força mecânica. Segundo o censo agropecuário de 2006,
do total de 5.175.485 estabelecimentos rurais existentes, em 978.277 se utilizava
apenas força motriz e em mais 591.421 se utilizava força animal e mecânica. E há
de se destacar que entre os estabelecimentos que usavam só força motriz, em
apenas 440.606 as máquinas e equipamentos eram próprias, pois no restante se
utilizava força motriz por meio de uso comunitário, de empreiteiras, cedidas por
terceiros, alugadas, cedidas pelo governo (federal, estadual ou municipal) e
principalmente por meio de serviço contratado com operador310, que no ano de
309 Pois, segundo fabricantes e a literatura especializada a vida útil ideal de um trator agrícola varia de 10 a 21 anos (SILVA; BARICELO; VIAN, 2015). 310 Em pesquisa que realizamos, inclusive naquela época, já observamos que na região Sudoeste do Paraná (mais particularmente no município de Francisco Beltrão) os agricultores menores, que não possuíam máquinas agrícolas, contratavam o serviço de máquinas agrícolas e de seus operadores. Em geral, os agricultores que possuem tratores, colheitadeiras e demais implementos
21
5
26
45
18
2
34
58
23
0
19
49
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
1995 2005 2016
Pe
rce
ntu
al
Tratores com até 10 anos Tratores de 10 a 20 anos
Tratores de 20 a 35 anos Tratores acima de 35 anos
230
2006 alcançou 285.768 estabelecimentos rurais do país. Entre os estabelecimentos
que utilizavam os dois tipos de força, em 199.215 também se contratava o serviço
de operador de máquinas agrícolas (IBGE, 2009).
Observamos que o aluguel de maquinário (na prática, a contratação do
serviço de máquinas agrícolas e seus operadores) tem sido uma alternativa para
contornar o problema da falta de acesso à força mecânica, que ocorre
principalmente nas regiões onde predominam as pequenas propriedades rurais
(normalmente, chamadas de “agricultura familiar”). Aliás, esse fator também nos
mostra que, especialmente nos pequenos estabelecimentos rurais, existe uma
demanda em potencial para a aquisição de máquinas agrícolas311.
A partir desses dados e considerando que as vendas de máquinas agrícolas
diminuíram a partir de 2013 (como mencionamos no capítulo anterior), podemos
ressaltar que na atualidade o Brasil possui uma demanda enorme para esse tipo
de equipamento, especialmente de tratores e colheitadeiras agrícolas312. Portanto
que, como ressaltamos anteriormente, as fábricas desse segmento têm procurado
se instalar perto de seu mercado consumidor em potencial.
7.3 O Papel das Inovações na Indústria de Máquinas e Implementos Agrícolas
Ao analisarmos as primeiras fábricas de máquinas agrícolas que surgiram
no Brasil, ainda nas primeiras décadas do século passado, identificamos o
pioneirismo de alguns imigrantes, como Domingos Nardini que em uma pequena
fábrica, instalada em Americana – SP, inovou na têmpera do aço dos arados
costumam prestar serviços externos (para seus vizinhos etc.), inclusive como uma forma de aumentar as suas receitas para pagar os próprios maquinários adquiridos (FLORES, 2006). 311 Inclusive, em 2014 o programa Globo Rural (da TV Globo) exibiu uma reportagem sobre a lucratividade de algumas empresas rurais especializadas na prestação de serviços com máquinas agrícolas, mostrando, por exemplo, que existem produtores rurais do Oeste paranaense que realizam colheitas nos estados de RS, MT, MG, GO e no PA (ALUGAR, 2014). Aliás, desde 2016 existem ferramentas digitais, como a startup Agrishare, que têm servido para aproximar os agricultores às empresas que prestam serviço com máquinas agrícolas (AGRISHARE, 2020). Outra startup criada com a finalidade de locar máquinas agrícolas é a Alluagro, que atua principalmente nos estados do Matopiba (MA, TO, PI e BA). Popularmente, essa ferramenta digital tem sido chamada de “Uber de máquinas agrícolas” (UBER, 2019). 312 Aliás, Silva, Baricelo e Vian (2015), observaram que há um intenso comércio de tratores agrícolas usados no Brasil, processo em que os proprietários mais capitalizados revendem seus tratores usados para agricultores menores, que em geral não possuem capital suficiente para adquirir máquinas novas e, também, porque em muitos casos suas áreas de cultivo não compensariam o investimento em uma máquina que seria pouco utilizada em grande parte do ano.
231
importados, adaptando-os aos diferentes tipos de solos brasileiros313.
Ocorre que, mesmo com o emprego de tecnologia moderna as máquinas
agrícolas são utilizadas no campo, o que obriga os fabricantes a adaptá-las às
especificidades naturais (relevo, solo, clima etc.) que muitas vezes se levantam
como barreiras a seu uso na agricultura. Por exemplo, em pesquisa de campo que
realizamos na Werner Implementos Agrícolas Ltda (localizada em Campo Erê –
SC), recebemos a informação de que essa empresa possui diversas colheitadeiras
de grãos espalhadas, especialmente pelo estado de Santa Catarina, que
periodicamente têm que receber manutenção no sentido de adaptá-las às
especificidades das lavouras e das diferentes culturas agrícolas a serem colhidas.
Em visita realizada à unidade da Deere e Company, instalada em Horizontina
– RS, recebemos a informação de que quando se lança um determinado modelo
de colheitadeira, ele só é comercializado em série depois de ter passado por um
período de testes. Como os modelos que são fabricados internamente, geralmente
são projetados nos Estados Unidos (matriz da empresa), então a unidade do Brasil
produz um projeto piloto, com 25 ou 30 máquinas, colocando-as no campo e aí os
engenheiros, mecânicos, técnicos etc. as aperfeiçoam, adaptando-as às exigências
dos agricultores brasileiros. Segundo informações repassadas por um funcionário
dessa empresa que trabalhou como supervisor na fabricação de colheitadeiras de
grãos por cerca de 35 anos314, muitas vezes um determinado modelo pode
permanecer por cerca de cinco anos sendo adaptado para a venda em série. Esse
processo é conhecido como “tropicalização” do projeto315.
Quando visitamos a unidade da AGCO Corporation de Canoas – RS,
também recebemos informações sobre a necessidade de tropicalização dos
modelos estrangeiros, devido às particularidades do clima e do solo brasileiro, bem
como da intensidade do uso das máquinas no país. O informante da pesquisa, que
313 Sobre os diferentes tipos de solos brasileiros, consultar a classificação da Embrapa (2018). 314 Na atualidade, ele é aposentado, mas abriu uma empresa com outros colegas e presta serviço à essa unidade da John Deere, recepcionando visitantes (clientes, estudantes etc.). 315 Em um estudo realizado na década de 1940 o geógrafo francês André Cholley observou que os domínios geográficos se caracterizam por combinações de complexos, nas quais convergem elementos físicos, biológicos e antrópicos, afirmando que nas sociedades industrializadas predominam os elementos antrópicos, os meios técnicos desenvolvidos com o objetivo de produzir os mais diversos bens, tornando a participação dos elementos naturais menos evidentes, apesar de sua importância (CHOLLEY, 1964a e 1964b). Aliás, acreditamos que a tecnologia aplicada na fabricação de máquinas agrícolas responde aos desafios impostos por elementos naturais, particularmente as especificidades dos solos, relevo e até do clima.
232
trabalha no segmento de fabricação de tratores agrícolas há mais de 20 anos, citou
que enquanto na Europa, por exemplo, um trator trabalha cerca de três meses por
ano, no Brasil opera praticamente o ano todo, pois os estabelecimentos rurais são
policultores (especialmente os menores), utilizando as máquinas mais
intensamente, sendo necessário adaptá-las à condições mais severas de uso316.
No segundo capítulo, também observamos o pioneirismo de outros
imigrantes, tais como Mário Dedini e Américo Romi, que no estado de São Paulo
desenvolveram máquinas e implementos especialmente para as lavouras de cana-
de-açúcar (lembrando que a Romi chegou a fabricar até tratores agrícolas a partir
do final da década de 1940). Da mesma forma, identificamos o pioneirismo dos
imigrantes alemães Frederico Jorge Logemann e Balduíno Schneider, que
inovaram na fabricação de máquinas para colheita a partir de uma fábrica (SLC)
instalada no noroeste do Rio Grande do Sul.
O empreendedorismo, apoiado basicamente na inovação tecnológica, é um
ponto que tem sido valorizado quando se estuda o processo de industrialização.
Alguns autores, como o sul-coreano Linsu Kim, por exemplo, partem do princípio
que é a empresa que estimula as transformações nos produtos e processos, como
alternativa de sobrevivência em um mercado que é altamente competitivo. Em seu
livro, ele visa analisar como ocorre o aprendizado tecnológico microeconômico, isto
é, na empresa, no chão de fábrica (KIM, 2005)317.
Ao estudar a industrialização de seu país, Kim observou que o Estado foi
importante no que se refere ao desenvolvimento tecnológico, especialmente ao
apoiar a educação318. Porém, ele lamenta que mesmo tendo aumentado os
316 Outro exemplo de como as condições naturais obrigam a indústria a adaptar as suas máquinas agrícolas, se tem pelo fato de que os solos de outros países exigem pneus e outros componentes específicos. Por exemplo, os tratores agrícolas exportados pela unidade da AGCO de Canoas – RS para os Estados Unidos são enviados sem rodas e pneus, pois os solos daquele país exigem pneus diferentes dos utilizados no Brasil. Aliás, o tipo de pneu utilizado em máquinas agrícolas é de suma importância porque determinados modelos compactam mais os solos, dependendo se eles são mais argilosos, mais arenosos etc. (informações obtidas na pesquisa de campo – nov. 2019).
317 Em outro capítulo do mesmo livro, Kim e Nelson (2005) chegaram a intitular sua corrente de estudos como teóricos da assimilação. Inclusive, esses autores acreditam que o aprendizado, o espírito empreendedor e a inovação, foram de suma importância para o desenvolvimento econômico dos países de industrialização recente, como a Coreia do Sul, por exemplo. 318 Por exemplo, de 1951 a 1966 o percentual de gastos públicos em educação na Coreia do Sul, passou de 2,5 para 17% do total de despesas do Estado. De 1960 a 1980 o número de engenheiros nesse país passou de 4.425 para 44.999. Em 1995 o número de coreanos que conseguiram o doutorado no exterior atingiu 12.088, em grande maioria (mais de 60%) obtidos nos EUA e uma parte menor que estudaram no Japão (KIM, 2005).
233
investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) a Coreia do Sul ainda
investiria menos do que a maioria dos países desenvolvidos.
Ao estudar o caso brasileiro, Bielschowsky (2012) sugere que a retomada do
desenvolvimento econômico considere o que ele chamou de frentes de expansão,
no qual o Estado deve estimular o consumo em massa, explorar os recursos
naturais e melhorar a infraestrutura. No seu entendimento, para a realização de tal
projeto se faz necessário o uso de alguns instrumentos “turbinadores”,
especialmente a inovação tecnológica e o apoio aos setores tradicionais
fragilizados.
Ao analisarmos a indústria brasileira de máquinas agrícolas, verificamos que
o investimento tecnológico tem sido importante. Por exemplo, em pesquisa de
campo, realizada no Show Rural Coopavel, 2019, recebemos informações,
inclusive de representantes comerciais ligados à empresas concorrentes, que o
diferencial das máquinas e implementos fabricados pela John Deere seria a
tecnologia embarcada. Em visita de estudo que realizamos à unidade dessa
empresa instalada em Horizontina – RS, recebemos a informação de que a Deere
& Company (global) investe, diariamente, cerca de US$ 4 milhões em P&D. Por
exemplo, só no sistema de pintura por imersão, implantado nessa unidade a partir
de 2003, foi gasto cerca de US$ 12,5 milhões319.
Na visita à fábrica, pudemos observar que a John Deere utiliza um sistema
flexível de produção, pois ela tem uma capacidade produtiva de até 24
colheitadeiras de grãos por dia, mas que a produção efetiva varia conforme a
demanda, com suas vendas320. Na linha de produção, constatamos a utilização do
sistema Kan-Ban de gestão de estoques que, grosso modo, consiste em um
319 Segundo o informante da pesquisa – que trabalhou como supervisor na fabricação de colheitadeiras agrícolas por mais de 30 anos e que, mesmo depois de aposentado, ainda presta serviços recepcionando visitantes na unidade de Horizontina – o sistema de pintura por imersão via eletrodeposição (e-coat) aumentou a capacidade de pintura em mais de 40%, o que tornou essa unidade da John Deere uma referência mundial nesse segmento industrial. Segundo esse informante, apenas quatro empresas no mundo utilizam esse sistema de pintura. Pelo o que observamos na pesquisa de campo, grosso modo, trata-se de um sistema de pintura totalmente automatizado, em que os módulos de peças são conduzidos mecanicamente (por uma linha ou esteira comandada por softwares) até os tanques de imersão, de onde saem, também mecanicamente, para a estufa de secagem. De modo geral, verificamos que os módulos de peças recebem uma carga elétrica oposta à carga de eletricidade contida nas partículas de tinta, de modo que ocorra atração da tinta pelas peças a serem pintadas. 320 Por exemplo, no dia em que realizamos a visita de estudo (17 de junho de 2019), a unidade de Horizontina – RS estava fabricando o total de 13 colheitadeiras de grãos.
234
processo produtivo pensado pela demanda, no qual a linha de montagem é dividida
em postos de trabalho e que os estoques de peças e componentes são alimentados
e controlados pelos próprios trabalhadores, evitando desperdícios, estoques
desnecessários e atrasos de tempo de produção, conforme já observou, por
exemplo, Coriat (1994) em seu estudo sobre o sistema toyotista de produção321.
No início da década de 2000, Gramkow (2002) realizou um estudo sobre as
estratégias do grupo AGCO do Brasil, no qual ela verificou que as unidades
instaladas no país não investem diretamente em P&D porque essa multinacional
adquire tecnologia de outras unidades do grupo alojadas no exterior, adaptando-a
ao mercado brasileiro (a já mencionada “tropicalização”).
Em visita de estudo que realizamos à unidade da AGCO de Canoas RS,
também observamos que essa empresa importa tecnologia, mas constatamos que
essa unidade produtiva possui um departamento destinado ao desenvolvimento
tecnológico. Inclusive, observamos a presença de estudantes de cursos como de
Engenharia Mecânica que fazem estágios, tanto no setor de montagem como no
de pesquisa e desenvolvimento322.
Ao visitarmos a CNH Industrial de Curitiba, que fabrica tratores agrícolas e
colheitadeiras de grãos, pudemos observar que essa multinacional também investe
pesado em tecnologia323, tanto no setor de fabricação como no de montagem o
que, segundo o informante da pesquisa324, aumenta a qualidade da produção, bem
como a produtividade dessa unidade industrial.
Outro fator apontado por Kim (2005), que foi relevante à industrialização da
Coréia do Sul e que observamos ocorrer na indústria de máquinas agrícolas
321 Essa unidade da John Deere que visitamos utiliza diversos postos automatizados (robôs) na produção, desde o sistema de transporte de peças e componentes até os processos de dobra de chapas, perfuração, solda, bem como na pintura das colheitadeiras. 322 Na linha de montagem de tratores agrícolas, também observamos a utilização do sistema Kan-Ban de gestão de estoques. Fomos informados de que em alguns processos produtivos, como de soldas, a unidade da AGCO de Santa Rosa, RS – como já destacamos, fabricante de colheitadeiras de grãos – é uma referência, pois possui modernos robôs com essa finalidade. Como adquirir novos robôs seria relativamente dispendioso para todas as unidades do grupo, então a unidade de Santa Rosa passou a prestar serviço de solda de determinados módulos de peças, inclusive para a montagem de tratores agrícolas, que é realizada em Canoas – RS e em Mogi das Cruzes – SP. 323 Por exemplo, no ano de 2018 a CNH Industrial (global) informou que investiu US$ 485 milhões em P&D no segmento de máquinas e equipamentos agrícolas (CNH, 2020). 324 Ele nos informou que trabalhou na unidade de Curitiba por 40 anos, desde a instalação da New Holland em 1975 até o ano de 2015 quando se aposentou. Mas, foi convidado a continuar trabalhando na recepção de clientes e outros visitantes a essa unidade, que na atualidade pertence ao grupo CNH Industrial (visita de estudo realizada em fevereiro de 2020).
235
instalada no Brasil, é a assimilação de tecnologia por meio de engenharia reversa;
que consiste, grosso modo, na aquisição de máquinas (ou de patentes de invenção
delas) para conhecê-las com o objetivo de reconstruí-las por meio de combinações,
isto é, inovando a partir de modelos já aprovados e que estejam disponíveis. Por
exemplo, como mencionamos no capítulo 3, na década de 1940 a empresa
Schneider Logemann (SLC) começou fabricar trilhadeiras por meio de engenharia
reversa, desmontando máquinas mais antigas fabricadas na região de Cachoeira
do Sul – RS para “aprender como se faz”, com a intenção de lançar novas
combinações325. Aliás, no início da década de 1960 essa empresa utilizaria,
basicamente, a mesma tática ao adquirir uma velha colheitadeira importada (marca
John Deere, modelo 55), desmontando-a para aprender como se produz esse tipo
de máquina326.
Na atualidade, encontramos empresas desse segmento que ainda se valem
da engenharia reversa. Por exemplo, no município de Campo Erê, no Oeste
catarinense, está instalada uma fábrica de máquinas agrícolas (marca Werner) que
combina modelos de colhedoras acopladas a tratores com trilhadoras-combinadas
(mais conhecidas como “batedores”), produzindo um modelo de colheitadeira de
grãos que já está sendo testado em lavouras de várias regiões do Brasil327.
325 As trilhadeiras que começaram a ser fabricadas pela Schneider e Logemann (no final da década de 1940) se diferenciavam das velhas trilhadeiras utilizadas na região arrozeira de Cachoeira do Sul porque, além de arroz, elas também trilhavam feijão, milho e soja, produtos agrícolas que já eram cultivados na região Noroeste do RS naquela época. Outra combinação importante é que a SLC inovou a partir da utilização de matérias-primas simples e mais baratas. Por exemplo, devido ao alto custo do ferro, essa empresa fabricava suas máquinas utilizando o máximo possível de madeira, material que era mais acessível naquela região que contava com inúmeras madeireiras (o próprio grupo Schneider Logemann possuía uma serraria instalada, também, em Horizontina) e com mão de obra relativamente qualificada para essa atividade (marceneiros etc.). Aliás, os mecânicos e sócios fundadores dessa empresa ficaram surpresos quando lançaram uma trilhadeira toda de ferro (pensando que seria um sucesso), mas os agricultores rejeitaram esse modelo, alegando que preferiam as máquinas feitas de madeira, pois facilitavam a manutenção e com menor custo (SCHNEIDER, 1995). 326 Como mencionamos no terceiro capítulo, em 1965 a SLC lançou a primeira colheitadeira fabricada no Brasil, o modelo A 65. O interessante é que em pouco tempo essa máquina seria nacionalizada, pois em um anúncio de vendas desse modelo, publicado ainda na década de 1960, verificamos que seu índice de nacionalização já alcançava 98,86% em relação ao peso e 98,81% em relação ao seu custo (SCHNEIDER, 1995). 327 Em visita de estudos, realizada em fevereiro de 2019, fomos recebidos pelo proprietário dessa empresa, que é o seu principal projetista. Trata-se de um senhor entusiasmado pelo estudo e pela criação de máquinas e implementos agrícolas. Aliás, ele nos informou que já possui diversas patentes de invenções nesse segmento e que tem como filosofia de vida contribuir para a criação de novos produtos. Inclusive, quando perguntamos a ele se não se preocupava, por exemplo, com a concorrência ou com o assédio de empresários que pudessem querer adquirir suas patentes ou sua própria empresa, ele nos respondeu que o que mais lhe interessava seria “a satisfação de poder ajudar a sociedade com suas invenções”.
236
Há de se ressaltar que o desenvolvimento tecnológico também tem se
difundido no setor de fabricação de máquinas agrícolas por meio de empresas
fornecedoras de componentes. Por exemplo, em Caldas Novas – GO (a 168 Km de
Goiânia) está instalada a J.ASSY Agrícola, especialista em soluções tecnológicas
para o gerenciamento de dosagem de sementes e para o monitoramento do plantio
(plantio de precisão)328. Essa empresa fornece seus produtos para fábricas de
plantadeiras e semeadoras, tais como a Marchesan, Fankhauser, KF, Imasa e
inclusive para filiais de multinacionais como a Kuhn (J.ASSY, 2019).
Portanto, observamos que, por um lado, a tecnologia passa a ser importante
para a competitividade industrial, mas, por outro, ela é popularizada, o que
praticamente anula suas vantagens frente à concorrência já que todas as empresas
do setor passam a ter acesso a essas inovações329.
As inovações são imprescindíveis para o desenvolvimento econômico,
porém verificamos que a inserção de tecnologia na indústria brasileira de máquinas
agrícolas é limitada, devido ao atraso tecnológico de alguns setores da indústria do
país330. Como analisamos anteriormente, esse segmento tem importado desde
eixos, sistemas de transmissão, motores, carenagens, itens eletrônicos para a
agricultura de precisão, entre outros bens intermediários331.
Pelas visitas de estudo que realizamos à unidades produtivas, observamos
as particularidades do Brasil em relação ao acesso à tecnologia. Por exemplo, a
CNH Industrial de Curitiba produz colheitadeiras da linha TC da New Holland que
são máquinas mais simples, com menos tecnologia embarcada do que as
máquinas da linha CR (dessa mesma marca), fabricadas em Sorocaba – SP, que
328 Entre as soluções inovadoras oferecidas por essa empresa brasileira, estão os dosadores de sementes pneumáticos Selenium e o dosador mecânico Titanium. Ela também fabrica sensores de fluxo Visum Adubo e o Visum Grãos Finos e os discos de plantio Apollo (J.ASSY, 2019). 329 Por exemplo, no Show Rural Coopavel, 2019, entrevistamos um representante comercial da empresa Marchesan (“Tatu”). Quando perguntamos se, por acaso, essa empresa que historicamente se desenvolveu fabricando implementos para o preparo do solo (grades, arados etc.) não teria dificuldades para competir com a tecnologia de outras empresas especializadas na fabricação de máquinas para o plantio, ele nos respondeu que a tecnologia utilizada em sua plantadeira “é a mesma utilizada nas outras plantadeiras fabricadas no Brasil, os dosadores fornecidos pela Titanium”. 330 Inclusive, recentemente a telefônica TIM lançou o projeto “4G TIM no Campo”, com o objetivo de oferecer internet para os grandes grupos agrícolas que atuam no Brasil, como para a SLC Agrícola controlar seus tratores e colheitadeiras, já que o serviço de internet ainda é precário em grande parte da área rural do país, o que atrapalha a agricultura de precisão, por exemplo (TIM, 2020). 331 Lembrando que a indústria de máquinas agrícolas instalada no Brasil pode importar até 40% do valor ou do peso das peças e componentes. Recentemente (a partir de 2018), mudou as regras no credenciamento do Finame do BNDES, em alguns casos podendo importar até 50% (BNDES, 2020).
237
são adaptadas à agricultura de precisão. Isso ocorre porque grande parte dos
agricultores brasileiros ainda não possuem acesso à tecnologia, pois não há, por
exemplo, uma internet mais eficiente na área rural. Inclusive, nessa mesma visita
de estudos observamos que grande parte dos tratores fabricados nessa unidade
produtiva (das marcas New Holland e Case) não saem de fábrica com os itens para
a agricultura de precisão (piloto automático, sensores de mapeamentos, entre
outros). Aliás, ao visitarmos a linha produtiva da AGCO Corporation de Canoas –
RS, também verificamos que um determinado modelo de trator pode sair de fábrica
com diversas configurações, dependendo do bolso e das necessidades do cliente.
Além disso, há de se diferenciar pesquisa e desenvolvimento das inovações
propriamente ditas. Mazzucato (2014) adverte que o processo de P&D não pode
ser concebido como sinônimo de inovação, pois, por exemplo, nas décadas de
1970 e 80 o Japão obteve melhor desempenho econômico que a Rússia, porém
investindo proporcionalmente menos em pesquisa e desenvolvimento.
Como verificou Galbraith (1982), nas economias capitalistas a mesma
tecnologia capaz de tornar as empresas mais competitivas contribui para
intensificar a concorrência no setor industrial, por conseguinte, tornando o mercado
inseguro, o que acaba por dificultar a própria difusão tecnológica.
Inclusive, Rosenberg e Frischtak (1983) mencionaram que não há provas de
que as inovações tecnológicas seriam determinantes dos ciclos econômicos – isto
é, que a matriz tecnológica seria o motor das ondas ascendentes da conjuntura
econômica – e das mudanças estruturais ocorridas na dinâmica do capitalismo
avançado como pensam, por exemplo, os autores neoschumpeterianos.
Aliás, o próprio Schumpeter (1982) ressalta – como na citação que utilizamos
no início desse capítulo – que alguém só é empresário quando consegue,
efetivamente, realizar novas combinações, de modo que se torna comum que os
homens de negócios, assim que se estabeleçam em uma determinada atividade,
deixem de inovar, o que acaba por debilitar a competitividade de suas empresas.
Nessas condições, verificamos que as inovações têm sido condicionantes
para a indústria brasileira de máquinas agrícolas, mas não têm sido suficientes para
manter as empresas no mercado, à medida que notamos que o capital externo tem
se inserido no país, adquirindo a maioria das empresas nacionais desse segmento,
como analisaremos no capítulo a seguir.
238
CAPÍTULO VIII
OS GRANDES GRUPOS INTERNACIONAIS DA INDÚSTRIA DE MÁQUINAS
AGRÍCOLAS E O CAPITAL FINANCEIRO IMPERIALISTA
O imperialismo é o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo à partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências capitalistas (LÊNIN, 1987, p. 88).
A economia periférica pode ser estudada como um organismo primitivo, que tem parte do seu corpo dentro e outra parte fora do território nacional. (RANGEL, 1986, p. 53-4).
Apesar de escrita há mais de 100 anos essa colocação feita por Vladimir
Lênin nos apresenta importantes instrumentos para analisarmos a dinâmica do
capital financeiro na atualidade, bem como para estudar a sua ação sobre os
grandes grupos industriais que partilham o mundo de acordo com seus interesses.
Da mesma forma, verificamos a atualidade do pensamento de Ignácio
Rangel, ao nos mostrar que não é possível entender a economia brasileira sem
considerar suas relações com o centro dinâmico da economia mundial.
A partir dessa linha de entendimento, nesse capítulo analisaremos a
formação dos principais grupos industriais que controlam a fabricação mundial de
máquinas agrícolas. Estudaremos a ação do capital financeiro sobre esses grupos
internacionais, bem como o processo de desnacionalização de importantes
empresas brasileiras desse segmento industrial.
8.1 Uma Nota sobre a Dinâmica do Capital Financeiro
A ação do capital financeiro sobre os principais grupos internacionais
fabricantes de máquinas agrícolas nos faz recorrer aos estudos de Marx, Hilferding
e Lênin. Na seção III (Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro) do livro terceiro
de O Capital, Marx (1984c) observou que é característico do sistema capitalista que
a parte do capital variável (gastos com a força de trabalho) decresça em relação ao
capital global aplicado (ao capital constante: meios de produção, matérias-primas
239
e auxiliares); resultando em redução da taxa de lucro (já que a mais-valia só pode
sair da parte do capital variável). Porém, Marx observou que a massa de lucro pode
aumentar, desde que se intensifique a acumulação e a concentração de capital.
Aliás, no início do século passado, Hilferding (1985) – apoiado nos estudos
do próprio Marx – analisou a formação do capital financeiro, observando que a
queda da taxa de lucro intensificou a acumulação de capital, pois os grandes
bancos e investidores começaram ampliar o que ele chamou de “território
econômico”. No seu entendimento, esse processo resultou na concentração de
capitais, pois os capitalistas deixaram de ser empresários industriais para se
tornarem acionistas, formando empresas gigantescas com a intenção de controlar
a economia mundial; portanto, retirando o protagonismo do capital industrial:
[...] o capital financeiro não quer liberdade, mas dominação; não tem interesse pela autonomia do capital industrial, mas exige seu atrelamento; detesta a anarquia da concorrência e quer a organização, certamente apenas para poder retomar a concorrência numa escala mais alta. (HILFERDING, 1985, p. 314).
Alguns anos mais tarde, Lênin (1987) não só confirmou que Marx estava
certo, ao afirmar que a concorrência capitalista levaria à concentração de capital,
como também observou que o protagonismo do capital financeiro – mencionado
por Hilferding – resultaria em uma fase superior do capitalismo, na qual o capital
financeiro se tornaria imperialista, pois o capital concentrado em “meia dúzia” de
bancos partilharia praticamente todo o planeta em busca de vantagens.
Como mencionamos no capítulo 5, a partir da década de 1980 o capital
financeiro se fortaleceu, especialmente devido às mudanças propostas pelos
Estados Unidos por meio de organismos financeiros internacionais (como o FMI), o
que resultou em um processo de financeirização, no qual o capital financeiro
passou a subordinar o capital produtivo, inclusive a grande indústria.
8.2 A Formação dos Principais Grupos Industriais do Setor de Máquinas
Agrícolas
No quadro 8, sintetizamos os principais acontecimentos que marcam a
formação dos grandes grupos fabricantes de máquinas agrícolas, bem como a
240
evolução das principais empresas brasileiras desse setor.
Quadro 8 Principais acontecimentos que deram origem aos grandes grupos industriais fabricantes de máquinas agrícolas – séculos XIX, XX
Ano Acontecimento Origem do
capital
1834 Cyrus McCormick patenteia o aperfeiçoamento de uma colheitadeira (uma ceifa puxada a cavalos) que se tornaria muito conhecida.
Virgínia/EUA
1837 O ferreiro John Deere fabrica o primeiro arado com ferro forjado.
Illinois/EUA
1842 Fundação da JI Case Threshing Machine Company. Wisconsin/ EUA
1847 Fundação da Massey Manufacturing Co. Toronto/
Canadá
É criada a McCormick Harvesting Machine Company. Chicago/EUA
1864
Surge a empresa Motorenfabrik N.A. Otto & Cie (Deutz A.G.), primeira fábrica de motores do mundo.
Colônia/ Alemanha
A empresa Kuhn começa fabricar implementos agrícolas. França 1868 Fundação da empresa Deere & Company. Illinois, EUA 1857 Fundação da Harris, Son and Company Limited. Ontário/
Canadá 1869 A JI Case Co. lançou o primeiro trator movido a vapor. Wisconsin/
EUA 1892 John Froehlich fabrica o primeiro trator a gasolina. EUA 1893 Fundação da empresa Waterloo Gasoline Engine Company. Iowa/ EUA 1895 Fundação da New Holland Machine Company. Pensilvânia/
EUA 1902 A International Harvester adquire a empresa McCormick e Co. Illinois/EUA 1905 Fundação da Hart-Parr Company, primeira fábrica específica
de tratores. Iowa/EUA
1913 É fundada a empresa Claas, fabricante de colheitadeiras, tratores e outras máquinas agrícolas.
Harsewinkel/ Alemanha
1917 A Ford lança o trator Fordson, que dominaria o mercado dos e EUA e do Canadá ao longo da década de 1920.
EUA
1921 A empresa Henrich Lanz AG fabrica o trator Lanz Bulldog, que funcionava tanto a gasolina como a óleo vegetal.
Manheim/ Alemanha
1925 A International Harvester (IH) fabrica o Farmall, primeiro trator para uso geral na agricultura.
EUA
1927 A empresa Deutz A.G. fabrica seu primeiro trator a diesel. Alemanha
Os irmãos Francesco e Eugenio Cassani fabricam um dos primeiros tratores agrícolas do mundo com motor a diesel.
Triviglio/ Itália
1934 Fundação da empresa Ferguson-Brown Company. Yorkshire/ Inglaterra
1942 É estabelecida a Società Accomandita Motori Endotermici (SAME), fábrica de tratores agrícolas (marca Cassani).
Triviglio/ Itália
1946 A empresa francesa Kuhn (fabricante de implementos agrícolas) é adquirida pelo grupo financeiro suíço Bucher.
Suíça
1951 Fundação da estatal Valtion Metallitehtaat (Valmet Oy). Finlândia 1953 Fusão das empresas Massey-Harris e Ferguson-Brown,
dando origem à Massey Ferguson. EUA/Inglaterra
241
Ano Acontecimento Origem do
capital
1956 A empresa Henrich Lanz AG. é adquirida pela Deere & Company dos EUA.
Illinois, EUA
1957 É instalada a Massey Ferguson do Brasil. São Paulo/BR 1960 É instalada a Valmet do Brasil. São Paulo/BR 1962 Surge a empresa Ford Tractors Operations. EUA 1965 A empresa brasileira Schneider Logemann (SLC) lança a
primeira colheitadeira automotriz fabricada no Brasil. Rio Grande do Sul/BR
1968 O grupo Deutz A.G. adquire parte das ações da empresa Fahr A.G., surgindo a empresa Deutz-Fahr.
Alemanha
1979 A Deere e Co. adquire parte das ações da empresa SLC. EUA 1983 O grupo financeiro brasileiro Iochpe adquire o controle
acionário da Massey Ferguson do Brasil. Rio Grande do Sul/BR
1985 Fusão das empresas JI Case com a International Harvester, dando origem à Case IH.
EUA
1986 A Ford Tractors Operations adquire a New Holland, surgindo a Ford New Holland Inc.
EUA
1990 Fundação do grupo AGCO Corporation. Geórgia/EUA 1991 A FiatAgri adquire a Ford New Holland Inc. Itália
1994 A AGCO Corporation adquire as ações globais da Massey Ferguson.
Geórgia/ EUA
1995
A Case IH adquire a marca australiana Austoft de colhedoras de cana-de-açúcar.
EUA
A SAME adquire a empresa alemã Deutz-Fahr, surgindo a SAME, Deutz-Fahr (SDF), fabricante de máquinas agrícolas em geral.
Triviglio/ Itália
1996
A AGCO Corporation adquire a marca Massey Ferguson do Brasil.
Geórgia/ EUA
Fundação da empresa Montana Indústria de Máquinas S.A. Paraná/BR
1997
É fundada a divisão de máquinas agrícolas da Metasa S.A. Rio Grande do Sul/BR
AGCO Corporation adquire a empresa alemã Fendt, fabricante de tratores e colheitadeiras.
Geórgia/EUA
1999
Fusão das empresas FiatAgri com a Case Corporation, dando origem à CNH Global.
Itália
A Deere e Company adquire o restante das ações da empresa brasileira SLC.
EUA
2004 A AGCO Corporation adquire a Valtra Corporation. Geórgia/EUA 2005 O Kuhn Group adquire a divisão agrícola da empresa
brasileira Metasa S.A. França/Suíça
2007 A AGCO Corporation adquire a empresa brasileira Sfil. Geórgia/EUA 2011 Fundação da Fiat Industrial Spa. Itália 2012 A AGCO Corporation adquire a maioria das ações da empresa
brasileira Santal, que foi totalmente adquirida no ano de 2014 Geórgia/ EUA
2013 Fusão das marcas Fiat Industrial com a CNH Global, dando origem ao grupo CNH Industrial N.V.
Itália
2014 O Kuhn Group adquire a empresa brasileira Montana Indústria de Máquinas.
França/Suíça
Fonte: Elaboração própria a partir de dados retirados de AGCO (2019a), Bucher (2019), Case IH (2019), Claas (2019a), CNH (2019c), Deutz-Fahr (2019), Fonseca (1990), Kuhn (2019) e SDF (2019).
242
A partir das informações apresentadas nesse quadro, podemos observar
que uma grande quantidade de empresas fabricantes de máquinas e implementos
agrícolas surgiram nos últimos dois séculos. Lembrando que não expomos a
totalidade de empresas atuantes nesse setor. Mas, uma análise mais atenta nos
mostrará que, na atualidade, a maioria dessas empresas está concentrada em
poucas corporações, basicamente em apenas três grades grupos: AGCO
Corporation, CNH Industrial e Deere & Company.
Na figura 8, podemos observar a formação das principais empresas que na
atualidade fazem parte da AGCO Corporation. Observamos que uma das
“vertentes” de empresas que mais tarde passariam a fazer parte desse grupo está
no Canadá, quando em 1847 foi fundada, em Toronto, a Massey e dez anos mais
tarde a Harris Company, em Ontário. Essas empresas se fundiram no final do
século XIX, dando origem à Massey-Harris Limited. Mas, a internacionalização
dessas marcas ocorreu a partir da década de 1950, depois da fusão da Massey-
Harris e da companhia inglesa Ferguson-Brown, dando origem à Massey Ferguson.
Há de se lembrar que logo depois de sua fusão a Massey Ferguson instalou
uma filial no Brasil (no ano de 1957), na cidade de Taboão da Serra – SP. No início
da década de 1980 o controle acionário dessa marca, no Brasil, passou para o
grupo financeiro nacional Iochpe332, que inclusive mudaria a linha de produção para
a cidade gaúcha de Canoas. Mas, em 1996 essa marca foi vendida ao grupo
estrangeiro AGCO, que em 1992 já havia adquirido a marca Massey Ferguson
internacional.
Outra ramificação da AGCO e que tem influência no Brasil, data de meados
do século passado quando surgiu a Valmet, uma companhia estatal finlandesa
fabricante especialmente de tratores agrícolas que, como já mencionamos no
terceiro capítulo, em 1960 instalou uma unidade em Mogi das Cruzes – SP, também
para fabricar tratores agrícolas. Essa empresa que, em 1997 foi privatizada e
mudou a razão social para Valtra, a partir de 2004 também foi adquirida pelo grupo
AGCO (figura 8)333.
332 Adiante, analisaremos a ação do grupo financeiro nacional Iochpe no segmento de máquinas agrícolas. 333 No ano de 2012 a AGCO também adquiriu a empresa brasileira Santal S.A., especializada na fabricação de máquinas agrícolas para o cultivo de cana-de-açúcar. No Brasil a AGCO fabrica máquinas e implementos das marcas Massey Ferguson e Valtra.
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O grupo CNH Industrial (figura 9) se constituiu a partir de 2013, mas também
tem raízes em empresas que surgiram no século XIX. Pelo lado da marca New
Holland a sua formação iniciou em 1895, quando surgiu (na Pensilvânia – EUA) a
New Holland Machine Company, que em 1947 foi adquirida pelo grupo financeiro
nova-iorquino Sperry Gyroscope Company (especialista em equipamentos
eletrônicos), dando origem à Sperry New Holland, Inc. Em 1986 essa empresa foi
adquirida pela Ford Tractors Operations – divisão agrícola da Ford Motors que
havia sido criada em 1962 –, dando origem à Ford New Holland, Inc. que em 1991
seria adquirida pela divisão agrícola da empresa italiana Fiat (FiatAgri).
No Brasil a New Holland iniciou suas atividades em 1975, quando foi
instalada uma fábrica de colheitadeiras na cidade industrial de Curitiba – PR.
A outra ramificação do CNH iniciou na década de 1840, quando surgiram
nos EUA as empresas JI Case Threshing Machine Company (em Wisconsin) e
McCormick Harvesting Machine Company (em Chicago). Em 1902 essa última
empresa foi adquirida pela International Harvester Company (de Illinois – EUA). A
Fusão da Case com a International Harvester ocorreria em 1985, dando origem à
Case IH. Em 1994 essa companhia também foi adquirida pela FiatAgri, que a partir
de 2011 se fundiria com a Fiat Industrial Spa. Dois anos mais tarde seria criado,
com sede administrativa na Holanda, o grupo CNH Industrial NV (figura 9)334.
A Deere & Company também possui uma história centenária, pois começou
suas atividades na década de 1830 a partir das experiências do ferreiro John Deere
(em Illinois – EUA), mas foi a partir de 1868 que se tornou fabricante de máquinas
agrícolas em geral. Assim como os outros grupos citados a Deere e Co. expandiu
suas atividades por meio de aquisições. Por exemplo, em 1918 ela adquiriu a
Waterloo Gasoline Engine Company, empresa estadunidense que havia sido
fundada em Iowa, em 1893, conhecida por ter sido a primeira a fabricar um trator a
gasolina. Outra empresa centenária adquirida pela John Deere (no ano de 1956),
foi a Heinrich Lanz AG. que surgiu em Mannheim, na Alemanha, em 1856.
No Brasil a Deere & Co. começou a se inserir a partir de 1979 ao adquirir
parte das ações da empresa gaúcha SLC, que seria totalmente desnacionalizada
em 1999 (figura 10).
334 No Brasil a Case se instalou a partir de 1971 (em São Paulo, capital) e em 1977 instalou uma fábrica na cidade de Sorocaba – SP.
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247
Além dessas três corporações que fabricam desde tratores, colheitadeiras e
uma diversidade de implementos agrícolas (para preparo do solo, plantio,
pulverização etc.), outro grupo que tem se expandido e atuado inclusive no Brasil,
é o Kuhn S/A que tem origem em Servene, na França (no final da década de 1820),
e que desde meados do século XIX passou a atuar nesse segmento industrial.
Até a década de 1930 o grupo Kuhn atuou basicamente na França, mas em
1946 ganhou apoio do centenário grupo financeiro suíço Bucher-Guyer AG
(fundado em 1807. A partir desse período as unidades produtivas se espalharam
para outros países. Na atualidade o Group Kuhn possui cinco unidades produtivas
na França que são: a Kuhn SA, em Servene; a Kuhn MGM em Monswiller; Kuhn-
Huard SA, em Châteaubriant; a Kuhn-Audureau SA em La Copechagnière; a Kuhn-
Blanchard SAS em Chaumes-en Retz e a Artec Pulvérisation SAS (uma subsidiária)
em Corpe. Na Holanda também está instalada uma unidade produtiva, a Kuhn-
Geldrop B.V., em Geldrop. E nos EUA estão instaladas a Kuhn North America, Inc.
(em Brodhead) e a Kuhn Krause, Inc. em Hutchinson335.
No Brasil a Kuhn iniciou suas ativiadades a partir de 2005 quando adquiriu a
divisão agrícola da Metasa S.A. (destacada na produção de máquinas para o
plantio direto), ampliando sua participação a partir de 2014 ao adquirir a empresa
paranaense Montana Indústria de Máquinas S/A, que se destacava na fabricação
de pulverizadores autopropelidos (KUNH, 2019).
Enfim, observamos que as empresas expostas no quadro 8, praticamente,
foram incorporados por apenas três ou quatro corporações industriais. Adiante
analisaremos a importância do capital financeiro sobre esse processo.
8.3 A Partilha do Mundo pelos Grandes Grupos da Indústria de Máquinas
Agrícolas
A partir do mapa 6, podemos analisar as vendas dos principais grupos da
indústria de máquinas agrícolas por regiões do mundo:
335 Há de se destacar que no ano de 2017, 40,6% das vendas líquidas desse conglomerado vieram do segmento de máquinas e equipamentos agrícolas: tratores, arados, cultivadores, semeadoras, espalhadores de fertilizantes, pulverizadores, ceifeiras, cultivadores de restolho, segadoras, aradoras, trituradores, colheitadeiras de forragem, etc., que são fabricados por empresas do Kuhn Group (BUCHER, 2019).
240
249
Aparentemente, existiria na atualidade várias empresas que atuam no
segmento de máquinas e implementos agrícolas. Porém, uma análise mais atenta
nos mostrará que o mercado está controlado por apenas dois ou três grandes
grupos industriais. Por exemplo, pelo mapa 6 podemos verificar que o grupo Kuhn
tem atuação global, mas que sua participação no mercado é pequena se
comparada aos demais conglomerados. De acordo com o relatório contábil do
Bucher Industries AG (grupo financeiro suíço detentor da marca Kuhn), no ano de
2019 a Kuhn obteve 1,18 bilhão de francos suíços (CHF)336 de receitas com vendas,
sendo que 67% (CHF 791 milhões) dessas receitas têm origem na Europa; 27%
(CHF 319 milhões) nas Américas; apenas 3% (cerca de 35 milhões de francos
suíços) na Ásia e outros 3% de receitas que resultam de vendas em outros países
(BUCHER, 2020).
Ou seja, apesar de ter expandido nas últimas décadas, inclusive adquirindo
até algumas empresas brasileiras, o grupo Kuhn ainda tem uma participação
acanhada no mercado se comparado, por exemplo, à participação da John Deere,
líder nesse segmento. Inclusive, verificamos que na Europa a fatia de mercado
apropriada pela Kuhn é inferior à parte controlada pela empresa alemã CLAAS
Group, por exemplo. Na atualidade a CLASS – empresa que surgiu em 1913, em
Harsewinkel, na Westphalia – é líder mundial na fabricação de colheitadeiras
autopropelidas para forragem337 e líder europeia na comercialização de
colheitadeiras de grãos338. No ano de 2019 suas vendas na Europa ultrapassaram
os 3 bilhões de euros (€), com destaque para as receitas de vendas ocorridas na
própria Alemanha, que alcançaram € 800 milhões, bem como na França que
336 O que equivale a US$ 1,2 bilhão, segundo o conversor de moedas do Banco Central do Brasil (BCB, 2020). 337 Por exemplo, no Show Rural Coopavel 2019, pudemos verificar a exposição de alguns modelos de colheitadeiras para forragem, de enfardadeiras e de outros equipamentos da marca CLAAS destinados à pecuária. Essa empresa não possui fábrica no Brasil, mas detém uma unidade comercial na cidade de Porto Alegre – RS que distribui os produtos dessa marca, especialmente no Sul do Brasil (CLAAS, 2019). 338 A CLAAS ainda é uma empresa familiar e na atualidade possui mais de 11 mil empregados, atuando em 19 países. Ela possui unidades produtivas em Indiana – EUA (a CLAAS Omaha Inc.). Na França possui unidades em Le Mans (CLAAS Tractor S.A.S.), em Metz-Woippy (Usines CLAAS France S.A.S.) e em Vélizy (CLAAS Tractor S.A.S.). Na Alemanha, possui unidades produtivas em Bad Saulgau, em Hamm e em Paderborn. Na Hungria tem uma unidade em Torokszentmiklós. No Uzbequistão, ela possui uma fábrica em Taschkent. Na Índia possui fábricas em Chandigarh e em Nova Délhi. Na Rússia possui uma unidade em Krasnodar e na China tem uma fábrica em Shandong (CLAAS, 2019).
250
totalizaram € 760 milhões no referido ano (CLAAS, 2020)339.
Outro grupo industrial que, assim como a CLAAS, possui um mercado
regionalizado é a Kubota Corporation, que surgiu no Japão em 1890 (como
fundição de metais) e que a partir de 1960 também começou fabricar tratores e
demais equipamentos agrícolas. Em 2019 a sua receita com vendas alcançou 1,92
trilhão de ienes (JPY), o que equivale a cerca de US$ 17,51 bilhões, segundo o
conversor do BCB (2020). Do total de receitas, 65,7% (US$ 11,50 bilhões) resultam
da venda de máquinas agrícolas, tais como tratores, colheitadeiras,
transplantadoras de arroz, entre outros equipamentos (KUBOTA, 2020b)340.
Como podemos observar pelo mapa 6 a Kubota possui um mercado
concentrado na Ásia e nos EUA341, mas também detém um considerável volume
de vendas em outras regiões. Por exemplo, só no Japão essa empresa obteve
cerca de US$ 3,78 bilhões342 com a venda de máquinas agrícolas no ano de 2019;
nos EUA obteve cerca de US$ 3,71 bilhões e em outros países da Ásia (exceto no
Japão) alcançou mais US$ 1,95 bilhão. Há de se ressaltar que na Europa as suas
Pelo o que pudemos apurar, apesar de forte na Ásia e nos EUA, na
atualidade a Kubota não atua no mercado brasileiro. Na década de 1950, ela
instalou em Diadema – SP uma fábrica de micro tratores e cultivadores agrícolas,
que eram comercializados com a marca Tobata344. Mas, em meados da década de
339 Em 2019 as vendas da CLAAS, em outros países fora da Europa, totalizaram € 660 milhões, portanto, menos do que essa empresa vendeu só na Alemanha ou na França naquele ano, demostrando que suas vendas se concentram no continente europeu (CLAAS, 2020). 340 Essa companhia também fabrica ferro fundido, tubos de aço, purificadores de água, entre outros (KUBOTA, 2019). 341 A Kubota começou sua expansão para os EUA em 1972, quando instalou uma fábrica de tratores. Em 2006 instalou uma nova fábrica para produzir implementos agrícolas e em 2013 abriu nesse país uma fábrica de tratores compactos. Em 2009 instalou uma fábrica de tratores na Tailândia, em 2010 também começou fabricar colheitadeiras e, em 2015, lançou um novo centro de P&D dedicado à máquinas agrícolas nesse país. Em 2011 abriu uma fábrica de máquinas para construção na China e, em 2012, também começou fabricar motores nesse país. Finalmente, a partir de 2014 a Kubota se expandiu para a Europa, inaugurando uma fábrica de tratores na França, a Kubota Farm Machinery Europe S.A. (KUBOTA, 2019). 342 Como o relatório contábil dessa empresa não fornece dados só das vendas de máquinas agrícolas por regiões, então pegamos os dados totais e subtraímos os 34,3% que fazem parte das vendas de outros produtos. Ou seja, nesse mapa apresentamos uma média aproximada das receitas da Kubota, mas só com a venda de máquinas e implementos agrícolas. 343 Em estudo recente, Silva e Vian (2017) verificaram que no Japão os grandes players de máquinas agrícolas não atuam. Por outro lado, a Kubota detém um considerável mercado, não apenas nesse país como, também, em outros países da Ásia. 344 Inclusive, os micro tratores e cultivadores da marca Tobata fizeram sucesso nas colônias de imigrantes japoneses do estado de São Paulo (KUBOTA-TEKKO, 2019).
251
1990, provavelmente devido à queda nas vendas, ela encerrou suas atividades no
Brasil.
A AGCO Corporation, que surgiu na Geórgia – EUA no ano de 1990, é um
dos grandes grupos industriais do segmento de máquinas agrícolas. Ela atua no
mercado internacional com as marcas Massey Ferguson, Valtra, Fendt, Challenger
(máquinas e implementos) e GSI, que produz silos armazenadores de grãos,
secador de grãos, silo para ração, comedouros para aves, suínos e bovinos, entre
outros (AGCO, 2019).
No mapa 6, podemos verificar que a AGCO atua globalmente, apesar de que
as suas vendas se concentram na Europa. Por exemplo, segundo o seu relatório
anual referente a 2019, esse grupo obteve US$ 9,04 bilhões de receitas líquidas
com vendas, sendo que US$ 5,26 bilhões (58,2% das receitas) foram adquiridos
nesse continente, com destaque para a Alemanha com US$ 1,19 bilhão; para a
França com 1,10 bilhão de dólares e para a Finlândia e Escandinávia, onde as
vendas atingiram US$ 773 milhões. Por outro lado, na Ásia as vendas da AGCO
alcançaram apenas US$ 345 milhões; na Austrália e Nova Zelândia chegaram a
258 milhões de dólares e na África totalizaram apenas US$ 116 milhões. Na
América do Sul o seu volume de vendas alcançou US$ 790 milhões e nos EUA e
no Canadá totalizaram US$ 2,09 bilhões, sendo que 1,8 bilhão (o equivalente a
20% das vendas) ocorreram nos EUA (AGCO, 2020)345.
O CNH Industrial NV, ligado ao grupo Fiat da Itália, no segmento de
máquinas e implementos agrícolas também atua globalmente com as marcas
Steyer (tratores)346, Case IH e New Holland (CNH, 2019b). Segundo o seu relatório
contábil, em 31 de dezembro de 2019 o CNH empregava o total de 25,2 mil
colaboradores no segmento de máquinas agrícolas, com unidades fabris instaladas
em diversos países. A sua receita total com vendas, somente nesse segmento,
alcançou US$ 10,96 bilhões, concentrando-se principalmente na Europa e na
América do Norte, como podemos observar pelo mapa 6. Por exemplo, no ano de
2019 o valor de suas vendas de equipamentos agrícolas na Europa alcançou US$
345 No ano de 2019, 57,3% das receitas da AGCO Corporation resultaram da comercialização de tratores; 14,9% da venda de peças de reposição e apenas 3,1% da venda de colheitadeiras (AGCO, 2020). 346 Empresa austríaca que desde o final da década de 1940 fabrica tratores agrícolas. Em 1996, ela foi adquirida pela Case Corporation e a partir de 1999 passou a integrar a linha de máquinas agrícolas da Fiat, mais tarde passando a fazer parte do grupo CNH Industrial (CNH, 2019b).
252
3,88 bilhões; na América do Sul chegou a US$ 1,61 bilhão, enquanto que na
América do Norte alcançou US$ 3,94 bilhões. No restante dos países (da Ásia,
África, Oceania e América Central) a sua receita com a venda de máquinas e
A líder nas vendas globais de máquinas e equipamentos agrícolas é a
Deere & Company, uma centenária empresa estadunidense que atua em mais de
30 países e emprega cerca de 68.000 pessoas (JOHN DEERE, 2020). No ano de
2019 essa companhia obteve US$ 39,3 bilhões de receitas com vendas348, com
lucro líquido de US$ 3,3 bilhões. Ela atua na fabricação de máquinas para a
construção e floresta, bem como de máquinas agrícolas e para jardinagem. Em
2019 esse último segmento respondeu por 60,3% do total de suas receitas,
portanto, alcançando US$ 23,67 bilhões. Ressaltamos que somente no segmento
de máquinas agrícolas a Deere & Co. obteve um resultado superior à soma das
receitas dos seus maiores concorrentes, o CNH Industrial e a AGCO Corporation
que, juntos, obtiveram cerca de US$ 20 bilhões no mesmo ano de 2019.
Basicamente, essa companhia atua com a marca John Deere e a maioria de
suas vendas (como pode ser observado pelo mapa 6) ocorre na América do Norte,
grande parte nos Estados Unidos. Infelizmente, seu relatório anual só disponibiliza
dados referentes às vendas por regiões, agrupando todos os seus segmentos,
então tivemos que realizar cálculos percentuais para regionalizar as vendas do
segmento de máquinas agrícolas e jardinagem349. Na América do Norte as receitas
desse setor, no ano de 2019, alcançaram aproximadamente US$ 14,2 bilhões; na
Europa chegaram a US$ 4,6 bilhões; na América Latina alcançaram US$ 2,3
bilhões, mesmo valor das receitas obtidas no conjunto de países que formam a
Ásia, Oriente Médio, África e Oceania (DEERE, 2020a e 2020b).
Como podemos observar pelo mapa 6, além de predominar nos EUA a John
Deere também se destaca na Europa (só perdendo para o grupo AGCO), na
347 Do ano de 2018 para 2019 a receita total com vendas de máquinas e equipamentos agrícolas do CNH industrial caíram de 11,79 para 10,96 bilhões de dólares, portanto, ocorrendo uma queda de 7% (CNH, 2020). 348 Observamos que o mercado dessa companhia vem crescendo. Por exemplo, no ano de 2009 suas receitas foram de US$ 20,8 bilhões e em 2016 alcançaram US$ 23,4 bilhões (DEERE, 2020b). 349 Em seu annual report a Deere & Company disponibiliza os dados das receitas totais por regiões, mas não a regionalização por segmentos. Como a fabricação de máquinas e equipamentos agrícolas contribui com 60,3% do total das receitas dessa companhia, então utilizamos esse percentual para extrair as vendas regionais apenas para esse segmento industrial (DEERE, 2020a).
253
América Latina e inclusive na Ásia, onde atuam fortes empresas regionais, como a
já mencionada Kubota Corporation.
Ou seja, o segmento de máquinas agrícolas é mais oligopolizado do que
aparenta, pois poucos grupos controlam a produção e a oferta desse tipo de bens
de produção.
Há de se destacar que esses grupos industriais atuam nas regiões com
mercado consumidor em potencial. Pelo estudo de Silva (2015), podemos observar
a distribuição da frota mundial de máquinas agrícolas o que nos permite observar,
por exemplo, que no ano de 2000 o Japão possuía a maior frota mundial de
colheitadeiras, com 1,05 milhão de unidades e a terceira maior de tratores, com
2,03 milhões de unidades. Nesse mesmo ano a Índia possuía 348,3 mil
colheitadeiras e 2,09 milhões de tratores, enquanto que a China possuía 232,1 mil
colheitadeiras e 989,1 mil tratores; demonstrando que empresas como a Kubota,
Mahindra350, entre outras, atuam em uma região com um considerável mercado em
potencial para a indústria de máquinas e implementos agrícolas351.
Constatamos que na Europa também existe um considerável mercado, pois
a frota de tratores é destacável. Por exemplo, no ano de 2002 a Itália possuía 1,75
milhão de tratores; em 2009 a Polônia possuía 1,58 milhão; em 2005 a França
possuía 1,18 milhão de unidades e a Alemanha (no ano de 2000) possuía 989,5 mil
tratores (SILVA, 2015)352.
350 A Mahindra & Mahindra possui plantas produtivas (fabricantes de máquinas agrícolas) nas cidades indianas de Jaipur, Kandivali, Mohali, Rudrapur, Nagpur e em Zaheerabad. No ano de 2019 essa empresa obteve INR 220,8 bilhões (rupias indianas), o que equivale a cerca de US$ 3,09 bilhões – segundo o conversor de moedas do Banco Central do Brasil –, em vendas do segmento de equipamentos agrícolas, sendo que 64,9% dessas receitas foram realizadas na própria Índia (MAHINDRA, 2020). 351 Outra empresa que atua na Ásia, especialmente na China, é a Lovol Heavy Industry Co. LTD (Lovol) que fabrica e comercializa equipamentos industriais e agrícolas, máquinas para construção, veículos e serviços financeiros. Fundada em 1998, essa companhia possuia, no ano de 2015, 15.000 funcionários e ativos totais no valor de 2,2 bilhões de euros, com receita de vendas de 2,95 bilhões de euros. Na atualidade a Lovol é a maior fabricante de equipamentos agrícolas da China, com produção anual de 100 mil tratores, 50 mil colheitadeiras, 120 mil motores a diesel e quase 350 mil conjuntos de eixos e transmissão. No exterior, ela comercializa tratores agrícolas da marca Foton e recentemente adquiriu a empresa italiana Arbo, fabricante de tratores e colheitadeiras. Na China a Lovol é identificada como uma "empresa nacional de alta tecnologia" ou High-tech (LOVOL, 2019). 352 O expressivo mercado consumidor europeu para máquinas agrícolas tem atraído, além dos conglomerados industriais internacionais que temos destacado, empresas locais como o já citado CLAAS Group e o SAME Deutz-Fahr (SDF) que tem sede em Treviglio, Itália, e que atua especialmente no continente europeu. O SDF possui três marcas famosas naquele continente, que são a SAME (fábrica italiana de tratores da marca Cassani) e as alemãs Deutz (tratores) e Fahr
(colheitadeiras). O grupo SDF possui subsidiárias na Croácia, na Alemanha, França, Holanda, Polônia, Portugal, Rússia, Ucrânia e Espanha. Na Ásia tem subsidiárias na China e na Índia. Em
254
Por outro lado, verificamos que na América do Sul o mercado é formado,
basicamente, pelo Brasil e a Argentina. Por exemplo, no ano de 2006 o Brasil
possuía uma frota de 788,1 tratores, enquanto que em 2002 a Argentina possuía o
total de 244,3 unidades (SILVA, 2015).
O volume de vendas, observado para a América do Norte (mapa 6), pode
ser compreendido se compararmos com o tamanho da frota de tratores daquele
continente. Segundo os dados fornecidos por Silva (2015), no ano de 2006 o
Canadá possuía 733,2 mil tratores, enquanto que no ano de 2007 os Estados
Unidos possuía 346,9 mil colheitadeiras e 4,39 milhões de tratores, possuindo a
maior frota mundial, o que atrai para esse país os grandes grupos industriais desse
segmento, tais como a John Deere, AGCO, CNH Industrial e a Kubota.
8.4 O Processo de Desnacionalização da Indústria Brasileira de Máquinas
Agrícolas
Como mencionamos no capítulo 5, a recessão da economia brasileira,
ocorrida praticamente ao longo das décadas de 1980 e 90, encolheu o mercado
interno brasileiro aumentando a capacidade produtiva ociosa da indústria de
máquinas agrícolas, o que resultou em falências, como da empresa CBT, bem
como na desnacionalização de outras importantes empresas desse segmento.
Há de se destacar que até a década de 1970 a indústria brasileira de
máquinas agrícolas vinha se consolidando, tanto pela instalação de filiais de
empresas estrangeiras (Ford, Massey Ferguson, Valmet, entre outras), como pelo
fortalecimento de empresas nacionais, tais como a CBT (tratores), SLC e Ideal
(colheitadeiras), Baldan, Marchesan e Imasa (implementos agrícolas), entre outras.
Porém, verificamos que a partir das décadas de 1990 e 2000 a maioria dessas
empresas foi adquirida por grupos industriais estrangeiros.
No quadro 9, sintetizamos o processo de aquisições das principais empresas
2018 o SDF obteve € 1,37 bilhão de receitas, cerca de 1,46 bilhão de dólares. Dessas, € 1,04 bilhão foi obtido com a venda de tratores; € 52,9 milhões em colheitadeiras; € 238 milhões em componentes; € 36 milhões com a venda de colhedoras de uva e azeitona e 1,5 milhão de euros com outras receitas. Destacando que 75,6% das receitas desse grupo vem da comercialização de máquinas e equipamentos da marca Deutz-Fahr. Por regiões o SDF obteve de receitas, no ano de 2018, € 996,8 milhões em países da União Europeia (72,6% do total de receitas) e € 375,8 milhões (27,4%) em países de outros continentes (SDF, 2019).
255
brasileiras, fabricantes de máquinas agrícolas, pelos grandes grupos estrangeiros:
Quadro 9 O processo de aquisições na indústria de máquinas e implementos agrícolas instalada no Brasil
Ano Empresa adquirida Comprador Origem do
capital
1978 Indústria de Máquinas Agrícolas Ideal Ltda., que surgiu em Santa Rosa – RS em 1953.
Grupo financeiro Iochpe Nacional
1979 20% das ações da Schneider Logemann e Cia. Ltda. (SLC), que surgiu em RS em 1945.
Deere & Company Estrangeiro
1983 Parte das ações da Massey Ferguson do Brasil, instalada no país desde 1961.
Grupo financeiro Iochpe Nacional
1986 New Holland, instalada no Brasil desde 1975.
Ford Tractors Operations, surgindo a Ford New Holland, Inc.
Estrangeiro
1988 Empresa Ford New Holland, Inc. FiatAgri Estrangeiro
1989 Dedini-Toft, instalada em Piracicaba –SP desde 1979, dando origem (a partir de 1996) à empresa Brastoft.
Grupo Ometto Misto
1990 A Massey Ferguson do Brasil muda a razão social para Iochpe-Maxion S.A.
Grupo financeiro Iochpe Nacional
1996
Mais 20% das ações da SLC, surgindo a SLC-John Deere.
Deere & Company Estrangeiro
Divisão agrícola da Iochpe-Maxion, (marcas Massey Ferguson do Brasil e Ideal).
AGCO Corporation Estrangeiro
1997 Empresa nacional Brastoft, que foi criada em 1996.
Case IH Estrangeiro
1999
Aquisição da totalidade das ações da empresa gaúcha SLC.
Deere & Company
Estrangeiro Arrendamento da fábrica e da marca Baldan, que havia surgido em Matão – SP em 1928.
Agri-Tillage
2005
Empresa Valtra (antiga Valmet), inclusive a unidade instalada no Brasil desde 1960.
AGCO Corporation Estrangeiro
Divisão agrícola da Metasa S.A., que desde 1997 estava instalada em Passo Fundo – RS.
Kuhn Group Estrangeiro
2007 Empresa brasileira Sfil (instalada em Ibirubá – RS), que surgiu em 1962.
AGCO Corporation Estrangeiro
2012 Empresa Santal Equipamentos S.A., que surgiu em Ribeirão Preto – SP em 1960.
AGCO Corporation Estrangeiro
2014 Empresa Montana Indústria de Máquinas, fundada em 1996 em São José dos Pinhais – PR.
Kuhn Group Estrangeiro
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Castilhos et. al. (2008) e do histórico das referidas empresas (ver nas referências).
256
Portanto, constatamos que o processo de aquisições, que se intensificou nas
últimas décadas, iniciou ainda no final dos anos 1970 com a atuação de grupos
financeiros nacionais, mas também com a entrada do capital estrangeiro. Um grupo
financeiro nacional que teve destacada participação nesse processo, foi o Iochpe353
que surgiu no noroeste do Rio Grande do Sul no final da década de 1960354. Em
1978, ele se inseriu nas atividades industriais ao adquirir o controle acionário da
Indústria de Máquinas Agrícolas Ideal – empresa gaúcha que se destacava,
nacionalmente, na fabricação de colheitadeiras automotrizes – e em 1983 deu um
grande salto ao adquirir a maioria das ações da Massey Ferguson do Brasil, que
na época possuía fábricas em Taboão da Serra – SP (tratores) e em Canoas – RS
(implementos agrícolas), adquirindo também a Perkins S.A., uma fábrica de
motores a diesel utilizados inclusive em máquinas agrícolas.
Há de se destacar que o grupo Iochpe contou com o apoio do BNDES para
efetuar a compra dessa marca estrangeira, pois esse banco público deu as
garantias para a aquisição de cerca de 43% das ações que naquela época eram de
propriedade de um grupo financeiro estadunidense, chamado Varity. Inclusive,
segundo Ferreira (1995) o BNDES teria recebido parte das ações da empresa
adquirida. Apesar de ser uma companhia aberta355, por volta de 1993 a família
Iochpe possuía o controle dessa empresa, detendo 64% de suas ações ordinárias.
Em 1990 a fábrica de máquinas agrícolas e de motores teve a razão social alterada
para Iochpe-Maxion. Inclusive, na intenção de projetar uma nova marca nacional
no início dos anos 1990 alguns modelos de tratores foram lançados apenas com a
marca Maxion (MASSEY FERGUSON, 2018).
No entanto, apesar de ter inovado na produção de tratores pesados (na
353 A família Iochpe (as vezes escrito, “Ioschpe”) emigrou do Leste europeu a partir de 1912 fazendo parte de uma corrente imigratória trazida para o Brasil pela Jewish Colonization Association (JCA) – “Associação de Colonização Judaica” –, que havia sido criada na Rússia no final do século XIX com o objetivo de organizar a colonização de judeus, instalando-os na América, especialmente na Argentina e no Brasil. No Rio Grande do Sul a família Iochpe se instalou na colônia de Quatro Irmãos (na atualidade, município), localizada a cerca de 32 Km do município de Erechim (IOCHPE, 2019). 354 Em 1956 o grupo Iochpe, que nas três décadas anteriores havia atuado no ramo da madeira (serrarias), assumiu a representação da marca Massey Ferguson, comercializando máquinas agrícolas no Rio Grande do Sul. Em 1968 foi criado o banco Iochpe S.A. (que mais tarde, inclusive, se associou ao Bankers Trust dos Estados Unidos) e também uma distribuidora de títulos e valores mobiliários, o que inseriu esse grupo nas atividades financeiras (IOCHPE, 2019). 355 Por exemplo, a partir de uma matéria publicada pela Gazeta Mercantil de 05/05/1993, Ferreira (1995) verificou que no mês de fevereiro daquele ano a Iochpe-Maxion emitiu US$ 45 milhões de eurobônus como dividendos de seus acionistas no exterior.
257
época, acima de 110 cv de potência) a Maxion não resistiu356 à investida do capital
externo e, em 1996, vendeu a sua divisão de máquinas agrícolas ao grupo
estadunidense AGCO Corporation. A partir dessa época o grupo Iochpe passou a
investir, principalmente, no segmento de componentes para a indústria
automotiva357.
Outra empresa nacional que começou ser adquirida, ainda no final da
década de 1970, foi a Schneider Logemann e Cia. (SLC). Pelo livro comemorativo
do cinquentenário da SLC (SCHNEIDER, 1995), podemos ter acesso às falas de
diversos ex-diretores e de outros cargos executivos dessa empresa, o que nos
permite ter noção sobre os motivos que levaram as famílias Logemann e Schneider
(principais sócios fundadores da empresa) buscarem apoio do capital externo.
Verificamos que apesar de sua liderança nas vendas internas de colheitadeiras, no
final da década de 1970 seus proprietários começaram se preocupar com a
concorrência de empresas nacionais e estrangeiras, o que lhes obrigava buscar
tecnologia moderna e capitalização358. Em uma fala de 1995, Eduardo Logemann
(último diretor-presidente da SLC) descreveu os motivos que levavam sua empresa
356 A própria recessão da economia brasileira, verificada nos anos 1990 (como mencionamos no capítulo 5), deve ter contribuído para a saída do grupo Iochpe do segmento de fabricação de máquinas agrícolas, pois a marca Massey Ferguson, que no biênio 1986-87 (portanto, já sob controle da Iochpe) chegou a comercializar no mercado interno, respectivamente, 18.108 e 17.078 tratores, no biênio 1995-96 assistiu suas vendas caíram para apenas 7.879 e 4.048 unidades, respectivamente. Na comercialização de colheitadeiras o grupo Iochpe também viu sua participação regredir, pois enquanto que no ano de 1986 havia vendido 1.643 unidades no mercado interno, no ano de 1996 vendeu apenas 222 unidades. A venda interna de colheitadeiras da marca Ideal (também pertencente ao grupo Iochpe), que em 1986 havia comercializado 1.046 unidades, no biênio 1995-96 vendeu, respectivamente, apenas 44 e 76 colheitadeiras (ANFAVEA, 2019). 357 Em 1990 o grupo Iochpe adquiriu a Fábrica Nacional de Vagões (FNV) e em 1992 adquiriu a linha de produção de rodas sem câmaras da empresa Fumagalli (e em 2009 adquiriu todas as unidades dessa empresa instaladas no Brasil), o que lhe permitiu entrar no ramo da indústria de autopeças. Em 2008 inaugurou uma fábrica de rodas automotivas de aço na China; em 2011 adquiriu 50% das ações da Montich S.A., fabricante argentina de longarinas e em 2012 adquiriu a Hayes Lemmerz, tradicional fabricante internacional de rodas automotivas de aço e alumínio, além de ter adquirido o grupo Galaz/Inmagusa, tradicional fabricante mexicano de longarinas de aço para veículos comerciais (IOCHPE, 2019). Em 30 de setembro de 2019 a Iochpe-Maxion apresentava um patrimônio de cerca de R$ 10 bilhões em ativos, com uma receita de vendas de R$ 7,2 bilhões (no ano de 2018) e lucro de R$ 357,9 milhões (IOCHPE-MAXION, 2019). Na atualidade esse grupo produz rodas de aço (para veículos leves, comerciais e inclusive para máquinas agrícolas); rodas de alumínio para veículos leves; componentes estruturais para veículos, vagões e rodas ferroviárias, bem como peças em ferro fundido. Emprega cerca de 15 mil pessoas e a família Iochpe é detentora de 11,8% de suas ações (IOCHPE-MAXION, 2020). 358 Por exemplo, em 1979 a SLC vendeu 1.967 colheitadeiras de grãos no mercado interno, ano em que a sua concorrente, Ideal, comercializou 401 unidades e que a multinacional Massey Ferguson vendeu 772 colheitadeiras. Mas, nessa época já aparecia outra forte concorrente, a New Holland (com unidade produtiva instalada em Curitiba – PR) que em 1979 comercializou 1.947 colheitadeiras de grãos, portanto, seguindo de perto a empresa SLC (ANFAVEA, 2019).
258
a se aproximar da multinacional Deere & Company:
Nós oferecemos a eles um mercado emergente, uma empresa líder não endividada, com perspectiva de resultados positivos. E eles passaram a nos garantir uma tecnologia moderna. Estabelecemos também um acordo de permanente capitalização da SLC (SCHNEIDER, 1995, p. 97).
Em outra passagem, Eduardo Logemann menciona: “era muito mais eficaz
estar associado com o que é bom no mundo, formar uma parceria com uma
empresa do primeiro nível internacional, como a Deere” (SCHNEIDER, 1995, p. 98).
Pelos relatos de alguns ex-funcionários que ocuparam cargos importantes
na SLC, verificamos que em meados da década de 1970 a Deere & Company tinha
a intenção de abrir uma empresa associada, uma joint venture com a SLC para
fabricar tratores de grande porte no Brasil, mas em 1976 o projeto foi rejeitado pelo
Conselho de Desenvolvimento Industrial, ligado ao Ministério da Indústria e
Comércio, porque o Brasil já possuía várias fábricas de tratores e o governo federal
procurava protegê-las. Então, a SLC dividiu os vários segmentos em que atuava
(fabricação de máquinas agrícolas, fundição de peças em metais, agropecuária e
hotelaria), separando-as em empresas autônomas reunidas a uma holding. Então,
a partir de 1979 a fábrica de máquinas agrícolas passou a se chamar SLC S.A.,
empresa de capital fechado e, da qual, a Deere & Co. adquiriu 20% das ações. A
partir de 1983 as colheitadeiras e plantadeiras começaram a ser fabricadas com
tecnologia e, inclusive, com as cores verde e amarela da marca John Deere. A partir
de meados da década de 1990 essa multinacional ampliou sua participação
acionária para 40% e as colheitadeiras passaram a ser comercializadas com a
marca SLC-John Deere (SCHNEIDER, 1995).
Apesar da recessão da economia brasileira intensificada na década de 1990,
como mencionamos especialmente no capítulo 5, a SLC seguiu forte no segmento
de colheitadeiras de grãos. Por exemplo, em 1999 (quando essa empresa foi
completamente desnacionalizada) comercializou 1.145 colheitadeiras no mercado
interno, ano em que a empresa Ideal vendeu apenas 27 unidades; em que a
multinacional Case IH vendeu 58 colheitadeiras e que a Massey Ferguson vendeu
400 unidades. A SLC só perdeu para a filial da multinacional New Holland, que
naquele ano comercializou 1.267 colheitadeiras no mercado brasileiro (ANFAVEA,
259
2019)359.
No entanto, apesar de sua importante presença no segmento de fabricação
de máquinas agrícolas, em 1999 a empresa nacional SLC S/A foi totalmente
adquirida pela multinacional estadunidense Deere & Company360. Sobre os motivos
que levaram à venda dessa empresa ao capital externo, podemos destacar a
intensificação da concorrência internacional que culminou na concentração da
produção, formando oligopólios inclusive na indústria de máquinas agrícolas. Em
uma matéria elaborada por Sérgio Bueno e publicada na Folha de Londrina, em 28
de junho de 1999, podemos ter noção sobre o que pensava o então diretor-
presidente da SLC-John Deere, Eduardo Logemann:
Segundo o diretor-presidente da SLC-John Deere, Eduardo Logemann, a transferência do controle foi motivada pela "globalização" dos mercados, que exige maior liberdade de ação para a Deere e provoca a concentração da produção nas mãos de poucos fabricantes mundiais. Ele afirmou que a empresa estava capitalizada, mas admitiu que este foi um processo em que “o maior engoliu o menor” (BUENO, 1999, n. p.).
Observamos que a empresa SLC se deparou com um processo que inclusive
já foi verificado por Marx (1984c), quando ele constatou que não é a concentração
de capital que prejudicaria a concorrência, como defendiam muitos nomes da
economia clássica, mas que, ao contrário, a concorrência leva à concentração da
produção, à formação de grandes conglomerados industriais.
Outro exemplo de desnacionalização ocorreu a partir da parceria da Dedini
Máquinas e Sistemas (outra pioneira na fabricação de máquinas agrícolas no Brasil,
como mencionamos no segundo capítulo) com a empresa australiana Austoft,
359 Apesar da concorrência, a unidade da SLC, instalada na pequena cidade de Horizontina – RS, mantinha-se forte, não só na fabricação de colheitadeiras agrícolas e máquinas para o plantio, como também estava se inserindo na fabricação de tratores agrícolas. Desde 1996 essa empresa vinha fabricando tratores com tecnologia da Deere & Co. De 1996 a 1999, 9.272 tratores foram produzidos pela SLC na unidade produtiva de Horizontina (ANFAVEA, 2019). 360 Depois da venda da fábrica de máquinas agrícolas à Deere & Company os antigos proprietários da SLC começaram investir no setor do agronegócio, mais particularmente na empresa SLC Agrícola que havia sido criada em 1977. Na atualidade essa empresa possui o total de 457,7 mil hectares de terra, distribuídos nas regiões Centro-Oeste (quatro fazendas em Mato Grosso, duas em Mato Grosso do Sul e uma em Goiás) e no Nordeste (cinco fazendas na Bahia, duas no Piauí e duas no Maranhão), cultivando principalmente soja, milho e algodão (SLC AGRÍCOLA, 2020). Em 30 de setembro de 2019 seus ativos totais alcançaram R$ 6,9 bilhões e sua receita com vendas, no ano de 2018, foi de R$ 1,9 bilhão, com lucro de R$ 373 milhões. Seu maior acionista, em 30 de abril de 2019, era a Slc Participações S.A., com 53% de suas ações ordinárias (SLC AGRÍCOLA, 2019).
260
pioneira mundial na fabricação de colhedoras de cana-de-açúcar361, criando no final
da década de 1970 a Dedini-Toft com a finalidade de produzir, em Piracicaba – SP,
máquinas para a colheita de cana. Ainda em 1980, Dedini adquiriu a parte de seu
sócio australiano e, em 1989, vendeu a empresa ao grupo nacional Ometto, atuante
no segmento de açúcar e álcool. As colhedoras passaram a ser fabricadas com a
marca EngeAgro. Em 1996 a empresa australiana Austoft voltou a se associar,
dessa vez com o grupo Ometto, formando a empresa Brastoft que foi
desnacionalizada no ano seguinte ao ser vendida (juntamente com a australiana
Austoft) para a multinacional Case Corporation (BRASTOFT, 2018)362.
Outra empresa brasileira desnacionalizada na última década, foi a Santal
Equipamentos S.A., fundada 1960, em Ribeirão Preto, por proprietários da usina
Santa Lydia que naquela época passava por problemas referentes à falta de mão
de obra. Apesar da Santal se destacar no mercado interno na fabricação de
colhedoras de cana e, inclusive, mundialmente na fabricação de transbordos para
esse segmento agrícola, em 2012 ela vendeu 60% de suas ações (por US$ 31
milhões) para a multinacional AGCO Corporation, que em 2016 adquiriu o restante
de suas ações (SANTAL, 2018).
Em meados da década de 2000 a Santal estava em franca expansão,
acompanhando o desenvolvimento da cultura da cana, inclusive exportando para o
México e para a América do Sul, mas a concorrência das empresas multinacionais
chegou forte. A partir de 2005, ao ver que suas receitas cresceram cerca de 50%,
ela decidiu investir R$ 1,1 milhão em uma linha de montagem de colhedoras e
plantadeiras de cana com capacidade para produzir até 48 colhedoras por ano
(EXPANSÃO, 2019), mas as multinacionais John Deere (na época, com a marca
Cameco) e o grupo CNH Industrial (com a marca Case) já controlavam entre 90 e
95% do mercado interno de máquinas para esse segmento, o que levou à venda
de parte das ações da Santal ao grupo estrangeiro AGCO Corporation, que
pretendia se inserir no mercado brasileiro de máquinas para o setor sucroalcooleiro,
361 No ano de 2019 a Case IH comemorou os 75 anos da fundação da empresa australiana Austoft, criada pelos irmãos Harold e Collin Toft, pioneiros na fabricação de máquinas para a colheita de cana-de-açúcar. As colhedoras começaram a ser fabricadas a partir de 1944 com o objetivo de substituir a mão de obra que estava escassa na Austrália, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial (75 ANOS, 2019). 362 As colhedoras de cana passaram a ser fabricadas com a cor vermelha (típica da marca Case) e a partir de 2004 toda a linha de produção foi transferida da Austrália para a nova fábrica construída em Piracicaba – SP (75 ANOS, 2019).
261
como mencionamos anteriormente.
O grupo industrial francês Kuhn, também utilizou a tática de adquirir
empresas consolidadas no mercado brasileiro e inclusive no mercado sul-
americano. Por exemplo, em 2005 esse grupo multinacional, especialista em
implementos agrícolas, adquiriu a divisão agrícola da Metasa S.A. que desde a
década de 1980 fabricava implementos agrícolas e que a partir de meados da
década de 1990 se especializou na fabricação de semeadoras e plantadeiras para
o plantio direto (e para agricultura de precisão).
Em uma entrevista publicada no Diário da Manhã, podemos ter noção sobre
os motivos que levaram os proprietários dessa empresa gaúcha vender sua fábrica
de máquinas agrícolas para o grupo Kuhn. Segundo Antônio Roso, presidente da
Metasa naquela época, a conjuntura econômica os obrigou a se associarem a
grupos fortes para enfrentar a concorrência:
Ou nos associamos a grupos fortes, ou ficamos estacionados no mercado, em função de estarmos instalados numa economia brasileira com juros altos. Isso dificulta muito as empresas e os agricultores de girarem com capital no mercado. A parceria com gigantes nos dará melhores oportunidades de ampliar nossas exportações e abocanhar a fatia do mercado mundial que temos condições de participar (KUHN-METASA, 2005, n. p.).
Apesar de estar em um bom momento (pois no ano anterior a Metasa S.A.
havia faturado R$ 72 milhões, com lucro de R$ 19 milhões), em 2005 a fábrica
instalada em Passo Fundo – RS foi vendida ao grupo Kuhn, permanecendo ao
grupo Metasa apenas sua metalúrgica (especializada em estruturas metálicas),
instalada no município de Marau – RS.
Outra empresa brasileira, e também conceituada no mercado, adquirida pelo
grupo multinacional Kuhn, foi a Montana Indústria de Máquinas que havia sido
fundada em 1996, no município de São José dos Pinhais – PR. No início de 2014
ela foi avaliada em cerca de 400 milhões, destacando-se na fabricação de
pulverizadores agrícolas e adubadores autopropelidos, detendo uma importante
fatia do mercado interno363. Além disso, ela exportava para alguns países da
América do Sul e inclusive de outros continentes, pois além de suas unidades fabris
363 Por exemplo, em 2013 o faturamento da Montana foi de R$ 225 milhões (GRUPO KUHN, 2019).
262
instaladas no Brasil (a sede em São José dos Pinhais – PR e uma filial em Fraiburgo
– SC) possuía uma filial alojada na província de Santa Fé, na Argentina (RIBEIRO,
2019).
Em uma matéria publicada na Gazeta do Povo, em 31 de janeiro 2014, o
fundador e executivo da indústria Montana, Gilberto Zancopé, revelou a Cassiano
Ribeiro os motivos que o fizeram vender a sua empresa ao grupo estrangeiro Kuhn:
Ele destacou que a "empresa teve o melhor ano de sua vida em 2013", com vendas que somaram R$ 280 milhões, R$ 60 milhões a mais do que no ano anterior. A participação da marca no mercado de pulverizadores, por outro lado, vinha caindo. De 30% em 2012, passou a ter 20% do comércio desse tipo de máquina, usada principalmente para aplicação de agroquímicos no campo. "Perdemos mercado com entrada de novos entrances (concorrentes). Esse foi um dos motivos que me levou a vender a empresa. A oferta também foi muito boa", comemora. (RIBEIRO, 2014, n. p.).
Em outra passagem, Gilberto Zancopé conclui:
A Kuhn vai entregar capital, tecnologia e mercado, porque tem presença muito forte em países como Austrália, Rússia e Estados Unidos, que são compradores tradicionais, Nos últimos anos, nós perdemos a África e estávamos perdendo a América Latina também. Com esse câmbio, devemos ganhar competitividade ante americanos e europeus (RIBEIRO, 2014, n. p.).
Em outras palavras, podemos concluir que o proprietário da Montana
Indústria de Máquinas se desfez de sua empresa, devido às dificuldades de se
manter em um mercado tão concentrado, controlado por fortes grupos estrangeiros.
Portanto, verificamos que o processo de desnacionalização da indústria
brasileira de máquinas e implementos agrícolas, deve-se à entrada do capital
externo que tem se aproveitado da frágil competitividade dessas empresas, que
são penalizadas pela falta de políticas econômicas de apoio à indústria e à
formação de demanda para seus produtos, como viemos ressaltando.
Para Galbraith (1982), a formação dos conglomerados industriais é resultado
das próprias incertezas do mercado que obrigam as grandes empresas planejarem
o controle de preços, desde os meios de produção e das matérias-primas até a sua
reserva de mercado. É nesse processo que as empresas mais fortes adquirem
grande parte de suas concorrentes.
263
8.4.1 Os principais atrativos brasileiros para os players do segmento de
máquinas agrícolas
No capítulo anterior, quando analisamos a distribuição geográfica da
indústria de máquinas agrícolas no Brasil, observamos que a força de trabalho
também é um atrativo, pois as empresas procuram se instalar em regiões onde há
disponibilidades de trabalhadores qualificados. Se analisarmos a variação dos
salários por países, constataremos que as diferenças são consideráveis, portanto
que mesmo em setores de maior composição orgânica do capital364 os países com
salários menores se tornam atrativos para as empresas multinacionais. Como
destacou Moraes (2009), esse processo vem se intensificando basicamente desde
a queda da URSS (1990) quando se abriu caminho para o deslocamento do fluxo
de capitais que busca lucratividade, inclusive explorando mão de obra mais barata
nas periferias do sistema365.
A partir de dados coletados pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), podemos comparar os salários nominais médios366 em diferentes países. Por
exemplo, enquanto que no ano de 2017 o salário nominal médio no Brasil foi
equivalente367 a US$ 641, nos Estados Unidos foi de US$ 3.926. Ou seja, se a
empresa John Deere, por exemplo, fosse fabricar em seu país sede as máquinas
que produz no Brasil, pagaria salários que são, em média, 5,1 vezes mais altos. Da
mesma forma, verificamos que se a CNH Industrial, em vez de produzir um trator
ou colheitadeira agrícola no Brasil, o fabricasse na Itália (origem do grupo CNH),
pagaria salários que são, em média, 4,1 vezes mais altos, pois no ano de 2017 o
364 Como mencionamos no capítulo 7, a partir de dados do IBGE verificamos que 15,8% dos custos de produção da indústria brasileira de máquinas agrícolas é despendido em gastos com salários. 365 Na década de 1970, Mandel (1982) já havia destacado que nos países colônias ou semicolônias o exército industrial de reserva é maior – concordando com Marx (1983a) –, o que atrai o interesse das empresas multinacionais sedentas por maiores taxas de lucro. 366 Não obtivemos dados referentes aos salários médios na indústria de máquinas agrícolas propriamente dita, mas entendemos que os salários nominais médios são significativos, pois a pesquisa de campo nos mostrou que as empresas desse segmento utilizam desde mão de obra operária até o trabalho de engenheiros, designers, gerentes da produção etc. Então, acreditamos que a comparação das diferenças do salário nominal médio, em diferentes países, pode nos auxiliar na investigação sobre os atrativos do Brasil para esse setor industrial. 367 O relatório salarial global, publicado pela International Labour Office (ILO) da OIT, apresenta os salários nominais médios em valores das respectivas moedas de cada país, então tivemos que equipará-los ao dólar americano (US$). Para isso, utilizamos o conversor de moedas do Banco Central do Brasil (BCB, 2020), aplicando como referência o último dia útil do referido ano. Por exemplo: em 2017 foi o dia 29 de dezembro (sexta feira); para o ano de 2016 foi o dia 30/12 (também uma sexta feira) e para o ano de 2015 foi o dia 31 de dezembro, uma quinta feira.
264
salário nominal médio nesse país europeu equivalia a US$ 2.632. Podemos,
também, realizar a seguinte constatação, ao fabricar, por exemplo, um pulverizador
autopropelido no Brasil e não em seu país de origem (na França) o Kuhn Group
paga salários que são, em média, 5,6 vezes menores, pois enquanto que no ano
de 2015 o salário nominal médio na França era equivalente a US$ 3.196, no Brasil
equivalia a US$ 481 (ILO, 2018)368.
Provavelmente, os salários mais baixos no Brasil têm atraído o capital
estrangeiro de vários setores369, porém há de se verificar que se o menor custo da
mão de obra fosse o fator determinante para a alocação da indústria de máquinas
agrícolas, ela se instalaria em alguns países da África, da Ásia ou mesmo em outros
países da América Latina, onde os salários médios são ainda mais baixos370. Além
disso, não podemos esquecer que se tratando da indústria de bens de produção,
como faz parte o segmento de fabricação de máquinas agrícolas, o fator demanda
(o mercado consumidor) acaba sendo mais importante. E nesse quesito o Brasil
leva vantagens por se constituir como um país estratégico na produção de
alimentos.
Em um livro publicado recentemente pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), que analisa a importância do Brasil como fonte de
alimentos para a humanidade na atual “geopolítica do alimento”, Elverdin e Piñeiro
368 Além disso, verificamos que no ano de 2017 o salário nominal médio no Canadá (onde surgiu empresas como a Massey) era de US$ 3.367, portanto, 4,3 vezes maior que no Brasil. Na Finlândia (onde surgiu, por exemplo, a empresa Valmet) o salário nominal médio, nesse mesmo ano, alcançou US$ 4.072, portanto, 5,4 vezes maior que no Brasil. Ao mudar a fábrica de colhedoras de cana da Austrália para o Brasil a CNH Industrial, grosso modo, pagaria um salário, em média, 5,3 vezes menor, pois no ano de 2017 o salário naquele país era de US$ 4.012. Na Alemanha o salário nominal médio atingiu US$ 3.417; no Japão alcançou US$ 2.967 e na Coréia do Sul foi ainda maior, US$ 3.291. Inclusive, o salário nominal médio na China já ultrapassou o brasileiro, chegando a 952 dólares no ano de 2017 (ILO, 2018). 369 Além disso, pelos próprios dados da OIT (ILO, 2018) observamos que no Brasil a jornada de trabalho é maior que na maioria dos países com destaque na produção de máquinas agrícolas, o que ajuda a tornar os salários brasileiros mais atraentes às grandes empresas estrangeiras. 370 Por exemplo, na Índia (país onde surgiram fábricas de máquinas agrícolas como a Mahindra e a TAFE) o salário nominal médio é bem inferior ao brasileiro, pois no ano de 2016 foi de apenas US$ 172 dólares; na Tailândia (onde a empresa japonesa Kubota tem instalado unidades produtivas) o salário médio, nesse mesmo ano, foi de 384 dólares. Na América do Sul os salários também são baixos. Por exemplo, no Paraguai, no ano de 2016, foi de US$ 424 e no México, em 2017, foi de 362 dólares. Na maioria dos países da África os salários também são inferiores aos brasileiros. Por exemplo, em Senegal, Quênia e em Gana – países que, segundo Pinto, Belmonte e Pádua (2015) são importadores de máquinas agrícolas fabricadas no Brasil –, no ano de em 2017 os salários nominais médios foram, respectivamente, de 266, 552 e 231 dólares (os dados referentes à Gana são de 2015). Por outro lado, Zimbábue – um dos principais importadores africanos de máquinas agrícolas fabricadas no Brasil – apresentava, no ano de 2015, um salário nominal médio 58,8% superior ao brasileiro, alcançando US$ 764 contra US$ 481 no Brasil (ILO, 2018).
265
(2019) mencionam que até 2050 a produção de alimentos precisará aumentar cerca
de 60% para atender à demanda global que existirá nessa época. Esses autores
ressaltam que o país mais importante para a oferta de alimentos é justamente o
Brasil, que contribui com 22,8% das exportações líquidas (subtraindo-se as
importações). Além disso, as estimativas da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam que a América Latina possui 28% do
total de terras disponíveis para expansão da área cultivada. Aliás, essas estimativas
assinalam que até 2025 a área agrícola deverá crescer em até 42 milhões de
hectares e o Brasil e a Argentina contribuirão com a metade dessa área371.
Há de se mencionar que esse atrativo para a instalação dos players da
indústria de máquinas agrícolas não pode ser desprezado, pois o Brasil e os países
vizinhos (especialmente a Argentina), constituem-se como a maior área em
potencial para expansão das lavouras, o que forma um promissor mercado para
esse segmento industrial.
Além disso, se resgatarmos os dados da tabela 11 (que expomos no capítulo
7), identificaremos outro atrativo para os conglomerados da indústria de máquinas
agrícolas, o baixo índice de mecanização da agricultura brasileira se comparada a
de outros países372. Ainda, se lembrarmos dos dados do gráfico 34, observaremos
que a frota brasileira de tratores agrícolas está envelhecida. Entendemos que esses
fatores constituem outro forte atrativo para esse segmento industrial, pois uma
renovação da frota de tratores demandaria uma oferta expressiva desse tipo de
máquina.
Portanto, acreditamos que o principal atrativo para a instalação dos grandes
conglomerados da indústria de máquinas agrícolas no Brasil não é a mão de obra
371 A Argentina é outro pais importante para a segurança alimentar global, pois na atualidade contribui com 12,2% das exportações líquidas de alimentos, só perdendo para o Brasil. Há de se acrescentar que se incluir a participação do Paraguai, com 1,7%, e a do Uruguai, com 1,3% das exportações, observaremos que os países do Mercosul são os maiores exportadores líquidos de alimentos, suprindo 38% do déficit agroalimentar global (ELVERDIN; PIÑEIRO, 2019). 372 Lembrando que no ano de 2003 o Brasil possuía um trator para cada 170 hectares de terra cultivada, enquanto que a Média sul-americana era de 81 hectares por trator; na Ásia era de 59 ha./trator e na Europa, 26 ha./trator. Enfim, verificamos que o índice de mecanização com trator agrícola no Brasil era inferior à média mundial, que em 2003 era de 51 ha./trator. No índice de colheitadeiras agrícolas o Brasil também se mostrou defasado, pois no ano de 2005 apresentava a média de uma colheitadeira para cada 1.233 hectares cultivados; enquanto que, por exemplo, a Argentina possuía 590 ha./colheitadeira; os EUA possuíam 433 ha./colheitadeira; a China possuía 391; a Itália 189 e a Alemanha apenas 90 ha. por colheitadeira agrícola (SARTI; SEBBATINI; VIAN, 2009).
266
mais barata, pois apesar desse fator ser importante, os grandes grupos
estrangeiros têm procurado se inserir em um país onde há um mercado consumidor
importante e com possibilidade de ser expandido.
8.4.2 O controle do mercado brasileiro pelos grandes players de máquinas
agrícolas
Pelos dados da tabela 12, podemos observar as vendas internas de
máquinas agrícolas por grupos industriais. Ressalta-se que no ano de 2018 a
empresa John Deere comercializou a maior quantidade de tratores de rodas, sendo
seguida pelas marcas Massey Ferguson (do grupo AGCO) e pela New Holland (do
grupo CNH)373:
Tabela 12 Vendas internas de tratores de rodas, colheitadeiras de grãos e colhedoras de cana no Brasil por grupos industriais – 2018
CNH Industrial Case IH 2.969 1.018 258 New Holland 8.014 1.902 0
Deere & Company John Deere 11.614 2.372 365
Total - 38.431 5.759 643
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
A partir do gráfico 38, podemos observar que o grupo AGCO mantém a
liderança nas vendas de tratores de rodas no mercado interno, pois, como
destacamos na tabela 12, esse conglomerado atua no mercado brasileiro com duas
marcas renomadas, a Massey Ferguson e a Valtra que fabricam tratores agrícolas
no Brasil desde o início da década de 1960, tendo um mercado consumidor
consolidado. O grupo CNH Industrial atua no Brasil com uma marca de tratores
agrícolas que também é renomada, a New Holland que é herdeira da divisão de
373 Destacamos que a marca Massey Ferguson, que no ano de 1975 vendeu 50,8% (29.018 unidades) dos tratores de rodas comercializados no Brasil, no ano de 2018 participou com 23% das vendas internas. A New Holland vem mantendo sua fatia do mercado, pois enquanto que no ano de 2013 comercializou 12.705 tratores (19,5% do total), em 2018 vendeu 8.014, o equivalente a 20,7%. A John Deere vem aumentando sua participação no mercado interno, pois passou de 20,7%, no ano de 2013, para 29,9% no ano de 2018, comercializando 11.614 unidades (ANFAVEA, 2019).
267
tratores da Ford e que também atua no país desde a década de 1960 (gráfico 38).
Gráfico 38 Vendas de tratores de rodas no Brasil por grupos industriais – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Porém, como podemos observar na tabela 12, a marca Case tem uma
participação menor nas vendas internas de tratores, o que faz com que o grupo
CNH tenha uma participação inferior à do grupo AGCO.
Apesar de atuar com apenas uma marca de tratores agrícolas a John Deere
já controla a segunda maior fatia do mercado brasileiro. E há de se acrescentar que
essa empresa só começou produzir tratores no país mais recentemente, a partir de
meados da década de 1990, primeiramente fabricando-os em Horizontina – RS e a
partir de 2008 em uma nova fábrica instalada em outro município gaúcho, em
Montenegro.
Na venda interna de colheitadeiras de grãos a concentração é ainda maior.
Por exemplo, pelos dados do gráfico 39 podemos observar que no ano de 2018 o
grupo AGCO Corporation comercializou apenas 8,1% do total de unidades
comercializadas:
41,2
28,6
30,2
% das unidades vendidas
AGCO Corporation CNH Industrial John Deere
268
Gráfico 39 Vendas de colheitadeiras de grãos no Brasil por grupos industriais – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
A Massey Ferguson fabrica colheitadeiras no Brasil desde 1976 e em 1986
chegou a dominar 25,1% das vendas internas, comercializando 1.643 unidades,
mas em 2013 (ano em que mais se vendeu colheitadeiras no país, o total de 8.539
unidades) sua participação no mercado havia caído para 10,5% e em 2018 fechou
em apenas 6,7%, comercializando 387 colheitadeiras. A outra marca de
colheitadeira fabricada pelo grupo AGCO é a Valtra, reconhecida no Brasil na
fabricação de tratores (como mencionamos anteriormente), mas nova no ramo de
colheitadeiras de grãos, pois só começou fabricar a partir de 2007. No ano de 2018
a Valtra comercializou 80 unidades, o equivalente a apenas 1,4% do total desse
tipo de máquina vendidas no mercado interno374.
Por outro lado, verificamos que a John Deere, que vem se destacando na
374 As colheitadeiras de grãos da marca Valtra são fabricadas em Santa Rosa – RS, onde também se produz as colheitadeiras da marca Massey Ferguson, do mesmo grupo AGCO. Inclusive, essa unidade também tem fabricado colheitadeiras da marca Fendt (também pertencente ao AGCO), modelo IDEAL, de uma renomada fabricante de colheitadeiras agrícolas da Alemanha. A intenção é nacionalizar esse modelo de colheitadeiras com o objetivo de melhorar as vendas do AGCO nesse segmento, já que em tratores é líder de vendas (informações coletadas em pesquisa de campo).
8,1
50,7
41,2
% das unidades vendidas
AGCO Corporation CNH Industrial John Deere
269
venda de tratores, também tem se fortalecido no comércio de colheitadeiras de
grãos. Como desde o final da década de 1970, ela manteve uma parceria com a
SLC, fabricante brasileira de colheitadeiras, sua marca é consolidada no mercado
brasileiro. Em 1976 a SLC comercializou 1.637 unidades, o equivalente a 30,8%
das vendas internas daquele ano; participou com 28,5% das vendas em 1986; com
36,6% (3.124 unidades) no ano de 2013 (já com a marca John Deere) e controlou
41,2% do mercado interno em 2018 ao vender 2.372 unidades.
Outro grupo que permanece forte nas vendas de colheitadeiras de grãos no
Brasil, é o CNH. A marca New Holland atua no país desde 1976 (com fábrica em
Curitiba – PR) e naquele ano já comercializou 1.225 colheitadeiras, o equivalente
a 23% do total de vendas; em 2013 abocanhou 31,1% do mercado brasileiro e em
2018 chegou a 33%, comercializando 1.902 unidades. A outra marca do CNH que
também comercializa colheitadeiras é a Case IH, que possui fábrica em Sorocaba
– SP. No Brasil ela produz esse tipo de máquina desde 1998 e em 2013 já detinha
18,3% das vendas internas, fechando o ano de 2018 com participação de 17,7%,
comercializando 1.018 unidades. Com essas duas marcas conhecidas o CNH
Industrial abocanha a metade do mercado brasileiro de colheitadeiras de grãos375.
Na fabricação de colhedoras de cana-de-açúcar os grandes grupos
estrangeiros atuam há poucos anos, mas verificamos que a concentração do
mercado é gigantesca. Como pode-se observar pela tabela 12, existe basicamente
apenas três empresas que fabricam esse tipo de máquina agrícola no país, mas
quase 97% das vendas se concentram nas marcas John Deere e Case IH. A John
Deere fabrica esse tipo de colhedora em Catalão – GO e no ano de 2018
comercializou 365 unidades, enquanto que a Case vendeu 258 colhedoras. A Case
fabrica esse tipo de máquinas em sua unidade instalada em Piracicaba – SP. O
grupo AGCO possui uma pequena fatia do mercado brasileiro de colhedoras de
cana, fabricando-as em sua unidade instalada em Ribeirão Preto – SP (gráfico
40)376.
375 A linha de colheitadeiras de grãos dos modelos TC, da New Holland, são fabricadas em Curitiba – PR, enquanto que as colheitadeiras maiores e com mais tecnologia (colheitadeiras axiais), das marcas Case e New Holland, são fabricadas na unidade da CNH de Sorocaba – SP (pesquisa de campo). 376 Como mencionamos anteriormente, em 2012 o AGCO adquiriu a empresa brasileira Santal S.A. e, na atualidade, fabrica colhedoras de cana-de-açúcar e as comercializa com a marca Valtra (pesquisa de campo).
270
Gráfico 40 Vendas de colhedoras de cana no Brasil por grupos industriais – 2018
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
Há de se ressaltar que esses grupos industriais concretizam seus
territórios377 de vendas por meio de uma rede de concessionárias. Pela tabela 13,
podemos observar a quantidade de representantes por regiões do Brasil:
Tabela 13 Concessionárias de máquinas agrícolas e rodoviárias por empresas nas grandes regiões do Brasil – 2018
Região Grupo industrial
AGCO Corporation CNH Industrial John Deere
Norte 19 36 18
Nordeste 37 46 20
Sudeste 125 98 67
Sul 133 136 87
Centro-Oeste 65 95 64
Total 379 411 256
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anfavea (2019).
377 Utilizamos o conceito de território de acordo com o entendimento de Raffestin (1993), que o concebe como resultado da ação de um ator sintagmático, isto é, que programa a sua ação sobre uma determinada área. Em outras palavras, utilizamos o termo “território” como uma área determinada por relações de poder. Nesse caso, verificamos que os controladores dos territórios são os grandes grupos multinacionais da indústria de máquinas agrícolas.
3,1
40,1
56,8
% das unidades vendidas
AGCO Corporation CNH Industrial John Deere
271
Segundo os dados referentes ao ano de 2018 o grupo AGCO possui
concessionárias em todos os estados do país, com destaque para São Paulo, onde
possui 68 revendedoras e para o Rio Grande do Sul, onde possui 66 pontos de
comercialização. O grupo CNH industrial também possui revendedores em todos
os estados brasileiros, com destaque para SP com 54 representantes e para RS
com 60. A John Deere possui representantes comerciais na maioria dos estados,
com exceção do Amazonas, Amapá e Rio Grande do Norte. A maiorias de suas
revendedoras também estão localizadas em São Paulo (40 lojas) e em RS, com 41
concessionárias (ANFAVEA, 2019)378.
Inclusive, verificamos que as multinacionais da indústria de máquinas
agrícolas têm como clientes as grandes empresas do agronegócio brasileiro. Por
exemplo, no ano de 2003 as usinas São Martinho e Iracema (controladas pela
família Ometto do estado de SP) adquiriram um lote de máquinas agrícolas da
marca Case IH (do CNH industrial). Essa usina investiu no negócio R$ 19,1
milhões: adquirindo 51 tratores no valor de R$ 16,4 milhões; duas colhedoras de
cana-de-açúcar, no valor de R$ 1,3 milhão, e 18 veículos de transbordo, por R$ 1,4
milhão (USINAS, 2020)379.
Aliás, segundo Ramos (2019), recentemente a usina São Martinho, que
possui 135 mil hectares de canaviais localizados no município de Pradópolis – SP,
conectou todas as suas máquinas e equipamentos por meio de um sistema de troca
de informações em tempo real, utilizando uma rede própria de internet com
tecnologia 4G. A intenção é integrar todo o seu maquinário e a Case IH é que tem
fornecido as máquinas e equipamentos preparados para esse sistema.
Na atualidade a SLC Agrícola – empresa que surgiu no final da década de
1970 como uma divisão das atividades da Schneider Logemann & Cia., que era
uma fábrica de colheitadeiras agrícolas – é uma das grandes clientes internas da
John Deere. A SLC Agrícola, na atualidade, cultiva cerca de 458 mil hectares em
fazendas espalhadas por seis estados do Brasil. Em seu site consta que essa
378 Destacamos que as grandes empresas se empenham no controle da demanda. Segundo Galbraith (1982, p. 154): “o controle da demanda consiste em projetar uma estratégia de vendas para determinado produto.” No seu entendimento, as grandes empresas agem na formação de demanda com a intenção de evitar ou, pelo menos, amenizar as incertezas do mercado (provocadas pelos ciclos econômicos). 379 Lembrando que o grupo Ometto era proprietário da Brastoft, fabricante de colhedoras de cana-de-açúcar que foi adquirida pelo CNH Industrial, que na atualidade fabrica as máquinas com a marca Case IH.
272
empresa possui 219 tratores agrícolas; 217 colheitadeiras de grãos; 76 colhedoras
de algodão; 211 plantadeiras e 153 pulverizadores autopropelidos380.
A John Deere também possui como cliente o grupo Amaggi – de propriedade
do ex-senador da república e ex-Ministro da Agricultura, Blairo Maggi –, que produz
grãos e fibras em uma área de aproximadamente 280 mil hectares (AMAGGI,
2020), bem como o grupo Scheffer (também de Mato Grosso) que cultiva uma área
de cerca de 78 mil hectares (SCHEFFER, 2020). O grupo agrícola Bom Futuro (o
maior produtor brasileiro de algodão), que cultiva uma área total de
aproximadamente 530 mil hectares, também utiliza máquinas e implementos da
John Deere (BOM FUTURO, 2020)381.
As máquinas e implementos fabricados pelo AGCO, também têm se inserido
nas grandes empresas agrícolas do Brasil. Recentemente esse grupo industrial
instalou um escritório de vendas (e com peças de reposição) no município de
Sorriso – MT, em uma das regiões mais promissoras do agronegócio brasileiro. A
intenção é trazer para o país alguns modelos de máquinas fabricados na Europa,
como os renomados tratores e colheitadeiras da marca Fendt (que pertencem ao
AGCO Corporation). Por exemplo, no início de 2019 o grupo agrícola Bom Futuro
– líder nacional na produção de algodão, como destacamos anteriormente –
adquiriu os primeiros tratores agrícolas Fendt, modelo 1050 Vario (com 517 cv de
potência), que o grupo AGCO importou da Alemanha. Cada unidade custou US$
450 mil no início de 2019 (FERRARI, 2020).
A Anfavea não fornece dados sobre a produção e comercialização de
380 As imagens mostram que esse grupo utiliza máquinas e equipamentos da marca John Deere (SLC AGRÍCOLA, 2020). Em pesquisa de campo, que realizamos na unidade da John Deere de Horizontina – RS, recebemos a informação de que o grupo SLC ainda possui algumas concessionárias, especialmente no norte do RS, que comercializam máquinas e implementos agrícolas fabricados pela John Deere. Portanto, assim como o grupo Ometto que é cliente da Case, compradora da empesa Brastoft (que pertencia ao mesmo grupo Ometto), verificamos que o grupo SLC Agrícola, ex-proprietário da empresa brasileira que foi adquirida pela John Deere, também virou cliente da compradora de sua fábrica de máquinas agrícolas. Além disso, observamos que outros grandes grupos agrícolas do Brasil também utilizam máquinas e implementos do grupo CNH Industrial, como as próprias empresas Amaggi (AMAGGI, 2020); Bom Futuro (BOM FUTURO, 2020), Scheffer (SCHEFFER, 2020), entre outras. 381 Verificamos que a Deere & Company tem a prática de conquistar grandes clientes e manter uma relação de fidelidade. Por exemplo, no ano de 2018, ela homenageou um de seus clientes dos EUA – um homem chamado Chad Olsen, proprietário da empresa Olsen Custom Farms, especializada na prestação de serviços de colheita – por ter adquirido sua colheitadeira John Deere número 500. Inclusive, a própria Deere & Co. financiou as primeiras máquinas que a empresa de Olsen adquiriu ainda no início da década de 1990. Na atualidade a Olsen Custom Farms mantém uma frota de cerca de 80 colheitadeiras, todas da marca John Deere (CONHEÇAM, 2019).
273
máquinas agrícolas realizadas pelas empresas estrangeiras que se instalaram mais
recentemente no Brasil, tais como a LS Mtron, Mahindra e Landini, o que dificulta
nossa análise. Mas, a partir de um estudo elaborado por Ferreira (2020),
verificamos que no ano de 2014 essas empresas já estavam se inserindo no
mercado brasileiro, principalmente na venda de tratores agrícolas. Por exemplo,
naquele ano a LS Mtron do Brasil vendeu no mercado interno 1.930 tratores; a
Mahindra comercializou mais de 400 unidades, enquanto que a Landini
comercializou cerca de 80 máquinas, na época todas importadas porque essa
empresa só começaria produzir internamente a partir de 2015. Segundo essa
autora, naquela época essas três empresas planejavam aumentar a produção
interna de tratores agrícolas.
Há de se ressaltar que além de deterem grande parte do mercado brasileiro
de tratores e colheitadeiras agrícolas, esses grupos industriais também utilizam
suas fábricas, instaladas no Brasil, como “plataformas” de exportação. Inclusive,
observamos que em determinados anos as exportações ajudaram a amenizar os
efeitos da queda nas vendas internas. Por exemplo, no ano de 2004 as vendas
internas de tratores de rodas alcançaram 28.803 unidades, mas em 2005 caíram
para 17.729. Nesse biênio as exportações dessas fábricas foram, respectivamente,
de 23.553 e 23.968 tratores. Ou seja, verificamos que em 2004 as exportações
equivaleram a 81,8% das vendas internas e no ano de 2005 foram 35,2%
maiores382, ressaltando a importância do mercado externo para essas empresas
(ANFAVEA, 2019)383.
No biênio 2004/05 as exportações de colheitadeiras de grãos, também
ajudaram a amenizar os efeitos da queda das vendas internas desse segmento
industrial. Por exemplo, no ano de 2004 se vendeu 5.605 colheitadeiras no mercado
brasileiro e se exportou 4.533 unidades. Em 2005 se comercializou 1.534
colheitadeiras no mercado interno e se exportou 3.001 unidades (ANFAVEA, 2019).
Destacando que grande parte dos tratores e colheitadeiras exportados
naquele período se destinou a países vizinhos, especialmente para a Argentina.
Conforme uma reportagem publicada pela Gazeta Mercantil, em maio de 2003,
382 Por exemplo, no ano de 2005 a Massey Ferguson (unidade de Canoas – RS) exportou o total de 13.077 tratores de rodas (ANFAVEA, 2019). 383 Aliás, Ferreira e Vegro (2006) já observaram que no período 2004-2005 as exportações brasileiras serviram para amortecer a crise nas vendas internas de tratores e colheitadeiras.
274
observamos que a desvalorização cambial argentina fez aumentar as suas
exportações agrícolas, o que fortaleceu os seus agricultores, somado ao fato de
que suas dívidas estavam fixadas em peso (ARS), então com a depreciação
cambial, elas caíram para cerca de 1/3 já que o preço das commodities agrícolas é
dolarizado. Portanto que representantes de empresas como a AGCO e a John
Deere, relataram que os agricultores argentinos passaram a ter dinheiro para pagar
à vista pelas máquinas que importavam do Brasil. Por exemplo, no primeiro
quadrimestre de 2003 a AGCO exportou 300 colheitadeiras para a Argentina,
enquanto que naquele período a John Deere exportou 150 tratores e 332
colheitadeiras (ARGENTINO, 2003).
No ano de 2008 as exportações de máquinas agrícolas também foram
expressivas, atingindo o número de 23.056 tratores de rodas, com destaque para
10.797 exportados pela Massey Ferguson, 5.012 pela New Holland e 3.536
unidades exportadas pela John Deere. Nesse ano o Brasil exportou o total de 3.579
colheitadeiras de grãos, com destaque para a John Deere que exportou 1.672
unidades; para a New Holland que exportou 783 e para a Case, exportadora de 623
colheitadeiras.
Acreditamos que o desempenho das exportações brasileiras de máquinas
agrícolas, obtido na década de 2000, também deve ter sido estimulado pelo
aumento dos preços das principais commodities agrícolas que ocorreu desde o ano
de 2000 e, de forma mais intensa, no período 2006/08, como expomos pelo gráfico
23 (capítulo 6). A valorização dos principais produtos agrícolas (soja, milho etc.)
contribuiu para aquecer a demanda ao aumentar o poder de compra dos produtores
rurais, tanto dos brasileiros como dos argentinos.
Na última década o auge do volume de exportações brasileiras de tratores
agrícolas ocorreu em 2013, quando se exportou 11.217 unidades, com destaque
para a Massey Ferguson que vendeu 5.962 tratores; para a Valtra que exportou
1.925 e para a John Deere, exportadora de 1.546 unidades.
Há de se ressaltar que nesse período ocorreu um empenho do próprio
BNDES para estimular as exportações de máquinas agrícolas, especialmente para
dois mercados emergentes, para o continente africano e para o Caribe. Pinto,
Belmonte e Pádua (2015) realizaram um estudo (publicado pelo BNDES Setorial)
sobre as exportações brasileiras de máquinas agrícolas para o continente africano
275
e para Cuba, no qual os autores verificaram que 69,6% do valor das exportações
para a África, obtido no ano de 2013, referem-se à venda de tratores agrícolas.
Ocorre que em 2014 foi criado o Programa Mais Alimentos Internacional
(PMAI) – coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – com o
objetivo de conceder financiamentos para que cinco países da África (Zimbábue,
Moçambique, Senegal, Gana e Quênia) e Cuba pudessem adquirir máquinas
agrícolas do Brasil. Por meio do PMAI o BNDES financiou, em 2014, R$ 224,1
milhões para o Zimbábue; R$ 221,5 milhões para Moçambique; R$ 216,8 milhões
para Gana; R$ 192,9 milhões para Senegal; R$ 181,6 milhões para o Quênia e R$
158,9 milhões para Cuba384.
Por esse programa do BNDES foi exportado, no ano de 2014, 320 tratores
para o Zimbábue; 400 para Cuba; 513 para Moçambique; 549 para Gana e 175
para o Senegal (PINTO; BELMONTE; PÁDUA, 2015)385.
Porém, nos últimos anos as exportações caíram consideravelmente.
Segundo os dados da Anfavea (2019) a quantidade de tratores de rodas exportada
pelo Brasil no ano de 2018 é a menor dos últimos 17 anos, alcançando apenas
6.271 unidades. A marca que mais exporta ainda é a Massey Ferguson, com 2.341
unidades, seguida pela New Holland com 1.238 e pela John Deere, que nesse ano
exportou 1.115 tratores. Nas exportações de colheitadeiras de grãos a queda
também foi grande, no ano de 2018 deduziu-se a apenas 759 unidades; com
destaque para a New Holland que exportou 339 colheitadeiras e para a John Deere
que exportou 231 unidades. No ano de 2015 as exportações brasileiras de
colheitadeiras já havia caído para 383 unidades, o menor número desde 1984, ano
em que o país havia exportado apenas 310 máquinas.
No biênio 2003/04, bem como no ano de 2008 as exportações amenizaram
os efeitos da recessão interna, como mencionamos anteriormente, mas nos últimos
anos o mercado externo para máquinas agrícolas também desaqueceu. Portanto
384 Os financiamentos foram concedidos com prazo para pagamento de até 15 anos e com juros semestrais de, no máximo, 1% para os países da África e de 2% para Cuba (PINTO; BELMONTE; PÁDUA, 2015). 385 Segundo esses autores, no período 2011-2013, 27,4% das exportações brasileiras que se destinaram para o continente africano, foram para a África do Sul; 12,3% para a Argélia; 11,6% para o Quênia; 9,4% para a Angola e 9,4% destinaram-se ao Sudão. Como as máquinas exportadas para o continente africano são, em geral, de pequeno porte as empresas especializadas nesse tipo de equipamento têm se destacado nessas exportações. Por exemplo, no início de 2015 a LS Mtron do Brasil fechou um acordo para exportar 513 tratores para Moçambique (LS, 2020).
276
que as empresas instaladas no Brasil têm procurado mercados alternativos para
amenizar os efeitos da queda das vendas internas, inclusive exportando, por
exemplo, para a Oceania e para a América do Norte386.
8.5 Um País Aberto ao Capital Externo
Segundo o “Atlas do agronegócio”, organizado por Santos e Glass (2018),
os grandes produtores rurais brasileiros têm tido forte influência em Brasília. Para
essas autoras, desde 2008 se instituiu (formalmente) uma “frente parlamentar da
agropecuária” e que se fortaleceu nos últimos anos, à ponto de decidir até eleições
presidenciais. O número de deputados da chamada “bancada ruralista” saltou de
104, na eleição de 2006, para 142 em 2010, voltando para 104 em 2014. Nessas
três eleições o número de senadores representantes do agronegócio passou,
respectivamente, de 16 para 18, fechando em 17.
Porém, observamos que o aumento de representação do setor agrícola em
Brasília não tem refletido em uma notável participação da indústria de máquinas
agrícolas, apesar dessa produzir meios de produção para a agricultura. Ora, o
agronegócio tem muitos interesses, inclusive o de adquirir máquinas e implementos
agrícolas, mas os objetivos dos produtores rurais excedem os desígnios de formar
demanda para esse segmento industrial. Notemos que, como destaca Cuenca
(2020), ultimamente a representação ruralista tem enfocado em políticas para
exportação, logística de escoamento da produção e, mais recentemente, vem
pautando a questão da mudança da legislação ambiental, além de priorizar a lei
que autoriza a compra de terras por estrangeiros, bem como a Medida Provisória
do Agro que trata sobre a questão do endividamento dos produtores rurais.
Aliás, verificamos que nas últimas décadas o setor industrial, em geral, vem
perdendo importância no cenário político nacional. Lembrando que no início da
386 Por exemplo, em julho de 2018 o grupo CNH industrial anunciou que exportaria para a Austrália um lote de 15 colheitadeiras de grãos (do modelo axial 6130) que são fabricadas em sua unidade de Sorocaba – SP (CNH, 2019a). Segundo um artigo elaborado por Bednarski (publicado em junho de 2019) a unidade da AGCO de Canoas – RS fabricaria, no segundo semestre de 2019, de 3 mil a 4 mil unidades de colheitadeiras a mais para exportá-las aos Estados Unidos. Ocorre que a disputa comercial entre os EUA e a China dificultou as exportações da unidade chinesa da AGCO. Como alternativa a AGCO passou a exportar colheitadeiras Massey Ferguson produzidas no Brasil, já que a unidade de Santa Rosa – RS fabrica o mesmo modelo de máquinas que os EUA importava da China (BEDNARSKI, 2019).
277
industrialização brasileira, entidades patronais como a CNI e a FIESP foram ativas
em torno de um projeto nacional de industrialização387. Porém, verificamos que a
posição dessas entidades mudou consideravelmente a partir da década de 1990.
Como destacou Diniz (2010), o empresariado apoiou as políticas econômicas de
Vargas, JK, Médici e Geisel, período em que a produção industrial nacional cresceu
acima da média mundial. Porém, especialmente a partir do segundo choque do
petróleo (1979), atendendo a agenda proposta pelo FMI que rejeita a ação do
Estado sobre a economia, muitas entidades empresariais deixaram de apoiar a
industrialização, inclusive passando a criticá-la em nome da abertura econômica.
Por exemplo, Diniz lembra que durante o governo Collor de Mello (1990-92)
entidades como a Fiesp intensificaram uma agenda neoliberal, apoiando as
reformas estruturais do governo (privatizações etc.) em nome do que essa entidade
chamou de “livre para crescer, proposta para um Brasil moderno”, que foi título de
um de seus documentos publicado no ano de 1990.
Esse autor também nos lembra que a Fiesp e a CNI apoiaram as reformas
estruturais do governo FHC (1995-2002), tais como a estabilização inflacionária e
o controle fiscal, mesmo em um contexto de intensa recessão nas atividades
industriais, isto é, que exigiam que o Estado investisse mais.
Diniz, acredita que durante o governo Lula ocorreu uma retomada nos
projetos de industrialização, inclusive com a participação de entidades patronais
em importantes setores do governo. Por exemplo, além do próprio vice-presidente
(José Alencar) que era industrial, Lula chamou para o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior o empresário Luiz Fernando
Furlan, naquela época ligado ao grupo Sadia. Para a presidência do BNDES foi
chamado o economista Carlos Lessa, que seria sucedido por Guido Mantega, os
dois tidos como desenvolvimentistas e defensores da industrialização.
Porém, Diniz ressalta que em 2004 o empresário Paulo Skaf (ligado à
indústria têxtil e de confecções) assumiria a presidência da Fiesp defendendo o
projeto de redução do custo Brasil – redução da carga tributária, redução dos custos
dos financiamentos produtivos, melhoria da infraestrutura e flexibilização da
387 Por exemplo, Bielschowsky (1996) observou que alguns empresários, tais como Roberto Simonsen, com liderança sobre a CNI e a Fiesp, apesar de serem adversários de Getúlio Vargas apoiaram a política econômica desenvolvimentista, já que essa estimularia a industrialização brasileira que estava emergindo naquela época.
278
legislação trabalhista –, apoiando a estabilização econômica e a redução de juros.
Como mencionamos no capítulo 6, o governo Dilma (2011-2014) apoiou sua política
econômica naquilo que a economista Laura de Carvalho (2018) chamou de “agenda
Fiesp”, que consistia, grosso modo, em um conjunto de medidas como a renúncia
fiscal e a redução de taxas de juros que, porém, não fizeram reaquecer a economia
brasileira388.
O que pretendemos ressaltar é que essa nova política “industrializante” que
foi anunciada a partir da década de 1990 não contribuiu, como seria necessário,
para a retomada da industrialização brasileira. Aliás, ela permitiu a entrada do
capital externo, como ressaltamos anteriormente ao nos referirmos ao processo de
desnacionalização de parte da indústria brasileira de máquinas agrícolas, por
exemplo. Em outras palavras, podemos assinalar que as políticas liberais ao não
apoiarem a indústria nacional acabaram por facilitar a entrada de fortes
concorrentes estrangeiros.
Nos capítulos 3, 4, 5 e 6, observamos que as políticas econômicas são de
suma importância para a indústria. Aliás, há de se ressaltar que elas são tão
importantes que as próprias filiais de empresas estrangeiras têm auxiliado na
elaboração de programas para a indústria de máquinas agrícolas; portanto, fazendo
o papel que deveria ser feito por entidades, tais como a CNI, a Fiesp e
principalmente pelo próprio Estado brasileiro. Por exemplo, ao estudar as
estratégias do grupo AGCO no Brasil, Gramkow (2002) verificou que no final da
década de 1990 essa multinacional participou efetivamente da elaboração do
Moderfrota que, como mencionamos nos capítulos 5 e 6, foi de suma importância
para o aumento das vendas internas de máquinas e implementos agrícolas.
Essa autora entrevistou vários diretores e gerentes da AGCO, que lhe
relataram as ações dessa multinacional junto à entidades de classe e ao próprio
governo com a intenção de estimular o segmento de fabricação de máquinas
agrícolas, como podemos observar a partir do relato de um de seus funcionários,
transcrito por Gramkow:
388 Como destacamos no capítulo 6, a participação da indústria de transformação vem perdendo espaço no PIB brasileiro. Por exemplo, no período 1995-2002 (governos FHC) a sua participação média foi de 15% do PIB; durante o governo Lula (2003-2010) subiu para 16,5%, mas no período 2011-2018 (governos Dilma/Temer) caiu para 12,4%. Lembrando que durante o governo JK (1956-1961) a participação média da indústria de transformação foi de 24,4% do PIB e no perído 1972-1979 (vigência dos PND’s) foi de 32,8% (IPEADATA, 2019g).
279
Ela é mais proativa, porque aqui no Brasil nós tradicionalmente participamos por exemplo de todas as associações e entidades, procuramos influenciar, procuramos influenciar nas decisões do governo quanto ao financiamento por exemplo esse financiamento para produtos agrícolas. Então nessa área eu acho que a empresa é bastante proativa, em relação ao ambiente externo. Em relação à concorrência às vezes eu acho que, em muitas ocasiões nós somos, não seguidores, nós acompanhamos, mas não somos tão proativos, somos mais oportunistas, eu acho que isso é natural do líder do mercado, a gente procura acompanhar o mercado em relação a tecnologia (GRAMKOW, 2002, p. 70).
Pela pesquisa de campo, pudemos verificar que a política econômica
brasileira tem sido mais branda que a de países vizinhos em relação à concorrência
das empresas estrangeiras. Por exemplo, em visita de estudo que realizamos à
unidade da AGCO de Canoas – RS, recebemos a informação de que durante os
governos de Néstor Kirchner (2003-2007) e de Cristina Kirchner (2008-2015) essa
empresa foi obrigada a exportar em regime Completely Knock-Down (CKD) que,
grosso modo, consiste na exportação de um kit de peças e componentes, nesse
caso, de tratores que seriam montados na Argentina, já que para proteger sua
indústria os argentinos dificultavam a entrada de produtos estrangeiros acabados.
Outro exemplo de que a economia brasileira tem sido mais aberta ao capital
externo do que a economia argentina, encontramos a partir de uma visita de
estudos que realizamos à unidade da John Deere de Horizontina – RS, em que
recebemos a informação de que em 2018 a Deere & Company utilizou a estratégia
de adquirir uma empresa da Argentina especializada na produção de
pulverizadores agrícolas – que inclusive possui uma filial instalada em Canoas –
RS –, mantendo o seu nome original (“PLA”) com a intenção de se inserir em um
mercado que costuma ser fechado às empresas estrangeiras389.
O que pretendemos ressaltar com esses exemplos é que a política
econômica brasileira tem sido, de certa forma, receptiva ao capital externo, sendo
um atrativo para os grandes grupos internacionais, inclusive para aqueles que
dominam a produção mundial de máquinas agrícolas.
Quando observamos que a classe industrial brasileira não tem tido uma ação
389 Segundo a informante da pesquisa – que tem 35 anos de experiência no setor de fabricação de colheitadeiras agrícolas – a estratégia da Deere & Company, que costuma utilizar apenas a marca John Deere, foi adquirir essa empresa, mas mantendo a marca que é conhecida dos agricultores argentinos, já que a PLA atuava naquele país desde a década de 1970.
280
efetiva no sentido de retomar um projeto de industrialização no país, verificamos
que o tal protagonismo que o economista Ignácio Rangel acreditava que poderia
ocorrer em uma “quarta dualidade” da economia brasileira, pelo menos até o
momento não se realizou. Lembrando que Rangel (1981 e 1986) mencionou que a
partir da fase recessiva do quarto ciclo longo da economia (que iniciou por volta de
1973) os grandes fazendeiros brasileiros, apoiados na posse da terra,
enfraqueceriam, emergindo uma classe de grandes fazendeiros capitalistas (os que
se adaptariam às mudanças), mas que a classe mais madura para assumir o poder
(influente politicamente) seria a industrial, a mais fortalecida nesse contexto.
Além disso, Rangel mencionou que seria necessário desenvolver um
sistema financeiro nacional, de modo que se levantasse fundos para utilizar a
capacidade produtiva ociosa, investindo em setores atrasados que, por tanto, se
constituíam como gargalos para investimentos.
Mas, como a história tem nos mostrado, nos últimos anos o Brasil não tem
feito direito, nem uma coisa, nem a outra. Ou seja, a classe industrial não liderou
um projeto nacional de industrialização (e de desenvolvimento econômico em geral)
e o setor financeiro nacional também não estimulou o quanto deveria o setor
produtivo brasileiro (abandonando a própria indústria já instalada). Por outro lado,
verificamos que o capital financeiro internacional tem realizado, mas de acordo com
os seus interesses, o que analisaremos à diante.
8.6 As Empresas Brasileiras que Resistem Fabricando Máquinas e
Implementos Agrícolas
Apesar da ação dos grandes grupos internacionais que controlam o
segmento de máquinas agrícolas, há de se destacar algumas empresas nacionais
que têm tido um bom desempenho no mercado interno e, inclusive, nas
exportações. O Grupo Stedile, de Caxias do Sul – RS (já mencionado no capítulo
7), é um exemplo. Segundo dados da Anfavea (2019) a empresa Agrale S.A.
produziu, no ano de 2018, 406 tratores de rodas e comercializou 372 unidades no
mercado interno, além de exportar 17 tratores390. Porém, verificamos que em
390 Essa empresa surgiu em Sapucaia do Sul – RS, em 1962, como Indústria Gaúcha de Implementos Agrícolas S.A. (Agrisa). Em 1965 o Grupo Stedile adquiriu o controle acionário da
281
períodos que a demanda esteve mais aquecida essa empresa foi mais atuante. Por
exemplo, no ano de 2016, ela produziu 1.077 unidades e vendeu 1.099 no mercado
interno. No ano de 2013 fabricou 2.345 tratores e comercializou 2.087 unidades no
Brasil. Inclusive, no ano de 2014 a Agrale exportou 454 tratores de rodas.
Aliás, anteriormente mencionamos que a partir de 2010 foi criado o
Programa Mais Alimentos Internacionais (PMAI), com o objetivo de financiar a
exportação de máquinas agrícolas para alguns países da África e para Cuba. Entre
as empresas que usaram o PMAI, destaca-se a Agrale que, por exemplo, no ano
de 2014 acertou um contrato para exportar 320 tratores ao Zimbábue (AGRALE,
2020a) e que no final de 2015 exportou mais 156 tratores para esse mesmo país
africano (AGRALE, 2020b).
A Agritech Lavrale S.A. é outra empresa do Grupo Stédile. Ela foi
incorporada a partir do início da década de 2000, quando a Lavrale adquiriu a
divisão de tratores da Yanmar do Brasil, empresa japonesa que havia se instalado
no país a partir de 1960 e que se destacou na fabricação de motores e micro
tratores391. Na atualidade a Agritech fabrica micro tratores e tratores com até 85 cv
de potência em uma unidade produtiva instalada em Indaiatuba – SP (AGRITECH,
2020a). Além de atuar no mercado interno, também exporta máquinas e
implementos agrícolas para países da África. Por exemplo, no ano de 2014, vendeu
36 tratores e 30 micro tratores para o Senegal e para Gana. Em 2019 fechou um
contrato para exportar 1.085 micro tratores e 3.750 implementos agrícolas (como
arados, plantadeiras, enxadas rotativas etc.) para esses dois países africanos
(AGRITECH, 2020b)392.
Outra empresa nacional que tem sido forte no segmento de máquinas e
implementos agrícolas é a Stara S.A. que, como mencionamos no capítulo 7, surgiu
Agrisa, mudando o nome para Agrale S.A. e transferindo-a para Caxias do Sul – RS. Em 1968 lançou seu primeiro micro trator com quatro rodas. Na atualidade, fabrica tratores e motores na unidade I em Caxias do Sul – RS. Desde 2013, também fabrica tratores em Mercedez, província de Buenos Aires, na Argentina, na sua unidade Agrale Argentina S.A. Além de tratores o Grupo Stedile também fabrica máquinas agrícolas (arados, grades de discos, carretas agrícolas etc.), caminhões, ônibus e motores. Na atualidade, ela produz tratores com potência que varia de 13,2 cv a 220 cv (AGRALE, 2019). 391 A Yanmar do Brasil S.A. continuou produzindo motores em uma fábrica instalada em Indaiatuba – SP e em 2007 mudou a sua razão social para Yanmar South America. Aliás, a partir de 2018 essa empresa voltou a atuar na venda interna de tratores, importando máquinas da marca indiana Solis e comercializando-as com a com vermelha, tradicional da Yanmar (YANMAR, 2020). 392 Geralmente, esses equipamentos são utilizados em pequenas lavouras que cultivam arroz ou produtos da horticultura (AGRITECH, 2020b).
282
no município gaúcho de Não-Me-Toque – RS no início da década de 1950393. Ela
está instalada em uma área de 130 hectares e com 102 mil2 de área construída,
fabricando tratores agrícolas e diversos tipos de implementos, tais como
pulverizadores, distribuidores de adubo autopropelidos, plantadeiras, entre outros.
Ela atua em todos os estados do Brasil e exporta para mais de 35 países, com
atuação em todos os continentes (STARA, 2018).
Ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990 a Stara incrementou seu
portfólio de produtos (fabricando arados, grades, plantadeiras etc.), mas seu grande
salto qualitativo ocorreu a partir de 1999 quando firmou uma parceria com a
empresa alemã Amazone Werke394, especialista em pulverizadores agrícolas, o
que lhe permitiu ampliar e modernizar a sua linha de pulverizadores agrícolas
(STARA, 2018). Como mencionamos anteriormente, a parceria da Stara com a
empresa italiana Argo Tractors também lhe permitiu ampliar o seu portfólio de
produtos, inclusive fabricando até tratores agrícolas com tecnologia da renomada
marca McCormick (STARA, 2019)395.
Os ativos da Stara S.A., segundo a cotação da BM&FBovespa (referente a
30 de setembro de 2019), totalizavam R$ 934,2 milhões. No período de 01 de
janeiro de 2019 a 30 de setembro de 2019, ela obteve uma receita de vendas de
771,2 milhões de reais, com lucro de R$ 97,8 milhões (STARA S.A., 2020)396.
393 A Stara surgiu a partir de 1953 quando Johannes Stapelbroek e Gerrit Jan Rauwers (imigrantes holandeses) fundaram no município de Não-Me-Toque – RS uma ferraria, chamada Stapelbroek, Rauwers & Cia. Ltda, com o objetivo de montar máquinas e implementos agrícolas importados da Europa. Em 1960 a sociedade se desfez e apenas a família de Stapelbroek permaneceu na empresa, que passou a se chamar Stapelbroek & Cia. Ltda. (mais tarde, Stara S.A.), dedicando-se à fabricação de implementos agrícolas (STARA, 2018). 394 A Amazone Werke possui participação acionária na empresa Stara S.A. (STARA, 2019). Essa empresa é familiar (com controle acionário e executivo da família Dreyer) e surgiu em Hasbergen, Alemanha, em 1883, especializando-se em distribuidores de fertilizantes, semeadoras, cultivadores rotativos de solo (cultivadores e grades de discos), semeadoras pneumáticas de precisão, pulverizadores de defensivos agrícolas e equipamentos para agricultura de precisão (piloto automático, sensores diversos etc.). Ela possui fábricas nas cidades de Hude, Altmoorhausen, Leipzig, Bramsche e em Leeden, na Alemanha; uma unidade em em Forbach, na França; outra em Samara, na Rússia; e uma em Mosonmagyaróvár, na Hungria. No ano de 2018 a Amazone obteve vendas no valor de € 481 milhões, exportando cerca de 80% de sua produção para mais de 70 países (AMAZONEN, 2019). 395 Aliás, essas informações ressaltam as colocações que fizemos no capítulo anterior, sobre o atraso tecnológico de alguns setores da indústria brasileira, o que tem obrigado empresas como a Stara firmar parcerias com grupos estrangeiros para adquirir tecnologia de ponta. 396 A composição do capital social da Stara S.A., em 25/04/2019, totalizava 31.484.081 ações ordinárias sendo que, dessas, 89,42% são de controle familiar (do St E Filhos Participações Societárias Ltda.); 10,26% pertencem ao Bndes Participações S.A. (Bndespar) e apenas 0,32% das ações pertencem a Augustín & Cia Ltda., empresa instalada, também, no município de Não-Me-Toque – RS, que atua principalmente no comércio de máquinas agrícolas (STARA S.A., 2020).
283
Não obtivemos informações sobre a quantidade de implementos
comercializados internamente e nem a parte exportada pela Stara, inclusive porque
se trata de um portfólio diversificado de produtos e de modelos. Mas, pudemos
verificar que sua produção já está se inserindo inclusive nos grandes grupos
agrícolas que atuam no país. Além disso, pela pesquisa de campo que realizamos
no Show Rural Coopavel (em fevereiro de 2019), recebemos a informação de que
essa empresa possui diversas patentes de produtos inovadores que, inclusive, são
cobiçados até por grandes concorrentes397.
Outra empresa brasileira desse segmento que é multinacional, é Jacto S.A.
que surgiu no final da década de 1940, pela iniciativa de um imigrante japonês. Na
atualidade, ela possui 15 unidades distribuídas em cinco países. No Brasil, possui
unidades no estado de São Paulo, como no município de Pompéia, onde estão
instaladas a matriz, unidades de armazenagem, borracha, cerâmica, centro de
pesquisa (a Síntegra Surgical Sciences), comércio e uma fábrica de reservatórios
de plásticos (a Unipac que possui mais duas unidades, uma em Limeira e outra em
Paulínia); no município de Quintana está a Jacto agrícola (uma fundição); no
município de Oriente – SP uma unidade de distribuição e no estado do Ceará há
uma unidade da Unipac em Maracanaú. Fora do Brasil ela possui unidades em
Arrecifes, na província de Buenos Aires (a Jacto – Argentina); em Rayong (na
Tailândia) possui a unidade da Jacto Small Farm Solutions – Thailand (fábrica de
pulverizadores portáteis ou costais)398; em Zapopan está instalada a unidade da
Jacto Small Farm Solutions – México (comercial) e no estado do Oregon, nos EUA,
também possui uma unidade comercial (GRUPO JACTO, 2019)399.
Para termos noção da solidez dessa empresa, ressaltamos que no ano fiscal
de 2018 a Jacto obteve uma receita líquida de R$ 1,5 bilhão. Seus ativos totais
397 Por exemplo, um representante comercial da Stara nos relatou que o Imperador 3.0 – que é pulverizador, aplicador de fertilizantes e semeador – é tão importante que quando essa máquina automotriz foi lançada, um concorrente tentou adquirir a sua patente de invenção e que, inclusive, teria ofertado cerca de 150 milhões de reais. Detalhe, em fevereiro de 2019 essa empresa apresentou um mapa (no Show Rural Coopavel) com os clientes por estados do Brasil que já haviam adquirido essa máquina. Até aquele momento já havia comercializado 750 unidades (por cerca de 1 milhão de reais cada), com clientes espalhados em todas as regiões do Brasil. 398 Informações conseguidas junto a um funcionário dessa empresa no Show Rural Coopavel, em fev. 2019. 399 Na atualidade a Jacto está presente em 110 países. Mas, 90% de seu faturamento vem da América Latina, especialmente de clientes do Brasil, Argentina, Paraguai, México, Peru, Equador e Bolívia (GRUPO JACTO, 2019).
284
alcançaram 1,5 bilhão de reais, com lucro líquido de R$ 154,7 milhões e com
margem de lucro de 11,7% (JACTO, 2020)400.
Observamos que as empresas citadas possuem experiência no segmento
de fabricação de máquinas e implementos agrícolas, pois a Jacto e a Stara
surgiram ainda na década de 1950 e o Grupo Stedile no início da década de 1960.
Esse fator é importante, pois aumenta a credibilidade junto aos clientes.
Também, verificamos que essas empresas possuem estratégias de
expansão de mercado. Por exemplo, o Grupo Stedile adquiriu uma concorrente
estrangeira, a divisão de tratores da Yanmar do Brasil, portanto, retirando uma
concorrente do mercado e adquirindo tecnologia dela. A Stara e a Jacto também
possuem suas estratégias de expansão, pois a Stara, como mencionamos
anteriormente, procura lançar produtos inovadores no mercado e faz parcerias de
transferência de tecnologia com importantes empresas internacionais desse
segmento. E observamos que a Jacto tem instalado unidades produtivas em outros
países, além de investir forte em P&D401.
Ou seja, os exemplos dessas empresas nos mostram que o Brasil é capaz
de possuir uma indústria competitiva, especialmente no segmento de máquinas e
implementos agrícolas que temos estudado.
Porém, como mencionou Kupfer (2004) uma nova política industrial deverá
ter em foco que o setor de bens de capital necessita de apoio governamental,
inclusive para sua consolidação patrimonial, bem como para assegurar seu
mercado. Caso contrário essas empresas terão dificuldades para enfrentar a
concorrência estrangeira (o que aliás temos verificado nessa pesquisa).
8.7 A Financeirização da Indústria de Máquinas Agrícolas
Quando falamos em “financeirização da indústria de máquinas agrícolas”,
estamos nos referindo à dinâmica do capital financeiro que, particularmente a partir
400 No ano de 2019 a Jacto foi eleita a mais importante empresa (com atuação no Brasil) do setor de máquinas e equipamentos pelo ranking CIE do Estadão (Empresas Mais), superando outras importantes empresas brasileiras, como a Weg Equipamentos e a Avibrás, e estrangeiras como a Thyssen-Krupp Elevadores (JACTO, 2020). 401 A empresa Jacto tem como meta investir 5% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento, inclusive fazendo parceria de estudo com importantes universidades, como com o departamento de Engenharia da USP e com o Fatec, instituto criado pela própria Jacto na cidade de Pompéia – SP (informações fornecidas por um funcionário dessa empresa – Show Rural Coopavel, 2019).
285
da década de 1980, passou a controlar o capital produtivo, inclusive a indústria.
Os dados e informações que apresentamos, especialmente nesse capítulo,
nos mostram que o “motor” da dinâmica espacial dos grandes grupos da indústria
de máquinas agrícolas é o capital internacional. Esses conglomerados industriais
possuem grande capitalização. Por exemplo, no ano de 2019 a Deere & Company
apresentou uma capitalização de US$ 54,3 bilhões e seu faturamento com vendas
alcançou US$ 39,3 bilhões, com lucro líquido de US$ 3,3 bilhões (DEERE, 2020b).
Quando na pesquisa de campo perguntamos a uma experiente
funcionária402, quem seriam os principais acionistas da Deere & Co., ela nos relatou
que seria Bill Gates, fundador da empresa Microsoft.
De fato, verificamos que no ano de 2019 o maior acionista dessa companhia
era a Cascade Investment LLC, que possuía 8,86% de suas ações (DEERE,
2020a). Essa investidora, trata-se de uma holding que foi criada em meados da
década de 1990 com o objetivo de gerir a fortuna e os investimentos do senhor Bill
Gates (WARWICK-CHING, 2019).
Na atualidade (em 2020), o maior acionista da Deere & Company é o Capital
Research & Management Co., que possui 12,4% de suas ações, enquanto que a
Cascade Investment LLC aumentou sua participação para 10,1%, colocando-se
como a segunda maior acionista dessa gigantesca fabricante de máquinas
agrícolas. Entre os demais acionistas, destacam-se The Vanguard Group, Inc. e
BlackRock Fund Advisors que participam, respectivamente, com 7,37% e 2,42%
das ações da Deere & Co. (DEERE, 2020a).
O Capital Research & Management Company surgiu no estado de Delaware
– EUA, no início da década de 1930, como subsidiário do The Capital Group
Companies, Inc. e atua na gestão de investimentos (fundos de aposentadoria,
pensão etc.) em escala global. Para termos noção da amplitude de atuação desse
fundo de gestão de investimentos, podemos colocar que em 30 de junho de 2019
ele gerenciava aproximadamente US$ 2,2 trilhões de ativos discricionários (que o
Capital Research tem autonomia para executar a ordem sem consultar os
investidores) e mais US$ 6,1 bilhões de ativos não discricionários (CAPITAL
402 Essa informante da pesquisa trabalha no setor de fabricação de máquinas agrícolas há 35 anos, pois se aposentou e continua prestando serviços à unidade da John Deere de Horizontina – RS (pesquisa de campo).
286
GROUP, 2020)403.
The Vanguard Group, Inc. também é um dos maiores fundos de
investimentos do mundo. Em 31 de dezembro de 2018 possuía mais de 20 milhões
de investidores, distribuidos em cerca de 170 países, sendo que em 31 de janeiro
de 2019 seus ativos totais alcançavam 5,3 trilhões de dólares. Esse fundo de
investimentos surgiu em 1975 e sua sede se localiza na Pensilvânia – EUA
(VANGUARD, 2019).
Outro fundo de investimentos de destaque é o BlackRock Fund Advisors que
surgiu em 1988, com sede em Nova York. Em 31 de dezembro de 2018, possuia o
total de 5,98 trilhões de dólares em ativos (LIM, 2019).
Há de se ressaltar que esses fundos de investimentos atuam inclusive em
empresas concorrentes, pois além de serem os principais acionistas da Deere &
Co., como mencionamos anteriormente, The Vanguard e BlackRock também
figuram entre os principais investidores de outros grupos do segmento de máquinas
e implementos agrícolas. Por exemplo, The Vanguard é o 2º maior acionista do
AGCO Corporation, detendo 8,15% de suas ações, enquanto que o BlackRock
aparece na décima posição, sendo proprietário de 2,89% de suas ações (AGCO,
2020)404.
Destacando que a maior acionista do AGCO Corporation é Mallika
Srinivasan, uma empresária indiana que na atualidade é presidente da TAFE Reach
Ltd. e da United Nilgiri Tea Estates Co. Ltd.; presidente executiva e diretora
executiva da TAFE Motors & Tractors Ltd e presidente e Chief Executive Officer
(CEO) da Tractors & Farm Equipment Ltd. Inclusive, em 2011 ela foi diretora do
próprio grupo AGCO Corporation (MALLIKA, 2020). De acordo com o relatório
financeiro anual do AGCO, Malika Srinivasan detém 16,1% do total de suas ações
(AGCO, 2020).
O CNH Industrial NV, em 2018, possuía uma capitalização de US$ 14,5
bilhões, ano em que obteve um faturamento (com vendas) de € 29,7 bilhões, com
lucro líquido de 1,1 bilhão de euros. Esse grupo industrial também tem como
403 Esse fundo de gestão de investimentos gerencia contas de clientes com o mínimo de US$ 1 milhão por contrato (CAPITAL, GROUP, 2020). 404 Lembrando que o grupo AGCO apresenta uma capitalização de 5,5 bilhões de dólares, seu faturamento com vendas, em 2019, totalizou US$ 9,2 bilhões e seu lucro líquido atingiu 337 milhões de dólares (AGCO, 2020).
287
acionistas fundos de investimentos, tais como The Vanguard Group, Inc., que
possui 2,2% de suas ações. Mas, a grande acionista desse conglomerado é a Exor
NV, detentora de 27,2% de suas ações (CNH, 2020).
A Exor NV, com sede em Amsterdã, na Holanda, é uma holding que investe
em diferentes empresas, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, tendo
participação na Fiat Chrysler Automobiles (FCA) e no CNH Industrial, além de ser
proprietária da Juventus F.C. (clube de futebol) da Itália. Sua capitalização é de
18,5 bilões de dólares, obtendo, em 2018, uma receita de € 143,8 bilhões – 76,8%
dessa receita vem da Fiat Chrysler Automobiles e 17,3% do CNH Industrial – e lucro
líquido de 1,3 bilhão de euros. Há de se ressaltar que 53,0% das ações da Exor
pertencem à família Agnelli, fundadora do grupo Fiat de Turim (EXOR, 2020).
Há de se ressaltar que essas holdings e fundos de investimentos controlam
até as maiores corporações industriais dos Estados Unidos. Por exemplo, The
Vanguard Group, Inc., detendo 7,95% das ações, é o maior acionista da Microsoft
Corporation (fabricante de softwares), que na atualidade possui capitalização de
US$ 1,5 trilhão e lucro líquido de US$ 39 bilhões (ano de 2019), constituindo-se
como a segunda maior empresa mundial. O seu segundo maior acionista é o
Capital Research & Management Company, detentor de 7,34% de suas ações,
enquanto que o BlackRock Fund Advisors é o sexto maior acionista, controlando
2,46% das ações da Microsoft405. The Vanguard Group, com 7,29% das ações,
também é o maior acionista da Apple Inc. (fabricante de smartphones, entre outros),
empresa que em 2019 possuía uma capitalização de US$ 1,6 trilhão e lucro líquido
de US$ 55,3 bilhões, constituindo-se como a maior corporação mundial. O
BlackRock é o quarto maior acionista da Apple, controlando 2,32% de suas
ações406.
Capital Research & Management Co., The Vanguard Group e BlackRock têm
atuação internacional, possuindo ações de empresas, tais como a Nestlé S.A.,
405 Os dados sobre essas empresas podem ser acessados pelo visualizador de mercado MarketScreener (no endereço eletrônico: <https://www.marketscreener.com/>). 406 Esses fundos de investimento também são acionistas de outras destacadas empresas. Por exemplo, The Vanguard Group é o maior acionista (com 7,35% das ações) da empresa Alphabet Inc., uma holding que controla sites como o Google e o YouTube e que possui uma capitalização de aproximadamente US$ 1 trilhão, com lucro líquido de 34,3 bilhões de dólares (no ano de 2019). O segundo maior acionista da Alphabet é o Capital Research & Management Co., que controla 4,98% de suas ações, enquanto que e o BlackRock é proprietário de 2,42% das ações dessa empresa, sendo o seu quinto maior acionista.
288
Roche Holding AG e Novartis (suíças); Royal Dutch Shell e Unilever N.V. (anglo-
holandesas); SAP AG, Siemens AG e ThyssenKrupp AG (alemãs); L’Oréal e Total
(francesas), entre outras. No Brasil esses fundos são acionistas de empresas, tais
como a Petrobras S.A.; Ambev S.A.; Banco do Brasil S.A.; Weg S.A.; JBS S.A.,
entre outras407.
Aparentemente, os grandes grupos fabricantes de máquinas agrícolas são
independentes, pois são os líderes mundiais nesse segmento. Porém, quando
analisamos a sua distribuição acionária, verificamos que eles são controlados por
“meia dúzia” de fundos de investimentos, um capital financeiro imperialista que,
praticamente, partilha o mundo de acordo com seus interesses.
Como mencionamos anteriormente, devido às incertezas de uma economia
cíclica, na qual periodicamente os custos produtivos aumentam e a demanda
encolhe, as empresas mais fortes acabam por “engolir” grande parte de suas
concorrentes. Esse fator também pode ser observado ao analisarmos as taxas de
lucro dessas empresas. Por exemplo, ao efetuarmos os cálculos do percentual de
lucro líquido sobre as receitas da Deere & Company, referente ao ano de 2019,
verificamos que a sua lucratividade alcançou 9,32% (um lucro líquido de 3,25
bilhões de dólares para uma receita com vendas de US$ 34,89 bilhões). Porém, no
mesmo ano a taxa de lucro do grupo CNH Industrial foi de 5,06%, enquanto que a
lucratividade do grupo AGCO Corporation foi ainda menor, de 1,38%408. Ou seja a
queda na lucratividade tem feito esses grupos buscarem compensar suas perdas
por meio da concentração de capitais, buscando ganhar em escala ao controlarem
grande parte do mercado.
É essa conjuntura que tem resultado na financeirização, no controle da
indústria de máquinas agrícolas pelos fundos de investimentos e pelas holdings
gestoras de fortunas (enfim, pelo grande capital financeiro). Aliás, se analisarmos
a lucratividade dos grandes bancos do mundo, verificaremos que o setor financeiro
tem sido mais atraente aos homens de negócios do que as atividades industriais.
Por exemplo, no mesmo ano de 2019 a lucratividade do Morgan Stanley S.A. (2º
maior banco do mundo) atingiu 23,42%; o Mitsubishi UFJ Financial Group alcançou
407 Consultar: MarketScreener. 408 Os dados podem ser acessados pelos relatórios contábeis das referidas empresas em visualizadores de mercado, como pelo MarketScreener, por exemplo.
289
23,42%; o Bank of America obteve 28,31% e o maior banco do mundo, o Bank of
China Limited, obteve lucro líquido de 34,12%, o equivalente a cerca de 30 bilhões
de dólares409. Aliás, nesse ano o Banco do Brasil também obteve uma taxa de lucro
alta, 34,21%410.
8.8 A Indústria de Máquinas Agrícolas no País que Desafia o Capital
Financeiro Imperialista
Apesar da ação imperialista dos fundos ocidentais de investimentos que têm
controlado a indústria de máquinas agrícolas, como temos destacado, observamos
que no lado oriental do planeta existem países que têm impulsionado uma dinâmica
político-econômica que se diferencia da grande maioria dos países ocidentais,
especialmente do Brasil que temos estudado.
Além do Japão, que tem se destacado inclusive em outros continentes na
fabricação de máquinas agrícolas, como mencionamos anteriormente, verificamos
que a China, ainda que tenha uma inserção mais recente nesse segmento
industrial, também vem se despontando em nível regional e, inclusive, com
potencial para expandir para o mercado mundial. Uma das maiores empresas
chinesas desse setor é a Lovol Heavy Industry Co., LTD (Lovol), que atua no ramo
de fabricação e comercialização de equipamentos industriais em grande escala,
especializada em equipamentos agrícolas, máquinas para construção, veículos e
serviços financeiros. Trata-se de uma empresa nova, fundada em 1998 com sede
em Jinan, mas que no ano de 2015 já empregava 15 mil funcionários e possuía o
total de US$ 2,4 bilhões de ativos, com receita de vendas de 3,2 bilhões de dólares
(LOVOL, 2019).
No exterior a Lovol comercializa tratores agrícolas da marca Foton. Mas, o
que nos chama a atenção é que apesar de ser jovem, como já ressaltamos, ela
está expandindo suas atividades para o exterior. Por exemplo, a partir de 2011 a
409 Há de se destacar que 67,91% das ações do Bank of China são estatais; sendo que 64,02% de suas ações ordinárias pertencem à Central Huijin Investment Co. Ltd. – que é uma subsidiária da China Investment Corporation (CIC), instituição que administra os investimentos do Estado chinês em seus bancos, como no China Development Bank; no Industrial and Commercial; no Agricultural Bank of China Limited; no China Construction Bank Corporation, entre outros – e mais 3,89% que pertencem à “cooperativas” ou associações também estatais (BANK OF CHINA, 2020). 410 Ver os dados em: <https://www.marketscreener.com/>.
Lovol adquiriu a Arbo, renomada empresa italiana fabricante de tratores e
colheitadeiras. A intenção dessa empresa chinesa é se inserir no mercado europeu
e, inclusive, expandir para outros continentes por meio de tecnologia mais
conhecida no Ocidente411.
Na atualidade a Lovol é a maior fabricante chinesa de equipamentos
agrícolas, com produção anual de 100 mil tratores, 50 mil colheitadeiras, 120 mil
motores a diesel e quase 350 mil conjuntos de eixos e sistemas de transmissão.
Na China, ela é identificada como “national high-tech Company” (LOVOL, 2019)412.
Outra empresa chinesa a ser destacada é a First Tractor Company Limited,
que surgiu em 1955 como um projeto do Primeiro Plano Quinquenal (1953-1957).
Sua sede é em Henan, onde produz máquinas agrícolas (segmento responsável
por mais de 80% de suas receitas), componentes e peças. Ela possui quatro
fábricas de tratores de esteiras e de rodas, além de também fabricar motores de
alta potência. Seus ativos totais são de 10,73 bilhões de yuans o que equivale a,
aproximadamente, 1,5 bilhão de dólares. No ano de 2018 a First Tractor obteve 5,5
bilhões de yuans (RMB) de receitas operacionais. Dessas, RMB 5,1 bilhões saíram
das vendas de maquinaria agrícola o que equivale a, aproximadamente, US$ 735
milhões413. Cerca de 96% de suas vendas são realizadas na própria China (FIRST
TRACTOR, 2020a e 2020b).
O que nos chama a atenção é que ao contrário do que ocorre com empresas
instaladas em países ocidentais, em que a maioria das ações pertencem a fundos
de investimentos, holdings administradoras de fortunas etc., verificamos que o
maior acionista da First Tractor é o próprio Estado chinês, que é detentor de 60,2%
de suas ações (FIRST TRACTOR, 2020b).
O governo chinês controla as ações estatais por meio da State-Owned
Assets Supervision and Administration Commission of the State Council (SASAC)
– Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais do Conselho de
Estado da China (SASAC, 2019). A SASAC foi criada em 2003 (WU, 2019) e a
quantidade de ativos de empresas chinesas que ela administrava, no ano de 2017,
411 Ver matéria publicada pelo portal CompreRural, intitulada: “Chineses querem dominar o mundo com marca italiana de máquinas agrícolas” (CHINESES, 2019). 412 Em seu portfólio de produtos essa empresa oferece, inclusive, sistemas de navegação por GPS e outros componentes para a agricultura de precisão. 413 Cálculo realizado pelo conversor de moedas do Banco Central do Brasil (BCB, 2020).
291
já alcançava 160,5 trilhões de yuans, o que equivale a cerca de US$ 23 trilhões;
portanto, podendo ser apontada como a maior entidade econômica do mundo
(CHINA’S, 2018).
Há de se assinalar que o segundo maior acionista da First Tractor é a China
Huarong Asset Management Co. Ltd., uma holding chinesa de investimentos que
se dedica principalmente à gestão de ativos. Essa gestora opera por meio de três
segmentos: em operações de gestão de ativos em perigo (56,7% dos seus
négócios em 2017); em serviços financeiros e de gestão de ativos e em operações
de investimentos. Apresenta uma capitalização de US$ 6,8 bilhões. Detalhe, o
maior acionista da Huarong Asset é a própria SASAC, que é detentora de 49,4%
de suas ações, enquanto que o segundo acionista é a holding estadunidese
Warburg Pincus LLC, que participa com 8,23% (CHINA HUARONG, 2019).
Ou seja, verificamos que a participação do Estado chinês (especialmente por
meio da SASAC) em empresas de bens de produção, como na First Tractor, por
exemplo, é maior do que aparenta414.
Para não se estender demasiadamente na análise da participação do Estado
chinês em sua economia, o que não é o objetivo principal dessa pesquisa,
ressaltamos que a participação da SASAC é expressiva em setores considerados
estratégicos para aquela nação. Por exemplo, constatamos que o Estado chinês
detém 43,7% das ações do China Merchants Bank Co.; 51,9% das ações da CRRC
Corporation Limited (fabricante de locomotivas ferroviárias etc.); 53,8% da China
United Network Communications (telecomunicações); 54,9% da AVIC Aircraft
Corporation (aviação e defesa); 55,1 das ações da Aviation Industry Corporation of
China (conglomerado aeroespacial chinês); 55,8% da China YangTze Power Co.
(energia elétrica); 55,9% da China Eastern Airlines Corporation Limited (transporte
áereo); 57,4% da China State Construction Engineering Corporation (engenharia
civil); 64,4% da CNOOC Limited (petróleo e gás); 64,5% do controle acionário da
China Railway Group Limited (construtora de ferrovias); 71,1% da China National
Nuclear Power Corporation (usinas nocleares); 71,8% da BAOSTEEL (ferro e aço),
414 O restante das ações da First Tractor, 39,76%, pertencem a estrangeiros. O quinto maior acionista da First Tractor é o já mencionado The Vanguard Group, Inc. dos Estados Unidos, mas que participa com apenas 0,22% do total das ações dessa empresa chinesa.
292
72,2% das ações da China Petroleum Engineering Corporation, entre outras415.
Aliás, Jabbour (2012) entende que a pré-condição do complexo político-
econômico chinês reside, justamente, no controle estatal sobre os setores
estratégicos de sua economia, principalmente sobre o sistema financeiro,
combinado com um eficiente planejamento que tem permitido a essa nação
enfrentar as fortes crises; ao contrário do que tem ocorrido com os países que
aceitaram os preceitos neoliberais – como a abertura desenfreada de mercado e a
desregulação do seu sistema financeiro – e que têm sido duramente atingidos por
essas crises (como o Brasil, por exemplo).
Jabbour, menciona que durante a crise asiática de 2007 a China se voltou
para o mercado interno, utilizando sua capacidade produtiva ociosa ao investir (e
com juros baixos) em grandes obras das quais o país necessitava (nos seus
gargalos para investimentos), além de financiar o próprio consumo interno (isto é,
contribuindo para a formação de demanda)416.
Em relação à indústria de máquinas agrícolas, como mencionamos
anteriormente, há de se observar que desde o Primeiro Plano Quinquenal o
governo da China vem investindo nesse setor, por exemplo, ao estimular o
desenvolvimento de empresas como a já mencionada First Tractor417.
Nessa breve análise, na qual estudamos as ações do governo chinês sobre
a sua economia, nos deparamos com estratégias de planejamento semelhantes às
415 Os dados sobre essas empresas, também podem ser acessados pelo visualizador de mercado MarketScreener (acessamos esses dados em 28 de abril de 2020). 416 Observamos que especialmente em períodos de crise o governo chinês costuma agir imediatamente sobre a sua economia. Por exemplo, verificamos que no início de 2020 o Ministério da Agricultura da China já havia lançado alguns programas para modernizar a sua agricultura, em parte, com a intenção de evitar aglomerações de trabalhadores no setor agrícola, o que não seria aconselhável em tempos de pandemias como da Covid-19. O projeto consiste em linhas de subsídios para os agricultores adquirirem veículos aéreos não tripulados (drones) para a pulverização (o país já possui mais de 30 mil unidades), bem como tratores automáticos e outras máquinas agrícolas inteligentes que são auxiliados pelo Beidou, o sistema de posicionamento por satélite chinês (CHINA, 2020). 417 Há de se destacar que, segundo Guimarães (1979) – em estudo publicado no final da década de 1970 –, a modernização da agricultura chinesa não se apoiou somente na mecanização, mas principalmente no melhoramento genético de sementes, na irrigação de lavouras e na fertilização do solo, pois naquela época a China se valia de um grande contingente de mão de obra existente no campo. Por exemplo, do total de cerca de 107 milhões de hectares de área cultivada, no ano de 1971, um terço delas era irrigada e a produção de fertilizantes químicos passou de 20 mil toneladas, em 1969, para 20 milhões de toneladas no ano de 1973. Enfim, entendemos que esses dados ressaltam a ação do governo chinês sobre a sua economia, especialmente ao prospectar os seus gargalos para investimento e ao planejar as ações a serem efetivadas (e inclusive a dotação de recursos).
293
que o economista brasileiro Ignácio Rangel colocava como alternativas para o
desenvolvimento econômico brasileiro. Ou seja, basicamente a questão do
planejamento e dos investimentos: a utilização da capacidade produtiva ociosa e o
investimento nas áreas de estrangulamento, nos gargalos a serem impulsionados
(RANGEL, 1980).
Pelo menos até o momento, verificamos que o modelo de política econômica
implantado na China tem conseguido estimular sua indústria de máquinas
agrícolas, inclusive por meio de empresas fortemente controladas pelo Estado,
além de possuir empresas de capital nacional que têm expandido para outros
continentes, como a Lovol, por exemplo.
Aliás, há de se frisar que recentemente (em janeiro de 2021) a própria
empresa Lovol Heavy Industry Co., LTD. foi incorporada ao Weichai Group (que
adquiriu 60% de suas ações), uma subsidiária do Shandong Heavy Industry Group
que é um conglomerado industrial controlado pela SASAC da província de
Shandong (WEICHAI, 2021).
Por outro lado, essa pesquisa tem nos mostrado que em um contexto de
abandono da industrialização (ocorrido particularmente a partir da década de 1980)
as principais empresas brasileiras, inclusive do segmento de máquinas agrícolas,
foram desnacionalizadas, sendo engolidas por poucos grupos internacionais
controlados pelo grande capital financeiro ocidental.
294
CONSIDERAÇÕES DA SEÇÃO II
Na segunda seção, verificamos que a política econômica implantada no país
a partir da década de 1980 (apesar de terem passado pelo poder vários governos)
não priorizou o desenvolvimento industrial, o que prejudicou as fábricas nacionais
de máquinas agrícolas.
Como analisamos no quinto capítulo, ainda durante o último governo militar
o país mudou sua política econômica ao atender às sugestões do Fundo Monetário
Internacional, grosso modo, redundando em torno de políticas contracionistas,
visando conter a inflação, restringindo consideravelmente os investimentos e
aumentando as taxas de juros (agravando a recessão). Essa situação contribuiu
para aumentar a capacidade produtiva ociosa da indústria de máquinas agrícolas,
pois o mercado interno encolheu consideravelmente.
No capítulo 6, observamos que durante o governo FHC (1995-2002)
ressurgiram algumas políticas econômicas que amenizaram os efeitos da recessão
sobre a indústria de máquinas agrícolas, especialmente ao se criar planos como de
negociação das dívidas dos produtores rurais, o que deu certo fôlego e até
capacidade de investimentos para os agricultores. Além disso, a partir do
lançamento do Moderfrota (no ano 2000) se fixou as taxas de juros e se ampliou o
tempo para a quitação das dívidas dos financiamentos. Porém, verificamos que o
aumento das vendas, bem como da produção de máquinas agrícolas, só se
intensificou a partir do segundo governo Lula (2006-2010), período em que o
volume de crédito rural aumentou consideravelmente (via PSI Rural) e que os juros
baixaram.
Porém, nesse mesmo capítulo observamos que a partir de 2015 o volume
de crédito rural para investimento voltou a cair consideravelmente, inclusive com a
extinção do programa PSI Rural que desde 2012 vinha oferecendo grande volume
de crédito, inclusive a juros mais baixos. Essas medidas fizeram reduzir
drasticamente as vendas internas e, consequentemente, a produção desse
segmento industrial.
Como analisamos no sétimo capítulo, na atualidade a indústria de máquinas
e implementos agrícolas instalada no Brasil se concentra, basicamente, em dois
estados, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Também destacamos que essa
295
indústria é atraída por vários fatores, tais como pela proximidade à indústria de
autopeças e componentes, pela força de trabalho qualificada para essa atividade
e, principalmente, pelo seu mercado consumidor. Isto é, se instalando
preferencialmente em regiões com destaque no setor agrícola.
Também no sétimo capítulo, observamos que as empresas desse segmento
procuram se modernizar, mas que elas têm sido obrigadas a recorrer às onerosas
importações, à medida que vários setores da indústria brasileira têm apresentado
defasagem tecnológica, inclusive devido à falta de apoio governamental.
Por fim, no capítulo 8 observamos que a indústria de máquinas agrícolas que
atua no Brasil, atualmente, é oligopolizada, pois a produção de tratores,
colheitadeiras e implementos agrícolas, em grande parte, é controlada por “meia
dúzia” de marcas pertencentes a apenas três grandes grupos industriais. Aliás,
esses conglomerados estão subordinados ao grande capital financeiro
internacional que, inclusive, tem controlado as principais empresas globais, com
exceção das economias de alguns países do Oriente, particularmente da China.
296
CONCLUSÃO
Essa pesquisa nos levou a defender a seguinte tese:
1) A formação social brasileira contribuiu para que o desenvolvimento de
sua indústria de máquinas agrícolas fosse tardio e dependente do capital
externo. Porém, há de se ressaltar que foram elementos de sua própria
sociedade que, mais tarde, promoveram a industrialização do país,
inclusive desse segmento industrial;
2) As condições para o desenvolvimento da indústria brasileira de máquinas
agrícolas foram impulsionadas pelo Estado. Portanto que a mudança de
rumo na política econômica nacional (pós 1980) representou um duro
golpe sobre as empresas desse setor;
3) O principal atrativo para a instalação da indústria de máquinas agrícolas
no Brasil é, basicamente, o potencial agrícola do país que contém terras
para expandir as lavouras e uma frota de máquinas a ser renovada. Isto
é, um mercado consumidor em potencial.
4) Nessas condições, verificamos que para ocorrer uma retomada da
industrialização brasileira (levando-se em consideração os interesses
nacionais) se torna mister a ação do Estado, que deverá se empenhar na
criação de instrumentos de planejamento econômico capazes de
enfrentar o protagonismo do capital financeiro imperialista.
Quando escrevemos que a formação social do país contribuiu para atrasar
seu desenvolvimento industrial, nos referimos ao que Rangel (1981) chamou de
dualidade básica da economia brasileira; isto é, que o Brasil vem sendo comandado
por pactos de poder, sintetizados por classes sociais com interesses comuns, mas
também contraditórios. Por exemplo, no capítulo 1 mencionamos que até o final do
século XIX praticamente não existiam condições materiais para o desenvolvimento
da indústria de máquinas agrícolas (faltando produção de ferro, etc.) porque as
classes que estiveram no poder priorizaram a agricultura para exportação, porém
apoiada no trabalho braçal (inclusive no trabalho escravo), não mecanizado.
A partir das informações do quadro 10, podemos comparar as fases de
desenvolvimento da indústria de máquinas agrícolas do Brasil com a de outros
países:
297
Quadro 10 Fases da industrialização em países pioneiros na indústria de máquinas agrícolas e no Brasil – 1830-2020
Período Principais acontecimentos
Em outros países No Brasil 1830-1850 1834 – Nos EUA, Cyrus McCormick
lança uma colheitadeira puxada por cavalos. 1837 - O ferreiro John Deere, nos EUA, fabrica o primeiro arado com ferro forjado. 1847 - Surge, no Canadá, a empresa Massey Manufacturing Co.
1830 a 1850 - Surgimento de diversas fábricas artesanais de ferramentas agrícolas, localizadas especialmente na província de Minas Gerais.
1850-1900 1864 - Surge a empresa (Deutz A.G., na Alemanha, primeira fábrica de motores do mundo. A empresa Kuhn começa fabricar implementos agrícolas na França. 1869 - A JI Case Co., dos EUA, lança o primeiro trator movido a vapor. 1892 - John Froehlich fabrica nos EUA o primeiro trator a gasolina. 1895 - É fundada a New Holland Machine Company nos EUA.
1874 a 1890 - Ocorre a instalação (especialmente na província de São Paulo) de algumas importadoras de máquinas agrícolas, tais como a Grande Fundição Sidow; Cia. Mac Hardy; Grande Officina Mechanica Arens; Lidgerwood & Comp.; Cia. Mecânica Importadora de São Paulo e a Oficina Mecânica e Agrícola De Antoni & Cia., essa instalada no Rio Grande do Sul. Elas também passaram a fabricar máquinas e equipamentos mais simples para a agricultura.
1900-1930 1917 - A Ford lança nos EUA o trator Fordson que dominaria o mercado desse país ao longo da década de 1920. 1921 - A empresa Henrich Lanz AG da Alemanha fabrica o trator Lanz Bulldog, que funcionava tanto a gasolina como a óleo vegetal. 1925 - A International Harvester (IH) dos EUA fabrica o Farmall, primeiro trator para uso geral na agricultura.
1908 - Surge em SP a Indústrias Nardini (ferramentas e implementos agrícolas). 1912 - Surge em RS a empresa Mernak e Cia. (trilhadeiras e outras máquinas agrícolas). 1919 - Se instala no estado de SP a Ford do Brasil, inclusive importando tratores agrícolas dos EUA. 1920 - Instalação em SP da Dedini Indústria de Base (máquinas para o setor de cana-de-açúcar). 1929 - Instalação em SP da Indústrias Romi S.A. (máquinas para o setor de cana-de-açúcar).
1930-1960 1951 - Surge a empresa Valtion Metallitehtaat (Valmet Oy) na Finlândia. 1953 - Fusão das empresas Massey-Harris, dos EUA, e Ferguson-Brown, da Inglaterra, dando origem à Massey Ferguson.
1945 - Surge em RS a empresa Schneider & Logemann (SLC). 1953 - Surge em RS a empresa Moinhos Santa Rosa Ltda. (mais tarde, Ideal S.A.). 1957 - É instalada a Massey Ferguson do Brasil no estado de SP. 1959 - Lançamento do Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas. 1960 - É instalada no estado de SP a Valmet do Brasil. 1960 - É criada no estado de SP a Companhia Brasileira de Tratores (CBT).
298
1960-1980 1962 - Surge nos EUA a empresa Ford Tractors Operations. 1968 - O grupo Deutz A.G. adquire parte das ações da empresa Fahr A.G., surgindo a Deutz-Fahr na Alemanha. 1979 - Inserção da Deere & Company, dos EUA, na fabricação de máquinas agrícolas no Brasil ao adquirir parte das ações da SLC.
1965 - Criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR). 1965 - A empresa nacional Schneider Logemann (SLC) fabrica a primeira colheitadeira automotriz do Brasil. 1970 - A Indústria de Máquinas Agrícolas Ideal S.A. (nacional) fabrica sua primeira colheitadeira automotriz. 1971 - Instituição do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND). 1974 - Lançamento do II PND. 1975 - A multinacional New Holland instala uma fábrica de colheitadeiras automotrizes no estado do PR.
1980-2000 1986 - A Ford Tractors Operations dos EUA adquire a New Holland, surgindo a Ford New Holland Inc. 1990 – Surge, nos EUA, o grupo AGCO Corporation. 1991 - A FiatAgri da Itália adquire a Ford New Holland Inc. 1994 - A AGCO Corporation adquire as ações globais da Massey Ferguson. 1999 - Fusão das empresas FiatAgri, da Itália, com a Case Corporation dos EUA, dando origem à CNH Global.
1983 - O grupo financeiro nacional Iochpe adquire o controle acionário da Massey Ferguson do Brasil. 1984 - O grupo financeiro Iochpe adquire o controle acionário da fábrica de colheitadeiras Ideal S.A. 1996 - A AGCO Corporation adquire do grupo financeiro Iochpe-Maxion a marca Massey Ferguson do Brasil, bem como a Ideal S.A. E surge no estado do PR a Montana Indústria de Máquinas S.A. 1997 - Falência da Companhia Brasileira de Tratores (CBT). É fundada no estado do RS a divisão de máquinas agrícolas da Metasa S.A. 1999 - A multinacional Deere e Co. adquire a totalidade das ações da empresa brasileira SLC.
2000-2020 2004 - A AGCO Corporation adquire a empresa finlandesa Valtra Corporation (inclusive a unidade instalada no BR). 2011 – Criação, na Itália, da Fiat Industrial Spa. 2013 – Fusão, na Holanda, das marcas Fiat Industrial e CNH Global, dando origem ao grupo CNH Industrial N.V.
2005 - O Kuhn Group da França adquire a empresa brasileira Metasa S.A. 2007 - A AGCO Corporation adquire a empresa brasileira Sfil. 2014 - A AGCO Corporation adquire a totalidade das ações da empresa brasileira Santal. 2014 - O Kuhn Group adquire a empresa brasileira Montana Indústria de Máquinas.
Fonte: Dados apresentados nos quadros 1 e 8 e outros coletados em pesquisa de campo.
Portanto, os dados do quadro 10 nos mostram que na segunda metade do
século XIX, em países como os Estados Unidos e a Alemanha já se produzia
motores, máquinas a vapor e outros equipamentos agrícolas. Porém, no Brasil (e
praticamente apenas na província de São Paulo) ainda estava se instalando as
primeiras oficinas para o conserto de máquinas importadas e para a fabricação de
instrumentos agrícolas mais simples, utilizados especialmente nas lavouras de café
e de cana-de-açúcar. Da mesma forma, observamos que nas três primeiras
décadas do século passado já se intensificava a fabricação de tratores agrícolas
299
nos EUA e na Alemanha, mas no Brasil ainda predominavam algumas pequenas
fábricas destinadas ao reparo de máquinas agrícolas importadas e que,
paulatinamente, também começaram fabricar implementos (em maioria de tração
animal), geralmente utilizados nas lavouras de cana-de-açúcar do estado de São
Paulo e nas lavouras de arroz do Rio Grande do Sul.
Por outro lado, pelos dados do mesmo quadro 10 podemos constatar que a
partir da década de 1960 reduziu o atraso tecnológico da indústria brasileira de
máquinas agrícolas, que começou fabricar até tratores, colheitadeiras e outros
implementos mais sofisticados. Lembrando que a fabricação de tratores, em
maioria, era realizada por filiais de multinacionais estrangeiras (que importavam
tecnologia de seus países de origem), mas a produção de colheitadeiras era feita
por empresas nacionais que, em meado da década de 1970, já apresentavam um
estágio tecnológico que lhes permitia competir com as máquinas importadas.
Há de se ressaltar que o pacto de poder firmado a partir dos anos 1930
introduziu na política brasileira um novo elemento, o interesse dos agricultores mais
modernos aliado aos objetivos de uma classe industrial que emergia no país,
primeiramente representada pelo governo Vargas e, a partir da segunda metade da
década de 1950, por Juscelino Kubitschek (JK).
Quando assinalamos que o Estado contribuiu para o desenvolvimento da
indústria brasileira de máquinas agrícolas, ressaltamos que isso ocorreu porque,
especialmente a partir das décadas de 1940 e 50, ele passou a estimular a
industrialização ao planejar a economia. Entre as principais iniciativas, destacamos
que desde a década de 1930 vinha aumentando consideravelmente a produção
siderúrgica (com empresas como a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira), que se
consolidou a partir do início da década de 1940 com a criação de estatais como a
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Portanto, com empresas que melhoraram
a oferta e a qualidade da matéria-prima (ferro e aço) essencial para esse segmento
industrial. Além disso, observamos que a partir da segunda metade da década de
1950 a indústria de máquinas agrícolas se beneficiou da estrutura fomentada pelo
setor automotivo (autopeças e componentes) que também havia se instalado no
país a partir do apoio estatal, especialmente pelos diversos instrumentos contidos
no Plano de Metas.
300
Há de se ressaltar que a fabricação interna de tratores também foi
impulsionada diretamente pelas políticas econômicas, mais especificamente pelo
Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas que a partir de 1959 atraiu para
o país as fábricas estrangeiras de tratores agrícolas que, por sua vez, estimularam
a instalação das fornecedoras de autopeças e componentes, empresas que
inclusive dariam condições para a instalação das primeiras fábricas nacionais de
colheitadeiras agrícolas.
Outra ação governamental influente para o desenvolvimento da indústria
brasileira de máquinas agrícolas, foi a elaboração dos Planos Nacionais de
Desenvolvimento, especialmente o II PND (de 1974), que tinham como meta
aumentar a produção interna de tratores e máquinas para a agricultura, bem como
fomentar a formação de demanda para esse segmento industrial ao enfocar na
modernização da agricultura do país. Da mesma forma, há de se destacar a criação
do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), ocorrido em 1965, que organizou o
crédito rural, estimulando consideravelmente as vendas de máquinas agrícolas,
particularmente durante a década de 1970.
Ressaltamos que as políticas econômicas de incentivo à indústria, bem como
à formação de demanda, são tão importantes que a partir da década de 1980,
quando a industrialização deixou de ser prioridade – e que o volume de crédito rural
diminuiu consideravelmente (inclusive com aumento das taxas de juros) –, as
vendas internas de máquinas e implementos agrícolas caíram drasticamente,
refletindo nas principais empresas desse segmento industrial, que passaram a
operar com grande capacidade produtiva ociosa, praticamente, em todo o período
que abrange as décadas de 1980 e 1990.
Aliás, verificamos que a retomada da produção brasileira de máquinas e
implementos agrícolas só ocorreria a partir da década de 2000 (especialmente em
sua segunda metade) porque, de certa forma, renasceu o apoio a esse setor,
especialmente por meio da formação de demanda, pois se criou programas de
crédito rural para investimento, tais como o Moderfrota (no ano de 2000) e o PSI
Rural (em 2009). Inclusive, observamos que a demanda para a indústria de
máquinas agrícolas voltou a desaquecer a partir de 2013, justamente quando
novamente diminuiu o volume de crédito rural para investimento e as taxas de juros
voltaram a subir.
301
No capítulo 7, ressaltamos que a indústria de máquinas agrícolas instalada
no Brasil tem se beneficiado da oferta de trabalhadores qualificados para esse
segmento. Há de se lembrar que a qualificação dessa mão de obra não ocorre
apenas em faculdades e universidades privadas, mas principalmente a partir de
cursos técnicos, de graduação e pós-graduação (de Engenharia Mecânica, entre
outros) ofertados por instituições públicas, tais como pela UFRGS, UTFPR, UFPR
e USP. Isso mostra que nesse sentido as empresas desse setor têm sido apoiadas
pelo Estado brasileiro.
Porém, como abordamos também no sétimo capítulo, o Brasil tem sido mais
atraente ao grande capital que investe na indústria de máquinas agrícolas, devido
ao seu potencial agrícola; por apresentar um índice de mecanização inferior ao dos
países desenvolvidos (inclusive abaixo da média mundial); por possuir uma frota
de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas envelhecida e, principalmente,
por possuir uma grande área cultivada, inclusive com possibilidade de ser ampliada.
A pesquisa de campo nos mostrou que a defasagem tecnológica de vários
setores da indústria brasileira tem prejudicado a fabricação de máquinas agrícolas,
pois as empresas têm que importar grande parte das peças e componentes
utilizados na produção devido à falta de fornecedores nacionais. Constatamos que
os principais componentes que esse segmento industrial tem importado são os
eletrônicos, especialmente itens para a chamada agricultura de precisão, tais como
pilotos automáticos, sensores diversos para o plantio, sensores para a colheita,
sistemas de mapeamento de lavouras, entre outros, que geralmente são trazidos
dos Estados Unidos e da Alemanha. Mas, também identificamos a importação de
motores a diesel (trazidos da Argentina e da China, por exemplo), eixos, sistemas
de transmissão (importados especialmente da Índia e da China) e até itens mais
simples, tais como carrocerias e cabines para tratores (entre outros) que têm sido
importados de países como a Coreia do Sul.
Aliás, a instabilidade monetária (“adoçada” com o termo câmbio flutuante)
também tem se levantado como um obstáculo, à medida que encarece as peças e
componentes importados, especialmente nos períodos de desvalorização cambial.
Por outro lado, quando o real está supervalorizado ocorre o oposto, isto é, favorece
as importações, mas inclusive as de máquinas agrícolas, o que também prejudica
a produção interna desse setor.
302
De certa forma, essa pesquisa nos mostrou que as indústrias multinacionais
têm fornecido produtos de qualidade à agricultura brasileira, além de gerar
empregos, entre outros benefícios. Mas, não podemos deixar de mencionar que o
Brasil carece de políticas de apoio a sua indústria, pois se isso ocorresse poderia
aumentar a geração de receitas ao próprio Estado; geraria mais empregos e,
inclusive, com melhores remunerações (já que os salários médios no país estão
entre os menores do mundo, como abordamos no capítulo 8); além de poder
promover um reinvestimento interno, o que poderia tornar a indústria nacional
menos dependente das importações.
Aliás, Kupfer (2004) apontou como uma das diretrizes para uma nova política
industrial brasileira a atração de filiais de empresas multinacionais, porém sob uma
política de regulação do capital estrangeiro. No seu entendimento, nessa condição
os grupos estrangeiros serão mais importantes para o desenvolvimento industrial
do país.
Bielschowsky, Squeff e Vasconcelos (2015), também verificaram que as
multinacionais podem ser importantes para o desenvolvimento econômico do país,
mas com a condição de que se formem joint-ventures com as empresas nacionais,
tanto do setor privado quanto do público. Para esses autores, essa seria uma forma
de se apropriar de tecnologia e recursos que auxiliariam na formação de grandes
grupos empresariais brasileiros, inclusive com capacidade para atuar em escala
global.
Quando afirmamos que o Estado brasileiro deveria estimular o
desenvolvimento industrial, estamos nos referindo à própria história econômica do
país, recordando de planos, tais como de instalação da indústria automotiva; das
primeiras fábricas de tratores de rodas; dos PND’s, entre outros. Também,
apoiamo-nos nos caminhos trilhados por alguns países da Ásia. Por exemplo,
ressaltamos a experiência do Japão (com empresas como a Kubota); da Índia (com
empresas como a TAFE e a Mahindra); da Coreia do Sul (LS Tractor) e
especialmente da China (com empresas como a Lovol e a First Tractor), que têm
se mantido em seus mercados internos e, inclusive, até expandido para a Europa
e América do Norte. Aliás, há de se notar que na China tem ocorrido uma
participação estatal direta em sua indústria de máquinas agrícolas, como
destacamos no último capítulo.
303
Como escreveu Rangel (2005), um projeto de industrialização tem que levar
em consideração a combinação dos fatores (os meios de produção, as matérias-
primas e insumos, bem como a força de trabalho), tendo em mente que,
preferencialmente, a fabricação dos bens de produção têm que ser realizada
internamente, só importando o que ainda não for possível produzir no país, mas
com a condição de pelo menos exportar o equivalente ao valor dos equipamentos
importados.
Mas, como abordamos nos capítulos 5 e 6, nas últimas décadas as políticas
econômicas desregularam a economia do país, abriram as contas de capitas,
colocaram o controle inflacionário e o superávit primário como imperativos,
apostando que essas ações atrairiam investimentos externos e que esses
cuidariam do “destino da nação”. Porém, como verificamos (especialmente no
capítulo 8) o objetivo do grande capital externo (dos fundos de investimentos etc.),
que têm partilhado praticamente todo o planeta, é o controle do mercado e a
garantia de lucratividade o que, em si, não garante que a sociedade brasileira será
beneficiada.
O Brasil se industrializou (inclusive o segmento de fabricação de máquinas
agrícolas) utilizando a sua capacidade produtiva ociosa, os meios técnicos
cristalizados nas fases anteriores, pois as políticas governamentais estimularam a
formação de polos industriais que, grosso modo, constituíam-se em complexos de
empresas (e de diversos setores da produção) reunidas em determinadas áreas.
No caso da indústria de máquinas agrícolas as fábricas se concentraram nos
estados de São Paulo e no Rio Grande do Sul. O desempenho desses polos na
produção industrial (e para o desenvolvimento econômico em geral) apontava que
seria aconselhável o planejamento estatal, já que o sistema econômico sendo
cíclico (com fases de prosperidade, mas sucedidas por períodos de crise e
recessão) tornaria a sobrevivência dos negócios incerta, como destacaram, por
exemplo, Keynes (1983) e Galbraith (1982).
Porém, essa pesquisa nos mostrou que o planejamento, cada vez mais, terá
que atuar contra um agente praticamente “invisível”, mas que controla toda a
economia. Estamos falando dos grandes grupos financeiros internacionais, aqueles
que já chamaram a atenção de Lênin (1987) ainda no início do século passado e
que, provavelmente, também o impressionariam na atualidade pelo seu
304
protagonismo.
Aliás, em um estudo recente, Jabbour et al. (2020) afirmam – inclusive
fundamentados no pensamento de Rangel – que a China é um exemplo de país
que avançou no planejamento a ponto de atingir uma “economia do projetamento”,
que tem buscado superar as incertezas keynesianas (típicas das economias
capitalistas) ao substituir os valores de troca e de uso por outra forma de regulação,
o custo benefício. Isto é, se apoiando na produção com utilidade social, inclusive
conseguindo evitar o desemprego que tem sido um problema comum nos países
onde não há uma atuação estatal eficiente. Para esses autores a China tem
conseguido implantar essa nova forma de regulação econômica ao controlar o seu
sistema financeiro, bem como sua moeda.
Há de se observar que esse tipo de iniciativa depende fundamentalmente do
protagonismo do Estado porque, como mencionamos anteriormente, inclusive com
base no pensamento keynesiano, as incertezas do mercado (derivadas do caráter
cíclico da economia) desencorajam os investimentos da iniciativa privada,
especialmente os que são de longo tempo de maturação. Além disso, como
destacou Schacht (1999), especialmente nas fases recessivas da economia se
exige uma eficiente engenharia de criação de recursos, já que eles são mais
escassos nesses períodos.
Por essa linha de entendimento, podemos pensar que se a intenção for
resgatar o projeto de industrialização brasileira, especialmente no que se refere ao
segmento de fabricação de máquinas agrícolas (imprescindível para um país com
destaque mundial no agronegócio), é imperativa a ação estatal. Grosso modo,
acreditamos que é necessário a presença de um Estado forte que apoie a formação
de grandes empresas nacionais, pois devido à concorrência estrangeira se torna
mister a produção em escala e, de preferência, que controle desde o acesso à
matérias-primas até a logística de distribuição da produção final. Em outras
palavras, que aproxime a indústria a seus fornecedores e ao mercado consumidor.
Tomando emprestado um termo utilizado por Barbosa Lima Sobrinho (1990),
diríamos que o capital se faz em casa.
Acreditamos que se persistirem as políticas econômicas calcadas no ajuste
fiscal (com medidas contracionistas), tendo como objetivo o superávit primário e
cortando radicalmente os investimentos públicos, como vem ocorrendo no Brasil
305
nas últimas décadas, podemos imaginar que continuará o processo de
desmantelamento da indústria do país, inclusive com a desnacionalização das
poucas fábricas de máquinas agrícolas que restaram.
Essa é a lógica aparente, a lógica formal do processo. Porém, como a
história vem nos mostrando, o desenvolvimento econômico não é simples e formal.
Ao contrário, é conflitante. Por exemplo, como mencionaram Rangel (1981) e
Mamigonian (2000) o Brasil se industrializou por uma “via prussiana” – semelhante
ao que Lênin (1982) observou ocorrer na Rússia –, liderada por uma classe
empresarial dissidente do velho comércio agroexportador; mais particularmente por
empresários e políticos progressistas, tais como Getúlio Vargas, oriundo do
latifúndio ainda com características feudais, porém com a mente aberta à
modernização, ao desenvolvimento econômico do país.
Aliás, há de se lembrar que foi nesse país, movido pelas contradições, que
surgiram grandes empreendedores da indústria de máquinas agrícolas, tais como
Américo Romi (fabricante do primeiro trator brasileiro); Mário Dedini (pioneiro na
fabricação de máquinas para o setor sucroalcooleiro); Mário Pereira Lopes
(fundador da CBT, empresa que ousou competir com as multinacionais fabricantes
de tratores agrícolas) e Jorge Logemann e Baldoíno Schneider (fabricantes da
primeira colheitadeira automotriz do país). Inclusive, é nesse mesmo país que na
atualidade atuam grupos empresariais como das famílias Nishimura (empresa
Jacto), Stapelbroek (empresa Stara) e Stedile (Agrale e Agritech), que têm se
destacado em escala nacional e internacional.
Acreditamos que com apoio de políticas econômicas mais eficientes a
industrialização brasileira poderá ser retomada e esses grupos empresariais serão
importantes nesse processo, pois possuem experiência forjada na concorrência
com os grandes grupos internacionais que atuam no país.
Enfim, entendemos que o título dessa tese, “de um projeto de
desenvolvimento nacional à subordinação ao capital externo”, resume a
complexidade abordada nessa pesquisa, que versa sobre a dinâmica da indústria
brasileira de máquinas agrícolas.
306
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325
BRASIL. Resolução BACEN nº. 2.699. Institui o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras, ao amparo de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Agência Especial de Financiamento Industrial (FINAME), destinado ao financiamento de itens de investimento. Diário Oficial. Brasília, 25 de fevereiro, 2000. ______. Lei n.º 10.200. Acresce e altera dispositivos da Lei no 8.929, de 22 de agosto de 1994, que institui a Cédula de Produto Rural, e dá outras providências. Casa Civil. Brasília, 14 de fevereiro de 2001. ______. Resolução BACEN nº. 3.068. Dispõe sobre o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota). Diário Oficial. Brasília, 28 de fevereiro de 2003.
Meios Eletrônicos
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YANMAR. Lexicar Brasil. Disponível em: <http://www.lexicarbrasil.com.br/yanmar>. Acesso em: 13 jan. 2020. ZAFALON, Mauro. Venda de máquinas agrícolas dobra na Argentina e favorece Brasil. União Nacional da Bioenergia. Disponível em: <https://www.udop.com.br/in dex.php?item=noticias&cod=1153618>. Acesso em: 24 out. 2019. 75 ANOS de Austoft: Case IH celebra início da mecanização da colheita de cana. CNH Industrial – press. Disponível em: <http://www.cnhpress.com/pagina/352/visu alizarelease.aspx?codigo=NTcwMw==>. Acesso em: 20 out. 2019.
LISTA DE EMPRESAS SELECIONADAS PARA A PESQUISA DE CAMPO
AGCO do Brasil Soluções Agrícolas. Visita de estudo. Local: Canoas – RS, 14 nov. 2019. CNH Industrial (CNH Latino América). Visita de estudo. Local: Curitiba – PR, 12 fev. 2020. John Deere do Brasil. Visita de estudo. Local: Horizontina – RS, 17 jun. 2019. Show Rural Coopavel. Visita de estudo. Local: Cascavel – PR, 08 fev. 2019. Werner Implementos Agrícolas Ltda. Visita de estudo. Local: Campo Erê – SC, 08 abr. 2019.
342
ANEXO 2
Quadro I Evolução da taxa Selic de juros no Brasil – 1996-2018
Ano Período de vigência
Taxa Selic
(% a.a.) Período de vigência
Taxa Selic
(% a.a.)
Mínima Máxima
2018 21/06/2018 a 01/08/2018 6,40 08/02/2018 a 21/03/2018 6,65 2017 08/09/2017 a 25/10/2017 8,15 12/01/2017 a 22/02/2017 12,90 2016 20/10/2016 a 30/11/2016 13,90 28/04/2016 a 08/06/2016 14,15 2015 22/01/2015 a 04/03/2015 12,15 30/07/2015 a 02/09/2015 14,15 2014 16/01/2014 a 26/02/2014 10,40 30/10/2014 a 03/12/2014 11,15 2013 17/01/2013 a 06/03/2013 7,12 10/10/2013 a 27/11/2013 9,40 2012 11/10/2012 a 28/11/2012 7,14 19/01/2012 a 07/03/2012 10,40 2011 20/01/2011 a 02/03/2011 11,17 21/07/2011 a 31/08/2011 12,42 2010 18/03/2010 a 28/04/2010 8,65 22/07/2010 a 01/09/2010 10,66 2009 23/07/2009 a 02/09/2009 8,65 22/01/2009 a 11/03/2009 12,66 2008 06/03/2008 a 16/04/2008 11,18 11/09/2008 a 29/10/2008 13,66 2007 06/09/2007 a 17/10/2007 11,18 25/01/2007 a 07/03/2007 12,93 2006 18/10/2006 a 29/11/2006 13,67 19/01/2006 a 08/03/2006 17,26 2005 20/01/2005 a 16/02/2005 18,25 19/05/2005 a 15/06/2005 19,75 2004 20/05/2004 a 16/06/2004 15,79 18/11/2004 a 15/12/2004 17,23 2003 20/11/2003 a 17/12/2003 17,32 24/04/2003 a 21/05/2003 26,32 2002 18/07/2002 a 21/08/2002 17,86 21/11/2002 a 18/12/2002 21,90 2001 18/01/2001 a 14/02/2001 15,19 20/09/2001 a 17/10/2001 19,07 2000 23/11/2000 a 20/12/2000 16,38 16/12/1999 a 19/01/2000 19,00 1999 07/10/1999 a 10/11/1999 18,87 05/03/1999 a 24/03/1999 44,95 1998 30/07/1998 a 02/09/1998 19,25 08/10/1998 a 11/11/1998 42,12 1997 01/07/1997 a 31/07/1997 19,04 01/11/1997 a 30/11/1997 45,90 1996 01/07/1996 a 31/07/1996 23,98 01/09/1996 a 30/09/1996 25,40
Nota: Como são muitas reuniões anuais, cada qual estabelecendo uma taxa básica de juros (SELIC), o que tornaria essa exposição muito extensa e exaustiva, optamos por utilizar apenas as menores e as maiores taxas anuais.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB (2019).
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AMAZÔNIA
SERTÃONORDESTINO
NORDESTEAÇUCAREIRO
CENTROOESTE
EXTREMOSUL
FIGURA A1 ÁREAS ALIMENTARES DO BRASIL - ANOS 1940
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de mapa organizado por Castro (1946)
LEGENDA
Área de fomeendêmica
Área de epidemiasde fome
Área de sub-nutrição
.
344
FIGURA A2 PRINCIPAIS CARÊNCIAS EXISTENTES NASDIFERENTES ÁREAS ALIMENTARES DO BRASIL - ANOS 1940
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de mapa organizado por Castro (1946)